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Copyright© 2023 JUSSARA MANOEL

LION – CLUBE DOS CRETINOS – LIVRO ÚNICO – LIVRO 4

Revisão: Sophia Castro

Capa: Sil Zafia

Diagramação: Sil Zafia

____

É proibida a reprodução total e parcial desta obra, de qualquer forma

ou por qualquer meio eletrônico, mecânico, inclusive por meio de processos

xerográficos, incluindo ainda o uso da internet, sem permissão de seu editor

(Lei 9.610 de 19/02/1998). Esta é uma obra de ficção, nomes, personagens,


lugares e acontecimentos descritos são produtos da imaginação do autor,

qualquer semelhança com acontecimentos reais é mera coincidência.

Todos os direitos desta edição são reservados pela autora.


Sumário

Sinopse

Avisos

Playlist

Prólogo

Fase um

Capítulo 1

Capítulo 2

Capítulo 3

Capítulo 4
Capítulo 5

Capítulo 6

Capítulo 7

Capítulo 8

Capítulo 9

Capítulo 10

Capítulo 11

Capítulo 12

Capítulo 13

Capítulo 14
Fase dois

Capítulo 15

Capítulo 16

Capítulo 17

Capítulo 18

Capítulo 19

Capítulo 20

Capítulo 21

Capítulo 22

Capítulo 23
Fase três

Capítulo 24

Capítulo 25

Capítulo 26

Capítulo 27

Capítulo 28

Capítulo 29

Fase Quatro

Capítulo 30

Capítulo 31
Capítulo 32

Capítulo 33

Capítulo 34

Capítulo 35

Capítulo 36

Capítulo 37

Capítulo 38

Capítulo 39

Capítulo 40

Capítulo 41
Capítulo 42

Capítulo 43

Capítulo 44

Capítulo 45

Capítulo 46

Capítulo 47

Capítulo 48

Capítulo 49

Fase Quinta

Capítulo 50
Capítulo 51

Capítulo 52

Capítulo 53

Capítulo 54

Capítulo 55

Capítulo 56

Capítulo 57

Capítulo 58

Capítulo 59

Capítulo 60
Capítulo 61

Capítulo 62

Capítulo 63

Capítulo 64

Capítulo 65

Epílogo

Uma espiada em Oliver – Spin Off

Agradecimento

Ordem dos livros – Clube dos Cretinos

Redes sociais
O que acontece quando um cretino sedutor se apaixona por uma

nerd?

Lion Bianco é gostoso, popular, atleta e herdeiro do vinhedo mais

conhecido da Serra Gaúcha. Um dos membros do Clube dos Cretinos, sua

vida, aparentemente perfeita, esconde uma relação familiar conturbada.

Ariela Schmidtz é tão tímida e estudiosa que não percebe o quanto

sua beleza chama a atenção dos rapazes. Com a vida toda planejada pela

mãe, ela não tem tempo para pensar em namoro.


A nerd virgem e o capitão do time de futebol seria a história clichê

perfeita, se não fosse por um detalhe familiar capaz de arruinar tudo.

Ariela é a única coisa que Lion não pode ter. Ele é o único rapaz que

ela não deveria jamais desejar.

Como controlar a paixão irresistível e proibida que nasce entre eles?


Lion é o quarto livro da série de livros independentes: Clube dos

Cretinos.

A UFBG, universidade onde o livro se passa, é fictícia.

O livro contém gatilhos como: violência, violência psicológica,

aborto, consumo de álcool e drogas.

 
Clica aqui para ouvir a Playlist do livro.

 
Ariela 

Bento Gonçalves – Rio Grande do Sul

Me abraço quando uma leve brisa passa pelo meu corpo, fecho os

olhos quando o aroma da terra, misturado com as árvores, chega até mim, e

respiro fundo...

— Eu amo passear por aqui. — Dou um pulo ao escutar a voz de

Lion atrás de mim.


Me viro, o encontrando com as mãos dentro dos bolsos da calça,

uma expressão de cautela, seriedade, que nunca tinha visto nele antes,

dando passos curtos e lentos em minha direção.

— Sempre me acalma e consigo organizar meus pensamentos —

completa a fala.

Volto a olhar para a frente, controlando o nervosismo que Lion está

causando em mim.

Ele para ao meu lado e parece lutar com demônios internos. Assim

como eu, ele não está sabendo lidar com todo o desenvolver da história dos

nossos pais.

— Agora somos uma família. — sua voz está cansada e tediosa. —

Vamos conviver na mesma casa, realizar refeições juntos, nos esbarrar pelos
cômodos, e mesmo que tentemos fugir da presença um do outro, vai ser

impossível.

— A casa é enorme, Lion, não vejo problema nisso — solto, e escuto

sua risada rouca e profunda, não acreditando muito no que acabo de dizer.

— Vamos mesmo conseguir esquecer o que houve entre a gente? —

pergunta, interessado, se virando para mim.

Seus olhos atentos para me ler, querendo entender tudo o que sinto

em relação ao casamento, à nossa nova vida como família.

— Eu já esqueci, Lion — conto e ele continua me encarando, em

busca de qualquer sinal de mentira, fragilidade.

Me viro para Lion quando ele se aproxima mais de mim, deixando

uma distância mínima entre nós dois, e me recuso a dar um passo para trás,
isso seria a confissão que ele precisa, e necessito continuar com a minha

mentira, não mostrar que ele ainda mexe comigo, que sonho com seus

beijos a noite antes de dormir, e que agora, o calor que emana dele me causa

arrepios e fraqueza.

Lion não me toca, ele não precisa disso para causar em mim as

benditas borboletas no meu estômago, e temo que ele saiba.

— Vejo que não teremos impedimento para ser uma família feliz,

assim como nossos pais esperam da gente — ele sussurra, seu hálito de

menta tocando meu rosto. — Seremos um exemplo de irmãos.

O tom de voz com que ele solta a última palavra é de escárnio, posso

perceber o quanto odeia dizer isso, e não consegue esconder de mim, creio

que não consiga esconder de ninguém.


Lion se inclina, e fecho os olhos quando sinto seus lábios tocarem a

pele do meu rosto, sem pressa para se afastar, uma tortura para mim.

— Lion — murmuro seu nome, sem forças para me distanciar,

engolindo em seco, louca para levantar as mãos e tocá-lo com meus dedos

frios pelo nervosismo.

— Bem-vinda à família Bianco, Ari — sussurra, fazendo de

propósito.

Mesmo depois de ter se passado vários segundos da sua partida,

fiquei de olhos fechados, deixando com a brisa a obrigação de tranquilizar

os batimentos acelerados do meu coração.


Porque são todas as pequenas coisas que você faz

Que me lembram porque me apaixonei por você

(Those Eyes – New West)

 
Lion

Bento Gonçalves – Rio Grande do Sul

Sexta-feira, 18 de novembro de 2011

O suor desce pelas minhas costas, molhando a camisa branca e azul

do time de Bento Gonçalves, gotículas se acumulam na minha testa, porém

ainda continuo correndo. Desvio do jogador lateral do outro time, meu foco

na bola e na rede poucos metros à minha frente.


Sei que faltam poucos segundos para o jogo acabar, e se eu errar um

passo, as chances de acertar o gol deixam de existir.

Continuo desviando dos jogadores, seguindo com meus passes, até

estar diante do gol e chutar a bola para dentro da rede.

Não paro de correr e muito menos olho para trás para ter certeza que

a bola entrou. Alguns colegas do time me abraçam, dando tapinhas nas

minhas costas em comemoração.

Isso tudo não passa de treinamento, não um jogo de verdade, o

êxtase de estar jogando contra um time adversário, em um campeonato em

que a competição é mais acirrada, é diferente.

O jogo acabou, a aula de educação física está encerrada, e todo

mundo segue para fora do campo de futebol.


Levanto a barra da camisa, para secar o rosto, mesmo sabendo que

estou indo direto para o vestiário, para tomar um banho.

Ao descer a camisa, sentindo ainda as batidas nas minhas costas

pelos meus amigos de sala pelo jogo que ganhamos, viro minha cabeça para

o lado direito, olhando a pequena arquibancada com bancos de cimento, e é

em um deles que a vejo sentada, vestindo um cardigã azul marinho.

Algumas mechas do seu cabelo caem por cima dos seus óculos de aros finos

e redondos, tapando levemente a sua visão que está focada em um livro.

Eu sei que ela usa os óculos somente para leitura, como já vi

algumas vezes, e ela fica linda com ou sem eles.

A leve brisa faz seus cabelos loiros claros soltarem de trás da sua

orelha quando os prende, tentando domá-los. Já faz um tempo que Ariela


Schmidtz vem chamando minha atenção, mas nunca a vi olhar para mim,

nem uma única vez, diferente das outras garotas.

Ela morde o lábio concentrada na leitura, franzindo o nariz quando

algo chama sua atenção, e sorri logo em seguida, um sorriso discreto, me

mostrando que algo bobo no livro causou essa reação.

Ariela é a garota mais linda do colégio, e mesmo que nunca

tenhamos conversado, ela me causa um nervosismo só de pensar em falar.

Sigo andando, mas tento inclinar minha cabeça para ler o título do

livro que está em suas mãos, porém sem sucesso.

Antes de virar o corredor que dá em direção ao vestiário, percebo

sua amiga Giulia aparecer e se juntar com ela no banco. O livro é


esquecido, e as duas engatam em uma conversa animada, assim viro de vez

no corredor.

Tenho vontade de conhecê-la, saber das coisas que ela gosta, se tem

músicas preferidas, filmes, sua cor favorita, comida, se temos algo em

comum. Quero saber mais, além das informações que possuo, que são

pequenas como a que está cursando o nono ano, é melhor amiga de Giulia

Ricci, completou quinze anos há alguns meses, ama ler, é centrada e

estudiosa.

Respiro fundo, tenho que encontrar o momento perfeito para isso,

quero estar apresentável para causar uma boa impressão, e preciso de

alguns conselhos, que neste caso meu pai não serviria, ele é fechado demais

e sem tempo para me ouvir, preocupado apenas em exigir de mim coisas

que não estão ao meu alcance ainda.


Após a aula, do lado de fora da escola, é a mãe de Eros que me

espera dentro do carro, com um sorriso radiante, que consigo ver há alguns

metros de distância.

Hoje é sexta-feira, passarei o final de semana na casa dos Giordano,

como costumo fazer junto com os rapazes desde que nos tornamos amigos,

por isso ela veio nos buscar.

Frequentar a casa dos Giordano se tornou o nosso hobby preferido, o

que só intensificou a amizade, à medida que íamos crescendo e nos

tornando inseparáveis.

Enquanto ando em direção ao carro, vejo Ariela mais a frente, indo

em direção ao carro que a espera, sua mãe costuma buscá-la todo dia. Seus

cabelos balançam com o seu movimento, e tenho a sensação de sentir o

aroma de rosas que saem deles.


Ariela não está mais usando os óculos de leitura, e a forma que anda

com postura, cabeça erguida e passos firmes, a faz parecer como se

estivesse em uma passarela, tendo atenção voltada totalmente para ela, e é

exatamente isso que vejo quando olho para os lados, porém ela segue sem

dar atenção a ninguém, sinto até mesmo como se fosse inalcançável, me

causando a sensação de que não terei chances com ela.

Ela entra no carro, ao mesmo tempo que chego ao Volvo de Elena, e

como é de se esperar, não percebe a minha presença, mas antes que eu

possa entrar no veículo, a vejo virar a cabeça para a janela do carro e me

olhar através do vidro, meu estômago gela, mas os poucos segundos não

são o suficiente para eu poder acenar com a mão, porque logo o carro com

Ariela vai se distanciando.


Ela nem deve saber quem eu sou, acenar para ela causaria um

estranhamento.

Entro no carro, com meu estômago revirando com o que acabo de

sentir, e encontro Eros no banco da frente, e Natan e Gabriel no de trás. Me

dando conta de que Artho e Dimitri deverão ir para casa de Eros depois.

Precisei ficar mais alguns minutos para conversar com o professor

sobre uma dúvida na matéria, e por esse motivo eles chegaram ao carro

primeiro.

— Tia Elena — cumprimento ela com um beijo no rosto, quando me

inclino, passando por cima de Natan, para chegar até ela.

— Oi, querido, como foi hoje? — pergunta, com um sorriso

carinhoso.
Meu carinho e amor por Elena são enormes, o seu amor e cuidado

comigo supre o que não tive da minha mãe, que foi embora quando eu ainda

tinha cinco anos.

— Foi ótimo — digo, ao me lembrar de Ariela, tenho a sensação de

que, vê-la no colégio todos os dias, deixa tudo melhor.

Me desperto dos pensamentos da garota que venho tendo uma queda

quando Natan me cutuca para voltar ao meu lugar, fazendo uma careta

quando piso em seu pé na volta.

— Você está muito rabugento — resmungo para Natan, que revira os

olhos.

— Estaria melhor se não pisasse no meu pé — murmura de volta, e

Gabriel dá risada ao lado do irmão.


Eros bufa no banco da frente, soltando uma risada.

— Podemos ir ou vocês dois vão ficar de chilique? — Eros pergunta,

e se vira para nos olhar, ele me lança um olhar divertido. — Quando é que

vai convidar aquela garota para sair?

— Que garota? — Natan e Gabriel perguntam ao mesmo tempo,

intercalando os olhos entre mim e Eros.

— Não tem garota nenhuma — digo, ignorando as expectativas

deles.

Como ele sabe que estou interessado em alguém? Achei que

estivesse sendo discreto. Eros consegue ser reservado e sério, mas tem o

dom de ser observador e sacar as coisas antes de todo mundo.


Eros ri quando os meninos começam a me encher de perguntas, e se

endireita no assento quando sua mãe começa a sair do estacionamento, me

deixando lidar com a curiosidade dos dois, até Elena intervir ao meu favor,

pedindo para me deixarem em paz.

Em vez de ir diretamente para o lado de fora da casa onde iremos

almoçar juntos, quando chegamos na casa dos Giordano, vou para o

escritório de Gustavo, pai de Eros, onde ele passa muitas horas do seu dia

quando não está viajando a trabalho.

Dou algumas batidas na porta, esperando sua permissão para entrar.

Gustavo sorri assim que abro a porta, e faz um gesto para que eu entre.

Começo a me questionar se isso é realmente uma boa ideia.

Acabo me sentindo um idiota ao ficar parado no meio do cômodo

depois de fechar a porta, me sentindo nervoso o suficiente até mesmo para


cumprimentar Gustavo.

— Oi, tio Gustavo, está ocupado? — questiono, fechando a mão em

punho para aliviar um pouco a inquietação que sinto, tenho a sensação de

que as batidas aceleradas do meu coração podem ser escutadas por qualquer

um, pelo som que emitem ao bater na caixa torácica.

Ele franze a testa, se levantando da cadeira para chegar até onde

estou ao perceber minha agitação, pela sua expressão séria agora, está

preocupado que tenha acontecido alguma coisa.

— Está tudo bem, Lion? — pergunta, dando batidinhas nas minhas

costas.

Assinto. Gustavo nos guia para sentar em um sofá pequeno do lado

oposto da sua mesa de trabalho.


— Está, sim, nada com o que se preocupar — garanto a ele, que não

parece convencido.

Gustavo conhece a relação conturbada que tenho com meu pai, e

como isso me prejudicou há algum tempo quando a pressão excessiva de

Pedro Bianco começou a afetar os estudos, a minha relação com os

meninos, com ele e Elena. Foi onde Gustavo interviu, precisando conversar

com meu ele.

Na época, Pedro não aceitou que outro homem se metesse na forma

que “educava” o filho, manchando o seu orgulho, mas Gustavo soube lidar

bem com a situação, sempre sabendo o que fazer e falar.

Gustavo e Elena são um porto seguro para mim e meus amigos desde

que éramos pequenos, e posso afirmar o quanto Eros tem sorte de tê-los

como pais.
— É sério, eu... hm, eu, na verdade, preciso de um conselho — digo,

sentindo vergonha ao encará-lo.

Ficar com as garotas sempre foi fácil, os meninos e eu chamamos

muita atenção no colégio, mas, dessa vez, eu não sei como chegar em

Ariela, de alguma forma a atração que eu sinto por ela é diferente, e com

dezesseis anos não havia sentido isso ainda.

— Que conselho você precisa, filho? — pergunta, relaxando no

encosto do sofá. — Parece tenso, não me diga que se meteu em algo

errado?

— Não — digo rapidamente, ele solta uma risada e percebo que a

pergunta não passou de uma brincadeira. — É sobre uma garota.


— Já imaginava que tinha uma mulher no meio — Gustavo continua

sorrindo ao dizer, fazendo um gesto com a cabeça para eu continuar.

— Não sei como chegar nela — digo de uma vez e olho para ele. —

Ariela é o tipo de garota que não daria bola para mim, é inteligente, linda,

ama ler, e tenho certeza que tem todo o futuro planejado. — Pauso,

procurando mais adjetivos para descrevê-la.

— Entendi, ela é a garota — afirma, e assinto, não conseguindo

esconder um sorriso, que provavelmente é um daqueles que me deixam com

cara de bobo. — Sabe qual conselho te dou?

Nego com a cabeça, e ele se endireita para poder ter meus olhos

focados nele.
— Seja você mesmo, Lion. Não precisa fingir, se realmente for

especial como você demonstra que ela é, sua garota vai gostar de você por

quem você é. — diz, sincero e simples.

— Só isso? — pergunto, franzindo a testa. — Foi esse conselho que

deu a Eros quando ele começou a namorar a Lívia?

Ele dá risada.

— Não, Eros não me pediu conselho nenhum, meu filho é teimoso,

gosta de resolver as coisas por si só.

Escuto o orgulho que ele sente por Eros no seu tom de voz.

— Respondendo à sua primeira pergunta: sim, é só isso que tenho a

te dizer, você é um rapaz bonito, educado, simpático e romântico. — Ele

pausa para sorrir, quando faço uma careta. — Eu poderia ficar citando suas
qualidades, e dizer inúmeras coisas para se sentir confiante e falar com

Ariela, mas não preciso, vai se sair bem.

Suas palavras de alguma forma fazem o tumulto dentro de mim se

acalmar, e me emociono ao escutar coisas que nunca ouvi do meu próprio

pai.

— Obrigado, tio Gustavo — agradeço, feliz.

— Deixa disso — fala, me puxando para um abraço. —  Me orgulho

de ter você como um dos meus filhos.

Sinto o choro preso na minha garganta, e aperto os braços em volta

dele. Sou sortudo em ter Gustavo e Elena na minha vida, e como minha

amizade com Eros e os meninos me proporcionou tudo isso.


A porta do escritório se abre, e escutamos a voz de Elena em

seguida.

— Atrapalho? — sua voz doce e suave nos afasta do abraço para

olhá-la.

Gustavo levanta, dando tapinhas em meus ombros, logo em seguida,

caminha em direção à esposa, deixando um beijo delicado em seu rosto.

— Jamais, querida — Gustavo diz, e os olhos de Elena estão em

mim quando me levanto também.

Ela me olha com atenção, buscando qualquer resquício de problema.

Sorrio para que tenha certeza de que está tudo bem, e a vejo relaxar

segundos depois.
— Então, podemos almoçar? Artho e Dimitri já chegaram e estão

ameaçando comer tudo, causando confusão com os meninos.

Assinto, rindo.

Ao passar pela porta, Elena entrelaça seu braço ao meu, com

Gustavo logo atrás, andamos juntos para o fundo da casa, onde avisto uma

mesa enorme, posta e arrumada, com diversos pratos de comida.

Dou risada quando vejo Eros brigando com Gabriel por algo que não

consigo entender, Artho dando risada com o modo que Natan implica com

Dimitri, dando petelecos na orelha do amigo e ele revidando ao passar uma

chave de braço pelo pescoço de Natan.

As risadas e falações dos meus amigos, e a companhia do casal

Giordano, me trazem o conforto e a sensação de estar em casa.


Ariela

Sexta-feira, 24 de novembro de 2011

— A única coisa que pode garantir o seu futuro é estudar ou casar

com um homem rico — escuto a frase da minha mãe me acompanhando

enquanto desço do carro.

Claudia Schmidtz mais uma vez pregando seu ditado favorito para

mim, pela segunda vez no dia.


Passo pelo portão pequeno de grade para entrar em casa, andando

pelo pequeno caminho de pedra até a porta de entrada. Em volta, a grama

está bem cortada e verdinha.

A frente da casa não é completamente murada, tem as colunas, mas é

tudo com grade, incluindo os portões. A pintura cor creme das paredes

combina com o marrom da madeira das janelas e da porta.

— E sabemos que um homem não pode garantir isso — ela continua

dizendo, e até sei suas próximas palavras. — Temos como exemplo: seu

pai, que me deixou com você ainda criança para sustentar sozinha.

Paro no corredor, que tem uma porta que leva para a cozinha, outra

para a sala de estar e, mais a frente, as escadas para o andar de cima. A

parede branca de gesso em forma de tijolos do lado esquerdo da entrada,

tem fotos minhas em quadros com tamanhos diferentes, com idades


distintas. Ainda não entendo como minha mãe acha que isso é favorável

para o hall de entrada.

— Eu sei, mãe — respondo, suspirando, a vendo se aproximar de

mim.

Ela passa os dedos pelos meus cabelos loiros, enrolando as pontas,

um tique que costuma fazer quando quer minha atenção nela, meus olhos

fixos nos seus.

— Você sabe que pego no seu pé para o seu bem, não quero que

perca as oportunidades que perdi por ter me envolvido com o seu pai na

adolescência e logo ter engravidado — declara.

Meu estômago aperta por causa da inquietação, sinto as paredes se

fechando ao meu redor e o peso sobre os meus ombros.


Eu sinto a culpa nas entrelinhas, mesmo que ela não expresse

abertamente, eu a vejo lá, acenando para mim, dizendo que devo isso a

minha mãe e não posso decepcioná-la.

— Ok, agora suba, termine o cronograma de estudos de hoje, que

teve atraso por conta do ensaio da valsa do aniversário da Giulia — diz,

colocando uma mecha do meu cabelo atrás da orelha. — Daqui a uma hora,

iremos jantar — finaliza, e sorri antes de se virar e levar para a cozinha as

compras do mercado.

Sinto minha garganta seca quando subo os degraus, cada passo no

automático, entro no meu quarto e jogo a mochila no canto ao lado da porta

antes de fechá-la.

Jogada na cama, observo as estrelas fluorescentes brilhando no teto

acima da minha cama. Tenho mania de olhá-las, formando pontos


invisíveis, uma constelação, repasso diversas vezes na minha cabeça, até

sentir a paz e a calma me ajudando a organizar a mente e voltar para a

realidade novamente.

O aromatizador de flores no meu quarto tem o poder de deixar o

cômodo aconchegante, dando a sensação de ser o único lugar que posso me

refugiar do alto controle de Claudia.

Não lembro como a vida da minha mãe deu uma reviravolta horrível,

eu era pequena, tinha por volta dos cinco anos de idade, mas sei que tudo

começou quando meus pais se separaram. Perdendo a vida de classe média

que tínhamos, minha mãe teve que se virar para procurar uma casa menor e

se organizar para que tudo, a partir daquele momento, fosse econômico, e

sobreviver, pois meu pai enviava apenas um valor não muito considerável

para ajudar com as minhas despesas.


Sempre foi somente nós duas em Bento Gonçalves, sem família ou

parente. Ela conheceu meu pai em Caxias do Sul com dezesseis anos e ele

com vinte e dois anos. Ela engravidou aos dezessete anos, e isso resultou

em um casamento forçado. E o que na época eles acharam ser amor, poderia

até ter chegado próximo ao sentimento, mas não durou muito.

Eles se mudaram para Bento Gonçalves, onde meu pai recebeu uma

proposta de emprego irrecusável, que melhorou a qualidade de vida da

família. Depois da separação, o que salvou minha mãe foi ter feito o curso

de licenciatura, e na época seu mestrado estava no fim, com isso ela daria

aulas na universidade, melhorando o salário.

Meu pai? Bom, se o vejo uma vez no ano é muita coisa, e não é

como se isso fosse acrescentar em algo na minha vida, ele fez sua escolha
quando decidiu se afastar, achando que a mixaria de dinheiro que mandava

era uma prova de amor eterno, e não sua obrigação como pai.

Levanto, me arrastando até a porta para pegar minha bolsa do chão,

procurando meu diário com o cronograma de estudo do dia. Tudo detalhado

e dividido pela minha mãe, não posso me dar ao luxo de perder a bolsa que

ganhei no colégio particular que estudo.

O desejo dela é que eu faça um bom curso, uma especialização com

potencial para melhorar a minha vida, e se aparecer uma oportunidade fora

do Brasil, seus sonhos para mim se tornariam realidade.

Meu celular vibra dentro da mochila, um SMS de Giulia, animada

para me contar o que rolou quando ela encontrou o irmão de Ícaro e o

amigo dele do lado de fora da sua casa.


Dou risada, porque eu sei da queda que tem pelo Dimitri, e como ele

grita perigo.

Diferente de mim, que fujo de qualquer possível problema que me

fará sair dos trilhos da vida que minha mãe tem planejada para mim.
Lion

Sábado, 10 de dezembro de 2011

Não faz nem dez minutos que Dimitri ligou me chamando para ir

com ele à festa de quinze anos de Giulia Ricci, e já estou descendo as

escadas, segurando a capa protetora que contém meu terno dentro.

Giulia é melhor amiga do irmão do Dimitri, e pelo que entendi, Ícaro

está doente e não vai poder ir à festa e dançar a valsa com ela como foi
ensaiado, e já que ele é o par dela, isso estragaria tudo, sobrou para Dimitri

ir e salvar a noite de princesa da garota, e se tornar ele o par de Giulia.

Isso não é ruim, já que Giulia parece chamar atenção dele e, de

quebra, terei a oportunidade de ver Ariela e conversar com ela como venho

planejando fazer há dias. Me sinto nervoso só de imaginar estar perto dela.

— Lion. — Paro no último degrau quando escuto meu nome ser

chamado.

Sua voz rouca e grave tem o efeito de me causar tensão. Viro o corpo

para encontrar meu pai, parado no topo da escada com o olhar frio e sua

mandíbula travada, que mostra seu desgosto por estar me vendo sair a essa

hora.

Preciso me preparar para a conversa desagradável que vamos ter.


— Para onde está indo? Não disse que iria passar o final de semana

estudando? — pergunta, seus olhos passam pela capa protetora do terno e

sua sobrancelha levanta em questionamento.

— Eu fui convidado para ir ao aniversário de uma amiga do colégio

— digo, omitindo a verdade, preciso saber levar a conversa ao ponto de

convencê-lo a me deixar sair essa noite sem causar confusões, é o melhor

passo.

Ele começa a descer as escadas e eu uso esse momento para

continuar falando.

— O aniversário é da Giulia Ricci, filha do...

— Eu sei de quem ela é filha — seu tom duro corta a minha fala.
Meu pai nunca deixou de ser um homem intimidador, frio e

calculista, e só piorou com o passar dos anos.

Cresci na base da pressão em ser o melhor sempre, sendo o boneco

guiado e monitorado por Pedro, tendo em mente que isso tudo um dia será

meu, e que a responsabilidade de guiar e seguir com os negócios recairá em

meus ombros.

Hoje, eu não tenho mais certeza se quero isso, meus planos

mudaram, ainda quero estudar aqui, mas pretendo me mudar assim que me

formar, e trabalhar na Editora Giordano em São Paulo.

— Eu estava indo te procurar para dizer que vou à festa e

provavelmente dormirei na casa de Eros para não voltar tarde — continuo a

dizer, quando ele para na minha frente, me observando.


— Estava mesmo? — pergunta com sarcasmo, e preciso respirar

fundo e não deixar o meu lado rebelde vir à tona.

Eu aprendi que, em certas situações, eu deveria ficar calado e

obedecer, estudar e seguir os planos que ele tem do futuro para mim, sendo

o único herdeiro dos negócios Bianco, é esse o esperado, mas isso vem

mudando com o tempo, o que nos faz discutir muitas vezes.

— Pai, podemos conversar outra hora? — digo, me virando para sair,

sabendo que suas meias palavras prolongariam a conversa desnecessária. —

Amanhã cedo estarei aqui.

— Eu não te dei permissão para sair, Lion — rosna, e paro me

virando para ele novamente. — Está na hora de deixar seus amigos de lado

e focar no que realmente importa.


Bufo.

— Faltam mais dois anos para terminar o colegial e ingressar na

faculdade, os Giordano e seus amigos não vão facilitar sua vida depois —

cospe de um jeito esnobe que odeio. — Muito menos perdendo o seu tempo

com o futebol de merda.

Minha reação às suas palavras ridículas é fechar as mãos, sentindo a

força que coloco atravessar a capa protetora e amassar o tecido da roupa

que irei usar. Para ele, a única coisa que importa é que eu esteja aqui,

seguindo o que determina, pessoas como amigos não valem de nada.

— Deveria já ter percebido que o que faço com o meu tempo não vai

prejudicar em nada seus planos, se no final vou estar na porra do escritório,

cuidando dos negócios da família como é o seu desejo — declaro, vendo


uma veia aparecer no meio de sua testa, furioso ao ouvir minhas palavras.

— Eu não preciso da sua permissão para sair, pai.

Me viro de volta, ignorando sua fúria dirigida a mim em forma de

palavras pesadas e duras. O vento frio da noite toca minha pele quando saio

de casa, trazendo junto o aroma da plantação de uvas que se encontram há

vários metros no vinhedo localizado do outro lado da residência.

Seu Luís já me espera ao lado do carro, pronto para me levar para a

casa de Eros. Aceno com a cabeça o cumprimentando, entrando no carro

apressado, torcendo para que meu pai não me siga e faça uma cena do lado

de fora.

Luís dirige pelo caminho de cascalho que dá mais de duzentos

metros até a saída da propriedade. Tanto no lado direito como o esquerdo da

estrada em que estamos, está o vinhedo dos Bianco.


Olho para o retrovisor, pegando os olhos de Luís em mim,

provavelmente está estranhando o fato de que não estou sentado no banco

do passageiro ao seu lado, fazendo piadas e comentários que o levariam a

rir.

Bem, todos que trabalham com a minha família sabem que a relação

com o meu pai não é das melhores, e que volta e meia estamos discutindo.

Luís é o motorista da família, que trabalha para nós há anos,

responsável por me levar para o colégio ou lugares que preciso por ainda

ser menor de idade e não possuir a carteira de motorista. Ele mesmo já

presenciou, em inúmeras ocasiões, conversas desconfortáveis entre pai e

filho.

Meu celular vibra no bolso da calça, e quando o pego, leio a

mensagem de Dimitri me alertando para não esquecer o segundo terno que


emprestarei a Artho para ir à festa.

Dimitri precisa que estejamos todos os cinco com ele, mesmo que

isso signifique que vamos rir se algo não sair como o esperado no momento

da valsa. O nosso lema é estar juntos nos bons e maus momentos.


Lion

A primeira coisa que eu fiz assim que entrei no local da festa de

quinze anos da Giulia, foi procurar Ariela com os olhos por todo lugar.

O local já estava cheio de gente, reconheci alguns rostos por se tratar

de amigos do meu pai, outros colegas do colégio, mas nada dela.

— Relaxa, cara — escuto Natan sussurrar para mim, ao dar um

aperto no meu ombro. — Você está pilhado e ainda nem viu a garota.
Não devo estar escondendo muito bem minha ansiedade em ver

Ariela. Seguimos Dimitri até onde Giulia está para cumprimentá-la, mas

meus olhos não deixam de buscar Ariela.

Ignoro toda a conversa dos meninos, precisando ser presente

somente quando parabenizo Giulia, e após todos a cumprimentarem, nos

afastamos do casalzinho para falarmos com alguns conhecidos.

Localizo Ariela ao lado de uma amiga, conversando e sorrindo de

forma simpática.

Ela está linda com um vestido de festa, fazendo parte do grupo de

damas que compõem as amigas da debutante, a escolha da cor dourada do

vestido parece realçar ainda mais o azul dos seus olhos. Seus cabelos loiros

caem em cachos feitos de um meio coque em cima da cabeça.


— Você vai ficar babando desse jeito? — Artho bate nos meus

ombros, me chamando atenção. — Por que não chega de uma vez na

garota? Nunca teve problema com isso.

Reviro os olhos.

— Você não entenderia — respondo, sua sobrancelha se ergue em

questionamento, e escolho ignorá-lo, já que ele é da bagunça.

— É porque você não experimentou contar.

Vejo quando mais algumas pessoas param para conversar com ela e

sua amiga, e sendo o centro das atenções, parece não saber lidar com a

exposição, Ariela não percebe que sua beleza encanta qualquer pessoa,

inclusive os garotos.
Observo quando Giulia se aproxima do grupo e segura a mão de

Ariela, e as duas começam a andar em nossa direção, com Dimitri ao seu

lado o tempo todo. Minhas mãos começam a suar quando a ficha cai que

chegou o momento que estava esperando todo esse tempo.

Seco minha mão nas calças disfarçadamente quando a vejo se

aproximar, Ariela parece alheia à intenção da amiga ao se aproximar de

mim.

Será que estou bem apresentável? Meus cabelos estão no lugar?

Gustavo disse para ser eu mesmo, mas fica difícil seguir seu conselho

quando a única coisa que queremos é ser perfeito aos olhos de outra pessoa.

— Amiga, esse aqui é Lion — escuto Giulia dizer, porém meus

olhos estão voltados completamente para Ariela. Minha mão treme ao

esticá-la para cumprimentar. — Lion, essa é Ariela, minha amiga.


Ariela sorri, de forma educada, sem saber o que está causando em

mim só de estar à minha frente. Me sinto um idiota, é a primeira vez na vida

que não sei como conversar com uma garota.

Ariela também é apresentada ao restante dos meus amigos, e

semicerro os olhos para Artho quando percebo seu sorrisinho malandro para

ela, por estar do meu lado, consigo dar uma cotovelada discreta nele.

Nem tive tempo de puxar assunto com ela, Ariela foi chamada pela

Tatiana, mãe de Giulia, para ajudá-la com uma questão do vídeo que seria

rodado no momento da homenagem à amiga.

— Tenta sorrir menos na próxima vez — murmuro para Artho,

enquanto observo Ariela se afastar.


— O que eu fiz dessa vez? — pergunta com cinismo, e reviro os

olhos.

Antes de ela entrar na pista de dança com o seu par no momento da

valsa, eu consigo perceber o quanto exala confiança, seu jeito simpático

encanta qualquer pessoa, até mesmo o cara que é seu par.

Ele passa o braço em volta da cintura dela, tentando conduzir a

dança. A delicadeza dos movimentos de Ariela é feita com maestria. Ela

abre um sorriso educado quando o seu par pisa no seu pé, atrapalhando um

pouco os passos, mas segue firme.

O cara parece estar nervoso, e desconfio que seja por causa da

presença dela, e não pelo fato de ter tanta gente à sua volta.
Bufo.

Com toda certeza, eu estaria sendo melhor que ele na valsa.

A parte da valsa acabou, e veio o momento da retrospectiva em

homenagem a Giulia, neste momento acompanhei Artho até a mesa de

comes e bebes para comermos alguma coisa.

A aniversariante, junto com suas damas, trocou de roupa para abrir a

pista de dança com vários remixes. Estava esperando uma brecha para

poder falar com Ariela de novo, mas assim que acaba a apresentação, eu a

vejo subindo para o andar de cima, acompanhando Giulia.

Decido dar uma volta pelo salão, pego algo para beber e converso

com alguns colegas do time de futebol, mas o tempo todo olho para as

escadas, esperando-a descer.


Algum tempo depois, passando os olhos pelos meus amigos, observo

Dimitri ser puxado para uma conversa com o pai de Giulia, e se Eros não

estivesse ao seu lado, eu mesmo iria fazer companhia ao meu amigo.

Donato não engana ninguém, fachada de rico e esnobe, não é à toa que meu

pai e ele se dão bem, e pelo olhar interesseiro que Donato tem ao se dirigir a

Dimitri, meu amigo acaba de ganhar praticamente a benção do futuro sogro,

com planos cheios de ambições para ele.

Dimitri é esperto, e tenho certeza de que já sacou a intenção por trás

de todo sorriso falso e tapinhas nas costas.


Ariela

As palavras de Giulia rondam a minha cabeça enquanto descemos as

escadas para o salão de festas, depois que ela saiu para fazer uma ligação

para Ícaro.

Minha amiga só poderia estar fazendo alguma piada ao falar do

amigo de Dimitri, não era possível o garoto do ensino médio, dois anos

mais velho que eu, estar interessado em mim.


O que não espero é encontrar Lion se aproximando de onde estamos,

ao lado do seu amigo Artho, a quem eu havia sido apresentada também.

Seus olhos estão em mim, e mais uma vez repasso a conversa com Giulia,

não acreditando.

— Você quer dançar? — convida, e me surpreendo quando aceito,

em dúvida se estou fazendo a coisa certa.

Giulia sorri para mim quando me afasto. A música White Flags de

Dido está tocando e permite que o par dance com os corpos próximos, sinto

o estômago gelar quando a mão de Lion toca minha cintura, uma quentura

toma meu corpo quando ele segura minha mão, parece ter sentido algo

semelhante, pois continua segurando e a olha por um tempo, para depois

pousá-la em seu ombro.


Ele não desvia os olhos do meu rosto, e fico sem graça por ter toda

sua atenção em mim.

Lion deve ter mais de um metro e setenta de altura, os seus cabelos

são descoloridos na parte de cima do topete, mas não é só isso que o deixa

tão charmoso, meus olhos descem dos seus cabelos para os olhos castanhos

claros com uma mistura de mel, os lábios carnudos são algo a mais, com

seu tom de pele bronzeado e vestindo um terno do tamanho correto para ele.

— Posso te garantir que danço melhor que seu par da valsa — diz,

me despertando da minuciosa observação pelo seu rosto.

Franzo a testa, entendendo logo a quem Lion está se referindo, e não

consigo segurar o sorriso que abro por constatar que ele percebeu o quanto

Eduardo foi um parceiro desengonçado.


— Não vou pisar no seu pé — finaliza, o humor estampado em seu

rosto e tom de voz.

Ele sorri, e percebo que para Lion, é algo natural, e posso jurar que

no grupo de amigos, ele é considerado o descontraído e bem-humorado.

— Eu agradeço, mesmo achando que você é convencido demais —

ouço sua risada depois do meu comentário, e o som me causa um leve

conforto em estar com ele, mesmo que não tenham se passado dois minutos

direito.

Ele vira a cabeça levemente para o lado, e consigo perceber um

brinco de argola pequena na sua orelha esquerda. Lion Bianco é tipo um

bad boy do colégio, que eu preciso ficar longe, por ser encrenca.
Seu maxilar é bem marcado, e alguns fios dos seus cabelos caem por

cima da testa, tocando a sobrancelha bem desenhada. Tenho vontade de

erguer a mão e jogar as mechas para o lado, mas me controlo.

Não faria diferença se ele fosse um garoto com estilo diferente, não

mudaria nada, minha mãe não permite que eu namore e quer que eu foque

somente nos estudos. Claudia estaria enlouquecendo agora se me visse

dançando com Lion.

Em determinado toque da música, Lion segura minha mão, me

fazendo rodar no lugar, juntando nossos corpos novamente, e tenho

impressão de que estão ainda mais próximos que da outra vez.

Preciso confessar que ele dança bem, mesmo tendo pouca

experiência, Lion consegue me guiar nos passos, sem que eu tenha medo de

tropeçar.
— Você vai passar as férias em Florianópolis com Giulia? —

pergunta. Levanto minha cabeça para fixar meus olhos nos seus, o

movimento deixa nossos rostos a poucos centímetros um do outro.

Pigarreio.

Para Lion não explicar o porquê da pergunta, ele deve imaginar que

Giulia comentou comigo que irão passar o mês de janeiro na casa de praia

dos Giordano.

— Eu não sei — dou de ombros. — Vai depender da mãe de Giulia

convencer a minha.

— Eu torço para que ela consiga — declara, fazendo eu lembrar de

Giulia falando que foi ele quem deu a ideia de me convidar para ir com ela

para Florianópolis, com a intenção de me beijar.


— Por quê? — questiono, e Lion parece estar confuso, como se não

estivesse deixando claro o seu desejo que eu esteja presente.

Para mim não está tão claro, não entendo o porquê de Lion Bianco,

herdeiro do vinhedo da família, rico e popular no colégio, ter olhos para

mim.

— Porque eu quero te conhecer melhor — declara, sua resposta me

pega um pouco de surpresa.

Nenhum garoto antes chegou tão perto assim de mim com essas

intenções, talvez se deva ao fato que não tenho olhos para nada, além dos

meus estudos e as ordens da minha mãe.

Nunca fui beijada, e mesmo que no fundo eu tenha esse desejo do

desconhecido, de saber como é o sentimento, as sensações e o toque dos


lábios nos meus, de alguma forma eu me sinto travada.

Não é isso que eu devo pensar no momento.

— Pode apostar que não tenho nenhum atrativo interessante como as

garotas que você costuma ficar — respondo, de alguma forma tentando

desencantá-lo de algo que não vai rolar entre a gente.

Mas no fundo, por mais idiota que me sinta, desejo que Lion

continue com interesse em mim, mesmo não podendo retribuir.

— E como sabe disso? Sou eu que a vejo todos os dias no colégio,

pensando em várias formas de ir até você para puxar conversa — confessa,

sem nenhuma vergonha.

Lion Bianco passa seus dias no colégio me olhando?


Não posso ser hipócrita e dizer que nunca o vi pelos corredores do

colégio, ou no refeitório com seus amigos. Eles são conhecidos por

chamarem atenção das meninas, além do fato que tanto a família Giordano,

como os Bianco, sejam conhecidos na cidade por serem ricos.

A música acaba e me solto de Lion, estamos nos encarando, me

perco em seus olhos e faço o que estava me controlando para não fazer,

tenho certeza de que me arrependerei quando estiver deitada na cama,

repassando a noite na minha cabeça antes de dormir.  Ergo a mão, a levo até

estar em frente ao seu belo rosto, enfio com cuidado meus dedos entre as

mechas dos seus cabelos que estão caídas sobre a testa, e as movo para o

lado antes de tocarem os olhos de cor intensa.

Ele suspira com o leve toque, e sinto como essa reação vai mexer

comigo por um tempo.


— Eu sei qual é a resposta que você está procurando — sussurro,

descendo minha mão, para a ter entrelaçada com a outra, em frente ao meu

corpo. — E a resposta é não, não perca seu tempo comigo.

Dou um passo para trás, vendo sua expressão confusa tomar conta do

seu rosto, me sentindo mal pela primeira vez em dar um fora em alguém.

— Foi um prazer dançar com você — tento suavizar o comentário

anterior, pronta para virar e me afastar dele.

Foi realmente um prazer dançar com ele, tenho certeza de que

guardarei essa experiência como um dos meus momentos favoritos, mesmo

não tendo tantos.

— Não vou perder a esperança — responde, antes que eu possa me

virar.
O sorriso que Lion abre, me dá a certeza que ele não vai desistir, mas

ele não sabe que consigo ser objetiva em todas as minhas decisões.
Lion

Segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

— Não acredito que ela te deu um fora — Eros zoa, batendo seu

ombro no meu quando saímos da sala de aula em direção ao refeitório.

Eu não tive a chance de conversar com eles depois da festa, precisei

voltar para casa na manhã seguinte por causa do meu pai, que fez questão

de cobrar o combinado ao me ligar às seis horas da manhã.


— Eu ainda não entendi o porquê de você estar perdendo tempo com

ela, com tantas outras garotas no colégio — Artho aparece ao meu lado,

passando o braço pelos meus ombros.

— Artho, você já ficou com quase todas — Natan resmunga atrás de

mim.

— Nas minhas contas, foram todas — Artho rebate o comentário do

nosso amigo. Reviro os olhos quando os dois começam a discussão de novo

sobre quem pegou quem.

Gabriel ajuda o irmão na lista das meninas que Artho ainda não

ficou, e minha atenção não está completamente na conversa, pois assim que

entramos pelas portas do refeitório, meus olhos percorrem as cadeiras e

mesas do local à procura dela.


Com a bandeja em mãos, vamos para a fila pegar o nosso almoço, é

estando nela e olhando em volta que encontro Ariela sentada em uma mesa

no fundo do refeitório.

Ela usa os cabelos presos em um rabo de cavalo, que caem por cima

do seu ombro, seu rosto está inclinado sobre um livro, e está usando seus

óculos de leitura.

Sorrio.

Ao sair da fila, em vez de seguir meus amigos, vou na direção

contrária, na intenção de me sentar com ela, mesmo depois do fora que ela

me deu, que por sinal, eu ainda não consigo entender.

Depois de ter repassado minhas falas na cabeça, até mesmo a forma

que olhei para ela, nada foi fora do normal. E mais uma vez, o pensamento
de que não faço o tipo dela bateu na tecla.

— Você não perde tempo. — Escuto Gabriel comentar assim que me

afasto deles.

Dou de ombros, e sorrio ao seguir em direção à mesa que Ariela está

sentada, que em nenhum momento percebe minha presença, por estar tão

focada na leitura.

— Toc toc — digo, chamando sua atenção, ela me olha confusa no

primeiro momento, sem entender o motivo de estar parado na frente dela.

— Posso te fazer companhia? — pergunto, não querendo ser invasivo

demais, e forçar minha presença.

— Claro — responde simpática, e se endireita na cadeira.


Eu pouso minha bandeja primeiro, antes de me sentar à sua frente.

Ela me encara tentando entender minha presença. Ariela olha por cima dos

meus ombros, na direção que meus amigos estão sentados. Mesmo com a

distância, consigo ouvir suas vozes de longe.

— Estou me perguntando o porquê de estar sentado aqui e não com

seus amigos — comenta, fazendo um gesto com a cabeça em direção a eles.

Sorrio, ela é direta e sem rodeios em seus comentários e perguntas,

ao mesmo tempo que tem a timidez presente.

— Decidi tentar um lugar novo hoje — respondo, bebendo um

pouco do meu suco, me segurando para não rir quando ela franze o nariz.

— Assim? Do nada? — pergunta, e aquiesço. — Hm, ok! — Ariela

morde o lábio, mas vejo um sorriso mínimo se abrir por não levar a sério
minha resposta nada original.

Observo ela empurrar os óculos para cima, que escorregaram pelo

seu nariz. Seus olhos azuis refletindo a curiosidade ao me olhar novamente.

— O que está lendo? — pergunto ao perceber que estamos a vários

segundos encarando um ao outro.

Ariela abre um sorriso pequeno ao direcionar seus olhos para a

imagem de um pássaro que toma toda a capa alaranjada do livro.

— O nome do livro é O sol é para todos, é um dos maiores clássicos

da literatura. — Ariela levanta os olhos ao dizer, e consigo ver seus olhos

azuis brilhando, pela emoção de falar sobre o livro.

— Pela forma que falou, parece ser muito bom — comento, ela

assente, e dou brecha para que ela continue falando.


Quando eu disse que queria conhecê-la melhor, disse a verdade,

qualquer detalhezinho que eu tiver de Ariela, tenho certeza de que vai me

fazer ficar ainda mais encantado por ela.

— A história é narrada pelo ponto de vista de uma criança de oito

anos, que vive em uma cidade pacata no sul do Estados Unidos em 1930, a

pureza dela mostra pelos seus olhos o preconceito racial daquela cidade, e

como a história é sobre justiça, raça, classe e transformação. Está sendo

uma leitura incrível.

Ela para de falar, seus olhos fixos em mim, e percebe o quanto se

empolgou. Suas bochechas ficam em um tom rosado pela vergonha, e

sorrio, não esperando por isso.

— Me desculpa, acho que falei demais — pede, puxando o livro para

perto de si, cruzando suas mãos por cima da capa.


— Não precisa se desculpar, gostei de saber sobre o livro — digo, e

ela parece acreditar. — Você tem algum quote preferido até agora? —

pergunto, querendo ouvi-la falar.

— Já tenho vários. — Ela sorri ao dizer. — Mas um deles é “Ainda

que tenhamos perdido antes mesmo de começar, não significa que não

devamos tentar.” — declara.

— É uma frase que traz reflexão — comento, e ela assente.

Constato feliz que Ariela se sente à vontade na minha presença, até

mesmo porque nos conhecemos no sábado e hoje é a segunda vez que nos

falamos.

Ela pega sua bandeja esquecida no canto, e começa a almoçar, talvez

querendo ter algo para fazer e não focar apenas no silêncio que permaneceu.
Fico procurando em minha mente perguntas para fazer a ela, e poder

novamente ouvir sua voz, nunca havia tido a necessidade de falar de

assuntos que não havia me interessado em puxar com outra garota.

Dimitri e Giulia se aproximam da nossa mesa, e se sentam, nos

cumprimentando.

Giulia, que se senta ao lado da amiga, a olha com uma expressão

questionadora, assim como sinto Dimitri fazer o mesmo comigo.

Vê-los juntos já não me surpreende, os pombinhos estão quase

namorando.

Não esperava que Dimitri, sendo tão reservado, tivesse uma queda

por Giulia Ricci, mesmo meus amigos e eu desconfiando dos seus olhares

para ela quando achou que ninguém estava olhando.


Durante o almoço, eu não consegui parar de olhar para Ariela, até o

momento em que precisei levantar da mesa para o treinamento na quadra

com o time, mas por mim, ficaria, para ter mais tempo com ela e ouvir

sobre suas leituras e quotes preferidos.


Lion

Sábado, 24 de dezembro de 2011

A mesa da ceia está silenciosa, como todo ano na mesma data, nada

muda.

Como sempre, na véspera e no Natal, somos somente eu e meu pai,

como um déjà-vu. Não sinto o clima natalino, nem a magia da data

comemorativa, ou o afeto e o amor, tudo que essa época transcende.


Meu pai come em silêncio, como se eu não estivesse presente na

mesa, sou alguém insignificante, nem nessa época ele se torna sensível.

Passando os olhos pela sala de jantar, sinto a casa fria, o ambiente sem vida.

Como todo ano, Pedro não fez questão da casa ser decorada.

Sem enfeites, sem luz e amor, principalmente sem uma família.

Porque eu não nos considero como uma.

É nessa data que eu sempre penso nela, em como teriam sido esses

anos se não tivesse nos abandonado. Se fosse menos egoísta e entendesse a

importância de ficar. Mas os seus luxos e interesses eram mais importantes

que eu, seu filho.

Lembro de uma conversa que meu pai teve comigo quando eu era

grande o suficiente para entender o peso das suas palavras.


Clarice casou com meu pai no auge dos seus vinte e poucos anos.

Nessa época, ela trabalhava para os meus avós na parte administrativa do

vinhedo, e foi assim que ela conheceu Pedro, quando ele voltou de uma das

suas viagens ao exterior, onde estudava.

Eles se apaixonaram e se casaram meses depois, e em menos de um

ano de casados, Clarice estava grávida de mim. O fato é que, anos depois,

com meus cinco anos, ela foi embora, abandonando a mim e ao meu pai.

Pedro nunca mais teve notícias, até porque Clarice não tinha familiares na

cidade para que pudesse buscar informações sobre ela.

Tenho certeza que a ida dela tem uma parcela de culpa por meu pai

ter se tornado tão amargurado.

Pedro Bianco apontou em vários momentos como ela se tornou

egoísta e infeliz com a vida que estava levando casada com ele, que nada
mais a satisfazia, nem o dinheiro, ela queria a liberdade que o casamento a

privava de ter. Nem mesmo eu fui suficiente para fazê-la ficar e me amar

como uma verdadeira mãe faria.

— Ano que vem quero que largue o futebol para focar na

administração da vinícola, quero você me ajudando em algumas áreas, e já

perdeu tempo demais com essa merda — meu pai declara, simples, me

causando um aperto no peito.

— O quê? — pergunto, largando o garfo no prato, causando um som

irritante. — Não foi esse o combinado.

— É isso. Ou você pode se afastar dos seus amigos — diz, cortando

um pedaço do seu peru, o levando à boca sem alarde.


Eu sei que ele age assim para me desestruturar, Pedro quer que eu

me exalte para poder usar meu descontrole contra mim. Ele sabe que nunca

me afastaria dos meus amigos, eles sim são a minha família.

— Não, não foi esse o nosso combinado. Eu largaria o futebol depois

de me formar no colégio — eu o lembro, com ódio por ele estar tentando

tirar de mim o que me deixa bem, só para me ter sob seu controle.

Mesmo que o futebol seja algo em que eu sou muito bom e ame

fazer, eu sei que não é isso que quero para o meu futuro.

— Não tem discussão, Lion, você diz que é adulto o suficiente para

tomar suas decisões, então haja como tal, está na hora de focar no que

realmente importa — sua voz está alterada quando exclama.

— As coisas não funcionam somente do seu jeito, pai — retruco.


Me levanto da cadeira, dando fim ao nosso jantar familiar e à

conversa. Ele bate com a mão em punho na mesa, e isso não me assusta, era

de se esperar o descontrole, a raiva, a veia na sua testa querendo saltar para

fora.

— Eu sempre espero tudo de você, até mesmo a pressão que joga em

mim, só não esperava que não honraria suas palavras, vejo que nem nisso

posso confiar.

Pedro age rápido quando se levanta da cadeira, causando a queda

dela no chão. Sinto o impacto do seu corpo no meu, junto com a dor nas

minhas costas ao bater na parede. Imagino que tenha causado um barulho

alto, pois pela minha visão periférica, vejo Luís e dona Carmem, a

governanta da casa, aparecerem pela porta que leva à cozinha.


A expressão no rosto dela é de horror, mesmo que eles já estejam

acostumados a ver cenas como essa entre nós dois.

Travo a mandíbula, minha respiração está ofegante, saindo com

dificuldade, pela pressão que Pedro faz ao apertar minha garganta com seu

braço, mas não abaixo a guarda. Olho em seus olhos furiosos, da mesma cor

dos meus.

— Você não vai me desrespeitar desse jeito, moleque. Está achando

que é quem? — ele rosna, seu rosto a centímetros do meu. — Não me teste,

sou capaz de tirar tudo de você, mesmo sendo meu filho.

Minhas mãos ao lado do meu corpo, fechadas em punho, estão

tremendo, mesmo que eu deseje revidar a agressão que estou sofrendo, não

faço nada. Quero que Pedro olhe nos meus olhos e veja a fúria que estou

sentindo, e que não descerei ao seu nível.


— Você está avisado — sentencia, me empurrando de novo contra a

parede antes de me largar e sair da sala de jantar.

Como tradição natalina em nossa casa, meu pai e eu finalizamos a

noite com gritaria e raiva além da conta.

Depois do que parece ter passado vários segundos, sinto os braços de

Carmem pelos meus ombros, me puxando para um abraço que retribuo.

Meu corpo treme, sinto meus olhos marejados, mas me recuso a chorar.

— Vocês podem ceiar comigo? — pergunto, minha voz embargada.

Luís e Carmem eram os únicos com quem eu poderia contar nessa

casa, que entendiam a situação.

— Claro, querido — ela responde, acariciando meu rosto, me dando

um sorriso amoroso.
Pego meu prato, e sigo para me sentar na cozinha ao lado dos dois, e

mais duas funcionárias que trabalham na casa.

Termino minha ceia termina rodeado com as minhas únicas

companhias na véspera para jantar, onde me sinto bem e confortável.

Subo para o meu quarto depois de desejar feliz natal a Luís e

Carmem, não encontro nenhum sinal do meu pai, que deve estar no

escritório que temos em casa. Deitado na cama, começo a refletir sobre o

futuro.

Para Pedro não é o suficiente o que já faço, ele quer mais, sempre

quer mais, mesmo eu tendo deixado várias coisas de lado, somente com o
futebol como uma válvula para não enlouquecer com suas imposições, não

é suficiente.

Minha rotina começou a ser colégio, treino e escritório, aprendendo

tudo que ele impõe, e fica furioso quando muitas das suas exigências não

são atendidas.

Meu pai quer me moldar para que tenha certeza de que quando

morrer, eu ainda seguirei levando adiante o nosso nome. Mas não é isso que

quero fazer da vida, ser cativo como ele é, e desconfio que saiba disso, por

isso, ultimamente, ele tem ficado insuportável.

Ando até a sacada do meu quarto, e paro para olhar as estrelas no

céu escuro, a floresta silenciosa como pano de fundo, enquanto tento

acalmar meu ânimo, abrindo e fechando as mãos para ter algo em que focar,

além da sensação solitária que estou sentindo neste momento.


Pego meu celular para ver as mensagens de Eros perguntando como

está sendo a minha ceia. Ele e seus pais estão viajando. Cada um dos meus

amigos estão passando o Natal com suas famílias, diferente de Eros, cada

um lidando com algum problema familiar. 

Não é justo sermos tão jovens e termos que lidar com tudo isso.

Faço uma ligação por Skype para desejar feliz natal, Gustavo e Elena

sempre mantendo essa tradição, já que não passávamos todos juntos, e é

incrível como os dois são capazes de tirar a angústia que estava sentindo

depois da briga com meu pai.

Eles não precisavam saber do ultimato que ele me deu, não quero ter

que estragar o Natal deles, mesmo desconfiado de que sentiram a minha

tensão. É impressionante que eles saibam quando temos algum problema.


Depois que desligo a videochamada, me deito na cama, e sem muito

o que fazer, Ariela surge na minha cabeça, o desejo de ter pelo menos seu

número de telefone para mandar uma mensagem é surreal.

Não a vi muito nas últimas semanas antes de entrarmos de férias.

Estou contando com o fato de ela conseguir ir para Florianópolis para poder

vê-la novamente.

“Preciso de um favor”

Envio um SMS para Dimitri, e não espero sua resposta para ir direto

ao favor que tenho para pedir. Eu imagino que nesse momento ele esteja

sentado em sua janela, fumando um cigarro, permitindo que a nicotina entre

em seu organismo e acalme o seu ânimo.

Não é fácil lidar com o seu pai.


“Acha que consegue o número da Ariela com a Giulia?”

Dimitri leva uns cinco minutos para me responder, o que não é muito

tempo para uma pessoa normal, que não está com uma ansiedade extrema,

olhando para o celular de segundo a segundo.

“Não achei que fosse levar tanto tempo para me pedir o número

dela”

Dou risada com a sua resposta, e leva mais alguns minutos para ele

me mandar outra mensagem com o número de telefone de Ariela. Faço um

gesto de comemoração com o braço, feliz, me sentindo capaz de dançar

pelo quarto.

Eu até poderia esperar até janeiro, e pedir o número pessoalmente,

mas para que adiar tanto?


“Você é o melhor, fico te devendo uma”

Dimitri nem responde a minha mensagem, mas eu imagino que ele

deve estar me achando um idiota, ao mesmo tempo em que entende minha

euforia, porque ele deve sentir tudo isso com Giulia.

Com o contato de Ariela salvo, estou pronto para escrever uma

mensagem para ela. Eu fico olhando para o teclado por longos segundos

sem saber o que escrever.

Devo só mandar um “oi” e esperar uma resposta? E se ela não

responder por ser um número desconhecido e bloquear o contato?

Texto de Natal também é uma opção?

Urgh!
Brega demais! Quem manda texto de natal para garota que está a

fim? Ela vai me achar um idiota.

Escrevo e apago várias mensagens com o propósito de acertar pelo

menos uma, faço isso inúmeras vezes e acabo desistindo, me jogando na

cama, bufando, com o celular ainda na minha mão.

Batuco com os dedos na tela do celular, frustrado.

Nem sei por que toda essa preocupação do que mandar para Ariela,

que nem vai responder de qualquer forma, já são quase uma e meia da

manhã.

Pego o celular novamente, desistindo da perfeição, e digito apenas

um “oi” e envio a mensagem, já aceitando a derrota, me lembrando do

quote do livro que ela leu para mim na última vez que nos falamos.
“Tentar mesmo se não temos esperança ou confiança de que vai dar

certo.”.

Decido tomar um banho antes de dormir, talvez isso ajude a clarear a

mente e tirar Ariela da cabeça.

Ariela

Tiro o foco da leitura quando meu celular vibra na mesinha ao lado

da minha cama. Eu estranho por conta do horário. Descarto a possibilidade

de ser a Giulia, porque ela deve estar neste momento curtindo a viagem que

está fazendo com os pais, e já faz uma hora que conversamos pela última

vez.
A casa está silenciosa e minha mãe já deve estar dormindo a essa

hora. Como sempre, a ceia foi só nós duas, e sempre tentamos fazer com

que seja divertido. Limpamos a cozinha juntas e subimos para dormir, mas

antes eu sempre leio dois ou três capítulos da minha leitura atual.

Me estico na cama para pegar o celular, e na tela vejo que é uma

mensagem de um número que não tenho salvo nos meus contatos. A

mensagem só tem um simples oi, sem apresentação de quem seja, mas algo

me faz desconfiar de que seja ele.

Sinto um friozinho na barriga.

Lion surge em minha mente, e me questiono se será ele me

mandando mensagem a essa hora da madrugada.


Levo alguns minutos para decidir se devo ou não responder, curiosa

em saber de quem se trata a mensagem, mas temerosa, sabendo que deveria

ignorar.

Envio uma resposta, perguntando quem é, e mordo a ponta do dedo,

ansiosa pelo retorno, causando uma leve dorzinha pelo atrito dos dentes.

Mesmo colocando o celular de lado, para voltar a ler o romance que

tinha totalmente a minha atenção antes da mensagem chegar, a tentativa

acaba sendo nula.

Não consigo voltar a me concentrar, me pego olhando várias vezes

para o celular, esperando, e quando passa de oito minutos, eu desisto,

escolhendo ir dormir em vez de continuar a ler, já que não iria conseguir

manter a concentração na leitura.


Antes de fechar o livro, coloco uma liga de cabelo que encontrei na

mesinha ao lado da cama, por falta do marcador de página que sumiu pela

milionésima vez, e para mim, seria loucura dobrar a página.

Desligo o abajur e me deito. Tendo somente a claridade da luz do

poste que vem da rua, passando pela cortina meio aberta, eu foco meus

olhos no aparelho celular em cima da mesinha.

Me pego pensando mais uma vez em Lion. Depois que conversamos

na festa de Giulia, comecei a perceber que estava sempre procurando por

ele entre os corredores do colégio, ia até a quadra para vê-lo jogar, e para

não saber da minha presença, eu ficava escondida.

De algum jeito que eu não sei explicar, Lion começou a chamar

minha atenção, acho que por ser lindo, educado e engraçado. Eu vejo a
forma que ele age com os amigos, sempre descontraído, chamando atenção

dos olhares para ele.

Na verdade, todos do seu grupo chamam atenção.

Coisas que eu nunca tinha observado em um garoto, eu comecei a

reparar nele. O seu sorriso é sempre completo e largo, nunca o vi sério em

nenhum momento. Seu cabelo sedoso e descolorido fica bagunçado quando

joga futebol. Ele tem um jeito despojado, e gostoso de levar uma conversa,

não é à toa que eu me peguei envolvida nela no dia em que ele se sentou à

mesa que eu estava.

Por ele estudar no terceiro andar e eu no segundo, não conseguia vê-

lo com muita frequência, somente alguns dias no refeitório, e agora com as

férias, só será possível vê-lo, se minha mãe deixar eu viajar com Giulia para

Florianópolis.
Eu adoraria ir, não por ele, mas por mim, faz anos que fui à praia

pela primeira e única vez, e seria tão bom sentir novos ares, e poder ver

algo diferente além das paredes do meu quarto ou dos cômodos da casa, que

não são muitos.

Fecho os olhos, acostumada a criar cenas na minha cabeça que não

existem, para poder pegar no sono, mas meu celular vibra novamente na

mesinha e o pego rapidamente, com o coração acelerado, abrindo a

mensagem que acabou de chegar.

Sorrio quando a leio. Como eu suspeitava, o número é do Lion. Seu

nome brilha na tela como resposta à minha pergunta.

Questionamentos se passam pela minha cabeça, em como ele

conseguiu meu telefone, e por que está me mandando mensagem a essa

hora da noite.
Ele não deveria estar curtindo a festa de Natal?

Lion: Não esperava que fosse me responder.

Outra mensagem chega logo em seguida, e mordo a ponta do meu

dedão, me sentindo nervosa, olhando para a tela do celular. Devo ter ficado

vários segundos decidindo o que fazer, quando outra mensagem de Lion

chega.

Lion: Agora estou em dúvida se comemorei cedo demais! Está por

aí?

Ele pergunta, e alguns emojis rindo chegam em outra mensagem. Me

acho uma idiota quando sorrio.

Eu: Estou.
Eu não sabia como responder, nunca fui de conversar com um

menino, e Lion é o primeiro garoto com quem troco mensagens sem ser

sobre algum trabalho escolar.

Pelos minutos que prosseguem, entendo que Lion cansou, e desistiu

de falar comigo pela resposta curta que mandei.

Lion: Deveria ter dito quem era quando enviei a primeira

mensagem, e provavelmente atrapalhei seu sono. Desculpa!

Me sento na cama, ao ler sua mensagem assim que chega, sentindo

que ele está se despedindo, e ainda não quero me despedir dele, me sinto

mal por não saber o que dizer.

Eu: Espera, você não atrapalha.


Envio a resposta, meus dedos se atrapalhando ao tentar escrever

outra em seguida.

Eu: Eu estava lendo um livro quando mandou a mensagem.

Lion: Por que não estou surpreso? Consigo imaginar você nesse

momento com seus óculos de leitura, o cabelo trançado de lado, enquanto

algumas mechas caem pelo seu rosto. 

Solto uma pequena risada quando leio sua mensagem, me

martirizando sobre estar fazendo a coisa certa.

Eu: Você não deveria estar curtindo a festa de Natal com sua

família?

Pergunto, com uma coragem que eu não teria se estivesse frente a

frente com Lion.


Lion: Não sei se você sabe, mas é somente eu e meu pai, então não

temos uma comemoração como é tradicional nas famílias.

Me pergunto se de certa forma Lion sente a mesma solidão que sinto

por ser somente eu e minha mãe. Tenho vontade de saber mais sobre ele, e o

motivo dos seus pais não estarem juntos. No fundo tenho o desejo de

conhecer mais Lion, o garoto simpático e educado que conheci por poucos

minutos nas oportunidades que estivemos a sós.

E sei que não deveria querer isso.

Eu: Entendo, é a mesma coisa aqui em casa, somos só eu e a minha

mãe.

Ele deve saber que moramos somente nós duas.


Lion: Posso te ligar? Queria ouvir sua voz, e talvez se quiser, escutar

você falando do livro que está lendo dessa vez.

Outra mensagem de Lion chega, e entendo por que demorou alguns

minutos a mais para ser enviada por ele. Sua pergunta faz meu sangue

esquentar, e um aperto no estômago logo vem com a possibilidade de

conversar com Lion por ligação.

Nunca fiz isso antes, e a sensação de nervoso e ansiedade me toma,

mas o pior, é saber que não devo aceitar, que devo afastar Lion.

Eu: Não sei se é uma boa ideia.

Envio a mensagem, lembrando que minha mãe está a poucos metros

de distância em seu quarto. Não conto a ele que o motivo é ela e o que estou
fazendo agora é errado, porque estou indo contra o que ela exige que eu

siga.

Sem namoro.

Sem contato com qualquer menino, se não for relacionado ao

trabalho escolar.

Lion: Tudo bem, me precipitei, desculpa!

Ele pede, e logo outra mensagem chega, me causando dúvidas se

devo responder ou não.

Lion: Podemos conversar por mensagens.

Então decido que não, eu não vou responder. E parecendo ser um

sinal de que fiz a escolha certa, vejo a luz do corredor ser acesa, e
imediatamente me deito, desligando o meu celular para colocá-lo em cima

da mesinha ao lado da cama, para em seguida fingir que estou dormindo

quando a porta do meu quarto se abre, e de costas para ela só vejo a figura

da minha mãe pela sombra que forma no chão do quarto.

Não me sinto aliviada quando ela sai, fechando a porta do quarto

depois de verificar se estou dormindo. Me sinto triste com o fato de que

terei que deixar Lion no vácuo e talvez ignorar suas mensagens por não

poder respondê-las.

 
Ariela 

Terça-feira, 03 de janeiro de 2012

Me sinto nervosa quando, a alguns metros antes de poder tocar os

meus pés na areia, localizo Lion jogando bola com Gabriel e Natan.

Tiro minha sandália para afundar meus pés na areia e ando em

direção ao quiosque onde Dimitri e os pais de Eros estão.


Sinto um cutucão de Giulia na minha barriga quando ela percebe a

direção que estou olhando, eu abaixo a cabeça, sem graça por ser pega

encarando Lion, e escuto sua risadinha.

Não consigo deixar meus olhos longe dele por muito tempo. Ele está

usando bermuda e nada mais. À medida que nos aproximamos do quiosque,

consigo ver melhor seu corpo bronzeado e o abdômen definido, nenhum

tecido escondendo.

Lion passa a mão pelos cabelos descoloridos, e grita algo para um

dos gêmeos. Perco o foco dele quando Giulia passa o braço pelo meu, me

impedindo de cair quando subimos o degrau do quiosque.

— Amiga, precisa disfarçar se quiser continuar comendo o Lion com

os olhos — Giulia murmura, para que somente eu a ouça.


Belisco seu braço levemente a repreendendo, sem palavras para dizer

por estar morrendo de vergonha.

Depois de cumprimentarmos Gustavo, Elena e Dimitri, nos sentamos

à mesa.

Ícaro como o amigo ciumento que é, sentou ao lado de Giulia,

impedindo que o próprio irmão, que é o namorado, sentasse com ela. É

estranho como sendo irmão de Dimitri, Ícaro ama provocá-lo, já percebi

que a relação dos dois não é legal.

Penso como seria se eu tivesse um irmão ou irmã. Minha mãe

pegaria no seu pé também, assim como faz comigo? Isso me faz lembrar

que não posso demorar muito para voltar, prometi que nessas férias

estudaria duas horas por dia, com a condição que me deixasse viajar com

Giulia e tia Tatiana.


Dimitri, sem opção, se senta ao meu lado, sua presença me intimida,

mas já percebi como olha para minha amiga com carinho, consigo ver que

ele é uma pessoa boa, mesmo que carregue monstros interiores.

Sinto meu coração acelerar quando levanto a cabeça e observo Lion

se aproximando da mesa em que estamos. Seus olhos estão em mim,

enquanto joga a camisa regata na cor preta por cima dos ombros com um

sorriso de lado.

Ele sussurra algo para Dimitri, que levanta dando seu lugar para que

Lion possa se sentar no seu lugar, ao meu lado. Consigo sentir meu coração

bater desenfreado no peito, somente por tê-lo tão perto de mim.

— Oi, Ariela — Lion me cumprimenta, sua voz saindo baixa e

rouca, o sorriso permanece em seus lábios.


— Oi — respondo, comemorando por não ter gaguejado, é uma luta

tentar me acalmar toda vez que estamos perto um do outro.

Viro o rosto, fugindo do seu olhar, querendo focar em qualquer coisa

que não seja no garoto lindo e educado ao meu lado. Giulia sorri para mim,

e reviro os olhos, é claro que ela está amando isso.

Pela minha visão periférica, vejo Lion se ajeitar melhor na cadeira, e

seu joelho acaba encostando no meu, sinto sua pele quente em contato com

a minha, me arrepiando toda.

— Não está a fim de entrar na água? — pergunta, e mesmo sem

olhar para ele, nego com a cabeça.

Ele deve estar estranhando minha escolha de roupa para vir à praia.

De short jeans, blusa com manga, escondendo o maiô azul que peguei
emprestado de Giulia, por não ter nenhuma roupa de praia.

Sinto vergonha em deixar minha pele à mostra para que todos vejam,

não sou como Giulia, que não liga para isso, sempre decidida e corajosa.

O almoço é em um restaurante da escolha de Elena, e comemos

todos juntos, até mesmo os rapazes. Lion fica o tempo todo ao meu lado,

mesmo que ele não tenha mais puxado assunto, eu sinto seus olhos o tempo

todo em mim.

Depois de almoçarmos, Dimitri pergunta à tia Tatiana se ele e Lion

poderiam nos levar para tomar sorvete numa sorveteria que fica próxima ao

restaurante, e ela consente, não vendo problema algum.

Já havia sacado sua intenção, ele queria ficar a sós com Giulia, e

como Tatiana não aceitaria essa opção, eu precisaria ir, e o plano de Lion ir
junto seria perfeito.

Mais uma vez, me arrepio quando sinto Lion pousar sua mão na base

da minha coluna para me guiar para fora do restaurante. Isso me fez lembrar

de ontem, quando ele foi jantar em casa com Dimitri, e me cumprimentou

com um beijo no rosto, em como fiquei surpresa e envergonhada.

Seu pequeno gesto me fez dormir pensando nele, e em como havia

gostado. Me senti uma boba por imaginar como seria beijá-lo, sem ninguém

por perto para ver. 

Minha intuição me diz que estar perto do Lion, e ceder à

aproximação que está tentando, não é uma boa ideia, mas não quero dar

palco para ela por enquanto.


Depois de nos servir e nos sentamos na mesa com quatro lugares, me

sinto à vontade em conversar com Lion quando ele puxa assunto. Lion

Bianco tem um dom de me fazer sentir à vontade na sua presença e, ao

mesmo tempo, tímida, com a maneira intensa que me olha, sempre

procurando ter minha atenção.

Dimitri e Giulia decidem dar uma volta, nos deixando sozinhos.

Antes de ir, Giulia sussurra para mim, pedindo que eu relaxe.

— Você não respondeu mais minhas mensagens — Lion comenta, e

levanto minha cabeça do pequeno pote de sorvete, para encará-lo.

Meu rosto queima de vergonha.

Eu já imaginava que na primeira oportunidade, Lion perguntaria o

motivo de eu não ter respondido suas mensagens, desde o Natal.


Como dizer a ele que mesmo querendo muito, eu não podia?

— Eu disse que não perderia as esperanças, Ariela.

Suas mensagens enviadas diariamente desde aquele dia confirmam

seu comentário.

— E eu disse para não perder seu tempo — ele solta uma risada, não

se sentindo ofendido.

— Você quer dar uma volta? Podemos encontrar com Dimitri e

Giulia depois — ele pergunta.

Assinto, e me levanto da cadeira. Lion coloca sua mão na base das

minhas costas quando saímos da sorveteria, diferente da primeira vez, a

reação no meu corpo foi diferente. Consigo sentir, mesmo que por cima do
tecido da blusa, sua mão quente, aquecendo minha pele, meu corpo, e sinto

medo quando percebo que gosto disso.

Em vez de caminharmos pela calçada, Lion me leva para a praia, e é

preciso eu agachar para pegar minha sandália, antes de afundar os pés na

areia.

Quando acho que ele vai colocar a mão na minha coluna de novo, ele

segura minha mão, entrelaçando nossos dedos.

— Fica mais fácil para não deixar você fugir de mim — brinca, e no

automático, reviro os olhos, ele vê e solta uma risada.

Andamos alguns metros, Lion nos guiando para a beira do mar. Não

está tão quente, porém, o pouco calor que está fazendo, me faz suar por
debaixo da blusa. Eu queria ser o tipo de garota que não se importa com os

olhares, principalmente do Lion.

— Por que você não respondeu minhas mensagens? — Lion volta a

perguntar, e não tenho uma resposta. — Fiquei por dias pensando se tinha

feito algo de errado.

— Você não fez nada de errado — digo rápido, não querendo que

pense que esse é o motivo de não ter mais falado com ele.

Por alguma razão, que eu não entendo qual, sinto vontade de

desabafar com Lion sobre a relação que tenho com a minha mãe e sua

exigência, não é culpa dela desejar um futuro brilhante para a filha.

— Não entenderia — sussurro.

— Você nem tentou falar ainda, como sabe? — brinca.


As ondas que vão e voltam molham nossos pés, e a água fria refresca

um pouco o calor que estou sentindo.

Lion mantém seus olhos em mim, esperando que comece a falar os

motivos, porém não digo nada, não tenho certeza se ele entenderia. Sua vida

é fácil, ele é rico, não deve ter nenhum problema na vida. Deve fazer o que

quer, na hora que der vontade e seu pai não deve ficar em cima a todo

momento.

Não é assim a vida de uma pessoa rica?

— Como é ser herdeiro do vinhedo mais famoso do estado? —

pergunto.

Lion semicerra os olhos, sabe que estou usando a tática de mudar a

direção das perguntas para ele, mas parece não se importar.


Ele olha para o mar, dando um passo para trás antes de se sentar.

Lion olha para mim, fazendo um gesto para me juntar a ele.

Me sento ao seu lado, mantendo uma distância considerável, não

quero correr o risco de aprofundar o nervosismo que Lion causa em mim,

quando estou perto dele.

Lion sorri quando percebe minha intenção.

— Sendo sincero, eu não sei o que pensar sobre isso, que um dia vou

tomar de conta de tudo quando meu pai não puder mais.

Sua feição muda, e por incrível que pareça, mesmo não sendo

próxima dele, Lion faz parecer que isso tudo é um fardo em suas costas, e a

inquietação que sinto em suas palavras, deixa claro que não é o que deseja.

— Você não quer isso?


— Não sei o que quero — responde ao me olhar, seus olhos

castanhos, puxado para o mel, fixos nos meus, profundos, sendo impossível

desviar atenção deles. — A única coisa que tenho certeza agora, é que

quero te conhecer melhor.

Lion abre um sorriso, fico com vergonha e viro meu rosto para

frente, fugindo da intensidade que ele é.

— Vai mesmo me fazer lutar por cada segundo com você, não é? —

declara e solta uma risada, então volto a olhar para ele. — Eu já te disse que

não vou desistir.

— Por que toda essa insistência? — questiono, começando a

desconfiar que Lion está numa espécie de jogo, acostumado a fazer isso

com todas as garotas que está a fim de ficar.


Começo a me sentir irritada, e a culpa nem é dele, é minha, por me

iludir e querer que somente eu tenha esse privilégio.

— Você deve fazer isso com todas as meninas que se interessa —

solto, voltando a focar nas ondas, no balançar da água.

Ele fica em silêncio, me observando.

— Ariela — Lion chama, meu nome sendo pronunciado pela sua

voz, parece sair como doce, algo suave e viciante, e desejo ouvi-lo

pronunciar mais vezes.

Tendo minha atenção novamente, ele volta a falar:

— Talvez não acredite, mas essa é a primeira vez que uma garota

cria raízes na minha mente. Eu não consigo parar de pensar em você! —


declara, meu coração acelera com suas palavras. — Não me pergunte como,

mas eu sei que você vale a pena.

Lion me deixa sem palavras para respondê-lo.

— Agora eu só posso deixar você decidir se vale a pena arriscar.

Um suspiro profundo sai pelos seus lábios carnudos e chamativos,

me fazendo focar neles, e penso de novo como seria beijá-lo, é o que mais

eu tenho feito desde que cheguei em Canavieiras.

Como seria meu primeiro beijo com Lion?

— Quer dar um mergulho? — pergunta, já se levantando e tirando a

regata preta que estava vestindo.


A visão do seu torço, o corpo bem definido e pele bronzeada, me faz

encará-lo.

— Ariela? — Lion chama minha atenção para seu rosto, e pego um

sorriso minúsculo de satisfação em seus lábios.

— Eu não sei nadar — digo, quando percebo que ele está esperando

pela minha resposta, e sorrio com vergonha.

— Sério?

— Essa é a segunda vez que venho à praia, na primeira vez era

criança, nunca tive oportunidade de aprender — murmuro, dando de

ombros.

— Não precisa sentir vergonha por não saber — diz ao estender a

mão para mim. — Vem, eu seguro sua mão, podemos ficar no raso.
Olho para a mão estendida, e para o seu rosto, que carrega uma

expectativa. Estou com vergonha por precisar tirar a roupa para entrar na

água, não vou me sentir à vontade na frente do Lion.

— Você não pode passar as férias sem aproveitar nada, Ariela, eu sei

que prometeu à sua mãe que iria estudar, mas isso não é diversão — insiste,

me fazendo lembrar que Giulia comentou enquanto estávamos na

sorveteira, a condição que minha mãe impôs para me deixar vir a

Florianópolis.

Seguro sua mão estendida, me levantando, passo minhas mãos nas

pernas e shorts para tirar o excesso de areia grudada, ainda com dúvida, se

devo ceder ao seu pedido.

Faz tanto tempo que não me divirto, que não faço algo sem os olhos

da minha mãe o tempo todo monitorando, tirando todas as distrações que


impeçam que eu estude.

— E aí? — pergunta, sorrindo.

Lion acompanha o movimento que faço com minha mão, ao passá-la

pelo meu braço, sem graça ao pensar em tirar a blusa.

— Você quer que eu entre primeiro? Prometo não olhar, se não

estiver à vontade.

Consigo sentir o quanto ele está sendo verdadeiro, e acho fofo.

Quando aquiesço, Lion se vira de costas para mim, caminhando em direção

ao mar. Observo ele entrar um pouco mais, e quando a água bate na sua

cintura, ele para, ainda de costas.

Fico admirando, até me dar conta que estou demorando demais.

Olho para os lados, não vendo ninguém por perto, os banhistas estão a
metros de distância de onde estamos.

Puxo a blusa para cima, verificando se o maiô está tapando tudo,

mesmo ele sendo todo fechado, a paranoia de que estou mostrando muito,

me deixa nervosa. Deixo minha blusa ao lado da dele, e dou uns passos para

entrar no mar.

Não tiro o short jeans, e passo os braços em volta do meu busto, com

vergonha. A água está com uma temperatura gostosa, e sorrio, sentindo a

sensação de felicidade vir, é como se fosse a primeira vez que estou

experimentando o mar.

Solto um gritinho quando uma onda pequena bate nas minhas

pernas, me desequilibrando, o que chama a atenção de Lion, que se vira, e

logo está do meu lado, segurando minha mão.


— Está tudo bem? — pergunta, e assinto, mordendo o lábio em

êxtase. — Quer entrar mais?

— Sim — declaro, segurando forte sua mão, enquanto vamos dando

mais alguns passos.

Lion me faz sentir segura com ele.

A todo momento que adentramos mais no mar, ele foca seus olhos

somente no meu rosto, sorrindo. Paramos, sentindo as ondas baterem em

nós dois, molhando as partes do nosso corpo que estão secas.

— Isso é incrível — sussurro.

Fecho os olhos, apreciando a sensação de estar em outro mundo,

meu corpo se movendo de forma diferente.


— Como se sente? — escuto a voz de Lion ao meu lado, mas ainda

continuo com os olhos fechados, sentindo a calma e a paz que o balançar do

mar faz no meu corpo.

— Eu sinto o deslumbramento, como se estivesse tendo uma

descoberta, e alegria — falo, me sentindo uma idiota logo depois. — Parece

idiota, mas é tudo o que sinto agora.

— Você não é idiota, Ariela, é o que está sentindo, só isso importa.

Sorrio com suas palavras, agradecendo. Sou despertada do mundo

que estou vivendo internamente, quando sinto o toque dos dedos gelados e

molhados de Lion em meu rosto. Abro os olhos para encontrá-lo à minha

frente, seus olhos fixos no caminho que seus dedos fazem na minha pele.
— Você é linda — sussurra, como se isso fosse uma confissão. —

Não tem noção, não é?

Nego com a cabeça. Ele estaria dizendo isso somente para me

agradar?

— Deveria escutar isso mais vezes — diz, ao colocar uma mecha do

meu cabelo atrás da orelha, que soltou da trança embutida que Giulia fez

em mim.

Acompanho seus olhos descerem para minha boca, seus dedos

tocando meus lábios, esse gesto me causa uma inquietação, mexendo com

as borboletas no estômago.

— Nunca fui beijada — declaro, querendo que saiba desse detalhe.

Sou uma inexperiente, e nem sei como fazer isso.


— Nunca? — Nego para a sua pergunta. — Então...

— Você será o primeiro — murmuro, cortando a sua frase, me

sentindo tímida depois de soltar as palavras. — Não precisa só porque eu...

Tento me afastar dele, mas Lion não deixa, segura meu queixo

delicadamente, para que eu possa focar nele novamente.

— Eu quero ser o primeiro — fala decidido, seus olhos brilhando em

ânsia.

Lion se aproxima mais, o rosto tão perto que é possível sentir sua

respiração tocar minha pele. Quando sinto o toque dos nossos lábios, eu

fecho os olhos, suspirando, até começar a vivenciar o meu primeiro beijo.

Lion é delicado e suave quando aprofunda o beijo, dando tempo para

me acostumar, e ser eu a avançar. O desejo me faz queimar e tem uma


eletricidade passando pelo meu corpo, onde suas mãos me tocam.

Solto outro suspiro quando Lion se afasta, e abro os olhos para focar

nos seus, percebendo como é fácil me perder nele.


Lion 

Beijar Ariela foi incrível.

A forma doce que ela é, e tenho certeza de que agora que tive um

pouco mais dela, vai ser impossível esquecê-la. Ela está linda, seus cabelos

presos em uma trança, seus lindos olhos azuis esverdeados e grandes, tendo

mais contraste com os cílios longos e curvados para cima.

Seus lábios estão rosados depois do beijo. Do nosso beijo. Não

acredito que fui o primeiro a beijá-la. Não é questão de possessividade, mas


sim que foi algo especial, desejo que tenha sido para ela também.

Já saímos da água, estamos andando na calçada, indo ao encontro de

Dimitri e Giulia. Nossas mãos estão entrelaçadas desde o momento em que

decidimos ir embora.

Ariela vestiu sua blusa novamente, e pude perceber o quanto sente

vergonha, insegura com o corpo que tem, mesmo que seja linda e tenha

curvas de uma modelo. Eu entendi como era importante lhe dar privacidade

antes de entrar no mar.

Ela é linda, e é impossível não desejá-la, mesmo eu me impedindo

muitas vezes de sentir isso.

Quero que confie em mim, que se sinta à vontade e não fique

contida. Ela aperta minha mão, encantada e observo como está mais solta
comigo. Alguma coisa mudou desde o nosso beijo, e desejo que permaneça

assim.

Meus olhos estão nela enquanto andamos, verifico o leve sorriso que

está em seus lábios, ficando mais visível de acordo com o olhar para a

praia, o mar e as montanhas ao longe.

Ariela não parece se importa em estar com o short jeans e o maiô

molhados.

— Você precisa mesmo voltar para estudar? — pergunto ansioso

para passar mais tempo com ela.

Ariela mostrou ser disciplinada e exemplar, seguindo os desejos da

mãe, o que lembra um pouco a minha situação, a diferença é que eu bato de

frente com as ordens de Pedro. Parece que sua mãe pega bastante pesado.
Quem exige que a filha estude nas férias? Ok, entendo que ela é

bolsista, e o caso de Artho é por escolha dele, seu desejo é passar na federal

para cursar Direito.

— Sim — ela responde, e olha para mim, dando um sorriso pequeno

de conformidade.

— Você costuma fazer algo mais divertido nas suas férias além de

estudar? — pergunto, em tom de brincadeira.

— Você vai me achar sem graça ao saber que não faço nada em

época nenhuma, o máximo que faço, é ir à casa da Giulia, ou sair com ela às

vezes — responde, com o mesmo tom de voz que o meu.

Mesmo tentando parecer que está tudo bem, eu percebi um leve

tremor de tristeza em sua voz.


— Ela é sua única amiga? — pergunto, e Ariela assente. — Giulia é

uma garota legal, e está fazendo bem a Dimitri — comento.

Meu amigo precisa viver com os fantasmas do passado, e

infelizmente com os do presente também. Odeio a relação que ele tem com

o pai, que é um escroto desgraçado. Também não gosto do seu irmão, um

folgado egoísta, e não escondo isso.

Me orgulho de Dimitri, que é esforçado e trabalhador, faz tudo o que

está ao seu alcance para ajudar a família, o peso que ele carrega nas costas

desde pequeno, é grande, assim como Artho.

— Não tenho muito contato com Dimitri — Ariela comenta, dando

de ombros. Eu sorrio de lado, porque sei como a presença do meu amigo

amedronta as pessoas, e pela careta de Ariela, ela não é diferente. — Mas,

ele faz a Giulia feliz e é isso que me importa.


— Você vai ver como meus amigos são pessoas legais — falo, me

sentindo sortudo por tê-los na minha vida. — Cada um tem uma

personalidade diferente, mas são as melhores pessoas do mundo.

Ela sorri ao me olhar, e gosto de ter essa visão, é sinal de que gosta

de estar comigo.

— Vocês não brigam? Vejo o quanto são unidos, e a amizade parece

ser tão perfeita — pergunto curiosa.

— Impossível um grupo de seis caras, com hormônios à flor da pele,

não brigar. — Escuto sua risada, quando termino de responder, é tão

espontânea, e gostosa de se ouvir, que desejo ouvi-la mais vezes.

— Brigamos sim, muitas vezes por coisas bobas, mas sabemos o

limite de cada um, e ceder quando é preciso. Sempre nos respeitamos.


— Acho isso legal na relação de vocês — diz, dando um aperto na

minha mão. — E também a forma que Gustavo e Elena Giordano tratam

vocês com carinho, como se fossem filhos deles, além do Eros.

Ela é observadora e atenta, capaz de captar as coisas no ar, sem que

digam uma palavra.

Não seria bem-visto por Tatiana se voltássemos separados, por isso,

falo com Ariela para nos sentarmos em um banco próximo ao restaurante

onde o pessoal está, para esperar Dimitri e Giulia, que estão voltando da

caminhada, e envio uma mensagem para ele informando onde estamos.

Por causa das ordens do Donato Ricci, que exige que Giulia seja

monitorada, Dimitri tem cuidado com o relacionamento deles,

principalmente agora que estão namorando. Com Ariela não está sendo
diferente por estar aos cuidados de Tatiana. Não quero causar problemas

que impeçam que eu a veja mais vezes.

— Consideramos eles como pais, temos uma ligação forte, e desde

pequeno frequento a casa deles, assim como os outros meninos — ainda

com a mão entrelaçada à dela, respondo o comentário de Ariela.

Ela me observa, os olhos atentos em busca de algo nas entrelinhas.

— Não me dou bem com meu pai, o que tenho de mais próximo de

amor fraternal é Gustavo e Elena — murmuro.

Ariela assente como se entendesse. Não quero ficar contando os

meus problemas, é a primeira vez que temos a oportunidade de estar

sozinhos. Esse dia está sendo legal, só por estar com ela.
— Desculpa! Eu não preciso te encher com os meus problemas —

peço, e sem pensar muito, levo a sua mão, que está na minha até meus

lábios, e deixo um beijo suave.

Ela cora e mantém a cabeça abaixada por rápidos segundos. E

quando me olha novamente, está com um sorriso envergonhado, mas não é

só isso, consigo sentir uma tensão se formando em Ariela, e me pergunto o

motivo.

— Não precisa se desculpar, é bom saber que pode contar com

pessoas boas como seus amigos e os Giordano.

Assinto.

Não quero encerrar a conversa, quero saber mais sobre ela, ouvir sua

risada, ver que seus sorrisos estão sendo direcionados a mim, não temos
muito tempo sozinhos e preciso fazer valer a pena os poucos minutos que

restam.

— Me conta sobre você, acho que está ficando chato ouvir coisas

somente sobre mim — peço, sorrindo.

Não me reconheço. Nunca agi dessa maneira com uma garota, e não

sei como me comportar, mas me lembro do conselho do Gustavo sobre ser

eu mesmo, e sei que só preciso ser sincero.

— Eu gosto de ouvir você falar — declara, e percebo que não era

sua intenção ser tão aberta, pela timidez presente no sorriso sem jeito.

— E eu gosto do seu sorriso — digo, ela morde o lábio inferior, e

dou risada quando percebo que a deixei com mais vergonha.


Não entendo como Ariela sendo linda, encantadora e inteligente,

possa se envergonhar com elogios verdadeiros. Ela não tem noção do

quanto é incrível.

Quero beijá-la de novo, mas primeiro quero mostrar que sou

confiável, que não serei idiota, se for esse o seu medo. Por isso, preciso

seguir com as coisas devagar.

Preciso me conter quando estiver com ela.

— Ei, pombinhos? — escuto Giulia nos chamar, e viro a cabeça em

sua direção.

Dimitri e Giulia caminham para onde estamos sentados. Ela tem um

sorriso feliz no rosto, ao olhar para nós dois juntos. Dimitri parece satisfeito
quando me observa, percebendo que os minutos que eles nos deixaram a sós

valeram a pena.

— Por que suas roupas estão molhadas? — Giulia pergunta para a

amiga assim que param à nossa frente.

Giulia olha para as minhas roupas também, assim que Ariela e eu

nos colocamos de pé.

— Vocês entraram no mar? — Estreita os olhos, e Ariela dá de

ombros, anuindo. — Como você conseguiu fazê-la entrar na água? —

pergunta, olhando para mim.

Dou risada.

— Foi difícil, mas valeu a pena — respondo, olhando para Ariela

que revira os olhos para a amiga.


Dimitri parece interessado em saber o que aconteceu na ausência

deles, e faço um gesto dizendo que contaria tudo depois. Na volta para o

restaurante, Giulia e Ariela vão à nossa frente, cochichando e dando

risadinhas.

— Mulheres — murmuro para Dimitri, que faz um som

concordando.

Já na entrada do restaurante, encontro todo mundo à nossa espera.

Ninguém parece perceber as roupas molhadas de Ariela, e sua expressão é

de alívio.

— Vocês demoraram — Ícaro pronuncia, chamando minha atenção.

— Não iriam só tomar um sorvete?


— E por que não cuida da sua vida? — retruco baixo, para que

somente ele possa escutar. Ele me olha de cara feia.

Eu odeio a forma que ele trata seu irmão. Nenhum dos rapazes

suporta Ícaro, mas fazemos isso por Dimitri.

Ele é um invejoso, e está puto com o fato de ser Dimitri a namorar

Giulia, e não ele, e usa todas as oportunidades para atingir meu amigo com

suas provocações infantis.

Eros passa seu braço pelos meus ombros, o que me impede de

continuar a dar corda para as implicâncias de Ícaro.

Na volta para casa, Ícaro gruda em Giulia como um carrapato, o que

impede que Dimitri possa andar de mãos dadas com a namorada. Ando ao

lado de Ariela, que está desacompanhada.


Artho e Eros comentam com Natan e Gabriel os planos da noite,

ainda éramos menores de idade, mas isso nunca nos impediu de nos

divertirmos, mas claro, com moderação.

Gustavo e Elena conversam com Tatiana sobre alguns pontos

turísticos que tinham visitado.

— Vai ignorar minhas mensagens depois de hoje? — sussurro para

que somente Ariela possa ouvir.

Ela sorri, dando de ombros.

— Não mereço o castigo que está me dando, e nem sei o motivo —

complemento.

— Você não vai mesmo desistir, né? — questiona, e eu nego. — Se

você mandar mensagem, não irei te ignorar.


— Fico imensamente grato por isso — brinco, o que faz ela dar uma

risada baixa, para não chamar atenção. 

Chegando na casa em que ela está hospedada, me despeço de Ariela,

mesmo querendo muito a beijar, me contenho, deixo apenas um beijo casto

em seu rosto. Ela olha para os lados verificando se alguém tinha visto o

gesto.

Ela me cativa cada vez mais com esse seu jeito meigo e tímido.

— Então é ela a garota? — Gustavo pergunta quando estamos a

poucos metros de casa.

Ele dá batidinhas nas minhas costas, seu sorriso orgulhoso, antes de

passar o braço pelos meus ombros.


— Sim. — Assinto, sorrindo, de alguma forma temeroso, querendo

saber o que os dois acham. — Segui seu conselho, ela é muito especial.

— Percebemos isso — Elena responde, sorrindo. — Você também é

especial, sei que vai cuidar bem dela, é o mais romântico dos meus

meninos.

— Não acredito que estou ouvindo isso. — Escuto Natan resmungar.

— Por que o Lion é o único a ter esse adjetivo?

Elena dá risada, passando o braço pelo de Natan.

— Não seja ciumento — Elena brinca, beijando o rosto do gêmeo

bagunceiro.

— Concordo com Natan, Dimitri é o que namora — Artho declara.

— Eros ainda...
— Não começa, Lívia e eu ainda estamos nos conhecendo. — Artho

revira os olhos, quando Eros resmunga.

— Eu é que não quero me prender a ninguém, é bom estar solto na

pista, pegando geral — Gabriel comemora, dando alguns pulinhos pela

calçada.

— Depois não me pergunte o motivo quando eu digo que são os

menos românticos — Elena diz ironicamente.

— Querida, você sabe que isso é por pouco tempo, eles ainda são

jovens, em algum momento vão se apaixonar, casar, ter filhos — Gustavo

pronuncia, rindo.

Vejo Artho e Gabriel fazendo uma expressão de horror no rosto,

enquanto o Eros bufa, e Natan revira os olhos, inconformado. Dimitri fica


em silêncio, como se estivesse aceitando as palavras.

Elena solta Natan, para abraçar Gustavo pela cintura, enquanto ainda

caminhamos em direção à casa, faltando poucos passos.

— Sim — ela concorda com o marido. — Não vejo a hora de ter

nossa casa cheia de netinhos para poder mimar, as risadas, brincadeiras e

correrias pela casa — diz sonhadora, com um tom emocionado ao soltar as

palavras.

— Agora me pego pensando quem será o primeiro papai do grupo —

comento, dando risada ao olhar para o rosto de cada um dos meus amigos,

imaginando-os com bebês no colo.

— Argh! — Artho balança a cabeça como se também imaginasse a

cena. —Eu que não vou ser, isso eu garanto — declara, exalando sua
certeza.

Isso eu quero ver.


Ariela 

Domingo, 15 de janeiro de 2012

Faz alguns dias desde que Lion e eu nos beijamos, e só consigo

pensar nisso. Ele veio junto com Dimitri para jantar com a gente, isso antes

de Donato Ricci chegar. A casa ficou insuportável com a sua presença,

porém, mesmo com a chegada de Donato, Lion não deixou de aparecer,

muitas vezes conversando com o Ricci na companhia de Dimitri.


Donato Ricci é um homem interesseiro e egoísta, e sempre que pode,

puxa o saco de pessoas importantes para ter uma proximidade, com Lion

não é diferente, sendo filho do segundo homem mais rico de Bento

Gonçalves.

Como Donato trouxe alguns funcionários, Ícaro e eu tivemos que

nos deslocar para o quarto de Giulia, dividindo a mesma cama, sendo fresco

como é, ele não quis dormir com o colchão no chão.

Lion e eu não tivemos mais oportunidades de ficar sozinhos, porém a

frequência que mandamos mensagens um para outro se tornou regular, a

primeira coisa que faço ao acordar, é olhar o celular à procura de alguma

mensagem dele.

Os Giordano nos convidaram para almoçar na casa deles hoje.

Donato ficou radiante com o convite, pois teria a chance de puxar o saco de
Gustavo.

Assim que chegamos, Elena, acompanhada por Dimitri, nos recebe

na porta, toda educada e sorrindo alegremente, nos cumprimenta e convida

para entrar.

Dimitri aperta a mão de Donato para cumprimentá-lo, a arrogância

do pai de Giulia sempre elevada. Dimitri faz a mesma coisa ao

cumprimentar Tatiana, beija em seguida o rosto de Giulia, não querendo

avançar muito por estar na presença do pai dela.

Ícaro ignora o irmão, e fica o tempo todo ao lado de Giulia, e na

minha vez, aperto a mão de Dimitri o cumprimentando, já não ficando tão

desconfortável na presença dele.


Somos levados para o fundo da casa deles, onde encontramos

Gustavo na churrasqueira, Artho e Lion o ajudando. Ao me ver, Lion sorri e

caminha em nossa direção com Gustavo ao seu lado, vindo para nos

cumprimentar.

— Será que hoje rola mais alguns beijos? — Giulia pergunta

sussurrando no meu ouvido e tenho vontade de bater nela.

Ela dá risada enquanto me encara. Giulia sabe que Lion e eu nos

beijamos na praia. Meu primeiro beijo. Ela surtou quando contei, que foi

logo que chegamos em casa naquele dia.

Claro que pediu detalhes de como aconteceu, e comentou como Lion

foi fofo em se preocupar por eu não saber nadar, mas principalmente, em se

importar quando estava morrendo de vergonha em ficar só de maiô na sua

frente.
Ela me confidenciou o quanto estava torcendo por isso, e queria que

fôssemos namorados para sair os quatro juntos, mesmo sabendo como seria

impossível por causa da minha mãe.

Meu coração acelera quando Lion se inclina para beijar meu rosto,

mas logo se afasta para cumprimentar Donato, Tatiana e Giulia, se forçando

para ser educado com Ícaro.

Nos sentamos em uma mesa enorme com várias cadeiras, posta com

alguns petiscos, contendo algumas carnes bem cortadas e assadas. Me

surpreende Gustavo estar no comando da churrasqueira, achei que por ser

rico, estaria sendo servido, e não servindo.

Já havia percebido a humildade do casal. O sobrenome Giordano é

conhecido por todo país, são visados no mundo dos negócios, por estarem

em ascensão constante, e com várias editoras sendo abertas pelos estados.


— Você quer beber alguma coisa? — Lion pergunta para mim,

depois que me sento. — Refrigerante, água?

—  Refrigerante, por favor — respondo, agradecendo.

Ele volta com a bebida gelada e se senta ao meu lado, não demora

muito para que Donato fique ao lado de Gustavo na churrasqueira,

conversando sobre negócios. Elena e Tatiana estão na cozinha.

Olho em direção à piscina, não localizando Dimitri e Giulia,

encontro somente Eros e Gabriel lá dentro.

Ícaro é o único emburrado, sentado na cadeira no canto da mesa,

insatisfeito, enquanto olha para os rapazes dentro da piscina.

— Você quer entrar? — Lion pergunta quando vê onde está minha

atenção.
— Não. — Faço uma careta.

Só de pensar em ficar de biquíni com toda essa gente, tenho vontade

de entrar num buraco, além disso, não vim preparada para isso.

Artho pula na piscina, espirrando água para todo o lado, inclusive

em mim e Lion, que ri do amigo, quando Eros acerta o espaguete macarrão

de piscina na cara do Artho, por ter pulado em cima dele.

— Vem, vamos sentar nas espreguiçadeiras do outro lado, vamos

acabar tomando banho sem nem precisar entrar na água.

Dou risada com o comentário de Lion, e seguro sua mão quando a

estende para mim. Ficamos um pouco mais distante da área da piscina, mas

dá para ver todo mundo.


Relaxo na espreguiçadeira, deitando nela, de forma inclinada. Lion,

ao meu lado, tem sua visão voltada para seus amigos brincando de briga de

galo. É divertido como sempre estão aprontando um com o outro.

— Não vai entrar na piscina? — pergunto a Lion, que vira a cabeça

para me olhar. — Vai perder toda a diversão se ficar aqui comigo.

— Por que acha que isso é um sacrifício? — Ri, devolvendo a

pergunta. — Quero a sua companhia, além do mais, já convivo com os

rapazes o tempo todo, com você preciso aproveitar os segundos.

Dou risada, sem graça. Lion sempre diz a coisa certa, me afetando

com suas palavras.

— Sério? Lion, não precisa continuar sendo todo educado, ainda não

entendo seu interesse por mim, a gente já ficou. — Dou de ombros ao dizer.
Mesmo com medo da sua resposta, não quero perder a aproximação

que estamos tendo. Lion me diverte, me anima, e conversamos sobre tudo,

desde nossos gostos musicais a filmes e séries que gostamos, e o que não

gostamos.

— Não posso querer mais que isso? — sou pega de surpresa pela sua

pergunta. — Por que acha que é impossível eu me interessar por você?

Porque sou uma garota sem graça, sem atrativo interessante que faça

alguém querer perder o tempo, e que tem como único propósito de vida,

seguir as ordens da mãe, para lhe dar orgulho. Não tem espaço na minha

vida, além do foco nos estudos.

Seus olhos intensos estão grudados em mim, aguardando uma

resposta, ansiando que eu mate sua curiosidade.


— Você não deveria perder seu tempo comigo — suspiro ao

responder.

— E por quê? — questiona, se sentando melhor na espreguiçadeira,

se inclinando para perto da minha. — Você é uma garota legal, linda e

inteligente. Todos os garotos do colégio dariam tudo para ter um mínimo da

sua atenção.

Vejo sinceridade nos seus olhos e no seu argumento, mas sou salva

de respondê-lo quando meu celular toca no bolso do short. O nome da

minha mãe aparece na tela, e sinto um arrepio passar pela minha espinha,

mas estou pronta para responder seus questionamentos.

— Eu preciso atender, é a minha mãe — digo ao Lion, que assente.

Levanto e começo a me afastar, querendo privacidade, torcendo para que

não escute minha conversa com Claudia.


Seria constrangedor.

— Oi, mãe — atendo a ligação, fechando os olhos ao respirar fundo.

— Como estão as coisas por aí?

— Oi, Ariela — me cumprimenta de volta, seu tom insatisfeito. —

Seria melhor se estivesse aqui, onde posso monitorar seus estudos —

completa.

— Estou seguindo o acordo, mãe — respondo, tentando mostrar para

ela que não preciso dessa atenção toda.

Olho para trás, e Lion está atento aos meus movimentos. Ele teria

percebido a minha tensão ao estar falando com a minha mãe no celular?

— Que barulho é esse de fundo? — questiona, curiosa.


— Estou na casa dos Giordano, eles nos convidaram para almoçar

aqui hoje.

— Não sabia que eles tinham casa em Canavieiras — expressa sua

surpresa. 

— Nem eu, foi uma coincidência — minto.

Minha mãe enlouqueceria se soubesse que a minha viagem para cá

foi planejada, e que o principal interessado nela é um garoto de dezessete

anos, que me beijou alguns dias atrás na praia e que estava, antes da

ligação, me perguntando sobre o motivo de não poder se interessar por

mim.

— Estudou hoje?
— Sim, mãe. Vou revisar o cronograma que me passou assim que

voltarmos do almoço — informo. 

— Vamos repassar juntas tudo o que estudou, assim que retornar das

férias — anuncia, desgostosa, tenho certeza de que está arrependida de ter

deixado que eu viajasse.

— Tudo bem! — respondo, cansada com a nossa conversa.

Minha mãe pergunta mais algumas coisas para ter garantia que estou

fazendo o que mandou antes de se despedir e desligar. Volto a me sentar,

Lion está na mesma posição que o deixei.

— Sua mãe? — pergunta e assinto. — Ela parece preocupada.

— Não tanto, só ligou para verificar se estou realmente seguindo

com o cronograma dos estudos. — Dou de ombros ao dizer.


— Não acredito — comenta. — Ela te liga todo dia para saber se

está estudando?

— Ela se preocupa com minhas notas, infelizmente não tenho

escolha, não posso perder minha bolsa no colégio — digo, a defendendo,

não querendo que ache que ela é neurótica.

Lion não a está julgando, só parece surpreso com o fato.

— Imagino. Como sabe, Artho também é bolsista, ele sempre dá o

seu melhor — diz, seu tom de voz é de orgulho do amigo.

Ele olha para a frente, os seus amigos estão rindo, jogando água uns

nos outros. Procuro mais uma vez por Giulia e Dimitri, mas os dois

sumiram, e é um milagre que Donato não tenha percebido ainda.


Seu desejo por poder e reconhecimento é tão grande, que tirou o

foco da sua filha em minutos.

— Sua mãe também é assim com você? — pergunto a ele, que me

olha confuso, e repito a pergunta. — Se sua mãe também acompanha seus

estudos. Sei que você mora somente com o seu pai...

Deixo a frase no ar, mas sei que entendeu o que eu quis dizer. Nunca

ouvi nada a respeito da sua mãe, e ele nunca comentou nada em nossas

conversas.

Seu olhar muda, parece ressentido, ele se move desconfortável no

lugar, estalando os dedos, porém não desvia o olhar.

— Eu não conheço a minha mãe — expressa. — Ela foi embora

quando eu era ainda criança, não me recordo de nada dela, só as coisas que
meu pai disse em relação à mulher que me abandonou.

Sim, é ressentimento que sente, e ao mesmo tempo, mágoa. Lion se

esforça para não deixar transparecer, mas lá no fundo, consigo sentir.

— Sinto muito — murmuro, triste com esse fato.

Talvez seja a mesma coisa que sinto em relação ao meu pai, diferente

da mãe dele, meu pai não é tão presente como eu gostaria, mas não me

abandonou, porém não deixo de me sentir chateada com a falta de interesse

da parte dele.

— Não precisa se preocupar, não tem como sentir falta de alguém

que não conhece, não é? — ele diz, tentando mudar o clima da conversa, e

aquiesço. — Foi escolha dela.


— Ela quem perdeu de qualquer forma — respondo, e inclino para

frente, segurando sua mão na minha, ele sorri ao olhar para o toque das

nossas mãos, tentando confortá-lo.

Sua mão quente na minha parece algo tão certo, que não ligo para a

voz da minha mãe na minha cabeça. As coisas que Lion me disse antes que

eu precisasse atender a ligação, me vêm à cabeça e torço para que suas

palavras sejam verdadeiras, porque acho que estou começando a me apegar

a ele. 

Escutamos um pigarreio, e olho para cima, vendo Gabriel todo

molhado, parado na nossa frente, com um sorriso sapeca, olhando para as

mãos de Lion e a minha, juntas.

— Não vão entrar na piscina? — Gabriel, pergunta.


Ele se apoia no ombro de Lion, o molhando, as gotas de água

pingando dos seus cabelos. Lion tenta se afastar dele, o que não dá muito

certo, porque Gabriel passa o braço pelo ombro do amigo.

Lion bufa.

— Não vim preparada para entrar na piscina — uso uma desculpa,

para impedir que ele insista.

— Uma pena, poderíamos nos divertir muito — anuncia ele, e o vejo

receber uma cotovelada de Lion.

Natan aparece logo em seguida, sorri em cumprimento e eu retribuo,

sem graça com a atenção deles em mim. Mesmo sendo idênticos, os dois

possuem personalidades totalmente diferentes.


Enquanto Gabriel é o mais travesso, brincalhão e desinibido, Natan é

mais reservado, de poucas palavras e sério. Ele não chega no nível de

Dimitri ou Eros, mas é menos descontraído que o irmão.

— Lion está sendo muito grudento? — Natan pergunta, recebendo

um olhar desagradável de Lion. — Já falamos para ele deixar você respirar.

Dou risada.

— Se precisar fugir dele um pouco, pode me procurar — Gabriel

oferece, todo orgulhoso, recebendo outra cotovelada de Lion, a proposta

não agradou muito a ele.

— Por que vocês não nos deixam em paz? — Lion questiona.

Percebo a troca de olhares entre os gêmeos, e logo depois eles

agarram Lion, e o puxam para a piscina contra sua vontade, que grita e
xinga os amigos. Quando percebe que não tem para onde correr, se joga

dentro d'água de roupa e tudo.

— Caralho, vocês me pagam — Lion grita ao submergir, fuzilando

os amigos com o olhar, que nadam para o outro lado da piscina.

— Lion, querido — sorrio quando Elena se aproxima da borda da

piscina, repreendendo Lion pelo linguajar.

— Desculpa — pede, envergonhado, apoiando na borda e se

impulsionando para sair de dentro da piscina.

Dessa vez é Eros que aparece por trás de Lion, sem que ele espere, o

puxando para dentro da água de novo, impedindo o amigo de sair. Observo

a cena toda sorrindo, Artho se aproxima dos dois para ajudar Eros.
O tempo todo Lion brigando com os dois, pedindo para o soltarem.

Sua falsa raiva passou logo, e no momento seguinte, ele estava rindo com

os amigos.

Queria poder estar em volta deles mais vezes, são tão divertidos e

descontraídos. 

Observo Lion tirar a camisa quando enfim consegue se livrar dos

amigos, e correr para fora da piscina. Seu corpo bronzeado atrai toda a

minha atenção enquanto caminha até onde estou, com um prato de carne

assada e uma garrafa de refrigerante.

Quando ele se senta, apoiando o prato na coxa para comermos, Ícaro

aparece e se senta ao meu lado, não se importando nem um pouco com o

olhar que Lion lança em sua direção.


Ícaro é assim, folgado e interesseiro.

— Que tédio — diz, ao enfiar a mão no prato, pegando um pedaço

de carne. — Deveríamos ir embora. Você viu a Giulia por aí?

— Não — respondo. — Deve estar com o seu irmão.

Eu não consigo entender como ocorrem os acontecimentos em

seguida. É tão rápido, que só tenho tempo de me levantar e gritar

horrorizada com o soco que Dimitri dá em Ícaro.

Dimitri está furioso enquanto agarra o irmão. A boca de Ícaro está

sangrando com o soco que recebeu. Lion se mete, tentando segurar o amigo,

e pedindo para que parasse, mas é empurrado para longe.

Em um ato de proteção, Lion me afasta dos dois, para garantir que

não me machuque, pois a fúria dos dois está num nível assustador. Então
vejo que Dimitri arrasta Ícaro até a borda da piscina, e enfia a cabeça dele

dentro da água.

Giulia grita para ele parar, querendo avançar, porém é impedida por

Artho. Gustavo e Eros enfim conseguem fazer com que Dimitri solte o

irmão, e o seguram contra a parede.

Lion e os gêmeos ajudam Ícaro a sair de dentro da piscina. O garoto

está vermelho, tentando recuperar o fôlego, enquanto tosse engasgando,

puxando o ar com força.

Fui até minha amiga, abraçando-a pelos ombros, seu corpo trêmulo,

o medo sendo visível em seu rosto. Eu queria entender o que estava

acontecendo para Dimitri ter aquela reação contra o irmão.


Eu havia escutado as palavras de Dimitri enquanto socava Ícaro, era

algo envolvendo a morte da mãe deles, Ícaro o acusando por tê-la

assassinado. Mesmo que eu estivesse surpresa com as palavras, não acredito

que ele tivesse sido capaz disso.

— Eu preciso ir até o Dimitri, eu causei a confusão — Giulia

sussurra, e não a solto.

— É melhor esperar. Gustavo provavelmente vai conversar com ele,

que precisa se acalmar — peço.

Vejo quando Giulia olha em direção a Ícaro com raiva. É a primeira

vez que a vejo agir desta maneira com ele.

Donato se aproxima de Giulia, assim como Tatiana, que abraça a

filha, tentando acalmá-la. Eles a levam para dentro da casa, e penso em


segui-la, mas vejo como Lion tenta fazer Ícaro ficar sentado, enquanto

segura um pano para conter o sangue que sai da sua boca.

— Não acha que causou estrago demais? — pergunto, me

aproximando. — É melhor você ficar sentado aí, e se controlar.

— Não se mete, Ariela, nenhum de vocês entendem o que Dimitri é,

se fingem de cegos — ele grita, mas não me abalo.

— Não fala assim com ela, idiota — Lion, declara, nervoso com

toda a situação.

Artho aparece ao nosso lado, olha com ódio para a cara de Ícaro.

Eles defenderiam o amigo com unhas e dentes. E pelo jeito, nenhum deles

suporta Ícaro, e só por esse momento tenho dó dele, que passa assim que
lembro as palavras cheias venenosas, sendo atiradas em Dimitri, que já

estava possesso de raiva.

Está na cara que depois dessa confusão, não existe mais churrasco. 
Lion

Segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

Estou encostado na parede, ansioso para ver Ariela adentrar o

corredor da sua sala. Mandei uma mensagem mais cedo perguntando se ela

viria no primeiro dia de aula; me respondeu que sim.

É claro que viria, Ariela não deixaria de faltar um dia, a não ser que

estivesse doente.
Sinto minhas mãos suarem quando a vejo virar o corredor com

Giulia ao seu lado, meus olhos focados nela, na forma que anda fazendo os

seus cabelos balançarem com o movimento. Eles parecem um pouco mais

curtos que da última vez que nos vimos em Canavieiras, e enquanto se

aproxima, consigo ter certeza de que ela está com um corte novo.

Suas madeixas loiras estão na altura dos ombros, e ela está ainda

mais linda.

Ariela para na minha frente, sorrindo ao me ver.

— Oi, Lion — Giulia cumprimenta e respondo de volta, me sentindo

mal por ter dado atenção somente à garota que habita meus sonhos desde

que a vi pela primeira vez. — Vou guardar seu lugar.

— Obrigada — Ariela agradece a amiga.


— Oi — digo. — Está ainda mais linda com o corte novo.

Vejo Ariela corar, prendendo o cabelo atrás da orelha. Ela continua

sorrindo, e foco em seus lábios. É a primeira vez que a vejo com brilho

labial, e se antes eu estava louco para beijá-la de novo, agora então, serei

perseguido em pensamentos por aquela coisinha desejável.

— Obrigada — agradece, chamando minha atenção para seus olhos.

— Não esperava te encontrar aqui.

— Queria te desejar boas aulas — pauso.

Mesmo sem ter tido a chance de ficar sozinhos nas férias, estávamos

sempre trocando mensagens, é como se nos conhecêssemos há anos, e não

apenas alguns meses.

Temos os mesmos gostos praticamente em tudo.


O fluxo de pessoas no corredor está ficando maior por conta do

horário da primeira aula, por esse motivo me aproximo de Ariela, para que

consiga me escutar mesmo com todo barulho dos alunos.

— E convidar você para sair comigo hoje depois das aulas, a gente

não teve nenhum momento a sós depois daquele churrasco... complicado.

Seus olhos parecem brilhar com o convite, imagino que ninguém

tenha convidado ela para sair antes, e esse fato me faz desejar que aceite.

— Poderíamos comer alguma coisa e passear pelo parque São Bento

— sugiro, com medo de uma negativa.

Já havia percebido que em certos momentos, Ariela se retrai, e

duvido que o motivo seja apenas timidez.


Ela me olha por um tempo e depois do que se parecem horas, abre

um sorriso entusiasmado.

— Tudo bem, eu aceito, mas não posso demorar — declara e eu faço

um gesto em comemoração, escutando sua risada. 

Assinto.

— Posso falar com a sua mãe, e pedir a ela...

— Não — sua voz está em alerta quando diz, cortando a minha

frase. — Não precisa falar com ela.

— Como você quiser — tranquilizo ela, que ainda continua tensa. —

Nos vemos no refeitório?


Aquiesce bem no momento que o sino toca, indicando o início das

aulas, e que precisamos entrar nas devidas salas.

Beijo o rosto de Ariela, sentindo seu perfume de rosas. Recebemos

alguns olhares curiosos. Talvez estejam se perguntando como que nos

tornamos tão próximos, ou como sou sortudo por Ariela ter me dado

atenção.

— Você está linda — elogio, sabendo o quanto é importante para ela.

Se depender de mim, a lembrarei sempre desse fato. — Tenha uma boa

aula.

— Obrigada. — Sua voz está baixa, sem jeito. — Para você também.

Eu espero ela entrar na sala, e corro, subindo a escada de dois em

dois degraus para o terceiro andar, esbarrando em alguns alunos, que como
eu, estão bem atrasados.

Entro na sala ofegante, e encontro o professor parado em frente a

turma. Ele se cala ao me ver entrar, e franze a testa com desgosto.

Provavelmente seu dia já não começou legal.

— Resolveu nos dar a graça da sua presença, Lion? — pergunta, e

escuto a risada dos meus colegas de classe.

Pelo jeito, o professor chato de biologia do ano passado, estará mais

um ano nos acompanhando, para a infelicidade de todos.

— Desculpe, professor — peço, indo direto me sentar na cadeira

atrás da de Eros, no canto da parede.

— Onde estava? — Eros questiona ao se virar para trás, quando o

professor começa a explicar como serão os módulos e matérias no primeiro


semestre.

— Com a Ariela, a convidei para sair hoje — respondo, e Dimitri

atrás de mim me cutuca, me fazendo virar para ele.

— E a mãe dela? — indaga. — Falou com ela?

Nego com cabeça.

— Eu disse a Ariela que falaria com a mãe dela, porém, ela não

aceitou — resmungo, quando o professor olha na minha direção.

Dimitri franze a testa, e parece pensativo, e antes que eu possa

perguntar do que se trata, ele responde.

— Giulia comentou comigo que a mãe de Ariela é bem controladora,

que a amiga quase não tem liberdade para sair. A mãe vai ser bem durona.
— Se ela for igual ao Donato, tenho certeza de que vou tirar de letra

— brinco. — É só você me passar umas dicas.

Ele me xinga de idiota, baixo o suficiente para que eu e Eros escute,

mas pela sua expressão, vê diversão no comentário.

Ariela

Depois de liberados, saio da sala de aula em direção aos portões de

saída para encontrar com Lion, minha ansiedade deixa meu coração

acelerado, além disso ainda sinto a culpa, o que me deixa insegura sobre a

decisão de aceitar me encontrar com ele.


Nunca menti para minha mãe para conseguir sair às escondidas, e

fazer isso, para ir contra sua proibição, é uma traição. Já pensei em desistir

várias vezes, ao ponto de escrever uma mensagem para Lion pedindo

desculpas e cancelando o nosso encontro.

Bom, eu não sei se para ele é um, mas para mim é como se fosse.

Giulia não aceita que eu cancele por medo, e fica dando vários

motivos para ir em frente, um deles é que eu sempre faça tudo que ela pede,

que eu merecia sair um pouco, o que acaba me convencendo a falar com a

minha mãe, dizendo que eu iria para a casa dela depois da aula para

repassar as matérias de hoje, e Claudia acreditou.

Me fez prometer que não voltaria para casa tarde. Não sei se o

destino está ao meu favor, mas sei que hoje, sendo o começo do novo

semestre da sua turma nova na UFBG, ela chegará um pouco tarde.


— Não sei se é uma boa ideia, Giulia. E se minha mãe descobrir?

Estou tensa, e um pouco aflita. Minhas mãos estão frias e suando,

meu coração acelerado quase saindo pela boca enquanto saio do colégio.

— Não seja medrosa, ela não vai descobrir — garante, achando

graça de todo o meu nervosismo. — Amiga, Lion Bianco te chamou para

sair, tem noção do quanto ele está a fim de você?

Nego com a cabeça.

Na verdade, todas essas semanas que estamos mais próximos,

trocando mensagens, consigo perceber que é verdadeiro o seu interesse, o

que aumenta o meu surto, não sei como agir, porque também estou

interessada nele.
Quando saio do colégio, o encontro parado ao lado de uma Land

Rover preta, me esperando. Giulia vai até a metade do caminho comigo, e

se despede com um beijo, me desejando um bom encontro.

Antes de seguir adiante com o plano, olho em volta à procura da

minha mãe ou do carro dela estacionado em algum lugar, me observando

para ter a certeza de que estava mesmo indo para casa de Giulia.

— Pronta? — Lion pergunta, abrindo a porta de trás do carro.

Assinto, tirando a mochila das costas para entrar no carro. Lion

fecha a porta assim que entra, e sorri.

— Ariela, esse é Luís, além de um ótimo motorista, é amigo da

família — Lion me apresenta ao senhor sentado no banco do motorista, que

se vira, com um sorriso simpático. — Luís, essa é Ariela, uma amiga.


— Um prazer, senhorita — Luís segura minha mão, dando um aperto

amigável e trocando olhares com Lion, com uma expressão desconfiada,

não acreditando nem por um segundo sobre a história de “amiga”.

— Luís vai levar a gente para comer alguma coisa — Lion diz,

quando o carro sai do estacionamento, e me encosto melhor no banco. —

Você falou com a sua mãe que iria sair comigo?

Olho para Lion, que parece interessado e um pouco preocupado,

quando demoro para responder sua pergunta.

— Uhum! — respondo, e Lion levanta uma das sobrancelhas, não

acredita totalmente na minha resposta, mas não comenta.

— Fico aliviado, não quero arrumar problemas para você —

expressa, se ajeitando melhor no banco.


Se Lion soubesse que mesmo conversando com Claudia, eu estaria

em problemas, ela nunca me deixaria sair com um garoto, mesmo sendo um

Bianco, filho e herdeiro de Pedro Bianco, nome bem conhecido por toda a

cidade.

Lion escolhe uma lanchonete próxima ao parque São Bento para

comermos. Desço do carro, e não me preocupo em pegar minha bolsa. Nos

despedimos de Luís, e fica combinado para nos buscar em duas horas.

De mãos dadas entramos no lugar, olho para os nossos dedos

entrelaçados, acostumada com o gesto tão automático, que é impossível

andar ao lado de Lion sem ter sua mão na minha.

Pegamos uma mesa no canto, perto da porta, e logo somos atendidos,

fazendo o nosso pedido. Minhas mãos em cima da mesa se retorcem,

enquanto admiro o local, achando a decoração legal.


Sinto quando Lion segura minha mão e faz carinho, passando o

polegar pela minha pele.

— Relaxa — pede.

Estou nervosa, além disso não sei como reagir, sei que é normal por

ser meu primeiro encontro, mas só essa informação faz meus dedos

formigarem.

— É uma experiência nova para nós dois, confesso que nunca saí

com uma garota antes e não sei como devo me comportar — Lion é sincero,

e fico aliviada por saber que também é seu primeiro encontro.

— Só seja você mesmo. — Sorrio ao falar, tocando seu polegar com

o meu.

— Peço a mesma coisa para você — me tranquiliza, sorrindo.


Ele pergunta como foi meu primeiro dia de aula, e conta que o

professor de Biologia ficou de marcação com ele a aula toda só porque

chegou atrasado. Dou risada, quando Lion me conta detalhes sobre

situações engraçadas que viveu, e como conheceu seus amigos, que foi em

meio a uma confusão de crianças.

— Eros, Natan, Gabriel e eu nos conhecemos primeiro, desde que

me entendo por gente — explica, enquanto comemos. — Dimitri entrou na

escola depois com oito anos de idade.

— E já ficaram amigos? — pergunto.

— Foi difícil no começo, você já viu como Dimitri é caladão na dele

— aquiesço. — Ele tinha acabado de perder a mãe, mas conseguimos

domá-lo.
Creio eu que o destino colaborou para que a vida dos seis se

encontrassem. É incrível ver a relação deles.

— Conhecemos o Artho uns anos depois, nossa amizade com ele

aconteceu de uma forma bem engraçada, ele defendeu Natan e Gabriel

quando os dois encrenqueiros arrumaram briga com uns valentões da turma

de veteranos, e estavam apanhando deles — ele pausa, dando uma risada ao

lembrar.

“Eros, Dimitri e eu estávamos com medo de apanhar, mas ficamos

do lado dos dois, querendo defendê-los. Artho apareceu, não sei de onde,

com duas barras de ferro, jogando uma para Dimitri, e os dois começaram a

bater nos garotos maiores. No final das contas, estavam todos encrencados

com os pais.”

Minha barriga dói de tanto rir.


— O sufoco todo valeu à pena — digo, ao me recuperar da crise de

riso.

— Ficamos inseparáveis desde então — diz, orgulhoso.

Eu gosto de ouvi-lo falar, o jeito que me faz rir como ninguém antes

fez, como se importa comigo, o tempo todo seus olhos em mim, mesmo que

muitas vezes eu fique envergonhada.

Lion me enxerga, e isso é importante para mim.

Ele consegue me ler, sem eu precisar dizer nada. É ouvindo-o citar

suas épocas favoritas do ano, que percebo estar começando a gostar dele, e

tenho medo de isso me machuque.


O barulho dos pássaros nos galhos altos das árvores do parque me

traz uma sensação de paz momentânea, seu cântico me deixa feliz. É

gostoso estar andando e sentir de leve a brisa na pele.

Paramos no meio de uma ponte, em que o apoio foi feito de troncos

de árvores, o laguinho embaixo tem alguns peixinhos nadando.

— Obrigada por ter me convidado para sair — agradeço, me virando

de frente para Lion.

Me apoio na ponte, fixando minha atenção nele. Lion fecha a

distância entre a gente, tocando a pele do meu rosto, do mesmo jeitinho que

fez na primeira vez que nos beijamos.

— Isso significa que vai aceitar sair comigo mais vezes? — sua

pergunta sai em forma de sussurro.


Seu toque quente, arrepia minha pele. Meu interior queima querendo

ter sua boca na minha novamente, desejando a mesma sensação de

formigamento nos meus lábios, passando para o meu corpo.

Os cabelos dele voam com a brisa leve, e ele precisa passar a mão

algumas vezes para tirar os fios que caem em seus olhos.

A voz da minha mãe começa a martelar na minha cabeça, me

lembrando dos meus deveres, escondo no fundo da minha mente a voz que

lembra que a estou traindo.

Assinto, desejando passar mais tempo na companhia de Lion, me

perguntando quais os próximos lugares que iremos.

— Sim — murmuro.
Nossos narizes se tocam, e depois nossas testas. Fecho os olhos,

esperando o toque, a ansiedade se instalando em mim. Eu posso sentir seu

hálito quente de menta da balinha que estava chupando, mas nossa bolha é

estourada quando escutamos o toque do seu celular.

— Merda — ele xinga, se afastando.

Sorrio, mostrando que está tudo bem, mas me sentindo decepcionada

com o corte do momento. Ele tira o celular do bolso e atende à ligação, pela

forma que fala, percebo que é o Luís, nos informando que chegou e está nos

esperando.

— Precisamos ir — Lion diz, segurando minha mão novamente. —

Uma pena que as horas tenham passado tão rápido.

— Sim, eu concordo.
Lion segura minha mão novamente, nos guiando pelo caminho de

pedra estreito, ao lado das gramas verdinhas com algumas flores.

Encontramos o carro com o senhor Luís nos aguardando. O cumprimento

de novo, que retribui, me ajeito no banco e vejo minha mochila do mesmo

jeitinho que havia deixado antes de descer do carro.

O carro já está em movimento depois que explico ao Luís meu

endereço. Uma intuição me faz pegar a mochila, procuro meu celular com a

intenção de verificar as notificações. Meu coração acelera e meu corpo gela

quando vejo várias ligações e mensagens da minha mãe.

Abro uma por uma, ela exigindo saber o motivo de não estar

atendendo, até a última perguntando onde estou.

Lion, percebendo minha tensão, pergunta o que aconteceu.


— Minha mãe vai me matar — resmungo, minhas mãos tremendo,

tentando responder suas mensagens.

Ela já deve saber que não estou na casa de Giulia, com certeza foi

até lá e descobriu minha mentira.

— O que aconteceu? — pergunta novamente.

Levanto minha cabeça para o encarar, me sentindo mal por ter

mentido, e quando descobrir que Claudia proíbe que eu tenha qualquer

contato com garotos, ou que eu namore, controlando meus estudos, não vai

querer mais falar comigo.

— Sua mãe não sabe que saímos juntos, não é? — nego com a

cabeça quando ele termina de fazer a pergunta.


— Porra! — sussurra, fechando os olhos por um momento para

respirar fundo. — Acha que ela descobriu?

— Não sei.

Nosso dia foi tão bom juntos, que por horas esqueci da minha mãe e

de pegar o celular de dentro da bolsa antes de sair do carro, para

acompanhar qualquer contato que Claudia fizesse comigo.

— Quando eu disse que não entenderia sobre não responder mais

suas mensagens, ou ter contato com você, é por causa dela — declaro, me

sentindo envergonhada, querendo com todas as forças fugir do olhar de

pena, que com certeza ele vai dirigir a mim.

Mas não é isso que eu vejo, Lion demostra compreensão e não

julgamento.
Esqueço até mesmo que Luís está no banco da frente, escutando tudo

o que estamos conversando. Me escondendo do olhar de Lion, tento olhar

para baixo, porém ele segura meu queixo, querendo que nossos olhares

estejam fixos um no outro.

Me sinto mal por confessar isso a ele, talvez ache que sou uma boba.

— Ok, vamos resolver essa questão primeiro — declara. — O que

disse a ela? — pergunta. — Digo, como conseguiu convencê-la a sair sem

que soubesse que era comigo?

— Eu menti para ela, disse que estudaria com Giulia a matéria de

hoje.

— E Giulia tentou entrar em contato nesse meio tempo que sua mãe

tentava falar com você? — Nego com a cabeça, verificando mais uma vez
as notificações. — Isso é um bom sinal, significa que sua mãe não sabe que

está comigo, se fosse assim, Giulia já teria falado com você.

Pela primeira vez nesses vários minutos, consigo respirar aliviada

com suas palavras.

— Você tem razão — concordo. — Ela deve ter insistido em falar

comigo depois que não atendi a primeira ligação.

Lion assente. 

Ficamos em silêncio, Lion deve sentir que não adianta conversar

comigo por estar aflita, eu tento pensar nos motivos que a fez ligar para

mim, mas não consigo saber. E o tempo todo Lion tem sua mão na minha,

tentando me acalmar.
Peço para Luís parar duas casas antes da minha, minha voz saindo

tímida. Me pergunto o que ele está achando por saber que menti para minha

mãe, talvez causando problemas para Lion.

— Você vai ficar bem? — Lion indaga, preocupado comigo. — Vou

ficar esperando você entrar em contato.

— Tudo bem — respondo. — Nos falamos depois.

Antes que eu possa sair do carro, Lion se inclina e beija meu rosto,

seu toque me aquecendo por dentro. Eu sorrio, agradeço a ele mais uma vez

e me despeço de Luís, que com a mesma simpatia, se despede.

Minhas pernas estão bambas quando passo pelo portão de casa,

vendo que o carro está estacionado na garagem, o que indica que ela voltou

antes do previsto.
Abro a porta da frente, entrando. E quando passo pelo corredor que

dá em direção ao meu quarto, minha mãe aparece da sala, me fazendo parar

no meio do caminho.

Meu coração acelera, e respiro fundo, tirando qualquer resquício de

culpa do meu rosto.

— Onde você estava? — sua voz está alterada, impaciente. 

Minha mãe me olha com os olhos semicerrados e desconfiados.

E a culpa mais uma vez, bate com tudo dentro de mim.


Ariela

Me sinto uma péssima filha enquanto encaro minha mãe.

Ela não merece o que estou fazendo, principalmente por todo

sacrifício que tem feito, para me dar o melhor, mas mesmo assim prefiro

continuar com a mentira.

— Estava na casa da Giulia — digo, forçando a minha voz a sair

calma e suave, sem causar um alarde.


Ela continua me encarando em silêncio, observando minha feição,

meu comportamento corporal.

— E por que não atendeu as minhas ligações? — questiona,

cruzando os braços.

— Meu celular estava dentro da mochila, não queria que me

atrapalhasse na hora que estava estudando com Giulia — digo, mais uma

mentira, por incrível que pareça, elas saem com uma facilidade que nunca

tive antes. — Giulia estava com dúvida no conteúdo que a professora

passou hoje, eu quis ajudar.

Ela assente, ainda me olhando, e parece que a convenci, pois suspira

e relaxa a pose de durona.


— Aconteceu alguma coisa? Vi depois que tinha várias ligações —

pergunto curiosa, ela parecia desesperada, levando em conta a quantidade

de ligações e chamadas.

— Não era nada demais, só estranhei o fato de não ter me atendido

de primeira. Era só para avisar que voltaria mais cedo, e iria passar no

mercado para comprar alguns ingredientes para fazer seu prato favorito.

Forço um sorriso, sentindo como se uma faca me rasgasse por

dentro, o tempo todo aquela voz gritando que eu havia traído a minha mãe.

Vou em sua direção, abraçando-a, com medo da possível decepção

que vai sentir, se souber da verdade.

— Obrigada, mãe. Vou subir para tomar um banho e desço para te

ajudar a preparar o jantar — digo quando me separo dela.


Seus dedos tiram uma mecha que ficou presa na minha bochecha.

Ela assente, beijando meu rosto, antes de voltar para a sala novamente. Não

perdi tempo ao subir correndo para o meu quarto.

Tiro o celular da mochila, e quando penso escrever uma mensagem

para Lion, desisto. Talvez seja melhor acabar o que está rolando entre nós,

evitar uma confusão.

Deixo o aparelho em cima da cama, escolhendo falar com Lion

depois do jantar, e vou em direção ao banheiro, desejando que a água

quente tire todo o peso dos meus ombros.

Subo para o meu quarto depois de limpar toda cozinha depois do

jantar.
Espero até ter se passado uma hora que subi, e verifico por debaixo

da porta do quarto da minha mãe se a luz está apagada, me dando a certeza

que ela está dormindo. Só assim, decido pegar o celular para conversar com

Lion.

Tem várias mensagens dele nas últimas horas. Sorrio achando fofo a

sua preocupação.

Eu: Oi, está tudo bem, acho que ela não desconfia de nada.

Em vez de receber uma resposta de volta, meu celular vibra na

minha mão. O nome de Lion pisca na tela, ele nunca me ligou antes, e fico

com receio de atendê-lo nos primeiros segundos.

— Oi — atendo, minha voz saindo baixa, com medo de que minha

mãe escute.
— Oi. — Sua voz rouca me causa uma quentura. — Você quase me

matou de nervosismo. Está tudo bem?

Solto uma risada baixa, consigo sentir o desespero nele, e começo a

me arrepender da decisão que tomei. Lion é tão bom, me faz tão bem.

— Sim, reforcei a história que contei a ela sobre a Giulia, ela não

desconfiou de nada.

— Que bom, fiquei com medo de ter ficado encrencada por ter saído

comigo — diz. — Precisamos tomar mais cuidado — brinca.

Fecho os olhos, me encostando na cabeceira da cama, estou lutando

contra a razão e emoção, e está sendo difícil.

— Desculpa por não ter te contado — peço. Escuto ele fazendo um

estalo com a língua.


— Não precisa se desculpar, Ari — sorrio com o apelido que acabo

de escutar pela primeira vez.

Isso não é justo.

— Eu nunca havia saído com um garoto antes, nunca tinha beijado e

muito menos lidado com o interesse de alguém por mim — murmuro, sendo

sincera com ele. — Minha vida sempre foi estudar, seguir os cronogramas

da minha mãe, tendo em foco a necessidade de ser a melhor em todos os

aspectos.

Escuto um suspiro do outro lado da linha. Lion não fala nada,

indicando que irá me ouvir, que vai ser aquilo que eu precisar no momento.

— É somente nós duas, meus pais se separaram quando eu era

pequena, então ela teve que lutar por nós, não deixar que faltasse nada para
mim, e não quero decepcioná-la. Quero ser a melhor por ela.

— Entendo, a pressão imposta na gente nunca é fácil — ele

resmunga, sua voz parecendo distante. — Eu preciso lidar com isso

diariamente. Desde que meu pai percebeu que eu era grande o suficiente

para aprender sobre os negócios da família, suas exigências têm dobrado de

acordo com o tempo.

Mesmo não conhecendo seu pai, sinto pela forma que Lion fala

sobre ele, que Pedro parece ser um carrasco, e nem preciso conhecê-lo para

ter a certeza dessa imagem.

— Somos duas pessoas com responsabilidades impostas nos nossos

ombros — diz, sua voz ressentida, pesada.


Lion entendeu que todo o momento em que eu estava retraída, era

por se tratar da minha mãe.

— Isso não precisa nos afetar em nada, Ariela — Lion declara,

decidido. — Gosto de você, e não quero ficar distante.

Arfo com a sua declaração, não cogitando que nossa conversa seria

tão intensa. Era de se esperar, Lion é intenso, fofo e decidido, e não quero

que isso acabe.

— Não vamos poder sair escondidos por um tempo — me vejo

dizendo, e mordo o lábio, torcendo que não me arrependa depois. — Ela

pode ter acreditado em mim mais cedo, mas não quero arriscar de novo.

— Vamos dar um jeito — escuto sua risada do outro lado. — Não

vejo a hora de nos vermos amanhã.


— Eu também — sussurro.

Eu cedo ao sentimento que estou sentindo, uma leve fagulha queima

dentro de mim, e temo que ela cresça o suficiente e se torne incapaz de

domar.

No fim, pareço já não me importar com isso.


Ariela

Sexta-feira, 16 de março de 2012

— Você acha que está legal? — pergunto para Giulia, me olhando

em frente ao espelho do quarto dela.

Irei dormir na sua casa esse fim de semana, minha mãe viajou com o

novo namorado e volta só domingo à noite. O fato de ela ter um namorado

me deixou surpresa, mas ultimamente ela tem estado bem feliz, e devo isso

à pessoa com quem está saindo.


Por esse motivo, ficou uma brecha para ver Lion hoje. A gente não

conseguiu mais sair às escondidas depois daquele dia. Minha mãe começou

a exigir mais de mim, me matriculando em um curso de inglês, que tomou

ainda mais o meu tempo.

Para Lion não está diferente, ele recebeu várias tarefas do vinhedo

para cuidar. Ele me disse, que seu pai há alguns meses tinha exigido que

largasse o futebol e focasse mais nos negócios. O que ele não fez, indo

contra a vontade do pai, e isso lhe custou um pouco mais de pressão.

Nós sabíamos como nossos pais eram, e que estavam dificultando

que tivéssemos tempo livre.

Passamos a nos ver somente no colégio. Sempre que podia estava na

arquibancada, assistindo aos seus jogos, ele me esperava em frente à minha

sala, antes das aulas começarem, e passávamos o intervalo juntos.


Lion e eu criamos uma amizade, nos tornamos confidente um do

outro, muitas vezes, íamos dormir de madrugada conversando por horas, e

isso passou a ser uma coisa nossa.

E nunca mais nos beijamos.

E eu desejava isso toda vez que o via, me deixando na expectativa.

— Você está linda, amiga — Giulia declara, parando ao meu lado e

apoiando a mão no meu ombro, inclinando a cabeça para apoiar o queixo na

mão. — Linda demais.

Abro um sorriso em agradecimento, e Giulia retribui. Passo as mãos

na saia do vestido florido rosa bebê, também visto uma jaqueta jeans azul

claro, com as sapatilhas e a bolsinha de lado. A noite não está tão fria, então

não me preocupo em vestir algo mais quente.


— Preciso descer, Lion já está me esperando lá embaixo — digo,

verificando se o brilho que passei nos lábios não está borrado.

— Se divirta — seu sorriso foi bem no estilo malicioso, e reviro os

olhos. — E se cuida.

Giulia desce comigo para o andar debaixo e me acompanha até a

porta, depois disso iria atrás de Dimitri que a está esperando se arrumar, ele

provavelmente está no escritório com Donato, que pela primeira vez, havia

permitido que os dois saíssem juntos.

Giulia vai me acobertar, já que não seria legal se Donato e Tatiana

soubessem que eu estava sozinha com um garoto, sem a permissão da

minha mãe.
Desço as pequenas escadas da casa dos Ricci, e vejo Lion parado na

Land Rover preta do seu pai, que está estacionada mais na lateral da casa.

Ele levanta a cabeça quando estou perto, e sorri endireitando a postura.

— Você está muito linda — me elogia, beijando meu rosto, quando

paro na sua frente.

Eu já esperava por essas palavras, todas as vezes que nos

encontramos, Lion faz questão de elogiar, ele diz que é importante me

lembrar do quanto sou bela. Sempre reviro os olhos.

— Vamos? — assinto.

Ele abre a porta do passageiro da frente. Franzo a testa, por não ver

Luís lá dentro. Lion tem apenas dezessete anos, ainda não tem carteira,

somente a falsa que ele e os meninos fizeram.


— Você confia em mim?

— Se eu não confiasse em você, não estaria aqui na sua frente,

ansiosa para saber onde pretende me levar — respondo, e ele dá risada.

Eu entro no carro, antes que alguém nos veja. Deveria estar

preocupada com o fato de ele não ser habilitado? Deveria, mas não estou.

Eu realmente confio em Lion, e sei que ele não nos colocaria em risco.

— Seu pai deixou que pegasse o carro? — pergunto assim que ele

entra, passando o cinto de segurança.

— Vamos dizer que ele não vai nem saber que o usei o carro essa

noite — ele debocha, dando risada. — Está muito ocupado com os negócios

dele.
Faço um gesto com a cabeça, desacreditando na audácia dele. O lado

rebelde de Lion sempre estava à mostra quando o assunto era o pai dele. A

música que toca no som do carro está em um volume baixo, mas consigo

ouvir que é da banda de rock Linkin Park, e o ritmo agita ainda mais a

emoção de estar com Lion.

— Você tem medo de altura? — Lion olha para mim por alguns

segundos, saindo da estrada para entrar na rua que nos leva para o centro da

cidade.

— O que você está aprontando? — questiono, semicerrando os olhos

para ele, abrindo um sorriso para sua expressão de sapeca.

— Você vai ver quando chegar a hora — pisca para mim, e tenho

certeza de que meu coração errou uma batida por esse gesto.
O observo cantar, e aproveito para analisar com mais calma o quanto

ele está lindo essa noite. Está vestindo uma camiseta de manga longa na cor

preta, vestindo calça jeans de um tom escuro de azul e tênis branco. Seus

cabelos estão bem penteados com o topete de sempre, nunca sem a cor

descolorida.

Lion vira a cabeça para mim, quando percebe que estou encarando a

muito tempo, e sorri de lado, e me dou conta do quanto ele mexe comigo. 

Alguns minutos depois estamos do outro lado da cidade, em um

espaço mais aberto, Lion estaciona o carro próximo a um parque de

diversão Itinerante, e mesmo dentro do carro consigo escutar os gritos e

risadas. Olho encantada para os brinquedos disponíveis, e fico louca de

desejo para andar em vários deles.


— Eu não sabia que estavam na cidade — sussurro, ainda olhando

através da janela do carro. — Faz anos que fui em um.

— Então acertei na escolha — Lion diz, e viro para ele, que me

observa, admirando minha reação.

Com certeza meus olhos estão brilhando ao olhar para cada

brinquedo. Lion compra alguns ingressos para nós dois, e pousa a mão na

base da minha coluna para me guiar.

— Qual você quer ir primeiro? — pergunta, sua boca próxima da

minha orelha, no primeiro momento me causando cócegas, depois me

arrepiando. — Hoje à noite é só para você.

— Sério? — ele anui.


— Vamos no que quiser, só não topo ir ao de cavalinhos — brinca,

me fazendo rir.

Tiro os cabelos que caíram na sua testa, para facilitar olhar em seus

olhos cor de mel, quero muito beijá-lo, para que sinta o quanto estou feliz e

grata por me proporcionar tudo isso.

— Sem cavalinhos — afirmo. — Montanha-russa? Que tal?

— Minha garota sabe fazer boas escolhas — Lion expressa seu

contentamento, e duvido que tenha percebido o que suas palavras causaram

em mim, especificamente a parte que diz que sou a garota dele.

Ele beija meu rosto enquanto mudamos a direção dos nossos passos,

para o brinquedo com o carrinho em cima dos trilhos, em formatos de


subidas e descidas, capazes de fazer qualquer um sentir o bendito friozinho

na barriga, assim como Lion me faz sentir às vezes.

Nós dois nos divertimos muito entre vários brinquedos. No Bate-

Bate, ele não cansou de jogar o seu carrinho para cima do meu, não me

dando nem tempo e espaço para revidar. No Crazy Dance, eu saí

completamente tonta do brinquedo, precisando me apoiar em Lion, que

dava risada, divertido.

E quando meu estômago deu uma acalmada, fomos para uma das

barraquinhas do lado mais distante dos brinquedos para comermos.

Escolhemos cachorro-quente, e fomos comendo e andando em direção à

roda-gigante.

— Acho que não me divertia assim há muito tempo — confesso,

quando paramos na fila para entrarmos na roda-gigante.


— É idiota eu me sentir orgulhoso por ser a pessoa a te proporcionar

isso? — indaga, seu sorriso nunca sumindo, não quando está comigo.

— Não vou diminuir seu ego — brinco, e Lion aperta meu nariz. —

Só porque você está me proporcionando toda essa diversão.

— Fico lisonjeado.

Lion levanta a mão até minha boca, e limpa com o dedo polegar um

pouco de molho da minha bochecha, o gesto me faz sentir água na boca,

quando ele leva o dedo até sua boca, limpando o dedo ao chupá-lo.

Mesmo sendo um gesto casual, mexe comigo e fico inquieta no lugar

que estamos parados, esperando a liberação para entrar na cabine.

Tento tirar qualquer pensamento com Lion da cabeça, e me ocupo de

terminar de comer. Depois de longos minutos, chegou a nossa vez de entrar.


Por sorte ficamos somente nós dois em uma cabine, e nos sentamos um na

frente do outro.

A roda gigante começa a rodar, nos levando para cima. A cabine, por

ser aberta, nos dá uma visão de toda a cidade, e fico encantada com todas as

luzes.

— Que visão linda — sussurro para mim mesma.

Queria poder registrar esse momento, para lembrar de como foi

especial esse dia com Lion.

Após alguns minutos, sinto Lion se sentar ao meu lado, com seu

corpo próximo ao meu, e me viro para encará-lo, enquanto a roda gigante

vai seguindo seu fluxo de descer e subir.


— Quero muito te beijar agora — pronuncia, segurando meu rosto.

— Você não imagina todas as vezes que quase perdi o controle.

— Queria que tivesse perdido. — Desço meus olhos para a sua boca.

— Eu achei que esse momento nunca chegaria. — Sorrio, ironicamente

minha vergonha sendo esquecida ao declarar o que realmente quero.

Lion aumenta a minha expectativa de ser beijada ao aproximar

nossos rostos, roçando seus lábios nos meus, estou sentindo uma dolorosa

ansiedade, ele está me deixando impaciente em cada momento que finge

que vai me beijar e se afasta.

Ele percebe, pois antes de enfim grudar nossas bocas, ele solta uma

risada, se divertindo.
Suspiro, quando enfim matamos o nosso desejo. Lion me beija com

o mesmo cuidado e delicadeza que foi na nossa primeira vez. Sua mão

desce para minha nuca, aprofundando mais o nosso beijo.

Passo os dedos pelos cabelos da sua nuca, exigindo mais do seu

toque, do beijo, eu sinto o receio nele, o medo de passar dos limites. Mas

Lion é cauteloso, e me sinto tranquila quando estou com ele.

— Valeu a pena — diz, se afastando por poucos centímetros, e eu o

beijo de novo.

Quando a roda gigante para, nossa cabine é aberta para descermos.

Lion passa o braço pelos meus ombros, me puxa para perto dele e beija meu

rosto, e sorrio feliz.


Paramos em uma barraquinha antes de ir embora, Lion compra

algodão doce para mim, o tempo todo sendo atencioso, se preocupando em

perguntar se eu queria mais alguma coisa.

Ele abre a porta do carro para eu entrar. Não queria que essa noite

acabasse, está sendo tão bom ter esse tempo para curtir sozinhos, sem a

preocupação com a minha mãe.

Quando chegamos na propriedade dos Ricci, Lion estaciona o carro

de maneira que não chame atenção de quem está dentro da casa.  Não vejo a

moto de Dimitri, ou ele já havia trazido Giulia, ou ainda não tinha chegado,

o que significa que Donato deve estar acordado aguardando a filha.

— Me diverti muito hoje — digo, tirando o cinto de segurança.


Me viro para Lion, que também tira o cinto para chegar mais perto

de mim, enquanto se inclina.

— Eu também — ele passa os dedos pelos meus cabelos, descendo

para a pele do meu rosto. — Quando é mesmo que sua mãe volta?

— Só domingo à noite.

— Acha que conseguimos sair amanhã também? — pergunta.

— Não sei. Precisaria usar Giulia novamente para me ajudar a

escapar sem que os pais dela percebam — sorrio.

Sei que posso contar com minha amiga, assim como sempre deixei

claro que poderia contar comigo também. Até hoje me pergunto, como nos

tornamos amigas, enquanto eu sou tão tímida, e ela é o oposto de mim.


Me debruço para frente, beijando o rosto de Lion para me despedir,

mas ele vira a cabeça, encostando nossos lábios, me beijando. Diferente do

primeiro beijo dessa noite, esse tem mais volúpia, mais desejo, mais

intensidade.

Sinto vontade de estar mais perto dele, para poder ter um acesso

melhor à sua boca, mas a divisão do carro nos impede.

Estremeço quando sinto sua língua passar por entre meus lábios, à

procura da minha, curioso e com calma, ele as enrosca e suspiro quando ele

a chupa, e quando percebo que vai se afastar, puxo sua cabeça para mais

perto de mim, não deixando que nossas línguas se separem.

É minha intuição que assume quando mordo sua boca, minha mão

passeando pelos seus cabelos, enquanto a outra gruda em seu braço.


— Ariela, assim não — diz, contendo meu avanço. — Não posso

perder o controle com você.

Sua voz rouca e cheia de excitação me faz entender o que ele está

dizendo. Aceitando que afetei Lion de uma maneira mais quente, quando o

vejo se mexendo inquieto no banco, abaixo a cabeça envergonhada. 

— Precisa ser com calma — diz.

Assinto, mostrando que entendi, quando se aproxima de novo, sela

nossas bocas mais uma vez, com cautela. Lion respira fundo, quando aperto

minha mão em seu ombro, transferindo para ela o quanto estou vulnerável.

É Lion que nos afasta, com medo de perder o controle.

— Vou aguardar sua resposta — fala, se referindo à chance de

sairmos amanhã. Sua voz ainda rouca, me mostra que está afetado.
— Tudo bem — sussurro, e dessa vez consigo beijar seu rosto para

me despedir, abrindo a porta logo em seguida. — Boa noite, Lion.

Ele acena com a cabeça, e logo fecho a porta e caminho em direção à

casa de Giulia em passos rápidos. Meu corpo treme, e não é pelo frio, mas

sim por estar com o corpo quente, sinto a excitação em cada célula do meu

corpo, pelo que aconteceu no carro.

Mesmo não querendo me despedir, é uma boa hora, antes que os

nossos hormônios nos façam seguir em frente com nossas vontades.


Lion

Sábado, 11 de maio de 2012

Já faz um tempo que meu pai começou a me obrigar a ir em reuniões

de negócios com ele. Jantares tediosos, onde eu precisava fazer a cara de

um bom filho e herdeiro, e isso ficou ainda mais frequente desde que

Dimitri foi preso.

Eu ainda não aceito como tudo aconteceu com meu amigo, já não é a

mesma coisa sem Dimitri, e meu pai usou a situação para jogar na minha
cara que eu andava com um “assassino” e tirou proveito disso ao exigir

ainda mais de mim.

Tirando Eros, ele não suporta minha amizade com os meninos,

sempre se refere a eles como perdidos, que não merecem o meu tempo.

Vai fazer um mês que não vejo meu amigo desde aquele dia infeliz, e

não posso visitá-lo, além de eu ser menor de idade, só aceitam familiares.

Que familiar? Dimitri não tem ninguém que possa contar, e esse fato me

enfurece.

Mas a gente nunca irá desistir dele, seus amigos, assim como

Gustavo e Elena vão estar esperando por ele.

— Melhora essa cara, você anda péssimo — meu pai reclama, me

tirando totalmente dos meus pensamentos em meu amigo e na forma que


tudo aconteceu.

— É a única cara que eu tenho — retruco, olhando através da janela,

enquanto o carro está em movimento.

Estamos a caminho do restaurante onde acontecerá um jantar, que

ele praticamente me obrigou a vir, sem me dizer do que se trata, mas eu

queria mesmo era estar em casa, conversando com Ariela, ou na casa de

Eros com meus amigos, na esperança de que Dimitri pudesse voltar logo.

Estamos todos sentindo a falta dele.

Luís estaciona o carro, e meu pai e eu descemos, me despeço dele

antes de seguir Pedro para dentro do restaurante. O garçom nos guia para a

mesa que está reservada para nós. O plano é sentar, colocar a expressão no

rosto de filho interessado, fazer parte de uma conversa ou outra, e depois

irmos embora.
Meu pai se senta ao meu lado à mesa, as duas cadeiras vazias à nossa

frente serão ocupadas assim que seus clientes chegarem.

Pedro me analisa dos pés à cabeça, parece satisfeito com o terno que

escolhi para a noite, seu desagrado é apenas com meus cabelos pintados.

— Não sei por que ainda pinta essa merda no seu cabelo —

resmunga, e pede ao garçom especificamente o vinho de uma das suas

safras.

O jovem que anota seu pedido parece desconfortável com a maneira

que meu pai se dirigiu a mim, mas não o culpo, as pessoas não imaginam

que por trás do nome Pedro Bianco tem um homem escroto e arrogante, que

na frente das pessoas exibe uma máscara de empresário e bom pai.


— Talvez se um dia parar de se importar com o que faço com a

minha vida, eu volte a ser o filho obediente que tanto deseja — provoco,

minhas palavras saindo em forma de veneno.

— Não me provoque, Lion — resmunga, abrindo o botão do blazer,

para ter algo em que focar e não perder a postura com o filho rebelde na

frente de todos no restaurante.

O pego olhando para o relógio no pulso algumas vezes, e para a

entrada do restaurante sem parar.

— Esse cliente deve ser bem importante para estar agindo assim —

zombo, me encostando na cadeira.

Seu olhar intrigado pousa em mim e ele abre um sorriso convencido.

— Eu não disse que era um cliente — declara.


Franzo a testa quando ele relaxa ao olhar em direção a entrada.

— Se comporte — ordena, ao se levantar da cadeira.

Faço a mesma coisa, sem entender o seu comportamento, e olho para

a entrada do restaurante, com a intenção de compreender o motivo de todo

suspense. E é nesse momento que vejo Ariela entrando ao lado da sua mãe.

Ariela está linda, com um vestido branco florido que tem a saia um

pouco rodada, e os cabelos soltos com leves ondas nas pontas que balançam

quando ela anda.

Mas não é só ela que me deixa nervoso, é a sua expressão surpresa

ao me olhar. Só me toco que elas são as convidadas quando param em

frente à nossa mesa.


Fico ainda mais confuso quando meu pai dá a volta na mesa, e se

inclina para a mãe de Ariela e a beija na boca. O desespero se apossa de

mim, e olho para Ariela, que também tem os olhos voltados para os dois

com uma expressão de incredulidade.

Claudia, com seus olhos brilhando, se afasta do meu pai, sorrindo

com sua atenção voltada constante e exclusivamente nele, como se só ele

importasse naquele momento. Não preciso de mais nada para concluir que

está apaixonada.

Infelizmente, a ficha cai. A pessoa com quem meu pai está saindo é

a mãe da garota que eu gosto. Lembranças da viagem que meu pai fez, no

mesmo dia que Claudia não estava na cidade, pois estava viajando com o

namorado me vêm à cabeça, eles estavam juntos.


Outros momentos semelhantes que aconteceram, coincidem para

gerar desconfiança de que os dois já estavam juntos, e não sabíamos de

nada.

Ariela está pálida quando me olha, quero ir até ela e segurar sua

mão, sussurrar no seu ouvido que tudo ficará bem, mas não posso. Estou

sem acreditar no que estou presenciando.

— Era essa surpresa que tínhamos para vocês — meu pai diz e me

olha, vê o espanto na minha expressão. — Estamos namorando.

Ele nunca havia namorado antes, não depois que minha mãe foi

embora. Eu sabia que Pedro tinha seus casos, mas que não foram

importantes o bastante para um jantar e apresentações.


— Claudia, esse é meu filho Lion — meu pai nos apresenta, e olho

para a mulher que tem os mesmos traços que Ariela, os mesmos cabelos

loiros, e olhos azuis.

Claudia sorri para mim e estende a mão para me cumprimentar.

— É um prazer, Lion — diz, e faço um gesto com a cabeça em

cumprimento, estou tão surpreso que é o máximo que consigo fazer para

cumprimentá-la. Ela abaixa a mão quando não retribuo, não parece se

importar, diferente do meu pai que me lança um olhar de repreensão.

Um prazer? Não para mim.

— Essa é minha filha, Ariela — Claudia pronuncia, olhando para o

meu pai. Depois se vira para mim e diz: — Vocês têm quase a mesma idade.
Meu pai se inclina para beijar o rosto de Ariela, eu olho para as mãos

dela, que estão trêmulas, ela está nervosa e odiando ter a atenção voltada

para si. Eu não me aproximo de Ariela para cumprimentá-la também, por

medo que não vá disfarçar ao tocar a pele do seu rosto quando beijá-la.

Mas eu queria estar do seu lado, segurando sua mão, sentindo o calor

da sua pele, e talvez assim, ela pudesse esquentar o frio que sinto no

estômago com toda essa situação.

— Vocês poderão se conhecer melhor com o tempo — Pedro sugere.

— A gente já se conhece — declaro, e as cabeças deles se viram

para mim.

Ariela parece que vai desmaiar a qualquer momento, faz um gesto de

negativa com a cabeça, com seus olhos implora para que eu não diga nada.
Suas mãos tocam o encosto da cadeira, para se sustentar em pé, os nós dos

dedos ficando brancos à medida que transfere a força para o objeto.

— De onde? — Claudia questiona curiosa, virando a cabeça para a

filha, e Ariela parece ficar ainda mais tensa com o olhar da mãe em cima

dela.

— Do colégio. Ariela também é amiga de Giulia — respondo sua

pergunta, e Ariela respira aliviada.

Deixo de lado a explicação que Giulia era namorada de Dimitri.

Depois de tudo que aconteceu, eles não estão mais juntos, não com o pai

que tem e o tio delegado que fará de tudo para que meu amigo, assim que

sair da prisão, fique longe da sobrinha.


O infeliz do seu pai até mesmo a mandou embora da cidade por

garantia.

Todos da cidade sabem do que aconteceu, e muitos deles o julgam,

enquanto outros entendem o Dimitri, mas o que todos eles não sabem é que

não foi meu amigo que matou o pai, mas se preocupa tanto com seus irmãos

e madrasta que tomou a culpa para si.

— Giulia Ricci? — meu pai interroga, sabendo muito bem de quem

se trata, e por algum motivo que não sei, finge estar interessado. — Assim

fica mais fácil, a convivência não será estranha.

Meu pai faz um gesto para que a gente se sente, meus olhos o tempo

todo em Ariela, que não me olha.


— Desde quando estão juntos? — pergunto, minha garganta está

seca, e busco minha taça com água, para amenizar o desconforto.

— Já faz alguns meses — Claudia responde, e abre um sorriso

quando meu pai o coloca a mão dele em cima da dela. — Nos conhecemos

em janeiro, vocês estavam viajando de férias. Não contamos nada antes,

porque não sabíamos se daria certo.

Pedro assente, e tem um sorriso mínimo na boca. Fico em choque

por perceber que ele é capaz de gostar de alguém, além do seu ego e

arrogância.

— Então a relação de vocês é algo sério? — escuto a voz de Ariela

pela primeira vez, composta por timidez e também indignação, por terem

escondido da gente.
Não sei como, mas consigo sentir mágoa na sua voz ao fazer a

pergunta, tenho certeza que ela não esperava que sua mãe fosse esconder o

namoro dela.

— É, sim — confirma meu pai, e Ariela me olha, e o que vejo em

seus olhos não me agrada em nada.

Sei o porquê da sua pergunta, Ariela precisa da confirmação para dar

um fim ao que temos. Travo minha mandíbula, querendo que isso não seja

verdade, que seja só o meu medo falando mais alto.

— Vocês não parecem felizes com a notícia — constata Claudia, e

tenho vontade de revirar os olhos.

Qual a reação eles queriam da gente? Fogos de artifícios, abraços

calorosos e tapinhas nas costas deles ao desejar parabéns?


— Não é isso — Ari declara, pigarreando. — Só fomos pegos de

surpresa.

O garçom aparece para pegar nossos pedidos, me fazendo engolir as

perguntas que quero fazer para o casal do ano. Me sinto irritado por eles

serem o motivo de Ariela ter se retraído.

Eles não imaginam que essa novidade vai afastar Ariela de mim.
Estou cansado de ser o que você quer que eu seja

Me sentindo tão sem esperança, perdido sob a superfície

Não sei o que você está esperando de mim

Me pressionando para seguir os seus passos

(Numb – Linkin Park)


Lion

Sábado, 12 de maio de 2012

— Porra, cara, que drama sua vida se tornou. — Ouço a voz de

Artho, sentado no sofá do outro lado, pela sua voz não parece estar sendo

debochado, e sim chocado com a notícia.

— E eu não sei? — respondo, com a almofada no meu rosto.


Consigo sentir a pena que estão sentindo agora, só pelo silêncio que

fica na sala de TV. Estamos na casa de Eros, o único lugar que nos sentimos

à vontade para nos refugiar quando precisamos, mas não está sendo a

mesma coisa sem Dimitri.

Gustavo e Elena estão viajando a trabalho, e dou graças a Deus por

isso, eles não precisam me ver choramingando pela merda que virou minha

vida.

Ariela não me responde, continua me ignorando mesmo que eu a

encha de mensagens e ligações.

— Isso tudo não estaria acontecendo se tivesse nos escutado—

Gabriel se pronuncia, e o som do rosnado que dei, é abafado pela almofada.

— Para que se prender agora? Isso tudo é um sinal do universo para você

esquecê-la, e partir para a pegação como antes.


— Cala a boca, Gabriel, não fode mais a cabeça dele — Eros

resmunga, e levanto a mão em um gesto em agradecimento, mas me

arrependo quando escuto as próximas palavras. — Ele precisa dos

neurônios intactos para decidir o que fazer.

Eles gargalham, e amaldiçoo o momento que decidi me abrir com

eles, antes eu tivesse ficado calado.

— Valeu, cara — debocho, tirando a almofada do meu rosto,

focando os olhos no teto.

— O que você vai fazer agora? — Natan pergunta, e dou de ombros.

— Não sei, Ariela não me atende, nem responde minhas mensagens

— suspiro. — Se Dimitri estivesse aqui e ainda namorasse a Giulia, ela

poderia interceder por mim.


O clima da sala muda, e todos parecem tensos com a menção do

nosso amigo, ainda sem aceitar tudo o que aconteceu.

—  Tenho certeza de que Dimitri falaria para você dar espaço para

Ariela pensar — Artho responde, e eu concordo, porque seria bem a cara de

Dimitri dizer isso.

— Ou não diria nada — Nathan fala, sorrindo. — Conhecemos bem

o quanto Dimitri consegue ser silencioso.

— Infelizmente, ele é o único capaz de lidar com o rabugento do

Eros — digo, recebendo logo em seguida uma almofada na minha cara.

— Não fode, Lion — Eros resmunga, me mostrando o dedo do meio.

Aquele jantar foi horrível, e Ariela não me dirigiu o olhar depois que

meu pai respondeu sua pergunta. Nossos pais não calavam a boca,
comentando coisas sobre a gente, como se não tivéssemos desconfortáveis o

suficiente.

E assim que cheguei em casa, a primeira coisa que fiz foi tentar falar

com Ariela, que me ignorou.

— Tenta relaxar, amanhã é segunda, você fala com ela no colégio —

Natan sugere.

— Isso se ela falar com você — Gabriel completa e jogo a almofada

na cabeça dele.

— Vai se foder, idiota — o xingo, desejando que eles passem por

isso um dia, para que possa ser eu a zoar da cara deles.

— Sabe do que precisamos? — Artho pergunta, se levantando —

Hoje é sábado, precisamos fazer alguma coisa, chega de lamentar por hoje,
Dimitri não ia querer isso.

Assinto.

Talvez eu deva pedir para Artho me arrumar alguma coisa para

fumar, ele é melhor do que nós para arranjar essas coisas, e estou

precisando muito deixar a mente viajar.

Não consigo acreditar, Ariela está na arquibancada, me olhando

enquanto jogo. Peço ao professor de educação física alguns minutos, e corro

em sua direção.

Havia tentado falar com ela, mas cheguei atrasado, a procurei no

refeitório e durante o intervalo, mas ela não estava em nenhum lugar. É

estranho que ela tenha escapado da aula para falar comigo.


— Ariela — chamo, aliviado por finalmente conseguir falar com ela.

— Você está bem? Não retornou nenhum contato que tentei com você —

digo, parando na sua frente.

Ariela retorce as mãos, que eu já sei que é um sinal do seu

nervosismo, e evita olhar nos olhos, isso tudo me indicando um mal

presságio.

— Estou bem, estava tentando assimilar a novidade dos nossos

pais... juntos — fala.

— Eu não consigo digerir ainda, quão louco é isso? — brinco,

soltando uma risada que sai rouca e forçada.

Toco seu queixo para ela olhar para mim, e quando o faz, vejo

aflição nos seus olhos azuis como o céu.


— Ariela, não faz isso — peço, sabendo quais serão suas próximas

palavras.

Ela nega com um gesto de cabeça e se afasta do meu toque, um

suspiro profundo saindo dos seus lábios.

— Lion — pausa, procurando as palavras certas. —, precisamos

colocar um ponto final no que está rolando entre a gente, foi algo bom,

porém não podemos continuar.

Ela solta cada palavra de maneira fria e rápida, sei que está lutando

para não gaguejar de nervosismo, mas isso não me deixa menos apavorado

com a decisão, e o jeito que comunica o término. Devo estar com uma

expressão indignada, porque ela desvia o olhar do meu.


— Por quê? Não temos culpa que nossos pais estão namorando, e

nos conhecemos primeiro, Ari — explico, tentando fazê-la entender, mas

ela nega com a cabeça.

— Não importa — expressa. — Somos novos ainda, foi só uma

atração boba, coisa de adolescente, vamos conseguir esquecer e seguir

como se nada tivesse acontecido, eles não precisam saber.

Dou risada, não acreditando no que estou ouvindo.

— Esquecer? — pergunto, rígido e afetado, por ela dizer que o que

tivemos foi praticamente nada.

— Sim, foram somente uns beijos. Não significou nada para nós, não

é?
Não foi apenas beijos, foi bem mais que isso. Fixo meus olhos nos

dela, vendo que sua decisão está tomada, que não voltará atrás. Ariela não

quer estragar a preciosa relação dos nossos pais.

Por que sou o único que não liga para isso?

Olho em volta, tento de alguma forma encontrar uma solução para o

que está predestinado a acontecer agora, mas não vejo nenhuma. Na quadra,

meus colegas continuam o jogo, sem imaginar a tristeza que estou sentindo

agora.

Ariela aguarda, com uma calma, que me faz questionar como

consegue estar lidando tão bem com tudo. Ela teve tempo para pensar e

tomar a decisão que quer, e não vou forçar que volte atrás. Nunca faria isso,

além do que sinto, eu a respeito e só quero que fique bem.


— Tudo bem — concordo. — Como disse, não significou nada, foi

algo de adolescentes. Não precisa se preocupar, nossos pais não saberão

sobre o que aconteceu entre a gente, e não irei mais te incomodar.

Ela respira fundo, e quando vai falar mais alguma coisa, sou rápido

em emendar uma desculpa.

— Se é somente isso que queria conversar, eu preciso voltar para o

jogo — digo, ao mesmo tempo que aponto em direção a quadra. — Tchau,

Ariela.

Desço as escadas da arquibancada, e corro de volta para a quadra.

Foda-se essa merda de destino.

Quem garante que nossos pais vão dar certo? A relação deles está

com cara que tem prazo de validade, e isso fará com que Ariela veja que foi
precipitado acabar com tudo quando poderíamos continuar.

 
 

 
Ariela

Domingo, 5 de agosto de 2012

Eu tomei a decisão certa.

Saber disso acaba comigo, e mesmo que eu repita essa frase

inúmeras vezes, meu coração não assimila que preciso esquecê-lo. Não me

lembro como é respirar e não sentir essa dor perfurante.

Mas, eu tomei a decisão certa.


Percebo isso quando olho para Lion do outro lado, vestindo um terno

Slim Capri, ao lado do pai, enquanto assiste a cerimônia do casamento dos

nossos pais. Estou do lado da minha mãe, vestida com algo moderno e

elegante.

Minha mãe usa um vestido longo e rendado, fugindo da moda

habitual da noiva, e Pedro com um terno completo e elegante.

A celebração é simples e aberta apenas para os mais próximos.

Realizada na propriedade de Pedro, em um espaço grande, com o vinhedo

ao fundo.

Não era assim que eu pensei que conheceria o vinhedo dos Bianco.

Nas cadeiras enfileiradas no fundo estão Artho, Eros e os gêmeos, os

amigos de Lion vieram para dar uma força a ele. Sinto meu coração se
apertar por ver que entre eles, não está Dimitri.

Outra pessoa que não está presente é Giulia, a única amiga que teria

aqui para me apoiar, que foi afastada da cidade, e eu fiquei ainda mais

sozinha.

Mordo o lado de dentro da bochecha para conter o choro, sinto falta

dela, já faz meses que foi embora, foi logo depois do que aconteceu com

Dimitri. Eu não o julgo, como poderia? Eu sabia como o pai o tratava, das

atrocidades que passou na mão dele.

Foi em legítima defesa, mas mesmo assim precisou ser encaminhado

para o centro de menores infratores. E sei como Giulia ficou desolada,

ainda está magoada com o que aconteceu.


Já não tenho certeza se haverá esperança para um futuro para eles,

não depois do que Dimitri fez, Donato nunca aprovaria.

As expressões fechadas no rosto dos amigos de Lion me dizem que

eles sabem exatamente o que o amigo está sentindo. A última coisa que

Lion queria era estar aqui, dá para ver pela sua fisionomia séria, e não sei

bem se é por causa do desagrado por nossos pais estarem juntos, ou pelo

que aconteceu com a gente e o que houve com Dimitri, ou tudo isso junto.

Quando minha mãe falou sobre o casamento, achei que estava

acontecendo rápido demais, até descobrir que minha mãe está grávida de

quase dois meses. Queriam evitar a todo custo as fofocas da gravidez.

Pela primeira vez nos meus quinze anos, me sinto tão desnorteada

com a maneira como as coisas se encaminharam, que não deu tempo de

assimilar a situação toda.


A fagulha dentro de mim se apaga lentamente, eu não deveria

desejar escutar de Claudia que os dois terminaram, só para uma das coisas

que tiram o meu chão, voltasse ao normal.

O pensamento de que o namoro deles poderia não dar certo, caía por

terra toda vez que minha mãe entrava em casa com um sorriso no rosto,

demonstrando que sua noite com Pedro havia sido boa.

Até a notícia da gravidez eu tinha esperança, mas agora não me

sobrava nada. Ainda estou chocada, a ficha ainda não caiu, em breve terei

um irmão ou irmã, algo que eu não havia cogitado na vida.

Meus olhos não conseguem desviar de Lion, que não me encarou um

segundo sequer, parece uma estátua, olhando para nada além da paisagem

às minhas costas.
Fui ingênua por achar que conseguiria evitar Lion pelo menos no

colégio, já que nossos pais planejavam uma aproximação entre nós, então

teríamos que nos encontrar com eles.

A maneira que terminamos me deixou muito triste, e foi

desconfortável quando encontrei Lion dois dias depois no corredor do

colégio.

Se eu fechar os olhos, consigo lembrar exatamente da sensação de

nervosismo e estranhamento que senti. Ficamos parados olhando um para o

outro por longos segundos, seus olhos castanhos grudados nos meus azuis,

meu peito subindo e descendo como se tivesse corrido uma maratona, e

seus ombros tensos.

Foi Lion que cortou o contato visual, não me dirigiu uma única

palavra, nem um sorriso apareceu em seus lábios, que eram comuns antes.
Nada!

Ele simplesmente continuou andando, nossos ombros não se tocando

por poucos centímetros. Lion agiu como se eu fosse uma desconhecida, fez

o que eu pedi, esqueceu tudo o que vivemos. E isso me magoou, não queria

perdê-lo, só não havia mais uma opção para nós.

— Eu vos declaro marido e mulher — o padre diz, e o aperto no meu

peito me deixa sem ar, me lembrando da cerimônia.

Abaixo a cabeça por alguns segundos tentando levar oxigênio para

os meus pulmões, a ansiedade está me desestabilizando. Respiro fundo para

focar nos noivos novamente. Quando levanto a cabeça, vejo o exato

momento que Lion me encara, mas não consigo ler nada em sua expressão.
Não nos falamos mais, desde aquele dia em que coloquei um ponto

final no nosso rolo. E eu sinto tanta falta dele…

Mas eu tomei a decisão certa.

“Vocês não precisam agir como estranhos, serão como irmãos, e

Lion vai poder te proteger. Terão uma cumplicidade ainda maior quando o

bebê nascer.”

A frase dita pela minha mãe, em um dos diversos jantares que

tivemos em “família”, volta à minha mente e me sinto enjoada.

— Você está legal? — é Natan quem pergunta, quando me aproximo

da mesa de petiscos e bebidas para pegar uma água.

— Sim — afirmo, e ele semicerra os olhos, não consigo mentir bem.


Olhando para Lion do outro lado, vejo Gustavo com a mão pousada

no ombro dele, enquanto conversa com ele de modo discreto. Meu foco

desvia dos dois quando Gabriel se aproxima do irmão.

— Devo desejar os parabéns ou meus pêsames? — Gabriel pergunta

sorrindo, e Natan acerta a barriga do irmão com uma cotovelada.

— A segunda opção se encaixa melhor — é Artho que diz ao

aparecer ao meu lado.

Concordo com ele, a situação toda parecia um enterro.

— Ele vai ficar bem? — sussurro uma pergunta, e todos olham na

direção de Lion e Gustavo.

— Vai, sim, se tem uma coisa que todos nós aprendemos juntos, é

lidar com o inferno em pessoa.


Observo Natan quando ele solta as palavras, e não consigo imaginar

o que ele passa ou já passou, nem mesmo cada um de seus amigos.

— Ariela. — Ouço minha mãe chamar, se aproximando de mim,

segurando minha mão. — Vamos tirar algumas fotos em família.

Ela continua me puxando de forma delicada, e eu vejo o quanto está

feliz com o casamento, e Pedro parece fazer bem a ela. Essa demonstração

de felicidade não me faz sentir nada além de uma pontada de egoísmo e

culpa, porque em vários momentos tinha desejado que Pedro e ela não

tivessem acontecido.

Paramos em frente à mesa do bolo. Pedro e Lion já estão presentes,

aguardando por nós. Agradeço aos Céus quando não é preciso ficar ao lado

de Lion para as fotos, bastou apenas nos posicionarmos ao lado dos nossos

pais.
— Sorria Ariela, não precisa ficar tímida — pede, seus olhos fixos

nos meus, o olhar curioso e atento, tentando me ler.

Assinto, foco o olhar no fotógrafo e me obrigo a abrir um sorriso.

Depois de várias fotos, vou me afastando dela, para me esconder o mais

longe da festa, aproveitando que ela estará ocupada com os convidados.

Mas ela me chama, olha para mim sorrindo.

— Você está incrível. — Beija minha testa antes de se afastar de

mim.

A simpatia e elegância da minha mãe despertam ao redor o que mais

ela deseja: a atenção das pessoas importantes da cidade. A maioria das

pessoas estão curiosas para saber o porquê do casamento às pressas,

especulando a informação na própria fonte. Uso esse momento para respirar

um pouco, longe de toda essa pompa, da decoração e dos sorrisos forçados,


que a maioria das pessoas exalam. Procuro por Pedro, que conversa com

Gustavo, e duvido que o assunto seja outro além de negócios.

Não procuro por Lion.

Saio de fininho, andando, sem dar muita atenção para onde. Estou

tão confusa com tudo, sentimento de indignação e irritação se misturam

dentro de mim, e não consigo de forma alguma controlar.

Como vou viver na mesma casa que Lion, fingindo que nada

aconteceu entre nós dois? Tudo seria mais fácil se nunca tivesse nos

conhecido.

Em determinado momento, encontro uma escada que dá para o início

da plantação de uvas. De onde estou parada, no topo dela, consigo ver a


vastidão de videiras. A época de colheita já havia passado, mas o vinhedo

continua lindo.

Me pego descendo as escadas, escolhendo um caminho estreito pelas

videiras, tocando as folhas verdes, me conectando com a terra, com a vida

que elas transmitem.

Depois de uma longa caminhada, paro no final do pequeno perímetro

que termina uma parte da plantação, me imaginando fazer um piquenique

embaixo das videiras, lendo um bom livro, tendo a companhia apenas do

silêncio, se tornaria meu lugar preferido.

Me abraço quando uma leve brisa passa pelo meu corpo, e fecho os

olhos quando o aroma da terra, misturado com as árvores, chega até mim, e

respiro fundo...
— Eu amo passear por aqui. — Dou um pulo no lugar ao escutar a

voz de Lion atrás de mim.

Me viro, o encontrando com as mãos dentro dos bolsos da calça,

uma expressão de cautela, uma seriedade que nunca tinha visto antes, dando

passos curtos e lentos em minha direção.

— Sempre me acalma e consigo organizar meus pensamentos —

completa a fala.

Volto a olhar para a frente, controlando o nervosismo que Lion está

causando em mim. Pela visão periférica, ele para ao meu lado e parece lutar

com demônios internos. Assim como eu, ele não está sabendo lidar com

todo o desenvolver da história dos nossos pais.


— Agora somos uma família. — Escuto ele pronunciar, sua voz

cansada e tediosa. — Vamos conviver na mesma casa, realizar refeições

juntos, vamos nos esbarrar pelo corredor, e mesmo que a gente tente fugir

da presença um do outro, vai ser impossível.

— A casa é enorme, Lion, não vejo problema nisso — solto, e escuto

sua risada rouca e profunda, não acreditando muito no que acabo de dizer.

— Vamos mesmo conseguir esquecer o que houve entre a gente? —

pergunta, interessado, se virando para mim.

Seus olhos atentos tentam me ler, querendo entender tudo o que sinto

em relação ao casamento, à nossa nova vida como família.

— Eu já esqueci, Lion — conto a minha mentira, e ele continua me

encarando, em busca de qualquer sinal de mentira, fragilidade.


Me viro para Lion quando ele se aproxima mais de mim, deixando

uma distância mínima entre nós, me recuso dar um passo para trás, isso

seria a confissão que ele precisa. Necessito continuar com a minha mentira,

não posso mostrar que ele ainda mexe comigo, que sonho com seus beijos a

noite antes de dormir, e que agora, o calor que emana dele me causa

arrepios e fraqueza.

Lion não me toca, não precisa disso para causar em mim as benditas

borboletas no estômago, e temo que ele saiba disso.

— Vejo que não teremos impedimento para ser uma família feliz,

assim como nossos pais esperam da gente — ele sussurra, seu hálito de

menta tocando meu rosto. — Seremos um exemplo de irmãos.

O tom de voz que ele solta a última palavra é de escárnio, consigo

perceber o quanto odeia dizer isso, e não consegue esconder de mim, creio
que não consiga esconder de ninguém.

Lion se inclina, e fecho os olhos quando sinto seus lábios tocarem a

pele do meu rosto, sem pressa para se afastar, uma tortura para mim.

— Lion — murmuro seu nome, sem forças para me distanciar,

engolindo em seco, louca para levantar as mãos e tocá-lo com meus dedos

frios pelo nervosismo.

— Bem-vinda à família Bianco, Ari — sussurra, fazendo de

propósito.

Mesmo depois de ter se passado vários segundos da sua partida,

fiquei de olhos fechados, deixando a brisa me ajudar a tranquilizar os

batimentos acelerados do meu coração.


Preciso que nossa relação dê certo a partir de agora, mas sinto que

Lion não vai facilitar nada e tenho medo de que eu não consiga resistir.
Lion

Domingo, 19 de agosto de 2012

Ariela e eu conseguimos passar duas semanas inteiras sem conseguir

nos esbarrar pela casa, eu escolhia sempre fazer as refeições na cozinha, em

horários que eu sabia que não estaria presente para evitar qualquer

desconforto para ela.

É claro que Claudia estava sempre forçando a barra para criar

vínculos entre nós, e eu sempre tinha uma desculpa para não precisar
participar dos seus esforços. Ela já percebeu que não estou muito a fim de

me esforçar em nada relacionado à família feliz que está criando.

Comecei a pegar carona com Eros para o colégio, só para não

precisar ir com Luís, que agora leva e busca Ariela. Mesmo que

evitássemos qualquer contato, era impossível não a ver nos corredores ou

no refeitório, e sempre que nossos olhares se encontravam, desviávamos

logo em seguida.

— Quero que cuide bem dela, Lion, seremos uma família agora,

Ariela será sua irmã.

— Ela não é minha irmã — me seguro para não esbravejar, já

estava cansado de toda essa conversa, que a dias vinha sendo falada no

meu ouvido.
Família, família, família...

— Não interessa. — Ele se aproximou de mim. — Não estrague as

coisas, pelo menos uma vez, aja como adulto que está se tornando, com

responsabilidades e faça algo certo.

Porra!

As palavras do meu pai rondam minha mente, é uma lembrança

constante e recorrente. Se eles soubessem o que rolou entre mim e Ariela,

duvido que iria continuar pedindo que fôssemos próximos.

Eu ainda não acredito em como as coisas entre Pedro e Claudia

foram tão rápidas, logo ela estava grávida, e então veio o casamento. O

conhecendo como conheço, não teria sido um descuido da parte dele.


Aperto os olhos já fechados, odiando como as coisas saíram do

controle, e por mais que eu tente, não consigo esquecer Ariela. Ela me

conquistou inteiramente, sinto saudade dela ser minha confidente, do seu

jeito tímido e engraçado, e da nossa amizade, que foi se formando aos

poucos, mas era uma presença frequente na minha vida, e é o que mais sinto

falta.

A porta da biblioteca se abre, e sou despertado dos pensamentos

conturbados, de onde estou, deitado desajeitado na poltrona virada de frente

para a janela, não consigo saber de quem se trata.

Fico calado e olho para o reflexo da janela, que me dá a visão da

entrada, e me dou conta que provavelmente alguém nesse mundo, universo

ou céus, me odeia, porque é Ariela que passa pela porta.


Ela acende as luzes restantes que estavam apagadas, dando mais

claridade à sala, me ajeito na poltrona para virar em sua direção, a vejo

melhor com seus cabelos trançados de um só lado, jogados por cima do

ombro, vestindo pijama fofo de florzinha e calçando pantufas cor-de-rosa.

— Boa noite — digo, a vejo pular de susto. Ela ainda está parada na

porta, enquanto me olha.

Sua expressão surpresa diz que esse é o último lugar que imaginava

me encontrar. O livro que segura está sendo abraçado por ela, uma reação

pelo susto que teve.

— Não sabia que estava aqui — diz, mordendo um cantinho de

dentro do seu lábio inferior. Percebi que ela faz isso quando está indecisa

sobre o que fazer. — Eu volto depois.


Antes que possa se virar para ir embora, eu a chamo, impedindo que

dê mais um passo.

— Não precisa ir, Ariela. Não podemos viver como estranhos para

sempre, não é mesmo? — pergunto, querendo muito que ceda, e pare de me

evitar, já fizemos isso demais durante esses dias.

Ela parece murmurar algo para si mesma, e assente logo depois.

Ariela começa a andar, não em minha direção ou para a outra

poltrona vazia que tem ao meu lado. Ela vai diretamente para uma das

estantes, procurando entre os nichos o lugar que pertence ao livro que está

em suas mãos.

Observo calado quando sua cabeça se move, seus olhos totalmente

voltados para a estante, não desviando em nenhum momento em minha


direção. Ela localiza o lugar onde pertence o livro, mas se dá conta que a

fileira é alta demais para que possa alcançar.

Ela examina o cômodo em busca da escadinha que fica no canto ao

lado da porta, seus olhos passam pelas duas estantes castanho escuras que

vão do chão ao teto, os dois lados com nichos completos de livros, seu olhar

vai para as duas poltronas que têm no ambiente, que estão voltadas para a

janela com visão da parte de trás da casa, pegando uma boa parte do

vinhedo.

Menos para mim.

Não disfarço o sorriso quando os segundos se passam, e Ariela fica

cada vez mais impaciente por não encontrar o que deseja. Me levanto, indo

até ela, que percebe minha aproximação, mas ignora ao ficar nas pontas dos

pés para alcançar o nicho que tem todo o seu foco.


— A única coisa que vai conseguir fazendo isso é machucar o pé ao

se desequilibrar — digo, a escutando bufar.

Estendo a mão para pegar o livro, tentando ignorar a sensação

gostosa que é estar ao seu lado, não consigo evitar e faço meu corpo

encostar no seu. Ariela suspira quando os meus dedos tocam os seus, que

são finos e delicados, as suas unhas estão pintadas de um rosa claro, seu

perfume de rosas penetra meus sentidos, e sou eu o próximo a suspirar.

— Obrigada — agradece, quando coloco o livro no lugar.

Pigarreio, não querendo parecer afetado na sua presença.

— Disponha! — declaro, e não me afasto dela.

Ariela inclina seu rosto para cima, nossos olhares se encontram, sigo

o olhar por cada centímetro do seu rosto, parando em seus lábios viciantes.
Me dou conta de como quero beijá-la de novo, tocar a pele do seu rosto.

Aperto os dedos em volta do tecido da minha camiseta, e me afasto

antes que eu faça merda, não quero que Ariela se sinta mal com meu

descontrole, e se distancie ainda mais.

Eu a quero por perto, mesmo que isso signifique que seja somente

como amiga.

— Vai pegar outro livro para ler? — pergunto, puxando assunto, para

impedir que ela saia correndo daqui, como costuma fazer para fugir das

situações que não sabe enfrentar.

— Eu... — começa a dizer, sua voz baixa e suave. — Eu ainda não

sei. Me recomendaria alguma coisa?


Solto uma risada, não por causa da sua pergunta, mas pelo fato de

que nunca fui um leitor ávido como ela, devo ter lido alguns livros na

escola para algum trabalho e nada mais que isso.

Faz uma semana que um exemplar de Sociedade dos poetas mortos

está largado na minha mesinha de cabeceira, é uma leitura para um debate

que teremos na aula em alguns dias.

Ariela franze a testa, mas vejo um leve sorriso de lado em seus

lábios, ela relaxa um pouco saindo um pouco da defensiva.

— Qual a graça? — questiona curiosa, seu tom de voz tenta passar

seriedade, mas ela esquece que eu ainda sou capaz lê-la bem.

— Achei que a essa altura soubesse que não sou muito de ler, Ari —

percebo somente depois que termino de falar, que o apelido que dei a ela
saiu automaticamente.

Ariela também percebe, seu rosto ficando vermelho.

— É, eu sei disso — responde minha pergunta, sorrindo. — Você é o

capitão de time de futebol, o amigo descontraído e brincalhão do grupo de

garotos mais populares do colégio, é inteligente e estudioso, mas ler livros

não é seu forte — brinca.

— Estou em dúvida se isso são elogios — declaro, e me viro de

frente para a estante, pego um livro qualquer para folhear suas folhas

amareladas por causa dos anos de sua edição antiga. — Antes que continue

a zombar de mim, estou lendo um livro bem interessante.

Coloco o exemplar de volta no lugar, e me divirto com o seu

semblante de interesse, e o enrugar da testa expressa que não acredita em


mim.

Ando até o outro lado do cômodo, paro em frente a outra estante,

fazendo a pausa de propósito pra não continuar o assunto, espero que a

curiosidade de Ariela vença e comecem os seus questionamentos.

— Você? Lendo? — A ouço perguntar, estou de costas para ela, o

barulho de suas pantufas indicam que está se aproximando de mim.

— Por que tenho a impressão de que não acredita em mim? —

zombo, ainda sem olhar para ela.

— Não é impressão, Lion, você só leria se fosse obrigado —

Levanto uma sobrancelha ao olhar para ela. — Qual o nome do livro?

Volto a levantar o braço para pegar um outro livro, faço a mesma

coisa que fiz com o anterior, passo as folhas e paro em uma página
qualquer, finjo ler o primeiro parágrafo, enquanto escuto Ariela bufar ao

meu lado, batendo o pé inquieta.

— Tudo bem, não quero mais saber — anuncia com seu falso tom de

irritação, e dou uma risada.

Ariela se afasta, indo para o outro lado, para em frente a estante de

novo e retira dela um livro que não consigo identificar o título. A vejo andar

até a poltrona para se sentar, a mesma onde eu estava sentado.

Espero.

Tendo a certeza de que seu silêncio não vai durar muito. Ariela é

curiosa, tudo que tem seu interesse não é esquecido tão facilmente.

Sorrio quando escuto o leve baque do livro fechando, e logo depois

seus passos vindo em minha direção.


— Não consigo — sua voz como súplica, solto uma gargalhada e me

viro para ela encostando na estante, seus olhos estreitos em minha direção.

— Você fez de propósito.

— Claro que não.

Não consigo parar de sorrir quando ela sai da biblioteca batendo os

pés, me lembrando muito uma criança mimada, sem me dar tempo de pedir

para ficar mais.

 
Ariela

Segunda-feira, 20 de agosto de 2012

Hoje é a primeira vez desde o casamento que sentamos todos

reunidos para jantarmos juntos, Lion sempre estava ausente nas refeições.

Por algum motivo, ele apareceu essa noite, e desconfio que isso tenha o

dedo do seu pai.

Enquanto Lion se senta na cadeira ao lado de Pedro, que está na

ponta da mesa, eu observo o olhar dele para o filho, o analisando com uma
expressão dura e satisfeita.

— Boa noite a todos — cumprimenta, ao se acomodar melhor.

— Boa noite — respondo logo depois de minha mãe e Pedro. Lion

me olha por poucos segundos antes de se servir.

Estamos todos em silêncio, sendo escutado somente o barulho dos

talheres nos pratos. Eu evito levantar a cabeça, para não olhar na direção de

Lion, que está sentado bem à minha frente.

Lion está vestindo uma camiseta azul marinho sem estampa. Por

cima dela, consigo ver a correntinha de ouro que usa. Ele deve ter acabado

de sair do banho, seus cabelos estão molhados e bagunçados. Já faz um

tempo que ele não descolore os fios, consigo ver pelo crescimento da raiz

na cor castanho claro, o verdadeiro tom das mechas de Lion.


— Sua mãe disse que está interessada em conhecer mais do vinhedo.

— Dou um leve pulo na cadeira ao ouvir Pedro se dirigindo a mim.

Bebo um gole de água para ajudar a me recompor.

— Sim — respondo, olhando para Pedro, sentindo que tenho a

atenção de Lion sobre mim. — Eu dei um passeio pelas redondezas, fiquei

encantada com a vinícola.

Pedro sorri em agrado, e assente.

— Ariela ama conhecer coisas novas, e seria legal para ela aprender

mais sobre o vinhedo, já que moramos aqui agora — minha mãe pronuncia

orgulhosa. — Talvez o Lion pudesse mostrar algumas coisas a ela.

Quase engasgo com a saliva ao escutar as palavras da minha mãe.

Tento não parecer perturbada com a sugestão dela, mas Lion, por outro
lado, aparenta diversão com a minha reação.

— Não é preciso, mãe. Tenho certeza de que Lion tem muito o que

fazer — respondo, me opondo ao plano dela.

— Lion pode conseguir um tempinho para você, não é mesmo? —

minha mãe insiste. — Isso vai trazer uma aproximação a mais para vocês

dois, agora que são irmãos.

Meu estômago embrulha, e vejo Lion ficar tenso. A forma que

minha mãe tenta me aproximar de Lion é forçada demais, até mesmo o

desejo dela que eu aprenda mais sobre os negócios dos Bianco.

— Claro, somos irmãos agora — Lion pronuncia, com um tom

sarcástico que todos percebemos, abrindo um sorriso de lado. — Eu posso

mostrar mais sobre o vinhedo para Ariela, a qualquer hora que ela quiser.
A forma que Lion me olha ao pronunciar as palavras me causa

arrepios pelo corpo. A ideia de evitar Lion não está indo bem como

planejei.

— Mesmo com aquele delinquente preso, você ainda perde seu

tempo com seus amigos — Pedro provoca.

— Ele não é um delinquente — Lion declara, sua voz sai esganiçada,

contendo o controle ao ouvir a acusação de seu pai. — Você não sabe de

nada.

Vejo quando ele arrasta as mãos para debaixo da mesa, e eu sei que

elas estão fechadas, em forma de punho nesse momento.

— Ah, não? Ele matou o pai. — Ofego com o termo duro que Pedro

usa, sua voz já alterada. — E mesmo assim você insiste em defendê-lo.


Os olhos de Lion brilham de ódio ao fitar o pai.

— Você só vai começar a me ouvir quando algo pior acontecer.

— Pai... — Lion tenta falar, mas Pedro o interrompe.

— Quem garante que aquele tal de Artho não é capaz de algo do

tipo, já que a mãe é uma viciada, ou aqueles dois que têm uma família

incerta, até mesmo o filho do Giordano?

— Porra, pai, já chega! — Me assusto com o grito de Lion. Ele

levanta da cadeira quase a derrubando no chão. — Como podemos fazer

uma refeição sem danos quando é você que causa tudo?

Lion começa a se afastar da mesa, mas Pedro levanta e empurra o

filho de volta para a cadeira, a violência do ato faz a madeira ranger com o
impacto do corpo de Lion, minha mãe ofega ao meu lado, colocando a mão

na boca.

Já eu permaneço parada, sem conseguir me mexer, a garganta seca

pelo medo.

— Senta aí, eu não dei permissão para levantar — explode, e volta a

se sentar na cadeira, olhando para o filho com ódio.

Mesmo com fúria em seus olhos, a mandíbula cerrada e a respiração

ofegante, Lion permanece sentado. Seus olhos passam lentamente para meu

rosto, e o que vejo neles não me agrada.

Ele sente vergonha por eu ter acabado de presenciar pela primeira

vez a relação que têm com o pai. Percebo o desprezo e mágoa que sente por

ele, a ponto de precisar engolir em seco, para não causar um momento pior.
Eu sei que ele está se esforçando, por mim e minha mãe. Consigo lê-

lo, e sinto que por mais que Lion não esteja feliz com o casamento, não

quer estragar as coisas.

— Desculpem por presenciar isso. — Escuto Pedro dizer, mas

mesmo que eu tente, não consigo olhá-lo, não quando o que começa a

crescer dentro de mim é raiva por tratar o filho dessa forma.

O jeito que se referiu aos amigos do filho, acusando-os de coisas

horríveis, no lugar do Lion, eu teria feito o mesmo.

Lion Bianco defenderia os seus amigos com unhas e dentes, e isso

me faz gostar ainda mais dele.

A mesa fica repleta de silêncio, o apetite se foi, mas por algum

motivo, todos na mesa parecem comer por obrigação. Eu mastigo, sentindo


a comida pesada, que desce pela minha garganta como se fosse chumbo.

Pedro e minha mãe levantam para se retirar da mesa depois de

alguns minutos, antes de segui-lo, ela me lança um olhar de incerteza por

me deixar sozinha com Lion. Mesmo quando faço um gesto afirmativo de

que tudo bem, ela ainda parece refletir por vários segundos antes de sair da

sala de jantar.

Respiro aliviada por estar a sós com Lion. O observo cabisbaixo,

mexendo na comida intocada do seu prato, ele está distraído, parece estar

com a cabeça longe da realidade.

Eu não penso muito quando me inclino para frente, e toco minha

mão na sua, meus dedos quentes entram em contato com a sua pele, que

está fria. Lion desperta dos seus pensamentos e levanta a cabeça para me

olhar.
A mágoa ainda refletida em seus olhos castanhos, a emoção quase

extravasando. Ele se esforça para engolir, e encaro o movimento que sua

garganta faz, me chamando atenção para os detalhes do seu pescoço.

— Me desculpa — sussurra sem jeito, seus olhos desfocam do meu

rosto por leves segundos. Sinto um aperto no peito em constatar que Lion se

sente mal, e pede desculpas por algo que não provocou.

— Você não precisa se desculpar, não fez nada demais — afirmo, e

Lion não aceita minhas palavras. Balança a cabeça como se estivesse

acolhendo a acusação que o pai transferiu para ele.

Aperto de leve sua mão, e isso chama a atenção de Lion.

— Eu teria feito a mesma coisa se falasse assim dos meus amigos.


Lion não responde e fica olhando nossas mãos unidas, até que

lentamente começa a afastar a sua da minha, e começo a sentir falta do

contato.

Sem dizer mais nada, Lion se levanta da cadeira, e vai embora, me

deixando sozinha, olhando para suas costas até ele sumir de vez.

Por algum motivo, eu sabia que iria encontrá-lo aqui, penso assim

que abro a porta da biblioteca e vejo Lion sentado na poltrona, fico feliz por

conhecê-lo o suficiente para saber onde iria se refugiar. Ele está olhando

para a vista através da janela, a luz do ambiente baixa, e o silêncio do lugar

sendo seu consolo.


Segurando firmemente o livro contra o peito, caminho na direção da

outra poltrona ao seu lado e me sento. Não dirigimos o olhar para o outro, e

permaneço calada, olhando para as videiras e montanhas além da janela.

Mesmo com a quietude do lugar e a tensão que sentia antes de entrar

no cômodo, me sinto relaxar e aprecio o clima. Me dou conta que é isso que

Lion causa em mim, me sinto à vontade na presença dele, sem vontade de

me afastar.

— Sociedade dos poetas mortos. — Franzo a testa ao ouvir suas

palavras, não entendendo nada do que disse.

— Hã? — respondo, vendo-o virar a cabeça em minha direção,

sorrindo.
— É o livro que estou lendo. Sociedade dos poetas mortos —

explica e faço um som de compreensão.

Lion tinha feito questão de me deixar curiosa na noite passada, e

depois que saí da biblioteca, não achei que lembraria de me dizer o título do

livro que está lendo.

— Eu não sei se já leu. — Nego com a cabeça e ele continua. — O

livro tem uma mensagem de incentivo para as pessoas viverem cada

instante da vida como se fosse o último.

Ele suspira fundo, fecha os olhos e deita a cabeça no encosto da

poltrona. Logo depois escuto sua voz.

— Eu não queria que presenciasse a cena do jantar — confessa. —

Mas eu sabia, que uma hora ou outra, você descobriria como é a minha
relação com meu pai.

— Aquelas palavras eram cruéis demais, Lion, e ele estava falando

sobre seus amigos — digo rapidamente, para que entenda que estou feliz

que esteja desabafando comigo. — E não te julgo por ter agido daquela

forma.

— Ele nunca se esforçou para conhecer meus amigos, sempre os

julgou pelos pais que têm, não sabe o quanto são dedicados, inteligentes, e

que o caráter deles vale mais que dinheiro — solta.

Vejo seu pomo de adão subir e descer com o movimento de engolir.

Sua testa está franzida, percebo que ele está lutando contra a raiva.

— Esse é o erro das pessoas, julgam os filhos pelos pecados dos

pais.
Lion vira a cabeça, seus olhos agora abertos estão vidrados em mim,

e meu rosto queima por ter sua atenção.

— Você vai ficar bem? — Minha voz sai em forma de sussurro ao

perguntar. Lion abre um sorriso de lado, e assente.

— Eu vou, como sempre fiquei, não é a primeira vez que meu pai

age como um babaca — suas palavras saem pesadas, cheias de mágoas e

raiva, o que mexe comigo. — Não vou poder controlar a fúria dele quando

Dimitri sair, e perceber que vou continuar sendo amigo dele.

Eles são um grupo de amigos que ninguém entenderia o vínculo que

os une, são fiéis um com o outro e possuem uma relação de irmãos.

Penso em como Giulia ficou mal com a prisão de Dimitri, e mesmo

que a cidade toda tenha se chocado com a notícia da morte do Emílio


Romano, no fundo, eu tenho minhas dúvidas do que realmente aconteceu.

Entendo a Giulia não ter me contado nada, e não querer que eu toque

no nome do Dimitri, mesmo com ela morando em São Paulo, mas eu não

poderia deixar essa oportunidade morrer. Lion está aqui, e pela forma como

defende seu amigo, sei que tem uma história por trás, que vai além de tudo

que nos foi permitido ver.

— Todos sabemos que o Dimitri matou o pai, mesmo hoje, depois de

meses, ainda se fala sobre isso na cidade — digo, e as palavras deixam Lion

desconfortável, e antes que possa se retrair por eu estar sendo invasiva

demais, continuo falando: — O que realmente aconteceu?

Lion nega com a cabeça, me mostrando que não está disposto a falar.
— Eu não vou contar para ninguém, só quero entender e ter certeza

que o Dimitri que conheci, o mesmo que vi apaixonado pela minha amiga, é

uma boa pessoa, e eu sinto que é — declaro.

Porque no fundo eu sinto que Dimitri não seria capaz disso, mas se

foi ele, quero entender o motivo.

— Meu amigo não é assassino, Ariela — seu tom de voz é duro e

impaciente, mas não vejo isso como para me afugentar, ele só está cansado

de toda a acusação. — Porém, Dimitri teve os motivos dele, se não fosse

Emílio, poderia ser qualquer um deles, e meu amigo faria de tudo pela

família.

Diferente de Ícaro, que por sinal está morando na Itália, fazendo

intercâmbio, tudo pago pelos avós. Os mesmos que não ligam para o neto

que está internado no Case.


Reflito as palavras de Lion e confio em seu julgamento, entendo que

por trás, tem algo. Lion desvia o olhar, fugindo dos próximos

questionamentos, e vejo o quanto é desagradável toda essa situação.

— Eu acredito em você — digo, sendo sincera. — Espero que ele

saia logo.

— Eu também.

Eu me levanto quando ficamos em silêncio. Preciso dormir para a

aula de amanhã, embora não queira, ainda com vontade de ficar aqui,

sentada com Lion, mesmo em silêncio.

— Ari — escuto Lion me chamar quando já estou virada para andar

até a porta. — Quer conhecer o vinhedo no sábado?


É automático, um sorriso se abre em meu rosto, e assinto com a

cabeça, até constatar que Lion deve estar se sentindo forçado pelos nossos

pais, a fazer um favor em me mostrar a propriedade.

— E antes que pergunte, não vai me incomodar em nada. Quero que

se sinta bem morando aqui — Lion é verdadeiro nas palavras, consigo ler

em seus olhos, está disposto a fazer funcionar a relação da nossa família.

— Se é assim, eu quero muito — sorrio ao responder, e ele aquiesce.

— Boa noite, Lion.

— Carpe Noctem, Ari — ele diz, e solto uma risada enquanto

caminho em direção à porta.

Lion usou a frase mais famosa de Sociedade dos Poetas Mortos,

porém só trocando Diem por Noctem.


— Aproveite a noite também, Lion.
Lion

Sábado, 01 de setembro de 2012

O relógio no meu pulso marca nove horas da manhã enquanto desço

as escadas, vou direto para a sala de estar, onde sei que vou encontrar Ariela

sentada, me esperando, e devorando um livro de romance, um dos seus

gêneros favoritos.

Assim como imaginei, ela está sentada em um dos sofás próximos à

lareira, que está acesa, esquentando o ambiente frio. A casa fica


extremamente fria nessa época. Por ser enorme, o pouco dos raios solares

não penetram tanto as paredes.

Ariela está tão envolvida na leitura, que não percebe quando entro no

cômodo, ando com passos lentos em sua direção, parando atrás do sofá, me

inclino bem devagar para ficar bem próximo do seu ouvido.

Péssima ideia!

Porque na mesma hora consigo sentir o aroma dos seus cabelos, me

deixando tentado a me aproximar mais e tocar meu nariz em suas madeixas,

mas antes que eu perca o controle, deixo o desejo que corre pelas minhas

veias de beijá-la, e sigo com o plano de assustá-la.

— Pronta? — digo, a vendo pular no sofá, derrubar o livro no chão,

e subir a mão até o peito, por cima do coração, como se tentasse controlar
as batidas.

Dou risada, e Ariela não me dá tempo para prever sua reação,

quando pega a almofada ao seu lado e joga em minha direção, o objeto

acerta a minha cara, me desequilibrando, e acabo caindo. Gemo quando

minhas costas protestam do impacto no chão de madeira.

— Porra, Lion, você me assustou — ela protesta, e ainda deitado no

chão, solto uma gargalhada.

É a primeira vez que a vejo xingar, e presenciar a cena é hilária.

— A doce Ariela xingando? — exclamo, me virando no chão para

levantar e logo dar de cara com ela, seu rosto em tom rosado por ter sido

pega soltando um palavrão. — Como eu queria registrar esse momento.


Continuo zombando dela, vejo Ariela se preparar para me acertar

com mais uma almofada e levanto as mãos em rendição.

— Ok, não vou falar para ninguém que você tem a boca suja —

solto, e me abaixo quando vejo o objeto voando em minha direção.

Escutamos um pigarreio, e me viro em direção à porta, vendo meu

pai nos olhar de forma curiosa, provavelmente deve ter presenciado a cena.

Seus olhos questionadores passam de mim para Ariela, que está ainda mais

sem graça.

Seu olhar questionador e frio é capaz de deixar qualquer pessoa

acuada e desconfortável.

— Vamos dar uma volta pelo vinhedo — digo, tirando o seu foco em

Ariela, para olhar para mim novamente. — Ela havia falado que tinha
vontade de conhecer mais sobre a propriedade.

— Você faz bem — concorda. — Quero que ela se sinta em casa —

pausa, voltando a olhar para ela. — Se precisar de alguma coisa, pode me

procurar no escritório.

Ariela assente, e meu pai se retira da sala.

— Você está pronta? — pergunto, não deixando que a cena afete

nossos planos.

— Sim — ela concorda.

— Pegou um casaco? Está bem frio lá fora, não será legal se acabar

adoecendo — digo, e ela assente, sorrindo de lado e percebo que o jeito

cuidadoso com que falei com ela, não a incomodou.


Vejo Ariela vestir seu casaco branco térmico, um capuz e o par de

luvas, quando está pronta, caminho com ela em direção à porta da casa.

Neste momento, posso dizer que estamos à vontade na presença um do

outro, e sei que a semana que passou ajudou bastante nisso.

Nos encontramos na biblioteca mais duas vezes durante a semana, e

nos jantares em família que sou obrigado a participar, por ordens de Pedro.

O frio nos cumprimenta assim que passamos pela porta, e vejo

Ariela subir o zíper do seu casaco. A temperatura não está tão baixa hoje

como nos últimos dias, mas o ar ainda está gelado.

Ela me acompanha em silêncio, e sua expressão empolgada me

lembra quando estávamos em Florianópolis e ela entrou no mar, sentindo a

água em sua pele, as ondas balançando seu corpo pela primeira vez.
Tenho vontade de voltar àquela época. Se eu soubesse que nosso

tempo juntos seria curto demais, teria aproveitado o máximo de tempo com

Ariela.

— Você quer saber alguma informação específica? — pergunto,

depois de andarmos por vários minutos, já passando pelas videiras.

A plantação de uvas segue por vários hectares, não andaríamos por

todo o cultivo.

— Me conta sobre a história da sua família, quando eles vieram para

o Brasil. Você me disse uma vez que tem descendência italiana — responde,

mostrando estar bastante interessada.

Nossos passos são lentos, sem pressa para chegar ao fim, e Ariela

não parece ansiosa para acabar com o tour.


— Meus bisavós vieram para o Brasil na época da imigração

Italiana, eles começaram tudo do zero, assim como a história deles.

— Imagino que não tenha sido fácil, começar em um novo país,

tendo consigo somente a cultura do seu país de origem. Tudo que

conheciam foi deixado para trás.

— Sim — respondo, observando cada palavra ser dita.

— É tudo tão lindo — continua. — Fizeram um trabalho incrível,

claro que seus avós e seu pai contribuíram logo depois — solta uma

risadinha. — E depois vai ser você, e tenho certeza que vai criar sua marca

também.

Assinto, desviando para longe meu olhar do seu, que me analisa.

Ainda não tenho certeza se é isso que eu quero, e Ariela não precisa saber
dos meus dramas internos.

Continuo contando mais detalhes sobre o vinhedo Bianco, a festa das

uvas, que geralmente acontece entre o mês de janeiro e março, e como

enche de turistas.

Enquanto caminhamos em direção à adega, onde é armazenado os

barris e garrafas de vinhos, nossa conversa sobre meus antepassados vai

ficando de lado aos poucos, e logo o assunto é sobre mim, o que deixa 

Ariela curiosa para saber como foi crescer nessas terras, o tempo todo

radiante enquanto conto as histórias.

Estamos retornando para a casa, Ariela tem um compromisso com

sua mãe e eu preciso ajudar Pedro com alguns relatórios da semana.


Observo Ariela, que aparenta estar relaxada e alegre. Alguns fios do

seu cabelo se soltaram da trança, e ela tenta domá-los colocando atrás da

orelha, mas sem muito sucesso. 

Ela conta animada, gesticulando com os braços os pontos que mais a

surpreenderam na nossa caminhada, e isso tudo me diverte. Passar o

mínimo de tempo ao lado dela me deixa deslumbrado por sua

personalidade, inteligência e alegria.

Assim que ela pendura seu casaco no gancho quando entramos na

casa, se vira para mim, sorrindo. A ponta do seu nariz está vermelho por

conta do frio, e suas bochechas estão rosadas.

— Obrigada, Lion, me diverti muito — Ariela mexe os dedos de

forma nervosa, e tenho vontade de segurá-los para acalmá-la. — E por ter

separado um pouco do seu tempo para me mostrar o vinhedo.


Faço um gesto com a cabeça, mostrando que não precisa agradecer.

A movimentação na casa está começando a ficar maior, à noite

teremos um jantar em comemoração ao aniversário de Ariela, que foi

ontem, e Claudia está cuidando de cada detalhe para que tudo fique

perfeito.

— Preciso me arrumar para buscar meu vestido, e minha mãe já

deve estar me esperando — Ariela diz, já se despedindo de mim, dando um

passo para trás.

— Tudo bem, hoje vai ser uma noite especial para você.

Meu pai tinha garantido isso, todos os seus amigos ricos estariam

aqui, ele queria mostrar como Ariela é bem-vinda na família, que já é

praticamente sua filha.


Ela se vira e anda pelo corredor que leva até ao hall e às escadas da

casa.

— Ariela — a chamo, que se vira para mim. — Feliz aniversário

atrasado.

Ela solta uma risada curta e gostosa, e fica com o sorriso no rosto.

— Obrigada, Lion.

Observo ela subir as escadas, imaginando o que ela vai achar do

presente que deixei em cima da sua cama antes de descer para me encontrar

com ela.
Ariela

Percebo um pequeno embrulho em cima da minha cama assim que

entro no quarto. O pacote está bem arrumado com um papel de presente

detalhado em flores entre elas Jasmim, Girassol, Tulipas e Jacinto.

Levo o pacote ao nariz, sentindo o aroma delicado de flores, me

lembrando um pouco do perfume que costumo usar. Um cartão branco

pequeno está pregado na parte de trás do presente.

“Que você nunca pare de sonhar.”.


Embaixo da frase, as iniciais do nome e sobrenome de Lion,

parecem pesar no papel. Fico sem reação ao saber que ele me comprou um

presente. Eu abraço o embrulho, e fico olhando para o pequeno cartão na

minha mão com um sorriso bobo, imaginando em que momento ele entrou

no meu quarto.

Tento abrir o presente com toda delicadeza, com medo de rasgar o

papel que quero guardar para lembrar desse momento, retiro de dentro do

embrulho um livro de uma das minhas autoras favoritas.

Estou feliz por Lion ter acertado na escolha, ele deve ter me visto

lendo algo dessa autora um dia. Lion é observador, dom que ele usa nos

momentos importantes.

Queria poder sentar na minha cama e começar a devorá-lo agora

mesmo, porém as batidas da minha mãe na porta me lembram que preciso


buscar com ela o vestido para o jantar desta noite.

Guardo com cuidado o livro na gaveta do criado mudo ao lado da

cama, ansiosa para segurá-lo em breve, e embarcar em uma aventura pelas

suas páginas.

Preciso agradecer a Lion. Pensar que ele tirou um tempo para

escolher algo para mim, me aquece por dentro, mas também ainda mais

confusa em relação ao que sinto por ele.

Eu deveria estar lá embaixo para receber os convidados ao lado da

minha mãe e Pedro, mas ainda não tive coragem de descer e ser o centro

das atenções. Eu garanti a Pedro que não havia necessidade de fazer um


jantar em comemoração ao meu aniversário, mas ele insistiu e minha mãe

me fez aceitar. 

Eu sei que a intenção dele é mostrar para seus amigos a família

perfeita que formou, e que agora sou sua filha, mas tudo isso é

desconfortável.

Me assusto com as batidas na porta, e entendo que não adianta mais

enrolar. Se Giulia estivesse aqui, seguraria minha mão, tentando me

acalmar, ela sempre foi extrovertida, eu gostaria de ser assim também.

Vou até a porta, sentindo minhas pernas trêmulas, passo as mãos pela

saia do vestido, tirando qualquer marca de amassado, sinto calafrio só de

pensar em minha mãe brava, se eu chegasse em frente aos convidados

desajeitada.
Ao abrir a porta, me deparo com Lion, fico chocada ao vê-lo parado,

com as mãos nos bolsos da calça social, com um sorriso no canto da boca.

Seus olhos descem pelo meu corpo, perscrutando cada centímetro de pele

exposta e vestida, cada detalhe, sinto a minha pele esquentar absorvendo

seu olhar.

— Você está linda — Lion sussurra quando me vê abaixando a

cabeça com timidez. 

— Obrigada — agradeço.

Ele está ainda mais lindo, com os cabelos penteados para trás e

vestindo um terno preto sem gravata. Alguns botões da camisa social estão

desabotoados, mostrando o início do seu peitoral.


Me lembro da pele bronzeada do seu peito, das costas que estão cada

dia mais definidas por causa da musculação. Eu nem deveria estar pensando

nele desse jeito, muito menos desejando tocá-lo. Pisco voltando para a

nossa nova realidade.

— Gostou do presente? — ele pergunta interessado, e percebo uma

leve inquietação.

Ele estaria nervoso esperando a minha resposta?

Assinto.

— Muito, você acertou em cheio na escolha — sorrio. — É minha

autora preferida. Como sabia?

Ele dá de ombros, como se não fosse nada demais, mas vejo

satisfação em seu semblante.


— Eu só sabia — dou risada com sua resposta. — Eu ia entregar

ontem, mas você não apareceu na biblioteca.

Imagino Lion sentado por horas na biblioteca, enquanto me espera

só para entregar o presente. Eu sou uma tola por ter ficado trancada no

quarto após o jantar.

— Eu não sabia.

— Tudo bem, não tinha como você saber — Lion diz, sendo

compreensivo.

Já não tínhamos mais o que falar sobre o assunto, e quando eu ia

perguntar o que estava fazendo ali, ele estende o braço para mim e eu o fito

confusa
— Vim buscá-la, pensei que a última coisa que iria querer é chegar

sozinha lá embaixo, cheia de pessoas curiosas e esnobes, um ambiente que

ainda não se acostumou. — Acena para o braço estendido, então eu entendo

que ele quer que eu passe o meu braço pelo seu.

Sou pega de surpresa com a confissão, me sinto meio desnorteada ao

saber que mesmo que não estejamos tão próximos como antes, ele se

preocupa e conhece as minhas inseguranças.

Não era o Lion que deveria estar aqui, se assegurando de me fazer

companhia, esse lugar deveria estar sendo ocupado pela minha mãe, que

neste momento, está posando de boa esposa. Não que eu esteja reclamando

da presença dele, me sinto agradecida, mas também esquecida pela única

pessoa que eu tenho na vida.


E pela primeira vez na vida, fico muito irritada com a minha mãe.

Todo esse jantar, as pessoas ricas e importantes, está acontecendo por causa

dela, foi por ela que cedi ao desejo de Pedro.

— Ariela? Vamos? — pergunta Lion, seu cenho franzido. Devo estar

parecendo maluca, olhando para seu braço estendido.

Devagar, levo a minha mão até seu braço, estou com a respiração

pesada, as pernas ainda trêmulas e o estômago doendo de nervosismo.

Tento acalmar as emoções de tristeza e decepção, que estão se alojando pelo

meu corpo. Levanto a cabeça e olho para Lion.

— Obrigada por isso, Lion, por ter se preocupado de vir até aqui —

suspiro e olho em seus olhos, tentando transmitir a gratidão que sinto com o

seu gesto. Meu coração reconhece o quanto ele é incrível. 


— Eu não poderia deixar você passar por isso sozinha — ele fala

sem jeito pelo momento íntimo e vulnerável que estamos dividindo.

Ouvir suas palavras começa a me causar uma sensação de perda,

porque mesmo que Lion esteja ao meu lado neste momento, não é a mesma

coisa. Depois de tudo o que vivemos nos meses anteriores ao fatídico jantar,

eu sinto muita falta dele, não só do que compartilhamos, mas por ser uma

das poucas pessoas que me conhece tão bem, ao ponto de saber tudo o que

estou sentindo.

Abro a boca para dizer que sinto muito por tudo ter acabado, mas

Lion começa a andar, e acompanho automaticamente seus passos decididos

em direção à escada. Sua expressão está séria.

A cada degrau que descemos é possível escutar as vozes dos

convidados, a música gaúcha toca em um volume baixo.


Com Lion ao meu lado não me sinto tão perdida, mas o nervosismo

ainda está presente, mesmo que menos intenso que antes.

Quando descemos o último degrau, minha mãe aparece com um

sorriso enorme no rosto, está com um vestido folgado para esconder a

gravidez, que ainda era um segredo.

— Até que enfim desceu, Ariela — diz, não se importando que Lion

esteja ao meu lado ou que minha mão esteja apoiada na dele.

Claudia me analisa e passa a mão pelo meu vestido, verifica se meus

cabelos estão arrumados, e com seus dedos inquietos esconde fios

inexistentes atrás da minha orelha.

— Você está do jeitinho que imaginei — comenta. — Vem, preciso

te apresentar aos convidados.


Ela segura minha mão e me puxa, não me dando tempo para

agradecer Lion, que nos acompanha de perto, à medida que minha mãe me

leva para dentro da sala preparada para receber os convidados.

Todos parecem olhar para mim, sinto meu corpo pesado e um

incômodo ao respirar, não consigo manter a cabeça erguida para encarar as

pessoas por causa da minha timidez, seguro firme a barra do vestido como

apoio para passar por tudo isso.

Quando levanto a cabeça, estamos nos aproximando de um casal,

eles aparentam ter a mesma idade de Pedro e minha mãe. Ao lado está um

jovem alto e loiro. Poderia apostar que tem a mesma altura de Lion, porém

é esguio, diferente de Lion, que tem os ombros largos e um bom

condicionamento físico por conta do futebol.


O garoto me olha assim que paramos ao lado deles, seus olhos são de

um azul claro, assim como o dos pais.

— Ariela, esses são Fernando e Beatriz Costa, e seu filho Paulo —

minha mãe diz animada, nos apresentando. — Essa é minha filha, Ariela.

Estendo minha mão para cumprimentar Fernando, e logo depois

Beatriz, que em vez de retribuir, me puxa e dá um beijo em cada lado do

rosto.

— Como você é linda — Beatriz me elogia, e percebo quando ela dá

uma cotovelada discreta no seu filho. — Feliz aniversário, Ariela.

— Obrigada — abro um sorriso, me esforçando para que não saia

falso.
— Paulo estuda no mesmo colégio que você, já devem ter se visto

pelos corredores — minha mãe diz toda empolgada. Franzo a testa e,

cabisbaixa, analiso Paulo, e nego com a cabeça.

Paulo, com um sorriso de lado, tem seus olhos fixos em mim, e volto

meu foco para o desenrolar da conversa.

— E você, Lion? Deve conhecer o Paulo — a menção do nome de

Lion me faz olhar para trás rapidamente, o vejo a dois passos de mim,

observando a cena toda.

— Já nos vimos pelo colégio — ele concorda, fazendo um gesto de

cumprimento aos três. Não me passa despercebido a forma atenta que

observa Paulo e logo depois a minha mãe.


Lion se aproxima e fica ao meu lado, mesmo não participando da

conversa, ele fica ali, como se soubesse que sua presença me acalma.

— Você poderia vir mais vezes, tenho certeza de que Ariela ia adorar

ser sua amiga — franzo a testa com a condução da conversa, além da

amizade forçada que minha mãe induz, e tenho vontade de me afastar.

A conversa continua com minha mãe o tempo todo me incluindo

nela, perguntando, fazendo comentários e me elogiando, como se quisesse

mostrar para a família Costas a filha inteligente que tem. Em determinado

momento, Pedro se aproxima da gente, e a conversa começa a girar em

torno de assuntos que levam aos negócios.

Do meu lado, Lion me cutuca levemente na barriga, fazendo um

gesto para nos afastarmos deles, e ir em direção à mesa do outro lado da

sala, para pegarmos algo para beber.


— É impressão minha ou sua mãe estava, tipo, te “jogando” para

cima do Paulo? — Lion diz, fazendo aspas com os dedos.

Tive essa impressão também, mas não acho que minha mãe faria

isso, ela sempre deixou claro que devo focar somente em estudar, que

garotos não merecem meu tempo.

— Que nada, não é isso, tenho certeza de que ela só estava sendo

simpática — digo, e escuto um som parecido com rosnado sair da boca

dele.

— Você é muito inocente, Ariela — declara pegando um copo de

suco para mim.

Ao se virar para me entregar, consigo ver o incômodo em sua

expressão.
— Mesmo que eu goste disso em você, sua inocência não vai te

proteger de tudo ou de todos, principalmente daquelas pessoas que você

ama — fala e olha para trás, e acompanho seu olhar parar em nossos pais.

— Curta bem sua noite.

Sinto quando ele toca minha mão com delicadeza e logo se afasta em

direção à porta.

— Para onde você está indo? — pergunto, me sentindo desesperada,

porque sem ele aqui, me sentirei ainda mais fora da caixa com esse tanto de

gente desconhecida.

Ele abre um sorriso, percebendo meu desespero, e faz um gesto com

a cabeça para o lado de fora.


— Vou apenas tomar um ar, o daqui está saturado demais — Lion

debocha. — Está convidada, se quiser.

Ele se diverte quando vê que não tomo nenhuma posição, e volta a

andar para longe dessa gente, que grita dinheiro e arrogância, do cômodo

que está infestado de ego e falsidade.

O jantar é em comemoração ao meu aniversário, mas não sinto que

seja para mim.

Observo Lion sumir pelo corredor, e olho em volta, procuro o olhar

analítico da minha mãe ou de Pedro, julgando o filho por sair sem sua

permissão, mas nenhum dos dois parecem perceber algo.

É com passos incertos que sigo o caminho que Lion tomou, não olho

para trás para ter certeza de que minha mãe não está me vendo. Ando mais
rápido, com medo de não encontrar Lion, quando chego ao final do

corredor que dá para o hall da casa, não o vejo, e bufo frustrada.

Quando me viro para voltar para a sala novamente, o vejo apoiado

na parede, me olhando com um sorriso divertido no rosto.

— Eu sabia! Desde que te conheci, eu senti que você tem um lado

rebelde, assim como eu — comenta, se afastando da parede para andar até

mim.

Reviro os olhos, mas dou risada.

Concordo que desde que conheci Lion, fiz coisas que eu nunca

imaginei que faria.

Lion estende a mão para mim e eu a seguro, confiando nele para me

conduzir, e nem um pouco preocupada com a minha mãe ou o jantar de


aniversário. Andamos em direção ao fundo da casa, para a porta que dá para

o pátio, um espaço grande para receber pessoas.

Mas não é nisso que presto atenção, é na mão quente de Lion na

minha, e o conforto que essa sensação de nossas mãos unidas dá. Ele não

percebe a minha luta interna, sobre tudo o que estou sentindo, e fico

aliviada por seus olhos estarem na visão que está surgindo à nossa frente, à

medida que andamos até o apoiador de cimento.

O vinhedo fica ainda mais lindo à noite, os pontos de luzes abaixo

em toda plantação, é uma paisagem extraordinária.

— Não consigo me acostumar com tudo isso — ele resmunga

olhando para a vista à nossa frente.


— Eu não acho que me acostumaria também — comento. — Mas eu

sei que, no seu caso, precisa, por causa dos negócios da família.

Lion faz um gesto com a cabeça, que não responde nem com um sim

ou não. Sinto um leve tremor na sua mão, e olho para baixo, me dou conta

que nossas mãos ainda estão unidas.

— Não é o que você quer, né? — pergunto. — Não precisa

concordar, já percebi o quanto isso tudo não te deixa feliz e motivado.

Ele se vira, e ficamos de frente um para o outro, eu sei que é um

assunto que deixa Lion muito vulnerável, percebo isso na forma como seu

corpo reage, a tensão nos ombros, os olhos desfocados e distantes, e as

mãos suam.
— Você poderia conversar com seu pai, contar os seus planos —

sugiro, e a expressão que vejo em seu rosto é de ironia.

— Se estivesse no meu lugar, falaria com a sua mãe sobre seus

planos diferentes do dela? — pergunta, e agora sei ao que ele se refere.

Nunca é fácil ir contra os desejos dos pais, principalmente quando

depende deles para tudo, e ainda ser menor de idade.

Eu não respondo, porque ele está certo. No lugar dele, não faria nada

diferente, algumas questões que minha mãe impõe me incomodam, mas

acho que nunca iria contra suas vontades.

— Ele já decidiu o curso por mim, quer que eu me forme em

Engenharia Agronômica, tem me pressionado para deixar de realizar


algumas atividades, e focar exclusivamente nos estudos e nos negócios do

vinhedo — escuto Lion desabafar.

— Mas não é isso que você quer, não é? — ele para por um

momento depois de escutar a minha pergunta e me olha, negando.

— Não quero isso há muito tempo — responde, olhando para frente

novamente. Lion solta nossas mãos, e sinto o calor se esvair sem o contato.

Ele apoia o corpo no aparador, suas mãos juntas, enquanto inclina

seu corpo para frente, e olho para a mão, que até alguns segundos atrás

estava entrelaçada com a minha.

— Agora que você conhece meu pai, e tem a noção de como nossa

relação funciona, deve me achar um mimado por confessar a minha vontade

de não seguir o que ele tanto deseja — bufa ao finalizar a fala.


Sinto uma leve irritação na sua voz.

— “Lion Bianco, tem tudo o que quer, é rico, herdeiro, lindo,

popular, quantos não fariam de tudo para ter a vida que ele tem?” — cita as

coisas que dizem sobre ele, e tenho vontade de rir da sua voz fina tentando

imitar o modo que falam sobre sua vida.

— Eu não acho nada — declaro. — Você deveria saber disso, te

conheço o suficiente para saber que isso não é verdade. — Ele me olha

novamente e eu me aproximo dele. — O importante é o que você é aqui

dentro.

Levanto a minha mão, pousando-a em cima do seu peito. Lion segue

o olhar para ela, e abre um sorriso de lado. Me dou conta do que acabei de

fazer, e o quanto minhas palavras parecem ter saído de um livro clichê.

Solto uma risada, retirando minha mão dele, porém Lion a segura.
— Obrigado, Ari — agradece, apertando de leve meus dedos,

acariciando minha pele. — Nem sei como chegamos a esse assunto, temo

que tenha estragado o clima da sua comemoração hoje.

Nego em um gesto rápido com a cabeça.

— Não é verdade — garanto. — E nem é tão minha comemoração

assim, sinto que foi uma desculpa apenas para nossos pais fazerem esse

jantar.

— O engraçado é que pensei a mesma coisa — confessa. — Mas de

certa forma isso garantiu esse momento com você. Queria ficar aqui se não

fôssemos obrigados a voltar lá pra dentro.

Assinto, tentando não deixar que suas palavras derrubem a barreira

que estou lutando para deixar erguida entre nós dois. Uma brisa suave sopra
e uma mecha loira escapa do topete de Lion, levanto minha mão para

colocá-la no lugar, ignoro o roçar do meu corpo com o dele quando me

inclino para frente, ficando na ponta dos pés para alcançar o topo da sua

cabeça.

Lion segura minha cintura, e é gostoso desfrutar do seu toque em

mim novamente, mesmo que agora seja diferente. Seus olhos ficam o tempo

todo em mim, nos gestos e na forma que eu coloco seus cabelos no lugar.

E quando desço meu braço e pés, percebo que parecemos estar mais

próximos.

— Você sempre tentando arrumar meu cabelo — sussurra

brincalhão, não se importando nem um pouco com a mania que criei.

— Alguém precisa tentar deixar você apresentável — brinco.


— E essa pessoa é você — não é uma pergunta, ele apenas afirma.

Essas trocas rápidas com frases simples e brincalhonas, e talvez sem

sentido algum, me fazem sentir saudade de passar mais tempo com ele,

conhecê-lo melhor, dormir tarde da noite com nossas trocas de mensagens.

Saudade dele, do nosso nós.

— Ariela. — Dou um pulo no lugar pelo susto, e nos viramos

quando escutamos a voz da minha mãe me chamar, meu coração acelera e

eu afasto a minha mão de Lion, dando alguns passos para longe dele. — O

que está fazendo aqui?  Era para estar lá dentro com os convidados. Vocês

dois, no caso. 

Minha mãe aponta para Lion e eu.


— Estávamos procurando vocês dois para iniciarmos o jantar. O que

estão fazendo aqui?

Olho para Lion sem saber o que responder, e ele não está se

importando nem um pouco com a minha mãe e sua curiosidade.

— Estava muito quente lá dentro, decidimos dar uma volta — ele

responde. — Já que está todo mundo esperando, não podemos demorar

mais, não é mesmo? — Lion emenda uma pergunta, percebendo que minha

mãe vai continuar com os questionamentos.

Claudia assente, e vejo Lion começar a andar em direção à entrada,

faço o mesmo, aproveitando que minha mãe está calada, e não continuou

com as perguntas. Sei que depois do jantar ela vai conversar comigo e

explicar o quanto foi desrespeitoso deixar todos que estão presentes por

minha causa, para me aventurar.


A forma como me olhou garante que ela não vai esquecer tão cedo

disso.
Ariela

Segunda-feira, 03 de setembro de 2012

Foi difícil para mim quando Giulia foi embora, eu percebi que além

dela, não tinha mais nenhum amigo, ou alguém para conversar. Por mim

teria seguido assim, mas depois do casamento da minha mãe com Pedro, o

sobrenome Bianco começou a ser associado a mim, e algumas meninas se

aproximaram.
Uma parte por interesse por ter me tornado praticamente uma

Bianco, e outra por causa de Lion. Eu finjo que não me importo quando elas

o elogiam, ou contam com quem ele está ficando, como agora.

— Eu fiquei sabendo que eles estão ficando — Duda comenta,

enquanto olha para Lion e Marina que estão mais à nossa frente, perto da

entrada da quadra.

Estamos sentadas em um dos bancos que nos dá visão para a quadra

e arquibancada mais a frente, a movimentação aqui é bem maior na hora do

intervalo.

Ela fez Lion parar de jogar só para falar com ele. Reviro os olhos,

me sentindo desconfortável vendo a interação dos dois. Tento focar no livro

que estou lendo, justamente o que Lion me deu de presente, e a vontade que

eu tenho é de jogá-lo em sua cabeça.


Levanto minha cabeça de novo para olhar a cena ridícula, e vejo o

exato momento que Marina toca seu braço, sem a menor vergonha, e Lion

não parece se importar nem um pouco.

— Queria estar no lugar dela — Maria declara. — Está na cara que

estão namorando.

Escutar isso me deixa mal, meu estômago aperta, e perco o foco de

vez do livro.

— O bom da Ariela ser irmã dele é que agora tem acesso aos amigos

lindos, já ficou com algum, amiga? — Duda pergunta em expectativa, o que

me causa ainda mais mal-estar. — Sabemos que o Eros está comprometido,

e o Dimitri... — Maria dá uma cotovelada nela, a fazendo calar a boca.


As duas sabem que não gosto que falem mal dele perto de mim,

mesmo que eu não tenha tido tempo de criar uma convivência maior com

Dimitri, acho uma traição estar ao lado de pessoas que tenham a crueldade

de falar coisas que não sabem.

— Mas tem Gabriel e Natan que são gêmeos, um pacote completo, e

o Artho com toda aquela marra de badboy — continua a dizer.

Eu suspiro, sem muita paciência para aquela conversa. Bufo quando

vejo Lion se aproximar do ouvido de Marina e sussurrar alguma coisa, a

fazendo sorrir.

— É sério que precisa disso tudo? — digo sem pensar, vendo Duda e

Maria olharem para mim e depois para Lion com Marina.


— Do que está falando, Ariela? Está com ciúmes? — Maria

pergunta.

— O quê? — pergunto, gaguejando. — Não estou com ciúmes de

nada, de onde tirou isso? Não ligo para com quem Lion fica, só acho

ridículo eles ficarem demostrando para o colégio todo — tento contornar,

me explicando.

— O que Maria quer dizer é que está com ciúmes dele como irmão,

e pra você deve ser chato ver todas essas meninas em cima dele — Duda

explica.

— A gente nunca ia imaginar que aquela aproximação toda do Lion

com você no começo do ano, era por seus pais estarem juntos — Maria

comenta. — Pensamos que estavam ficando.


Duda assente, e as duas riem.

— Todo mundo achou isso — Duda concorda. — Vendo agora é

uma ideia bem idiota.

Franzo a testa, curiosa pelo seu comentário intrigante.

— Por quê? — questiono e me pego olhando mais uma vez para

Lion.

Elas nem imaginam que, naquela época, estávamos mesmo ficando e

nossos pais estavam namorando, mas não sabíamos de nada.

— Porque vocês dois não fazem um tipo, sabe? Você é nerd demais e

ele é o popular. — Sinto um certo deboche na forma que Duda fala. — Não

leve a mal, amiga.


Impossível! Acabo me sentindo ofendida, e a vontade que eu tenho é

de mandá-las irem se lascar, me levantar daqui e ir embora, mas daria muito

na cara. Engulo a irritação, e coloco um sorriso no rosto.

— Sim, nada a ver. — Solto uma risada.

— Marina, sim, faz o tipo dele — Maria diz, e escuto ela e Duda

suspirarem quando Lion levanta a camisa para secar o suor do rosto, dando

uma imagem para Marina sonhar com ele.

Aff!

Vejo quando eles se despedem, e Marina passa pela gente toda

sorridente, jogando os cabelos para o lado, anda como se estivesse em uma

passarela, sendo fotografada. Não posso negar que Marina é uma morena

linda, e que infelizmente faz o tipo de Lion.


Viro a cabeça para o lugar onde os dois estavam segundos atrás, e

sou pega de surpresa quando vejo Lion parado no mesmo lugar olhando em

nossa direção, para ser mais exata, olhando para mim.

Duda e Maria acenam para ele quando percebem que são alvo da

atenção dele, e Lion retribui o gesto de forma amistosa. Quando penso que

ele vai voltar para a quadra ao se virar, seus passos cessam, e Lion muda de

ideia, vindo até a gente.

As meninas ficam eufóricas, passando a mão nos cabelos para

ficarem mais apresentáveis para ele, e tenho vontade de rir, e até riria se eu

não tivesse com a mesma preocupação, mas me nego a prestar esse papel.

Estou irritada com ele e nem deveria, Lion fica com quem quiser, já

não temos mais nada, na verdade, não podemos ter nada.


— Oi, Ari — ele cumprimenta. — Meninas — ele faz um gesto com

a cabeça. Ele abaixa os olhos para minhas mãos, vendo que o livro que

estou lendo é o seu presente, e um sorriso se abre na sua boca.

— Oi, Lion — as vozes melosas das meninas me tiram ainda mais

do eixo, porém isso parece motivar mais ainda Lion, que sorri e passa a

mão nos cabelos suados.

Faço um simples gesto com a cabeça em cumprimento quando ele

me olha, evito falar e acabar evidenciando minha irritação.

— Vou embora com você hoje, pede para Luís esperar, por favor —

ele diz —, caso eu demore um pouco.

Aquiesço.
Lion me encara por mais alguns segundos, com certeza estranhando

o fato de não o responder, e se despede para voltar para a quadra

novamente. 

— Precisamos fazer os próximos trabalhos na sua casa, Ariela —

Maria declara. — Só você, de nós três, que tem um irmão tão gato assim.

Irmão.

Acho que nunca odiei tanto uma palavra na vida como nesse

momento.

Já faz mais de quinze minutos que Luís e eu estamos esperando Lion

para irmos embora, e até agora nada. Olho para fora da janela mais uma

vez.
— Tem certeza de que Lion pediu para esperarmos por ele? — Luís

pergunta. — Ele estava voltando com Eros.

— Sim, ele informou que talvez demorasse um pouco.

Desde que me mudei para a casa dos Bianco, que Lion não vem ou

vai embora do colégio comigo, e sim com Eros, mesmo sendo contramão

para ele.

Luís é o único que sabe sobre mim e Lion, mas nunca comentou

nada a ninguém, ou até mesmo para nós dois. Nem precisei pedir, percebi

desde o momento que o conheci que ele é discreto e que assim

permanecerá.

— Vou atrás dele — digo, deixando minha mochila de lado e abrindo

a porta do carro para sair.


Assim que coloco os pés na calçada, eu o vejo saindo do colégio

com ninguém mais e ninguém menos que Marina ao seu lado. Aperto a

maçaneta da porta com raiva, por constatar que a demora toda dele era

porque estava com ela.

Ele está todo de sorrisinho para o lado dela, ela não está diferente,

parecendo se derreter toda só por estar ao lado dele. Eles se despedem com

beijos no rosto, continuo parada vendo Lion andar em direção ao carro,

quando percebe que estou do lado de fora do carro o olhando se aproximar,

abre um sorriso em cumprimento, mas antes que ele chegue ao veículo,

entro novamente e bato a porta do carro, me afastando para o outro lado do

carro.

A porta é aberta e fixo meus olhos em Lion, que me olha com

confusão, mas me cumprimenta, assim como faz com Luís, que logo liga o
carro saindo do estacionamento.

Consigo sentir Lion me encarando de onde está sentado, e eu

continuo ignorando sua presença. Claro que ele percebe que tem algo

errado, tanto pela forma que agi, quanto com o fato de não ter retribuído o

seu cumprimento.

— Você está bem? — escuto ele perguntar, e viro minha cabeça em

sua direção, seguro o máximo para não dizer nada, mas ao lembrar dele

com Marina, fico indignada.

— Não acredito que nos fez esperar esse tempo todo porque estava

com Marina — solto de uma vez, minha voz nada agradável.

— O quê?
— Foi por isso que disse que ia demorar? Por que estaria com ela?

— Bufo, e viro o rosto para o outro lado quando vejo que Lion vai começar

a se explicar. — Não precisa falar, não quero saber.

Me dou conta de que Luís, no banco da frente, está prestando

atenção em cada interação entre mim e Lion.

— Não foi por causa disso que demorei — diz, e continuo com o

rosto virado.

Ele se cala quando vê que não irei responder, e agradeço

mentalmente, desejando que seja assim até em casa. O silêncio dentro do

carro é quebrado quando uma gargalhada alta preenche o espaço.

Fico furiosa ao perceber que Lion está curtindo com a minha cara e

tenho vontade de bater nele por isso.


— Você está com ciúmes? — pergunta com dificuldade por estar

rindo.

Argh!

— Óbvio que não! Estou brava por ter me feito esperar enquanto se

divertia com Marina — sou rápida ao explicar, e ainda consigo fazê-lo sem

gaguejar para não evidenciar minha mentira, mas mesmo assim Lion não

acredita.

— Claro que está com ciúmes, não estaria agindo assim só porque

demorei alguns minutos — contradiz, ainda rindo.

— Quinze minutos. — Percebo, assim que respondo, que caí na

armadilha dele, e começo a me odiar por isso.


Ele sorri convencido, inclinando a cabeça levemente para o lado para

continuar me encarando.

— Não estava com Marina, demorei porque estava conversando com

o professor sobre a entrega de um trabalho, encontrei a Marina quando

estava saindo da sala.

Não digo mais nada e Lion bufa sem um retorno. Eu não pedirei

desculpas pelo ataque de ciúmes, para fazer isso eu teria que confessar que

realmente estou ciúmes e não farei isso.

Assim que o carro para em frente à casa, me preparo para ser mais

rápida em descer, mas ele praticamente pula do banco do carro para fora

sem dizer nada.


Desço também evitando olhar até mesmo para Luís, que presenciou

toda a cena, e ando com passos lentos até a entrada, vendo Lion sumir por

ela segundos depois.

 
 
Lion

Entro em casa com a intenção de subir direto para meu quarto e

ignorar Ariela, mas não consigo, desacelero os passos e me viro para a

porta, esperando por ela.

Ariela entra e me vê parado no meio do hall de entrada, ela para e

logo depois muda de ideia, passa por mim sem me encarar, como se eu

fosse invisível.

— Ariela, você está sendo infantil — digo, a seguindo.


Ela sobe as escadas correndo comigo atrás, não me preocupo que

alguém possa presenciar a cena.

— Isso tudo é só porque me atrasei quinze minutos? — dou risada

ao dizer, é obvio que ela contaria os minutos do meu atraso.

— A vida é sua, Lion, pode fazer o que quiser — acusa.

É claro que Ariela está com ciúmes, não estaria emburrada daquele

jeito se não se importasse. O fato de ela demonstrar me diz que nada

mudou, que ainda sente atração por mim, assim como sinto por ela.

Infelizmente para Ariela, não consegue esconder tão bem, mesmo

quando tenta falar com indiferença.

Ela não diz mais nada, e mesmo assim continuo a seguindo, seus

passos pesados no chão me dizem que está muito brava. Paro no meio do
corredor amplo e espaçoso do andar superior assim que a vejo entrar no seu

quarto e bater a porta com força na minha cara, sem falar nada.

Fico parado, com um sorriso no rosto. É a primeira vez que a vejo

ficar emburrada, e não imaginava que fosse tão engraçado e ao mesmo

tempo tão... fofo.

Desisto de falar com ela, e entro no meu quarto que é do lado oposto

do seu alguns metros à frente. Meu celular toca no bolso da calça, quando o

pego vejo o nome do Eros aparecer na tela, atendo já esperando suas

provocações referentes a Ariela.

— Decidiu que não precisa mais das minhas caronas? — pergunta

debochado. —  Isso não te dá o direito de sumir e não dizer o motivo.


— Se manca, Eros, está parecendo aquelas garotas pegajosas que em

apenas uma ficada acham que já estão namorando — brinco. — Está

aprendendo com a Lívia?

— Vai se foder, idiota — ele resmunga do outro lado, putinho com o

comentário.

Desde que começou a namorar Lívia, ele tem agido igual a uma

cadelinha, sempre fazendo as vontades dela, bem diferente do Eros que

conheço, rabugento e chato. Dá pra ver que meu amigo está apaixonado.

— Vai dizer o motivo de ter me dispensado hoje? — ele volta a

perguntar bem curioso, e eu até poderia continuar zoando com a sua cara,

mas não tenho tanto tempo assim.


Provavelmente estão todos na mesa para almoçar, e depois preciso

seguir para o escritório do meu pai.

— Tem a ver com Ariela?

— Voltamos a nos aproximar, não achei que teria problema ceder, e

começar a ir e voltar com ela do colégio — explico. — O que poderia

acontecer de pior?

Escuto ele bufar e murmurar alguma coisa, provavelmente me

xingando.

— Eu achei que você era mais inteligente, meu amigo — pausa. —

Sabemos que isso não vai dar certo, o combinado não era você ignorá-la?

— Como faço isso se moramos na mesma casa? Nossos pais estão

sempre nos forçando a criar um vínculo — falo. — Além disso, eu tentei, e


o problema é que não consigo ficar longe dela, cara.

— A situação toda é bem mais complicada do que imaginei, então

você vai precisar ser forte, cara, e não cair na tentação. — Ouço sua risada e

tenho vontade de socar sua cara.

Todos os meus amigos, menos Dimitri, sabem o quanto foi estranho

descobrir sobre a relação do meu pai com a mãe de Ariela. E o quanto doeu

ter que lidar com o término do nosso lance, o inferno do casamento dos

nossos pais, a mudança para a mansão, os momentos em “família”.

Ainda não consigo me acostumar com Dimitri longe da gente, e

nunca irei. Não vejo a hora de ter o meu amigo de volta. Ter notícias

somente pelo advogado não é o suficiente, não poder vê-lo é foda.


— Você não se apaixonou por ela, né? — questiona de repente, me

pegando de surpresa.

— Porra, claro que não — respondo na defensiva, rápido demais,

causando um estranhamento dentro de mim.

É claro que não estou apaixonado por ela, eu saberia se estivesse,

não é? É fácil identificar uma paixão, e se tratando de Ariela, não seria

difícil.

— Uhum! Porque seria bem pior lidar com tudo isso se estiver

rolando uma paixão entre vocês — constata, me tirando do sério por causa

da sua falsa crença em mim.

— Não se preocupe, da minha parte eu posso garantir que não tem

nada disso.
— E da dela? Consegue garantir isso?

Sua pergunta me faz lembrar da crise de ciúmes de Ariela mais cedo,

mas isso não se encaixaria como um dos sintomas de uma paixão. Ari,

assim como eu, ainda não conseguiu esquecer a nossa ficada.

— Já tenho a minha resposta! — finaliza. — Se precisar de carona

de novo, me avise, te vejo amanhã, e vê se não faz besteira.

O filho da puta não espera nem que eu me despeça dele e desliga a

ligação. Eros, como sempre, tentando ser o mais certinho, porém eu sei que

independente das minhas escolhas, me apoia.

Não demoro nem cinco minutos para trocar de roupa, e desço para

almoçar, diferente das outras vezes, não sou o último a chegar, estranho

quando chego à mesa e encontro somente meu pai e Claudia.


Me sento à mesa depois de cumprimentá-los, e viro a cabeça para

Claudia.

— Ariela não vai almoçar? — pergunto, pegando o prato para me

servir.

— Não, ela disse que está com uma dorzinha de cabeça e preferiu

descansar um pouco, disse que mais tarde come alguma coisa — Claudia

explica, e não consigo acreditar em Ariela.

Isso tudo deve ser marra dela para não me ver.

— Espero que ela fique bem logo — digo.

Fico me corroendo por dentro, louco para ir até ela, para continuar a

conversa da qual ela fugiu.


Passo o almoço todo comendo em silêncio, ouvindo Claudia e seus

planos para o bebê, a preparação para o enxoval e o quanto está ansiosa

para saber o sexo.

É estranho ver o quanto realmente eles parecem ser uma família. A

criança nasceria e cresceria com os pais, com a mãe ao seu lado, por mais

que Claudia e eu não tenhamos um contato suficiente para conhecê-la bem,

não parece que ela seja o tipo de mulher que abandona o filho e vai embora.

— O que acha, Lion? — Claudia se vira para mim. Levanto a cabeça

sem entender do que exatamente ela está falando agora. — Eu e seu pai

gostaríamos que você e Ariela participassem da escolha do nome do bebê.

Olho para Pedro surpreso, que me observa, parecendo satisfeito com

a ideia de Claudia.
— Você pode escolher o nome se for menino, e Ariela se for menina

— continua a contar os planos. — Acha que ela vai gostar?

Assinto, meio que ainda sem saber o que falar.

— O bebê será irmão de vocês, e quero muito que ele traga um

vínculo especial entre os dois — comenta simpática. Mesmo a conhecendo

pouco, sei que continua se esforçando, chegando até a exagerar.

— Por mim, tudo bem. — Sorrio de lado. — Posso pensar em alguns

antes? Ainda temos tempo, não é?

— Oh, claro. Só contei logo para preparar vocês — ela responde, e

inclina sua mão para apertar a minha, e fico desconfortável com o contato.

— Obrigado pela confiança — agradeço, aos poucos, soltando a

minha mão da sua.


Me levanto da cadeira, sinto um bolo se formar na minha garganta,

me impedindo de respirar sem que eu deixe a emoção vir.

— Te encontro no escritório, pai — digo. — Com licença.

Ariela não olhou em minha direção em nenhum momento desde que

nos sentamos para jantar, e me divirto com isso. Ela ainda está brava, e sem

nenhum motivo.

— Ariela, você está melhor? — quebro a conversa entre meu pai e

Claudia, e eles focam nela, que me olha confusa. — Sua mãe disse que

estava com dor de cabeça, por isso não desceu para almoçar mais cedo.

Danço com a língua dentro da boca para me impedir de sorrir,

enquanto ela continua me encarando, seus olhos ficam num tom mais
escuro de azul ao perceber que estou provocando-a.

— Sim, estou bem melhor, tive um mal-estar quando estava voltando

para casa hoje — pausa, inclinando a cabeça para o lado. — Você deve

saber como é, aquele incômodo chatinho, como se alguém tivesse estragado

seu dia.

Semicerro os olhos com a sua ousadia em devolver a provocação, e

solto uma risada de leve.

— Sei, sim, acho que pode ser comparado também, quando uma

pessoa do nada fica brava, sem motivo algum, quando você tenta ser

simpático.

Nossos pais nos olham sem entender do que exatamente estamos

conversando, mas não fazem nenhum comentário. Ariela morde o lábio


para evitar falar alguma coisa, e continuo com meu sorriso no rosto.

— Falei com Ariela sobre ela escolher o nome do bebê se for uma

menina — Claudia retoma o assunto de mais cedo. — Ela gostou da ideia.

— Com a condição de que mesmo que eu ou você escolha o nome,

todos devemos estar de acordo — Ariela fala, enchendo ainda mais sua taça

de água, que já possui água o suficiente.

— Acho justo. Não seria legal se a escolha do nome não agradasse

todo mundo — respondo.

Ela assente e não diz mais nada, voltando sua atenção para o jantar.

O único som é o da voz de Claudia, que está tão animada com os

preparativos do chá de bebê, que não percebe que monopoliza o assunto na

mesa.
Passo as páginas do livro em minha mão, olhando a todo momento

para a porta da biblioteca, esperando vê-la entrar. Conhecendo Ariela do

jeito que conheço, sei que vai aparecer, mesmo que seja somente para me

ignorar.

Suspiro, deixando o livro de lado, me inclino mais na poltrona e

pego meu celular pensando em mandar uma mensagem para ela, quando

escuto um leve ranger da porta, viro a cabeça em sua direção, esperando

encontrar Ariela, mas não vejo ninguém.

Aguardo alguns segundos antes de me levantar e caminhar até a

porta. Fico em silêncio, ouvindo a respiração do outro lado e seguro a

maçaneta, apertando-a de leve entre meus dedos.


Abro a porta, não consigo mais esperar que Ariela tome a atitude de

fazê-la. Ela me olha com seus olhos azuis arregalados, não esperava que eu

fosse abrir a porta.

— Achei mesmo que tivesse escutado alguma coisa — digo,

sorrindo, a vendo ignorar meu comentário, e passar por mim depois de

recuperar sua postura séria.

Reviro os olhos, voltando a me sentar na poltrona, pego o livro,

abrindo em uma página qualquer, me fazendo de desinteressado com a

forma que está agindo.

Finjo estar focado na leitura, mas escuto e observo Ariela andar

inquieta pelo cômodo. Isso significa que ela quer dizer alguma coisa, porém

está pensando se deve.


— Tem algo que queira dizer? — questiono, sem me mover para

olhá-la.

— Quem? Eu? Impressão sua — responde, e fica calada novamente.

A contagem na minha cabeça não chega nem a cinco, quando escuto

ela falar novamente.

— Então você está namorando a Marina — seu tom de voz muda de

acordo com cada palavra que profere, vai de acusação, deboche e

afirmação, mas nunca de uma pergunta, como eu esperava que fosse surgir.

Levanto a cabeça do livro para olhá-la do outro lado da biblioteca, e

começo a ficar irritado por ela estar brava comigo sem motivo, e ainda me

acusar de estar namorando, sendo que não tem esse direito.


— E se eu estiver? — pergunto, e me levanto do sofá, jogando o

coitado do livro de lado. — Você mesma disse que a vida era minha para

fazer o que quisesse.

Paro a poucos centímetros dela, seu olhar desafiador encara o meu,

que provavelmente não está diferente.

— Por que está se importando tanto se eu namoro a Marina?

A vejo engolir em seco, e o movimento da sua garganta me chama

atenção. Consigo ver o pulsar das veias por causa do seu coração acelerado,

pela nossa aproximação.

— Não me importo — diz e empina o queixo, seu olhar provocador

está preso ao meu, mas não por muito tempo, pois descem e param na

minha boca.
— Não mesmo? — dou mais um passo para frente, não deixando

espaço. — Porque eu acho que isso não é verdade, Ari — uso de propósito

o seu apelido.

— Você pode namorar e pegar quem quiser, não é da minha conta —

ela diz irritada, mas não dá nenhum passo para trás.

Corajosa!

Como posso controlar cada reação que tenho perto dela? Não me

deixar afetar? Ariela se tornou minha tortura e está cada vez mais difícil

resistir.

— Não é mesmo da sua conta — concordo. — Mas se você quer

tanto saber… — Inclino minha cabeça para mais perto do seu rosto, ficando
rente a sua orelha. — Marina e eu não tivemos nada... — pauso, escutando

sua respiração ficar alterada. — Ainda.

Ao ouvir a última palavra, sinto o impacto no meu peito, quando

Ariela me empurra para se afastar de mim, mas para o azar dela não me

movo do lugar. Seguro o seu rosto com as duas mãos, e ela fica paralisada

quando percebe que nossos rostos estão praticamente colados, os lábios a

um fio de serem tocados.

Ficamos os dois parados, sem saber como reagir. Posso sentir a

pulsação do seu coração, nossas respirações aceleradas. Meus olhos descem

para focar na sua boca entreaberta.

Percebo que estou indo longe demais, que preciso respeitar a sua

vontade. Mas é Ariela que muda a direção dos meus pensamentos, quando
toca nossas bocas e me beija, e o singelo toque faz com que eu perca todo o

controle que tive durante esses meses.

Desço uma das mãos para a sua nuca, a puxando para mais perto da

minha boca, aprofundo o beijo, sentindo a maciez, o gosto e a doçura dos

seus lábios viciantes.

Seus dedos estão nos meus cabelos, e os puxam, me dizendo o

quanto ela sentiu falta disso, da gente. Meu desejo é mantê-la nos braços e

não largar, matar a saudade que senti dela.

Sou eu que a afasto, me recordando da nossa conversa, se eu permitir

que esse beijo continue, não vou conseguir parar, e me afastar dela vai ser o

menor dos meus problemas, e Ariela se arrependeria muito se fosse por esse

caminho.
Continuo segurando seu rosto, mas seus olhos estão fechados, ela

respira fundo, controlando o turbilhão de sensações que esse beijo nos

causou. Diferente do que eu pensei, Ariela não surta ao se dar conta do que

acabamos de fazer.

Ela inclina a cabeça e me olha nos olhos, e mais uma vez me perco

no azul deles, como me perco no seu toque, na sua beleza e inocência.

— Foi você que escolheu isso — digo, me referindo à decisão dela

de que deveríamos esquecer o que rolou entre nós dois.

— E se eu não quiser mais? — sua pergunta me pega de surpresa, ela

morde o lábio, nervosa, apertando seus dedos em meu ombro. — E se não

tiver sido a escolha certa?

Ariela me pega desprevenido, mas meu corpo logo reage.


O barulho do lado de fora da biblioteca quebra todo o clima de

vulnerabilidade pós-beijo, junto com minha resposta. Os passos se

aproximam e fazem com que Ariela se afaste de mim rapidamente, e é

olhando em seu rosto que percebo que ela se arrependeu do que perguntou.

— Você já tem sua resposta — respondo irritado, andando até a

porta, me sinto um idiota. Por um instante, achei que Ariela deixaria seu

medo de lado, e voltaria atrás na decisão.

 
 

 
Ariela

Domingo, 23 de setembro de 2012

Eu deveria estar aliviada com como as coisas ficaram depois da

conversa com Lion na biblioteca, mas fiquei inquieta por alguns dias.  O

momento frágil e vulnerável, e o nosso beijo, ficaram marcados na minha

mente.

Foi difícil ter que lidar com Lion indo e voltando do colégio comigo,

conversando somente o básico, esquecendo o episódio do beijo. Já não sei


se fiz a escolha certa, Lion me deixa tão confusa quando está por perto, e

quando não está, sempre tento garantir que vou conseguir continuar

resistindo a ele.

Coloco um pouco mais de força ao mexer a massa de bolo, sentindo

o músculo do braço doer com a pressão. Tirei a tarde de domingo para assar

um bolo, mas não sei se foi uma boa ideia, está dando mais trabalho do que

imaginei.

Apoio a tigela na bancada, passando o braço em volta do objeto, o

movimento faz com que um pote fechado de chocolate caia e role pelo piso

da cozinha.

Observo o pote rolar, que só para quando bate em um par de

coturnos pretos, seu dono está parado no meio da cozinha. Eu os reconheço,


e espero ele inclinar a mão para pegar o pote, então, com o olhar, faço o

caminho pelo seu corpo enquanto ele volta a ficar em pé.

Lion olha a embalagem do pote e desvia os olhos para mim, se

aproximando para colocar o objeto na bancada.

— Fazendo meu bolo de aniversário? — pergunta, enquanto para do

outro lado da bancada, seus olhos totalmente em mim. — E nem perguntou

qual o sabor que eu queria?

Lion é ousado e enfia o dedo na massa branca, pegando um pouco

para levar até a boca, não me dando tempo para dar um tapinha na sua mão.

Reviro os olhos.

Hoje é aniversário do Lion, e como fizeram no meu, nossos pais vão

fazer um jantar de comemoração, isso se até lá ele não fugir para bem
longe, só para não ter que aguentar a puxação de saco.

— Você pode ter quantos bolos quiser — respondo, negando que

estou fazendo para ele.

Volto minha atenção para a tigela, mexendo a massa para dissolver a

farinha que acabei de colocar.

— Não feito por você — declara, e ignoro o palpitar do meu coração

bobo com as palavras dele.

Lion, com certeza, sabe como usar as palavras para me deixar

balançada, e, infelizmente, para mim, ele está conseguindo isso.

— Ainda está brava? — questiona. — Por algo que você garante não

se importar?
— Lion, eu realmente não me importo. Você ficar ou não, e com

quem quer, não faz diferença na minha vida — explico e paro de mexer a

massa para olhar seu rosto.

Ele abre um sorriso malicioso, e imediatamente me arrependo do que

eu disse quando escuto as suas seguintes palavras.

— Mas faz diferença quando eu te beijo — seu tom de voz é alto o

suficiente para qualquer pessoa que estiver passando perto da cozinha possa

escutar.

— Lion — rosno, olhando para os dois lados do cômodo com medo

de que alguém tenha ouvido.

Ele ri, jogando a cabeça para trás, se divertindo com o meu

desespero.
— Só falei a verdade — diz. — Confessa, Ariela, você não quer que

eu fique com nenhuma garota que não seja você, não sabia que era tão

possessiva assim — provoca, inclinando seu corpo para frente para ficar

bem próximo do meu rosto.

Argh!

Enfio a mão dentro do pote de farinha, pegando o suficiente para

jogar na sua cara de pau. Lion fecha os olhos por reflexo, mas seu rosto fica

branco por conta do pó.

Ele abre os olhos, e a mistura do pó com a pele bronzeada do seu

rosto deixa um contraste engraçado. Sua expressão é de incredulidade, mas

não abaixo a guarda, mesmo querendo muito dar risada.


— Não sabia que tinha o costume de falar demais, principalmente

coisas que nem sabe — expresso minha indignação, mas sei que ele está

certo.

Ele passa a mão pelo rosto tentando limpar a farinha e sorri, nem um

pouco afetado.

— Ah, é mesmo? Devo lembrar você, quem foi que quase voltou

atrás com a decisão de não ficarmos mais? — pergunta, e quando eu avanço

a mão para pegar a farinha novamente, Lion segura o pote, o levantando no

ar.

Lion se afasta do balcão para me impedir de alcançar a farinha e não

penso muito quando dou a volta indo para cima dele. Seu braço está

levantado, e por Lion ser muito mais alto que eu, fica impossível pegá-lo.
Nossos corpos se esbarram quando pulo para alcançar sua mão,

tendo seu ombro como apoio, me irritando cada vez mais com a risada

vitoriosa de Lion quando minhas tentativas são falhas.

— Me devolve, Lion — peço mais uma vez, esticando minha mão,

nas pontas dos pés no máximo, antes de voltar a pular de novo. — Juro que

não acerto o pote na sua cabeça se me entregar, satisfeito?

— Não vou correr esse risco — retruca, sorrindo.

Me preparo, usando todo o impulso e pulo mais uma vez, o mais alto

que consigo, só não esperava que Lion fosse me segurar pela cintura, meu

corpo colidindo com o seu.

Passo os braços em volta do seu pescoço para não cair, nossas bocas

quase se tocando. Toda a diversão do seu rosto sumiu, assim como a


irritação se esvai do meu corpo.

A troca de olhar é tão intensa como o desejo de nos beijar, e nossos

lábios quase se encostam, se o momento não fosse quebrado ao sentir a

farinha caindo na minha cabeça e do Lion.

Nos soltamos com o susto percebendo que o pote na mão de Lion

havia virado, nos sujando. Passo os dedos pelos meus cabelos, vendo Lion

fazer o mesmo, para tirar a farinha que está impregnando na cabeça.

Precisaremos de um banho.

Dou risada tentando entender como passamos tão rápido do instante

que Lion entrou na cozinha para isso? Sujos de farinha.

— Mas o que é isso na minha cozinha? — a voz estridente de

Carmem soa, sem acreditar na merda que fizemos..


Dou mais um passo para longe de Lion, garantindo que não

estávamos fazendo nada de errado instantes antes. Meu coração está

acelerado, podíamos ter sido pegos nos beijando se a farinha não tivesse

atrapalhado, e mesmo que fosse Carmem nos pegando, como explicaríamos

a ela?

Respiro aliviada, mas o alívio logo se vai quando olho para o chão,

vendo que tem farinha para todo lado, inclusive sujamos alguns

eletrodomésticos perto da gente.

— Tudo culpa do Lion — acuso Lion, me sentindo uma criança

novamente.

— Eu? Foi você que começou jogando farinha em mim — acusa de

volta.
— Vocês dois não têm mais idade para isso, parecem duas crianças.

Limpem tudo isso, não quero um risquinho de farinha sequer no piso —

manda, com as mãos na cintura. — Daqui a pouco o buffet vai chegar e

quero tudo organizado.

A senhora se retira da cozinha, mas somos capazes de escutar seus

resmungos porta afora.

— Você ouviu a Carmem, precisa limpar tudo isso — Lion diz, se

afastando de mim. — Já que foi você que começou, o certo é deixar que

limpe tudo.

— Nem pensar — digo, puxando Lion de volta pela barra da sua

camiseta do time de futebol, o que indica que estava no treino. — Você que

me provocou.
— Não acredito que vocês ainda estão aí parados — escutamos

Carmem retornar para a cozinha de novo, agora segurando vassouras e a pá.

— Vamos crianças, não temos o dia todo.

Lion vai até Carmem pegando uma vassoura e posso jurar que a vi

esconder um sorriso divertido. Ela não está brava coisa nenhuma. Olho para

a bancada, percebendo que a ideia do bolo ficou esquecida depois de toda a

confusão.

O silêncio da casa reflete muito o que estou sentindo agora. A

tristeza e o vazio da perda, com a mágoa e sofrimento da minha mãe.

Já se passaram mais de três horas desde que recebemos a notícia de

que minha mãe teve um sangramento e perdeu o bebê, consequentemente os


planos mudaram, não haverá mais jantar de aniversário de Lion.

Pedro e minha mãe estão no hospital para a realização dos exames, e

cuidados com ela após o aborto. Ela não precisará passar por nenhum

procedimento, a médica que a atendeu disse que foi um aborto espontâneo,

não havia nada que pudessem fazer. Pedro disse que ela está sendo

medicada por causa da dor. Não perguntei como ele estava, durante a

ligação, foi tão sucinto que fiquei com medo de ser invasiva. Ele também

não perguntou de Lion, só disse que era para cancelar o jantar.

Eu sei que Lion está em seu quarto, e vai passar o aniversário em

casa, respeitando o que houve com a minha mãe. Mas mesmo com a

situação, me sinto mal por ele.

Me levanto da cama, com a decisão de ir até a cozinha e fazer algo

para ele, mesmo que seja algo simples. Talvez ele nem se importe muito,
porém eu me sentirei bem fazendo alguma coisa legal para ele.

Não é possível ouvir nenhum barulho pela casa. Não são nem nove

horas da noite, mas todos os colaboradores da casa já se retiraram para

descansar. Sei que Carmem ficou mal por minha mãe, disse que iria orar

para que ela ficasse bem.

Procuro o interruptor da cozinha para acender a luz e vou direto em

direção à geladeira, assim que abro a porta, pouso os olhos no bolo que fiz

de massa branca com cobertura de chocolate e com morangos para enfeitar.

Sorrio com a ideia de cortar um pedaço e levar para Lion. Pego um

prato com tamanho consideravelmente razoável, e tiro uma fatia grande de

bolo, coloco no prato e decoro com mais morangos.


Quando paro e olho para o prato, sinto que está faltando alguma

coisa para dar um ar de comemoração. Ando em direção às gavetas dos

armários, mexo em algumas à procura de velas, dou sorte quando em uma

delas tem várias velinhas finas e pequenas na cor vermelha.

Pego uma vela dentro do pacote e levo ao prato com bolo, pegando

no caminho uma caixinha de fósforo. Arrumo a velinha no meio do pedaço

de bolo, decidindo acender só quando estivesse na frente do quarto de Lion.

Subo as escadas temerosa, me perguntando se é uma boa ideia, mas

lembro de como ele foi incrível na noite de comemoração do meu

aniversário, e quando ele tirou um tempinho e comprou um presente para

mim.

Paro no corredor me dando conta que eu não havia comprado nada

para ele. Fecho os olhos, apertando-os, me questionando como posso ter


deixado isso passar. Não estávamos conversando com muita frequência pelo

ocorrido no início do mês, mas é um absurdo eu ter falhado nisso.

Posso comprar algo amanhã, acho que ele não se importaria. Tento

acalmar meus pensamentos, focando em deixar para surtar depois e seguir

com o plano que é ir até seu quarto e...

Qual era o plano mesmo? Levar somente o bolo com uma velinha e

cantar os parabéns? Ele vai me achar uma boba, provavelmente vai rir da

minha cara.

Devo ter ficado parada por vários minutos no meio do corredor indo

em direção ao seu quarto. Decido continuar, mas só depois de organizar

minha mente mais uma vez. Estou sofrendo antecipadamente com coisas

criadas pela minha mente que nem aconteceram.


Continuo andando e paro em frente ao seu quarto. Antes de bater na

porta, preciso me desdobrar para tentar acender a vela sem derrubar o prato

com o bolo no chão, o que quase aconteceu algumas vezes.

Dou leves batidas na sua porta, e alguns segundos depois escuto sua

voz de fundo me autorizando a entrar. Eu seguro a maçaneta e giro para

baixo, tentando não fazer muitos movimentos que apaguem a vela.

Coloco minha cabeça pela fresta da porta, abrindo-a aos poucos,

procurando Lion pelo quarto. Ele está sentado na sua cama encostado na

cabeceira, está usando um fone de ouvido, seus olhos fixos na porta e

quando percebe que sou eu, seu semblante fica surpreso.

Claro que ficaria, é a primeira vez que venho ao seu quarto, nunca

cheguei perto da sua porta.


— Posso entrar? — pergunto, ficando com vergonha de repente e ele

assente, ainda sem entender o motivo de eu estar aqui.

Ao entrar no quarto, o bolo fica visível para Lion, eu o vejo ir de

confuso a divertido em segundos.

Vou me aproximando após fechar a porta. Ele se ajeita na cama,

dando espaço para que eu sente à sua frente.

— Não poderia passar seu aniversário sem ao menos cantar os

parabéns — brinco, e estendo o prato com o bolo para ele, a vela ainda está

acesa esperando ser assoprada.

Ele pega o prato, olhando para a vela e vejo questionamento em seu

olhar ao dirigi-lo para mim.


— Eu sei que não é uma aniversário adequado, ou um jantar de

comemoração, mas achei que seria legal se você ao menos... ah, tivesse um

pedaço de bolo? — dou risada ao me embaralhar toda na explicação, vejo

que não faz muito sentido trazer um pedaço de bolo para comemorar o

aniversário dele.

— Faz sentido — ele responde como se estivesse lendo meus

pensamentos. — Obrigado, Ari.

Lion se inclina, me dá um beijo no rosto, e depois sorri para mim ao

se afastar.

— É muito especial que você tenha feito essa surpresa — declara. —

Mas não precisamos cantar os parabéns, né?

Dou risada, negando com a cabeça.


— Faz um pedido antes de assoprar — sugiro e ele fecha os olhos.

Um leve sorriso se abre na sua boca, suas pálpebras tremem enquanto ele se

concentra.

Lion assopra a vela segundos depois. A forma que me olha causa

uma curiosidade de saber o que ele pediu, mas como existe a regra, para o

desejo se realizar, ele não pode contar o que pediu.

— Você divide comigo? — pergunta, apontando para o bolo.

— Eu trouxe apenas para você — respondo.

— Tem o suficiente para nós dois — diz.

Aquiesço, e Lion olha para as minhas mãos vazias e de volta para o

bolo.
— Acho que temos um pequeno problema — anuncia, rindo. —

Como vamos comer o bolo?

Franzo a testa sem entender a sua pergunta, e só depois de olhar para

o prato com o bolo que me dou conta de que não havia pegado garfo. Bato

com a mão em minha testa e me levanto para ir até a cozinha.

— Vou buscar, já volto — digo, mas não consigo me afastar, Lion

segura meu pulso, me impedindo de andar.

— Não precisa, podemos comer sem eles — fala, me fazendo sentar

novamente.

Observo ele tirar a vela de cima do bolo, a coloca no canto do prato e

pega o morango com um pouco da calda de chocolate, fico paralisada

quando ele estende a mão para mim, segurando o morango.


Ele sorri, fazendo um gesto para eu aceitar, e sem jeito, me inclino

para a frente, mordendo a ponta da fruta. Saboreio o sabor doce do

chocolate com o azedinho do morango e fecho os olhos, passando a língua

no lábio inferior onde ficou o resquício de chocolate.

Abro os olhos quando Lion pigarreia, se ajeitando melhor na cama.

Seus olhos fixos nos meus lábios, ele aproxima novamente a fruta vermelha

até minha boca, e dessa vez, seguro sua mão para ter um acesso melhor ao

morder o morango.

Escuto Lion suspirar quando meus lábios encostam de leve nos seus

dedos, e uma parte de mim está gostando de ver Lion afetado desse jeito por

um simples toque.

É quando eu passo novamente a língua pelos lábios, que vejo Lion

perder o controle. Não sei onde foi parar o bolo, só vejo Lion quando já está
na minha frente segurando meu rosto e juntando nossos lábios.

Esse beijo tem uma mistura de urgência e loucura, ao contrário do

nosso último beijo na biblioteca. Já não me importo com mais nada, me

entrego ao momento, ao nosso beijo, desejo e vulnerabilidade.

Lion inclina meu corpo, apoiando-se no cotovelo para ficar por cima

de mim enquanto me beija. Minha mão passeia pelos seus ombros e

cabelos, pousando em seu rosto.

— Não consigo ficar longe de você, Ariela — Lion sussurra. —

Talvez até seria mais fácil se eu não tivesse que te ver todo dia, morando na

mesma casa e tendo que fingir que nada aconteceu entre a gente.

Assinto, tocando sua boca com a minha novamente, apenas um roçar

de lábios.
— Não vamos conseguir resistir a isso, não é? — pergunto, subindo

a mão do seu rosto para adentrar os fios descoloridos dos seus cabelos,

nossos olhos estão fixos um no outro.

Nossos corpos cheios de atração e desejo, gritam para seguirmos por

esse caminho e ligar o foda-se.

— Não, Ariela, e eu não quero continuar resistindo a nós dois,

somos tão bons juntos, por que devemos ignorar isso por causa dos outros?

— ele me responde.

Fico em silêncio, analisando suas palavras, a situação toda

envolvendo nossos pais. Até quando vamos conseguir manter esse jogo por

eles?
— Não precisamos, eu não consigo mais... — concordo, vendo um

sorriso hesitante surgir nele. — Não consigo ignorar essa atração, tomar a

decisão de ficar com você parece cada vez mais certa.

Ele assente, passando as costas dos seus dedos pelo meu rosto,

subindo e tirando alguns fios de cabelo de frente dos meus olhos, tocando

de forma delicada meu nariz, parando por cima dos meus lábios.

— Não achei que fosse acontecer tão rápido, mas meu desejo de

aniversário se realizou — ele brinca e se inclina.

Lion me beija de novo, e por mais louco que seja, a emoção que

sinto ao me libertar para viver esse romance novamente é incrível, eu só

espero não me arrepender dessa decisão.


Porque esse amor só está ficando mais forte

Então, eu não quero esperar, por mais tempo

Eu só quero dizer ao mundo que você é minha, garota

(They don’t know About Us – One Direction)

 
Ariela

Quinta-feira, 15 de novembro de 2012

— Você acha que alguém consegue nos ver daqui? — sussurro a

pergunta, olhando em volta, mesmo sabendo que a essa hora ninguém

estaria andando pelo vinhedo.

Lion está segurando firme minha mão enquanto nos guia por entre as

videiras com a lanterna do celular ligada para ficar atento ao caminho.


— Relaxa, Ari, ninguém vai nos ver, e está escuro demais — ele

garante, seu tom de voz divertido.

Ele para de andar, e solta minha mão para segurar meu rosto e me

beijar logo em seguida, aplacando um pouco do medo dentro de mim.

— Relaxa, linda — pede mais uma vez. — Nunca arriscaria se não

fosse seguro.

Aquiesço, recebendo alguns selinhos. Fico com um sorriso no rosto

quando Lion volta a segurar minha mão, me puxando de volta para

continuarmos a andar.

Andamos por mais de vinte minutos, antes de pararmos em um lugar

que nos dava a vista perfeita da noite. Provavelmente aqui seria ótimo para

se ver o pôr-do-sol em um finalzinho de tarde tranquila. 


Precisava me lembrar de vir aqui mais vezes e, de quebra, em um

final de tarde com o Lion. Consigo até imaginar como seria romântico nós

dois sentados vendo a vista daqui de cima.

Lion tira de dentro da sua mochila uma manta na cor creme e

embrulha no chão para nos sentarmos. Ele começa a tirar de dentro da bolsa

potinhos pequenos de plásticos, que logo entendo serem comida que ele

trouxe para nós dois.

Desde que Lion e eu voltamos a ficar, as coisas entre a gente

parecem ter evoluído tanto, mesmo que seja tudo às escondidas, o que deixa

ainda melhor, a sensação de perigo, de estar correndo o risco o tempo todo

de sermos pegos.

Não reconheço mais a Ariela de antes de conhecer o Lion, e não vejo

isso como algo ruim, só estou me desprendendo de escolhas que a minha


mãe faria por mim.

Eu me abaixo, sentando no manto para ajudar Lion a abrir os potes, e

sorrio com o cuidado que ele teve de pegar diversas coisas, como alguns

tipos de pães, queijos, salame, algumas frutas bem cortadas, suco, entre

outras coisas.

— Uau, você preparou tudo isso? — questiono, levantando a cabeça

para olhá-lo. — Sabe que talvez não vamos conseguir comer nem a metade,

não é? — ele assente, sorrindo e logo em seguida dá de ombros.

— Nem precisamos nos preocupar com isso — diz ao se sentar

estendendo a mão para mim. — Vem cá, quero que se sente perto de mim.

Sorrio, revirando os olhos, mas bem lá no fundo me derretendo por

cada gesto seu. Me sento ao seu lado, mas isso não parece ser o suficiente
para ele, que me ajeita para ficar sentada por entre suas pernas e logo ele

nos embrulha com outra manta.

Sinto quando ele junta meus cabelos para colocar de lado, e mesmo

antes de ter seus lábios em contato com a pele do meu pescoço, meu corpo

todo se arrepia com o contato com a minha pele quente e suspiro.

Lion e eu nunca avançamos mais do que beijos ou mãos bobas

durante alguma pegação, mas eu conseguia sentir o quanto ele se segurava

para não avançar mais do que os beijos, sempre me respeitando, esperando

o momento que fosse eu a tomar alguma iniciativa.

Esse é um assunto que venho querendo conversar com ele, não me

sinto preparada para perder a virgindade ainda ou pressionada, mesmo que

Lion nunca fizesse isso.


A gente nunca conversou sobre esse assunto, porém eu sei que Lion

não é virgem, ele deve ter ficado com várias meninas, e provavelmente não

iria querer me esperar.

— O que você quer comer primeiro? — pergunta, se inclinando para

pegar os copos na mochila, abrindo logo em seguida a garrafa de suco de

uva.

Eu pego o garfo, espetando em um pedaço de queijo cortado em

cubos e me viro para Lion, oferecendo a ele, que aceita de bom grado, antes

de pegar um pedaço para mim.

— Você que arrumou tudo isso sozinho? — indago, terminando de

mastigar, aceitando o copo com o suco.


— Tive uma ajudinha da Carmem. — Me viro para ele, quase

engasgando com o líquido, que desce rasgando pela garganta. — Aquela

senhora não é boba, Ari, ela sabe que nós dois temos alguma coisa.

Passo a mão pelo rosto com vergonha, imaginando todas as vezes

que falei com Carmem, sem saber que ela já desconfiava de algo. Como

vou conseguir encará-la agora?

E se ela, sem querer, contar algo para alguém ou para a minha mãe?

— Você está surtando à toa, linda — Lion diz, dando risada. — Ela é

discreta igual Luís, nunca contaria suas suspeitas para alguém, muito menos

para os nossos pais. Pode confiar nela.

Relaxo, sentindo os ombros menos tensos, mas ainda fico com medo

de, sem querer, ela comentar alguma coisa com alguém.


— Para de pensar, Ariela — Lion pede, cutucando minha barriga. —

Podemos, pelo menos, curtir o momento? Conseguimos escapar dos nossos

pais por poucas horas.

Assinto.

Ele tem razão, deixaria para pensar sobre essa questão depois.

Agíamos normalmente na presença dos nossos pais. Nada de olhares

com segundas intenções, conversas que dessem a entender que estávamos

bem próximos. Continuamos com o nosso teatro.

Minha mãe ficou bem mal com a perda do bebê, passou dias

melancólica, mas logo depois, estava voltando a pegar mais no meu pé de

novo. Agora com Pedro, a noticia da perda não pareceu mexer nem um
pouco. Voltou a infernizar ainda mais a vida de Lion, dificultando até

mesmo suas horas vagas para tentar me ver.

Me recosto em seu peito, me aconchegando no calor do seu corpo,

enquanto pego algumas uvas. Olho para o céu estrelado tentando criar os

pontos imaginários como costumava fazer na minha antiga casa, deitada na

minha cama.

— Eu tinha estrelas fluorescentes que brilham no escuro pregadas no

teto do meu quarto, toda noite eu olhava para elas antes de dormir —

comento, ainda olhando para o céu. — Elas tinham o poder de me acalmar.

Sinto Lion beijar meu rosto, passando seus braços em volta do meu

corpo, pousando sua cabeça no meu ombro.


— Eu amo observar as estrelas, desde pequeno criei um amor pelas

constelações por causa do Gustavo, sempre que íamos passar o fim de

semana na casa do Eros, acampávamos no fundo da casa deles e Gustavo

contava várias histórias e lendas para a gente. — Pausa, para deixar mais

um beijo no meu rosto. — Era meu momento favorito do fim de semana

todo.

— Você tem Gustavo e Elena como pais — afirmo. — Observei o

amor e carinho deles por vocês na viagem a Florianópolis, dava para ver o

quanto eles te amam, até mesmo dando sermões.

Ele dá risada, concordando.

— Sim, os dois são o mais próximo de pais que tenho, muitas vezes,

Gustavo enfrentou meu pai para me defender, chegando a ameaçá-lo se


alguma coisa acontecesse comigo, porque Pedro já me pressionava sobre

muitas coisas desde criança.

— Seu pai não é uma pessoa normal — digo, e escuto sua risada.

— Gustavo e Elena me acolheram, assim como fizeram com Artho,

Dimitri, Natan e Gabriel. Ela fala que somos os filhos que ela não

conseguiu ter depois de Eros. — Escuto o carinho em forma de palavras

que Lion diz.

— Eu tenho certeza que são mesmo — respondo.

— Quero que eles te conheçam melhor.

— Quero conhecê-los também — sorrio, me virando para olhar seu

rosto. — Mas não seria estranho? Somos considerados irmãos, Lion,

imagina como seria estranho.


— Eu não sei qual seria a reação deles se soubessem que estamos

ficando, meus amigos sabem e não ligam. — Ele dá de ombros.

— Sim, porque eles nos conhecem e sabem de todo o nosso rolo. —

Sorrio. — Você já chegou a imaginar como estaremos daqui a um tempo?

Se ainda estaremos juntos?

Ele nega com a cabeça, mas fica pensativo antes de abrir um sorriso.

— Não sei como vamos estar, mas eu espero que estejamos juntos,

que você ainda esteja na minha vida sem precisar esconder para todo

mundo — diz, segurando meu rosto, me beijando.

Me viro para ficar à sua frente e assim ter mais acesso ao beijo. Lion

me ajuda a passar as pernas em volta da sua cintura, me deixando alguns

centímetros acima dele. Pego seu rosto com as duas mãos, fixando meu
olhar no seu, antes de descer meu rosto devagar para tocar meus lábios nos

seus.

Meus cabelos caem ao meu lado e Lion os segura para me envolver

em um beijo quente e cheio de desejo. Eu subo com a mão pelos seus

cabelos, sua língua encontrando a minha de forma desinibida e ousada.

Suspiro, sentindo meu corpo esquentar, uma das mãos de Lion entra

na minha blusa, parando na minha barriga, antes de subir um pouco mais,

resvalando o polegar abaixo do meu seio dentro do sutiã.

A sensação gostosa que começo a sentir me impede de parar com o

nosso beijo e os toques mais audaciosos de Lion. Mexo meu quadril,

reconhecendo um leve latejar por entre minhas coxas, no meu centro de

desejo, como já havia sentido antes com o Lion, o leve movimento me faz

senti-lo sob as calças jeans.


Escuto Lion gemer baixinho, e o som me faz despertar e me afastar

dele, percebendo como estamos indo longe demais. Estamos ofegantes,

nossas bocas inchadas e vermelhas, me sentindo quente em cada parte do

meu corpo.

Lion levanta a mão para me tocar, a mão que até segundos antes

estava por dentro da minha blusa, quase tocando meus seios por cima do

tecido fino do sutiã.

Nego com um gesto de cabeça e vejo a mão dele se abaixar,

confusão passando pelo seu rosto, ao mesmo tempo que entende que as

coisas estavam indo rápido demais.

— Ari...
— Não podemos continuar — digo de uma vez, me tocando que essa

é a hora perfeita para ter a conversa com ele. — Não me sinto pronta para

dar esse passo, Lion.

Me sento um pouco distante dele para não correr o risco de voltar a

me sentar em cima dele e deixar as coisas fluírem. Mas essa não seria eu,

não quero que a minha primeira vez seja só pelo desejo e calor do

momento.

— Não estou preparada ainda — repito, abaixando a cabeça, tocando

a barra da blusa para ter algo que fazer com as mãos enquanto tenho essa

conversa com ele. — Quero que seja especial, parece bobo, mas é algo

importante para mim, e não quero perdê-la de um jeito qualquer.

Levanto a cabeça.
— Eu quero que seja com você, eu só...

— Shii! — Lion me interrompe, se aproximando de mim. — Não

precisa explicar, Ari, eu entendo, desculpa se eu passei do limite — pede.

— Não, você nunca passou dos limites, eu amei cada momento

nosso até agora, só que é algo que você precisava saber — declaro. —

Ainda mais que você já deve ter tido outras experiências, e nunca deve ter

precisado esperar por uma garota.

Ele dá risada, balançando a cabeça de um lado para o outro.

— Para de pensar isso — pede, tocando meu rosto, não negando e

muito menos confirmando o que eu disse. — Você não tem noção do quanto

é importante saber que deseja que seja comigo, e claro que eu respeito a sua

decisão.
Sorrio aliviada e me aproximo dele, beijando seus lábios

singelamente.

— Me sinto mais aliviada agora.

— Você é uma boba, deveria ter conversado comigo antes, não

precisava esquentar essa sua cabecinha — diz, e bate de leve seu indicador

na minha testa, me fazendo rir.

— Eu estava com medo de você não aceitar — conto minha

insegurança.

— O que eu faço com você? — pergunta, me puxando para me ter de

novo em seus braços.

— Eu já sei o que você pode fazer comigo. — Dou risada, cutucando

sua bochecha levemente.


— E o que seria? — questiona interessado, sua curiosidade fazendo

seus olhos brilharem divertidos.

— Você pode me beijar se isso não for uma missão difícil para você

— brinco, dando risada quando sinto seus braços me prendendo a ele.

— Isso vai ser uma missão bem difícil, mas vai valer a pena —

declara, tirando meus cabelos do rosto. — Cada momento com você vale a

pena, Ariela, e tenho certeza que nunca vou me arrepender disso.

Quando nossas bocas se encontram, eu não consigo conter o fogo

dentro de mim, que incendeia todo meu corpo ao ponto de eu querer viver

tudo com o Lion, tanto os momentos bons e ruins.

E tenho certeza que me apaixonei pelo garoto certo.


Ariela

Terça-feira, 28 de maio de 2013

Minha mãe está grávida de novo, o momento de comemoração e

alegria não durou muito tempo, sendo substituída por aflição e medo,

quando descobrimos que a gravidez é de risco. Logo no começo da

gestação, minha mãe foi diagnosticada com Insuficiência Istmo cervical,

uma doença com alto risco de aborto, e por isso, teve que passar por um

procedimento de urgência que diminui as chances da perda do bebê.


Mesmo com toda a preocupação, ela está feliz, e nós também, claro

que a notícia nos pegou de surpresa, na verdade a mim e ao Lion, já que

Pedro não deu muita importância.

Conversando com Lion, combinamos que a novidade não

atrapalharia em nada o que estamos vivendo, estou disposta a não deixar

que nada nos afete, e vamos continuar a sair escondido.

Minha confidente de tudo é a Giulia, mesmo que esteja morando em

São Paulo, tentamos sempre manter contato, conto como estão as coisas por

aqui, sobre o colégio e minha relação com Lion, mas nunca falamos sobre o

Dimitri, é um assunto proibido entre nós, a pedido dela, é claro.

A única coisa que nos resta é manter o contato por ligação.

Lion
Quinta-feira, 11 de julho de 2013

Está tudo pronto para a chegada de Breno, mesmo que ainda faltem

quatro meses para seu nascimento. A chegada dele vai fazer toda diferença

em nossas vidas. Até meu pai está radiante, mas claro que só depois que

descobriu o sexo do bebê, percebi que ele parece bem mais interessado

agora na gravidez.

Estou no último ano do ensino médio, com tudo planejado para a

faculdade e cursar a graduação que Pedro deseja. Além de deixar o futebol

de lado como prometido, e me dedicar integralmente aos negócios.

Dimitri ainda está no Case, sem previsão para sair. O que fode ainda

mais é que não posso vê-lo, recebendo notícias pelo advogado. Eu e os

meninos temos esperança que ele saia esse ano.


Ari ainda tem algum tempo até se formar, mas já decidiu que quer

cursar Relações Internacionais, o que será útil para meu pai, que já pensa

em usá-la para expandir ainda mais os negócios do vinhedo.

Não vejo a hora de começar a faculdade, e quando a Ari também

ingressar, teremos liberdade para sermos só nós. Ainda não sabemos até

quando vamos manter o segredo, mas continuo respeitando a sua vontade. 

Estar com ela é bem mais importante, e espero o tempo que for

preciso.

Ariela

Domingo, 8 de setembro de 2013


Mal abro a porta do meu quarto e Lion já está me agarrando. Me

pega no colo e envolve minhas pernas na sua cintura, enquanto ele chuta a

porta.

Estamos felizes porque nossos pais viajaram, então temos a noite

toda para nós dois, sem a preocupação e o medo de sermos pegos. Não é

como se já não tivéssemos escapado para o quarto um do outro, na verdade,

foram várias vezes, durante esses meses.

Nos tornamos excepcionais no esquema de enganar nossos pais.

Lion me leva até a minha cama, me beijando, e sinto em seguida a

maciez e conforto do colchão sob minhas costas. Nossas bocas ainda

grudadas, a fome que ele transmite através do beijo me deixa extasiada.


— Estava louco para te ver — diz, me beijando mais uma vez, antes

de deslizar o nariz pelo meu pescoço, inalando meu cheiro, como costuma

fazer sempre que estamos juntos.

Nunca assumimos que realmente namoramos, não houve pedido, e

não falamos sobre isso, mas Lion deixou claro que, para ele, só existe eu, e

me sinto do mesmo jeito, só existe ele para mim.

— Como foi o treino? — pergunto, sorrindo pelas cócegas que sinto

enquanto ele beija o meu pescoço.

Seus cabelos estão molhados por causa do banho, e seu perfume está

mais intenso, impregnando o meu nariz. Ele está usando uma camiseta

branca, com uma calça de moletom.


— Precisamos falar disso? Como vocês mulheres costumam dizer,

são só homens correndo atrás de uma bola, nada de interessante — diz, se

apoiando no cotovelo para me olhar. — Queria que fosse assistir aos

treinos, a maioria das namoradas do time vão.

Lion está se referindo a mim como sua namorada? Ele nem deve ter

percebido. Tento não parecer ansiosa, mas fico imaginando se é um pedido

seu, mesmo que talvez isso não mude muito as nossas vidas, vamos

continuar namorando em segredo.

Será que é por isso que não houve um pedido ainda?

— Eu iria se fosse possível, mas acho que não ficaria legal a “irmã”

aparecer para assistir seu treino.


— Isso não tem nada a ver, só nós dois saberíamos que você está no

treino por outro motivo — fala, apertando levemente minhas bochechas

para que um bico fosse formado em meus lábios.

Lion pressiona nossas bocas, sorrindo quando tento empurrá-lo.

— E qual motivo seria esse? — indago curiosa, esperando o

comentário brincalhão.

— Me ver, o que mais seria?

— Achei que fosse para ver os outros garotos jogar sem camisa, com

os corpos molhados de suor... — grito, dando risada quando Lion

praticamente se joga em cima de mim, me torturando com seus beijos de

tirar o fôlego.
Estar com Lion é intenso e perfeito, me faz querer viver experiências

novas, me aventurar, sem me prender a nada, nem mesmo à minha mãe.

— Não quero ouvir você falando de outros garotos — pede,

mordendo meu queixo. Suspiro quando sua língua toca a pele mordida, o

desejo de pedir que ele desça mais com suas carícias se aflora.

Lion bufa exasperado, se jogando para o outro lado da cama, não

precisa dizer que está se contendo, de novo, para que eu saiba que cada dia

fica mais difícil para ele se segurar. Já chegamos ao limite algumas vezes

antes que fizéssemos alguma coisa, e sempre é um sentimento misto de

frustração e alívio.

— Vamos assistir ao filme que escolheu? — pede, se inclinando para

pegar o balde de pipoca que eu havia trazido para o meu quarto, junto com

copos de refrigerante.
Eu não sei como dizer, ou insinuar, a Lion, que quero perder a

virgindade com ele, e que estou pronta, mesmo com um pouco de medo do

desconhecido, de como vai ser, se vai doer como já ouvi falar.

Me levanto indo até a minha mesa de estudos para pegar o notebook,

o filme já está na tela, é só tirar o pause.

— É um romance? — sua pergunta me faz virar com um sorriso no

rosto.

Lion revira os olhos ao confirmar sua suposição. Subo na cama, e

coloco o notebook no meio dela, me arrumando ao lado de Lion para iniciar

o filme.

— Você disse que poderia escolher o que eu quisesse — retruco,

colocando os travesseiros encostados na cabeceira da cama para deitar.


— Não estou reclamando — responde.

— Escolhi Diário de uma Paixão, perdi as contas de quantas vezes

assisti esse filme, e é um dos meus preferidos — conto empolgada,

ignorando sua fala.

— Mas qual a graça de assistirmos um filme que você já viu? Não

seria mais interessante um que nenhum de nós assistiu? — Lion está

confuso, para ele não faz nenhum sentido.

— Você escutou a parte que eu disse que ele é um dos meus filmes

preferidos? — pauso, e o vejo assentir. — E também quero muito assistir

ele com você.

Lion passa o braço pelos meus ombros beijando meu rosto.


— Tudo bem, quero saber por que ele é seu preferido — sorrio, e

Lion se inclina para a frente, dando play no filme.

Eu trouxe para o quarto bastante coisa para comer enquanto

assistimos o filme, preparei tudo antes que chegasse, estava muito ansiosa

para aproveitar esse tempo com ele.

Nossas últimas semanas haviam sido corridas, e não tivemos tempo

para encontrar uma horinha para nós dois.

Lion fica em silêncio, prestando atenção no filme, seus dedos por

entre os meus cabelos, acariciando. Em determinado momento, o filme já

não tem mais a nossa atenção, estamos nos beijando de novo.

A mão de Lion está por debaixo da minha blusa, tocando a pele da

minha barriga, me beijando com urgência e precisão. Eu gemo enquanto ele


me beija, aperto sua nuca puxando-o para perto, nossas bocas estão num

frenesi, chupo sua língua e sua mão sobe pela minha barriga, e em segundos

ele se afasta.

É tão repentino, que fico ofegante e desorientada com a intensidade

de estar em seus braços.

— Desculpa, não queria passar do limite — ele se joga para o lado,

tapando o rosto com a mão. — Porra, é muito difícil resistir a você.

Me sento e fecho a tela do notebook, o colocando no chão, ao lado

da cama. Minha mão trêmula vai até a sua, que está escondendo o rosto,

retirando-a. Seus olhos estão em um tom mais escuro, gritando desejo e

luxúria, ele está numa luta interna entre estar no limite, e não ultrapassar o

meu. Preciso ser sincera e conversar com ele.


— Eu quero — sussurro, quando seus olhos focam em mim. Vejo

surpresa neles, e logo Lion está sentado na minha frente.

— Linda, não quero que se sinta pressionada, vou continuar te

esperando e ser o cara mais feliz quando acontecer, mas quero que seja o

momento certo para você — Lion diz, e tenho a certeza que tomei a decisão

correta.

Ele toca meu rosto, seu gesto afirmando suas palavras.

— Eu estou pronta e quero muito que seja com você — peço, e o

vejo fechar os olhos. — E eu não tomei essa decisão agora, faz tempo que

penso nisso.

— Você está falando sério?

Assinto.
Meu coração acelerado quase perde o compasso, quando Lion, com a

mão que está em meu rosto, desce tocando meu pescoço sentindo a minha

pulsação. Seus olhos ainda escuros fitam os meus, sua outra mão desliza

pelo meu braço para segurar a minha, e sinto seu polegar resvalar de leve

em carícias tranquilizadoras.

— Você tem certeza? — sussurra.

Pelo tom da sua voz, consigo sentir que está contendo o nervosismo

e ansiedade.

— Tenho — retribuo a resposta no mesmo tom.

Lion me beija, delicado, seus lábios quase não encostando nos meus,

diferente dos beijos trocados anteriormente. O beijo vai ficando mais

intenso à medida que o fogo do desejo reacende, Lion me traz para o seu
colo, tocando a pele da minha cintura por baixo do tecido fino da blusinha

de pijama que uso.

Ele me deita de forma doce, como se estivesse com medo de me

machucar se fosse rápido demais. Tenho vontade de falar que não precisa

ser tão cuidadoso, mas eu sei que ele não me ouviria, para Lion precisa ser

perfeito, e eu sei que o seu carinho e cuidado nesse momento importante,

não será diferente.

Com os dedos quentes em minha barriga, Lion desenha espirais pela

minha pele, me causando arrepios gostosos.

Ele desce seus beijos do meu rosto para meu pescoço, seu dedo entra

pela alça da minha blusa, a deslizando pelo meu ombro, deixando um rastro

de beijos no local, ele faz o mesmo do outro lado. Lion me olha, com as

mãos segurando a barra da blusa, me pedindo permissão para subi-la.


Aquiesço, ofegante, e ele o faz, puxa a blusa para cima, me sento

somente para ajudar a tirá-la, e volto a me deitar. Meu sutiã rosa clarinho

agora à mostra, chama atenção de Lion que passa o dedo pelo aro da parte

de baixo.

Meu rosto esquenta pela timidez, por estar tão exposta a ele, como

nunca estive antes. A vergonha me faz ter vontade de me esconder, de não

deixar que Lion veja meu corpo.

— Você é linda, Ari — declara, vendo o quanto estou inquieta por

estar sendo observada. — Não quero que sinta vergonha de mim.

Lion se abaixa e eu fecho os olhos quando sinto seus beijos por cima

do meu busto, descendo os lábios quentes pelo vão dos meus seios para

seguir para a barriga.


Suspiro, meu corpo treme pelo nervosismo, e Lion percebe quando

me ajuda a descer o shortinho, assim que o retira, ele sobe pegando meu

rosto para deixar um beijo calmo e cheio de carinho.

— Relaxa, amor — pede. — Eu sei que a primeira vez pode ser

dolorida, mas eu quero muito que se sinta bem.

Balanço a cabeça, me sentindo incapaz de falar alguma coisa sem

que minha voz saia tremida pela ansiedade.

— Eu preciso ir até meu quarto buscar camisinha — diz, e sinto falta

do calor do seu corpo quando ele se afasta para descer da cama.

— Não precisa — digo, segurando sua mão.

Ele me olha sem entender, e fico sem graça ao precisar explicar o

motivo.
— Na minha última gaveta — explico e aponto para a mesinha ao

lado da minha cama, esperando que ele vá até ela. Observo quando a abre, e

franze a testa quando tira de dentro, uma camisinha em um pacote

prateado. 

— Você já vinha planejando isso? — pergunta, sorrindo de lado,

subindo de volta para a cama.

Meu rosto queima de vergonha e concordo com a cabeça.

— Eu te disse que faz tempo que tomei essa decisão — declaro, e

mordo o lábio para controlar um pouco a timidez.

Mesmo que eu sinta um pouco de medo, estou feliz porque vai ser

com ele, como venho imaginando. Não precisa ser perfeito e sei que tem a
possibilidade de não ser, mas sei que será especial, e é isso que importa para

mim.

Vejo Lion tirar a camiseta, passando o tecido pela cabeça,

bagunçando um pouco os seus cabelos. Não sei se é possível, mas sinto meu

coração se acelerar ainda mais.

Eu levo minhas mãos para trás das costas e abro o fecho do sutiã,

passando as alças pelos braços e tento não me esconder quando jogo o

tecido para o lado, e os olhos de Lion param em meus seios.

Um gemido fraco, mas audível, sai pelos meus lábios quando Lion

segura um seio dando um aperto firme e prazeroso, antes de se abaixar e

beijá-lo, lambendo logo em seguida, ele faz a mesma coisa com o outro, me

deixando trêmula de excitação.


— Você é linda, ainda mais perfeita do que imaginei em meus

sonhos — seus elogios me aquecem por dentro e me emocionam. — Você

não faz ideia do quanto estou feliz por esse momento.

— Eu também — sorrio.

Nada me faz mais feliz que dar esse passo com alguém que eu amo,

com alguém por quem eu me apaixonei sem esforço nenhum, de forma

singela e especial, do jeitinho que era para acontecer.

Lion virou minha vida de ponta a cabeça quando surgiu nela, mas foi

algo bom. Ele me ensinou tanta coisa, me fez olhar mais para mim, a me

amar mais e priorizar meus sentimentos por ele.

E eu o amo!

E não sei como dizer isso a ele.


Suas mãos descem e param em cada lado da minha calcinha, levanto

um pouco o quadril para ajudar a tirá-la. Quando o tecido passa pelas

minhas coxas e pernas, sinto a expectativa, e também uma aflição.

Tenho vontade de vomitar de tanto nervoso, e mesmo que eu tente

acalmar meus ânimos, é difícil lutar contra a antecipação. Vejo Lion sair da

cama para tirar a calça de moletom, mantendo nossos olhares fixos. Assim

que eu vejo o moletom descendo junto com a sua boxer, minha respiração

trava quando meus olhos o encaram.

Ele abre o pacote da camisinha, e a desenrola pelo seu membro

ereto. Meu rosto arde quando Lion levanta a cabeça e me pega o encarando,

seu sorriso malicioso, me deixa ainda inquieta.

Com delicadeza, ele segura em cada lado da minha perna, as abrindo

para se colocar entre elas. O contato de pele com pele me faz suspirar e
quando o sinto na minha entrada, imediatamente fico tensa, meus músculos

endurecem e Lion percebe isso, pois segura meu rosto, me fazendo abrir os

olhos para focar nele.

— Tenta relaxar — pede, com doçura, acariciando meu rosto.

Ele me beija, e posso sentir pelo toque dos seus lábios que não é só

eu que estou ansiosa por esse momento. Lion está tentando não deixar

transparecer para não me deixar mais nervosa. Mas saber que também sente

a antecipação, me alivia.

A corrente fria em volta do seu pescoço toca a minha pele quente,

me arrepiando, enviando uma onda de desejo que me esquenta, e fico louca

de vontade de senti-lo, e quando Lion se posiciona, me perguntando com

seus olhos doces e intensos se tenho certeza, não há mais nada que eu

queira mais do que esse momento, quero isso tanto quanto Lion.
Um suspiro doloroso sai dos meus lábios assim que Lion começa a

me penetrar, eu grito de dor quando ele entra mais e automaticamente me

contraio, apertando seus ombros para extravasar um pouco da dor.

Ele para o movimento e beija meus lábios, tentando me fazer

esquecer um pouco da dor. Lion está ofegante, se controlando e sendo

paciente, me dando alguns momentos para me acostumar.

— É só agora, na próxima vez não vai sentir nada além do prazer —

sussurra, deixando beijinhos pelo meu rosto. — Você está sendo incrível,

linda.

Ele volta a se mexer, saindo e entrando devagar, ainda me beijando,

me tocando, a dor é levemente esquecida a cada investida, sendo substituída

pelo prazer, mas ele nunca deixa de sussurrar palavras doces, me elogiando,

me dizendo o quanto sou incrível.


Agarro os ombros de Lion com mais força, tento relaxar, me abrindo

mais para ele, passando uma das pernas pela sua cintura.

A dor ainda está lá, mas é uma dor para ser esquecida, enquanto o

prazer parece aumentar um pouco mais.

Lion ofega, e aumenta ainda mais os movimentos e eu mordo seu

lábio inferior, escutando seu gemido. Uma leve pressão surge dentro de

mim, se tornando algo gostoso e bom.

— Eu não consigo me segurar mais — sussurra, rouco pelo prazer e

excitação.

Lion goza, e escuto quando rosna, antes de sair de mim devagar, me

fazendo sentir vazio e alívio junto. Ele me abraça e beija, antes de se


levantar e ir até o meu banheiro. Fecho os olhos, sentindo um pouco de

desconforto, com medo de me mexer e sentir dor.

Sinto a cama afundar, e abro os olhos para encontrar Lion segurando

uma toalha molhada na mão. Ele já está usando a cueca novamente, os

cabelos desarrumados, e é a visão mais linda. Me sinto a garota mais

sortuda.

Lion afasta minhas pernas, e quando olho para baixo, vejo minhas

coxas sujas de sangue, e fecho os olhos para não morrer de vergonha.

O seu cuidado comigo é algo lindo, a forma delicada que ele me

limpa, seu carinho me aquece por dentro. Ele me ajuda a vestir a calcinha e

depois o shortinho e fico morrendo de vergonha, visto sozinha a blusa,

escutando sua risada.


— Vamos precisar tirar o lençol. Consegue se levantar? — pergunta,

e assinto, indo para o outro lado da cama para ele puxar o lençol branco.

Nem me preocupo com a mancha que ficará no tecido, por ora,

decido apenas aproveitar o momento com Lion. Ele vai até o banheiro para

levar a toalha e o lençol, quando volta se deita ao meu lado e nos embrulha,

me puxando para mais perto dele.

O filme foi totalmente esquecido, e tenho certeza que não teríamos

ânimo para terminar de assisti-lo depois de todas essas emoções.

— Obrigada por ter feito ser especial — agradeço, depositando um

beijo no seu peito, em cima do seu coração.

Deito em cima dele, escutando os batimentos do seu coração, me

acalentando a relaxar, com seus toques pelos meus braços. Estou tão
aconchegada junto dele, pronta para me perder de vez em bons sonhos,

quando escuto suas palavras.

— Eu te amo, Ariela. — Meu coração dá um salto no peito, e meus

olhos se abrem. Eu me sento na cama, para ver seu rosto. Sua expressão não

é de brincadeira.

— Você me ama? — pergunto, ainda sem acreditar que é recíproco o

que sinto por ele.

— Sim, eu te amo — repete, levantando a mão para tirar alguns fios

do meu cabelo, que atrapalham a minha visão. — E não é de agora, eu

tenho certeza que te amo desde a primeira vez que nos beijamos naquela

praia, eu só não sabia como dizer.


Mordo o lábio inferior, não conseguindo conter a minha felicidade.

Nossa noite está sendo especial, e essa confissão deixou tudo ainda mais

perfeito.

Ele se senta também, percebendo que estou sem reação, mas

continua falando.

— Eu amo tudo em você, amo quando morde o lábio quando está

nervosa, quando se perde nas aventuras de seus livros, esquecendo

completamente do mundo. Quando suas bochechas ficam vermelhas de

vergonha sempre que te elogio, quando me beija e me abraça, como é

inteligente e sempre tem uma resposta para tudo, até mesmo quando é para

me provocar.

Ele se aproxima, beijando a ponta do meu nariz e eu sorrio,

emocionada com suas palavras, com o seu sentimento... com o seu amor por
mim.

— Eu amo amar tudo em você, Ariela, e não me arrependo em

nenhum momento de estar com você.

Eu sinto meus olhos transbordarem as lágrimas, sorrindo eu o beijo,

quero mais que tudo na vida ter Lion para sempre ao meu lado, estou

disposta a passar por tudo para ficar com ele.

— Eu também te amo, e eu nem sei o instante em que me dei conta

disso, só sei que não quero perder você — digo.

— E você não vai, não se depender de mim.

Ele seca minhas lágrimas e me beija, meu coração está

transbordando de felicidade, estou tão extasiada com tudo, que não escuto o
barulho da porta do meu quarto sendo aberta, não me dando chance de me

preparar para o grito que veio logo em seguida.

O grito veio da minha mãe, que está parada no meio do quarto nos

olhando em choque, com as mãos trêmulas em frente a boca. Tudo o que eu

não queria era que minha noite tivesse esse final, com minha mãe

descobrindo tudo da pior maneira que existe.

 
 
Lion

A única frase que veio na minha cabeça ao olhar para Claudia parada

nos olhando surpresa, totalmente sem cor nenhuma no rosto, é que estamos

fodidos.

Ela nos olha sem acreditar, os olhos arregalados percebendo a

situação em que Ariela e eu estávamos, ela não é idiota.

— O que vocês fizeram? — grita, dando passos cambaleantes para

mais perto da cama, segurando a barriga redonda de sete meses. — Que


merda vocês fizeram?

Ela começa a gritar histérica, e escuto Ariela ofegar ao meu lado. Me

quebra quando eu vejo o medo estampado no seu rosto ao olhar para a mãe,

o desespero de não saber o que fazer.

— Mãe, eu posso explicar — pede, sua voz trêmula, chorosa.

Claudia segue em direção à filha, desequilibrada, puxa o edredom,

enquanto Ariela segura o mesmo impedindo que sua mãe a veja quase nua.

Aconteceu muito rápido, suas mãos já estavam como garras no braço de

Ariela, tentando puxá-la da cama, seus gritos sendo mais altos e histéricos.

Nem me dou conta, mas sou rápido ao pular da cama, segurando

suas mãos impedindo que ela machuque a minha garota. Claudia luta para
se soltar de mim, e quando consegue, eu sinto o tapa logo depois na minha

cara, o estalo alto, acompanhado da ardência.

O quarto fica em silêncio, e escuto o choro de Ariela. Olho para

Claudia, que me olha com fúria, e nem um pouco arrependida pelo que

acabou de fazer. Nunca achei que sentiria tanta raiva dela como sinto nesse

momento.

— Eu confiei em você, e agora eu te pego enfiado na cama da minha

filha — ela grita. — Que merda você falou com Ariela para a convencer a

ter algo com você?

— Mãe — Ari a chama, chorando muito, segurando o tecido do

edredom com força. — O Lion não me convenceu a nada, eu que quis...


— Cala a boca! — ela manda, nem se dirigindo o olhar para ela. —

Você não tem idade para querer nada.

— Tenho dezessete anos, sou mais do que capaz de fazer minhas

próprias escolhas — Ariela declara, enfrentando Claudia, e é a primeira vez

que presencio essa cena.

Claudia a olha sem acreditar no que está escutando, surpresa pela

filha ter a audácia de retrucá-la.

— Não essa escolha, não se deixando levar por isso... — fala,

fazendo um gesto para mim. — Vocês são irmãos.

Fico furioso com a menção das suas palavras e explodo.

— Não somos irmãos, porra — grito, e a vejo dar um passo para

trás. — E nunca seremos.


Estou cansado de ouvir essa mesma merda de frase, cansado de viver

uma vida de mentira, baseada pela aparência deles dois.

— A gente se ama, e queremos ficar juntos — confesso, e olho para

Ariela que ainda chora, mas seu olhar para a mãe é de pura aflição.

— Você não sabe de coisa alguma, não tem direito nenhum de querer

algo com ela, não está vendo o que causou?

Escutamos os passos, e a voz do meu pai se faz presente no quarto,

assim que ele entra.

— Que gritaria é essa? Dá para ouvir lá de baixo — Pedro pergunta

antes mesmo de presenciar a cena.

Estou em pé, somente de boxer ao lado de Ariela, que está deitada na

cama se embrulhando, chorando desesperada com Claudia à nossa frente,


furiosa.

— Que porra está acontecendo aqui? — ele inclina a cabeça, sua voz

fria, dá para sentir a raiva em seu tom. Ele se aproxima mais da cama.

— Encontrei seu filho na cama de Ariela — Claudia declara, ela

parece estar ainda mais pálida, tentando se manter em pé, e pela forma que

suas mãos estão segurando a barriga, está passando mal, mas é orgulhosa

demais para dizer. — Tenho certeza que fez a cabeça dela, Ariela nunca

faria isso por conta própria.

— Não é verdade, mãe — Ari diz, mas ninguém parece ouvi-la.

Meu pai está com o rosto vermelho pela fúria.

— Ariela e eu estamos juntos há um tempo, nos conhecemos bem

antes de vocês namorarem — confesso. — E não vamos nos afastar agora


que vocês sabem.

— Seu desgraçado — meu pai grita, avançando para cima de mim.

Ele me desfere um soco no rosto, e eu cambaleio para trás, batendo

na parede, não dá nem tempo de revidar, Pedro me empurra à força de novo,

o impacto tira meu fôlego. Meu pai pressiona o braço no meu pescoço, me

deixando sem ar, eu luto contra ele, aflito para me livrar dele.

— Seu filho da puta, está querendo acabar com a nossa família? —

pergunta.

Minha vista começa a escurecer, e continuo lutando contra ele. De

fundo, escuto os gritos de Ariela pedindo para Pedro parar.

— Vai matar ele, para com isso — exclama aos gritos.


A última coisa que eu vejo antes de fechar os olhos, é Ariela atrás do

meu pai, desferindo socos em suas costas para me soltar, e ele faz. Caio no

chão, tossindo, segurando a garganta, puxo o ar para dentro dos meus

pulmões. Ariela, ao meu lado, me olha preocupada, e tento olhá-la, e dizer

que está tudo bem, mas não consigo.

Nem preciso olhar para o meu pai para garantir que ele me olha com

ódio, louco para avançar em mim de novo. O lado do meu rosto dói, e

provavelmente vai ficar roxo, mas estou pouco me importando.

— Nada do que faça vai me fazer mudar de ideia — minha voz sai

rouca.

Vejo ele vir em minha direção novamente.

— Parem vocês dois — escuto a voz de Ariela. — Por favor.


Ela chora, seu rosto vermelho e inchado, e a situação só piora

quando escutamos um grito de dor de Claudia, que tenta se apoiar na cama,

mas suas pernas falham, e cai de joelhos no chão. Meu pai vai até ela, a

pegando a tempo de cair no chão e bater a cabeça.

Ela começa a chorar de dor, protegendo a barriga com as mãos.

— Mãe — escuto Ariela chamar e ir até ela, desesperada. — O que

está sentindo? Ela precisa ir para o hospital.

— Tá doendo muito — Claudia grita, se contorcendo pela dor. —

Não posso perder o bebê...

Meu pai a pega no colo com um pouco de dificuldade, e me levanto

sem saber como ajudar.


— Pedro, por favor, não me deixe perder o bebê — Claudia soluça,

implorando, enquanto suas mãos apertam os ombros do meu pai.

— Se arrume e peça para o Luís te levar para o hospital — meu pai

fala para Ariela. — E espero que estejam felizes com o que causaram.

Ele olha para mim, me dirigindo um olhar frio e irado, garantindo

que a nossa conversa ainda não terminou, e como vai foder com a minha

vida.

O vejo sair com Claudia no colo, e Ariela só não o segue porque

percebe que precisa se trocar. Ela fica agitada andando pelo quarto, indo até

seu closet para pegar uma roupa.

— Ari — a chamo, tentando fazer com que pare apenas um pouco.

— Ari, me escuta.
Seguro seus braços delicadamente, e quando levanta a cabeça para

me olhar, me dói vê-la tão mal e machucada. Seco seu rosto, me dando

conta que farei tudo o que for possível por ela, sem pensar duas vezes.

— A culpa é nossa — declara. — E se o bebê não resistir? E se a

minha mãe...

— Shii — peço, puxando-a para meus abraços. — Isso não vai

acontecer. Tome um banho e se vista, vou me arrumar e irei com você para

o hospital.

Beijo sua testa, e me afasto para olhá-la, que assente.

— Eu te amo, não esquece disso — digo e a beijo, saindo em

seguida do quarto.

Eu torço para que o pior tenha passado.


Lion

Sábado, 14 de setembro de 2013

Breno nasceu prematuro, em um estado delicado e crítico, e agora se

encontra na UTI Neonatal, em uma incubadora, respirando por ajuda de

aparelhos, lutando pela sua vida.

A casa parecia ter se tornado um velório. O silêncio que habitava

pelos cômodos nunca foi tão agoniante.


Claudia já havia recebido alta e já estava em casa, mas todo dia ela

estava no hospital por Breno. Ninguém tocou no assunto Ariela e eu, a

situação estava delicada e tensa demais para todos se preocuparem com

isso.

Mas tudo isso levou a um afastamento de Ariela, ela passa o tempo

vago com a mãe no hospital, e quando estávamos no colégio ela evitava me

encontrar, era como se tudo estivesse se repetindo.

A tela do meu celular acende no instante em que saio do banheiro

enxugando meus cabelos, com a toalha enrolada na cintura. O nome da

Ariela aparece, e abro a sua mensagem.

“Precisamos conversar.”
Ler sua mensagem me traz o gosto amargo do fim. Fico por um

tempo olhando a mensagem, retardando o sentimento de perder que começa

a tomar conta do meu peito, mesmo assim não levo muito tempo para me

vestir e andar até seu quarto.

Bato de leve na sua porta, e lembro que uns dias antes eu estava

aqui. E quando Ariela abre, me recordo ainda melhor da nossa primeira vez.

Dou alguns passos para dentro, fechando a porta em seguida e me virando

para ela.

Ari está de costas para mim, olhando através da janela, para a noite

escura lá fora. Enquanto lhe dou esse momento, passo meus olhos pela sua

cama, o edredom e os lençóis da cama não são os mesmos em que nos

amamos.

Não faria nada diferente se eu tivesse a oportunidade de voltar atrás.


— Eu não me arrependo da gente — digo, e a vejo se virar para ficar

de frente para mim.

— Eu também não me arrependo, só que agora ficou ainda mais

complicado. Não dá para seguirmos em frente, eu não queria isso. Já estava

planejando o que faríamos para ficar juntos, mas eu não consigo agora. —

declara, abaixando a cabeça, retorcendo os dedos, fugindo do meu olhar.

Sinto um aperto no peito ao ouvir suas palavras, uma raiva se

apossando em mim, porque mais uma vez ela está escolhendo nos deixar de

lado por outras pessoas.

— Minha mãe quase morreu, o bebê está no hospital e a nossa

família está abalada — ela continua falando. — Se minha mãe não tivesse

nos vistos aquela noite, nada disso estaria acontecendo. Eu não consigo

conviver com essa culpa.


Bufo, passando a mão nos meus cabelos, não acreditando no que

estou ouvindo.

— Não foi nossa culpa o que aconteceu com a sua mãe, ela já estava

com uma gravidez de risco — falo, indignado. — Não temos culpa de

termos nos apaixonado, Ariela, só aconteceu e bem antes dos nossos pais se

conhecerem.

— Eu sei, mas isso que aconteceu só nos mostra que nossa relação

não vai dar certo, você acha que eles aceitariam isso?

— Foda-se o que eles acham, nada mais me importaria além de você.

E nós não somos irmãos, não temos laço sanguíneo. Porra eu não sou nem

seu meio-irmão e só moramos juntos por causa deles. — retruco, me

aproximo dela, para poder fixar melhor meus olhos nos seus.
Ariela está alterada, nervosa, e eu tento entender suas inseguranças,

mas não entra na minha cabeça que mais uma vez ela vai abrir mão da

gente.

— E o que as pessoas diriam? Nossos nomes estariam na boca de

todo mundo, até mesmo os dos nossos pais, talvez até mesmo prejudicaria

os negócios — ela fala angustiada, passando a mão pelo rosto.

Seguro sua outra mão, a levando para se sentar na sua cama. Ao me

sentar ao seu lado, eu apoio os cotovelos nos joelhos e viro para olhá-la.

Ariela está arrasada com tudo, seus olhos me indicam que chorou a pouco

tempo, seu rosto abatido, e as leves olheiras me dizem o quanto não tem

dormido bem.

— Você vê um futuro para nós dois? — pergunta. — Acha que

podemos dar certo?


Entendo onde ela quer chegar, nossas vidas seriam um inferno com

nossos pais e todas as merdas das pessoas ao redor para apontar os erros. Eu

estaria disposto a passar por tudo, mas Ariela não é como eu, ela tem uma

vida toda planejada, sonhos para conquistar e se afeta muito com as

consequências dos atos e palavras de outras pessoas. Ela foi protegida a

vida toda, nunca precisou lidar sozinha com os julgamentos e ódio livre das

pessoas.

Eu não quero que ela seja prejudicada pelas nossas inconsequências,

mesmo com o amor que sentimos um pelo outro, seria o suficiente?

Estaríamos felizes?

— Eu não me arrependo da gente — repito o que eu disse

anteriormente. — Porém, você está certa, talvez não haja um futuro para

nós.
Ela respira fundo, secando as lágrimas das suas bochechas.

— Eu queria muito que as coisas entre nós fossem diferentes.

Eu a puxo para meus braços, sua cabeça encostada no meu peito, e

eu a aperto, deixando beijos em seus cabelos. Ela se acalma depois de

algum tempo, e percebo que ela se encontra sonolenta. A pego no colo,

dando a volta na cama para a deitar nela, depois de embrulhá-la, me agacho

na sua frente, velando seu sono.

Como eu poderia viver longe dela? Esquecer o que passamos?

Ignorar o amor que sinto por ela?

Me pego imaginando tantas coisas para nós dois, os planos que

fizemos e o fim que agora eles tomaram. Devo ter ficado por vários minutos

a olhando, me preparando para me afastar.


Me levanto deixando um beijo em sua testa e apago as luzes antes de

sair do quarto.

Mas nada me prepara ao encontrar meu pai parado em frente à porta

do quarto, encostado na parede, me olhando com ódio.

— Eu sabia que ia te encontrar aqui — diz, e avança, mas dessa vez

estou preparado e o empurro para longe de mim.

— Vai querer causar outra discussão? — debocho. — Sua esposa

deve estar dormindo agora, quer acordá-la também?

Meu pai rosna.

— Não me provoque, Lion, sou capaz de acabar com você.

Sorrio.
— Sempre com suas ameaças, você não cansa de ser um pai de

merda? — declaro. — Pelo menos uma vez na vida, deixou de se importar

apenas com você e parou para me olhar? Saber das coisas que eu estava

sentindo?

— Não seja um bebê chorão, fui eu que te dei tudo o que tem hoje e

não reclamou — discursa, cheio de si, arrogante filho da puta.

— Tem razão, nunca reclamei, por isso que as únicas pessoas que

realmente se importaram comigo foram Gustavo e Elena, porque de pai

você só tem o nome e o dinheiro.

Pedro levanta a mão para me socar, e desvio, o empurrando contra a

parede. Meu rosto ainda carrega uma marca roxa pelo soco que ganhei dele,

e nunca mais deixarei ele encostar a mão em mim novamente.


Com certeza ele não esperava essa minha reação.

— Você vai estragar essa família, seu moleque — ele cospe as

palavras.

— Não, você que vai — o pressiono mais uma vez contra a parede

antes de soltá-lo. — Espero que pelo menos não seja uma merda de pai para

o Breno, ainda tem chance de mudar suas atitudes, já que continua jogando

a porra do seu comando em mim.

Pedro ignora o que eu disse, e arruma o colarinho da sua camisa

social, seus olhos vidrados em mim, furioso. Não duvidaria se ele tentasse

me prejudicar de alguma forma como castigo.

— Quero você longe da Ariela, a partir de hoje, nada mais de

contato com ela, não é para falar com ela, já basta o que vocês dois
causaram — ordena. — Senão, vou tirar tudo o que você tem, Lion, e você

sabe que não estou brincando.

Dou risada.

— Faça o quiser — dou de ombros. — Se esse é o problema, não se

preocupe, eu e a Ariela não estamos mais juntos, pode avisar para a

mãezinha perfeita dela.

Finalizo o que eu tenho para dizer ao meu pai e vou embora para o

meu quarto.

Me arrependo de ter concordado com Ariela sobre terminarmos.


Jogo o celular longe, que acerta a parede do outro lado do quarto.

Ela não me responde mais as mensagens, e agora deve ter me bloqueado.

Ignorou meu pedido de ficarmos uma última vez.

E com isso, tenho a certeza que ela não quer ter nada a ver comigo,

que não vai voltar atrás, e vai me esquecer. Eu odeio o fato dela ser decidida

e centrada.

Então não bastava de sentimentalismos para mim, não vou ficar

correndo atrás dela, vou seguir em frente também e esquecer que esse

sentimento por Ariela existiu, que tivemos momentos incríveis juntos. O

novo Lion nunca mais vai se apegar a mulher nenhuma.

Ariela agora é a filha da nova mulher do meu pai, a meia-irmã do

meu meio-irmão, e nada mais que isso.


Lion

Sexta-feira, 15 de novembro de 2013

Clube dos cretinos!

O próprio nome soa como algo perigoso e safado. Perfeito nome

para nos representar de agora em diante, com a promessa de sem se

apaixonar, sem se apegar a nenhuma mulher. Rendidos apenas a curtir a

vida como cretinos que nos tornamos.


A festa que estava rolando em comemoração aos dezenove anos de

Artho se tornou um caos no momento em que Eros encontrou sua namorada

o traindo com um carinha do colégio. Depois dessa cena, só lembro de

precisar segurá-lo junto com Artho para impedir que Eros quebrasse ainda

mais a cara do infeliz.

Até eu queria poder fazer isso, estava com ódio de como a minha

vida se tornou um inferno desde que Pedro e Claudia descobriram sobre

Ariela e eu estarmos nos pegando debaixo do nariz deles.

Estamos sentados ao redor da fogueira que os gêmeos acenderam, e

todos em silêncio, observando o crepitar do fogo com a lenha.

— E o que realmente aconteceu entre vocês dois? — Dimitri

pergunta ao meu lado depois que os meninos começam a conversar sobre

algum detalhe que aconteceu durante a festa.


Nego a cabeça, não querendo entrar nesse assunto, durante a

promessa do clube dos cretinos, havíamos prometido que não tocaríamos no

nome de Ariela, Giulia, e muito menos de Lívia, ex-namorada de Eros.

Estamos os três no poço, bem no fundo, entulhados de mágoas e ira.

Olha para o meu amigo, feliz por tê-lo de volta depois dos

miseráveis meses que ele passou no Case. Ter a sua bunda mal-humorada

de volta tem feito toda a diferença. Estamos completos de novo, os seis

contra o mundo, como sempre foi desde pequenos.

Infelizmente essa ausência dele o fez perder muita coisa das nossas

vidas, até mesmo a Giulia. E eu sei como as coisas lá dentro mexeram com

a cabeça dele, a ponto de ele não querer comentar sobre isso com ninguém.
— Entramos em um consenso de que o melhor era terminarmos o

que estava rolando entre nós — comento, abaixando a guarda. Se for para

falar com alguém sobre esse assunto, que seja com ele, e depois quero

deixar totalmente para trás.

Precisei resumir tudo o que havia rolado entre mim e Ariela depois

que ele foi para o Case, incluindo até mesmo meu pai e Claudia no assunto

e todo o inferno que foi.

— E se eu te conheço, você voltou atrás logo depois? — pergunta,

achando graça.

— No dia seguinte mesmo eu quis voltar atrás com a minha decisão

— confesso. — Mas ela não quis, ignorou minhas mensagens de ficar pelo

menos uma última vez.


O gosto amargo da rejeição ainda bate na minha boca. A família

Bianco havia voltado ao normal, como se nada tivesse abalado as estruturas

ocas dela algum dia, a atenção de todos está voltada para Breno, que

recebeu alta e agora está em casa.

Meu pai me ignora, Claudia não olha na minha cara e Ariela... Bom,

a gente finge que não existimos um para o outro, e é melhor assim, mesmo

que ainda continue me machucando e o meu amor por ela acabe se tornando

algo azedo e amargurado.

— Cara, a gente sabe que isso não funciona — responde. — O

melhor é esquecer tudo isso que aconteceu entre vocês dois.

— Não é exatamente isso que acabamos de prometer? — indago. —

Não vamos mais tocar no nome delas.


E não se apaixonar novamente, se dependesse de mim, nunca mais

entregaria meu coração para ninguém. De agora em diante iria foder, beber

e curtir.

— O que vocês tanto fuxicam? Por que não jogam na rodinha? —

Natan pergunta, virando o gargalo da garrafa de cerveja na boca.

Levanto o dedo do meio para ele, o escutando gargalhar.

É só disso que preciso, dos meus amigos, bebidas e nosso clube pela

cidade.
Lion 

Quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

Eu senti como se a dor dilacerasse todo o meu peito sem dó, sem

piedade, me deixando abalado caído no chão depois de receber a notícia da

morte das únicas pessoas que considerei meus pais durante toda a minha

vida.

Gustavo e Elena eram o único ponto seguro e forte que eu sabia que

poderia contar quando eu precisasse correr para eles.


Tudo parecia estar desabando nesse momento, meu peito doía, é

como se tivesse um peso em cima de mim me impedindo de respirar,

abrindo um buraco por dentro, tirando de mim uma parte dos dois.

Como a vida poderia tirar pessoas boas dessa terra e deixar aquelas

cruéis, sem propósito na vida a não ser fazer o mal?

Gustavo e Elena não mereciam isso, eram as melhores pessoas, ainda

tinham tanto para viver, tinham que realizar o sonho de verem o Eros se

formando, construindo a vida.

Eles queriam tanto nos ver sermos alguém na vida, se encherem de

orgulho. Não consigo nem imaginar como meus amigos estão se sentindo,

principalmente o Eros, filho deles, perdendo os pais de forma cruel.


Estávamos todos felizes, tínhamos acabado de receber os resultados

do vestibular da UFBG, eu havia acabado de ser aprovado no segundo

semestre de Ciências Contábeis, tudo o que eu mais queria, indo contra os

desejos do meu pai, para me priorizar.

Não consigo me colocar de pé sem que eu desabe e chore de novo.

Meu corpo está trêmulo quando eu ando até o banheiro, ligando o

chuveiro e me enfiando dentro dele com roupa e tudo, não conseguindo

travar o choro quando ele vem.

Me arrumei às pressas, só conseguindo pensar em Eros e o quanto

ele precisava de apoio nesse momento. Com os cabelos ainda molhados,

desci as escadas de casa, vestindo algo qualquer sem muita importância.


No final dos degraus, me deparo com meu pai me analisando, ele já

sabe das notícias, provavelmente toda a cidade sabe, os jornais não param

de atualizar as informações.

— Eu soube — diz, assim que eu paro na sua frente. Não digo nada,

apenas assinto. — Como ficarão as coisas agora que os Giordano

morreram?

— Está de brincadeira? — pergunto de forma sarcástica e furiosa. —

Nem mesmo em um momento delicado, você não para de pensar na porra

dos negócios?

Não espero por uma resposta dele, passo ao seu lado, indo em

direção à porta, avisando a ele onde eu estaria e que não precisasse perder o

tempo dele me ligando.


Já que fez isso todas as vezes desde que Dimitri voltou, me exigindo

ficar longe do “assassino do pai”. Foda-se ele e suas ordens, já não as sigo

faz tempo.

Antes de chegar à porta, Ariela apareceu, saindo da porta da sala de

estar, seus olhos tristes pousaram em mim, e tenho certeza que ela estava

buscando saber se estava bem com a morte do Gustavo e Elena.

Paro, ainda sem saber o porquê fiz isso, a última coisa neste

momento era querer estar perto dela e ter minha mente traidora lembrando

da gente.

— Eu sinto muito — sussurra, sem saber como reagir direito.

Dou um passo atrás quando ela faz menção em me abraçar, a

deixando sem graça pela rejeição. Não poderia permitir isso, eu sei que se a
abraçasse agora, não iria querer nunca mais que me largasse, eu desabaria,

vulnerável, encontrando nela o conforto com a perda dos Giordano, e não

posso fraquejar agora.

Estou indo bem demais sem Ariela fazendo parte da minha vida.

Aquiesço em agradecimento, e me viro para ir embora, fingindo não

ter visto a mágoa em seus olhos, me recordando que fizemos a escolha

certa.

Alguma coisa se quebrou entre nós desde a morte do Gustavo e

Elena, percebi que nossa amizade não é mais a mesma, nos tornamos mais

receosos em nos abrir.


Os dias passaram tão rápidos, a dor da morte dos Giordano já não era

mais tão presente, mas a saudade estava ali, batendo toda a hora, tudo na

casa lembrava a eles.

Eros se tornou ainda mais insuportável, e eu sabia que ele estava

lidando com muitas mudanças ultimamente. Havia se tornado herdeiro do

Grupo Editorial Giordano da noite para o dia, sem tê-lo dado tempo para

lidar com isso.

Miguel preferiu estar mais presente para ele, o auxiliando a tudo o

que precisasse, agora que Eros precisa estar à frente dos negócios.

Olho para a placa com o nome “Clube dos Cretinos” em letras

garrafais, pendurada no hall de entrada da casa do Eros, que agora é nossa

casa. Todos nós nos mudamos para cá.


Fazer essa placa foi uma loucura. Dimitri e eu fomos até sua antiga

casa, que agora não é mais dele, pertence à traidora da Telma, e pegamos

algumas ferramentas para personalizar a placa, que ficou bem maneira.

A mudança para a casa do Eros caiu como uma luva para todos nós.

Eros estava ficando sozinho e não queríamos que nosso amigo chegasse ao

ponto de se fechar ainda mais, e seria bom termos uns aos outros por perto.

Os gêmeos eram uma parte complicada, algo que envolvia seu pai, e

Natan já estava a ponto de explodir a qualquer momento. Artho estava

tendo problemas com a mãe. Dimitri já estava morando aqui antes.

E eu vi uma oportunidade perfeita para ficar longe do meu pai e

nossos desentendimentos, não conseguimos mais ficar no mesmo ambiente

sem que brigássemos, e foi em uma dessas brigas, que descobri que na noite

da nossa festa de comemoração, por termos passado no vestibular, foi ele


que ligou para a delegacia nos denunciando, e não os vizinhos como

achávamos.

Foi a gota d'água para nós dois, o desentendimento foi extremo ao

ponto de Claudia e Ariela se meterem com medo do dano maior.

O fato de ele ter encontrado maconha nas minhas coisas no dia da

festa, fez com que achasse que foi Dimitri que arrumou para mim e era o

motivo de eu estar diferente, como se eu precisasse do Dimitri para tomar

as decisões da minha vida.

O próprio Pedro Bianco se tornou o principal motivo pelas minhas

escolhas.

— Ficou irado — Natan aparece ao meu lado, olhando para a placa

pendurada no alto. — Agora podemos considerar a casa como a sede do


Clube dos Cretinos.

Dou risada, passando o braço pelos seus ombros, concordando com

ele. Agora, a verdadeira festa iria começar e estávamos loucos para essa

nova fase, com o nosso lema de nunca nos apaixonarmos.


Algo sobre você

É como um vício

Me acerte com o seu melhor tiro, querida

(Certain Things – James Arthur)

 
Ariela

Terça-feira, 4 de julho de 2017

Enquanto escuto Giulia falar que está voltando para Bento

Gonçalves para cuidar da sua mãe, que se acidentou recentemente. Ela me

traz à tona toda a nostalgia de anos atrás.

Giulia com Dimitri. Eu e Lion. E seus amigos.


Consigo sentir o cheiro da brisa, do mar, a areia sob meus pés,

aproveitando as nossas férias em Florianópolis. Meu primeiro beijo dentro

do mar com Lion, a forma que senti as borboletas no estômago, minha

paixão por ele florescendo.

Nossos encontros escondidos, as aventuras que fazíamos juntos.

Beijos trocados no parque de diversão, beijos trocados no cinema, nossa

primeira vez.

A lembrança me faz recordar aquele sentimento gostoso de todos

juntos, muitas risadas felizes.

Senti muita falta do Lion, acima de tudo éramos amigos, Lion era

meu confidente, mas até isso se perdeu.


— Ariela, está por aí? — escuto Giulia me chamar do outro lado da

linha, me acordando dos devaneios.

— Estou sim, estava te escutando — respondo.

Me deito na cama, e olho ao redor do meu quarto, que fica no último

andar do edifício universitário. Me mudei para cá no meu primeiro

semestre, assim que comecei a cursar Relações Internacionais.

— Não pareceu — contradiz.

— Já tem ideia de quando vem? — ignoro seu comentário, não

quero contar a ela o que sua vinda para cá me traz nostalgia do que vivemos

anos atrás.

— O mais rápido possível, minha mãe precisa de mim, e não a quero

deixar sozinha por muito tempo — ela diz e concordo.


Ainda mais a tia Tati ficando na mesma casa que Donato. Morre todo

mundo, mas aquele verme ainda fica vivo infernizando a vida dos outros.

— Vou precisar desligar, te mantenho em contato sobre minha ida.

— Ok, beijos, amiga — ela finaliza a ligação.

Mordo a ponta do meu dedão procurando o contato dele, o seu nome

é o primeiro da agenda da inicial da letra L. Faz tanto tempo que não escuto

a sua voz, que não tenho noção de como deve estar agora. Nunca mais nos

falamos depois que ele foi embora da nossa casa.

Lion Bianco é agora um cretino.

Ele mudou, é o oposto do garoto fofo e romântico que conheci na

adolescência. Fica com geral, vive em festas e bebendo. Nunca mais se

apegou a ninguém. Se tornou assim como os meninos do Clube dos


Cretinos e é literalmente isso, não tem uma mulher que não fale deles pelo

campus.

Lion já estava no seu quarto ano da universidade, cursando Ciências

Contábeis, é claro que durante todos os seus anos, uma fama o persegue.

Não me demoro muito pensando, clico em seu nome e quando

depois de dois toques, a tela me mostra que Lion aceitou a ligação, meu

coração dá um pulo no peito.

Coloco o celular na orelha a tempo de escutar o seu “alô” com sua

voz rouca e sexy. Como eu consegui ficar tanto tempo sem falar com ele?

— Lion — digo seu nome, se ele soubesse que, com apenas uma

palavra, já estou quente por ele. Isso só me faz pensar como seria se nos

encontrássemos pessoalmente.
Ele estava muito gostoso, tirei essa conclusão o vendo somente a

distância, de perto deve ser bem melhor.

— Estava esperando por essa ligação há anos. — Escuto sua

confissão, direto sem enrolação, me pegando desprevenida. A forma que ele

pronuncia as palavras me dá a certeza de uma cotação de segundas

intenções. — E a que devo a honra dela?

Mordo o lábio, me remexendo na cama como se estivesse

visualizando Lion parado na minha frente, quente como o inferno, sem

camisa, me mostrando suas tatuagens feitas no seu primeiro ano de rebeldia

longe de casa.

— Precisamos conversar — solto.


— Já não estamos conversando? — sua risada sai mais acentuada

pela rouquidão na sua voz.

Reviro os olhos e deixo de lado a sua provocação.

— Precisa ser pessoalmente, podemos nos encontrar?

Fica silencioso do outro lado da linha, e temo que Lion esteja

pensando muito se deve aceitar o meu pedido.

Vamos, Lion, você nunca foi de pensar muito, só agir.

— Preciso falar com você também — declara, misterioso, me

deixando curiosa, estou pronta para perguntar do que se trata, mas ele corta

a minha intenção. — Vou precisar desligar, mas eu te mando uma

mensagem com o endereço, o dia e a hora.


— Ok.

— Carpe Noctem, Ariela — se despede de mim, falando cada

palavra espaçada uma da outra, e no final delas eu sinto um sorriso

malicioso do outro lado.

Suspiro.

Diferente da primeira vez que Lion disse essas mesmas palavras para

mim na biblioteca na nossa casa, elas soam diferentes dessa vez, e o

“aproveite a noite” que ele sugere não é nada inocente e singelo.


Lion

Que porra está acontecendo com o dia de hoje? Só pode ser alguma

piada do universo querendo me desestabilizar justo agora que estou bem.

Depois de anos.

A ligação de Ariela é a segunda aparição do meu passado hoje e não

quero ter que lidar com nenhum dos dois, mas não é assim que funciona.

Eu posso até ignorar a primeira pessoa que quer fazer parte da minha

vida, mas não Ariela, ela sempre vai ter o poder de me ter nas mãos dela
quando me ligar, assim como fez agora.

Sua ligação mexeu comigo no momento em que vi seu nome na tela

do meu celular, enquanto ele vibrava. Fui sincero com ela quando disse que

estava esperando que me ligasse, mas nunca achei que esse momento

chegaria.

Sexta-feira, 6 de julho de 2017

Passei os dias pensando nas duas ligações que recebi, não contei a

nenhum dos meus amigos sobre elas. Decidi que o melhor seria guardar

para mim, avaliando se realmente era o certo encontrar Ariela depois de

tudo o que aconteceu.

Havia marcado de encontrá-la hoje no sítio dos Giordano, longe da

cidade e de olhares curiosos e línguas fofoqueiras, escondidos até mesmo


dos meus amigos.

Mas ainda não decidi se devo ir até ela. Olho o relógio, falta menos

de meia hora para a hora combinada.

— Quem topa sair comigo hoje? — sugiro, assim que entro na sala

onde encontro apenas Artho e Eros sentados nos sofás.

Darth Vader, o nosso rottweiler, que está deitado ao lado do piano,

levanta a cabeça para me olhar, e abaixa novamente, nem um pouco a fim

de interagir comigo.

— Não vou poder — Artho responde. — Estou indo agora buscar

Ayla para ficar comigo.

Ele se levanta, dando tapinhas nas minhas costas.


— Mas chama o Eros, ele vai amar sair com você hoje — Artho

sugere, rindo. — Está emburrado o dia todo.

— Vai se foder — Eros xinga o amigo, levantando o dedo do meio

para ele, que sai da sala ainda rindo.

— Dá um beijo na Batatinha por mim — grito para Artho, não tendo

a certeza que ele ouviu.

Ayla é literalmente a alegria dessa casa quando passa o fim de

semana aqui. Nossos momentos preferidos eram o tempo que estávamos

com ela ao mesmo tempo que infernizávamos Artho por causa dela.

Ayla é a garotinha de dois anos mais inteligente e linda que existe.

Assim como Breno, que está com seus quatro anos, meu irmão tem crescido

bem e saudável, e sempre que eu posso, o busco para passar o dia comigo,
tento sempre estar presente na vida dele, e quando não conseguimos nos ver

com frequência, ligamos um para o outro.

— Eros? — Me viro para meu outro amigo. — Topa sair comigo? —

levanto minhas sobrancelhas, brincando divertido.

— Não, eu também tenho um compromisso. — Se levanta, passando

por mim, para ir embora.

— Pelo jeito, todo mundo arrumou algo para fazer em uma sexta à

noite, menos eu.

— O que é de se estranhar, você é sempre um dos primeiros a nem

estar em casa a essa hora — me lembra. — O que aconteceu?

Dou de ombros, jogando para debaixo do tapete mentalmente o

motivo de eu não ter aceitado nenhum convite para o dia de hoje, que foram
muitos, por sinal.

— Fui.

Olho para o relógio de pulso, vendo que só tenho mais vinte

minutos, e tudo parece estar cooperando a favor para que eu encontre Ariela

essa noite. Marquei de sair com uma garota hoje, mas ela desmarcou de

última hora, meus amigos têm os compromissos deles.

Precisaria de apenas uma desculpa para não comparecer ao sítio,

uma que eu pudesse adiar mais meu encontro com Ariela, mas vejo que não

tenho essa chance.

Subo na minha Ducati preta, e coloco o capacete. A adrenalina com

a velocidade que é estar em cima dela, não ajuda a aliviar o nervosismo que

estou sentindo para ver Ariela.


Gasto menos de quinze minutos até a casa do sítio, deixo a porteira

aberta quando passo e desço pelo caminho de cascalho até a casa, para que

Ariela não precise descer para abrir.

Tiro o capacete, colocando em cima do tanque da moto, e passo as

mãos nos cabelos para ajeitá-los.

A única coisa que não mudou nesses anos foi meu corte de cabelo.

Porém já não faço mais descoloração, o deixando com a cor natural de

castanho claro.

Resolvo ir abrindo a casa e esperá-la lá dentro, queria ver se assim

como eu, ela daria as caras por aqui. A primeira coisa que faço quando

entro na casa é acender a lareira, deixo as luzes baixas e busco um vinho na

geladeira e duas taças, me sentando no sofá, que me dá a visão da porta de

entrada.
Bebo do vinho, olhando para o relógio, constatando que havia

passado meia hora e que Ariela não ia mais vir, eu me levanto para ir

embora, irritado por ter deixado ela brincar comigo, a porta se abre e seu

perfume chega primeiro em mim.

Ela ainda usa a mesma fragrância, vejo que isso não mudou nela, já

não posso dizer que vejo a garota tímida que ficava vermelha todas as vezes

que eu a elogiava. Se tornou um mulherão de me tirar o fôlego, audaciosa e

decidida.

Assim como minha fama rola à solta pelos ouvidos do campus, a de

Ariela também não é diferente.

Ao passar pela entrada da sala, eu a vejo. Puta que pariu, como ela

está linda. Parece que tudo fica em câmera lenta, seu queixo empinado, seus

olhos focando em mim.


Eu sinto, como sempre senti quando estávamos no mesmo ambiente

que ela, a eletricidade passar pelo meu corpo. Travo a mandíbula, quando

meus olhos descem dos seus e focam em sua boca, desenhado por um

batom vermelho, me chamando como ímã.

Ela usa uma calça jeans, que aperta bem seu corpo, acentuando suas

curvas, com uma blusa ciganinha da cor amarela, mostrando a sua barriga.

— Eu achei que tivesse desistido — falo, assim que a porta se fecha,

e Ariela anda até mim como se ela fosse a dona da porra toda.

— E perder essa cara que você está fazendo agora depois de me ver?

Jamais. — Ela faz um barulhinho com a boca, parando na minha frente.

Ariela pega a taça de vinho das minhas mãos e a vira de uma só vez

na boca.
— Você mudou — digo, fixando bem meus olhos nos dela.

Neste momento, seus olhos parecem estar em um azul mais intenso,

provocadores e cheios de luxúria.

— E foi para melhor — ela responde, jogando a taça vazia para o

lado, colando seu corpo no meu. — E você também mudou.

Ela levanta a mão, subindo pelo meu peito, e descendo, fazendo o

mesmo algumas vezes, me provocando, causando reações no meu pau, meu

sangue circulando mais rápido.

A nossa atração continua a mesma coisa, o desejo de estarmos

juntos, misturado com lascívia.

— Não prossiga com isso, se não é o que realmente você quer,

Ariela — aviso, segurando sua mão.


— Quem disse que eu não quero? — Ela sobe sua outra mão para

minha nuca e me beija, do mesmo jeito que me lembro, abalando todas as

minhas estruturas e poder sobre mim mesmo.

A puxo pela cintura, grudando mais os nossos corpos, apertando sua

bunda e coxa para que ela envolva suas pernas ao meu redor. Mordo seu

lábio inferior, a escutando gemer deliciosamente.

— Não tem mais volta, Ariela, quer mesmo continuar com isso? —

ofego, tentando ser um cavalheiro ao perguntar mais uma vez, mas me

sentindo um cretino ao torcer que seja esse o desejo dela.

De continuar e me dar a chance de mais uma vez tê-la nos meus

braços, tudo no sigilo, sem ninguém para ficar sabendo.


— Quero, e quero que seja bruto, que me faça gritar seu nome

diversas vezes enquanto eu gozo no seu pau.

— Porra, mulher, vamos para o inferno desse jeito.

A beijo de novo, tentando, às cegas, passar pelo corredor para chegar

até as escadas, e subi-las, sendo forte para não foder ela nas escadas,

enquanto ela me arranha todo como uma gata manhosa.

Vou direto para o quarto que eu tenho na casa, chutando a porta, me

preocupando apenas em acender a luz, antes de nos jogarmos na cama. Eu a

largo apenas para passar a camisa pelo meu pescoço, abrindo o cinto da

calça, sentindo as unhas de Ariela pelas minhas tatuagens.

Abro a sua calça, sem tempo para conversas, e a puxo para baixo,

tirando os seus saltos, sua blusinha vai para longe também. Eu a pego,
colocando-a mais para o meio da cama.

Com a ansiedade que estávamos, não tínhamos muito tempo para

preliminares, mas eu precisava tocar Ariela, sem saber se essa seria nossa

última vez.

Lambo seus seios, mordendo o bico rosado e durinho pela excitação,

escutando seus gemidos baixinhos. Puxo sua calcinha rosa pelas suas

pernas, inalando seu cheiro, antes de me abaixar e abrir suas pernas para

chupá-la.

Ariela grita quando chupo seu clitóris, lambendo em seguida para

depois pressioná-lo com o meu polegar, massageando seu ponto de prazer.

Ela fica mole na cama, puxando meus cabelos, pedindo por mais, e eu dou

tudo o que ela precisa.


Faço todo um caminho desde a sua entrada até seu ponto sendo

massageado. Uso meu dedo para brincar um pouco mais com sua entrada,

entrando e saindo, dolorosamente devagar.

Nesse momento estou tão duro que não aguento esperar muito.

Preciso tê-la, senti-la por dentro, entrar duro e fazê-la gritar meu nome

enquanto goza gostoso pra mim.

Eu a faço gozar, e espero ela recuperar enquanto eu vou tirando

minha calça e pegando a camisinha no meu bolso para descê-la no meu pau.

— Quero que monte em mim — digo em seu ouvido, mordendo sua

orelha antes de lambê-la, passando a língua por seu rosto até chegar na sua

boca. — Que realize meu sonho de ter você por cima como a porra de

mulher poderosa que é.


Seus cabelos loiros e desarrumados caem como cascata pelas suas

costas assim que eu a ajudo a se levantar e me deito para ela fazer o que

tanto anseio.

Ela senta em minhas coxas, passando a mão pelo meu pau, me

masturbando antes de se inclinar um pouco e posicionar a minha cabeça na

sua entrada apertada.

Ela geme quando começa a se sentar, recebendo todo meu tamanho

dentro dela, e eu urro de prazer, apertando cada lado da sua cintura, doido

para que comece a se mexer para eu poder estocar fundo nela.

— Assim? — ela pergunta, se mexendo devagar, me provocando,

indo para frente e para trás, rebolando sensualmente.

— Mais, amor, bem mais.


Ela lambe os lábios, e aumenta os movimentos, e vou de encontro a

ela, batendo fundo e forte no seu ponto. Ariela é a deusa do meu mundo, e

não sei como deixar de adorá-la.

Seus braços estão levantados segurando os cabelos suados. Com seus

olhos fechados, a boca levemente aberta recebendo o prazer. Eu a puxo para

baixo beijando sua boca, minha língua dançando com a dela algo sensual.

Eu sinto seu corpo tremer, mostrando o quanto está perto, assim

como eu, e aprofundo mais as investidas. Ela choraminga quando as

estocadas começam a ser mais duras e seu orgasmo vem. Eu escuto meu

nome ser gritado por ela, e eu venho em seguida, não consigo segurar por

mais um segundo.

Embalo ela em meus braços e a beijo, passando minhas mãos pelo

seu rosto, não esperava que nossa noite fosse acabar assim. Ariela levanta a
cabeça e me olha nos olhos, dentro deles consigo encontrar o mesmo

sentimento que via há alguns anos quando estávamos juntos.

A gente ainda se gosta.

— O que significa essa tatuagem? — pergunta, passando a mão pela

tatuagem por cima do meu peito do lado esquerdo.

— É uma data — respondo.

Ela não seria capaz de lembrar ou seria?

Na minha pele está marcada a data do nosso primeiro beijo, dia três

de janeiro de dois mil e onze. Nunca esqueci aquele dia e nunca esqueceria.

— Eu sei que é uma data, mas eu quero saber o que ela significa para

você — Ariela desenha os traços em números romanos.


— Um momento que se foi e talvez não volte mais.

Ela franze a testa, e depois de alguns segundos se levanta de cima de

mim, ela não estava magoada pela minha resposta, só estava refletindo

sobre o que ela significava.

Ainda poderíamos ter mais uma chance?

A observo procurar suas roupas para se vestir, e fico confuso, me

sentando na cama para pegar minha boxer e calça.

— Você me ligou — digo, puxando o assunto que iniciou todo esse

encontro.

Ela se vira para mim, fechando a calça jeans, seus peitos ainda

desnudos e empinados, seria querer demais que ela voltasse para a cama de
novo, e eu pudesse matar a saudade de uma forma mais lenta e demorada

que levasse a noite toda?

— Giulia está voltando para Bento Gonçalves — fala, e eu franzo a

testa sem entender o motivo de ela estar me contando isso. — Eu queria

contar sobre isso a alguém, e foi você. — Dá de ombros.

Começo a entender que somos somente nós dois que entendemos o

que isso significa, a volta de Giulia para a cidade vai mexer com Dimitri. E

ela estar me contando isso revela que ela só confia em mim para tal.

— Acha que as coisas podem mudar com a volta dela?

— Não sei — ela responde, se sentando na cama agora totalmente

vestida. — Mas sabe o que é engraçado? Sinto que a volta dela me traz toda

uma nostalgia do que vivemos lá atrás.


Assinto, sentindo a mesma coisa.

— E você tem medo de que isso se repita? — pergunto. — Que

todos nós nos envolvamos de novo?

Ela não me responde, e uso a deixa para contar a ela o que ainda não

contei a ninguém, nem aos meus amigos.

— Minha mãe está na cidade — solto, e vejo quando Ariela expressa

surpresa. — Me ligou na mesma noite que recebi sua ligação, querendo me

encontrar.

Só de lembrar da voz dela, começo a ficar indignado pela sua

ousadia. Depois de anos, abandonado por ela sem saber o que era sentir

amor de mãe além de Elena.


— Como? — indaga em choque, assim como eu fiquei, sem

acreditar achando que era um trote.

— Eu não sei. Ela está hospedada em um hotel no centro da cidade,

porém não vou encontrar com ela, seja lá o que ela quer me dizer, que volte

de onde veio, fazendo a mesma coisa que fez anos atrás, esquecendo da

minha existência.

Ariela fica em silêncio, e sei por essa reação que ela não aceita que

eu faça isso, mas não tem o direito de opinar em nada.

Mas mesmo assim o faz.

— Acha que essa é uma decisão certa?

— Sim — respondo. — Não a quero na minha vida, assim como ela

não me quis na dela.


Ariela

Segunda-feira, 10 de julho de 2017

Não quis contar ao Lion que eu estava indo me encontrar com a mãe

dele, ele não precisaria saber que a mulher que ele tanto sente mágoa é uma

verdadeira desgraçada como contaram para ele.

Mas e se ela não for, e se o que ela quer conversar com ele for algo

que fará diferença na forma que ele vê a mãe?


Eu só descobriria se fosse até lá, olhando nos olhos dela, pedindo

para contar a verdade.

Desligo meu celular quando recebo uma mensagem de Lion

enquanto dirijo para o centro da cidade, não foi difícil localizá-la, o nome e

sobrenome eram os únicos nas redondezas do hotel. 

A noite que Lion e eu tivemos está bem viva na minha mente, e mais

uma vez me peguei rendida por ele como anos atrás, incapaz de me afastar

novamente.

“Vamos nos dar mais uma chance.”

Sua mensagem enviada horas atrás grita na minha cabeça, pedindo

uma resposta, que eu me arrisque mais uma vez a fazer dar certo, mas eu

ainda não a tenho.


Assim que paro o carro na frente do hotel de uma fachada mediana,

nada tão chique e caro demais, eu sinto que estou fazendo a coisa certa em

vir até aqui.

Lion

Só consegui falar com Ariela horas depois de enchê-la com

mensagens, ela me retornou pedindo que a encontrasse novamente no sítio

dos Giordano. Pilotei para a casa louco para vê-la, passando mil coisas na

minha cabeça sobre a resposta que ela me daria.

Assim que estaciono a moto, eu a encontro sentada no capô do carro,

me olhando, ao mesmo tempo que sua mente parece estar em outra

dimensão, de tão distante.


Eu deixo o capacete na moto e caminho até ela, e sem esperar por

uma reação, a beijo, viciado nela, na loucura que nossas vidas são juntas, já

sofrendo só de pensar que terei que me afastar de novo.

Ariela retribui, se envolvendo em mim, passando seus braços pelo

meu pescoço, como se desejasse a mesma coisa que eu, que nunca mais nos

larguemos.

— Eu tenho uma resposta ao seu pedido — ela fala, me olhando nos

olhos, nossos rostos ainda a centímetros de distância.

Mesmo vulnerável a ela, eu sabia que, no momento que as seguintes

palavras fossem ditas, eu as odiaria.

— Eu volto com você com a condição de resolver seu passado com

sua mãe.
Lion

Terça-feira, 11 de julho de 2017

“Eu volto com você com a condição de resolver seu passado com

sua mãe.”.

As palavras de Ariela rondam minha cabeça, martelando a cada

minuto, ao me lembrar que preciso tomar uma decisão. Ariela sabe muito

bem que a proposta que fez foi golpe baixo, e ainda não entendo de onde

tirou essa ideia.


— O que foi, cara? Está olhando para o nada faz um tempão —

escuto a voz de Natan ao receber uma cotovelada na barriga.

Suspiro, voltando a beber meu chimarrão, penso em ignorar a

pergunta do meu amigo, mas os olhares de Eros, Gabriel, Artho e Dimitri

estão em mim também.

— Está quieto mesmo, ainda não fez nenhuma piada desde que

sentou para tomar café — comenta Artho, estreitando os olhos em minha

direção. — Está tudo bem?

— Minha mãe está na cidade — digo de uma vez, ocultando

totalmente o fato de que me encontrei com a Ariela, os nossos corpos

entrelaçados na cama e eu me rendendo a ela facilmente.


Eles me olham espantados e confusos. Gabriel para de mastigar o

pedaço de queijo com a boca levemente aberta, a cena seria icônica se o

assunto não fosse tão sério.

— Porra! Você está falando sério? — Artho pergunta.

— Por que eu brincaria com isso? — questiono, relaxando na cadeira

e dobro meus braços para apoiar meus cotovelos na mesa.

— Espera! Você está dizendo que a sua mãe, que foi embora quando

você ainda era criança, está de volta na cidade? — Gabriel pergunta, e eu

reviro os olhos.

— Quem mais seria, idiota? Só tenho uma mãe, a mesma que foi

embora há dezessete anos sem se importar com o filho que deixou com o

escroto do pai. — As palavras saem da minha boca com um gosto amargo.


É difícil lembrar da escolha de Clarice e seu egoísmo, mas ainda

mais mostrar aos meus amigos o quanto isso fode com a minha mente, e

deixar que vejam a mágoa assoladora.

— É só para ter certeza — Gabriel responde dando de ombros.

— Cala a boca, Bibi. — Artho bate na cabeça do Gabriel que profere

vários palavrões, logo depois os dois estão se socando.

Eros revira os olhos bufando e pega sua caneca ao trocar de cadeira

para ficar longe dos ataques de Gabriel e Artho.

— E o que ela quer? — Eros pergunta ao se acomodar. Franzo a testa

com a pergunta, sem entender como ele sabe das intenções de Clarice. —

Para você estar com essa cara, provavelmente ela te procurou e quer alguma

coisa.
Eros tem a mesma percepção das coisas que Gustavo, seu pai, tinha. 

Ele sempre conseguia ver a situação além do que era mostrado. Gostaria

que ele e Elena estivessem aqui conosco…

Não somos mais os mesmos desde as suas mortes, mudamos muito,

tivemos que crescer sem o apoio deles, as palavras de consolo e conselhos,

os sermões de quando fazíamos coisas erradas e, acima de tudo, sem o

amor.

Ao olhar para Eros, vejo como meu amigo se tornou mais duro e

fechado depois da morte dos pais. Só deixando espaço para os amigos, e

mesmo assim, nem sempre temos acesso ao que tem por trás da casca

grossa e rabugenta.

— Ela me ligou, quer se encontrar comigo — solto.


— E você vai? — escuto Dimitri dizer pela primeira vez desde que

me sentei à mesa para tomar café.

Dimi está sempre lutando contra os seus demônios internos, através

do seu silêncio e pensamentos. É assim desde que ele saiu do Case e

descobriu que Giulia foi embora para São Paulo, e que a Telma, sua

madrasta, não passava de uma calculista e interesseira.

— Não! Não importa que ela esteja na cidade, não quero vê-la,

nunca — digo curto e decidido, voltando a pegar meu chimarrão para

terminar de tomá-lo.

Ouço um assobio impressionado de Natan ao meu lado.

E mais uma vez penso no ultimato de Ariela, me dou conta de que

mesmo que eu queira muito ficar com ela, não consigo passar por tudo o
que eu sinto em relação ao abandono da minha mãe, não vou abrir mão da

minha guarda alta para deixá-la entrar.

Ariela precisa entender que a escolha de não encontrar com Clarice,

ou ter qualquer tipo de relação com ela, é mais importante que sua

imposição. Ariela sabe como ninguém o quanto minha mãe afetou a minha

vida.

— Seu pai sabe que ela está em Bento Gonçalves e que te procurou?

— Artho pergunta, depois de desviar de um tapa de Gabriel, que acertaria

sua cabeça.

— Não sei. Se sabe, não me procurou para contar, conhecendo como

o conheço, ele vai querer cuidar disso no sigilo — respondo.


— Claro que vai. Ele não quer que nada estrague a boa imagem de

família que tem. Imagina o escândalo que seria para ele, a ex-mulher que

foi embora anos atrás retornando como se nada tivesse acontecido — Natan

comenta o que todos nós estamos pensando no momento.

Todos concordam e, por alguns segundos, a mesa fica em silêncio,

antes da pergunta do Dimitri me fazer refletir.

— Você não tem nem vontade de saber o porquê ela foi embora? A

única coisa que você sabe é o que seu pai disse, mas sabemos que ele não é

uma fonte segura.

— Verdade — Gabriel concorda.

Eu sabia que meu pai não era nem um pouco confiável pelos anos

morando com ele. Prova disso é a denúncia da festa que fizemos na casa do
Eros, resultando em todos nós na delegacia por terem encontrado cocaína

com Artho.

Nunca confessei isso para os meus amigos, não consegui fazê-lo,

envergonhado pelo pai escroto que tenho. Fico repassando várias vezes

aquele dia na minha cabeça.

Se eu tivesse escondido bem aquela maconha, Pedro não a teria

encontrado quando revistou meu quarto, não teríamos discutido, e ele

furioso não teria ligado para o tio de Giulia assim que eu saí de casa para ir

à festa.

Os pais do Eros não teriam vindo de São Paulo até Bento Gonçalves

para nos ajudar na enrascada que meu pai nos meteu. Por causa do Pedro e

nosso relacionamento fodido, a culpa pela morte de Gustavo e Elena me

consome.
— No meu lugar, você iria querer saber os motivos? — pergunto a

Dimitri, que me olha intensamente, sua mão em cima da mesa se fecha em

punho.

— Você sabe a resposta — ele responde com sua voz rouca.

Bom, eu sei! Todos nós sabemos a resposta.

Dimitri iria querer saber o motivo, a verdade, para seguir com sua

vida adiante.

— Você sabe que se decidir falar ou não com ela, vamos te apoiar —

Artho diz, depois do silêncio que perdurou por alguns minutos no ambiente.

— Sim.
— Então é isso. — Gabriel levanta, dando tapinhas nas minhas

costas antes de sair da cozinha. — Estamos aqui com você.

Os outros passam por mim copiando o gesto de Gabriel. Dimitri me

encara, e é o único que não levanta, sei que ficou para trás porque precisa

dizer algo.

Dimitri já sabe sobre a Giulia, que a garota por quem ele sempre foi

apaixonado, está na cidade. Contei a ele, não poderia guardar a informação,

a primeira coisa que pensei foi nele quando Ariela me contou.

E como diz aquele ditado: Não sou baú para guardar segredo de

ninguém.

Pelo menos dele eu não guardaria, e Ariela não pediu sigilo. Sei que

ele tenta esconder, mas está bem balançado com a notícia.


Porra!

Eu estou balançado com Ariela. A desgraçada me pegou

desprevenido com aquela marra decidida quando me mostrou o que queria.

Lembro do exato dia que vi Ariela na faculdade pela primeira vez, e

de cara, percebi o quanto estava mudada, diferente da garota que conheci

anos atrás. O impacto foi grande, foi como sentir uma faca sendo enfiada no

meu peito, me rasgando por dentro, me sufocando, causando um gosto

amargo na boca.

Sua mudança para o edifício, com novas amizades e principalmente

sem a supervisão de Claudia, fez com que Ariela aflorasse um lado que até

ela mesmo desconhecia.


Por mais idiota que fosse, eu me senti traído, porque não era eu do

lado dela contemplando a mulher que se tornou. E porra, como senti

ciúmes, ainda mais quando via os infelizes babando em cima dela.

Mas nada havia me preparado para o fato de que havia se tornado

namoradeira, com alguns rolos. Sua popularidade só cresceu, e foi uma

época que desejei muito ter ficado cego, porque assim eu não a veria com

outros caras, me corroendo de ciúmes e fúria por não ser eu no lugar deles.

Tentei deixar de lado, fazendo o que eu sabia fazer de melhor:

continuar sendo cretino.

Transar com Ariela depois de todos esses anos...

Caralho!
Não tenho nem como descrever como aquela diaba me deixou

rendido por ela mais uma vez.

Argh!

Estou com esgotamento mental nesses últimos dias, desde a ligação

da minha mãe e Ariela. Os únicos sentimentos que consigo ter no momento

são de raiva, mágoa e indignação.

Meu celular toca em cima da mesa e o nome da Ariela aparece na

tela. Continuo olhando para o celular até a notificação de chamada perdida

aparecer na tela.

— Não vai atender? — ouço Dimitri perguntar interessado.

Ele sabe que é Ariela ligando, também é o único que sabe que

encontrei com ela. Os outros não precisam saber, principalmente depois que
fizemos a nossa promessa e pedi que não tocassem no nome dela e

esquecessem até mesmo que existiu algo entre nós.

Depois que contei para ele sobre Giulia e como eu soube da

informação, já ficou subentendido, que não me julgou e muito menos falou

alguma coisa. Diferente dos meninos que encheriam a porra do meu saco.

— Ligo para ela depois, preciso ir para o treino do time — respondo,

e Dimitri sorri. Percebo que confessei que se tratava da Ariela sem ele ter

perguntado.

Bufo, me levantando da cadeira.

— Nos vemos depois.

Ele assente em despedida. Pego minha mochila de treino que está ao

lado da porta e saio de casa, decidindo ir com a moto, por ser mais rápido e
estar alguns minutos atrasado.

Quero encontrar Ariela depois do treino, precisamos conversar sobre

o que decidi, e ignorar suas ligações não está ajudando muito, mas espero

que ela entenda a minha escolha em relação a Clarice.

Chego no centro de treinamento do time de Bento Gonçalves, e

estaciono em uma das vagas ao lado da entrada, tirando o capacete

enquanto desço da moto. Ao olhar em volta, encontro Ariela ao lado do

Hyundai que meu pai a presenteou assim que tirou a carteira de habilitação.

Informações que só sei porque o próprio jogou na minha cara como

Ariela parecia mais filha dele do que eu, principalmente no interesse dela

nos negócios do vinhedo.


Me aproximo, observando os detalhes que a fizeram se tornar a porra

de uma mulher ainda mais linda do que já era. Ariela joga os cabelos para o

lado e os tira do rosto quando a brisa passa bagunçando os fios.

Ariela veste uma calça jeans apertada, com uma botinha de salto

com o bico fino e uma regatinha branca por baixo da jaqueta preta. Estilo

totalmente diferente da minha Ariela de quatro anos atrás.

Não vejo mais a timidez ou vergonha, Ariela se transformou e eu não

estava por perto para ver.

Cortei qualquer contato quando me mudei para a casa do Eros.

Mantive comunicação apenas com meu pai por obrigação, e com Breno,

meu irmãozinho. Não frequento mais a casa deles, deixei disso no momento

em que saí de lá, ao perceber que não me encaixava naquela nova família.
Ao ver minha aproximação, Ariela desencosta do carro, retirando os

óculos escuros. Consigo analisar seus olhos azuis, decididos, totalmente

desprendidos da inocência que via neles antes.

— Você não tem me atendido — ela fala antes que eu tenha a

oportunidade de realizar a pergunta.

— Eu ia te ligar assim que terminasse o treino — explico ao parar na

sua frente, dou uma olhada rápida ao redor para verificar o movimento de

pessoas na entrada do centro.

A vontade é de puxá-la para mim, me acabar na sua boca atrevida e

provocante, mas isso afetaria a imagem de “irmãos” que toda a cidade

conhece, além de ser a destruição dos nossos pais, e provavelmente a minha

morte em seguida.
— Precisamos mesmo conversar — digo. — E o ideal não seria aqui.

Ariela olha em volta, constatando a mesma coisa e assente com a

proposta subentendida para sairmos daqui. Meu treino já era mesmo, perder

um dia não faria diferença, falaria com o treinador depois.

Ser capitão do time tem suas responsabilidades, mas ele entenderia,

ainda mais porque eu sempre mantive minhas obrigações de acordo, nunca

falhando com nenhuma delas.

— Você me segue? — pergunto a ela, que assente e entra no carro

enquanto eu volto para a moto e coloco o capacete.

Não faço ideia de para onde a levaria para conversarmos, mas a

única opção é o sítio de Eros, por ser distante e longe dos olhares curiosos.
Sigo na direção, vejo que Ariela percebe para onde estamos indo quando

olho pelo retrovisor para garantir que está me seguindo, e a vejo longe.

É engraçado que, do nada, me vem à cabeça a música da banda

Skank – Vamos fugir, mesmo com todos esses anos o sentimento de fazer

loucuras com ela ainda permanece.

Por Ariela, eu faria de tudo, principalmente fugir para outro lugar,

mesmo sabendo que ela não deixaria a vida que tem, a independência que

vem conquistando, os seus estudos; e nunca pediria isso a ela, seria mais

fácil eu largar tudo.

Desço para abrir o portão até a estradinha de cascalho que leva para

a casa. Após estacionar, tiro o capacete, a vendo abrir a porta do carro e

descer como se fosse a dona da porra do mundo.


— Não vamos entrar? — pergunta ao me ver parado ao lado da

moto, o capacete nas mãos.

Ela anda em minha direção e encosta o corpo no meu ao parar à

minha frente. Ariela faz questão de tirar o capacete da minha mão e se

inclina para pendura-lo no guidão da moto.

Essa ação faz com que seu perfume se infiltre no meu nariz, fecho os

olhos, respirando fundo para sentir mais seu cheiro gostoso, que aflora

meus sentidos. Abro os olhos ao sentir seus braços rodearem meu pescoço.

Seus lábios macios e quentes encostam no meu, Ariela implora com

os olhos para devorá-la, e é o que faço. Seguro sua nuca e aprofundo o

beijo, sentindo sua entrega ao roçar a minha língua na dela com toques

provocantes.
Ariela suspira quando mordo seu lábio inferior, e se afasta para me

olhar nos olhos.

— Vamos entrar? — ela diz ao pegar minha mão e me puxar em

direção a entrada da casa com estrutura toda feita de pedra.

O que era para ser uma conversa esclarecedora, pode acabar em nós

enrolados. Sei que nem deveria estar preocupado com isso, sabendo que

tenho a chance de transar com ela, uma oportunidade que eu nunca negaria,

mas é Ariela, eu sempre quero fazer as coisas certas quando se trata dela.

Não iria conseguir me afastar depois caso ela não cedesse ao pedido.

Ariela pega a chave da minha mão e abre a porta da casa, ao entrar, a

acompanho. Ela acende a luz, se vira para mim, me beijando, suas mãos
ágeis já estão por dentro da minha camisa, passando os dedos pelo meu

abdômen.

Nem lembro de tirar, mas já não estou mais com a camisa, assim

como Ariela perde a jaqueta, a regata branca, ficando com o sutiã rosa bebê.

As coisas entre a gente costumam acontecer rápido.

Ariela me puxa para o sofá e aconchego meu corpo no seu, o desejo

aumenta ao vê-la deitada rendida embaixo de mim, beijo seu maxilar

descendo a boca para lamber o pescoço. Abro o fecho do seu sutiã, o passo

pelos seus braços e o tiro do seu corpo. Inclino o corpo para baixo para

poder beijar seus seios, lambendo-os, olhando em seus olhos, mordo o bico,

o que a faz empurrar a cabeça para trás, me dando livre acesso.

Ariela geme baixinho, levantando seu quadril para roçar em mim.

Meu pau duro dentro das calças quer libertação da tortura do aperto, ansioso
para estar dentro dela de novo.

— Precisamos conversar, Ari — digo, tentando ainda manter o resto

da sanidade para controlar a situação e não perder a cabeça de vez.

Seus dedos procuram o botão da calça para retirá-la, ignorando o que

acabei de falar.

— Depois — suspira. — Eu não posso esperar, Lion, nada é mais

importante do que a gente nesse momento — declara decidida.

— Não diga isso, Ariela — falo, me abaixando em direção ao seu

rosto, nossos olhos fixos um no outro.

— Por quê? — pergunta passando a língua pelos lábios.


Ariela começa a me provocar com o quadril ao rebolar de um jeito

tentador enquanto uma de suas pernas está por cima do meu quadril,

fazendo pressão para baixo, e logo sinto sua mão por dentro da minha

cueca, apertando a base do meu pau. É a minha perdição.

— Ariela — rosno e mordo seu lábio, aprofundo o beijo, chupando a

sua língua.

— Por que, Lion? — pergunta de novo, sua ousadia me faz esquecer

completamente da pergunta.

— Você sabe que não consigo me controlar quando se trata de você.

— Eu não quero que se controle, quero tudo, nossa intensidade, a

paixão de quando estamos juntos, o prazer que damos um ao outro —


declara, passando a me apertar e afrouxar os dedos, num vai e vem que é

pura tortura, e iniciando tudo de novo. — Quero me perder em você.

— Caralho, mulher, o que fez com aquela menina doce e inocente

que tinha vergonha de tudo, até mesmo dos meus elogios? — questiono

com a voz rouca.

— Ela cansou de ser controlada, prefere controlar — Ariela abre um

sorriso malicioso. — E tenho certeza que você adora mais essa minha

versão.

Ariela não me deixa responder quando volta a me beijar, tirando todo

o resquício de equilíbrio de mim, sobrando o desejo incontrolável por ela, a

excitação e prazer.
Minha calça vai para o chão, assim que tiro os sapatos. Ajudo Ariela

com sua calcinha rosa bebê de renda, que está molhada. Aspiro seu cheiro

depois de tirá-la do corpo gostoso de Ariela.

Me ajoelho e beijo seus pés delicados e suaves, subo pelas pernas até

as coxas cheirosas, me perco no aroma da sua pele. Escuto os gemidos que

solta ao sentir as lambidas na parte interna das suas coxas, me levando

completamente à loucura.

Meu corpo grita de desejo por ela, doido para me perder por todo seu

corpo, capaz de dar tudo o que tem direito.

Sinto o cheiro ao me aproximar da sua boceta, constato que Ariela

está molhada pela excitação, louca para dar o que tanto quer: prazer.
E é isso que faço. Abro mais suas pernas para ver melhor sua

entrada, seus lábios melados e o clitóris querendo total atenção, e por isso,

me aproximo o chupando. Ariela grita e seu corpo treme de prazer pela

surpresa.

Sugo seu ponto de prazer mais uma vez antes da minha língua fazer

uma trilha, lambendo da sua entrada até estar de volta ao clitóris. Seu gosto

impregna meu paladar, viciante, é o que Ariela e seu gosto fazem comigo,

um viciado nela.

Seu quadril se mexe embaixo de mim, ela tenta fechar as pernas, mas

as seguro firme no lugar, minha língua fazendo o trabalho prazeroso que é

tê-la à minha mercê.

Ariela raspa suas unhas pela minha nuca e couro cabeludo com os

espasmos do seu corpo. A chupo mais uma vez, antes de soltar seu quadril
para subir aos poucos, beijando sua barriga, minha língua entrando pelo

buraquinho do seu umbigo, e a escuto ofegar e implorar com as unhas ao

apertar meus ombros para perto, maior contato para fodê-la, saciar todo o

desejo que temos um pelo outro.

— Lion — implora mais uma vez, sua voz sussurrada.

Ignoro, me demorando com beijos e chupões pela pele macia e

cheirosa. Seus seios duros e inchados de excitação se tornam minha

diversão. Lambo o bico de um deles, meus olhos no rosto de Ariela, sua

expressão de luxúria, os olhos semicerrados de prazer e ansiedade.

As pernas presas na minha cintura e seu quadril ao rebolar no meu

no meu pau duro, ainda oculto pela boxer, me deixa ainda mais excitado.

Sem paciência nenhuma, Ariela encontra o cós da cueca e a puxa para

baixo.
— Você está muito impaciente, tenta relaxar, amor. — peço, e ouço

ela bufar.

— Só vou relaxar quando me fizer gozar — declara decidida. —

Não me faça implorar, quero você dentro de mim — sussurra e não resisto à

sua voz manhosa, cheia de tesão, me pedindo para adorá-la da forma que

tanto gosta.

Me encaixo melhor entre suas pernas, e entro nela, aos poucos,

apreciando seu rosto, os olhos fechados em êxtase e o lábio preso entre seus

dentes. Entro mais e ela geme quando pego em um ponto sensível.

A sua visão gostosa misturada a excitação e desejo que sinto me faz

quase perder o controle. A beijo com fúria e prendo seu lábio entre meus

dentes quando começo a aumentar o ritmo das estocadas, abrindo suas


pernas para ter uma acesso mais profundo em Ariela, e sei que encontrei o

ponto perfeito quando a vejo fechar os olhos, gemendo incontrolavelmente.

Meu sangue quente parece correr para um só lugar, pressionando

meu ventre à medida que estoco no ritmo alucinado. Jogo a cabeça para

trás, querendo urrar de prazer, seus gemidos me incentivando a continuar,

nossos corpos tremendo pelos espasmos.

E tenho certeza que não conseguirei manter por muito tempo. Perco

completamente o domínio quando se trata de Ariela, com a visão do seu

corpo gostoso que me leva à perda total da minha sanidade.

Saio dela, me dando tempo para respirar e prolongar o meu orgasmo,

e ajudo ela a virar de bruços, ficando de quatro para mim, me dando a vista

da sua bunda de pele clara, e desço minhas mãos por suas costas, parando
na sua bunda empinada, apertando sua carne para ver logo em seguida a

marca vermelha dos meus dedos nela.

Ela choraminga e rebola seu quadril, sua boceta molhada pela sua

excitação. A ousadia de Ariela faz com que eu leve seus dedos até ela,

passando de forma devagar, espalhando a prova do seu prazer pelos seus

lábios carnudos e inchados, subindo para seu clitóris, o pressionando, e a

vejo fechar os olhos, com a boca aberta, soltando sons incompreendidos por

uma mente irracional.

Vê-la se dando prazer é uma visão do inferno de tão quente, mas é

ainda melhor quando sou eu o causador da sua vulnerabilidade, o único

capaz de a deixar louca para ser saciada.

Sinto algo dentro de mim rugir de satisfação e luxúria por ser eu a tê-

la somente para mim nesse momento, gritando meu nome, implorando para
ser comida do jeito que somente eu sei como adora.

Substituo seus dedos pelos meus, brincando com seu ponto durinho,

e me inclino para baixo, passando a língua de baixo para cima, subindo até

seu ponto de trás, permanecendo ali enquanto minha língua lambe,

provocando sua entrada que tenho certeza ser virgem ainda.

Ariela grita, enfiando o rosto na almofada e eu sorrio.

— Em outro momento, amor — declaro, e mordo sua bunda, dando

um tapa com peso o suficiente para causar prazer e não dor. — Preciso te

preparar primeiro.

Ela vira o rosto para mim, fazendo um biquinho manhoso, e tenho

vontade de esquecer os planos futuros e comê-la assim mesmo.


— Quero que seja uma experiência gostosa para você — declaro, e

desço os dedos de novo para sua boceta quente e pulsante. — Sem dor, só

prazer.

Ela aquiesce, e me inclino para beijá-la, com o seu sabor doce ainda

na minha língua. Não leva muito tempo para enfiar meu pau dentro dela de

novo, ainda a beijando, engolindo seu som de surpresa.

Ariela me aperta, e pressiono meu quadril nela, gemendo pelo desejo

surreal que tomou meu pau com o seu ato, e soco fundo, batendo na sua

base, e me afasto dela para focar apenas em fazê-la gozar.

Seguro firme seu quadril, ajudando seu impulso vir de encontro às

minhas investidas, e Ariela pressiona seu clitóris, insana para se entregar ao

orgasmo que está chegando com tudo.


Seu aperto ao redor do meu pau se intensifica, e me perco no meu

próprio clímax quando Ariela chega no seu, gemendo alto, chamando meu

nome, se perdendo completamente no deleite.

Urro com a sensação enlouquecedora de gozar dentro dela, entrando

e saindo tentando prolongar o êxtase do ápice, do tesão que é foder Ariela, a

porra da mulher que me domina por inteiro.

Abro os olhos e vejo sua expressão relaxada, seus olhos encantados

me olhando, com um sorriso de satisfação e agrado.

Ariela ama saber que é capaz de me fazer ter esse turbilhão de

emoções com ela.

Se ela soubesse que é a única capaz disso, de me virar do averso para

sanar todos os seus desejos e prazeres, deixaria de lado seu acordo idiota?
Deixo um beijo na sua cabeça, e por mais que eu queira fugir da

nossa conversa, não posso. Ariela precisa saber o que penso, e se gosta

mesmo de mim, vai entender.

— Precisamos mesmo conversar, Ari — digo, acariciando sua mão

em cima do meu abdômen. — Não podemos agir como se nada tivesse

acontecendo.

Ela levanta a cabeça para me olhar, deixa um beijo no meu queixo,

abrindo um sorriso logo depois.

— Precisamos? Eu sei que sua resposta à minha proposta é sim, você

vai conversar com sua mãe, resolver o seu passado, e vamos voltar a ficar

juntos.
Paro com as carícias e me sento para ter um ângulo melhor do seu

rosto.

— Por que acha que vou procurar a Clarice? — pergunto.

— Não vai? — Franze a testa e nego com a cabeça.

— Não vou, Ariela. Eu não tenho o que conversar com aquela

mulher, e você sabe disso.

— Mas, Lion, ela... — Ariela começa a se justificar, mas corto sua

fala, pedindo que ela me escute com o toque dos meus dedos em sua mão.

Ariela começa a parecer aflita, entendendo o que minha decisão

implica, ela estava tão confiante que esqueceu que minha mágoa em relação

à minha mãe é maior que nós.


— Você melhor que ninguém sabe o que sinto referente ao abandono

dela, e me surpreende o fato que é você me cobrando algo desse tipo, ao

ponto de fazer aquela proposta.

— É o que acha? Está sugerindo que estou sendo egoísta em pedir

isso? — interroga, seu tom de voz me mostrando sua decepção. — Minha

intenção é totalmente o contrário, quero que você a procure para descobrir o

que realmente aconteceu entre...

Ergo a mão com uma expressão séria, sentindo meu sangue ferver, e

ela para de falar por um instante.

Respirando fundo, enquanto nos encaramos. A voz da razão me diz

que devo dar uma chance e escutar o que Ariela tem a dizer, mas a mágoa

que carrego no peito é muito maior que tudo.


— Lion — chama baixinho meu nome e me tem presa em seus

olhos. — Você não tem curiosidade em saber se a história que seu pai te

disse é mesmo verdade? Você falar com ela não seria um sinal de fraqueza,

é o oposto disso — Sua voz é apenas um sussurro, e eu posso ver em seu

rosto o quanto ela está tentando, mas nem isso é capaz de me fazer voltar

atrás.

Um suspiro cansado sai pelos seus lábios rosados.

— Eu não acredito que, conhecendo seu pai como você o conhece,

ainda acredite que a versão dele é a verdade absoluta.

— Não quero mais discutir sobre esse assunto. — Me levanto do

sofá, pegando minha boxer e calça jeans para vestir. — Se ficarmos juntos

depende que eu converse com a minha mãe, nós dois não vamos mesmo

continuar acontecendo.
Ariela começa a vestir as roupas, e eu tento não enfraquecer com o

seu corpo, e suas curvas me chamando para ligar o foda-se, prender Ariela

na parede e fodê-la para ensinar a ela que essa marra não levará nós dois a

lugar algum.

— Podemos continuar acontecendo se você deixar de ser orgulhoso

— ela aponta e isso me irrita.

— Orgulhoso? — dou risada. — Essa é boa, orgulhoso só porque

não quero conversar com a mulher que deveria ter ficado e lutado por mim,

preferiu me deixar com aquele escroto do meu pai, a mercê dele, sofrendo

com o seu abandono, precisando crescer à base da pressão e surra e o

quanto isso afetou a minha vida, e se não fosse Gustavo e Elena e meus

amigos, talvez eu não estivesse bem hoje.


— Você não entende, Lion, estou tentando explicar, e você não quer

me ouvir. Sua mãe tem os motivos dela e eu sei o quanto sofreu, o quanto

isso afetou a sua vida, acha que eu ignoraria isso?

Visto minha camisa, sentando no sofá para colocar o par de tênis.

— Não entendo mesmo. Me diz por que precisamos disso? Está

jogando a chance de ficamos juntos por causa de uma exigência sem

cabimento — rosno.

Caminho em direção à porta, para mim, nossa conversa já tinha

acabado, não temos mais nada para conversar e não vou implorar para

ficarmos juntos, talvez o Lion de antes, o adolescente bobo apaixonado,

faria isso.

— Você está sendo teimoso — ela grita.


Paro de andar e me viro para olhá-la, Ariela caminha até mim, seus

olhos demonstrando desespero e fúria.

Achei que nossa relação seria baseada apenas em nós dois, e não

envolvendo os outros, vejo que isso não mudou e nem vai mudar.

— É melhor assim, cada um volta para a vida que tem, esquecendo o

que rolou aqui — digo, vendo seu peito subir e descer, a respiração

incontrolável.

Sua boquinha atrevida está entreaberta, e quero muito poder beijá-la

uma última vez, mas isso não ajudará em nada.

— Se você prefere assim — Ariela dá a carta final, e entendo que ela

não vai abrir mão, esperando que eu volte atrás.

— Prefiro.
Ela passa por mim, abrindo a porta e batendo-a logo em seguida, o

estrondo me mostra o quanto está furiosa. Assim que eu fecho tudo, e ando

em direção a minha moto, a vejo ainda em seu carro.

Não ignoro seu olhar em mim, ainda a encaro por alguns segundos, a

esperando sair do carro e me contar que mudou de ideia, mas não é isso que

acontece.

Coloco meu capacete e vou embora, jurando de novo que essa foi a

última vez que me deixei levar por Ariela e que isso não vai mais acontecer.
Ariela

Entro no meu carro com um sentimento de fracasso e indignação,

mesmo assim não sou capaz de julgar Lion por não querer conversar com a

mãe, escutar a história que ela tem para contar.

Não tenho o direito de exigir nada dele, porque sei o quanto sofreu

com o abandono da Clarice e ficar com o pai manipulador e insensível, mas

não deixa de me irritar o fato de não conseguir me explicar.


O problema é que Lion não está disposto a ouvir a versão de Clarice,

nem mesmo quando disse que voltaria com ele. Posso ter pegado pesado na

proposta, porém estava desesperada depois de conversar com a mãe dele.

Por pouco eu não contei que havia ido até aquele hotel e encontrado

com Clarice, ouvindo seu lado da história, isso provavelmente faria com

que Lion se irritasse, não entendendo a minha intenção.

Não quero contar para ele sobre o que conversamos no hotel, não é

uma história minha para contar, mas dela. Tudo o que restava era deixar o

tempo guiar Lion, já que Clarice me garantiu que seria paciente, e esperaria

que o filho estivesse preparado para o encontro.

Depois da nossa recaída, vai ser difícil seguir em frente, esquecer o

quanto nós somos bons juntos. E com a ligação de Giulia dizendo que
voltaria, estou ainda mais vulnerável com todas as lembranças boas que

passei no passado.

Vejo Lion ligar a moto e ir embora, bato as mãos no volante

frustrada pela discussão, mais uma vez seguindo caminhos opostos.

Agora restava a nós dois esquecer o que tivemos e fingir que nada

aconteceu, passar a imagem de bons irmãos, coisa que não somos. 

Antes que pudesse ligar o carro e sair da vaga, meu celular toca na

bolsa que está no banco ao lado. O nome “mãe” pisca na tela, e respiro

fundo antes de atender.

— Oi, mãe — atendo a ligação colocando no Viva Voz para colocar

o cinto de segurança.
Sinto o perfume de Lion na minha pele, junto com o seu cheiro

masculino e percebo o quanto vou sentir falta disso, dos detalhes, de nós

dois juntos.

— Não acredito que você fez isso. — Meu corpo gela ao ouvir as

palavras da minha mãe, seu tom indignado. 

Ela, de alguma forma, deve ter descoberto o que eu e Lion fizemos.

Fecho os olhos já imaginando a histeria vindo à tona. Isso me faz lembrar

daquele dia, o mais especial pra mim, que foi finalizado com ela

descobrindo sobre nós dois e a quase perda do Breno.

Me senti tão culpada, não me perdoaria se tivéssemos perdido Breno

naquela noite. Ele precisou ficar meses no hospital por ter nascido

prematuro.
— Não sei do que está falando, mãe — digo, tentando manter a

calma.

— Como assim não sabe? Prometeu ao Breno que o levaria ao

shopping e até agora não apareceu. — Um suspiro preso na garganta se

solta lentamente e reviro os olhos em seguida para todo o drama.

Mas logo me sinto mal por ter esquecido do meu irmãozinho, fiquei

tão focada em Lion, que havia deixado escapar o compromisso que tenho

com Breno. Passo as mãos pelos cabelos, tirando alguns fios que estão

sobre o rosto. Provavelmente eles estão um caos depois de transar com

Lion.

Ainda me sinto fraca e dolorida, querendo apenas ficar deitada, de

preferência com Lion ao meu lado, o curtindo.


— Já estou a caminho, avisa para ele que estou quase chegando, por

favor — peço e após sua resposta positiva, finalizo a ligação.

Quando Breno chegou nas nossas vidas, não esperava que ele fosse

me fazer tão bem. Eu estava em uma fase conturbada, e já não existia uma

relação entre Lion e eu. Nossos pais sabiam o que havia acontecido entre

nós e não tinha mais a confiança de antes. Tudo ficou pior quando tive que

me acostumar a não ter mais a presença de Lion por perto e não o ver mais

como antes.

Lion ter se mudado para a casa do Eros foi bom para minha mãe, era

possível sentir o alívio de Claudia exalando pela casa.

Seu pai, por outro lado, ficou irado por não ter Lion por perto para

infernizar e controlar. Pedro percebeu, após a saída do filho de casa, que


precisava mudar de tática para manter os planos de tê-lo envolvido nos

negócios da família.

Mas pelo jeito, só eu via que Lion nunca se interessou ou sonhou em

ficar cuidando do vinhedo. Era uma alma livre com seus próprios planos e

sonhos para vida.

Eu percebi que éramos iguais quando me mudei da casa dos Bianco

para morar no edifício ao começar a faculdade. Me senti outra mulher longe

das garras controladoras da minha mãe, e tudo só melhorou quando o seu

tempo era voltado para Breno, sem tempo para encher o saco.

As oportunidades que tive de fazer o que quisesse sem que ela

ficasse sabendo, a liberdade de viver e experimentar coisas que nunca

imaginei que faria na vida, me tornou uma mulher ousada e decidida, muito

diferente da Ariela da adolescência que tinha medo de decepcionar a mãe.


Ainda tenho esse medo, mas a constância de fazer tudo certinho, de

seguir as ordens e desejos se foi. Claudia percebeu isso, mas a

responsabilidade de ser a mulher de Pedro e mãe de um dos herdeiros dos

negócios Bianco falou mais alto.

Ela ainda se mantém de olho em tudo o que faço, o tempo todo

autoritária, porém com menos afinco de antes.

Assim que passo pela placa indicativa da propriedade dos Bianco,

percebo o quanto esse lugar me lembra de Lion, e como foi triste viver sem

ele aqui durante os anos antes da faculdade.

Foi ainda pior ver que ele fazia a sua fama, assim como os amigos,

que denominavam a casa de Eros com a sede do Clube dos Cretinos. Era

difícil ficar escutando os boatos sobre com quem Lion ficava, o quanto era

bom e gostoso na cama, sabendo que um dia foi meu.


Bufo frustrada.

Eu achei que tinha superado Lion durante esses anos, até vê-lo no

sítio Giordano quando pedi para nos encontrarmos. Com o jeito badboy,

cretino e delicioso, foi impossível resistir, e para falar a verdade, eu não

quis e não quero.

Mas nada mudou, ainda somos irmãos aos olhos da sociedade. Está

nas mãos dele decidir se vamos voltar, mesmo que seja tudo às escondidas

de novo.

Assim que desço do carro, vejo Breno me esperando na porta da casa

com minha mãe ao lado, segurando sua mãozinha. Meu irmãozinho abre um

sorriso e quando sorrio de volta vem correndo em minha direção.


Me agacho para o pegar a tempo antes de ser derrubada no chão.

Deposito beijos no rostinho gorducho e pescoço, ao escutar sua risadinha, o

aperto no colo.

— Ela, achei que não viria mais — ouço a reclamação feita com voz

dengosa, e dou risada. — Esperei um tempão.

— Me atrasei um pouco, B, já estou aqui — beijo seu rosto mais

uma vez antes de descê-lo do colo, e sigo em direção a minha mãe para

pegar a bolsa dele. — Oi, mãe. 

Beijo seu rosto e nos abraçamos em cumprimento, o tempo todo alvo

da sua análise. Seus olhos fixos nos meus, como se pudesse ver a minha

alma e conseguisse ler as coisas que fiz com Lion, me fazem sentir uma

devassa.
— Você está bem? Parece um pouco nervosa — pergunta ao passar a

mão no meu rosto. Me seguro para não me afastar e fugir para que não

descubra nada.

— Sim, estou bem! Acabei saindo com pressa para buscar o Breno.

Assente, e inclina a cabeça para o lado tentando me ler.

— Vamo, Ela, quero brincar nos carrinhos — Breno pede, cortando

o exato momento que minha mãe continuaria com as perguntas.

— Claro — concordo. — Dá um beijo na mamãe — peço, e ele

corre até Claudia, dando pulinhos para ela pegá-lo nos braços.

Me despeço da minha mãe e informo o horário que iremos retornar

enquanto pego na mãozinha do meu irmãozinho para levá-lo até o carro.


Espero ele sentar na cadeirinha comprada para, quando saísse comigo, fosse

estar em segurança.

Saindo com o carro da propriedade, olho pelo retrovisor, verificando

se Breno está bem acomodado, o seu rostinho virado em direção a janela

me lembra de Lion.

Os cabelos castanhos e o rosto de nariz arrebitado com olhos

castanhos claros e o sorriso com dentinhos retos, mostram que Breno é a

cópia de Lion quando o irmão era menor.

— Você já planejou tudo que faremos hoje? — pergunto para puxar

assunto e vejo sua cabeça se virar na minha direção, com ele assentindo

animado.
— Sim — responde. — Vamo no carrinho primeiro, e depois em

outro brinquedo e depois comer um lanche, e depois brincar de novo no

carrinho.

Dou risada ao vê-lo citar tudo o que planejou, enquanto enumera

com os dedinhos.

— Você está bem animado — digo. — Vamos ter o melhor dia de

irmãos hoje.

Olho pelo retrovisor novamente e pego sua expressão de incerteza.

— O que foi? — questiono, e o vejo dar de ombros, antes de voltar

minha atenção para a frente.

— Seria legal se o mano tivesse junto também — responde

melancólico.
Breno se refere ao Lion, e sinto o desconforto ao lembrar nossa

conversa. O engraçado é que nunca fizemos um programa de irmãos com

Breno, e justamente hoje, ele comenta querer que Lion esteja junto.

— Já faz dias que ele não me busca para brincar comigo.

Suspiro assentindo. Fiquei sabendo do desentendimento que Lion e

Pedro tiveram, de novo, o que causou um afastamento dele da casa, e por

isso, de Breno. Odeio o fato de que é meu irmãozinho que sai afetado nisso

tudo.

Desde que Breno nasceu, Lion nunca deixou que os problemas com

o pai e nosso afastamento o deixassem de fora do crescimento do Breno.

Mesmo preferindo não participar das comemorações de aniversários do

nosso irmão, sempre fazia algo para compensá-lo. Lion realmente se fazia

presente na vida de Breno.


— Ela, você podia ligar para ele encontrar com a gente no shopping

— sua sugestão me faz pular no assento, e imediatamente arregalo os olhos

para Breno. — Seria legal, o mano nunca fez nada com a gente.

— Você quer que eu ligue para o Lion e convide ele para encontrar

com a gente? — pergunto, como se não tivesse entendido, parecendo uma

boba, mas só queria estar enganada.

Breno revira os olhinhos castanhos e bate a mãozinha na testa.

— Sim, Ela. Liga pra ele, por favor.

Mesmo que Breno não entendesse nada por ser apenas uma criança,

sinto que o pedido é um tremendo golpe baixo.

— Podemos marcar algo com ele outro dia, B, o que acha? —

sugiro. — E talvez Lion não aceite, deve estar muito ocupado agora e não
queremos atrapalhar, né?

Escuto o suspiro de tédio que solta.

— Ela, você nem ligô pra ele ainda, como vamo saber? — sorrio,

com o seu atrevimento.

Consigo ver muito do Lion nele, e às vezes chego até achar que a

criança na minha frente se trata do Lion pequeno.

Breno é uma criança doce e muito esperta, mas que sabe testar a

minha paciência com a sua maturidade em entender as coisas, fazer

perguntas e questionar tudo que não esteja no seu entendimento e vontade.

— Por favo, Ela, quero ver meu mano — Breno abre aquele

biquinho que tenho vontade de morder às vezes de tanta fofura. — Tenho

certeza que ele vai aceitar.


Eu também tenho.

Paro o carro no acostamento da via que leva para o centro da cidade

e pego o meu celular no assento ao lado. Um ditado me cai muito bem no

momento: O que Breno não me pede sorrindo, que não faço chorando?

Coloco um sorriso forçado no rosto e, com o celular encostado na

orelha, escuto a ligação chamar. Mordo o lábio e sinto as mãos suarem,

torcendo para que Lion não atenda.

Ouço o som das chamadas pararem, e estranho quando não escuto

sua voz atendendo a ligação. Afasto o celular da orelha e olho para o visor

do celular, vendo que a ligação ainda está ativa.

— Lion? — chamo seu nome, sem nenhum retorno. — Ué, a ligação

está muda — olho para a tela novamente, vendo que a ligação ainda está
ativa.

Aperto o botão de desligar e respiro aliviada, mas ao mesmo tempo

sinto uma pontada de frustração por não ter conseguido falar com ele.

Penso se deveria ligar novamente, mas decido que isso é um sinal do

destino me ajudando a não encontrar com o Lion, e sorrio, antes de fazer

uma expressão desapontada e olhar para Breno triste.

— Eu tentei, B, mas ele não me atendeu a... — Antes que eu

complete a frase, meu celular toca e olho a tela vendo o nome do Lion

piscar.

— É ele, Ela, atende — Breno dá pulinhos no banco.

E suspiro antes de deslizar o dedo pela tela e levar o celular à orelha,

ouvindo a voz grossa de Lion.


— Já está sentindo minha falta? Resolveu dar o braço a torcer e

deixar o orgulho de lado? — Lion provoca, e sinto um leve divertimento na

sua voz, o filho da mãe deve estar sorrindo nesse exato momento.

E só de imaginar aquela boca carnuda com os lábios esticados,

aquele sorriso que desmancha qualquer mulher, meu coração se desespera.

Aff!

Sorriso que deveria ser direcionado apenas a mim, mas infelizmente

não tenho esse direito.

— Não te liguei por esse motivo — digo, tentando disfarçar meu

tom de voz frio.

Observo Breno que está com os olhos cheios de expectativas

voltados para mim.


— Ariela, se for para falar sobre a Clarice de novo, não perca seu

tempo — agora é Lion que diz sério.

Já consigo imaginar ele encerrando a ligação na minha cara.

— Espera, não é sobre ela — falo depressa e suspiro, ficando em

silêncio para ouvir a respiração de Lion do outro lado, o que garante que

ainda está me ouvindo.

Breno franze a testa sem entender nada, e abro um sorriso tentando

tranquilizá-lo.

— Estou indo para o Shopping passar o dia com o Breno — começo.

— E ele pediu para te convidar a se juntar a nós, mas eu sei que você tem

muita coisa para fazer e deve estar muito ocupado, então ele vai entender se

não quiser...
— Eu quero — Lion declara, cortando a minha fala, e permaneço

calada. — Nunca estaria ocupado para os dois, e mesmo que estivesse, nada

me impediria de passar um tempo com vocês — diz, e tenho certeza que

meu coração errou uma batida ao ouvir suas palavras. — Encontro vocês

dois lá — diz, depois de vários segundos em silêncio, Lion deve ter se dado

conta do que disse.

Ele nem espera eu me despedir, a ligação é finalizada e eu fico

olhando para o celular por alguns segundos, ainda com as palavras que

disse rondando minha cabeça.

— Ela? O que ele disse? — Breno questiona curioso.

— Disse que vai nos encontrar no Shopping — respondo ao colocar

o celular de volta no banco, e me ajeito melhor no banco.


Volto para a estrada pensando em como será estar no mesmo

ambiente que Lion sem imaginar as coisas que já fizemos juntos, tendo que

agir como irmãos.

Breno, no banco de trás, comemora, e eu ignoro o que estou sentindo

e foco na felicidade do meu irmão.

Não demoramos muito para chegar ao shopping, estaciono e ajudo

Breno a descer do carro. Ele pega na minha mão, soltando alguns pulinhos

animados enquanto andamos em direção à entrada.

Levanto a cabeça, tirando atenção de Breno por alguns segundos, e

olho para a entrada do shopping, encontro Lion parado à frente, com as

mãos nos bolsos, seus olhos fixos estão nos meus, e não esboça nenhum

sorriso.
Gostaria de saber sobre as coisas que passam na cabeça dele neste

momento.

— Mano — B grita ao ver o irmão, soltando a minha mão para

correr em direção a Lion.

Lion se agacha a tempo de pegar Breno que pula em cima dele.

— Oi, amigão — Lion cumprimenta retribuindo o abraço de Breno

— Que abraço mais gostoso, senti sua falta.

Sua voz suave e calma ao falar com Breno me afeta de um jeito bom

e único. Lion é sempre amoroso e carinhoso com o irmão.

— Eu muito também — Breno declara. — Você não voltou mais

para me buscar, mano.


— Estive muito ocupado esses dias, não tive tempo para te buscar.

— Não teve tempo nem pra seu irmão do coração? — questiona,

uma sobrancelha levantada, e os olhos semicerrados.

De quem esse menino puxou isso?

Tampo a boca com a mão para não soltar uma gargalhada. Esse

garoto sabe jogar, e muito bem. Lion, ao contrário de mim, solta risada.

— Você é e sempre será meu irmão do coração, mas a vida de adulto

consegue ser bem ocupada — Lion diz, e seus olhos pousam nos meus por

breves segundos antes de voltar para Breno. — Por isso não consegui ir

antes, mas, eu agradeço o convite para te acompanhar hoje.

Lion cutuca o ombro de Breno, o fazendo rir.


— Não vejo a hora de ficar grande logo — Breno solta, levantando

os braços para cima. — Poder andar de carro, ter uma namorada.

Franzo a testa, pronta para perguntar de onde ele tirou essa ideia,

porém Lion é mais rápido.

— Posso te dar um conselho de irmão? — questiona, e Breno

assente eufórico. — Você ainda é criança, vai entender daqui a uns anos que

mulher só dá dor de cabeça, sugiro que fique solteiro e curta a vida.

— Solteiro? — interroga sem entender.

— Lion — o repreendo e dou um tapinha atrás da sua cabeça. —

Isso é coisa pra se dizer para uma criança de quatro anos?

Lion suspira e me olha, já Breno continua encarando o irmão sem

entender muito bem o conselho que acabou de receber.


Me sinto ofendida pelo que ele acabou de referir, e tenho certeza que

é uma indireta.

— Você sabe que isso não vai melhorar as coisas entre nós —

resmungo, tentando evitar que Breno entenda o que eu disse para Lion. —

Está sendo marrento.

— Por que estamos voltando nesse assunto, Ariela? Já não

colocamos um fim nisso? — questiona sendo frio e distante, me fazendo

odiá-lo.

Ele pega a mãozinha de Breno, me ignorando, e segue para a entrada

do shopping. Começo a andar atrás deles, e em pouco tempo estou ao lado

dos dois. Breno segura minha mão e se pendura em nossas mãos, para que

levantemos ele.
Quando vejo a alegria do meu irmão ao se divertir com uma coisa

tão boba aos olhos adultos, que para ele nessa idade é a melhor coisa do

momento, eu esqueço, por ora, a situação chata com Lion, focando apenas

no Breno.

Ele nos leva diretamente para a loja onde tem os carrinhos

automáticos para alugar. As risadas são frequentes e cheias de intensidade

enquanto brinca.

Era notório o quanto Lion se divertia também, somente em ver o

quanto Breno festejava. Dou risada em alguns momentos, sobrando até para

mim mesma, participar de alguns jogos com ele na área do Playground.

Paramos para comer um lanche na praça de alimentação porque já

havia passado da hora do almoço. Lion faz o pedido para nós três, e assim
que volta com as bandejas em mãos com o lanche, coloca uma na minha

frente, e a outra para ele e Breno.

Percebo que ao ver o meu pedido que Lion escolheu exatamente o

que gosto, e fico surpresa por ele ainda lembrar.

— Obrigada — agradeço, e ele apenas acena com a cabeça, dando

atenção para Breno, que tagarela.

Observo o jeito cuidadoso que ele separa o lanchinho do B, o

ajudando para saber pegar o que quer comer.

— Hum, Mano, tá gostoso — Breno comenta com a boquinha cheia,

todo satisfeito.

— B, não fala com a boca cheia, meu bem — peço, mesmo assim

abrindo um sorriso com a sua empolgação.


Ele assente, levantando a mãozinha para que eu espere que termine

de mastigar e engolir para depois continuar a falar.

— Desculpa, Ela — pede, todo faceiro com um sorrisinho de lado.

— Podemos ir no carrinho de novo?

— Claro, hoje o dia é todo seu — Lion responde, antes que eu possa

dizer alguma coisa.

Pego o Lion me olhando por alguns segundos depois de responder o

Breno, ele desvia o olhar logo depois.

— Vai agir frio comigo até quando? — pergunto, depois que Breno

está no brinquedo de novo.

Ele me ignora, sua atenção voltada para o celular.


— Não sei do que está falando, estou agindo normal — responde,

sem levantar a cabeça para me olhar.

Bufo.

— Não é o que está parecendo — falo, em um tom baixo para que

somente ele ouça, a última coisa que Breno precisa é ouvir os irmãos

brigando. — Podemos deixar os nossos problemas de lado e agirmos

normais nesse momento que estamos com o Breno.

— Não temos problema nenhum, Ariela — ele continua sem me

olhar, a atenção ainda no celular, e sei que está usando isso para me

provocar.

Fico encarando-o calada, e em determinado momento, sentindo meus

olhos fixos nele, deixa o celular de lado para me olhar também. Com nossos
olhos fixos um no outro, sinto, por mais louco que seja, uma conexão.

Sinto surgir no início das minhas costas um arrepio que sobe

esquentando meu corpo com a forma que Lion me olha. O desejo e a raiva

presentes é exatamente a reciprocidade do que sinto agora. 

Seus olhos descem para a minha boca permanecendo lá tempo o

suficiente para me fazer perder o compasso da respiração. De alguma

maneira é como sentir seus lábios quentes e provocadores tocando os meus.

Ele faz o caminho de volta para meus olhos, intercalando com a

boca, e me ajeito melhor na cadeira, sentindo o ambiente quente demais me

incomodar.

Foco na sua boca, louca de vontade de poder beijá-lo novamente,

esquecer de tudo e de todos, e me perder em Lion como já fiz várias vezes.


O clima é cortado quando seu celular toca em cima da mesa, meus

olhos vão em direção a tela e vejo o nome piscar na tela, ainda desnorteada,

só percebo que se tratava de uma ligação de uma mulher quando Lion vira a

tela do celular para baixo, ignorando completamente a ligação.

Mordo o canto interno da bochecha quando o celular torna a tocar, e

mais uma vez ele ignora, enquanto bebe sua Coca, olhando em qualquer

direção, menos para mim.

— Não vai atender? — questiono, amenizando a leve irritação que

me possui.

Ele nega com a cabeça.

— Não é ninguém importante — fala dando de ombros.


Minha mão coça para poder pegar o celular e atender, matar a

curiosidade de saber quem era Giovana. Uma amiga? Não, Lion não tem

amigas. Ele é um cretino. Isso seria contato de alguma ficante.

— Sua amiga é muito insistente, tem certeza que não vai atender? —

pergunto mais uma vez. O vibrar insistente do celular me deixa

incomodada.

Lion solta uma risada como se debochasse de mim quando sentiu o

tom de ironia na minha voz, mas parece ainda mais interessado em

continuar me provocando.

— Como eu disse não é importante, posso ligar para ela depois que

sairmos daqui — responde, dando ênfase no “ela”.


— Deveria ir embora agora então, tenho certeza que Breno e eu não

sentiremos sua falta.

— Tem certeza disso? — sussurra se inclinando para se aproximar

de mim.

É tarde demais quando percebo o seu joguinho, e tenho vontade de

me estapear. Ele percebe que estou com ciúmes, mas não vou afirmar isso.

— Tenho — respondo séria, arrumando minha postura para ficar

ereta e vou me aproximando dele, ficando a centímetros do seu rosto com

aquele sorriso safado nos lábios, demonstrando o quanto está adorando o

joguinho.

— O que vocês estão fazendo? — escutamos a voz do B, me afasto a

tempo de ver a testa franzida e os olhos semicerrados. — Tem alguma coisa


no seu rosto, Ela?

Passo a mão pelo meu rosto, fingindo tirar alguma coisa inexistente,

sinto o meu corpo esquentar por termos sido pegos pelo Breno, mesmo que

não tenhamos feito nada demais.

E se ele comentasse com os nossos pais? Breno lembraria disso?

— Uhum! Lion estava me ajudando a tirar — respondo, e escuto

Lion tossir prendendo o riso.

Chuto sua canela por debaixo da mesa, escutando o guincho de dor e

Breno o olha sem entender. Lion irritado se abaixa para massagear o local

atingido.

Deveria ter acertado no saco dele, assim os planos com a amiga

seriam cancelados. Sorrio, desejando que Lion me provoque mais uma vez
para usar o plano a meu favor.

— Por que está com esse sorriso estranho no rosto? — Lion

questiona, e me faço de desentendida.

— Não sei do que está falando. — Dou de ombros, e foco em Breno,

que está com a atenção voltada para o brinquedo novamente.

Percebo a mãozinha dele tocando de forma segura e singela o

antebraço de Lion. Dá pra ver o quanto Breno sente a falta do irmão, mas as

circunstâncias não colaboram para que os dois se vejam sempre.

— Ele ficou tão feliz quando soube que iria nos encontrar aqui —

sussurro, para Lion, mas tenho a sensação de que se falasse um pouco mais

alto, talvez B nem escutasse por estar tão focado no brinquedo novo.
Olho para Lion que foca sua atenção no nosso irmão, é impossível

não perceber o olhar de amor e carinho, que ele faria de tudo para ver o

Breno feliz e bem.

— Ele sente muito sua falta, eu sei que a sua relação com seu pai

anda indo de mal a pior, mas tenta...

— Eu tento, Ariela. — Lion me corta, mas logo se arrepende do tom

bruto que usou. — Desculpa.

Assinto.

— Eu que peço desculpas, sei bem como você sempre faz de tudo

para estar perto dele, não estou cobrando nada, só queria que as coisas

fossem mais simples — digo, e seus olhos se voltam para os meus.


— Eu também queria — a forma que as palavras saem pelos seus

lábios tem um significado maior do que apenas uma resposta para o que eu

falei. — Como eu queria que as coisas fossem diferentes.

Aquiesço e abaixo a cabeça, brincando com a batatinha entre os

dedos.

— Como acha que estaríamos agora se aquele dia não tivesse

acontecido? — pergunto, e levanto a cabeça para ter a resposta de Lion

olhando para o seu rosto. — Se nossos pais não tivessem descoberto sobre a

gente?

Ele nega com a cabeça, focando os olhos em Breno, que permanece

alheio à minha conversa com o irmão.


— Ariela, que diferença faz? Não quero falar sobre isso, é passado

— ele tenta colocar um ponto final, mas sou teimosa demais para esquecer

e não ter uma resposta à minha curiosidade.

— Me responda, Lion — peço. — Acha que teríamos tido uma

chance?

Eu sei que é uma conversa séria que não deveríamos estar tendo,

principalmente na praça de alimentação com pessoas andando de um lado

para o outro, nossos rostos conhecidos por sermos filhos de quem somos.

Mas é mais forte que eu, tudo que envolve Lion é intenso demais,

incontrolável, sempre fico vulnerável a ele.

Lion ainda me tem nas mãos, mesmo que tente negar, que finja que

tudo acabou e ficou enterrado lá trás.


— Para ser sincero, acho que não estaríamos juntos — responde me

arranhando por dentro. Lion percebe pela minha expressão que algo está

errado e volta a falar: — Não por nós, mas pelos nossos pais, talvez não

tivesse sido naquele dia da descoberta, mas poderia ter sido em outro,

poderia ter sido pior.

Lion suspira, e olha de relance para Breno.

— Não teríamos chance, Ari. Mas tenho certeza que, por mim,

teríamos continuado juntos, estava disposto a enfrentar tudo e todos para

estar com você.

— Estaria disposto a enfrentar tudo para ficarmos juntos hoje? —

solto a pergunta, e vejo que o peguei de surpresa. Os olhos de Lion crescem

um pouco ao mesmo tempo que se fixam intensos nos meus.


Ele fica me olhando em silêncio, creio que pensa em uma forma de

responder, mas a demora me faz ver que hoje Lion não faria o mesmo de

antes, não seria capaz de lutar pela gente.

Lion Bianco é um homem agora, capitão do time de futebol,

independente e livre para ser o que quer, podendo ter todas as mulheres que

desejar, sendo um dos cretinos mais cobiçados.

É claro que não faço mais parte dos planos dele.

Quando estou prestes a falar para esquecer a pergunta, o vejo abrir a

boca para responder, mas o momento é cortado quando escutamos um arfar

ao lado da nossa mesa.

Pela visão periférica vejo uma sombra e antes que possa virar minha

cabeça na sua direção, escuto uma voz histérica e agitada.


— Ai, meu Deus, você não é o Lion Bianco?

Num reflexo me esquivo a tempo de levar uma mãozada na cara

quando a garota começa a pular animada. Lion, que está sem ação, começa

a achar a cena engraçada, pois um sorriso de lado aparece.

— Assisti seu último jogo, meu Deus, como mandou bem com

aquela bola, você correndo, dando tudo de si, e só parou quando enfiou a

bola dentro da rede — grita eufórica, olho para os lados, percebendo que

começamos a chamar atenção.

Procuro pelo Breno sentado ao lado de Lion, preocupada com ele.

Quase dou risada quando, ao ver a expressão de Breno para a garota, no seu

olhar, há julgamento pelo comportamento excessivo.


Chamo a sua atenção, pedindo para dar a volta e se aproximar de

mim, o que ele faz rápido, se sentando no meu colo.

— Sim, aquele jogo foi emocionante! — Lion fala, tentando ser

educado, mesmo que pareça desconfortável. — Eu não te conheço de algum

lugar?

Pronto!

O questionamento do Lion foi a cereja do bolo para a menina surtar

de felicidade.

— Não acredito que lembra de mim, esse é com certeza o melhor dia

da minha vida — a garota começa a dar pulinhos novamente.

Tenho certeza de que ela deve ter entre dezesseis a dezessete anos.
— Sou a Mila, faço parte do fã clube do time de Bento Gonçalves,

será que poderia tirar foto comigo e minhas amigas? — pergunta e

automaticamente faço a mesma coisa que Lion, olho para o lado, vendo

mais duas garotas, que acenam para o Bianco, de forma mais contida e

tímida.

Vejo Lion se levantar, pegando o celular da garota e se juntando às

demais para tirar a foto.

— Quem são essas meninas, Ela?

— São fãs do seu irmão, elas acompanham o time da cidade — digo,

apertando meus braços em volta de Breno e cheirando seu pescoço.

Seu cheirinho ainda de bebê me faz querer enchê-lo de mordidas e

beijos. Ele solta uma risadinha se contorcendo no meu colo.


— Tenho cócegas, Ela — diz, e me contento em não apertá-lo mais.

— Lembra da vez que fomos assistir um jogo dele no ano passado?

— Sim. — responde pensativo.

Era a final do campeonato e por algum motivo que não entendi, de

começo, Pedro resolveu que queria assistir ao jogo. E me convidou para que

fosse junto com ele, Claudia e Breno.

Pedro pegou justamente o camarote fazendo questão de mostrar para

todo mundo que estava lá pelo filho, mas a ficha caiu para mim com o

passar dos minutos. Pedro queria, de alguma forma, humilhar Lion,

mostrando o quanto ser jogador de futebol era um desperdício, e que ainda

assim, ele o sustentava e que Lion não era capaz de bancar a vida sozinho.
Nunca torci tanto em um jogo de futebol como torci naquele dia. O

time ter ganhado me deixou muito feliz, fiquei orgulhosa ao ver que em

todo o momento Lion estava dando tudo de si, agindo como um verdadeiro

capitão do time, e quando fez o gol decisivo que nos levou à vitória, fiquei

radiante, porque senti o ego de Pedro diminuir naquele momento.

Lembro que, no camarote um pouco mais ao lado, estavam Artho,

Eros, Dimitri e os gêmeos, torcendo pelo amigo. Gritando, assobiando,

soprando palavras de incentivo.

Era bom saber que independente do que acontecesse, Lion sempre

teria a amizade deles.

— Ariela? — escuto Lion chamar, e isso me faz despertar das

lembranças. — Poderia tirar a foto?


Faz um gesto para o celular e eu assinto, tirando Breno do meu colo

para o colocar sentado na cadeira. Pego o celular, dando alguns passos para

trás e foco a câmera neles.

O sorriso torto de Lion mostra o garoto tímido que havia sido um

dia, as meninas com os braços ao redor dele, radiantes, como se realmente

aquele dia estivesse sendo o melhor da vida delas.

Mesmo que Lion não fosse tão famoso, ainda tem pessoas que o

param para conversar e tirar foto, além do mais, é Lion Bianco, herdeiro

dos vinhedos, capitão do time da cidade, um dos responsáveis de fazer

Bento campeão, e cretino, mas claro que esse outro lado dele só era

conhecido pelas mulheres.

Entrego o celular novamente e o observo se despedir das meninas

com abraços curtos e educados. E fico pensando na minha pergunta e que


provavelmente nem seria lembrada por Lion.

E é melhor assim, as coisas entre nós dois precisam continuar do

jeito que estão, mesmo que eu precise criar uma força fora do normal para

não cair em tentação e ir atrás dele, de novo.

 
Lion

Sexta-feira, 21 de julho de 2017

Nem preciso dizer o quanto Ariela fodeu com a minha mente desde

que me procurou no começo do mês. Estava indo tão bem sem ver ou falar

com ela. Aquela diaba estragou tudo, fodeu com meu psicológico.

E o fato de Clarice tentar contato comigo novamente por ligação

nesses últimos dias só deixou as coisas ainda mais vulneráveis para mim.
Ouço batidas na porta do meu quarto antes de ela ser aberta e a

cabeça de Dimitri aparecer.

— Não vai para a festa? — questiona, entrando no quarto.

Ele chuta a porta para fechá-la e se joga ao meu lado na cama,

enchendo a boca de pipoca. Algumas voam da vasilha, atiradas para alguns

lados da cama, e reviro os olhos.

Chegou o fim das férias e as festas rolam por todo lado entre os

veteranos, aproveitando cada segundo antes do novo semestre começar.

Isso era desculpa esfarrapada de todos, iludido é quem acha que

essas festas não acontecem o tempo todo, até mesmo em semanas de aulas,

com provas e avaliações. Geralmente fazíamos festas somente aos sábados,

ainda temos um pouco de juízo para não nos prejudicar na faculdade.


— Preciso de uma carona — declara, nem mesmo pergunta se eu

podia dar a carona ou não.

— E por que precisa de carona? — respondo ao enfiar a mão dentro

da vasilha de pipoca, levando um bocado à boca. — Pode muito bem ir com

o seu carro.

— Não estou a fim — Dimitri diz, dando de ombros.

— E vai voltar como? Não serei seu motorista, você anda muito

folgado — solto uma risada ao finalizar a frase.

Ele bufa.

— Nunca tive problema para isso — responde seco.


Dimitri anda bem mais mal-humorado desde que soube que Giulia

voltou para cidade.

— Vai rolar festa no edifício universitário também — joga a

informação como não quer nada. — Não vai aparecer por lá?

— Fiquei sabendo, porém não tenho motivos para isso.

Ele solta uma risada curta.

— Você quer enganar quem? Sabe que comigo não funciona.

Odeio o fato do Dimitri me conhecer tão bem quando o assunto é a

Ariela.

Aquela diaba.
Não sei se deveria contar para o Dimitri a proposta que Ariela fez.

Meu amigo nunca veria isso como certo.

— Ariela e eu não temos mais nada, nunca daríamos certo, não sei

por que ainda tento.

— E qual foi o motivo dessa vez? — pergunta, estranhando o fato de

não ter contado sobre o corte de contato mais uma vez.

Continuo deitado, não tenho coragem de olhar para o meu amigo

quando começo a contar, mesmo com receio do que acharia da condição da

Ariela.

Ele a julgaria?

— Ela me fez uma proposta, disse que só voltaria comigo se eu

falasse com a minha mãe.


O quarto fica em silêncio por vários segundos, e fico em dúvida se

realmente Dimitri escutou o que eu disse. Não olho para o lado para ver sua

reação, dificilmente expressava alguma. 

— Você não tem nada a perder, se não for falar com ela, vai passar o

resto da vida se perguntando o que teria acontecido — declara, sincero e

direto, não se importando sobre como sua fala atormentaria meus

pensamentos por longos dias.

E com isso, ele se levanta e sai do meu quarto em silêncio,

finalizando a nossa conversa.

A resposta dele me deixa pensativo por alguns segundos, o que é tão

importante para Clarice querer falar comigo, depois de quase um mês

permanecendo na cidade, me esperando ir encontrar com ela?


Percebo que sem demonstrar ou falar, Dimitri pareceu não julgar

Ariela e o acordo, de alguma forma até pareceu apoiar a proposta dela. Ele

no meu lugar teria ido ao encontro da mãe para tirar a história a limpo.

Me recuso a passar a sexta em casa, sofrendo com indecisões

capazes de me tirar o sono.

Como dito, Dimitri está ao meu lado no carro. Estamos indo para a

festa que está acontecendo fora da cidade. Se recusou ir no seu carro, e

muito menos com um dos meninos, tenho quase certeza de que ele usa isso

para me provocar.

Meu celular toca e vejo o nome de Ariela no visor, decido ignorar,

não quero acabar com a minha noite com outra discussão. Sua pergunta
ainda martela na minha cabeça. Não vou pensar mais nisso.

O celular toca de novo interrompendo o som do carro que toca um

funk. Dimitri me olha de canto de olho, mas resolvo ignorar os dois, ele e

Ariela.

Meu celular continua tocando, e desisto de ignorar Ariela e a atendo,

começando a me preocupar que algo tenha acontecido por causa da

insistência.

— Oi — atendo, ainda focado na estrada à frente, ao mesmo tempo

ansioso para saber o que Ariela quer.

Sua voz suave ainda tem efeitos pelo meu corpo.

Dimitri, ao meu lado, solta uma risada rouca e curta, e o olho de

relance por breves segundos, sem entender qual é a graça.


— Você vira um cachorrinho quando Ariela aparece, estava me

perguntando por quanto tempo conseguiria ignorar a ligação dela — Dimitri

debocha.

Não consigo socá-lo por estar com uma mão no volante e outra

segurando o celular na orelha, mas ele lê meus lábios quando o xingo de

filho da puta.

Perco o foco do meu amigo quando ouço um gemido seguido de um

suspiro do outro lado da linha.

— Ariela? — a chamo, estranhando nenhuma resposta, meu coração

acelera, e meus pensamentos começam a ter controle próprio criando várias

cenas na cabeça. — Ari, está por aí? — minha voz sai com um tom de

urgência, alertando Dimitri.


— Você não respondeu a minha pergunta — Ariela responde com

voz enrolada e grogue, e percebo o quanto ela está bêbada.

— Ariela, você está bêbada? — pergunto, mesmo sabendo a

resposta. — Onde você está? — continuo perguntando preocupado.

— Não importa, você não liga para isso — ela pausa a fala, e escuto

um gemido com algo caindo logo em seguida. — Merda.

— Ariela — chamo por ela sem saber o que fazer, nunca havia

presenciado uma cena dela bêbada antes, ainda mais em uma festa com

pessoas conhecidas e desconhecidas.

— Eu quero a resposta da minha pergunta, você não quer ficar

comigo — ela choraminga e soluça.


— Ari — a chamo de novo, ignorando Dimitri ao meu lado atento a

tudo. — Não deveríamos estar falando sobre isso, ainda mais com você

bêbada. Me diz onde está e se está segura — peço, preocupado.

Estou louco para ir atrás dela agora.

Um silêncio se prolonga, consigo escutar um barulho de porta no

fundo com passos pesados, o barulho do som alto está abafado. Ariela deve

estar em algum cômodo que anule um pouco o som, ouço o suspiro leve

dela.

No quarto dela talvez, sinto alívio que logo passa quando escuto a

voz de um cara.

— Ah, aí está você, fiquei te procurando... — sua voz arrastada

indica que o cara também está bêbado, me desespero ao perceber que está
sozinho com Ariela, seja lá onde for.

Já nem consigo ver mais nada da estrada de tanta raiva.

— Lion — Dimitri me chama ao ver meu estado.

— Com quem está falando? — uma pausa de longos segundos se

inicia, e começo a ver vermelho. — Lion? Esse aqui não é seu irmão? — o

cara pergunta a Ariela com a voz grogue.

— Fique longe dela, seu infeliz — rujo, apertando o aparelho celular.

— Cara, se preocupa não, vou cuidar da sua mana direitinho... — a

voz do cara me causa náuseas, e fica tudo pior quando a ligação é

finalizada.
Minhas mãos estão tremendo quando piso no freio, fazendo Dimitri

precisar segurar no painel do carro mesmo com cinto de segurança. Começo

a fazer a manobra para voltar à cidade.

— Porra, o que aconteceu? — Dimitri pergunta, curioso. — Ariela

está bem?

— Não sei, caralho — xingo, batendo no volante. — Ela está

bêbada, não consegui entendê-la direito por causa do som alto, e tem um

filho da puta com ela — bufo soltando mais alguns palavrões.

Tento ligar para ela e só chama, me deixando ainda mais aflito.

Estou puto com Ariela por ter sido tão irresponsável para ter bebido

ao nível de perder a consciência, e irado ao imaginar as mãos daquele

desgraçado nela.
Só me vêm imagens ruins na cabeça, ele a tocando enquanto ela não

tem forças para afastá-lo, pedindo ajuda e ninguém escutando por causa da

porra da música alta.

— Calma, Lion, ela deve estar bem — Dimitri pede. — Ariela está

no edifício, não é? Com certeza deve estar rodeada de pessoas, não

deixariam que nada acontecesse com ela.

— Você sabe como essas festas funcionam, onde rola bebidas e

maconha, ninguém tem condição de cuidar de ninguém — digo revoltado,

preocupado e puto da vida.

Eu sei que meu amigo está tentando me manter calmo, mas nada

consegue me acalmar no momento, só preciso encontrar Ariela e saber que

está bem, antes de matar o infeliz que teve a audácia de tocá-la.


Dirijo no automático sem prestar atenção em nada, muito menos no

Dimitri ao meu lado. Estaciono o carro de qualquer jeito e saio deixando a

chave ainda na ignição, Dimitri acaba ficando para trás para resolver a

questão.

Assim que entro no hall do edifício, corro direto para as escadas, não

perco tempo esperando o elevador chegar no andar, quanto menos tempo

gasto, mais tempo terei para saber se Ariela está bem.

Já posso ouvir o som da música que toca na cobertura ficar mais alta

à medida que me aproximo. Enfim, quando estou no corredor da cobertura

onde Ariela mora com outras meninas, vejo a bagunça de corpos dançando.

Pessoas se pegando no meio de todo mundo, rolando beijos e mãos

bobas. Passo por todos com a única intenção de achar Ariela no meio dos

corpos vulneráveis e cheios de álcool na veia.


Entro na casa delas e esbarro em algumas pessoas, viro a cabeça para

todos os lados à procura dos cabelos loiros e olhos azuis que me fazem

sentir tantas emoções intensas.

— Lion — escuto meu nome ser chamado, e me viro para trás para

ver uma das colegas de Ariela se aproximando.

Seu sorriso aberto e surpreso deixa claro suas intenções. Reconheço

melhor seu rosto ao perceber lembrar que seu nome é Isabelle, e que já

fiquei com ela.

— Não esperava ver você aqui — diz, se aproximando e toca no meu

braço. — Quer beber alguma coisa? Dançar? Ou podemos curtir do jeito

que quiser.
Isabelle usa um vestidinho azul que gruda no seu corpo, deixando

seus peitos bem apertados com o decote da peça. Talvez se fosse em outro

momento eu teria aceitado o convite, mas agora nada mais importa além de

Ariela.

— Desculpa ter que recusar o convite, mas na verdade estou atrás da

Ariela, você a viu? — pergunto, e vejo a expressão de descontente, ela

suspira e assente.

— A última vez que a vi foi indo em direção ao quarto dela com o

Leonardo — faz um gesto com a cabeça, indicando o quarto de Ariela, e

começo a caminhar em direção a ele. — Ela deve estar se divertindo, Lion.

Deixa de ser um estraga prazeres, podemos fazer o mesmo.

Ignoro seu comentário e sigo andando, vejo os olhares de surpresa e

malícia de algumas mulheres. Quando chego na porta do seu quarto, respiro


fundo, torcendo para que Ariela estivesse dentro dele e bem longe de todo o

perigo.

Viro a maçaneta, mas a encontro trancada, e a calma que tinha

segundos atrás, some. Bato na porta, chamando o seu nome e não recebo

resposta nenhuma.

— E aí? — Dimitri para ao meu lado, olhando para a porta. —

Ariela está aí dentro?

— Tudo indica que sim — respondo, e bato na porta novamente,

virando a maçaneta. — Ariela, sou eu, abre essa porta.

Estou quase esmurrando a porta, posso senti-la estremecer, no

mesmo compasso da música alta tocando.


— Se aquele filho da puta estiver aí dentro com ela... — corto minha

fala, guardando a minha raiva somente para o cara que sairia daqui

irreconhecível.

— Te dou toda razão para quebrar a cara dele, se for preciso ainda o

seguro — Dimitri responde, e não vejo tom de brincadeira na sua voz,

porque com ele nunca tinha.

— Não sabia que você era um irmão tão protetor assim — escuto o

comentário de Isabelle, percebo que havia esquecido da presença dela, e

que deveria agir como um irmão para Ariela e não um namorado

preocupado e ciumento.

O que não sou, nem irmão e muito menos namorado. Não sou nada

na vida dela.
Quando penso em bater de novo na porta, a maçaneta se mexe, e

logo a porta está aberta. Uma garota aparece e fico confuso por não ser

Ariela.

— Cadê a Ariela? — passo pela garota, olhando por todo o cômodo

atrás da única mulher capaz de me enlouquecer.

Não vejo Ariela e muito menos o cara que falou comigo pelo celular.

Estariam em outro lugar?

— Está no banheiro passando mal — ela responde, e vou em direção

à porta aberta, encontrando Ari sentada no chão, ao lado do vaso sanitário,

com os olhos fechados.

Sem sinal do infeliz, o que me alivia.


Seu rosto está borrado por conta do rímel que escorre pelo rosto

acompanhado pelas lágrimas, os cabelos loiros emaranhados no que parece

ser em um rabo de cavalo.

— Podem sair, por favor? Eu assumo daqui — peço, e olho para

Dimitri fazendo um gesto com a cabeça de que está tudo bem.

— Tem certeza? Posso ficar, se precisar — meu amigo oferece.

— Tenho. Ariela deve só dormir agora, provavelmente vai acordar

com uma ressaca do caralho amanhã — respondo. — Vou ficar caso ela

precise de algo. Pode voltar com o meu carro, te ligo amanhã para me

buscar.

Assente sem dizer nada, mas espera as garotas saírem antes de fazer

a pergunta.
— Acha que é uma boa ideia?

— Foda- se o que vão achar depois, Dimi. É a Ariela precisando de

mim aqui — respondo, e meu amigo assente mais uma vez.

— Imaginei que diria isso — declara, e sinto o tom de aprovação

nele.

Dimitri se vira indo em direção à porta para ir embora, e vou logo

atrás para poder trancá-la.

Ariela ainda está do mesmo jeito que a vi quando cheguei. Me

abaixo ao seu lado e a pego pela cintura para colocá-la sentada na tampa do

vaso.

— O que eu faço contigo, Ariela? — sussurro somente para mim,

sem esperar uma resposta vinda dela.


Mas Ariela me surpreende ao me responder.

— Não me deixe — pede.

Eu levanto a cabeça para olhar seus olhos vidrados em mim,

tentando deixá-los abertos. Sinto sua mão no meu rosto, acariciando de uma

forma delicada.

— Não me deixe, fica comigo — pede novamente, deitando a cabeça

no meu ombro, sinto seus ombros tremerem, e sei que está chorando

quando começa a fungar.

— Estou aqui, amor, não vou embora — digo, subo e desço a mão

pelas suas costas, a tranquilizando.

Eu não seria capaz de deixá-la mesmo que quisesse. Ariela tem uma

parte de mim, que é dela para fazer o que quiser.


— Promete? — pergunta, soluçando ao apertar forte os braços em

volta de mim.

— Prometo.

Ela não diz mais nada, o choro vai parando aos poucos. Espero mais

alguns minutos antes de soltá-la para lhe dar um banho.

Ariela me observa abrir o box do banheiro e ligar o chuveiro, me

viro para ela que está com os olhos pequenos por conta do sono, mas

voltados totalmente para mim.

— Vou te ajudar a tomar um banho, vai te fazer sentir melhor para

dormir tranquilamente.

Ela assente, a ajudo a se levantar para poder tirar o vestido. Seus pés

estão descalços, deve ter perdido o calçado em algum momento da festa.


Ariela fica apenas de sutiã e calcinha, a guio para dentro do box e a

água quente toca sua pele macia, alguns respingos de água caem nas minhas

roupas, mas não ligo para isso.

Pego o shampoo para lavar seus cabelos e a escuto suspirar quando

meus dedos tocam seu couro cabeludo, massageando cada parte. Ensaboo

seu corpo, sentindo o aroma do mesmo sabonete que sempre usou, desde

que nos conhecemos.

Tem coisas que nunca mudam.

— Você consegue terminar o banho? — pergunto, me referindo a ela

tirar a calcinha e o sutiã para terminar de se limpar.

— Sim.

— Quando terminar, me avisa.


Me retiro de dentro do box para procurar no armário no canto do

banheiro por toalha limpa, percebo que minha camisa está toda molhada,

assim como a calça.

Havia tirado o tênis antes de entrar no banheiro, o que facilitou que

não molhassem também.

Assim que Ariela termina o banho, volto com a toalha, evitando

olhar para seu corpo de costas para mim. Envolvo o tecido no seu corpo e a

ajudo a sair do banheiro em direção ao quarto.

Na cama, eu já havia separado uma peça de roupa para ela, que veste

sozinha sem precisar da minha ajuda. Ela deita na cama em seguida e eu a

embrulho.
Dou a volta na cama, e retiro a camisa molhada, decidindo ficar

somente com a calça e deito ao seu lado. Realizo tudo isso com Ariela o

tempo todo me olhando, e permanece assim até quando já estou deitado ao

seu lado.

— Melhor descansar um pouco — sugiro. Ariela nada diz, somente

me encara.

— Por que você veio? — sussurra.

— Você precisava de mim — digo.

Com a gente, em nossas conversas nunca foi preciso enrolar, era

sempre direto, e gosto de saber que isso não mudou.

— Achei que não quisesse mais contato comigo — responde com a

voz saindo fraca e baixa.


Suspiro, e me viro de barriga para cima, olhando para o teto.

— Você não respondeu à pergunta que fiz aquele dia no shopping —

volta a falar.

Viro somente a cabeça de lado para olhá-la, sabia exatamente de qual

pergunta está se referindo, mas finjo que não me lembro, só para ouvi-la

perguntar novamente.

Um suspiro lento sai pelos seus lábios entreabertos, e me pego com

os olhos fixos nele.

— Estaria disposto a enfrentar tudo para ficarmos juntos novamente?

— questiona e me olha aguardando a resposta.

Mesmo que as palavras saiam perfeitamente, Ariela ainda está

bêbada, só que com um pouco de consciência, mas não queria ter essa
conversa agora, porém, quero ser sincero.

A gente sabe que não dependeria somente de mim para fazer as

coisas darem certo, e preciso dizer isso em voz alta para recordá-la de todas

as vezes que a decisão de não ficar juntos partiu dela.

— Sabe que eu seria capaz de tudo por você, Ariela — confesso, a

surpreendendo um pouco com a intensidade das minhas palavras. —, mas

do que adianta eu querer estar disposto a ficar ao seu lado e não ser

recíproco da sua parte, você vivendo com medo dos nossos pais, da opinião

da sociedade?

Ela respira fundo, e as palavras a pegaram de jeito, não estava

preparada.
— Se voltássemos agora, tendo esse empecilho, já teríamos uma data

de validade, e sabe disso.

— Você não tem como saber.

Penso em respondê-la com o histórico do nosso relacionamento

desde o início, mas sou impedido quando Ariela se inclina para frente e me

beija, sem que eu esperasse.

Seus dedos entram por meus cabelos, e me ajeito melhor para a

trazer para cima de mim e segurar sua nuca para ter mais acesso ao beijo.

Ariela já está por cima de mim, sentada na minha cintura e suas mãos ágeis

passam pelo meu abdômen e preciso ser forte em segurá-las antes de Ariela

tentar abrir minha calça.


— Ari — sussurro. — Assim não, não quero transar com você nesse

estado.

Ela faz um muxoxo com a boca e assente, deitando com a cabeça no

meu peito, e suspiro aliviado. Essa Ariela bêbada tem a mesma teimosia de

quando está sã.

Sorrio, e deixo um beijo no topo da sua cabeça, acariciando o braço

até sentir sua respiração acalmar e ficar serena, e assim pego no sono, sem

nem mesmo escutar o barulho da festa do lado de fora.

 
 

 
 

 
 

 
Ariela

Sinto minha cabeça dar algumas pontadas quando me mexo, solto

um gemido ao tentar movê-la, levo a mão à testa para pressionar a têmpora

em busca de alívio, mas tenho a sensação de que tudo parece ficar pior.

Escuto a porta do meu quarto bater ao se fechar, tento brigar com a

pessoa que acabou de entrar para fazer menos barulho possível, mas minha

cabeça parece que vai estourar de tanta dor.


Suspiro quando uma mão fria toca minha testa, causando um certo

alívio momentâneo na dor, até precisar abrir os olhos para ver a pessoa

sentada ao meu lado.

— Lion — sussurro seu nome.

Ainda não tinha parado para pensar se foi sonho ou realidade o fato

de ele estar no meu quarto, me ajudando ontem à noite. Sua presença aqui

me diz que é real.

— Consegue se sentar? — pergunta. — Trouxe um remédio para dor

de cabeça. — Olho a mão segurando um comprimido.

Meu estômago revira quando me sento, indicando que não cairia

bem se tentasse ingerir alguma comida agora. Pego o comprimido,

colocando dentro da boca e apanho  o copo d’água que Lion segura.


Respiro fundo ao beber toda a água do copo, ainda sinto sede, mas

talvez não seja uma boa ideia com as náuseas que estou sentindo. Me deito

novamente, me cobrindo até o pescoço.

Olho para Lion, que me observa com um sorriso de lado.

— O que foi? — questiono, curiosa, lembrando de tudo o que rolou

depois que ele chegou ontem, até mesmo do beijo.

— Eu sabia que você acordaria péssima — ouço sua risada e fecho

os olhos, incapaz de jogar o travesseiro na sua cara. — Você sabe que foi

irresponsabilidade sua ficar bêbada e não ter ninguém para ficar de olho em

você, imagina se tivesse acontecido alguma coisa.

Não vejo mais a graça no rosto de Lion, quando me olha sério.


— Eu me viro bem sozinha, Lion, não preciso de sermão — digo,

mesmo sabendo que ele está certo, mas não darei o braço a torcer.

Logo ele que tem uma vida cretina e faz o que quiser, pouco se

importando com a opinião das outras pessoas, muito menos do pai dele.

Pedro fica puto com isso, tenho certeza de que a metade disso é por

implicância com o pai, para mostrar que Pedro não tem poder na vida dele.

— Não foi o que pareceu ontem à noite, até mesmo deixou um filho

da puta entrar no seu quarto. — Franzo a testa, sem lembrar de nada.

Perco o raciocínio quando Lion se movimenta para deixar o copo

vazio na mesinha ao lado da minha cama e os músculos dos seus braços se

contraem, me dando vontade de passar as mãos pela sua pele quente,


subindo um carinho e descendo com as unhas, arranhando sua pele

bronzeada.

— Ariela? — Lion me chama e se inclina para tirar uma mecha de

cabelo do meu rosto.

— Estou bem, só me distraí por um momento — digo e ele sorri ao

perceber o motivo do meu desligamento.

— Você precisa comer alguma coisa, está fraca depois de tudo o que

vomitou — declara,  a menção de comer alguma coisa faz meu estômago

retorcer.

Balanço a cabeça, negando.

— Não vou conseguir, não agora — respondo, colocando a mão na

boca.
Ele solta uma risada e aquiesce.

— Não pode ficar sem comer por muito tempo, Ari, precisa

recuperar as forças — fala, todo preocupado.

— Eu irei comer, só que não consigo agora. — Ele abre a boca para

contestar, mas o calo: — Não seja teimoso, deita aqui comigo.

Me afasto do lugar que estou para dar espaço para ele se deitar ao

meu lado. Sinto as pontas da cabeça e, gemendo, lembro que preciso me

mexer o menos possível.

Lion revira os olhos, mas se ajeita para deitar ao meu lado, espero

ele se acomodar para deitar minha cabeça no seu peito quente e me

aconchego melhor quando me abraça, fazendo carinho na minha cabeça.


A cobertura toda está em silêncio, as meninas devem estar tratando

da ressaca embaixo da coberta, evitando barulho e claridade.

Lion e eu ficamos um bom tempo curtindo o conforto do silêncio,

mas por mais incrível que seja tê-lo aqui comigo, uma pergunta ronda

minha mente, e eu preciso mais que tudo sanar ela.

— Vai ou não perguntar? — Lion me desperta dos pensamentos. —

Estou vendo que em algum momento vou ver fumaça saindo da sua cabeça.

Dou risada, e afundo o nariz no seu pescoço, respirando o perfume.

— O que somos agora? — questiono. — Nossa situação me deixa

muito confusa.

Ele suspira, e sinto que não sou a única perdida sobre nós dois.
— Tirou da cabeça aquela ideia que me propôs? — questiona.

— Não tirei, ainda acho que deveria procurar a sua mãe e saber a

versão dela de tudo, mas sei que não posso te forçar a tomar essa decisão.

Ele não me responde, fica pensativo por uns instantes, não quer

entrar nesse assunto.

— A única coisa que eu sei é que não conseguimos ficar longe um

do outro — responde, e levanto a cabeça para olhar seu rosto.

— A gente nunca consegue ficar longe um do outro, essa é a verdade

— digo, descendo os olhos dos dele para a sua boca. — Por mais que a

gente tente com todas as forças, nunca vamos esquecer o que vivemos.

Lion toca meu rosto, passando o polegar pela minha boca e eu me

inclino para a frente, juntando nossas bocas. O beijo é lento nos primeiros
segundos, e se intensifica, quando passo minhas pernas por cima dele.

Minhas mãos passam pelo seu abdômen, subindo para seu peito e

logo as perco nos cabelos de Lion. Ele tem as mãos na minha coxa, as

apertando na medida que as coisas esquentam entre a gente.

— Ari... — ele sussurra. — Você precisa descansar.

Ele segura meu rosto, beijando levemente meus lábios, e não parece

que quer parar, me provocando desse jeito.

Bufo, e deito ao seu lado, e o gesto me faz sentir uma pontada dentro

da cabeça, causando arrependimento por ter bebido além do que podia na

noite anterior.

— Vai ficar aqui comigo? — indago, olhando em seus olhos

castanhos claro.
— Vou cuidar de você, para ter certeza que ficará bem. Depois peço

para Dimitri me buscar — ele fala, e tento não sorrir com o cuidado e

preocupação comigo.

Aquiesço levemente, evitando mexer a cabeça e deito em seu peito,

por cima da tatuagem com a data do nosso primeiro beijo. Na primeira vez

que a vi, não tive muita reação, achei que estivesse vendo coisas.

Porém, ali está ela, mostrando que o que tivemos foi real e

verdadeiro, só não achei que Lion seria doido em tatuá-la no corpo.

— Dorme um pouco, o remédio logo vai fazer efeito.

Sinto Lion deixar um beijo casto na minha testa, e fecho os olhos

para dormir um pouco, aproveitando esse tempo com ele.

 
 

 
 
Lion

Sexta-feira, 18 de agosto de 2017

Os dias passaram voando, com o decorrer disso, Clarice não tentou

mais contato, acho até que desistiu da ideia de falar comigo, mas sei que

ainda está na cidade.

Pedro não me procurou em nenhum momento para conversar sobre a

aparição da mulher que me colocou no mundo, porém anda rodeando muito


ultimamente, o que é estressante, mas tenho certeza de que essa postura é só

por causa de Clarice, e o fato de ela estar na cidade.

Me sinto monitorado por Pedro para ver se sou capaz de dar espaço

para a aproximação de Clarice, se ele soubesse que não quero nem ver, e

muito menos conversar com ela, me deixaria em paz, mas de alguma forma,

o fato de ele estar perturbado desse jeito me diverte.

Estou a poucas quadras da boate que Ariela e Giulia estão essa noite.

Dimitri, ao meu lado, está quieto, olhando para fora da janela, ansioso para

chegar e ficar de olho na sua garota.

Nos últimos dias, Ariela e eu éramos o meio de comunicação dos

dois, parecendo carteiros, levando e trazendo informações e mensagens.

Agora Dimitri não precisa mais de ajuda, já que Giulia aceitou o iPhone

novinho que ele comprou para ela.


Isso não quer dizer que não fui obrigado a descobrir onde as meninas

iriam essa noite. Quero dizer, não fui “obrigado”, queria realmente saber

onde estariam. Usei a desculpa de que era Dimitri quem queria saber, sem

precisar confessar que também estava louco para saber.

Estaciono o carro, observando ao redor que o lugar parece tranquilo,

e logo entramos na boate.

Subimos para o andar de cima onde fica os camarotes, e de lá

localizamos as duas e mais uma amiga, rodeadas de caras.

Ariela ri, se divertindo com algo que o carinha ao lado comenta,

praticamente se jogando em cima dela, e é impossível não querer matá-lo

nesse momento.
Resolvemos descer passando no bar antes para pegar uma cerveja,

um pouco distante para que as duas não percebessem a nossa presença, e

ficamos de olho. Até quando aguentaríamos? Eu não sei.

Não sei para meu amigo em relação a Giulia, mas, pra mim, é

horrível ver Ariela em volta de tantos caras a cobiçando.

A filha da mãe está usando um vestidinho preto curto até as coxas e

um salto alto da mesma cor. Os cabelos loiros estão presos em um rabo de

cavalo alto, dando a visão do seu pescoço livre.

Só consigo imaginar minha mão apertando-o enquanto a fodo forte e

bruto. Cutuco Dimitri quando percebo as duas se distanciando do grupo

para ir até o DJ. Assim como eu, ele está de olho na sua garota.
Ariela sobe no palco, sendo seguida por Giulia e a amiga, que não

faço ideia de quem seja. Talvez faça parte do curso de uma das duas. Ari é

atrevida ao se inclinar na mesa do DJ para chamar sua atenção, que tira o

headphone para atendê-las.

Olho para Dimitri, que parece que vai surtar a qualquer momento de

tanta raiva.

— Parece que você saiu de casa para passar raiva — provoco meu

amigo, com um sorriso debochado no rosto.

— Por que eu estaria passando raiva?

— Seu queixo parece que vai se partir de tanto ódio — respondo, e

bebo o restante da minha cerveja.


— E você saiu de casa para ficar babando pela sua irmã – Dimitri

devolve, as palavras saindo como ácido.

A frase não me atinge, tenho vontade de rir da sua cara, mas me

controlo, não querendo ganhar um soco nesse momento, pelo menos não

nessa noite. Fora que o soco dele dói para porra.

— Pelo menos eu sei que vou terminar a noite com ela — declaro, o

atingindo.

— Vai se foder — ruge.

— Não, cara. Eu é quem vou foder — garanto e aponto com a

cabeça para onde Ariela está.

Ele vira o rosto para frente de novo ao me ignorar, sei que as minhas

brincadeiras só estão tirando o resto de paciência que lhe sobra. As meninas


descem do palco e presto atenção na música que começa a tocar, não

esperava que escolhessem um funk.

Não estava preparado para vê-las começarem a dançar. Giulia é a

mais ousada, rebolando até o chão, com muita destreza e prática.

Meu amigo a encara o tempo todo, sem desviar os olhos de Giulia, e

faço o mesmo com Ariela. A forma como mexe o quadril faz o tecido do

vestido subir mais um pouco, ao ponto de quase mostrar a calcinha, mas

não acontece porque ela segura a barra, a descendo o tempo todo.

Ariela me fascina, tudo nela mexe comigo e me sinto incapaz de

ficar longe.

Em uma das puxadas no tecido, ela vira a cabeça e me vê no meio de

todo mundo. Mesmo com os jogos de luzes diminuindo a visibilidade da


cena perfeita na minha frente, consigo vislumbrar seu sorriso. Ariela passa a

língua pelos lábios, logo depois puxa com o dente a parte inferior enquanto

me olha.

A diaba começa a me provocar ao dançar ainda mais sensual,

começo a ficar louco imaginando as coisas que poderíamos estar fazendo

agora, meu pau fica sem espaço dentro da calça.

Em questão de segundos, Ariela para de dançar, começando a se

afastar da pequena roda formada no momento em que dançavam funk,

chamando a atenção de todo mundo.

Sem perder muito tempo, a sigo, tentando apressar os passos para

ficar mais perto, vejo os homens mexerem com ela na medida que passa por

eles, mas ela ignora.


Minha garota só tem a intenção de ficar comigo essa noite, e não vai

se arrepender da escolha.

No corredor escuro que leva para os banheiros da boate, Ariela para,

se encostando na parede. Consigo ter uma boa visão dela quando me

aproximo. Ela me olha, jogando os cabelos para o lado.

Aquele olhar.

Porra, o olhar que sei quando quer ser fodida gostoso, da forma que

somente nós somos capazes de fazer, como só o nosso corpo implora e

deseja.

Aquele olhar de redenção, luxúria e tesão.

— Você ama me provocar — sussurro, com o corpo bem próximo do

seu.
É arriscado demais estar tão próximo de Ariela, não tem nada de

fraternal nos nossos corpos grudados, cheios de desejo.

A sorte está ao nosso favor, pois o corredor está vazio, mas não

significa que será assim por muito tempo.

Racionalmente, penso sobre sermos pegos. A maior parte de mim,

aquela que deseja Ariela com toda a força, não liga, porém, a menor se

preocupa com ela e como a situação seria confusa e perturbadora se nos

encontrassem de forma comprometedora.

Os pensamentos se esvaem quando sua mão sobe pelo meu peito,

parando no pescoço com as unhas cravando na minha nuca, seus lábios

pintados de vermelhos estão entreabertos enquanto me encara com um

brilho azul nos olhos. Ela me fascina.


Mordo seu lábio inferior, o chupando lentamente, sinto a temperatura

dos nossos corpos aumentar pelo tesão. Ariela segura minha mão, a guiando

e posicionando entre suas pernas.

Ela suspira quando eu aperto uma de suas coxas e subo mais com

urgência. Meus dedos param em cima da calcinha, e Ariela se remexe nos

meus dedos causando um atrito gostoso.

Coloco o tecido minúsculo de lado, e uso dois de meus dedos para

deslizar pela sua boceta molhada, pressionando o clitóris, um gemido

gostoso e manhoso sai de sua boca.

— Não podemos fazer isso aqui — digo, mas não paro com a

massagem no seu ponto de prazer, trabalhando com os outros dedos na sua

entrada.
— Sim — responde, sem fôlego.

— Mas você gosta de um perigo — declaro, afirmando. — Assim

como gostava quando tínhamos nossos pais no mesmo teto, correndo o

risco de sermos pegos.

Enfio o dedo do meio dentro dela, escutando seu gritinho. Ariela

procura minha boca para beijar, e desvio dela, sorrindo, a provocando do

mesmo jeito que fez comigo dançando.

— Não posso dar o que quer agora, amor — sussurro no seu ouvido,

a escutando me xingar.

Dou risada antes de molhar a ponta da sua orelha com a língua e

logo depois morder, faço isso ao mesmo tempo que retiro meus dedos dela,

saindo de dentro das suas pernas, abaixo o vestido com as duas mãos.
Ela deita a cabeça no meu ombro, respirando fundo para regularizar

a respiração.

— Mas podemos sair daqui e ir para onde quiser — sugiro. — Longe

de todos os olhares, enquanto te fodo do jeito que merece.

Ela choraminga, e me olha. Meu pau aperta a calça, causando um

incômodo enorme ao ansiar pelo momento que o terei livre para entrar em

Ariela.

— O que estamos esperando? — pergunta, se afastando de mim ao ir

em direção à saída da boate.

E eu a sigo feito um cachorrinho domado pela dona.

Sorrio ao imaginar que a única coisa que falta é eu colocar a língua

para fora da boca, babando, esperando a oportunidade perfeita para ser


acariciado. No meu caso, esperando a oportunidade perfeita para comê-la e

gozar gostoso dentro dela.

Não procuro por Dimitri e Giulia, se conheço bem o meu amigo,

deve estar procurando uma oportunidade para pegá-la e sumir.

O lado de fora está tranquilo, com poucas pessoas, e nos dá a chance

perfeita para entrarmos no carro sem ninguém nos ver e desconfiar de

alguma coisa.

Abro a porta para Ariela que se inclina no banco do meu Range

Rover branco e quase perco o controle quando o vestido sobe e tenho a

visão da bunda gostosa e a calcinha minúscula molhada pela excitação,

escondendo de mim sua boceta apertada.


— Porra! — xingo, incapaz de me segurar por mais alguns

segundos.

Bato a porta com força, e com uma habilidade e rapidez que não

sabia que tinha, empurro os dois bancos da frente para me dar mais espaço,

e quando me viro para Ariela, a mesma está sentada, inclinada

relaxadamente no encosto do banco, com as pernas levemente abertas, e

suas mãos subindo pelas suas coxas.

A vejo descer a calcinha lentamente, a peça minúscula da cor

vermelha se enrolando toda na medida que é descida. Ariela levanta uma

perna de cada vez, sem pressa para tirar a calcinha, usando o ato para me

dar uma visão explícita da sua boceta implorando por atenção.

Ela é tão cruel.


Filha da puta diabólica.

A rainha do inferno dentro de mim.

— Você fode comigo de um jeito que fico incapaz de raciocinar —

confesso, a vendo levar dois dedos dentro da boca, os molhando o

suficiente para os descer em direção à entrada da sua boceta e enfiá-los

devagar, encontrando um ritmo lento e dolorosamente viciante. — Caralho.

A porra do meu pau duro e pulsando com a cena, e seus suspiros de

prazer, mexendo o quadril à procura de mais.

Fico hipnotizado nela, querendo ver até onde chegará com a

brincadeira, porém não temos tempo para isso agora. Meu desejo por ela é

incontrolável, e sou capaz de perder a cabeça se eu não saciar a nossa sede

um pelo outro.
— Sou toda sua — sussurra, com aquela voz manhosa e tentadora,

me torturando. — Quero que me faça gozar.

— Sou capaz de fazer muito mais, amor — respondo, tirando minha

camiseta, abrindo minha calça e a descendo com rapidez, a empurrando

para longe, assim como os tênis.

Toda minha.

Me aproximo dela, puxando seu vestido para cima, o tirando do seu

corpo. Ela estava linda dentro dele, mas fica perfeita sem ele. Minha boca

saliva, louco para chupar seus seios, e morder seu bico durinho.

Foda-se a delicadeza.

Ariela solta um grito abafado quando a sento no meu colo, a fazendo

descer no meu pau sem muito cuidado. Sua entrada apertada se abrindo para
o meu caralho duro, e penso que seria capaz de explodir se fosse possível

pelo tesão.

Solto um suspiro quando sinto que estou todo dentro dela, tomando

todo espaço, e ela começa a se mexer, devagar, aumentando a fricção

gostosa, porém longe de ser capaz de satisfazer o tamanho do nosso tesão.

Deixo que fique no comando por pouco tempo, sua boca deixando

beijos molhados pelo meu pescoço, queixo, no meu peito até onde alcança,

fazendo tudo isso em um sobe e desce enlouquecedor. Solto seus cabelos,

para ter a maciez dos fios por entre meus dedos.

Seu toque parece estar por toda parte, me arranhando, acariciando,

me marcando enquanto crava as unhas afiadas na minha pele.

Sou tão fodido com o jeito que me toca.


Percebo olhando para seu rosto com a pouca visão que a claridade

me proporciona, uma expressão cheia de luxúria e prazer e que eu passaria

o resto da minha vida presa a ela.

Tiro seus cabelos da frente dos seios e desço a cabeça para enfiar um

deles na minha boca, mordendo seu bico rosado no limite o suficiente para

causar prazer. Eu brinco com eles enquanto ajudo com o impulso nas

estocadas dentro dela, descendo com tudo.

Precisamos do alívio, e mesmo com o pouco espaço que o carro nos

dá, a tiro de cima de mim, a virando de costas para se apoiar no banco da

frente do passageiro, tomando o cuidado para não bater a cabeça no teto do

veículo.

Ainda sentado, abro um pouco suas pernas, me acomodo mais na

beirada do banco e a ajudo a descer, posicionando o meu pau na sua entrada


e puxo sem quadril para baixo, batendo bem fundo e duro dentro dela.

Ariela solta um gritinho e eu começo a descer e subir, batendo firme

dentro dela, impulsionando meu quadril para intensificar as invertidas. Ari

perde completamente o controle, gemendo alto, procurando se apoiar

melhor no encosto do banco.

Pouco se fodendo com as pessoas que podem nos escutar do lado de

fora, expressando todos os efeitos de satisfação e descontrole que causo

nela.

— Shiii — peço, e pressiono a mandíbula quando estremeço com o

orgasmo — Não podemos chamar atenção.

Me esforço a dizer, cada palavra saindo com rouquidão pelo prazer.


— Foda-se — a escuto xingar, a palavra saindo com dificuldade pela

sua respiração ofegante, e sorrio, gemendo com o efeito que causa em mim.

— Amo essa boquinha suja — aperto seus peitos, fazendo uma

fricção com o bico do seu peito entre meus dedos, e mordo seu ombro. —

Tenho uma missão para você.

Desacelero o ritmo por poucos segundos apenas para recuperar as

forças, dando uma pausa para aflorar a curiosidade de Ariela, impaciente

que os movimentos diminuíram, ela se mexe, choramingando meu nome.

— Acha que ainda vai conseguir xingar quando estiver com o meu

pau dentro da sua boca? — minhas palavras sujas fazem com que Ariela me

aperte ao seu redor, e uso esse momento para aumentar novamente o ritmo.
Seus gemidos são melodias para os meus ouvidos e ego inflado.

Ainda mais com a minha mente produzindo a imagem de Ariela de joelhos,

rendida com o meu pau dentro da sua boca, se lambuzando toda, chupando

bem gostoso, para ter o prazer de engolir tudo enquanto gozo.

Não leva muito para Ariela desfalecer quando seu orgasmo chega, e

agradeço aos seus por não precisar lutar contra o meu, não conto as estocas

que ainda consigo enfiar nela, pois logo sou eu relaxado no banco, a

puxando para os meus braços, sentindo os espasmo dos nossos corpos.

Ariela se mexe para encontrar uma posição melhor, e ainda estou

dentro dela quando isso acontece, e deslizo para fora dela, me causando um

tremor delicioso.

A vejo montar em cima de mim, jogando seus cabelos loiros para um

lado só, e descer, tocando nossos lábios, para abrir a boca em seguida
juntando nossas línguas.

Desço as mãos pelas suas costas e aperto sua bunda quando sua

boceta molhada pelo gozo toca meu pau, que já se encontra animadinho, me

lembrando de que preciso trocar a camisinha se eu quiser continuar.

Claro que tomávamos todo o cuidado, Ariela ainda não está tomando

remédio, e se recusa a arriscarmos sem proteção.

— Aquela missão ainda está valendo? — sussurra no meu ouvido,

mordendo a ponta da minha orelha. — Quero muito ter seu caralho na

minha boca suja.

— Filha da... — começo a xingar, e sua risada com as batidas na

janela do meu carro cortam a minha fala.


A voz de Dimitri fica impaciente do lado de fora, faltando quebrar a

janela.

— Porra! Não custava nada ficar mais tempo na boate — digo,

vestindo minha camisa novamente. — Dimitri é um estraga prazeres.

Ele bate na janela de novo e tenho vontade de socar ele por isso.

Ariela, ao meu lado, ri enquanto ajeita o vestido, com uma expressão nítida

de relaxamento, de quem havia acabado de ser bem comida e gozado

gostoso.

O plano era ficar com o carro de Giulia enquanto Dimitri ficaria com

o meu, e iria não sei para onde com ela.


— Acha que esses dois vão se acertar? — pergunto, depois de entrar

no banco traseiro do carro minúsculo de Giulia.

Não poderíamos sair da boate para o caso de Donato estar

monitorando a filha pelo rastreamento do celular, por esse motivo o

aparelho está com Ariela.

— Não sei, eles teriam que conversar e acertar tudo — escuto Ari

dizer, e a puxo para sentar no meu colo, o movimento faz com que bata a

cabeça no teto do carro e geme de dor.

— Desculpa! — sorrio, beijando seu rosto. — Belo jeito de terminar

nossa sexta, presos dentro de um carro pequeno, por sinal, enquanto nossos

amigos se divertem por aí.


— Quem disse que não podemos nos divertir do nosso jeito

também? — questiona, enfiando as mãos por dentro da minha camisa,

puxando para cima, e não me oponho nem um pouco por isso. — Ou

melhor, continuar com a nossa diversão?

Quando penso que Ariela vai se inclinar para me beijar, ela se abaixa

e toca os lábios macios e quentes em cima da tatuagem gravada no meu

peito. A claridade que entra pelas janelas do carro de Giulia é ainda melhor

do que quando estávamos dentro do meu.

A data do nosso primeiro beijo.

— A primeira vez que a vi naquela noite no sítio do Eros, fui

totalmente pega de surpresa — declara, passando o dedo por cima dos

números romanos.
— Por quê? — pergunto, tirando alguns fios soltos do rabo de cavalo

que ela fez antes de sairmos do meu carro com intenção de manter a

naturalidade, como se fôssemos capazes de esconder o que rolou se alguém

nos visse.

Meus olhos estão fixos completamente nela, buscando tudo o que

está sentindo agora.

— Porque eu não achei que lembraria e que muito menos marcaria

seu corpo, não depois de como as coisas terminaram entre a gente — a voz

é melancólica, e tenho vontade de enchê-la de beijos para tirar toda a

angústia dela.

Mas preciso continuar escutando-a.


— Você queria esquecer tudo o que vivemos, para mim, não fazia

sentido ter a data tatuada na sua pele, te fazendo lembrar de mim.

— Não vou mentir que tentei te esquecer com todas as minhas

forças, mas não consegui, tive só que aprender a lidar com o fato de que não

estaríamos juntos. Só não imaginei que teríamos algo de novo — falo,

Ariela ainda está com a cabeça baixa olhando a tatuagem.

— Nem eu imaginava — confessa. — E por que a tatuou?

— Não sei ao certo — dou risada, pego de surpresa. — Foi minha

primeira tatuagem, fiz assim que mudei para a casa do Eros. Estava furioso

com você, com nossos pais, com a vida, com a morte dos Giordano e foi a

forma que encontrei para tentar aliviar isso.

Ela aquiesce, mostrando que entende.


— Você sente muito a falta deles, não é?

— Muita, todos os dias, nos momentos felizes e tristes, mas tenho

certeza não tanto quanto o Eros sente. Meu amigo sofre mais que todo

mundo, só que esconde tão bem, vivendo na sua bolha inatingível, achando

que não precisa de ninguém, embora sempre disposto a nos ajudar em tudo.

— É triste — Ariela fala e eu assinto com a cabeça, concordando.

Eu desejava com todo o meu coração que um dia Eros pudesse sair

de dentro das sombras de onde acha que deve ficar, e que encontre alguém

capaz de o fazer ver a luz e a alegria de viver.

— Fizemos uma tatuagem em homenagem ao Gustavo — digo,

levando sua mão à região abaixo do pescoço onde tem uma constelação

tatuada. — É a constelação de Taurus.


Eu lembro bem da paixão de Gustavo pelas estrelas, as constelações,

as inúmeras histórias e lendas que contava para a gente sempre que

acampávamos no quintal da sua casa e em como nos fez amar também cada

parte do céu cheio de estrelas.

— Eu a vi, acho linda, é uma homenagem muito especial, não sabia

do significado dela e que os meninos também a tatuaram — fala, sorrindo,

depositando um pequeno beijo em meus lábios. — Tenho certeza que, de

onde eles estiverem, estão olhando por vocês, felizes com os homens que se

tornaram.

— Não tenho certeza disso — brinco. — Acho que Elena não estaria

feliz com a vida de cretino que levamos, estaria puxando nossas orelhas

agora.

Ela ri, assentindo.


Ariela fica em silêncio passando os dedos pelas outras tatuagens.

— Gosto de todas elas no seu corpo, fica sexy e gostoso — solta

mais uma risadinha. — Essa aqui é muito você.

Seus dedos passam pelo leão que tenho no bíceps. Levanto o braço

para a tatuagem ficar mais visível. 

— Lion, leão... — sorri. — Doeu?

Assinto.

— Todas doeram, amor — digo, sorrindo. — Umas mais que as

outras, mas vale a pena no final. Você não tem vontade de fazer uma? —

pergunto, a ajeitando melhor no meu colo.


— Tenho, sim, porém nunca pensei no que tatuaria — fala. — Acho

que no momento certo vou tatuar algo que fará sentido para mim, que tenha

significado.

Assinto.

— Não esperaria nada diferente de você – declaro, descendo os

dedos pelo seu pescoço, com carinho, parando na alcinha do vestido,

brincando com ela.

Seguro dos dois lados da sua cintura para arrumá-la melhor no meu

colo, mas no momento em que a levanto um pouco, sua cabeça bate

novamente no teto do carro.

— Merda! Desculpa, linda — digo e ela solta uma risada.


Seguro seu rosto e a beijo, subindo a mão pela coxa, levantando o

vestido, na medida que vou subindo com a mão. Ariela geme quando aperto

sua bunda, rebolando no meu colo.

Me mostrando estar insaciável ainda, que quer mais do que rolou

meia hora atrás no meu carro.

A posição que estamos começa a ficar desconfortável, e decido

deitá-la para facilitar as carícias, mas é a minha vez de bater a cabeça no

teto. Bufo pela dor leve que começa a ficar latejante, e escuto a risada de

Ariela.

Ignoro a dor, e me abaixo para continuar beijando-a, e com isso bato

a testa na porta quando fui tentar tirar a camisa.


— Desisto. — Sorrio e descanso a cabeça no ombro de Ariela,

respiro fundo, com ódio do Dimitri por ter atrapalhado meus planos com

ela, nem podemos sair daqui.

Rindo, Ari chega um pouco para o lado, dando um pequeno espaço

para me ajeitar do seu lado.

— Me diz que vamos conseguir nos ver amanhã — suplico e passo o

braço pelos seus ombros, a puxando para cima de mim.

— Não vai dar, tenho um jantar com os nossos pais e o Breno

amanhã — responde. — E além do mais, você tem uma festa amanhã na

sede dos cretinos.

— Eu poderia fugir da festa para ficar com você, nossas festas não

precisam que eu esteja presente — comento, porque eu senti um leve tom


de ciúmes na voz.

Não falamos nada sobre termos algo sério, mas é como se estivesse

subentendido que somos exclusivos um para o outro.

— Você sabe que pode aparecer lá, se quiser — declaro, desejando

que ela ceda para darmos um perdido depois.

Ela não responde, e sei o que está pensando. Não queremos que

ninguém saiba do nosso rolo, e tem os meninos, somente Dimitri sabe que

Ariela e eu estamos nos envolvendo de novo.

Se os outros souberem, sei que não vão gostar, eles agem como se

Ariela não existisse, assim como eu pedi anos atrás.

— Quem sabe na próxima? — ela responde. — Você poderia talvez

aparecer para jantar com a gente.


Dou risada, negando com a cabeça.

— Não daria certo, você sabe que meu pai e eu não conseguimos

passar cinco minutos no mesmo espaço sem rolar uma discussão.

— E a sua mãe? — pergunta. — Ela voltou a ter contato com você?

— Não, e acho melhor assim — respondo. — Ela vai se cansar, e vai

embora.

Ela suspira, e se remexe descontente.

— Você é teimoso, Lion — aponta seu desgosto. — Seria tão mais

fácil se fosse falar com ela e resolver logo tudo isso, ouvi-la.

— Você fala com tanta certeza, como se soubesse de alguma coisa

que não sei — respondo, e franzo a testa. — Não quero discutir com você
de novo.

— Não vamos — garante, e respira fundo.

Ficamos em silêncio, os barulhos da boate à distância, apenas poucos

carros passando pela rua.

Beijo sua testa.

Evito em momentos assim com ela, pensar que temos uma data de

validade, e que a qualquer instante tudo vai acabar de novo.

 
Ariela

Sábado, 19 de agosto de 2017

Observo o silêncio na mesa de jantar. Pedro aparenta estar nervoso e

inquieto, minha mãe finge que nada está acontecendo, que nada a abala e

Breno, bom, come seu macarrão quieto e feliz, se lambuzando um pouco

com o molho.

Meu celular vibra em cima da mesa ao meu lado, e viro a tela para

ver uma mensagem de Lion.


“Quero te ver hoje.”.

Ignoro a mensagem, segurando para não sorrir, Lion passou o dia me

persuadindo a passar a noite com ele, mas eu havia combinado de dormir

aqui essa noite.

— Como está sendo o novo semestre? — minha mãe quebra o

silêncio, puxando assunto comigo.

— Tranquilo — respondo. — Quero começar o TCC, ir adiantando.

— Que ótimo! Quero que se forme como a primeira da sua turma,

laureada, sei que não vai ser um sacrifício para você.

Forço um sorriso!
Ela nunca muda, mesmo morando longe, Claudia ainda me pressiona

e cobra o melhor de mim. 

Me assusto quando escuto os talheres baterem no prato e logo o

empurrar da cadeira. Pedro levanta e sai da sala de jantar, sem se despedir,

em silêncio e contrariado.

— O que está acontecendo? Percebi, nas últimas semanas, que ele

anda nervoso e estressado — pergunto à minha mãe, contendo o volume

para não chamar atenção de Pedro se ainda estiver por perto.

— Nada que precise se preocupar, é só estresse no trabalho — ela

responde, bebendo seu vinho.

— Tem certeza? Posso ajudar em alguma coisa? — pergunto

preocupada.
— Tenho, querida! — diz, e continuo olhando para ela, não

acreditando na resposta.

Minha mãe também parece inquieta, como se estivesse preocupada

com alguma coisa, mas está escondendo bem.

— São só coisas que estão ressurgindo e causando muita dor de

cabeça, mas Pedro já está resolvendo isso — declara, e aquiesço, ainda

desconfiada.

— Tudo bem, então.

— Você vai me colocar para dormir hoje, Ela? — escuto a voz de

Breno, que terminou de comer, e me olha com os olhinhos brilhantes,

esperando a resposta.
— Vou sim, guri — digo, o vendo abrir um sorriso em seguida. —

Vou colocar o Breno para dormir.

Ela assente, e me levanto, cutucando a barriguinha de Breno para

levantar os braços e o pegar no colo.

Breno manda um beijo para nossa mãe, que retribui com carinho.

Hoje eu percebo o quanto ela o mima, diferente de quando eu era criança,

tive mais pressão que amor.

Enquanto vou subindo as escadas, começo a pensar se realmente foi

uma boa ideia tê-lo pegado no colo, seu peso não é mais o mesmo de antes,

quando fazia esse trajeto sem nenhum esforço.

— Você anda bem pesadinho — comento, fazendo leves cócegas na

sua barriga.
— Para, Ela — diz, dando risada. — Você que está fraquinha

demais.

Solto uma gargalhada com a sua ousadia em me retrucar, e vou

escutando até o quarto a história de como foi para ele andar a cavalo com o

Pedro pela manhã.

Ajudo-o a se trocar e vestir o pijama, depois escovar os dentes, e me

deito ao seu lado até ele pegar no sono. Deixo a luz do abajur ligado antes

de encostar a porta.

Pego o celular no bolso para responder à mensagem de Lion. Tem

mais duas dele enviadas há quinze minutos.

“Vai fazer a desfeita de dormir comigo essa noite?”.

“Crueldade o que está fazendo comigo.”.


Sorrio com o seu drama, e digito uma mensagem enquanto desço as

escadas. Ainda não estou com sono, e decido dar uma volta pelas parreiras,

tomar um pouco de ar antes de retornar para o meu quarto.

Saio pelas portas do fundo que dão para o pátio. Olho para o canto

mais à frente, onde Lion e eu passamos boa parte do tempo quando

estávamos juntos.

Sorrio, e sigo para o caminho que dá nas escadinhas que levam para

as plantações. Ando por alguns minutos, respirando fundo, sentindo o

aroma que essa parte do vinhedo tem.

A luz da lua refletindo de uma forma tão linda. Sou completamente

apaixonada por esse lugar, e sinto falta de passear por aqui todas as noites,

como fazia quando morava aqui.


Meu celular vibra na minha mão e vejo que é o Lion ligando. Sorrio,

e não demoro a atender. Nos vimos ontem, porém já sinto sua falta. Penso,

às vezes, em como conseguimos ficar anos lidando com a distância.

— Oi — atendo, parando de andar, enquanto olho para o céu.

— Você está linda essa noite, e a luz da lua te deixa ainda mais

radiante — Lion responde do outro lado, e franzo a testa sem entender.

Não ouço o barulho de música alta, menos ainda de gritaria, como

costuma ser nas festas. Só o silêncio no fundo, e quando me viro, o vejo a

alguns passos atrás de mim, com o celular na orelha, me olhando.

Ele encerra a ligação e anda até mim.

Lion tem um sorriso torto nos lábios, e observo seu andar de cretino,

dono de tudo, vestindo uma jaqueta de couro preta, uma camisa branca
básica por baixo, e calças jeans com tênis, tão ele, tão lindo.

Lion para a minha frente, segura meu rosto, usando o momento em

que estou perplexa por sua beleza para me beijar. Solto um suspiro,

ignorando a voz de alerta que grita na minha mente, dizendo que estamos

expostos a olhares curiosos, até mesmo correndo o risco de nossos pais nos

pegarem aqui.

Aquela mesma sensação de medo, perigo misturado com excitação e

adrenalina, passa por todo o meu corpo. Eu sei que não somos mais

adolescentes, mas ainda assim, afetaria a nossa família.

— O que está fazendo aqui? — sussurro quando ele solta, nem

pensando em olhar para os lados à procura de alguém, apenas focando no

seu olhar intenso.


— Estava com saudades, não ia conseguir passar a noite sem te ver

— diz, me pegando de surpresa.

— Não acredito que está se arriscando vindo até aqui — digo. —

Alguém pode nos pegar, Lion.

Ele dá risada.

— Estou tendo o mesmo déjà vu de quando éramos mais novos com

medo de sermos pegos — expressa, ainda sorrindo. — Relaxa, amor,

ninguém vai nos ver aqui.

Lion segura a minha mão, a beijando, antes de me puxar para

seguirmos o caminho, sei exatamente para onde iremos. O mesmo lugar que

dá para ver o pôr-do-sol, onde passamos vários momentos juntos. O nosso

lugar.
Assim que nos aproximamos do local, vejo uma manta estendida no

chão, em cima dela uma garrafa de vinho da melhor safra dos Bianco e duas

taças de cristal.

— Como sabia que ia dar certo? — pergunto, me referindo a ele me

trazer aqui.

— Não sabia, mas arrisquei — diz, dando de ombros. — O plano B

era subir para o seu quarto depois que todos estivessem dormindo.

Bato no braço dele ao imaginá-lo se arriscando para ficar comigo.

— Você é doido — declaro, e passo o braço pela sua cintura,

beijando seu queixo.

— Você me conheceu assim — fala, e dou risada, concordando.


Ele me beija antes de sentar e me colocar entre suas pernas, nos

embrulhando com outra manta quente.

— Não consigo ficar longe de você por muito tempo — sussurra no

meu pescoço, me arrepiando, relaxo mais em seu peito, sentindo pequenos

beijos na minha pele. — Do seu corpo, dos seus beijos... do seu cheiro de

rosas.

Suas palavras me fazem sentir as mesmas borboletas que sentia

quando éramos mais novos, achei que estava imune a elas, imune ao Lion.

  — Sinto como se fôssemos os mesmos adolescentes de antes —

digo, me virando. — Apaixonados, escondidos de todos, vulneráveis a tudo.

Lion anui.
Como o tempo pode ter passado tão rápido, e nos tornado quem

somos hoje? O oposto do que fomos anos atrás.

— A gente não se perdeu, Ari, somos os mesmo quando estamos

juntos – diz, como se tivesse lido minha mente.

É verdade!

O sentimento não mudou, mesmo com o passar dos anos, estar com

ele me faz sentir tudo de novo. Nada parece ter mudado. Ele apenas está

mais lindo e gostoso, não existe mais o corpo do garoto de dezesseis anos.

— Por que está sorrindo de um jeito malicioso? — pergunta curioso,

mas dando a entender que sabia onde meus pensamentos estão.

— O quanto você ficou gostoso com esses anos — pauso, levando a

mão fria para dentro da sua camisa, o sentindo estremecer. — Mais forte,
musculoso, sexy...

— Meu amor, não foi só eu que mudei — pronuncia. — Está ainda

mais linda, se tornou um mulherão da porra.

Sorrio, gostando do que estou ouvindo, empino o queixo para

continuar escutando. A Ariela de antes estaria tampando o rosto, morrendo

de vergonha.

— Essas curvas — passa as mãos pelas minhas coxas, por cima do

jeans da minha calça, as pousando sobre a minha bunda, onde aperta de um

jeito excitante. — Ainda mais gostosa. Não fui capaz de resistir a você.

Lion morde meu lábio, depois me beija com brutalidade e excitação.

Consigo senti-lo endurecendo embaixo de mim, e sorrio satisfeita.


Mas mesmo o calor dos nossos corpos que sobe na medida que o

desejo se eleva, não é capaz de refugiar o vento frio que nos atinge.

Lion interrompe o nosso beijo, produzindo uma careta desgostosa

com a temperatura, que parece ter caído um pouco mais.

— Não vamos conseguir ficar aqui — comenta, e concordo com ele,

começo a sentir o incômodo do frio, era impossível ficarmos expostos

assim, ainda mais que a temperatura iria cair mais com o passar do horário.

Lion se levanta, e estende a mão para me ajudar, juntando tudo logo

em seguida. Fico frustrada por saber que vamos interromper o nosso

momento. Enquanto pegamos o caminho de volta, fico confusa quando

Lion corta o caminho para outra direção.


— Para onde vamos? — questiono, sentindo meu coração dar

algumas batidas irregulares.

— Eu disse que havia feito planos para te ver hoje — diz.

Sua determinação às vezes me surpreendia, um ponto forte que Lion

tem que é capaz de tudo, até mesmo causar inveja a outras pessoas.

Depois de alguns minutos andando, damos de frente com o celeiro

da propriedade. Distante o suficiente da mansão e da plantação de uvas,

mas eu nunca havia me aventurado dentro dele, diferente de Lion, que

conhecia cada canto de tudo.

Lion solta minha mão e me entrega as coisas para puxar um das

portas de uma madeira que aparenta ser um pouco pesada. Entendo, é um


lugar que se armazena mantimentos e coisas do tipo, precisava ser um lugar

bem feito.

Lion espera que eu entre primeiro para fechar a porta e em seguida

acender a luz. Pisco os olhos algumas vezes para me adaptar à claridade e

observo o lugar.

É bem diferente da imagem que eu tinha de um celeiro. Lion pega

das minhas mãos as mantas e a mochila onde está o vinho e as taças, me

dando tempo para olhar o ambiente.

Ele é bem dividido em partes para guardar os mantimentos de um

lado, e do outro alguns equipamentos para o uso diário. O celeiro é enorme,

e bem planejado. Do chão ao teto feito somente de madeira, com um

acabamento bem feito, impedindo até que o frio passe por entre as tábuas,

contendo o frio do lado de fora.


O celeiro não é totalmente imune à temperatura baixa, mas é bem

melhor do que estar do lado de fora. Passo uma mão na outra para aquecê-

las. Deveria ter pegado um par de luvas antes de ter saído.

Ando um pouco para observar o local, a madeira embaixo do meu

pé, estalando um pouco.

— Eu me escondia muito aqui do meu pai quando era criança —

Lion comenta, e me viro na direção em que está encostado em um dos

pilares de madeira para o apoio do celeiro.

— Você conhece bem cada canto desse lugar — afirmo, me

aproximando dele, que me puxa para seus braços quando estou ao seu

alcance.
— E não deveria? — pergunta, brincalhão. — Um herdeiro tem a

obrigação de conhecer todo o patrimônio que herdará um dia, para

conhecimento ou não.

Ouvir suas palavras me faz lembrar de Pedro, e tenho certeza que os

pensamentos de Lion devem ter seguido por esse caminho também, pois o

sinto tenso no mesmo momento.

— Não precisamos falar sobre isso — chamo sua atenção para mim.

— Isso é passado, precisamos focar no agora, em nós dois aqui, juntos, sem

ninguém.

Abaixo o tom de voz na medida que enfio minhas mãos por dentro

da sua camisa, em contato com sua pele quente, e sorrio quando tenho toda

atenção de Lion em meu rosto, suas pupilas dilatadas, e o desejo tomando-

o.
Lion me pega pela cintura, me impulsionando a prender minhas

pernas em volta dele, e me beija. Tiro seu casaco pesado, o jogando pelo

chão, fazendo o mesmo com sua jaqueta de couro, e antes que eu faça o

mesmo com sua camisa branca, sinto nosso corpo descer.

Abro os olhos quando sinto a maciez e aconchego embaixo de mim.

Noto que Lion providenciou uma cama para nós dois feita com feno e

várias cobertas grossas e felpudas.

O pego sorrindo enquanto me observa olhando curiosa para sua arte.

— Você pensou em tudo mesmo — constato, e ele assente. — Com

certeza merece um prêmio por isso.

— Ah, é? — pergunta, sorrindo maliciosamente, e aquiesço,

puxando seu rosto, juntando nossas bocas em um beijo quente, cheio de


desejo, paixão ardente.

Me inclino para ficar de joelhos, recebendo a ajuda de Lion para tirar

meu casaco, e a blusa. Minha pele se arrepiando com o novo contato do

clima, e ele retira sua camisa.

O restante das peças vai saindo, até nos encontrarmos praticamente

nus. Sem que eu espere, Lion, sendo todo cuidadoso como sempre, abre

uma manta grande o suficiente para nós dois, a jogando sobre o meu ombro.

Ele me beija, me sentando em seu colo e desce a mão para o fecho

do meu sutiã, o tirando de mim, restando apenas minha calcinha e sua boxer

ainda presa a ele. Eu peço que ele deite, deixando claro que o comando é

meu de início.
Ainda por cima dele, me inclino para beijar sua boca suavemente,

me afastando quando Lion faz menção de aprofundar o beijo. Sorrindo,

beijo seu queixo, descendo para o seu pescoço, usando a língua para lamber

a área sensível.

O escuto suspirar quando prendo meus dentes de leve na sua orelha,

minhas mãos o tocando.

Meus beijos tomam o rumo do seu peito, a ponta da minha língua

brincando com o bico do seu peito, o movimento causa estremecimento em

seu corpo, o sinto quando suas mãos em cada lado das minhas coxas me

apertam.

O prazer estampado na sua cara, quando levanto a cabeça para

descer mais um pouco pelo seu corpo. Minhas unhas roçando seu abdômen

que se contrai com o toque.


Meus dedos no cós da sua cueca o fazem abrir os olhos e focar em

mim, com os lábios molhados pela saliva, hipnotizado em mim. Desço sua

boxer branca ainda com os olhos nos seus.

Não a tiro por completo, ela fica presa entre seus joelhos, e Lion

termina a tarefa de se livrar da peça. É então que olho para o seu pau

completamente duro à minha frente.

Seguro a base com uma das mãos, apertando em um sobe e desce,

vendo Lion jogar a cabeça para trás e gemer fracamente, incontrolável,

mexendo o quadril para cima de forma que eu intensifique o aperto.

O calor em meu corpo me atiça ao ver a cena, se locomovendo para

minha boceta, pulsante, e molhada de desejo. Necessitando de atenção, levo

uma mão até ela, enfiando na calcinha para constar o quanto estou quente, e
sensível, o menor toque no meu clitóris me faz choramingar e isso faz com

que Lion me olhe.

— Porra, Ariela — suplica.

Eu sorrio com a sua inquietude, o provocando quando puxo a

calcinha de lado para lhe dar a visão da minha boceta, e enfio dois dedos

dentro de mim, entrando e saindo, enquanto aperto seu pau, o masturbando.

A brincadeira não leva muito tempo, pois tiro os dedos de mim e

foco em Lion. Colocando seu pau dentro da minha boca, ouço ele dizer

alguma coisa sem nexo, mas não entendo.

Sua mão faz um aperto forte nos meus cabelos, e empurra o quadril

para frente, a cabeça do seu pau chegando até a minha garganta e respiro

fundo para não engasgar.


O tiro da minha boca, minha língua fazendo o trabalho de lambê-lo

da base até a cabeça rosada do seu pênis. A ponta da minha língua

lambendo o seu pré-gozo, brincando com ela, antes de o enfiar na minha

boca de novo.

Eu aperto sua base, o masturbando na medida que faço o trabalho

com a boca e a língua. Contraio minhas pernas com a tensão que está me

causando, quando faço menção de levar minha mão até meu clitóris à

procura de alívio, Lion me impede.

Ele se solta de mim, e me puxa para cima, me virando logo em

seguida para ficar por baixo dele. Lion está no limite quando puxa minha

calcinha com força, arrebentando um lado dela e descendo pelas pernas o

que sobrou do tecido.


Mas não reclamo, e nem se quisesse, pois Lion não me dá tempo

para isso, ele abre bem minhas pernas e cai com a boca na minha boceta. Eu

grito quando o sinto chupar o meu clitóris antes de juntar a língua, a

descendo até a minha entrada e subindo, fazendo movimentos no meu ponto

de prazer que me leva à loucura.

Eu seguro firme seus cabelos, implorando por mais, gritando por um

alívio que vem em ondas fortes, me fazendo tremer. Seus dedos dentro de

mim se tornam um conjunto perfeito, e me vejo gritando quando gozo.

Me deixo cair relaxada na cama improvisada que Lion fez para nós

dois. Mas não me recupero por muito tempo, ainda com o corpo fraco,

trêmulo, Lion me vira, me colocando de quatro, com poucos segundos para

me recuperar enquanto coloca a camisinha em tempo recorde, me

penetrando logo em seguida.


A primeira estocada me faz ir para a frente, sem força em meus

braços, e sinto quando Lion me segura, pegando todo o peso para si,

enquanto mete em mim com brusquidão e rapidez.

O ritmo não diminui, e fecho as mãos ao redor da coberta, o orgasmo

se formando de novo à medida que ele bate bem fundo no meu ponto

sensível. E ele vem com tudo, com ainda mais intensidade do que o

primeiro, me levando a perder a consciência por alguns segundos, só

sentindo o prazer tomar conta do meu corpo.

Escuto Lion soltar um gemido rouco e abafado.

Quando consigo recobrar a consciência por completo, me vejo

deitada de lado, com a manta em cima de mim, e Lion me olhando de forma

contemplativa.
— Você está bem? — escuto ele perguntar e assinto, fechando os

olhos, exausta, aos poucos me perdendo no sono. — Descansa, meu amor.

É a última coisa que escuto Lion dizer de forma carinhosa, antes de

sentir um beijo em minha testa e outro nos meus lábios de forma singela.

Acordo, sentindo um leve desconforto no meu pescoço, e me mexo,

demorando para localizar onde estou. Ao longe, consigo ver a claridade do

nascer do sol, de forma tímida, entrando pela janela de vidro no alto do

celeiro, então sobressalto, me tocando que Lion e eu pegamos no sono.

Me viro e sento, toco seu ombro e sacudindo-o.

— Lion — o chamo. — Acorda! A gente dormiu.


Procuro pelo meu sutiã em cima da manta e me visto, procurando em

seguida pela blusa, avistando nossas roupas emboladas, jogadas aos nossos

pés.

Ele resmunga ao meu lado quando sacudo ele novamente. Mesmo

com o desespero, me dou conta de como foi bom, não queria que acabasse.

— Lion — o chamo. — Precisamos ir ou vamos acabar sendo pegos

aqui.

Ele me olha, seu rosto amassado em conjunto com seu sorriso de

lado. Sua voz rouca me excita assim que começa a falar.

— Calma, Ari. Não vamos ser pegos aqui — fala, se sentando e pega

sua camisa para se vestir também. — Acho que precisa gozar de novo na

minha boca para relaxar.


Tenho vontade de socar sua cara linda, mas sou impedida quando ele

me puxa, me beijando, fazendo meu coração, que está aos pulos, se acalmar.

— O que acha? Não vai negar que é uma proposta irresistível.

Dou risada, o empurrando para levantar.

— Por mais que sua proposta seja tentadora, não quero arriscar.

Ele revira os olhos, e se levanta para vestir a calça, enquanto termino

de me vestir também. Dobro as duas mantas, as enfiando dentro de uma

bolsa que Lion trouxe, colocando com todo cuidado as taças de cristal e a

garrafa vazia.

Lion pega a bolsa depois que a fecho, segura minha mão para irmos

em direção a mansão.
— Onde está sua moto? — pergunto, com medo de ele ter deixado a

vista.

— Deixei a alguns metros da entrada da casa, e peguei um atalho até

aqui — responde.

Depois de quase dez minutos de caminhada, paramos no início da

escadinha que leva para o pátio e a porta dos fundos. Me viro para Lion e

seguro seu rosto para o beijar.

— Me avisa quando chegar em casa — peço e ele assente. — E

cuidado!

— Ok, amor — fala, sorrindo.

Ainda não consigo ouvir essa pequena palavrinha sem sentir meu

coração acelerar.
— Agora entra, te ligo depois — diz, antes de se virar e correr para

longe da casa.

E é a minha vez de subir as escadas e correr, tentando ser silenciosa.

Quando passo pela porta dos fundos, caminho pelo corredor que dá em

direção à cozinha e me assusto quando alguém vira e dá de cara comigo.

Seguro o grito, colocando uma mão na boca e outra no coração,

tremendo.

— Menina, Ari — Carmem me chama. — Imaginei que fosse você

mesmo.

Sorrio e me aproximo dela.

— Você me assustou — digo, nervosa e aliviada ao mesmo tempo.

— Fui tomar um ar, não estava conseguindo dormir.


Ela estreita os olhos, entortando a boca, provavelmente me chama de

tola na sua cabeça.

— O Lion também não estava conseguindo dormir? — pergunta

direta e eu me engasgo, forçando um sorriso. — Você não me engana, o vi

chegando ontem à noite.

Mordo o lábio esperando o sermão de que não deveríamos estar

fazendo isso de novo, porém, ao contrário do que pensei, ela sorri. Carmem,

a mulher que cuidou de Lion desde criança, foi a que mais sentiu falta

quando ele se mudou para a casa do Eros, assim como Luís, o motorista da

casa.

Os dois sempre foram apegados a ele, e tiveram que lidar com a

distância. Mas Lion soube reverter isso, tentando vê-los quando podia e eles

até mesmo iam visitá-lo.


— Vocês continuam os mesmos — expressa, balançando a cabeça de

um lado para o outro. — Apaixonados e incapazes de manterem a distância

um do outro.

Ela segura meu rosto com as duas mãos, se aproxima e deposita um

beijo ali.

— Desejo muito que as coisas deem certo com vocês, meu menino

merece ser feliz, os dois merecem.

Me inclino, beijando seu rosto também.

— Obrigada, Carmem.

Abro mais um sorriso antes de voltar a andar pelo caminho direto

para o meu quarto, o tempo todo me sentindo feliz por Lion e eu estarmos

juntos novamente. Ainda que nessa situação.


 

 
 

 
Lion

Quinta-feira, 7 de setembro de 2017

Eu amo a sensação da adrenalina correndo pelas minhas veias, me

sinto solto e livre quando estou correndo pelo campo com a bola.

Na área adversária, corro e driblo alguns jogadores e mantenho a

velocidade até chegar na área do gol.


Chuto a bola diretamente para o gol, observo a bola entrar na rede

pelo lado superior, impedindo o goleiro de pegá-la.

Grito em comemoração pelo gol que acabei de fazer, aumentando o

placar e fazendo o time ganhar a final. Corro pela área, fazendo dancinha e

olhando em direção à arquibancada onde Ariela está.

Quero mandar um beijo, mostrando que dedico o meu gol a ela, mas

não posso, ninguém pode saber que estamos juntos de novo.

Olho para o outro lado, onde todos os meus amigos estão e gritam

em comemoração, vejo Raquel pular batendo palmas, deixando Eros

irritado ao lado.

Ainda pego de relance os dois brigando, Artho e Charlotte estão ali

também, dando risada com a cena. Não dou muito tempo para os casais
estarem namorando, o mais engraçado será ver Eros e Raquel, já que os

dois parecem cão e gato.

Os meninos do meu time me abraçam, batendo na minha cabeça em

comemoração e nos soltamos para voltar ao campo. Com mais sete minutos

de acréscimos no segundo tempo, quando o apito finaliza a partida, grito,

arrancando a camisa em celebração.

Ignoro os gritos chamando meu nome e olho em direção a Ariela,

que sorri para mim, acenando discretamente. Sou puxado por um dos meus

colegas de time, que me abraça, batendo nas minhas costas.

O placar fechou com três a um para Bento.

Nos juntamos para tirar algumas fotos e receber as medalhas e o

troféu. Depois daqui, teríamos uma festa de comemoração, que eu precisava


comparecer, mas não ficaria muito tempo, meu plano era sair e ficar com

Ariela.

Vou saindo do estádio com a minha mochila de mão e ignoro a

gritaria da farra dos meus colegas de time ao lado, todos animados para

irem para o local da festa.

— Te esperamos lá, Bianco — Rodolfo bate nas minhas costas ao se

despedir.

— Não vai furar, cara — mais alguém fala e recebo um tapa na

cabeça.

— Claro que vou aparecer, o que são dessas festas sem mim? —

comento, dando risada quando recebo alguns socos e me desvio deles para
seguir para o meu carro.

Paro quando escuto uma voz desconhecida me chamando, me viro e

franzo a testa ao ver uma mulher a uns dez metros de distância sorrir pra

mim.

Fico sem entender quando ela dá dois passos em minha direção e

para, como se estivesse na dúvida se poderia seguir ou não. Penso ser uma

fã, mas quando presto atenção nas suas feições, meu coração dispara.

— Lion — chama, sua voz é suave e temerosa.

Meu coração, que estava disparado, parece que vai sair pela boca.

É ela, eu sei que é ela!

Reconheço, mesmo depois de anos, seu rosto.


Como?

Lembro de ter visto uma foto dela uma única vez quando pequeno,

depois de ter encontrado nas coisas do meu pai em seu escritório. Na foto,

ela era mais jovem, com seus dezesseis anos, no casamento com Pedro.

Meu pai me achou com a foto e a rasgou furiosamente. Gritando

comigo, me colocou de castigo. Tudo que envolvesse minha mãe, ele me

queria longe.

Hoje a vendo pela primeira vez, percebo que ela mudou muito, mas

ainda continua linda, mesmo com a passagem dos anos. Clarice, a mulher

que me abandonou criança, está a poucos metros à minha frente, e meu

coração se rasga.
Uma coisa é lidar com ela apenas sabendo que está na cidade, me

ligando ao querer falar comigo, outra coisa é ver seu rosto, uma imagem

que vai infernizar minha mente.

Dou um passo para trás quando ela dá um passo para frente, e eu

chego a perder o equilíbrio, quase caindo no chão. Sinto pequenas mãos em

meus ombros e me assusto, afastando a pessoa.

— Lion, está tudo bem? — escuto a voz de Ariela, e nem tinha

percebido que se aproximava de mim.

Ela olha para onde estou com os olhos fixos, e solta um suspiro de

surpresa. Pelo jeito que devo estar agindo, Ariela deve ter entendido de

quem a mulher à nossa frente se trata, porque segura firme em meu braço.
Clarice continua me olhando com expressão triste pela minha reação

negativa, ou finge a tristeza, não me importo.

Viro as costas, nem mesmo falando com Ariela, sigo na direção do

meu carro. Consigo escutar as duas me chamando, mas não paro e nem olho

para trás. Entro no Rover e dirijo para qualquer lugar longe dali, longe de

Clarice e o falso amor que um dia existiu por mim.

Meu celular continua tocando, sei que é Ariela, mas não consigo

falar com ela agora, não com a minha mente tumultuada depois de ter visto

Clarice.

Ela teve a audácia de ir atrás de mim, mesmo depois de ter deixado

claro que eu não queria vê-la, e ter ignorado suas inúmeras ligações depois
disso.

Com todo o silêncio da casa, escuto a porta da frente bater e, alguns

segundos depois, a porta do meu quarto se abrir. Ariela não fala nada,

apenas tira os saltos e se deita ao meu lado, me abraçando.

Respiro fundo. A apertando em meus braços, deixo beijos em seus

cabelos, agradecendo mentalmente por ela não falar nada e respeitar o meu

momento.

Eu sei que ela não desistiria de falar comigo para saber se estou bem.

Ariela me encontrou no sítio do Eros, lugar que ela sabia que me

esconderia. Tudo dentro de mim se aquece por tê-la ao meu lado, eu havia

escolhido a garota certa.


Ela é o amor da minha vida e desejo muito ao universo que ela seja o

amor para toda minha vida também.

Acordo com o farfalhar do lençol ao meu lado. Abro os olhos e, pela

janela, vejo que está tudo escuro lá fora. Meu relógio de pulso marca mais

de 21h

Acabei dormindo por horas, e Ariela ficou o tempo todo ao meu

lado. Me inclino, beijando seus lábios suavemente, vejo quando fixa os

olhos em mim ao abri-los.

— Oi — diz com voz rouca pelo sono.

— Te fiz ficar aqui — constato.


Ela não precisava ter ficado, era um problema meu para lidar

sozinho, mas mesmo assim Ari ficou comigo.

— Não, não fez, eu que quis. Quero ficar ao seu lado, estar contigo

para lidar com essa situação ou outras que possam surgir — diz, decidida.

E uma pontada de tristeza me atinge, mesmo ela estando ao meu

lado, para me apoiar, não é do jeito completo que quero, a quero por inteiro,

com todo mundo a vendo do meu lado, juntos, sem julgamento, apenas

vivendo o que sentimos um pelo outro.

Me deito reto, viro minha cabeça para olhar para o teto, e suspiro.

— Não achei que ela fosse aparecer em algum momento — digo, e

não demora muito para ouvir a resposta de Ariela.


— Eu esperava — responde. — Ela é sua mãe, se não fosse

importante o que ela quer conversar com você, não teria vindo atrás.

— Por que você sempre demonstra parecer saber de algo? —

questiono e olho para ela. — A forma que fala, insistindo que devo falar

com ela, escutar o que ela tem a dizer.

Ela não responde de início, se remexe um pouco, e percebo que me

esconde algo.

— Eu fui falar com ela assim que me disse que ela estava na cidade

e havia ligado para falar com você — conta, me pegando totalmente de

surpresa.

— O quê?
— Você não ia querer falar com ela, e eu fui, queria ter certeza do

motivo para ter voltado — pausa. — Você já estava tão machucado, eu

queria te poupar de algo pior, se fosse o caso.

Eu a solto, me levantando e sento na beirada da cama.

— Não foi difícil localizar sua mãe em um dos hotéis da cidade, pelo

nome e pelo fato de ser a ex-mulher do seu pai, todo mundo sabia.

Suspiro.

— Não acredito que fez isso — digo, revoltado, me sentindo traído.

— Por isso fez aquela proposta incabível.

Ela se aproxima de mim, tocando meu ombro, e descansa a testa nas

minhas costas.
— Tenta entender, eu queria te ajudar e foi a única coisa que pensei

que pudesse te fazer ir atrás dela — explica. — Me desculpa, Lion, juro que

não fiz por mal.

Travo a mandíbula e apoio a cabeça em minha mãos. Ela senta ao

meu lado, ainda com a mão em meu ombro.

— Deveria ter me contado, Ari — digo.

— Eu sei e reconheço o meu erro — confessa, se inclinando para

beijar meu rosto. — Mas eu precisava ter certeza, eu nunca te pediria para ir

atrás dela se não soubesse que é importante.

— Não quero saber do que conversaram, o que Clarice te contou ou

o motivo que a fez ir embora — falo, ainda revoltado, com a mente cheia.

— Mas, Lion, é importante...


— Não interessa, eu não vou atrás dela e quero que você respeite a

minha decisão — peço.

Talvez eu esteja sendo orgulhoso demais, porém não ligo, estou me

preservando de uma dor maior. Não quero vê-la, também não quero saber o

que ela tem para me contar.

— Tudo bem, não vou mais falar sobre isso — Ariela diz, e eu me

endireito para olhá-la. — Mas ainda acho que deveria conversar com ela ou

só ouvir o que tem a dizer, pelo menos.

Ao finalizar, Ariela fica de pé para se afastar, mas eu seguro sua

mão, a puxando para sentar no meu colo.

Toco o seu rosto, olhando bem em seus olhos. A conheço e sei que

não fez isso tudo por mal, mas pensando em mim, mesmo que seja de uma
forma errada e às escondidas.

— Você é incrível, sabia? — Ela fica surpresa me ouvindo, não

esperava as palavras, e fico mal. — Obrigado por ter pensado em mim,

mesmo que a forma como as coisas se desenvolveram não tenha sido

correta.

Ela sorri e aquiesce.

A beijo, dizendo que está tudo bem, e a abraço. Só consigo pensar na

feição de Clarice olhando para mim, parecendo feliz e temerosa em me ver.

Ela deveria desistir da ideia de querer falar comigo e ir embora.

Mas e se eu desse o braço a torcer e fosse até ela?


São perguntas que eu não sei como lidar nesse instante, e talvez não

saiba a resposta por um longo tempo.

 
 

 
Lion

Sábado, 16 de setembro de 2017

Busco Breno para passar o fim de semana comigo em casa. Não foi

difícil, como imaginei, convencer meu pai e Claudia. Já havia saído com ele

várias vezes, só que ele nunca tinha ido dormir comigo, ainda mais sabendo

que meu pai odeia Dimitri e também não suporta o restante dos meus

amigos.
Não me importo muito com o fato de, mais uma vez, nós termos nos

desentendido. Consigo sentir que Pedro, nos últimos dias, está mais

estressado e nervoso, mas não me conta o motivo.

Nem mesmo me contou que Clarice está na cidade, não fez questão,

e sei que ele não me quer perto dela, talvez seja por isso que anda ainda

mais vigilante.

Breno, no banco de trás, está animado por passar o fim de semana

comigo. Queria que Ariela pudesse estar com a gente também, mas os

meninos ainda não sabem que estamos juntos. Não sei até quando

levaremos essa mentira adiante.

Aperto o controle remoto, esperando o portão da mansão abrir. Passo

pelo caminho de pedras, dando a volta pela fonte, indo direto para a

garagem, estacionando o carro.


Ajudo Breno a descer do carro, e ele pula no chão a se ver solto da

cadeirinha.

Artho buscou a filha na casa de sua mãe, sei disso porque chego a

ver seu carro estacionado ao lado do meu. Vai ser legal Breno ter outra

criança para brincar, mesmo que seja dois anos mais nova que ele.

Ele corre na frente depois que pego sua mochila dentro do carro, e

assim que abro a porta, damos de cara com Darth Vader na porta,

esperando.

Breno fica parado, não mostra medo, o que é importante, e sorrio

quando meu irmãozinho levanta a mão para tocar no rottweiler quando ele

se aproxima. Darth lambe a mão de Breno, que dá risada, e se aproxima

mais, abraçando o cachorro pelo pescoço.


— B, cuidado para não machucar ele — digo, com a intenção de

deixar a mochila de Breno ao lado da porta, mas lembro que Eros é chato

demais com organização, e vai encher o meu saco.

Breno me acompanha até a sala, com Darth Vader em seu encalço.

Encontro Artho sentado no chão, brincando com Ayla, com um urso de

pelúcia maior que ela, e tenho certeza que isso deve ser coisa de Eros.

— E esse urso aí? Não está grande demais para Ayla? — pergunto,

colocando a mochila no sofá, indo em direção à minha menininha favorita

do mundo.

Pego Ayla no colo, beijando seu rostinho, antes de jogá-la para cima,

escutando sua risada.


— Fale isso para o Eros — Artho resmunga descontente. — Ele ama

mimar ela.

Dou risada.

— E você, Batatinha, gostou do urso que o tio Eros deu? — pergunto

para a Ayla, e Artho bufa com o apelido que sempre usamos.

— Ximm — responde, batendo palmas. — Tio Elos é legal.

— E eu também sou legal — respondo, fazendo cócegas em sua

barriguinha. — Posso comprar quantos ursos você quiser.

— Não comece você também, não vou ter saco para lidar com um

querendo ser melhor que o outro nisso — Artho corta, irritado, se

levantando do chão. — E você, guri? Vem cá.


Artho chama meu irmão para perto com as duas mãos, depois o pega

no colo, chamando a atenção de Ayla para os dois, que fecha a cara.

— Não! Tutú é meu — Ayla grita e avança para frente, tentando

bater em Breno.

Olho para Artho, que está tão sem reação quanto eu com o ciúmes de

Ayla. Breno franze a testa sem entender e Ayla tenta descer para o chão,

agitando as pernas.

A desço, ela vai até Artho, puxando sua calça para ele descer Breno.

Observo quando meu irmão já está no chão, e Ayla levanta a mãozinha para

empurrá-lo.

— Bah! — Artho fala, pegando Ayla no colo. — Não pode fazer

isso, ele é seu amiguinho, irmão do tio Lion.


Batatinha esconde o rosto no pescoço do pai, e fica com os olhos

voltados para Breno, que não está entendendo a reação dela. Artho conversa

com a a menina, mostrando a forma carinhosa e amorosa que cuida dela.

Para todos lá fora, ele é apenas um irmão amoroso, que cuida da

irmã e da mãe viciada. Mas aqui dentro ele é o pai dela. Me orgulho do meu

amigo, está sempre fazendo de tudo para dar o melhor a ela, preocupado

com cada detalhe.

Até mesmo “contratou” uma babá para ficar com ela nos momentos

em que ele estiver trabalhando. Sorrio, Charlotte está mais para namorada

dele que apenas uma babá.

Dá para ver que com Breno e Ayla, meu fim de semana seria longo.
Desço as escadas, virando a cabeça de um lado para outro, sentindo

o estalo pelo cansaço.

Pego o celular para escrever uma mensagem para Ariela, que está se

divertindo com o fato de não ter sido nada mole ficar com Breno o dia todo,

ainda mais com as brigas constantes dele com Batatinha.

“Me lembre de nunca mais trazer Breno para passar o fim de semana

aqui com a Ayla junto.”.

Ela manda uns emojis rindo, e bloqueio a tela do celular quando

chego na sala e encontro meus amigos sentados, rindo.

— Ele dormiu? — Gabriel pergunta e eu assinto.

— Nunca mais trago o Breno para cá quando a Batatinha estiver

também, aqueles dois tiram a paz de qualquer um — resmungo, pegando o


chimarrão da mão de Eros, que resmungando, me xinga.

Dou risada, e encho a cuia com mais água morna, me sentando na

poltrona, e respirando aliviado. Artho aparece logo depois, com a mesma

cara que eu, Ayla deve ter acabado de dormir também.

— O auge foi a Batatinha puxando os cabelos de Breno quando ele

pegou o urso para brincar também — Gabriel comenta rindo.

— Ela é muito territorial, assim como o pai — eu digo, puxando

mais risada dos meninos. — Charlotte que lute.

Quase recebo um soco quando cito o nome da garota dele.

— Artho nem está namorando ela, posso convidá-la para sair, então

— Gabriel provoca.
— Se você quiser morrer cedo — Artho fuzila Gabriel com os olhos,

só faltando espumar pela boca.

— Ayla está convivendo demais com o Eros — Dimitri comenta, se

inclinando para pegar o chimarrão da minha mão para tomar também.

Solto uma gargalhada, concordando. Eros age como cão quando está

do lado de Raquel, que age como gato, não abaixando a cabeça para o

rabugento do meu amigo.

Escutamos Eros bufar e mesmo assim abrir um sorriso de lado.

— Você vive uma relação de cão e gato quando a Raquel está por

perto — digo e aponto para ele. — Até quando vai ficar nesse morde e

assopra?

— Não enche o saco, Lion — diz, enchendo sua taça de vinho.


Observo meus amigos e percebo que, de nós seis, os únicos que se

amarraram a alguém na vida foram Artho, Eros, Dimitri e eu, nunca vimos

os gêmeos com alguém, mesmo antes da promessa.

— Sabe do que lembrei agora? — pergunto, sorrindo ao me encostar

na poltrona.

Tenho a atenção de todos voltada para mim.

— Como se chamava mesmo aquela garota que colocou o apelido

em Gabriel? — questiono, dando risada. — “Bibi”.

— Vai se foder, filho da mãe — Gabriel xinga, arremessando uma

almofada em mim.

Levanto o dedo do meio para ele, que devolve com a mesma

infantilidade.
— Eu jurava que eles iriam se casar, viviam grudados o tempo todo

— Eros entra na provocação.

— Eu achei também — Artho responde. — Lembra quando

escutamos ela chamar ele pelo apelido na primeira vez? — pergunta, dando

risada.

Artho sempre sendo o rei do deboche.

— Caímos na risada, foi a primeira vez que vi o Gabriel vermelho

em toda a minha vida — confesso.

— Vão todos se lascar! — Gabriel responde irritado, mas sei que, no

fundo, está se divertindo.

— Maitê — nos viramos para Natan depois de escutá-lo pronunciar

o nome. — O nome dela é Maitê.


Fico confuso por ele lembrar do nome da garota e percebo que é o

único que não está rindo.

Ele bebe do seu chimarrão, ignorando nossa atenção nele.

— Me surpreende você saber o nome dela e não o Gabriel — Dimitri

comenta.

Observo nosso amigo, depois olho para todos, verificando se só eu

peguei alguma coisa no ar, e a resposta é não. Eros o encara, analisando a

reação de Natan cada vez que Maitê é citada, e nosso amigo não parece nem

um pouco satisfeito. Eros, assim como eu, percebeu alguma coisa, mas

sendo discreto como é, não comenta nada.

— Quem disse que não sabia o nome dela? A Mai foi minha amiga

na adolescência, até precisar se mudar para o Rio de Janeiro — responde.


— Cara, aquela garota odiava o Natan, vocês lembram? Não podia

vê-lo na frente dela que os dois já estavam discutindo — Artho fala, nos

lembrando de uma época tão boa de relembrar.

Época que Gustavo e Elena ainda estavam vivos, e nos enchiam de

amor e carinho, assim como de sermões e puxões de orelha, mas o que

importava era que eles estavam ali por nós.

— Tem algo a declarar, meu amigo? — pergunto, usando a desculpa

para tirar alguma coisa dele.

Natan bufa.

— Aquela garota era um porre, não me dava um segundo de paz,

estava sempre enchendo o saco — declara, voltando a beber a bebida

quente.
— E você não ficava para trás também — Gabriel solta. — As

travessuras que fez com ela, era por isso que sempre estava te

atormentando.

— Mas é sério, de nós seis, achei que era você que iria se amarrar

primeiro, parecia um bobo apaixonado pela menina — Artho fala para

Gabriel, e vejo Natan se mexer desconfortável no assento.

— Maitê e eu éramos somente amigos.

— E nunca rolou nada entre vocês? — Dimitri interroga, puxando a

pergunta que todos queriam fazer. — Vocês estavam sempre juntos, é

possível que tenham ficado.

Gabriel ri, dando de ombros, mas não responde a nossa pergunta, nos

deixando na dúvida. De onde estou, vejo Natan se levantar, colocando sua


cuia na mesinha à frente e vestindo uma jaqueta.

Olho para Eros, que troca um olhar comigo. Natan está fugindo da

conversa para não precisar ouvir mais sobre a garota, nos indicando que

estamos certos na teoria.

— Vai sair? — seu irmão pergunta, franzindo a testa. — Achei que

iria ficar em casa hoje.

— Tenho compromisso agora, mas podem ficar com o papinho de

vocês — diz, brincando, mas sinto um leve tom ácido na voz.

Ele bate nas costas de Gabriel, que o encara desconfiado.

— Nos vemos amanhã, guris — Natan se despede, saindo da sala, e

logo escutamos a porta da frente batendo.


Estou começando a achar que os gêmeos não são tão imunes como

achei em relação à paixão, é só questão de tempo até os dois aparecerem

com alguém.
Ariela

Sábado, 30 de setembro de 2017 

Lion me convidou para passar o fim de semana com ele fora de

Bento Gonçalves, em Caxias do Sul. Ele havia reservado um restaurante e

nós ficaríamos hospedados no Blue Tree Towers, um dos melhores hotéis

da cidade. 

Os planos eram jantar no restaurante, ir para o hotel e, no dia

seguinte, passear pela cidade. 


Lion escolheu ficar mais distante de Bento para podermos curtir sem

a preocupação e o medo de sermos pegos. O que nos dava a chance de

conhecer a Igreja de São Pelegrino, passear pela cidade e por alguns pontos

turísticos. A Ariela de anos atrás estaria surtando com a possibilidade de

conhecer o museu da cidade. 

Falei com a minha mãe que faria uma viagem com algumas amigas

da minha turma para Caxias, sem dar nomes, porém fiz todo um discurso

para que não rolasse desconfiança, mas por algum motivo, ela não insistiu

muito em saber quem eram as amigas, nem mesmo pediu os números delas. 

Tive muito tempo para ter a experiência de mentir quando me mudei

e entrei para a faculdade. 

Às vezes, me pergunto o que nossos pais fariam se soubessem que

Lion e eu estamos juntos de novo. Com toda a certeza, seria um inferno,


não somos mais adolescentes, o caos seria maior, e tenho medo de isso

respingar em Breno.

Suspiro, encostando a cabeça no banco e a reação não passou

despercebida por Lion.

— Já estamos chegando, amor — Lion diz e segura minha mão,

entrelaçando nossos dedos. — O que tanto passa nessa cabecinha?

— Nada demais — digo e viro a cabeça para ele. — Estava

pensando o que nossos pais fariam se soubessem que estamos juntos de

novo. 

Ele me olha por breves segundos, e faz uma expressão de

desagrado.  
— Provavelmente, meu pai me mataria e sua mãe te mandaria para

bem longe de Bento, por garantia — ele brinca, dando risada, mas sabemos

que é a verdade. — Não pensa nisso, esse fim de semana é para nós dois.

Sorrio e aquiesço. 

— Está certo, não quero que nada atrapalhe esse fim de semana —

declaro, me inclinando na sua direção e beijo seu rosto. 

O restaurante é bem próximo ao hotel, então escolhemos deixar as

malas no quarto, tomar um banho e depois seguir a pé para o jantar. 

Lion assobia ao me ver com o vestido azul de malha que marca as

curvas do meu corpo, seu sorriso predador, ao se aproximar, tira meu

fôlego. Uma de suas mãos circula minha cintura enquanto a outra sobe pela

fenda na minha coxa esquerda.


— Precisamos mesmo sair para jantar? — pergunta, passando o

polegar pela parte interna da minha coxa. — Poderia muito bem me saciar

com você todinha. Quem precisa de comida quando se tem o prazer? 

Recupero o fôlego ao me afastar das suas mãos e dou risada da sua

cara de pau.

— Não vivemos só de sexo, querido — brinco, batendo em seu

ombro.

— Você está linda, Ari — Lion me elogia, e fixo meus olhos nos

seus. — Você é deslumbrante em cada detalhe. — Na medida que fala, seus

dedos acariciam meu rosto, descendo e subindo pelo meu pescoço. — Sou

um homem sortudo. 
A forma que costuma me elogiar sempre me pega de surpresa,

causando explosões de reações pelo meu corpo. Sou atraída por sua energia

fascinante, me sinto protegida em seus carinhos, cativada pela sua beleza e

por cada detalhe que o faz ser quem é.

Sempre seria Lion. Por amá-lo de forma plena, tenho certeza que

nunca haveria outro capaz de me fazer vivenciar tantos sentimentos

sublimes.

— Podemos ir? — pergunta, abrindo um sorriso por causa do meu

silêncio. — Não podemos perder a reserva, e quero voltar logo para poder

tirar esse vestido do seu corpo gostoso. 

Uma de suas mãos descem pelas minhas costas e param no início da

minha bunda.
— Continue com esse papo, que talvez até me convença a ficarmos

aqui — digo, aproximando nossos rostos.

Toco nossos lábios de leve e suspiro quando Lion morde meu lábio

inferior. 

Ele se aproxima do meu pescoço, sua boca roça na minha pele,

parando no meu ouvido, sussurra: 

— Por mais que eu queira, não vai ser possível, preciso te alimentar

bem pra ter energia o suficiente para as coisas que tenho em mente com

você nesse quarto. 

Lion se afasta de mim e ajeita a calça, sorrio ao perceber que ele

ficou bem animado. 


— Tenho certeza que não perco por esperar — declaro ao passar por

ele para sair do quarto.

O estalo da palmada que Lion dá na minha bunda faz eco pelo

corredor do hotel e ele me olha todo faceiro.

— Não perde mesmo!

Lion havia feito a reserva em um dos restaurantes mais elegantes da

cidade. Fiquei impressionada com a beleza e riqueza de detalhes do

ambiente. Na hora de escolher o vinho, Lion pediu uma safra dos Bianco, o

meu preferido. 

Ele realmente queria muito que nosso fim de semana fosse perfeito,

e estou amando cada detalhe. 


— Eu amei o lugar que escolheu — comento e sorrio. Sinto sua mão

tocar a minha por cima da mesa. — Você sempre me surpreende com a

forma que faz de tudo para me agradar.

— Porque eu quero sempre te oferecer o melhor, Ari, você merece

isso — mais uma vez a sinceridade dele me pega de jeito. 

Lion leva minha mão até os lábios deixando um beijo carinhoso no

dorso. 

— Obrigada — agradeço emocionada.

O poder das palavras e do olhar de Lion, preenche o momento de

significado e eu fico sem jeito, um déjà vu da época que eu era adolescente

e não sabia como reagir à intensidade de Lion. 


Agradeço por Lion ter escolhido sentar ao meu lado, me aproximo

mantendo o contato visual para que saiba o quanto o desejo e estou feliz, e

quando nossas bocas se tocam, o beijo carrega todo o sentimento do

momento.

O pedido chega, e o momento sentimental é deixado de lado por ora.

Conversamos sobre alguns acontecimentos da semana e isso me fez lembrar

do que havia rolado mais cedo quando o pai de Giulia apareceu no edifício,

e como tudo acabou com Dimitri me confessando a verdadeira história da

morte do pai. 

— Dimitri me contou a verdade sobre a morte do pai dele — digo, e

pego o Lion de surpresa.

— Sério? — pergunta admirado, largando os talheres no prato para

dar mais atenção à conversa. — E como foi? 


É nítido a preocupação nos olhos de Lion, e um pouco de tensão

também. Conto o que aconteceu no edifício hoje de manhã, e seus ombros

relaxam.

A presença de Donato nos deixou com as emoções à flor da pele,

principalmente Dimitri, que estava disposto a fazer qualquer coisa por

Giulia. A confissão dele me pegou desprevenida, eu nunca o havia julgado

pelo que aconteceu, mas saber da verdade e o motivo, me deixou surpresa. 

Dimitri é um bom homem e é capaz de fazer qualquer coisa pelas

pessoas que ama, e o que fez pela Telma, mesmo que ela não mereça, foi

para proteger os irmãos, e isso mostra o quanto é incrível. 

Olhando para o Lion e sua postura, vejo o quanto eles são fiéis uns

aos outros e estiveram com o Dimitri em todo momento. Lembro das brigas

de Lion com Pedro por causa do amigo, e mesmo assim, com todas as
ameaças, Pedro não conseguiu afastar o filho do amigo que todos da cidade

acham ser o assassino do pai.

— Depois de tudo que aconteceu, ele me contou que assumiu a culpa

para proteger a Telma e o bebê, não queria que ela ganhasse a criança na

cadeia, e também tinha a Caroline — minha voz sai trêmula pela lembrança

do momento.

Foi difícil ver Dimitri contar a verdade, precisei segurar o choro para

não piorar as coisas, achar que estava com pena dele. Porque não era pena o

que sentia, e sim, orgulho por ele ser quem é, mas a dor pela injustiça

invadia meu coração enquanto ouvia sua história.

— Dimitri pediu para que não contássemos a ninguém, era a decisão

dele, mesmo que todos não estivessem de acordo — Lion explica ao pegar a

minha mão por cima da mesa, me consolando. 


A verdade de Dimitri me emociona, assim como deixa Lion

vulnerável à toda a situação.

— Ele me contou e fiquei lembrando o quanto a Giulia e a tia Tati

sofreram nas mãos de Donato por causa dessa mentira — digo revoltada. —

A Telma é uma desgraçada por se livrar de tudo. Uma filha da puta egoísta.

Não sou uma pessoa violenta, mas eu mesma daria uns tapas na cara

da Telma. Giulia provavelmente socaria a cara dela sem pensar duas vezes,

eu até seguraria se fosse preciso.

— Aquela marra de homem misterioso e mal não passa de uma

fachada. — Dou risada quando digo. — Dimitri tem um bom coração, só é

fechado.

Lion afaga minha mão, assentindo, e abre um sorriso de lado.


— Sim, Dimitri é assim, carrega consigo várias mágoas, traumas e

tristezas — ele fala devagar para não transparecer o quanto está emotivo. —

Perdeu a mãe cedo, precisou conviver com o pai alcoólatra e abusivo, é

difícil lidar com tudo isso e deixar para trás, ainda mais quando os traumas

são responsáveis em nos tornar quem somos. 

Sinto o aperto da sua mão na minha, aquiesço, me sinto mal por ele,

por todos os meninos. 

— Cada um de vocês tem uma parte triste na vida — concluo. 

— Acho que é por isso que nos demos bem desde o início, nos

tornamos inseparáveis, capazes de lutar um pelo outro — fala com

determinação e orgulho.
Apoio o queixo na mão e observo o quanto ele é lindo enquanto se

expressa, na medida que solta cada palavra, vejo a emoção contida.

Ele sorri, se inclinando para beijar a minha mão.

— Não vamos falar de coisas tristes — fala e a risada rouca e sem

graça entrega o desconforto do assunto, Lion não sabe lidar com as

memórias e sentimentos ruins. 

É nessas horas que a luta por nosso futuro juntos me atinge, queria

tirar toda essa tristeza dele, ser capaz de afastar qualquer coisa que venha

nos atrapalhar de sermos felizes. Assim como queria que nossos pais nunca

tivessem se conhecido, talvez assim, Lion e eu estivéssemos juntos desde

aquela época, mas nossa vida é rodeada por drama, injustiça e caos. 
O futuro que nos espera é incerto.  Só podemos lutar pelo hoje, e

viver nosso amor.

 
 

 
 
Lion

Terça-feira, 2 de janeiro de 2018

Porra!

Eu realmente não esperava a chegada da Ariela em Florianópolis e

muito menos como uma deusa no P12, a boate onde estava rolando a

comemoração do aniversário do Eros. 


Ao lado de Giulia, a vi andar na minha direção toda decidida com

um sorriso lindo, chamando atenção de vários olhares, fazendo eu me sentir

o homem mais sortudo do mundo. Fui até ela e a beijei, apertando seu corpo

em meus braços, sem ligar para Eros, o único que não sabia que Dimitri e

eu havíamos voltado com as nossas garotas.

Deu para ver o quanto ficou surpreso e irritado por não ter ficado

sabendo. Artho ficou chocado, mas recebeu a informação de boa. 

Saio da lembrança quando o couro da minha cabeça pinica

insuportavelmente por causa do descolorante de cabelo. Levo a mão para

coçar a cabeça e sinto o pente bater nos meus dedos.

— Sem coçar — escuto a voz brava de Raquel, e dou risada

massageando o lugar que o pente pegou.


Não lembrava que descolorir o cabelo doía tanto na época que era

adolescente. Vejo Ariela me olhar, o sorriso se abre por Raquel brigar

comigo e estreito os olhos em sua direção.

— Vocês são frescos demais, não aguentam nem descolorir o cabelo

— Raquel volta a falar, passando o pente nas mechas do meu cabelo. 

Bufo!

Raquel Mendes! A única mulher capaz de enfrentar Eros sem medo

e com determinação. Nunca achei que fosse presenciar esse momento na

minha vida, uma mulher domar direitinho meu amigo rabugento. 

A fachada de sério e ranzinza só esconde um homem cheio de

cicatrizes e traumas, que é capaz de amar, só não sabe como deixar


acontecer, tenho esperança de que Raquel consiga penetrar em seu escudo

de autopreservação.

Sorrio ao lembrar de como o provoquei ao fingir estar a fim de

Raquel só para vê-lo surtar de ciúmes, e também não suspeitarem que

estava com a minha “irmã” novamente.

Ao meu lado, Dimitri resmunga com a mistura do pó e água

oxigenada na cabeça, fazendo-a arder. 

— Para vocês terem noção de como nós mulheres sofremos para

ficarmos maravilhosas — Raquel termina de falar.

— E como — Charlotte concorda e causa risada entre elas.

Escuto Giulia e Ariela concordarem também, e as quatro entram em

assuntos aleatórios de como cada uma sofre com procedimentos


específicos. 

Observo a interação delas, satisfeito por como se deram bem logo de

início. 

Fico alegre em ver que estamos em sintonia. Dimitri está bem e feliz

com seu noivado com Giulia, e fazem bem um ao outro. Com Artho e

Charlotte é o mesmo, o amor e cuidado dela com Ayla, nossa garotinha, só

demonstra o quando eles se complementam. Eu e Ariela, juntos

novamente. 

Eros e Raquel era questão de tempo até darem o braço a torcer, tinha

um certo clima no ar, e posso jurar que eles já transaram. 

Parece que tudo está em seu devido lugar, do jeitinho que é para ser,

já que Natan e Gabriel nem pensavam em aposentar a carteirinha do Clube


dos Cretinos. 

Esses últimos meses não poderiam ter sido melhores entre mim e

Ariela, sempre que dava, viajávamos juntos para passar o fim de semana em

cidades próximas a Bento, para sermos nós mesmos, e estava funcionando

bem.

Não chegamos a conversar sobre até quando levaríamos o

relacionamento desse jeito, às escondidas, sinto que estamos tentando não

levantar essa infeliz realidade. 

E não era algo a se tratar no momento. 

Nossos pais andavam bem vulneráveis, principalmente Pedro, que

parece ainda mais sem paciência e estressado. 


Foi preciso estar mais presente para Breno, temendo que isso o

afetasse ou presenciasse algum surto do nosso pai, mas por incrível que

pareça, Claudia tinha o cuidado de não o deixar assistir situações que o

traumatizassem ou causasse medo. 

Ainda tem Clarice, que permanece em Bento. Ela não tentou contato

comigo novamente, porém, sei que Ariela mantém contato com ela, e minha

garota não deixa isso às escondidas. 

Ariela nunca me disse o que conversam, nem tentou me convencer

de novo a falar com Clarice, mas às vezes fico curioso, e pensativo se devo

ceder e ouvir o que ela tem a dizer. 

Mas lembro tudo que passei em sua ausência, seu abandono, a raiva

toma conta de mim e mudo de ideia. 


Me perdi de novo nos pensamentos até meu cabelo e de Dimitri

estarem platinados, e já estava quase na hora do almoço, por isso,

decidimos ir almoçar em um restaurante no centro da cidade, e depois curtir

um pouco a praia, já que precisaríamos voltar para Bento ainda hoje.

Ao chegarmos na praia, me sento na areia, sentindo a textura da areia

nos dedos do pé, o som do mar à frente acalma e energiza ao mesmo tempo.

Escuto Natan gritando com Gabriel com algo que o irmão fez, e os

vejo correr em direção ao mar, cada um segurando uma prancha, se

continuassem brigando, provavelmente um deles quebraria a prancha na

cabeça do outro.

Isso não seria estranho de ver por estarem sempre se provocando. 


Dimitri e Giulia resolveram andar pela praia de mãos dadas, mesmo

de costas, conseguia ver o quanto ele estava feliz e relaxado, Giulia tem

esse efeito nele.

Artho, alguns passos mais à frente, tira Ayla do seu pescoço, onde

estava sentada, ela grita eufórica, e Charlotte a pega no colo, enchendo seu

rostinho de beijos. 

Eros está sentado do outro lado, à sua frente está Raquel, eles

parecem estar trocando farpas, como sempre.

Escuto a risada de Ariela ao observar os dois.

— Os dois são sempre assim? — pergunta, se divertindo com a

cena. 
— O tempo todo quando estão no mesmo ambiente — digo,

sorrindo. — Sabemos onde isso vai dar.

Ela assente, e tira a blusinha branca que está vestida, a parte de cima

do biquíni vermelho destaca as curvas dos seus seios. A visão me causa

água na boca ao lembrar da nossa manhã, como os chupei e mordi os bicos

enquanto estocava dentro dela.

Ariela me pega olhando e sorri. Ela se agacha para ficar à minha

frente, apoiando as mãos em meus joelhos.

— Sugiro você não ter esse tipo de pensamento aqui — ela sussurra

no meu ouvido, os lábios tocam a ponta da minha orelha, fazendo meu

sangue esquentar e começar a correr em uma só direção. — Sabe que vai

ser difícil eu cuidar do seu amigo.


Imagens de Ariela me chupando me acertam com força, e me sinto

começar a inchar dentro da boxer. 

Ela abre o zíper do shortinho jeans, o deixa aberto e dobra o cós do

short, deixando à mostra a cor vermelha da calcinha, conjunto do biquíni.

— Você está me provocando — declaro, subindo a mão para a sua

cintura e a puxo para mais perto. Sua mão escorregou pelo meu joelho e

toca meu pau por cima da bermuda, e sinto seu suspiro no meu pescoço. 

Ela aperta meu pau, e faz um leve movimento de subir e descer,

vislumbro seu divertimento quando respiro fundo.

— Você não aguenta um apertozinho? — diz, se afastando de mim,

para me olhar. 
— Sua safada, você adora brincar comigo — falo, e mordo seu

queixo, escutando um suspiro sair dos seus lábios grossos. 

— Uma pena que não posso te dar o que quer — diz com a voz

manhosa e cheia de excitação. 

— Vamos voltar agora mesmo para casa — faço menção em me

levantar, mas Ariela não deixa.

— Nem pensar, quero curtir a praia — ela fala rindo, se afastando de

mim com um olhar diabólico, cheio de diversão, leva seu dedo indicador até

o lábio e olha em direção ao meu pau como uma devassa.

— Você é literalmente uma diaba e ama causar o inferno em mim —

digo, me jogando para trás. Caio na areia fofa e suspiro, frustrado.


— Nunca disse que não era — ela responde, saindo de fininho e vai

até onde a Charlotte está com Ayla no colo.

Uma sombra recai sobre mim e olho para cima, vendo Artho me

olhar. 

— Está tudo bem por aí, guri? — pergunta, chutando minha perna de

leve.

Me levanto, passando a mão nos meus cabelos platinados.

— Sim — respondo e estreito os olhos para Ariela, que me olha

sorrindo.

Desço os olhos pelo seu corpo, me sentindo frustrado, Ariela

consegue me levar à loucura com seu charme e provocações.


Observamos a Charlotte tirar o vestidinho da Ayla, arrumando seu

maiô pequeno com estampas das princesas da Disney. Sorrio ao ver seus

pulinhos animados para entrar na água.

Ariela começa a passar o protetor solar na pele branquinha da Ayla,

com todo o cuidado para a garotinha não ter nenhuma queimadura de sol,

mesmo que hoje não esteja tão quente. 

— Posso entrar com ela no mar? — pergunto ao meu amigo

enquanto caminhamos até as meninas, que assente, pronto para começar a

me passar as instruções.

Dou risada quando começa a enumerá-las, abaixando os dedos das

mãos na medida que as dita. 


— Não entra de uma vez na água para ela não se assustar, no fundo

nem pensar, fique com ela no raso... — reviro os olhos quando ele continua

falando, sabendo que eu não faria nada para machucar nossa menininha. —

Pensando bem, acho melhor deixar que eu entre com Ayla.

— Nem comece, até parece que não sei cuidar da Batatinha — digo,

e agora é ele quem revira os olhos. 

Pego Ayla no colo e sua risada preenche o ambiente, e Artho fica

resmungando de lado. 

 — Vamos, amor? — chamo Ariela, que me acompanha. 

Enquanto caminhamos em direção ao mar, Artho grita de novo para

tomar cuidado com ela e dou risada. Ariela ao meu lado conversa com Ayla,
com a voz manhosa e fina, fazendo a garotinha respondê-la toda

empolgada.

Faço cócegas na sua barriguinha e ela dá risada. A desço e seguro

sua mãozinha, seus pés tocam na água, que está com a temperatura boa para

uma criança, Ayla solta um gritinho divertido, mas volta a tocar os pés no

mar novamente.

Sento na beirada do mar, enquanto as ondas vêm e vão, seguro Ayla,

ajudando-a a se sentar na minha frente para a molhar aos poucos. 

— Sabe o que a praia sempre me faz lembrar? — Ari me pergunta,

mas não espera uma resposta. — Nosso primeiro beijo, só consigo lembrar

de nós dois.
Recordar isso me deixa sempre com o coração quente, é bobo e

clichê, mas é o que sinto. Estava completamente apaixonado por Ariela

naquela época, seria capaz de me arrastar aos seus pés.

— Sim, não é à toa que eu tatuei a data em meu peito — respondo, e

a vejo se inclinar, deixando um beijo demoradamente no lugar, tenho

certeza que sentiu os batimentos descompensados do meu coração.

Deixo um beijo na sua cabeça em retribuição por todo carinho.

— Amava aquela garota tímida e inocente que era — digo. — Tão

fofa.

Ela revira os olhos, mas vejo de leve o jeitinho tímido.

— Bobo — diz, e eu sorrio, dando um selinho em seus lábios.


O tempo todo esse sentimento de felicidade e completude preenche

meu peito quando estou ao lado de Ariela. Eu encontrei quem me faz ser o

meu melhor.

Ariela, com as mãos em formato de concha, enche-as e molha o

corpinho de Ayla.

— Uhhhh — ela expressa o quanto está gostando, dando risada. — 

Mais, tia Ela.

Dou risada, observando a forma que interagem.

— Você pensa em ser mãe algum dia? — pergunto, e quando seus

olhos azuis focam em mim arregalados, vejo que a peguei de surpresa.

Ela fica pensativa, olhando para Ayla, que enche um baldinho de

água para jogar em si mesma, nem sabia de onde surgiu o objeto.


Ariela aquiesce, e depois olha para mim.

— Sim, desejo muito ter uma família futuramente — responde, e não

diz mais nada, e entendo o motivo.

Na cabeça dela não faria sentido criar planos para nós dois, já que

para ela, era impossível um futuro juntos, mas não era o que eu achava.

— Não é impossível, Ari, é a nossa vida, o que importa é nós dois

queremos, independente dos nossos pais ou seja lá a merda de pessoa que

for, ou o que acharem — digo, sentindo o corpo tremer de irritação.

As coisas entre nós dois deveriam ter sido fáceis desde o início.

Passo a mão pelos meus cabelos, nervoso.

Ela suspira, passando a mão delicada em meus ombros.


— Não deveríamos ter essa conversa aqui — diz, olhando para Ayla

e faço o mesmo, a garotinha me olha atentamente.

— Melda não, titio Li — ela diz, sua vozinha fofa. — Papai Tutú

disse que não pode falá ixo.

Dou risada depois de ouvir uma criança de três anos me corrigir pelo

palavrão, e a pego no colo, beijando seu rostinho gorducho.

— Te amo, Batatinha — digo, sentindo meu peito se apertar com

todo o amor que sinto por ela.

Sua chegada fez toda diferença em nossas vidas, derreteu os nossos

corações frios, permitindo que somente ela tivesse o poder de nos ter assim.

— Ela é a coisa mais linda — Ari declara, segurando a mãozinha de

Ayla, seu sorriso é radiante enquanto olha com amor para a Batatinha.
— E tudo para a gente. — Sorrio. —  Quando soubemos que Artho

seria pai, lembro das várias emoções que sentimos: primeiro, o julgamos

por ter dado esse mole, mas depois relaxamos, animados porque teríamos

uma bebê no clube, trazendo alegria para todos e tirando um pouco do luto

que foi a perda dos Giordano.

Ari assente, sua expressão mostra como ela entende que foi uma fase

difícil.

— Bom, nem todo mundo relaxou por completo, Eros foi o que mais

julgou Artho no início, mas depois que a viu — pauso e olho para Ayla, que

está brincando com a minha corrente, — ele se comoveu todo.

— Isso é a cara dele. — Ela sorri.


Olho para trás e vejo meus amigos reunidos. Sinto um beijinho casto

no rosto e vejo Ayla sorrir depois de me beijar.

— Castelinho de aleia, titio — diz, batendo palmas.

— Vamos fazer o maior castelo de todos — declaro, me levantando

com ela para sentarmos numa área em que as ondas não derrubassem nossa

obra.

Ariela fica sentada, me olhando com a cabeça inclinada, com um

sorriso singelo nos lábios.

Sabia que a conversa que deveríamos ter seria esquecida, não sei se

por receio da divergência de opiniões sobre o futuro, ou receio do que

enfrentaríamos, ou ainda, se só falaríamos depois do desgaste em esconder

a nossa relação do mundo.


Ao ver seu sorriso, só posso ter esperanças que, desta vez, lutaremos

por nós, que ela lutará por mim.

 
 

 
Ariela 

Terça-feira, 13 de fevereiro de 2018 

A brisa leve nos meus cabelos me faz inclinar a cabeça para a janela,

encostando meu corpo na lateral na porta para continuar sentindo o vento

no rosto. Sinto o cheiro da maresia na medida que vamos chegando à praia

de Torres. 

O feriado prolongado de carnaval foi a oportunidade perfeita para

viajarmos todos juntos, e escolhemos a cidade de Torres, com uma distância


de mais de 200 km de Bento Gonçalves.

Como seriam quatro dias fora de Bento, usamos o mesmo esquema

do Ano Novo, pedi para Isabella ficar com o celular da Giulia, já que

falamos para Donato que iríamos viajar com as minhas amigas. 

Viajamos em um sábado e viemos em três carros, os gêmeos em um,

Artho e Charlotte com Dimitri e Giulia em outro, e no último: Eros, Raquel,

Lion e eu.

De início, no carro de Eros e Raquel, estavam Dimitri e Giulia,

porém o Giordano se irritou com o amigo, que o provocou o tempo todo da

viagem, então fez com que todo mundo parasse no posto para trocar de

casal. 
Expulsando Dimitri do carro dele, que saiu com um resquício de

sorriso de provocação, amando irritar o amigo. Era engraçado ver esse outro

lado de Dimitri, diferente do seu jeito calado e sério demais.

Antes que Lion e eu pudéssemos entrar no carro, Eros ameaçou o

amigo, dizendo que se abrisse a boca para o provocar, seria jogado para fora

do carro, a cena causou risadas em mim e Raquel, porque foi exatamente

isso que Lion fez o resto da viagem. 

Alugamos uma casa próxima à praia, passamos os dias um pouco lá

e andamos pela cidade, aproveitando os bloquinhos de rua. Lion o tempo

todo com suas mãos em mim, e não foi diferente do tratamento dos seus

amigos com as meninas. Eles estavam o tempo todo marcando território.

Eu me sentia relaxada e feliz por passar esse tempo com a nossa

galera, estávamos o tempo todo rindo e nos divertindo, parecia que quando
estávamos todos juntos não havia momento ruim, era fora da realidade.

Sou despertada das lembranças com a mão do Lion em minha coxa,

o leve aperto me faz virar o rosto em sua direção, o vejo sorrir pra mim, me

puxando para dar um beijo no rosto. 

Estamos indo em direção a uma praia que fica do outro lado da

cidade, por ser nosso último dia aqui, decidimos assistir ao pôr-do-sol. 

Eros está dirigindo e, ao seu lado, está Raquel. Enfim os dois

assumiram o namoro, acho divertido terem personalidades tão diferentes e

estarem juntos, é muito aquele ditado de que os opostos se atraem. 

Eros bufa quando o celular da Raquel volta a tocar, ela o coloca no

modo de vibração até a ligação cair na caixa postal. 


— Uma hora ela desiste — escuto a resposta da Raquel para a reação

de Eros, insatisfeita com a perturbação do celular tocando o tempo todo.

— Posso ir ao seu trabalho e conversar com os seus chefes — Eros

diz, e parece ser uma proposta que já havia feito antes e houve uma

negativa da parte de Raquel.

— Já falamos sobre isso, é o meu trabalho, preciso lidar com as

questões sozinha — ela responde.

— Essa sua gerente é um pé no saco, Raquel — Lion comenta,

dando risada, e cutuco sua barriga com o cotovelo. — Tenho uma ideia. 

— Tenho até medo de saber o que é — Eros declara, me fazendo rir. 

Lion revira os olhos, ignorando o comentário do amigo. Ele se

inclina para a frente para ficar entre o banco do motorista e o passageiro.


— Podemos colocar o Dimitri, Natan e Artho para ir até o trabalho

da Raquel, todas as tatuagens e o jeito abusado daria um sustinho na pé-no-

saco, que deixaria de te encher — termina de falar e o silêncio fica no carro

por alguns segundos, até Raquel e eu começarmos a rir.

Minha barriga dói só de imaginar a cena dos três entrando na loja,

para ir até a Raquel e mostrar que são amigos dela com um olhar ameaçador

para a gerente.

Olho para Eros, que balança de um lado para o outro, não levando a

sério o que o amigo acabou de falar, porém com um pequeno sorriso no

rosto.

— Consigo até ver Artho entrando com o taco de beisebol na mão,

ou seria o Dimitri? — Raquel expressa a diversão, e concordo ainda rindo.

— Só com o olhar de Dimitri, eu morreria de medo. 


— Artho provavelmente seria o porta-voz, Natan encararia a sua

gerente com seriedade, fazendo caras e bocas — continuo a falar.

— Eu sei, eu sei. Sou um gênio — Lion declara todo convencido,

dando tapinhas no ombro de Eros.

— Não foi isso que eu escutei — Raquel rebate, virando de lado no

banco para me olhar. — Fiquei sabendo que, da relação de vocês, o Cérebro

aqui é Ariela. 

Pela primeira vez escuto Eros dar risada, o som sai rouco e curto.

— Tem até um apelido por sinal — Raquel continua falando, e vejo

a expressão azeda de Lion. — Pinky e Cérebro, sabe que gostei, faz todo

sentido.
Tento segurar a risada, mas a expressão descontente de Lion me faz

desistir, ele bufa, mas logo vejo o sorriso se abrir de novo. 

— Detalhes, minha querida Raquel, isso são só detalhes — comenta.

— Você podia pegar um pouquinho mais leve, fui sempre um amor com

você, até mesmo causei ciúmes em Eros para ele tomar uma atitude.

Lion desvia da cotovelada que Eros ia dar nele, e cai no banco de

trás rindo. Mesmo sabendo que Lion fingiu estar interessado em Raquel

para implicar com o amigo, ainda sinto um pouco de ciúmes. Acho que é o

mesmo que Eros sente.

Raquel é linda, espontânea e engraçada.

Lion é lindo, espontâneo e engraçado.


O que difere os dois é que Raquel só tem olhos para Eros, e quanto a

Lion, sinto seu amor em cada pedaço do meu ser.

— Mas concordo que minha garota aqui é mais inteligente que eu,

um dos dois precisava ter esse dom.

Lion fala e olha para mim, me beijando na medida que me puxa para

os seus braços.

— Own — escuto Raquel, seu sorriso fofo me deixa sem graça, por

ser o centro das atenções. — Por mais que eu tenha amado essa sua ideia

em me ajudar no trabalho, não acho que seria a solução perfeita. 

— Por quê? — Lion questiona.

— Seria mais fácil eu perder o emprego por ser amiga dos marrentos

do que passar medo realmente na Emília, mas agradeço. 


— Disponha, tenho certeza que os meninos iriam adorar a ideia.

— Não viaja, Lion — Eros fala, estacionando o carro, até onde

tínhamos acesso, o restante do caminho até a praia precisava ser feito

andando. 

Saímos do carro rindo da discussão dos dois, Raquel e eu paramos

para observar a paisagem linda que é de lá de cima. 

Giulia para ao meu lado, passa o braço pelo meu e sorri com a vista.

— É linda — pronuncia, e eu assinto. 

A praia não estava tão cheia como imaginei, mesmo com a cidade

cheia de turistas, o movimento estava mais forte no centro por conta do

carnaval, e nas outras praias mais famosas. 


— O que foi dessa vez? — Charlotte pergunta, aponta com a cabeça

em direção aos seis caras que estavam entretidos na conversa, rolando

provocação e até mesmo uns socos.

— Isso deve ser coisa de Lion — respondo quando os meninos

olham em nossa direção, e escuto a voz de Artho dizer que topa participar

do plano de Lion.

— Que plano? — Charlotte pergunta curiosa.

— Sobre aparecer na loja onde Raquel trabalha e meio que dar um

susto na gerente dela com a cara de malvadão deles — respondo. 

— Eu topo! — Charlotte respondeu, empolgada. — Só Deus sabe o

quanto aquela mulher merece um susto.


Começamos a rir, e vejo Artho abraçar a namorada e elogiá-la por

como ela é sexy sendo cruel. Essa foi a deixa para todos descermos em

direção à praia. 

Lion segura minha mão, deixando um beijo leve nos meus dedos, um

ato tão automático, singelo e carinhoso, como se não pudesse ficar sem me

tocar, impossível não me derreter por ele. 

Enquanto descemos pelo caminho de terra batida, observo o finzinho

de tarde, o sol pronto para se pôr, os raios laranjas e avermelhados tocam o

mar, transformando na imagem mais linda. 

Nos sentamos na areia para prestigiar a beleza à nossa frente. Lion,

atrás de mim, passa a manta em nossos ombros, me abraçando. Deito a

cabeça em seu pescoço, e sinto beijos serem depositados nos meus cabelos. 
Sem esperar, escuto o som de funk ao lado, e sorrio ao ver que isso é

coisa de Gabriel, que trouxe uma caixinha de som para a praia. 

— O quê? Esse momento está parecendo um velório, todo mundo

em silêncio olhando para o horizonte — ele julga, revirando os olhos. 

— Talvez essa fosse a intenção, idiota — Natan retruca o irmão. 

— Precisa colocar logo um funk? — Eros questiona, mal-humorado.

Raquel bate no seu braço, o chamando de chato.

— As meninas não estão reclamando — Gabriel declara, e para

provocar o Dimitri, puxa Giulia para dançar com ele.

Dimitri levanta do chão parecendo um touro bravo quando Gabriel

toca na sua noiva, ele desvia do amigo e vem em nossa direção. 


— Vem, Ariela, deixa o Lion pra lá.

Lion se levanta, e logo vejo os dois enrolados na areia, brincando um

com o outro, até juntar o Artho.

A música muda para rap, e em seguida para uma música pop, logo

uma gaúcha, remetendo à nossa origem.

Sinto a gota da chuva em minha pele, estava tão entretida nas

brincadeiras e conversa com todos, nem tinha percebido que o tempo havia

fechado.

Os pingos começam a engrossar, foi tão rápido e repentino, não

estávamos preparados. Já está escurecendo, e o tempo de chuva faz parecer

ser bem mais tarde.


Nos levantamos rapidamente, quando penso em correr em direção ao

carro, Lion segura a minha mão, me impedindo.

Levanto o rosto para olhar, e vejo ele sorrir negando com a cabeça. 

— Fica, é só uma chuva — declara, e abro um sorriso assentindo. 

Nesse momento, Another Love de Tim Odell começa a tocar e vejo

que todo mundo permaneceu na praia. Fecho os olhos sentindo a chuva me

molhar, as gotas descem pelos meus cabelos. 

Inclino minha cabeça para cima, a música transforma o momento em

mágica. Sinto quando Lion segura minha mão, e me roda, solto uma risada,

e canto a letra da música. 

Enquanto pulo, me balanço cantando e não sou a única. A vibe que a

cena transmite é insana, e ao olhar para os meus amigos, vejo-os sentir


também. 

De forma contida, Dimitri canta abraçando Giulia, Eros canta

rodando Raquel, que tem um sorriso enorme nos lábios. Já os outros estão

mais soltos, gritam sentindo a letra da música.

Sorrio ao ver que até mesmo Natan, que é mais recolhido, se

entregou ao clima. 

Quem nos visse agora, pensaria que somos loucos por estar no meio

da praia, cantando a plenos pulmões enquanto dançamos e pulamos. Ainda

não sei como o som do Gabriel continua tocando. 

Paro de pular e cantar, Lion me puxa para mais perto, seu beijo é tão

lento e cheio de emoções, numa mistura de amor, alegria e satisfação. 


— Eu te amo, amor — ele declara, tentando manter os olhos abertos

por causa da chuva. — Eu te amo e tenho certeza que nunca vou amar outra

mulher em toda a minha vida além de você, Ariela.

Suas palavras descompassam meu coração. Surpresa e emocionada,

sinto minha garganta doer por tentar conter o choro, mas desisto, sem saber

se as gotas que descem pelo meu rosto são lágrimas ou a chuva. 

— Eu te amo e você me tem em suas mãos, tem o meu coração, seja

ele por inteiro, machucado ou curado. Você me tem por completo e desejo

muito que isso aqui não seja passageiro — completa, perco todas as forças,

me jogo em seus braços, o beijando. 

Seguro firme em Lion, entregando todo o meu amor. Nunca

havíamos sido tão claros sobre o nosso sentimento, dito abertamente as três
palavrinhas, não depois de todo tempo separados, e aqui estão elas, e meu

peito arde para retribuí-las.

— Eu te amo — digo, deixando vários beijos na sua boca enquanto

repito o quanto o amo. — Eu te amo, muito, muito. Você é e será para

sempre o amor da minha vida.

Eu vejo a emoção no seu rosto ao ouvir minhas palavras, mas não

tentar escondê-las.  

— Isso significa que aceita namorar comigo? — pergunta, todo

bobo. Me faz jogar a cabeça para trás rindo.

— Achei que nunca ia ter um pedido oficial — respondo. — Sim, eu

aceito. 
Ele me pega no colo, me rodando, e eu grito em êxtase. Sorrindo, me

sinto a mulher mais feliz desse mundo, gravo em minha mente a lembrança

que fui pedida em namoro ao som de Another Love, na praia, com chuva,

com meus amigos à minha volta.

Independente do que acontecesse, do nosso futuro, meu coração e

todo o meu amor seria somente do único homem que foi capaz de me amar

tão intensamente.

Lion Bianco.

 
 

 
 
Ariela 

Domingo, 1º de abril de 2018

Sorrio ao ler a mensagem do Lion dizendo que está com saudades, e

que devo arrumar um jeito de ele entrar sorrateiramente para o meu quarto

hoje à noite.

Raramente, quando tenho certeza de que ele não vai ser pego por

uma das meninas, consigo deixá-lo entrar e passar a noite no meu quarto,

foram pouquíssimas vezes, mas ele quase foi pego.


Lembro que da última vez o levei até a porta para ir embora bem de

manhã, Lívia apareceu na sala e nos deu um susto, mas nada que uma boa

mentira sobre sermos irmãos e que Lion veio buscar algo não tenha nos

safado.

Dou play na série nova que estou assistindo, volto a assistir depois

de responder o Lion. Ainda estou nos primeiros episódios de Game Of

Thrones, e nesse instante aparece Eddard Stark na cena, que vai até a mesa

e se senta na cadeira pegando um livro fechado com a capa grossa de cor

escura.

Começo a prestar atenção na cena, pois pela expressão do

personagem é algo importante para ser descoberto. O livro trata das

linhagens e histórias das casas dos sete reinos.


Eddard começa a ler sobre a linhagem da casa Baratheon ao qual

pertence o rei Robert, lendo o nome dos seus ascendentes e a cor dos seus

cabelos.

Os nomes vão sendo lidos, e o último é do Steffon Baratheon e seus

cabelos pretos, o engraçado é como a citação do nome me faz lembrar do

Stefan, irmão do Dimitri.

Eddard vira a folha do livro, lendo logo em seguida o nome do rei

Robert Baratheon, e do seu primeiro filho com a Cersei Lannister, e Ed para

de repente ao perceber que o traço do cabelo do filho do rei que deveria ter

puxado do pai, veio da linhagem da mãe.

Os cabelos loiros.
Eddard percebe que os filhos do rei são, na verdade, bastardos, e me

pego de novo pensando em Stefan e como não parece nada com Dimitri

nem Caroline.

Os traços de Stefan são mais marcantes, cabelos bem escuros, olhos

que poderiam ser confundidos como jabuticaba de tão pretos, até mesmo as

sobrancelhas tinham formato diferente.

Me lembro muito bem da viagem que Giulia e eu fizemos para

Jaguarão e em como eu percebi que Stefan não tinha nada a ver com os

irmãos, nem mesmo com o novo marido de Telma, conheci os dois, tanto o

atual quanto o falecido, e ele não tem nada a ver com os dois.

Se a vida fosse como uma série, tenho certeza de que esses detalhes

seriam importantes, peculiares, e dariam uma história interessante.


Sorrio pela viagem dos meus pensamentos, e foco novamente na

série, antes de receber uma mensagem de Lion, que diz que está no andar da

cobertura, esperando para eu abrir a porta.


Lion

Sexta-feira, 13 de abril de 2018

Que porra aconteceu?

Nem eu sei explicar, foi tudo tão rápido, que não tivemos tempo de

reagir direito, quando percebi, policiais junto ao delegado tio da Giulia

estavam entrando na casa onde estávamos comemorando o aniversário do

Dimitri.
O filho da puta se sentiu o dono da porra toda ao nos prender, de

novo.

Queria socar a cara de Franco, mas a única coisa que me preocupava

naquele momento era Dimitri e Giulia, os principais afetados dessa merda, e

minha garota que estava apavorada, chorando ao ver a amiga desesperada, e

logo em seguida todos sendo levados para a delegacia.

Nem consegui pedir para ela ficar calma, assim que nos jogaram

dentro de uma das viaturas, vi o quanto estava mal, sendo acompanhada por

Charlotte e Raquel, que também estavam na mesma situação que minha

namorada.

Fomos deixados em uma sala e Dimitri em outra, a cena mais uma

vez sendo repetida. Não gosto nada disso.


— Porra, se fizeram alguma coisa com Dimitri, acabo com Franco

— escuto Natan explodir, socando a parede, e nem tento pedir para ele se

acalmar, estamos todos à flor da pele.

Nessa hora, a porta se abre e vejo Eros sendo empurrado para dentro

da sala, meu amigo fuzila o policial debochado com o olhar, e vejo o

mesmo fraquejar um pouco, mesmo ele sendo autoridade aqui, conhece

bem o poder que um Giordano tem na cidade, e isso faz com que saia

rapidamente, fechando a porta.

— Folgado, filho da puta — ouço Eros vociferar, puto da vida. —

Liguei para Miguel, ele vai mandar um advogado para nos tirar daqui, já

que duvido muito que Franco nos libere por vontade própria tão cedo.

— Desgraçado — xingo. — Conseguiu ver Dimitri? — pergunto

preocupado, repuxando meus cabelos da nuca.


— Não consegui ver nada, e não acho que isso seja algo bom — diz,

observando a sala toda fechada. — Essa merda não mudou nada desde a

última vez que estivemos aqui.

Artho está encostado na parede, a cabeça inclinada para cima com os

olhos fechados.

— Eles não seriam idiotas de se arriscarem e fazerem merda contra o

Dimitri, ainda mais com várias testemunhas — Artho fala, nem um pouco

calmo, sua mandíbula está tensa e as mãos em punho, sua pele tatuada do

braço completamente exposta.

— Isso foderia com a imagem do Donato e Franco, o delegadozinho

de merda — Gabriel concorda, socando a parede.


Estamos todos irados com tudo o que houve, e mesmo assim não

consigo entender como isso tudo aconteceu.

Será que fomos denunciados por vizinhos?

Pensar isso me faz lembrar da primeira vez que fomos presos anos

atrás, no dia em que comemoramos a entrada na faculdade. Por culpa do

meu pai, que nos denunciou para Franco.

Seria ele novamente causando um inferno nas nossas vidas? Não

duvidaria, ele anda vulnerável ultimamente, estressado e aparentemente

perturbado por algo.

As horas dentro da sala passaram devagar, estávamos agoniados sem

notícias de Dimitri, e muito menos sem o advogado que Miguel havia

enviado para nos ajudar.


A hora no relógio marcava mais de quatro da manhã quando abriram

a porta e o mesmo policial que nos colocou aqui dentro fez um gesto para

sairmos.

— Estão liberados — fala arrogante, com a mão apoiada na arma

que se prende a sua cintura.

Grande merda!

Eles não tinham como nos deixar presos por muito tempo, ainda

mais sem prova, no máximo iriam precisar dos nossos depoimentos.

Seguro o ombro de Gabriel para que ele não faça merda, passamos

horas nessa sala fechada, o que não ajudou muito em questão da nossa

irritação. Na parte da frente da delegacia, Eros, que anda à frente, avista o


nosso advogado e aperta a mão dele em agradecimento, escutando o que o

este tem a dizer.

Charlotte e Raquel levantam das cadeiras de onde estavam sentadas,

aflitas, e quando veem seus namorados bem, o alívio fica estampado no

rosto das duas, que os abraçam.

Não vejo Dimitri ainda, o que começa a me preocupar. Quando me

aproximo de um dos policiais para averiguar, o vejo aparecer instantes

depois, machucado.

Olho inchado, e lábios cortados. Nossos amigos começam a ficar

revoltados, a ponto de xingarem.

— Mas que porra foi que aconteceu? — pergunto puto, louco para

encontrar Franco e socar a cara dele, mesmo que isso indicasse ficar preso.
— Só vamos embora daqui — Dimitri fala, além de todos os

ferimentos, ele parece destruído. — Não vamos arrumar problemas.

Não vejo Giulia em nenhum momento, mas mesmo achando

covardia, assentimos.

Eros passa o braço de Dimitri por seus ombros, Gabriel faz o mesmo

do outro lado, com Raquel acompanhando eles à frente.

— Vamos direto para o hospital cuidar desses ferimentos — Eros

informa, não dando espaço para Dimitri protestar. 

Artho, Charlotte, Natan e eu decidimos seguir depois, ficamos

esperando o advogado assinar algumas papeladas.

Assim que tudo ficou pronto, nos despedimos do advogado que

Miguel havia mandado para nos ajudar. No momento que me viro para ir
embora, vejo meu pai entrar furioso na delegacia, gritando.

— Seu irresponsável! — Pedro exclama, vindo em minha direção,

com o dedo em riste. — Que merda fez dessa vez? 

Seus olhos estão vermelhos e furiosos.

Com as mãos em punho, me preparo para revidar seja lá o que Pedro

Bianco planeja. 

Artho, que está ao meu lado, entra na minha frente pronto para me

defender, e Natan se junta. Toco de leve no ombro de Artho, indicando que

está tudo bem, e que vou lidar com isso sozinho, ele me olha questionando

se tenho certeza, dando um passo para o lado. 

Meu pai chega até mim, me empurrando, a ponto de eu bater a

costela na bancada de mármore que a delegacia possui para dividir as duas


alas. 

Xingo quando a dor irradia na região, e por um momento penso em

revidar, mas isso me diminuiria ao seu nível. 

Natan ameaça se aproximar do meu pai, pronto para revidar se Pedro

viesse para cima de mim de novo. Meu pai olha com diversão para cada um

dos meus amigos.

Os policiais presentes na sala nem levantaram um dedo para impedir

a agressão que Pedro fez, farinhas do mesmo saco. 

— Acham que vão me impedir de alguma coisa? — pergunta. —

Belos amigos você arranjou, um assassino e outro com a mãe viciada, não

me surpreenderia se você fosse também — ele aponta para Artho, que dá

um passo para a frente. 


— Acho melhor calar essa boca escrota — meu amigo o responde, e

Charlotte segura seu braço para evitar uma confusão maior.

Pedro ri, e tenho um vislumbre de Claudia atrás dele, há uns dois

passos de distância, vendo toda a cena, adorando, por sinal. Seu sorriso de

satisfação me irrita. 

A porra da boa mulher, que apoia o marido, usufruindo de todo o

dinheiro, mas que não aceita ser chamada de interesseira e que engravidou

somente para se casar com meu pai para se dar bem.

— Você e seu irmão não têm onde cair morto... — diz para o Natan.

— E o Giordano, bem, tenho certeza que seus pais ficariam desolados ao te

ver no meio dessa confusão.


Fico indignado ao ouvir ele se referir aos Giordano, e antes que eu

fale alguma coisa, é Natan quem avança para cima do meu pai, e eu tento

segurá-lo, o que se torna impossível.

— Pensa bem antes de falar de Gustavo e Elena — Natan ameaça.

— Não tem esse direito, pode ter certeza que eles foram mais dignos que

você durante a sua vida toda.

— Ou o quê, moleque? Estamos em uma delegacia, com certeza

seria preso por lesão corporal — Pedro responde, mostrando que,

independente do que fizesse, no final ele sairia ileso daqui de dentro.

— Acha que isso me impediria de quebrar a sua cara? — Natan

declara, furioso.
Natan está possesso, não somente ele, sangue quente corre pelas

minhas veias, louco para fazê-lo calar a boca, e vejo Artho se segurando

para não fazer merda.

Ele não podia, tem Ayla que precisa dele, a sua mãe, o homem

responsável que é faz ele pensar muito bem.

— Eles foram fracos...

Impeço que Pedro continue depois que soco sua cara, o fazendo cair

no chão. Claudia grita, correndo em direção ao meu pai, e sinto braços me

segurarem.

— Você está louco? Olha o que fez com o seu pai — Claudia grita,

segurando o rosto de Pedro, o ajudando a se levantar logo em seguida. —

Você não merece ser um Bianco.


Finjo que suas palavras não perfuram meu peito, bloqueio todo o

veneno que ela lança para cima de mim.

— E acha que eu queria isso? — pergunto, sentindo minha garganta

se fechar. — Com certeza não queria ele como meu pai.

Pedro se levanta, limpando a boca com o dorso da mão.

— Você vai pagar muito caro por isso — intimida, não achei que

seria capaz, mas o vejo ainda mais nervoso, como se seu olhar fosse capaz

de me exterminar da terra. — Ingrato, agora que tem tudo, dinheiro todo

mês na conta para pagar seus luxos e faculdade, vem me dizer isso? —

sorri, jogando na minha cara e na de todos presentes que me banca, me

humilhando.
Pedro sempre tenta me atingir. Nunca me amou de fato, ou se

importou comigo, a única coisa de que precisava era de alguém para herdar

os negócios depois que não pudesse mais administrar.

Pedro Bianco é orgulhoso demais para perder tudo o que construiu

para um parente distante.

— Quero ver falar isso quando eu tirar tudo isso de você — ameaça

sorrindo, me ridicularizando da maneira que ama fazer.

— Não faria diferença, não pedi que me ajudasse quando saí de casa

— falo, e é a mais pura verdade.

Mas Pedro odiava a ideia de passar a imagem de pai irresponsável

pela cidade, e isso foi uma forma de me humilhar de alguma forma, me

mostrando que dependeria dele sempre.


— Não. Mas viveria de quê? Às custas dos seus amiguinhos? —

pergunta, esnobando meus amigos, ao olhar para a cara Artho e Natan. —

Você é um desgosto para mim, nem para filho você presta, seu merda.

— O pai do século está se sentindo ofendido por ouvir as verdades?

— debocho.

— Deveria ter obrigado aquela mulher a te levar quando ela foi

embora, mas nem ela te quis — Pedro joga na minha cara mais uma vez, e

sinto o ambiente esquentar, porque suas palavras atingiram como faca o

meu peito, bem no ponto que meu pai sabe que me machuca.

Me recuso a deixar uma lágrima cair, me recuso a continuar ficando

vulnerável na presença dele, mas suas palavras doem, me rasgam por

dentro.
— E eu teria feito exatamente isso se tivesse deixado eu fugir com

ele quando eu tentei — uma voz suave, ao mesmo tempo imponente, surge

na entrada da delegacia.

 
Lion

Clarice Ferreira.

Com passos calmos vindo em nossa direção, vejo Ariela logo atrás

dela, seus olhos em mim, pouco se importando com a sua mãe que a olha

confusa, e eu estou do mesmo jeito, sem entender o que essa mulher faz

aqui, ainda mais ao lado da minha namorada.

Mas não foi somente isso que chamou minha atenção, foi o que ela

falou assim que entrou.


Meu coração está acelerado, como se fosse capaz de sair pela minha

boca, minhas mãos suam, e passo as palmas pela calça para tentar amenizar,

porém não ajuda muito. Meus olhos só conseguem focar nela.

Exclusivamente em Clarice.

A mulher à minha frente não passa dos 45 anos, cabelos da mesma

cor que os meus, um castanhos claro. Consigo ver pela sua fisionomia, que

puxei alguns traços dela. Feições que eu julgava serem parecidas com as do

meu pai e agora eu tenho certeza que não.

Ela é bonita, com um jeito elegante de se vestir, e me pego pensando

como é a vida dela, cheia de luxos como meu pai me contou uma vez?

Continua egoísta e interesseira? Com toda certeza, uma pessoa não muda

assim tão fácil.


— Mas o que é isso aqui agora? — Claudia explode. — O que está

fazendo com essa mulher, Ariela?

Claudia vai até ela, a pegando pelo braço de forma brusca, e quando

faço menção de ir até a minha namorada para defendê-la, Ariela se solta da

mãe.

— Chega, não vou deixar que interfira, Lion merece saber a

verdadeira história por trás do abandono da mãe dele — minha garota fala,

decidida, enfrentando Claudia que a olha chocada, com certeza nunca viu a

filha reagir desse jeito antes.

— Está ficando louca? — Claudia pergunta abismada, dando um

passo para trás.


Ariela se afasta dela, vindo até mim, nesse momento. A delegacia

estava começando a ficar pequena para o tanto de gente.

— Fala, Clarice, esse é o seu momento — Ari pede, me deixando

sem entender.

— Falar o quê? Não quero ouvir nada que venha dessa mulher,

Ariela — digo, olhando para ela, que começa balançar a cabeça.

— Por favor, Lion — minha namorada suplica aflita, seus olhos

azuis implorando. — Acaba logo com isso, você precisa se libertar do seu

passado.

Fico confuso, sem saber o que dizer ou fazer, é como se minha

mente estivesse nublada por todos os acontecimentos até agora, e a última


coisa que quero é continuar aqui, preso a toda essa situação com meu pai e

Clarice.

Meus amigos observam a cena, também sem saber como reagir, sem

entender como nossa prisão no final levou a isso: briga de família.

Mas vejo que, independente da escolha que eu fizesse, me

apoiariam.

— Ariela, não acredito que trouxe essa mulher aqui, que traição é

essa? — Claudia continua falando, sem entender a rebeldia da filha. — Está

andando demais com essa gente. Estão fazendo sua cabeça agora? É isso?

— Mãe, sou capaz de tomar minhas próprias decisões, não precisam

fazer a minha cabeça.


— Guria, está achando que só porque vive como se tivesse um rei na

barriga pode se referir à gente desse jeito? — escuto Charlotte se

pronunciar, brava, defendendo os seus.

Nunca vi Charlotte agir assim, isso tudo é a convivência com

Raquel, se a mesma estivesse aqui, estaria agindo pior que isso.

— Me poupe, garota, não vou discutir com você — Claudia fala,

revirando os olhos. — A conversa é com minha filha.

— Não, não é! Quando se refere aos amigos dela, tenho o direito de

me meter — Charlotte fecha as mãos em punho, muito brava. — Assim

como não vamos deixar que a trate mal.

A forma que Charlotte defende Ariela me deixa orgulhoso, todos

eles tomaram minha namorada como amiga de verdade, e vejo a mesma


felicidade nos olhos da minha garota ao ver a namorada do Artho a

defendendo.

Artho parece um bobo ao lado da namorada, só observando

orgulhosamente Charlotte rebater decidida as ofensas de Claudia.

— Acho bom vocês se comportarem ou serão presos — um policial

qualquer fala, mas é completamente ignorado.

Não consigo continuar prestando atenção em tudo ao mesmo tempo,

me sinto aéreo, tento focar minha atenção apenas em Pedro e Clarice, que

se encaram em silêncio.

Pedro parece querer voar em cima de Clarice pela ira que está

sentindo, seu corpo treme de ódio, mas ela fica estática, o encarando com
coragem, sem abaixar a cabeça para a ameaça que meu pai dirige a ela só

com o olhar.

— Eu falei para ficar longe do Lion, não ouse abrir essa boca para

contar mentiras incabíveis, meu filho não vai acreditar em uma palavra que

saia de você — Pedro pronuncia, com um olhar mortal para ela, a mulher

que me abandonou aos cinco anos de idade.

Clarice não se abala.

— Você não manda em mim, Pedro, deixou de fazer isso há anos

quando fugi das suas garras e tentei levar o meu filho comigo — ela expõe

novamente o que disse há minutos atrás quando chegou.

Inclino a cabeça para o lado, observando se está falando a verdade,

procurando qualquer resquício de algo que revele sua mentira e falsidade,


minha cabeça parecendo que vai explodir.

— Sua mentirosa! Você fugiu, não suportava a ideia de estar casada

e com filho para criar, queria uma vidinha de solteira, com luxos e homens,

nunca se importou com Lion — Pedro rebate, nervoso.

O observo tremer da cabeça aos pés, pálido, e com ódio descomunal,

Clarice age do mesmo jeito ao escutar a forma que Pedro se refere a ela.

— Nunca, isso é uma mentira, você me traía, não se importando em

esconder, me humilhando das piores formas que existia — sua voz treme ao

dizer, e daqui vejo seus olhos lacrimejados.

Fico calado, com o coração acelerado, sinto quando uma mão toca

meu ombro em sinal de apoio e me viro vendo Artho ao meu lado, pedindo

para somente escutar e manter a calma.


Sinto o toque por dentro do meu braço, e vejo os dedos de Ariela

escorregando até tocarem os meus e entrelaçarmos nossas mãos, e é nesse

momento que o caos se instaura de vez, porque eu sabia o que esse gesto

causaria.

Principalmente em Claudia.

— Não acredito, eu sabia que tinha alguma coisa por trás de toda

essa rebeldia — Claudia grita avançando em minha direção para puxar

Ariela do meu lado, e me posiciono à frente dela, a impedindo, e esse gesto

me faz receber um tapa no rosto.

A mesma cena se repetindo de anos atrás, quando Claudia descobriu

que Ariela e eu estávamos juntos, o mesmo gosto de dor, raiva e

indignação.
— Desgraçado — Claudia me xinga, e meu rosto arde. Ela levanta a

mão para me deferir outro tapa, mas seguro seu braço dessa vez, a deixando

ainda mais furiosa por ser impedida.

— Mãe, por favor, para com isso — Ariela pede chorando.

As mãos de Ariela se afundam em minha camiseta, temerosa com

todo o desenrolar da situação.

Claudia tenta se soltar de mim, enquanto vejo meu pai não se

importando com o que estava acontecendo, além da ameaça que a presença

de Clarice colocava ali, ela era a única que tinha sua atenção.

Por outro lado, Clarice se mostra indignada com sua reação à

Claudia por me bater, mas tento não levar isso para o outro lado. 

— Mãe, por favor — Ari a chama de novo. — Não precisa disso.


— Infeliz, está estragando a sua vida por isso? — Claudia grita para

Ariela, e a solto quando garanto que nenhum dedo dela tocará minha

namorada.

— Não vou deixar que fale assim com ela — manifesto.

Claudia ri, passando a mão nos cabelos loiros, nervosa, sem acreditar

no que estava presenciando.

— Maldito momento em que te deixei morar sozinha, fora da minha

supervisão — ela confessa arrependida, desejando que o tempo voltasse

atrás.

— Eu já sou adulta, mãe, sei me cuidar — Ariela responde

determinada. — Não sou mais uma adolescente, você não controla mais a

minha vida, precisa entender isso.


— Vai mesmo estragar a nossa família, prejudicar o Breno por uma

paixãozinha de adolescente?

Ela pega baixo quando se refere ao Breno, fazendo uma cena de dar

pena. O fingimento dos olhos lacrimejados, e a expressão de tristeza no

olhar, agora vejo que isso não se passa de uma teatro barato dela para

conseguir que Ariela faça tudo o que quer.

Claudia é uma mãe narcisista, capaz de conseguir tudo.

— Que família? — Clarice se pronuncia. — Não existe família, só é

uma fachada, assim como meu casamento foi.

— Cala a sua boca! Tem inveja porque não é você no meu lugar —

Claudia acusa a mulher que me colocou no mundo.


— Inveja? Tive um livramento, isso sim, mas infelizmente perdi o

que tinha de mais precioso na minha vida — Clarice fala e olha para mim.

Não sei o porquê, mas ouvir essas palavras consegue mexer em algo dentro

de mim.

Mas não posso ceder e confiar nela. Não quero ter que me curar

depois de uma enganação.

— Pedro, vamos embora daqui, deixe seu filho ingrato resolver as

coisas sozinho — Claudia exige ao meu pai, que a ignora.

— Não! — ele responde seco, tenho certeza que ele está odiando o

fato de fazermos um vexame na frente de várias pessoas.

Clarice abre um sorriso, e nega com a cabeça.


— Ninguém vai sair daqui enquanto não escutarem o que tenho a

falar — pausa. — Fugi porque não tive escolha, meu casamento com Pedro

foi um inferno e a única coisa linda que tive dele foi o Lion.

Ela me olha, abrindo um sorriso emocionado, com lágrimas

escorrendo pelo seu rosto.

— Eu falei para calar a porra dessa boca — Pedro grita, se

aproximando dela, descontrolado, levantando a mão para batê-la.

Não sei como agi tão rápido, mas o reflexo me fez chegar em meu

pai e segurar seu braço antes que batesse em Clarice, que fechou os olhos, e

em sinal de proteção levou as mãos ao rosto.

O medo que vejo em seus olhos assim que levanta a cabeça para

saber o porquê não sentiu o impacto do tapa me deixa comovido, nenhuma


mulher deveria sentir o que ela está sentindo nesse momento.

Fico furioso porque essas merdas de policiais, vendo toda a cena,

não fazem nada.

— Seu moleque, me solta — Pedro me empurra, chegando a bater na

região que está machucada, e me seguro para não gemer de dor, mesmo

assim continuo apertando seu braço.

— Não, quero ouvir o que ela tem a dizer — me ouço dizendo, e

Clarice aquiesce, emocionada.

Seus olhos brilham pelas lágrimas me olhando, mostrando não

acreditar que, enfim, o momento chegou para contar sua versão, seja ela

verdadeira ou não, eu preciso lhe dar uma chance de se explicar para seguir

em frente com a minha vida.


— Eu trabalhava no vinhedo bem antes de conhecer o seu pai,

quando ele voltou do exterior, me apaixonei por ele, e Pedro se mostrou

estar apaixonado também, mas entendi depois que era tudo mentira, ele

nunca foi capaz de amar ninguém — ela pausa, tentando recompor a

emoção.

“Nos casamos em pouco tempo de namoro. No começo era tudo

maravilhoso até começar as palavras duras e xingamentos dirigidos a mim,

logo veio alguns beliscões em momentos em que para ele, eu não estava me

comportando bem conforme a etiqueta da sociedade.”

Uma lágrima escapa dos seus olhos, e vejo ela levantar a mão para

secá-la.

— Eu não vou continuar aqui ouvindo isso — Pedro declara, por fim

conseguindo escapar da minha mão.


Antes que eu impeça que ele fuja, Artho faz isso por mim, com ajuda

de Natan.

— Bah! Você vai sim, se não tem nada a esconder, porque está

fugindo? — Artho fala, dando um sorriso de lado. — Tenho um leve palpite

de que está com medo.

— Medo? — Pedro solta uma risada forçada. — Sai da minha frente,

seu bastardo — exige, e Artho não move um músculo para cumprir sua

ordem.

Os policiais presentes estão mais curiosos em saber da história, em

vez de pensar em fazer o trabalho deles.

— Continue, Clarice, por favor — peço, ignorando o peso da dor em

seus olhos ao me escutar chamando pelo seu nome.


Clarice é uma mulher desconhecida para mim, não tem o porquê

chamá-la de mãe, nesse caso, a única coisa que ela fez por mim, foi me

colocar no mundo e mesmo assim, não fez um papel tão bom assim.

— As agressões continuaram a ficar mais frequentes, e nesse meio

tempo eu engravidei de você, achei uma benção quando os tapas e beliscões

pararam enquanto tinha você dentro de mim, até mesmo as palavras de

ofensa. Estava carregando o futuro herdeiro do vinhedo Bianco, jurava que

seu pai havia mudado, como disse que faria diversas vezes quando me pedia

perdão.

“Tive a ilusão de achar que tudo havia acabado e estaríamos felizes,

mas tudo voltou meses depois que você nasceu, e as agressões duraram

anos.”
Olho para o monstro que se diz meu pai, e vejo a verdade estampada

na sua cara cínica e mentirosa, levando a acreditar naquela história que ele

me contou sobre a minha mãe.

Conhecendo meu pai, eu sabia que ele era capaz disso, de fazer o

pior até.

— Não tinha para quem recorrer, pedir ajuda. Em vários momentos

cheguei ao ponto de ficar roxa, marcas que pudessem ser escondidas por

roupas, e que não fossem visíveis para que alguém suspeitasse — ela aponta

para Pedro, que está bufando de raiva, e parecia mais pálido ainda. — O

que aconteceria se todos soubessem que Pedro Bianco, um dos homens

mais ricos da cidade, violentava a esposa, além de traí-la com diversas

mulheres? É claro que isso seria ruim para a imagem dele.


Começo a sentir náuseas ao ouvir cada palavra, minha mente criando

imagens horríveis de Clarice apanhando nas mãos do homem que se diz

meu pai, mas que fez um péssimo trabalho em relação a isso.

Tento respirar fundo para não vomitar no chão encerado da delegacia

que só me traz lembranças ruins.

Claudia, que antes estava dando chiliques, está quieta, escutando

tudo que Clarice diz. Ariela, o tempo todo me dando apoio. Não poderia

pedir outra coisa, a não ser ela ao meu lado nesse momento.

— Você foi capaz disso tudo? — pergunto a Pedro. — Mãe do seu

próprio filho — digo, não entendendo como um homem pode ser capaz de

uma crueldade dessas.


— Larga de drama, Lion, você cresceu bem sem ela, agora com

meias palavras se vira contra seu pai que te deu tudo? É claro que ela está

mentindo. Irei fazer uma queixa de calúnia e difamação — pronuncia.

— Você continua o mesmo homem que o conheci, escroto, sujo, um

monstro, achando que pode comprar qualquer um, que todos vão estar do

seu lado — Clarice responde. — Até quando acha que pode conseguir isso?

Duvido que logo isso tudo não estaria rolando pela cidade.

Clarice olha para todos ao redor.

— Vocês sabem que o vinhedo é uma herança que foi passado de

geração, mas o que não sabem é que o que Pedro fez no começo para

conseguir ainda mais sucesso e que os negócios fossem expandidos.


— Filha da puta... — Pedro tenta avançar em Clarice de novo, mas é

impedido por Artho e Natan.

— Calminha aí — Artho manda, impedindo que Pedro avance.

— Além de sonegar imposto, o que fez toda a diferença, enganava

muita gente e construiu seu império às custas da dor e sofrimento de outras

pessoas.

— Porra! — xingo, me movendo para trás, sem conseguir ficar

parado. — O vinhedo cresceu à base de coisas imundas por trás, só Deus

sabe o que mais você deve ter feito.

— Eu tentei fugir com você, Lion, aproveitei uma festa que seu pai

tinha na cidade vizinha e peguei uma bolsa pequena com poucas mudas de

roupas para nós dois, mas não contava com o fato de que ele havia colocado
alguém para me vigiar — Clarice pausa, passando a mão sobre o peito,

massageando o local, como se lembrar do dia a fizesse mal.

As lágrimas descem, Clarice o tempo todo tentando limpá-las.

— Antes que eu pudesse entrar no ônibus que me levaria para Caxias

do Sul, seu pai me encontrou na rodoviária, tomando você de mim, e me

ameaçando se eu não fosse embora — Clarice diz tudo com emoção na voz,

precisando pausar a fala. — Juro que tentei te levar comigo, meu menino,

mas seu pai não deixou.

Suas palavras me quebram, porque nunca poderia imaginar que, por

trás do seu abandono, tivesse dedo do meu pai.

— Você tentou me levar com você? — minha voz sai baixa, não

acreditando que vivi uma mentira, mas isso não apaga sua ausência, a
escolha de não ficar e lutar por mim.

— Eu juro por Deus que é verdade — confessa, com as mãos unidas

em súplica na frente do peito, chorando.

Minha cabeça parece que vai explodir com todas as informações,

meus batimentos continuam rápidos e incontroláveis, e tenho certeza que

vou vomitar em algum momento.

Pedro não nega mais a acusação, ele fica calado, olhando para

Clarice com ódio, tremendo e furioso por passar por uma situação tão

humilhante.

E eu só consigo olhar para Clarice, desejando que eu acreditasse

nela, suplicando uma chance para fazer diferente de agora em diante.


Ouço gritarias, e me desperto vendo Charlotte batendo boca com

Claudia, e Natan tentando segurá-la, enquanto Artho continua como uma

barreira na frente de Clarice para Pedro não fazer besteira.

— Vamos sair daqui? Podemos conversar em outro lugar com mais

calma — ela pede, tocando meu braço, e seu toque é quente e delicado.

Penso como seria se eu tivesse tido ele a vida toda, em todos

momentos tendo seu amparo e amor. Quantas vezes eu fui dormir desejando

um beijo de boa noite, um cafuné.

Só consigo assentir e dar passos para o lado de fora.

— Lion — escuto meu pai chamar, mas não me viro. — Se você sair

por essa porta com essa mulher, esquece que é meu filho, que foi um
Bianco na vida — ele ameaça, sua voz rouca e trêmula, mas não me viro.

— Esquece toda sua vida de luxo e dinheiro, sua herança...

Continuo andando, até sair de vez da delegacia, os sons de lá de

dentro sumindo aos poucos, até ficar tudo em silêncio, enquanto caminho

ao lado de Clarice, para bem longe de uma vida que um dia pensei que

tinha.

Traçando meu próprio futuro.

 
Lion

Clarice estala os dedos pelo nervosismo, enquanto senta à minha

frente no sofá da casa que alugou depois de alguns meses em Bento

Gonçalves.

Percebo que ela não pretende morar por muito tempo aqui, porque os

móveis que a casa possui são frios, sem detalhes e nem um pouco pessoais.

Resumindo, não são a cara dela.


Olho para tudo, menos para o seu rosto, mas ao contrário de mim,

Clarice mantém seus olhos atentos, me observando.

— Você se tornou um homem lindo — ela sussurra, pisando em

ovos, com medo das palavras causarem algum tipo de reação ruim em mim.

— Sei que é inteligente, ama jogar futebol, tem amigos incríveis que fariam

tudo por você.

Ela continua falando, com um leve sorriso no rosto, e fixo meus

olhos nela.

— Ariela te contou tudo isso? — pergunto, é a cara da minha

namorada, sentar com Clarice e contar tudo sobre mim.

— Um pouco — ela solta uma risada sem graça. — Ela é uma ótima

garota, me procurou assim que cheguei a Bento, se mostrando muito


preocupada com a minha volta.

Aquiesço, lembrando da conversa que tivemos, ela confessando que

havia se encontrado com Clarice, e pedindo para que eu falasse com ela,

mas não a quis escutar.

Tenho vontade de me socar pela forma que agi com ela, e Ariela só

queria meu bem.

— Chegou até mim cheia de garra, pronta para te proteger, achando

que eu havia voltado para te fazer mal — fala, sorrindo em seguida. — É

uma menina de ouro e te ama muito.

— Eu sei, e eu a amo também, com tudo de mim — confesso,

surpreso de ter sido tão aberto com uma estranha em relação ao meu

sentimento amoroso.
Ela se mostra feliz ao ouvir minhas palavras.

— Vão ser muito felizes juntos — declara.

Isso eu não podia garantir, depois de hoje, as verdades vindo à tona,

nossa relação estava ameaçada mais uma vez, e tudo o que eu mais quero

nesse momento é sumir dessa cidade e deixar tudo para trás.

— Conheci mais de você só te observando, e pela forma que seus

amigos te protegeram hoje, sei que são unidos. Fico aliviada em saber que

não cresceu totalmente sozinho.

— Não graças a você — digo, mas não me arrependo quando as

palavras saem amargas e frias, essa é minha forma de proteção.

Clarice assente, entendendo a minha reação, mas consigo ver a

mágoa estampada em seus olhos.


— Eu sei, errei muito em ter ido embora, escolhido não ter lutado

por você, deveria ter enfrentado seu pai.

— Deveria mesmo, mas escolheu seguir sem mim — declaro com

raiva na voz, e me lembro que preciso contê-la para continuar ouvindo a

Clarice.

A dor mais uma vez me assombra, me trazendo o trauma de não tê-la

na minha vida quando precisei.

— Acha que teria ajudado em alguma coisa? Seu pai não teria

deixado eu me aproximar de você, que apoio eu teria? Estava sozinha nessa

cidade, não adiantaria denunciar Pedro, ele sempre teve o delegado e

policiais como amigos, encobrindo tudo.


Ela tenta se explicar e não consegue segurar o choro. Saber de toda a

sua história tira um certo peso de mim, não completamente, porque não sei

como será minha vida em relação a ela daqui em diante.

— Eu errei tanto, e não te culpo se não quiser contato comigo —

fala, limpando o rosto, pigarreando logo em seguida para recompor a voz.

— O fato de conseguir te contar toda a verdade e ter pelo menos esses

minutos a sós contigo já valem muito a pena.

— Eu não sei de mais nada nesse momento, a única coisa que tenho

certeza é que preciso ficar sozinho e pensar em tudo o que descobri hoje,

sobre você e Pedro.

Me levanto do sofá, indo em direção à porta sem conseguir me

despedir.
— Lion — ela me chama e paro no lugar, me virando para ela. —

Obrigada por ter me escutado, não sabe o quanto isso significa para mim.

Assinto.

Então saio, fechando a porta, a deixando parada no meio da sala com

os olhos emocionados e vidrados em mim.

 
Ariela 

Sábado, 21 de abril de 2018 

A forma como as coisas viraram de cabeça para baixo nos últimos

dias tem me deixado vulnerável. Tantos acontecimentos, que não consigo

raciocinar direito, só penso em como Lion deve estar lidando com isso.

Acabo de sair do quarto em que Pedro está internado. Um peso

misturado com uma sensação ruim sobrecarrega meu corpo. Saber de tudo o
que ele fez, toda a crueldade e monstruosidade me fazem querer ficar longe

dele, da minha mães e do vinhedo.

Clarice não me contou todas as coisas que haviam acontecido com

ela quando era casada com Pedro, porém nunca imaginaria que fosse de

uma extrema crueldade.

Mas de alguma forma, eu sempre acreditei nela quando a vi pela

primeira vez, e estava certa em fazer isso.

Assim que Lion e Clarice foram embora da delegacia naquela

madrugada, Pedro passou mal, desmaiando logo em seguida. O desespero

da minha mãe me fez perceber que era algo grave.

Enquanto minha mãe seguia com Pedro dentro da ambulância, eu ia

atrás, na companhia dos gêmeos, que insistiram em ficar ao meu lado até
Lion aparecer. Não quis ligar para o meu namorado, eu sabia que ele não

atenderia, e não seria bom ele presenciar mais aquele problema.

Mas eu tentei ligar para Giulia, a minha ligação caindo direto na

caixa postal, foi nesse momento que eu soube que a decisão de Donato em

relação à minha amiga seria extrema.

Não tive mais contato com Giulia desde então, ela foi mandada para

a Itália, bem longe de todos. Donato fez questão de garantir isso. Saber

disso foi como uma facada no meu coração.

Tudo estava desmoronando.

Não tinha mais minha amiga, minha confidente. Meu namorado

estava distante e frio, lidando com os próprios demônios. A doença de


Pedro e a vulnerabilidade da minha mãe que mal falava comigo. E tinha

Breno, meu irmãozinho no meio disso tudo e eu só queria protegê-lo.

Esclerose Múltipla.

É essa doença que Pedro Bianco tem. Pelo que fiquei sabendo, esse

diagnóstico foi dado a ele há meses, porém somente minha mãe sabia, e os

sintomas mais graves estavam começando a aparecer.

— Ariela — paro de andar quando ouço meu nome ser chamado pela

minha mãe, e me viro, aguardando ela chegar até mim. — Vai ficar com o

Breno hoje à noite?

Aquiesço.

Minha mãe está cansada, consigo ver claramente pelas expressões

em seu rosto, as roupas amassadas, mas ela não dá o braço a torcer.


— Sim! Mas vou passar na casa do Lion antes, preciso ver como ele

está com tudo isso — explico, vendo seu rosto se transformar em uma

careta de desgosto.

Ela resmunga.

— Ainda com isso?

— A gente nunca deixou de se amar, mãe — confesso, ela querendo

saber ou não, chegou a hora de conversarmos sobre isso. — Tenho certeza

que os anos que passamos separados só intensificaram mais o sentimento.

— Vocês são irmãos, Ariela, que absurdo é esse? — ela grita, e

quando percebe que está perdendo o controle, causando curiosidade nas

pessoas no corredor, se recompõe. — Isso vai ser um escândalo na nossa

família, eu te proíbo de continuar com isso, está me ouvindo?


Minha mãe tem sua mão presa no meu braço, apertando minha pele

na medida que fala, exigindo uma resposta.

Puxo meu braço, me soltando do seu toque dolorido.

Começo a sentir minha respiração acelerada, uma pressão absurda na

minha cabeça. Nunca havia enfrentado a minha mãe dessa forma para

impor os meus direitos e desejos, e agora é o momento de colocá-la no

lugar dela.

Mesmo sendo a minha mãe, eu a amo muito, tem um limite para

tudo, e só percebi isso depois que comecei a viver longe dela. Entendi que

eu não preciso ter medo de magoá-la por tomar as minhas decisões.

— Não — nego, com veemência. — Você não tem o direito de me

proibir de nada, mãe. Lion e eu não somos irmãos, nunca fomos e nunca
seremos, foi uma imagem patética que criou de uma família perfeita e feliz.

Vejo quando ela respira fundo, suas narinas se dilatando com fúria.

— Como ousa falar comigo desse jeito? — Claudia cospe as

palavras, perdendo completamente a compostura. — Você não é mais

aquela menina doce e obediente que criei, não te conheço mais, Ariela. —

pausa, fazendo um corte dramático. — Olha no que se tornou.

— Talvez você nunca tenha me conhecido de fato, me moldou da

maneira que queria, sem se importar em perguntar minha opinião em tudo,

me privando de viver, me pressionando — falo tudo que estava engasgado

na minha garganta há anos.

— Ingrata, é isso que você é — acusa. — Você tem uma vida boa

por minha causa, acha que conseguiria isso como? É dessa forma que
retribui? — questiona, faltando espumar pela boca de tão furiosa. — Se não

se afastar de Lion, vai perder tudo o que tem, está me ouvindo?

Sua ameaça é séria, vejo pelo brilho em seus olhos azuis, a tensão

por todo o seu corpo trêmulo pela raiva, mas isso não me abala.

— Pensa bem, guria. Quer mesmo perder a vida boa que tem por

causa dele? — debocha.

— Faça o que quiser, mãe, não vou deixar Lion mais uma vez por

essa besteira de irmãos e família perfeita — digo, não abaixando minha

cabeça para ela. — Na verdade, perdemos isso faz tempo.

Sinto um peso sair dos meus ombros quando eu deixo as palavras

saírem, com a minha decisão tomada. Não preciso ter medo dela, de Pedro
ou do que a sociedade vai falar sobre Lion e eu. A nossa felicidade não

depende da opinião de ninguém.

Sorrio ao me dar conta disso, louca para sair daqui correndo e

encontrar com o amor da minha vida. Porque sim, Lion e eu fomos feitos

para ficarmos juntos.

Eu o amo tanto.

— Não acredito que estou ouvindo essa merda — Claudia fala,

dando uma risada forçada e sem humor. — Está escolhendo ficar com um

cara que está pouco se importando com o pai internado no hospital.

— Você fala como se o Pedro fosse uma santo — rebato sua

acusação contra o meu namorado. — O próprio falou para Lion esquecê-lo.


Mãe, as coisas absurdas que ele fez com Clarice e ainda assim você está do

lado dele.

— Pedro falou tudo aquilo da boca para fora — ela defende o

marido e eu nego com a cabeça para a coisa ridícula que estou ouvindo. —

E eu amo o Pedro, Ariela, deveria entender isso.

Começo a rir, não levando a sério suas últimas palavras.

— Não, isso não é amor. O nome disso é interesse pela garantia da

vida boa que tem — aponto, e fico surpresa quando a ofensa que causei nela

vem em formato de um tapa na cara que recebo.

Levo a mão ao local, que com certeza ficará vermelho, e a olho sem

reação nenhuma, até mesmo Claudia se encontra surpresa. Ela nunca havia

me batido em toda a minha vida.


— Ariela, eu não...

— Ok! Entendi — a corto, levantando a mão para ela não prosseguir,

minha voz saindo baixa.

Massageio a bochecha e desço a mão do rosto para ela presenciar o

que fez. Não consigo disfarçar o quanto aquele tapa me magoou, não pela

dor no meu rosto, mas pelo ato em si, nunca esperaria isso vindo dela.

— Quero deixar claro que você não tem o direito de se meter na

minha vida, nas minhas decisões, principalmente na minha relação com

Lion — continuo, aproveitando seu silêncio pelo choque do que acabou de

fazer.

Seguro meu choro preso na garganta, e respiro fundo para continuar

falando.
—Vou continuar te ajudando no que precisar em relação aos

negócios do vinhedo, agora que Pedro vai ficar mais debilitado. Não por

você, mas por Breno, ele não merece os pais que tem.

Não espero uma resposta da sua parte, e me viro para ir embora,

secando as lágrimas que estão caindo de forma incontrolável. Chego ao

ponto de soluçar, e pessoas que passam por mim no corredor branco me

oferecem ajuda, perguntando se estou bem.

Devo ter ficado mais de meia hora no carro parado no

estacionamento do hospital, chorando tudo o que tinha.

Estou me sentindo tão emotiva nessa semana, tendo que lidar com

tanta coisa, que tenho certeza de nem ter mais lágrimas para chorar.
Lion está ausente, nos vimos tão pouco durante esses dias, até

mesmo na faculdade. Preferi dar um pouco de espaço a ele, enquanto

ajudava a minha mãe com Pedro.

Lion sabia da condição do pai, e em nenhum momento o julguei por

não querer falar com ele, ou vir até o hospital. No lugar dele, teria feito a

mesma coisa. Meu namorado não me contou como foi a conversa com

Clarice depois que saíram da delegacia.

Era muita coisa para o Lion lidar, e não, ele não precisa ter eu para

pressionar.

Mas hoje eu preciso tanto dele, só quero que me abrace forte,

enquanto eu choro no seu peito, sentindo beijinhos serem depositados na

minha cabeça. Só preciso dele e de mais ninguém.


E é o que faço, dirijo para a sede do clube, e durante o trajeto me

pego pensando em Dimitri, não o vi nesses dias, mas tenho certeza que ele

está mal com a partida de Giulia, nem fiquei sabendo o que rolou com ele

na delegacia.

Só fique sabendo que estava bem machucado, o covarde do Franco e

Donato devem ter batido nele.

Estaciono o carro na frente da casa dos meninos e entro, encontrando

tudo em silêncio. Escuto patinhas contra o piso e logo vejo Darth Vader

trotando em minha direção.

— Oi, garoto — o cumprimento, inclinando, passando a mão pela

sua cabeça. — Cadê o pessoal dessa casa?


Levanto, indo em direção às escadas para ir direto ao quarto de Lion.

Entro no corredor vendo todas as portas fechadas, mas sigo para o quarto do

Lion. Bato de leve na porta, e quando não ouço uma autorização para entrar,

faço assim mesmo.

O quarto está vazio, mas escuto o barulho de chuveiro vindo do

banheiro. Sorrio e começo a tirar as minhas roupas para aproveitar o banho

com ele.

Abro a porta do banheiro, vendo-o pelo box virado para a parede, a

água quente escorrendo pelas suas costas. Ele não sente a minha presença,

quando abro a porta de vidro devagar e a fecho.

Quando toco sua pele quente, o abraçando por trás, ele sobressalta,

virando para mim, assustado.


— Oi, amor — o cumprimento, sorrindo. Na ponta do pé, beijo seus

lábios.

Matando toda a saudade que tive nesses dias, sentindo como Lion é

meu lar, minha casa.

Ele retribui o beijo com fúria e desejo, me deixando entregue ao seu

toque. Lion puxa meu cabelo, soltando nossas bocas para descer com beijos

pelo meu queixo, pescoço, indo em direção aos meus peitos.

Lion segura a base da minha bunda, dando um impulso para que eu

enrole minhas pernas em sua cintura. Sinto seu pênis duro na minha barriga

enquanto ele chupa meus mamilos, e gemo segurando seus cabelos, os

puxando quando intensifica o toque.


Mexo meu quadril, implorando para que ele me dê o que quero,

molhada de tanto desejo, louca para ser saciada. Choramingo quando o

sinto na minha entrada, pressionando para entrar.

Mordo o lábio inferior quando Lion entra duro e bruto, pressionando

minhas costas no azulejo gelado, saindo de forma calma e metendo duro,

sua expressão séria e concentrada, buscando me dar prazer.

Me perco nos seus beijos, relaxando, sentindo o ápice vir, matando a

saudade dos dias que passamos longe, amando estar com ele depois dos dias

mais tensos.

Lion me abraça forte, beijando várias vezes meus lábios, e relaxo

acariciando suas costas, me sentindo flutuar, feliz por estar com ele.
Estou secando o cabelo, já vestida novamente e começo a observar

Lion de costas para mim, mexendo em algo qualquer no guarda-roupa. Ele

parece tenso pela maneira que os músculos de suas costas se contraem, e

franzo a testa.

— Lion — o chamo, me levantando da cama para ir até ele. — Está

tudo bem? Estou te sentindo estranho.

Era óbvio que não estava tudo bem, não depois de tudo que vem

acontecendo. Ele se vira para mim, seus olhos desfocados e distante, Lion

com um jeito frio, oposto do homem que conheço.

Ele nega com a cabeça.

— Precisamos conversar — diz, e eu assinto.


— Sim, precisamos. Eu sei que tem muita coisa acontecendo nesses

últimos dias, e entendo que queira falar sobre elas comigo.

Imagino que Lion queira conversar sobre a mãe, sobre o pai e o fato

de ele estar no hospital, e tudo o que ele ficou sabendo aquele dia, das

coisas horríveis que o pai foi capaz de fazer.

— Não é sobre isso, Ariela — Lion me responde, e com seu jeito

sério, vai até a cama, se sentando. — É sobre nós dois, o nosso

relacionamento.

Franzo a testa, me virando para ele.

— Se for sobre o fato de continuar escondendo nosso namoro, não

precisamos mais disso — garanto, sorrindo. — Já conversei com a minha

mãe, ela não vai se meter entre nós dois, não vou deixar que isso aconteça.
Caminho até ele, me abaixando para ficar entre suas pernas e no

campo de visão dele.

— E estou pouco me fodendo para o que o povo dessa cidade vai

achar, a única coisa que importa é nós dois — afirmo.

Tenho certeza que era tudo o que Lion precisava escutar, uma

declaração de que vamos ficar bem, e que irei permanecer ao seu lado

sempre.

— Eu te amo, Lion, e nada vai nos atrapalhar dessa vez — digo,

segurando seu rosto, nos olhos fixos, o castanho claro dos seus sem luz,

apagados e distantes.

Começo a entender que tem algo errado, quando ele fecha os olhos e

suspira fundo. E quando os abre de novo, sei que as próximas palavras que
saírem da sua boca me cortarão aos pedaços, me desolando completamente.

— Quero terminar com você — ele fala, sem nem um pingo de

sensibilidade, sério, com uma frieza capaz de congelar todo o quarto.

Ouvir suas palavras foi como um soco na boca do estômago, me

deixando sem ar, tentando buscar fôlego, a dor dilacerando por dentro,

chegando no meu peito, causando um aperto enorme.

— Não — nego sem acreditar. — Você não está falando sério.

Franzo a testa, balançando a cabeça enquanto meus olhos ainda estão

em Lion, e vejo que ele não está brincando.

— Estou, Ariela — afirma, sem se abalar. — Não vamos dar certo.


— Mentira, é claro que vamos, fomos feitos para ficarmos juntos,

Lion, você mesmo já me disse isso, se for por causa disso tudo que está

acontecendo, eu espero você lidar com tudo, quero ficar do seu lado.

Ele nega.

— Já estou decidido — Lion é curto com as palavras e isso me irrita,

porque eu quero saber o motivo, quero que ele converse comigo para

acertarmos as coisas.

Não aceito somente isso.

Me levanto, dando alguns passos para trás, mas continuo olhando-o,

sem compreender o que está rolando nesse momento entre nós dois.

— Por quê? — pergunto, chorando.


Lion desvia o olhar de mim, focando em qualquer coisa, menos na

dor que está me causando, ele se nega a me ver, desmoronando na sua

frente.

— Porque tem muita coisa acontecendo na minha vida agora, tudo o

que eu conhecia e acreditava desapareceu, e lidar com o nosso

relacionamento só dificultaria as coisas para a gente, Ariela — fala, mas

não aceito.

Balanço a cabeça, e limpo o rosto.

Lion se levanta da cama parando na minha frente e tenta tocar meu

rosto, mas não deixo, desvencilhando dele.

— Logo vou me mudar para São Paulo, você fará mestrado no

exterior, estou poupando tempo e desgaste — continua. — Nunca teríamos


dado certo, só estávamos nos enganando a ver isso.

— Não faça isso, por favor — peço, não conseguindo parar de

chorar. — Não acabe com algo lindo que temos, Lion.

— É melhor assim, Ariela, não quero te magoar se as coisas não

forem bem entre a gente, e é isso que vai acontecer, preciso lidar com isso

sozinho — tenta se explicar, e não quero mais ouvir.

— Você diz que não quer me magoar, mas está fazendo isso agora —

confesso, sem força, meu corpo lutando para ficar em pé.

Ele fecha os olhos, passando as mãos pelos cabelos molhados, e por

poucos segundos, vejo que está mal com tudo isso, mas Lion volta a

demonstrar a sua frieza.


— Nada que eu fale te fará mudar essa decisão, não é? — questiono,

e ele anui. — Então acho que é o nosso fim.

Lion não responde e meu desejo agora é sumir desse quarto, ficar

bem longe dele, e deixar extravasar tudo que Lion está causando dentro de

mim: a raiva, mágoa e a dor que insistem em crescer.

Mordo o lábio para não voltar a chorar de novo e pego minhas

coisas. Ando até a porta, a abrindo e parando para olhar para Lion mais uma

vez.

— Eu espero que nunca se arrependa disso — digo, pela última vez.

— Adeus, Lion.

Saio e fecho a porta.


Não consigo dar dois passos antes de voltar a chorar. Encosto na

parede ao lado da porta do seu quarto e desabo de vez, tapando a boca com

a mão para abafar o barulho, mas creio que não adianta muito.

Levo alguns minutos para tomar coragem e descer as escadas o mais

rápido possível para que nenhum amigo de Lion me pegue nesse estado,

tenho sorte quando entro no meu carro e saio da propriedade de Eros sem

que ninguém me veja.

E mais uma vez os laços entre mim e Lion são cortados, e com toda

a dor que sinto nesse momento, desejo muito que seja pela última vez.

 
Lion

Quinta-feira, 3 de maio de 2018

Os dias passaram arrastados e sem sentido nenhum. Minha rotina era

feita toda em automático: faculdade, trabalho e futebol.

Não faz sentido eu continuar nessa cidade, o tempo todo volto a

lembrar das confissões de Clarice sobre meu pai, o fato de ela ter ido

embora, e ainda tem o meu término com Ariela.


Afundo a cabeça no travesseiro, sentindo minha garganta fechar. Me

odeio tanto pelo sofrimento que causei em Ariela, a forma que ela saiu

daqui machucada.

Os sons do seu choro no corredor do meu quarto assombram meus

sonhos, e quando acordo, não a tenho ao meu lado, é nesse momento que

me levanto para ir atrás dela, mas paro na frente da porta do meu quarto,

com a mão na maçaneta e me convenço de que fiz a coisa certa.

Não tenho mais contato com Pedro, e não fui visitá-lo nenhuma vez

desde que estava internado, e muito menos agora que está em casa, não

quero contato com ele, assim como me pediu, quero esquecê-lo.

Tentei não ser ausente para Breno, não quis que o fato de ter

problemas com Pedro, Claudia e meu término com Ariela afetassem minha

relação com meu irmãozinho.


Sobre Clarice, não me sinto pronto para perdoá-la, independente de

ela ter tido motivos para ir embora, não aceito ela não ter ficado por mim,

talvez tivesse outro jeito.

E mesmo que tivesse ido, por que não voltou antes? Esperou

dezessete anos para aparecer.

Ela ainda continua na cidade, me encontrei com ela umas duas vezes

nesses últimos dias para saber como estava e informar que Ariela e eu não

estávamos mais juntos, não dei detalhes sobre o término.

Quero manter contato com ela, dar uma oportunidade de conhecer

Clarice, mesmo que talvez eu nunca me sinta completamente à vontade com

ela, preciso tentar.

Todos os meus amigos apoiaram essa decisão.


As coisas que eu soube naquela noite mudaram tudo o que eu

acreditava saber sobre a vida, o que eu conhecia.

Não vejo a hora de ir embora dessa cidade e não ter mais ligação

com nada que remeta ao meu passado, não consigo mais viver aqui, as

lembranças aparecendo toda hora.

A porta do meu quarto se abre, e não tiro o travesseiro da cabeça

para saber quem é, até que sinto o cutucão na minha perna, e logo o objeto

saindo da minha cabeça.

— Levanta — é Eros me incomodando a essa hora da manhã. —

Quero conversar com você e Dimitri.

— Para quê, guri? — pergunto, ainda sem olhar para ele.


Mas sei que Eros deve estar arrumado e pronto para ir à faculdade.

Ele sempre sendo metódico, com uma rotina de dar inveja.

— Estou te esperando no quarto do Dimitri, não demora, sabe que

odeio me atrasar — declara, jogando o travesseiro na minha cabeça, antes

de sair do quarto.

Resmungando, me levanto, indo tomar um banho.

Em menos de dez minutos, estou entrando no quarto de Dimitri, que

não parece estar de bom humor, sentado na cama com a toalha enrolada na

cintura, olhando furioso para Eros, que não se abala com a cara feia.

— Vou ser rápido, odeio perder tempo — Eros fala, ignorando o meu

mau-humor e de Dimitri. — Eu sei que estão planejando ir embora de

Bento antes de acabar a faculdade, estão planejando abandonar os cursos.


Eros respira fundo, massageando a testa, agindo como se fosse um

pai, o gesto me lembra muito Gustavo.

Eros Giordano sempre sendo pragmático, o mais pé no chão,

encontrando soluções para tudo, é engraçado que, ele sendo o mais novo de

nós seis, é o que leva o título de careta e sério demais.

— Porra! O que vocês estão pensando? — pergunta, indignado. —

Vão desistir de tudo logo agora, prestes a se formarem, faltando pouco mais

de um mês?

Quando abro a boca para falar, ele me lança uma expressão

indicando que é melhor ficar calado e escutar, Eros não pensa em pegar

leve, e suas palavras são como chicotes em mim.


— Sei que não está sendo fácil para nenhum dos dois, muita coisa

está acontecendo, mas não quero que façam merda. — Ele intercala os

olhos entre mim e nosso amigo.

Dimitri descansa a cabeça nas mãos, com os braços apoiados nos

joelhos, mas não encara Eros.

— Só não quero que desistam agora — Eros respira fundo ao dizer.

— Vocês são a minha família, e a única coisa que mais desejo nessa vida é

que cresçam e se deem bem em tudo, mesmo entendendo que o processo

para chegar no final seja doloroso, ainda mais quando se abre mão do que te

faz feliz.

Eros me olha ao dizer as últimas palavras, fazendo com que eu me

sinta destruído.
— Meu pai não ia querer vê-los assim, talvez até estaria sendo ele

aqui no meu lugar conversando com os dois, e com certeza não pegaria leve

como estou fazendo agora — Eros abre um meio sorriso ao dizer, mesmo a

tristeza de se referir ao pai lhe assombrando.

Eros caminha, se sentando ao lado de Dimitri, tocando seu ombro

tenso.

— Sei que está preocupado com seus irmãos, e estar lá com eles

agora seria o melhor, mas o que ofereceria para eles além de amor? — Eros

expressa sua opinião ao Dimitri, que o encara sem dizer uma palavra. — É

mais fácil você garantir um futuro melhor a eles se formando e melhorando

de vida para dar algo a eles.

“Podemos arrumar um lugar para Caroline na Itália, onde teríamos

mais certeza que a garota estaria bem, estudando, você ficaria até mais
aliviado.”

Ele se levanta, parando à minha frente.

— E você não vai conseguir lidar com tudo fugindo desse jeito,

entendo que parece o melhor, mas quem sairá prejudicado é você.

A vida realmente me deu os melhores irmãos que eu poderia querer.

— Quero muito que os dois possam ir comigo para São Paulo depois

que nos formarmos — diz por fim, me lembrando de que essa era a

promessa que todos nós fizemos. — Pensem bem.

Eros finaliza, e sai do quarto, nos deixando com uma decisão para

tomar.

 
Domingo, 1 de junho de 2018

Achei que me divertiria na festa de formatura, o último momento

com todos os meus colegas de classe.

Eros já foi embora para São Paulo, sem contar para a gente o que

realmente aconteceu entre ele e Raquel. Os únicos que estavam presentes

para prestigiar o momento eram Artho, Charlotte, Dimitri e os gêmeos.

Sentado à mesa junto com meus amigos, olho em volta, vendo todos

dançando e bebendo, mas um cantinho específico chama a minha atenção.

Meu coração acelera e minhas mãos começam a suar.

Ali está Ariela.

Porra!
O caralho da mulher mais linda do mundo.

Vestida com um vestido cinza, longo, indo até o tornozelo, mas com

uma fenda um pouco mais acima da sua coxa, em forma de pregas, os

cabelos loiros jogados totalmente para trás, com uma maquiagem que realça

seus olhos azuis, olhando diretamente para mim.

— Ela está linda — escuto o comentário de Charlotte, que está

vendo a mesma coisa que eu.

Ela suspira, e tenho certeza que está triste por nosso término.

— Não deveria falar com ela? — questiona, torcendo para tudo se

ajeitar entre nós dois, e eu nego com a cabeça.

Me levanto da cadeira e olho para os meus amigos, que se

compadecem da minha situação.


— Estou indo embora, podem ficar se quiserem — digo a eles, que

assentem, e me despeço.

Tento passar mais longe do local que Ariela está, sentindo seus olhos

em mim o tempo todo até eu sair do local. Ando às pressas para o

estacionamento, onde deixei meu carro, com medo de eu acabar fazendo

besteira e voltando para aquela festa, onde eu agarraria Ariela no meio de

todos e nunca mais a soltaria.

Destravo meu carro e antes que eu possa entrar nele, escuto sua voz

chamar meu nome, quando vê que parei, ela começa a andar em minha

direção, mas entro rapidamente no carro, acelerando para sair dali o mais

rápido possível, antes que eu desista dos planos de permanecer com o nosso

fim.
Quando olho para o retrovisor, a vejo correr atrás do carro e parar,

gritando meu nome. Meu coração parte quando consigo vê-la chorando, se

ajoelhando no chão com as mãos no rosto, então desvio o olhar para a

frente.

Segurando firme o volante para não fazer o retorno e voltar para ela

e abraçá-la, suplicando pelo seu perdão, enquanto beijo seu rosto.

Choro.

Grito.

Xingo.

E sinto uma parte de mim morrer quando a deixo para trás.


Odiando tudo na minha vida nesse momento em que a dor me rasga

por dentro, sabendo que nunca me curaria dela e que não seria nada sem

Ariela na minha vida.

 
Tudo que eu sei é que você é o único para mim

Enquanto o mundo é passageiro

Você é tudo que eu preciso

(My Heart Is Set – Handsome and Gretyl)

 
 
Ariela

França – Paris

Três anos e meio depois

Sexta-feira, 3 de dezembro de 2021

“Mais um dia que me fará sentir morta por dentro.”.

É a frase que digo assim que levanto da cama, sem pressa, tocando

meus pés no piso frio em passos lentos, parando em frente ao espelho que
tenho no quarto.

Estou vestindo apenas uma lingerie branca, meus olhos no reflexo

descem diretamente para minha barriga plana.

Com a mão trêmula, espalmo minha barriga, um toque singelo na

pele, acariciando o lugarzinho que hoje abrigaria o meu bebê. É

involuntário, as lágrimas enchem meus olhos e descem de forma rápida, não

consigo contê-las.

Assim como a dor que aperta meu peito, me lembrando do dia que

perdi a preciosidade que faria minha vida ainda mais feliz.

Os dias depois da perda foram difíceis, mas consegui lidar com eles

focando nos estudos. A dor estava ali, só envolta na névoa da vida que
continuava seguindo seu caminho, mas as noites eram sempre abraçadas à

ausência, ao vazio.

Três meses de vazio. Essa data vai me perseguir para sempre. Três

meses que sofri o aborto. O pesar do luto de perder um bebê com quatro

meses de gestação, e passar por ele sozinha, sem consolo ou ajuda, me

consumiu, levou toda a vida.

Agora sei a dor que minha mãe sentiu com a perda do bebê que

carregava, por conta da sua doença. E após a minha perda, descobri que

possuía a mesma doença de Claudia.

Insuficiência Istmo Cervical.

O choro vem carregado de pesar e não consigo mais ficar de pé, as

forças se foram. A dor é tão forte, que fico sem fôlego.


— Merde! — xingo em Francês, já habituada com a língua que se

tornou parte da minha vida desde que me mudei para fazer o mestrado há

mais de dois anos.

Foi deitada numa cama de hospital, numa noite fria, sem ninguém ao

meu lado, que eu recebi a notícia que havia perdido o bebê, e aquilo me

dilacerou.

Não fui capaz de dizer nada ao médico por longos minutos, em

silêncio, assimilando a informação, e tanto ele quanto a enfermeira que

estava ao seu lado, respeitaram o meu momento.

Como não poderiam? Com certeza presenciaram aquela cena antes,

não tinha outra forma de lidar com o recente luto.


Até que me deixaram sozinha, foi por pouco tempo, mas eu pude me

encolher e chorar tudo o que estava sentindo, desde a raiva até o sentimento

da perda do bebê que eu nunca pegaria no colo, nem contemplaria seu

rostinho minúsculo, sequer seguraria seus dedinhos ou sentiria seu

cheirinho.

Eu me culpava.

Culpava meu corpo por não ter sido forte o suficiente e não ter

lutado pelo meu bebê.

Naquela noite eu repassei tudo que poderia ter feito para manter meu

corpo mais saudável, tudo que fiz que podia ter colocado a vida do meu

bebê em risco. Cada cólica era acompanhada do ódio que eu sentia pelo

meu corpo, um aviso constante que ele expulsou meu pedacinho de amor e

felicidade.
E tudo ficou pior depois que vieram os resultados dos exames e foi

constatado a doença que me assombrará pelo resto da vida.

O vazio que ficou dentro de mim, a forma obscura que tomou todo o

meu corpo, meu coração e minha cabeça. Eu senti como se minha vida

tivesse acabado naquele momento. Minha mente em silêncio, ao mesmo

tempo que gritava por socorro, por um remédio que não existia.

Não para a dor que estava sentindo.

Olho para o meu reflexo no espelho e me pergunto se algum

momento o sentimento da perda e a dor vão passar, ou pelo menos diminuir.

Meus olhos vermelhos e o rosto molhado transparecem o desastre

emocional que eu vivo atualmente.


Lembro perfeitamente de como fui pega de surpresa ao descobrir a

minha gravidez.

Minhas mãos tremiam enquanto eu segurava o teste de farmácia por

vários minutos. O coração acelerado, as mãos trêmulas de nervoso, com os

olhos embaçados por conta das lágrimas, mas com atenção voltada ao

objeto que indicava na pequena tela o resultado positivo. 

Completamente assustada, eu não sabia o que pensar, enquanto

olhava para o teste. Então me sentei no chão e pensei nas mudanças que

aconteceriam em minha vida.

Eu precisaria conciliar tudo, a pós-graduação, a vida na França e

todo o resto. Deixei de lado completamente a minha mãe e o que pensaria

da gravidez ou de Jules, que na época era o meu namorado e também pai do

bebê.
Me recordo como aquele dia foi complicado, estava em choque e

preocupada, com medo do futuro, de como eu seria mãe sem nenhuma

experiência, a não ser a pouca que tive com Breno.

Mas por mais louco que seja, eu sentia que tudo ficaria bem, que

lidaria com cada fase, fosse sozinha ou com apoio do Jules e da minha mãe.

E a melhor decisão que eu tive foi não ter contado para Claudia

sobre a gravidez, ou a ninguém que conhecia, além de Jules. A verdade era

que eu não tinha para quem contar, perdi o contato da Giulia quando ela foi

embora para Itália, e Lion não fazia mais parte da minha vida. Ele havia

feito sua escolha.

Minha única melhor amiga. E o amor da minha vida.


Nunca mais falei com os meninos, nem os vi, sabendo apenas de

notícias que apareciam de tempos em tempos. O contato com Raquel e

Charlotte foi perdido, desde o fim do meu namoro com Lion.

Tudo se foi com Lion Bianco.

Não tive coragem de procurar saber sobre ele, foi o que prometi a

mim mesma no momento em que Lion foi embora da sua festa de

formatura, me deixando parada no meio da rua, gritando pelo seu nome,

pedindo com todo o meu ser e ao universo que ele parasse e me escutasse.

Desejei que voltasse com a ideia maluca do nosso término e ficasse

comigo, mas ele não o fez. Fiquei com tanta raiva dele, tão magoada, o

coração destruído e machucado por um amor que levaria para toda a minha

vida.
Mas hoje eu entendo, precisei levar um tempo para entender que as

coisas entre nós dois não dariam certo. Lion estava tão machucado com a

vida, e eu não seria sua cura.

Entendi que a decisão dele de me afastar era porque não queria me

machucar, ou talvez medo de não ser o suficiente com tudo o que estava

passando. Lion Bianco só queria fugir de tudo.

Mas não posso negar que sua decisão me magoou, porque magoou e

muito. Achei que o nosso fim fosse a pior dor que sentiria na vida, mas me

enganei, até sentir a dor da perda, da coisinha mais linda feita por uma parte

minha, que mesmo sem ser planejada, seria amada com tudo de mim.

E ela foi. Foi muito amada em cada instante em que eu a gerava. Em

cada momento em que eu pensava em como seria ter o neném em meus

braços, mesmo sem saber se seria menina ou menino.


Estava presa no meu mundinho feliz, na minha bolha, não deixava

que opinião nenhuma me afetasse.

Até mesmo de Jules.

Minhas costas começam a doer, e mesmo em frangalhos, me esforço

para levantar do chão. Passo a mão pelo rosto e limpo os resquícios da

mágoa, sentindo o peso derramado sobre mim.

O relógio da mesinha de cabeceira marca que ainda tenho uma hora

e meia para me arrumar e ir para universidade, minha última aula da

semana.

Logo chegará o Natal e Ano Novo, e não irei para o Brasil, por

escolha minha, não me sinto no clima de comemorar algo com Claudia,

Pedro e o Breno.
Não irei conseguir esconder a tristeza, e sei como o clima por lá anda

horrível. Pedro está debilitado na cadeira de rodas, já minha mãe está mais

focada nos negócios, do que, por incrível que pareça, em cuidar de Pedro e

Breno.

Como sinto falta do meu garotinho…

Tento ao máximo falar com ele por ligações. Com seus oito anos de

idade, escutar meu irmão contar suas aventuras me deixa feliz e tira um

peso de mim.

Vou para o banheiro tomar um banho, desejando que o dia não passe

arrastado, a verdade é que estou louca para voltar para a cama e ficar

debaixo das cobertas, cancelando toda a agenda do dia.


A água quente caindo por todo o meu corpo me ajuda a despertar um

pouco. Não tenho pressa em sair de baixo do chuveiro. Hoje realmente não

me importaria em chegar atrasada na primeira aula.

Faço tudo com total ausência de ânimo. A maquiagem que passo

esconde totalmente minhas olheiras, e o azul das íris disfarça o vermelho

dos olhos.

Pego as minhas coisas e visto o casaco. Meu celular não para de

tocar e sei muito bem de quem se trata a insistência.

Jules não sabe a hora de parar, e isso me estressa, porque sei onde

isso vai dar, precisarei mais uma vez pedir que me deixe em paz, vamos

brigar, e como sempre, ele vai de alguma forma usar palavras para me fazer

sentir culpa pelo término.


As ruas estão úmidas, o que indica que choveu à noite, e a trégua

veio por poucas horas essa manhã.

Estamos na época do ano que costuma chover muito e o frio é um

castigo para quem ama o calor e o sol do Brasil, mesmo que o Rio Grande

do Sul tenha seus períodos de frio, capazes de congelar a alma.

Não levo muito tempo para chegar ao campus, uma caminhada

rápida com meus pensamentos longe da realidade. Assim que me aproximo

da entrada, vejo Jules parado, me esperando.

Suspiro, me sentindo cansada e sem paciência.

— Bonjour — ele me cumprimenta, e se aproxima, beijando meu

rosto.
Há algum tempo atrás eu costumava amar seu sotaque, o sorriso

lindo quando me cumprimentava, e a forma que parecia me deixar relaxada

ao seu lado.

Mas isso tudo era só uma armação, um teatro.

Seus cabelos pretos ondulados balançam quando uma brisa leve

passa pela gente. Observo o rosto de traços finos e bonitos, tudo aquilo que

me chamou atenção na primeira vez que o conheci na sala de aula.

Me senti especial com sua total atenção em mim, de certa forma

Jules me fazia esquecer de Lion, querer viver e deixar o passado para trás.

Ele foi essencial em cada etapa da minha vida na França, fez com que toda

a minha adaptação em um país desconhecido fosse algo natural e belo. Por

ser francês, foi uma experiência que me deixou mais à vontade em fazer da

estadia na Europa algo agradável.


Era para ser somente uma amizade, Jules me ensinou mais sobre a

cultura, me levou para conhecer os pontos turísticos mais lindos daqui. A

culinária divina, apreciei cada momento de ensinamento que levarei para a

vida.

Demorou quase dois anos para rolar algo entre nós dois, percebia

que Jules queria algo, mas eu ignorava.

Não estava pronta ainda para um relacionamento. Não depois de

Lion. E do meu coração que ainda cicatrizava, enquanto eu juntava os

pedaços que foram estraçalhados. E por algum motivo idiota, eu esperava

por Lion.

Até que precisei entender que minha vida só aconteceria quando

aceitasse que Lion não faria mais parte dela, ele já havia ido embora há

muito tempo. Precisava entender que se eu me relacionasse com alguém, o


sentimento não seria o mesmo que foi com ele, eu tinha que seguir em

frente, me permitir ser feliz e deixar que alguém especial se aproximasse.

E foi assim que resolvi dar uma oportunidade a Jules, só não sabia

que a escolha era errada.

— Como você está? — ele pergunta, vejo em seus olhos que isso

não passa de uma falsa preocupação e tudo o que quero é me afastar.

Olhar para Jules me faz recordar de como conseguiu me enganar

direitinho, por puro interesse, um plano bem arquitetado.

— Você deve ter uma noção de como estou hoje — respondo,

lutando para não ser grossa com ele.

Jules sabe que hoje fazem exatamente três meses que tive o aborto, e

ele mostrou claramente no dia como odiou a notícia, me maltratou e me fez


sentir ainda mais culpa.

Desde que terminei, ele não me deixa em paz, passa um tempo

longe, porém não dura muito, sempre tenta se aproximar novamente,

criando desculpas para o seu comportamento.

— Podemos sair para conversar, Ari — sugere, e solto uma risada

amarga, escolhendo não respondê-lo.

Me viro para entrar no prédio, e Jules me segue. Infelizmente

estudamos juntos, o que dificulta querer ignorá-lo.

— Para com isso, Ariela, eu já te pedi desculpas diversas vezes —

fala enquanto ando pelos corredores. — Vai continuar mesmo sendo

orgulhosa? É só um café.
Pensar em tomar café na companhia de Jules faz meu estômago

revirar. Paro de andar e viro furiosa para ele, trago à tona toda a raiva que

senti quando descobri a verdade sobre Jules Martin.

— Você é incapaz de se arrepender por alguma coisa, Jules —

vocifero, chego bem próxima dele, sabendo que estamos chamando atenção

de curiosos. — A única coisa que é capaz de se arrepender é pelo seu ego

ferido por não ter sido capaz de conseguir o que queria.

Sua expressão de bom moço muda completamente.

A verdade é que Jules pesquisou sobre a minha vida assim que

comecei a estudar na mesma sala que ele. É claro que uma brasileira

chamaria atenção. Ele descobriu que eu era rica, enteada de um dos homens

mais ricos e com sobrenome de poder no sul do Brasil. Com negócios sendo

expandidos pelo mundo e que eu tinha um lugar importante nisso tudo.


E descobriu ainda mais quando nos tornamos amigos, confiei contar

mais sobre a minha vida para ele.

Jules me fez uma tola.

A personalidade esquentadinha de Jules foi seu ponto fraco, por

causa dela, não conseguiu esconder muito tempo a mentira. Precisei escutar

a confissão de que tudo não passou de um plano de puro interesse, que

havia furado as camisinhas de propósito para que eu engravidasse e não

tivesse escolha, a não ser ficar com ele.

Além de ter que lidar com o luto, precisei engolir que fui burra em

ter caído num falso relacionamento.

Jules não vem de uma família rica, não passa de um homem que

usava as pessoas para conquistar o que queria, e claro, comigo não foi
diferente.

Lembro de como ficou feliz com a notícia da gravidez, e as suas

palavras doces me causaram alívio por não estar sozinha na criação do

nosso filho, dando certeza de que daríamos o nosso melhor.

Até Jules começar a querer acelerar as coisas, pediu que me mudasse

para o seu apartamento o mais rápido possível, tentou me convencer de um

casamento às pressas para que nosso filho nascesse com uma família

estruturada, e cobrou que o apresentasse para minha família.

Tudo parecia estar indo rápido demais e eu não me sentia pronta para

dar esse passo. Na época, achava que ele queria fazer tudo certo, e estava

quase cedendo, porém perdemos o bebê.


Sinto o aperto forte no braço, desperto dos pensamentos que quero

muito esquecer. Meus olhos descem para onde Jules me machuca com seu

aperto.

Não deixo que o medo me assombre. Seus olhos estão arregalados de

ira, mas não faço nada que piore a situação.

— Eu pensaria bem antes de querer seguir por esse caminho — digo,

usando uma calma que nem sabia ter nesse momento.

Me controlo para não tremer e sorrio, tenho testemunhas da sua

agressão, e isso poderia ferrar com ele. Não preciso dizer mais nada, ele

entende a intenção na minha fala e se afasta, me solta olhando para os

lados, para as pessoas que estão atentas ao que acontece.


E antes de se virar para ir embora, Jules me olha irritado, a loucura

na sua expressão me causa um arrepio.

Respiro aliviada quando ele vai embora, me sinto tonta e me encosto

na parede próxima, preciso tomar uma atitude para que ele fique longe de

mim.

 
 
Ariela

Sábado, 5 de março de 2022

Eu havia relutado antes de criar coragem e ligar para Lion. Desde

2018 que não nos falávamos, sabia de algumas informações que Breno

soltava esporadicamente em nossas conversas. 

E mesmo depois de anos sem ouvir sua voz, eu me sentia nervosa

enquanto ligava para ele. Minhas mãos suavam, o coração acelerado

enquanto imaginava conversar com ele.


Em todo momento enquanto a ligação chamava, pensava em como

Lion reagiria quando atendesse e soubesse que era eu. Sentiria as mesmas

coisas? Ou teria superado e seguido em frente com uma nova pessoa? 

Quando ele atendeu, no momento que ouviu a minha voz, a ligação

foi encerrada.

Fiquei sem acreditar enquanto olhava para a tela do celular, quando

pensei em ligar novamente, me toquei que Lion não queria falar comigo.

Me xinguei por ser uma tola, frustrada por involuntariamente ter

criado expectativas e senti como se um balde de água fria tivesse sido

jogado em mim.

Lion não queria falar comigo, isso estava claro, mas me sentia mal

porque estava fazendo isso por Giulia. Minha melhor amiga desde sempre,
mesmo com a perda do contato, continuaria sendo parte de mim. 

Eu sentia que, de alguma forma, precisava ajudá-la, e procurar Lion

depois de tudo era um meio para conseguir informações sobre Dimitri, para

ela, por fim, contar que tinham uma filha.

Meu coração aperta com a lembrança da minha gravidez, eu daria

tudo para ter o bebê comigo. Está difícil entender que tudo tem um plano

divino.

A insensibilidade de Lion mexeu na ferida do meu coração, achei

que estivesse curada, mas passei todo aquele dia remoendo a situação.

Agora, depois de uma semana, meu celular toca e é seu número que

pisca na tela, até penso em ignorar, assim como fez comigo.

Por qual motivo só agora depois de uma semana resolveu retornar?


Porém, penso em Giulia e Diana. Minha amiga precisava de uma

resposta e eu queria muito ter uma para dar, mesmo que fosse algo mínimo

ou irrelevante.

Com a mão tremendo pego o celular de cima da mesinha da sala e

deslizo o dedo para atender. A respiração rítmica pode ser ouvida do outro

lado da linha, tento controlar a minha, mas tudo desanda quando escuto sua

voz rouca depois de anos.

Ela é capaz de desregular as batidas do meu coração, me arrepiando

inteira, sento para não cair, caso minhas pernas falharem.

Meu nome saindo da sua boca em um sussurro aveludado me faz

prender o lábio inferior entre os dentes, solto devagar um suspiro.

— Oi, Lion — respondo de volta e fecho os olhos.


Lembranças de nós dois chegam desenfreadas em minha mente.

Nosso primeiro beijo, o primeiro toque, a troca de olhares, suspiros e

sussurros até o último olhar naquela noite de junho.

— Você está bem? Aconteceu alguma coisa? — pergunta, percebo

que programa cada palavra antes de falar, pisando em ovos, mas no fundo

há preocupação.

— Não aconteceu nada, está tudo bem, sim — digo. — E com você?

Ouço um pouco de silêncio por alguns segundos. Provavelmente

deve estar em casa, e pelo horário, no Brasil deve ser por volta das seis

horas da tarde, enquanto aqui já passa das vinte e duas.

— Estou bem — responde. — Você me ligou há alguns dias,

desculpe, não consegui retornar antes — continua falando, tenta se explicar,


como se eu fosse burra para acreditar.

Não irei ser hipócrita e dizer que não precisava ter se incomodado

em me ligar, não depois de dias, como se eu não fosse nada na vida dele.

— Sim, eu liguei — respondo.

E não quero jogar na cara que foi ele quem finalizou a chamada

quando ouviu minha voz.

O clima entre a gente é desconfortável, e não quero me prolongar,

conversar com Lion está trazendo muitas recordações, e mesmo que tenha

superado, ainda é difícil agir como se nada tivesse acontecido.

— A verdade é que liguei para saber se tem alguma notícia do

Dimitri, vocês sempre foram amigos — pergunto direta, para não perder a

oportunidade e correr o risco de Lion desligar novamente.


— Dimitri? — pela sua voz consigo sentir que estranha a pergunta,

deve estar se perguntando o porquê.

— Sim, tem notícias dele? Preciso muito falar com ele — respondo,

sem contar o real motivo, e o conhecendo, na situação estranha que

estamos, não perguntaria o motivo.

Dimitri parece ter sumido do mapa, não que fosse um homem ativo

na internet, nunca foi a sua cara, mas lembro bem que tinha redes sociais,

que foram desativadas.

— Não, não tenho notícias do Dimitri — declara, depois de ficar

calado, raciocinando.

Sua negativa em ter notícias do amigo me deixa triste, acaba com as

esperanças, meus pensamentos vão direto para Giulia e Diana. Nossa única
fé era em Lion.

Voltamos à estaca zero.

Respiro fundo e balanço a cabeça, assentindo.

— Ok! Obrigada pela informação — falo, e me esforço para não

mostrar que fiquei chateada.

E antes que possa me despedir, o escuto voltar a falar.

— Vi que está com código de telefone diferente... — comenta, deixa

a fala no ar, esperando que eu diga algo.

— Sim — digo. — Ainda estou fazendo o mestrado na França —

concluo, aguardando Lion se despedir e desligar.

Mas não é o que ele faz.


Escorrego pelo sofá, me deitando, enquanto apoio a cabeça na

almofada para olhar o teto de gesso na cor branca. Meu apartamento todo

está em tons claros, o que traz luz e paz para o local.

Meu cantinho.

Acabou se tornando meu lar, eu sentiria falta quando fosse embora.

— Estudando na Panthéon-Assas? — pergunta, e fico chocada por

ele lembrar que era uma das universidades onde eu queria estudar depois de

me formar.

— Sim — sussurro ainda impressionada.

Quando estávamos juntos, conversamos sobre o que queríamos

assim que nos formássemos, a escolha dele seria ir para São Paulo,

trabalhar no Grupo Giordano, e eu faria o mestrado no exterior, mas nunca


tocamos assunto sobre o que aconteceria com o nosso relacionamento, se

ainda estaríamos namorando.

Ficamos calados, e resolvo finalizar a ligação, será o melhor a fazer

nesse momento. Lion está me afetando de maneiras que vão atrapalhar a

minha recuperação.

— Obrigada por ter me retornado — agradeço. Pigarreio, arrumando

uma maneira de me despedir de uma vez. — Ah... vou desligar agora...

Tchau, Lion — me despeço, com náuseas pelo nervosismo.

— Tchau, Ariela — Lion diz e encerra a ligação, não transparecendo

nenhuma emoção.

Sinto o corpo relaxar da tensão, e me acomodo no sofá ao virar de

lado fechando os olhos.


Deve ter sido fácil para ele nos superar, não teve nenhuma

compaixão ao me deixar correndo atrás do seu carro enquanto gritava por

ele na noite da sua formatura.

Chorei tanto naquele dia. Foi Charlotte que me ajudou a levantar do

meio da rua. Dava para ver em sua expressão o quanto ficou triste por mim.

Não só ela, Natan e Artho que estavam com ela na hora.

Pelo jeito, nenhum casal ficou junto depois daquele ano. Talvez não

fosse para ser. Éramos tão novos, com planos e sonhos. Jovens demais para

passar por tanta coisa.

Decisões foram tomadas pensando em um futuro melhor, mas, no

fundo, ainda confiamos no destino para trazer de volta o amor perdido no

passado.
 
Lion

Quarta-feira, 8 de março de 2023

Juro que tentei ignorar o desejo incontrolável de vê-la depois desses

anos, mas foi impossível voltar com a minha vida como se a ligação da

Ariela não tivesse mexido comigo.

Dentro do carro, vejo a movimentação dos alunos passando de um

lado para o outro, e lembro da conversa com Ariela três dias atrás.
Sua primeira ligação há mais de uma semana me pegou de surpresa.

No momento, fiquei sem reação por ouvir sua voz, e acabei encerrando a

chamada.

Precisei de uma semana para ter coragem de retornar a ligação,

fiquei preocupado que alguma coisa tivesse acontecido, mas a burrice de ter

desligado antes dela falar, me causou desconforto. Fiquei aliviado quando

me atendeu, e não jogou na minha cara o modo ridículo que me portei ao

ignorá-la na ligação anterior.

Falar com ela fez meu peito apertar de saudade dos momentos bons

que vivemos no passado.

Foi uma puta coincidência estar no mesmo país que Ariela. Não

sabia que estava estudando na França, nunca procurei saber, nem com

Breno, foi mais fácil não saber e seguir com a vida.


Em todo o instante que durou a ligação, escutar seu novo jeitinho

diferente de falar, com sotaque leve da nova língua, me deixou curioso em

saber como havia sido a adaptação no novo país, com uma cultura

totalmente diferente da nossa.

Porém, eu não devia querer saber, pois fui eu que a afastei, não seria

justo.

Mas embora consiga pensar racionalmente, às vezes o coração vence

a batalha contra a mente. Por isso estou aqui, parado no estacionamento da

Panthéon-Assas, ainda dentro do carro, tentando me convencer que isso não

passa de uma simples curiosidade em vê-la e saber se está realmente bem.

Devia isso a mim mesmo.


Tiro o cinto de segurança e abro a porta do carro para sair. Se eu der

sorte, as aulas do período da manhã estão sendo finalizadas, e pelo horário,

em algum momento devo ver Ariela saindo da universidade.

Ela não precisa me ver, não precisa saber que estive tão perto. Só

preciso de alguns minutos, relembrar seu rosto, os olhos azuis, os cabelos

loiros que eu amava ter meus dedos entre os fios, quem sabe, talvez um

vislumbre do seu sorriso.

É só disso que preciso. Reavivar a memória que tenho dela.

Dou alguns passos para mais perto com os olhos focados na entrada,

mas pronto para me afastar assim que matar a minha “curiosidade”.

Não sei a quem estou tentando enganar.


Ariela deve estar muito bem, vivendo seu sonho, e provavelmente

namorando alguém. Imaginar isso traz um gosto amargo à boca. O cara

pode ser um francês, que usa charme e romantismo para fazê-la feliz.

Ariela nunca precisou de muito para ser feliz, se entregar a mim, ao

que vivemos. O sortudo pode estar fazendo um bom trabalho, apagando as

lembranças que ela tem do nosso amor.

— Paris, a cidade do amor — sussurro, imitando uma voz fina e

rabugenta. — Merda de cidade do amor.

Bufo.

Meu comportamento lembra o de Eros, e percebo o quanto sinto sua

falta, na verdade, de todos os meus amigos.


Faz um ano que decidi tirar um tempo para mim. Nesse tempo, não

voltei ao Brasil, estou empenhado em aprender sobre as culturas dos países

que visito, e viver das emoções e aventuras desses novos lugares.

Me fez bem tirar um ano sabático, para colocar minha vida nos

eixos, e enxergar qual o melhor caminho, me concentrar no que queria para

o futuro, mas justo no último destino, venho para o país que Ariela está.

Não foi fácil a mudança para São Paulo com tudo o que eu estava

lidando com relação aos meus pais, e os segredos terríveis.

Precisei recomeçar. Uma nova vida, em uma cidade nova com meus

amigos, alguns deles machucados, lutando com os seus demônios.

No começo, foi somente Eros, Dimitri, os gêmeos e eu. Os dois

primeiros calados, escondendo dentro de si a dor de um coração ferido, e


não terminou muito bem para o Artho, que também se mudou para São

Paulo com a nossa pequena Ayla, pois havia acabado de terminar com

Charlotte.

Tivemos que nos adaptar a tudo.

Paro há alguns metros longe da entrada, onde é possível ver as

pessoas que saíam. Ficaria apenas por alguns minutos, e se não tivesse

sucesso, iria embora e não retornaria.

Franzo a testa ao pensar no motivo da ligação de Ariela. Por que ela

iria querer saber de Dimitri?

Eu neguei saber dele, mas também não perguntei o motivo. Dimitri

segue trabalhando na editora de Eros, com um pseudônimo que esconde o

seu passado.
Não fazia sentido nenhum Ariela querer saber sobre ele, assim como

dizer onde estava, era melhor deixar as coisas como estavam. E é pensando

nisso que percebo o quanto estou sendo idiota por estar parado aqui,

desejando vê-la, sendo que deveria ter continuado como estava antes

daquela ligação.

Sem Ariela.

Desisto da ideia, mas quando dou um passo para trás para voltar ao

carro, a vejo.

Seus cabelos balançam quando a brisa do vento passa por ela, e

tenho certeza que sou capaz de sentir o seu perfume de rosas. Ela está tão

diferente, a expressão mais madura, a postura ereta e confiante, continua

linda, isso não mudou, só se intensificou, ainda mais bela.


Por pouco não preciso encostar na pilastra ao lado para me apoiar

depois de vê-la. Por algum motivo que não sei, meu coração acelera e a

boca fica seca.

É engraçado que a emoção de observá-la me faz sentir como se nada

tivesse mudado, sendo que tudo mudou.

Assisto a ela parar, se despedindo de uma garota que está ao seu

lado, e passar a mão pelos cabelos, os tirando da frente do rosto. De onde

estou, consigo ter uma visão perfeita dela, pois está virada na minha

direção.

Ariela abre um sorriso, assentindo com a cabeça ao finalizar a

conversa, e seus olhar dança pelo gramado à frente e recai sobre mim.
Observo o momento que os seus olhos se arregalam e a expressão de

surpresa preenche sua face. Seria a oportunidade perfeita para me virar e ir

embora, mas o faço.

Começo a andar em sua direção, os olhos fixos nos dela. Ariela

continua parada, segurando apertado alguns livros nas mãos.

Nada mais ao meu redor faz sentido, somente ela, parada ali, sem

reação, me vendo caminhar até onde está. Escolho parar, mantendo

distância de Ariela, respeitar seu espaço, sem querer causar desconforto.

Seus olhos azuis que por muitas noites invadiram meus sonhos,

principalmente nos primeiros meses que nos separamos, estão focados em

mim. Ainda lembro do olhar destruído e magoado quando a deixei, e sinto

um formigamento pelo corpo e a garganta apertar.


— Oi — ela me cumprimenta depois de se recompor, a voz baixa,

numa mistura de choque e confusão.

Os olhos me observam atentamente de cima a abaixo, sei que assim

como eu, ela está curiosa para saber o quanto o tempo nos mudou.

— Oi, Ari — respondo, enfiando minhas mãos nos bolsos da calça

para escondê-las, impedindo que ela veja o quanto tremem de nervosismo

em vê-la.

— O que está fazendo aqui? — pergunta, passando o braço ao redor

dos livros à procura de apoio, me sinto mal por ver que estar na minha

presença a deixa sem reação.

E não era isso que eu queria.


A minha demora em responder a faz franzir a testa numa expressão

preocupada, e rapidamente começo a lhe explicar:

— Calma, não precisa se preocupar — peço, passando a mão pelos

cabelos sem jeito, sem nenhuma resposta planejada.

Não imaginei que Ariela fosse me ver, nem que conversaríamos,

agora preciso explicar o motivo de estar na França, mais precisamente em

frente à universidade em que estuda, a observando de longe, como um

maldito stalker.

— É uma longa história, na verdade — começo confuso, sentindo

um leve incômodo no estômago pelo nervosismo. — Estou passando alguns

dias em Paris, e não sabia que estava estudando aqui antes de nos falarmos,

só quis passar e saber como estava.


— Ah! — Ariela expressa, soltando um suspiro dos seus lábios

carnudos com uma leve camada de gloss rosa. — Ia ficar me observando à

distância? Não iria falar comigo? — pergunta, direta, como sempre, e fico

sem graça.

Nego com a cabeça, desviando o olhar.

— Já viu que estou bem, pode ir embora agora — responde

secamente, e percebo que minha atitude a deixou com raiva. — O quê? Está

estranhando a minha atitude? Queria que eu te recebesse como?

Respiro fundo e aquiesço, não tinha como nosso reencontro ser

diferente, não depois de como foi nossa separação. Ariela ainda pode estar

magoada, eu sei que ainda estou.


— Desculpa, não deveria ter aparecido, mas precisava ver como

estava, mas não tenho o direito de cobrar que me trate bem — digo, dando

de ombros, e noto seus olhos fixos em mim.

É engraçado como ainda consigo lê-la tão facilmente. Minha relação

com Ariela sempre foi tão simples e única, era natural nos entendermos

com mínimas palavras e troca de olhares.

— Eu só preciso... — minha fala é cortada completamente quando

vejo Ariela ser puxada para trás bruscamente, e fico alerta.

Fecho as mãos em punho, e sem pensar duas vezes empurro o

babaca que não percebe meu movimento, por estar olhando para uma Ariela

assustada.
O idiota se desequilibra, caindo no chão e, por pouco, não leva

Ariela junto por tentar se apoiar nela. Entro na frente dela, me preparando

para socar o cara que se levanta e me olha furioso.

— Quem é esse, Ariela? — ele pergunta com os seus olhos

arregalados. Pelo seu jeito e sotaque, é francês.

Só faltava ter que lidar com um namorado ciumento, mas nada disso

justifica a maneira que a tratou, eu nunca aceitaria isso.

Viro minha cabeça de lado, o suficiente para saber como Ariela está.

Seus olhos estão marejados e assustados, e quando sua mão toca meu braço,

percebo que está tremendo.

— Você está bem? — sussurro a pergunta para não assustá-la.


Quero mais que tudo pular em cima desse desgraçado e socar sua

cara até deixá-lo irreconhecível. Vejo que ela tem medo dele só por se

encolher.

— Ariela? — chamo seu nome e ela levanta o olhar.

Meu coração está acelerado, e fecho ainda mais as mãos em punho,

travando a mandíbula para manter o controle, mas perco completamente a

compostura quando o infeliz abre a boca.

— Me trocou por esse merdinha? Era de se esperar que não valesse

nada e ficou agindo como uma vítima... — ele cospe as palavras, mas não

dou tempo para que continue.

Vou para cima dele, socando sua cara, uso o impulso para desferir

outro soco, e ele cai no chão. O idiota não esperava pela minha explosão, só
tem tempo de levar as mãos ao rosto para se defender.

— Filho da puta — o xingo.

Quando levanto o braço para desferir outro soco, sinto uma pequena

mão me impedir.

— Lion, por favor — sua voz frágil suplica, chorando. — Para, não

faz isso.

Fico dividido entre escutá-la ou continuar socando o filho da puta

que está deitando no chão à minha frente. Logo, sinto outros braços me

tirarem de cima dele, os quais empurro.

Não preciso de ninguém tocando em mim.


Olho para Ariela que está desesperada com o rosto banhado em

lágrimas. E fico mal por fazê-la presenciar o meu descontrole, ela nunca me

viu assim antes.

Mas eu faria tudo por ela, para o seu bem.

Olho para o desgraçado no chão, vendo o exato momento que tira as

mãos do rosto e me olha, abrindo um sorriso com dentes sujos de sangue,

porém eu vejo que isso não passa de um teatro, consigo ver o medo nos

seus olhos.

— Na próxima vez que tocar nela de novo, eu acabo com você, e

pode ter certeza que ninguém vai me deter — digo e ameaço dar alguns

passos na sua direção. — Se eu ficar sabendo que andou nem que seja a um

metro dela, as coisas vão ficar muito feias para você.


— Seu desgraçado, você me paga! — ele grita, cuspindo sangue no

chão. — Você, e essa vadia.

Vou para cima dele de novo, mas paro quando o aperto firme de

Ariela me impede.

— Se eu fosse você tomava cuidado com o que fala — declaro. —

Sou capaz de fazer da sua vida um inferno, eu não sou de brincar —

ameaço.

Estou pouco me fodendo para o local estar cheio de gente,

presenciando a cena, horrorizados. Olho para ele, para que sinta o peso das

minhas palavras, uma promessa, de vingança. Que veja bem que sou capaz

de me transformar em um animal para proteger Ariela.


Seus passos falham ao andar para trás, os olhos fixos nos meus,

entendendo que não estou blefando.

— Lion, vamos embora daqui — Ariela pede, me puxando, e vejo o

quanto está fragilizada.

— Você está avisado! — comunico mais uma vez, meu sangue

fervendo pela ira, louco para voltar e acabar com ele.

Me viro e passo o braço pelos ombros de Ariela, a acolhendo em

meu peito para sairmos dali. O alvoroço vai ficando para trás, mesmo agora

que estamos longe, consigo escutar o idiota me xingar, tentando de alguma

forma recuperar o seu ego masculino do lixo.

Enquanto caminho em direção ao meu carro, sinto Ariela tremer em

meus braços, sua mão em contato com a minha pele suando, começo a ficar
preocupado, desconfiando que o estrago que o filha da puta fez foi ainda

mais grave, a vontade é de voltar lá e tirar essa história a limpo.

Ariela parece ler meus pensamentos, e me segura firme.

— Por favor, só vamos embora — pede, sua voz como um fio, quase

se perdendo no choro, e respeito sua decisão.

Abro a porta do carro para ela, e assim que entra se acomodando,

pego a bolsa junto com os livros das suas mãos e coloco no banco de trás,

dando a volta rapidamente para sair o quanto antes.

Assim que entramos em movimento na rua, pergunto onde ela mora,

e com suas poucas palavras para me guiar, chego no seu apartamento em

menos de dez minutos.


É o prazo de desligar o motor do carro e me virar para ela, que vejo

seus ombros tremerem, e logo seu rosto está enfiado nas mãos, escondido

enquanto ela chora.

Meu coração se aperta, sangrando, desesperado sem saber o que está

acontecendo. Vários pensamentos ruins do que pode ter acontecido se

passam na minha cabeça, e começo a me arrepender de tê-la deixado

sozinha tão vulnerável.

Quero me socar, bater a cabeça no volante até fazer a dor que habita

dentro de mim ir embora. Mas não posso simplesmente focar no turbilhão

de coisas que passam em mim e deixar Ariela de lado.

Eu nunca faria isso.


Levo minha mão para suas costas e a deslizo levemente em forma de

consolo, mostrando que estou aqui para ela. A cada tremor que seu corpo

dá, me imagino socando aquele imbecil.

— Ari, o que aconteceu, meu bem? — sussurro a pergunta,

morrendo por não saber o que se passou, mas ao mesmo tempo, quero

respeitar o seu momento.

Ela levanta a cabeça para me olhar, e o que vejo em seu rosto, em

seus olhos tão sinceros, me parte por dentro, porque consigo ver que a dor

dentro dela é grande, e tenho medo que seja incapaz de se curar um dia.

 
 

 
Lion

A sensação que eu tenho é que ficamos por horas dentro do carro até

que saímos para subirmos para o seu apartamento.

Esperei que Ariela se acalmasse, que os soluços diminuíssem para

depois perguntar se poderíamos subir. Em hipótese alguma, a deixaria

sozinha, seria a porra de um teimoso se ela me mandasse ir embora.

Ariela me conhecia bem, sabia que mesmo que pedisse para a deixar

sozinha, não o faria, insistiria e a ganharia pelo cansaço.


A deixei sentada no sofá e fui em direção à sua cozinha pequena e

acolhedora atrás de alguma coisa que a ajudasse se acalmar. Encontrei

dentro de um armário ingredientes para chá, e arrisquei preparar um para

ela.

Com a caneca em minha mão, ando até a sala, a fumaça do líquido

quente sai se perdendo no ar. Estico a caneca para ela e só solto quando

tenho certeza que está segura e Ariela não vai se queimar com chá quente,

caso não segure bem o objeto.

Ainda respeitando o seu espaço, sento na poltrona à sua frente,

observo-a levar a caneca aos seus lábios, soprando bem o chá antes de

ingerir um pouco.

Então espero.
Espero o seu tempo para falar o que quiser, mesmo que não conte o

que aconteceu, só quero mostrar que estou aqui e vou respeitar a decisão se

não quiser se abrir comigo.

Ariela suspira, brincando com a borda da caneca com o dedo

polegar.

— Você não precisa ficar aqui, pode ir embora, se quiser — fala,

mordendo o lábio inferior sem olhar para mim.

Quero muito saber o que se passa em sua cabeça, tentar ajudar de

alguma forma, mesmo que seja com a minha presença.

— Sabe muito bem que sou incapaz de ir embora e te deixar desse

jeito — respondo.
Ariela levanta o rosto para me olhar, involuntariamente uma lágrima

escorre pela bochecha delicada. Seu nariz e olhos já estão vermelhos de

tanto chorar.

— Eu nunca imaginei que fosse sentir uma dor tão grande, capaz de

me fazer querer arrancar meu coração do peito, como eu senti quando o

perdi — suas palavras chegam carregadas de sofrimento.

A olho confuso, tento entender o que está dizendo, se está me

culpando por ser o causador dessa dor quando terminei com ela. Fecho os

olhos por poucos segundos, pronto para começar a me desculpar, porém ela

continua falando:

— Por mais que eu não tenha o segurado nos meus braços,

contemplado o seu rostinho, sentido o seu cheirinho, eu já o amava com

todo o meu coração, e foi inexplicável a dor que senti quando o perdi — a
fala dela sai misturada com o soluço do choro, e entendo que Ariela não

estava se referindo a mim.

Não. Minha garota se refere a outra perda, uma ainda mais dolorosa,

mas que ainda não entendi de quem se trata.

Faço menção de me levantar e ir até ela, mas Ariela levanta a mão,

pedindo para ficar onde estou. Ela leva um tempo para se acalmar,

respirando fundo ao secar o rosto.

A caneca balança em suas mãos trêmulas, mas em nenhum momento

Ariela a deixa de lado.

— Preciso contar tudo enquanto tenho coragem — se explica, e bebe

mais um gole do chá, com mais facilidade dessa vez.


Controlo a curiosidade em perguntar a quem ela se refere, mas não

quero atrapalhar sua forma de contar o que houve. Vou ficando ainda mais

confuso ao repassar o detalhe de cada palavra que pronunciou, e é com os

meus olhos fixos nos seus que a ficha cai.

Não é possível.

Ariela não pode ter engravidado. Como não fiquei sabendo disso?

Meus olhos descem para sua barriga, e sobem para seu rosto

novamente, ela percebe que entendi tudo. Fico ofegante com a descoberta,

incapaz de ficar sentado.

Me levanto, me colocando atrás da poltrona para me apoiar nela, ter

algo para segurar enquanto escuto toda a história.


As perguntas rondam minha mente, loucas para saírem, serem

sanadas com as respostas concretas.

Quando ela engravidou?

Por que não sei disso?

Foi ainda no Brasil?

E a que insiste em gritar mais que as outras, é se o bebê era meu.

— Não, Lion — ouço a resposta de Ariela em forma de sussurro, me

tirando da loucura que está na minha mente.

Foco meus olhos nela.

— O bebê não era seu — afirma. — Se tivesse grávida de você na

época que terminamos, com certeza saberia.


Não sei se sinto alívio ou perturbação com a confissão.

Sou um escroto por não gostar de saber que Ariela se apaixonou por

outra pessoa e engravidou de um homem que não era eu?

Mas, de qualquer forma, minha cabeça pesa com a descoberta.

— Conheci Jules um pouco depois que me mudei para França —

pausa, e ao ver minha confusão por não saber de quem se trata a pessoa,

explica: — O cara que viu na universidade, o nome dele é Jules.

Assinto, mostrando que entendi, me sinto inquieto e desconfortável.

— Só fomos ter algo anos depois, quando me senti preparada para

entrar em um relacionamento de novo — conta, e eu desvio o olhar do seu.


Sou um covarde por não conseguir aguentar as palavras que

expressam o quanto o nosso término deixou marcas, como ela saiu

machucada com o fim.

— Não quero que se sinta mal, Lion, entendo que iríamos terminar

em algum momento, que não iria durar, e não vou mentir que não doeu,

doeu muito, principalmente a forma que tudo acabou.

Ela expõe com sinceridade, me orgulho de sua força, e entender que

não havia maneira diferente das coisas terem acabado entre nós.

— Impossível não me sentir mal, ainda mais sabendo o quanto

sofreu com tudo — digo, dando a volta na poltrona para me sentar

novamente.
— Você também sofreu — pontua, e é como se eu tivesse revivendo

todo o fim novamente. — Sei que não foi um final fácil para nenhum dos

dois.

Aquiesço.

Junto as mãos, as mexendo sem conseguir controlar a ansiedade.

Nunca imaginei que estaríamos tendo essa conversa algum dia.

— No começo Jules foi incrível, me fez sentir bem estando fora do

meu país, conhecendo coisas novas através de um francês — ela diz,

abaixando a cabeça e cutucando a alça da caneca. — Descobri a gravidez

meses depois, eu fiquei tão... — ela pausa procurando uma palavra exata, e

sorri sem jeito. — Tão nervosa e em êxtase ao mesmo tempo.


Ela me olha, e vejo um brilho diferente no seu olhar ao contar sobre

a gravidez.

— Eu não sabia o que pensar na hora, estava muito assustada, porém

no fundo eu sabia que tudo daria certo. Depois que o choque passou, me

peguei feliz, fazendo planos com toda a mudança que precisaria fazer na

minha vida, mesmo que tivesse um medo imenso do desconhecido.

Ouvir Ariela contar tudo só me faz imaginar a cena dela assustada e,

no final feliz, tocando a barriga com um sorriso enorme no rosto. Com

certeza deve ter sido uma cena linda, e eu teria amado presenciar isso.

— Quando contei a Jules sobre a gravidez, ele teve uma reação

diferente do que imaginei que teria. Ele ficou muito feliz, me abraçou, me

tranquilizou e naquele momento eu pude me sentir aliviada, porque sabia

que não estaria sozinha.


Me incomoda escutar que ao lado dela estava outra pessoa, não eu, o

lugar que sonhei tantas e tantas vezes para nós dois e que, no final, não se

realizou. Traz um gosto amargo de tristeza e inquietação, sinto que pegaram

meu sonho e o doaram para outra pessoa.

Sinto o nosso fim mais uma vez, o que não viveremos, e engulo em

seco, focando na descrição da vida de Ariela. Os “e se...” são esmagados no

meu âmago, para senti-los outra vez num momento em que eu possa abraçar

a solidão.

— Eu não contei a ninguém sobre a gravidez.

— Nem para a sua mãe? — pergunto, não imaginava que a relação

das duas estivesse tão abalada.


Porque tenho certeza que Ariela queria poder ter contado com

alguém, além do namorado.

Ela nega com a cabeça e eu franzo a testa, confuso.

— Não tive coragem de ligar para ela e contar tudo, nem mesmo que

estava namorando alguém. Você a conhece, me julgaria porque não tomei

cuidado suficiente, ainda mais sem estar casada, e com uma pessoa que não

tinha nome e riqueza.

Dou uma risada curta, porque sim, isso é a cara de Claudia, portanto

entendo a decisão de Ariela não contar.

— Para ela, seria vergonhoso demais para a família — digo, e ela

assente.
Ari se silencia, então aguardo. E percebo que ela não quer continuar

ao ficar minutos calada.

— Ei! — chamo, trazendo-a de volta para a realidade, perdida nos

próprios pensamentos. — O que aconteceu? Claro que se não quiser contar,

eu vou entender, deve ser muito doloroso falar sobre isso.

Ela anui, e vejo quando leva a mão ao peito por cima do coração,

massageando o local levemente, está tão perdida, olhando para um ponto

fixo no chão, que não deve perceber o movimento involuntário.

— Você é a primeira pessoa a quem conto tudo isso... — Sou pego

de surpresa ao saber disso, e tenho certeza que não disfarcei a expressão. —

Eu só preciso que tenha calma, eu vou contar tudo — suplica, fazendo meu

peito se apertar.
— Ari, você tem todo o tempo que quiser, vou estar aqui te

escutando — afirmo.

Meu coração, mais uma vez, acelera ao vê-la chorar, e não consigo

segurar a emoção. Só consigo imaginar Ariela tendo que passar por tudo

sozinha, vivendo seu luto, seu sofrimento.

Não aguento ficar mais nenhum segundo longe dela, me levanto,

indo em sua direção e retiro a caneca das suas mãos, a depositando na

mesinha à frente, antes de me sentar ao seu lado e a puxar para os meus

braços, a apertando bem forte, enquanto a deixo chorar.

E é quando ela começa a me dizer, entre soluços, como tudo se

desenrolou. A forma que Jules começou a agir, a pressioná-la. E eu

desejando poder ver o desgraçado na minha frente mais uma vez para

acabar com ele, mas me controlo para ela não sentir o quanto estou tenso.
O momento mais doloroso de tudo é quando Ariela começa a

descrever o dia que sofreu o aborto. Começo a sentir os tremores pelo meu

corpo, que se encaixam nas convulsões do choro dela, o sufocamento por

estar segurando tanta dor para dar apoio a ela, o corpo anseia poder respirar

o ar frio do lado de fora. Mas, aguento tudo quieto, por ela.

Preciso apertar meu lábio inferior tão forte para conter a raiva

quando Ariela conta como Jules a tratou, que sinto o gosto do sangue.

A forma como descobriu que Jules não passava de uma farsa e que

se aproveitou dela para entrar na família rica, e teria dado certo se não

tivesse sofrido o aborto, me cobrou toda força de vontade para não sair e

caçar o desgraçado. Ariela, além da dor do luto, precisou escutar a

confissão do desgraçado, e ser chamada de fraca.


Juro que não sei o que me segurou sentado em vez de sair

procurando o filho da puta por cada canto dessa cidade, mas agradeço, seja

lá a força divina ou o universo, por ter me mantido parado, respirando

fundo para não perder o controle, para continuar sendo o que Ariela

precisava no momento.

Então foco só nela, deixando o desejo de violência de lado.

Ela luta para continuar a falar, mas o choro a impede, suas falas

saem cortadas, e a única coisa que sei fazer é continuar abraçando-a

firmemente, beijando sua cabeça, sendo o amparo para sua dor.

— Deitada naquela cama de hospital, eu só sabia me culpar... — ela

soluça ao dizer. — Por não ter descoberto a doença antes, culpar meu corpo

por ter sido tão fraco, incapaz de manter e carregar meu bebê.
A afasto um pouco e toco seu queixo para que ela olhe para mim.

— Shiii! Você é uma das mulheres mais forte que conheço, Ariela,

não aceito que se menospreze desse jeito — declaro, não com raiva dela,

mas de toda a situação por deixá-la se sentindo incapaz. — Está me

ouvindo? — questiono. — Tenho certeza que se tivesse descoberto a doença

antes, teria feito de tudo para que o seu bebê nascesse saudável e bem.

Ariela fecha os olhos, as lágrimas descem sem parar pelo seu rosto.

— Não foi culpa sua, meu amor — afirmo, percebendo só depois a

maneira que a chamei, e suspiro aliviado quando Ariela não reage a isso.

Aconchego-a novamente em mim e beijo seus cabelos.

— Não foi sua culpa — repito, sussurrando de novo, e de novo, por

várias e várias vezes, por longos minutos até fazê-la entender.


Estou sentindo tudo dentro de mim em desordem total, e os pedaços

sangram a cada formação de imagens de uma Ariela quebrada, machucada,

sofrendo, tendo que lidar com tudo sozinha, vivendo um luto, uma dor que

nenhuma mãe jamais deveria sentir em toda a vida.

— Não foi sua culpa — digo firme, mais uma vez.

Minha garota.

— Não foi sua culpa — continuo.

Ariela é tão nova e teve que passar por tanta coisa, eu sei que a vida

não escolhe as pessoas ou a idade, e que as lutas vêm para que possamos

aprender e crescer com elas.

Mas eu teria feito de tudo para que Ariela não passasse por isso, ela

merece toda a felicidade do mundo.


Ariela, a mulher mais incrível que entrou na minha vida, aqui ao

lado dela, vejo o quanto fui sortudo em conhecê-la.

— Não foi sua culpa — repito uma última vez, e deixo um beijo

demorado na sua testa.

Ariela suspira fundo e levanta a cabeça para me olhar. Não estava

preparado para a forma que me olha. Quando fixo meus olhos nos dela, sou

capaz de sentir lá no fundo uma faísca da chama que ardia por ela, querendo

tomar a proporção de como era antes.

Me sinto quente, o calor toma meu corpo na medida que

permanecemos com os olhos um no outro. Aquela mesma conexão, atração

e química, capaz de se sentir a quilômetros de distância, durar anos,

sobreviver a tudo.
A paixão arde dentro do meu peito, tomando forma, e grita para ser

ouvida e atendida.

Preciso engolir em seco.

Mesmo triste, machucada com uma ferida que ainda luta para ser

cicatrizada, Ariela abre um sorriso singelo, o mais belo, o de sempre, e é

quando percebo que ainda sou completamente apaixonado por ela e nunca,

jamais, isso vai mudar.

— Obrigada por estar aqui — ela agradece, e deita no meu peito de

novo, sendo capaz de ouvir as batidas desenfreadas do meu coração.

Permaneço ali, ao seu lado, mexendo nos seus cabelos, em silêncio

profundo. Apenas deixo que minha mente produza tudo que minha boca é

incapaz de dizer.
Ariela pega no sono minutos depois, e tomo todo o cuidado para não

acordá-la quando a pego no colo e a levo para o quarto, depositando-a

calmamente na cama, de forma que não a desperte.

Tiro o salto para o seu conforto, e a embrulho com o edredom que

encontro dobrado na ponta da cama. Ela suspira e se mexe na cama, se

aconchegando.

Depois de ficar por longos segundos a observando, decido me sentar

no chão, encostado na parede, com a visão toda nela.

Escolho ficar um pouco mais caso ela acorde e precise de alguma

coisa. De olhos fechados, com a cabeça a mil, só penso na Ariela e nas

coisas ruins que passou.


A maneira desesperada que cada imagem criada pela minha cabeça

juntando com as palavras de Ariela ao contar tudo, me faz sufocar e preciso

por diversas vezes abrir os olhos e olhá-la deitada na cama em um sono

tranquilo, só para garantir que está bem.

Em algum momento devo ter pegado no sono, pois acordo torto, com

o pescoço doendo, as costas gritando pelo desconforto e com a boca seca.

Me espreguiço, escutando os estalos, e me levanto com certa dificuldade.

No meu relógio marca cinco horas da madrugada, então me assusto

por ser tão tarde.

Me pego olhando para Ariela que ainda dorme calmamente,

protegida de toda dor da realidade, querendo muito me deitar ao seu lado e

abraçá-la, só um pouco, antes de ir embora.


Mas não posso, não é justo com nenhum dos dois. Temos vidas

completamente diferentes, não deu certo antes e não vai dar agora.

Essa é a verdade.

Bufo, passando a mão nos cabelos, que devem estar bagunçados a

esse ponto, e decido que é hora de ir embora. Assim mesmo, sem

despedidas ou lamentações.

Me aproximo da cama, e toco seu rosto carinhosamente, um toque

quase inexistente para que não a acorde, e me inclino, deixando um beijo na

sua testa.

— Vai ficar tudo bem, meu amor — sussurro, confiante que faria de

tudo para cumprir isso.


E assim saio do quarto, em seguida do apartamento, para no final

ficar parado em frente à porta, custando a ir embora.

Tento tomar coragem para descer para o térreo, entrar no meu carro e

partir. 

Como farei isso se uma força maior me puxa para Ariela?

Não quero deixá-la, não de novo.

Mas eu o faço, a tortura me corrói, junto às dúvidas sobre estar

fazendo a coisa certa.

Já do lado de fora, pego meu celular, procurando o número da única

pessoa que será capaz de me ajudar a fazer a coisa certa e não a merda que

vou causar se não pensar com sensatez.


O telefone toca várias vezes antes da ligação ser atendida, mas estou

pouco me fodendo com o fuso horário, se estaria dormindo a essa hora ou

não.

Caralho.

— Que porra é essa? Sabe que horas são? — ele atende furioso, me

xingando de todos os nomes possíveis, mas o ignoro. 

Artho, mesmo com raiva, demonstra preocupação segundos depois

ao se tocar que, pelo horário, e por eu ligar de outro país, alguma coisa

havia acontecido.

— Lion, que porra aconteceu? — pergunta de novo, e vejo que está

mais desperto.
Eu poderia ter esperado até amanhecer, mas seria tempo demais, e a

ansiedade me consumiria. Não ficaria calmo até solucionar tudo.

— Preciso muito da sua ajuda, e eu não estaria ligando a essa hora se

não fosse importante.

Escuto seu suspiro do outro lado da linha.

— Conte comigo, irmão — declara.

Eu sabia que poderia contar com ele, mesmo que não soubesse do

que se trata.

Eu poderia contar com todos na verdade. Meus amigos estão sempre

lá, um para o outro, independente do que aconteça.


Olho para cima, observando a janela fechada de Ariela, desejando

que tudo fique bem, para ela... e para mim.

 
Ariela

São Paulo – Capital

Seis anos e alguns meses depois

Sexta-feira, 17 de novembro de 2029

Satisfação!

Essa é a palavra que me descreve no exato momento em que provo

café Ristretto. O gosto passeia por minha língua, tomando vida pela boca,
causando saudades da Itália.

Não faz nem dois dias que estou no Brasil e já me encontro com

saudades de lá. Um país tão cheio de cultura, arte, e claro, culinária divina.

Tomo mais um gole da bebida quente e tenho a sensação que ela é

capaz de aquecer meu corpo contra o frio intenso de São Paulo. Uma

chuvinha fina cai do lado de fora.

Observo o movimento externo, sentada em uma poltrona de couro

que dá visão para a entrada do estabelecimento.

Coloco minha pequena xícara na mesinha à minha frente e relaxo no

encosto do sofá.

Passo meus planos para a próxima semana, marcando mentalmente

todas as tarefas que já havia feito na minha estadia em São Paulo. Vim a
trabalho, a pedido da minha mãe para que eu atendesse esse cliente

específico para um possível negócio entre o vinhedo Bianco e o restaurante

renomado e mais famoso da capital.

Entendo que, nesse momento, ela não poderia estar se dando ao

trabalho de viajar a negócios. A situação de Pedro anda bem crítica, não

teve muita melhora durante esses anos, o que me fez viajar da Itália até

aqui.

Solto um suspiro longo, empurro a cabeça para trás, dando uma

olhada na Locale Caffè. Amo o estilo rústico e moderno deles. Durante o

dia, o local funciona como café e à noite vira um bar.

Perfeito para encontro com amigos e estender um pouco mais a

noite, principalmente em dia de sexta-feira, como esta. Mas, estou sozinha,

não tenho amigos por aqui, muito menos uma companhia.


Finalzinho da tarde e o movimento começa a ficar maior, nem a

chuva parece parar o povo e sua diversão.

Meu celular vibra ao meu lado e vejo uma mensagem de Giulia

perguntando, de novo, se eu iria mesmo passar essa semana na casa dela,

pois Diana estava animada para me conhecer pessoalmente e não falava em

outra coisa, se não a tia Ariela.

Sorrio quando abro uma foto da menina. É tão linda, seus cabelos

cacheados puxados da mãe, porém consigo ver traços de Dimitri nela, e me

pego pensando no que o próprio acharia se descobrisse que tem uma filha.

Às vezes, queria que as coisas fossem simples de serem resolvidas.

Me inclino e pego a xícara de novo, depois de responder à

mensagem de Giulia. O aroma do café tem o poder de me levar direto à


Itália, costumo pedir o mesmo sabor todos os dias na cafeteria de lá, antes

de seguir para a aula.

Depois que finalizei o mestrado na França, retornei para Bento

Gonçalves e, ao lado da minha mãe e do Pedro, mesmo doente, cuidamos

dos negócios, mas várias outras oportunidades surgiram para mim fora do

Brasil, e eu embarquei em cada uma, me especializando ainda mais na

profissão.

Não quis que Bento me prendesse. Minhas possibilidades eram

infinitas e vi isso quando me mudei pela primeira vez para o exterior.

Aprendi tanta coisa, aperfeiçoei meus conhecimentos e foquei em mim.

Um casal chama atenção quando entra no café, eles passam por mim

de mãos dadas. A garota sorri com algo que o seu namorado diz, e a forma
que suas bochechas ficam vermelhas e os olhos brilhando apaixonada, me

faz lembrar de mim mesma na adolescência.

Nem preciso apostar que ela sente borboletas no estômago quando

está com ele, as mãos suam e o coração dispara a cada toque que recebe.

Sorrio, só de imaginar. No fundo, sinto falta de sentir os mesmos

sentimentos.

Senti tudo isso com a única pessoa que foi capaz de ter o meu

coração por completo, e me pergunto como ele deve estar nesse exato

momento.

Nós dois não mantivemos o contato constante, nossas conversas

foram esporádicas durante esses anos, depois que nos vimos pela última vez

em Paris.
Me recordo de ter acordado no dia seguinte à nossa conversa,

sozinha no quarto. Naquela manhã silenciosa, dei um pulo para fora da

cama atrás de Lion, e só encontrei o apartamento vazio, sentindo o aperto

no peito pela sua partida.

Não que eu estivesse esperando por alguma coisa.

Mas não o encontrar lá, me trouxe uma leve solidão, a mesma que

senti quando terminamos, fiquei triste, porém ele não precisava ter me

esperado acordar, não era o dever dele, e acho que foi até melhor não ter

tido nenhuma despedida entre nós dois.

Me senti grata por Lion ter me escutado, ter ficado comigo, me

consolando enquanto eu chorava e deixava sair toda a dor e mágoa que

guardei dentro de mim, e só percebi o quanto estava ferida quando

confessei tudo a ele.


Naquele mesmo dia, recebi uma mensagem dele pelo Instagram, é

engraçado que sempre me pego lendo ela de vez em quando, em momentos

aleatórios, como agora.

Suas palavras me deram forças para voltar a me ver e acreditar em

mim mesma, como ninguém. Cada palavra escrita por ele me causava uma

mistura de felicidade, tristeza e raiva. Principalmente de raiva, porque Lion

Bianco sempre seria aquele mesmo homem por quem me apaixonei, o

romântico incurável que estava disposto a me dar o mundo se fosse preciso.

O cara mais incrível que eu tive a sorte de conhecer, e que me fez

muito feliz. Dos nossos momentos juntos, eu só levo alegria e muito

carinho.

Eu tento não procurar saber dele, sobre como está sua vida pelo

Instagram. Provavelmente, deve estar com alguma mulher que, com certeza,
será muito sortuda em tê-lo, pois será tratada como uma princesa.

Engulo em seco, e tento fugir dos pensamentos deprimentes.

“Eu não sei como deve estar se sentindo agora, e nunca saberei a

proporção que foi sua dor. Tenho certeza que não chego nem perto de

imaginar, mas de uma coisa eu seo, Ariela, você é a porra da mulher mais

forte que conheço, corajosa pra caralho, inteligente e extraordinariamente

foda nesse mundo.

E não deveria nunca ter passado pelo que passou sozinha, não

merecia a forma como uma parte sua que tanto amou foi tirada de você.

Quero que saiba que sinto um orgulho imenso de você por estar lutando a

cada dia para que os dias sombrios não tomem por completo o seu brilho.
Quero te pedir mais uma vez que não se culpe, nada do que

aconteceu foi culpa sua, talvez não entenda agora, mas é um processo que

te fará ainda mais forte.

Estou aqui por você. Tivemos uma história linda e não quero que o

fim que levamos te impeça de falar comigo se precisar.

Vou garantir que fique bem e segura.

Se cuida, linda!

PS: Desculpa os palavrões, mas acho que não teria outro jeito de te

descrever se não fosse desse jeito.”.

Releio mais uma vez a mensagem, sinto um formigamento dentro do

meu peito. No dia em que a li, mesmo agradecida, pude sentir raiva de Lion
por dizer que estava ali por mim, mas a milhares de quilômetros de

distância, com outra vida, outros planos e sonhos que não me incluíam.

Foi depois de alguns dias que eu o respondi, me sentindo uma idiota

por ter ficado com raiva dele, ter culpado o destino pelo rumo que Lion e eu

tomamos.

Toda vez que releio as palavras de Lion, eu sinto um vazio, como se

uma parte de mim tivesse perdida pelo mundo... não totalmente sumida,

mas junto de Lion, se recusando a voltar para o lugar que pertence, e talvez

nunca volte.

Depois disso, conversamos algumas vezes durante esses anos, com

falas monótonas só para saber se estávamos bem, repassando informações

sobre o nosso pequeno irmão.


Breno, com seus quatorze anos, é um adolescente com uma

personalidade forte e totalmente decidido. Uma pena que eu tenha perdido

muito dele enquanto vivia meus sonhos.

Não vou dizer que a perda do bebê ainda não mexe comigo, pois o

sentimento inexplicável de perda e vazio ainda continuam lá, mas não

causam mais tanta dor assim. Com ajuda de terapia psicológica, soube lidar

com ela, e entender que a culpa não foi minha.

Continuo sentada no mesmo lugar por vários minutos, e quando olho

o relógio de pulso, percebo que fiquei sentada tomando mais algumas

xícaras de café durante muito tempo, quase duas horas para ser exata.

Eu precisava passar no hotel para pegar minhas coisas, e fazer o

checkout antes de partir para a casa de Giulia. Minha missão em relação ao

fechamento de negócio com o restaurante estava concluída.


Eu curtiria um pouco São Paulo esses dias antes de voltar à Itália e

continuar a especialização que estou fazendo.

Me levanto do sofá, passando a mão pelo meu vestido longo floral,

amenizando os amassados. Jogo meus cabelos de lado e me inclino para

pegar minha bolsa, que ficou no chão.

Porém, não contava que meu pé, dentro do scarpin, fosse falhar, e

por pouco não me fizesse cair de cara no chão, na frente de algumas

pessoas. Dou graças a esse impedimento pelas fortes mãos que me seguram

firmemente, me salvando de um estrago horrível.

Meu coração está disparado com o susto, levo minha mão ao apoio

do sofá e a outra eu toco a mão masculina que me ampara, arrumando a

postura e garantindo que meus pés estão tocando bem o chão antes de virar

e agradecer o herói da minha tarde.


Jogo meus cabelos para trás, com um sorriso sem graça e de

agradecimento, viro para o homem que está atrás de mim. É quando levanto

a cabeça para fixar meu olhar nos olhos castanhos claros dele, que perco

por completo a compostura.

Os olhos desse tom não pertencem a uma pessoa qualquer,

pertencem a ele, Lion Bianco. Ele está na minha frente, me olhando

surpreso. Sinto quando minha respiração, que não havia se recuperado por

completo do primeiro susto, continua descontrolada.

Meu peito sobe e desce copiosamente. Me arrepio e logo um calor

toma o meu corpo. A mão de Lion ainda toca meu braço, estagnada no

lugar, enquanto seu olhar se fixa em mim.

— Você está bem? — sussurra a pergunta, a voz aguda, chegando até

meus ouvidos que parecem estalar pela pressão do sangue circulando


rapidamente.

Tenho vontade de sacudir a cabeça para aliviar um pouco a pressão,

mas pareceria uma louca. Olho em volta com a sensação de que todo

mundo está nos olhando, me achando uma boba desengonçada, mas

percebo que ninguém parece se tocar do que quase acabou de acontecer.

E muito menos percebem a tensão que se formou no ambiente ou

como parece ter esquentado de uma hora para outra.

Porque essa mágica acontece somente entre mim e ele. Duas pessoas

se reencontrando depois de anos, dois amores perdidos no passado, e a

coincidência batendo na porta, lembrando que nada é impossível de

acontecer.
Isso é uma loucura! Como nós dois iríamos nos encontrar de forma

tão natural numa cidade enorme dessas?

— Ariela — Lion chama minha atenção para ele. — Você se

machucou? — pergunta novamente, e lembro que se não fosse por ele, eu

teria me esborrachado no chão.

— Oh! Me desculpe. Estou bem, sim, não me machuquei —

respondo, e inclino levemente a cabeça, o examinando de cima a baixo.

Isso me dá a chance de olhá-lo melhor. Lion está com uma roupa

social, uma calça de alfaiataria que parece ter sido feita sob medida, pois cai

tão bem pela forma que abraça suas coxas e pernas.

A camisa social dobrada até o cotovelo, está por dentro da calça, e

um cinto preto fecha bem o acabamento. O Rolex que usa traz ainda mais
luxo, e grita o homem de negócios que ele é.

A camisa gruda tão bem no seu peitoral, que marca o tecido. Uma

correntinha de prata pesa no seu pescoço. E quero sorrir quando vejo que

ele ainda usa os brincos de argola. Isso nunca mudou.

A barba bem-feita. Os cabelos castanhos com o mesmo topete bem

penteado.

Lion continua o mesmo, mas ainda assim totalmente diferente. A

maturidade, experiências, a vida o transformou em quem é hoje.

Toda essa análise não facilitou em nada meu coração

descompensado. Desconfio de que, se todo ambiente ficasse em silêncio,

poderiam ouvir cada batida nervosa e desesperada com esse encontro.

Coração tolo.
Preciso controlar tudo o que estou sentindo, a reação do meu corpo a

Lion.

— Oi — digo suavemente, o vejo abrir um sorriso de lado, a tensão

saindo um pouco, sua postura relaxada tomando espaço aos poucos.

— Oi. — Sorrio sem jeito com seu cumprimento. — Não esperava te

encontrar por aqui.

Faço um gesto com a cabeça, concordando.

— Tenho certeza que não — confirmo.

Para Lion é uma surpresa, porque em sua ciência, eu deveria estar na

Itália nesse momento.


Como sei disso? Bom, Lion é um perfil frequente no histórico de

pesquisa do meu Instagram, mesmo sendo um seguidor silencioso e não

reagir a nada que publico, eu sei que me acompanha e vê todos os meus

stories e postagens.

— O que está fazendo por aqui? — pergunta curioso, mas logo vejo

o arrependimento. — Desculpa, não precisa falar, se não quiser.

Se corrige, levantando uma das mãos em um gesto que enfatiza a

fala. É um alívio não ser a única nervosa ali, então começo a relaxar um

pouco.

— Não tem problema — falo e abro um sorriso para garantir. — Vim

a trabalho apenas, mas volto para a Itália daqui uns dias.


Anui compreendendo. O desconforto ainda está martelando entre a

gente, então penso em uma forma de me despedir sem causar um

estranhamento. Conversar com ele por mensagens é totalmente diferente de

pessoalmente, porque pelo aparelho temos como esconder o nervosismo e

desconforto que se instalou entre a gente.

— Já está indo embora? — questiona, apontando a cabeça para fora.

— Sim. Era a intenção antes de me desequilibrar e quase cair no

chão — digo e solto uma risada curta. — Isso me faz lembrar que devo um

agradecimento por me impedir de ser motivo de diversão do pessoal. 

Ele olha em volta sorrindo e assente.

— Seria uma queda e tanto, ainda mais com esses saltos — declara,

olhando para os meus pés, amenizando o clima.


— Sim.

Ficamos alguns segundos nos olhando, então abro a boca para soltar

as palavras de despedida, mas Lion me interrompe. Na verdade, de alguma

forma, ele sabia que o meu passo seguinte era me despedir e ir embora.

— Tem algum compromisso agora? — pergunta e eu nego, curiosa

com o que tem a dizer. — Aceita tomar um café comigo? — convida. — Se

quiser, é claro. Não quero te atrapalhar.

— Eu quero — respondo, entendendo pela sua expressão que

imaginou que eu negaria.

Volto a colocar minha bolsa no chão, no mesmo lugar de antes, me

sentando novamente no sofá, à espera dele.


Lion observa cada passo meu calado, e por alguns segundos, penso

que ele sabe o que fazer em seguida, pois só reage quando um atendente se

aproxima da gente perguntando se queríamos pedir algo.

Acompanho Lion se sentar no outro sofá que tem à minha frente, me

perguntando primeiro o que eu queria, e logo depois solicitando o seu

pedido.

A forma que dobra a perna apoiando o pé em cima do joelho mostra

que está tenso. E quando o atendente se retira, me dou conta que sou eu que

devo quebrar um pouco esse gelo.

— Você vem sempre aqui? — pergunto, me referindo ao local,

puxando um assunto que é mais seguro para nós dois.


— Não muito. Algumas vezes quando estou saindo com algum

cliente perto daqui — conta. — É sua primeira vez nesse lugar?

Assinto.

— Sim! Não conheço muita coisa em São Paulo, vim poucas vezes.

Encontrei esse café por acaso na internet — dou risada quando digo. —

Estava a fim de tomar um café italiano, e me apareceu o Locale Caffè como

opção. 

— Uma ótima escolha — afirma sorrindo. — Está morando na

Itália? — pergunta, como se não soubesse a resposta.

— Sim. Estou fazendo uma especialização por lá já faz alguns meses

— confirmo. — Estou gostando da experiência de morar na Itália, a


culinária de lá é divina, e os vinhos… — fecho os olhos, lembrando do

sabor da bebida em minha língua.

Quando abro os olhos, pego Lion me encarando atentamente,

sorrindo pela forma que me expressei.

— Concordo com você. Estive na Itália durante o ano que fiquei

viajando. Claro que eu já tinha estado lá antes, a Itália é praticamente minha

segunda casa. — comenta, tenho ciência de que Lion é descendente de

italianos.

— Tipo um ano sabático? — pergunto rindo. E ele concorda. —

Sério?

— Sim — concorda sorrindo. — França foi minha última parada

antes de voltar para o Brasil.


Encaixo as peças, Lion estava na França porque estava viajando.

Nunca fiquei sabendo desse fato porque, naquele dia, não tivemos tempo de

falar sobre outra coisa além da minha vida.

Lion percebe que a menção sobre Paris me trouxe memórias do

nosso último encontro e como tudo se desenrolou depois, então agradeço

mentalmente quando continua falando, tentando mudar meu foco.

— Viajei por vários lugares, conheci tanta cultura, pessoas com

convívio diferente dos nossos. No final, a última coisa que eu queria era

voltar para casa — ele fala, sendo sincero.

Vejo que isso não mudou entre nós dois, sempre iríamos conseguir

conversar e expressar nossos sentimentos, mesmo que todo o resto tenha

mudado. A conexão ainda estava lá.


Preciso ver Lion apenas como o recomeço de uma amizade e enfiar

as lembranças em um baú, mas elas insistem em aparecer.

O atendente traz nosso pedido, e usamos a interrupção do café para

termos uma desculpa para o silêncio ser prolongado.

— Está em São Paulo há muito tempo? — questiona, deixando sua

xícara em cima da mesinha.

— Cheguei faz uns dois dias. Minha vinda ao Brasil é por causa de

uma reunião que tive com um cliente importante — digo, e bebo um pouco

do café encorpado. — Minha mãe pediu que eu viesse, já que não iria

conseguir comparecer.

Ele assente interessado, e eu continuo falando.


— Esse cliente tem uma rede grande de restaurantes na cidade, era o

único que não tínhamos conseguido fechar negócio para incluir a safra

Bianco no estabelecimento.

— E conseguiu agora? — pergunta.

Assinto, abrindo um sorriso de dever cumprido, e o vejo sorrir de

volta.

— Não esperaria outra coisa de você, nasceu para os negócios, tem o

dom. Parabéns, Ari — ele me elogia, me deixando sem graça.

Seu olhar continua intenso em mim enquanto solta cada palavra.

— Obrigada — respondo.
Passo a mão pelo cabelo, tirando algumas mechas do rosto, focando

em outra coisa que não seja Lion e seu olhar hipnotizante.

E foco também no fato de Lion não demonstrar querer saber sobre o

pai ou qualquer coisa referente aos negócios que um dia foi criado para

herdar. Para ele, foi um alívio poder deixar tudo para trás e seguir com suas

próprias escolhas.

Não o culpo. Pedro fez um estrago tão grande na vida dele, que lidar

com tudo foi difícil.

— Como anda seus amigos? — pergunto.

Faz tanto tempo que não tenho notícias dos meninos, e sinto falta

deles. Provavelmente não devem nem lembrar da minha existência, assim

como fizeram da outra vez.


— Estão bem — diz, relaxando no encosto do sofá. — Artho vai

casar no próximo fim de semana com Charlotte, eles têm um filho juntos.

— Não acredito. — Dou um gritinho impressionada. — Então eles

estão juntos — afirmo feliz, lembro do quanto os dois eram apaixonados.

— Não só eles, Eros e Raquel também estão juntos — comenta

sorrindo, sabia que a notícia me impressionaria.

— Uau! — declaro. — Isso é incrível.

Ele assente.

Lembro que os dois haviam terminado um pouco antes de Lion e eu

nos separamos, Raquel ficou tão mal na época, e logo depois foi Charlotte e

Artho. Infelizmente, perdi o contato com as meninas.


Lion não comenta sobre o restante dos meninos, e também não

pergunto. Caberia a ele contar mais alguma coisa, se quisesse, mas quero

muito saber sobre Dimitri, seria uma informação útil para Giulia.

E quando percebo de vez que nada mais vai ser dito, faço outra

pergunta que talvez não seja respondida:

— E você e Clarice? — falo como se estivesse pisando em ovos, e

fico aliviada quando vejo que Lion parece não se importar.

Ele solta um suspiro fundo, uma expressão de tranquilidade no rosto.

— Não cortei o contato com ela — responde. — Continuamos nos

falando depois que me mudei de Bento Gonçalves e ela voltou para o Rio

de Janeiro, onde morava antes de ir me procurar.


Sorrio com a informação, era tudo o que eles precisavam, um novo

recomeço e a chance de criarem um vínculo.

— Não foi fácil aceitar tudo de início, era tanta coisa para lidar

naquela época. Lembro que, com a mudança para cá, comecei a querer dar

uma chance à Clarice — conta de uma forma tão natural, que me assusta ele

se abrir assim comigo.

— Você estava no seu direito de não querer a aproximação dela no

início, nunca te julgaria por isso, Lion — comento. — Na verdade, ninguém

seria capaz de te julgar.

— Eu sei — confirma, olhando tão profundamente dentro dos meus

olhos, que preciso desviar por alguns segundos, porque não consigo

controlar a emoção do meu corpo a Lion toda vez que faz isso. — As
sessões com a terapeuta ajudaram muito a permitir que Clarice tivesse mais

contato comigo, e foi mais fácil lidar com tudo.

Sorrio, orgulhosa dele. Sinto meu peito inflar de felicidade ao ouvir

que ele procurou ajuda e não lidou com tudo sozinho. Devo ter deixado

explícito como reagi ao receber a notícia, pois vejo Lion relaxar, um brilho

de felicidade aparecendo em seus olhos.

— Nos aproximamos nesses anos — continua contando. — Até mais

do que achei que seria possível. Fizemos algumas viagens juntos para nos

conhecermos melhor, e o mais surpreendente: pude conhecer seu novo

marido.

— Mentira? — pergunto surpresa. Ele assente e sorri se divertindo

com a minha euforia.


— Verdade. — Dá risada. — Foi um experiência e tanto —

responde, bebendo o restante do seu café, que deve estar morno a esse

ponto.

— E como foi? Me conta tudo — peço, e o vejo jogar a cabeça para

trás, soltando uma gargalhada.

— Vejo que ainda existe uma fofoqueira incurável dentro de você —

ele brinca, e dou de ombros não me sentindo ofendida.

— Assim como você, acha que esqueci todas as vezes que foi um

maria fifi? — o lembro, dando risada.

— Não nego que éramos o casal que vivia por dentro de todas as

informações — comenta sorrindo, e eu aquiesço.


Como é bom lembrar do quanto nos divertíamos, é como voltar no

tempo e recordar cada momento bom que vivemos, a nostalgia bate forte.

— Foi estranho no começo — pausa. — Ela me contou que se casou

alguns anos depois de ir embora de Bento, e como foi difícil para ela

permitir ser amada do jeito certo depois de Pedro, dos traumas e feridas.

Assinto, imaginando.

Clarice foi uma mulher guerreira que fez escolhas difíceis, mas que

tentou concertar tudo a tempo. Ela nunca se perdoou por deixar o filho para

trás, nas mãos do escroto do Pedro.

Lion estava tão envolto em sua dor e mágoa pelo que sua mãe fez,

que não se permitiu imaginar estar na pele de Clarice e entender tudo que

aquela mulher passou, tendo que recomeçar a vida longe de tudo o que
conhecia, do zero, com traumas e feridas grandes, além da saudade do filho

que deixou.

Sinto meu coração se apertar ao lembrar da minha perda. Uma mãe

de verdade nunca esquece do filho.

— Fiquei feliz por ela, em saber que os traumas que meu pai causou

nela não foram suficientes para impedir que reconstruísse a vida novamente

— conta. — Clarice me contou que, desde o início, foi sincera com

Eduardo sobre sua antiga vida, sobre mim e as circunstâncias que a fizeram

ir embora, e como nunca perdeu as esperanças de voltar para mim. Ele

jamais a deixou de lado ou a impediu.

Lion se cala, e pela forma que sua voz vai diminuindo o tom,

percebo que está emocionado. A história da sua mãe ainda mexe com ele.
— Eles se casaram, e Eduardo continuou sendo a âncora que ela

precisava em todos os seus momentos difíceis — conclui.

— Eles não tiveram filhos? — pergunto e Lion nega.

— Não. Minha mãe me contou que antes de conhecer Eduardo, fez

uma cirurgia para não ter mais filhos, a dor era tanta, e tinha medo de um

dia ter um filho e a vida o tirar dela novamente.

Suas últimas palavras me acertam como um peso. Minha garganta

aperta, tentando impedir o choro, mas não consigo impedir quando uma

lágrima boba e solitária desce pelo meu rosto. Rapidamente desvio o olhar

de Lion para impedir que me veja secando o rastro dela, porém não sou

rápida o suficiente.
— Desculpa, não queria te deixar mal — ele pede, se inclinando para

frente, e sinto o toque da sua mão quente por cima da minha.

O mínimo roçar do dedo na minha pele faz com que eu sinta uma

onda de eletricidade passar pelo meu corpo, o esquentando. Eu o olho,

ciente que Lion é incapaz de saber o que ainda causa em mim.

— Não precisa se desculpar, está tudo bem. Eu só... — pauso e

pigarreio. — Eu consigo entender o que sua mãe passou.

— Eu sei, por isso estou me desculpando, a conversa seguiu para um

rumo triste — fala, acariciando minha mão com seus dedos, e é tão

automático, duvido que Lion tenha noção do gesto.

— Não tem problema. Para mim, é importante saber como ficou a

relação de vocês. Eu torci tanto para que as coisas dessem certo no final e
estou feliz que tenha valido a pena — sou sincera ao pronunciar cada

palavra.

Sempre quis que Lion escutasse sua mãe e soubesse pela boca dela a

versão que a fez ir embora, mesmo correndo o risco de que eles nunca

mantivessem o contato no final. Era importante para Lion resolver seu

passado e seguir em frente.

— Eu tenho que te agradecer por isso, se não fosse sua insistência

em me fazer escutar a minha mãe, as coisas não estariam do jeito que estão

hoje — declara, o brilho nos seus olhos, cheio de gratidão e

reconhecimento. — Obrigada, linda, devo isso a você.

Só consigo dar uma atenção a mais nas palavras “mãe” e “linda”, e a

forma carinhosa que Lion as pronunciou. É a primeira vez que o vejo


chamar Clarice assim. Mas o tremor dentro de mim não é só por isso, é

como ele me agradeceu, me deixando vulnerável.

— Não precisa agradecer, fiz tudo para o seu bem. — digo com um

pouco de dificuldade pela emoção de ter Lion tão perto e agindo

carinhosamente.

— Com certeza, eu preciso — enfatiza, se afastando, retira sua mão

da minha. — É importante nessa história toda.

Sorrio, aceitando seu agradecimento com todo o meu coração.

E mais uma vez, separo as coisas dentro da minha mente, me

lembrando que a minha situação com Lion é apenas amizade e que não

posso me deixar ser afetada por lembranças de um passado distante.


É assim que sigo a conversar, perguntando como foi para Clarice

ficar em Bento naquele período longo longe de Eduardo. Ele me explica

que Eduardo passou a maior parte do tempo com ela, ou eles se revezavam

entre Bento e Rio algumas vezes, mantendo o contato sempre.

— Clarice foi muito determinada — digo.

Lion concorda, ressaltando em forma de carinho e amor como sua

mãe não pensou em desistir em nenhum momento. Hoje em dia, eles se

falam sempre, Lion reserva alguns dias do ano para viajar para o Rio e

passar com sua mãe e Eduardo.

Pelo jeito a relação dos dois homens se tornou muito melhor do que

imaginei.
— Ela perguntou por você algumas vezes — Lion confessa no meio

da conversa, e eu franzo a testa sem entender. — Minha mãe, às vezes,

ainda pergunta sobre você.

Essa confissão me pega de surpresa. Sorrio ao perceber que a minha

tarde foi repleta disso. Olho para o lado de fora, vendo que não é mais

tarde, já escureceu, Lion e eu passamos horas conversando.

— Ela gosta muito de você, não tem noção de como a conquistou ao

ponto de fazê-la lembrar de você e ficar fazendo perguntas — volta a dizer

quando fico em silêncio.

Ele solta uma risada sem graça.

— E o que diz a ela? — curiosa, questiono, levantando uma

sobrancelha, ansiosa por uma resposta.


Devo ter feito uma diferença grande para Clarice ainda lembrar de

mim mesmo depois de todos esses anos, separada do seu filho.

— Não digo muito, a maioria das vezes respondo o que sei sobre

você pelo Instagram — dá de ombros ao dizer, isso é uma confissão de que

ainda procura garantir minha segurança mesmo à distância.

Assim como tenho certeza que fez algo com Jules, é a única

explicação para o sumiço por completo do meu ex-namorado, tanto da

universidade como da cidade. Ele nunca mais me procurou. Fiquei tão

aliviada com isso, grata ao mesmo tempo que com medo do que Lion

poderia ter causado para garantir a minha segurança.

A única coisa que fiquei sabendo por amigos próximos a Jules foi

que ele havia se mudado e transferido seu curso para outra cidade, sem dar

muita explicação. E quando procurei por ele nas redes sociais atrás de
alguma pista, havia colocado sua conta como privada e me bloqueado de

tudo.

— Eu contei a ela que te vi quando estava na França, e que estava

bem, fazendo seu mestrado, mas nada além disso — afirma. — Só ela e

Artho ficaram sabendo sobre o nosso encontro.

Ele levanta a mão, coçando a nuca num sinal de desconforto, e eu

estranho.

— Artho? — questiono.

— Sim — confirma, desviando o olhar do meu. — Eu precisei pedir

ajuda dele numa questão.

Assinto, tentando entender, porém ainda mais confusa. Eu sei que

Lion não vai me contar, mas pelo simples fato de Artho saber sobre nosso
encontro naquele ano, o seu pedido de ajuda tem a ver comigo.

Lion não vai me dizer, e uma coceirinha de curiosidade me consome,

atrapalhando imaginar todos os tipos de motivo para que Lion não me

conte, então foco em outro assunto.

— Nem pude agradecer direito o que fez por mim naquele dia, ter

me escutado e oferecido seu ombro para chorar — solto, e Lion volta a

olhar para mim, a reação dele em seguida é baixar a cabeça, envergonhado

por me escutar ressaltando a importância que ele teve para mim.

— Eu teria feito tudo de novo — declara.

— Isso me faz querer saber de uma coisa — digo, a voz dentro de

mim que insiste para deixar esse assunto de lado não é mais forte que a
minha curiosidade. — Você deu um jeito para que Jules sumisse da cidade

— afirmo, ele não negaria.

Ele não desvia o olhar, sua boca entorta em uma careta, e vejo

quando começa a ficar tenso. Lion assente, e não espera que eu pergunte

mais nada, e começa a falar em seguida.

— Pedi ajuda de Artho com investigações, e que puxasse a ficha

dele, e para minhas suspeitas, tive provas o suficiente para fazer com que

aquele infeliz sumisse da cidade, fui eu mesmo fazer uma visitinha e

garantir que ele não chegasse perto de você nunca mais — conta, como se

tivesse explicando algo simples e não que ameaçou meu ex-namorado

tóxico.

Não fico surpresa ao ouvir suas palavras. Lion sempre foi protetor,

na época da faculdade chegou a dar algumas ligações a alguns cara idiotas


que gostavam sacanear as meninas.

Pela sua expressão assassina nos olhos, ele fez bem mais que apenas

conversar com Jules, e saber disso não me incomoda nenhum pouco.

— Como eu disse, eu teria feito tudo de novo, tudo que garantisse o

seu bem estar — repete, sem desviar os olhos de mim.

E não sei quanto tempo ficamos encarando um ao outro. A forma

como nossos olhares conseguem dizer mais que mil palavras me mostra

que, mesmo se tivesse se passado mais alguns anos, seríamos incapazes de

perder nossa conexão.

Meus olhos azuis fitam os seus castanhos.

O frio toma a boca do meu estômago, e juro que seria capaz de

vomitar pelo nervosismo.


Tento reafirmar mais uma vez a situação que Lion e eu nos

encontramos hoje em dia.

Não posso mais passar um minuto sequer na presença dele, se ainda

quiser sufocar o sentimento que está ressurgindo.

Meu celular começa a tocar, então quebro o nosso contato visual

quando vejo o nome da Giulia na tela, lembro que esqueci da minha amiga.

Lion tem esse poder sobre mim, quando estou na sua presença, sou capaz de

esquecer completamente do mundo.

Recuso a ligação por não querer atender minha amiga na frente de

Lion. Não conseguiria esconder dela o quanto estou descontrolada, fora do

meu estado normal por causa dele.


Mas mando uma mensagem dizendo que me atrasei, mas que devo

chegar em algumas horas para não deixá-la preocupada.

Quando volto a levantar a cabeça, pego Lion me observando de uma

forma única e só dele. Preso em seus pensamentos.

Sorrio de lado, me inclinando para pegar a bolsa do chão, e me

levanto, sentindo minhas pernas fracas. Lion percebe que chegou a nossa

despedida, e se põe de pé.

Consigo ler pela sua expressão o desagrado, ele não faz questão de

esconder isso.

— Eu preciso ir, esqueci que marquei de encontrar uma amiga —

explico.
Remexo os pés inquieta, e Lion enfia as mãos nos bolsos da calça da

mesma forma.

— Eu entendo — responde e olha o relógio de pulso. — Se passou

muito tempo desde que nos sentamos para tomar um café.

Solta uma risada, e ele sobe os olhos para encontrar os meus.

— Posso te acompanhar até seu carro? — pergunta, e não consigo

dizer não, nem quero.

Estamos prolongando o fim da despedida.

— Pode, sim — respondo.

Só pede que eu aguarde uns minutos para pagar o nosso café,

inclusive insiste em pagar os anteriores que tomei antes de ele chegar.


Uma brisa gelada passa com força por nós dois quando saímos do

café, e como forma de proteção do frio, me abraço, me arrependendo de não

ter pego o casaco no carro antes de descer para tomar café, mas tenho sorte

por não estar chovendo.

Andamos em passos lentos até meu carro estacionado a uma

distância consideravelmente longa do café. Passamos os poucos minutos em

um silêncio respeitador, longe de ser desconfortante.

— Chegamos — digo, acionando o alarme para destravar as portas.

Me viro para ficar de frente para ele, sem saber como me despedir.

— Obrigada pelo convite — digo sorrindo, levo as mãos às mechas

do cabelo, os prendendo atrás da orelha.


— Eu que agradeço. Foi bom te ver, Ariela, e passar esse tempinho

com você — Lion é sincero e direto nas palavras, sempre me pegando de

jeito, sem saber como reagir.

— Para mim também — confesso. — Então, a gente se vê por aí.

Ele sorri, concordando.

— Seja eu segurando você para não cair ou em reencontros normais.

— Dou risada concordando.

Me aproximo dele para abraçá-lo, e seus braços me puxam para colar

nossos corpos. Suspiro, seu aconchego me remete a sensação de lar. Fecho

os olhos por alguns segundos para eternizar o sentimento. Lion encosta o

queixo no topo da minha cabeça por leves instantes antes de descer a cabeça
e descansar na curva entre meu ombro e pescoço, envolvendo os braços

ainda mais em mim, num abraço caloroso e cheio de significado.

É um custo para me afastar dele.

— Tchau — me despeço, e me inclino para deixar um beijo no seu

rosto, percebendo bem tarde que era a mesma intenção de Lion, não nos

dando tempo de recuar.

Nossos lábios se encontram em um toque singelo e rápido, nos

afastamos em choque e sem jeito, e antes que percebamos, estamos rindo

com a leveza do nosso embaraço e inocência.

Não fica desconfortável a cena, é somente simples por sermos pegos

de surpresa, justo em um momento que estamos começando a criar uma

amizade entre nós.


Ainda sorrindo, Lion se inclina para abrir a porta para eu entrar.

— Tchau! E se cuida, por favor — pede, e fecha a porta quando me

acomodo no banco do motorista, recebendo o calor reconfortante que está

dentro do carro.

Abro a janela um pouco apenas para acenar, sentindo o desconforto

da despedida. Ele acena de volta, e espera que eu saia do estacionamento e

vá embora, antes de caminhar para o lado oposto do meu.

É com a imagem de Lion pelo retrovisor sumindo aos poucos, e

tocando meus lábios de leve com os dedos, que sinto a tristeza e solidão

pousar em mim, me lembrando que não temos mais volta.


Lion

Terça-feira, 21 de novembro de 2029

Depois do reencontro que tive com Ariela há alguns dias, várias

vezes fiquei perdido em pensamentos, preso a ela. Minha vida nos últimos

dias foi resumida a trabalho e ter Ariela exclusivamente tomando minha

mente.

E por mais que eu tente, não consigo parar de pensar nela. Tivemos

uma tarde boa, mesmo com um pouco de tensão no início, os assuntos


delicados, mas só por estar na presença dela tudo é deixado de lado.

Estou sentado na minha cadeira, no escritório que eu tenho na

empresa de Eros. Tenho o meu cargo como contador do Grupo Empresarial

Giordano, fora alguns clientes renomados na minha lista, ganho bastante

dinheiro com todos eles.

A vista da minha sala é espetacular. Através da parede de vidro,

consigo ver o movimento lá embaixo, a agitada cidade de São Paulo.

Levanto os olhos para o céu em tons de azul claro, que por milagre

está sem nuvens carregadas hoje.

Enquanto foco em uma nuvem específica, repasso pela mente como

foi encontrar Ariela naquele café. Estava entrando no local, não prestei
muita atenção em ninguém, só queria um quente e bom café capaz de

aliviar o frio que estava fazendo no dia.

Mas antes que eu pudesse me aproximar do balcão, em questão de

segundos, a mulher que estava de costas para mim se desequilibrou, e não

pensei duas vezes em tentar ajudá-la.

O tombo que ela levaria seria grande se eu não tentasse impedir.

Porém, não estava preparado para ver que se tratava de Ariela. Minhas

mãos tocavam a única mulher que fui capaz de amar na vida.

Ficamos surpresos, eu não esperava encontrar com ela em São Paulo,

um lugar improvável por ser uma cidade enorme. Mas lá estava ela, me

encarando com seus olhos azuis arregalados.


Ela estava divinamente linda. Percebi que os anos só favorecem sua

beleza, agora fica difícil apagar da mente cada traço, a postura e o

encantamento.

Fiquei nervoso, a ansiedade me causou dor na barriga, o frio no

estômago era capaz de gelar até mesmo minha coluna. Mas logo veio o

calor, que acelerou as batidas do meu coração e deixou as minhas mãos

suadas.

Não esperava que fosse aceitar meu convite para ficar e tomar um

café comigo. Meu Deus, não conseguia ficar mais de um minuto sem olhá-

la, era um vício, intenso demais.

Eu só tinha notícias de Ariela pelas suas redes sociais, já que a

seguia. As únicas coisas capazes de aquietar o meu coração e a saudade.


— Terra chamando Lion — escuto, em seguida, dedos estalam a

frente do meu rosto, me acordando para a realidade.

Olho para cima, vendo Eros me encarar curioso, com um leve vinco

na testa.

Me ajeito na cadeira, a girando para estar de frente para ele.

— O que foi? — questiono. Geralmente Eros não costuma

comparecer à minha sala se não for muito urgente. — Precisa de alguma

coisa?

— Não — responde. — Estou somente tentando descobrir o que está

rolando — explica, franzo a testa sem entender o que está dizendo.

— Como assim?
— Tem alguma coisa estranha com você — pontua. —

Primeiramente, chegou na empresa e não apareceu na sala de nenhum dos

caras para fazer piadinhas ou provocar, em dois dias seguidos.

Simplesmente passou direto para a sua sala, agora entro aqui e te encontro

desse jeito.

— Bah — pronuncio. — Não aconteceu nada demais — afirmo,

levantando da cadeira e indo até a ponta da vidraça, para então olhar para

ele.

— Tem certeza? Sua cara me diz o oposto — declara direto.

Aquiesço, temendo que Eros seja capaz de me ler agora, como tem o

dom de fazer.
Ele bufa, não levando o que eu disse a sério, porém não questiona

novamente.

— Seja lá o que estiver acontecendo, tenha em mente que para tudo

tem uma solução, ficar remoendo é pior — fala. — É bem melhor perder o

tempo procurando uma resposta para o problema do que pensando no

tamanho da dificuldade.

Sempre pragmático. Para Eros tudo tem uma solução.

— Sugiro que melhore essa cara, daqui a pouco os outros aparecerão

por aqui prontos para te questionar o motivo que te fez ficar estranho.

Dou risada.

Consigo até mesmo enrolar um, mas todos juntos fica difícil de

manter a mentira. O vejo andar até a porta, lembrando que se não fosse pela
insistência dele, eu teria simplesmente abandonado a faculdade e me

perdido no caos que estava minha vida naquela época.

Eros lutou para que cada um dos seus amigos fosse até o fim e nos

trouxe para cá, nos garantindo uma melhoria na vida. O crescimento

profissional que todos nós precisávamos.

Gustavo e Elena educaram tão bem o filho, ensinaram o significado

de irmandade e amizade, Eros discordaria de mim, mas no fundo, sabemos

o quanto sua fidelidade para com alguém o faz ser capaz de atravessar

qualquer coisa e que desistência não está no seu vocabulário.

E hoje ele tem tudo o que sonhou. Mesmo sendo milionário, nunca

deixou que o dinheiro subisse para a cabeça, continuou com a mesma

humildade que seus pais.


Além de ser o presidente do grupo empresarial, é casado com uma

mulher que ama para caralho, foi capaz de passar por cima do seu medo e

orgulho para ir atrás dela, e hoje juntos, têm uma filha linda, fruto do amor

dos dois.

Nunca me peguei imaginando estar casado, não depois de Ariela,

parecia que nada fazia sentido. Mas agora reencontrando com ela, vendo

meus dois amigos casados e com família formada, a imagem na minha

mente não se desfaz.

O desejo de construir a vida ao lado da pessoa que amo me atinge

com força, e só consigo desejar isso com Ariela, e as chances de acontecer

são quase nulas. Estamos com vidas opostas.

Mas continua não fazendo sentido mentalizar isso com outra pessoa.
Eros não tem nem a chance de sair da minha sala, pois é impedido

quando a porta se abre, a euforia de Gabriel sendo empurrado por Natan

para entrar é algo engraçado de se ver. Dimitri vem logo atrás, e Artho é o

último a chegar.

Sabemos que minha paz foi embora quando todos começam a falar

de uma vez.

— Vai, diz logo o que aconteceu — Artho interroga.

— Eu te avisei — Eros declara para mim e aperta a base do nariz

impaciente.

— O quê? — Natan parece confuso.

— Não aconteceu nada, só estou atolado de trabalho — explico.


Dimitri semicerra os olhos em minha direção, desconfiado.

— Se alarmaram à toa. — Dou bem ombros ao dizer. — Não passar

na sala de cada um antes de começar o meu dia não significa que aconteceu

alguma coisa.

— Significa, sim! — Gabriel retruca. — Todo dia Eros manda eu me

foder, ou Dimitri desfere palavrões incompreensíveis para mim, até mesmo

quando não faço absolutamente nada.

Reviro os olhos com o drama do Bibi. Ele caminha até o sofá que

recebo alguns clientes, se jogando despreocupadamente no estofado.

— Sem contar Artho e Natan, não preciso citar a rotina de ofensa

deles em relação à minha pessoa — declara. — Sou tão amável com todos e
recebo em troca palavras cruéis e desalmadas. — Ele solta um suspiro

dramático.

Olhamos uma para o outro, caindo na gargalhada logo em seguida.

— Eu acho que você se formou na profissão errada — Artho

comenta. — Por que não fez teatro?

— Não daria certo — nego, entrando na provocação. — O ego dele e

a cara de pau seriam grandes demais para qualquer papel, e sabemos que

Gabriel gosta de atenção, seria egoísta por não querer dividir com os

colegas atores.

Concordam comigo, e Gabriel levanta o dedo do meio em minha

direção.

— Filho da puta — xinga.


Sento na ponta da mesa, sorrindo, e olho para o rosto de cada um dos

meus amigos.

— Eu sei que estão preocupados, mas juro que não aconteceu nada

— garanto, tentando soar o mais natural possível. — Prometo que amanhã

eu atormento o dia de vocês.

Seria um drama, e vários questionamentos se soubessem que

encontrei com Ariela por acaso, e que a diaba está causando o inferno na

minha cabeça.

Eles assentem e parecem relaxar. Não foco meus olhos em Eros ou

em Dimitri, que parecem ler algo de errado no meu rosto.

Eles ficam na minha sala por mais alguns minutos, então consigo

fazer com que Artho seja o assunto por ora. Seu casamento é no fim de
semana, e sei como as coisas estão corridas. Meu amigo não consegue

esconder a ansiedade.

Um sorriso enorme de felicidade está estampado na face dele.

— Espero que Nicolas e Angel não coloquem fogo na festa — Natan

comenta, e dou risada.

— Como duas criaturinhas de dois anos e um ano conseguem causar

tanto? — questiono.

— Aqueles dois vivem brigando — Eros solta um suspiro longo e

divertido. — Não podemos deixá-los um segundo a sós.

— Bananinha faz o Nicolas de gato e sapato. Ela é mandona como

Raquel — concordo com a fala de Dimitri.


— Dois gênios difíceis de lidar dentro da mesma casa — Eros

declara, sua expressão é séria e de desagrado, mas sei que isso não passa de

uma falsa faceta.

— Não vem com essa, meu amigo — Gabriel provoca. — Você é um

cachorrinho na mão das duas.

Gabriel desvia do soco que Eros ameaça dar nele com uma falsa

fúria, e dou risada.

— Assim como Artho também. Não enganam ninguém — Bibi

continua com a provocação e levanta correndo em direção à saída quando

Artho vai em direção ao nosso amigo.

Ainda consigo escutar a gritaria dos dois pelos corredores, antes do

silêncio voltar. O pessoal que trabalha na empresa já está acostumado com a


bagunça que somos capazes de fazer, às vezes.

Natan vai embora também, assim como Eros, Dimitri é o último a

sair da sala, ele me encara, esperando que eu diga alguma coisa. Não queria

esconder dele sobre Ariela, mas sabemos que é um fato que o faz recordar

de Giulia, e prefiro deixar as coisas como estão.

Quando estou sozinho na sala e o silêncio volta a fazer parte da

minha manhã, eu me sento de novo na cadeira, pegando meu celular em

cima da mesa, indo à procura do perfil de Ariela no Instagram.

Seu nome está no topo das pesquisas, não preciso do trabalho de

digitá-lo. E olho as mesmas fotos que Ari tem postadas no perfil, já perdi as

contas de quantas vezes olhei cada uma, dando zoom para ver seu rosto

sorridente de perto.
Pareço amar a tortura que causo a mim mesmo em vez de só

esquecer, porém, não sou tão forte assim. Pelos seus stories, vejo que ainda

se encontra na cidade, e o passo que tomo a seguir é sem pensar muito.

Entro no seu direct e digito uma mensagem, enviando logo em

seguida. Uso a coragem que me possui para convidá-la para almoçar. Meu

coração está aos pulos, torcendo para que a notificação com o meu nome

chame sua atenção.

O martírio de não ter um retorno vai me consumir por inteiro, o

desejo de apagar a mensagem vem com gosto, e quando decido fazer isso

depois de vários minutos de espera, a vejo visualizar a mensagem, e o

desespero de ser pego esperando sua resposta me faz sair depressa do direct.

Não posso parecer ansioso pela resposta, mesmo que esteja, Ariela

não precisa saber disso. O coração fica agitado, esperando a notificação,


consigo contar até cem até receber a mensagem.

Meu coração falta sair pela boca quando leio sua confirmação de que

aceita o convite, me perguntando logo em seguida o endereço, e que horas

deve me encontrar no local.

Sorrio feito um bobo.

A relação entre mim e Ariela não passará de amizade, a forma mais

segura de seguirmos tendo contato, mas o fato é que passar qualquer tempo

ao lado dela é de grande importância para mim, e não quero abrir mão

dessas oportunidades por medo do que pode acontecer depois.

Como Eros disse, preciso focar em encontrar uma solução e não

pesar a cabeça com os empecilhos e dificuldades que fazem parecer que o

problema é grande demais.


Passo toda a informação para ela, e garanto que entendeu, antes de

me levantar e pegar minha carteira e chaves do carro na gaveta, logo saindo

da minha sala.

Não encontro nenhum dos meus amigos no caminho, e respiro

aliviado por chegar no subsolo do prédio, entrar no carro sem topar com

eles.

Dirijo para o outro lado da cidade e chego no restaurante bem antes

do horário combinado com Ariela, não fico surpreso quando entro e a

encontro sentada numa mesa mais de fundo, perdida em pensamentos.

Sempre pontual.

Cumprimento o atendente que me atende, e aviso que minha

companhia já está à minha espera. Recebo a resposta de que logo seremos


atendidos e agradeço, caminhando em direção a ela.

Meu coração bate acelerado, e tento acalmá-lo no compasso do meu

andar, porém não tenho tempo o suficiente, pois paro ao lado da mesa e

recebo a atenção de Ariela, seus olhos azuis focam em mim, abrindo um

sorriso singelo.

— Oi — me cumprimenta quando se levanta, e o nosso abraço dessa

vez é algo rápido, sem embaraço ou beijo surpresa.

— Oi — respondo e deixo um beijo no seu rosto.

Ela aparenta estar um pouco nervosa pela forma como vejo sua mão

trêmula ao se apoiar na mesa para voltar a se sentar. Nós dois estamos

nervosos, não quero que isso atrapalhe o clima.


Puxo a cadeira para ela sentar novamente, e quando garanto que está

bem acomodada, dou a volta e me sento à sua frente. Seus olhos atentos a

mim o tempo todo.

— Como está? — pergunto, puxando um assunto leve, que possa

descontrair de início. — Está gostando da sua estadia na cidade?

Ela abre um sorriso capaz de me desmontar e ficar hipnotizado nele,

presos em seus lábios rosados e carnudos.

— Estou bem! Estou gostando, não tive tempo de conhecer muita

coisa ainda, a única pessoa que conheço aqui não tem o tempo todo livre

para mostrar os pontos turísticos de São Paulo.

— Uma pena! Tem lugares que dá pra conhecer, mas com calma e

paciência, você irá adorar conhecer alguns pontos históricos daqui — digo,
recebendo seu interesse em troca.

Ariela sempre foi apaixonada por coisas históricas, a nerd que

habitava dentro dela vibrava com a descoberta de histórias antigas que ela

ainda não tivesse conhecimento.

Ela me faz contar todos os lugares que eu achava que ela iria amar

conhecer antes de voltar para Itália. Me pego contando detalhes de algumas

viagens minhas por alguns países, ela vai escutando tudo com uma

curiosidade aflorada, fazendo perguntas, totalmente interessada nas

experiências que tive durante o ano que viajei. 

E quando é a sua vez de me contar tudo que fez nesses anos depois

da França, os lugares que visitou, enfatizando o quanto amava sua profissão

por privilegiá-la e dar oportunidades de conhecer tantas coisas, escuto tudo

fascinado.
Sua empolgação em me explicar a importância do que aprendeu para

ajudar no crescimento do vinhedo, só me traz ainda mais orgulho dela.

Ela foi atrás do seu sonho, se dedicou e batalhou para isso, e parecia

satisfeita com tudo o que conquistou.

Me pergunto se ela, assim como eu, sente que ainda falta alguma

coisa para poder enfim se sentir realizado.

Passamos horas conversando. Almoçamos e ficamos tomando vinho

enquanto nossa conversa desenrolava por muitas direções. Estava tão

gostoso estar na sua presença, que não queria ir embora logo.

Então a convidei para conhecer o Sampa Sky. Ela não tinha ido ainda

e queria que tivesse uma experiência legal. Ariela preferiu me seguir até o

local no seu próprio carro, em vez de ir comigo.


Foi uma decisão racional a se tomar, porque não sabia se teria algum

controle se tivesse Ariela no banco ao meu lado, dentro do carro, onde tudo

se intensificava.

Levamos mais de uma hora para poder chegar na parte central de

São Paulo, pois o trânsito estava horrível. Passei a viagem toda olhando

pelo retrovisor para garantir que Ariela me seguia.

Estacionamos o carro próximo ao prédio onde se encontra o Sampa

Sky, e andamos até o local. É uma atração bem visitada e costuma lotar

muito. Tive sorte de encontrar ingressos para nós dois para o horário no

final da tarde.

— Vim algumas vezes com os rapazes, a vista de cima é incrível —

comento para Ari, que olha para cima, observando a altura do prédio. Com

seus olhos curiosos, dava para sentir sua animação.


Apoio minha mão na base da sua cintura quando entramos no prédio,

e a levo direto para o elevador, que daria no andar no deque de observação.

— Quantos andares? — questiona, atenta ao painel do elevador.

— São quarenta e dois andares de um arranha-céu, com chão e

paredes de vidro que nos dão uma visão espetacular da cidade — explico, e

antes de apertar o botão do andar, me viro para Ari. — Se tiver com medo,

podemos cancelar, não vejo problema.

Ela nega rapidamente com a cabeça, abrindo um sorriso.

— Claro que não, estou curiosa, é só isso — garante, me passando

sinceridade.

Eu seguro sua mão sem pensar muito, e aperto o botão no painel,

fingindo que não sinto os olhos de Ariela em mim por causa do meu toque.
É claro que estou me aproveitando da situação e estou pouco me fodendo

com isso, só a quero perto de mim, seja do jeito que for.

Conto a ela como foi a experiência da minha primeira vez no local, a

emoção surreal de ter a vista da cidade de cima, como se estivesse

flutuando, e fico me sentindo todo bobo por estar com Ariela na sua

primeira vez no local.

Quando chegamos ao local, havia algumas pessoas na fila para entrar

no cubo feito de quatro camadas de vidro, projetada para o lado de fora do

prédio, tudo bem planejado para causar uma experiência incrível a cada

pessoa.

Preferimos andar pelo ambiente que tem outras áreas para poder tirar

fotos, olhar a vista através das paredes de vidro.


— É tão alto — Ariela ofega quando chega próximo ao vidro,

olhando toda a cidade de um dos prédios mais altos da capital.

Me pego apreciando seu sorriso impressionado, cheio de alegria.

— É lindo, Lion — continua dizendo ao virar a cabeça para mim

com os olhos brilhando e emocionados.

Aperto de leve sua mão ainda entrelaçada nas minhas sem saber

como responder, só querendo ouvi-la.

— Como podem existir criações tão extraordinárias assim? —

questiona, sem esperar uma resposta de fato.

Bom, me faço essa mesma pergunta toda às vezes que a olho, mas

não posso responder isso, não quero estragar o nosso momento.


— Você não tem noção de como Natan se sentiu quando chegamos

aqui em cima — digo, dando risada. — Parecia uma criança com brinquedo

novo.

— Ele se formou em Engenharia Civil, né? — assinto para responder

à sua pergunta.

— Ele é apaixonado por essas coisas — declaro, fazendo um gesto

com a mão, indicando todo o lugar. — Não entendo nada.

Escuto sua risada e quando joga a cabeça para trás, o movimento

balança seus cabelos.

— Só dava Natan nos contando coisas que somente ele entendia,

como a estrutura, o que usaram para formar e manter a plataforma de vidro


— sorrio ao lembrar de como ele nos envolvia na sua admiração e

conhecimento.

Não é à toa que está entre os engenheiros mais famosos da cidade e

redondezas, procurado por muitos para projetar, executar obras e

empreendimentos incríveis.

Estamos a cento e cinquenta metros do chão, foi um projeto

inspirado no Sky Deck de Chicago, e a cabine com chão de vidro foi um

sucesso no Brasil também.

— Muito impressionante essa criação — concorda. — Acho que eu

iria amar escutar as explicações do Natan.

Aquiesço concordando, com certeza iria mesmo, porque tudo gera

curiosidade em Ariela, interessada em conhecer tudo ao seu redor. Essa


mulher é uma inspiração.

Após algumas voltas pelo deck, a fila estava menor, entramos nela

para aguardar a nossa vez de subir a plataforma de vidro e apreciar de

dentro do cubo a vista da cidade.

Tenho vontade de rir todas as vezes que Ariela se segura para não

dar pulinhos eufóricos, à medida que nos aproximamos da nossa vez, cada

pessoa tinha um minuto e meio para aproveitar.

Assim que chegou a nossa vez, fui praticamente puxado por Ariela,

sua ansiedade era grande demais. Estava com o coração acelerado ao subir

na plataforma, e olhar para baixo me deu a sensação de estar flutuando no

ar.
— Uau! — expressa ela, tocando o vidro, encantada ao olhar a vista

toda.

Para mim já não havia tanta graça por ter vindo aqui outras vezes,

mas a reação de Ariela tornou tudo diferente, me fazendo olhar pelos olhos

dela como se fosse a primeira vez de novo.

— Parece mágico — diz, levantando o rosto para olhar o céu.

Os tons alaranjados no horizonte do pôr-do-sol antes do escurecer, o

contraste da cor com o azul do céu e as poucas nuvens, nos dão uma

paisagem especial.

— Quer que eu tire uma foto sua? — pergunto.

Quero registrar esse momento, para lembrar daqui por um tempo e

como foi incrível esse dia, recordar de cada emoção que sentiu, e
principalmente, lembrar com quem estava.

Eu sei que nossa vida vai continuar seguindo outros caminhos, e

mesmo que um dia Ariela se case, construa a própria família, não quero ser

uma parte esquecida do passado, quero ser uma lembrança feliz, uma que

fez parte de momentos marcantes, como esse.

Porque eu sei, que independente de como ou onde esteja daqui a

vários anos, Ariela nunca será uma parte esquecida da minha vida.

Minha garganta está travada pela emoção, preciso abaixar a cabeça e

respirar fundo enquanto espero ela se posicionar no canto do cubo para tirar

a foto.

Com o meu celular no ângulo certo, pronto para capturar a foto, a

vejo sorrir, dando tudo de si, expondo sua felicidade, me atingindo com
uma dor na boca do estômago.

— Espera um segundo — peço e me aproximo dela, retirando da

frente do rosto uma mecha de cabelo.

Meu toque inesperado projeta uma reação eletrizante em Ariela com

a nossa proximidade. Ela ofega, e vejo pelo seu pescoço a pele arrepiada.

Meus olhos vão para o seus, os encontrando presos no meu rosto.

É automático quando desço meus olhos para sua boca entreaberta

pela respiração levemente irregular. O desejo aflora no meu corpo, a ânsia

possuindo cada célula dentro de mim implorando para que a beije, sem

pensar muito no depois.

Toco seu rosto, meu polegar descendo pela pele da sua bochecha,

nossos olhos vidrados, incapazes de cortar o encanto. Mas tenho medo de


fazer qualquer gesto e acabar com a magia.

Eu sinto como se estivéssemos a sós ali, tudo sumiu. O ponteiro do

relógio parou para eternizar o nosso momento, o próprio vilão dele mesmo.

Mas, como toda magia tem seu fim, escuto a voz do controlador do tempo

nos informar que já passou um minuto e que nosso tempo está acabando.

Pisco algumas vezes para recobrar a sensatez, dando passos para trás

e volto a posicionar o celular para a foto. Ariela parece aérea com o que

acabou de acontecer, e tenta voltar à compostura, o nervosismo a impede de

relaxar.

Mas mesmo assim ela volta a fazer pose, tiro algumas fotos, sentindo

tremores nas mãos, lutando para fazer bons cliques. Ela agradece e se vira

para a visão da cidade novamente para contemplar a vista pela última vez.
Sem que esteja ciente, aproveito o momento que está distraída para

tirar mais uma foto dela, que sai tão natural, sabendo que essa se tornaria a

minha preferida.

— Obrigada por me trazer aqui — ela agradece quando paro ao seu

lado. Meus olhos não conseguem desviar dela, diferente de Ariela, que

parece sem jeito de voltar a me encarar. — Com certeza esse vai se tornar

um dos meus lugares favoritos do mundo.

Ela abre um sorriso tímido e lentamente vira o rosto em direção ao

meu.

— Nunca vou esquecer — declara.

E pela forma que enfatiza as palavras, o poder que transcende delas,

e como seus olhos brilhantes me olham, tenho certeza que assim como eu,
Ariela é incapaz de me apagar da sua vida.

Seremos memórias eternas um do outro, até quando não tivermos

mais contato, vivenciando outras fases da nossa vida.

Talvez o para sempre seja apenas as boas lembranças vividas com a

pessoa amada.

Está de noite quando saímos do prédio, o silêncio perdura, esperando

a despedida mais uma vez. Meu corpo parece estar anestesiado do dia com

Ariela, principalmente pelos sentimentos que ainda sinto, acendendo tudo

novamente.

Andamos até o estacionamento onde estão os carros, penso em um

jeito de impedir que o nosso dia acabe assim.


— Está com fome? Podemos comer algo, se quiser — sugiro,

avistando os nossos carros ficarem mais perto conforme caminhamos.

O fim mais perto do que nunca.

— Sim, morrendo de fome — diz com um tom divertido na voz. —

Queria aceitar seu convite, mas tenho um compromisso me esperando.

Ela dá de ombros, parecendo sentir muito por negar.

Sinto o ciúmes esquentar meu corpo.

Que tipo de compromisso ela tem? Minha mente grita a pergunta, me

dando respostas ainda piores e agonizantes de se imaginar.

Talvez ela tenha algum encontro ou algo do tipo, Ariela é solteira e

linda, tem todo o direito de ficar com quem quiser. A raiva me corrói por
dentro só de imaginá-la nos braços de outro homem, tendo tudo dela, tudo o

que mais desejo nesse momento.

Mas a diferença é que não é um desejo que pode ser satisfeito

momentaneamente, não, é um desejo que me consome por dentro, de querê-

la pelo resto da vida, sem impedimentos dessa vez, só nós dois.

— É um encontro? — não consigo segurar a pergunta, nem a

curiosidade.

Ariela me olha, levantando uma sobrancelha, me questionando.

— O seu compromisso é um encontro? — repito a pergunta sendo

mais claro dessa vez, o tom de voz saindo mais duro do que o esperado.

Paramos ao lado do seu carro e a demora de Ariela em responder é

torturante. Ela faz tudo isso olhando meu rosto, apertando os lábios,
provavelmente procurando motivos para a minha curiosidade.

Ela balança a cabeça de um lado para o outro, negando. Fico sem

entender se está respondendo à pergunta, ou se é uma reação incrédula à

minha ousadia.

— Não é um encontro — responde calmamente. — Eu marquei de ir

com a minha amiga e a filha dela ao cinema, não quero me atrasar ou

desmarcar, a garotinha ficaria triste.

Meu corpo relaxa aliviado, e não consigo esconder o sorriso com a

informação.

— Podemos marcar para outro dia, talvez — sugere outra opção. —

Vou embora no sábado.


A ideia de imaginá-la indo embora não me agrada muito, é como se

eu pudesse sentir a mesma sensação de perda, mesmo não tendo nada entre

nós dessa vez.

— Claro — concordo prontamente. — Sexta à noite tem algum

compromisso?

— Acabei de arrumar um — declara decidida, então sorrio.

— Decidido! Temos um jantar na sexta então — confirmo, pensando

no que poderia fazer para que tudo seja perfeito no dia.

Não poderia ser um encontro para Ariela, é só um jantar entre

amigos, embora eu esteja levando o convite a sério demais.

— Eu preciso ir agora — fala com seu tom de despedida. — Nos

vemos na sexta à noite?


— Com certeza — não consigo esconder a satisfação de saber que

nos encontraremos mais uma vez.

Ela sorri se colocando na ponta dos pés para beijar meu rosto, dessa

vez garantindo que fosse no lugar certo. Dou risada, sendo acompanhado

por ela.

Ariela destrava o carro e entra, aceno uma despedida quando sai da

vaga para ir embora, recebendo um sorriso tímido de volta.

Agora eu tenho a missão de fazer com que seja um dos melhores, se

não o melhor, jantar que Ariela já teve, tudo do jeito que merece.

Eu só não a informei que meus planos consistiam no jantar ser na

minha casa para não ter a chance de receber uma recusa.


Ariela

Sexta-feira, 23 de novembro de 2029

Lion só me informou hoje pela manhã que o jantar seria na casa dele.

No mesmo instante, senti o friozinho na barriga e o nervosismo me

tomarem.

Enquanto dirijo até a residência, sei que essa sensação não era

somente pelo fato de estar com ele, mas também por ser um período longo e
na casa dele, onde estaríamos a sós, com a possibilidade de rolar algo entre

nós dois.

Ao mesmo tempo, me agradava conhecer sua casa, ver um outro

lado dele. Adulto, independente, morando sozinho na própria casa.

Giulia ficou perguntando sobre o encontro que eu teria com um certo

alguém misterioso, e foi preciso enrolá-la na conversa, não quis contar que

o mistério todo era por se tratar de Lion.

A semana que passei com a minha amiga foi muito especial, pude

conhecer ainda mais Diana, fizemos várias coisas juntas. Inclusive li o livro

de romance que Giulia escreveu, se baseando na história dela com Dimitri.

Perfeito era pouco para descrever o livro. Fiquei indignada ao saber

que o manuscrito estava dentro de uma gaveta, pegando poeira, porque


minha amiga não teve coragem de sair distribuindo nas editoras, por medo.

Tirei várias cópias do manuscrito maravilhoso e sai entregando em

várias editoras, inclusive na de Eros Giordano, mesmo Giulia repetindo

diversas vezes que as chances de lerem e publicarem fossem nulas.

Eu pensava o contrário, tinha fé o suficiente por nós duas. Uma hora

daria certo, só torcia para que fosse logo.

Minha entrada no condomínio de luxo onde Lion mora é liberada, e

a ansiedade me atrapalha a manter uma respiração regular. Devo ter secado

o suor das minhas mãos diversas vezes no vestido.

O lugar em que ele reside não me surpreende, sabia que era bem-

sucedido. As casas enormes e chiques, todas com o mesmo padrão,


mudando apenas poucos detalhes e as marcas dos carros nas garagens. O

condomínio parece ser calmo e tranquilo.

O lugar grita dinheiro, muito dinheiro. Para morar aqui a pessoa

precisa ser muito rica.

Paro o carro na frente da casa de Lion, olho a localização e o número

da residência para garantir que estou no lugar certo. Me permito ficar

alguns minutos ainda no carro para me acalmar. Hoje é o último dia que o

verei antes de voltar para a Itália, e já imagino que será difícil.

Eu amei os momentos que passamos juntos. Nossas conversas eram

tão naturais e divertidas, foi doloroso saber que nada mudou entre nós dois,

que podíamos ser os mesmos. Machuca ser algo temporário e eu não saber

quando o verei de novo.


O quase beijo no Sampa Sky tinha tudo para acontecer, nossos

corpos gritavam pelo toque, pelo calor que nos acendia quando nos

amávamos.

Saudades do que vivemos, me triste porque é impossível voltarmos a

ficar juntos.

Desço do carro, arrumando a saia do vestido, que gruda no meu

corpo. Pego o casaco, o frio da capital sendo cruel, e a bolsa. Ando pelo

caminho de pedras até a porta de entrada e toco a campainha.

Jogo os cabelos para trás, soltando de trás da orelha as mechas da

frente, os fios ondulados emoldurando meu rosto, e aguardo. Lion não

demora para abrir a porta, foi o prazo de me ajeitar, e lá está ele.


Vestindo um conjunto social preto, com direito a blazer e sapatos

bem engraxados. Lion abre um sorriso ao me ver, fazendo a mesma

inspeção que fiz nele, sei que o agradei quando ouço um suspiro longo.

— Você está divina — elogia e se aproxima, deixando um beijo no

meu rosto.

— Obrigada — agradeço, olhando agora o seu rosto mais de perto.

Consigo sentir seu nervosismo também, seu olhar me faz esquecer

completamente como se anda quando me convida para entrar. Foi preciso

colocar minha mão em seu braço para ser guiada.

Fico impressionada quando paramos no hall de entrada, e vejo a

imensidão que é sua casa. Mesmo observando o interior do lugar, não

consigo acompanhar tudo.


Sinto quando as mãos de Lion retiram o casaco que pousa em meus

ombros o colocando pendurado no gancho ao lado da porta.

— Por aqui — Lion pede, a palma da sua mão na minha coluna, me

dirigindo na direção correta.

Ele estende a mão para pegar minha bolsa, quando a entrego, Lion a

coloca no seu enorme sofá bege. Seguimos em direção à cozinha. Não

tenho noção nenhuma do tamanho que é esse cômodo, mas deve ter o

tamanho do meu apartamento na Itália.

O cheirinho bom de tempero, especificamente de algo sendo cozido,

toma todo o ar.

— Se importa de ficarmos aqui enquanto termino de fazer o jantar?

— questiona sem jeito, coçando a nuca. — Tive um contratempo no


trabalho que atrasou todo o meu cronograma.

Dou uma risada, sentindo a leveza me relaxar.

— Não me importo — digo, andando até a bancada para me sentar

em um dos banquinhos. — Não sabia que cozinhava.

Fico bem impressionada em descobrir isso. Na época em que

namorávamos, Lion não se arriscava muito na cozinha, mesmo que

soubesse se virar, às vezes.

Ele sorri, dando a volta pela bancada em direção ao fogão para

mexer em algo na panela.

— Aprendi algumas coisas com a minha mãe, outras na internet —

dou risada quando escuto a confissão. — Às vezes ligo para ela pedindo

ajuda com alguma coisa.


Sorrio ao perceber a naturalidade de Lion ao se referir a Clarice, a

forma que conta tudo não demonstra que um dia houve mágoa no passado.

Sei que deve ter sido um caminho e tanto para chegarem a uma relação

saudável de mãe e filho.

— Pelo jeito, aprendeu bem, o cheiro está muito bom — elogio,

então ele vira se aproximando da bancada para apoiar os cotovelos

enquanto me encara.

— Não pode me elogiar antes de saber se o gosto é bom — brinca,

me tirando uma gargalhada. — Deseja tomar alguma coisa?

Assinto, pedindo um vinho. Ele vai em direção ao armário, pegando

duas taças, retirando uma garrafa de vinho de dentro da geladeira.


— Desculpa, estou sendo um péssimo anfitrião, juro que planejei

fazer tudo certo — pede, descontente, e acho graça do seu embaraço.

— Não precisa se desculpar, você sabe que gosto da simplicidade,

nada exagerado demais ou forçado — respondo, aceitando a taça com

vinho.

Seus olhos encontram os meus, anuindo. O brilho em suas pupilas

me diz muito mais que apenas o gesto de cabeça. Lion é a única pessoa que

me conheceu por completo um dia, nem mesmo minha mãe foi capaz.

— Eu sei, mas queria que essa noite fosse incrível para você —

declara. Sua sinceridade e tom de voz rouco me deixam inquieta no banco,

sem jeito.

Mas não desvio o olhar dele.


— Está sendo incrível, Lion, só quero que seja você mesmo — peço.

— Isso eu sempre fui — sussurra, sua língua passando pelo lábio

inferior, não para me provocar, mas o gesto chama minha atenção.

Tenho medo que o álcool misturado ao meu descontrole por estar

com Lion me faça fazer alguma besteira. Ele se afasta para voltar ao fogão,

e de costas, consigo recuperar a postura.

Nunca achei que fosse achar tão sexy ver Lion cozinhando um dia,

ainda mais sendo especialmente para mim. Os músculos dos seus braços e

ombros se contraem toda vez que mexe ou corta alguma coisa.

Lion se vira para mim novamente, e finjo estar mexendo a taça para

degustar o vinho. Não poderia exagerar na bebida, iria dirigir de volta para

a casa de Giulia, não queria ser negligente.


Faço movimentos circulares para agitar o vinho para que o aroma

possa ser desprendido e levo a borda da taça até o nariz, para apreciar o

aroma.

Fecho os olhos respirando fundo, analisando os compostos que

fazem parte da preparação da bebida e degusto o primeiro gole, o sabor

dança pela minha língua, apurando a células capazes de sentir a delícia do

líquido.

Escuto um resmungo baixo que pareceu ser um palavrão e abro os

olhos assustada, encontro Lion me encarando, os olhos fixos em mim,

atento a toda a cena que protagonizei para apreciar a bebida.

Sua expressão me surpreende. Seus olhos mudam de cor e as pupilas

estão dilatadas, observo quando aperta a alça da concha em sua mão e se

remexe inquieto, e antes que eu consiga visualizar sua calça,


descaradamente para região do seu pau, ele se vira em direção ao fogão

novamente.

Tudo isso indica que meu pequeno gesto o afetou, o deixando

excitado. Infelizmente, ele não deixou que eu comprovasse o tamanho da

sua excitação.

Mordo o lábio, apertando as pernas para controlar o pulsar que saber

disso causou entre elas.

— Precisa de ajuda com algo? — pergunto alguns segundos depois,

quebrando o clima e tentando manter minha mente e mãos fora do corpo do

homem gostoso à minha frente.

Está sendo difícil desviar o olhar dele e da sua desenvoltura na

cozinha, ele faz tudo tão bem. Percebi que gosto de vê-lo cozinhando, é
uma satisfação.

— Não precisa, está quase pronto — responde ao me olhar, piscando

um olho e em seguida bebendo um gole grande do seu vinho.

Meu Deus.

Que pecado.

— Você não tem uma cozinheira? — questiono.

Não seria possível que Lion cozinhasse todo dia só para ele. O

trabalho que daria, além de chegar cansado da empresa. Ele ganha

absurdamente bem para pagar quantas pessoas quiser para cuidar da casa,

incluindo cozinheiras.
— Sim, eu tenho — escuto-o responder. Está de costas mexendo no

que imagino ser um molho branco, pois leva a colher de pau com um pouco

do ingrediente até a mão para experimentar se está bom de tempero. — Não

costumo almoçar em casa, então ela cozinha e deixa tudo pronto, dividido

em potes dentro da geladeira para que eu só precise esquentar e comer.

— Facilita muito — comento, bebendo um pouco mais de vinho.

— Sim! Nos fins de semana, eu mesmo me viro ou almoço na casa

de um dos meninos, às vezes fazemos churrasco na casa um do outro —

continua dizendo e começo a imaginar como devem ser todos reunidos na

casa um do outro.

Morando na mesma casa em Bento eram bagunceiros, festeiros,

rodeados de diversão. Agora estão adultos com suas próprias vidas, tenho

certeza de que a relação de união deles não mudou nada.


Sinto falta de todos, da amizade deles, e o quanto me sentia em casa

quando estávamos todos juntos.

— Eles moram perto? — questiono, ignorando a dor no peito da

falta que sinto deles e daquela época.

— Não imagina o quanto — responde, dando risada. — Moramos

todos no mesmo condomínio.

Lion me conta que quando vieram para São Paulo, todos ficaram na

casa que Eros possuía na capital. Depois de alguns anos, cada um foi

comprando sua própria casa e se mudaram.

Apoio o queixo na mão, adorando ouvir Lion contar tudo, ora ou

outra ele vira a cabeça para ter certeza de que eu estou ali, escutando.
Lion levou as travessas com comida para a sala de jantar, e eu ajudei

com algumas, o tempo todo ouvindo-o contar coisas que lembravam dos

meus primeiros anos estudando no exterior.

Engraçado que mesmo envolvido completamente na conversa, Lion

não deixa de ser cavalheiro nem fica desatento. No automático, ele puxa a

cadeira para que eu possa me sentar à mesa quando está tudo pronto e

posto.

Pegando o meu prato para me servir, está totalmente alheio ao meu

olhar encantado, e um pouco sem jeito, pelo cuidado que tem comigo.

Nunca conheci um homem que fizesse a mulher se sentir tão cuidada e

querida, como o Lion faz eu me sentir.

Ele colocou mais um pouco do vinho na minha taça e, por fim, se

sentou à minha frente, sorrindo ao terminar de contar uma história


engraçada sobre um cliente.

E foi ali que percebeu a forma intensa que o encarava. O franzir da

testa mostra que não entendeu o porquê de toda essa atenção, mas ao olhar

para o prato posto na minha frente, ele entende.

— Desculpa, fiquei falando e não percebi — pede, sem graça. — É a

força do hábito, às vezes tenho a sensação de que nada mudou.

Faço um gesto de negação com a cabeça, demonstrando que está

tudo bem.

— Lion, não estou chateada, ou algo do tipo. — Dou risada ao dizer.

— E entendo, tenho a mesma sensação, às vezes, deve ser porque com a

gente acontece tudo naturalmente.

Ele sorri, concordando.


— Obrigada — agradeço pelo gesto de cuidar de mim do mesmo

jeitinho que era antes. — Estou ansiosa para saber se cozinha bem.

Ele ri, relaxando o seu desconforto.

— Clarice não reclama. — Dá de ombro se defendendo.

— É porque ela é sua mãe, não vai dizer se estiver ruim — informo,

vendo-o entortar a boca, desgostoso.

Gargalho e abaixo a cabeça para poder provar a comida. Sinto

vontade de chorar por perceber que Lion fez especificamente algo que amo

comer.

O macarrão ao molho branco com camarão em uma quantidade

pequena no prato. Nada chique demais, do jeito que gosto. Ele realmente

havia pensado em tudo.


— O que foi? Não te agradou? — questiona aflito. — Eu deveria ter

perguntado mais cedo o que gostaria de comer, nem imaginei que...

Ele corta a fala quando levanto a cabeça abrindo um sorriso feliz e

sincero.

— Eu amei, só não imaginava que ainda lembrasse — confesso, meu

coração batendo forte no peito, e o frio do nervoso na boca do estômago.

— Como eu poderia esquecer? — indaga intensamente.

Respiro fundo e desvio o olhar do dele, implorando por uma resposta

que não dou. Seguro o garfo, pegando uma porção generosa da comida, a

levo à boca para ter um motivo a mais para não responder.

Fecho os olhos quando o sabor parece explodir na minha boca. Os

temperos na medida certa. E mastigo com prazer, saboreando a delícia que


ficou a massa.

— Tenho que concordar com a sua mãe — digo quando termino de

engolir, enfim olhando para Lion, que ainda me observa tão intensamente,

esperando com calma a minha reação. — Você cozinha muito bem, isso

aqui está aprovadíssimo.

Aponto com o garfo para o prato, e minha fala tem o poder de causar

uma risada espontânea e aliviada dele, que relaxa na cadeira, ainda me

olhando.

— Eu te disse — responde convencido.

Reviro os olhos brincalhona e vejo ele, por fim, se servir um pouco.

— Vou querer levar um pouco dessa maravilha para mim — brinco,

pegando mais um pouco do macarrão no garfo.


— Tudo o que quiser — responde, e sinto no fundo que ele não

parece se referir somente à comida, então tento programar a minha mente a

não criar suposições onde é impossível existir.

Sorrio.

Peço que continue o assunto de onde paramos. Nosso jantar foi

repleto de tanta risada, que minha barriga doía de tanto rir. Eu já não me

encontrava mais calçada com o par de saltos quando caminhamos em

direção à sala.

Minha taça de vinho estava pela metade, tínhamos secado a garrafa

que Lion abriu quando cheguei. Meu corpo se encontrava completamente

relaxado com ajuda do álcool. Não havia bebido o suficiente para estar

bêbada, apenas descontraída.


Deposito a taça em cima da mesinha quando me sento no sofá, o

corpo agradecendo o conforto que a cadeira da mesa de jantar não estava

proporcionando.

— Como tem sido sua relação com Breno? — pergunto, me

arrumando de forma que eu fique virada para ele, que sentou do mesmo

jeito. — Ainda não conversamos sobre o nosso irmão.

Anui.

Sua expressão séria toma o lugar da descontração.

— Não tem sido muito como eu gostaria — expressa. Os músculos

dos seus ombros tensionam e a mandíbula trava por poucos segundos. —

Breno cresceu muito desde que me mudei de Bento.

— Você nunca voltou desde que saiu de lá? — ele nega.


— Eu saí de lá com o desejo de esquecer tudo o que vivi naquela

cidade — pausa, e quando ele me olha, entendo que quando se refere a

tudo, significa que estou inclusa, e saber disso me causa uma agonia por

dentro.

Abaixo a cabeça, assentindo que entendo. Foi tanta coisa para Lion

lidar. Ele tinha razão em querer abandonar tudo, só que saber que desejou

me esquecer também não é uma aceitação fácil, nem um sentimento bem-

vindo.

— Breno veio ficar comigo alguns dias durante os anos, fiz de tudo

para manter o contato com ele, não era justo B pagar pelos erros dos nossos

pais — anuncia.

— Concordo. Não foi fácil me mudar e deixá-lo aos cuidados

daqueles dois — conto. — Breno sentiu muito a nossa falta com a mudança,
ele tinha apenas cinco anos quando você foi embora, e depois fui eu que o

deixei.

Lion respira fundo, deitando a cabeça no encosto do sofá.

Uma criança com pouca idade não consegue entender as mudanças

brutas na vida dela, e tudo se torna uma nova adaptação. Breno não teve

mais Lion para brincar com ele, levar para sair, e os momentos entre irmãos

foram cortados.

Lembro que, na época, precisei estar mais próxima dele, explicando

que não era sua culpa que Lion havia ido embora, contando com palavras

fáceis de entender que quando crescemos precisamos fazer escolhas na vida

para conquistar muitas coisas.


Que mesmo que Lion não estivesse por perto, nunca esqueceria dele,

estaria sempre em contato.

Assim como conversei com ele depois quando precisei me mudar

para a França.

Não foi fácil no início. É triste saber que as crianças precisam passar

por tantas coisas cedo demais. A cabecinha delas não entendem os motivos.

— Nunca deixei que nos distanciássemos durante esses anos —

explica. — Estava tentando sempre me manter presente a cada fase da sua

vida, mesmo que não seja a mesma coisa de estar ao lado dele em Bento, e

que não tenha preenchido o vazio da falta por completo.

Vejo que Lion se sente mal, e não é o único. Mas era diferente no

meu caso, pois Breno ainda me via quando eu viajava de volta para casa
sempre que podia.

— Você fez o seu melhor, e Breno entende isso hoje — digo e ele

assente, ainda preso nos seus pensamentos, os olhos grudados em algum

ponto no teto.

— Ele é tão novo e já possui tanta responsabilidade — confessa com

pesar. — Breno amadureceu muito rápido. Dezesseis anos. Deveria estar

fazendo o quê? Curtindo a fase adolescente e não sendo obrigado a entender

sobre os negócios.

— Sim. Mas diferente de você, Breno parece amar tudo, Lion —

falo, tranquilamente. Isso ainda me consola.

— Só que não muda o fato de que nosso irmão cresceu com a

pressão nos ombros, mesmo com Pedro doente, tenho certeza que o filho da
puta não deixou as exigências de lado, ainda mais porque Breno vai ser o

único a herdar tudo.

Lion demonstra sua indignação e eu entendo, porque sinto a mesma

coisa. Mesmo Breno crescendo com a mãe ao lado, não muda muita coisa.

Eu ainda estava ajudando com os negócios, por dentro das mudanças, de

cada detalhe, e faço parte da empresa.

Mas me pergunto, até quando?

Claudia se virou bem depois do “afastamento” de Pedro em uma boa

parte dos negócios, porém o velho era tão ruim que nunca deixou de

monitorar tudo.

— Breno ainda vai ter nós dois independente de tudo — digo para o

tranquilizar.
Lion muda o foco para o meu rosto e não responde, apenas me olha

em silêncio. Não consigo deixar de pensar que seus pensamentos agora são

sobre mim.

Me pergunto se não é a minha deixa para ir embora e acabar com

essa aflição por estar perto dele, mas não da maneira que desejo.

Sei que não há como voltar ao que éramos, ao que tínhamos, e nem

um modo de ficarmos juntos. O sonho morreu muitos anos atrás naquele

jantar desastroso em que minha mãe apresentou seu novo namorado. Tudo

que vivemos juntos se perdeu na dor do último rompimento, no tempo

separados, e claro, os problemas do passado ainda fazem parte do presente.

Mas não levanto, fico onde estou, retribuindo seu olhar. Ainda

continuo tão rendida por ele, e me entrego por completo através do encontro

dos nossos olhos. Perdida nas emoções que começam a tomar meu corpo, o
desejo me queimando internamente. A atração continua viva entre nós dois,

apenas adormecida, assim como a paixão enlouquecedora que nunca foi

apagada.

— Não me olha assim, linda — implora, sussurrando. E sinto minha

boca secar. — Porque sou capaz de me apaixonar de novo.

A confissão me atinge, o frio da angústia misturado com o calor

ardente da paixão corre pelas minhas veias, então fico ofegante.

— Assim como? — sussurro rouca.

— Do mesmo jeito que me olhou quando nos beijamos pela primeira

vez naquela praia — declara. — Rendida e entregue, como se nada mais

fizesse sentido além de nós dois e o que estávamos sentindo.

Engulo em seco sem saber o que dizer.


— Estou lutando feito um louco dentro de mim, não quero estragar o

que temos agora — expressa sincero. — Mas quero que tenha ciência de

que estou louco de desejo por você, de saudades do seu beijo, meu corpo

arde e grita ansioso para relembrar a conexão que tínhamos quando nos

amávamos, como se o nossos corpos fossem capazes de fundir em um só.

Meu peito sobe e desce descontrolado. Minha respiração ofegante

pode ser ouvida por ele. Lion está ciente do que causou em mim com suas

palavras. E minha razão compactua com a emoção de só deixar acontecer,

me prender apenas no momento.

Na chance que temos de estar juntos agora, sem pensar no depois.

Não espero muito para estar em cima de Lion, o beijando. Tenho

certeza que não esperava por essa reação, o pego de surpresa. Lion se
recupera rápido, e logo seus dedos estão entre meus cabelos, pressionando

nossas bocas no beijo.

Nossas bocas grudadas brutalmente, desesperadas, lutando para mais

contato. Minha respiração descontrolada misturada com a sua ofegante. Me

sento em seu colo, o vestido aperta minhas coxas e sobe conforme me

movimento à procura de contato com Lion.

— Eu quero — imploro. — Não precisamos ser racionais agora,

foda-se o certo — digo, parando o beijo para segurar seu rosto e dizer tudo

olhando nos seus olhos. — Não quero me arrepender amanhã quando eu

estiver dentro do avião, me sentindo uma tola por não ter ficado com você

por medo e covardia.

Eu o beijo de novo, e me afasto.


— Somos capazes de lidar com o depois, a única coisa que importa é

o agora — declaro.

Prefiro me arrepender da loucura que fiz do que passar a vida

pensando no “e se”.

A resposta de Lion é voltar a me beijar, segurando firme o meu

rosto. Sua língua encontra a minha, com minhas mãos impacientes, seguro

de cada lado a camisa social dele, um pouco abaixo do colarinho, puxo com

força para lados opostos, arrebentando os botões para abrir a peça.

A retiro do seu corpo com rapidez, sentindo seu pau duro embaixo

de mim enquanto rebolo o quadril, o atrito da minha calcinha roçando no

meu clitóris, me deixa louca para me livrar de tudo e sentir a sensação de

pele com pele, sem nada nos atrapalhando.


Lion coloca meu cabelo para o lado e procura o zíper do vestido nas

costas, abrindo o vestido, em seguida sobe o tecido, jogando a peça para

longe.

Logo é a vez do meu sutiã. Ofego quando sua língua toca o bico do

meu peito, deixando mordidas na minha pele sensível, e aperta o outro com

a mão. Meus mamilos ficam duros pela excitação.

Meus dedos apertam seus cabelos implorando por mais contato. Com

a outra mão, levo os dedos de Lion para dentro da minha calcinha molhada,

esperando seu toque, a mágica que somente ele consegue provocar no meu

corpo.

Lion aperta meu ponto sensível com o polegar, massageando em

círculos intensificando a pressão. Jogo a cabeça para trás enquanto gemo,

rebolando na sua mão, querendo mais.


Dois de seus dedos entram em mim duramente, sem muita

delicadeza, do jeito que quero. Estava tão desesperada pelo seu toque para

me satisfazer, louca para me render por Lion, a única coisa importando:

nosso prazer.

Quico algumas vezes nos seus dedos, o sentindo trabalhar bem na

minha boceta. A forma como seus dedos mexem dentro de mim, nos pontos

específicos, me causam espasmos pelo corpo. E a pressão no meu clitóris

fica intensa, sua boca e língua nos meus seios, mamando gostoso.

Eu gozo, sem muita espera, o corpo fraco pelo orgasmo inesperado

me faz me debruçar em Lion, que me deita no sofá, puxando minha

calcinha para fora do meu corpo. Mesmo com os olhos fechados, sei que

sua calça e o resto das roupas estão no chão.


E quando sinto nossos corpos quentes sendo entregues um ao outro,

nossas peles juntas, quero chorar com o prazer que a sensação me traz. 

— Como eu senti falta de você — Lion sussurra, beijando minha

barriga, enquanto posiciona minhas pernas em sua cintura. — Senti tanta

falta da gente, de como éramos perfeitos juntos.

Suspiro.

Não é preciso dizer algo para concordar ele, Lion sabe que o

sentimento é recíproco. A maneira que meu corpo reage a cada toque dele,

sob o seu completo controle responde qualquer pergunta.

— Você toda gostosa, nua na minha frente, sempre foi minha

perdição — confessa, seus dedos acariciam minha pele, me arrepiando. —

Porra, sempre vai ser a minha loucura.


Abro os olhos, fixando nos seus acima de mim, nossos rostos com

poucos centímetros de distância.

— Você sempre vai ser a única mulher capaz de me levar ao céu e ao

inferno ao mesmo tempo, Ariela, a única que me causa insanidade no

mesmo instante que é a cura para minha loucura por você.

Escuto tudo com o coração acelerado, quase saindo do peito, e não

espero que diga mais alguma coisa, só o beijo, subindo uma das pernas na

base das suas costas, pressionando seu quadril para baixo, desejando que ele

entre em mim.

Lion entende que não aguentamos mais esperar, e posiciona seu pau

na minha entrada, o enfiando dentro de mim, mordo seu lábio quando o

sinto ir fundo, percebendo que não está com a camisinha.


— Caralho — grunhe, saindo um pouco para enfiar de novo, mas

dessa vez com mais pressão e força. — Esqueci da merda da proteção.

Ele começa a sair de novo, então prendo as pernas nele, o

impedindo.

— Eu confio em você — declaro, olhando nos seus olhos em tons

mais escuros de prazer. — E eu me cuido, estou tomando o remédio.

Ele me olha por poucos instantes, garantindo que está mesmo tudo

bem, e assinto, empurro meu quadril no seu, o enfiando novamente até o

fundo.

Lion volta a me beijar com ainda mais tesão, estocando em um ritmo

constante de rapidez, e mexo o quadril com ele, causando o atrito gostoso


que preciso e a intensidade dos nossos corpos nos levando à ânsia pelo

alívio, o ápice que nos levará a satisfação de todos os anos de saudade.

Tínhamos o poder de nos perder um no outro quando fazíamos amor,

e isso não mudou. A conexão e comunicação de nos entender tão bem

estavam lá mais uma vez nos levando ao orgasmo juntos.

E parece não ser o suficiente para aplacar todos esses anos, meses e

dias que passamos separados. Mesmo com o corpo cansado, eu quero mais,

muito mais, ignorando a mágoa que bate na porta do meu peito

desesperada, porque amanhã nesse horário eu estarei longe do amor da

minha vida.

Lion beija minha testa suada, então abro os olhos, ele observa

qualquer expressão em meu rosto para saber se estou bem. Quando sorrio,

passando a língua nos lábios doloridos pelas mordidas e beijos


desesperados, ele retribui deixando um beijo calmo nos meus lábios, assim

como fazia todas as vezes que transávamos. Seu cuidado ia além de toda

explicação, e de tudo que fazia por mim, o cuidado foi o que mais senti

falta.

Beijando minha testa novamente, me arruma melhor para sentar

comigo no seu colo, e quando se levanta do sofá, prendo as pernas

firmemente no seu corpo, com os olhos nele.

Acaricio seu rosto, querendo enchê-lo de beijos.

Ele vai em direção às escadas e não sente desconforto nenhum com

meu peso ao subir cada degrau.

— Isso foi apenas uma demonstração do que teremos pelo resto da

noite — declara malicioso, e posso sentir seu pau ereto na minha coxa
interna.

— Estou ansiosa para descobrir o que tem por vir — digo, recebendo

seu beijo bruto, ambicioso e desesperado.

Não temos mais como controlar, apenas deixar que a vida nos mostre

o que tem preparado para nós dois.

 
 

 
 

 
Ariela

Segunda-feira, 31 de dezembro de 2029

Faz mais de um mês que vi Lion pela última vez antes de ir embora

da sua casa, e naquele mesmo dia embarcar de volta para a Itália.

Como imaginei, a despedida não foi fácil, tinha passado a noite com

ele, envolta por seus braços depois das nossas rodadas de sexo. Acordei no

sábado aconchegada em seu peito, sentindo sua respiração calma, as batidas

do seu coração eram como melodias para mim.


Eu achei que ele estivesse dormindo, mas não, estava acordado, com

pensamentos longe, mas o tempo todo me abraçando, me despertando com

suas carícias.

Levamos vários minutos nos braços um do outro temendo a hora que

me levantasse para ir embora. Infelizmente, isso aconteceu.

Lembro que levantei em silêncio, com seus olhos o tempo todo em

mim, e quando segui para o banheiro, vi que minhas roupas estavam

dobradas em uma poltrona no canto do seu quarto, ele havia descido em

algum momento em que peguei no sono, e subido com nossas coisas.

Naquela manhã, lembro que tomei banho, me arrumei sendo

observada por ele, ainda no silêncio. Não havia o que ser dito naquele

momento.
Mentira! Na verdade, havia, sim, inúmeras coisas a serem ditas, mas

nenhum dos dois teve coragem, estávamos em uma fase diferente, eu

morando em outro país, muito longe dele.

Como faríamos dar certo?

“Parada na frente de Lion, em frente à porta da sua casa, nos

olhávamos esperando quem falaria primeiro.

— Obrigada pelo jantar — agradeci, brincando com os dedos das

mãos, nervosa. — Amei que conseguimos nos encontrar, sinto que algo

mudou entre nós dois — digo.

Com mais um passo, Lion está a poucos centímetros de mim, sua

mão tirando alguns fios da frente dos meus olhos.


— Eu sinto a mesma coisa. Esses dias que passamos juntos me

fizeram sentir novamente coisas que não sentia há anos, e tudo com a

mesma mulher — confessa, e fecho os olhos, respirando fundo.

Eu não podia fraquejar agora.

— Mas você precisa ir — declara e eu assinto.

Torcendo para que Lion me pedisse para ficar, declarando que seu

amor por mim nunca morreu, e que íamos ficar juntos de novo. Não saberia

o que responder, mas só preciso saber se ele sente a mesma coisa que eu

nesse momento.

— Sim, preciso — concordo.

Me inclino o abraçando, nas pontas dos pés, consigo enfiar meu

nariz em seu pescoço e inalar seu perfume inebriante que me perseguiu


durante anos.

— Se cuida — sussurro. — Manda um abraço para sua mãe por mim

— peço, por fim, me afastando.

— Eu direi, porém desconfio de que vai perguntar o porquê você

mesma não mandou — brinca, e dou risada. — Se cuida, por favor, me

ligue se precisar de qualquer coisa.

— Não precisamos cortar o contato, né? — indago, com medo de ser

a última vez que vamos nos falar.

Lion nega. Ele toca meu rosto e se aproxima, juntando nossas bocas

em um beijo lento e calmo, diferente do que estávamos sentindo no

momento. Lion gruda nossas testas, e sinto como está sendo difícil para ele

também.
— Não, e duvido que conseguiria passar um tempo sem falar contigo

— sorrio ao ouvir ele dizer.

Me afasto dele, virando para abrir a porta para ir embora. Lion me

acompanha até o carro, e com toda tortura e sofrimento, entro no veículo,

fechando a porta. Quando começo a me afastar, olho pelo retrovisor e o

vejo ainda parado na calçada em frente à sua casa, me vendo ir embora.

Então desabo de chorar o caminho todo até a casa de Giulia.”

Recordo de como foi dolorido olhar em seus olhos e ver a mágoa

estampada neles, a seriedade o deixando tenso e distante, uma forma que

usou para não demonstrar seu abalo.

Olho para o céu, vendo os fogos de artifício explodindo em cores

vibrantes e alegres, indicando que passou da meia-noite, e mais um ano


novo começa. Continuo olhando para cima, vejo tudo admirada de cima de

uma das pontes mais famosas de Veneza, e mesmo que o local esteja repleto

de pessoas, me sinto sozinha.

Todos se abraçam com sorrisos enormes no rosto, gritam e

comemoram, desejando coisas novas uns para os outros. E é impossível

impedir que uma lágrima escorra pelo meu rosto.

A dor da solidão é grande.

Longe das pessoas que amo, vivendo a vida que planejei, mas não

totalmente realizada. Penso em Lion, e como seria se estivesse aqui comigo,

vendo com seus próprios olhos essa linda virada de ano.

A emoção que seria estarmos juntos, nos abraçando, planejando

sonhos para o ano novo que se iniciaria.


Mas ele não está. E não faço ideia de onde esteja nesse momento.

Desejo com todo o meu coração que fosse aqui ao meu lado.

Meu Deus, como o amor dói quando não podemos vivê-lo. Seco meu

rosto, tentando vencer a emoção, curto a magia do momento, e bebo o

champanhe da minha taça.

— Feliz ano novo — escuto gritarem ao meu lado, e dou risada ao

ver os amigos que fiz aqui virem me abraçar.

Eles estão eufóricos de felicidade, e mesmo sentindo todo o carinho,

não foi o suficiente para me sentir acolhida. Decido ficar um pouco mais

antes de pegar o caminho de casa e ligar para minha mãe e Breno, e em

seguida mandar uma mensagem para Giulia.


Volto a olhar para o céu e apreciar o show dos fogos quando sinto

meu celular vibrar na minha bolsa. E quando o pego, olhando a tela, um

som de choque sai da minha boca.

O nome de Lion pisca na tela, automaticamente abro um sorriso

emocionada, com o coração acelerado e bamba pela surpresa.

Imediatamente atendo a ligação, tapando o outro ouvido para escutar sua

voz.

— Oi — digo, gaguejando, ainda sem saber como reagir. Minha voz

sai um pouco alta para que ele ouça além do barulho ao meu lado, e começo

a descer a ponte à procura de um lugar calmo. — Lion?

— Oi, linda — ele fala, meu estômago gela de nervoso. — Está

podendo falar? — questiona, pelo seu tom, consigo sentir que está curioso.
— Claro! Estou na Ponte Dell’Accademia, passando a virada do ano

com alguns amigos, por isso o barulho — explico ao descer para uma rua

que tem pouco movimento, as pessoas tinham se juntado na ponte para

assistir os fogos.

— E como foi? — pergunta, interessado. Do outro lado da linha,

quase não se consegue ouvir barulho, deve estar com os meninos, porém se

afastou para fazer a ligação.

Não imaginava que, nos primeiros minutos do ano novo, Lion me

ligaria, em vez de aproveitar com os amigos. Mesmo com a minha volta à

Itália, conforme prometemos, não paramos de nos falar.

Não nos falamos o tempo todo, ainda queríamos nos manter

conectados um com o outro, principalmente depois do que rolou entre nós,

mas com calma. 


— Foi lindo — suspiro. — Porém, não sinto que estou no lugar certo

— declaro sincera.

Escuto sua respiração longa do outro lado da linha e paro para sentar

em um dos bancos, onde consigo ver o rio.

— Mesmo que eu esteja rodeado das pessoas que amo, senti a

mesma coisa, como se faltasse algo — confessa também, mas não expõe

mais nada.

Descanso a testa na mão, meu braço apoiado na perna. E o mesmo

sentimento de solidão aparece, não consigo segurar o choro, abafo com a

mão para que Lion não escute.

Como viverei a minha vida sem ele? Como fui capaz de pensar que

conseguiria continuar minha vida depois do nosso reencontro, recordando


tudo o que vivemos juntos?

— Ari. — Ouço ele me chamar e pigarreio, mordendo a palma da

mão, e murmuro para dizer que estou escutando. — Só liguei para desejar

feliz ano novo e dizer que queria que estivesse aqui.

Com os olhos fechados, aquiesço como se ele pudesse me ver, e não

apenas ouvir.

— É só isso, desculpa ter incomodado — continua, percebo que

encerrará a ligação por causa do meu silêncio.

— Lion? — o chamo, aflita que tenha desligado e por eu ter passado

a imagem de que não me importava com ele. — Fiquei feliz por ligar.

Sei que não desligou pela sua respiração.


— Você não faz ideia de como, para mim, foi importante ter feito

isso — expresso minha sinceridade. — E queria muito que estivéssemos

comemorando juntos agora. Feliz ano novo.

Até quando essa tortura continuaria? Essa dor extrema rasgando meu

peito, causando falta de ar, o meu corpo implora pelo antídoto que cessaria

todo sofrimento.

— Carpe Noctem, amor — Lion sussurra antes de desligar, e meu

corpo treme com a emoção de escutar a nossa frase de despedida depois de

muitos anos.

Me levando em uma viagem pela lembrança da biblioteca da mansão

dos Bianco, onde a escutei pela primeira vez. Me recordo que estávamos

apaixonados um pelo outro, vivendo um amor proibido, e que nada foi

capaz de apagar a nossa paixão.


Eu volto a chorar pela saudade e o vazio que sinto, preciso tomar

logo uma decisão sobre o rumo que deveria seguir com Lion.

Quinta-feira, 28 de fevereiro de 2030

As confissões do ano novo fizeram, de alguma forma, abrir mais

espaço entre nós. As conversas e ligações estavam mais frequentes, por

isso, resolvi deixar as coisas acontecerem conforme o tempo delas, sem

apressar nada.

E foi bom!

Mesmo sem conversar sobre “nós”, estamos seguindo o fluxo, mas

dava para sentir que a distância atrapalhava muito, a frustração já em um

elevado nível de sofrimento.


Odiava isso com tudo de mim.

E foi Lion que resolveu amenizar isso. Recebi o convite para passar

a semana no carnaval com ele no Brasil, em Fernando de Noronha, só nós

dois, longe de todos.

Não precisei pensar muito para aceitar, só queria passar um tempo

com ele, mesmo que fosse mínimo.

Mesmo cansada das longas horas do voo da Itália até o Brasil, aqui

estou, descendo para a área de desembarque. Ansiosa para ver Lion, poder

me jogar em seus braços, e sentir depois desses meses a sensação de

pertencimento.

Passo pela saída do desembarque, e lá está ele. De óculos escuro, as

mãos nos bolsos da calça, com a postura típica de cretino. A camisa social
com as mangas dobradas até o cotovelo deixa as suas tatuagens à mostra,

dando-lhe um ar de bad boy.

A cada passo que dou em sua direção, o sentimento de

convencimento me atinge por ser a única que tem toda sua atenção, a única

que Lion espera ansioso para beijar e abraçar.

E é exatamente isso que ele faz. Não espera que eu cumprimente

primeiro, ele segura meu rosto e me beija, esquecendo que estamos em um

lugar público, alvo de olhares tortos e descontentes, misturado com aqueles

emocionados e felizes com o reencontro de um casal apaixonado.

Seus lábios estão desesperados em mostrar o quanto sentiu saudades,

junto com seu toque quente e possessivo de quem não me largaria enquanto

esses dias durassem.


E me senti feliz por estar em casa de novo.

Lion

Encaro o celular por vários minutos, o apertando em minhas mãos

com os pensamentos em Ariela, em outro país longe de mim.

Descontrolado pela raiva chuto para longe uma espreguiçadeira da

área de piscina. A mesma cadeira em que estava sentado alguns minutos

atrás enquanto falava com Ariela.

Estou ofegante, mas ainda desejo quebrar tudo, a sensação é de

desequilíbrio e impotência. Fecho os olhos recordando sua voz triste, como


se sentisse dor pela distância entre nós dois, mais de nove mil quilômetros

para ser exato.

Me sinto devastado porque a mulher que eu amo está sozinha em

outro país, comemorando a entrada de um novo ano sozinha, longe da

família. Longe de mim.

— Estou vendo que vou ganhar uma espreguiçadeira nova — escuto

a voz de Eros atrás de mim, o tom é sarcástico, e não me viro. — Eu não

gostava dela mesmo, Raquel vai agradecer quando ganhar uma nova.

Termina de falar ao parar ao meu lado e me estende a taça de

champanhe, a pego virando de uma vez dentro da boca.

— Vai me dizer o que está acontecendo? — indaga sem enrolação.

— Achou mesmo que iria sumir da festa sem que eu percebesse? Ou


qualquer um dos nossos amigos?

Faz um gesto de negação com a cabeça e solta uma risada curta,

fazendo todo um drama.

— Não está acontecendo nada — digo, virando a cabeça para ele por

poucos segundos, foco em seguida na espreguiçadeira com a perna

quebrada, virada de lado de forma estranha.

— Sério mesmo? Eu nem desconfiava — continua com o deboche, e

tenho vontade de socar sua cara. — Você sabe que não precisa passar por

isso sozinho, seja lá o que estiver acontecendo.

Aquiesço, e sinto quando ele deixa algumas batidas nas minhas

costas. Eros se vira, indo em direção à porta do fundo da casa, voltando

para os nossos amigos lá dentro, comemorando o novo ano que se inicia.


Nenhum deles sabe sobre Ariela, que estivemos juntos em

novembro, ou que sou um filho da puta ainda rendido por ela, e que ainda a

amo, com tudo que há em mim.

Foi horrível me despedir dela, precisei arrumar forças do caralho

para não impedir que fosse embora e implorar que ficasse comigo. Mas não

podia, Ariela tem a vida projetada nos mínimos detalhes, toda construída

nesses planejamentos, e não faço parte dela.

Como eu queria estar com ela nesse momento, pegar o celular e ligar

para dizer que estou indo para a Itália para nunca mais deixá-la. São tantos

desejos e minha cabeça está confusa, não sei o que fazer.

Fico por longos minutos do lado de fora da residência de Eros,

remoendo a ligação que fiz para ela. Recupero a postura, e volto a entrar na

casa, me sentindo um merda. Nada mais parece fazer sentido essa noite.
Pelo corredor que dá em direção à sala de visita, onde estão todos

reunidos, consigo ouvir a gritaria de Angel com Nicolas, os dois fazendo

toda a bagunça que é possível.

Quando apareço na entrada da sala, sinto os olhares dos meus

amigos em mim, mas ignoro todos.

— Onde estava, Lion? — Gabriel indaga, fingindo não ter sentido a

cotovelada que Dimitri deu nele.

— Deixem o Lion em paz, quando ele quiser falar, vai falar — Eros

pede, e posso ouvir Artho concordando, mesmo que estejam todos curiosos.

Não quero questionamentos de nenhum deles, é por isso que entro na

brincadeira das duas crianças que correm pela sala.


Pego Bananinha no colo, a jogo para cima, escutando sua gargalhada

divertida, deixo alguns beijinhos no seu rostinho gorducho. Nicolas chama

a minha atenção, pedindo com os bracinhos levantados que eu faça a

mesma coisa com ele.

— Naaaa — ouço Angel gritar em protesto quando a deixo no chão

e pego Nicolas, que pula no meu colo animado. 

Dou risada do ciúme dela e a implicância que os dois baixinhos têm

um pelo outro. Eros e Artho que se preparassem, esses dois iam levar os

pais à loucura.

Sorrio para os meus amigos, a minha família, aquela que me

escolheu e acolheu, alegre por alguns terem constituído família com os

amores das suas vidas. E o rosto de Ariela vem ao pensamento. Nada que

eu faça consegue tirá-la da minha mente.


A dor da saudade misturada com a raiva pela distância, a fúria pela

solidão, só me fazem pensar que preciso tomar uma decisão o quanto antes

sobre nós.

 
Ariela

Sábado, 2 de março de 2030

A claridade do sol nascendo bate na porta de vidro do nosso quarto e

me faz despertar. Os feixes de luz solar atravessam as cortinas fechadas,

clareando o ambiente.

A última coisa que desejo nesse instante é levantar da cama. Mesmo

macia e confortável não se compara em nada com o abraço firme que Lion
envolve meu corpo. O calor de sua pele em contato com a minha deixa tudo

mais gostoso e íntimo.

Chegamos em Pernambuco ontem, não conseguimos aproveitar

nada, pois nos trancamos no quarto, loucos para matar a saudade desses

meses que passamos longe um do outro, e foi um ideia maravilhosa.

Uma das mãos de Lion está entrelaçada com a minha, por cima da

barriga. Sua pele bronzeada contrasta com a minha, e o jeito que nossas

mãos se encaixam perfeitamente me faz pensar que cada detalhe foi feito

para que quando unidas, se completassem.

Temos pensamentos tão clichês quando estamos com a pessoa que

amamos, mas não me importo nem um pouco de parecer uma idiota.


Lion se mexe atrás de mim, me puxando para mais perto do seu

corpo, como se ainda fosse possível. Ficamos abraçados a noite toda, sem

deixar um mínimo espaço entre nós.

Sinto seu beijo em minha pele um pouco abaixo da nuca, bem em

cima da tatuagem que tenho gravada a frase em latim, “Alis Propriis Volat”,

pintada na minha pele em letras cursivas, que parecem queimar com o seu

toque.

“Ela voa com as próprias asas.”.

Essa frase diz tanto sobre mim, na pessoa em quem me permiti me

tornar. De toda a trajetória que precisei passar para ser quem sou hoje.

Me encolho ao sentir um arrepio passar pelo meu corpo, puxo nossas

mãos entrelaçadas para perto do peito, abaixo do meu coração, que bate
descompensado.

— O que ela significa para você? — escuto a voz rouca de Lion, seu

hálito quente tocando minha pele, me arrepiando.

Então paro para pensar em uma forma de explicar tudo o que sinto

quando penso na tatuagem. A única que tenho até o momento. Lion espera

calmo, deixando beijos singelos na minha pele, respirando o perfume do

meu corpo.

— Eu a tatuei assim que me mudei para a França, acho que foi o

instante em que caiu a ficha de realmente me sentir liberta das amarras da

minha mãe, mesmo que já vivesse a minha vida morando no edifício,

seguindo os meus planos, ainda sentia que Claudia tinha o controle sobre

mim, e aquele dia na delegacia foi a primeira vez que a enfrentei de


verdade, me senti tão... — pauso, procurando a palavra perfeita para

descrever o que senti.

— Aliviada? — Lion meio que pergunta tentando adivinhar a

palavra.

— Não exatamente — sorrio. — Mas confesso que senti um puta

alívio. E só consegui enfrentá-la naquele dia por você, faria de novo se

necessário.

Ele deixa um beijo demorado na parte de trás da minha cabeça,

como um agradecimento.

— Te devo muito por tudo que fez, principalmente naquele dia —

expressa, e fico feliz em ouvir isso.


— Você era tudo para mim, Lion, percebi que assim como você, eu

seria capaz de tudo para ficarmos juntos — declaro, sentindo a emoção me

abater.

Lion vira meu corpo para ficar de frente para ele, e me beija, beija e

beija. Sempre me tocando, seu toque falando de todas as formas o que ele

não expressava em palavras.

— Eu sei disso — responde.

Tenho vontade de falar que, hoje ainda, estou disposta a fazer tudo

para estarmos juntos, porém tenho tanto medo de Lion não querer a mesma

coisa que eu.

— No começo achei que a tatuagem se referia muito à minha

independência fora das garras da minha mãe — continuo contando, agora


deitada de frente para ele, que olha meu rosto e com a mão acaricia meus

cabelos. —, mas o significado dela se tornou mais forte depois de tudo o

que passei para me tornar quem sou hoje. A Ariela que venceu as dores, as

perdas e tirou forças de dentro dela para continuar o caminho, para não

desistir.

Pisco quando não consigo conter as lágrimas que enchem meus

olhos, e Lion as limpa.

— Me orgulho tanto de você — diz, os olhos brilhando selvagens.

— Porra! Você não tem noção do quanto. Não sou capaz de descrever,

Ariela. 

— Não precisa, você demonstra bem isso — respondo, tocando seu

rosto, passo os dedos pelas ruguinhas que se formam na sua testa quando a
franze. — Eu consigo sentir quando diz, para mim, é importante saber

disso.

Lion se inclina para me beijar e eu me ajeito para colocar minhas

pernas em cada lado do seu corpo, o arrumando melhor para ficar por cima.

Não falamos mais nada, nossos corpos conversam por si só.

Ainda me beijando, ele entra em mim, me preenche lentamente com

carinho e cuidado, adorando meu corpo com sinceridade e paixão.

Fazemos amor cheios de ternura, excitação e loucura um pelo outro.

Nos amamos de um jeito diferente que nunca havia feito antes. Olhando nos

olhos um do outro, ora aos beijos, em outras, ao sussurrar palavras quentes,

as mãos sempre correndo por nossas peles, o fogo transcendendo o nosso

amor.
Estava claro que nunca seríamos capazes de seguir em frente e

esquecer o que vivemos.

Domingo, 3 de março de 2030

Agíamos como um casal apaixonado.

As mãos dadas para onde fôssemos, demonstrações de carinho em

forma de beijos e carícias singelas, o sorriso bobo em nossos rostos. Era

como estar de férias com Lion, esquecendo completamente do mundo,

dentro da nossa bolha.

Saímos para jantar em um restaurante muito chique na cidade e

depois decidimos dar uma volta na praia. Seguro minhas sandálias para que

elas não impeçam que eu ande na areia.


Meus pés tocam o mar, a água com temperatura agradável me chama

para um mergulho. Lion está com o braço em volta dos meus ombros,

enquanto conta um pouco dos seus sobrinhos, filhos de Eros e Artho.

— Você não tem noção do quando aqueles dois brigam, juro — ele

dá risada, ao contar um episódio que a pequena Angel jogou os brinquedos

de Nicolas no vaso depois de ter seus cabelos puxados por ele.

— Ela é bem vingativa — digo sorrindo. — Dá para ver que puxou

Raquel, mas vejo o gênio forte de Eros também. — Dou risada. — Agora

Nicolas, tem o dom da provocação do Artho e a leveza de Charlotte.

— E como! Ainda sinto que os dois juntos vão causar muito, vai ser

interessante presenciar isso.

Gargalho assentindo.
Não os conhecia ainda, mas sinto um carinho enorme pelos dois.

Lion ainda não disse se tem intenção de contar para os amigos sobre mim,

assim como não comenta nada sobre Dimitri, nem se aprofunda nos

detalhes da vida dos demais.

Me pergunto se ele tem medo. E se tem, do que exatamente? Não

pode ser do julgamento dos amigos, já passaram por tanta coisa juntos,

sempre com amor e respeito. E se o medo for sobre seus sentimentos por

mim? Mas, sinto seu amor, sua entrega, não pode ser isso também. Será que

sou eu? 

— Você pensa em ter filhos? — questiono. — Se dá tão bem com

crianças, seria um ótimo pai.

Cutuco sua barriga e um sorriso pequeno se abre.


— Desculpa, é um assunto privado demais para conversarmos? —

peço, percebendo que estamos em uma situação delicada, e que talvez ele

não queira me contar seus planos futuros.

— Não precisa se desculpar — diz e me olha. E a forma que lança

aquele olhar intenso cheios de confissões, causa um frio na coluna. — Eu

quero ter filhos, e sempre pensei em tê-los com você.

Suspiro, Lion me pega desprevenida, quase tropeço nos meus

próprios pés.

— Os meus sonhos e planos só existem com você, Ariela, e mesmo

quando nos separamos, só você era dona deles — responde, então preciso

virar a cabeça em direção ao mar, cortando o contato.

É informação demais.
— Não pensava mais neles, mas tudo mudou depois que nos

reencontramos — declara, parando de andar, e faço o mesmo, ficando de

frente para ele. — Minha vida toda planejei ao seu lado, durante anos

ficaram esquecidos, parecia não fazer mais sentido com outra pessoa.

Assinto.

— Eu entendo, porque idealizei um futuro com você também, mas

muita coisa aconteceu, nos levando para caminhos diferentes — digo e ele

anui.

A brisa bagunça meus cabelos, o mar exala cheiro de maresia, os

sons das ondas indo e voltando e as pessoas ao redor aproveitam o carnaval

não atrapalhando o nosso contato.


— Eu ainda te amo — Lion declara, meu coração acelera e sou

capaz de sentir a força das batidas contra meu peito. Minhas pernas ficam

moles, perdendo as forças.

Sinto uma pressão nos ouvidos, o sangue quente correndo pelas

minhas veias e a boca fica seca.

— Eu te amo muito — Lion repete as palavras, tocando meu rosto.

— Talvez não devesse declarar isso agora, implicaria muito na situação

delicada que estamos, porém não consigo esconder que ainda te amo, nem

continuar agindo como se não tivesse tirado minha vida dos eixos quando

nos reencontramos. Não consigo fingir, Ariela.

Finaliza colocando minha mão em cima do seu coração, o sinto

esmurrar o peito do tanto que as batidas estão incontroláveis. A mão que


toca meu rosto está fria e suada por causa do nervosismo, e só consigo

sentir como se estivéssemos de volta à adolescência.

— Eu não quero que finja — peço, o tempo todo o olhando. —

Porque eu precisaria fingir que não te amo, que não é mais forte agora do

que antes, e nem que minha vida só foi completa quando estávamos juntos.

Lion deita a testa na minha, um suspiro doloroso saindo dos seus

lábios. A mesma agonia e inquietação que ele sente, eu sinto, assim como o

amor, a paixão avassaladora e o desejo de estarmos juntos.

O abraço e choro em seu peito, não consigo ficar longe dele de novo,

sinto que é possível nunca mais conseguir me curar se nos distanciarmos de

novo.
Penso na minha vida na Itália, e depois voltar para Bento Gonçalves,

para continuar com o que foi planejado, mas não sei como, pois a minha

vida é o Lion.

Mas como fazer isso funcionar? Não tenho essa resposta, e temo que

nem Lion.

 
Lion

Segunda-feira, 4 de março de 2030

A cabeça de Ariela pesa no meu peito, seu sono é calmo e tranquilo,

o corpo está junto do meu, e é tudo o que eu poderia querer. Depois que

voltamos da praia ontem à noite, eu a amei, amei do jeito que sou capaz,

adorei seu corpo lindo e gostoso.

Estou emocionado com as nossas declarações, mas também

desesperado em busca de uma solução para nós ficarmos juntos, e ainda


mais louco de paixão por ela.

Depois que tomamos um longo banho quente, ensaboando o corpo

um do outro, deixando toque, carícias e beijos, voltamos para a cama. O

silêncio permaneceu até que Ariela pegou no sono, mas não tocamos mais

na conversa da praia.

Saber que ela ainda me ama, do mesmo jeito que continuo a amando

foi tudo para mim.

As horas que passei em claro velando seu sono foi para pensar em

uma maneira de fazer as coisas darem certo dessa vez, com cuidado, sem o

desespero que tínhamos na juventude.

Quero que as coisas deem certo dessa vez, e não tem mais ninguém

que possa impedir isso, somente a distância. Ela seria capaz de passar por
isso comigo? Lidando com a saudade e longitude que viveríamos até nos

encontrarmos de novo?

Ariela termina o curso em pouco tempo. Daríamos um jeito, só

preciso saber se estaria disposta a mudar sua vida para o Brasil, para São

Paulo especificamente, para ficar ao meu lado. Mas, para isso, caberia a ela

deixar seu emprego no vinhedo, e começar do zero na capital. Além de

renunciar o vínculo com sua mãe, que tenho certeza que não aceitaria nunca

nosso relacionamento. 

São tantas perguntas sem resposta.

E a única coisa que quero é ficar com ela, e que dure para o resto das

nossas vidas.

 
Quarta-feira, 6 de março de 2030

Ariela está indo embora de novo, e dessa vez a despedida é ainda

pior, porque além dos sentimentos estarem ainda mais intensos, piora mais

por não termos conversado sobre a gente, não decidimos sobre nosso futuro.

Consigo sentir o seu medo, as dúvidas e inseguranças, talvez sejam

as mesmas que sinto, e não quero piorar as coisas pedindo para que escolha

ficar comigo quando terminar a especialização na Itália.

Quero que a decisão seja dela, já não temos mais dúvidas do que

sentimos, esses dias juntos foram importantes para deixar claro que ainda

nos amamos, só falta uma escolha para nós.

Abraço forte seu corpo e tenho certeza que pude ouvir um estalo das

suas costas com o aperto. Seu voo foi anunciado, e não sobra muito tempo
para a gente.

É aqui que a realidade volta.

Nos despedimos com pouco diálogo para facilitar as coisas, sem

promessas de quando nos veremos, ou se veremos, apenas confiando no

destino e nas próximas escolhas que faremos.

Só sinto a dor da despedida ao vê-la se afastando de mim, secando as

lágrimas que não conseguiu segurar, e um sorriso triste no rosto. A vendo ir

embora, travo a emoção que me toma, a garganta seca e apertada,

dificultando respirar.

Fecho as mãos em punho me impedindo de correr atrás dela e

implorar para não ir. Consigo sentir o gosto do sangue na boca, o pequeno
corte causado pela força em que aperto o lábio inferior entre os dentes,

lutando contra a raiva e o desespero.

E repito a mim mesmo que só me resta confiar no destino para

interferir ao nosso favor. 

 
Ariela

Quinta-feira, 7 de março de 2030

Assim que abro a porta do meu apartamento o silêncio do ambiente

me atinge. O sentimento de vazio aperta o meu peito, e o choro entalado na

garganta vem com tudo.

Começo a soluçar, as lágrimas escorrem pelo meu rosto, e só tenho

tempo de fechar a porta e deitar no sofá antes de me encolher envolvida no

choro, acolhendo o sofrimento. Eu não quero ter que ficar longe de Lion.
Não consigo passar por isso mais uma vez. Fingir que estou bem e

lidar com a vida como antes, longe do amor da minha vida.

Levo a mão ao peito para tentar amenizar o sofrimento, mas não

consigo, nem mesmo respirar direito. Cada parte do meu corpo sofre. Entrei

naquele avião de volta para Itália sem me resolver com Lion, sem dizer que

quero ficar com ele, desta vez para sempre.

Mas, agora colocando tudo na balança, sei que é uma decisão

importante, pois eu teria que largar tudo o que construí durante esses anos.

As minhas constantes especializações fora do país, meu emprego em Bento

Gonçalves ao lado da minha mãe e do Breno no vinhedo, e começaria do

zero em São Paulo, mas ao lado do homem que eu amo.

A dor que sinto em cada parte do meu ser é resposta suficiente para

todo esse questionamento interno. Sim, sou capaz de largar tudo para ficar
com Lion. Ele é meu lar, minha vida, meu maior sonho. E se o destino nos

deu uma última oportunidade de ficarmos juntos? Será que Lion não disse

nada pois aguarda que eu tome a decisão? Sou eu que estou nos separando?

Desesperada, com medo de estar perdendo a oportunidade nesse

momento, dou um pulo do sofá, quase caindo no chão, à procura da minha

bolsa. Aflita, jogo tudo que tem dentro dela no chão, e encontro meu

celular.

O nome do Lion aparece na lista das últimas chamadas feitas e

aperto para ligar, o celular chama, mas ele não atende, então choro

desesperada, temendo que tenha decidido seguir a vida sem mim.

Coloco a mão no rosto, ainda ouvindo a chamada tocar sem parar,

me sento no chão, sentindo as últimas forças irem embora, o meu corpo está

fraco pela consciência de que posso ter perdido Lion mais uma vez.
Soluço, querendo gritar de tristeza e raiva, me bater por não ter dito,

quando estava frente a frente, que queria ficar com ele, eu abandonaria tudo

por ele.

Quando a ligação está prestes a cair na caixa postal, ele atende o

celular, e o alívio vem em ondas fortes de choro, me impedindo de falar.

Escuto Lion do outro lado perguntar se está tudo bem e ficar

preocupado, enquanto tento responder em meio ao choro e soluços.

— Amor, você está me preocupando, o que aconteceu? — questiona

angustiado. — Você está bem? Se machucou?

E sem saber, sua agonia me faz chorar ainda mais. Seu modo de agir,

a preocupação, carinho, gentileza e bondade me faz perceber que tenho o

homem perfeito.
— Ariela, me responde — pede com voz grave. — Vou pegar o

primeiro voo para Itália, o mais rápido possível.

Me assusto com a decisão urgente, e nego com a cabeça tentando

falar, porém não consigo ainda. Do outro lado da linha, escuto barulho de

coisas serem mexidas, o arrastar da mala e sons que sou incapaz de

identificar.

— Não — consigo dizer, embora o som tenha se parecido mais com

um engasgo desesperado.

Lion para de se mover quando escuta, e uso dessa pausa para

garantir que estou bem.

— Não precisa, Lion — peço, a voz saindo em um sussurro rouco

pelo choro. — Eu estou bem... só estou com saudades.


Ouço sua respiração aliviada. Ele viria até a Itália só para saber se

estou bem, uma grande prova de amor. Sei que encontrei um homem

incrível, isso me encoraja a prosseguir com a decisão que tomei.

— Oh, linda — diz melancólico. — Eu também estou com saudades,

não queria que tivesse ido embora.

Fecho os olhos e mordo o lábio inferior, me preparando para contar a

decisão.

— É por isso que decidi que vou abandonar tudo aqui, toda a vida

em Bento, para ficar com você — declaro, e continuo a falar, porque sei que

Lion vai protestar em relação a minha escolha. — Minha vida não faz

sentido se não estou com você, nada que conquistei tem significado, se eu

não tiver você, Lion.


Respiro fundo quando a emoção vem novamente, mas dessa vez

consigo controlar. A adrenalina corre pelas minhas veias, com o coração

acelerado a coragem me faz sentir forte para enfrentar tudo.

— E antes que diga alguma coisa, quero que saiba que não me

importo com nada, com as consequências, com minha mãe, com

absolutamente nada — afirmo decidida. — Eu só quero ficar com você.

— Meu amor... — a forma carinhosa que me chama me afeta,

aquecendo meu corpo, mesmo com Lion longe, consigo ter as mesmas

sensações do que seria se estivesse aqui. — Eu quero mais que tudo ficar

com você, passar o resto das nossas vidas juntos, e realizar nossos sonhos e

tudo que planejamos — declara.

Eu quero dar pulinhos pelo apartamento ao ouvi-lo, por afirmar que

quer passar os anos que nos restam juntos, vivendo o nosso amor da
maneira que deveria ter sido desde o começo. Mas, consigo sentir pelo tom

de voz que as suas próximas palavras irão carregar a sua opinião, e talvez

eu não vá aceitar muito bem.

— Mas não quero que largue tudo na Itália agora por minha causa —

diz, e sei que está sendo difícil declarar isso. — Não vou me perdoar se

deixar que faça isso.

Por alguns segundos, murcho com suas palavras. Deito no chão,

segurando o celular ainda no ouvido e olho para o teto.

— Eu te amo mais que tudo — sorrio ao ouvi-lo declarar o seu amor

por mim. —, e a quero aqui comigo. Minha parte emocionada está louco

para ir até aí e te trazer de volta, apoiando suas loucuras — suspira. —

Porém, a parte racional sabe que você precisa ficar e terminar o curso.
— Lion... — estou pronta para protestar, mas ele me corta.

— Me escuta, por favor — pede calmo, e sei que está lutando contra

as emoções. — Faltam poucas semanas para terminar de vez a

especialização, e logo vai poder voltar — fala, e tudo começa a fazer

sentido, precisava que um de nós fosse racional nessa situação.

Qualquer outra pessoa no lugar dele apoiaria a minha decisão, pouco

se importando com as consequências ou com meu profissionalismo. Mas

estou falando de Lion, o homem que sempre foi capaz de tudo por mim, que

me apoiou desde sempre, que se orgulha da mulher que me tornei e que

ainda me ama e passou os últimos dias demonstrando isso de todas as

formas possíveis.

Que seria capaz de viajar para cá só para garantir que estou bem. O

meu homem, o mesmo garoto apaixonado por quem me entreguei de corpo


e alma.

O homem que pretendo me casar e construir uma vida, seja como

for.

— Por favor, não chora, linda — pede. — Não faz ideia de como

estou destruído por dentro agora por estar longe de você, mas não quero que

faça esse sacrifício, passamos tantos anos separados, conseguimos aguentar

mais algumas semanas.

Como posso não chorar ouvindo tudo isso?

— Eu sei — respondo, enxugando as lágrimas. — Você tem razão,

são só algumas semanas e logo vamos estar juntos.

— Isso mesmo, essa é a minha garota — brinca, e dou risada. —

Você tem o mundo para ser conquistado ainda, muitas oportunidades de


emprego te aguardam aqui, não existe só o vinhedo Bianco.

Não quero pensar em minha mãe, nem como ficará furiosa com a

minha escolha, principalmente quando souber que Lion e eu estamos juntos

de novo, não quero sentir a culpa em deixá-la na mão com os negócios,

porque ela é capaz de lidar com tudo, não vai estar sozinha.

E não quero pensar em Breno, e no que vai pensar ao ver os irmãos

namorando. Eu precisaria conversar com ele depois.

Só quero pela primeira vez em toda minha vida pensar somente em

nós dois.

— Eu te amo, e vou estar aqui te esperando, no mesmo lugar, na

nossa casa, pronto para construir a nossa vida juntos — declara, feliz, e
posso imaginar o sorriso enorme que tem no rosto agora, os olhos brilhando

emocionados.

Meu coração falta sair pela boca de felicidade por tudo estar

caminhando para o rumo certo.

— Eu te amo, e não vejo a hora de viver tudo isso com você.

 
 

 
Lion

Domingo, 7 de abril de 2030

As últimas semanas foram repletas de felicidade.

Eu só conseguia contar os dias para a volta de Ariela da Itália,

idealizando nossa vida, querendo gritar a plenos pulmões que eu era o

homem mais feliz no mundo, porque enfim, depois de tudo, iríamos ficar

juntos.
Meus amigos não entendiam o que estava acontecendo, viviam me

questionando, mas me esquivava de cada pergunta. Mesmo sem uma

resposta, eles pareciam felizes por eu estar bem.

Dimitri parecia aqueles cachorros quando caem da mudança, que

passa por todo um inferno, para no fim encontrar uma família que acolhe o

bichinho com todo amor e carinho. Agora que está com Giulia de novo, e

descobriu que tem uma filha, parece andar nas nuvens.

Dou risada com a comparação que faço, e recebo os olhares dos

meus amigos sem entender, como se eu fosse um maluco.

— Juro que Lion está me dando medo — Gabriel diz com uma

careta no rosto, se referindo a mim como se não estivesse presente. — Faz

dias que o guri está estranho, será que isso é contagioso?


Ele se afasta de mim como se tivesse medo de pegar uma doença.

Para provocá-lo, jogo os braços por cima dos seus ombros, o puxando para

perto de mim e beijo seu rosto, o escutando brigar em protesto.

Bibi consegue se soltar, levantando do sofá onde estamos sentados,

passa as mãos pelo corpo fingindo se livrar de alguma contaminação.

Gargalho, o vejo empurrar o irmão da poltrona que está sentado, o

derrubando no chão para tomar o lugar do gêmeo mau-humorado.

— Idiota — Natan o xinga, dando um tapa na cabeça de Gabriel,

antes de sentar ao meu lado. — Parece aqueles moleques de quinta série.

Gabriel revira os olhos e mostra a língua para o irmão, e quando está

prestes a levantar o dedo do meio, Nicolas entra na sala correndo, o que o

faz desistir.
Artho lança um olhar de sabedoria para Gabriel, que abre um sorriso

amarelo.

— Socolo, papai — Nicolas grita, parecendo fugir de um furação,

mas logo entendo seu desespero. A garotinha de cabelos loiros aparece

segundos atrás, furiosa, com as bochechas gordinhas vermelhas pelo

esforço. — A Naninha qué me batê.

Nicolas pula no colo de Artho, mas nem isso o impede de ser

atingido na testa pela Barbie que Angel arremessa. Seguro para não dar

risada, assim como o restante dos meninos, e logo Eros pega a pequena no

colo, falando calmo que não podia fazer aquilo.

Angel esperneia no colo do pai, querendo descer e continuar

brigando com Nicolas, mas meu amigo sai da sala com ela, que começa a

chorar.
— O que você aprontou dessa vez? — Artho pergunta tranquilo, mas

sério para mostrar ao filho que não achou graça, mesmo que, no fundo, se

divirta com a implicância dos dois.

— Nada — responde, dando de ombros, e desce do colo do pai,

pronto para correr de volta para suas brincadeiras.

— Sabe que não pode ficar provocando Angel — continua dizendo

ao filho, que assente, com o rostinho inocente como se não estivesse

aprontado nada.

Artho libera o garoto, que corre o mais rápido possível para longe do

pai.

— Ele aprontou alguma coisa? — falo, ainda olhando para direção

que correu.
— E eu sei? — Artho responde rindo.

Eu amo quando temos esses momentos reunidos. E agora a casa

encheu ainda mais, com a volta de Dimitri com a Giulia, e a filha Diana.

Quem poderia imaginar? Dimitri é pai de uma menina, que está na

pré-adolescência. O universo retribuindo, dando o prazer de fazê-lo sentir

na pele como será a fase dos namoradinhos.

Por alguns segundos, me sinto mal, aquela ligação de Ariela na

França alguns anos atrás querendo saber de Dimitri, era a pedido da Giulia,

que queria contar sobre a filha que tiveram juntos.

Se tivesse contado a verdade, eu não teria tirado o direito do meu

amigo de ver e participar da criação da filha. Fui um filho da puta, mas não

tinha como saber.


Viro a cabeça em direção ao meu amigo, que olha para mim, e

parece saber o que se passa na minha cabeça. Com uma expressão séria, faz

um gesto em negação com a cabeça, pedindo para parar com o martírio, que

não valia a pena, o importante é que ele, Giulia e Diana estão juntos agora.

Quando Dimitri soube da ligação de Ariela e que neguei saber do

paradeiro dele, nossa conversa não foi nem um pouco calorosa, ele

simplesmente entendeu.

Suspiro, tentando me convencer de que as coisas acontecem da

forma certa, não adianta procurar respostas para atitudes que tivemos antes.

Eros retorna à sala, soltando um suspiro longo ao se sentar.

— Descobriu o que aconteceu? — pergunto e o vejo assentir.


— Angel se recusou a brincar com Nicolas, e meu afilhado a

empurrou em resposta à negativa — conta, o tom de voz cansado.

Ficamos em silêncio por alguns segundos, refletindo a tragédia que

era no ponto de vista das crianças, e rimos logo depois. O problema deles

em comparação aos nossos eram coisas mínimas. Para os pequenos, todo o

sentimento era intenso demais.

Eros disse que deixou Angel aos cuidados da mãe, que estava

reunida com Giulia e Charlotte na cozinha. Ayla e Diana estavam na área da

piscina, conversando como se fossem grandes amigas desde crianças. Era

bom ver que se deram muito bem logo de cara.

Só consigo pensar em Ariela e que logo vai estar aqui curtindo esses

momentos. Me pego pensando se Natan e Gabriel vão demorar para

encontrar a pessoa deles.


Eu achava que não, pela forma que os dois pareciam estar estranhos

ultimamente, isso diz que em breve todos os cretinos estarão casados. Essa

constatação me faz lembrar de Gustavo e Elena, e o quanto sonharam com

isso.

— Preciso contar uma coisa para vocês — quebro a conversa que

está rolando, e recebo os olhares curiosos dos meus amigos. — Tem uma

coisa que venho aguardando há anos.

Me ajeito melhor no assento, inquieto como se formigas me

picassem. Minhas mãos estão suadas, então as limpo na calça jeans. Olho

para Eros, porque é mais para ele a confissão.

— Pela sua cara, é algo sério — Gabriel declara, tirando a expressão

de brincadeira do rosto para preocupação.


— Conta logo — Dimitri pede.

Reviro os olhos pela impaciência dele, e começo a contar.

— Na noite em que fomos presos enquanto comemorávamos a

entrada na faculdade, aquela noite em que fomos denunciados por causa da

maconha que estava com Artho — digo, tentando fazê-los lembrar.

Eros bufa, porque foi justamente na época que perdeu os pais.

— Lembramos muito bem da porra daquele dia — Artho reclama, se

jogando no sofá.

Ninguém gosta de recordar uma lembrança ruim, porque depois

daquele dia, nossas vidas mudaram muito, e não foi uma mudança qualquer,

foi um acontecimento que nos fez crescer e encarar a realidade de tudo.

Com dor ou sem dor.


— Que merda aconteceu? — Nathan pergunta. — É algo tão

relevante para trazer agora depois de todos esses anos? — indaga confuso.

— Para mim, sim! — respondo. — Não teríamos sido denunciados

se naquele noite antes de ir para a casa do Eros, Pedro não tivesse invadido

meu quarto e revistado tudo, encontrando maconha nas minhas coisas —

confesso, olhando especificamente para Eros. — Nós dois discutimos

naquele dia. Ele não queria que eu continuasse com a nossa amizade, ainda

mais depois que Dimitri foi solto do Case.

Passo a mão pelo meu cabelo, o clima da sala fica pesado e tenso.

Todos com cara de enterro, recordando o inferno particular de cada um.

— Pedro me confessou que foi ele quem denunciou a festa para o

delegado, acabando com tudo depois de encontrar a maconha com Artho, e

nos levar presos — minha confissão não os abala, já esperavam o pior do


homem que um dia considerei pai. — Durante todos esses anos, fiquei

pensando nisso, me culpando por causa de Pedro, se ele não tivesse nos

denunciado, os seus...

— Pode parando com essa porra — Eros me interrompe, a voz alta,

mas não o suficiente para alertar as garotas no outro cômodo. — Já sei o

que vai dizer, e não estou a fim de escutar essa merda.

Ele se expressa com raiva, levantando do sofá para ficar de pé no

lugar onde todos tivessem a visão dele, onde conseguisse olhar para o rosto

de cada um.

— Puta que pariu, você também com essa porra? — indaga, furioso.

— Quantas vezes vou precisar dizer que ninguém teve culpa pela morte dos

meus pais? — questiona, olhando para o rosto de cada um. — Você não tem
culpa, nem Artho, Dimitri, Gabriel e Natan, ninguém tem culpa. Foi a porra

de uma fatalidade, um acidente — afirma.

Mesmo pensando que tudo poderia ter sido diferente, aquiesço

quando Eros me olha, como se fosse capaz de voar em cima de mim para

enfiar a verdade dentro da minha cabeça.

— Não temos controle da vida, vocês sabem disso — continua. —

Não quero ouvir essa merda de novo. Estão me ouvindo? Sou capaz de

socar a cara de vocês se continuarem com essa besteira.

A ameaça consegue me tirar um sorriso do rosto. E ao olhar para os

meninos, vejo a mesma reação.

— Ótimo! Mais alguém precisa confessar algo? — interroga, indo

até a mesinha de canto que tem algumas bebidas para decoração, e abre um
uísque, colocando uma pequena quantidade no copo e o vira logo em

seguida na boca.

Os meninos negam com a cabeça ao escutar a pergunta. Estavam

quietos depois da explosão que ele teve, mas ninguém era doido de não dar

razão. Até eu estava com medo, mas sentia o alívio por ter falado a verdade

do que sentia, o peso da omissão saindo completamente dos ombros.

Eu, por outro lado, tenho algo para confessar, mas esperaria o

momento certo, só quando Ariela estivesse comigo.

São quase sete horas da noite quando volto da casa de Artho para a

minha. A distância de carro não leva nem dois minutos inteiros. Assim que

estaciono, avisto algo estranho na porta da casa.


Nem foi preciso muito tempo para reconhecer Ariela sentada em

frente à porta, repleta de malas ao seu lado, me esperando. Não sei como

consegui desligar o carro e não sair correndo até ela.

Ela sorri quando me vê andando em sua direção, e se levanta,

batendo as mãos nas calças para tirar a sujeira.

— Estou vendo que o pessoal do condomínio deixa qualquer uma

entrar sem autorização — aponta o fato, me provocando, e a única coisa que

faço quando chego perto é puxá-la para mim, a beijando.

Que surpresa maravilhosa. Não esperava que ela fosse chegar hoje,

já que havia me dito que não sabia a data exata de quando retornaria para o

Brasil.
— Meu Deus, é você mesmo? — questiono, beijando todo o seu

rosto, ouvindo sua risada divertida.

— Eu queria te fazer surpresa — responde, e eu a abraço.

— Você conseguiu — digo.

Meu peito se enche de alegria, podendo enfim abraçá-la como eu

queria. Sentir o calor do seu corpo junto ao meu. Finalmente, tudo estava

acontecendo como sempre desejamos.

— Te fiz esperar por muito tempo? — pergunto, me afastando para

admirar o seu rosto, enquanto minhas mãos deslizam pelo seu corpo

garantindo que está mesmo aqui e bem, acreditando que é real. — Deveria

ter me ligado.

Ariela ri, negando com a cabeça.


— Fiquei esperando pouco tempo e a espera valeu a pena só para ter

essa reação — declara, passando a mão pelo meu rosto. — Como eu esperei

por isso.

Vou explodir de felicidade. Quando recebi sua ligação no mês

passado, desejando voltar e largar tudo por nós, por milésimos de segundos,

pensei em concordar, mas não podia, era a vida dela.

Não queria que ela abandonasse tudo, teria perdido todo o período

que ficou na Itália para a especialização na profissão. Valeu à pena passar

por tudo, para no final ela estar aqui comigo, nunca mais a deixarei ir.

Escuto seu gritinho de choque quando a pego pela cintura,

impulsionando seu corpo para que Ariela enrole as pernas em mim, seus

braços estão em volta do meu pescoço, seu sorriso é largo, de pura

felicidade.
É olhando para o meu amor, que abro a porta da nossa casa, a fecho

com um chute, ignorando as malas do lado de fora.

A única coisa que preciso fazer nesse momento é tirar toda a roupa

dos nossos corpos e mostrar o que as palavras não são mais capazes, que a

amo intensamente e sou a porra do homem mais sortudo por tê-la comigo.

Agora chegou a nossa vez de sermos felizes.

 
Lion

Sábado, 13 de abril de 2030

Fecho a porta do quarto silenciosamente quando garanto que Ariela

está bem e dormindo tranquilamente depois de ser medicada. Fiquei muito

preocupado ao vê-la pálida e gelada, passando mal na casa de Dimitri.

Era para ter sido um dia especial. Tenho a sensação que os

aniversários do meu amigo são uma data para grandes acontecimentos.


Ariela foi muito bem recebida pelos meus amigos, estávamos todos

felizes, curtindo o aniversário de trinta e cinco do Dimi, com aquele

sentimento de estar em família, a turma completa de novo.

Ouvir do médico que Ari está grávida me fez querer sair do chão e

voar com tamanha felicidade. Estávamos em êxtase, ainda mais de quase

cinco meses.

Puta que pariu, eu vou ser pai.

Ariela recebeu a notícia em choque, e pude ver o medo estampado

em seu rosto, a lembrança da perda do bebê ainda a machucava. E agora,

ela teme que aconteça novamente.

Acompanho Artho e Charlotte até a saída do hospital, garantido que

ficaria tudo bem e que se precisasse de alguma coisa, ligaria. Paramos no


hall do hospital para me despedir dos dois.

— Eu não acredito que vou ser pai — sussurro, passo a mão no

rosto, sinto a felicidade me preencher, a melhor sensação do mundo, não

acreditando que agora terei minha família com a mulher dos meus sonhos, o

amor da minha vida.

Sorrindo, recebo os tapinhas nas costas dadas pelo Artho, que não

esconde a felicidade por mim.

— Bem-vindo ao clube, meu amigo — declara. — Tenho certeza que

vai ser um ótimo pai — aquiesço em agradecimento.

Meu peito aperta imaginando o que virá pela frente. Será uma

jornada longa, cheia de cuidados e paciência, e tenho tanto medo de não ser

o suficiente para Ariela nesse momento.


— Parece que tem algo te afligindo — é Charlotte quem diz, com

um vinco de preocupação. Ela pega minha mão para segurar, percebendo

que estão suadas.

Artho estreita os olhos, percebendo agora que não pareço aliviado

com toda a situação. Talvez para eles, eu não deveria estar mal. Enfim,

estou com Ariela, vamos ter um bebê, sem ter Pedro e Claudia para impedir

nossa felicidade.

— O que foi? — indaga, dobrando os braços em frente ao peito,

como se preparasse para me ajudar a lidar com o que fosse.

— Tem algo me preocupando, sim — suspiro, lembrando da tristeza

e preocupação no rosto de Ariela. — Não vou entrar muito no assunto

porque é algo particular, cabe a ela contar a vocês ou não, porque é uma

vivência dela — eles assentem quando explico.


Conhecendo meus amigos, eles nunca seriam indelicados para

saírem questionando as pessoas, sempre respeitaram o espaço de cada um.

— Mas posso contar que ela descobriu que herdou a doença da mãe,

e tem Insuficiência Istmo Cervical, o que causa um risco se não tiver todo o

cuidado, pode até levar a um aborto — digo, vejo Charlotte ofegar, levando

a mão a boca.

Seus olhos se enchem de lágrimas e eu a puxo para um abraço. Artho

engole em seco enquanto tento consolar a sua esposa, parece angustiado, no

seu rosto vejo, que não esperava que a situação fosse ser tão delicada. 

— Porra — ele expressa exatamente o que sinto agora, ficando

tenso.
— Provavelmente, o médico vai solicitar alguns exames para serem

feitos amanhã e por Deus, torço muito para que esteja tudo bem, porque vou

precisar ser forte por ela, e tenho medo de não conseguir — confesso o

medo que sinto sem me importar quando algumas lágrimas descem pelo

meu rosto.

— Você vai, irmão — Artho diz confiante, batendo no meu ombro.

— E nada vai acontecer com o bebê ou com Ariela — garante como se

tivesse o poder de fazer tudo dar certo.

A verdade é que só podemos ter fé e positividade, acreditar que já

passamos por sofrimento demais, que o destino só quer nos aproximar mais.

— E você não precisa lidar com isso sozinho, somos uma família,

vamos estar sempre juntos — diz, e o abraço, deixando a emoção sair. A

mão de Charlotte acarinha as minhas costas, me consolando.


Não levamos muito tempo abraçados, limpo o rosto tentando me

recuperar, e os dois me olham sensibilizados.

— Pode deixar que não vou contar ao Gabriel que chorou feito um

bebê ao descobrir que seria papai — Artho brinca, e dou risada, levantando

o dedo do meio para ele.

Recebo um olhar duro de uma mãe que passa na recepção com uma

criança ao lado.

— Estou vendo que terei que mudar meus modos em breve — digo.

— Você nem imagina o quanto — Charlotte fala, olhando para Artho

que pisca um olho para a mulher e beija seu rosto. — Mas isso é

aprendizado que Artho, Eros e até mesmo Dimitri vão adorar passar para

você.
Sorrio, anuindo.

Eles se despedem, deixando palavras positivas que me enchem de

esperança que tudo ficaria bem.

Não demoro muito para voltar para o quarto onde Ariela ainda

dorme. Foi preciso tomar alguns cafés fortes para conseguir ficar desperto

por longas horas, e logo já estava amanhecendo. Dei apenas alguns cochilos

durante a noite com medo de ela acordar precisando de alguma coisa.

Ariela despertou do sono sem notar que era observada. Sua feição se

alterou de desorientada para deslumbrada, pude ver o momento exato de

quando as lembranças de ontem recaíram sobre ela, e um pequeno sorriso se

abria na sua boca. Uma das mãos foi levada até seu abdômen plano, o dedo

polegar acariciando o local.


Foi a cena mais linda e emocionante que já presenciei. Seu queixo

começou a tremer ao tentar segurar o choro, e não quis atrapalhar o

momento. Era o tempo que ela precisava para assimilar a vida que

carregava, o fruto do nosso amor.

Sem sintomas ou enjôos, não tínhamos como adivinhar que

engravidou naquela noite em novembro, um dia antes de voltar para a Itália.

Nem ela desconfiou que um bebê era gerado em seu ventre.

Sorrio ao perceber que tudo aconteceu no momento certo, com ela

morando comigo e com o curso finalizado.

Dois dias depois que chegou em São Paulo, Ariela viajou até Bento

Gonçalves para conversar com a mãe, e sei que a conversa não foi nada boa

pela expressão em seu rosto quando voltou para casa.


Até havia sugerido acompanhá-la na viagem, mas ela pediu para que

eu ficasse, garantiu que cuidaria de tudo sozinha, e foi o que fez.

Breno logo teria ciência que estávamos namorando, e esperava que

meu irmãozinho não nos virasse as costas.

Por causa do vínculo que temos, consigo ler Ariela muito bem, e

mesmo com medo do que pode acontecer, sei que sente que a vida está

sorrindo para ela novamente, lhe dando a esperança de ser mãe mais uma

vez.

A diferença é que estarei com ela durante toda a gravidez, no que

precisar, e com a ciência da doença, estaremos preparados para tomar todos

os cuidados possíveis. Sei que seu primeiro anjinho olha pela mamãe e por

seu irmãozinho ou irmãzinha.


Sem aguentar mais, depois de ter dado um tempo para ela refletir, me

levanto e vou até a cama, deixo beijos na sua testa e lábios, sussurrando o

quanto a amo, que estaria sempre com ela, independente do que

acontecesse.

Quando chegamos em casa, depois do longo dia de exames,

recomendações e a certeza de que tanto o bebê como Ariela estavam bem.

Eu pude ver o alívio dela ao ter a garantia de que tudo ocorria bem, que foi

apenas um susto.

Foi preciso ligar para todos os nossos amigos e passar a informação.

Em nenhum momento em que estava no hospital com ela, eles deixavam de


mandar mensagem, principalmente as mulheres. Charlotte, por saber da

condição de Ari, pedia o tempo todo atualizações.

Tomamos um banho e depois de comermos, deitamos na cama, onde

eu a abracei forte em meu peito. Podia sentir seu coração acelerado e a

mente agitada pensando em várias coisas.

— Você precisa descansar — digo, beijando o topo da sua cabeça. —

Amanhã vai ser um longo dia.

Várias consultas de pré-natal estavam marcadas para durante a

semana. A rotina mudaria completamente, e eu estava animado em passar

tudo isso com ela.

Pediria para que Natan viesse em casa para planejar uma forma de

garantir o conforto dela, não queria ela descendo e subindo escadas. Tudo
que pudesse ser feito para evitar uma complicação na gravidez, eu faria.

Garantiria a saúde dos dois.

— Você também precisa descansar — comenta, sorrindo.

Levo a minha mão até sua barriga, mantendo por cima da dela,

ficamos emocionados com o que estávamos compartilhando.

— Dessa vez vai ser diferente — digo, fazendo o que posso para

acalmar seus medos. — Sabemos da sua condição, e tenho certeza que com

o cuidado e acompanhamento médico, o bebê vai nascer saudável, e lindo

como os pais.

Ariela dá risada, assentindo.


— Mesmo com medo, eu estou muito feliz — diz, abrindo um

sorriso reluzente. — É tanta felicidade que não cabe dentro de mim, e só

por não estar sozinha como antes, já fico tranquila.

Seus olhos azuis brilham, e eu a beijo.

— Nunca te deixarei sozinha — sussurro, aconchegando-a melhor

nos meus braços. — Você está me fazendo o homem mais feliz do mundo,

obrigado por compartilhar sua vida comigo, e me escolher para ser pai dos

seus filhos.

Agradeço e a vejo sorrir de olhos fechados enquanto algumas

lágrimas descem por sua bochecha, aproximo meu rosto, deixando um beijo

em cada olho, na ponta do nariz, na testa e nos lábios.


—Eu te amo, sempre foi você, sempre será —sussurra, e concordo

ao vê-la sonolenta.

Espero que ela caia no sono primeiro para depois dormir, adorando a

completude dentro do meu peito. Não sabia que um homem poderia ser

capaz de ser tão feliz na vida como estou sendo agora, tudo graças a Ariela

e ao amor que temos.


Ariela

Segunda-feira, 15 de abril de 2030

Respiro fundo assim que saio da consulta com o especialista em

gravidez de risco, olho para Lion que está com semblante fechado e tenso,

concentrado no chão enquanto caminha. Foi preciso fazer uma escolha

difícil, com riscos, mas necessária. Amanhã passo por uma cerclagem, uma

cirurgia realizada para evitar um aborto ou um parto prematuro, mesmo

sabendo que é um procedimento simples, sinto um frio na barriga.


Por causa do meu histórico de perda, o Doutor Carlos enfatizou a

importância de fechar o meu colo uterino para que não se abra de novo

precocemente. Sabíamos que seria difícil, e chegar aqui sem nenhum

sangramento, já é um milagre.

Lion para ao meu lado e passa as mãos nos cabelos, a mandíbula

travada demonstra o quanto segura a emoção, o medo, na minha frente.

— Amor, não precisa se preocupar, o doutor disse que as taxas de

infecção são muito baixas, e como a anestesia será local, o que é melhor, e

menos um risco, fico mais tranquila — digo passando as mãos nas suas

costas tensas.

Lion suspira, aquiescendo.


— Não vou mentir, estou apavorado – ele diz ainda olhando para o

chão, e quando levanta o rosto para me olhar, vejo as lágrimas molhando

seu rosto. — Não posso perder vocês! E a falta de controle me aterroriza.

— Eu sei, mas não é como se tivéssemos outra opção – o consolo,

envolvendo meus braços em seu pescoço. — A taxa de sucesso do Doutor

Carlos é de 93%, eu sei que ele estava se gabando, mas achei incrível —

falo, usando um tom brincalhão ao se referir ao médico.

Sorrio, ao ver seu rosto desanuviar.

— Sei o que você achou incrível, dona Ariela, eu vi o jeito que olhou

para ele — seu deboche me faz respirar aliviada, Lion sorri e beija minha

testa, e bufo. — Vamos para casa, você precisa descansar para que tudo

ocorra bem amanhã.


Ele está tenso, eu também estou, mas é somente um dos dois

procedimentos que irei passar, pois ainda será necessário retirar o fio da

cerclagem assim que eu completar 37 semanas. Lion pega na minha mão

deixando um beijo na minha pele, e seguimos para o carro.

Segunda-feira, 22 de abril de 2030

Os dias passaram tão depressa depois da cerclagem mas a certeza de

que a gravidez será tranquila nos deixa mais aliviados. Chega a ser fofo, e

um tanto engraçado como Lion me trata, que sufoca muitas vezes.

Comecei o pré-natal, e está tudo dentro da normalidade. O bebê está

saudável, mas é tímido. Lion perturbou tanto o médico que fez a primeira

ultrassonografia, ainda no hospital, que ficamos mais de uma hora dentro da


sala para descobrir o sexo, nem o equipamento em 3D conseguiu nos dar

uma dica. Sem falar que choramos tanto ao ouvir o seu acelerado

coraçãozinho, que a equipe nos deixou um tempo sozinhos na sala.

E hoje, finalmente será o dia que vamos descobrir o sexo do bebê,

me preparei e fiz tudo que mandaram, comi chocolate, e estou pronta para

dar alguns pulinhos, se necessário, antes de deitar na maca.

Recebi dicas de Giulia, Charlotte e Raquel, que estão sendo uma

rede de apoio para mim. Tentamos uma das dicas ontem, que é cantar para o

bebê, e com Lion encostando a boca na minha recente barriga de grávida, e

cantando You Are My Sunshine, sentimos nosso pedaço de amor se mexer

pela primeira vez. Emocionados nos abraçamos, e Lion recebe um chute, o

que nos fez rir.


Depois disso, não tive mais sossego, ou Lion está cantando, que

agora tem mais uma música no repertório “cante para a barriga” com Um

Anjo do Céu do Maskavo, ou comemorando toda vez que recebo um chute

em cumprimento. Essa criança ama a voz do pai, e eu fico cada dia mais

apaixonada por essa interação entre eles.

Não aguento de ansiedade, mas acho que Lion consegue beirar uma

crise nervosa. Dou risada quando o vejo levantar pela milésima vez do meu

lado no sofá na sala de espera para beber água e ir ao banheiro.

Se está agindo assim só por saber o sexo, imagina no dia que eu for

ganhar o bebê. Sorrindo, passo a mão na barriga, que parece ter crescido

muito na última semana.

A descoberta da gravidez deve ter causado alguma reação no meu

corpo e consciência, porque agora, sim, dá para saber que estou grávida
pela barriga avantajada. Ainda pequena para quem completou cinco meses,

mas linda.

Assim como os enjoos matinais começaram com tudo, os desejos, e

o sono. Tudo despertou o meu corpo, consigo até ver como ele está

mudando por conta da gravidez, inclusive o tamanho dos meus seios.

Estou amando admirar a barriga em frente ao espelho toda vez que

tomo banho e vou me vestir. Muitas vezes com Lion atrás de mim, me

abraçando por trás, com suas mãos grandes por cima das minhas.

Estávamos vivendo o nosso conto de fadas, e não queria sair dele

nunca mais.

Logo ficamos sabendo que eu não seria a única grávida entre nossos

amigos, Giulia e Dimitri contaram que estavam à espera de um bebê, foi


uma festa entre nossa turma, nossa família. Fiquei muito feliz por eles,

agora Dimitri poderia curtir tudo que não pôde na gravidez da Diana com

esse bebê.

Decidi contar para nossos amigos a doença que herdei da minha

mãe, e como ela deixava a gestação vulnerável. Giulia chorou ao saber, mas

quando contei que havia tido um aborto por causa disso, ela desabou, assim

como Raquel e Charlotte.

Foi difícil contar, mas eu tinha aprendido que a dor de uma mãe

nunca cessa. No final, era agradecida pelo meu anjinho, mesmo o

pouquíssimo tempo que tivemos juntos, eu sempre seria sua mamãe.

Todas eram mães, imaginavam como é a dor da perda de um filho.

Foi quando eu soube que Raquel havia passado pela mesma coisa na época
da faculdade, a perda do bebê a dilacerou assim como me deixou aos

pedaços.

Eros, que escutava tudo ao lado dos meninos, demonstrava o quanto

ficava abalado ao lembrar do que aconteceu com ela, ainda mais sendo o

pai do bebê. Olhei para Lion, que retribuiu o olhar com intensidade, seu

semblante triste carregava a dor pelo meu sofrimento. Sorri em gratidão e o

vi apertar os ombros do amigo, como se compartilhasse sua dor, e vir me

abraçar.

Havia sido uma noite de choro, porém também de abraços

carregados de amor e alegria em família. Foram feitos planos futuros e até

palpites sobre o sexo dos bebês.

O nosso grupo era grande, com pessoas bem-sucedidas e corpos

sarados, mas a coisa mais linda que sobressaltava nele era a união e apoio
que dávamos uns aos outros.

Evitei o estresse de ligar para Claudia e contar sobre a gravidez,

deixaria para contar no momento em que tivesse certeza de que suas

palavras pesadas não pudessem me afetar.

Era importante que eu não passasse por nenhum estresse e me

cuidasse para manter a calma e tranquilidade.

Lion contou para sua mãe, que pareceu irradiar de tanta felicidade.

Ela não sabia que havíamos voltado, então foi uma surpresa dupla. E no dia

seguinte, Clarice estava batendo na porta da nossa casa com o marido ao

lado.

Ela chorou quando me abraçou. Bem, nós duas choramos abraçadas

por muitos minutos. Dava para sentir o quanto estava feliz pela gente, e
contou que torceu para que nos entendêssemos algum dia.

E deixou claro que podia contar com ela, foi chorando em seu abraço

que percebi que havia ganhado uma mãe.

Meu nome é chamado para entrar na sala de ultrassom, e seguro a

mão de Lion, nervosa e ansiando pela descoberta. Quando escuto o som

forte e ritmado das batidas do coração do meu bebê, desabo em lágrimas.

Olho para a tv à minha frente, tentando identificar alguma parte do

seu corpinho naquelas imagens confusas que só os médicos entendiam.

Lion se inclina em minha direção, beijando minha testa. Seus olhos

brilham de emoção por ver o nosso bebê.

— A garotinha de vocês está bem saudável — a doutora anuncia

feliz, depois de perguntar se queríamos saber o sexo do nosso bebê.


— É uma menina? — perguntamos juntos, a médica ri ao confirmar

mais uma vez.

— Sim, uma menina saudável e bem desenvolvida — suas palavras

são doces e suaves, com o poder de tranquilizar o meu coração.

— Uma menininha — Lion sussurra atônito, olhando para a tela do

monitor. — Meu Deus, estou fodido.

Não consigo segurar a risada, não sabia se chorava ou se gargalhava

pelo drama. A médica continua as medições, mostra o rostinho que tem

uma mãozinha na bochecha, a outra mãozinha está segurando o cordão

umbilical, olho para Lion e o vejo ofegar a cada imagem mostrada, então

sorrio maravilhada. Sabia que ele estava feliz pela notícia, a reação

exagerada foi saber que o peso de ser pai de menina teria seu preço.
Ainda mais para um cretino.

Lion

Segunda-feira, 24 de junho de 2030

Sete meses!

Como passaram rápidos.

No relógio da mesinha ao lado da cama está marcando duas e meia

da manhã. Acordei quando Ariela se mexeu. Ultimamente, quanto mais

perto chegava o fim da gravidez, mais receoso eu ficava.

Atento a absolutamente tudo, até mesmo quando Ariela respirava

diferente, eu já estava em cima dela.


Me levanto da cama para ir até a cozinha beber água, fecho a porta

devagar para não acordá-la. Na volta da cozinha, ando pelo corredor em

direção ao nosso quarto, mas paro em frente à porta do quarto da nossa

pequena Luna.

Abro a porta devagar, vendo o quartinho em tons de lilás e branco

encher o cômodo de alegria e paz. Os móveis já estão no lugar, com as

roupinhas lavadas e dobradas enchendo as gavetas e o guarda-roupa.

Tudo planejado para o conforto de Ariela e Luna.

O bercinho está no canto, a poltrona de amamentação ao lado, e uma

cama auxiliar para o conforto dos pais nos primeiros meses. Quadros e

pelúcias enfeitam as paredes. Em um canto encontram-se as sacolas e mais

sacolas de presentes que Luna ganhou dos tios babões no chá de bebê.
As paredes e teto possuem algumas estrelinhas fixadas, quando no

escuro, elas brilham. É emocionante como me lembram de Gustavo, e sua

paixão pelas estrelas e constelações.

Fico encostado no batente da porta, admirando cada detalhe,

sonhando com o momento que nossa bebê vai estar em nossos braços. E

assim quando ela nascer, vou poder pedir a mãe dela em casamento do jeito

que planejo.

Sem pressa, do jeito que Ariela merece.

Tem sido dias difíceis, mesmo que tudo esteja correndo bem, o medo

ainda está lá, nos assombrando. Tantas vezes peguei Ariela chorando

escondida, temerosa, ainda mais porque estamos entrando na reta final,

onde tudo é mais delicado.


Ando até o berço branco da minha garotinha e pego uma pelúcia em

forma de lua, sentindo o cheirinho gostoso de bebê.

— Eu sabia que te encontraria aqui — dou um pulo de susto ao

escutar Ariela.

Me viro, a encontrando encostada na porta, a cabeça inclinada para o

lado, e um sorriso sonolento nos lábios. Estendo a mão a chamando para

perto, e quando está de frente para mim, a abraço, beijando sua testa.

Eu amo ter minhas mãos em Ariela, ainda mais agora que carrega

nossa bebê, seu corpo está lindo, evidenciando a força e determinação que

toda mulher tem em gerar uma criança. É extraordinário de lindo.

O meu desejo por ela cresceu ainda mais com a mudança de seu

corpo. E eu a amo todas as vezes que tenho oportunidade, com cuidado e


adoração.

Passo a mão pela barriga, sentindo o movimento de Luna me

contando que está acordada e inquieta.

— Nunca me canso de admirar as coisinhas dela — digo. — Falta

tão pouco, não aguento de ansiedade.

Ariela ri, afirmando com a cabeça.

— Fico sonhando com esse momento o tempo todo — confessa,

pegando a pelúcia para cheirar também. — Me perguntando o que ela vai

herdar de você e o que herdará de mim. Será que seria os meus olhos azuis

ou os seus castanhos claro? Seus cabelos castanhos ou os meus loiros?

— Prefiro que ela herde toda a sua beleza — declaro, sorrindo, e ela

bate em meu braço em protesto.


— Nem pensar. Já parou para pensar que ela terá uma mistura linda

de nós dois? — diz, formando um bico em seus lábios emocionada. E tenho

vontade de rir, seus hormônios estão uma loucura, intensificou todas as

emoções e humores.

Eu que fico louco com isso, cada hora é uma nova perspectiva do

que pode acontecer, desde choro, até gargalhadas.

— Estou curioso para descobrir — falo. — A única coisa que anseio

é que esteja aqui em breve para que possamos enchê-la de amor.

Ariela aquiesce, e beijo seu rosto choroso, a levo de volta para a

cama, me certificando sobre o seu bem-estar. Velo seu sono por alguns

minutos antes de dormir.

O primeiro amor a gente nunca esquece.


Sou um cretino sortudo por Ariela ser o meu primeiro e único amor,

que será para sempre.

 
Ariela

Domingo, 25 de agosto de 2030

Consegui chegar aos nove meses, foram de puro medo, desespero,

cansaço, oscilações de humor, felicidade, amor e muita ansiedade. A

retirada dos pontos de cerclagem foram mais tranquilos que prevíamos,

algumas horas depois já estávamos em casa, de repouso, mas prontos para

essa fase final.


Lion tem aguentado tudo com um sorriso no rosto, paciência e

cuidado. Sempre sendo o melhor em cada momento, até mesmo nos dias em

que estou estressada, querendo bater em alguém. Ele está lá, do meu lado,

massageando meus pés inchado, também passa creme pelo meu corpo,

garantindo que eu esteja bem e confortável.

Decidi que só me preocuparia em procurar um trabalho depois do

nascimento de Luna, meu foco agora é a família que estou construindo, no

momento certo sei que vou conseguir algo na minha área, e Lion achou uma

ótima ideia.

Sorrio quando o vejo jogar Angel para cima, causando gargalhadas

altas na menina. Rodeado de todos os sobrinhos na piscina, parece uma

criança de tanto que apronta com eles.


Hoje o almoço é na casa de Eros, que está na churrasqueira com

Artho. Dimitri conversa com Gabriel e estão sentados em uma cadeira

próximo dos amigos, enquanto Natan está com Lion na piscina brincando

com Ayla, Diana, Nicolas e Angel.

Stefan, irmão de Dimitri, está sentado na borda da piscina, observa

calado e tímido a todos. Olhando para o garoto, me vem o clique de uma

coisa que havia esquecido há muito tempo, e precisava muito comentar com

Giulia.

Das últimas duas vezes que tentei fofocar com minha amiga, fomos

interrompidas, e não tive a chance, até agora.

— É para quando o bebê, Ari? — Raquel pergunta, me tirando dos

pensamentos.
Raquel, que está deitada na espreguiçadeira ao lado da minha,

inclina para tocar minha barriga grande e pesada, causando muitas dores

nas costas e pernas.

— A qualquer momento. O médico disse para ficar preparada, pode

nascer quando eu menos esperar — digo, sorrindo, olho para minha barriga

redonda e esticada, muitas vezes me perguntava como isso era possível.

Olho para frente mais uma vez, meus olhos avistam Stefan agora

conversando com Natan, e sinto a urgência de falar com Giulia sobre a

fofoca.

Peço licença para Raquel e Charlotte, informando que iria até a

cozinha.
— Precisa que eu pegue algo para você? — Charlotte pergunta, e

nego com a cabeça.

Minhas amigas, minha nova família, são o tempo todo solícitas,

ainda mais na reta final da gravidez, onde as tarefas mais simples parecem

se tornar difíceis.

— Não precisa, eu aproveito e ando um pouco, minhas pernas estão

me matando — digo, e elas riem por entender bem das dores na gravidez.

Mas, a desculpa mesmo era sair dali à procura da minha amiga, que

com sorte encontrei na cozinha. Giulia está enchendo a boca de sorvete de

chocolate, e pela expressão de satisfação no rosto, diria que é o melhor

sorvete que comeu em toda a vida.


Exagero de grávida talvez, tudo fica mais aguçado, até mesmo o

paladar.

— Preciso te contar uma coisa — informo ao entrar na cozinha, ela

me olha curiosa com a boca cheia. — Lembra daquela fofoca que eu queria

te contar algum tempo atrás? — indago, indo direto ao assunto, temendo

que algo me atrapalhe de novo.

— Aquela que tentou me contar e que em todas foi atrapalhada? —

questiona, seu gosto pela fofoca aflorando o meu desejo de abrir a boca e

falar sobre as minhas suspeitas em relação ao Stefan.

Sinto uma queimação no estômago, e passo a mão na barriga com o

desconforto. Ando pela cozinha à procura de uma colher, e encontro em

uma das milhares de gavetas que existem nessa cozinha.


Caminho até Giulia, enchendo minha colher de sorvete da taça dela,

preciso de algo gelado para aliviar a queimação.

Observo minha amiga e seu vestido soltinho que realça a barriga, ela

está tão linda grávida, e não acredito que estamos vivendo esse momento

juntas.

— Pelo amor de Deus, me conta logo — ela pede, inquieta na

cadeira.

Me sento ao lado dela, dividindo o seu sorvete comigo.

— Lembra daquela viagem que fizemos a Jaguarão para você se

encontrar com Dimitri? — pergunto.

Suspiro quando sinto o sorvete derreter na minha boca.


— Preciso perguntar para Raquel a marca desse sorvete — digo,

desfocando do real assunto que preciso contar a Giulia.

Respiro fundo, arrumando minha postura na cadeira. Ando muito

cansada, não consigo ficar muito tempo em pé, minhas pernas e coluna

protestam por qualquer esforço que eu faça e sentar precisa ser sempre

numa posição que seja confortável para o peso da barriga.

A Luna além de saudável, é uma bebê muito ativa na barriga, acho

que já puxou isso do pai. Toda vez que tem alguém comigo, ela parece

querer fazer parte da conversa. Agora mesmo, sinto ela tentando se ajeitar

na falta de espaço.

— Claro! Você até alugou um helicóptero para nós — declara, um

sorriso se abrindo, recordo de como ela ficou feliz naquele dia, eu também

fiquei, tudo para deixar minha amiga feliz.


Eles estavam noivos, e eu sabia como a distância e a saudade eram

dois elementos horríveis.

— Foi nessa viagem que observei uma coisa, e um meses depois

enquanto eu assistia Game Of Thrones minhas suspeitas pareceram fazer

total sentido — digo, e olho para a entrada da cozinha verificando se não

estávamos sendo ouvidas.

O assunto precisa ser tratado com delicadeza.

Giulia levanta uma sobrancelha em questionamento, confusa com

tudo que eu dizia, para ela não fazia sentido nenhum, como uma coisa teria

a ver com outra.

— Já parou para observar que Stefan não puxou nada de Dimitri? Os

cabelos do Stefan são de um castanho mais escuro com fios grossos, os


olhos puxados para o mesmo tom, oposto do irmão — pauso, enumerando

com os dedos à medida que vou citando as diferenças. — Até os traços são

diferentes, inclusive, também não se parece com Flaviano. — digo, me

referindo ao marido de Telma.

Minha amiga franze a testa, entendendo onde quero chegar, mas

nada surpresa com a suposição.

— Já reparei, sim, mas Telma já estava grávida antes de tudo

acontecer — Giulia responde, procurando respostas para a desconfiança.

Aquiesço.

— Depois que assisti à série, eu lembrei que, naquela época, ocorreu

um boato de que alguém tinha visto um homem estranho saindo da casa dos

Romanos logo depois que Dimitri foi para o Case — conto, na época foi um
burburinho bem maluco. — Mas o boato morreu aí, depois não ouvi falar

mais nada sobre. Será que a Telma teria coragem de ficar com outro

homem?

— Eu não duvido de nada, mas como ela teria coragem de trair um

homem tão perigoso como Emilio? — Giulia questiona e eu dou de ombros.

Penso que Telma era capaz de tudo.

— Ninguém da família nunca questionou a diferença física do

Stefan? — indago, curiosa. É estranho pensar que os próprios familiares

não tenham desconfiado.

Eu que estava de fora do ciclo de irmãos, consegui observar esse

fato.
— Não, ele jamais tocou no assunto, até duvido que ele possa ter

percebido isso — responde pensativa, como se puxasse na memória algum

momento que Dimitri tenha falado algo.

Conhecendo-o e seu coração enorme, se percebeu, não quis contar, e

mesmo que houvesse uma desconfiança, Dimi não iria se importar. Para ele,

Stefan é irmão, sendo ou não filho do mesmo pai.

— Quem somos nós para julgar? — observo e dou de ombros,

enchendo um pouco mais da minha colher de sorvete. Olho para Giulia, que

esboça um sorriso cínico.

Pressiono a minha boca por poucos segundos, mas não consigo

segurar a gargalhada que solto, e Giulia me acompanha.


— Somos as piores, Ari — ela me responde, e somos atrapalhadas

quando Lion e Dimitri entram na cozinha com olhos atentos e curiosos.

— Vocês sumiram por muito tempo, achamos que pudesse ter

acontecido alguma coisa — Dimitri fala, indo até minha amiga, beijando

seu rosto.

— Estávamos colocando a fofoca em dia — conto, sorrindo para

Lion, que logo está do meu lado, roubando um pouco do sorvete da minha

colher.

— Eu ouvi fofoca? — questiona. — Quero saber.

Seus olhos brilham eufóricos, ansiosos para saber do que estávamos

conversando e cai na risada.


— Não! Assunto de mulheres — nego, me inclinando para beijar

seus lábios. Sinto uma fisgada atingir minha coluna, quando faço menção

em levantar.

Chega a ser tão forte, que travo no lugar, fazendo uma careta de dor,

e imediatamente sinto os braços de Lion ao meu redor.

Começo a sentir uma cólica forte, e seguro firme seu braço,

apertando, minha unhas marcam sua pele e eu gemo. Sinto a barriga

endurecer quando uma pequena contração vem, e já sei que não será a

primeira. Chegou o dia de conhecer minha filha.

— O que foi, linda? — questiona preocupado, e levanto meu rosto

para o seu, abrindo um sorriso.


— Acho que a nossa Luna está pronta para vir ao mundo — declaro,

meus olhos enchendo de lágrimas, nervosa e ansiosa ao mesmo tempo.

Temo tanta coisa, mas esse é o momento que preciso ser forte para

minha pequena, é preciso manter a calma.

Diferente de Lion, que depois de ouvir a confissão, se desesperou e

enlouqueceu todo mundo. Eu só conseguia rir e pedir que se acalmasse.

Giulia o tempo todo ao meu lado, emocionada, e as meninas logo se

juntaram a nós, os meninos vieram correndo após o chilique do amigo.

A cozinha ficou pequena para todo mundo, eu não sabia se ria ou

chorava comovida com Lion e sua reação. Estavam todos discutindo quem

iria nos acompanhar até o hospital.


Natan e Gabriel brigando de quem seria a vez, eu só queria bater nos

dois e finalizar aquela bobeira, por mim todos poderiam ir. No final, Raquel

e Natan concordaram que iriam com a gente no carro. Eros seguiria depois

de garantir que Angel ficaria bem com Artho e Charlotte.

Lion me carregou no colo em direção ao carro. Natan dirigia com

todo o cuidado para o hospital. Raquel me acalmava no banco da frente,

virada para trás, sugerindo técnicas para aliviar um pouco as contrações que

começavam a vir mais intensas.

E, meu garoto-homem, ao meu lado no banco de trás, segurando

minha mão, com uma expressão desesperada de medo.

— Vai ficar tudo bem — sussurro, fechando os olhos quando a dor

volta, e uma lágrima escorre pelo meu rosto.


Aperto com tanta força sua mão, que tenho certeza que o machuquei,

mas em nenhum momento Lion reclama. Ele beija minha testa, sussurrando

palavras doces de conforto, misturadas com elogios e declaração de amor.

Ao mesmo tempo, ele tentava não gritar com Natan para ir um pouco

mais rápido.

— Ahhh ... Ai, meu Deus! —grito, e todos os rostos se viram para

mim, pelo menos até Lion reclamar para Natan prestar atenção no trânsito.

— O que foi? O que aconteceu? —Lion, se desespera, mas olha para

baixo quando sente o que aconteceu. — Caralho, a bolsa estourou! Natan,

se minha filha nascer nesse carro, eu vou socar sua cara.

—O que? Já tá nascendo? Porra, é sempre na minha vez que as

merdas acontecem —Natan esbraveja. — Luninha, espera o titio chegar no


hospital!

—Ela não vai nascer agora, dá pra todo mundo ficar calmo que a

grávida é a Ari? — Raquel fala brava, e lança um olhar de advertência para

os dois homens, que concordam com murmúrios inaudíveis, enquanto eu

dou risada da situação.

Foram longas horas de agonia e sofrimento para que eu pudesse, por

fim, entrar na sala de parto. E quando estava deitada, chorando enquanto

esperava o momento da contração para colocar todas as minhas forças para

empurrar minha bebê para fora, olhei para o amor da minha vida, que estava

em pé ao meu lado.

Me peguei presa em seus olhos, que me diziam tantas coisas.


Lion estava angustiado por me ver passar por essa etapa de dor e

cansaço, dava para ver que, se fosse possível, ele faria de tudo para me

poupar do sofrimento.

Mesmo com aflição, conseguia lê-lo, e ver o seu amor por mim, a

parte que estava orgulhoso e ansioso. Segurando minha mão o tempo todo,

limpava meu rosto do choro sempre que era necessário.

Me dava forças da maneira que podia, e para mim era o suficiente,

porque ele estava ali ao meu lado e eu não poderia pedir mais que isso. Eu o

amava e agora sabia que nosso amor era capaz de tudo.


Lion

Segunda-feira, 26 de agosto de 2030

Nossa pequena Luna nasceu.

Fiquei completamente apaixonado por ela em poucos segundos que

pude vê-la quando o médico a trouxe para perto de Ariela para que

pudéssemos admirar nossa pequena bolinha de amor.


Ficamos totalmente rendidos, e quando veio a notícia de que tudo

havia corrido bem, que nossa menina estava saudável, pude ver o alívio no

rosto de Ariela, espelhando a mesma sensação que tive.

Passei todo o parto agoniado, vendo Ariela chorar pelas dores e

esforço em cada contração, desejava que Luna nascesse logo para acabar

com o sofrimento das duas.

Luna nasceu um pouco antes da sua mãe completar trinta e quatro

anos, o maior e único presente que Ariela poderia querer. Quando já

estávamos no quarto, trouxeram a pequena para se alimentar, foi impossível

não chorar ao ver Ariela segurando Luna pela primeira vez, enquanto com

auxílio da enfermeira, minha mulher amamentava nossa garotinha faminta.

Ariela chorava emocionada, passando os dedos delicadamente pelo

rostinho de Luna, segurando sua mãozinha, beijava seus dedinhos, com um


sorriso bobo no rosto.

Sei que a perda do seu primeiro bebê nunca vai ser esquecida,

porque uma mãe jamais esquece um filho, e que o amaria pelo resto da

vida, a chegada de Luna não mudaria isso.

Quando a peguei pela primeira vez, foi como se algo mudasse dentro

de mim, e lembrei de Artho, Eros e Dimitri, que disseram que no momento

que nos tornamos pais, sentimos que somos capazes de tudo por eles, e foi

exatamente o que senti.

Foi beijando seus cabelinhos claros, que prometi protegê-la de todo

mal. Nunca a abandonaria, seria o seu herói, amigo e parceiro em todas as

horas.
Dessa vez, foi Gabriel o responsável em nos buscar no hospital. Meu

amigo estava eufórico, não conseguia conter a animação de mais um bebê

na família.

O carro para em frente a nossa casa, e não preciso ser um gênio para

perceber que todo mundo estava lá dentro esperando a nossa chegada da

maternidade.

Ajudo Ariela a descer do carro com todo cuidado, enquanto segura

Luna, rendida no sono gostoso depois de ter sido alimentada. Gabriel abre a

porta de casa, e como imaginei, estavam todos na sala aguardando.

Sorrio quando vejo as mulheres levantarem depressa para mimar a

pequena, até mesmo Giulia, com seu barrigão, estava encantada.


Nem parecia que horas atrás estavam no quarto do hospital na hora

da visita. Meus amigos se aproximam, me abraçando um de cada vez.

— Parabéns, guri — é Eros que deseja, dando fortes batidas nas

minhas costas, se afastando para dar a vez a Dimitri.

— Estou muito feliz por você — declara, sendo mais rápido no

contato que o Eros.

Sorrio, assentindo, agradecido.

Logo, foi a vez de Natan e Artho me parabenizarem.

— Agora vai começar a melhor fase da sua vida — Artho brinca,

apontando para Ariela, que entrega Luna para Charlotte segurar. — Somos

pais de menina, meu amigo.


Meu sorriso morre ao perceber que vou precisar criar planos para

afastar todos os garotos de Luna numa certa idade. Um formigamento toma

meu peito, e levo a mão ao local, massageando, suspeito que estou prestes a

ter um infarto.

Escuto meus amigos darem risada, se divertindo por ter chegado a

minha vez de provar o gosto de ser pai de menina.

— Seus filhos da puta fodidos — os xingo, recebo um olhar torto de

Ariela sem entender o que está acontecendo. — Estão me torturando —

explico, e ela sorri ao negar com a cabeça, voltando a prestar atenção em

Raquel, que explica alguma coisa.

— Ainda bem que não vou passar por isso — ouço Gabriel se gabar.

E tenho vontade de rir com a sua cara de pau.


— Nem eu e nem meu irmãozinho aqui — Gabriel puxa Natan pelo

pescoço, o abraçando de lado.

— Isso está no nosso sangue, vamos continuar honrando a promessa

— Natan concorda com o irmão, dando tapinhas na cabeça de Gabriel.

— Somos os únicos imunes a essa... — Bibi diz, fazendo um gesto

com a mão se referindo a bebês, casamento e família.

Artho começa a rir e Dimitri levanta o dedo do meio para os gêmeos,

garantindo antes que as crianças estão longe da interação.

— Por pouco tempo — Eros declara. — Estou curioso para

presenciar o momento em que estarão caidinhos de amor.

— Ou sofrendo dele — completo, rindo.


Os dois fazem uma careta de desagrado, teimando em dizer que isso

não era para eles. E me perco da conversa, virando o rosto para minha

mulher.

Ariela está alheia de que está sendo observada, mesmo cansada,

ainda esbanja um sorriso radiante nos lábios, conversando com as meninas,

e intercala o olhar de mãe coruja em Luna, que ainda dorme nos braços de

Raquel.

Daqui a pouco minha mãe e Eduardo estariam aqui para fazer desse

momento ainda mais especial, iriam mimar muito a neta.

Ariela levanta a cabeça e me pega a olhando, seu sorriso cresce de

tamanho, os olhos azuis brilham de felicidade. Eu abro a boca,

pronunciando um “eu te amo” sem sair nenhum som, e recebo em troca a

mesma declaração, mandando um beijo em seguida.


Agora sim, sinto que minha vida está completa, do jeito que sempre

desejei, ao lado da única mulher que fez parte dos meus sonhos, dona do

meu coração e da outra metade que me completa. 


Lion

Sexta-feira, 03 de janeiro de 2031

Dezenove anos atrás, eu estava beijando pela primeira vez a garota

dos meus sonhos.

O meu primeiro e único amor.

O amor da minha vida.


Aquele dia se tornou um marco para mim, porque foi há exatos

dezenove anos que tive certeza de Ariela ser a mulher com quem me casaria

e construiria uma família.

E eu não estava enganado.

Minhas mãos suam frio e o estômago revira, sinto a ansiedade me

causar uma náusea. O momento enfim chegou. Passei meses no

planejamento, buscando de todas as formas fazer desse dia o mais perfeito

que Ariela poderia merecer.

Creio que ainda não chegue aos pés do que ela realmente merece.

— Você está me deixando nervosa — Ariela fala, com o braço em

volta do meu, enquanto o elevador sobe os andares.


Ariela está completamente perfeita em um vestido vermelho com

pedrarias da mesma cor, decorando as alças finas do vestido, descendo pelo

busto e parando um pouco acima da cintura.

O vestido é longo com uma fenda em um lado da coxa. Seus cabelos

loiros estão soltos em ondas suaves, com uma maquiagem que ressalta os

olhos azuis brilhantes.

Divina!

— Estou me perguntando se falta muito a nossa volta para casa —

digo, me virando para ela. — Estou louca para ter você em cima de mim,

cavalgando no meu pau nesse vestido.

Ariela morde o lábio e abre um sorriso malicioso, levando a mão

atrevida até meu pênis, que está levemente afetado por ela.
— Vocês vão ter que esperar — declara maldosa, se referindo a mim

e ao meu pau, mordendo meu queixo. — No momento, estou mais curiosa

com a surpresa que preparou.

Assim que termina de falar, o elevador abre as portas para o andar

que ficaremos. Ariela, sem entender nada, me olha confusa ao ver o deck do

Sampa Sky vazio, e que somos somente nós dois.

— Eu o aluguei apenas para nós dois essa noite — explico e junto

nossos corpos. — Queria que fosse um jantar especial.

Ariela está surpresa e olha para tudo em volta, vendo que a luz baixa

do ambiente realça melhor à vista da cidade.

— Não acredito que fez tudo isso — fala, levando a mão à boca, sem

saber como reagir. — É tão perfeito, Lion.


— Não mais que você — expresso e seguro seu rosto para beijá-la.

Amando a sensação de que tudo está saindo conforme planejei, mesmo que

esteja nervoso.

A levo para as janelas de vidro para que possa admirar a vista da

cidade, que a noite é ainda mais encantadora.

Quando trouxe Ariela aqui pela primeira vez, era no finalzinho da

tarde, ela não tinha presenciado a verdadeira magia do lugar.

— Podemos jantar primeiro antes de ir até a plataforma — sugiro,

queria poder adiar o momento perfeito para que desse tempo do restante da

surpresa chegar.

— Você não existe, sabia? — diz, envolvendo os braços no meu

pescoço me beija. — Como consegue continuar me surpreendendo? —


pergunta depois de se afastar.

— Você merece, linda — declaro. — Isso ainda é pouco.

Ela nega com a cabeça.

— Não, Lion, isso é tudo — fala, segurando meu rosto com as duas

mãos. — Tudo o que faz por mim, e pela nossa Luna é o melhor, meu amor.

Engulo em seco para segurar a emoção, suas palavras acertando em

cheio o meu coração.

— Você não faz ideia do quanto é incrível, um pai maravilhoso, um

parceiro extraordinário e eu te amo tanto — declara com a voz fraca pelo

choro. — Eu tive sorte de entregar o meu coração para o homem certo.


— Eu também te amo — digo e a beijo sem saber o que responder

direito, imploro a mim mesmo mais alguns minutos para não estragar tudo

fazendo o pedido agora mesmo.

Ficamos abraçados por mais uns minutos, olhando a vista, nossos

corações se comunicando, a cada batida que um dava, o outro respondia.

A levei até a mesa que estava posta para o nosso jantar, seguindo

toda a programação. Sem pular nenhum detalhe. Durante o jantar, pude

sentir como Ariela estava inquieta com os pensamentos em Luna.

É a primeira vez que saímos de casa sem a nossa pequena. Depois de

quatro meses do seu nascimento. Eu vi os momentos em que Ariela olhava

o celular à procura de alguma notificação da minha mãe para verificar se

Luna estava bem.


— Calma, Luna está bem, deve até estar dormindo agora — falo,

tentando acalmá-la.

Seguro sua mão por cima da mesa, acariciando sua pele.

— Eu sei, me desculpa — fala, se sentindo culpada. — Era para

estar aproveitando o nosso jantar, o nosso momento a sós.

— Ei, não precisa se desculpar, eu entendo. E também não é só você

que está preocupada, fico pensando na nossa menininha o tempo todo. A

essa hora eu estaria cantando Maskavo para ela dormir — brinco e faço

Ariela soltar uma risada.

— Um dos meus momentos favoritos do dia — me surpreende ao

dizer, e sorrio.
Também era o meu. Era a hora do dia que enfim poderia relaxar,

aproveitando minhas garotas. Amava cantar para Luna, dançava com ela

pelo quarto, escutando seus sons gostosos de diversão, as pequenas risadas.

Era mágico.

E depois que ela dormia, era a vez de aproveitar com a mamãe dela.

Eu escutava como havia sido seu dia, e era geralmente enquanto jantávamos

ou assistíamos a um filme. E no final do dia, era somente nós dois nus, na

cama, dando e recebendo prazer.

O momento em que nos uníamos em um só.

Terminamos de jantar, e eu me levanto, estendendo a mão para que

Ariela pudesse apoiar a sua e se levantar também.


Enquanto andamos juntos até a plataforma de vidro projetada para

fora do prédio, onde tínhamos uma visão espetacular da capital, conseguia

sentir as batidas do meu coração contra o peito.

A hora havia chegado.

Subimos para o cubo, e eu aguardo Ariela observar tudo admirada.

Presa à paisagem à nossa frente.

— Você sabe que dia é hoje? — faço a pergunta, me virando para

ela, que vira o rosto para mim sorrindo.

— Claro que sei! Hoje faz... — ela pausa, entortando a boca para

fazer as contas de cabeça. — Dezenove anos desde que nos beijamos pela

primeira vez.
Sorrio e levo a mão ao meu peito, tocando a tatuagem que tenho

marcada na pele. A data do nosso primeiro beijo.

— Como eu poderia esquecer? — questiona, rindo. — É o nosso dia

especial, o primeiro de muitos depois dele.

Aquiesço.

— Acho que vamos precisar acrescentar mais um acontecimento

especial na data de hoje — digo, Ariela franze a testa sem entender, até me

ver ficando de joelhos na frente dela.

Ela ofega, juntando as mãos na boca, olhando tudo em choque ao me

ver levantar a caixinha de veludo na cor preta, com a aliança de noivado

dentro dela. Uma música de fundo começa a tocar baixo, preenchendo o

ambiente, eu sei que é My heart is Set de Handsome and Gretyl.


“Meu coração está selado em você”

— É louco pensar que faz quase vinte anos que nos conhecemos,

tenho guardado na minha memória o dia que te vi pela primeira vez, e como

foi me apaixonar pela garota nerd, tímida e linda do colégio — falo,

sorrindo. — Fiquei feito um bobo pelos corredores babando por você.

Ela funga, depois de dar um risada.

“Tudo que eu sei é que você é a única para mim”

— Pensando em uma maneira de ser notado, mas foi só questão de

tempo para termos o nosso primeiro contato pela primeira vez — digo, e

Ariela anui. — Nunca mais, desde então, consegui te tirar da minha cabeça

e do meu coração.

“No bem ou no mal


No riso ou na tristeza

Na doença ou na saúde...”

— Ariela Schmidtz, você aceita se casar comigo? — faço a pergunta

e a vejo chorar. — Aceita passar o resto das nossas vidas juntos, com a

nossa pequenina e os mais filhos que virão?

Ela dá risada e assente. No momento em que abre a boca para

responder, um gritinho fino de bebê chama atenção. Ao virarmos o rosto

para o lado, Luna está batendo as mãozinhas uma na outra no colo do

padrinho babão.

Natan a segura com um sorriso meloso no rosto, olhando para Luna.

Ele se aproxima mais um pouco de mim e Ariela, arrumando a minha

garotinha para que a mãe conseguisse ler a frase gravada no body branco.
“Mamãe casa com o meu papai”.

Ariela desse da plataforma para pegar Luna no colo, enchendo seu

rostinho de beijos. Ela sorri para Natan, abraçando meu amigo, que fica sem

jeito, e se volta para mim.

Eu agradeço meu amigo com um aceno de cabeça, antes de voltar a

minha atenção para as duas à minha frente.

— É claro que eu aceito casar com o seu papai — responde me

olhando, ela estende a mão para que eu pudesse colocar o anel em seu dedo

anelar.

Mesmo que já soubesse a resposta, foi impossível não sentir meu

peito explodir de alegria, e o desejo enorme de beijá-la para selar o pedido,

e é o que faço, abraçando os meus dois amores.


— Eu te amo — Ariela declara, repetindo a frase diversas vezes. —

Você me faz a mulher mais feliz desse mundo.

— Eu te amo — respondo, beijando sua testa. — E te amo muito,

minha pequena — deixo um beijo na testa de Luna também.

Sentindo sua mãozinha gorducha tocar meu rosto molhado pelas

lágrimas. 

Passamos por cada batalha para que pudéssemos estar aqui juntos, e

eu teria passado por tudo de novo por ela, para o nosso final feliz.

Nosso amor foi capaz de vencer tudo e só nos fortaleceu. Nos

ensinou que, quando duas pessoas estão destinadas a estarem juntas,

independente do que aconteça, tudo se ajeita no final.

“Meu coração está selado em você


Somente em você”.

FIM

 
Prólogo

Caroline

São Paulo

Quarta, 25 de fevereiro de 2032

 
— A polícia está investigando? — pergunto, começando a ficar

preocupada.

— Sim, eles estão, Carol. Mas ainda não encontraram nenhuma

pista.

— Graças a Deus! — sussurro para que ela não ouça. —  Preciso

desligar agora, me manda mensagem se tiver alguma novidade e dê um

beijo em Giovanni por mim. Ligo pra ele mais tarde.

Encerro a chamada antes que ela se despeça. Me levanto e caminho

até a porta lateral que dá acesso a sala do meu chefe. Não anuncio, não

mando mensagem. Estou nervosa demais para isso.

Oliver arregala os olhos quando me vê. Caminho até ele e agarro seu

pulso direito.
— Deixa eu ver sua mão — digo, a puxando para perto do meu

rosto.

Analiso os nós dos seus dedos machucados. O encaro com o coração

batendo forte, pesado.

— Aonde você foi no domingo? — não é uma pergunta qualquer, eu

estou exigindo uma resposta.

Oliver permanece calado, mas não desvia o olhar.

— Você se despediu de mim no aeroporto, aonde você foi? — insisto

em questioná-lo.

— Fui dar um jeito nas coisas — ele diz.

— Meu Deus! — Levo uma mão ao coração e outra à boca.


Ele me puxa para seu colo e eu vou sem me opor, com o corpo tenso.

— Aonde você foi? — afasto a mão dos lábios para repetir a

pergunta mais uma vez, porque preciso de uma confirmação.

— Você sabe aonde eu fui — Oliver sussurra, simplesmente. — É

por isso que está aqui.

Ele me abraça, percebendo que estou em choque, e me embala como

se eu fosse uma criancinha.

— Por que você fez isso? — consigo murmurar, com a cabeça

aninhada no seu peito.

— Porque ninguém toca em você e sai impune — Oliver explica,

mas não dá para entender. Não consigo assimilar que meu chefe voou até
Jaguarão para fazer aquilo. — Seu irmão te protegeu o quanto pôde, mas

agora você é minha responsabilidade, Caroline.

Capítulo 1

Caroline

Bento Gonçalves, Brasil

Sábado, 7 de fevereiro de 2032

Meus braços estão em volta dos seus ombros e eu estou tomando

cuidado para não o olhar, porque toda vez que faço isso, o pego me

encarando de volta e não gosto nada de como meu coração reage.

— Seu irmão está encarando de novo — Oliver Henderson diz,

enquanto move os pés no ritmo White Flag da cantora Dido, uma música
lançada no ano em que nasci.

Fico ainda mais nervosa com a situação, como se já não me bastasse

estar dançando com ele em festa cheia.

Viro o rosto e vejo meu irmão mais velho, sentado à mesa com os

cinco amigos, e o fuzilo com o olhar.

Tenho que tomar cuidado de chamar meu irmão pelo seu

pseudônimo, Daniel Ruschel, quando estiver na Henderson & Co. É uma

decisão de Dimitri e eu a respeito. O chamei pelo nome na frente de Oliver,

na hora da confusão, mas estava falando em português e meu chefe não

deve ter percebido.

— Sinto muito pelo que ele fez, senhor Henderson. Aquilo nunca

mais vai se repetir. Daniel...


— Por favor, não me chame de senhor, só Oliver — ele pede e eu me

atrevo a encará-lo por um instante.

— Claro, eu me esqueci disso. Só Oliver — murmuro, um pouco

acanhada por toda a situação. Ele estreita os olhos azuis como se estivesse

me analisando, como se pudesse enxergar através da minha pele, o que

mexe ainda mais com meus nervos, porque geralmente soa boa em disfarçar

as emoções, mas com ele, não. — Sinto muito, Oliver. Daniel se preocupa

demais comigo, ele é muito protetor.

— Eu entendo — ele sussurra em inglês com um leve sotaque

britânico. — Se eu tivesse uma irmã como você também iria querer

protegê-la.

Desvio o olhar imediatamente, porque se continuar encarando, tenho

quase certeza de que meu chefe vai saber que fico nervosa perto dele, de
que meu coração está martelando contra os ouvidos.

— Mas não tem, não é, senhor? — Cometo a gafe de chamá-lo de

senhor novamente.

— Só Oliver — ele me lembra, com o timbre de voz mais sério.

— Mil perdões. Não vai se repetir. — É a segunda vez que digo isso,

mas garanto a mim mesma que posso me perdoar desta vez, pois há algo em

meu chefe, um tipo de magnetismo, que mexe com minha forma de

raciocinar.

Preciso me controlar quanto a isso, se quiser ter a mínima chance de

conseguir a promoção.

— O que não entendo é como seu irmão não soube que eu viria para

o casamento dele — Oliver diz e eu sinto minha pele queimar de vergonha.


— Você me disse que tudo foi acordado previamente.

Dimitri havia convidado para o casamento Joana, a CEO da sucursal

de São Paulo, que está se aposentando, a qual Oliver Henderson irá

substituir.

Por questões de saúde, Joana não pôde viajar para cá, então sugeriu

que Oliver viesse em seu lugar, afinal, o Grupo Editorial Giordano é um dos

melhores parceiros da Henderson & Co., a multinacional fundada por

Donovan Henderson, o pai de Oliver.

Oliver está assumindo o cargo de CEO da filial e tem negócios para

tratar na Serra Gaúcha nos próximos dias, por isso, a ideia de ele vir ao

casamento, representando Joana, pareceu excelente, uma forma de manter

firmes os laços com o Grupo Editorial Giordano.


Garanti a Joana que informaria a Dimitri, mas com toda a

organização da viagem, acabei deixando isso passar. Além disso, jamais

imaginaria que meu irmão mais velho fosse dar aquele showzinho ridículo

com os amigos.

Respiro fundo, murchando os ombros, porque não tem desculpas,

não depois de Oliver ter sido cercado pelo clube dos cretinos, e de Dimitri

ter agarrado seu colarinho.

Fui escolhida para acompanhá-lo nas primeiras semanas dirigindo a

sucursal brasileira, por falar português e ser natural daqui. Até então, eu era

apenas uma das arquitetas que desenvolvem projetos para a matriz da

Henderson & Co., na Califórnia. Agarrei a oportunidade com unhas, dentes

e muita esperança de ser promovida a trabalhar como COO, o braço direito

do senhor Henderson, em São Paulo.


A música termina, mas ele não continua dançando quando a próxima

começa. Minha mão escorrega por cima do seu terno e posso sentir a

firmeza do seu ombro. Respiro fundo quando ele inclina a cabeça para

sussurrar perto do meu ouvido.

— Acho que alguém esqueceu de dar o recado ao noivo — ele

constata.

Mesmo que esteja nervosa, luto para que minha voz saia firme. Não

posso demonstrar fraqueza, se quero uma chance de conseguir a vaga.

Ergo a cabeça, determinada a culpar a secretária de Dimitri por esse

deslize, mas Oliver está me encarando de novo, tão intenso que o imagino

lendo meus pensamentos.

— Acabei me esquecendo — assumo com o tom firme.


Ele me encara por mais alguns segundos, me mantendo presa ao seu

olhar, com os braços em volta da minha cintura, sem estarmos dançando.

Me incomoda não ser capaz de ler seu rosto, saber o que está pensando de

mim.

Oliver então me solta e volta para a mesa em que estamos sentados.

Engulo em seco antes de segui-lo. Nos acomodamos na mesa vazia,

os outros convidados estão dançando.

— Sinto muito, de verdade. Ainda mais pelo que meu irmão fez —

insisto. — Sei que não tem desculpas...

— Não precisa se desculpar, tudo já foi resolvido — ele diz, um

pouco mais seco do que quando estávamos dançando.


— Quer voltar para o hotel? — pergunto ao vê-lo checando o

celular, enquanto segura uma taça.

— É a festa de casamento do seu irmão, podemos ficar mais um

pouco — ele diz e leva a taça de champagne até os lábios carnudos.

Fico observando Oliver dar alguns goles, tentando entender se ele

realmente não se importa de ficar mais um pouco na festa ou se é está me

testando.

Nos últimos treze anos morando nos Estados Unidos, aprendi que

eles são obcecados por trabalho.

Fico ainda mais tensa em pensar que serei testada nos próximos

trinta dias. Já não basta o nervosismo pela confusão com Dimitri. Meu rosto

arde de vergonha só de lembrar do jeito como os cretinos cercaram Oliver,


como se ele fosse da mesma laia que um dia eles já foram. Sinto vergonha

até por tê-lo chamado para dançar para escapar do vexame.

Para minha sorte, Stefan se aproxima da mesa e senta na cadeira ao

lado, debruça a cabeça no meu colo e respira profundamente, impedindo

                          que eu me afunde nos pensamentos negativos e todas as

preocupações que rondam minha cabeça a respeito do trabalho.

Passo meus dedos pelos seus cabelos escuros, mas sem conseguir

desgrudar os olhos de Oliver. Ele tira o celular do bolso outra vez e checa a

tela bloqueada. Diferente de quando estávamos dançando, agora ele parece

tenso, preocupado. Mas não tem como saber, eu o conheci no mês passado e

tudo que sei sobre Oliver Henderson é que ele é um dos herdeiros da

multinacional onde trabalho, ficou viúvo há cerca de dois anos e tem um


casal de gêmeos. Ele e as crianças moravam na Grã-Bretanha, mas vieram

para os Estados Unidos há algumas semanas, antes da viagem para o Brasil.

Respiro fundo, preciso que ele goste de mim, preciso mostrar o

quanto sou dedicada, responsável e capaz de ser seu braço direito, mas não

sei se posso sonhar tão alto.

A vida sempre arrancou dos meus braços tudo de mais precioso para

mim, desde que era criança, por isso não sou um exemplo de otimismo.

Stefan solta a respiração pesada outra vez, na tentativa de chamar

minha atenção. Desgrudo os olhos do meu novo chefe e noto uma ruguinha

de preocupação entre as sobrancelhas do meu irmão.

— O que foi? — Toco a pequena linha de expressão em sua testa.


— Ela nem olhou pra mim, sequer falou comigo quando tentei

cumprimentá-la — ele murmura em português e trava o maxilar.

Sei exatamente do que está falando, o motivo pelo qual assumi sua

responsabilidade há quase um ano e meio.

— Sabe que nem deveria se atrever a chegar perto dela, né? Você

não é exatamente um príncipe encantado — faço questão de lembrá-lo, um

pouco aliviada por poder conversar com meu irmão em um idioma que

Oliver Henderson ainda não entende.

— Sei que não sou, e é por isso que Ayla se apaixonou por mim —

ele diz, ainda com a cabeça apoiada do meu colo.

Ele tinha acabado de fazer seis aninhos quando fui obrigada a ir

embora do Brasil, mal o vi crescer, não sei ao certo como foi sua criação em
casa, com minha mãe e o nosso padrasto. Stefan se mostra muito carente

quando está comigo, assim como Dimitri se mostrava.

Talvez a carência seja uma das características dos irmãos Romano,

vivemos tantas merdas que nenhum afeto jamais é suficiente.

— É sério, você vai ficar quietinho e não vai dar em cima da filha de

Artho e Charlotte. Ele é advogado e ela, juíza, você não quer mais

problemas com eles, muito menos arrumar confusão no casamento de

Dimitri.

Ele franze os lábios e suas narinas se inflamam, parecendo o

garotinho zangado que era quando fui embora da nossa casa, partindo seu

coração, da mesma forma, que Dimitri, depois Ícaro, um dia partiram o

meu, quando foram embora, assim como ele deve ter partido o coração do
nosso irmão mais novo, Giovanni, quando também teve que deixar

Jaguarão.

Nenhum de nós foi embora por conta própria, mas já fui criança e sei

como dói ficar para trás, perder contato com alguém tão importante como

um irmão, andar pela casa e encontrar o quarto do nosso irmão vazio.

O movimento da mão de Oliver para checar o celular outra vez trás

de volta minhas preocupações com o trabalho.

— É hora de a gente ir — aviso a Stefan, que se ergue do meu colo e

me encara com indignação.

— Ir embora? A festa não tá nem na metade — reclama.

— Preciso levar meu chefe de volta para o hotel, ele deve estar

preocupado com as crianças — explico, paciente.


— Isso vai influenciar na decisão dele de te promover?

— A partir de agora, tudo vai influenciar.

— Então você tem que levá-lo de volta para o hotel, mas eu vou

ficar. Tenho certeza de que Tatiana vai arranjar um lugar onde eu possa

dormir, pode ir em paz.

— Me garante que não vai arranjar problemas? — insisto em saber,

não quero nenhuma confusão. — Dimitri e Giulia já passaram muita coisa

para não terem paz nem no casamento.

— Dou minha palavra — ele diz e pisca o olho castanho escuro para

mim. — Mantenha a concentração no trabalho, sem querer fazer pressão,

mas dependemos disso.

— Eu sei — murmuro e murcho os ombros, antes de me levantar.


Aviso a Oliver que só vou me despedir dos noivos e que já podemos

ir. Pergunto se ele quer ir comigo, para talvez melhorar o clima entre ele e

meu irmão, mas dispensa o convite com o olhar sério e um aceno de cabeça.

Procuro ignorar meus nervos afetados pela tensão e caminho até a

mesa onde os seis amigos estão reunidos, rindo despreocupados como

adolescentes do colegial.

Capítulo 2

Caroline

— Posso ter um momento a sós com meu irmão? — pergunto em

alto e bom som, para que os seis escutem.


Os gêmeos batem continência e se levantam, sendo seguidos por

Artho, Eros e Lion.

— Não me arrependi de ter defendido você. Se veio exigir que eu

peça desculpas...

— Me defender de quê? — pergunto, sem paciência, desabando na

cadeira ao lado do meu irmão mais velho. — Eu não sou mais aquela

menina que foi embora do Brasil com quinze anos.

Dimitri me encara com o rosto sério e franze o cenho.

— É difícil não querer tomar conta de você, quando sei do que

homens são capazes de fazer — murmura.

O encaro, incrédula.
— Se fica preocupado assim comigo, imagino como vai sofrer daqui

a alguns anos, com Diana.

Dimitri ergue a mão grande e tatuada para que eu pare de falar,

ficando ainda mais sério.

— Eu já sofro o bastante com isso, não precisa me lembrar.

— Coitada da minha sobrinha — brinco, mas ciente de que Dimitri

jamais será capaz de fazer algo que realmente possa machucar Diana. Bato

no seu ombro para fazê-lo relaxar. — Se ela puxar a tia, vai ser dedicada

aos estudos e não vai pensar em namorar tão cedo.

Ele me encara e dá um sorriso torto.

— Por isso me orgulho tanto de você, sabia? — Dimitri comenta.


Por um instante, me pergunto se ele ainda se orgulharia se soubesse

das mentiras que já precisei lhe contar. Mas meu irmão nunca desconfiou de

nada, afinal, eu aprendi a mentir desde que tinha nove anos. Fiquei tão boa

nisso que, muitas vezes, até eu acreditei.

— Não me tornei uma milionária, como você, mas não engravidei na

faculdade — o provoco, sabendo que Diana foi concebida quando ele e

Giulia estavam estudando na UFBG.

— Por que seu chefe veio ao meu casamento? — ele muda de

assunto, estreitando os olhos para me encarar, mas não adianta. O único que

me deixa nervosa ao ponto de temer que saiba o que estou pensando é

Oliver.

Dimitri não tem esse poder sobre mim.


— Ele saiu dos Estados Unidos para te acompanhar ao meu

casamento? — Ele continua me encarando, estreitando os olhos azuis para

tentar descobrir se estou escondendo algo.

Dou risada por dentro, imaginando o que ele está pensando.

— Senhor Henderson não veio como meu par romântico, se é isso

que quer saber.

— Ele é um Henderson? — Dimitri franze o cenho ao ouvir o

sobrenome do meu chefe.

— Sim, Oliver é o filho mais novo de Donovan Henderson, um dos

herdeiros da Henderson & Co. Joana está se aposentando e Oliver vai

assumir a direção da sucursal de São Paulo, é por isso que ele veio comigo.

Fui escolhida para acompanhá-lo por um mês aqui no Brasil. Foi tão corrido
que eu acabei esquecendo de avisar, que Joana não poderia vir e que Oliver

viria no seu lugar.

— Acho que não causamos uma boa impressão — Dimitri brinca. —

Mas é bom ele saber que você tem quem a defenda, não é porque é herdeiro

de Donovan Henderson que eu não vou te proteger. Se ele a tratar mal, vou

ter o prazer de mostrar pra ele como se trata uma...

— Dimitri, por favor! — peço, dando um tampinha no seu ombro.

— Ninguém mexe com minha irmãzinha — ele faz questão de

lembrar.

Engulo em seco, ciente de que minha mãe sempre esteve certa. Eu

precisei mentir para que meu irmão não se ferrasse ainda mais com esse

jeito de super-herói, de querer proteger a nós todos.


— Obrigada — sussurro, sentindo um nó na garganta pelas

lembranças, então viro a cabeça e vejo Giulia dançando com minha

sobrinha. Respiro fundo para mudar de assunto. — Sua esposa é linda,

sempre foi, e minha sobrinha é perfeita.

— Sim, elas são incríveis. Giulia é a mulher mais bonita e

maravilhosa que já tive o prazer de ver. E nossa filha… Eu ainda fico

chocado que Diana tem alguns dos meus traços e ainda assim é tão perfeita.

Giulia e eu fizemos um bom trabalho — ele diz, tão apaixonado por ela

como há vinte anos.

Me lembro como era quando nosso pai ainda estava vivo. A época

em que Dimitri tinha que se revezar entre trabalhar aqui, nessa mesma

fazenda, para agradar o pai de Giulia, e ainda cuidar da gente para que

nosso pai não nos matasse de tanto bater. Engulo a saliva e mordo a língua
para não fazer nenhum comentário sobre aquele tempo. Emilio é quase

como um nome proibido entre a gente. Não tocamos no assunto desde que

eu era criança.

Aprendi a ler seu rosto, a perceber como Dimitri ficava frio quando

eu citava nosso pai, um dos monstros do meu passado, então, para não

machucar ainda mais meu herói, parei de trazer Emilio para nossas

conversas.

Sim, Dimitri sempre foi meu herói, apesar de não ter conseguido me

salvar de tudo.

— Sabe… mesmo que você seja um dos três homens mais bonitos

que eu já vi, ainda acho que Giulia é muita areia pro seu caminhão —

brinco novamente, para espantar o clima, cutucando as costelas do meu

irmão com o cotovelo.


Ele dá risada, fazendo as covinhas aparecerem nas bochechas. Toco

uma com a ponta do dedo indicador.

— Nossa marquinha — o lembro. — Todos os meus irmãos têm.

Ícaro tinha, você, eu. Até Giovanni tem. A de Stefan não é tão marcante,

mas está valendo.

— O que tem Stefan? — uma garota pergunta, parando ao nosso

lado, com o braço enroscado no de Ayla Becker.

A afilhada do meu irmão cutuca a garota para que ela se cale.

— Parabéns pelo casamento — a menina troca de assunto.

— Obrigado — Dimitri agradece.


— Essa é Valentina Santos, neta de Miguel Santos, o antigo

advogado do Grupo Editorial Giordano — Ayla explica. As duas parecem

ter a mesma idade.

— Eros escolheu seu pai para substituir Miguel quando mudou para

São Paulo — Dimitri diz a Ayla e se volta para a outra garota. — Conheço

seu avô há muitos anos. É bom ter vocês aqui, obrigado por terem vindo,

mas nada de procurar Stefan. Nenhuma das duas. Entendido?

Dimitri fala como se não tivesse sido adolescente um dia, mas

entendo sua preocupação com as garotas. Stefan não é um príncipe

encantado. O ruim é que isso, em vez de afastar garotas de família, a atraem

ainda mais.

— Elas não vão procurá-lo. Stefan é passado, né Ayla? — pergunto e

pisco para a garota de olhos azuis brilhantes, sem que Dimitri veja.
— Um passado morto e enterrado — Ayla acrescenta e dá um

sorriso.

Infelizmente, acabo de me dar conta de que temos algo em comum:

somos boas em fingir.

As duas acenam para nós e vão em direção a um grupo de outros

adolescentes.

— Lion e Ariela têm um irmão em comum, mais ou menos da idade

de Ayla, né? — questiono Dimitri.

— Breno Bianco — Dimitri diz e dá risada. — Eu roubei o cavalo

dele das terras dos Bianco em 2017, para vir até a fazenda Ricci e pedir

Giulia em casamento no dia do aniversário dela. Era o cavalo mais bonito e

valioso dos Bianco. Pedro tinha comprado para Breno de aniversário.


— E Pedro descobriu que você roubou o cavalo do filho caçula dele?

— Não. Eu devolvi a tempo. Eu era muito bom em não ser pego —

ele diz, o que é irônico. — Pedro Bianco nunca soube.

— Breno veio para o casamento? — pergunto, ainda tentando

identificar o garoto entre os adolescentes. — Ele deve ser mais ou menos da

idade de Ayla, né?

— Um pouco mais velho. Ele não veio. Pedro Bianco nunca me

suportou. Não importa que eu tenha vencido na vida. Sempre vou ser o

fodido que matou a mãe, o pai, e ainda levou Lion para o mal caminho —

ele diz, mas não parece se importar muito com isso.

— Imagine se ele soubesse que você montou o cavalo preferido dele

— observo.
Dimitri ri novamente, depois estica os braços para receber Dom, que

vem caminhando de braços dados com a avó, Tatiana.

Ele senta o garoto no colo e começa a beijá-lo, mas eu pego meu

sobrinho para mim.

Faço Dom dar risadinhas com cócegas em sua barriga, por cima da

camisa branca e pequenina de botões. As covinhas marcam suas bochechas

redondas e os cachinhos castanhos sacodem conforme ele dá gargalhadas e

se estica no meu colo.

— Você disse que sou um dos três homens mais bonitos que já viu

— Dimitri murmura. Desvio a atenção de Dom e noto a testa do meu irmão

franzida. — Quem são os outros dois?


— Stefan… — respondo, em seguida beijo o nariz reto de Dom,

então o devolvo ao pai.

— E quem é o terceiro, Giovanni…? — Dimitri quer saber.

Meu coração dispara antes de responder. Fico de pé e beijo a

bochecha do meu irmão.

— Giovanni é só um garoto. O terceiro é Oliver Henderson. Mas não

é exatamente nessa ordem — confesso perto do seu ouvido. — Aproveite a

lua de mel.

Me afasto antes que Dimitri consiga agarrar meu braço e me puxar

de volta para dar explicações.

Lançamento 25/04
 

 
Quero agradecer primeiramente a Deus e minha família por todo

apoio.

A Sil Zafia pelo convite em fazer parte desse projeto incrível, por ter

lido e sido sincera com a minhas inseguranças, além de ter me entendido

em todos os momentos, e estado comigo até mesmo nos meus surtos,

encontrando sempre um jeito para resolver as coisas. Você é foda, Gêmea,

te amo muuuuito!
Laís Moreira você não tem noção do quanto escrever Lion e ter você

ao meu lado a cada processo foi importante, a cada desenvolvimento e

criação, obrigada por ter ficado por vários minutos em ligação comigo me

acalmando e me guiando nos momentos em que eu só sabia surtar, por ter

sido minha beta, orientadora e acima de tudo minha amiga. Lion é

completamente todo seu! Te amo, amiga!

A Sophia, por ter tido calma e me salvado no último momento com a

revisão, mais uma vez. Eu sempre te digo o quanto é maravilhosa, e é

verdade. Obrigada, obrigada, amiga!

Ao Kevin Attis, Sara Fidélis e Fernanda Santana, obrigada pela

amizade de vocês, e por entenderem meus sumiços, e mesmo assim estarei

sempre mandando energias positivas, apoiando e ajudando sempre. Vocês

são maravilhosos, desejo todo sucesso do mundo!


A Juliana e Carol por serem betas incríveis, obrigada, meninas.

As parceiras por terem apoiado esse projeto, e principalmente por

recebido cada personagem de braços abertos, vocês alegram meu dia.

A todos os meus amigos que sempre me apoiam, e leitoras que eu

tive a oportunidade de conhecer e construir amizades.

E a vocês leitores por ter chegado até aqui.


Está é a ordem correta para ler os livros da SÉRIE CLUBE DOS

CRETINOS:

1° ARTHO : Série Clube dos Cretinos - Livro 1 – Sil Zafia


Sinopse:

Ele é um cretino mulherengo, ela é  virgem  e tímida. Eles são

completamente opostos, mas ambos têm algo que o outro precisa muito.

Artho Becker é um dos membros do Clube dos Cretinos. Veterano do curso

de Direito, tem a reputação de pegador irresistível intacta, mas a fachada de

músculos e tatuagens esconde perigosos segredos.

Charlotte Castro é uma estudiosa caloura do curso, mas sua vida social é

um fracasso e ela nunca namorou. Quando os convites para as festas mais

badaladas do campus começam a surgir, o desespero e a timidez tomam

conta.

Um acordo de  fake dating  é a saída perfeita e a única regra é não se

apaixonar.
Mas quando os encontros de mentira se tornarem mais quentes e reais do

que planejavam, e o desejo ardente consumir seus corpos, qual dos dois será

o primeiro a resistir à iminente tentação?

2° EROS : Série Clube dos Cretinos - Livro 2 – Jussara Manoel

Sinopse:

Eros Giordano é o herdeiro Milionário do império construído pela sua

família. Ele é um dos membros do Clube dos Cretinos o mais sério, frio e

autoritário.
Todos esses adjetivos escondem o quanto ele é mulherengo, conquistador

e MUITO GOSTOSO.

Raquel Mendes é uma estudante de Moda, dedicada, sonhadora e que não

tem medo de falar o que pensa, principalmente para Eros. Quando seus

caminhos se cruzam, em uma festa na sede do Clube, se tornam

logo inimigos declarados.

Ele é turrão e fechado, ela tagarela e extravagante. As farpas entre eles são

inevitáveis.

Duas personalidades fortes, que não dão o braço a torcer.

Mas o que fazer quando o ódio e as brigas escondem uma ardente e

incontrolável paixão?
Um momento de  fraqueza  pode mudar tudo, mas seriam eles capazes de

deixarem o orgulho de lado e se entregarem ao desejo?

Um Enemies To Lovers de tirar o fôlego.

3° A LUA DE MEL DO CRETINO – UM CONTO DE ARTHO –

CLUBE DOS CRETINOS – Sil Zafia

Sinopse:

Ele era um eterno bad boy.


Ela, antes tímida e inocente, havia se transformado em uma mulher de tirar

o fôlego.

Um casal que se apaixonou intensamente, mas que a vida os separou por

longos anos.

Agora, juntos e casados, o fogo que os consome parece ainda mais intenso.

Em “A Lua De Mel Do Cretino”, temos a chance de passar mais alguns

dias com o casal que conquistou milhares de corações em  ARTHO –

CLUBE DOS CRETINOS.


4° Dimitri : Série Clube dos Cretinos - Livro 3 – Sil Zafia

Sinopse:

Eles foram o primeiro amor da vida um do outro, mas não imaginavam

que uma tragédia iria fazer com que se odiassem.

Dimitri Romano  é marrento, tatuado e dominador, mas quebrado por

traumas do passado, que arruma confusão por onde passa, como um bom

membro do Clube dos Cretinos.


Giulia Ricci é doce e pura, a única herdeira de um dos homens mais ricos e

poderosos da cidade, com o futuro todo traçado pelo pai.

Ela é o seu ponto fraco.

Ele é o último homem com quem ela deveria se envolver.

Uma história de amor proibido, obsessão e vingança.

5° Lion : Série Clube dos Cretinos - Livro 4 – Jussara Manoel

Sinopse:
O que acontece quando um cretino sedutor se apaixona por uma nerd?

Lion Bianco  é gostoso, popular, atleta e  herdeiro  do vinhedo mais

conhecido da Serra Gaúcha. Um dos membros do Clube dos Cretinos, sua

vida, aparentemente perfeita, esconde uma relação familiar conturbada.

Ariela Schmidtz  é tão tímida e estudiosa que não percebe o quanto sua

beleza chama a atenção dos rapazes. Com a vida toda planejada pela mãe,

ela não tem tempo para pensar em namoro.

A  nerd virgem  e o  capitão do time de futebol  seria a história clichê

perfeita, se não fosse por um detalhe familiar capaz de arruinar tudo.

Ariela é a única coisa que Lion não pode ter. Ele é o único rapaz que ela

não deveria jamais desejar.

Como controlar a paixão irresistível e proibida que nasce entre eles?


 

6° O casamento do cretino – CONTINUAÇÃO DE DIMITRI CLUBE

DOS CRETINOS – Sil Zafia

Sinopse:

ESTE ROMANCE É UMA CONTINUAÇÃO NÃO INDEPENDENTE

DO LIVRO DIMITRI - CLUBE DOS CRETINOS.

Ele era alguém que o destino partiu o coração várias vezes.


Ela se transformou em uma mulher forte e determinada.

Um casal que se apaixonou na adolescência e foi obrigado a se separar.

Quase duas décadas depois, eles ainda se amam como na primeira vez.

Em “O Casamento Do Cretino”, temos a chance de nos apaixonar

novamente por Dimitri e Giulia, depois de nos rendermos a eles em

“DIMITRI – Clube dos Cretinos”.

 
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