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NINE MINUTES

By Beth Flynn

Para Jim, minha alma gêmea e para sempre melhor amigo. Ele
sempre acreditou, mesmo quando eu não o fiz.
Sinopse

Em 15 de maio de 1975, com quinze anos de idade,


Ginny Lemon é raptada de uma loja de conveniência em
Fort Lauderdale por um membro de uma das gangues de
motoqueiros mais notórias e brutais no sul da Flórida.

A partir daquele momento, sua vida muda para


sempre. Ela recebe um novo nome, uma nova identidade e
uma nova vida no meio da gangue aos arredores de Florida
Everglades - um mundo assustador, áspero e violento muito
parecido com pântanos, onde todos têm um apelido e
lealdade equivale à sobrevivência.

E no centro de tudo isso está o líder da gangue, Grizz:


sólido, robustamente bonito, aterrorizante e de alguma
forma, quando se trata de Ginny, afetuoso. Ela se torna sua
obsessão e o único e verdadeiro amor de sua vida.

Assim começa um conto de obsessão emocional e


manipulação, de uma jovem mulher, arrancada de tudo o
que ela conhece e forçada a depender da única pessoa que
fornece atenção, carinho e cuidado: seu captor. Precoce e
inteligente, mas ainda uma adolescente, Ginny se esforça
para se adaptar a sua nova existência, inicialmente lutando,
em seguida, aceitando suas condições em seu cativeiro.
Ela será resgatada? Ela vai fugir? Ela sairá viva - ou ao
menos irá sair? Parte thriller psicológico, parte romance
que vai amadurecendo, cheio de mistérios, romance e
reviravoltas inesperadas, Nine Minutes leva os leitores
para o mundo de uma gangue de motoqueiros e dentro do
coração de uma jovem, cujo rapto provocou sua queda.
Prólogo

Verão de 2000

Eu nunca participei de uma


execução antes. Bem, pelo menos não uma legal. Meu marido estava
sentado ao meu lado esquerdo. Uma repórter da Rolling Stone estava do
meu lado direito.

A repórter, Leslie Cowan, mexeu nervosamente, e eu olhei para


ela. Tenho certeza de que esta era a sua primeira execução de qualquer
tipo. Rolling Stone teria uma edição dedicada a motoqueiros famosos. Eles
pensaram que seria interessante incluir uma história verdadeira nessa
edição. A história de uma menina que foi sequestrada por uma gangue de
motoqueiros em 1975.

Aquela garota era eu.

Os vestígios do acidente de Leslie há três semanas ainda eram


visíveis. Os pontos foram retirados da sua testa, mas havia uma linha fina
vermelha onde o corte foi feito. Seus olhos não estavam tão escuros como
antes, mas era evidente que ela recentemente tinha tido dois olhos roxos
graves. O inchaço do nariz tinha sumido quase completamente, e ela visitou
um cirurgião-dentista para substituir os dentes quebrados.
Quando nós começamos a entrevista, ela me disse que queria que eu
fosse completamente honesta sobre a minha experiência com o homem que
estava prestes a ser executado. Eu passei os últimos três meses com ela e
não deixei quase nada para trás sobre o meu relacionamento com ele. Hoje
era para ser o ápice da entrevista, uma chance para ela entender
verdadeiramente o lado real dessa experiência. Ver o lado desagradável ao
lado de todo o resto.

É claro, a morte de um homem deve ser mais do que apenas


desagradável.

Eu sabia tão bem quanto ele, que ele fez por merecer o que estava
recebendo. Era estranho. Eu acreditava que saber tornaria um pouco mais
fácil, mas isso não aconteceu. Eu pensei que iria passar por sua execução
ilesa emocionalmente. Mas eu só estava me enganando.

Só porque eu não estive com ele em quase 15 anos, não significava


que eu não tinha sentimentos por ele. Ele foi meu primeiro amor. Ele foi um
verdadeiro amor. Na verdade, ele era o pai biológico da minha primogênita,
embora ela nunca fosse conhecê-lo. Ele quis assim. E lá no fundo, eu
também quis.

A cortina se abriu. Eu já não estava ciente de qualquer outra pessoa


na pequena sala de exibição em torno de mim. Eu olhei através de uma
grande janela de vidro para uma maca vazia. Eu li sobre o que esperar em
uma execução. Ele deveria estar amarrado à maca quando a cortina abrisse,
não era? Tenho certeza de que era esse o procedimento. Mas ele nunca
seguia as regras. Eu me perguntava como ele conseguiu convencer a
aplicação da lei a renunciar este detalhe importante.
Com um sobressalto, percebi que alguém tinha entrado na sala com
aparência estéril. Era ele, juntamente com dois oficiais, o diretor e um
médico. Nenhum sacerdote ou pastor. Ele não queria um.

Ele.

Seu nome era Jason William Talbot. Tal nome soava normal. É
engraçado. Eu o conhecia há quase 25 anos e não foi até sua prisão, quinze
anos atrás que eu soube o seu verdadeiro nome e sobrenome. Ou seja, se
esse era o seu nome real. Eu ainda não tenho certeza.

Ele sempre foi Grizz para mim. Abreviação para Grizzly[1], um


apelido que ele ganhou devido ao seu tamanho enorme e comportamento
brutal. Grizz era um homem enorme e imponente. Robustamente
bonito. Tatuagens do pescoço aos pés cobriam seu corpo enorme. Suas
mãos grandes poderiam esmagar uma traqueia sem esforço. Eu sabia disso
por experiência própria. Eu testemunhei pessoalmente o que aquelas mãos
podiam fazer. Eu não conseguia tirar meus olhos delas agora.

Ele não tinha família. Apenas eu. E eu não era a sua família.

Imediatamente senti quando ele me viu. Eu olhei para cima das suas
mãos, em seus olhos verdes brilhantes hipnotizantes. Tentei avaliar se
aqueles olhos demonstravam qualquer emoção, mas eu não poderia
dizer. Fazia muito tempo. Ele sempre foi bom em esconder seus
sentimentos. Eu costumava ser capaz de lê-lo. Não hoje, no entanto.

Quando ele olhou para mim, ergueu as mãos algemadas e usou os


dedos de sua mão direita, para cercar o dedo anelar da mão esquerda. Ele
então olhou para as minhas mãos, mas não podia vê-las. Elas estavam em
meu colo e escondidas pela pessoa sentada na minha frente.

Eu lhe daria esse último consolo? Eu não queria magoar meu


marido. Mas, considerando que eu era a razão da morte iminente de Grizz,
senti o despertar de uma velha obrigação de confortá-lo nesse último
momento. Ao mesmo tempo, senti uma emoção desconfortável por ter
algum controle sobre ele. Em ter a capacidade de estar no comando de
alguma coisa, tomar uma decisão, ter o poder. Pela primeira vez.

Talvez eu tivesse o poder o tempo todo.

Senti a mão do meu marido na minha coxa esquerda, logo acima do


meu joelho. Ele a pressionou suavemente. A memória de quase vinte e
cinco anos voltou, a de outra mão apertando a minha perna. Uma mão mais
forte, mais cruel. Eu me virei para olhar para o meu marido, e mesmo que
ele estivesse olhando para frente, estava ciente do meu olhar. Ele deu um
aceno quase imperceptível. Ele tinha decidido para mim. Eu estava bem
com isso.

Tirei minha aliança de casamento e levantei minha mão esquerda para


que Grizz pudesse vê-la. Ele sorriu levemente. Então olhou para o meu
marido, acenou com a cabeça uma vez e disse: — Vamos acabar logo com
essa merda.

O diretor perguntou se ele tinha últimas palavras para dizer. Grizz


respondeu: — Eu já disse.

Leslie tinha percebido a troca entre nós e murmurou. — O que?


Eu a ignorei. Essa era uma parte da minha história que não faria parte
do seu artigo. Mesmo que eu tivesse jurado ser completamente honesta,
algumas coisas, não importavam quão insignificantes, tinham que
permanecer minhas. Esta era uma delas.

Grizz não era um prisioneiro fácil, por isso os guardas que lhe foram
atribuídos eram grandes, assim como ele. Para a surpresa deles, neste dia
ele não ofereceu nenhuma resistência. Deitou e olhou para o teto, suas
algemas foram retiradas e ele foi amarrado firmemente à maca. Ele não
vacilou quando o médico inseriu as agulhas IV[2], uma em cada braço. Sua
camisa estava desabotoada e monitores cardíacos foram anexados ao seu
peito. Eu imaginava por que ele não lutou, imaginava se tinha sido
administrado algum tipo de sedativo. Mas eu não perguntaria.

Ele não olhou ao redor. Ele apenas fechou os olhos e


morreu. Demorou nove minutos. Parece rápido. Menos de dez
minutos. Mas, para mim, foi uma eternidade.

Uma mulher idosa na primeira fila começou a soluçar baixinho. Ela


disse para a mulher sentada ao seu lado: — Ele nem mesmo disse que
estava arrependido.

A mulher sussurrou de volta para ela: — Isso é porque ele não estava.

O médico oficialmente declarou a morte de Grizz às 12:19. Um dos


guardas foi até a grande janela e fechou a cortina. Pronto.

Havia cerca de dez pessoas na pequena sala de exibição, e assim que


a cortina se fechou, quase todo mundo se levantou e saiu sem dizer uma
palavra. Eu ainda podia ouvir a mulher idosa chorando quando sua
companheira colocou os braços ao redor dos seus ombros e a guiou para a
porta.

Leslie olhou para mim e perguntou apenas um pouco alto demais. —


Você está bem, Ginny?

— Eu estou bem. — eu não consegui olhar para ela. — Apenas sem


mais entrevistas para o resto do dia.

— Sim, claro, isso é compreensível. Eu tenho apenas mais algumas


perguntas para você antes que eu possa fechar essa história. Vamos nos
encontrar amanhã e conversar.

Meu marido pegou minha mão, levantou-se comigo e disse a Leslie:


— Isso terá que esperar até chegarmos em casa. Você pode nos contatar por
telefone para terminar sua entrevista.

Meus joelhos estavam bambos. Sentei-me novamente.

Leslie começou a protestar, então notou a expressão no rosto do meu


marido, que a impediu de dizer algo a mais. Ela conseguiu dar um sorriso e
dizer: — Tudo bem então, até domingo. Tenham uma boa viagem para casa.

Ela saiu da sala.

Meu marido e eu éramos os únicos remanescentes. Levantei-me para


sair e não pude me mover. Eu caí em seus braços, soluçando. Ele
gentilmente me abaixou para o chão e sentou-se comigo, segurando-me
contra ele. Eu me aninhei em seus braços, chorando, por um tempo. Um
tempo muito longo.
Capítulo Um

Era 15 de maio de 1975.


Uma quinta-feira típica. Um dia como outro qualquer, nada de
extraordinário ou mesmo remotamente interessante sobre ele.

Mas seria o dia que mudaria minha vida para sempre.

Eu tinha chegado um pouco mais cedo do que o habitual naquela


manhã e feito algumas tarefas antes da escola. Eu não tinha que fazer as
tarefas, mas eu estava acostumada a fazer por mim mesma e havia outras
coisas que eu queria terminar depois. Tomei um rápido café da manhã com
torradas e um copo de suco de laranja, em seguida, carreguei minha
pequena mochila. Não era realmente uma mochila, mais parecia com uma
bolsa de pano folgada com cordas que eu podia carregar nos meus ombros e
usar nas minhas costas para fácil transporte. Parecia pequena, mas
conseguia carregar bastante coisa.

Naquela manhã, ela iria guardar minha carteira com a minha


permissão de motorista e quatro dólares. Eu não tinha idade suficiente para
ter uma licença oficial ainda; eu tinha acabado de fazer 15 anos, três meses
antes. A bolsa também carregava meus óculos de leitura, uma escova de
cabelo, gloss com sabor de maçã, dois absorventes, uma caixa de
anticoncepcional e dois livros didáticos: geometria avançada e química. Eu
tinha terminado meu dever de casa na noite anterior, dobrado as folhas de
caderno no meio e enfiado entre as páginas dos meus livros. Todo o resto
que eu precisava para minhas aulas eu mantinha em meu armário na escola.

Eu usava uma calça jeans de cintura baixa, boca de sino, com um


cinto de macramé, um top florido camponês e sandálias. Eu tinha a mesma
joia que usava todos os dias: brincos de argola de prata e um feltro marrom
como uma gargantilha que tinha um sinal de paz pendurado. Embora fosse
o sul da Flórida, em maio, a manhã ainda poderia ficar um pouco fria, então
eu usava um poncho vermelho e branco que Delia tinha tricotado.

Naquela manhã, meu padrasto, Vince, tinha me levado ao ponto de


ônibus. Eu poderia ter andado, mas era longe, então eu pegava carona com
Vince sempre que podia. Ele poderia me levar todo o caminho para a
escola, mas teria que dirigir em outra direção para fazer isso, e eu não tinha
algum problema em andar de ônibus.

Eu poderia ter pedido uma carona a Matthew, mas algo estava errado
com ele. Matthew estava no último ano e eu estava lhe dando aulas
particulares, e nós nos tornamos próximos. Não éramos um casal, mas eu
sabia que ele estava interessado. Eu também estava ficando mais próxima
da sua família. Na verdade, eu passava mais tempo com eles do que com a
minha. Menos de uma semana atrás, ele me deu um beijo de boa noite na
minha varanda. Mas agora ele estava me dizendo que não precisava da
minha ajuda com as aulas particulares e não tinha tempo para ser meu
amigo. Antes, ele oferecia-me carona até a escola. Não mais, eu acho. Mas
como eu disse, eu não tenho problema com o ônibus.

— A gente se vê mais tarde, garota. — disse Vince quando pulei da


van vacilante.
— Até mais tarde, Vince.

Aquele dia foi um dia normal na escola. Fui poupada do


constrangimento de esbarrar com Matthew. Nós não tínhamos as mesmas
aulas e não saíamos com o mesmo grupo. Mas, ainda assim, teria sido legal
perguntar-lhe a razão por trás do fim abrupto da nossa amizade. Eu estava
mais curiosa do que magoada. Quer dizer, tinha sido apenas um simples
beijo de boa noite.

Eu tinha acabado toda a minha lição de casa no momento que a aula


terminou, o que significava que eu poderia me permitir ir à biblioteca
pública depois da escola. Se eu tivesse lição de casa, teria ido direto para
casa ou para Smitty’s. Mas nos dias que eu não tinha lição de casa, eu
gostava de ir para a biblioteca pública e mergulhar nos livros. Eu ia para lá
desde a escola primária, e tinha feito amizade com todos que ali
trabalhavam. Eu só precisava pegar um ônibus diferente da escola. Nós não
deveríamos trocar de ônibus sem uma permissão assinada a cada vez, mas
todos os motoristas do ônibus me conheciam, e Delia tinha dado sua
aprovação no início do ano. Eu fazia tantas vezes que eles tinham parado de
pedir a permissão.

— Oi Gin, nenhuma lição de casa hoje, eu vejo. — Sra. Rogers, a


bibliotecária, disse enquanto eu caminhava através das portas. Eu apenas
sorri e acenei para ela enquanto me dirigia para o catálogo de livros. Por
muito tempo, eu tinha pensado em procurar alguns livros sobre John Wilkes
Booth. Estávamos estudando o assassinato do presidente Lincoln na escola,
e eu já tinha devorado os livros da biblioteca da escola. Eu queria ver se a
biblioteca local tinha mais para oferecer sobre o assunto. Eu estava com
sorte.
Às cinco horas era hora de começar a arrumar as coisas, então eu
levei meus três livros para a recepção para fechar a conta.

— Precisa fazer uma ligação? — perguntou a Sra. Rogers.

— Sim, por favor. — eu respondi. Elas costumavam me deixar usá-lo


para chamar Delia ou Vince para uma carona até em casa.

Vince deveria estar atrasado com seu cronograma de entrega porque


não estava de volta ao armazém. Deixei uma mensagem dizendo que eu
precisava de uma carona da biblioteca para casa, mas que eu iria tentar
chamar Delia também. O que eu fiz, mas não houve nenhuma resposta de
onde ela trabalhava. Isso poderia significar algumas coisas: ela tinha ido
embora, ou estava conversando com um cliente e não queria atender ao
telefone, ou talvez ela estivesse no quarto dos fundos e não o ouviu. Oh,
bem, isso tinha acontecido antes. Não é grande coisa.

— Você vai ficar bem, Ginny? — perguntou a Sra. Rogers. — Eu não


quero fechar e sair, se você não tiver uma carona. Eu ficaria feliz em levá-la
para casa.

Ela era doce. Oferecia a cada vez que eu não tinha uma carona para
casa imediatamente.

— Ah, não tem problema, Sra. Rogers. Eu vou a pé até a loja de


conveniência e beber algo. Vince sabe que tem que passar por lá se a
biblioteca estiver fechada.

E foi isso que eu fiz. Como tinha feito uma centena de vezes no
passado. Eu comprei um refrigerante e me sentei com as costas contra a
entrada. Eu bebi meu refrigerante e estava tão absorvida em um dos meus
livros que quase não notei quando uma moto barulhenta parou.

Não foi até a pessoa que a conduzia a desligar e começar a caminhar


em direção a mim que percebi que alguém estava falando comigo. Eu ouvi
uma risada, em seguida: — Deve ser um bom livro, esse que você tem o seu
rosto enterrado. Eu te fiz uma pergunta sobre o que você está lendo desde
que estacionei a minha moto e você nem sequer me ouviu.

Olhei para cima. Ele parecia um típico motoqueiro. Altura


média. Moreno, cabelo desgrenhado que apenas tocava o colarinho. Ele
usava calça jeans, botas e uma camiseta branca sob uma jaqueta de
couro. Ele sorriu, e eu respondi com um sorriso sincero.

— História. Lincoln. — isso foi tudo o que eu disse. Eu não era de


flertar e acho que ele não precisava de mais do que isso. Eu imediatamente
olhei de volta para o livro que eu tinha encostado aos joelhos.

Essa resposta pareceu convencer, porque ele não disse mais nada
enquanto abria a porta e ia para dentro.

Ele saiu alguns minutos depois com uma Coca-Cola. Agachou-se ao


meu lado e olhou para o livro que eu estava lendo à medida que bebia seu
refrigerante. Sem qualquer aviso, começou a me envolver em uma conversa
sobre Abraham Lincoln e mais especificamente sobre Booth. Eu achei o
que ele estava falando interessante, então fechei meu livro e virei para dar-
lhe toda a minha atenção. Ele era bonito e parecia ser um cara agradável -
nada parecido com o que eu esperava da aparência de um homem em uma
moto.
Depois de alguns minutos de discussão sobre John Wilkes Booth a
conversa ficou pessoal, mas não de uma forma perturbadora. Ele perguntou
quantos anos eu tinha e pareceu realmente chocado quando eu disse que
tinha quinze. Ele me perguntou o que eu estava cursando, onde estudei, os
meus hobbies, coisas assim. Ele parecia realmente interessado e até
brincou: — Bem, acho que eu vou ter que voltar em três anos, se eu quiser
levá-la em um encontro de verdade ou algo assim.

Oh, meu Deus. Ele estava flertando comigo. Eu tinha garotos na


escola flertando comigo o tempo todo. Eles diziam coisas como: — Gin,
como é que você não está lá fora torcendo? Você é tão bonita quanto as
líderes de torcida. — eles estavam sempre oferecendo para me dar uma
carona para casa ou perguntando se eu queria sair depois da escola.

O garoto que eu tinha dado aulas, Matthew, parecia interessado


também. Pelo menos até alguns dias atrás. Ele era um veterano popular e
estrela da nossa escola e running back[3]. Ele ganhou o apelido de Rocket
Man[4]. Ele era bonito e doce e reprovando em duas matérias. Eu estava
dando aula para ele de inglês e matemática. A verdade era que eu gostava
de garotos, e Matthew foi crescendo para mim. Eu gostei do beijo que nós
compartilhamos. Mas eu não estava interessada em um namorado sério,
especialmente aquele que iria embora para a faculdade no outono. Eu tinha
muito a realizar antes que pudesse me envolver em um relacionamento.

Mas este era um homem flertando comigo, não um garoto. E eu


percebi que fiquei mais do que um pouco lisonjeada por ele estar tendo
interesse por mim.

Infelizmente, eu não sabia como flertar de volta, então reabri meu


livro e apenas fingi manter a leitura enquanto ele falava.
Depois que ele terminou seu refrigerante, perguntou: — Então, o que
você está fazendo sentada na frente da loja de conveniência? Você está
esperando alguém?

— Sim, meu padrasto virá me pegar. Ele deve estar aqui em um


minuto.

Ele levantou-se e olhou em volta. — Bem, eu posso te dar uma carona


para casa. Onde você mora?

— Ah, não, está tudo bem. Eu não gostaria que ele aparecesse e não
me encontrasse aqui. Ele se preocuparia.

Na verdade, isso não era verdade. Se Vince não me visse aqui


assumiria que Delia me pegou, e apenas iria para casa.

— Você pode ligar ou algo assim para que ele saiba que você vai
pegar uma carona? — antes que eu pudesse responder, ele disse: — Você já
andou em uma moto antes? Você vai gostar. Eu sou um motorista
seguro. Eu vou bem devagar e deixar você usar meu capacete.

Mais uma vez não respondi, apenas olhei para ele.

Ele riu, em seguida, disse: — Não é como se eu pudesse fazer algo


para prejudicá-la enquanto você está na parte da trás da minha moto. Sério,
é apenas uma carona para casa. Se você não quiser que eu saiba onde você
mora, posso deixá-la em uma esquina perto da sua casa. Vamos lá. Faça o
dia de um cara velho.

— Por que não? — pensei, enquanto tentava adivinhar mentalmente


sua idade. Ele era mais velho do que eu, mas não acho que ele era
velho. Fechei o livro e me levantei.

— Bem, acho que está tudo bem. Eu vivo fora de Davie Boulevard, a
oeste da I-95. É fora do seu caminho?

— Sem problemas.

Ele jogou sua Coca-Cola em uma lata de lixo, virou para mim e
segurou minha mochila aberta enquanto eu guardava meu livro da
biblioteca. Ele fez alguns comentários sobre como minha mochila,
provavelmente, era mais pesada do que eu. Ele caminhou em direção à sua
moto e pegou seu capacete, que estava pendurado no guidão, e me
deu. Coloquei minha mochila nas costas, peguei o capacete dele e
coloquei. Ficou solto, então ele apertou a alça embaixo do meu queixo.

Ele jogou a perna por cima da moto, montou, em seguida, se


levantou. Eu percebi que ele estava de pé para tornar mais fácil subir atrás
dele, o que eu fiz sem nenhum problema. Ele ligou o motor e eu senti um
pouco de emoção por estar na garupa de uma moto com um cara mais
velho. Eu não era do tipo que se importava, mas por um segundo ou dois,
realmente esperava que alguém que me conhecia pudesse ver. Quão
profético o pensamento pareceu muito mais tarde. Eu gritei para ele me
deixar no Smitty’s Bar e perguntei se ele sabia onde ficava em Davie
Boulevard. Ele acenou com a cabeça que sim.

Eu acho que foi o momento em que fui oficialmente sequestrada.

Nós seguimos na direção que eu tinha dito a ele. Em um sinal


vermelho, ele virou e perguntou se eu estava gostando do passeio. Eu
balancei a cabeça que sim e ele disse muito alto que ia pegar uma rota
diferente para me dar um passeio mais longo. Mas para eu não me
preocupar, que ele me levaria com segurança ao Smitty. Eu não me
preocupei. Nem mesmo por um segundo. Eu estava me divertindo muito.

Não foi até que estávamos na State Road 84, em direção ao oeste e ele
perdeu a curva à direita para US 441 que senti minha primeira agitação de
medo. Foi então que eu percebi que nem sabia o nome dele, e que, com toda
a conversa fiada e perguntas que ele tinha feito para mim no 7-Eleven, ele
nunca sequer perguntou o meu. O que de repente me pareceu muito
estranho.

Eu inclinei para que minha boca ficasse perto da sua orelha e gritei:
— Ei, esse é realmente o caminho mais longo. Eu tenho que estar em casa
em breve, ou meus pais ficarão preocupados.

Ele nem confirmou que me ouviu.

Eu me inclinei para trás contra o encosto na moto. Não entre em


pânico, não entre em pânico, não entre em pânico. Minha mochila ainda
estava nas minhas costas, e podia sentir os livros da biblioteca pressionando
contra mim através do tecido fino. Foi então que notei sua jaqueta, pela
primeira vez.

Era um crânio com um sorriso sinistro e que parecia ter algum tipo de
chifres. Uma mulher nua, de alguma maneira elegantemente coberta, estava
envolta sedutoramente por toda a parte superior do crânio. Ela tinha o
cabelo castanho escuro com franja e grandes olhos castanhos. Olhei mais de
perto e vi que ela estava usando uma gargantilha marrom com o símbolo de
paz. Eu levantei minha mão para o meu pescoço. Parecia com o meu. Antes
que eu pudesse considerar a estranha coincidência olhei mais para
baixo. Para meu horror, eu notei o nome gravado sob o desenho mórbido.

Satan’s Army[5].
Capítulo Dois

Logo descobriria que


eu não era nada mais do que um presente de
agradecimento depois de um longo ritual de iniciação.

Sentei-me na frágil cadeira do gramado e examinei


meu entorno. Agarrei minha mochila em meu peito
enquanto eu tentava ajustar meus olhos na fraca luz. Havia
uma fogueira e um círculo confuso de pessoas ao redor
dela. Não consigo me lembrar agora se eu não conseguia
distinguir os rostos à luz minguante ou se eu estava
assustada demais para notar. Eu sabia onde estava, mas
não sabia exatamente o que fazer sobre isso. Comecei a
rezar assim que eu percebi a gravidade da minha
situação. Deveria ter aproveitado as minhas chances quando
haviam mais pessoas e carros ao redor. Deveria ter
arriscado pular da moto em movimento. Teria sido melhor
do que eu enfrentaria agora.

Lembro-me de começar a tremer fisicamente quando a


realidade me atingiu quando seguimos o nosso caminho
para o oeste na State Road 84.
Atualmente a 84 está atualizada e modernizada, mas
em 1975 era uma via de mão dupla subdesenvolvida. Hoje
ela corre em paralelo com uma super-rodovia, I-595, que
leva você de Everglades para a praia em questão de
minutos, com todos os tipos de desenvolvimento - entre
casas, escolas, centros comerciais e postos de gasolina. Em
75, era a autoestrada para o inferno, famosa por suas
colisões frontais. Ela tinha pouco ou nenhum retorno, com
exceção de um pequeno bar chamado Pete.

Quando passamos por Pete senti a náusea subindo no


meu estômago. Eu sabia que não havia nada além dele,
exceto a entrada para a rodovia armadilha mortal chamada
Alligator Alley que ligava as duas costas da Flórida. Achava
que a reserva indígena de Miccosukee ficava lá em algum
lugar, mas eu não tinha a menor ideia de onde.

Estava ficando escuro e não havia outros faróis à


vista. Cerca de dez minutos após a passarmos pelo Pete,
reduzimos a velocidade e viramos à direita para uma
estrada de terra. Notei algumas luzes difusas, pela primeira
vez. Apenas um pouco fora da estrada e pouco visível
devido aos arbustos crescendo, ficava um velho motel.

Era um daqueles pequenos motéis com quinze ou vinte


unidades, com antigas janelas venezianas. Tinha um sinal
apagado identificando-o como Glades Motel. Eu esperava
que talvez ainda estivesse funcionando. Um motel
funcionando poderia ser bom. Alguém tinha que estar
comandando isso. Esta poderia ser a minha chance de
explicar que eu tinha cometido um erro e pedir para usar o
telefone.

Eu acho que foi originalmente construído com a


intenção de dar aos viajantes um lugar para parar no meio
do nada, mas por alguma razão, não funcionou. Quando nós
entramos no estacionamento esburacado e desgastado, vi
bombas de gasolina velhas à direita. É óbvio que não
estavam mais em uso. Alguns quartos tinham luzes acesas,
mas o que parecia ser o escritório não mostrava sinais de
vida.

Quando passamos das bombas de gasolina antigas


olhei para minha esquerda e notei um grupo de pessoas
entre nós e o motel. Eles estavam sentados em volta de
uma fogueira apagando, entre os balanços enferrujados,
escorregadores e um carrossel antiquado. Parecia uma área
de piquenique e playground que tinha visto dias
melhores. Do outro lado do parque infantil parecia uma
área de piscina. Eu não poderia dizer com certeza, mas
achei que parecia não ter qualquer água nela.

Nós circulamos à nossa esquerda, e notei cerca de seis


ou sete motos espalhadas em frente às unidades. Ele parou
ao lado de uma e desligou o motor. Foi quando eu os ouvi.

Era uma mistura de riso, palavrão e o que soava como


duas mulheres discutindo. Eu pensei ter ouvido “Magic
Carpet Ride”, do Steppenwolf, vindo de algum lugar.
Ele se levantou e disse: — Saia.

Eu fiquei de pé nos pedais e balancei a perna por


cima. Minhas pernas quase dobraram, provavelmente por
causa de uma combinação da viagem e medo, mas me
segurei. Ajustei minha mochila e endireitei. Percebi que a
melhor maneira de lidar com isso era com confiança. Eu
estava morrendo de medo, mas maldito sejam se eu
demonstraria isso. Ele colocou o descanso da moto para
baixo e desceu dela.

— Então, quanto tempo antes que você possa me dar


uma carona de volta? — perguntei. Eu parecia um pouco
alegre, mesmo para os meus próprios ouvidos.

Ele não respondeu. Olhou para mim e me deu um


sorriso carregado de pura maldade. Era o sorriso que eu
tinha visto no 7-Eleven? Eu não conseguia lembrar. Como
eu poderia não ter notado isso então? A percepção da
minha situação me atingiu como uma bala de chumbo.

Lembrei-me de uma vez quando Delia e Vince não


estavam em casa e um dos seus supostos amigos passou
por lá. Ele me convenceu a deixá-lo entrar para usar o
telefone.

— Pode confiar em mim, querida. Sou amigo de Vinny,


o seu padrasto.
Isso deveria ter sido uma bandeira vermelha. Ninguém
chamava Vince pelo apelido de Vinny. Eu tinha liberado a
trava e quando estava levando-o para a cozinha, onde o
nosso único telefone estava na parede, ele me agarrou pela
parte de trás do meu cabelo e me jogou no chão de linóleo
rachado. Foi quando eu conheci o verdadeiro medo. Eu
senti um calor subir lentamente pela minha espinha.

Antes que qualquer coisa pudesse acontecer houve


uma batida forte na porta da frente. Era o nosso vizinho,
Guido. Esse era o seu verdadeiro nome. Bem, esse era o
nome que ele nos disse. Vince estava convencido de que
Guido era um cara da Máfia, no Programa de Proteção a
Testemunhas. Ele não se encaixava em nosso bairro de
modo algum. Ele era um valentão total e agora estava
reclamando em voz alta porque o amigo de Vince tinha
estacionado em seu gramado.

É isso que Guido fazia. Sentava na sua varanda e


esperava que alguém fizesse algo de errado para que ele
pudesse se impor. Normalmente eu não gostava de Guido,
mas naquele momento, sua boca grande e o pesado sotaque
de Nova Iorque eram música para os meus ouvidos.

O homem misterioso, que nunca mencionou seu nome,


tinha me virado de costas e estava sentado na minha
barriga com uma das mãos sobre minha boca e outra
segurando minhas duas mãos sobre minha cabeça. Ele
estava gritando para Guido ir embora e que ele moveria
seu caminhão quando ele estivesse afim ou bem
quisesse. Não foi até que Guido ameaçou chamar a polícia
que o homem soltou minha mão e pulou em um movimento
rápido.

Ele me disse que se alguma vez eu contasse para


alguém o que aconteceu, ele voltaria e terminaria o que
tinha começado. Eu apenas disse a ele que seria o nosso
segredo. Não diria uma palavra. Não estava ferida. Nenhum
dano feito. Eu nunca diria. Ele podia confiar em mim.

Eu contei. No minuto que Delia e Vince chegaram em


casa eu disse, e chamaram a polícia. Depois que o descrevi
a eles e Guido descreveu seu caminhão, Vince sabia quem
ele era. Algum vagabundo chamado Johnny Tillman, que
aparecia continuamente no local frequentado pelos meus
pais, o Smitty’s Bar em Davie Boulevard. Ele não era um
amigo de Vince, mas ele tinha tido conversas suficientes
com ele para aprender seu nome. Como ele sabia sobre
mim, eu tinha uma ideia. Eu nunca o tinha visto antes, mas
ele pode ter me visto. Quando eu não conseguia pegar uma
carona com os meus amigos, às vezes eu ia a pé do ponto
de ônibus escolar até o Smitty’s esperar por Delia ou Vince
para me dar uma carona para casa. Podia contar que eles
parariam para uma cerveja quase todos os dias. A
proprietária era uma senhora muito simpática. Eu sentava
no canto e fazia lição de casa, e ela me dava um
refrigerante de laranja e batatas fritas por conta da casa.
Agora, em pé no meio do nada, Steppenwolf tocando e
o cara da moto ainda sorrindo malignamente, eu estava tão
paralisada de medo que não conseguia sequer lembrar o
nome dela. Mas uma coisa que eu gostaria de poder
esquecer era a observação de Delia após o incidente: —
Como pode alguém tão inteligente como você fazer algo tão
ridiculamente idiota?

Naquela época, eu tinha tentado argumentar para sair


disso: — Mas Delia, ele conhecia Vince. — eu até tentei me
convencer que o homem parecia familiar. Mas isso era uma
mentira. Ela estava certa. Foi a coisa mais estúpida que eu
já tinha feito.

Até uma hora atrás.

Agora tudo que eu conseguia pensar era: — Você está


por sua conta, garota. Sem Guido aqui desta vez.

O cara da moto me agarrou brutalmente pelo braço e


me puxou para frente. — Vamos lá, é hora de conhecer a
sua nova família.

Família? Eu estava muito chocada para tentar decifrar


essa observação. Caminhamos em direção ao grupo de
pessoas sentadas em torno da fogueira, o ruído anterior
enfraquecendo lentamente. Quando nos aproximamos, eu
ouvi um assobio longo e comentários vindos de todas as
direções.
— Oooh, olha o que Monster[6] nos trouxe.

— Ei Monster, pensei que você gostasse de loiras e


peitos gigantes.

— Isso vai nos trazer uma fortuna. Ajudar a pagar as


contas.

Em seguida, uma voz feminina estridente assobiou: —


Não sei o que você pensa que está fazendo, trazendo esse
pedaço de lixo para cá.

Uma voz masculina muito articulada retrucou: — Qual


é o problema, Willow? Com medo que Grizz possa ficar
interessado? Todo mundo sabe que ele gosta de morenas, e
eu tenho certeza que ele teve o suficiente de você.

— Foda-se, Fess, e sua mãe e seu pai. Ela é muito


raquítica para Grizz e feia, também.

Bom, deixe-os pensar que eu sou magra, feia. Qualquer


coisa para me tirar daqui.

A voz grave masculina acrescentou: — Não, ela não é


nada disso, Willow. Mas não se preocupe, querida. Você
está com Grizz por quase dois anos. Ele nunca durou tanto
tempo com uma mulher. Eu acho que é realmente amor
com vocês.

Isso pareceu aplacar Willow. As trocas foram tão


rápidas e a luz da fogueira tão fraca que eu não conseguia
dar rosto a uma voz. Meu captor rudemente me sentou em
uma cadeira de gramado arranhada dentro do grupo, em
seguida, pegou a do meu lado. Eu me inclinei para frente,
peguei minha mochila e a coloquei no meu colo. Eu percebi
que não estava usando meu poncho e o pensamento mais
ridículo surgiu na minha cabeça que, pelo menos o meu
poncho estava são e salvo na biblioteca. Eu passei meus
braços em volta da minha mochila e comecei a olhar ao
redor, avaliando meu entorno.

Foi quando meu captor falou: — Onde está Grizz?

Monster. Acho que é assim que alguém o


chamou. Monster. Deus me ajude.

— Ele está aqui em algum lugar. Só entrou para fazer


uma ligação, eu acho. — alguém respondeu.

— Por quê? Para que você precisa de Grizz? —


retrucou Willow.

Monster se inclinou para frente em sua cadeira, como


se para enfatizar seu ponto. — Bem, cadela. — ele cuspiu.
— Eu quero mostrar ao Grizz minha gratidão por me deixar
ser um membro. Você sabe, como um presente de
agradecimento. E aqui está, é isso. — ele disse, acenando
com a mão na frente do meu rosto.

Eu me senti como um prêmio em algum game show


brega, e Monster era o modelo que exibia as
mercadorias. É claro que eu não poderia estar mais longe
de um estúdio em algum lugar na Califórnia do que eu
estava naquele momento.

— Isso é o que? Ela? — Willow rosnou.

Meus olhos haviam se ajustado à luz fraca, e eu


finalmente vi a fonte da voz irritantemente
estridente. Willow escolheu este momento para se levantar
e apontar para mim, a fogueira iluminando-a. Ela era
pequena. Eu não podia adivinhar a idade dela, mas ela era,
provavelmente, mais jovem do que parecia. Ela tinha
cabelo loiro acinzentado que pendia frouxamente ao redor
do rosto. Não havia nada realmente especial sobre esse
rosto, embora eu achasse que talvez ela tivesse sido muito
bonita em algum momento. Ela tinha maquiagem escura
manchada sob cada olho. Suas sobrancelhas eram um fino
delineado e excessivamente arqueadas, que acrescentavam
um olhar sinistro. Ela provavelmente não precisava de
sobrancelhas expressivas para conseguir isso, no
entanto. Vida dura, provavelmente incluindo um grande uso
de drogas, tinha a envelhecido. Mesmo na penumbra eu
podia ver os leves traços de cicatrizes de acne e as maçãs
do rosto eram quase demasiadamente proeminentes. Elas
ressaltavam, em flagrante contraste com o vazio, que
provavelmente tinham sido bochechas cheias uma vez. Ela
estava usando um top roxo e calças jeans surradas que
repousava sobre os quadris ossudos. E ela me chamou de
raquítica? Ela tinha uma variedade de pulseiras sujas de
macramé com miçangas nos dois braços. Quase todas as
partes da sua pele que estavam aparecendo estavam
cobertas de tatuagens, com exceção do rosto e as
mãos. Olhei para baixo e vi que ela não estava usando
sapatos. Seus pés e as unhas dos pés estavam imundos.

Esta era a mulher de Grizz? Quem quer que fosse este


Grizz, me perguntei se ele gostava de pés sujos.

— Sim, ela, Willow. Eu a vi sentada no 7-Eleven e a


achei parecida com a garota na nossa jaqueta. Então eu vi
a maldita gargantilha e sabia que tinha que trazê-la para
Grizz. Você tem algum problema com isso?

— Claro que tenho. Ele não vai querê-la e você e sua


bunda estúpida deveriam saber melhor do que trazê-la
aqui.

— Bem, por que não deixamos Grizz decidir.

— Deixar Grizz decidir o que?

Eu estava tão ocupada assistindo a troca entre Willow


e Monster, que eu não percebi o homem grande
subindo. Assustada, virei a cabeça para a esquerda e meus
os olhos ficaram no nível do zíper de um par de jeans
azul. Eu lentamente levantei meus olhos e minha
respiração, realmente, ficou presa na minha garganta.

Pensei que Monster e seu sorriso mal fossem algo a


temer. O homem que estava ao meu lado, não só era grande
e impressionante na aparência, mas eu podia sentir a sua
energia crua e a agressividade irradiando como um
farol. Esta era uma pessoa de autoridade. Esta era uma
pessoa que você não mexeria.

Este era Grizz.

Ele era a razão pela qual eu fui sequestrada, e eu


temia que agora pertencesse a ele.

Naquele momento, minha mente foi em um milhão de


direções. Lembro-me de ouvir trechos da conversa a
respeito de porque eu estava lá. Aparentemente Monster, o
mais novo membro deste grupo ou turma ou o que quer que
fossem, tinha acabado de terminar um ritual de
iniciação. Esta parte final não era necessária e pelo que eu
aprendi mais tarde, raramente, ou nunca, realizada: rapto
de alguém para ser apresentado ao líder como um presente
de agradecimento para fazer o que quisesse.

Essa era eu. O presente de agradecimento. Agora que


eu pensei sobre isso, a jaqueta de couro do Monster
parecia novíssima em folha. Ele não poderia fazer parte
deste grupo por muito tempo.

Só então os meus olhos encontraram Grizz, e ele


estava olhando para mim. Eu não conseguia ler sua
expressão. Ele não era classicamente bonito, mas ele
também não era feio. Ele era robusto, duro. Mesmo na
penumbra eu podia ver que ele tinha olhos atraentes. Ele
estava vestindo uma camiseta que tinha as mangas
arrancadas. Ele era musculoso e coberto de tatuagens. Seu
cabelo parecia um loiro escuro ou talvez um castanho claro,
um pouco longo e despenteado. Eu não podia adivinhar sua
idade. Para alguém com tal autoridade, ele deveria ser mais
velho do que parecia. Mas eu não poderia dizer.

A luz fraca e meu próprio medo fizeram com que toda


a razão e clareza deixassem o meu cérebro. De repente eu
não conseguia pensar ou sentir. Eu estava entorpecida.

Ele não sorriu. Ele não franziu a testa. Ele só


continuou a olhar para mim com aqueles olhos. A voz de
Willow quebrou o feitiço.

— Esse imbecil estúpido aqui acha que você vai querer


esta merdinha magricela, Grizz. Eu disse a ele que você
não iria gostar dela. Certo, baby? Você não a quer, não
é? Os caras podem tê-la, não é? Se ela é um presente para
você, você pode fazer o que quiser com ela, como devolvê-
la. Certo, baby? E ele deveria saber melhor do que trazer
alguém aqui. Vai chutar a bunda dele, não é baby?

Ele olhou para cima, em seguida, olhou para Willow


sem dizer nada. Eu podia ver seu rosto, e ela tinha um
olhar suplicante. Ela não tirava os olhos dele. Apenas
olhava com aquele olhar de alguém que sabe que acabou
de perder.
Ela então voltou sua raiva para cima de mim. Ela
avançou para mim com as mãos estendidas. Ela estava indo
para o meu pescoço.

Antes que ela me atingisse, Grizz agarrou-a pelo


pescoço e levantou-a do chão com uma mão. Ele a tinha
suspensa, e ela estava chutando. Ela envolveu as duas
mãos na mão dele, e estava tentando erguer os dedos para
que soltassem. Sons borbulhantes saíram da sua
garganta. Sem dizer uma palavra, ele atirou-a, e ela caiu
em uma das cadeiras de gramado frágeis, esmagando-a
embaixo dela.

Uma figura levantou-se do grupo e foi até ela. Eu


reconheci a voz grave de mais cedo.

— Vai ficar tudo bem Willow, querida. Ele vai brincar


com ela alguns dias e voltar para a sua cama antes do fim
de semana acabar. — o homem tentou ajudá-la, mas ela
retrucou.

— Cale a boca, Froggy[7]. — Willow latiu. — Você não


sabe nada. Eu deveria me sentir melhor sabendo que meu
homem está dormindo com aquele pedaço branco de merda
de lixo? Você apenas deixe-me em paz. Pare de me
tocar! Eu consigo me levantar.

Ela levantou-se e afastou. Empinou o nariz como uma


rainha e começou a caminhar em direção ao motel.
— Eu vou estar no nosso quarto, Grizz querido,
esperando por você, querido. Basta entrar em casa quando
você estiver pronto e eu vou lhe mostrar como é uma
mulher de verdade por baixo de você.

Observei-a caminhar até o motel, abrir uma das portas


e entrar. Eu olhei para trás e ele estava olhando para
mim. Sem tirar os olhos dos meus, ele disse: — Moe, leve-a
para o número quatro. Instale-a. Fique com ela.

Levar quem? Eu?

Uma pessoa pequena se levantou do chão. Ela estava


sentada perto do fogo e olhando para ele durante toda a
cena. No começo eu pensei que era um menino. Lembro-me
de pensar que eles tinham filhos aqui, por isso não poderia
ser tão ruim. Agora aquela esperança se foi. Ela tinha
cabelo negro curto. Estava vestindo uma camiseta do Black
Sabbath, jeans preto e botas de combate. Quando ela se
levantou e caminhou na nossa direção, eu pude ver que o
rosto dela tinha uma maquiagem preta ao extremo. Ela
provavelmente tinha um rosto lindo sob toda aquela
pintura. Quando adulta, eu veria as garotas se maquiarem
durante a fase Gótica, e eu acho que nenhuma delas
chegou aos pés de Moe. A garota gótica original.

Sem dizer uma palavra, ela se aproximou de mim e


apenas ficou lá. Não me olhou nos olhos, mas para o
chão. Olhei para a minha direita, onde Monster estava
sentado. Ele nem estava olhando para mim. Em algum
momento durante os últimos dez minutos (ou tinha sido
uma hora?) ele pegou uma cerveja e ficou sentado lá com a
cabeça jogada para trás, bebendo. À sua direita, estava o
homem chamado Froggy, aquele que tentou ajudar
Willow. Ele estava olhando para a cadeira de gramado
quebrada. Talvez ele estivesse tentando ver se poderia
consertá-la. Não me lembro de ninguém, embora eu saiba
que todos eles estavam lá naquela noite. Sentados ao redor
da fogueira, observando, esperando, obedecendo.

Levantei-me e Moe caminhou lentamente em direção


ao motel. Agarrei minha mochila no meu peito e olhei para
frente enquanto a seguia. Sem me virar eu sabia, com
certeza, que aqueles olhos hipnotizantes me observariam
até que eu estivesse atrás da porta fechada do quarto
número quatro.
Capítulo Três

Segui Moe enquanto ela se


aproximou da unidade com o número quatro caindo da porta. Havia na
unidade um ar condicionado barulhento que soava semelhante a um
humano tossindo e cuspindo. Pelo menos seria mais fresco no interior. Eu
não tinha percebido isso, mas havia sido comida viva por mosquitos.

Quando nos aproximamos da porta, notei dois enormes cães negros


pela primeira vez. Eles estavam deitados na soleira, um de cada lado da
porta, e eles levantaram suas cabeças inquisitivamente conforme passamos
por eles. Quando eles determinaram que não éramos uma ameaça, voltaram
para suas sonecas. Eu não sabia disso na época, mas essas duas criaturas se
tornariam meus carcereiros, e eventualmente meus protetores. Eram
grandes Rottweilers negros, chamados Damien e Lucifer.

Eu tinha uma ideia do que seria o interior da unidade quatro, mas não
poderia estar mais errada. Era como entrar em um mundo diferente. Onde
deveria ter uma cama em ruínas e antiga, um tapete gasto, um mobiliário
antigo e o cheiro de podridão, encontrei, em vez disso, uma área de estar
totalmente moderna. Pareciam dois quartos separados por uma pequena
cozinha. Era limpo, fresco e decorado com bom gosto. Era algum tipo de
sonho?
Aparentemente, duas das unidades, talvez até três, tinham sido
reformadas para oferecer ao ocupante o mínimo de conforto. Eu não tinha
que adivinhar quem era esse ocupante.

Meu primeiro pensamento foi encontrar um telefone. Mas Moe deve


ter lido minha mente. Nós duas avistamos o telefone no balcão da cozinha e
olhamos uma para a outra ao mesmo tempo. Ela apenas balançou a cabeça
lentamente. Eu a avaliei. Ela era pequena. Eu não era muito grande
também, mas eu era forte e tinha certeza que poderia derrubá-la, se fosse
preciso. Guardaria isso para depois, se precisasse. Eu decidi tentar amolecê-
la. Progredir com seu lado bom. Levá-la a sentir pena de mim. Querer me
ajudar.

— Uau, é muito bom aqui. Todos os quartos são agradáveis assim?

Ela não respondeu, mas me deu um olhar que dizia: — Você está
brincando?

Sentei na beira do pequeno sofá. Ela se sentou na borda de uma


poltrona de grandes dimensões e apenas olhou para mim.

— Então você deveria me acomodar? O que exatamente isso implica?

Nenhuma resposta. Ela se levantou e caminhou até a pequena área da


cozinha. Abriu a geladeira e pegou uma lata de refrigerante. Ela ficou de pé,
se aproximou e entregou para mim. Agradeci e coloquei na mesa de centro,
sem tomar um gole. Pensando bem, minha boca estava seca como o
deserto. Um gole provavelmente seria bom. Então bebi meu refrigerante.

Acho que ela notou eu coçar as picadas de mosquito, porque ela


levantou novamente e passou pela cozinha, para outro cômodo que eu supus
ser um banheiro. Ela voltou rapidamente e sem nenhuma palavra me
entregou uma garrafa de antisséptico e uma bola de algodão. Ela assentiu
com a cabeça em direção aos meus braços e eu percebi que ela estava
tentando oferecer algum tipo de conforto para as picadas. Meu pensamento
imediato foi: — Tudo bem, então ela não é uma pessoa horrível. Apenas
uma pessoa agradável estaria preocupada com algumas picadas estúpidas de
mosquito. — acho que nunca me ocorreu que ela estava sendo boa apenas
porque haveria um inferno para pagar se ela não fosse.

Eu continuei com a conversa fiada e alisei as picadas com o algodão


embebido em antisséptico. Moe ainda se recusava a me responder, por mais
que eu me empenhasse. Eu nunca tinha visto alguém tão leal ao seu
líder. Deveria haver alguma regra não dita que proibia confraternizar com
os prisioneiros.

Ah cara, eu não tinha pensado nessa palavra antes, mas é exatamente


o que eu era. Uma prisioneira. Mantida contra a minha vontade. Eu tinha
que chegar a esse telefone. Eu tinha um plano. Não era um bom, mas se eu
agisse casualmente o suficiente, eu poderia pegá-lo. Quem sabe? Talvez eu
não seja realmente uma prisioneira, raciocinei comigo mesma. Talvez eu
esteja exagerando. Isso não é real. Este é o tipo de coisa que você vê nos
filmes.

Eu bebi meu refrigerante. Quando a lata estava quase vazia, eu


casualmente me levantei e disse: — Acabei, obrigada. A lata de lixo está na
cozinha? — sem esperar pela resposta dela fui até a pequena área fingindo
olhar para o lixo. Cheguei até a pia e comecei a derramar o pouco do
refrigerante deixado na lata. Com a mão esquerda, casualmente peguei o
telefone em cima do balcão. Antes que eu pudesse erguê-lo do receptor a
senti atrás de mim. Eu fiquei imóvel. Uma mão no receptor, a outra mão
ainda balançando a lata de refrigerante na pia. A minúscula e pacata Moe
estava segurando uma faca no meu pescoço.

— Calma, Moe, não há necessidade disso. Eu só queria fazer uma


ligação. Para que meus pais saibam onde estou. Eles ficarão preocupados e
tudo.

Ela retirou a faca, eu me virei e vi que ela estava me dando o mesmo


olhar que ela me deu quando perguntei se todos os quartos eram
agradáveis. Não, a mansinha Moe não era uma palerma. Ela era pequena e
estava quieta, mas ela sabia quais eram as minhas intenções. Caramba,
talvez ela fosse eu há alguns anos. Eu não sabia.

Gaguejei um pedido de desculpas. — Eu só estou com medo. Eu não


sei o que vai acontecer comigo. Você sabe? Por que você não diz nada para
mim? Se você pudesse me dizer o que está acontecendo ou o que esperar,
acho que poderia lidar melhor com isso.

Ela era mais baixa do que eu, mas estávamos tão perto que fui capaz
de dar uma boa olhada em seu rosto. Ela tinha olhos bonitos, mesmo com
toda a maquiagem, e eu poderia dizer que ela tinha uma pele bonita. Eu não
tinha visto o seu sorriso, então não poderia comentar sobre os seus dentes.

Ela não demonstrou nenhuma emoção enquanto olhou para mim. Eu


estava perdida. Eu estava sozinha. Esta pequena aspirante à amiga não era
uma amiga. Ela estava fazendo o seu trabalho.

Ela abriu a boca ligeiramente como se quisesse dizer alguma


coisa. Finalmente, talvez uma resposta. Uma palavra de conforto. Qualquer
coisa.

Foi então que notei que Moe não tinha língua.


Capítulo Quatro

Pela primeira vez na minha


vida, eu disse uma palavra que nunca tinha cruzado meus lábios antes:
‘mamãe’. Eu queria a minha mãe.

Eu nasci no Dia dos Namorados do ano de 1960. Minha mãe me deu


o nome Guinevere Love Lemon. Sim, esse é meu nome verdadeiro. Para
entender como eu tenho esse nome você tem que entender a minha mãe
hippie, irremediavelmente romântica, Delia. E antes que você considere
julgá-la por me dar um nome tão ridículo, saiba que o meu nome é,
finalmente, o que acabaria levando a queda do Satan’s Army.

Delia Lemon ficou grávida de mim, enquanto vivia em uma


comunidade e nunca se importou em tentar identificar o meu pai. Ela
conheceu o meu padrasto, Vince, em um protesto contra a guerra, quando
eu tinha cerca de seis anos de idade, e eles se casaram três anos mais tarde
no Woodstock. Ah sim, eu fui para o Woodstock. Eu digo que eles são
casados, mas não sei se foi oficial. Ela continuou a usar seu próprio
sobrenome, Lemon.

Ela era muito legal para ser mãe, então eu cresci a chamando de
Delia. Delia Lemon era completamente um personagem. Eu gosto de
compará-la com a mãe da canção de Jeannie C. Riley, “Harper Valley
PTA[8]”. Você conhece a canção - PTA[9] envia um bilhete para a mãe de
uma menina dizendo que eram contra a forma como ela estava criando sua
filha. A mãe vai para a próxima reunião de PTA e, basicamente, acaba com
todos.

O problema com essa comparação é que a mãe da canção se


preocupava mais com sua filha e sua reputação do que Delia se importava
comigo. Delia não é uma má pessoa. Ela é apenas indiferente às regras. Ela
realmente não liga para o que as pessoas pensam. Ela era uma hippie que
usava flores como símbolo de paz e amor. Ela seguia com o fluxo.

Ainda me lembro do horror da minha primeira professora da escola,


quando ela descobriu que eu não chamava minha mãe de “Mamãe”. Eu a
chamava por seu primeiro nome. Sempre chamei. Lembro-me de perguntar
a Delia uma vez quem era minha mãe, porque todos os meus amigos tinham
mamães, e ela deu uma risada explicando que ela não acreditava em
rótulos. Eu era muito jovem para entender o que aquilo significava.

Delia trabalhava em uma loja de alimentos saudáveis, antes de essas


lojas ficarem populares. Ela cultivava suas próprias ervas e sua própria
maconha. Ela criava animais soltos. Ela nunca usava um sutiã e seu guarda-
roupa consistia em regatas, blusas largas, saias longas onduladas com cós
de elástico. Ela andava descalça sempre que possível. Ela tinha cabelos
loiros escuros repartidos ao meio e sempre usava duas tranças que quase
atingiam sua cintura.

Ela sempre se certificou que eu estivesse alimentada e sempre tinha


roupas limpas para eu vestir para escola. Bem, a maioria das
vezes. Amarrotadas, mas limpas. Essa foi à amplitude de sua maternidade.
Nossa casa era cheia de plantas penduradas em suportes caseiros,
elaborados com macramé. Velas perfumadas e incensos sempre estavam
queimando. Apesar de trabalhar em uma loja de alimentos saudáveis, Delia
fumava um maço de cigarros por dia até que Vince finalmente a convenceu
a parar. Eu costumava acender velas para encobrir o cheiro. Mais tarde,
tornou-se um hábito que eu continuei por muito tempo depois que ela
parou.

Vince dirigia um caminhão de entrega de cerveja. Ele sempre teve o


mesmo trabalho desde que me lembro. Ele era um cara legal. Eu não posso
dizer nada de ruim sobre Vince.

Delia e Vince nunca me bateram ou abusaram de mim. Eu não me


lembro deles gritarem comigo ou me punirem. Eles simplesmente não se
importavam o suficiente. Eu não era amada ou nutrida emocionalmente.

Eu acho que a maioria das vezes era ignorada. Eu não tenho nenhuma
memória de Delia ou Vince me ajudando nos trabalhos de casa. Eu não me
lembro deles assistirem e participarem de qualquer concurso escolar ou
voluntariado para captação de recursos. Lembro sempre de mim cuidando
de mim, desde pequena. Ainda me lembro que subia em uma cadeira na
cozinha para que eu pudesse alcançar o fogão e ferver água para fazer
macarrão com queijo. Essa era uma das minhas coisas
favoritas. Infelizmente, eu tive refeições demais do mesmo tipo, e até hoje
eu não suporto macarrão e queijo, sopa de tomate ou qualquer tipo de
bebida de misturar com sabor de cereja.

A proposito, Vince e Delia eram alcoólatras. Graças a Deus eles não


eram desprezíveis. Esperar por eles no Smitty’s Bar depois da escola era
normal para mim na época. Era rotina. Fort Lauderdale era pequena e as
pessoas se conheciam. É onde eu cresci. Fort Lauderdale, Florida.

Quando eu estava na escola primária, fui o que as pessoas chamam de


uma criança latchkey[10]. Voltava para casa todos os dias da Parkland
Elementary School. Eu me trancaria e fecharia a porta atrás de mim. Delia
nem sequer exigia um telefonema meu para lhe dizer que cheguei bem em
casa.

Eu era uma solitária, mas nunca sozinha e era uma excelente


aluna. Eu mergulhava nos meus livros. Mostrei um verdadeiro talento em
trabalhar com números. Eu amava números. Eu ainda amo números. Eu
amo como eles nunca mentem. Eles sempre se encaixam. Existe sempre
uma constante.

Quando tinha treze anos eu já tinha tomado completamente as


finanças da família. Acredite ou não, tanto Delia quanto Vince descontavam
seus cheques de pagamento, mantinham o que queriam e me entregavam o
resto. Eu montava minha bicicleta amarela de dez marchas e ia para o banco
local a cada semana fazer um depósito. Eu pagava todas as contas, forjava a
assinatura de Delia nos cheques. Eu me alegrava com a sensação de ser
parte integrante de alguma coisa. Eu gostava de brincar que era diretora
financeira para a nossa pequena família.

Eu me sentia realmente importante, também, quando Vince me


perguntava: — Ei Gwinny, minhas botas estão gastas. Acha que posso ficar
com vinte para comprar algumas novas? Você terá o suficiente para pagar as
contas?
Era um pequeno poder, mas era melhor do que nada, e o fato de que
eu estava administrando um orçamento familiar me dava confiança e uma
sensação de importância. Eu era importante para aquela família. Nunca me
senti assim antes.

Eu era Gwinny quando eles estavam bebendo, o que acontecia na


maioria das vezes. Mas quando tinha dez anos eu comecei a insistir que, em
vez de Gwinny, eu queria ser chamada de Ginny. Eu sentia que Gwinny era
mais apropriado para um dos gatinhos abandonados que Delia adotava. Era
um nome de bebê e eu não gostava.

Eventualmente, Ginny foi encurtado para Gin. Sim, Gin, assim como
o álcool. Algumas coisas são simplesmente irônicas, não são?
Capítulo Cinco

Moe sorriu. Eu não


poderia dizer se ela estava divertida por eu notar que ela não tinha língua,
ou se estava envergonhada com isso. Só então a porta se abriu e o homem a
quem chamavam de Grizz entrou.

Meu primeiro instinto foi atirar-lhe perguntas. Mas algo me


segurou. Não tenho nenhuma experiência com homens, mas a minha voz
interior me dizia para manter minha boca fechada. Eu me perguntava se era
por isso que Moe não tinha uma língua; por ela ter dito algo errado e foi
cortada, ou ela nasceu assim? Por toda a minha vida, não conseguia me
lembrar de ter ouvido sobre qualquer um que tivesse nascido sem a língua.

Sem dizer uma palavra, Grizz caminhou até a pequena mesa de centro
e pegou a minha mochila. Ele a virou de cabeça para baixo e esvaziou-a no
sofá. Os livros da biblioteca pesados caíram em cima de todo o resto, então
ele jogou de lado e pegou minhas pílulas anticoncepcionais. Ele jogou de
lado também. Em seguida, passou a mão sobre o resto do conteúdo. Quando
seus dedos roçaram um dos dois absorventes eu disse em uma voz
estranhamente estridente: — Eu estou no meu período. E eu só estou
tomando pílula, porque tenho muitas cólicas. Elas não são para controle de
natalidade.
Aí está. Botei algumas coisas para fora, mas verdade seja dita, não
tinha certeza se iriam ajudar ou prejudicar a minha causa. Quem queria
estuprar uma menina que estava menstruada? Eu não tinha ideia do que
motivava um estuprador. Ou neste caso, o que poderia impedir um. E
segundo, tentei deixá-lo saber que eu estava tomando pílula por causa de
cólicas menstruais. Isso era verdade. Eu não era sexualmente ativa. Mas e
se ele quisesse uma virgem? Eu não tinha ideia de onde estava com ele.

Ele não comentou, mas pegou a minha carteira. Ele a abriu e viu a
minha autorização de motorista da Florida.

— Guinevere Love Lemon? — ele perguntou com um sorriso.

— Gin. Pode me chamar de Gin. — retruquei.

Ele não olhou para mim. — Você nunca vai passar por esse nome
novamente. Entendeu? Você não diz a ninguém o seu nome. Nunca. Está
claro?

Eu não respondi, ele deu uma rápida olhada para mim. Balancei a
cabeça concordando. Mas não iria deixar o momento passar. No fundo, eu
era desafiante até os ossos. Só porque estava jogando pelo seguro por estar
completamente assustada, não significava que estava bem com a minha
situação. Eu não queria que minha natureza desafiante se mostrasse, mas
acho que ela apareceu.

— Bem, agora Moe sabe. — eu disse com um pouco de atitude.

Ele jogou a minha carteira de volta na pilha dos meus poucos


pertences e caminhou lentamente na minha direção. Não se mexa, não se
mexa, não se mexa. Olhe-o nos olhos, Gin. Cabeça erguida. Não muito
corajosa, mas não seja uma covarde também.

Ele estava tão perto de mim que tive que inclinar minha cabeça para
continuar olhando-o nos olhos. Foi quando notei a cor: um verde claro,
brilhante e ainda mais atraente à luz do quarto de motel do que ao redor da
fogueira. Ele ergueu a mão direita e acariciou minha bochecha
suavemente. Eu fiquei em choque. Mesmo que não tenha me mexido,
estava preparada para um golpe.

Em quase um sussurro, ele disse: — E para quem é que ela vai dizer,
hein? A última vez que ela falou demais, ela pagou por isso. — depois de
uma breve pausa, acrescentou: — Você não parece surpresa, menina. Você
já descobriu por que Moe não fala?

— Você fez aquilo? — eu sussurrei de volta.

— Sim, eu fiz aquilo. Assim, quaisquer mais perguntas sobre o seu


antigo nome?

— Como você vai me chamar?

— Nada, por enquanto.

Ele caminhou de volta para a minha pilha de pertences


pessoais. Pegou a minha carteira com a minha identidade e quatro dólares
nela e jogou-a para Moe.

— Queime-os.
Capítulo Seis

Não demorou muito para


eu adquirir um novo nome. Eu não era muito abordada pela gangue de
qualquer maneira; quando eu era, geralmente Willow se referia a mim como
“a cadela feia”. Isso não durou muito tempo, no entanto.

Eu só estava aqui há alguns dias e comecei a conhecer alguns deles


pelo nome. Uma tarde, alguns de nós estávamos sentados comendo em uma
das mesas de piquenique degradadas. Bem, eu não estava comendo na
verdade. Eu não tinha apetite por razões óbvias. Eu estava sentada à
esquerda de Grizz, e Willow estava ao seu lado direito.

Era assim que tinha sido os últimos dois dias. Eu estava sempre com
Grizz. Nunca ficava fora da sua vista, exceto para usar o banheiro. Willow
não suportava que eu estivesse sempre com ele e fazia o máximo para ter
oportunidades de ficar ao seu lado, também. Ela teria dormido no quarto
dele no chão, se ele a deixasse.

Nós estávamos comendo quando Willow começou a dizer: — Então,


cadela feia, quando você vai...

Grizz bateu-lhe com tanta força que ela teria voado para trás do banco
se Grunt, que estava do outro lado dela, não tivesse estendido o braço
esquerdo para pegá-la.
Grunt era o mais jovem do grupo. Ele não falava muito e eu não podia
avaliar sua idade, mas ele tinha que ser apenas um pouco mais velho do que
eu. Sempre senti que ele me olhava, mas quando eu olhava, ele não estava
mais olhando para mim.

A mão de Willow voou até sua boca. Quando ela a retirou da boca,
estava segurando seu dente esquerdo da frente. O sangue estava escorrendo
para fora do seu nariz e boca. Não foi uma bofetada casual. A mão de Grizz
foi fechada em um punho completo e o golpe tinha sido poderoso o
suficiente para arrancar esse dente e talvez até mesmo quebrar seu nariz. Se
eu achava que Willow me odiava antes, então isso só aumentaria seu nível
de hostilidade.

Dois caras riram. Moe apenas olhou inexpressiva, mas pensei ter
pegado uma dica de um sorriso antes dela abaixar a cabeça para seu prato.

Chicky, que estava sentada em frente a Willow, disse: — Caramba,


Grizz, você anda todo suave, apoiando seu “presente”? Desde quando você
se importa em como Willow a chama?

No mesmo instante que ela disse pude sentir o arrependimento em


seus olhos. Mas, aparentemente, Grizz não reagiu da maneira que ela
pensou que ele iria, porque depois de alguns segundos, ela pareceu
aliviada. Ele terminou de mastigar seu alimento, e depois de engolir
casualmente disse: — Apenas cansado de ouvir isso.

Willow tentava não chorar, mas estava tremendo. Ela levantou


rapidamente e se esforçou para se libertar do banco de piquenique. Foi
estranho, porque ela estava entre Grizz e Grunt, e teve que recuar para
sair. Grunt começou a ajudá-la, mas como a pessoa orgulhosa que era, ela
apenas o enxotou sem dizer nada e correu de volta para o motel.

Ela deve ter procurado Froggy, que não estava na mesa de


piquenique, porque poucos minutos depois ouvimos um arranque de moto e
vi os dois lentamente passarem por nós em direção à State Road 84.

Esta foi a segunda vez que eu tinha visto Grizz abusar de Willow. Eu
já sabia que ela estava dormindo com Grizz, ou tinha, até a minha
chegada. Mas eu não tinha dormido com ele ainda. Eu acho que ninguém
sabia disso. Ainda não conseguia chegar a uma explicação para ele não ter
me estuprado. Ele certamente parecia ser o tipo. Talvez estivesse esperando
eu sair do meu período. Eu não sabia. Ele era, obviamente, uma pessoa
cruel e incapaz de ter sentimentos, exceto raiva. Mas além da sua aparente
indiferença à minha situação, até o momento não tinha levantado a mão
para me machucar.

Eu não poderia dizer se ele se importava com o que os outros


pensavam de como ele me tratava. Provavelmente era novo para eles, ver o
seu líder manter a salvo uma prisioneira da gangue de quinze anos de
idade. Eu tenho a impressão que ele deixava todos lutarem suas próprias
batalhas. Eles poderiam matar uns aos outros e ele provavelmente não iria
intervir ou se importar.

Eu veria sua brutalidade desencadeada em muitas pessoas ao longo


dos anos, independentemente do sexo, idade ou capacidade física. Não
importava. Perguntei-me se ser espancada ou ter sua língua cortada era
apenas corriqueiro em suas mulheres. Veria mais tarde, que ele nunca
abusou de ninguém sem motivo. Ele não gostava. Não o agradava ferir as
pessoas, mas ele nunca parecia mostrar qualquer tipo de remorso quando
fazia. No que lhe dizia respeito, eles conseguiam o que pediam. Eles
conheciam as consequências de desafiá-lo, mesmo da menor maneira. Em
todos os anos que passei com Grizz, nenhuma única vez ouvi uma palavra
de arrependimento dele.

Sua postura exigia obediência, não importava qual era o


problema. Você não obedecia, você pagava. Houve muitos casos durante o
meu tempo com Grizz, que vi um monte de gente pagar de forma horrível
por desobedecê-lo ou simplesmente fazer algo que ele não gostasse.

Eu veria alguém pagar naquela mesma noite.

Foi por volta do pôr do sol, assumi que alguém havia acendido a
fogueira no poço, como eles fizeram nas noites anteriores. Essa era a área
onde eu os encontrei na minha primeira noite no motel e que eles
chamavam de: O poço.

Estava no quarto de Grizz lendo um dos meus livros da biblioteca. Eu


já havia tentado agir o mais casual possível ao longo dos últimos dias. Mas
a verdade era que eu estava apenas olhando as páginas. Minha mente estava
em constante tumulto pensando em uma maneira de escapar.

Pela primeira vez, desde a minha chegada, Grizz realmente me queria


fora do quarto. Havia algo que ele precisava fazer. Talvez um
telefonema? Eu não sabia.

Ele caminhou até a porta, abriu e gritou: — Grunt. Venha aqui. — ele
ficou lá com a porta aberta até Grunt aparecer. Grizz apontou para mim e
disse: — Leve-a para o poço. Eu estarei lá em poucos minutos.
Olhei para cima, surpresa. Isso era novo. Eu fechei meu livro e
coloquei minhas sandálias. Eu odiava andar descalça. O que era meio
engraçado, porque cresci com uma mãe que odiava usar sapatos.

Lembrei-me de quão frescas as noites poderiam ser, então eu


perguntei: — Posso pegar um casaco ou algo assim?

— Sim. Grunt, dê a ela sua jaqueta.

Grunt tirou a jaqueta sem dizer uma palavra e me entregou. Eu a


coloquei e o segui até o poço.

Nós nos sentamos lado a lado em duas cadeiras de jardim. Willow e


Froggy estavam longe de serem vistos. Eu não conhecia a moto de Froggy
bem o suficiente para saber se estava estacionada junto às outras. Eles
poderiam nunca ter voltado desde à tarde. Moe estava sentada no chão na
frente do fogo, assim como a primeira noite que estive aqui. Alguns outros
estavam sentados em cadeiras de jardim com as pernas esticadas. Todo
mundo estava bebendo cerveja.

Grunt me viu olhar para os outros e perguntou se eu queria uma


cerveja. Eu disse que não, mas talvez eu devesse ter tomado
uma. Provavelmente teria me relaxado, mas odiei cerveja quando
experimentei.

Grunt foi até o cooler, pegou uma cerveja e sentou ao meu lado. Notei
que ele deu uma tapa em seu braço. Mosquitos.

— Obrigada por me dar a sua jaqueta. — eu disse a ele.


— Não acho que tive muita escolha. — ele não disse isso de uma
maneira hostil, apenas como uma questão de fato. Comecei a tirar a jaqueta,
ele imediatamente levantou a mão e disse: — Não, você pode usá-la. É
melhor estar usando quando ele vier aqui fora, ok? Você pode me entregar
de volta amanhã.

— O que, você acha que ele te machucaria se eu devolvesse a sua


jaqueta?

— Você é aquela que pediu um casaco. Basta usá-lo. Ele não vai ficar
com raiva de mim. Ele vai ficar com raiva de você, porque você disse a ele
que estava com frio e ele organizou um modo para que você não sentisse
frio. Então, se ele vem aqui e você estiver com frio, provavelmente irá ficar
puto.

— Por que ele sequer teria a obrigação de se preocupar com algo tão
ridículo?

Até agora, os outros ao redor do poço haviam parado suas próprias


conversas e focaram em escutar a nossa troca.

Antes que Grunt pudesse responder, uma moto barulhenta


interrompeu nossa conversa. Monster. Eu me perguntei onde ele tinha ido o
dia todo. Não que eu realmente me importasse. As pessoas pareciam ir e vir
aqui quando quisessem. Todos, exceto eu.

Após Monster estacionar e desligar o motor, retomamos nossa


conversa. Mas deixei a pergunta da jaqueta de lado. Eu estava curiosa sobre
certas coisas, mas também percebi que quanto menos soubesse, melhor. Eu
queria minha liberdade. Se eu fizesse perguntas constantemente e soubesse
muito sobre este pequeno grupo, talvez influenciasse a decisão sobre se
deveria ou não me deixar ir.

Monster caminhou até o poço e pegou uma cerveja do cooler antes de


sentar. Ele estourou a tampa e tomou um grande gole. Em seguida, com a
outra mão, pegou um maço de cigarros da sua jaqueta e acendeu um. Ele
bebeu o resto da sua cerveja em menos de trinta segundos, deu um arroto
alto, então se levantou. — Esqueci, tenho um presente para Grizz. Bem,
para os cães de Grizz na verdade.

— Você não tem outra garota escondida em sua moto em algum lugar,
não é? — perguntou alguém. Houve uma rodada de risos.

Ele não respondeu enquanto caminhava de volta para onde havia


estacionado sua moto. Mantendo a curiosidade, todos os olhos o
seguiram. Ele abriu um dos seus bagageiros, estendeu a mão e tirou
algo. Era difícil dizer o que era, uma vez que estava escuro, mas era
pequeno, e ele o pegou com uma mão.

Ele voltou até sua cadeira de jardim, e nós ainda não sabíamos o que
ele tinha. Ele se sentou com um cigarro pendurado na sua boca, levantando
seu prêmio.

Era um pequeno gatinho preto. Um gatinho? Será que Grizz quer um


gatinho? Então me lembrei, que ele disse que era para os cães de Grizz. Ele
ia dar o gatinho aos cães para ser estraçalhado? Ah, não. Eu não acho que
eu poderia lidar com isso.

Alguém, eu acho que foi Blue, disse: — Que diabos Grizz vai querer
fazer com isso?
— Eu pensei que ele poderia querer alimentar seus cães infernais. —
Monster riu. Ele ainda segurava o gatinho pela pele de seu pescoço e o
coitadinho apenas ficou pendurado lá sem fazer nenhum som.

— Eu vou te dizer agora, você está errado. Livre-se dele antes que ele
venha aqui. — Blue advertiu.

— Por que eu deveria querer me livrar de uma caixa de grito


perfeitamente boa assim? — perguntou Monster.

— O que você quer dizer com caixa de grito? — perguntou Grunt.

Sem responder, antes que alguém pudesse detê-lo, mesmo se


quisessem, Monster levou o cigarro aceso e o pressionou ao lado do
gatinho. Ele gritou de dor e tentou escapar. Ele apenas riu.

— Veja, caixa de grito! Inferno, ninguém quer saber se o seu olho vai
fazer um som de chiado, como quando você frita bacon ou algo assim? —
mais risos dele.

Ninguém se juntou ao seu riso nesta exibição horrível, mas eu estava


muito chateada para perceber. Levantei e comecei a correr para o
quarto. Grunt seguiu em meus calcanhares, mas eu lutei para afastá-lo.

— Deixe-me em paz! Deixe-me em paz! — eu estava gritando com


toda a força dos meus pulmões. — Vocês todos são doentes. Algo está
muito errado com vocês, se acham que isso é divertido.

Grunt estava tentando me impedir de chegar ao quarto, e estava


dizendo algo que eu não ouvi. Eu estava muito histérica.
Só então, a porta do quarto de Grizz abriu e ele saiu. — O que diabos
está acontecendo aqui?

— O que está acontecendo? Eu vou te dizer o que está


acontecendo. Seu amigo Monster, doente, está dando um show torturando
um pobre animal indefeso, é isso que está acontecendo. Vocês todos são
doentes. Eu não acredito que isso está acontecendo. Eu não acredito que as
pessoas se divertem com este tipo de porcaria. Eu tenho que sair daqui!

Até então, Grunt estava atrás de mim, com as duas mãos segurando
meus braços ao meu lado. Eu estava esperando o golpe de Grizz. Eu tinha o
visto ficar louco por coisas menores. Isso certamente garantiria, pelo
menos, um tapa na cara. Mas não veio. Ele olhou de mim e Grunt para o
poço e disse: — Leve-a daqui. Fique com ela.

— O que, então você poderá ir e se juntar a diversão? —


provoquei. — É isso o que você vai fazer? Grande, cara durão, hein? Vai
aterrorizar um gatinho. Nossa, como é bravo!

Enquanto eu gritava, Grizz estava se movendo em direção ao poço,


então eu não sei o quanto ele ouviu, graças a Deus. Grunt me disse para
calar a boca. Em seguida, com uma força que não sabia que ele tinha me
pegou e me jogou por cima do ombro. Ele me levou ao quarto e fechou a
porta antes de me colocar para baixo em meus pés.

Ele tirou meu folego, e eu me curvei, ofegando por ar. Ele dizia para
me acalmar enquanto me levava para o sofá. Então ele ligou a TV,
aumentou o volume e me encarou.
— Não é o que você pensa. — disse Grunt. — Vai ficar tudo
bem. Experimente e tome um fôlego.

Eu não pude responder. Pela primeira vez desde o meu rapto, quebrei
e comecei a chorar.

Ele se sentou ao meu lado e colocou o braço ao meu redor, mas saltou
assim que fez isso. Em vez disso, ele se sentou na pequena mesa de centro e
me encarou, apenas me observando enquanto eu chorava.

Ele entrou no banheiro, trazendo de volta um pano frio e me


entregou. Eu coloquei meu rosto nele e chorei ainda mais.

Olhei para cima, quando a porta se abriu e Grizz entrou. Ele olhou
para mim, depois para Grunt.

— Vá.

Grunt balançou a cabeça e levantou, passou por ele saindo pela


porta. Eu olhei para o meu colo. Senti-me tão derrotada, e a histeria me
deixou fisicamente exausta. Eu poderia dizer que Grizz estava andando em
minha direção. Antes que eu pudesse olhar para cima, ele gentilmente
colocou o gatinho no meu colo.

Eu estava atordoada. Olhei para ele, e ele deve ter lido a pergunta no
meu rosto.

— Blue me contou o que Monster fez. O que ele estava pensando em


fazer.

Eu não sabia o que dizer.


— Vai precisar de alguns curativos. Você pode mantê-lo aqui e cuidar
dele, mas você tem que mantê-lo longe de Lúcifer e Damien. Eu não sei o
que eles fariam. Quero dizer, apesar de tudo. Você terá que descobrir uma
maneira de cuidar dele. Se eu encontrar um monte de merda aqui farei
Grunt o levar embora. Entendeu?

Eu pude apenas acenar.

— Você nunca vai falar assim comigo novamente. Entendeu, Kit?

— Sim. Obrigada. — eu disse em um sussurro. — Você gritou com


Monster? Falou que era para ele ficar longe dele a partir de agora? Que ele
é meu?

— Não, eu não gritei com Monster, e não, ele não irá incomodá-lo
novamente.

Das três coisas que aconteceu naquela noite. Essa foi a noite que
recebi o meu novo nome. Kit. Essa foi a noite que vi um lado diferente de
Grizz. E essa foi a noite em que os outros ao redor da fogueira viriam a
discordar sobre o que eles testemunharam.

Alguns disseram: — Sim, um globo ocular faz um som de chiado


assim como bacon fritando. — Outros diziam: — Não, isso não soa nada
como isso.

Mas todos eles concordaram em uma coisa. Era difícil dizer com
certeza que tipo de som se assemelhava mais aos gritos de dor de Monster.
Capítulo Sete

Naquela noite dormi com


o pequeno gatinho enrolado contra o meu peito. Como todas as noites que
estive lá, eu dormia em cima das cobertas de uma cama king-size
extremamente confortável. A cama de Grizz. Ele dormia em cima das
cobertas também, em sua camiseta e jeans. Nossas costas quase se
tocavam. Toda manhã, quando eu acordava, encontraria um cobertor
envolto em cima de mim.

Eu não vi Monster no dia seguinte. Fiquei surpresa que todos agissem


como se tudo estivesse normal. Tão horrorizada quanto fiquei com o que
Monster tinha feito para o gatinho, fiquei ainda mais espantada com o que
Grizz havia feito com ele.

Eu estava sentada na cama na manhã seguinte brincando com meu


gatinho quando Blue entrou. Blue era o segundo no comando desse grupo e
irmão mais velho de Grunt. Ele disse que Grizz havia mandado Monster
embora e eles não tinham certeza se ele iria voltar. Eu secretamente
esperava que ele estivesse com raiva o suficiente de Grizz para ir à polícia e
o denunciasse sobre o meu sequestro. Não tive essa sorte.

Ele voltou no final da tarde como se nada tivesse acontecido. A única


evidência da noite anterior era um tampão sobre seu olho.
Eu ainda estava sob o olhar atento de Grizz e nunca tinha um minuto
para mim, para alcançar o telefone. Ele me viu olhando para ele um dia e
me disse para não me preocupar em tentar ir embora ou pedir ajuda.

— Eu seria estúpida se não tentasse sair daqui.

— Não. — Grizz rebateu. — Você seria estúpida se tentasse.

— Sério? Por quê?

— Porque se você for, sua família se machuca. É por isso.

Eu já sabia do que Grizz era capaz de fazer. Eu tinha o visto abusar de


Willow e sabia o que tinha feito a Monster. Ainda assim, não conseguia
evitar. Eu tive que desafiá-lo.

— O que você sabe sobre a minha família? — eu perguntei um pouco


ironicamente.

Eu sabia que ele tinha queimado minha licença de motorista, e não


havia nenhuma maneira que ele houvesse memorizado o endereço naquela
noite, quando ele olhou para o meu nome. E, por mais que meu sobrenome
estivesse em evidencia, Lemon não estava na lista telefônica. Nosso
telefone estava em nome de Vince.

— Não me provoque, Kit. — foi tudo o que disse.

Eu provoquei. Na verdade, zombei dele. Surpreendentemente, ele não


respondeu às minhas acusações de que não havia nenhuma maneira na Terra
dele saber algo sobre mim, e, portanto, não tinha nenhuma maneira de
machucar minha família. Depois de alguns minutos notei a veia pulsando
em sua testa.

— Você quer provas, Kit? É isso que você está pedindo?

— Sim, é exatamente isso que eu quero. Sabe por quê? Porque eu sei
que você não tem. Eu fui apenas um presente de agradecimento estúpido
aleatório, que Monster esbarrou na loja de conveniência. Eu não estava nem
perto da minha casa.

Ele olhou para mim por alguns minutos sem responder. Finalmente,
ele disse: — Talvez você precise de uma lição para acreditar sem
provas. Talvez você precise saber exatamente com quem você está lidando.

Ele disse calmamente e até mesmo sua expressão me assustou. Eu


cedi.

— Tudo bem, você é capaz de ferir a minha família, se você quiser.


— minha voz era calma. — Tudo bem, eu acredito em você. Eu não tentarei
nada estúpido.

Esse foi o fim da conversa. Graças a Deus atendi meu próprio


conselho e não tentei fugir ou usar o telefone. Passei o resto do dia no
quarto com meu gatinho e três livros da biblioteca.

Naquela noite, enquanto relutantemente segui Grizz para o poço, eu


parei abruptamente em meu caminho. Medo escorria pela minha espinha
como uma torneira pingando. Lá estava ela. A prova que eu disse a Grizz
que ele não poderia fornecer. Lá, encostada em um escorrega degradado na
praça, estava o meu bem mais precioso: minha guitarra. A última vez que a
vi, ela estava encostada contra uma cadeira de balanço no meu
quarto. Como? Como poderia estar aqui? Havia apenas uma forma. Grizz
sabia onde eu morava. Ele poderia ferir Delia e Vince. E mesmo que eu não
os amasse como a maioria das crianças amam seus pais, me preocupava
com eles e não queria vê-los feridos.

Voltei para o número quatro naquela noite abalada pelo medo e


completamente derrotada. Peguei minha gatinha e a abracei. Senti-me tão
estúpida. Quando Grizz a trouxe para mim, eu secretamente prometi
escapar e levá-la comigo. Eu seria a salvadora dessa pequena
criatura. Quem eu estava enganando? Como eu salvaria uma gatinha dessas
pessoas quando eu não conseguia nem mesmo me salvar?

Ela precisava de um nome. Isso eu poderia fazer por ela. Desde que o
dela havia sido dado a mim, dei-lhe de volta o único nome que eu poderia
pensar e também seria minha última conexão com meu lar. Não era um lar
feliz, mas era o único lar que eu conhecia.

Eu a nomeei Gwinny.
Capítulo Oito

Eu cheguei ao final do meu


período alguns dias após ter chegado aqui, e uma semana depois Grizz
ainda não tinha tentado nada sexual comigo. Willow continuou a me odiar,
mas à distância. No fim da primeira semana comecei a dormir a noite
toda. Antes disso, tinha dificuldade em adormecer e acordava a noite toda.

Eu me preocupava que Grizz fosse tentar algo comigo, mas ele nunca
fez isso. Eu percebi depois que comecei a dormir durante a noite inteira,
que ele levantava enquanto eu dormia e ia para o quarto de outras
mulheres. Bom. Eu esperava que fosse isso que ele estava fazendo. Eu com
certeza não gostaria que ele aliviasse seus desejos reprimidos em mim.

Eu também consegui cuidar e nutrir Gwinny devolvendo sua


saúde. Não foi difícil. A única coisa remanescente daquela noite horrível era
uma bolha desagradável que já tinha formado uma casquinha. Ela era uma
pequena coisinha animada e não mostrava medo, mesmo depois de Monster
ter infligido dor e maus tratos a ela. Eu ainda era uma prisioneira, mas
estava autorizada a percorrer o motel livremente sem Grizz. Ele não estava
mais sempre comigo, como no início. Eu, obviamente, não iria a lugar
nenhum.

Magicamente, tudo que eu precisava era fornecido, incluindo pílulas


anticoncepcionais para um ano. Em minha mente tentei negar que fosse
uma indicação de quanto tempo eu ainda poderia permanecer
ali. Independentemente disso, eu ainda não sabia qual seria minha
finalidade. Será que eles me manteriam como uma prostituta? Eu iria
trabalhar em um bar de topless como Chicky e Willow?

Eu não sabia como Grizz conseguia adquirir tudo. Lentamente, os


itens só apareciam na porta do seu quarto. No dia seguinte que fiquei com
Gwinny, encontrei uma caixa de areia, alimentos e um brinquedo para gato
do lado de fora da porta. Eu mantive a gatinha guardada comigo e me
certificava que a caixa de areia fosse limpa logo após ela ter usado. Eu não
queria dar a Grizz qualquer motivo para tirá-la de mim.

No outro dia, cinco pares de roupas novas, uma escova de dente, uma
camiseta e um par de tênis apareceu - tudo exatamente do meu
tamanho. Até então, eu tinha lavado a mão a mesma calcinha e a deixava
secar durante a noite. Eu dormia com uma das camisetas de Grizz e minha
calça jeans, que ainda não tinha sido lavada, e eu normalmente começava os
meus dias vestindo roupa íntima úmida, mas limpa.

Um dia ele trouxe consigo novos jeans, um par de camisolas e


bermudas. Dentro de um mês eu tinha um guarda-roupa completo. De bom
material e da moda também, com a etiqueta da loja ainda presa. Quase tudo
cabia perfeitamente. Gostaria de saber se elas foram compradas ou
roubadas. Eu nunca perguntei, mas tinha certeza de que era Chicky e Moe,
que escolhiam tudo para mim. Se fosse Willow, não tinha dúvidas que
passaria os meus dias em um saco de batatas usado.

Eu sabia com certeza que Moe conseguia minhas pílulas. Moe tinha
uma amiga que trabalhava para um ginecologista, e essa amiga tinha um
vício grave com drogas. Desde que Grizz garantisse que todas as meninas
estivessem no controle de natalidade, Moe levaria à amiga qualquer droga
que escolhesse, e sua amiga forneceria ao grupo os comprimidos do estoque
de amostras grátis que recebiam regularmente no consultório médico.

Meus dias viraram rotina e eu estava completamente entediada.


Estranhamente, porém, eu já não sentia medo. Não sei por que. Eu deveria
sentir. Mas eu não era obrigada a trabalhar no bar de topless como as outras
garotas. Eu não era obrigada a ter relações sexuais com os caras. Não me
mandavam cozinhar, limpar ou lavar roupa. Mas eu tinha que fazer alguma
coisa para me impedir de ficar louca. Eu tinha tarefas na minha própria
casa. Eu decidi tentar fazer alguma coisa aqui apenas para me manter
ocupada.

Foi assim que aprendi que Damien e Lúcifer eram meus


carcereiros. Como se a ameaça de morte à Delia e Vince não fosse o
suficiente. Até aquele momento, os cães tinham deixado minha gatinha em
paz. Eles eram autorizados entrar no quarto de Grizz sempre que
quisessem. Eles eram cães extremamente bem treinados e nunca subiam na
mobília. Eles dormiam em camas de cachorro no chão. Eles comiam o
jantar, iam para a área do bosque além do motel para se aliviar sozinhos e
agradavelmente iam e vinham sempre que queriam.

Um dia decidi esfregar o chão do quarto número quatro. Quando


terminei levei o balde de água suja para jogar fora, mas não queria despejá-
lo onde alguém pudesse caminhar e acabar escorregando. Então, fui para
uma área próxima ao terreno do motel perto da mata.

Quando cheguei mais perto notei que fazia fronteira com uma
propriedade que parecia um pântano. Eu tinha esquecido que estava nos
Everglades. Espera. Não há jacarés no pântano? Antes que eu pudesse
refletir sobre essa pergunta, tinha chegado à beira do gramado e estava
levantando o balde para derramá-lo. De repente, ambos os cães estavam lá,
um atrás de mim e um à minha esquerda. Segurei o balde parado no meio
do ar, pois ambos estavam em posição de ataque e rosnavam. Eu congelei.

Oh, meu Deus. Eles pensaram que eu estava tentando fugir e eles
estavam me impedindo. Eu não podia acreditar. Como eles sabiam que
tinham que me impedir de chegar ali? Eu já tinha visto alguns dos caras
irem direto para a beira do gramado para fazer xixi, e os cães nunca foram
atrás deles.

Fiquei ali, paralisada de medo. Então ouvi Grizz assobiar para eles e
gritar um comando enquanto eles caminhavam em sua direção. Os cães
trotaram, felizes abanando os rabos grossos como se fossem pequenos
filhotes. Quando Grizz chegou a mim, ele pegou o balde e o derramou.

— Eu não estava indo embora, você sabe.

— Não acho que você iria. Mas eles acharam.

— Seus cães são treinados para me atacar se eu tentar sair?

— Não para atacar. Apenas impedi-la. Mas veja, você foi esperta o
suficiente para parar. Basta se manter parada e não será um problema. —
seu tom apontava um fato.

— Você gostaria que eles me machucassem?

— Não, eu não quero que eles te machuquem, e eles não teriam te


atacado. Eles teriam parado você.
— Ao me atacar? — minha voz começou a se elevar, eu não pude
controlar. Percebi que meus sentimentos estavam realmente feridos. Eu
pensei que Damien e Lúcifer tinham se acostumado comigo. Eles
certamente tinham se acostumado com Gwinny, deixando-a golpeá-los e
mastigar as protuberâncias das suas caudas. Às vezes, ela até tentava
mastigar suas orelhas enquanto eles dormiam. Eles nunca se mexeram.

— Kit, pare de exagerar. Eles também são seus protetores. Se alguma


vez alguém tentar levantar a mão para você, eles vão matá-lo.

— Sério? Eles fariam isso?

— Sim. Se eles tivessem estado lá naquela noite, quando aquele


babaca tentou estuprá-la na casa dos seus pais, eles teriam arrancado as
bolas dele.

Minha cabeça virou até encontrar seus olhos. Eu podia ver pela sua
expressão que ele não tinha a intenção de dizer isso.

— Foi a mais de um ano atrás. — eu disse, com meu coração batendo


forte. — Como você sabe disso? Grizz, como é que você sabe sobre esse
cara?

Ele começou a caminhar de volta para o motel. Eu estava carregando


o balde vazio e tentando acompanhá-lo. Eu continuei as perguntas sobre
como ele poderia saber sobre esse incidente. Ele não respondeu. Ele
simplesmente continuou andando.

Segui-o para dentro do quarto, e quando fechei a porta atrás de nós,


eu disse calmamente: — Por favor. Por favor, me diga.
Grizz girou, em seguida olhou para mim, como se estivesse tentando
decidir se iria me dizer. Nós não tínhamos tido muitas conversas até
então. Ele não falava muito, e eu não poderia dizer se ele iria dizer qualquer
coisa. Os segundos passavam. Finalmente, ele fez um gesto em direção ao
sofá. Sentei e coloquei minhas mãos no colo. Gwinny pulou no meu ombro
e começou a brincar com o meu cabelo. Eu mal notei.

Eu não podia acreditar no que viria a seguir.

O rapto aleatório de Monster não foi aleatório na verdade, eu


soube. Era uma ordem direta de Grizz. O resto do grupo sabia que eu era
um “presente de agradecimento”, como Monster disse.

Tudo começou em outubro de 1973. Eu tinha treze anos. Grizz estava


no meu bairro, quando ele me viu descer do ônibus escolar. Eu estava na
oitava série, e o ônibus me deixou quase na minha porta.

Ele explicou que estava sentado na garagem de Guido quando passei


por ele, fui até minha varanda e entrei em casa. (Guido? Ele conhecia
Guido?)

O verdadeiro nome de Guido era Tony Bono, e ele trabalhou para


Grizz. Algo com drogas. Grizz me viu e imediatamente me quis. Ele não
sabia que eu tinha apenas treze anos, mas quando Guido disse minha idade,
ele arquitetou um plano. Guido iria me observar e relatar tudo de estranho
ou incomum que acontecesse. Era uma ordem, e Guido ficou muito feliz em
cooperar. Ele relatou o incidente com Johnny Tillman, além de muitos
outros detalhes sobre minha vida e da minha família.

Enquanto ouvia, outra coisa me ocorreu.


— Foi você, não foi? — perguntei, realidade me batendo. — Você foi
o motivo de Matthew romper nossa amizade.

Grizz cerrou o maxilar, sem olhar para mim. — Ele estava ficando
muito interessado em você. Você esteve com ele? Com aquele garoto. Você
fez alguma coisa com ele?

— Não que isso seja da sua conta, mas não. Nós nunca passamos de
um beijo na minha varanda.

— Bom para ele.

— Por que isso?

— Porque eu disse a ele se alguma vez eu descobrisse que ele tinha


tocado em você, eu iria voltar e cortar as bolas dele.

— Por que você faria isso? — minhas bochechas estavam quentes. —


Ele não teria desafiado você. Ele imediatamente terminou a nossa
amizade. Então, por que você ainda mandou Monster me levar?

— Eu não podia arriscar que você ficasse com outra pessoa. Você
parece muito mais velha do que quinze. Eu não podia arriscar.

Matthew me disse muitos anos depois que ele se arrependeu de nunca


falar quando eu desapareci. Ele tinha certeza de que sabia quem era o
responsável. Ele pediu desculpas por não ter ido à polícia para dizer sobre
Grizz. Ele disse que era apenas um garoto e acreditava realmente que o cara
iria voltar e machucá-lo. Eu lhe disse para não se sentir culpado, e eu falei
sério.
Ele tinha razão para ter medo. Grizz teria voltado para ele.

Agora, a minha cabeça estava girando. Eu estava realmente atordoada


com pensamentos rápidos. O meu sequestro não foi um acaso. Foi bem
planejado e cuidadosamente executado. Em seguida, ele explicou como a
minha guitarra chegou ao motel. Doeu muito ouvir que Guido pagou cinco
dólares por ela em uma das muitas vendas de garagem particulares que
Delia realizou logo após o meu desaparecimento.

— Então na primeira noite, quando você olhou para a minha licença e


riu do meu nome, foi uma encenação. Você já sabia o meu nome. — não era
uma pergunta.

— Não foi uma encenação. Eu não sabia nada sobre a parte 'Love'.

Agora eu não tinha dúvidas de que era a minha imagem em seu


logotipo da gangue. Ele, a um longo tempo, esteve obcecado por
mim. Acho que eu estava mais assustada pelo conhecimento desse fato do
que quando percebi pela primeira vez que tinha sido sequestrada.

Grizz começou explicar que depois de me ver a primeira vez sabia


que ele voltaria para mim um dia. Que eu seria dele. Ele admitiu que,
mesmo com Guido mantendo um olho nas coisas, ele pessoalmente me
verificava de vez em quando. Ele até tinha estado no Smitty’s quando estive
lá. Ele calmamente me observou por quase dois anos. Mas ele insistiu que
não era um molestador de crianças ou pervertido e que ele estava esperando
eu ficar mais velha.

Eu o parei. — Mas eu ainda tenho apenas quinze anos.

— Você é velha o suficiente. E eu estou cansado de esperar.


Minha cabeça deu voltas e eu lutei para segurar as lágrimas. — Então,
qual é o meu objetivo de estar aqui? Eu irei trabalhar como as outras
garotas? Como você espera que eu ganhe o meu sustento? O que vai
acontecer comigo quando você se cansar de mim?

Os olhos de Grizz ficaram sérios. — Você nunca terá que


trabalhar. Você vai ganhar seu sustento ficando comigo. E nenhum homem,
quero dizer, nenhum homem, nunca irá te tocar. Nenhum homem, apenas
eu.

Então, aí estava: ele iria me estuprar. Por que ainda não tinha?

Antes que pudesse perguntar, ele acrescentou: — O último homem


que tentou tocar em você pagou por isso. O mesmo acontecerá com
qualquer outra pessoa que chegar perto de você.

— O último homem? — perguntei. — Não Matthew, certo? Por favor,


me diga que você não machucou Matthew.

— O garoto? Não, eu não o machuquei. O cara que tentou estuprá-la.

— Johnny Tillman?

— Sim, Johnny Tillman.

— Ele conhecia meu padrasto do Smitty’s. Chamamos a polícia e os


meus pais iam prestar queixa, mas ele fugiu da cidade tão rápido que a
polícia nunca conseguiu prendê-lo. Encontraram seu caminhão na frente de
um supermercado. Imaginei que ele tinha pegado uma carona para fora da
cidade.
A parte que deixei de fora foi ter sentido que a única razão de Vince e
Delia chamarem a polícia foi porque eles estavam preocupados com
Tillman ir atrás da maconha escondida de Delia. É claro que eles não
contaram essa parte à polícia. Eles só quiseram prendê-lo para que não se
preocupassem com ele aparecendo novamente. Penso que não houve
nenhuma preocupação sincera da parte deles sobre ele tentar me machucar,
mas de descobrir o esconderijo da maconha de Delia, era o que eles
realmente estavam preocupados.

Grizz olhou para mim, então, li algo em sua expressão. Eu soube


imediatamente.

— Ele não saiu da cidade, não é? Você bateu nele e o mandou


embora? É isso o que aconteceu? — choque me encheu.

— Não, eu não o mandei embora, mas eu bati nele, e quando


terminei, ele estava implorando para eu acabar com seu sofrimento.

— Tudo bem, então como ele está?

— Eu não sei como ele está, mas posso dizer para você onde ele está.

Revirei os olhos. — Tudo bem, então onde ele está?

— Cerca de um metro de onde você estava jogando sua água suja.


Capítulo Nove

Eu estava no motel por


cerca de um mês, quando Grunt me contou tudo o que aconteceu na noite
que Johnny Tillman foi trazido para cá. Até eu senti pena dele depois de
ouvir o que aconteceu.

Era fácil de compreender e completamente horrível. Johnny Tillman


foi basicamente despedaçado, cada parte do seu corpo. Suas orelhas, seus
lábios, seu nariz, até mesmo seus testículos. Grizz lentamente o cortou em
pedaços até que, como Grizz me disse antes, ele estava implorando por sua
morte. Grunt não tinha certeza se ele estava morto ou desmaiado por causa
da dor. Grizz deu ordem para que ele e seus pedaços fossem atirados no
pântano e os jacarés fariam o resto. Esse foi o fim de Johnny Tillman.

Quando Grunt terminou de me contar a história eu estava entorpecida


com o choque. Eu não podia acreditar. Quem era essa pessoa que poderia
cortar um homem em pedaços num dia e salvar um gatinho no outro?

Eu estava sentada na cama de Grunt conversando com ele. Ele havia


me convidado para ouvir seus discos. Eu fiquei um pouco surpresa que
Grizz disse que estava tudo bem. Ele parecia tão ciumento quando me
perguntou sobre Matthew e me disse o que fez com Johnny Tillman. Eu não
sei, talvez o li errado. Ou talvez ele só confiava em Grunt. No entanto, me
sentei na cama de Grunt, de pernas cruzadas, bebendo o refrigerante que ele
tinha me oferecido. Ao fundo Moody Blues tocava uma serenata “Nights In
White Satin”. Foi a primeira vez que estive em seu quarto e fiquei muito
surpresa. Não era tão extravagante como o de Grizz. Realmente parecia um
quarto de motel, mas era arrumado e limpo.

A coisa mais surpreendente de tudo, porém, eram os livros. Um


quarto normal de motel geralmente tinha duas camas, mas no quarto de
Grunt só havia uma cama e a parede que separava a sala do banheiro tinha
uma estante enorme que estava tão cheia de livros, que você não podia ver a
parede atrás dela. Livros tomavam todo o espaço disponível na prateleira. E
eles não estavam amontoados aleatoriamente, de qualquer jeito. Quando ele
percebeu que eu não consegui manter meus olhos longe da estante, ele
explicou que os livros foram divididos por gênero, em seguida, por ordem
alfabética pelo sobrenome do autor dentro de cada gênero. Eu me virei para
olhar para ele, surpresa. Quem era esse jovem motoqueiro? Ele me disse
que eu poderia pegar emprestado qualquer livro que quisesse.

Notei peças de xadrez em um tabuleiro sobre a TV no canto.

— Você joga xadrez? — perguntei.

— Sim, e você?

— Não, mas eu gostaria de aprender. Com quem você joga?

— Eu jogo com Grizz. Às vezes Fess. Mas leva muito tempo entre as
visitas de Fess para termos um jogo regular. Eu tenho um jogo em
andamento com Grizz. Você quer que eu te ensine?

— Definitivamente. — por que não? Eu pensei comigo


mesma. Poderia me ajudar a passar os dias até que eu pudesse sair
daqui. Grunt, eventualmente, me ensinou a jogar xadrez. Tornei-me boa o
suficiente para vencer Grizz ocasionalmente. Grizz era um bom jogador, e
eu acho que o xadrez pode ter sido sua única paixão além da gangue e de
mim. Eu nunca venci Grunt, no entanto.

Grunt me contou tudo sobre si, naquela noite, incluindo como chegou
a fazer parte da gangue. Ele me disse tudo o que eu queria saber, exceto
uma coisa. Seu nome real. Era o código da gangue: não havia nomes reais.

Grunt era o caçula de três filhos. Ele nasceu em Miami em 1959. Ele
só era um ano mais velho do que eu. Ele foi criado no que hoje chamamos
de uma família disfuncional. Seu pai morreu depois que ele nasceu. Em um
afogamento acidental. Até aquele momento, sua mãe era uma dona de casa,
e de acordo com Grunt ela era inútil e não servia para nada. Ela se
lamentava por ter ficado com três filhos para criar. Na verdade, duas
crianças, uma vez que Blue não estava realmente em casa tanto assim.

Ela trabalhava como garçonete em uma lanchonete comum de


cachorro-quente. Eles eram famosos por cozinhar seus cachorros-quentes na
cerveja. Depois que ela terminava seu turno, frequentava restaurantes
durante toda a noite com as amigas divorciadas e gastava suas gorjetas com
cerveja.

Ela deixou a criação do pequeno Grunt para o seu irmão e irmã mais
velhos. Não demorou muito tempo para Blue entrar em conflito com a lei,
principalmente por roubar. Sua irmã, Karen, não era muito melhor. Ele se
lembra dela prendê-lo em seu quarto enquanto estava sobre seus
namorados. Ela deveria estar cuidando dele, e ele tinha sorte, se ganhasse
um sanduiche com manteiga de amendoim e geleia a cada dois dias.
Se não fosse a merenda escolar, ele provavelmente teria morrido de
fome. Sua negligência não passou despercebida pelos vizinhos, e o
conselho tutelar foi chamado várias vezes ao longo dos anos. Às vezes, eles
o retiravam da casa e o colocavam com uma família adotiva.

Ele não teve nenhuma experiência horrível com o


sistema de adoção. O problema era estar sendo
constantemente puxado para dentro e para fora do sistema
e colocado com famílias em diferentes distritos
escolares. Sua vida estava sendo constantemente
modificada.

Karen se casou com o namorado de vinte e dois anos de idade,


praticamente no dia em que completou dezoito anos e imediatamente
solicitou a custódia de Grunt. Infelizmente, não foi por causa de sua
bondade e amor por seu irmão mais novo. Ele tinha apenas nove. Ela estava
achando que seria paga para mantê-lo. O que não sabia era que ela não
estava se tornando uma mãe adotiva; portanto, o Estado não iria dar-lhe
apoio à criança.

Depois que ela percebeu isso, tentou forçá-lo a voltar para a mãe
dele. Mas por agora, sua mãe tinha fugido da cidade com um caminhoneiro
alcoólatra que ela conheceu no trabalho. Eles nunca ouviram falar dela
novamente.

Grunt não sabia naquela época que Blue estava em sua vida. Ele não
sabia que Blue vinha e fornecia dinheiro a Karen e seu marido para manter
Grunt. Blue sempre vinha à noite, quando Grunt estava dormindo. Blue
pensava que Karen e seu marido, Nate, estavam alimentando o seu irmão
mais novo, e Blue não queria interferir.
Foi apenas por acaso que uma noite, quando Blue estava lá com
algum dinheiro para sua irmã, que Grunt, então, com dez anos de idade,
acordou e foi até a cozinha beber água.

Grunt me contou que se lembrava do olhar no rosto de seu irmão mais


velho naquela noite. Que Blue viu um menino de dez anos de idade, que
aparentava ter sete anos. Grunt estava vestindo apenas as calças do pijama,
e estava tão magro que tinha que segurá-la pela cintura para que não caísse
do seu corpo magro. Mas isso não foi o que Blue notou primeiro. O corpo
de Grunt estava coberto de hematomas e bolhas de queimaduras de
cigarro. Era claramente uma criança que estava sendo abusada
constantemente.

A primeira reação de Karen foi se defender. Ela disse que Nate era o
único que batia no garoto. Ela nunca bateu nele. Isso não importou para
Blue. O que importava era que ela nunca impediu Nate.

Só então, Nate chegou em casa do trabalho. Se ele tivesse apenas dez


minutos de atraso poderia ter salvo sua vida. Essa foi a noite em que Grunt
testemunhou seu primeiro assassinato. Dois assassinatos, na verdade. Sem
dizer uma palavra, Blue tirou uma arma e deu um tiro entre os olhos de sua
irmã. Nate tinha se virado em uma tentativa de correr para a porta da frente,
mas Blue foi muito mais rápido. Ele atirou na parte de trás da cabeça de
Nate antes que ele desse dois passos.

Ele olhou para seu irmão mais novo e disse para não ter medo. Ele ia
cuidar dele a partir de agora. Grunt disse que não estava com medo. Blue
sorriu e pegou a jaqueta. Ele enrolou o corpo maltratado de seu irmãozinho
e o levou para fora da porta de entrada.
Grunt tinha estado com a gangue no Glades Motel desde aquela noite.

Enquanto me sentei lá na cama do motel com Grunt, não podia


acreditar que ele tinha compartilhado isso comigo. Ocorreu-me que eu não
deixaria isso aqui depois de ouvir essas histórias de brutalidade, empurrei
instantaneamente esse pensamento para o fundo da minha mente.

— Então, você conseguiu o seu nome, Grunt, porque você era o mais
jovem e tinha que fazer todos os trabalhos de baixa qualidade, os trabalhos
que exigem grunhido[11]?

Grunt riu. — Não. O nome é uma versão mais curta do meu apelido
original, quando cheguei aqui. Eu era pequeno para a minha idade, de modo
que alguns da gangue começaram a me chamar de nanico[12]. Como o
nanico da ninhada. Conforme o tempo passava, o grupo começou a perceber
minha inteligência. Alguns disseram que eu era o nanico mais adulto que já
tinham conhecido. Eu acho que não estava na altura média para dez anos de
idade. Grown-up Runt[13] acabou sendo encurtado para Grunt.

Eu ri com essa descrição. Ele era inteligente. Isso era interessante. Eu


me perguntava se ele tinha a maldade que eu tinha visto nos outros,
especialmente em Grizz.

— Então você é Grunt. Eu gosto disso. Especialmente agora que sei o


que significa. — provoquei.

— Sim, eu acho que é mais fácil do que “Grown Up Runt”, mas é


uma espécie de um oximoro[14] no caso se alguma vez já tiver ouvido um.

— Um oxi o quê?
— Um oximoro. Aqui, procure. — disse ele enquanto me jogava um
dicionário.

Eu não sabia, quando eu inocentemente li o dicionário à procura de


uma palavra que não tinha certeza se existia, que eu não tinha sido
convidada para o quarto de Grunt apenas para ouvir discos. Eu tinha sido
convidada para o quarto de Grunt para perder minha virgindade.
Capítulo Dez

Grizz estava pronto para


dormir comigo. O problema era que ele não queria me forçar. Ele não
queria ser aquele a causar essa dor inicial. Eu seria dele, e ele não queria
que toda vez que ele fizesse sexo comigo fosse um lembrete de que ele
tinha tomado a minha virgindade. Então ele ordenou que Grunt fizesse isso.

Quando ele ordenou Grunt fazer isso me enojou, mas mais do que
isso, eu estava perplexa. Eu levaria algum tempo para descobrir o raciocínio
por trás do estranho pedido de Grizz. Mas quanto mais o tempo passou,
mais fez sentido.

Mais cedo naquele dia, ele chamou Grunt no número quatro. Eu não
sei onde eu estava. Provavelmente fora com Gwinny. Ele disse ao Grunt
para me levar ao seu quarto naquela noite e dar-me algum tipo de droga
para me fazer dormir e tirar a minha virgindade. Mas não com seu
corpo. Ele entregou uma espécie de cassetete e disse-lhe para cobri-lo com
um pouco de lubrificante ou algo assim e cuidar disso. Ele queria que
estivesse dormindo. Ele não queria que eu me lembrasse.

Olhando para trás agora, faz sentido que Grizz não pediu para uma
das garotas fazer. Ele não queria que elas soubessem que ele não estava
dormindo comigo. Quanto ao comentário de que nenhum homem jamais
iria me tocar, ele não estava pensando em Grunt como homem. Grunt tinha
estado lá desde que ele tinha dez anos. Grizz apenas não percebeu que ele
tinha crescido em um homem saudável, viril de 16 anos de idade. Ele não
viu Grunt como uma ameaça. Quanto ao porquê de Grizz não fazê-lo
sozinho, era simples. Ele não podia suportar a me machucar.

Então, eu estava lá para ser drogada e estuprada por alguém que eu


achava que era o meu novo amigo.

Eu estava ficando sonolenta. Grunt tinha me oferecido um


refrigerante mais cedo e eu estava bebendo-o enquanto nós conversávamos
e ouvíamos seus discos. Eu não reconheci a sonolência pelo que era, me
levantei e disse-lhe que eu tinha que voltar para o número quatro. Eu estava
ficando muito sonolenta.

Ele levantou-se e gentilmente agarrou meu braço. — Não vá ainda,


Kit. Fique aqui comigo.

— Por quê? Eu não acho que Grizz gostaria que eu tirasse uma
soneca no seu quarto, Grunt.

Ele parecia desconfortável em seguida, e eu imediatamente senti que


algo estava acontecendo, mas eu nunca imaginei como era deplorável.

— Por favor, sente-se. Na verdade, deite-se. Você pode dormir


aqui. Vai ficar tudo bem. Eu prometo.

Os meus sentidos estavam em alerta e adrenalina subiu, matando


temporariamente a sonolência.

— O que é isso? Diga-me o que está acontecendo, Grunt. Você tem


que me dizer. Ah! — minha mente entrou em alta velocidade, e eu comecei
a entrar em pânico. — Você vai me matar enquanto durmo, não é? Ele
decidiu que ele não me quer, e ele não pode me deixar ir embora. Eu vou
morrer hoje à noite, não é?

— Kit, eu não vou te matar. Grizz não quer você morta. Eu quero que
você durma, porque eu não quero que você tenha uma memória
horrível. Por favor, não me pergunte mais, apenas durma. Confie em
mim. Você não vai morrer. — Grunt fechou suas mãos. — Porra! Eu
gostaria que ele lidasse com isso.

— Lidar com o que? — pisquei os olhos abertos, disposta a ficar


coerente. — E não, eu não vou deitar. Não até que você me diga. Eu me
manterei acordada. Você colocou alguma coisa na minha bebida, não
é? Bem, eu não terminei de beber e não vou. Você tem que me dizer.

Ele suspirou e caminhou até sua cômoda. Ele puxou a gaveta e tirou o
que parecia ser uma espécie de vara. Ele me disse que era um velho
cassetete. Ele era pequeno e tinha uma alça em uma extremidade para que
pudesse ser segurada em um pulso.

— Você vai me bater com essa vara? — se ele ia me matar, levaria


um monte de golpes. Eu senti náuseas subindo no meu estômago.

— Não Kit. Grizz quer que você perca sua virgindade esta noite. Ele
não queria fazê-lo. Ele me disse para fazer. Com isto. — ele olhou para o
que ele estava segurando. Seu rosto estava corado.

— E você tem que fazer tudo o que ele diz? — minha voz se elevou.

— O que você acha? Se você tivesse dormido teria acordado um


pouco dolorida. Eu teria feito o meu melhor para não machucá-la.
Sentei-me na beira da cama e olhei para o chão. Ele apenas ficou na
frente da cômoda ainda segurando o objeto ofensivo. Eu não ia ser capaz de
ficar acordada para sempre. Eu tive que tomar uma decisão.

— Você faz. — eu disse a ele. — Você, pessoalmente, não com esse


cassetete. Por favor, Grunt. Eu não posso perder minha virgindade com algo
tão vil. Você faz isso.

— Ele mataria nós dois se soubesse.

— Ele nunca vai ouvir isso de mim. Eu juro. Por favor, eu não posso
suportar a ideia de você colocar isso em mim. É horrível. Por favor. Nós
nunca vamos falar sobre isso novamente depois de hoje à noite. Por favor,
Grunt.

Ele não disse nada, então eu acrescentei: — Eu estou no controle da


natalidade por isso não vou engravidar. Ele nunca vai ter que saber.

Bem, isso foi certamente algo que eu nunca esperava. Aqui estava eu
pedindo para ser estuprada. Eu ainda não consigo superar a ironia de como
isso aconteceu, mas aconteceu.

Ele se aproximou de mim, então, e me levantei. Então ele fez algo


que eu nunca esperei. Ele me abraçou. Ele me segurou perto dele por quase
um minuto inteiro. Eu estava trêmula, e ele finalmente me soltou.

Comecei a desabotoar minhas calças jeans e ele desabotoou a dele. Eu


deitei de volta na cama e me esforcei para puxar minha calça. A adrenalina
estava passando, e eu estava começando a ficar sonolenta novamente. Ele
me ajudou a puxar minha calça jeans e calcinha. Eu sabia que ele tinha
tirado a dele também, mas eu não olhei. Ele pegou um pouco de creme de
mão que estava em sua mesa de cabeceira e revestiu-se com ele. Mais uma
vez, eu não olhei, mas eu poderia dizer por seus movimentos.

Ele estava em cima de mim agora e gentilmente espalhou minhas


pernas com o joelho. Eu olhei para ele. Fizemos contato com os olhos, em
seguida, e eu disse: — Você pode me chamar pelo meu nome, apenas uma
vez? Você pode me chamar de Ginny?

— Eu vou tentar não te machucar. — e, em seguida, depois de uma


pausa, ele sussurrou baixinho. — Ginny.

— Por Favor. Por favor, me diga o seu nome. Eu nunca vou dizer. Eu
juro. — eu implorei.

— Eu não posso fazer isso. Você sabe disso. Você não deveria sequer
ter me dito o seu.

Eu estava começando a adormecer agora. Eu podia senti-lo


lentamente entrar em mim. Fechei os olhos. Eu os abri quando ele entrou
em mim plenamente. Registrei algum desconforto, uma sensação de
queimação, mas nenhuma dor real.

Eu estava começando a adormecer outra vez. Eu rapidamente abri os


olhos na tentativa de ficar acordada. Mas não adiantou. Eles foram
lentamente se fechando. Quando eles estavam fechando pela última vez e
eu estava perdendo a consciência, eu tive certeza de ver lágrimas em seus
olhos.

E o ouvi dizer: — Tommy. Meu nome é Tommy.


Capítulo Onze

Eu não sei quanto tempo


isso foi antes de eu acordar, mas quando acordei, Grizz e Grunt estavam
parados ao pé da cama conversando.

— Que porra é essa que você quer dizer que ela estava acordada? Ela
não devia saber de nada. Droga, Grunt!

— Ela não bebeu o suficiente e queria voltar para o seu quarto para ir
dormir.

— Então, ela estava acordada e sentiu. Você a machucou?

— Foda-se, eu não sei, Grizz. Ela estava começando a desmaiar. Eu


não sei se ela vai se lembrar de alguma coisa.

Eu agito e, em seguida, percebo que tinha sido coberta. Eu poderia


dizer que Grunt deve ter conseguido colocar a minha calcinha de volta em
mim. Eles devem ter percebido que eu estava acordada porque ambos
pararam de falar e olharam para mim ao mesmo tempo.

— Eu odeio ambos. — é tudo o que eu digo.

Quando saio da cama e estendo a mão para o meu jeans, noto que
Grunt não fez contato visual comigo. Grizz não tem nenhum problema, no
entanto. Com uma expressão no rosto que eu não conseguia ler, ele disse:
— Você vai ficar bem. — e saiu do quarto.

Eu não queria olhar para Grunt enquanto eu mexia com os meus


jeans. Eu escorreguei meus pés de volta em minhas sandálias e disse: —
Obrigada pela bebida. — com tanto sarcasmo quanto consegui. Saí do
quarto. Estava mais escuro. Exatamente quanto tempo eu estive no quarto
de Grunt? Bem, isso não importa agora. Tenho certeza de que era um quarto
que eu nunca iria ver novamente.

Caminhei em direção ao número quatro e encontrei-me parando


quando estava pronta para abrir a porta. E se Grizz me quisesse agora? Eu
não estava com dor, mas eu estava dolorida. Fechei os olhos, respirei fundo
e abri a porta.

Ele estava ao telefone quando eu entrei. Vi Gwinny aninhar-se em um


canto do sofá. Fui verificar sua caixa de areia, e uma vez que não precisava
de limpeza, eu fui para o sofá e a peguei no colo.

Algo me ocorreu. E se eu cheirasse a Grunt? Ele usava uma espécie


de colônia. Eu pensei que ele cheirava bem nas poucas vezes em que eu
estava em torno dele. Eu precisava tomar um banho, mas a última coisa que
eu queria fazer era tirar a roupa em qualquer lugar perto de Grizz. Eu só
tinha que fazê-lo rapidamente.

Fui para o quarto rapidamente fechando a porta atrás de mim. Uma


vez lá dentro, eu me despi o mais rápido que pude, fui para o banheiro e
liguei o chuveiro. Quando estava quente o suficiente eu entrei e comecei a
me lavar. Só então a porta do banheiro se abriu e a cortina do chuveiro foi
puxada de lado. Eu tentei me cobrir com as mãos. Era Grizz, e ele apenas
olhou para mim.

Tanto quanto eu sei, esta foi a primeira vez que ele tinha me visto
nua. O que eu vi em seus olhos me matou de susto. Não era um olhar
violento como eu lembro de ter visto no rosto de Johnny Tillman. Era o
olhar de um homem que desejava uma mulher. Grizz não queria me
machucar como Johnny, mas era óbvio que ele me queria. Eu só olhava para
ele.

— Você está dolorida?

— Sim, muito. Doeu.

— Você se lembra, então? Você estava acordada?

— Eu me lembro um pouco. Comecei a adormecer quando aconteceu.

Isso pareceu satisfazê-lo porque ele não disse mais nada e saiu do
banheiro. Eu terminei de lavar e sequei. Eu fui para o quarto com uma
toalha enrolada em volta de mim e peguei algumas roupas do
armário. Comecei a caminhar de volta para o banheiro para me vestir
quando ele disse: — Você se veste diante de mim a partir de agora. Não há
necessidade de ficar escondendo alguma coisa.

Ele estava deixando eu me vestir. Então, que importa se fosse na


frente dele? Duvido que ele deixaria eu me vestir se pretendesse fazer sexo
comigo.

Enfiei minha calcinha por baixo da toalha. Então, eu me esforcei para


puxar uma camisola sobre a minha cabeça ao mesmo tempo em que tentava
manter a toalha. Não foi fácil. Eu estava trêmula. Eu não sei se era o
nervosismo ou a droga perdendo o efeito. Provavelmente, uma combinação
de ambos. Eu relutantemente deixei cair a toalha, vesti a camisola o mais
rápido que pude e voltei para o banheiro para escovar os dentes e pentear o
cabelo molhado.

Quando eu saí eu notei uma pequena mochila sobre a cama. O que era
isso? Eu podia ouvi-lo falar fora do quarto. Eu pensei ter ouvido a voz de
Blue. Só então, Grizz voltou para o quarto e pegou a mochila.

— Você tem três dias para superar o dolorido. Estarei de volta na


quarta-feira. Blue está no comando. Eu lhe disse que Grunt poderia levá-la
fora do terreno. As mesmas regras se aplicam. Se você tiver qualquer
intenção de fugir dele eu sei que eu vou te encontrar, Kit. Não tenha
nenhuma dúvida sobre isso.

Eu não podia acreditar. Eu estava ganhando um indulto do sexo com


ele e estava sendo autorizada a deixar o motel? Esta foi a melhor coisa que
aconteceu desde que ele me deixou ficar com Gwinny.

— Aonde você vai?

— Negócios... — disse ele enquanto caminhava para a porta do


quarto.

Ele parou e se virou. Ele se aproximou de mim e levantou meu queixo


para olhar nos meus olhos. Ele não disse nada de imediato, e eu não tinha
certeza se ele ia dizer alguma coisa ou talvez até me beijar.

— O que eu fiz Grunt fazer, foi o melhor. Você nunca vai dizer a
ninguém o que ele fez com você. Está me ouvindo? E não se esqueça Kit,
você é minha. Só minha. E eu vou ter você quando eu voltar.

Com isso, ele me beijou de leve na testa, virou-se e saiu pela porta do
quarto. Ao se aproximar da porta da frente, ele gritou de volta para mim: —
Não se esqueça de alimentar meus cães. — e então ele se foi.
Capítulo Doze

Eu dormi como um bebê


naquela noite. Eu já tive o número quatro para mim antes, mas Grizz
sempre esteve nas proximidades. Agora eu tinha três dias inteiros só para
mim. Na manhã seguinte, levantei e praticamente dei uma de dona de
casa. Eu não me deixaria pensar sobre a noite anterior. Fingi que estava no
meu próprio e pequeno apartamento enquanto fiz todas as tarefas. Eu tinha
começado a fazer a maioria delas de qualquer maneira, e acho que Chicky e
Moe apreciavam, mas Willow não. Cuidar de Grizz era a única coisa que
ela gostava de fazer, embora acho que ela estava se sentindo um pouco
constrangida, depois de perder o dente da frente. Ela visitava o poço
regularmente, mas finalmente parou de vir ao quarto de número quatro. Eu
me ocupei tirando o pó, varrendo, limpando o banheiro. A nossa unidade
era a única que tinha uma lavadora e secadora. Eu lavei algumas
roupas. Até limpei a geladeira.

Depois de uma hora e meia eu estava entediada. O que eu iria fazer


agora? Eu sabia que Grizz tinha me autorizado a deixar o terreno com
Grunt, mas eu não sabia se poderia encará-lo. Meus sentimentos estavam
em conflito.

Mas quanto mais pensava nisso, mais louca ficava. Ocorreu-me que
talvez a única razão de Grizz autorizar que eu ficasse com Grunt, foi porque
ele achava que eu não iria. Afinal de contas, eu disse a eles que os odiava
quando acordei. Era isso. Grizz tinha certeza que meu ódio não me deixaria
aceitar a oferta para sair. Bem, eu iria lhe mostrar o contrário.

Eu certamente não estava feliz em ver Grunt. Quer dizer, em enfrentá-


lo. Eu deveria lhe agradecer por “me violar cordialmente”? Parecia
ridículo. Mas o meu tédio e inquietação ganharam e passaram por cima da
minha raiva e orgulho, e me vi batendo na sua porta às dez horas da manhã.

Ele respondeu, vestindo nada além de um par de jeans. Eu fiquei sem


palavras. Eu não sei o que esperava, mas não era Grunt vestindo apenas
calça jeans. Eu nunca tinha o visto sem a camisa antes, e acho que eu
esperava um garoto de corpo magro. Ele não era grande, mas ele não era
magro de qualquer maneira. Ele era alto e tinha um estômago tenso que
mostrava o seu abdômen. Seus braços não eram tão grandes como os de
Grizz, mas eles tinham definitivamente músculos.

Eu não tinha dado muita atenção ao Grunt antes, mas enquanto eu o


olhava percebi que ele era realmente um cara de boa aparência. Ele tinha
cerca de 1,75 de altura. E diria que ele pesava uns setenta e sete quilos.
Com cabelos escuros e olhos castanhos que tinham aquelas coisas
verdes. Ele tinha uma testa alta assim como eu, que sempre foi a minha
razão de usar franja, mas nele, ficava bem. Pela primeira vez, notei dois
pequenos brincos de argola de prata em sua orelha esquerda. Eu tinha
certeza de que nunca tinha visto isso antes. Grizz também usava um
brinco. Eu já tinha visto caras com brincos em Woodstock, mas na década
de setenta, ainda não era tão comum. Especialmente ter dois.

Mas o que mais me chamou a atenção, porém, foi sua tatuagem. Os


braços e pescoço de Grunt não estavam cobertos de tatuagens como todos
os outros - até mesmo as mulheres. Grunt tinha uma única tatuagem. Era de
um pássaro enorme, com a cabeça virada para baixo do lado de seu braço
direito, não chegava atingir seu cotovelo. Suas asas se espalhavam pelo
interior do seu braço e peito. Elas eram enormes e cobriam a maior parte do
seu peito em uma harmonia completa. Logo abaixo da asa da ave estava
uma cicatriz profunda; eu me perguntava se era dos abusos de sua infância.

Ele não disse nada, apenas virou e caminhou de volta para o


quarto. Eu o segui e não pude deixar de notar que a tatuagem continuava
nas costas. Era como se a ave tivesse suas asas em volta dele. Era lindo.

— Uau. Sua tatuagem é muito legal. — consegui dizer. Ele não


respondeu, mas caminhou até seu som e o desligou. Eu não tinha percebido
nada tocando. Eu estava tão distraída com seu corpo e sua tatuagem.

Ele olhou para mim. — Você está bem?

— Sim, estou bem, eu acho. — antes que ele pudesse dizer qualquer
outra coisa, acrescentei: — Grizz disse que você poderia me levar para
sair. Fora da área do motel. Você sabia disso?

— Blue me disse.

— Você poderia? Você me levaria a algum lugar? Em qualquer lugar?

— Eu não sei. Poderia ficar ruim. Provavelmente não é uma boa


ideia.

— Olha, pensei que nós éramos amigos. Eu pensei que nós


tivéssemos afinidade.

Ele levantou uma sobrancelha. — Pensei que você me odiava.


— Eu pensei que sim quando acordei. Olhe para tudo isso do meu
ponto de vista, Grunt. Eu acordei e você e Grizz estavam ali. Eu sabia que
você tinha me vestido e coberto. Foi humilhante. Mas não podemos
esquecer isso e seguir em frente? Estou morrendo de vontade de fazer
alguma coisa. Qualquer coisa. Por Favor?

Ele sorriu e disse, em seguida, para eu lhe dar dez minutos para tomar
um banho e se trocar. Ele me disse que eu poderia olhar seus discos e
colocar o que eu quisesse.

Grunt tinha uma tonelada de discos, e escolhi algo do Fleetwood


Mac. Sentei na beira da cama e olhei ao redor do quarto. A primeira vez que
eu estive lá fiquei tão fascinada pela estante que não prestei muita atenção a
qualquer outra coisa. Agora meu olho pegou uma pilha de correspondências
em sua cabeceira. Cartas? Ele recebia cartas aqui?

Eu ainda podia ouvir o chuveiro ligado, então fui e peguei as


cartas. Todas eram endereçadas a Michael Freeman. Michael
Freeman? Esse é o seu nome? Eu poderia jurar que ouvi um nome diferente
quando estava perdendo a consciência. Notei que todas elas eram de
diferentes instituições de ensino e dirigidas a uma caixa postal em
Davie. Davie não era realmente desenvolvida naquela época. Era mais uma
pequena cidade do interior para as pessoas que adoravam cavalos. Era uma
área rural de passagem se você estivesse indo para o sul da Flórida e logo a
leste de onde eu estava agora. Então Davie tinha uma estação de correios e
era dali que ele recebia sua correspondência. Minha mente arquivou essa
informação. Interessante.

Eu não sabia que o chuveiro tinha sido desligado. Eu nem sequer o


ouvi abrir a porta do banheiro e sair. Quando percebi que ele estava me
olhando, pulei e coloquei suas cartas de volta em sua cabeceira.

— Seu verdadeiro nome é Michael Freeman? Eu pensei ter escutado


você dizer que era...

— Não me chamo Michael Freeman. — ele disse rapidamente, me


cortando. — É um nome falso, Kit. Eu precisava ter um nome falso para ser
capaz de ainda existir. Eu não posso usar meu nome verdadeiro, porque
bem, você sabe que nós não usamos nomes reais aqui, mas também porque
eu sou o garoto que está desaparecido há seis anos. Provavelmente
sequestrado e assassinado pela mesma pessoa que matou a minha família.

— Por que você precisa de um nome falso, afinal?

— Bem, eu não podia me candidatar à faculdade com esse nome


Grunt, poderia?

— Faculdade? Você se inscreveu na faculdade? Como você fez isso?

— Depois de me tornar Michael Freeman, terminei o ensino médio


através de um curso por correspondência.

— Como você já pode ter terminado o ensino médio? O que você está
cursando, o primeiro ou segundo colegial, talvez?

— Bem, eu deveria estar no segundo colegial, mas eu não estou. Eu


sou um júnior na Universidade de Cole.

— Você está brincando comigo? Você está na faculdade? Você já


entrou para a faculdade?
— Sim, eu já estou na faculdade e sim, eu sou jovem para isso, mas
eu sempre fui muito inteligente e eu quero fazer algo da minha vida.

— Como você pode ser tão inteligente? Você me disse que sua
infância foi difícil. Como você conseguiu viver assim e ainda se
desenvolver?

Mais uma vez, sua sobrancelha levantou. Ele se aproximou e pegou as


pilhas de cartas e puxou uma para fora. Abriu e me entregou uma única
página. Estou certa que minha boca caiu aberta quando li o que estava
digitado. Era de um centro de habilidades com testes, parabenizando
Michael Freeman sobre os resultados de seus testes de QI.

Aparentemente, o meu novo amigo Grunt era um verdadeiro e


honrado gênio.
Capítulo Treze

Antes de sairmos do
quarto de Grunt, ele me perguntou o que eu estava usando
no dia em que fui sequestrada. Depois que eu descrevi a
roupa e ele estava satisfeito que eu não estava usando nada
daquele dia, nem mesmo a minha gargantilha da paz, ele
pegou um boné de beisebol que estava em sua cômoda. Ele
enfiou minha franja sob a aba e colocou o meu cabelo em
um rabo de cavalo passando através da parte traseira. Ele,
então, pegou um par de óculos de sol e me disse: — Você
pode usar o meu até que tenha o seu.

Quando estávamos saindo, eu notei sua jaqueta


pendurada nas costas da sua cadeira. — Você não vai usar
sua jaqueta?

— Não há razão para chamar atenção indevida ao


grupo. — ele pegou uma carteira e um conjunto de chaves
de seu armário, e saímos.

Segui-o ao redor da lateral do motel onde o escritório


estava localizado. Eu nunca tinha explorado por aqui
antes. Quando chegamos do outro lado, eu vi dois
carros. Carros muito bons. Um deles era um Corvette
preto, que eu sabia que era do Grizz; ele deve ter levado
uma das suas motos na sua viagem de negócios.

Nós fomos em direção ao outro. Era um Camaro azul


claro. Eu não tinha certeza do ano, mas eu sabia que era
um modelo mais antigo. Apenas velho o suficiente para ser
elegante.

— Nós não vamos na sua moto?

Acho que eu estava decepcionada. Por alguma razão,


subir na traseira da moto de Grunt era atraente. De onde
isso veio?

— Não temos um capacete para você ainda. Eu não


acho que você deseja pedir um emprestado tampouco. —
ele riu. — Na verdade, isso é algo que podemos
fazer. Vamos conseguir um capacete.

— Eu não tenho dinheiro.

— Você não precisa de nenhum.

Ele abriu o lado do passageiro do carro e me deixou


entrar. Depois que ele entrou e ligou o motor barulhento,
ligou o ar condicionado. Então ele pegou uma fita de oito
faixas e enfiou-a no leitor. Estávamos ouvindo Simon &
Garfunkel quando nós puxamos para a State Road 84.
Simon & Garfunkel? Eu ri para mim mesma. Eu estava
começando a pensar que Grunt poderia ser um nerd.
Nós não falamos enquanto fazíamos o nosso caminho
para o leste na State Road 84. Ele fez uma curva à
esquerda na US 441 e fomos para o norte. Eu estava tão
perto de casa que eu quase podia sentir o cheiro. Era tão
estranho passar por lugares familiares. Depois de alguns
quilômetros, porém, estávamos fora do meu território, e eu
comecei a me sentir menos ansiosa.

— Para onde vamos? — coloquei minha cabeça de volta


no assento, tentando relaxar.

— Uma pequena loja perto de Riverview. Eles têm


capacetes.

Eu assisti a paisagem voar, sentindo-me mais calma a


cada minuto. — Então, só por curiosidade, onde é que a
gangue faz suas reuniões?

Ele olhou rapidamente para mim. — Reuniões? Quer


dizer quando se reúnem no poço?

— Não. Você sabe, os rituais satânicos e outras


coisas. A gangue é nomeada sobre o diabo. Até os nomes
dos cães do Grizz são muito ruins. Imaginei que talvez
vocês usem um dos quartos antigos desocupados no
motel. Você sabe, para o culto.

Ele jogou a cabeça para trás e riu. — Kit, nós não


cultuamos o diabo.

— Ele está na jaqueta. — eu acho que corei.


— Sim, para assustar as pessoas. Não é uma religião.

— Vocês não são adoradores do diabo? — eu me


preocupei com isso por algum tempo e tinha até
secretamente me perguntado se Grizz tinha me deixado
manter o meu gatinho preto por outra razão mais sinistra.

— Claro que não! — ele estava rindo muito agora.

— Mas você acredita no inferno, no entanto. Quer


dizer, se é o seu logotipo e outras coisas.

— Não, Kit. — ele balançou a cabeça, ainda


sorrindo. — Eu não acredito no diabo ou inferno. Não
acredito em nada, na verdade.

— E Deus? — eu me virei para olhar para ele. — Você


acredita em Deus, não é?

— Não, não sei muito sobre qualquer coisa que tenha a


ver com a religião.

— Por todo o seu estudo e escolaridade, você nunca


tomou uma aula sobre religião? — meus olhos estavam
arregalados. — Você sabe, a religião do mundo, filosofia
religiosa, alguma coisa?

— Nada. — ele fez uma pausa, então, perguntou: —


Aquilo que você faz, antes de comer, é religioso?
— Quer dizer me abençoar? — sendo católica, eu
sempre fiz o sinal da cruz antes de dizer graças diante de
uma refeição.

— Eu não sei como chama.

Foi a minha vez de sorrir. — Você disse que iria me


ensinar a jogar xadrez. Você vai me deixar ensinar-lhe
alguma coisa?

Ele hesitou. — Sim, claro. Por que não?

E assim Grunt começou a ter aulas de religião,


especificamente o cristianismo.

Deixei-me aproveitar o resto do passeio, enquanto


conversávamos. Eu até o convenci a desligar o ar
condicionado e abrir as janelas. Eu me senti estranhamente
alegre. Chegamos à loja e eu escolhi um capacete bastante
rápido. O cara que trabalhava lá conhecia Grunt e nunca
deu qualquer indicação de que ele esperava que
pagássemos. Nós caminhamos para fora da loja menos de
15 minutos mais tarde.

Eu não estava muito familiarizada com esta parte da


cidade. Para chegar à loja, tínhamos saído da US 441 e
estávamos agora em algumas vielas
sombrias clandestinas. Era uma estranha mistura de
empresas e casas antigas, como se alguém estivesse
confuso com as leis de zoneamento. Ao lado da loja, vi um
sujeito construindo uma cerca de madeira. Eu me
perguntava se era sua cerca, ou se ele era a ajuda
contratada. Ele me deu um olhar perturbador no caminho
para a loja.

Agora, quando estávamos saindo, ele gritou: — Ei,


coisa doce. Você quer passar algum tempo com um homem
de verdade, por que você não vem até aqui? Diga ao seu
irmãozinho, que ele pode voltar para você em uma
hora. Faço isso em dez minutos. — então, ele deu aquela
risada terrível que se transformou em acessos de
tosse. Que cretino.

Olhei para Grunt, que apenas o ignorou. Bem, isso é


bom. Se eu estivesse com Grizz, eu provavelmente seria
cúmplice de assassinato. Honestamente, se eu estivesse
com Grizz, aposto que o Sr. Construindo-uma-cerca não
teria dito uma palavra. Ainda assim, provavelmente era
uma coisa boa que eu estivesse com o mais jovem do
grupo. Eu não queria nenhum problema.

Após entrarmos no carro, Grunt disse que queria o ar


condicionado ligado neste momento. Nós fechamos as
janelas, ele ligou o carro e o ar condicionado. Ele tirou a
fita de oito faixas de Simon & Garfunkel e colocou Pink
Floyd. Então ele se virou para mim.

— Fique aqui. Não saia do carro, por qualquer


motivo. Você entendeu?
Antes que eu pudesse responder, ele colocou o volume
da música realmente alto e saiu do carro. Ele começou a
caminhar na direção do Sr. Construindo-uma-cerca. Ah,
não. Oh, meu Deus. Grunt vai tentar agir todo machão e
apanhar pra caramba. Olhei em volta, imaginando o que no
mundo que eu faria se algo acontecesse.

Eles desapareceram atrás de uma parte da cerca que


já estava construída, para que eu não conseguisse ver
nada, e com a música tão alta, eu não conseguia ouvir
nada, tampouco. Depois de alguns minutos nervosos, eu
decidi que talvez eu devesse abaixar a música. Mas antes
que eu pudesse, Grunt veio andando ao redor da lateral da
cerca. Ele parecia bem. Ele não parecia ferido. Talvez ele
tenha dito ao cara que alguém ia voltar e acabar com
dele. Grunt pulou no carro, e antes que eu pudesse dizer
uma palavra, nós decolamos. Eu decidi não mencioná-lo.

Passamos as próximas horas fazendo pequenas


incumbências - pegando alguns mantimentos, gasolina,
passamos pela farmácia. Eu mesma peguei alguns novos
óculos de sol. Grunt teve o cuidado de escolher locais fora
do caminho. No meio da tarde, voltamos para o motel, e ele
foi para o seu quarto. Eu fui para o número quatro para
verificar Gwinny e certificar-me que os cães foram
alimentados. Grunt lembrou-me que eu poderia pedir
qualquer um dos seus livros a qualquer momento que eu
quisesse. Agradeci-lhe pelo dia e disse que com certeza
aceitaria sua oferta.
Conforme a noite se aproximava, eu decidi ficar lá
dentro. O poço não tinha nenhum apelo para mim, e fiz uma
tigela de cereal e me sentei no sofá para assistir TV. Eu
decidi assistir algumas notícias locais. Eu estava sempre
esperançosa de ver algo sobre mim, mas muito tempo tinha
passado e eu tenho certeza que meu sequestro nunca virou
notícia em primeiro lugar. Eu estava certa de que a polícia
não levaria a sério, de qualquer maneira. Uma visita a Delia
e eles teriam assumido que eu era uma fugitiva. Disso eu
não tinha dúvida.

Zapeei impacientemente através dos poucos canais


que tínhamos. Aqueles eram os dias antes da TV a cabo e
você assistia o que estava em TV aberta. O volume estava
baixo, e eu pensei ter visto um repórter em pé na frente de
um lugar familiar. Aumentei.

— Estamos na casa de Raymond Price. — a repórter


atraente estava dizendo. — Hoje cedo, o Sr. Price foi
resgatado por um casal que andava com seu cão e ouviram
gritos abafados. Quando eles investigaram, eles
encontraram o Sr. Price, que tinha sido brutalmente
atacado. Ele foi encontrado deitado, de costas contra uma
cerca com as mãos estendidas em cada lado. — a repórter
fez uma pausa para o efeito. — As mãos do Sr. Price
estavam pregadas na cerca de madeira que ele estava
construindo. Havia vários pregos em cada mão, o que
tornou impossível para ele conseguir se libertar sem rasgar
as mãos em pedaços. Sua boca foi recheada com trapo
dificultando-o a pedir ajuda.

A repórter, em seguida, olhou de soslaio enquanto


ouvia alguém perguntando uma questão da pequena
multidão que se reunira.

— Acabei de ser perguntada se o Sr. Price poderia


identificar a pessoa ou as pessoas que o agrediram. — ela
disse, com o bonito rosto franzido. — Em uma estranha
reviravolta, o Departamento de Polícia de Riverview nos
disse que o Sr. Price se recusou a dizer-lhes qualquer
coisa. Eles estão preocupados que ele possa ter sido
ameaçado e tenha medo de retaliação. A polícia diz que
esta área particular é bem conhecida por gangues de
motoqueiros. Uma gangue em particular, é conhecida por
frequentar esta loja ao lado.

A câmera mostrou ao longo, atrás da repórter, e meu


estômago se agitou. Agora eu vi por que a cena parecia tão
familiar. Bem ali, na TV, eu podia ver a loja em que tinha
escolhido o meu capacete, naquela tarde, e a cerca recém-
construída dividindo-a da casa ao lado.

Eu não podia acreditar no que estava vendo. Meu


coração batia forte. Engoli em seco e respirei fundo.

Eu tinha lido Grunt completamente errado. Ele não era


um raquítico indefeso.
Ele era um deles.
Capítulo Quatorze

Em seguida, a porta abriu e


Blue entrou, caminhando em minha direção.

— Levante. Agora. Você vem comigo.

Antes que eu pudesse perguntar qualquer coisa, ele passou por mim
em direção ao quarto e encontrou minha mochila pendurada em um gancho
atrás da porta. Segui-o para o quarto, atirando perguntas sobre o que estava
acontecendo. Ele estava muito focado para responder. Ele ficou apenas
olhando ao redor do quarto.

— Onde estão suas coisas, Kit? Você tem alguma coisa pessoal
aqui? Se você estivesse indo passar a noite em algum lugar, o que você
precisaria?

Minhas mãos tremiam. — Onde eu estou indo?

— Eu não tenho tempo para explicar nada para você agora. O que
você tem que levar com você?

Sem responder a ele, fui ao banheiro. Peguei minhas pílulas


anticoncepcionais, a escova de dente e minha escova de cabelo. Abri a
gaveta da cômoda e peguei algumas roupas íntimas e uma camisola. Abri
outra cômoda e peguei alguns shorts e tops. Eu ainda só tinha um sutiã, o
que eu estava usando. Eu acho que era uma peça de roupa que precisaria
arranjar sozinha. Rapidamente coloquei tudo dentro da mochila.

— Boa menina. — ele viu o meu novo capacete em cima da mesa de


café e o pegou. — Coloque os seus sapatos. Temos que ir. Agora.

Corri para o balcão da cozinha e peguei meus óculos de leitura. Enfiei


na minha mochila junto com uma revista e deslizei meus pés em
sandálias. Eu ainda estava usando a mesma roupa que usei durante o
dia. Um par de calças jeans e um top normal. Ele pegou meu capacete e eu
o segui.

— Gwinny! — eu gritei, lembrando-me da gata.

— Ela vai ficar bem. Moe irá cuidar dela e dos cães. Vamos!

Estávamos em sua moto e eu ainda estava atando meu capacete


quando nós aceleramos saindo do motel, para a State Road 84. Meus braços
apertaram ao redor dele conforme nós dirigimos em direção à
noite. Pegamos a State Road 84 leste e viramos à direita no Pete. Esta era
Flamingo Road, e como era nos anos setenta, assim como a State Road 84,
estávamos em um território pouco desenvolvido. Flamingo Road era
principalmente um local de pasto.

O medo começou a desaparecer. Em um ponto, eu até ri comigo


mesma quando passamos por uma antiga casa de dois andares com uma
grande placa na frente dela. O proprietário tinha escrito em letras grandes e
pretas em um pedaço de madeira pintado com spray apoiado em sua
varanda do segundo andar: “Precisa-se de esposa. Deve cozinhar e
limpar. Marido pagará suas contas.” Esse aspirante a marido, em particular,
já vendeu essa propriedade. Tenho certeza que há um shopping center lá
agora.

Nós fomos para o sul de Flamingo até que chegamos a uma pequena
cidade chamada Pembroke Pines. Nós viramos à esquerda para a Rua Taft e
de repente estávamos em um conjunto habitacional belo e de bom gosto
paisagístico. Depois de mais algumas voltas, nós chegamos a uma casa
muito agradável. Alguém dentro deve ter ouvido a moto, porque a porta da
garagem abriu como se fosse um sinal. Blue parou a moto e desligou o
motor.

Quando eu me levantei da parte de trás da moto, notei uma morena


atraente, alta e muito bronzeada em pé na porta que dava da garagem para a
casa. Ela tinha seu dedo segurando o portão da garagem, e enquanto eu
esperava por Blue sair de sua moto, a porta desceu. Ela caminhou em minha
direção, em seguida, estendeu a mão.

— Oi. Eu sou Jan. Esposa de Blue. — disse ela, sorrindo


calorosamente. — Você chegou a tempo do jantar.

Eu não poderia ter ficado mais surpresa do que eu fiquei no dia em


que Moe me mostrou o quarto de Grizz. Blue tinha esposa? Nunca me
ocorreu que Blue, ou qualquer outro membro da gangue, poderia ser casado
ou realmente vivesse em algum lugar que não fosse o motel. Eu
simplesmente não tinha prestado atenção suficiente no que todos estavam
fazendo.

Blue e eu seguimos Jan para dentro de casa. Só então, dois meninos


correram em direção ao Blue agarrando em torno das suas pernas. Ambos
estavam vestindo macacões iguais e sem camisa por baixo. Eles eram
pequenos, e parecia que o menor dos dois era instável em seus pés. Ele
tinha, provavelmente, um pouco mais de um ano de idade. Seu irmão mais
velho talvez três.

— Papai! Papai! brinca com a gente. — gritou o mais velho.

— Deixem-no jantar meninos, em seguida, o papai pode passar um


tempo com vocês. — disse Jan, sorrindo.

— Quem é essa menina? — perguntou o mais velho.

— Esta é Kit. — Blue disse gentilmente. — Ela é minha


amiga. Vocês, rapazes, sejam bons, enquanto nós jantamos e irei vê-los
daqui a pouco.

Eles saltaram enquanto se afastavam felizes para o que parecia ser


uma sala familiar muito confortável. A TV estava ligada e brinquedos
estavam espalhados por toda parte.

— Eu já os alimentei... — explicou Jan. — Vamos lá. Vamos comer.

Desde que o meu jantar de cereais com leite foi interrompido, eu


estava ansiosa para comer a refeição colocada diante de nós. Eu fiz o sinal
da cruz e disse uma oração mental. Então, enquanto Blue falava, eu
cuidadosamente desfrutei do bolo de carne caseiro, do purê de batatas e
feijão verde. Ele explicou a razão da nossa saída brusca do motel.

Momentos antes de ter visto o noticiário sobre o ataque do Sr.


Construindo-uma-cerca, Blue estava sendo procurado no trabalho por
Grizz. Ele tinha sido avisado que a polícia iria visitar o
motel. Aparentemente, Grizz tinha pessoas em todos os lugares, incluindo
os vários departamentos de polícia no sul da Flórida.

Nem todo mundo tinha pagers naquela época. Eles eram


relativamente novos, mas eu não fiquei surpresa ao saber que Grizz e alguns
em seu grupo tinham. A chave para se comunicar através de um pager,
porém, era que você tinha que encontrar um telefone para ligar de volta ao
número do pager exibido digitalmente. Foi bastante fácil para Blue ligar
para Grizz de volta. Ele estava em cima de um poste de telefone fazendo
um reparo. Ele escolheu uma linha e ligou para Grizz imediatamente.

Isso também era algo que eu não sabia. Blue trabalhava para uma
empresa de telefonia?

— Mas por que a polícia iria ao motel? — perguntei, empurrando


minhas outras perguntas de lado.

— Depois que Grunt tirou seu pequeno truque da manga, não seria de
admirar uma visita da polícia. — Blue disse, balançando a cabeça.

— Mas como é que eles sabem que foi Grunt? — perguntei


confusa. — Nós não estávamos em uma moto. Ele não estava usando sua
jaqueta. Droga, nós nem sequer pagamos meu capacete, não é como se
houvesse um recibo para rastrear. E de qualquer maneira, como é
que você sabe que foi Grunt?

— Grizz tem olhos em todos os lugares... — disse Blue. — E não


importa se foi Grunt ou não. Só a menção de uma gangue de motoqueiros e
há certos departamentos de polícia que saltam sobre qualquer desculpa para
ir ao motel e tentar agitar as coisas. Eles sabem da nossa base, e Grizz a
queria fora de lá.

Jan passou mais purê de batatas. — Eu vi a notícia. E poderia ter


adivinhado que o seu irmãozinho tinha algo a ver com isso. — disse ela a
Blue com um sorriso. — Grunt tem uma criatividade torturante.

Ela disse isso com a atitude de uma mãe orgulhosa, em seguida, se


serviu de mais feijões verdes. Olhei para cima do meu prato. Criatividade
torturante? Que descrição estranha. Olhei para Blue, que estava assistindo
Jan com uma expressão que eu não consegui ler. Antes que qualquer um de
nós pudesse dizer algo ou questionar seu comentário, ela começou a falar
sobre algo bonitinho que uma das crianças fez mais cedo naquele dia. Eu
olhei para a sala da família, onde esses dois menininhos doces estavam
brincando. Sim, Sra. orgulho sem tamanho, o seu filho é o responsável por
explodir aquele prédio. Você deve estar muito orgulhosa. Essas pessoas
eram um mistério.

Eu balancei a cabeça em descrença. — Será que Grunt ficará em


apuros com a polícia?

— Não. — Blue soou casual. — Não há dúvidas de que o cara não irá
identificá-lo. Não há nada que o ligue à cena. Mesmo que seu carro fosse
identificado, não importa. Eles nunca pensariam que um garoto pudesse
fazer isso com um homem adulto. Eles só vão para o motel com um
mandado e olharão ao redor tentando desenterrar tudo o que puderem sobre
Grizz. Ele é o único que eles querem de qualquer maneira.

— E quanto ao Grizz, no entanto? Será que Grunt estará em apuros


com ele?
— Não sei. Ele terá que dar algumas explicações. Cabe a Grizz
decidir.

Eu não entendi. — Mas você não está com medo ou preocupado por
ele? Quer dizer, ele é seu irmão.

Blue apenas deu de ombros e colocou mais alguns feijões verdes em


seu prato. — Grunt tem idade suficiente para enfrentar as
consequências. Ele sabe quando pode e não pode se safar. Em algum
momento, você tem que deixar as pessoas lutarem suas próprias batalhas e
assumir a responsabilidade por suas escolhas.

Naquela noite, quando deitei confortavelmente na cama do quarto de


hóspedes de Jan e Blue, eu não pude deixar de me preocupar com
Grunt. Meu amigo.

Descobri que a polícia invadiu o quarto de Grizz naquela noite. Se as


circunstâncias fossem diferentes, eu poderia ter sido resgatada. Se alguém
tivesse lembrado que a menina desaparecida estava conversando com um
cara em uma motocicleta na frente da 7-Eleven. Se alguém tivesse
lembrado de ter me visto subir na moto de Monster, mesmo que eles não
vissem a jaqueta, poderia ter despertado algum reconhecimento nos
policiais que estavam vasculhando o quarto de Grizz. Se houvesse mesmo
uma sugestão que eu poderia ter sido sequestrada por uma gangue de
motoqueiros, então, os policiais que procuraram no quarto de Grizz
deveriam ter notado algumas pistas.

Como os três livros da biblioteca pública do município em cima da


cômoda com minha gargantilha marrom com símbolo da paz envolvida em
torno deles.
Capítulo Quinze

Mas eles não


perceberam. Eles não estavam à procura de nenhuma vítima de
sequestro. Eles estavam à procura de drogas ou algum outro tipo de
conexão com os negócios ilícitos de Grizz. Eu nem estava no radar.

Na manhã seguinte, Blue disse que me levaria para o motel antes de ir


ao trabalho. Estava limpo. A polícia tinha ido embora.

Jan me fez uma oferta. — Sabe, Kit, você está convidada a passar o
dia com a gente. Quer dizer, Blue tem que trabalhar, mas os meninos e eu
estamos em casa sozinhos. Nós poderíamos sair e descansar na piscina
enquanto Timmy e Kevin brincam. Ter algum tempo entre amigas, se você
quiser.

Olhei para Blue esperando sua aprovação. Antes que ele pudesse dizer
uma palavra, Timmy começou a saltar para cima e para baixo e gritar. —
Kit! Kit pode ficar com a gente. Kit pode nadar na piscina e ficar aqui e ser
amiga da mamãe!

Timmy parecia uma versão miniatura de Blue. Olhei para o mais


novo, Kevin. Eu imaginava que Grunt era assim na sua idade. Eu
definitivamente poderia ver a semelhança familiar.
Eu sorri para eles. Grunt nunca me disse que tinha dois sobrinhos
adoráveis. Como filha única fui sempre sozinha, estava ansiosa para aceitar
a oferta de Jan. Mas teria que esperar a aprovação de Blue.

Blue pareceu hesitante no início, mas depois disse: — Claro. Eu


posso te levar de volta esta noite ou enviar alguém para buscar você. Só não
saia de casa, está bem? Nós já tivemos drama o suficiente.

Ele beijou Jan nos lábios, em seguida, abaixou e beijou cada criança
na cabeça. Ele bagunçou seus cabelos e saiu pela porta. Eu não ouvi o
barulho da moto, e fui até a janela da frente.

— Surpresa, não é? — perguntou Jan. Ela deve ter lido minha


mente. — Ele não está sempre ao redor da gangue, você sabe. Muitos deles
têm famílias, como Blue. Não é sempre sobre as motos, também.

Ela acenou com a cabeça para alguma coisa fora da janela, e eu notei
Blue se afastar em uma pequena caminhonete dourada. Eu não tinha notado
isso quando chegamos ontem.

Ela sorriu para mim, em seguida, disse: — Quer me ajudar a


alimentar esses monstrinhos? Eu tenho algumas coisas para fazer em casa, e
depois podemos passar o resto do dia à beira da piscina.

Eu estava muito ansiosa para ajudar, e antes que percebesse, tinha


alimentado os meninos e limpado a cozinha. Ela me disse para assistir TV
ou relaxar enquanto ela fazia algumas tarefas. Ela levou as crianças até a
sala e abriu um armário.

— Tudo bem, meninos, hora especial dos brinquedos. — disse,


enquanto puxava o que parecia ser um grande saco de lavanderia do
armário. Ela começou a despejar uma enorme pilha de blocos no
chão. Timmy e Kevin ficaram animados. Eles, obviamente, gostavam de
brincar com estes blocos, saltaram para cima e para baixo batendo
palmas. Jan sorriu para mim. — É incrível como apenas guardar alguns
brinquedos por um tempo deles os tornam mais especiais. Eles vão passar
horas empilhando e derrubando esses blocos, em seguida, irão começar
tudo de novo.

Eu decidi que realmente gostava de Jan e perguntei a ela se eu poderia


ajudar em qualquer coisa. Eu já tinha visto TV o suficiente. Queria começar
logo ter algum tempo entre amigas. Passamos a manhã conversando. Nós
alternamos entre pequenas tarefas e ficar um tempo com as crianças. Eu
dobrava roupa enquanto ela passava algumas camisas de Blue. Eu varri o
chão da cozinha, à medida que ela esvaziava a máquina de lavar louça. Eu
reguei suas plantas dentro de casa no momento que ela arrumava as camas
dos meninos. Foi uma manhã amigável e confortável. Ela compartilhou
algumas coisas comigo que eu deveria saber, mas realmente nunca tinha
dado muita atenção.

Por exemplo, eu não tinha prestado muita atenção nas idas e vindas da
gangue. Eu estava supondo que quase todos eles viviam no motel e seus
trabalhos eram, o que quer que fossem, relacionados às atividades da
gangue. Eu estava errada. Os únicos residentes em tempo integral do motel
eram Grizz, Grunt, Moe e Chowder.

Eu a interrompi. — E quanto a Willow? A primeira noite que eu


estive lá, ela disse algo a Grizz sobre estar esperando por ele em seu quarto.
— Jan explicou que Willow não vive no motel em tempo integral, mas
podia usar um dos quartos vazios sempre que quisesse. Todos eles podiam.
Chowder era mais tranquilo, sem pretensões na gangue. Eu não o
tinha dado muita atenção. Eu tenho certeza se alguma vez sequer o ouvi
falar. Não, eu não estava preocupada se ele tinha uma língua. Tenho certeza
de que ele era apenas um cara tranquilo. Ele era um mestre carpinteiro
profissional, e era aquele responsável pela remodelação das unidades de
Grizz. Ele fazia a manutenção e era um faz tudo no motel. Ele cuidava do
quintal e qualquer outra coisa que precisava de conserto - como desentupir
os banheiros, consertar janelas quebradas, trocar caixas de fusíveis. Ele até
trocava lâmpadas quando queimavam. Claro, era um velho motel em
condições precárias, e só havia certa quantidade de consertos que se poderia
fazer. Não era necessário ele se preocupar com a manutenção dos
equipamentos do parque, com as bombas de gasolina antigas ou as piscinas
de cimento vazias.

Jan não poderia me dizer muita coisa sobre Moe. Eu tentei pescar
algumas informações sobre o motivo dela perder a língua. Eu não iria
perguntar abertamente, então tentei insinuações sutis sobre a minha
curiosidade. Ou ela não mordeu a isca, não sabia ou decidiu que não seria
ela quem deveria me dizer. Ela murmurou algo sobre Moe e foi direto para
o seu favorito da gangue: seu cunhado, Grunt.

Jan realmente gostava de Grunt. Ela me contou que ele sempre foi
bem-vindo em viver com ela e Blue, mas tinha decidido que não. Ele era
tão jovem quando Blue o levou para o motel. Blue morava lá naquela
ocasião. Grunt estava no motel apenas há um ano, quando Blue conheceu
Jan e saiu de lá.

— Ele não ficou preocupado em deixar o seu irmão mais novo com
Grizz?
— Não, nunca. — disse Jan, seus lindos olhos castanhos
pensativos. — Grizz sempre foi bom e justo com Grunt. Eu não acho que
Grizz tenha família, e assim como ele resgatou seu gatinho, ele vigiava
Grunt quando Blue não estava por perto. Sim, eu ouvi sobre o que
aconteceu com o gatinho. — disse ela, quando eu dei-lhe um olhar curioso.

Ela continuou: — Grunt sempre foi uma alma velha. Eu acho que ele
ficou desiludido com a vida doméstica por causa da sua experiência em
casa, em seguida, no orfanato. Eu realmente acredito que ele goste de ficar
sozinho. Mas ele sempre é bem-vindo aqui. Eu o amo muito desde o início.

Do pouco que eu sabia sobre Grunt, tive que concordar com ela. Uma
alma velha? Delia uma vez me disse que eu era uma alma velha. Eu nunca
tinha ouvido alguém falar nisso antes.

As tarefas finalmente foram feitas e os pequeninos deitaram


calmamente para o cochilo. Jan me disse que teve apenas 13 meses de
intervalo de um para o outro. Eles com certeza eram uma gracinha. Ela me
levou ao quarto principal e abriu uma gaveta da cômoda tirando trajes de
banho. — Vamos encontrar algo para vestir. — disse ela. — Escolha
qualquer coisa que você goste e o experimente. Eu tenho o meu favorito
pendurado em um secador no chuveiro. Eu estarei aqui em alguns minutos.

Ela entrou no banheiro e fechou a porta. Olhei através da pilha de


trajes de banho e decidi por um biquíni amarelo que amarrava nos
quadris. Ele era ajustável para que servisse. Jan era alta e magra. Eu era
pequena e magra, mas talvez tivesse apenas um pouco mais de curvas. Eu
coloquei o traje de banho. Estava amarrando as tiras do lado esquerdo do
meu quadril, quando ela saiu.
Jan parou e olhou para mim. — Quantos anos você tem mesmo?

— Quinze, por quê? — eu estava começando a me sentir um pouco


constrangida.

— Você não parece ter quinze anos.

Eu virei e me olhei no espelho sobre sua cômoda. Podia ver o que ela
queria dizer. A parte inferior do biquíni encaixava perfeitamente. A parte de
cima; no entanto, estava pequena demais. Eu acho que eu tinha mais peito
do que ela e os meus seios pareciam que estavam lutando para sair do
tecido amarelo.

— Você fica melhor nisso do que eu. Você pode ficar com ele.

Agradeci, pegamos algumas toalhas e fomos para o quintal. Nós


pegamos sol o resto da tarde. Jan deixou uma fenda aberta na janela do
quarto dos meninos, e quando ouvimos que Timmy e Kevin acordaram de
seu cochilo fomos fazer o almoço. Em seguida, colocamos neles um calção
de banho e os trouxemos para fora. Eles eram muito pequenos para
entrarem na piscina sozinhos, então, para que pudessem brincar, os
colocamos em uma pequena piscina inflável na grama ao lado da de
concreto. Quando Jan e eu queríamos nos refrescar, cada uma de nós
levávamos um na piscina com a gente.

Eu realmente desfrutei do meu dia e foi triste quando Blue chegou em


casa. Eu acho que Jan não tinha percebido o tempo, porque ela pediu
desculpas, dizendo que sentia muito, por não ter pensado em me oferecer
algum jantar antes de ter que voltar para o motel. Eu disse a ela que não era
um problema. Havia muito para comer lá. Ela disse a Blue que teria o jantar
pronto quando ele voltasse depois de me deixar no motel.

Fui ao quarto de hóspedes para mudar de roupa. Eu estava arrumando


minha mochila quando Jan bateu de leve e entrou. Eu sorri para ela e disse
que achava ter conseguido guardar tudo, mas se eu tivesse esquecido
alguma coisa, talvez pudéssemos passar mais um dia juntas e eu poderia
pegar em seguida. Eu estava sorrindo para ela e esperando que ela dissesse
alguma coisa.

Mas Jan apenas ficou lá em seu traje de banho, com a toalha enrolada
firmemente em torno dela.

— Blue me disse que viu como Grunt observa você. — um olhar


gelado combinou com o tom da sua voz. — É melhor você não estar
incentivando-o. Se você fizer alguma coisa, eu quero dizer qualquer coisa,
para Grizz achar que haja algo entre você e Grunt, e ele machucar Grunt de
qualquer forma, eu vou pessoalmente fazer com que você sofra.

Fiquei tão chocada com sua mudança de personalidade, que não


consegui nem responder.

Ela continuou: — Eu sei o que você está pensando. Eu já vi o seu


tipo. Você acha que porque está com aquele primata tosco você poderá se
safar de qualquer coisa. Bem, só sei que as coisas não duram. Não vai
demorar muito para que Blue acabe com seu show e então sua bunda será
jogada no gramado. E se você está pensando em contar a Grizz que tivemos
essa conversa? Bem, vamos apenas dizer, Kit... — ela praticamente cuspiu
meu nome. —... que acidentes acontecem o tempo todo. Você
entendeu? Você sabe agora com quem você está lidando?
Sim, eu sabia com quem estava lidando. Com a mulher psicótica do
século, que era aquela pessoa.

Eu tinha drama suficiente para um mês. Peguei minha mochila e


joguei sobre um ombro. Então a olhei diretamente nos olhos e com um tom
que dizia que ela não era nada mais do que uma formiga para ser pisada,
disse: — Foda-se, Jan.

Passei por ela, enquanto me dirigia pelo corredor em direção a porta


da frente eu não pude resistir a uma última palavra de despedida.

— Sabe, Jan... — disse com a voz tão doce que pude. — Se Blue
atrasar para o jantar, eu tenho certeza que é porque ele está recebendo um
daqueles boquetes fantásticos que Chicky é famosa por dar.

E com isso, peguei meu capacete em cima do banco e saí pela porta
da frente.
Capítulo Dezesseis

Blue estava acelerando sua


moto na garagem. Eu coloquei meu capacete e pulei na garupa. Nós saímos
em disparada. Eu não olhei para trás.

Demorou quase 30 minutos para voltar para o motel, e eu lutei com


meus demônios internos todo o caminho. Quem era aquela garota que tinha
jorrado palavrões em Jan? Será que Jan os merecia? Absolutamente. Eu era
do tipo que os pronunciava? De jeito nenhum. Eu nem sequer penso
em palavrões. Isso não era quem eu sou.

No que me diz respeito ao comentário sobre Chicky, eu não tinha


ideia das suas especialidades, dentro ou fora do quarto. Eu inventei isso. Se
ficar com Grizz durante um mês teve esse tipo de efeito em mim, o que
estar com ele para sempre - como ele havia indicado mais de uma vez - vai
fazer comigo?

Não importava. Eu tinha tido um lapso de julgamento trazido pelo


choque da sua súbita mudança de personalidade. Eu certamente não era
especialista em saúde mental, mas era óbvio que ela tinha problemas. Pobre
Timmy e Kevin. Pobre Blue. A ironia de que eu estava sentindo pena de um
homem que tinha matado sua irmã e seu marido sem pensar duas vezes não
passou despercebida por mim.
Por outro lado, talvez Jan não sofra de qualquer doença
mental. Talvez ela seja apenas uma bruxa. Bem, ela pegou a garota errada
para vitimar com sua maldade e ameaças. Eu não era vítima. Nunca tinha
sido. Nunca seria.

Tenho certeza de que alguém iria olhar para a minha situação e


discordar. Eu tinha duas principais imprudências no meu passado. Uma foi
deixar Johnny Tillman entrar em casa. A outra foi subir na garupa da moto
do Monster. Mas cada vez, eu sabia o risco e fiz uma escolha
consciente. Nas duas vezes, o meu cérebro havia calculado as chances de
algo ruim acontecer como resultado da minha escolha. Eu não estou
dizendo que foram as escolhas certas ou espertas. Mas estou dizendo que eu
sabia dos riscos que eu estava tomando na época. As probabilidades
acabaram não sendo ao meu favor. Eu aceito isso.

Eu também não era a virgem ingênua que alguém poderia pensar. Eu


era sexualmente inexperiente por escolha, sim. Mas eu era definitivamente
informada sobre os detalhes mais íntimos de uma relação sexual. Lembre-
se, que eu tinha vivido com Delia. Eu tinha estado em Woodstock. Eu tinha
visto coisas lá que fariam até mesmo Grizz corar.

Delia tinha me incentivado muito antes de Grizz a explorar a minha


sexualidade. Ela achou que eu deveria ter um amante. Ela insistiu que eu
começasse a tomar a pílula. Sim, a pílula anticoncepcional realmente ajuda
com cólicas, mas esse não foi o motivo de Delia. Acho que o que ela
realmente queria era que eu saísse de casa. Quanto mais cedo eu tivesse um
cara na minha vida, mais cedo eu não seria o problema dela. Bem, eu acho
que ela realizou esse desejo.
Uma coisa que me ocorreu conforme Blue e eu passávamos ao longo
da Flamingo Road de volta para o motel. Gostaria de saber se Grizz teria
aparecido e me pegado naquele momento, não por causa de Matthew, mas
por causa de Delia? Será que ele percebeu o quão volúvel ela era e que a
minha virgindade podia estar ameaçada?

Bem, eu sabia que não estava em perigo. Você pode se surpreender ao


saber que eu tinha planejado esperar até que eu fosse casada. Eu queria uma
vida completamente oposta da que eu tinha com Delia.

Eu também era cristã. Não graças à existência de Delia, também. Eu


comecei a ir à igreja com uma amiga da vizinhança, Cathy, quando eu
estava no segundo grau. Delia adorou porque isso deu a ela e Vince as
manhãs de domingo para ficar na cama, se drogarem, fazer amor e fazer o
que mais eles quisessem. Não me interpretem mal, eles faziam isso quando
eu estava lá também, mas talvez ela só gostasse da liberdade das manhãs de
domingo. Minha ausência a levava a esquecer por algumas horas que eu era
sua responsabilidade.

Depois de alguns anos, Cathy se mudou. Eu comecei a andar de


bicicleta para a igreja mais próxima do bairro, Sagrado Coração de
Jesus. Era uma grande igreja católica impressionante perto da minha escola
primária. Ia à missa todos os domingos sozinha, até o dia que o Monster me
levou.

Não, eu não era o tipo de garota que atacaria a esposa louca de


alguém. No entanto, eu ataquei.

Eu voltei para o presente quando Blue virou para o motel. Eu procurei


pela moto do Grizz. Ele ainda estava fora. É só terça à noite. Acho que ele
estará de volta amanhã como ele disse inicialmente. Na verdade, acho que
estava desapontada porque ele não voltou mais cedo.

Blue me deixou sair da moto primeiro. Ele saiu, também, e andou


comigo em direção ao número quatro quando ele parou.

— Ah, merda. — ele estava olhando para seu Pager.

Eu continuei andando. Ele me seguiu ao número quatro e para o


telefone, discando um número. Eu podia ouvir o seu lado da conversa, eu
fui para o quarto e comecei a desempacotar as minhas coisas.

— Calma, Jan. Não, ela não disse nada para mim. O que você disse a
ela? Cale a boca e me diga o que você disse. — uma pausa. — Porque eu
não tenho nenhuma dúvida de que você abriu a porra da sua boca primeiro.
— outra pausa mais longa. — Não, Chicky não vai me chupar.

Eu me movi para que ficasse em pé na porta do quarto de frente para


ele. Ele olhava para mim enquanto falava. Eu não poderia dizer se ele
estava irritado com sua esposa ou comigo. Eu não me importava. Passei por
ele e para a pequena sala de estar e comecei a pegar os restos do meu jantar,
que eu tinha deixado na mesa de café a menos de 24 horas atrás.

Depois de mais alguns gritos, Blue desligou. Senti que ele estava me
observando.

— Você quer me dizer algo? — é tudo o que ele disse.

— Sim. — coloquei meu prato no balcão da cozinha. — Eu vou te


dizer.
E eu disse. Contei-lhe tudo o que foi dito, palavra por palavra. Pedi
desculpas pelo comentário de Chicky, porque eu senti um pouco de culpa
por envolvê-la sem o conhecimento dela.

Blue suspirou e passou a mão pelo cabelo. — Bem, eu acho que você
sabe a verdadeira razão porque Grunt não mora com a gente.

Eu não respondi.

— Você vai dizer a Grizz?

— Por que não? Parece-me que com todas as precauções que este
grupo tem para permanecer anônimo, sua esposa é a maior ameaça para
isso.

— Bem, você não estaria dizendo a ele algo que ele já não saiba.

Isso me surpreendeu.

Só então, Moe bateu na porta e entrou. Ela estava segurando Gwinny,


e Damien e Lúcifer estavam atrás dela. Ela fez sinal para mim que ela já
tinha os alimentado. Agradeci-lhe e tomei Gwinny dela. Ela saiu tão
rapidamente quanto entrou, e os dois cães foram com ela.

Damien e Lúcifer amavam Moe. Ela sempre os levava em seu quarto


e os mimava com guloseimas. Eles até mesmo dormiam com ela às
vezes. Ela deixava que eles se deitassem na cama com ela, e eles amavam
isso.

Depois que Moe se foi, eu me virei para Blue. Eu não poderia dizer
onde eu estava com ele. E enquanto olhava para ele, eu decidi que,
francamente, não me importava.

Pedi licença para ir tomar um banho, e ouvi-o sair enquanto fui para o
quarto. A chuveirada foi longa e quente, e eu tentei deleitar-me com ela,
fazendo o meu melhor para apagar as lembranças dos últimos dias: a perda
da minha virgindade, o ataque de Grunt ao cara da cerca, a mulher psicótica
do Blue.

Quando a água quente acabou, eu relutantemente saí do


banho. Sequei e coloquei o meu cabelo em uma toalha. Enrolei outra toalha
em mim e fui para o quarto.

E parei de repente.

Grizz estava lá. Ele estava sentado na cama. Estava apoiado contra a
cabeceira, me olhando, e ele não estava usando uma camisa. Por uma
questão de fato, eu tinha certeza que ele não estava usando nada. O lençol
branco estava puxado para cima apenas o suficiente, e mal cobria seus
quadris.

Eu foquei em seu físico. Ele era tão grande e musculoso, e seu peito e
os braços estavam cobertos de tatuagens diferentes. Ele tinha um punhado
de pelo loiro claro sobre o peito. Sua pele era bronzeada. A luz da lâmpada
de cabeceira fazia o brinco de argola de ouro na orelha esquerda brilhar. Ele
tinha a mesma expressão desde a primeira vez que eu o conheci: ele não
sorriu. Ele não franziu a testa. Ele só olhou para mim com aqueles olhos
verdes.

— Kit, está na hora. Venha aqui.

Com um nó na garganta, eu respondi em quase um sussurro: — Não.


Capítulo Dezessete

— Não é o que você


pensa. — eu acrescentei rapidamente, meu rosto ruborizando. — Eu só
estou no meu período e não tem nenhum absorvente. Eu estava indo
encontrar Moe, ver se talvez ela tem alguma coisa.

Antes que ele pudesse responder, eu levantei uma borda da toalha


enrolada em volta de mim e mostrei-lhe a mancha rosa clara. Eu não sangro
muito no primeiro dia do meu período, mas eu ainda precisaria de algo.

— Porra! — Grizz arrancou o lençol e pulou, me parando. — Você


não pode sair à procura de Moe em uma toalha.

Eu desviei o olhar quando ele entrou em seus jeans e puxou-os para


cima. Mas não antes de eu notar o que estava debaixo do lençol. Acho que
era verdade, pelo menos no caso de Grizz. Grande homem, grande, bem,
você sabe. O pequeno cassetete era realmente menor do que ele. Eu tremi.

Ele rapidamente voltou com uma caixa de tampões pela metade, e


afastei-me para o banheiro. Eu inconscientemente sabia que eu teria meu
período por agora. Eu terminei a minha cartela de controle de natalidade,
então eu sabia que estava por vir. Mas com toda a excitação dos últimos
dias, esta foi a última coisa em minha mente.
Saí do banheiro vestida em minha camisola. Graças a Deus Grizz não
estava esperando por mim na cama. Bom - eu estar no meu período não era
atraente para ele. Felizmente, isso significava indulto por mais outra
semana.

Encontrei-o na pequena sala de estar. Ele estava sentado em sua


cadeira zapeando os poucos canais de televisão disponíveis.

— Você voltou mais cedo. Como foi o seu negócio? — perguntei,


empoleirando-me em um braço do sofá.

Ele desligou da TV e me olhou. — Ouvi dizer que você teve um


pouco de drama, enquanto eu estive fora.

— Sim, sobre isso. Quero dizer a você porque Grunt...

— Não importa. Eu conversei com Grunt. O cara pediu por aquilo.

Fiquei aliviada. Eu ainda estava um pouco irritada com Grunt pela


forma como ele lidou com a situação. Foi uma coisa cruel de se fazer. Mas
Grizz parecia pensar que se justificava, por isso deixei pra lá.

— Eu conheci a mulher do Blue. — eu disse em vez disso, dando-lhe


um olhar nivelado. — Que é um amor. Obrigada por pedir-lhe para me levar
para a casa dele. Eu acho que teria sido melhor se ele tivesse me trancado
em uma jaula do leão no zoológico.

Grizz começou a rir, em seguida, e de repente eu não consegui


evitar; eu ri com ele. Eu sentei no sofá, e depois de alguns minutos, ele me
explicou sobre Jan.
Blue conheceu Jan cerca de cinco anos atrás. Ele estava envolvido
com outra mulher na época, mas ela era “louca” de acordo com Grizz, e
Blue rompeu. Pobre Blue. O que há com ele e as mulheres com problemas
emocionais? Ele conheceu Jan em um bar, alguns meses depois, e foi amor
à primeira vista. Eu poderia entender isso. Blue não era tão atraente como
ela, mas imagino que ela achou a personalidade de cara durão atraente.

Eles tiveram um romance muito rápido e se casaram logo depois. Eles


compraram uma pequena casa em um bairro mais antigo de Pembroke
Pines. Eu conhecia onde ele estava falando. Chamava Summer Wood. Eram
casas mais antigas e menores, mas era uma boa vizinhança, que apelava
para as famílias jovens que estavam começando.

Não foi muito tempo depois que eles se casaram que Blue notou a
mudança nela e imediatamente lamentou a decisão precipitada de se
casar. Ela era rápida em perder a paciência. Ela brigava com ele. Ela o
desafiava a encostar a mão nela. Constantemente o provocava até que ele
saísse. Quando chegava em casa, ela tinha acessos de choro histérico e
pedia perdão.

Eventualmente, ela começou a provocar briga com os vizinhos. Ficou


ainda pior quando ela começou a ameaçar os vizinhos com o status do seu
marido como segundo no comando de uma gangue de motoqueiros.

A notícia chegou até Grizz, e ele disse ao Blue para cuidar disso. Eu
não tinha certeza do que ele quis dizer com isso. Mas isso não
importava. Ela tirou um ás da sua manga na hora certa. Ela estava grávida.

Então Blue resolveu mudar para a parte mais agradável de Pembroke


Pines. Eu não era uma especialista em imóveis, mas eu tinha certeza que o
salário de um cara que trabalhava em manutenção de linha telefônica não
era suficiente para a casa de luxo que eu visitei. Eu acho que é onde a sua
atividade extracurricular com a gangue entrava, capacitando-o a pagar. Ela
consultou um médico e estava tomando medicamentos que pareciam
ajudar. A única vez que teve problemas com ela foi quando ela ficou
grávida novamente e parou de tomar os medicamentos. Blue praticamente
teve que monitorá-la o tempo todo, e Chicky, Willow e Moe passaram
muito tempo com ela quando Blue estava trabalhando.

— Então, ela surtou com você, hein? Gostaria de saber se ela está
grávida de novo e fora dos seus remédios? — Grizz parecia pensativo.

— Eu não sei. Ela não disse nada e ela não parecia grávida. — eu
disse a ele tudo o que ela disse para mim e o que eu disse a ela em troca.

Ele riu. — Você realmente disse isso para ela?

— Sim, e eu não posso dizer que estou orgulhosa de mim


mesma. Você, obviamente, teve uma influência terrível sobre mim.

Ele apenas riu. — Bem, se for como antes, ela vai ter um colapso e
começar a chorar e querer vê-la para implorar por seu perdão. — ele não
parece nem um pouco preocupado com o seu status de líder da gangue ou as
ameaças feitas a mim.

Grizz e eu passamos o resto da noite assistindo TV e fui para a


cama. Eu já não dormia em cima das cobertas, mas eu ainda dormia de
costas para ele. Ele já não dormia em cima das cobertas também.

Mas ele também nunca mais dormiu em seu jeans. Eu sabia que ele
estava nu, e antes de mais cedo naquela noite, eu nunca tinha olhado. Eu
tinha feito um ponto em fingir que estava dormindo quando ele se levantava
antes de mim. Se eu me levantasse antes dele, eu só fazia com que eu não
estivesse no quarto quando ele acordasse.
Capítulo Dezoito

Acordei na manhã seguinte


em uma poça de suor. Oh meu Deus, estava quente.

Grizz não estava ao meu lado, então me levantei e fui à procura


dele. Espiei do lado de fora da porta e o vi conversando com Chowder no
corredor algumas unidades abaixo. Ele me ouviu abrir a porta e gritou: — O
aparelho de ar condicionado parou de funcionar.

Então, isso explicava o calor. Era junho no sul da Flórida, e não


importava que fossem apenas nove horas da manhã. Estava em chamas. A
umidade podia sugar a vida para fora do quarto.

Voltei para o quarto e me vesti com a roupa mais leve que eu tinha:
um short jeans cortado, o top do biquíni amarelo de Jan e minhas
sandálias. Eu fiz uma torrada e sentei no sofá para comer. Eu tinha acabado
de comer e estava lavando o meu copo do suco de laranja quando Grizz
voltou.

— Venha, vamos lá. — disse ele, de pé em cima de mim.

— Onde?

— Apenas vá e pegue o seu capacete e óculos de sol.


Nós caminhamos para uma das várias Harley-Davidsons estacionadas
na frente ao motel. Ele tirou uma bandana azul escura do guidão e a
envolveu em na sua cabeça, em seguida, montou na enorme moto e deu
partida. Ele colocou seus óculos escuros e olhou para mim. Olhando para
ele, eu tive que admitir que ele era um modelo magnífico. Ele estava usando
a mesma roupa que usou no dia que eu o conheci - calça jeans azul, botas de
motociclista e uma camiseta com as mangas arrancadas. Seu cabelo tinha
ficado mais longo no último mês. Eu coloquei meu capacete e óculos de sol
e saltei atrás dele.

Grizz me levou até a praia. A State Road 84 ia diretamente para o


oceano. Fizemos uma curva à esquerda na Federal Highway, então
fomos até 17th Street Causeway. À direita da Causeway, passamos ao longo
de uma grande ponte que atravessava a intercostal. À nossa direita, havia
todos os tipos de navios enormes de cruzeiros e militares, ancorados. À
esquerda estavam os iates pessoais.

Eu amava esta parte de Fort Lauderdale. Seguimos Causeway até o


final em direção à praia, onde se encontrava com a estrada A1A. Andamos
lentamente ao norte na A1A, que era paralela à praia de Fort
Lauderdale. Era verão e a praia estava lotada.

Eu imediatamente percebi que estávamos sendo notados,


especialmente pelas meninas. Eu tenho que admitir que meu ego estava um
pouco mais alto e passei meus braços ao redor de Grizz um pouco mais
apertado. Apoiei o queixo em seu ombro. Eu nunca fui o tipo de pessoa que
gostava de holofotes. Antes, eu sempre ficava contente em sentar nas
sombras e fazer minhas próprias coisas. Acho que é porque eu estava
completamente satisfeita comigo mesma. Nenhum exame de consciência
para mim. Eu sabia quem eu era e o que queria da minha vida.

Até agora.

Estar na garupa da moto de Grizz foi uma experiência nova para


mim. Eu já tinha montado uma vez com Monster e duas vezes com
Blue. Mas não era nada comparado em como me sentia com Grizz. Todo o
meu comportamento mudou. Eu gostei de ser invejada. Eu gostei de como
ele gentilmente apertou minha coxa logo acima do meu joelho quando
estava ocioso, parado em uma faixa de pedestres. Eu gostei de como ele
levantou uma das minhas mãos, a levou à boca e beijou suavemente o
interior do meu pulso. E eu gostei especialmente de poder ver o olhar em
minha direção de “Desejaria que fosse eu” em cada mulher que passava.

Ocorreu-me que vários dias se passaram sem que eu pensasse em ir


para casa. Lembrei-me da primeira noite que Monster tinha me trazido para
o motel. Ele disse: — Hora de conhecer a sua nova família. — talvez ele
estivesse certo. Talvez era para eu ser de Grizz.

A realização me surpreendeu.

Nós finalmente viramos à esquerda na Sunrise Boulevard, passamos a


Birch State Park, sobre a intercostal novamente, em seguida, para o sul na
Federal Highway. Grizz arrancou até um estúdio de tatuagem
degradado. Estacionamos, descemos da moto e eu coloquei meu capacete
no guidão. Ele me disse para manter os meus óculos de sol, até que
chegássemos ao interior. Ainda bem que tinha permissão de tirar meus
óculos quando chegamos ao interior, porque era muito escuro, eu não pude
ver que Grizz, que estava andando na minha frente, havia parado. Eu
cambaleei para a direita das suas costas. Ele se virou e agarrou meu braço
para me firmar.

— Você pode tirar os óculos agora, Kit. Eddie? Onde você está?

Um pequeno homem tatuado saiu de uma sala dos fundos.

— Grizz, meu homem. — Eddie disse enquanto caminhava em


direção a nós. Eu pude sentir o cheiro de álcool sobre ele antes que Grizz
pudesse responder.

— Ela precisa de uma ID. — Grizz gesticulou para mim.

— Claro, cara. Medidas?

Grizz disse para lhe dizer a minha altura e quanto eu pesava.

Então Eddie perguntou: — Quantos anos?

Eu abri minha boca para responder quando Grizz me cortou. — Ela


acabou de completar dezoito anos em março.

— É pra já, Grizz. Vamos lá para trás.

Nós o seguimos para uma sala nos fundos. Eddie tinha me encostado
contra uma parede vazia. Ele estava se preparando para tirar uma foto
minha quando Grizz o deteve.

— Sem a franja.

Eddie foi para a gaveta da mesa e tirou uma faixa. Eu secretamente


agradeci a Deus que ele não tirou uma tesoura. Eu a coloquei na cabeça,
então minha franja foi puxada para trás. Uma rápida olhada no espelho me
mostrou que eu parecia um pouco menos como eu. Mais outra garota. Uma
garota mais velha. Diferente. O tipo de garota que poderia gostar de sentar
na garupa da moto de Grizz, com a mão dele casualmente apertando sua
coxa.

Eddie tirou a foto e disse: — Dê-me uma hora.

Enquanto caminhávamos para fora, Grizz pegou uma bandana rosa de


uma pilha perto da caixa registadora.

— Vamos almoçar. — ele me disse quando chegamos à moto. —


Quando chegarmos ao restaurante, eu quero que tire seu capacete e coloque
a bandana o mais rápido possível. Deixe seus óculos de sol, mesmo dentro
do restaurante. Entendeu?

Eu tinha entendido.

Fomos a um pequeno lugar chamado Southside Raw Bar. Sentamos


no lado de fora das docas que davam para a água. Não me lembro ser capaz
de ler sua expressão depois que me abençoei e fiz uma oração calma antes
de comer. Ele me viu fazer isso antes e nunca tinha comentado. Eu não me
lembro o que comemos. Nós conversamos confortavelmente sobre um
monte de coisas diferentes, deixando propositadamente meu sequestro e
tudo a ver com o motel fora da conversa.

A conversa somente ficou pessoal em relação aos nossos gostos e


desgostos. Coisas normais. Música, filmes, livros. Foi uma conversa leve e
casual.

Então ocorreu-me: — Ei, nós não dissemos a Eddie meu novo nome.
— Nós não precisamos. — Grizz me informou. — Eddie está nesse
negócio há anos. Ele é muito organizado e tem a sua própria lista de nomes
pré-aprovados.

— Sério? Parece como as pessoas que nomeiam os furacões.

Ele sorriu para mim. Meu estômago vibrou. Ele realmente tinha um
sorriso lindo.

— Sim, eu nunca pensei sobre isso, mas eu acho que é algo do tipo.

— Estou muito curiosa para saber o nome que ele vai me dar.

— Não se preocupe Kit. Nada poderia ser tão ruim quanto o seu nome
real.
Capítulo Dezenove

Grizz estava errado.


— Priscilla Renee Celery[15]? — eu gritei. — Você não
pode estar falando sério. Não há nenhuma maneira nesse
mundo que eu vou usar o nome Priscilla Celery.

Eu olhei para Grizz, que estava rindo. Era um péssimo


sobrenome – sair de uma fruta para um vegetal? Esqueça.

— Ela está certa, Eddie, é muito ruim. Dê-lhe um novo.

Menos de 30 minutos depois, eu era a orgulhosa


proprietária de uma carteira de motorista da Flórida que
me identificava como Ann Marie Morgan, com dezoito anos
de idade. O endereço físico em minha licença era em
Pembroke Pines. Eu me perguntava se era de Blue.

Eu gostei do nome e disse a Grizz que Annie daria um


apelido bonito. Ele me disse que ninguém jamais iria me
chamar de Annie. A carteira de motorista era apenas uma
formalidade no caso de eu precisar. Mais uma cópia da ID
seria enviada para a estação de correios em Davie. A
certidão de nascimento falsa e um cartão de Segurança
Social chegariam dentro de uma semana.
Perguntei-lhe se ele tinha uma ID, e ele me disse que
era Rick O'Connell. É claro, eu nunca ouvi ninguém se
referir a ele como Rick, então eu sabia o que queria dizer
sobre eu nunca ter um apelido diferente. Eu era Kit.

Chowder tinha consertado o aparelho de ar


condicionado quando voltamos para o motel. Eu achei que
estava um pouco mais ruidoso do que antes, mas estava
fresco dentro e eu não podia esperar para tomar um
banho. Meus ombros estavam queimados do sol e a água
ardia, mas eu estava estranhamente exultante. Acho que eu
ainda estava um pouco eufórica do passeio.

Os próximos dois dias passaram sem


intercorrências. Eu raramente fui para o poço à
noite. Honestamente não tinha nenhuma utilidade para
qualquer um no grupo, para não mencionar os olhares de
reprovação que ganhava das outras mulheres. Havia
sempre mulheres indo e vindo. Além de Grunt e Moe, eu
ainda não tinha me identificado com ninguém. Além disso,
eu não queria ver Willow. Ela ainda aparecia às vezes, mas,
felizmente, ficava longe de mim.

Eu me peguei começando a fantasiar sobre a minha


vida com Grizz. Eu acho que aquela tarde com a moto teve
algo a ver com isso. Eu ainda estava no meu período e
Grizz ainda não tinha tentado nada na cama. Isso estava
tudo bem. Eu sabia que precisava de mais tempo.
Certa noite, uma pequena multidão se reuniu no
poço. Eu estava entediada. Saí e encontrei Grunt.

— Você se importa se eu for ao seu quarto e ouvir


alguns discos? — eu perguntei a ele.

Eu só tinha visto Grunt algumas vezes desde o dia em


que compramos meu capacete. Eu tive algumas aulas de
xadrez dele e ele ficou impressionado com a rapidez com
que aprendi a jogar. Ele estava sempre indo e vindo. Era
verão, então eu não tinha certeza se ele estava tendo
aulas. Grunt olhou para Grizz que deu um aceno de
cabeça. Eu queria revirar os olhos, mas não fiz isso. Grunt
levantou-se e disse: — Claro, vamos lá.

— Eu não tive a intenção de tirá-lo do poço. — gaguejei


quando nos afastamos. — Você não tem que vir comigo, se
você confiar em mim para ficar no seu quarto.

— Sem problemas. Os insetos estão me comendo vivo


de qualquer maneira. Vamos.

Segui Grunt para o seu quarto e passei às duas horas


seguintes ouvindo seus discos e continuando com as
minhas aulas de xadrez. Enquanto nós conversamos e
jogamos xadrez, eu examinei sua estante e escolhi dois
livros para levar para o número quatro comigo.

Grunt foi um perfeito cavalheiro, e eu encontrei-me um


pouco decepcionada por ele não flertar comigo. Eu não
flertei com ele, no entanto. Eu não sei se era devido a uma
crescente lealdade à Grizz ou o meu constrangimento da
nossa noite juntos, ou uma combinação de ambos. Disse a
mim mesma que estava feliz que ele não gostasse de mim
dessa forma, porque certamente complicaria as coisas.

Estava começando a ficar tarde. Fiquei realmente


surpresa que Grizz não tivesse vindo me procurar. Eu
bocejei e peguei meus livros.

— Obrigada pelos livros e por aturar minhas escolhas


dos discos esta noite.

— Você pode pegar qualquer livro que você quiser a


qualquer momento. E lembre-se, você escolheu discos do
meu acervo, então eu gostei de ouvir tudo o que você
escolheu. Precisa de mim para acompanhá-la em casa? —
ele brincou.

— Não, eu acho que posso chegar lá sozinha. — eu


respondi. Nós dois rimos, e eu ainda estava sorrindo
quando ele fechou a porta atrás de mim. Cheguei ao
número quatro e entrei.

Eu quase derrubei meus livros com a visão que me


cumprimentou. Grizz estava deitado no sofá, com os olhos
fechados.

E Willow estava agachada entre suas pernas com a


cabeça balançando freneticamente.
Capítulo Vinte

Nenhum dos dois me


ouviu abrir a porta. Eu acho que é porque o ar condicionado estava muito
mais barulhento do que antes. À minha direita estava uma prateleira que
ficava a TV. Bati meus livros tão forte quanto pude sobre ela.

Grizz abriu os olhos, e Willow parou se virando para olhar em minha


direção. Grizz a agarrou pelos cabelos e disse: — Termine.

Ela me deu um sorriso desdentado e voltou para o que estava fazendo.

Eu me virei e corri para a porta da frente, e antes que eu sequer


soubesse onde estava indo, estava batendo na porta de Grunt. Ele a abriu e
eu caí em cima dele, passando os braços apertados em torno de suas
costas. Eu não estava chorando, mas estava à beira das lágrimas. Eu não
sabia o porquê.

Por que eu deveria me importar com o que Grizz e Willow estavam


fazendo? Eu certamente não tinha feito nada parecido com ele, e eu vinha
dizendo a mim mesma o último mês que não queria fazer. Então, por que
esse sentimento de traição? Não importa o que eu dissesse a mim mesma, a
verdade me bateu.

— Ei, ei, ei, qual o problema? — Grunt perguntou, me segurando


perto. — Kit, qual o problema, o que aconteceu?
De repente, algo me ocorreu. Não havia nenhuma maneira no mundo
que eu contaria ao Grunt, ou a qualquer um sobre esse assunto, que pegar
Willow fazendo sexo oral em Grizz me incomodou. De jeito nenhum. Eu
me contive e dei um passo para trás. Graças a Deus não havia lágrimas
ainda. Ele tinha as mãos sobre meus ombros.

— Não há nada de errado realmente. — gaguejei. — Eu peguei Grizz


e Willow juntos e estou envergonhada, isso é tudo.

Ele me deu um olhar que dizia saber que eu estava mentindo, mas
sendo o cavalheiro que era, não insistiu.

— Você sabe, ele está esperando por você há algum tempo. Eu sou o
único que sabe disso. Eu acho que nem Blue sabe. Grizz é muito
orgulhoso. E ele é apenas humano e ela está sempre disposta. Além disso,
ele estava bebendo antes de você sair para o poço. Ele está provavelmente
bastante derrotado agora.

— Eu sei. Como disse, eu só estou envergonhada. Vamos esquecer


que eu sequer vim aqui. — fiz uma pausa. — Humm, quanto tempo você
acha que eu deveria esperar antes de voltar?

Estava demonstrando a minha inexperiência e comecei a corar. Antes


que Grunt pudesse responder, a porta abriu e Grizz entrou.

— Pensei que te encontraria aqui. Vamos. — Grizz acenou em


direção à porta.

Eu imediatamente me recompus e disse um pouco arrogante: — Só


queria te dar um pouco de privacidade.
Quando passei por ele lembrei-me da minha primeira noite que estive
no motel. Na noite em que substituí Willow e ela arrogantemente se afastou
do poço.

Voltei para o nosso quarto e coloquei minha camisola. Lavei o rosto,


escovei os dentes e cabelos e subi na cama. Eu tinha levado os livros
emprestados para o quarto comigo. Eu peguei um e fingi ler. Desviei o olhar
enquanto ele se despia e deslizava ao meu lado.

— Isso não deveria tê-la incomodado, Kit.

— Isso não me incomodou. — respondi muito rapidamente. — Eu


estava envergonhada por interromper, isso é tudo.

Eu estava deitada de costas e ele estava de lado com sua frente para
mim, e a cabeça apoiada em sua mão direita. Ele levantou uma sobrancelha.

— Não incomodou você, hein? Então eu acho que poderia ter ficado
com Willow esse tempo todo e não teria incomodado você?

Olhei diretamente para ele. — Como eu sei que você não tem feito
isso com ela esse tempo todo? O que isso é para mim? Não é da minha
conta. Tenho certeza de que você faz o que quer de qualquer maneira.

— Isso mesmo, eu faço o que eu quero.

Eu não disse nada e continuei a fingir interesse no meu livro.

— Olha, ela me seguiu quando voltei para o quarto e pediu para usar
o telefone. Você sabe como Willow pode ser. Eu acho que ela tinha alguma
coisa a provar e eu estava excitado o suficiente para deixá-la fazer. Aquela
puta não significa nada para mim.

— Eu não me importo se ela significa alguma coisa para você ou não.


— eu olhei para as páginas do meu livro friamente. — É claro que foi muito
rude da sua parte deixá-la fazer isso aqui enquanto eu poderia estar no
quarto.

— Mas eu sabia que você não estava. Eu observei o quarto de Grunt


toda a noite. Eu sabia que você ainda não tinha saído.

— Quão conveniente para os dois. — eu mantive o meu tom


uniforme. — Bem, como disse, eu não me importo. Então, continue fazendo
o que você quer. Não me interessa.

Voltei para o meu livro e tentei me concentrar nas páginas.

— Não te incomoda, né?

— Não. Não me incomoda em nada.

— Você tem certeza disso?

— Sim, eu tenho certeza, Grizz. Por que você ao menos acha que algo
como isso me incomodaria? — eu perguntei um pouco presunçosa.

— Porque o seu livro está de cabeça para baixo.

Com isso, fechei meu livro com força e sentei de frente para ele. —
Puxa, Grizz, de todas as garotas, tinha que ser Willow? Quer dizer, mesmo
se fosse Chicky ou Moe teria sido mais fácil para eu lidar porque elas não
me odeiam. Tenho certeza de que ela se acha superior a mim agora. Não
que eu me importe. Eu não sei. Acho que é uma coisa de mulher. Eu não
espero que você entenda.

— Então, estaria tudo bem se você entrasse e fosse Chicky ou Moe?

Não respondi. Eu não conseguia entender o meu próprio


raciocínio. Eu estava chateada que ele estivesse envolvido sexualmente com
outra mulher, ou eu estava chateada porque a outra mulher era Willow, uma
mulher que se tornou minha inimiga imediata?

— Você quer que Willow suma? Se você quiser que ela vá, tudo que
você tem a fazer é dizer sim. Você nunca mais irá vê-la novamente.

— Sim, Grizz. — eu disse em voz baixa. — Quero que ela vá.

Esse foi o fim da conversa. Nós dois adormecemos, e quando acordei


na manhã seguinte, ele tinha seus braços em volta de mim. Eu tinha as
minhas costas para ele e comecei tentar levantar delicadamente um dos seus
braços pesados de cima de mim. Então parei. Fechei os olhos e voltei a
dormir.

Grizz foi fiel à sua palavra. Eu nunca vi Willow novamente.


Capítulo Vinte e Um

Grizz se tornou um pouco


mais ousado no quarto depois daquela noite, mas ele nunca me
pressionou. Ele também começou a insistir que eu dormisse nua como
ele. Eu sempre fiz questão de ter uma toalha enrolada em mim quando subia
na cama, e uma vez que estivesse debaixo das cobertas a tirava. Isso não o
provocou ou o irritou, no entanto. Ele achava engraçado e apenas balançava
a cabeça enquanto passava os braços ao meu redor e puxava meu traseiro
contra a sua frente.

Na verdade, eu dormia bem confortável nos braços de Grizz. Talvez


um pouco confortável demais. Uma noite em especial, não muito tempo
depois do incidente com Willow, eu estava desfrutando de um sonho
especialmente erótico.

Eu estava sonhando com a noite que perdi minha virgindade com


Grunt. A única diferença era que eu não estava drogada e estava apreciando
nossa troca de afeto. “Nights In White Satin” estava tocando ao fundo. Ele
estava em cima e dentro de mim, suas investidas eram rítmicas e eu estava
lhe recebendo cada vez mais. Senti sua respiração no meu ouvido e ele
estava dizendo para apreciar, relaxar. Eu tive um orgasmo intenso e
poderoso. Tão intenso que realmente me acordou.
De início, eu fiquei desorientada, não me lembrava de onde estava, ou
com quem estava. Eu estava deitada de costas e olhei para a minha
esquerda. E lá estava Grizz, sorrindo como o gato que comeu o canário. Ele
tinha a mão entre minhas pernas e ainda estava me tocando.

Eu empurrei sua mão e sentei, horrorizada. — Pare com isso. O que


você acha que está fazendo?

— Relaxa Kit. Não é o fim do mundo você se divertir um pouco. Foi


o seu primeiro?

— Isso não é da sua conta! — cuspi e deitei rolando para o meu lado.

Ele me puxou contra ele, e podia ouvi-lo rindo enquanto eu tentava


voltar a dormir. Mas eu estava preocupada. Por que eu estava sonhando
com Grunt?

Passei o resto da semana em uma névoa induzida por esse


pensamento. Eu não conseguia tirar esse sonho da minha cabeça. Eu me
encontrei inventando desculpas para estar perto do Grunt. Continuei a pegar
livros emprestados, jogar xadrez e pedir para ouvir seus discos. Ele me
deixava ficar em seu quarto mesmo quando não estava lá, e uma ou duas
vezes vesti sua jaqueta e me olhei no espelho do banheiro.

Foi engraçado. Eu me sentia tão diferente do que me senti na primeira


noite que vesti a jaqueta do Grunt. A noite que encontramos Gwinny. Era
diferente agora. Eu gostava de olhar pra ele, e me perguntar se eu nunca
faria um passeio na garupa da sua moto. Eu até comecei a fantasiar que
estava lá para ficar com ele, não com Grizz.
Depois de alguns dias inventando desculpas para estar no quarto de
Grunt para ouvir música, encontrei um novo sistema estéreo instalado no
quarto número quatro. Grizz disse para pedir alguns dos discos de Grunt
emprestados até que ele me desse os meus. Você pensaria que eu estava
animada por ter o meu próprio som, mas fiquei desapontada que a principal
razão que tinha de ir ao seu quarto havia sido tirada de mim.

O nevoeiro se dissipou logo. Era uma manhã de sábado, alguns dias


depois. Grizz me disse que iria passar o dia longe do motel. Ele disse que eu
poderia sair do terreno novamente com Grunt, mas não para lugares
familiares e me certificar de usar o boné e óculos de sol.

Eu estava entusiasmada. Isso era perfeito. Gostaria de pedir ao Grunt


para me levar a praia. Com as muitas meninas da minha idade, tinha certeza
que iria me misturar, mesmo se usasse o boné de beisebol e óculos de
sol. Coloquei meu biquíni amarelo e shorts cortados, escorreguei meus pés
em sandálias e amarrei meu cabelo em um rabo de cavalo alto. Fui para o
quarto do Grunt.

Eu estava com minha mão levantada para bater na sua porta quando
ela abriu. Eu fiquei lá com a minha mão ainda no alto. Grunt estava saindo
do quarto e parou quando me viu.

— Ei, Kit. Você está aqui para pegar livros, álbuns ou ter aulas de
xadrez? — disse ele, rindo.

Grunt não estava sozinho e eu tinha, obviamente, interrompido uma


piada particular. Ele estava com o braço esquerdo pendurado em torno dos
ombros de uma menina.
Antes que pudesse responder, ele disse: — Kit. Esta é Sarah Jo. Jo,
esta é Kit. Kit vive aqui com Grizz.

Eu pensei ter visto um flash de reconhecimento no rosto de Sarah


Jo. Será que ela me reconheceu como a menina que havia desaparecido em
maio?

Ela estendeu a mão para pegar a minha e disse: — É tão bom te


conhecer, Kit. Eu não posso acreditar o quanto você se parece com a minha
melhor amiga, Kelli. Ela acabou de se mudar para a Carolina do Norte. Eu
irei visitá-la em algum momento deste verão. Você poderia ser sua irmã
gêmea.

Enquanto ela falava, eu a analisei. Ela era pequena. Quer dizer, todas
as mulheres neste motel pareciam ser de estatura pequena, com exceção de
Chicky que tinha um lado voluptuoso, mas essa menina era
insignificante. Ela era uma miniatura. Ela deveria ter apenas 1,50 de
altura. Ela era atraente e bonitinha, parecia proporcional para alguém tão
pequena. Ela tinha o cabelo castanho dourado, olhos azuis, um belo
bronzeado e algumas sardas no nariz.

Ela era adorável. Foi ódio à primeira vista.

— Jo é filha de Fess. — Grunt estava dizendo. — Ela tem a sua


idade. Vocês devem ter muito em comum.

Ela riu e olhou para cima em seguida, para Grunt, com adoração. —
Kit pode ir com a gente para a praia? Não precisamos ir de moto. Podemos
pegar o seu carro.
— Sim, claro. Kit quer vir? Parece que você já está com seu traje de
praia.

— Uh, não, eu estava realmente apenas descendo para pegar alguns


livros se estiver tudo bem. — gaguejei.

— Ah, por favor, venha, Kit. Vai ser divertido. — Sarah Jo implorou.

Ela era realmente doce ou seria uma encenação? Eu já tinha sido


enganada pela mulher de Blue, Jan. Eu não tinha certeza de como estava me
sentindo e não confiava em mim para passar o dia com eles.

— Talvez outra hora. Eu tenho uma forte dor de cabeça, o sol


provavelmente não iria ajudar. — menti.

— Bem, não leia muito, então. — Grunt me deu um olhar engraçado


que me dizia não ter certeza se acreditava na minha desculpa. — A leitura
não vai ajudar com sua dor de cabeça. Mas eu não manterei a porta
trancada. Fique à vontade.

Em seguida, ele se virou para Sarah Jo. — Vamos lá, Littlin. Está com
o seu capacete?

— Bem aqui. — ela disse enquanto o ergueu com a mão


esquerda. Seu braço direito estava em volta da cintura dele. Ela acenou para
mim quando eles começaram a se afastar. — Lamento você não se sentir
bem. Talvez outra hora?

— Sim. Claro. Definitivamente. — eu respondi enquanto eles saíam,


deixando a porta de Grunt aberta.
Definitivamente nunca, pensei, olhando através da porta aberta sem
entrar enquanto tentava descobrir o que estava sentindo.

Eu não estava incomodada por sua beleza. Eu era bonita


também. Seus olhos azuis e personalidade borbulhante realmente não me
incomodaram tanto. Sempre estava recebendo elogios sobre meus grandes
olhos castanhos. As pessoas sempre me diziam o quão inteligente eu
era. Fechei a porta do Grunt e continuei a pensar sobre isso quando fiz meu
caminho de volta para o número quatro. Ouvi o arranque da moto de Grunt.

E eu parei de repente no caminho. E percebi o que me incomodou


tanto. Sarah Jo vestia sua jaqueta.

____________

Passei o resto do dia me mantendo ocupada, grata por não ter feito
papel de boba na frente de Grunt. Ele tinha uma namorada. Eu não sei por
que nunca me ocorreu que ele poderia ter uma.

Chowder me ajudou a arrumar algumas mangueiras, em seguida, levei


Damien e Lúcifer para dentro da piscina vazia e dei banho neles. Eles
adoraram. Moe apareceu por volta de uma hora e eu perguntei se ela
poderia me levar às compras. Ela me olhou com ceticismo e eu disse a ela
que Grizz tinha me dado permissão para ir com Grunt. Eu não via por que
seria errado ela me levar a alguns lugares. Ela fez sinal de que me levaria e
para dar-lhe dez minutos. Esse tempo foi suficiente para eu voltar ao quarto
número quatro, verificar Gwinny, trocar de roupa, pegar o meu boné, óculos
de sol e conseguir algum dinheiro.

Grizz recentemente tinha me mostrado onde ele guardava algum


dinheiro no caso de eu precisar. Esta foi a primeira vez que peguei
algum. Meus olhos arregalaram quando percebi a quantidade de dinheiro
que estava segurando e não tive escolha, peguei uma nota de cem
dólares. Não havia nenhuma menor.

Eu encontrei Moe de novo em seu carro. Ela dirigia um Bug


Volkswagen[16]. Naturalmente, ele era preto. Disse a ela que eu precisava
de um sutiã. Essa era uma peça de roupa que não tinha aparecido no
motel. Eu também queria ter outro biquíni. Nós fomos ao norte para o
Pompano Fashion Square Plaza, que ficava ao norte de Fort Lauderdale, e
não era familiar para mim.

Eu fui à JC Penney para o sutiã e fiquei surpresa que encontrei um


biquíni lá também. Era final de junho, e as coleções de roupas de banho
eram geralmente recolhidas nesta época do ano. Eu escolhi um biquíni
laranja e turquesa que encaixavam na parte de cima melhor do que o
amarelo que Jan tinha me dado. Eu incentivei Moe para experimentar
algumas coisas, também. Eu nunca tinha a visto vestir nada diferente de
camisetas pretas e calça jeans preta. Ela apenas sorriu e balançou a cabeça.

Perguntei se poderíamos encontrar um supermercado no caminho de


volta, ela balançou a cabeça e me levou para uma pequena loja, de
propriedade familiar. Não ficava em uma boa parte da cidade, mas eu não
estava com medo; eu só estava preocupada com o que Grizz poderia pensar
se ele soubesse onde estávamos. Eu estava inconscientemente tentando
agradá-lo? Mas as compras no supermercado foram rápidas e sem
complicações, e antes que eu percebesse, estávamos voltando para o motel.

Estávamos de volta na State Road 84 em direção ao oeste, quando ela


virou à esquerda. Percebi que estávamos indo a uma pequena cidade em
Davie. Perguntei onde estávamos indo, ela enfiou a mão no cinzeiro, tirou
uma pequena chave e a balançou. Então me ocorreu. Nós estávamos indo
aos correios verificar a correspondência. Achei isso muito interessante. Eu
estava curiosa para ver se alguém recebia cartas além de Grunt.

Logo que chegamos, estacionamos em um pequeno edifício. Eu


perguntei se poderia ir também. Ela encolheu os ombros, como dissesse
“por que não?” E eu a segui. Estávamos em uma pequena área que abrigava
as caixas. Debrucei contra um balcão que ficava lá para os clientes
usarem. Virei-me e percebi que havia um mural de comunicados acima
dele. Observei as notas dos cães perdidos, cavalos à venda, babás e
faxineiras para contratar.

Ouvi Moe se aproximar e estava me virando para segui-la até a saída


quando algo chamou minha atenção. Era um folheto velho de uma pessoa
desaparecida, amarelado pelo tempo. A garota na foto parecia familiar. Ela
tinha longos cabelos negros, repartidos ao meio. Fora isso, não poderia
dizer o que me fez pensar que a conhecia. Em seguida, lembrei e meu
queixo caiu quando li:

$ 25.000 RECOMPENSA

Pessoa Desaparecida
Última vez vista em 12 de novembro de 1969

Miriam Parker

20 anos.

Era Moe.

____________

Eu esqueci completamente sobre espionar o correio que Moe tinha


apanhado. Segui-a até o carro e entrei. Eu devia estar estranhamente quieta
porque ela não parou de olhar para mim quando ligou o carro. Eu fiquei
sem palavras. Eu não conseguia pensar no que dizer. Esse folheto foi
impresso, há seis anos, e dizia que ela tinha vinte anos. Então ela tinha vinte
e seis agora. Seu verdadeiro nome era Miriam Parker. Eu acho que sua
idade foi uma das primeiras coisas pessoais, além da falta da sua língua, que
eu aprendi sobre Moe.

Havia uma enorme recompensa oferecida para seu retorno. Essa


quantidade de dinheiro é muito hoje. E era muito na época. Isso me dizia
que ela era amada. Que alguém sentia falta dela. Quantas vezes ela tinha
estado neste correio para buscar a correspondência? Certamente ela sabia
que o folheto estava lá. Talvez ela não soubesse. Ele estava espremido entre
um monte de diferentes folhetos. Eu me perguntei se ela era de Davie. Se
ela era, se sentia confortável em ir à estação de correios local? Claro que,
com os cabelos curtos e maquiagem pesada, eu duvidava que ela fosse
reconhecida. Será que tinha sido sequestrada? Sua família foi ameaçada
como a minha?

Eu queria tanto perguntar ao Grizz, mas não tinha certeza se


deveria. Eu sempre poderia perguntar a Grunt, mas eu ainda estava lidando
com um misto de emoções no que dizia respeito a ele. Se ela esteve com o
grupo desde o momento em que desapareceu, isso significava que ela
chegou ao motel quase ao mesmo tempo em que Grunt. Eu me perguntava o
que ele sabia.

Nós dirigimos em silêncio e ela tomou algumas estradas laterais. Nós


estávamos realmente no coração de Davie agora, e entramos numa estrada
de terra. Seguimos uma cerca durante o que me pareceu um longo
tempo. Do outro lado da cerca estava uma bonita pastagem verde. Notei
cavalos no campo.

Nós paramos em um local com sombra. Havia uma árvore gigantesca


do outro lado da cerca, e dois cavalos estavam debaixo dela. Ela sorriu e
apontou. Olhei para os cavalos e depois para ela.

— Você gosta de cavalos?

Ela assentiu com a cabeça e sorriu. Em seguida, seu sorriso


desapareceu e ela não pareceu triste, mas melancólica. Como se ela
estivesse pensando sobre seu passado.

— Você costumava ter cavalos? — perguntei, pressionando ainda


mais.

Um pequeno aceno de cabeça neste momento. Ela nunca tirou os


olhos do grande cavalo marrom.
— Você teve um cavalo que se parecia com aquele?

Eu olhei para ela e para o cavalo marrom e soube imediatamente. Ela


não teve um cavalo que parecia com este. Este era o dela. Tínhamos apenas
entrado no seu passado e me senti honrada e entristecida ao mesmo tempo
por ela ter me deixado ver uma parte dela. Mais uma vez, eu não sabia o
que dizer. Ela deslocou o pequeno bug na estrada e fez um rápido
retorno. Nós voltamos para o motel.

Carreguei minhas compras para o número quatro, e disse que


prepararia o jantar e ela estava convidada. Ela levou minhas bolsas da JC
Penney para dentro, deixando-as no sofá. Eu não a ouvi sair.

Eu coloquei o troco na penteadeira e fui alimentar os animais. Depois


disso, guardei meus novos sutiãs e roupas de banho e comecei a trabalhar
na cozinha.

Eu não sei se mencionei que sabia cozinhar. Quando fiquei mais velha
em casa, tinha aprendido. Eu era muito boa. Acho que foi instinto de
sobrevivência. Vince e Delia geralmente comiam algo no Smitty’s ou trazia
para casa comida para viagem de um restaurante fast food. Eu tinha
crescido cansada de comer macarrão com queijo, sopa de tomate e comida
para viagem, então eu experimentei cozinhar. Eu sabia que era uma boa
cozinheira com base nos eventuais pedidos de Delia e Vince.

Esta foi a primeira vez que me encontrei querendo fazer algo de bom
para alguém no motel. Até este ponto eu tinha feito pequenas refeições para
mim mesma, algumas vezes, para Grizz. Ele nunca me pediu para cozinhar
para ele e ele vivia na maior parte de delivery de um dos muitos bares que
possuía. Eu dava a Moe uma lista de supermercado pequena e ela trazia o
básico a cada semana. Eu tinha vivido de cereal, queijo grelhado e
BLT’s[17]. Estava pronta para cozinhar novamente.

Então lá estava eu, no motel, preparando um macarrão e almôndegas


a partir do zero. Eu fiz tudo, exceto minha própria massa. Eu não tinha
inspecionado a cozinha de Grizz, então percebi tarde demais que não tinha
um escorredor para a massa. Achei Chowder e ele rapidamente me fez uma
peneira caseira com alguns restos de triagem. Era grosseira, mas
funcionou. Agradeci e disse que o jantar seria às sete.

Isso é como Grizz encontrou nós três. Moe e eu estávamos sentadas


no sofá. Chowder estava na cadeira. Estávamos segurando nossos pratos,
comendo e rindo de alguma coisa que Chowder tinha dito.

— O que cheira tão bem? — Grizz perguntou colocando alguns


papéis sobre a mesa.

— O melhor maldito espaguete e almôndegas que já comi, é o que


cheira tão bem. — Chowder respondeu.

— De onde? — perguntou Grizz.

Chowder agora estava com a boca cheia de comida e apontou para


mim com o garfo vazio.

Grizz olhou para mim. — Você pediu para alguém levá-la até o self-
service? Espero que você tenha guardado um pouco para mim.

— Eu que fiz. Moe me levou para fazer compras no


supermercado. Há muito. Sirva-se.
— Bom, porque eu estou morrendo de fome. — disse ele enquanto se
dirigia para a cozinha.

Chowder começou se levantar para deixar Grizz sentar, mas Grizz fez
sinal para trás indicado para mim e Moe darmos espaço. Abrimos um
espaço para ele no sofá. Nós quatro sentamos em um silêncio sociável e
apreciamos a refeição caseira.

Chowder e Moe finalmente voltaram para os seus quartos, e eu


comecei a lavar os pratos. Pensei ter ouvido Grizz mexer no aparelho de
som. Eu estava certa. Antes que percebesse, a voz sexy de Barry White
estava cantando. Grizz queria ouvir Barry White? Eu endureci por apenas
um segundo, em seguida, relaxei. Eu tinha as minhas mãos na água quente e
sabão e estava realmente curtindo a música quando senti Grizz vir atrás de
mim. Ele colocou os braços em volta da minha cintura e beijou suavemente
o lado do meu pescoço.

— Kit, eu não sei quanto tempo mais posso esperar por você,
querida. Eu tentei ser paciente. Te dar espaço. Só para você saber, eu não
sou assim.

Minhas mãos acalmaram. — Estou um pouco assustada, Grizz. Na


verdade, mais nervosa do que com medo. — inclinei a cabeça para ele, com
as mãos úmidas. — Sei que você tem experiência. Eu não tenho
nenhuma. Eu tenho medo que você tenha construído expectativas sobre
mim na sua cabeça e eu não consiga cumpri-las. Eu não quero desapontá-lo.

Até aquele momento eu nem sequer sabia a extensão dos meus


sentimentos. Mas reconheci que havia verdade no que eu disse.
Eu estava apaixonada por Grizz.

Eu ainda não consigo explicar a coisa com Grunt. Talvez não fosse
real. Talvez fosse tudo na minha cabeça por causa do sonho. Eu não
sabia. Não importava.

Porque enquanto falava, Grizz estava beijando meu pescoço e eu


estava me deixando levar. Fechei os olhos e me inclinei contra ele.

— Você nunca poderia me decepcionar baby e eu não quero que você


tenha experiência. Tudo o que você precisa saber, irá aprender apenas
comigo. — disse ele enquanto me virou e me beijou. — Apenas comigo.

Eu não era uma beijadora com prática também, mas eu fui capaz de
assumir sua liderança e beijá-lo de volta do jeito que ele queria. Eu estava
inclinada nele agora, e se o que estava pressionado contra o meu estômago
era uma indicação dos seus sentimentos por mim, então eu devo ter feito
algo certo.

— Eu vou bem devagar com você, baby. Eu prometo.

Eu estava inebriada com a emoção. Eu não pensei sobre Grunt. Eu


não pensei sobre Sarah Jo. Eu não pensei sobre o sequestro, Johnny
Tillman, o cara da cerca ou Moe. Eu estava perdida no homem que estava
me segurando e me beijando.

Eu o parei, segurei sua mão e o levei de volta para o quarto. Ele


estava certo.

Estava na hora.
Capítulo Vinte e Dois

Minha experiência com


Grizz foi melhor do que eu esperava. Ele foi gentil, carinhoso, paciente. Tão
diferente do homem que eu assistia liderar uma notória gangue de
motoqueiros.

O resto do verão passou sem intercorrências. Eu me inscrevi para o


mesmo curso por correspondência de ensino médio que Grunt. Eu caí em
uma rotina doméstica de cozinhar e limpar. Eu mimava os animais. Todas as
noites, depois do jantar, eu e Grizz jogávamos xadrez em um pequeno
conjunto que eu comprei em uma das minhas viagens de compras. Depois,
ele iria para o poço, enquanto eu lia, fazia a lição de casa ou praticava
minha guitarra.

Eu nunca perguntei ao Grizz sobre os seus negócios e ele nunca


ofereceu qualquer informação, qualquer uma. Eu raramente, ou nunca, ia
para o poço à noite, mas eu sabia que ele tinha que ir. Além de apenas
passar por lá, um monte de negócios era conduzido ao redor do
fogo. Sempre haviam pessoas indo e vindo.

Duas ou três vezes fui com Moe para pegar as correspondências em


Davie, e a cada vez nós fizemos a mesma parada sob a imensa árvore.

Acho que eu estava feliz, mas inquieta. Alguma coisa estava me


incomodando. Lutava com a minha fé. Havia uma séria culpa sobre fazer
sexo fora do casamento. Eu não percebi o quanto isso me incomodava até
uma noite em agosto.

Grizz e eu estávamos na cama e nos preparando para fazer amor. Ele


estava em cima de mim e me beijando. Ele lentamente começou a fazer o
seu caminho pelo meu corpo, provocando-me com sua língua e beijos
leves. Toda vez que ele abaixava, eu deslizava mais para baixo, fazendo
com que ele tivesse que descer seu corpo alguns centímetros a mais. Assim,
quando ele estava fazendo o seu caminho abaixo do meu umbigo, ele parou
o que estava fazendo e olhou para mim.

Eu estava apoiada no meu cotovelo, os olhos arregalados. Eu estava o


observando.

— Droga, Kit, o que você está tentando fazer?

— O que você quer dizer? Eu não estou fazendo nada. O que você
está fazendo?

— Eu estou tentando chegar à sua boc...

— Eh, pare com isso! Não diga isso. Eu odeio essa palavra. É tão
vulgar. Apenas não diga, por favor.

— Kit, eu estou deitado aqui com a minha bunda pendurada na borda


da cama. Importa-se de me dizer por que você não vai me deixar ir lá
embaixo?

— É muito pessoal.
Ele olhou para mim estranhamente e começou a rastejar até me
enfrentar. — O que quer dizer com muito pessoal?

— Olha, eu só acho que você ter o seu rosto na minha... minha... —


eu poderia dizer que ele estava se preparando para terminar a minha
frase. — Não diga isso!

Com minha mão direita eu distraidamente brinquei com o brinco na


sua orelha esquerda e continuei: — Ter o seu rosto lá é a coisa mais pessoal
que eu posso pensar entre um homem e uma mulher. Mesmo a relação
sexual não parece tão íntima comparada a isso.

Aí está, eu finalmente disse.

Eu tinha evitado sexo oral com ele desde aquela primeira noite, após
o jantar de espaguete. Isso nunca foi um problema. Ele foi fiel à sua palavra
sobre levar as coisas devagar comigo, e ele nunca me pressionou. Quando
eu pensava que ele poderia tentar algo assim, eu propositadamente o
distraía. Quando eu estava no meu período e pensava que ele poderia querer
sexo oral, eu o evitava. Eu acho que foi um milagre mantê-lo afastado tanto
tempo. Eu era muito boa em fornecer distrações. Eu nunca entendi
totalmente a razão até este momento. Eu fiz o meu melhor para explicar.

— Olha, Grizz. Graças ao Grunt, eu nunca serei uma virgem na


minha noite de núpcias.

Ele me interrompeu antes que eu pudesse continuar: — Kit, eu nunca


te disse como me sinto sobre isso. Eu nunca deveria ter pedido ao Grunt
para fazer aquilo com você. Eu não estava pensando direito. Sabe, eu sou
maior do que aquele maldito cassetete. Eu pensei que iria machucá-la
menos e eu não queria machucá-la nem um pouco. É por isso que eu deixei
Grunt cuidar disso. Eu nunca me importei com uma mulher antes.

Ele olhou para longe de mim, então, e eu percebi o quanto lhe custou
dizer isso. Essa foi a primeira e última vez que ouvi Grizz expressar
arrependimento por algo.

— Não é onde eu quero chegar. — eu disse, as bochechas


ruborizadas. — O que eu estou tentando dizer é que eu preciso salvar algo
de mim para quando eu finalmente me casar um dia. Tem que haver algo
que eu possa dar ao meu futuro marido que é só dele. Isso faz sentido?

Eu olhei para ele suplicante e ele não disse nada. Uma emoção
apareceu em seu rosto que eu não tinha visto ainda. Eu era incapaz de lê-
lo. Ele deixou sua testa cair para que descansasse na minha. Eu passei meus
braços em torno das suas costas e comecei a beijá-lo.

Fizemos amor naquela noite e eu adormeci grata que ele não


pressionou a questão.

Eu pensei que o assunto tinha morrido, até dois dias depois. Ele me
disse que ia me levar a um lugar especial e para me vestir bem.

Eu não tinha nenhuma roupa, então eu usei um vestido de verão


agradável e sandálias. Ele usava jeans novos e uma camisa. Entramos em
seu Corvette e nos dirigimos para a praia. Eu o importunei todo o
caminho. O que íamos fazer? Por que a surpresa?

Eu fiquei um pouco decepcionada quando chegamos em frente ao


estúdio de tatuagem do Eddie. Eu disse a ele que eu não me importava de
esperar no carro, mas ele disse para entrar. Seu negócio aqui tinha a ver
comigo.

Tinha a ver comigo, tudo bem. Aparentemente, Eddie também era um


ministro ordenado.

Naquele dia eu me tornei a Sra. Richard David O'Connell. Eu estava


há seis meses do meu aniversário de dezesseis anos.
Capítulo Vinte e Três

Havia dois clientes na loja


que serviram como testemunhas. Ann Marie Morgan tinha dezoito anos e
não precisava de autorização dos pais para se casar. Eu fiquei tão chocada
que nem me lembro da cerimônia.

Lembro-me dizer-lhe que eu não tinha um anel para ele, e ele me


disse para não me preocupar, estava sendo arranjado. Eu assisti
nervosamente enquanto Eddie usava sua caneta de tatuar para criar uma
bela aliança de casamento de tinta no dedo anelar esquerdo de Grizz. Era o
meu nome, Kit, e tinham videiras entrelaçadas dentro e fora dela. Em
seguida, foi a minha vez.

— Eu não posso, Grizz. — foi tudo o que eu pude dizer.

— O que quer dizer com você não pode?

— Eu não posso. — minha voz tremeu. — Eu odeio agulhas. Eu


desmaiei quando furei minhas orelhas. Duas vezes! Delia fez cada um com
um cubo de gelo e uma agulha de costura, e eu desmaiei depois de cada um.

Eddie interrompeu. — Não é tão ruim assim, Kit. Que tal eu desenhá-
la primeiro e vamos ver se você gosta dela? Hein? Que tal isso? — ele
perguntou enquanto segurava uma caneta de tinta. — Seu dedo é tão
pequeno que não vai precisar de um monte de tinta.
Eu relutantemente me sentei. Grizz segurou minha mão direita e me
disse que não seria tão ruim.

Fiel à sua palavra, Eddie usou uma caneta de tinta com uma ponta
muito fina para começar a desenhar o nome de Grizz no meu dedo. Ele
estava falando comigo enquanto fazia isso, tentando aliviar a minha
ansiedade.

— Então nós vamos aqui e fazer a parte inferior deste 'z' como uma
videira, para coincidir com o dedo de Grizz e, em seguida nós vamos...

Eu não ouvi o resto. Eu desmaiei. Quando eu acordei, Grizz estava


em cima de mim com um grande sorriso.

— Não sentiu nada, não é?

Eu estava tão humilhada. Eu desmaiei antes mesmo de usarem uma


agulha. Deve ter sido a primeira vez. Fiquei desmaiada durante todo o
processo de tatuagem. Eu sei que estava vermelha como uma beterraba e só
queria mergulhar em um buraco.

— Vamos lá, Sra. O'Connell, vamos para casa.

Paramos em um muito bom restaurante italiano no caminho de


casa. Ele me provocou o tempo todo sobre o desmaio. Eu finalmente vi o
humor nisso e ri de mim.

— Eu só não entendo. — eu disse a ele enquanto esperávamos pelo


nosso jantar.
— O que, baby? O que você não entende? — ele me perguntou
enquanto passava manteiga no pãozinho.

— Por que eu? É óbvio que você pode ter qualquer mulher que você
queira. Por que você me quer, Grizz? Sinceramente. Por quê?

Ele ficou muito quieto e colocou o pão, agora com manteiga, de volta
no prato. Eu não achei que ele fosse me responder. Eu não conseguia
entender a profundidade dos sentimentos dele por mim. Eu não tinha feito
nada para chamar a atenção para mim quando eu morava ao lado de
Guido. Simplesmente não fazia sentido.

Perguntei novamente: — Por que eu? Quer dizer, eu disse que estou
desconfortável fazendo sexo oral e você se casa comigo. Quem faz isso?

Foi então que Grizz me contou uma história. Sentei-me em silêncio


atordoada quando ele me contou sobre um motoqueiro solitário e uma
menina, negligenciada com um rabo de cavalo desleixado e dois dentes
faltando na frente.

Eu não entendi completamente, mas sim. Agora fazia algum sentido.

____________

Quando voltamos para o motel havia uma multidão maior do que o


normal em torno do poço. Comecei a caminhar para o número quatro, mas
Grizz disse-me para ficar com ele por alguns minutos.
Enquanto estávamos de frente para o grupo, ele disse: — Eu tenho um
anúncio a fazer.

Só então, Grunt saiu do seu quarto e se aproximou de nós. Ele estava


de pé, à direita de Grizz, esperando o anúncio.

— Eu acabei de oficializar. Conheçam a nova Sra. Grizz.

Quando ele disse isso, Grizz levantou a minha mão esquerda


mostrando minha tatuagem em forma de anel com o nome dele. Era tão
pequeno e difícil de ver que algumas pessoas se levantaram e vieram para
olhar mais de perto. Fiquei impressionada com o falatório e a gritaria e
olhei para Grizz para que ele soubesse que eu estava farta e ia voltar para o
número quatro. Ele acenou para eu ir.

Virei-me para caminhar em direção ao nosso quarto quando vi Grunt


de pé em sua porta. Agora que eu pensei sobre isso, ele não foi uma das
pessoas que vieram até nós para felicitar. Eu mudei de direção e comecei a
caminhar em direção a ele. Eu não sei por que, mas eu senti a necessidade
de explicar isso para ele. Eu estava olhando para baixo e tentando descobrir
o que eu ia dizer e me perguntando por que eu sentia que precisava dizer
alguma coisa. Eu tinha quase chegado à sua porta.

Mas quando eu olhei para cima, ele tinha ido embora.

____________
Eu bati na porta de Grunt e entrei quando ele gritou: — Está aberta.
— ele estava parado perto do som folheando os discos.

— Ei. — eu disse.

— Ei. — sua voz era casual, ilegível.

Eu tomei uma respiração, dizendo abruptamente: — Grunt, eu não sei


por que, mas eu sinto que eu te devo uma explicação sobre Grizz e eu.

— Não, você não deve, Kit. — Grunt balançou a cabeça. — Você não
me deve nada.

— Bem, então por que sinto que devo?

— Não sei. Talvez por causa do nosso segredo?

— Talvez seja isso. Eu não sei. Foi uma surpresa, você sabe? Ele não
me disse onde estava me levando. Eu não sei por que isso me incomoda,
mas você está bem com isso?

— Sim e não.

Eu dei-lhe um olhar, insistindo para ele continuar.

— Eu não sei por que ele tinha que casar com você. Você é muito
jovem. Mas, não é só isso. Estou preocupado com a sua segurança.

Comecei a interromper, mas ele levantou uma mão para me


impedir. — Grizz tem um monte de inimigos, Kit. Sim, ele também tem um
monte de pessoas que têm medo dele, que fazem o que ele diz para
fazer. Mas há sempre essas pessoas lá fora, à procura de uma maneira de
chegar até ele. Ao anunciar seu casamento com você, ele abriu isso. Isso vai
se espalhar, sabe? As pessoas vão saber que ele se importou o suficiente
com uma mulher para casar com ela. Eu só estou surpreso que ele
anunciou. Estou preocupado com você, é tudo.

Eu não sabia o que dizer. Ele não disse que ele estava chateado
porque eu me casei com Grizz, tornando-me, assim, indisponível para
ele. O que no mundo havia de errado comigo? Eu tinha estado na cama de
Grizz há meses. Eu disse a mim mesma que Grunt estava com Sarah Jo, e se
eu nutria qualquer tipo de sentimento por ele, eu precisava esmagá-
lo. Então, de onde isto estava vindo?

— Eu aprecio a preocupação. Eu realmente aprecio. Eu não sei se faz


diferença ou não, Grunt, mas eu me sinto segura com Grizz.

— Apenas faça-me um favor, Kit. Fique atenta. Nunca baixe a


guarda. Você nunca sabe, com este tipo de vida, o que pode vir bater à sua
porta.

— Eu vou. Obrigada.

Nós dois nos movemos para um abraço. Pareceu que durou um pouco
mais do que deveria. Eu olhei para cima e ele estava olhando para
mim. Ficamos ali, por alguns segundos, mas pareceram horas. Ele se
afastou primeiro e voltou para o seu aparelho de som. Saí e voltei para o
número quatro.
Capítulo Vinte e Quatro

Ação de Graças estava se


aproximando, e eu percebi que nunca me sentei para um jantar tradicional
de Ação de Graças com peru e todos os acompanhamentos.

Grizz estava sentado em sua mesa lendo alguns papéis, e eu sentada


na poltrona, consertando uma costura rasgada em uma das minhas
blusas. Devíamos parecer para quem olhava, como num anúncio de casal na
sua felicidade doméstica. Verdade seja dita, eu realmente estava feliz. Eu
estava ao redor de uma nova receita para cozinhar meu primeiro peru
quando Grizz anunciou: — Não será aqui. Você pode ir para a casa do Blue
com Grunt.

— Isso quer dizer que você não estará aqui? Por que não?

— Não. Negócios. — ele se virou para olhar para mim e descansou o


braço na parte superior da cadeira. — Desculpe Kitten, eu tenho que ir e
não posso levá-la comigo. Jan sempre faz um grande jantar a cada
ano. Você irá gostar.

— Ugh. Realmente? Jantar com Jan? Eu acho que não. — eu sabia


que minha decepção estava evidente.

— Olha, ela importunando Blue por meses tentando fazer com que
você volte lá. Eu já disse como ela fica. Ela está tão cheia de remorso sobre
a forma como te tratou que provavelmente irá estender um tapete vermelho
e estar no seu melhor comportamento para voltar às boas com você. Você
realmente deveria ir. Moe e Chowder vão todos os anos.

— De jeito nenhum. Prefiro ficar aqui sozinha do que ir para aquela


casa novamente. Não. Eu definitivamente não vou.

Eu fui. Grunt me persuadiu a ir, dizendo como precisava de mim para


lhe dar apoio moral. Ele odiava ir à casa do seu irmão, mas a verdade era
que ele amava as crianças, e Jan sempre estava em seu melhor
comportamento quando ele estava lá.

Eu estava na porta de Moe batendo para verificar se ela estava


pronta. Chowder já tinha saído. Ele foi convidado para a casa de Chicky e
disse que não queria ferir seus sentimentos. Eu me perguntava se isso era
verdade.

Moe abriu a porta e me deixou entrar em seu quarto. Eu nunca entrei


completamente no quarto de Moe antes. Eu estava atordoada. As paredes
estavam cobertas com belos desenhos de cavalos. Notei um cavalo marrom
particularmente familiar.

— Uau. Moe, você desenhou estes?

Ela balbuciou “sim” e sorriu para mim.

— Eu não sabia que você era uma artista tão talentosa. Estes são
lindos. Posso pegar um para pendurar no quarto número quatro?

Seu sorriso aumentou e ela fez um gesto com a mão para eu escolher
um. Eu decidi por um com o cavalo marrom pastando debaixo de uma
árvore familiar.

— Obrigada. Eu vou deixá-lo aqui, no entanto, até voltarmos do


jantar. Pronta para ir?

Ela balançou a cabeça “não”.

— Não? O que quer dizer com não? Você tem que vir. Você não pode
me deixar enfrentar Jan sozinha.

Ela deu de ombros e murmurou: — Desculpe.

— Eu não posso acreditar que você não vai. Você me deve um grande
momento por isso. — eu brinquei.

Ela sorriu para mim e me acompanhou até a porta. Eu disse que iria
lhe trazer um prato de comida e ela me fez um sinal de positivo.

Encontrei Grunt em seu carro. Expliquei que Moe não iria e eu não
sabia o porquê.

— Nada demais. — disse ele. — Você nunca sabe com ela. Parece
que é só você e eu. Pronta?

— Pronta, como sempre estarei.

Nós fomos para Pembroke Pines e percebi que não estive sozinha
com Grunt desde o dia que e eu e Grizz nos casamos. Não foi estranho de
jeito nenhum, e caímos em uma conversa fácil. Ele me contou sobre seus
cursos universitários e eu disse como estava indo com o meu curso de
ensino médio por correspondência. Eu nunca perguntei sobre Sarah Jo, e ele
nunca me ofereceu qualquer informação sobre ela, também.
Fomos recebidos na porta por Timmy e Kevin pulando para cima e
para baixo e gritando: — Tio Grunt, tio Grunt, me pega, me pega! — eles se
lembraram de mim, e foram logo me agarrando para abraços e beijos.

Assim como Grizz me disse, Jan foi mais do que acolhedora e


agradável. Ela alvoroçou em torno de mim como se eu fosse sua irmã há
muito tempo perdida. Deixei-me desfrutar da camaradagem, mas não
cheguei muito perto. Eu ainda tinha reservas sobre a sinceridade dela. Eu
até tomei alguns goles de vinho no jantar e senti-me soltar um pouco. Eu
nunca tinha bebido álcool antes e estava sentindo um zumbido
confortável. Jan e eu estávamos na cozinha fazendo a limpeza.

— Kit, eu estive esperando por tanto tempo para te dizer o quanto


lamento sobre a última vez que você esteve aqui.

— Está tudo bem, Jan. Não se preocupe com isso. — disse enquanto
raspava os restos de comida no lixo.

— Não. Não está tudo bem. Eu sei que você deve ter ouvido o porquê
que às vezes, faço as coisas que faço. Quando você esteve aqui, eu pensei
que poderia estar grávida, então tinha parado de tomar meus remédios. Você
teve o pior de tudo. Eu realmente sinto muito. Se houver alguma coisa que
possa fazer para me redimir com você, por favor, diga. Eu realmente
gostaria que fôssemos amigas.

Hmm. Eu pensei sobre isso um minuto. — Sim, na verdade, há algo


que você pode fazer. — disse.

— Qualquer coisa. Diga.

— Conte-me sobre Moe.


___________

Moe foi criada em Davie. Seu padrasto se casou com sua mãe,
quando Moe tinha cerca de 10 anos de idade, ele era rico e ansioso para
mimar sua nova enteada. Isso explicava o dinheiro exorbitante da
recompensa. A mãe de Moe trabalhava para alguma grande companhia
aérea na ocasião, e, embora ela tivesse uma boa vida, não foi capaz de parar
seu trabalho e ser uma dona de casa e mãe para Moe. Ela teve mais três
filhos com o padrasto de Moe. Todas meninas.

Moe tinha sido o centro de toda a atenção durante cerca de quatro


anos, antes da sua primeira meia-irmã nascer. Ela tinha quatorze anos e se
rebelou completamente. Rapidamente começou a circular com um grupo,
usar drogas e dormir em qualquer lugar. Ela perdeu o interesse em seus
amados cavalos. Ela ganhou um carro novinho em folha no seu décimo
sexto aniversário, que acabou em um lago. Dois meses depois do seu
décimo sexto aniversário, ela abandonou a escola. Acabou sendo pega pela
polícia por furto.

Seus pais não conseguiam entender o que estava acontecendo. Por


que ela precisava roubar quando davam tudo a ela?

Jan não poderia comentar sobre o porquê a vida de Moe saiu do


controle. Foi apenas uma daquelas coisas. Ela tecnicamente ainda vivia em
casa quando tinha vinte anos, embora a maioria das vezes ela nunca
estivesse por perto. Ela dormia em sofás de amigos e só aparecia em casa
para pedir dinheiro emprestado. Quando seus pais finalmente cortaram, ela
entrava em sua própria casa para roubar. Eu ainda estava curiosa para saber
como ela entrou em contato com a gangue.

De acordo com Jan, Moe foi pega por um dos membros. Jan achava
que seu nome era Chip. Ele não estava mais por perto. Ela frequentava um
dos bares locais da gangue, realizando favores sexuais em troca de
drogas. Chip a trouxe para o motel e a compartilhou com os caras. Olhei
para Jan. Ela sabia o que eu estava pensando.

— Sim, eu tenho certeza que Grizz e Blue ficaram com ela. — disse.

Jan passou a explicar que Moe era praticamente a prostituta do


motel. Havia outras mulheres que iam e vinham, mas Moe era um elemento
permanente.

Não pude conter minha curiosidade por mais tempo. — Por que Grizz
cortou a língua dela? — eu tinha que saber.

— Aparentemente, Moe tinha uma boca realmente esperta. — disse


Jan calmamente. — Ela nunca superou deixar de ser a princesa mimada e
estava constantemente se gabando sobre não ter que viver no motel como
uma prostituta. Sua família era rica e ela poderia ir para casa a qualquer
momento que quisesse. Havia apenas um problema nisso tudo. Ela não era
confiável. Ela estava no motel e ouvia muitos segredos
trocados. Testemunhou demais. Ninguém realmente a levava a sério, mas
ainda era muito arriscado.

Jan disse que Moe era constantemente ridicularizada e abusada por


alguns dos frequentadores. E como é que alguém lida com o abuso? Neste
caso, Moe virou sua frustração sobre a única outra pessoa que percebeu ser
mais fraca do que ela: Grunt. Ele tinha apenas dez ou onze anos.

Blue tinha acabado de conhecer Jan e não ficava muito no motel,


então Grizz tinha mantido Grunt sob sua asa. Não estava exatamente claro,
mas Jan tinha certeza de que, enquanto Moe nunca tinha ferido fisicamente
Grunt, ela era desprezível com ele. Onde os outros brincavam com carinho
sobre seu tamanho, ela era cruel e começou a lhe dar ordens. Ela o tratava
como um escravo, fazendo-o esperar por ela e fazer suas tarefas. Ela tinha
muito cuidado para não fazer quando Blue ou Grizz estavam ao redor.

Mas o que Moe não contava era que Grizz sabia tudo o que estava
acontecendo. Foram apenas algumas semanas depois, que Moe começou a
implicar com Grunt que aconteceu.

Mais tarde Grizz mandou Blue chamar Moe em seu quarto para o
sexo. Ela estava sempre disposta a acomodar Grizz. Jan acha que ela estava
secretamente apaixonada por ele. Quando chegaram ao quarto, Grizz abriu
seu jeans e disse-lhe para se ajoelhar. Ela ficou ofendida por ele não querer
ter relação sexual com ela. Ele só queria um boquete. Ela fez um
comentário maldoso sobre “boquetes ser o trabalho do nanico”. Ela
provavelmente pensou que estava sendo atraente e engraçada, mas Grizz
estourou.

Fiquei chocada. Eu não podia comparar a mansa e humilde Moe, com


a garota bombástica, desagradável e mal-humorada que Jan estava me
contando. Eu podia ver porque Grizz ficou bravo com o comentário, mas
cortar sua língua?

— Isso apenas não a deixou com mais ódio e ressentimento de Grunt?


— Você poderia pensar que sim. — respondeu Jan. — Mas as coisas
nem sempre saem da maneira como você acha que elas podem.

— O que você quer dizer?

— Bem, Grizz a deixou no quarto, sangrando e chorando


histericamente. Ninguém realmente se importou que ela estivesse
ferida. Que estava mutilada. Bem, exceto uma pessoa.

— Quem? — mas eu já sabia antes que ela dissesse.

— Grunt. Ele cuidou dela, ajudando-a a curar sozinho. Ele era apenas
um garoto, e ele nunca deixou seu lado. Mesmo depois dela ter sido tão
cruel com ele.

Eu podia ver Grunt cuidando de Moe trazendo de volta sua saúde. Eu


tinha o visto mais de uma vez no motel costurar alguém que tinha estado
em uma briga. Eu sabia que Grizz tinha um médico em sua folha de
pagamento, o médico percebeu que Grunt tinha interesse quando,
ocasionalmente, vinha para o motel prestar cuidados médicos. Ele mostrou
ao Grunt como lidar com algumas lesões básicas e deixou suprimentos
médicos para ele usar. Grunt era inteligente. Ele certamente poderia ter ido
para a faculdade de medicina.

Eu entendi imediatamente o raciocínio por trás da insistência de Grizz


em pedir ao Grunt que fosse ele a tirar minha virgindade naquela noite. Ele
viu em Grunt a pessoa que cuidaria e faria o possível para não me
machucar. Eu ainda me questionava, porém, que Grunt fosse a mesma
pessoa que pregou um homem a uma cerca.
Eu voltei ao presente para minha conversa com Jan, eu sentia que
havia uma ligação especial entre Grunt e Moe, mas não sabia o que
era. Sendo honesta, eu pensei que poderia ter sido algo sexual, mas eu
estava errada. Era tão estranho pensar que o seu comentário sobre Grunt foi
o que causou sua mutilação. Ela poderia ter justificado seu ódio ainda mais
intenso a ele depois disso. No entanto, o simples ato de carinho e
preocupação de uma criança mudou tudo.

Fiquei comovida.

Eu estava pensando sobre isso e observava Grunt quando ele nos


levou para casa. Eu tinha um prato descartável cheio de comida embrulhada
em papel alumínio para Moe no meu colo. Eu estava me sentindo leve e um
pouco tonta do vinho e tinha minha cabeça encostada no assento, mas de
frente para Grunt.

Paramos em um sinal fechado e ele olhou para mim. Eu levantei


minha mão e acariciei sua bochecha. — Você é uma pessoa tão boa,
Grunt. Eu estou contente que foi você.

Ele olhou para mim como se estivesse confuso e então percebeu que
eu estava falando sobre a noite em que ele me drogou em seu quarto. Ele
pegou minha mão e beijou.

— Estou feliz por ter sido eu também, Kit.

Estávamos perdidos no momento, e a realidade do que estava


acontecendo me bateu. Eu puxei minha mão e sentei.

— Eu espero não ter causado um problema com você e Sarah Jo. —


eu disse em voz baixa. — Quer dizer, estou supondo que ela não saiba, e eu
não sei se você se sentiu culpado por traí-la assim. Sabe? Sinto muito se
você sente.

Ele não disse nada de imediato, mas olhou para frente e começou a
dirigir.

— Sarah Jo não é minha namorada, Kit.

Isso chamou a minha atenção e eu olhei para ele. — O que? O que


quer dizer com ela não é sua namorada? Eu vi vocês dois juntos. Vocês com
certeza pareciam um casal para mim.

— Bem, nós não somos. Nós somos melhores amigos a um longo


tempo. Fess não gostava de levá-la por lá, mas ele gostava de mim e me
levava para casa com ele de vez em quando. Ela tem dois irmãos mais
novos também. Eles perderam a mãe um ou dois anos antes. Câncer de
mama.

Eu estava atordoada. — Pare. Encoste aqui, Grunt. Eu quero falar


com você e quero a sua atenção.

Ele fez o que pedi e fez uma curva à direita, na Griffin Road. Não
havia nada além de laranjais lá fora nos anos setenta, e ele facilmente
estacionou em uma das fileiras.

Ele desligou o motor e se virou para mim. — Ela não é minha


namorada, mas ela é muito especial para mim.

— Você sempre age carinhosamente com alguém que não é sua


namorada? — nas poucas ocasiões em que eu os tinha visto, eles estavam
de mãos dadas ou tinham seus braços em torno um do outro, mas agora que
pensava sobre isso, nunca os vi se beijando.

— Jo e eu somos afetuosos um com o outro, mas não há nada entre


nós. Ela tem o mesmo namorado do colégio há dois anos. Stephen alguma
coisa.

— Você sabe que eu pensei que vocês fossem um casal,


certo? Grunt. Responda-me. Você queria que eu achasse que vocês eram um
casal, não é?

Ele não disse nada, apenas olhou para o seu colo.

— Foi melhor assim, você não acha? — ele sussurrou.

Eu não podia acreditar, o que eu estava ouvindo? Grunt tem


sentimentos por mim e estava tentando escondê-los? Ele sabia que eu tinha
sentimentos por ele no verão e propositadamente trouxe Sarah Jo ao motel?

Toquei seu rosto, em seguida, o virei na minha direção. Nós


estávamos olhando um para o outro. Eu queria tanto beijá-lo, mas não podia
trair Grizz. Eu não sabia o que fazer. Minha mente estava
cambaleando. Lembrei-me o quanto tinha tentado ficar perto de Grunt após
esse sonho. Foi quando Sarah Jo apareceu. Ele fez isso de propósito para
me dissuadir?

— O que é isso, Grunt? — lágrimas picavam meus olhos.

— Não importa. — sua voz estava oca. — Nunca pode acontecer, e


nós dois sabemos disso.
Eu não podia deixar passar. — Se pudesse acontecer, você iria
querer? Você iria me quer?

— Kit, eu quis você desde a primeira noite que eu a vi. Você sentou lá
naquela noite no poço, tão valente e tão bonita naqueles jeans e camisa
florida. Eu ia cuidar de você. Eu não sabia o que Monster ia fazer com
você, mas eu teria ido contra ele por você. Isso foi antes de saber que ele a
trouxe para Grizz.

Lembrei-me daquela noite vividamente. Lembrei-me da sensação de


estar sendo observada. Lembrei-me imediatamente na manhã depois que
perdi minha virgindade. Quando fui até o quarto de Grunt pedir-lhe para
sair do motel. Ele me perguntou o que eu estava usando naquela primeira
noite, então não usasse enquanto estivesse fora com ele. Que eu poderia ser
reconhecida. Agora soube que foi uma encenação. Ele sabia exatamente o
que eu estava vestindo na primeira noite que cheguei ao motel.

Minha mente estava tumultuada. Eu não sabia o que dizer.

Eu não tive que dizer nada. O encanto foi quebrado quando ele ligou
o carro. O motor alto me trouxe de volta à realidade, e nós dois sem mais
nenhuma palavra dirigimos de volta para o motel.
Capítulo Vinte e Cinco

Aquela noite, nunca foi


discutida novamente. Nós voltamos para nossas rotinas normais, como se
nunca tivesse acontecido - sem olhares secretos ou olhares roubados. O
mesmo pensamento deve ter nos acometido: nunca aconteceu. Não poderia
acontecer. E foi apagado da memória.

Havia uma coisa positiva que veio dessa conversa, embora - Sarah
Jo. Saber que ela não estava envolvida romanticamente com Grunt abriu um
caminho que eu quis explorar: a amizade. Eu estava começando amar Moe
cada vez mais, mas honestamente, a comunicação era difícil. Grizz e Grunt
eram homens. A coisa com Jan foi um desastre. Eu queria uma amiga.

Pedi ao Grunt o número de telefone dela. Grunt e eu voltamos a ficar


confortáveis em torno um do outro como quando estávamos indo para a
ação de graças de Blue. Eu fiz o primeiro contato com Sarah Jo e a química
foi instantânea.

Não começou fácil, porém. O pai dela resistiu à nossa amizade em um


primeiro momento. Acho que Fess estava desconfortável com ela sendo
amiga da mulher menor de idade de um líder de gangue notória. E quem
poderia culpá-lo?

Seu pai não era o criminoso endurecido que se espera encontrar em


uma gangue de motoqueiros. Na verdade, ele caiu por acidente. O apelido
de Fess era abreviação para Professor. Ele ensinou em uma faculdade
local. Naquela época, ele estava construindo sua carreira docente, três filhos
pequenos e uma mulher morrendo. Foi demais para ele.

Três meses depois que sua esposa morreu, ele foi abordado pelo pai
de um dos seus alunos. O estudante estava deixando a desejar em sua
classe, o que o teria impedido de se formar.

Fess não teve que ser subornado. Ele se sentiu como se tivesse
deixado seus alunos, por não estar lá para eles durante a doença e morte da
sua esposa. Ele disse ao pai para não se preocupasse; seu filho passaria.

Aconteceu daquele pai ser um detetive de narcóticos. Ele disse ao


Fess que iria recompensá-lo, não importava o que. Se alguma vez Fess
precisasse de um favor, sem importar o que fosse, ele seria seu
homem. Fess teve a nítida impressão de que quando ele disse que não
importava o que fosse, ele falou sério.

Menos de um mês depois, Fess estava afogando suas mágoas em um


bar e encontrou com um poderoso jovem líder de gangue de
motoqueiros. Grizz.

Fess não estava apenas sentindo falta da sua esposa, tentando cuidar
dos três filhos pequenos e manter um emprego, mas ele estava muito
endividado. A doença da sua esposa durou muito tempo, e mesmo o seguro
que possuía através do seu trabalho, não foi suficiente para todo o cuidado
que ela necessitava. Ele precisava de dinheiro. Ele estava prestes a perder
sua casa.
Foi assim que tudo começou. Rede de informantes internos de
Grizz. Fess pediu esse favor e o pai ficou muito feliz em ajudar. Grizz
pagava bem. É isso que Fess fazia. Ele mantinha uma lista de informantes
para Grizz e outras pessoas que trabalhavam para ele em outras
funções. Fess mantinha registros de quem fez o que e quanto eles foram
pagos. Ele nunca passou dinheiro. Ele nunca fez contato. Ele nunca usou
seu nome real. Nunca houve nada para amarrá-lo ao Grizz.

Ele finalmente comprou uma Harley e de vez em quando aparecia no


motel, mas ele nunca usava a jaqueta. A única razão pela qual Sarah Jo era
amiga de Grunt é porque Fess sentiu pena do menino no motel. Mais tarde,
ele se tornou extremamente afeiçoado ao Grunt. Grunt tinha potencial e
Fess viu isso.

Sarah Jo confidenciou-me que Fess visitava Moe regularmente em


seu quarto quando ele estava lá. Jo sabia o quanto ele sentia falta da sua
mãe, e ele era apenas humano. Ela achava possível que seu pai tivesse
sentimentos por Moe. Mas se eles se preocupavam um com o outro, eles
escondiam bem do resto de nós. Sarah Jo me disse que realmente me
reconheceu quando me conheceu. Mas, é claro, ela sabia que não devia
dizer nada. Ela frequentou a minha escola rival, Fort Lauderdale High
School. Minha escola, Stranahan, e sua escola tinham sido arqui-inimigas
desde que eu conseguia lembrar. Mas ela tinha muitos amigos na Stranahan
que sabiam sobre mim: a estudante de honra que tinha
desaparecido. Supunha-se que eu tinha fugido.

Ela me contou tudo sobre seu namorado, Stephen. Ela estava com ele
há dois anos e atualmente estava dividida entre seu amor por ele e o
interesse que um novo garoto estava mostrando por ela.
Nossa amizade foi difícil para nós no começo por causa das minhas
limitações sobre onde eu poderia ir, e nós não tínhamos uma carteira de
motorista. Tínhamos que depender de Grunt, Moe, Grizz, Fess ou quem
quer que estivesse disponível a nos dar uma carona para um filme
ocasional, a praia ou um shopping afastado.

Ainda assim, apesar dos obstáculos, a amizade floresceu. Ela foi


minha dama de honra quando me casei com meu marido. Eu fui a dela
quando ela se casou com seu marido. Ela estava lá quando eu dei à luz aos
meus dois filhos. Eu estava lá quando ela teve seus três filhos. Ela estava
me esperando do lado de fora da sala de exibição de execução no dia que
Grizz morreu.

Ela era e é, até hoje, uma das minhas melhores amigas.

____________

Ação de Graças tinha ido e vindo. Agora faltavam apenas duas


semanas para o Natal. Eu tinha conseguido fazer compras algumas vezes
com Sarah Jo. Eu tinha um bom presente de Natal planejado para Grizz,
mas que levaria algum tempo. Eu disse a ele que me atrasaria. Acho que ele
achava que era algo que eu estava fazendo para ele, pois eu não tinha
dinheiro e não tocaria no seu dinheiro para comprar-lhe um presente. Ele
estava mais preocupado com um presente para mim.

Uma noite, eu estava sentada de pernas cruzadas na cama fazendo


lição de casa. Grizz, que tinha acabado de sair do banho e estava se
secando, esteve me importunando sobre o que eu queria para o Natal. Eu
dizia para ele que eu não precisava de nada; eu tinha tudo o que poderia
precisar ou querer.

— Deve haver alguma coisa, Kit. Tudo que você quiser. — disse ele,
uma toalha branca enrolada na cintura quando ele atravessou o quarto e
sentou-se na cama ao meu lado, seu corpo ainda úmido. — Qualquer
coisa. É seu. Eu não me importo quanto custa. Eu não me importo se é algo
que você acha que é difícil encontrar. Qualquer coisa, baby. Qualquer coisa.

Fechei o livro, tocando seu braço levemente. — Realmente


Grizz. Estou falando sério. Não há nada.

Ele empurrou meus livros fora do caminho e me colocou suavemente


de volta na cama. Em seguida, em um movimento rápido, ele montou em
mim e levou seu rosto para perto do meu. — Tudo bem. — disse ele,
sorrindo para mim e beijando minha testa suavemente. — Que tal uma
viagem? Podemos ter uma casa no Keys por algumas semanas. Apenas nós
dois.

Eu olhei para ele e sorri, passei os braços em volta do pescoço e o


beijei. E depois de alguns segundos, algo me ocorreu: algo que eu estava
querendo fazer.

— Você sabe, sim, há algum lugar que você poderia me levar.

— Diga, baby. Eddie pode fazer seu passaporte. Nós poderíamos ir


para o México, Paris, qualquer lugar. Diga.

— Eu quero ir à igreja.
Por mais difícil que seja acreditar, eu sentia falta da igreja mais do
que da minha casa. Eu contei com a minha fé para a sobrevivência com uma
idade muito jovem. Eu sentia falta do sentimento e sensação de paz que eu
tinha quando estava lá - o conhecimento que eu era amada
incondicionalmente, que eu não tinha que fazer nada para ganhar esse
amor. Eu não era obrigada a cozinhar ou pagar as contas. Eu era obrigada a
fazer apenas uma coisa: aceitar Jesus Cristo como meu Senhor e
Salvador. Eu fiz isso quando eu tinha nove anos de idade.

Grizz coçou o queixo e se sentou. — Eu estava me perguntando


quando você me pediria isso.

Olhei para ele interrogativamente.

— Eu sei que você ia para a igreja todos os domingos.

É claro que ele sabe.

— Kit, eu não posso levá-la para sua igreja. Eu nem acho que seria
uma boa ideia levá-la a qualquer igreja nesta costa.

Anos mais tarde, descobri que as conexões de Grizz lhe tinham dito
que a minha igreja e uma freira, em particular, tinha pressionado os
investigadores a me procurar. Irmã Mary Katherine tinha tomado um
interesse especial em mim. Ela estava preocupada com a jovem que assistia
a missa todos os domingos sozinha. Ela se tornou minha amiga e minha
confidente. Eu sentia falta dela mais do que de Delia.

Quando eu me permiti pensar sobre isso, eu não sentia nenhuma falta


Delia. Eu só sentia falta da familiaridade de uma casa. Eu sabia o que
esperar naquela casa. Viver no motel era assustador porque era cheio de
incertezas. Eu raramente me permitia pensar sobre o que estava
acontecendo do lado de fora da porta de número quatro.

É assim que fui capaz de lidar por anos com a realidade do


comportamento criminoso do meu marido: eu ignorei. Na verdade, eu fingi
que não existia. É claro que havia algumas coisas que eu não poderia evitar
ou ignorar, então fazia um joguinho mental comigo. Chamei-o de “isso não
aconteceu”.

Quando os investigadores se recusaram a cooperar com a Irmã Mary


Katherine, ela usou igrejas católicas de cima abaixo na costa leste da
Flórida, como uma maneira de manter meu desaparecimento no centro das
atenções. Mesmo que fosse apenas dentro do círculo da igreja, foi gentil da
parte dela fazer isso.

— Por que não? — perguntei-lhe agora. — Se fôssemos apenas um


pouco ao norte, ou mesmo para o sul para Miami, eu acho que seria seguro.

— Eu só acho que seja mais arriscado de você ser reconhecida. Mas


eu tenho uma ideia. Confie em mim. Eu vou cuidar disso.

E ele fez. Por muitos anos depois dessa conversa, todas as manhãs de
domingo, Grizz me levava ou arrumava alguma outra pessoa para me levar
por toda a Alligator Alley, para a costa oeste da Flórida. Era cerca de uma
hora e meia de carro. Às vezes, ele me levava na sexta-feira ou sábado e
ficávamos em um hotel. Ele nunca ia à igreja comigo. Mas ele estava
sempre esperando por mim quando eu saía. Eu finalmente comecei a
frequentar na minha própria costa quando o desenvolvimento migrou para o
oeste. Mas ele manteve sua palavra naqueles primeiros anos.
Natal e Ano Novo logo passaram, e eu estava me aproximando do
meu verdadeiro décimo sexto aniversário. Eu não tinha certeza se Grizz
sabia quando era. Eu estava errada. Grizz sabia de tudo. Bem, quase tudo.

Eu acordei aquela manhã e me ocupei como eu costumava


fazer. Grizz estava fora fazendo algo com Chowder. Ele espiou a cabeça no
número quatro e me pediu para ir lá fora. Quando cheguei lá, havia um
novo e brilhante Trans Am preto estacionado na frente do motel. Ele estava
sorrindo para mim.

— Você gosta dele?

— Você comprou um carro novo? É claro que eu gosto! Eu


amei! Leve-me para um passeio.

— Não, você me leva para um passeio. — ele sorriu. — É seu. Feliz


aniversário, Kitten.

Ele me abraçou e me deu um beijo no topo da cabeça. Eu não sabia o


que me surpreendia mais - o fato de que ele se lembrou que era o meu
aniversário real, ou o fato de que ele me comprou um presente tão
inesperado e caro.

— As chaves estão nele. Vamos. — disse ele. — Você dirige.

— Eu não posso.

— Por que não?

Corei. — Porque eu não sei dirigir.


____________

Para alguém que sabia todos os detalhes sobre a minha vida, isso
parecia um passo importante que ele perder.

— Eu sei que você não tem uma licença real, mas tem como Ann
Marie O'Connell. — ele me disse; Eddie tinha feito uma nova licença
depois que nos casamos.

— Mas, Grizz, eu não sei realmente dirigir. Sabe, direção e gasolina,


tudo isso.

— O que você quer dizer? Vi sua licença de motorista no ano


passado.

— Sim, eu fiz um teste escrito para tirar uma licença de motorista em


fevereiro passado, mas as aulas de direção não eram até a escola de
verão. Eu não preciso de lhe dizer por que nunca cheguei a fazê-las.

O olhar em seu rosto era cômico, e ele começou a rir muito. — Como
eu perdi isso?

Eu comecei a rir também. — Eu não sei, mas você perdeu.

— Entra. Vamos. Você vai aprender a dirigir.

Pelo resto do mês, eu tive lições de condução com Grizz, Grunt,


Chowder e Moe. Quem quer que estivesse disponível aproveitava o tempo
para me dar aulas. Mas foi com Grizz que eu passei mais tempo. Havia
certas regras que ele insistia. Pelo menos no início, eu nunca iria a qualquer
lugar sozinha. Eu nunca iria a qualquer lugar perto do meu antigo bairro. Eu
poderia viver com essas regras, mas ele fez uma exceção que me irritou: eu
não tinha permissão para ir a qualquer lugar sozinha com Sarah Jo.

Eu tinha argumentado, quando ele me disse, que eu não podia ir a


lugar nenhum sozinha, e se Sarah Jo estivesse comigo, eu não estaria
sozinha. Além disso, ele mesmo tinha nos deixado ir ao cinema algumas
vezes. Mas não adiantou - ele não gostou. Não era sobre Sarah Jo; ele
simplesmente não gosta da ideia de duas jovens andando em um Trans Am.

— Então você deveria ter me comprado uma máquina velha feia. —


eu gritei.

Foi a nossa primeira discussão real, e eu briguei com ele com unhas e
dentes. Mas, claro, eu não ganhei. Eu fiquei brava com ele por alguns
dias. Eu o ignorei. Eu não cozinhei para ele. Eu definitivamente não dormi
com ele. Eu me tranquei em um dos quartos do motel não utilizados e fiz o
meu dever de casa e li meus livros, só saindo para comer e verificar
Gwinny. Ele me deixou em paz, o que só me fez ficar mais furiosa.

Então aconteceu algo que eu não esperava: eu percebi que sentia falta
dele.

Acho que foi porque eu tinha sido tirada de uma casa, onde eu tinha
sido praticamente ignorada. Aqui, Grizz me presenteava com atenção e
presentes. Neste ponto em nosso relacionamento, ele nunca me negou nada,
exceto a minha liberdade. Sem contar a minha primeira experiência sexual
com Grunt, ele nunca me machucou.

Na verdade, ele me mimava muito.


Grizz era tranquilo. Ele não falava muito, mas ele era carinhoso. E
não era sempre carinho sexual. Ele era sensível, sempre segurando a minha
mão, seja em público ou passeando no poço. Se eu saía para o poço sozinha,
ele iria me puxar e me colocaria sentada em seu colo. Eu acordava todas as
manhãs envolvida no calor e proteção de seus braços.

Tentei pensar no que eu lhe tinha dado em troca. Bem, eu me dei, se


isso contasse. Dei a minha lealdade. Eu certamente poderia ter descoberto
uma maneira de escapar e avisar Delia e Vince. Mas a lealdade era
suficiente? Até então, eu comecei a me sentir culpada, então eu voltei para o
número quatro. Eu não sabia se ele estaria lá ou não.

Ele estava lá, relaxando em sua poltrona com os olhos fechados. Eu


sabia que ele não estava dormindo. O aparelho de som estava ligado. Ele
estava ouvindo um dos meus discos. Seals & Crofts. “Summer Breeze”
estava tocando.

Eu tinha acumulado minha própria coleção de discos agora. Era raro


que Grizz e eu concordássemos na mesma música. Ele gostava de hard
rock, e embora eu gostasse de alguns, eu também gostava de músicas mais
leves e populares: Loggins & Messina, Bread, Paul Davis, ABBA.

Eu fui para cima dele. — Desde quando você gosta Seals & Crofts?

— Não gosto. — ele disse, com os olhos ainda fechados.

— Então por que você está ouvindo?

— Porque você os ama e eu te amo e eu senti sua falta.

Ele acabou de dizer que me amava? Meu coração martelou.


Grizz abriu os olhos e, em seguida, olhou para mim.

— Isso te surpreende, Kit? — seus olhos verdes estavam quentes. —


Que eu esteja apaixonado por você?

Eu não sabia o que dizer. Mesmo após a explicação da razão por trás
da sua obsessão por mim no ano passado, eu nunca o tinha ouvido falar de
amor.

Então eu fiz a única coisa que eu consegui pensar. Puxei a poltrona - e


ele - para a posição vertical. Então eu sentei no colo dele e o abracei.

— Eu também te amo, Grizz. — eu disse.

E eu falei sério. Foi, provavelmente, mais chocante para mim do que


para ele.

Então, ele me beijou. — Você pode me fazer um favor, baby?

— Sim, Grizz, qualquer coisa. — eu lhe respondi, sorrindo. Eu sabia


o que ele ia pedir, e eu estava disposta.

— Eu estou com dor de cabeça. Você pode me arrumar uma aspirina?

Eu me afastei e olhei para ele, surpresa. — Claro.

— O que há de errado? — eu disse, voltando com aspirina e um


pouco de água. — Você ficou no sol ou algo assim por muito tempo? Você
nunca tem dores de cabeça.

— Não. Eu acho que é de ouvir a sua música.


Capítulo Vinte e Seis

Agora era março, e eu


estava finalmente pronta para dar ao Grizz o seu presente de Natal. Nós
tínhamos acabado de jantar, e ele foi se sentar e fazer algum trabalho em
sua mesa. Eu fui para o quarto e peguei seu presente. Era pesado.

Coloquei-o na pequena mesa de café e sorri para ele. — Feliz Natal


atrasado!

Ele se virou e percebeu o presente. Devo tê-lo chocado. Ou ele não


estava acostumado a receber presentes ou ele pensou que eu tinha esquecido
que devia um. Ele só olhou para mim.

— Você vai ficar apenas sentado aí e olhar para mim ou você vai abri-
lo? — eu provoquei.

Sem dizer nada, ele se levantou e começou a pegá-lo com uma mão,
mas acho que o peso da caixa o surpreendeu.

— Whoa, o que é isso?

— Você tem que abrir e descobrir.

Pegou-o com as duas mãos e sentou-se no sofá. Sentei-me ao lado


dele, puxei meus joelhos e descansei o queixo sobre eles. Ele lentamente
começou a desembrulhá-lo. Era uma caixa marrom simples. Ele abriu a
caixa e retirou uma das muitas peças embaladas individualmente. Eu vi seu
rosto de perto quando ele abriu o primeiro.

Era um jogo de xadrez personalizado, todas as peças artesanais de


marfim - caveiras e outros símbolos.

Ele levantou a primeira peça e olhou para mim.

— Como? Como você conseguiu isso para mim, Kit? Se os restos das
peças são tão complexas como esta, deve ter-lhe custado uma fortuna.

— Não importa. Você gostou? — abracei meus joelhos com mais


força. — Apenas me diga que você gostou. Ah, e o tabuleiro de xadrez está
sob nossa cama! Ele era muito pesado para embrulhar. Você gosta dele, não
é? — de repente, eu estava preocupada se eu escolhi o presente certo.

— Como é que você pagou por isso? — seus olhos estavam sérios.

— Essa é uma questão extremamente indelicada, Grizz. Não se


preocupe, eu não usei o seu dinheiro, se é isso que você está pensando.

— Eu não estou pensando nada. Eu simplesmente não consigo


descobrir como você conseguiu esse tipo de dinheiro. — cuidadosamente,
ele desembrulhou cada peça, colocando todas para baixo, em uma fila ainda
na mesa de centro.

Eu soube o minuto em que ele descobriu. Eu poderia dizer pela


expressão em seu rosto. Foi uma das duas únicas vezes que vi algo parecido
com lágrimas em seus olhos. A segunda vez foi quando eu mostrei a ele
uma foto da nossa filha, quando fui visitá-lo na prisão.
Em apenas um sussurro, ele disse: — Você penhorou sua guitarra.

____________

Ele estava certo. Eu penhorei minha guitarra. Era uma guitarra


especial, e eu tinha recebido uma quantidade substancial de dinheiro por
ela. Graças a Deus Guido tinha pegado no bazar do quintal da Delia antes
que ela vendesse. Ela nunca acreditou em mim quando eu disse a ela quão
era valiosa.

Eu ganhei a guitarra como um presente, em 1969. Eu tinha nove anos


e fui ao Woodstock com Delia e Vince. A única coisa que Delia me deixou
levar para me manter ocupada foram alguns marcadores mágicos e livros
para colorir. Nós montamos o nosso pequeno acampamento ao lado de um
jovem casal. Eu gostaria de poder lembrar seus nomes. O cara tinha uma
guitarra que ele levava para fora e tocava quando não havia
performances. Ele me pegou olhando o primeiro dia. Acho que ambos
sentiam pena de mim desde que Delia e Vince estavam, ou drogados, ou
dormindo. Ele me deu aulas de guitarra. Ele me mostrou as notas básicas e
deixou-me praticar.

Choveu naquele fim de semana e as performances foram adiadas e foi


uma bagunça enlameada. O jovem casal voltou para casa na noite de
domingo. Enquanto sua esposa estava fazendo as malas, ele me chamou de
lado e me disse que queria que eu ficasse com sua guitarra para eu poder
continuar a aprender a tocar. Eu já tinha aprendido “Jingle Bells”, e ele
disse que aprendi bem isso, mas eu precisava praticar as notas que ele me
ensinou também. Ele disse que era uma guitarra velha, mas bem afinada, e
eu poderia ficar com ela. Fiquei emocionada.

Na manhã seguinte, a maioria da multidão tinha ido embora. Acordei


com a música alta que era tão boa que fiquei hipnotizada. Era Jimi Hendrix
tocando “The Star-Spangled Banner” em sua guitarra elétrica. Tentei
acordar Delia e Vince, mas eles estavam completamente desmaiados. Antes
de Jimi terminar com seu set, eu levei um dos meus marcadores mágicos e
minha guitarra recém-adquirida e arrastei-me para o lado do palco.

— Pequena desculpe, não posso deixar você aqui. — um cara com


um passe de aspecto oficial me disse no portão. Ele teve que gritar sobre o
som da música.

— Meus pais estão trabalhando lá e eu tenho andado por aí com a


guitarra do meu pai. Ele vai ficar tão bravo comigo por fugir. Por favor,
deixe-me voltar lá antes de eu ficar em apuros. — eu menti, gritando para
ele.

Ele acreditou em mim ou imaginou que uma criança não era muito
ameaçadora. Ele me deixou entrar. Eu estava esperando por Jimi Hendrix,
quando ele finalmente desceu do palco. Eu invadi até ele e ele parou no seu
caminho.

— Você poderia assinar minha guitarra, Sr. Hendrix? — e antes que


ele pudesse responder. — Eu acabei de aprender a tocar neste fim de
semana.

Eu acho que isso o divertiu, porque ele me deu um grande


sorriso. Seu rosto estava brilhando de suor, e ele usou o braço para enxugá-
lo. — Claro, tem caneta ou algo assim?

Entreguei-lhe o meu marcador mágico. Ele escreveu “Gypsy Eyes,


Jimi Hendrix, WS, 18/8/69” bem na parte de trás da guitarra.

— O que são Gypsy Eyes[18]? — eu perguntei a ele enquanto eu


tentava entender as palavras dos seus rabiscos apressados.

— Qual o seu nome?

— Gwinny.

— Bem, Gwinny, é uma música que eu gravei no ano passado, mas


desde que você tem os maiores olhos castanhos que eu já vi, eu acho que se
aplica a você hoje.

Dei-lhe o maior sorriso que consegui. — Obrigada.

Ele não respondeu. Ele apenas sorriu e começou a andar. Eu levei a


minha guitarra recém-autografada e voltei da maneira que eu entrei.

— Ei, seus pais vão ficar bravos se você levar a guitarra do seu pai lá
para fora de novo. — o cara na porta me disse.

— Não, está tudo bem, meus pais estão lá fora, acampando. — eu


disse enquanto passava.

— O que? Achei que você me disse que seus pais estavam na equipe.

— Eu disse. Sinto muito por ter mentido. Mas eu tenho um autógrafo


de Jimi Hendrix na minha guitarra! — levantei-a para ele ver.
— Legal. — disse ele com um sorriso.

Quando Delia e Vince finalmente estavam sóbrios o suficiente para


irmos embora, eu mostrei a eles a minha guitarra autografada. Eles não
acreditaram que era uma assinatura autêntica. Eu acho que era tão
descuidada que eles acharam que eu tinha assinado. Ou isso, ou eles
estavam com uma ressaca muito forte para se importar.

— Sim, eu penhorei minha guitarra. — eu respondi para Grizz, meus


olhos no chão. — Você me deu muito, e eu só queria dar algo de
volta. Lamento que demorou tanto tempo, mas é feito à mão e não havia
nenhuma maneira que eu poderia consegui-lo a tempo para o Natal.

Ele levantou-se e olhou para mim. Então ele pegou a minha mão, me
puxou e me pegou em um abraço de urso que quase me tirou o fôlego.

— É o melhor presente que alguém já me deu, Kit. Obrigado. Eu amo


isso e eu te amo. — ele beijou o topo da minha cabeça.

— Agora vamos pegar sua guitarra de volta.


Capítulo Vinte e Sete

Agora eu tinha quase


esquecido que fui vítima de um sequestro. Eu continuava a me disfarçar
quando saía do motel, mas a maior parte eu só assumia que as pessoas
tinham se esquecido de mim. Eu estava bem com isso. Eu não queria ser
encontrada.

Havia sempre novas pessoas indo e vindo, e eu fazia o meu melhor


para evitá-las. Eu sabia o que era o Grizz. Ele era um criminoso. E também
a maioria das pessoas estavam associadas a ele. Eu desprezava que o
homem que eu amava ganhava a vida de forma ilegal. A única maneira que
eu sabia como lidar com isso era ignorar. Nem sempre era fácil.

Eu estava vivendo no motel há quase um ano. Um dia, em particular,


eu ouvi um barulho alto no poço - gritos e vaias. Lucifer e Damien estavam
latindo. Grizz saiu para ver o que estava acontecendo. Quando as coisas não
se acalmaram, eu saí também. Levei alguns minutos para avaliar o que
estava acontecendo, e quando o fiz fiquei horrorizada.

Era um jovem casal. Ele estava apanhando e ela estava sendo


estuprada. Grizz só estava ali de pé conversando com um cara e ignorando
tudo o que estava acontecendo. Os cães tinham parado de latir porque Grizz
lhes havia ordenado, mas, além disso, ainda havia um frenesi de atividade e
gritos. Eu quase não podia acreditar no que eu estava vendo.
Aparentemente, este jovem casal tinha sido enganado para voltar ao
motel. Os caras que fizeram isso não queriam o casal; eles queriam a moto
do casal. E estavam sacaneando o casal por prazer.

Eu caminhei diretamente até Grizz e interrompi: — Você pode, por


favor, parar com isso? Você vê o que está acontecendo?

Ele olhou para mim duramente. — Não é assunto seu, Kit. Volte para
dentro.

Olhei ao redor por alguém que eu poderia reconhecer, mas não havia
ninguém. Onde estava Grunt, Chowder, Moe? Vi Monster, mas ele estava se
divertindo muito. Ele deve ter estuprado a menina antes de eu chegar lá
fora, porque ele estava fechando o zíper da calça jeans, ao mesmo tempo
chutando o cara jovem nas costelas. Fiquei indignada. Não é assunto
meu? Eu estava testemunhando um estupro, pelo amor de Deus!

— Grizz, por favor, pare com isso. Eu estou pedindo para você parar
com isso por mim.

Grizz acenou para o cara com quem ele estava falando. Reconheci-o
agora. Seu nome era Chico. Eu o observei no motel uma ou duas vezes
antes. Ele não usava uma jaqueta da gangue.

— Miguel, acabe com isso agora. — Chico disse a um dos rapazes


sentados em uma cadeira de jardim. Grizz e Chico voltaram para a
conversa.

Graças a Deus, pensei, tentando fazer minhas mãos pararem de


tremer. Antes que eu pudesse agradecer a ele, eu assisti o homem chamado
Miguel caminhar para a garota que estava deitada no chão e chorando. Eu
pulei. Miguel andou em seguida, para o jovem que tinha acabado de ser
espancado e também estava deitado no chão.

Sua maneira de acabar com isso era colocar uma bala em cada uma
das suas cabeças. Eu acabara de testemunhar as minhas primeiras
execuções.

____________

Aconteceu tão rápido que não consegui sequer reagir. Eu estava em


choque, mas sabia que não devia mostrar qualquer histeria para Grizz na
frente dessas pessoas.

Eu andei rapidamente de volta para o número quatro e fechei a porta


atrás de mim. Inclinei-me contra ela e estava tomando respirações
profundas e lutando contra náuseas quando ela se abriu e eu caí para trás
nos braços de Grizz. Ele me pegou e me levou para dentro.

— Você não deveria ter saído.

— Sério? Realmente Grizz? Que merda foi aquela? Você só estava ali
de pé, enquanto um cara estava sendo torturado e sua namorada sendo
estuprada? — eu lutava para controlar a minha voz se elevando. — Como
você pode deixar isso acontecer?

— Não era o meu problema para lidar, Kit.

— Este é o seu lugar, Grizz. Estas são as suas pessoas.


— Chico e sua tripulação não são minhas pessoas. Miguel é o cara
dele. Eles estavam preparando uma entrega. Aqueles garotos foram danos
colaterais. Não é problema meu. Nem seu, também. — ele passou por mim
para o sofá e sentou-se.

Segui-o, as mãos nos quadris. — Então o que você está me dizendo,


basicamente, é que você não teve nenhum problema em cegar Monter para
salvar um gatinho, mas você não parou a execução de dois
inocentes? Grizz. — fiz uma pausa para efeito, meu coração martelando. —
Você acenou com a cabeça e duas pessoas foram executadas.

— Kit, eles não eram problema meu para lidar. — ele disse e ligou a
TV. — Você me pediu para acabar com isso. Não é problema meu como ele
escolheu fazê-lo. Você não gosta do que se passa lá fora, então fique dentro
de casa. Entendeu?

Eu não podia acreditar. Eu pensei que eu tinha visto um Grizz


diferente. O Grizz simpático que resgata gatinhos e ouve o meu tipo de
música. Alguém que fazia com que sua jovem esposa fosse à igreja todos os
domingos.

Eu não podia acreditar o quão ingênua eu era. Ele era todas essas
coisas, mas eu esquecia que ele não chegou a ser o líder desta gangue por
ser suave. Ele era duro. Ele era frio. Ele era implacável na perseguição do
que ele queria.

Segui o seu conselho. Eu fiquei lá dentro, sempre que possível.

____________
Quebrei a cabeça por dias depois, tentando descobrir se eu poderia ter
feito algo diferente. É claro que eu poderia ter feito. Eu poderia ter entrado
naquele quarto de motel e chamado a polícia. Mas isso teria salvado essas
duas pessoas? Não.

Mais do que provável, Grizz teria recebido uma dica da própria


polícia antes que chegasse aqui, e eu poderia ter acabado no pântano com os
outros. Eu realmente não acho que isso aconteceria, mas eu não podia me
deixar imaginar o que Grizz faria comigo se eu realmente o fizesse ficar
louco.

Pensei mais e mais sobre isso. Se eu contasse, salvaria as pessoas


futuras de serem assassinadas a sangue frio? Talvez. Mas o que mais
poderia acontecer? Eu quero voltar para minha antiga vida com Delia e
Vince? Eu quero ver Grizz, Moe, Chowder ou Grunt na prisão? Eu quero
ver Blue ir para a cadeia e sua família desmoronar? E quanto ao Fess?

A verdade era que eu não sabia a extensão da atividade criminosa que


acontecia aqui, mas não poderia ser pior do que o assassinato. Poderia?

Tentei envolver Grizz em uma conversa sobre isso, mas ele nunca me
entregou. — É melhor para você, se você não souber certas coisas. — foi
tudo o que ele disse.

Depois do incidente com Chico e sua tripulação, notei que Grizz


estava tentando ser mais flexível comigo, se isso era possível. Ele já me
mimava. Mas havia algo diferente na maneira como ele me tratava depois
daquele dia. Eu não posso explicar isso, mas eu certamente sentia. Acho que
mesmo que ele tenha batido o pé e se recusado a discutir o assunto, ele
secretamente se preocupou se o que eu vi naquele dia poderia ter me levado
ao limite. Talvez ele estivesse preocupado que eu fosse parar de amá-lo. Eu
não tinha certeza.

Mas então algo aconteceu e eu sabia que minhas suspeitas estavam


corretas.

Era uma tarde de sábado, uma semana depois. Nós estávamos nos
preparando para sair para a costa oeste, para a igreja. Eu estava arrumando
uma mala. O clima parecia que ficaria bom, e Grizz queria ir de moto. Ele
estava parado ao pé da cama e tinha acabado de me perguntar se eu preferia
dirigir meu carro. Eu disse a ele que não. Eu amava o meu carro, mas eu
amava ainda mais andar em sua garupa. Isso pareceu deixá-lo feliz, mas
muito sinceramente, era verdade.

Só então a porta se abriu e Moe correu para dentro,


frenética. Lágrimas corriam pelo seu rosto. Ela agarrou Grizz pelo braço e
puxou-o para a porta. Ela não teve que fazer muito esforço. Nós dois
ficamos em alerta máximo e corremos para fora o mais rápido possível.

Quando chegamos lá fora nós a seguimos ao longo, em direção à


borda do motel, e é aí que nós o vimos - Damien. O grande cão estava
deitado de lado, e Lucifer estava pulando nele animadamente, chorando e se
lamentando. Ouvimos o problema antes de vê-lo.

Uma enorme cascavel estava enrolada e deu um bote em


Lucifer. Lucifer conseguiu evitá-la e apenas se manteve latindo e
lamentando. Assim que chegamos perto o suficiente, Grizz levantou a mão
esquerda e me acenou para eu esperar. Antes que eu percebesse, ele sacou
uma arma que estava presa na parte de trás da sua calça jeans. Ele matou a
cobra em um tiro.

— Provavelmente estava protegendo seu ninho. — disse ele. — Caso


contrário, ela teria picado e fugido. Não ficado por perto para uma luta.

Eu não sabia nada sobre cobras, então eu apenas balancei a cabeça


como se eu soubesse o que ele estava falando.

Ele me disse para pegar meu carro. Corri para o número quatro e
peguei minhas chaves. Eu corri para o meu carro e entrei. Eu comecei a
dirigir e fui na direção dele. Ele estava carregando Damien. Ele me disse
para ficar no banco do passageiro. Eu coloquei o carro em ponto morto,
saltei sobre a coluna e esperei que ele colocasse Damien em meu colo. Só
então, Chowder saiu e perguntou o que era tudo aquilo.

— Ligue para o veterinário, diga-lhe que foi picada de


cascavel. Parece que duas picadas, talvez. Eu estarei lá em dez minutos. —
Grizz virou-se para Moe e disse: — Você não pode vir.

Eu acho que ela já estava esperando por isso, mas eu poderia dizer
que ela estava ferida e preocupada com Damien. Fez mais sentido para mim
quando dirigimos até o veterinário em Davie. É claro que Moe não podia
vir. Se ela tivesse sido parte de uma comunidade rural e criado cavalos, era
provável que alguém da veterinária pudesse reconhecê-la.

Chowder deve ter falado com alguém, porque eles estavam esperando
por nós quando chegamos. Grizz estacionou e deu a volta para pegar
Damien do meu colo. Eles estavam esperando com uma maca, mas Grizz
ignorou. Depois de perceber que Grizz não ia colocar Damien na maca, eles
correram até os degraus da frente passando por ele e abriram a porta. Nós
seguimos os dois técnicos do veterinário e passamos pela sala de espera e
em uma das salas de tratamento, onde Grizz colocou Damien sobre uma
mesa. O veterinário estava lá e nos disse para esperar lá fora.

Nós não voltamos para a sala de espera, mas em vez disso sentamos
em duas cadeiras do lado de fora da porta. Eu não percebi se havia outros
pacientes à espera quando entrei correndo, mas isso não importava. Eu acho
que uma picada de cobra mortal teria precedência sobre os outros
compromissos.

Esperamos o que pareceu uma eternidade, mas não foi realmente


muito. O veterinário saiu e explicou que ele estava tratando Damien por via
intravenosa com soro antiofídico e altas doses de antibióticos. Damien tinha
que ficar na clínica por pelo menos uma semana. Eles iriam observar a área
em torno das marcas da picada e certificar-se que ele continuasse a
responder positivamente ao tratamento. Ele esperava que Damien se
recuperasse completamente, mas ainda era muito cedo para dizer. Ele nos
disse para ir para casa e ligar na parte da manhã. Ele disse que ia ser uma
longa semana.

Grizz apertou sua mão e abriu a porta para eu ir para a sala de


espera. Ele parou na recepção e disse para a menina que iria lidar com a
conta no dia seguinte. Ela bateu os cílios aglomerados de rímel para ele e
disse que estava tudo bem. Fizemos o nosso caminho através da sala de
espera, não realmente percebendo quem estava ali.

Grizz estava segurando a porta aberta para eu sair quando ouvi uma
voz.
— Ginny? Ginny Lemon, é você?
Capítulo Vinte e Oito

Você sempre ouve sobre


pessoas que pensam que estão morrendo e como a vida passa em flashes na
frente deles. Você secretamente se pergunta, como pode ser? Uma vida
inteira em questão de segundos? Você talvez escute alguém que
testemunhou um acidente dizer que tudo aconteceu em câmera lenta e eles
contam cada detalhe.

Eu nunca acreditei nesse tipo de histórias, até aquele dia.

Naquele dia, eu ouvi um nome que eu não escutava há quase um ano.

Eu li o olhar no rosto de Grizz imediatamente. Naquele instante, eu


soube que ele achou que tinha me perdido. E eu também soube que estava
correta em pensar que algo estava diferente nele desde as execuções.

Grizz sabia que não haveria volta para o que eu tinha testemunhado
naquele dia no poço. Ele tinha se preocupado com o fato de eu querer
deixá-lo, e agora ele foi confrontado com essa possibilidade. A ameaça de
ferir Delia e Vince não mais o conteriam. Eu não tentaria escapar, se alguém
me reconhecesse. Tudo o que eu tinha que fazer era me virar para aquela
pessoa e dizer: — Sim, sou eu. — e estaria acabado. Haveria uma
abundância de testemunhas naquela sala de espera.
Grizz teria duas opções: me agarrar e me arrastar para o carro, ou
decolar sozinho e fugir de lá. Uma escolha significava que ele corria o risco
de me perder e a outra significava que ele corria o risco de não poder voltar
para Damien.

Foi quando o tempo parou. Foi quando, não só toda a minha vida,
mas todo o ano passado, passou diante dos meus olhos. Eu encontrei o olhar
de Grizz e soube instintivamente o que eu faria.

De pé na porta eu me virei para ver quem estava falando comigo. Eu a


reconheci imediatamente: Diane Berger. Ela não era uma amiga próxima,
mas nós tínhamos compartilhado algumas aulas. Ela era uma garota
legal. Parecida comigo. Não realmente popular, mas não era uma excluída.

Com um sotaque britânico extremamente convincente, eu respondi a


ela: — Eu, amor? Você está falando comigo?

Isso a surpreendeu.

— Uh, sim. Você se parece com uma menina com quem eu


estudei. Ela está desaparecida. Fará um ano no próximo mês, eu acho. Você
poderia ser a irmã gêmea dela.

— Meu nome é Amelia. Eu estou visitando minha prima. — eu menti


com o meu sotaque britânico falso.

— Eu sinto muito. Eu simplesmente não posso acreditar que você não


é a Ginny. As semelhanças são incríveis!

— Não, amor, sou eu quem sente muito. Eu gostaria de ser essa sua
amiga. Eu espero que você a encontre algum dia.
Grizz me pegou pela mão e me levou até o carro. Ele não disse
nada. Nós voltamos para o motel e eu falei primeiro.

— Você acha que ela acreditou em mim? — minha voz era calma.

— Na verdade, eu acho que sim. Inferno, até eu acreditei em você. —


disse ele, incrédulo. — Onde você aprendeu fazer um sotaque assim?

— Ah, você sabe o quanto eu amo Masterpiece Theater[19].

— Eu não tinha certeza do que você ia fazer. — ele disse, dando-me


um olhar de soslaio enquanto dirigia.

Eu não disse nada.

— Você sabe que eu não teria a deixado ir, não é? Eu teria levado
você para o carro e continuado a dirigir. Eu teria te levado para outro
lugar. Ninguém nos encontraria.

Isso me surpreendeu. — E quanto ao motel? Seu carro, as suas motos,


o seu dinheiro, os seus cães?

— Não importa. Eu tenho uma maneira de conseguir todas as minhas


coisas de volta, eventualmente, se eu precisasse.

— Você está me dizendo que, se por algum motivo eu fosse


reconhecida e houvesse uma chance de eu ser resgatada ou encontrada,
você não iria me abandonar?

— Nunca, Kit. Nunca.


Nós dirigimos o resto do caminho de volta para o motel em
silêncio. Quando chegamos, ele perguntou se eu queria alguém para me
levar para a igreja de manhã. Ele ia voltar ao veterinário para ver Damien,
mas ele não achava que eu deveria ir com ele.

— Não, eu posso perder igreja amanhã. Eu quero estar aqui para


você.

Eu sei que isso o deixou feliz. Eu fiz um jantar rápido, e ele saiu para
o poço por pouco tempo. Quando ele voltou, eu já estava na cama. Ele
subiu ao meu lado e me puxou para os seus braços.

— Você está acordada? — ele sussurrou.

— Estou agora.

— Bom. — respondeu ele, acariciando meu pescoço.

— O que você tem em mente?

— Eu quero que você fale sujo comigo.

Isso era novo, e eu ri. — Ah, você quer? E o que exatamente você
quer que eu diga para você?

— Ah, eu não me importo. Use sua imaginação.

— Eu não tenho nenhuma experiência em conversa suja, mas eu vou


tentar. — eu provoquei, meu rosto quente na escuridão.

— Você pode me fazer um pequeno favor?


— Claro.

— Você pode falar sujo para mim com aquele sotaque britânico?

____________

A recuperação de Damien foi mais rápida do que o esperado e sem


complicações. Antes da cobra, eu nunca tinha considerado os perigos que se
escondiam no pântano. Além de ter que manter um olho lá fora para o
ocasional aparecimento de um jacaré, eu nunca tive um segundo
pensamento em relação a outras criaturas nocivas. Agora eu tinha.

Nós caímos de volta em uma rotina, e eu fiquei ocupada com o meu


curso por correspondência. Antes que eu percebesse, era 1977 e Ann Marie
Morgan O'Connell era a orgulhosa proprietária de um diploma do ensino
médio. Ginny Lemon não se formaria por mais um ano. Eu era uma boa
motorista e estava começando a ir para a maioria dos lugares que entrava na
minha visão, mas eu ainda tinha que seguir as regras de condução de
Grizz. Isso mudaria em alguns meses.

Ainda assim, não era o suficiente. Eu precisava de mais. Eu estava


entediada. Eu precisava de um desafio mental. E eu o achei quase que por
acidente.

Eu estava vivendo no motel por quase dois anos. Um dia, eu estava


sentada no sofá pintando as unhas dos pés. Grizz estava lidando com papéis
em sua mesa. Eu nunca tinha me preocupado com o tipo de papelada que
ele lidava. Eu deduzia que tinha a ver com a sua atividade criminosa, e,
como ele me disse mais de uma vez, quanto menos que eu soubesse, melhor
seria. Eu tinha acabado de pintar minhas unhas e estava enroscando a tampa
de volta no vidro de esmalte, quando Grizz bateu com o punho com força
sobre a mesa. Eu pulei.

— Droga! — ele gritou.

— O que? Qual é o problema? — eu estava feliz por ter terminado de


pintar os meus dedos dos pés. Sua explosão foi tão forte que eu poderia ter
estragado o meu trabalho de pintura.

— Só tentando fazer esses malditos números funcionarem, só isso.


Números não são a minha área de especialização.

— Bem, o que exatamente você está fazendo com os números?

— Fazendo os balanços desse extrato bancário do caralho. Não está


equilibrado há três meses e eu não consigo descobrir o porquê.

Eu imediatamente me animei. — Balanço bancário? Por que você não


deixa eu dar olhada nisso? Posso te ajudar. Eu amo trabalhar com números.

— Nah. Vou resolver isso eventualmente.

— Sério, Grizz. Eu adoraria ajudar. Aposto que consigo descobrir o


problema.

Ele virou-se, em seguida, e olhou para mim. Eu poderia dizer que ele
estava pesando suas opções. Ele estava frustrado o suficiente para me
deixar ajudar, mas ele também tinha sido muito cuidadoso para me manter
afastada de seu negócio.

— Eu poderia ser como uma secretária ou uma contadora. Eu não


tenho que saber todos os detalhes ou de onde estes números vêm. Acredite
em mim, estou apenas interessada nos números, Grizz. Eu gosto do desafio.

Eu sabia que tinha ganhado quando ele não disse nada de


imediato. Levantei-me e fui até ele, equilibrando em meus calcanhares,
tentando não estragar minha pedicure.

— Tudo bem, Kit. — disse ele, por fim. — Todo seu. No entanto, sem
perguntas. Você apenas faz o balanço do livro caixa. Declarações antigas
estão aqui. — ele abriu uma gaveta.

Sentei-me e comecei a trabalhar. Eu descobri o problema muito


rapidamente. Uma antiga entrada tinha sido calculada como um sinal de
menos, em vez de mais. Além de cerca de 21,65 dólares em outros erros de
entrada combinados, eu podia ver por que ele estava tendo dificuldades para
encontrar o problema. Ele poderia tê-lo encontrado com bastante facilidade
se tivesse mais paciência.

Foi assim que eu comecei a cuidar das finanças do Grizz. Logo eu


comecei a perceber que ele tinha mais de uma. Cada uma tinha um
equilíbrio substancial em sua conta.

Eu comecei a mergulhar um pouco mais profundo e casualmente o


perguntei em uma tarde: — Por que você simplesmente deixa todo esse
dinheiro ficar lá e não ganha um retorno decente? Por que você não o
investe?
Em um ano, Grizz e seus muitos apelidos, tinha uma carteira de ações
decente. Eu estava lhe rendendo uma boa quantidade de dinheiro. Eu
esperava secretamente que se eu o ajudasse a ganhar dinheiro de outra
forma, ele deixaria sua atividade criminal.

Outra premissa ingênua da minha parte.


Capítulo Vinte e Nove

Um dia passou após outro,


e antes que eu percebesse, estava vivendo no motel há quase três anos. Não
que esses anos passaram sem intercorrências. Lembrei-me de um dia, no
verão passado. Foi dois meses após eu ter começado a organizar os extratos
bancários de Grizz. Sarah Jo e eu tínhamos planejado um dia na praia. Eu
dirigi até a casa dela, e nós iríamos com seu carro a partir de lá. Grizz tinha
negócios com Eddie, então me seguiu até chegarmos nele. Eu segui o resto
do caminho sozinha. Não era longe. Mas ainda assim considerei uma
pequena vitória, esse dia foi o começo do fim das regras de condução de
Grizz.

Sarah Jo vivia em um bairro muito bom ao lado do oceano, na


Federal Highway. As casas eram mais velhas, mas bem cuidadas. Eu
cheguei por volta das onze horas da manhã e estacionei meu carro em sua
garagem ao lado do dela. Ela estava com a porta da garagem aberta. Eu saí
e coloquei minhas coisas de praia em seu carro destrancado. Aproximei-me
da porta da frente e bati. Este dia em especial era um dia de semana e seus
pequenos irmãos estavam no acampamento. Fess estava dando aula de
verão na faculdade. Ela estava sozinha em casa.

— Você está pronta? — eu perguntei assim que ela abriu a porta.


— Sim. Eu só preciso pegar as cadeiras de praia que estão na
garagem.

Eu avisei que precisava usar o banheiro, e ela me disse que iria


começar a carregar as coisas até o seu carro. Era um carro pequeno. Um
Pinto[20], eu acho. Ele era perfeito para ela. Quando eu saí ela estava em pé
na frente do seu carro com o capô levantado e dois caras que não reconheci
estavam falando com ela.

— O que foi? — perguntei quando me aproximei deles.

— Não quer ligar. — respondeu, olhando para o motor. — Sam acha


que pode me ajudar.

— Quer que eu ligue e veja se talvez, só desta vez, eu possa levar


meu carro?

Antes que ela pudesse responder um deles falou.

— Eu acho que posso consertá-lo. — o mais jovem dos dois


comentou. Este era Sam, seu vizinho. Reconheci-o agora. Ele era um cara
legal. Um pouco mais velho do que Jo, e lembrei-me que ele tinha chegado
a ter alguns problemas recentemente. Ele se formou no colegial e caiu em
más companhias. Eu acho que Jo me disse que ele tinha sido pego por
vandalismo, drogas, o de costume. Vanessa era mãe solteira e pediu alguma
ajuda ao Fess para tirá-lo da prisão. Jo estava certa que Vanessa sabia sobre
a gangue de motoqueiros e a possível participação de Fess, mas ela era uma
senhora boa. Ela não tocou no assunto, mantendo para si mesma, mas sem
ficar distante. Ela tinha sido muito gentil com a família de Jo quando sua
mãe faleceu anos antes, e eles continuaram uma relação confortável e
amigável desde então. Parecia natural ela pedir ao Fess alguma ajuda.

Fess tirou Sam da prisão e o ajudou a se matricular em uma escola de


intercâmbio. Eu não tinha ouvido nada dele desde então e pensei que ele
estivesse indo bem. Ainda morando com a mãe, mas esperançosamente
ficando longe de problemas. Eu não reconhecia o cara que estava com ele.

— Kit, você lembra de Sam do outro lado da rua.

Eu sorri e disse: — Oi, Sam. Como as coisas estão indo? Tudo bem,
eu espero. — ele olhou para cima, do que ele estava fazendo e me deu um
sorriso largo. Whoa. Eu não me lembrava dele ser tão bonito. Por outro
lado, não me lembrava de ter notado muitos outros homens durante esse
tempo na minha vida.

— Kit. — seu sorriso ficou mais quente. — É bom te ver. Sim, as


coisas estão bem. E quanto a você?

— Eu realmente estou bem. E ficarei ainda melhor se você puder


corrigir o que há de errado com o carro de Jo.

— Você não vai me apresentar?

Eu não estava prestando atenção no outro cara e agora olhei para


ele. E não gostei do que vi. Para começar, ele estava encostado no meu
carro bebendo uma cerveja. Ele estava provavelmente, em seus trinta anos,
um pouco velho para estar ao redor de Sam, e tinha um olhar
desprezível. Eu não disse Olá, apenas balancei a cabeça e voltei a olhar sob
o capô, para Sam e Jo.
— Esse é Neal. — Sam disse sem olhar para cima.

— Então, vocês senhoras, não parecem pertencer a uma gangue de


motoqueiros. — Neal disse, com um sotaque sulista falso e exagerado.

Antes que pudesse responder, Sam disse: — Cale a boca, Neal.

— Bem, vamos lá Sam, você foi aquele a se gabar na cadeia que


alguns motoqueiros o colocariam para fora. Que você tinha conexões. —
Neal zombou para a casa de Jo e disse: — Não vejo nada além, de um
homem velho e algumas crianças. Seu pai nunca monta nessa coisa? — ele
perguntou à Sarah Jo quando acenou para a moto de Fess dentro da
garagem aberta.

Sem esperar ela responder, Neal caminhou em direção à


garagem. Sam a essa altura estava totalmente mortificado e se mantinha
pedindo desculpas a Sarah Jo, enquanto suplicava ao Neal para calar a boca
e apenas ir.

Fazia sentido agora. Neal deve ter conhecido Sam durante sua curta
estadia na prisão alguns meses atrás. Eu não conseguia descobrir a conexão
atual, no entanto. Eu pensei que Sam tinha limpado seu passado e estava
fazendo bem para si mesmo. Eu me perguntava como Neal se encaixava
nesse cenário.

Sussurrei para Jo. — Chame Grizz no Eddie.

Sam ouviu e vi uma expressão em seu rosto que não consegui ler. Foi
medo? Alívio? Jo fez um caminho mais curto até a porta da frente. Neal
estava sentado na moto de Fess fazendo sons de moto. Nesse intervalo ele
gritou com Jo, que caminhava para a porta da frente: — Ah, você vai
chamar o seu velho, o grande membro mau da gangue? Bem, vá em frente e
faça isso, menina. Eu aposto que serei capaz de fazê-lo me deixar levar esse
bebê para um passeio. Você sabe o que? Não vamos esperar você perguntar
a ele. Dê-me a chave.

Sarah Jo ignorou e foi para dentro da sua casa. Eu estava orando para
que Grizz ainda estivesse no Eddie. Por favor, deixe-o estar lá. Por favor,
deixe-o estar lá. Isso foi muito antes dos telefones celulares. Nesse meio
tempo eu estava mentalmente tentando elaborar um plano B no caso dele
não estar lá.

Virei para Sam. — O que há com esse cara?

— Eu não consegui me livrar dele, Kit. — disse Sam calmamente. —


E eu nunca lhe disse nada sobre a gangue. Eu juro. Ele deve ter ouvido
alguma coisa na cadeia. Ele apareceu, como se fosse meu melhor amigo,
após cinco dias que eu saí. Não sei o que ele quer comigo, e, honestamente,
não sei como me livrar dele. Ele não diz nada diretamente, mas está
insinuando machucar a minha mãe. Eu lhe dou dinheiro apenas para me
livrar dele, em seguida, ele aparece de novo, inesperadamente, e sem ser
convidado, como nesta manhã. Eu não quero problemas.

— Vai ficar tudo bem. Não se preocupe Sam.

— Kit, eu não quero nenhum problema com a gangue.

— Eu disse para não se preocupar.

Só então, Sarah Jo abriu a porta e acenou para mim. Eu sabia que a


ajuda estava a caminho.
Virei para Sam. — Você precisa ir para casa agora. Precisa ficar do
lado de dentro e não saia. Está bem?

— Eu não posso deixar você e Jo sozinhas com esse maníaco. —


disse ele. — Não seria certo.

Ficamos ali mais alguns minutos ouvindo Neal discursar na


garagem. Eu sinalizei para Jo saber que eu estava bem e para ela fechar e
trancar a porta da frente. Ela sabia que eu ficaria bem e assim fez sem
hesitar.

Neal escolheu este momento para começar a gritar com Sarah


Jo. Havia uma porta na garagem que dava para cozinha, e apesar de estar
fechada, ele sabia que ela podia ouvi-lo.

— Traga-me a chave putinha, e eu vou sair daqui e nada de ruim vai


acontecer. — Neal falou monotonamente. — Gangue de motoqueiros,
minha bunda.

Ouvi uma moto. Finalmente. Levou menos de dez minutos, mas


pareceu uma hora.

— Vá agora, Sam. — eu disse, minha voz baixa e urgente. —


Agora. Feche sua porta e não saia. Vá. Por Favor. Estamos bem. Você sabe
quem está vindo, certo?

Ele apenas acenou com a cabeça e sussurrou: — Desculpe-me Kit.

Em seguida, caminhou em frente à rua e entrou em sua casa, fechando


a porta atrás de si.
Eu estava encostada na traseira do carro de Sarah Jo. Grizz estacionou
no meio-fio, como se não tivesse nenhuma preocupação no mundo. Neal
deve ter ouvido por causa da garagem aberta e ficou quieto, de
repente. Grizz desligou sua moto e saiu. Ele caminhou até a calçada.

Quando chegou até mim, perguntei: — Você trouxe alguém? Você


quer esperar ajuda?

Ele apenas revirou os olhos e disse: — Espere aqui, querida.

Eu estava segura que Grizz poderia lidar com Neal, mas estava
preocupada que talvez Neal tivesse uma arma e eu não tivesse notado. Ele
poderia ter uma arma e a qualquer momento atirar em Grizz.

Por outro lado, Grizz sempre tinha uma arma com ele. Eu
provavelmente não precisaria me preocupar.

Eu não segui Grizz no caminho para a garagem. Eu só fiquei na frente


do carro de Jo com os braços cruzados sobre o peito. O capô ainda estava
levantado, e meu carro estava estacionado ao lado do dela bloqueando a
visão do que estava acontecendo lá dentro. Fiquei aliviada. Eu não queria
que um vizinho intrometido chamasse a polícia. Eu ainda não sabia como
Grizz lidaria com Neal. Mas não tive que esperar muito tempo.

O tempo que levou para Grizz andar da entrada até a casa de Jo, Neal
tinha saído da moto de Fess. Eu podia vê-lo agitado quando Grizz fez o seu
caminho para a garagem.

— Ah, porra, cara. Sinto muito, cara. Eu não sabia que era você, eu
juro. — disse Neal, com a voz trêmula. — Eu estava apenas dando às
crianças um momento difícil.
Ele sabia quem era Grizz. Interessante.

Grizz apenas ficou lá com os braços relaxados ao lado do corpo e


deixou Neal divagar.

— Eu ouvi algumas prostitutas na cadeia falando algo sobre o garoto


ter amigos em uma gangue. Eu não sabia que era a sua gangue, cara. Eu
juro. Elas nunca disseram um nome. Eu vou seguir meu caminho como se
nada tivesse acontecido.

Olhei através de Neal e vi o rosto de Jo espreitando para fora da porta,


que ligava a garagem à casa. Ela tinha o maior sorriso que eu já vi. Eu sorri
de volta para ela.

— Fique de joelhos.

— O que? O que vai fazer comigo, cara? Cara, por favor, não me
mate.

— Fique de joelhos agora, filho da puta.

Soluçando alto, Neal caiu em seus joelhos. Ele estava tremendo mais
do que antes. Grizz estava de costas para mim. Ele caminhou lentamente
em direção ao Neal e eu o ouvi abrir seu zíper.

O que? Por que ele estava abrindo o zíper?

Neal começou a lamentar, novamente. — Ah, cara, eu não sou


veado. O que você está fazendo?

Sim, o que você está fazendo?


— Abra a boca. — Grizz rosnou.

— Ah, cara, não me faça fazer isso, por favor.

Sarah Jo e eu fizemos contato visual. Seus olhos estavam tão grandes


quanto pires.

— Abra a porra da boca agora! — Grizz gritou.

Neal fez o que lhe foi dito, mas Grizz não deu nenhum passo mais
perto dele. Antes que percebesse o que estava acontecendo, Neal começou a
engasgar. Então, eu entendi o que Grizz estava fazendo. Ele estava urinando
na boca de Neal.

Então, ele vomitou. Grizz recuou e fechou o zíper. Neal estava de


quatro vomitando em todo chão da garagem de Jo. Quando terminou, ele
sentou e fechou os olhos.

— Sarah Jo, querida, seja amável e me pegue uma colher, tudo bem?

— Claro Grizz.

Jo voltou com uma colher e deu a volta por Neal e seu vômito para
entregá-la a Grizz. Ele entregou a colher e disse: — Coma. Tudo.

Fazendo o meu melhor para ignorar o que estava acontecendo, e não


tendo muito sucesso, disse a Grizz sobre o carro de Jo não ligar e como
conhecemos Neal. Como ele encontrou Sam na cadeia e suas ameaças para
Vanessa.

Grizz passou por mim e Jo até o meu carro. — Vá em frente e leve o


seu carro para a praia. Eu vou ficar e lidar com esse cabeça de merda.
— Eu não acredito que você fez xixi na boca do rapaz. Eu pensei que
você ia obrigá-lo a fazer sexo oral em você.

Eu podia ouvir Jo rindo enquanto ela pegava nossas coisas de praia do


seu carro e as colocavas no meu.

Outro revirar dos seus olhos. — Depois de todo esse tempo comigo e
você não consegue ao menos dizer ‘boquete’.

— Eu disse isso uma vez. Para Jan. — murmurei baixinho.

Ele simplesmente riu e pegou meu queixo nas mãos. — Ainda minha
pequena doce gatinha. Eu te amo, baby.

— Eu também te amo. — eu disse a ele. — Só me prometa que


depois dele limpar, você terá acabado com ele. Prometa-me. Sem violência
ou qualquer outra coisa. Por Favor?

— Eu prometo baby. — ele me beijou enquanto eu tentava bloquear


os sons de engasgos provenientes da garagem.

Sarah Jo e eu saímos no meu carro e notei a porta da garagem descer


à medida que nos afastávamos. Rezei para que Grizz mantivesse sua
palavra e não fizesse nenhum mal a mais para o cara. Minha nova banda
favorita estava tocando no rádio. Boston estava cantando “More Than a
Feeling”. Jo estendeu a mão e baixou o volume.

— Poxa, Kit. Eu pensei que nós éramos melhores amigas.

Olhei para ela, surpresa. — Somos! Por que você está dizendo isso?
— Porque, desde que somos amigas, você nunca mencionou que seu
marido tem um pau enorme.
Capítulo Trinta

Tempo continuou a
passar. Eu raramente via Grunt. Ele ainda estava na faculdade e trabalhando
em um mestrado. Ele estava interessado em arquitetura. Ele ainda ficava no
motel, mas tinha mudado a maioria dos seus pertences. Ele vivia com uma
garota, Cindy, em seu apartamento na praia.

Eu sentia falta da sua amizade, mas eu estava feliz com Grizz. Eu


estava ficando cansada do motel, no entanto. Eu disse a Grizz que estava
pronta para algo novo. Eu realmente queria ir para a faculdade. Eu acho que
tinha inveja do sucesso e da felicidade de Grunt. Eu queria ser mais do que
a mulher de Grizz. Não me interpretem mal - Grizz ainda era muito bom
para mim. Mas só havia tanta coisa que eu poderia ter de um
relacionamento. Eu precisava de um propósito.

Lembrei-me de quando fui sequestrada. Eu tinha apenas quinze anos,


e tinha a minha vida planejada. Eu sabia o que eu queria. Eu tinha perdido a
noção na bruma romântica da atenção de Grizz. Eu estava começando a
sentir a agitação de querer algo mais.

Grizz detectou antes de mim e tentou me distrair. Ele colocou Grunt


para projetar uma casa para nós. Passamos fins de semana dirigindo ao
redor e procurando terrenos disponíveis.
Isso significava que ele desistiria do motel por mim? Da
gangue? Não. Ele ainda continuaria com suas atividades e eu me tornaria
uma Jan. Vivendo em uma bela casa. Ter um casal de filhos. Eu estava
dividida.

Eu não tive que pensar nisso por muito tempo. Algo aconteceu que
levou a minha atenção para longe do meu descontentamento crescente. Algo
que ninguém viu chegando. Algo que Grunt tinha me avisado anos antes.

Era o verão de 1978. Era uma noite quente de terça, em julho. Grizz
tinha ido a uma das suas viagens de negócios. Ele só ia ficar fora por dois
dias, e tinha realmente me pedido para ir com ele. Eu não quis. Eu estava
entediada e deprimida e eu queria apenas chafurdar isso sozinha. E isso é
exatamente o que eu estava fazendo. Deitada na nossa cama olhando
brochuras universitárias. Eu queria tanto ir para a faculdade.

Era depois das onze horas e eu não conseguia dormir. Damien e


Lucifer estavam no quarto de Moe com ela. Eu estava distraída acariciando
a cabeça de Gwinny.

Eu ouvi a nossa porta abrir. Isso foi estranho. Era Moe? Será que ela
precisava de algo para um dos cães? Talvez Grizz voltou para casa mais
cedo. Eu pulei para fora da cama.

De repente, havia uma grande presença, desajeitada na minha


frente. Não era Grizz. Esse homem estava todo vestido de preto e usava
uma máscara de esqui. Antes que eu pudesse sequer registrar medo, ele me
deu um soco no rosto e eu caí de volta na cama.
Ele me bateu com força suficiente para que eu desmaiasse, mas isso
não aconteceu. Eu gostaria que tivesse. Durante duas horas, ele continuou a
me torturar e estuprar, repetidamente. Ele falou comigo de forma
zombeteira o tempo todo com uma voz que eu não reconheci.

— Mulher de Grizz, hein? Vamos ver se ele vai querer você depois
que eu acabar com você.

Foi parecido com isso as duas horas que se passaram. Bem, pelo
menos eu só posso lembrar das duas horas do acontecimento. Ele continuou
a me bater e me levar para o ponto de perda da consciência, apenas
certificar que eu não perdesse. Eu estava tão enfraquecida pelo soco inicial
no rosto e da brutalidade que ele continuou a desencadear em mim, que eu
não tive a menor chance. Eu não conseguia pensar com clareza suficiente
para chegar a um plano para escapar dele.

Por que eu não tinha trancado a porta? Eu me repreendi. Mas eu


nunca tranquei a porta. Eu nunca precisei.

Quem estava no motel? Bem, Moe estava, e ela tinha meus protetores
trancados no quarto com ela. Chowder tinha tomado uma licença rara do
motel para visitar uma irmã que estava morrendo. Com Grizz fora, o poço
estava vazio.

Eu estava sozinha.

As palavras de Grunt de anos antes me assombraram: — Apenas faça-


me um favor, Kit. Fique atenta. Nunca baixe a guarda. Você nunca sabe,
com este tipo de vida, o que pode vir bater à sua porta.
Bem, esse cara não bateu. Ele simplesmente entrou. Eu baixei minha
guarda. Eu deixei-me acreditar que estar com Grizz me fazia intocável.

Eu não poderia estar mais errada.

Moe me encontrou na manhã seguinte. Eu não estava consciente e só


posso imaginar o pânico. Ela não podia chamar alguém para ajudar. Em vez
disso, ela bipou todo mundo que tinha um Pager. Ela colocou seu código e
911.

Blue foi o primeiro a chegar. Ele não podia chamar uma


ambulância. Mesmo que eu tivesse desaparecido há anos, um hospital
público ainda era muito arriscado. Então, ele chamou o médico da folha de
pagamento do Grizz. Eu comecei a voltar à consciência quando o médico
chegou lá. Eu não conseguia ver ninguém. Ambos os meus olhos estavam
inchados. Eu ainda tinha todos os meus dentes, mas eu precisei de pontos
nos meus lábios e bochecha. Eu estava quase irreconhecível. Meu rosto
estava inchado duas vezes o seu tamanho normal. Eu tinha marcas de
mordidas por todo o meu peito, estômago e no interior das minhas
coxas. Eu tinha costelas quebradas e um pulso esquerdo quebrado onde eu
levantei a minha mão para tentar me proteger.

Foi-me dada medicação suficiente para dor que eu já não estava


sentindo nada e lutando para permanecer acordada. Eu não sei quanto
tempo se passou antes de ouvi-lo. Grizz. Ele entrou no quarto gritando e
xingando. Eu não podia vê-lo por causa dos meus olhos inchados.

Quando eu mergulhei em um sono indolor o ouvi dizer: — Deus


ajude o filho da puta que fez isso. Ele vai sofrer como nenhum ser humano
jamais sofreu.
Eu quase senti pena do cara. Não durou, no entanto.

Eu não sabia, então, que ele tinha matado meu gato.


Capítulo Trinta e Um

Minha recuperação foi


lenta. Eu estava sentindo uma quantidade extrema de dor e fui inflexível
sobre a redução das doses de minha medicação. O médico continuou me
visitando regularmente. Depois de alguns dias eu era capaz de abrir um dos
olhos.

Durante minha recuperação, Grizz me incomodou até a morte. Ele


estava obcecado em encontrar o cara que fez isso. Ele me atormentou
constantemente com qualquer coisa que eu conseguisse lembrar, até mesmo
o menor detalhe. Lembrava de ter ouvido uma moto arrancando? De que
cor eram os olhos do cara? O cabelo dele era longo e apareceu sob a
máscara de esqui? Que outros tipos de coisas ele disse para mim?

Eu não era a única que foi atormentada. Pobre Moe. Ela recebeu o
peso da ira de Grizz.

— O que diabos meus cães faziam com você no seu quarto enquanto
Kit estava sendo atacada? Eu tenho esses cães para a proteção dela quando
não estou aqui, não a sua!

Pedi-lhe para não ser tão duro com ela. Era óbvio que ela se sentia
mal e um pouco responsável. Ele a repreendeu implacavelmente. Eu me
senti tão triste por ela, e quando finalmente fui capaz de ficar por perto, fiz
o que pude para intervir. Mas, como eu disse, ele estava obcecado. E porque
ele não sabia quem fez isso comigo, Moe recebia a sua ira. Eu
honestamente não sei se alguma vez ele a machucou fisicamente. Esperava
que não. A verdade era que não havia nada que ele pudesse fazer ou dizer
para ela se sentir pior do que já estava se sentindo.

Grizz passou temporariamente seus negócios para Blue. Ele estava


gastando todos os seus esforços para descobrir quem fez isso comigo. A
cada informante foi dito que haveria uma recompensa substancial por
informações que levassem Grizz ao responsável.

Ao longo dos próximos meses, houve algumas pistas falsas. Eu não


posso te dizer o tamanho do medo que vi nos rostos dos homens que Grizz
exibia na minha frente. Ele os fazia falar para ver se eu reconhecia suas
vozes. Ele os fazia vestir uma máscara de esqui para ver se alguma coisa me
parecia familiar. Eu tinha certeza que reconheceria a voz e a aparência física
do meu agressor. Nenhum desses caras estava nem perto.

Eventualmente tive uma recuperação física completa. Eu não tinha


feito uma boa com a parte emocional, no entanto. Eu sentia como se tivesse
sido violada, e estava certa que Grizz não iria me querer depois disso. Mas
eu não poderia ter estado mais errada. Ele foi hesitante depois que eu disse
a ele que estava curada. Eu não tinha percebido que era porque ele estava
com medo de me machucar. Um dia o convenci que ele não iria me
machucar e retomamos nosso relacionamento físico.

Foi difícil para mim no começo. Eu não conseguia fechar meus


olhos. Eu os mantinha abertos o tempo todo e precisava da luz acesa. Eu
tinha que ver que era Grizz. Levei muito tempo para deixá-lo beijar meu
corpo. Eu ficava tensa, esperando uma mordida dolorosa. Saber que eu
ainda estava me esforçando duramente com ele só aumentava sua raiva. Ele
começou a implicar com Moe novamente.

Eu gostaria de ter notado a mudança nela. Eu estava muito envolvida


no que tinha acontecido comigo; muito envolvida na minha própria
recuperação. Olhando para trás, eu deveria ter chamado Grunt e pedido para
que ele voltasse ao motel e passasse algum tempo com ela. Tenho vergonha
de dizer que não notei as profundezas do seu desespero e solidão, até que
fosse tarde demais.

Foi em 1979, próximo ao quarto aniversário do meu


sequestro. Poucos meses constrangedores antes do aniversário de um ano do
meu estupro. Depois do meu ataque, Grizz propositadamente manteve
Damien e Lucifer longe de Moe. Eu acho que isso a machucou mais do que
qualquer outra coisa, e eu me sentia horrível sobre isso. Horrível o
suficiente para desafiá-lo e deixá-la vê-los quando eu sabia que Grizz não
estava por perto.

Foi assim que Chowder a encontrou. Grizz tinha ido embora, e eu a


deixei levar Damien para seu quarto uma noite. Eu mantive Lucifer
comigo. Chowder ouviu Damien chorar na manhã seguinte e sair sozinho
do quarto de Moe.

Ela encontrou Moe pacificamente deitada em sua cama com um


frasco vazio de comprimidos ao lado dela.

Morta.

Eu não posso te dizer a extensão da minha devastação. Eu senti todas


as emoções possíveis: tristeza, raiva, desespero, depressão, culpa. Uma
grande quantidade de culpa. Eu sempre me imaginei uma pessoa
carinhosa. Como foi que não percebi o quão ruim estava a depressão de
Moe?

Lembrei-me de coisas pequenas, em seguida. Lembrei-me de quando


Grizz me levou para passeios a procura de terras para o nosso futuro
lar. Moe nunca foi incluída. O que teria acontecido com ela quando nos
mudássemos do motel? Ela esperava ficar lá por tempo
indeterminado? Fiquei horrorizada que eu não tivesse dado um segundo
pensamento ao seu futuro. Lembrei-me das minhas reclamações e queixas
sobre estar insatisfeita com a minha vida. O que Moe pensava sobre sua
vida? Que tipo de vida ela tinha, na verdade? Não uma grande, realmente.

Chowder fez as ligações necessárias, e em pouco tempo Grunt, Blue e


Grizz apareceram no motel.

Grizz me encontrou sentada na beira do sofá olhando para a TV


desligada. Levantei e atirei-me nele. Ele pensou que iria abraçá-lo e de
maneira nenhuma previa que o bombardearia. Eu bati nele com toda a força
que tinha em mim, e ele ficou lá e recebeu.

Exaustão, eventualmente, me venceu e caí em seus braços. Ele me


pegou e tentou me abraçar, mas eu o empurrei para longe. Sentando no sofá.

— O que você vai fazer com ela? — minha voz estava fria. Distante.

— O mesmo que todos os outros.

— Não. — calor brilhou através de mim e eu me levantei. —


Não! Absolutamente não há nenhuma maneira de Moe ser jogada fora e
tornar-se comida de jacaré. De jeito nenhum, Grizz.
— Suponho que poderia levá-la mais longe e enterrá-la. Se é isso que
você quer, Kit.

Eu pensei um minuto. — Não. Isso não é bom o suficiente. Eu


conheço um lugar. Não até estar de noite, no entanto. E eu preciso de algum
tempo sozinha em seu quarto.

Ele me seguiu ao lado de fora. Eu andei até seu quarto. Grunt estava
sentado em uma cadeira de gramado na calçada do motel. Ele tinha a
cabeça entre as mãos. Quando ele olhou para mim, pude ver que ele estava
chorando. Fui direto para ele e me joguei em seus braços enquanto ele se
levantava. Eu não sei quanto tempo ficamos lá chorando nos braços um do
outro, mas Grizz nos deixou sozinhos.

Perguntei se Grunt gostaria de entrar no quarto comigo. Eu queria


encontrar algo pessoal para enterrar com ela. Quando entramos, Moe ainda
estava deitada em sua cama. Ninguém se preocupou em cobri-la. Olhando
para trás agora, fiquei feliz que pude vê-la.

Moe parecia mais bela e tranquila do que já vi antes. Ela não estava
usando sua maquiagem pesada. Estava deitada em cima da sua colcha
vestindo uma camiseta branca que era vários tamanhos maiores que ela. Foi
a única vez que vi Moe vestir algo além de preto. Eu me perguntei se ela
tinha planejado.

Eu olhei através de suas gavetas e vi realmente que não havia muito


da vida de Moe para encontrar. Além das suas roupas pretas, maquiagem,
ferramentas de desenho e guloseimas caninas, não havia nada lá. Grunt e eu
estávamos nos preparando para sair quando pensei em olhar debaixo da
cama. Tinha algum tipo de caixa de metal. Eu não conseguia chegar a
ela. Grunt ajoelhou ao meu lado e conseguiu alcançá-la. Ele a puxou para
fora.

Nós abrimos. Havia dois itens. Um deles era um recipiente de


plástico. Grunt abriu a tampa e percebemos que tinha algo que parecia ser
um pequeno pedaço de carne velha embrulhada em papel celofane. Era a
língua de Moe.

O outro item, reconheci imediatamente. Era a minha carteira.

____________

Grunt e eu nos olhamos com a mesma expressão. Nós dois


conseguíamos entender por que Moe tinha salvado sua língua. Era
pessoal. Se isso tivesse sido alguns anos antes, eu provavelmente teria
vomitado. Mas acho que viver no motel tinha me endurecido um pouco. Eu
já tinha visto pessoas serem assassinadas, então uma língua murcha não era
qualquer coisa para ficar perturbada.

Mas minha carteira? Ela desafiou uma ordem direta de Grizz. Por
quê?

Nós supomos que ela tinha guardado para mim. Sua vida e identidade
tinham sido tiradas dela. Talvez ela não tivesse coragem de destruir a minha
identidade como Grizz havia ordenado a ela para fazer naquela noite.

— Obrigada, Moe. — sussurrei.


Tirei a carteira e a coloquei no bolso de trás. Eu sabia que, mesmo
sem pedir, Grunt nunca diria.

Quando voltei para o número quatro achei a mochila que estava


carregando na noite que Monster me sequestrou. Eu já não a usava. Ela
estava enrolada em uma prateleira no canto do meu armário. Eu coloquei
minha carteira dentro e esqueci o assunto.

Mais tarde naquela noite, Chowder e Blue cuidadosamente


embrulharam Moe em sua colcha e a levaram para a caçamba da camionete
de Blue. Eu fui na frente com Blue e Grizz e Grunt subiu na parte de trás
com Chowder, Moe e as pás.

Eu os guiei para o único lugar que pareceu ser apropriado. Estava


escuro lá fora, mas havia uma lua cheia. Sendo o suficiente para encontrar a
sombra da árvore imensa em uma estrada rural em Davie.

Eu escolhi o local, e Chowder e Grunt meticulosamente cortaram e


enrolaram a grama. Então começaram a cavar. Eu disse a eles para se
certificarem que fosse profunda. Eu não queria qualquer chance de animais
chegarem até ela. Grizz gentilmente entregou-a por cima da cerca baixa
para Blue, que a levou para a beira da sepultura recém cavada. Antes dele
baixá-la, eu alcancei a colcha e coloquei o recipiente plástico com ela.

Depois de preencher a sepultura, eles colocaram a grama de


volta. Não parecia que o chão tivesse sido mexido. Eu tinha certeza de que
ninguém notaria.

Quando fomos embora eu tive que olhar para trás. Ele estava lá, o
magnífico lindo cavalo marrom de Moe. Ele estava em pé ao lado do seu
túmulo.

Anos mais tarde, quando estava sendo interrogada pela polícia sobre o
meu conhecimento das pessoas que viviam no motel, eu nunca lhes
entreguei o lugar de descanso final de Moe. Fui capaz de lhes dizer
honestamente como ela morreu. Sua família pelo menos teria um
encerramento. Mas eu não poderia traí-la e contar que ela realmente estava
enterrada em sua propriedade. Eu não tinha certeza se eles cavariam e a
moveriam para um cemitério, dando-lhe um enterro apropriado. Mas sabia
no meu coração que esse seria o único enterro que Moe gostaria.

Grunt parou em Fess no caminho de volta para casa e disse a ele o


que aconteceu. Sarah Jo depois me disse que seu pai chorou como um bebê
naquela noite. Ele ficou chateado que não chegou a dizer adeus, mas ele
também entendeu que menos barulho, seria melhor para todos. Ele
perguntou se poderia prestar seu respeito. Grizz não disse onde ela foi
enterrada, mas acho que Grunt pode ter dito.

Gostava de dirigir até aquela árvore imensa muitas vezes ao longo dos
próximos anos, apenas para dizer “olá” para minha velha amiga Moe. A
área ainda era deserta e nunca havia ninguém por perto. Mas em algumas
ocasiões, eu vi flores secas mortas ao pé da árvore. Eu tinha certeza que
Fess tinha estado lá.

Inconscientemente, culpei Grizz pela morte de Moe. Caramba, eu


poderia até mesmo me culpar. Com grande esforço segui minha vida, até
agora. Que direito eu tinha de ter uma vida feliz quando Moe estava morta e
nunca iria ter uma?
Eu comecei a questionar minhas crenças. Quem eu era? Lembrei-me
que tinha testemunhado assassinatos. Então lutava duramente mesmo na
razão que ainda me lembrava disso. Não eram assassinatos
premeditados? Como eu não poderia pensar sobre isso todos os dias?

E, talvez pior, estava apaixonada por um criminoso endurecido. Nesse


ponto, eu acho que estava começando a acordar da ilusão de vida
aparentemente perfeita com Grizz. Como poderia me convencer que nosso
estilo de vida estava certo? Quem eu tinha me deixado tornar? Eu via um
futuro com ele? Eu teria filhos dele?

Eu afundei cada vez mais na depressão, e isso só piorou no verão


quando Grizz finalmente encontrou o cara que me atacou.
Capítulo Trinta e Dois

Eu posso dizer,
honestamente, que nunca deixei de amar Grizz, mas depois
do que ele fez para o homem que me atacou, eu fiquei com
medo dele como nunca tinha sentido. Não do que ele faria
comigo - eu sabia que no fundo Grizz nunca me
machucaria. Mas eu estava com muito medo do que Grizz
era capaz de fazer com os outros.

Descobrimos que era um ataque pessoal. O nome do


cara era Darryl Hines. Ele estava apaixonado por uma
prostituta loira em Miami.

Uma prostituta loira chamada Willow.

Darryl Hines tinha ouvido falar tanto de Willow, de


como Grizz a tirou dos anos de gangues mais cedo por
minha causa. Então ele decidiu fazer algo sobre isso. Darryl
era louco por Willow e queria demonstrar seu amor por ela.

Foi por pura coincidência que ele escolheu uma noite


para vir no motel, quando eu estava mais vulnerável. Ele
estava drogado e não tinha certeza se eu estaria no quarto
quando ele entrou. Ele tinha que saber que, se ele entrasse
e Grizz estivesse lá, ele teria encontrado a morte
certa. Mas naquela noite ele estava tão drogado que
simplesmente não se importou. Ele teve uma chance e
aproveitou.

Bem, ele não estava aproveitando tanto agora.

Eu acreditava que Darryl Hines precisasse pagar pelo


que ele comigo. Mas eu nunca conseguirei aceitar como
Grizz lidou com ele.

No dia em que o trouxeram para o motel, reconheci a


voz imediatamente. Era uma voz que eu nunca
esqueceria. Eu fiquei no quarto número quatro enquanto
Grizz o escoltou até o poço. Chowder me contou como ele
estava ajoelhado no poço e chorando. Ele confessou
tudo. Ele estava mais chateado por que Willow tinha lhe
dispensado depois que ele contou para ela o que fez. Ela o
tinha usado para se vingar de mim, e uma vez que
conseguiu isso, ele não tinha mais utilidade para ela.

— Parece que você deveria estar mais preocupado com


o que eu vou fazer com você. — Grizz disse a ele.

Darryl estava soluçando. — Você não pode fazer nada


para mim que vá doer mais do que o que Willow fez.

— Vamos ver isso.

Era julho no sul da Flórida. Estava insuportavelmente


quente. Naquela noite, Grizz me levou para Nápoles, na
costa oeste. Ele me colocou em um hotel caro na praia. Ele
me disse que iria lidar com Darryl e ele não me queria por
perto. Disse que eu deveria relaxar e me divertir, não me
preocupar. Como se isso fosse acontecer. Ele me deixou
com um monte de dinheiro e voltou para o motel.

Chicky apareceu depois de dois dias e passou um dia


comigo. Eu nunca tinha realmente me deixado conhecer
Chicky, e foi bom conversar com ela. Passamos o dia em um
local ensolarado na praia. Ela me contou sobre ela.

Chicky tinha 46 anos de idade. Fiquei chocada. Eu


pensava que ela era muito mais jovem. A maioria das
mulheres parecia endurecida e velha, por causa das drogas
e da vida de gangue. Ela não. Ela me disse que entrou na
gangue apenas dois anos antes de eu aparecer.

— Sim. — ela respondeu sem eu ter que perguntar. —


Eu era apaixonada por Grizz também. Quem não foi?

Em seguida, ela riu e acenou como se fosse nada. Ela


me disse que estava servindo mesas em um bar local
popular por suas asas de frango. Grizz tinha se
aproximado dela e lhe pediu para trabalhar para ele. Ela
disse que tinha sido uma stripper em sua juventude, então
servir mesas de topless não foi um grande salto e que o
dinheiro foi ótimo. Além disso, ela tinha uma filha para
alimentar e colocar na faculdade.

Isso me chocou. Sua filha estava no último ano da


faculdade. Chicky sabia que tinha me surpreendido.
— Só porque eu tive uma vida dura e nem sempre
tomei as decisões corretas não significa que eu não quero o
melhor para minha menina.

Eu mexi meus dedos dos pés na areia. — Como você


lida com isso, Chicky? Como você lida com as coisas
horríveis que você já viu no motel e em outros lugares?

— Basta fazer. Tanto quanto eu posso dizer, eu não fiz


nada de mal a ninguém. A menos que amar alguém seja
uma coisa ruim.

Olhei para ela. Antes que eu pudesse falar, ela disse: —


Não, não Grizz, querida. Eu estou esperando Fess
conseguir perceber que eu existo um dia. Eu sei que ele
tinha olhos para Moe, mas eu acho que eu poderia ser
realmente boa para o Fess.

Eu sorri. — Sim, eu acho que você poderia também,


Chicky. — nós duas nos deitamos em nossas cadeiras de
praia e fechamos os olhos.

Depois de um minuto, ela disse: — Ele está realmente


apaixonado por você, sabe? Grizz. Eu o vi com todos os
tipos de mulheres. — ela parou e então disse: — Desculpe,
não quis dizer isso. Só que ele poderia muito bem ter
qualquer mulher que ele quisesse e ele teve, até que você
apareceu. Eu nunca vi nada como isso. Um monte de
homens colocam suas mulheres para trabalhar, as
compartilham com os outros caras. É uma coisa
normal. Mas ele se preocupa com você.

Inclinei-me em meus cotovelos e olhei para ela. —


Chicky, eu amo Grizz com todo meu coração. Eu realmente
amo. Mas você sabe, eu não vou a todas as reuniões
motociclistas e diferentes encontros com ele. Ele poderia
estar com qualquer uma e eu nunca saberia.

— Sim, só que ele não está. — ela se sentou e olhou


para mim. — Já estive em algumas dessas reuniões. Já vi
mulheres tirar suas roupas e enfiar suas coisas na cara
dele. Ele só as empurra para longe.

— Sério? — fiquei surpresa. Era algo que eu não me


permitia pensar demais.

Mas agora que eu me deixava pensar sobre isso, eu


evitava o poço sempre que possível por algumas razões
principais, sendo uma delas os olhares de reprovação que
recebia das outras mulheres. Elas nunca eram cruéis ou
desrespeitosas comigo. Grizz não teria permitido isso. Mas
eu captava os olhares desagradáveis ocasionais. Isso era
porque Grizz era fiel a mim? Eu estava um pouco chocada.

Então me lembrei da noite que o peguei com Willow.

As palavras saíram antes que eu pudesse detê-las: —


Eu tinha certeza que depois que o peguei com Willow, que
ele fazia o que queria sem se importar comigo.
— Ah, eu me lembro daquela noite. — Chicky
suspirou. — Você foi ao quarto de Grunt para ouvir
discos. Sim. Eu me lembro bem. Ele fez isso de propósito
para te fazer ciúmes.

Isso chamou a minha atenção. — Como ele poderia ter


feito isso de propósito? O momento tinha que ser
exatamente certo para que eu o pegasse.

— Ele apenas deu a Grunt o sinal de que ele queria


saber alguns minutos antes que você deixasse o seu quarto.

— O que? — eu sentei na minha cadeira de praia.

— É um sistema de sinal que eles montaram. — Chicky


sentou-se, também, acenou com a mão, distraída. — Estou
surpresa que você não saiba sobre isso. Eles estão o usando
por algum tempo. Agora que penso nisso, não o vi fazer
isso, desde então, mas era uma coisa normal.

— Que tipo de sistema? Com que objetivo?

— Um tempo atrás, quando alguém vinha para o motel,


que não era familiar ou conhecido para ser confiável, eles
eram levados a um dos quartos e era mostrada alguma
hospitalidade, se você sabe o que quero dizer. Isso daria ao
grupo a oportunidade de checá-los. Ir até seu carro ou
alforjes, se eles estivessem de moto. Quem estava dentro
sabia que era para apertar a luz exterior duas vezes para
sinalizar que a pessoa ia sair em um minuto ou dois. Isso foi
o que Grunt fez antes de você sair. Acenou com a luz da
varanda. Você deveria ter visto Grizz arrastar Willow como
um morcego para o quarto de vocês.

— Grunt estava nisso?

— Nah, ele só viu Grizz pedir para dar o sinal, por


qualquer motivo, Grizz queria saber quando você ia deixar
o quarto de Grunt. O garoto não sabia por quê.

Eu ri. Eu ri muito. Grizz estava tentando me fazer


ciúmes? Bem, agora que penso nisso, funcionou. Por uma
questão de fato, se eu tivesse espiado pela fresta da cortina
da janela do número quatro, em vez de correr de volta para
o quarto de Grunt, eu aposto que teria visto Grizz empurrar
Willow para longe dele, puxar para cima as calças e dizer
para ela colocar sua bunda fora do seu quarto.

Tudo isso com um sorriso grande, gigantesco no rosto.

Deitei-me na minha cadeira de praia. — Obrigada,


Chicky. Obrigada por me dizer.

Um ou dois dias depois de Chicky ir embora, fui


visitada por Anthony Bear e sua mulher, Christy. Anthony
era um amigo de Grizz. Ele era o equivalente ao Grizz, o
líder da sua própria gangue de motoqueiros, mas, na costa
oeste da Flórida.

Lembro-me da primeira noite em que vi Anthony. Foi


há um ou dois anos, em uma das nossas viagens à igreja
para a costa oeste. Nós tínhamos feito uma parada antes de
entrar no Alligator Alley para ir para casa. Tenho certeza
que minha boca estava aberta quando eu olhei para um dos
homens mais bonitos que já tinha colocado os olhos. Grizz
era grande e, definitivamente, bonito, de uma forma
robusta. Mas onde Grizz tinha olhos e cabelos claros,
Anthony era escuro. Ele era um nativo americano e era
grisalho, com uma beleza exótica. Ele era a prova viva de
um velho ditado - alto, moreno e bonito. Olhos negros,
cabelo negro e, em pelo menos uma ocasião que eu tinha
testemunhado, humor negro. Ele era maior do que Grizz,
aproximadamente dois metros de altura, musculoso e
tatuado. E ele usava uma trança única em suas costas, que
atingia sua cintura.

Christy era uma mulher bronzeada, loira natural com


cabelos lisos, o queixo fino e grandes olhos azuis. Ela não
era magra, mas tinha uma figura de ampulheta tradicional,
preenchida em todos os lugares certos. Ela tinha sido
sequestrada, como eu. Eu não a conheci até mais
recentemente, e quando eu a conheci, ela deixou claro que
não estava satisfeita com a sua situação. Ela até tentou me
convencer a ajudá-la escapar.

Nós três passamos um dia agradável juntos, relaxando


na praia. Agora era o fim do dia e voltamos para o meu
quarto de hotel. Christy estava usando o banheiro.
— Desculpe-me, não poder tê-la deixado ir visitá-la
sozinha. As coisas ainda estão um pouco instáveis. Acho
que ainda não estou completamente confortável em deixá-
la fora da minha vista. — disse Anthony calmamente.

— Você não precisa se desculpar. Eu entendo. Lembro-


me de como era comigo e Grizz no começo. Eu estou
simplesmente feliz em vê-los hoje. — eu respondi.

— Você está feliz com ele? Você não quer deixá-lo


nunca mais? — perguntou.

— Eu amo Grizz. Eu não amo o que ele faz. Eu estaria


mentindo se eu não te dissesse que eu fantasio sobre um
futuro com ele longe deste estilo de vida.

Ele olhou para o chão. — Eu daria para ela. Tentei


dizer isso a ela. Eu não sei se ela acredita em mim.

Uau, eu pensei. Esta era uma admissão que eu não


esperava, especialmente partindo de Anthony. Se falar
honestamente, eu acho que posso ter tido um pouco de
inveja da sua última declaração.

— Ela tentou fugir recentemente?

— Não, não tenta há alguns meses. Eu não sei se é


porque ela está finalmente feliz comigo ou se ela está
esperando que eu baixe a guarda.
Refleti as últimas horas. Se Christy estava planejando
escapar de Anthony, não ficou óbvio para mim. Ela saiu do
banheiro um pouco depois e me pegou em um abraço que
durou mais tempo do que eu esperava. Ela não disse
adeus. Ela apenas olhou para Anthony, e ele a tomou pela
mão e a levou para fora da porta do quarto. Fechei-a
tranquilamente atrás deles. Fiquei triste ao vê-los sair.

Fui até minha varanda e olhei para a praia. Não


demorou muito para eu notar um movimento à minha
esquerda e perceber que a moto de Anthony estava
estacionada em cima da pequena calçada. Antes montá-la,
Anthony se virou para enfrentar Christy. Ele pegou o rosto
dela entre as mãos e inclinou-se para beijá-la suavemente
nos lábios. Foi um momento de ternura, e eu quase me
senti culpada por testemunhar isso.

Ela vai ficar bem. E eu voltei para dentro e fechei a


porta da varanda atrás de mim.

Grizz me ligava todas as manhãs e todas as noites, e


depois de uma semana eu comecei a ter uma sensação
muito desconfortável. Eu não tinha dúvida de que ele ia
matar Darryl, mas porque ele não tinha feito isso até
agora? E mais uma vez, por que eu não ligava para a
polícia? O que havia de errado comigo?

Eu não conseguia entender o meu próprio coração.


____________

Após oito dias, Grizz apareceu e me levou de volta


para o motel. Darryl não estava lá e tudo parecia ter
voltado ao normal. Eu tinha certeza que Darryl estava
morto, mas eu não sabia todos os detalhes. Eu não sabia se
eu queria saber todos os detalhes.

Eventualmente, Grunt me disse algumas coisas. Eu


gostaria que ele não tivesse. Foi minha culpa, eu perguntei
a ele. Ele não estava lá o tempo todo, mas sabia o
suficiente.

Enquanto Grizz estava me acomodando em um hotel


de luxo em Nápoles, os caras estavam à procura de
Willow. Eles a encontraram e a trouxeram de volta para o
motel. Quando Grizz voltou, ele ordenou imediatamente
para seus caras que tirassem todas as roupas de Willow e
Darryl. Ele, então, os levou até a piscina de cimento
vazio. Ele lhes disse para descer os degraus para a piscina
e ficar lá.

E isso foi tudo que eles fizeram. Eles ficaram presos na


piscina de cimento, sem comida ou água e ao ar livre por
alguns dias. Dias quentes e ardentes em julho com
nenhuma brisa ou abrigo. A pele deles ficou rapidamente
rosa e com bolhas. As noites eram frias, mas era quando
eles eram expostos a mosquitos e insetos.
Como se isso não fosse ruim o suficiente, Grizz tinha
atirado duas cobras corais venenosas lá com eles. As
cobras estavam sempre em busca de sombra durante o dia
e Willow e Darryl mal conseguiam se manter quando havia
sol. As cobras estavam sempre tentando ficar a sombra dos
seus corpos murchos à procura de alívio do sol.

Para piorar a situação, Grizz zombou deles. Não com


palavras, mas com ações. Ele colocou Lucifer e Damien
para guardar os degraus da piscina onde eles poderiam
tentar subir. Ele colocou um guarda-chuva para seus cães e
fez Chowder colocar uma extensão para dois ventiladores
para que os cães ficassem "frescos". Ele fez com que eles
tivessem grandes tigelas de água que estavam apenas fora
do alcance de Willow e Darryl. Se Willow ou Darryl
tentassem sair da piscina, Damien e Lucifer tinham ordens
para atacar. Era escolha deles. Ser estraçalhados por cães
ou morrer por exposição ao sol.

Em vez de se sentar em torno do poço durante a noite,


Grizz os usou para o entretenimento. Quem vinha para o
motel se sentava em volta da piscina em vez do poço e
zombava dos prisioneiros. Grizz nunca foi lá, no
entanto. Eles foram autorizados a fazer o que quisessem
com Willow ou Darryl, desde que não os ajudassem ou os
matassem. Desnecessário dizer que alguns dos membros
mais jovens, mais recentes do grupo de Grizz, gostaram
muito disso. Atiraram pedras pesadas, foguetes e cigarros
acesos para eles. Uma noite que Grunt estava lá, alguns
dos caras estava cuspindo neles. Eles estavam tão sedentos
que tentaram beber o cuspe. Grunt tinha visto o suficiente
e saiu.

Willow morreu primeiro. Em seguida, Darryl. As


mortes foram lentas e agonizantes que levaram dias e
foram ligeiramente prolongadas por duas tardes com
pancadas de chuva. O pouco de água que tiveram apenas
fizeram suas mortes se arrastarem por mais tempo. Grizz
colocou seus homens para atirarem-nos no pântano e nunca
houve qualquer prova de que uma ou outra pessoa tivesse
existido.

Ouvi descrente quando Grunt me contou o que


aconteceu. Ele esteve lá apenas uma vez e não conseguiu
suportar. Chowder contou o resto para ele. Por mais que
Chowder odiasse o que Darryl tinha feito, o velho membro
da gangue ainda pensou que era muita retaliação. Mesmo
para Grizz.

Froggy não conseguiu ir lá.

Senti-me mal. Vazia.

Aonde eu iria a partir daqui? Eu estava agora com 19


anos de idade. Eu faria vinte em seis meses. Eu ainda não
tinha um plano para minha vida. Eu não tinha
testemunhado o que aconteceu com Darryl e Willow, mas
tinha me assombrado. Eu me peguei olhando para Grizz e
me perguntando quem é essa pessoa que conhece tanta
maldade? Não ajudou que ele fez o que fez, em retaliação
pelo que foi feito para mim e Gwinny.

Mas tanto quanto eu queria, ou dissesse para mim


mesma que eu queria, eu não fiz qualquer tentativa de
mudar. Eu estava apaixonada por Grizz. Eu odiava o que ele
fazia, mas eu o amava.

Infelizmente, o meu amor por ele estava fazendo com


que eu me odiasse.
Capítulo Trinta e Três

Em janeiro de 1980, eu
finalmente convenci Grizz a me deixar ir para a faculdade. Eu terminei o
ensino médio em 1978, com o resto dos meus colegas, e eu estava
realmente correndo risco de encontrar um ex-colega de classe. Mas eu
expliquei ao Grizz que eu iria negar como seu fiz no veterinário alguns anos
atrás, quando uma colega me reconheceu. Eu já estava quase dois anos
atrasada para ganhar um diploma universitário. Sarah Jo estava na Florida
State University, no norte da Flórida, desde o segundo grau. Matriculei-me
na Cole Southeastern University e comecei a trabalhar minha graduação em
Administração de Empresas concentrando em contabilidade. Reconheci
uma pessoa ou duas do ensino médio, mas elas nunca me reconheceram. Eu
mantive minha franja porque Grizz a amava, mas eu tinha adquirido o
hábito de tirá-la do meu rosto ao sair do motel. Eu também tinha adotado
um novo estilo de guarda-roupa. Gostava de usar roupas bonitas, trajes de
negócios, para a escola. Se alguém me reconheceu, certamente não deixou
transparecer. A garota que supostamente fugiu em 1975 tinha sido
esquecida há muito tempo.

Eu estava caminhando para o meu carro um dia e ouvi alguém chamar


meu nome. Não o meu verdadeiro nome ou apelido. Meu nome de gangue.

— Kit! Kit, espere.


Eu me virei e vi um cara realmente bonito se movendo em minha
direção e sorrindo. Eu o reconheci imediatamente. Era Sam, o vizinho de
Sarah Jo. Eu não o tinha visto desde o verão e do incidente com Neal na
garagem de Jo.

— Sam! Como você está? Há quanto tempo.

Ele me abraçou e perguntou: — Você está com fome? Você pode


almoçar?

Eu não tinha percebido até aquele momento como seria bom ter uma
conversa com outra pessoa. Alguém que sabia um pouco sobre a minha
experiência. Eu estava começando a perceber que os segredos poderiam ser
desgastantes. Todo esse tempo eu estava vivendo em meu próprio
mundinho e só tinha feito duas amigas fora Sarah Jo: Carter e Casey. Elas
tinham a minha idade e foram para a faculdade comigo, e mesmo que
estivéssemos em diferentes formações e cursos na faculdade, tivemos uma
conexão instantânea. É claro que eu não poderia levá-las para o motel, e
nossa amizade no início se limitava à faculdade. Mas neste momento, eu
não tinha compartilhado minha história real com meus novos amigos. Com
Grunt e Moe fora, era só eu, Grizz e Chowder vivendo agora no
motel. Chicky nem sequer passava por lá mais. Desde que Moe morreu,
Fess ia com menos frequência, também. Eu percebi que estava sozinha.

Eu imediatamente aceitei a oferta de Sam e o segui até um


restaurante, em Davie.

Nós conversamos por horas. Foi estranho, porque eu realmente não


conhecia Sam tão bem, e eu certamente não tinha ouvido nada sobre ele de
Sarah Jo nos últimos anos. Sam explicou o que ele tinha visto da sua janela
da sala de estar naquele dia de verão em 1977 enquanto Grizz cumpriu sua
punição de Neal. Ele me viu sair e a porta da garagem se abaixar. Ele me
disse que menos de 30 minutos depois, um carro apareceu. Dois sujeitos de
aparência rude entraram na casa e saíram, escoltando um Neal chorando
para o carro. Eles foram embora. Grizz pegou sua moto e saiu, e Neal nunca
incomodou Sam ou a sua mãe novamente.

— Você sabe, eu sempre me senti mal porque eu não pude fazer nada
para ajudá-la e Jo naquele dia. Senti-me como um verdadeiro covarde,
Kit. Sinto muito.

— Por favor, não se desculpe. — olhei para Sam gentilmente. — Pelo


amor de Deus, você era uma criança, Sam. Ele era um valentão ameaçando
sua mãe. Você não fez nada de errado. Por favor, não se sinta mal. Eu nunca
olhei para você como um covarde. Eu não achava isso antes e eu não acho
isso agora. Agora, me diga, o que você está fazendo em Cole?

Ele me contou como a escola técnica realmente não funcionou. Ele


descobriu que tinha um talento especial para as habilidades sociais e amou
trabalhar com jovens problemáticos. Ele agora estava trabalhando em
tempo integral em uma YMCA[21] local e cursando a faculdade em tempo
parcial para conseguir seu diploma. Ele queria ser um assistente social.

— Então, hum, Kit, você ainda está com Grizz? Você ainda é como
sua namorada, ou algo assim?

Eu sorri para ele. — Na verdade, Sam. Sou casada com Grizz.

Eu sei que isto o chocou. — Uau, casada. — Sam encostou-se na


cabine. — Não esperava por isso. Seria rude da minha parte perguntar se
você está feliz no casamento? Só por curiosidade, é tudo.

— Não, não é rude. E sim, eu estou feliz. Eu amo Grizz. Eu não


preciso te dizer que eu não amo seu estilo de vida, mas sim, eu amo o
homem.

Ele assentiu com a cabeça. — Eu meio que não entendo, no


entanto. Quer dizer, eu sei quem ele é e o que ele faz, e você apenas parece
ser uma garota doce e tão inteligente. Eu não posso imaginar você com
alguém como ele. Desculpe, eu sei que você o ama. É apenas difícil de
assimilar.

— Não se sinta mal. Às vezes não consigo assimilar, também. Eu sei


que não deveria estar falando sobre isso, mas eu tentei compensar isso, pelo
menos na minha própria mente, para ver se algo de bom podia resultar de
estar com ele. Para ver se existem pontos negativos que podem se
transformar em positivos.

— O que você quer dizer?

Então eu lhe contei uma história. Isso se tornou uma fonte de irritação
no meu casamento. Grizz tinha me avisado mais de uma vez, mas eu não
consegui me conter.

— Porra, Kit. Eu não posso levar você em qualquer lugar. — ele disse
um dia em frustração.

Revirei os olhos. — Eu pedi para você não ser uma boca tão suja.

— Bem, eu lhe pedi para não ficar no meio de cada briga de Tom,
Dick e Harry[22] que você encontrar.
— Eu fiz aquilo porque quando eu pedi-lhe para ajudar, você
ajudou. Você não se importa! Então você não me deixa escolha a não ser me
envolver. Além disso, se não estivéssemos em uma parte ínfima da cidade
para começar, não graças às suas atividades, eu não teria visto metade das
coisas que eu tive que ver.

— Você quer que eu seja preso? É esse o seu objetivo?

— Não seja ridículo. Trata-se de ajudar alguém, não sobre você ficar
em apuros.

— Sim, mas você percebe que eu sou capaz de matar quando você
está envolvida? Se eu matar alguém isso ficará em sua consciência.

Esta conversa aconteceu muito antes da história de Darryl e


Willow. Eu sabia como Grizz matou Johnny Tillman, mas eu me convenci
de que era diferente. Uma circunstância isolada que não se repetiria. Afinal
de contas, ele não matou Neal após o incidente da garagem.

Grizz e eu estávamos discutindo sobre algo que tinha acontecido mais


cedo naquele dia. Grizz tinha me levado junto com ele enquanto ele se
encontrava com um de seus associados. Estávamos em seu carro e ele foi
até um suspeito armazém decadente em uma área ruim de Pompano
Beach. Lembrei-me de ter estado lá antes. Havia um carro estacionado na
frente.

Grizz deixou o seu carro correndo e me disse: — Eu voltarei em


menos de cinco minutos. As pessoas conhecem o meu carro, por isso
ninguém vai incomodá-la. Além disso, eu posso ver o carro daquela janela.

Ele apontou para uma janela no segundo andar.


Eu tinha ido a muitas visitas de negócios com Grizz e ouvi isso uma e
outra vez. Eu sabia que ele estava certo. Eu não queria ir para dentro e
encontrar alguém de qualquer maneira. Tirei um livro e imediatamente
comecei a ler.

Eu não tinha lido duas páginas quando um carro em alta velocidade


parou atrás de mim. Olhei pelo retrovisor e vi um flash de cor. Eu olhei para
a esquerda, sobre o banco do motorista e vi a fonte da cor.

Era um novo Mustang amarelo. O motorista deve ter pensado que ele
poderia dar a volta ao redor do prédio, mas, quando ele fez uma curva para
virar a esquina, eu ouvi seus freios guincharem. Eu tinha vindo a este prédio
antes. Eu sabia que ele era apoiado em uma parede de cimento. Não havia
estacionamento na parte de trás. Ele rapidamente colocou em marcha ré e
foi tentar voltar quando outro carro apareceu e o bloqueou.

Eu assisti com horror quando dois rapazes saíram de um carro verde


normal. Um estava carregando um bastão de beisebol e foi batendo-o contra
a palma da mão aberta. Pareciam criminosos consideráveis.

Eu podia ver o cara falar, mas não podia ouvi-lo. Debrucei-me sobre o
banco do motorista e abaixei a janela de Grizz. Em inglês enrolado eles
estavam dizendo ao cara para sair do carro. Então ele saiu e entregaria as
chaves, nada de ruim iria acontecer. Isto era um furto de carro.

Eu olhei para cima para ver se eu poderia encontrar Grizz na


janela. Eu não pude. Certamente, ele ouviu os guinchos de pneus e estaria
aqui em um segundo. Eu esperei. Nada.
Eu saí do carro e fui para a mesma porta que Grizz tinha entrado há
dois minutos. Eu fui até o único conjunto de escadas e encontrei com ele
conversando com um homem velho. Eu não prestei atenção e não pedi
desculpas por interromper.

— Por favor, chame a polícia. — eu ofegava, tentando recuperar o


fôlego. — Há um roubo de carro acontecendo lá embaixo.

O velho começou a dizer algo para mim, mas Grizz levantou a mão e
o parou. — Tudo bem, vamos chamar. Espere por mim lá embaixo. Não
volte para o carro.

— Está bem. — eu disse sem fôlego. — Obrigada.

Eu desci as escadas e olhei para fora da janela de vidro da porta que


eu tinha acabado de passar. Ele era apenas um garoto. Ele havia saído do
carro como lhe disseram, mas ele deve ter feito algo para enfurecê-los. O
cara tinha o empurrado contra seu carro, enquanto o outro cara com o
bastão de beisebol estava usando-o para percorrer alguns arbustos. Então
me dei conta do que tinha acontecido. O garoto deve ter desligado o carro e
saído como disseram-lhe para fazer, mas ele pegou as chaves e jogou-as em
alguns arbustos.

Só então, o cara segurando-o contra o Mustang agarrou o menino pela


nuca e começaram a marchar em direção aos arbustos. Eu abri a porta para
que eu pudesse ouvir o que eles estavam dizendo. Ele estava dizendo a ele
em inglês enrolado que seria melhor ele encontrar as chaves ou morreria.

Morrer? Por um carro? Ele empurrou o menino para baixo de quatro e


o fez vasculhar os arbustos. Eu poderia dizer que o menino estava
começando a entrar em pânico. Tenho certeza de que ele desejava que
tivesse entregado as chaves e chamado a polícia. Ele tentou ser mais esperto
que os criminosos enfurecidos e agora ele ia pagar. O cara começou a
chutá-lo nas costelas enquanto se arrastava ao longo da linha de arbustos.

Eu fechei a porta. — Grizz? — eu gritei. — A polícia vem? — não


houve resposta. Eu soube imediatamente que ele não ia chamar a
polícia. Este era Grizz. Grizz não ligava para o que acontecia com outras
pessoas. Eu sabia o que eu tinha que fazer. Eu calmamente saí do armazém
e me aproximei do trio.

— Desculpe. Com licença, senhores. Eu apenas pensei que vocês


deveriam saber que a polícia está a caminho. Acho que se vocês saírem
agora, vocês terão ido antes de chegarem aqui.

Todos os três pararam o que estavam fazendo, e os dois criminosos se


viraram para olhar para mim. Eu podia ver as lágrimas escorrendo pelo
rosto do menino. Ele havia encontrado as chaves e estava segurando-as em
uma das mãos, ainda de joelhos, enquanto descansava todo o seu peso sobre
a outra. Eu parei de andar. Eu já estava perto deles, mas não tão perto que
eles pudessem me pegar.

— Só pensei que vocês deveriam saber. — acrescentei. Isso saiu


rouco.

Eles não se moveram na minha direção ou responderam a minha


declaração. Eu me virei e comecei a andar em direção à porta do armazém.

Eu ouvi um deles acumular uma bola de saliva e cuspir. Eu senti o


estalo contra a parte de trás da minha cabeça. E ouvi o riso.
Só então a porta do armazém se abriu com tanta força que o vidro
estilhaçou. Grizz caminhou em minha direção. Ele deve ter me visto do
segundo andar ir em direção aos bandidos. Ele viu que o cara cuspiu em
mim, através da porta de vidro, bem antes que ele a abrisse.

Os homens atrás de mim começaram a falar rapidamente em


espanhol. Eu tive o suficiente de espanhol na escola para saber o que eles
estavam dizendo.

— Porra, Manny! Você vê o tamanho desse filho da puta vindo


aqui? Porque você tinha que cuspir na menina? Seu burro! Largue o menino
e a porra do carro. Vamos. Agora!

— Entra no carro, Kit. — Grizz praticamente rosnou.

— Não os machuque. Por favor, eu não quero que ninguém se


machuque, Grizz.

— Eles terão sorte se eu deixá-los vivos.

Eu não entrei em mais detalhes com Sam. Grizz não os matou. Disse
o suficiente.

— Então, basicamente, você sabia que se você interviesse em


seguida, ele viria em seu socorro e, ao fazê-lo, resgataria a outra vítima? —
os olhos de Sam estavam arregalados.

— Sim, isso é exatamente o que eu estava fazendo. Eu tinha feito isso


antes, também, mas nunca foi tão ruim quanto o incidente da
cuspida. Normalmente, uma olhada de Grizz e as pessoas sempre se
afastavam. Essa foi a primeira vez que ele teve que usar a força física, e eu
tenho certeza que ele não teria se o cara não tivesse cuspido em mim.

— Você percebe que ele estava certo, no entanto, não é?

Isso me surpreendeu. Eu tinha acabado de tomar um gole do meu chá


gelado e olhei para Sam. — Certo sobre o que?

— Certo em não chamar a polícia. Não se envolver. Talvez


inconscientemente queira que ele fosse pego.

Isso me chocou. — Não, absolutamente não. Eu não quero que ele


seja preso. Eu o amo.

— E é isso, Kit. Você o ama e se sente culpada por amá-lo, assim,


você tenta usá-lo para melhorar as situações onde você não pode. Se
continuar fazendo isso e é só uma questão de tempo até que não vai dar
certo. Você tem sorte que ele não matou esses caras.

Sam estava certo.

Eu fui para casa naquele dia e disse a Grizz que eu estava arrependida
por envolvê-lo em problemas de outras pessoas. Jurei nesse dia não bancar
a socorrista novamente. Ótimo. Agora eu ia ter que descobrir outra maneira
de aliviar a minha consciência.

Sam não só se tornou um assistente social, mas um psicólogo


também. Anos mais tarde, depois de saber que eu realmente tinha sido
sequestrada por Grizz, ele passou a escrever um livro sobre a Síndrome de
Estocolmo - onde cativos começam a gostar do seu captor.
A menina em seu livro era estranhamente semelhante a mim. Eu
fiquei amiga de Sam ao longo dos anos, e o livro quase arruinou a nossa
relação.
Capítulo Trinta e Quatro

Eu continuei a encontrar
com Sam na faculdade e almoçamos juntos ocasionalmente. Debati se
deveria ou não contar para o Grizz. Eu sentia que não estava fazendo nada
de errado, mas ele era tão protetor que sentia que ele iria assustar Sam.

Descobri mais tarde que ele sabia sobre todas as vezes que almocei
com Sam. É claro que ele sabia. Ele sabia tudo. Eu nunca menti, no
entanto. Se ele me perguntava o que fiz depois da faculdade, eu dizia a ele:
fui almoçar com um amigo. Eu acho que depois da primeira vez que ele nos
viu, deve tê-lo convencido de que era um almoço estritamente
platônico. Talvez ele não se incomodou com Sam, porque ligou o primeiro
almoço com ele, com o mesmo dia em que cheguei em casa e me
desculpei. Talvez ele estivesse secretamente grato por Sam ter me
influenciado algum sentido.

De qualquer maneira, Sam acabou sendo sempre um convidado bem-


vindo em nossa casa.

Eu estava em uma pausa entre as aulas de primavera e verão, quando


Blue ligou para o motel pedindo um favor. Eu continuei mantendo uma boa
relação com Jan após a primeira Ação de Graças. Nós nunca nos tornamos
próximas, mas eu amava os meninos e tomava conta deles sempre que
podia. Eles estavam agora em idade escolar, e Jan trabalhava em um
escritório de advocacia. Ela parecia realmente desfrutar do seu trabalho, e
tanto quanto eu poderia dizer, evitava colapsos mentais com uma
combinação de medicamentos e um trabalho que ela amava.

Blue explicou que os dois meninos tinham pegado catapora e não


poderiam ir para o acampamento de verão. Jan estava tendo um momento
especialmente ocupado no trabalho. Ela tinha evoluído rapidamente de uma
recepcionista de meio-expediente para uma recepcionista integral, em
seguida, para assessora jurídica. Havia alguma maneira que eu pudesse ficar
com os meninos por alguns dias? Talvez por toda a semana?

Eu não tive que pensar sobre isso. Eram ótimos meninos, e eu


agradecia a oportunidade de passar um tempo com eles. Além disso, eu
poderia me sentar à beira da piscina e ler enquanto eles cochilavam. Eu
tinha dúvidas se eles ainda cochilavam. Provavelmente não. Mas isso não
importava. Seria como um pequeno refúgio para mim, também. Blue
perguntou se eu poderia parar em uma farmácia e pegar um pouco de
loção. Era para ajudar com a coceira.

Eu falei com Grizz, e estava tudo bem. Ele estaria ocupado, de


qualquer maneira. Nós finalmente escolhemos um terreno em um bairro a
sudoeste de Davie chamado Shady Ranches. Estávamos construindo uma
casa e ela estava na fase estrutural. Grizz havia contratado um empreiteiro,
mas tinha dificuldade em passar o controle do projeto. Passava tanto tempo
lá quanto podia. Eu sei que ele não tinha nenhuma intenção de intimidar o
cara; ele estava apenas curtindo o processo de construção. Chowder passava
muito tempo com ele lá, também.

Fui para o nosso quarto e procurei algo para colocar minhas coisas.
Eu me lembrei da minha velha mochila de pano. Encontrei-a enrolada em
um canto do nosso armário onde eu descuidadamente joguei há mais de um
ano. Enfiei minha roupa de banho, protetor solar, dois livros e minha escova
de cabelo nela. Não tinha necessidade de embalar algo mais. Eu não iria
passar a noite.

Parei em uma farmácia e comprei uma loção. Eu joguei na minha


mochila e dirigi até a casa de Blue. Quando cheguei lá, Jan me encontrou na
porta com um abraço.

— Você vai realmente nos tirar da forca, Kit. Blue e eu tentamos nos
dividir durante o dia para cuidar dos meninos - eu faço as manhãs e ele as
tardes - mas estamos começando a receber reclamações no trabalho. Você
salvou nossas vidas.

— Fico feliz em ajudar. Eu amo seus meninos. Você sabe disso. Onde
eles estão? — perguntei, jogando minha mochila no banco ao lado da porta.

— Eles estão na sala.

Eu entrei e fui recebida com um grande abraço de Kevin. Ele era o


mais jovem dos dois. Timmy me olhou timidamente. Eu acho que foi
porque ele tinha idade suficiente para se envergonhar de me ter lá como
babá.

Jan gritou da sala. — Você se lembrou de pegar a loção?

— Sim, está na minha mochila na parte da frente.

Se eu não estivesse tão presa aos meninos eu poderia ter notado


quanto tempo Jan levou para levar a loção para dentro. Eu poderia ter me
lembrado de um dia, há mais de um ano, quando encontrei minha carteira
no quarto de Moe. Lembrado de tê-la jogado na minha velha mochila.

Porque enquanto eu estava dando atenção para Kevin e Timmy, sua


mãe estava fazendo uma nota mental de um nome extremamente
estranho. Um nome que eu não tinha ouvido falar ou até mesmo pensado
em mais de cinco anos.

Guinevere Love Lemon.

____________

A construção da casa estava progredindo a um ritmo extremamente


rápido. Tenho certeza de que o empreiteiro estava simplesmente morrendo
de medo de Grizz e queria que o projeto acabasse logo. Não que Grizz
tivesse feito algo de propósito para assustar o cara. Era apenas Grizz.

Em um sábado antes de acabar aquele verão, quando ela ainda estava


na pausa da faculdade, Sarah Jo e eu passamos o dia na praia. Eu tinha
sentido uma terrível dor de cabeça e perguntei se ela poderia apenas me
levar para casa. Estávamos no meu carro. Pedi-lhe apenas que me deixasse
no motel e levasse meu carro para casa. Eu tinha certeza que Grizz levaria
de volta para o motel.

Ela me deixou e ajudou a descarregar as minhas coisas. Sendo a


melhor amiga no mundo, ela guardou minhas coisas, ficou no banheiro
quando tomei um banho rápido e me colocou na cama com duas
aspirinas. Ela fechou as cortinas do quarto e me deu um beijo na testa.

— Eu vou ligar mais tarde para verificar você, Kit. Tente


dormir. Talvez a dor de cabeça tenha passado quando você acordar.

Minha cabeça estava doendo tanto que eu não me lembro de


responder. Acabei adormecendo e acordei mais tarde desorientada. Minha
dor de cabeça era agora apenas um pulsar maçante. Ouvi vozes. Deve ter
sido o que me acordou. Era Grizz, ele estava discutindo com uma mulher
cuja voz eu não reconheci.

— Eu não entendo por que não posso vê-lo. Não que eu te deva uma
explicação, mas eu estou limpa de todas as minhas ações. Eu tenho coisas
para resolver com ele.

— Ele não está aqui, Candy.

— Pare de me chamar por esse nome de gangue, J...

— Cale a boca! — Grizz rugiu. — Não me chame por esse


nome. Ninguém me chama por esse nome, nunca!

Quem era esta mulher? Ela começou a chamar Grizz por um nome
que começava com J. Ela sabia o seu verdadeiro nome? Era óbvio que
Grizz não sabia que eu estava lá. Meu carro não estava parado lá fora, então
ele teria suposto que eu ainda estava com Sarah Jo. Eu estava pensando em
aparecer ou não. Quase pude ver os olhos dele revirando quando ele gritou
essa última afirmação para ela.
— Você e seus malditos códigos de gangues. Juro Grizz, você é tão
exagerado. Eu não atendo por Candy mais.

— Eu não dou a mínima pelo que você atende, você não irá vê-lo. Ele
não mora aqui de qualquer maneira. Ele está feliz e se estabeleceu. Não há
razão para você insinuar-se trazendo seu passado, porque você tem uma
consciência culpada.

— Você é um estúpido arrogante. Você não estaria onde está hoje se


não fosse por mim. Não se esqueça de que eu encontrei seu traseiro
desolado quando tinha quatorze anos de idade, atrás de um posto de
gasolina. Eu sou aquela que te apresentou às pessoas certas, que o
colocaram onde você está hoje. Eu!

— Ninguém me colocou onde estou hoje, apenas eu. Além disso,


quando você supostamente me encontrou você já era uma prostituta
decadente, viciada em drogas e só tinha dezessete anos. Se alguém deve
alguma coisa, é você por eu te manter segura e longe de viver na rua.

Portanto, esta foi a mulher que conheceu Grizz quando ele ainda era
um adolescente. Eu acho que nunca cruzei com alguém que o conhecesse há
tanto tempo.

— Bem, eu certamente não preciso da sua permissão para vê-lo. Eu


posso encontrá-lo sozinha e você não pode me impedir.

— Realmente, Candy? Eu não posso impedi-la?

Ele ficou em silêncio e eu sabia que ela estava pesando em suas


opções. Finalmente, ela falou com uma voz mais calma.
— Bem. Você me faz um favor? — sem esperar que ele respondesse,
ela continuou: — Você, pelo menos, pode dizer a ele que eu vim aqui
procurar por ele? Diga a ele que estou limpa. Diga a ele que eu só quero vê-
lo e pedir desculpas por tudo de ruim e toda merda que aconteceu. Eu não
quero perturbá-lo ou interferir em sua vida. Eu só quero dizer que sinto
muito.

Grizz disse alguma coisa, mas eu não consegui ouvir suas palavras.

Eu ouvi a porta abrir e depois fechar. Eu saí da cama e fui para a


pequena sala de estar. Grizz não estava lá. Ele deve tê-la levado para
fora. Eu percebi que a hora do jantar tinha passado, então fui para a cozinha
e comecei a tirar algumas coisas da geladeira para cozinhar. Se eu tivesse o
mínimo de curiosidade sobre como Candy parecia poderia ter pensado em ir
até a janela e espreitar para fora.

Em retrospecto, foi uma boa coisa eu não ter ido. Eu teria


testemunhado meu marido fazer algo horrível. Eu teria visto Grizz
acompanhá-la até seu carro, e quando ela estendesse a mão para a maçaneta
da porta, ele a teria pego por trás e instantaneamente quebrado seu
pescoço. Eu o veria descuidadamente arremessá-la por cima do ombro,
fazer sinal para três homens anônimos do poço para se livrarem do seu
carro e facilmente caminhar até a parte de trás do motel para apagar os
vestígios da sua existência.

Mas não vi nada disso e não soube disso até que muitos anos se
passaram.

Grizz voltou para dentro menos de dez minutos depois e parou


bruscamente. — Quando você chegou em casa? Eu não vi você estacionar.
— Jo me trouxe para casa mais cedo. Eu tive uma das minhas fortes
dores de cabeça. Tentei dormir para ver se aliviava

— Você conseguiu? Aliviou?

— Um pouco. Apenas uma dor lenta agora realmente. Nada como


estava. Ela está com o meu carro. Você pode conseguir alguém para trazê-lo
para casa? — eu poderia dizer por sua expressão que ele sabia que eu estava
no quarto quando ele teve a discussão com Candy. Ele estava tentando
descobrir se eu tinha ouvido algo. Decidi tornar mais fácil para ele.

— Então, quem é Candy? — perguntei enquanto despreocupadamente


refogava alguns cogumelos no fogão.

Antes que ele pudesse responder, acrescentei: — Você vai dizer a


ele? Você vai dizer a Blue?

Ele me deu um olhar perplexo.

— Essa era a louca da ex-namorada de Blue, não era? A que você me


falou? A que ele rompeu logo antes dele conhecer Jan?

— Sim, era ela.

— Você não parece estar muito seguro, Grizz.

— Não, não é isso, baby. Eu só não me lembro de ter dito a você


sobre ela.

— Bem, você disse. Você nunca me disse seu nome, mas você a
mencionou logo depois da primeira vez que conheci Jan.
Ele veio atrás de mim e me abraçou. Ele apoiou o queixo no meu
ombro esquerdo. Ele deveria estar realmente debruçado sobre mim porque
eu era muito mais baixa do que ele.

— Eu acho que você está certo, Grizz. Não é adequado deixá-la ver
Blue. Pode levar Jan a ter um colapso. — antes que ele pudesse dizer
qualquer coisa, acrescentei: — Ela começou a chamá-lo pelo seu nome
real. Você vai me dizer algum dia?

— Kit, nós já passamos por isso um milhão de vezes. — ele falou e


me puxou para trás para olhar para mim. Eu me virei e olhei para ele. — É
para o seu próprio bem. Considerando que você está muito interessada, meu
verdadeiro nome é Rick O'Connell.

— Sim, Grizz, exceto que não é. — eu desliguei o fogão e


rapidamente passei ao seu lado. Fui para o nosso quarto e fechei a porta.

Ele nunca me deixaria entrar? Era casada com ele e não sabia
praticamente nada sobre ele. Nem seu nome, nada sobre seu passado. Bem,
agora eu sabia que ele viveu atrás de um posto de gasolina quando tinha
quatorze anos.

Ele veio e me encontrou sentada na cama fingindo olhar através das


paletas de cores do contratante. Eu não iria olhar para ele.

— Jason. Meu verdadeiro nome é Jason. Está bem? Eu não estou


dizendo a você mais do meu nome. Algum dia, talvez, quando tivermos
filhos, eu vou te dizer. Mas não será porque irei deixá-los usar o meu
nome. Eles serão O'Connells.
Então ele me contou um pouco sobre si mesmo. Ele nasceu na Florida
- West Palm Beach. Ele nunca conheceu seu pai, e o seu último nome ele
não quis me dizer, aparentemente, era o sobrenome da sua mãe. Seu
primeiro nome era Ida, e ela o teve com apenas quinze anos. Isso
certamente explica por que ele achava que eu era “velha o suficiente”,
quando ele havia me sequestrado.

Sua mãe cuidava da casa de uma família rica. Ele disse que ela
exercia o papel perfeito de governanta, mas sua própria casa era um
desastre. Ela o negligenciava. Ela nunca bateu ou abusou dele; ela
simplesmente o ignorou. Soava familiar. Ele fugiu quando estava com
quase quatorze anos. Ele tinha certeza que ela ficou aliviada e nunca o
procurou. Ele não estava vivendo atrás de um posto de gasolina quando
Candy o encontrou. Ele estava, na verdade, vendendo peças de automóvel
roubadas.

Perguntei-lhe por que ele quis fugir - ele foi negligenciado, não
abusado. Por que viver na rua? E como ele fez para chegar à área de Fort
Lauderdale, vindo de West Palm Beach?

— Eu andava com um grupo mais velho e abandonei a escola porque


estava ganhando bastante dinheiro. — disse Grizz simplesmente. —
Eventualmente, o grupo fez o caminho para o sul, e eu fui também.

Ele não vivia na rua, mas em um pequeno apartamento em cima da


garagem de um cara que o pagava para adquirir autopeças especiais. Eu
disse que ele era muito inteligente para um cara que tinha abandonado a
escola tão jovem.
— Eu sabia ler e tinha habilidades matemáticas básicas, e isso era
tudo de que precisava. — disse Grizz, encolhendo os ombros. — Além
disso, a minha educação na rua me ensinou mais do que qualquer diploma
que eu poderia ter ganhado.

Até esse momento, Grizz estava sentado ao meu lado na cama. Eu


deslizei para o seu colo.

— Por que temos de ter filhos antes de você me dizer o seu nome
verdadeiro? — eu perguntei quando acariciei seu pescoço, brincando com o
brinco na sua orelha esquerda. Era um dos meus hábitos favoritos.

Eu podia sentir seu corpo tremer. Ele estava rindo. Eu olhei para
ele. Com um grande sorriso, ele disse: — Eu não sei. Calculei que pode me
dar algum tempo. Imaginei que nós teríamos um bebê depois de mais
alguns anos.

— Bem, Sr. Não-Será-Capaz-De-Evitar-A-Questão-Por-Muito-


Tempo, eu acho que posso levá-lo a me dizer, mais cedo do que o
planejado.

— Ah, você fará agora? — ele pressionou o rosto no meu pescoço. —


O que é que você vai fazer, me seduzir?

Antes que pudesse responder, o telefone tocou. Ele me colocou de


volta na cama e se levantou para atender.

— Sim? — uma pausa. — Espere um segundo querida. Kit, é Sarah


Jo. — ele gritou da cozinha.
Entrei e peguei o telefone dele. — Sim, está quase no fim. Ainda sinto
um pouco a dor. — fiz uma pausa, enquanto Jo me fez outra pergunta. —
Não, eu não disse a ele ainda.

— Disse-me o que? — Grizz perguntou enquanto pegava uma cerveja


da geladeira.

Eu me virei para olhar para ele. — Eu acho que posso estar grávida.
Capítulo Trinta e Cinco

Grizz me levou ao médico


no dia seguinte, e certo, eu estava grávida. Fiquei intrigada, no entanto. Eu
tinha tomado pílulas anticoncepcionais religiosamente, nunca esqueci
sequer uma vez. Mas eu tive um sórdido caso de infecções na garganta no
mês anterior, e o médico explicou que antibióticos podem interferir com a
pílula. Eu era apenas um desses casos.

Eu disse ao médico que ainda estava tomando a pílula e só tinha


suspeitado da gravidez porque o meu último período foi muito curto e leve,
não a minha semana inteira habitual de sangramento intenso. Ele me disse
para parar de tomá-la e não me preocupar. Algumas mulheres engravidam
mesmo tomando pílula. Isso não era inédito, e nós tínhamos detectado a
gravidez bem cedo.

Olhei para Grizz, que estava sorrindo. Ele estava feliz com esta
gravidez. Se era para ser agora, em vez de daqui alguns anos, então que
assim seja.

Grizz me levou para almoçar e imediatamente começou a oferecer


nomes de meninos e meninas. Minha cabeça girava. Eu estava confusa. E o
meus estudos? Eu ainda poderia ir à faculdade e ser uma mãe? Eu estava
tonta com pensamentos sobre o futuro e como tudo iria se resolver. Eu me
senti um pouco confortada pelo fato de que o bebê nasceria depois que
estivéssemos em nossa nova casa. Eu teria odiado trazer um bebê ao
mundo, enquanto vivíamos no motel.

Grizz me surpreendeu com outra coisa. Ele me disse que levaria cerca
de seis meses para resolver alguns negócios e ele pararia com a
gangue. Para sempre. Eu não poderia ter ficado mais feliz. Jan realizaria o
seu desejo depois de tudo: Grizz entregaria sua gangue ao Blue.

Decidimos manter a gravidez em segredo por um tempo. Ainda era


cedo. Sarah Jo era a única que sabia, e eu não tinha dúvidas sobre sua
lealdade e capacidade de manter um segredo.

Enjoo matinal me atingiu com vingança. Eu não podia sequer chamar


de enjoo matinal; eu ficava enjoada durante todo o dia, tanto que eu não
conseguia segurar nada no estômago e Grizz queria me levar de volta para o
médico para ver se eles poderiam receitar algo para ajudar. Eu recusei. Eu
viveria com isso. Eu não ia tomar qualquer medicação enquanto estivesse
grávida. Nada, exceto vitaminas pré-natais, e apenas se eu pudesse mantê-
las no estômago.

Eu estava com cerca de 10 semanas de gravidez quando Grizz me


disse que ele tinha que falar comigo sobre uma coisa. Eu estava sentada no
sofá folheando revistas de design de interiores. Eu já tinha escolhido uma
cor neutra para o quarto do bebê, verde claro. Agora eu estava pensando em
um tema. Arca de Noé talvez. Ou ursinhos de pelúcia.

Ele tirou a revista das minhas mãos e a colocou sobre a mesa do


café. Isso parecia sério.

— Kit, há algo que eu tenho que te dizer.


— O que? O que é?

— Eu não quero que você fique chateada, especialmente desde que


você está grávida, mas eu te amo e eu tenho medo que se eu não disser a
você e você descobrir mais tarde, você não vai gostar.

Ele estava começando a me assustar. — Diga-me agora. Seja o que


for, não esconda de mim. — algo aconteceu com Sarah Jo ou Fess ou
Grunt? Grizz estava em apuros? Estávamos com problemas?

— Eu acabei de falar com Guido. — disse ele, segurando minhas


mãos com força. — Ele me disse que seus pais morreram em um acidente
de carro antes de ontem. Ele achou que deveríamos saber.

Eu fiquei atordoada. Eu nunca esperei isso. Eu não tinha pensado


muito em Delia ou Vince em anos. Eu não posso dizer que sentia falta
deles; o que tinha lá para sentir falta? Eu estive por conta própria desde uma
idade precoce. Mas Grizz estava certo. Fico feliz que ele me
disse. Memórias tomaram conta de mim.

— O que aconteceu? — perguntei em voz baixa.

— Colisão frontal. Camionete grande. Motorista adormeceu, cruzou a


linha amarela. Foi instantâneo.

Fiquei aliviada que não houve sofrimento da parte deles e que eles
não foram a causa do acidente. Eu não odeio Delia e Vince. Eu não sinto
falta deles, também. Mas eu queria fazer o que era certo.

— Grizz, não há nenhuma outra família. O que eles vão fazer com
eles?
— Provavelmente, uma caixa e um cemitério estatal. Eu acho. Talvez
cremação. Eu honestamente não sei. — antes que eu pudesse dizer qualquer
coisa, ele acrescentou: — Você quer que eu cuide disso, Kit? Gostaria
disso? Dar-lhes um enterro apropriado?

Isso me surpreendeu, mas eu acho que ele se lembrou do quão


importante foi para mim que Moe tivesse um enterro apropriado. Pelo
menos tão apropriado quanto pôde ser.

Eu balancei a cabeça. — Sim, eu acho que eu gostaria disso. Não tem


que ser extravagante, Grizz. Apenas um cemitério decente e talvez, em vez
de uma pedra tumular, uma dessas placas que se encontram no chão. Algo
que mostre seus nomes, aniversários e a data em que morreram.

— Escreva tudo isso para mim, baby, e eu vou cuidar disso.

E ele cuidou. Ele era tão bom em dar-me qualquer coisa que eu
quisesse. Nunca me ocorreu que esta foi mais uma oportunidade na minha
liberdade. É claro que tinha havido muitas vezes ao longo dos anos que eu
poderia ter ganhado a minha liberdade. Certamente, a morte dos meus pais
teria sido uma delas, mas isso não importava. Eu não deixaria Grizz. Pelo
menos, não de propósito.

Poucas semanas depois, eu comecei a sangrar. Liguei para o médico


em pânico, mas ele disse que não havia nada que pudesse ser feito. Podia
não ser nada. Esperar e não fazer nada extenuante. Grizz me fez deitar na
cama por três dias. O sangramento continuou e ele insistiu em me levar ao
médico.
Eu estava sentada no papel que cobria a mesa de exame, quando senti
algo. Eu não me mexi, apenas olhei para Grizz com lágrimas nos meus
olhos.

— Eu acho que acabei de perder o bebê.


Capítulo Trinta e Seis

Nós dois ficamos tristes


em perder o bebê, mas também concordamos que eu deveria voltar a tomar
a pílula. Ainda haveria crianças no nosso futuro. Nós mudaríamos para
nossa nova casa. Teria o meu diploma. A vida continuaria.

E ela continuou. Eu nunca voltei para o motel depois de me mudar


para a nossa casa, mas é claro, Grizz tinha que voltar. Chowder estava
morando agora em nosso antigo quarto. Monster tinha se mudado para um
dos quartos, também.

Eu decorei a nossa nova casa. Eu cuidava de Damien e Lucifer. Eles


foram enérgicos por anos, e era óbvio que tinham abrandado. Recebíamos
amigos para jantar. Grunt e Cindy vinham regularmente. Ele agora era um
arquiteto bem-sucedido com uma empresa avançada em Las Olas
Boulevard. Grunt e eu nos tornamos próximos um ano ou mais depois que
ele foi morar com Cindy. Por mais estranho que pareça, nós passávamos
muito tempo juntos. Acho que era porque Grizz não tinha ciúmes, uma vez
que Grunt estava com Cindy há tanto tempo. Eu acho que era difícil para
Grizz, mas ele sabia que a chave para me deixar feliz não funcionaria se ele
me guardasse para si. Minha amizade com Grunt era boa, confortável,
segura. Eu também tornei-me mais próxima das minhas amigas da
faculdade, Carter e Casey. Passava muito tempo com elas, também. Sarah
Jo era uma regular na nossa mesa de jantar, depois que ela se formou na
faculdade e se acomodou em Ft. Lauderdale. Ela casou-se também e tinha
ficado amiga do seu antigo namorado, Stephen, e sua esposa, April. Eles
eram todos convidados regulares em nossa casa. Então tinha Anthony e
Christy, nossos amigos da costa oeste da Flórida. Mesmo Sam e sua garota
do mês visitavam de vez em quando.

Chowder só vinha para Ação de Graças. Eu finalmente consegui fazer


o peru, e Jan não pareceu se importar de entregar as rédeas. Ela estava tão
ocupada com seu trabalho que realmente pareceu ficar aliviada e feliz por
deixar que outra pessoa fizesse a comida.

E é assim que os próximos anos se passaram. Eles foram preenchidos


com os amigos, viagens, shows, cuidando da nossa casa e animais, longos
passeios de moto e tão perto da felicidade doméstica quanto você pode
conseguir. Nossa casa tinha alguns acres e tínhamos vizinhos, mas eles não
ficavam por perto. Ainda assim, eu não queria que as pessoas tivessem
medo de nós. A única regra que eu tinha, e Grizz concordou: nenhum
negócio da gangue na nossa casa.

É claro que o nosso estilo de vida era baseado em uma ilusão. Quando
você olha para ele com sinceridade, eu não era realmente casada com
Grizz. Ann Marie Morgan era, mas vamos encarar, eu não era Ann
Marie. Nosso rendimento, que cresceu de forma significativa com bons e
honestos investimentos, ainda era baseado em dinheiro obtido com a
atividade ilegal. Muito dele. Grizz tinha as mãos em tudo no sul da Flórida
na época: prostituição, drogas, roubo de carros, jogos de azar, chantagem,
agiotagem. Ele foi sincero sobre entregar a gangue para Blue quando eu
fiquei grávida, mas com o aborto espontâneo logo depois, ele não viu
nenhuma razão imediata para se aposentar. E assim o dinheiro rolou. Eu
nunca perguntei, mas você não pode ficar com alguém por todos esses anos
e não ter uma noção do que eles estavam fazendo. Eu pegava as coisas aqui
e ali. Eu não era ingênua, mas eu me permitia fingir que era.

Eu sabia que nosso estilo de vida foi construído sobre um alicerce de


empreendimentos criminosos, mas enquanto eu não estivesse envolvida, era
capaz de esquecer. Eu tinha parado de contabilizar os talões de cheques e
acompanhar os investimentos alguns anos atrás. Eles foram entregues a um
contabilista. Fingia quando meu marido saía para trabalhar na parte da
manhã que seu trabalho não envolvia crime. Eu tinha tomado um emprego
de tempo parcial em um pequeno escritório de contabilidade em
Miramar. Eu não tinha que trabalhar, e foi muito difícil em convencer Grizz
a me deixar, mas ele acabou aceitando. Eu precisava trabalhar apenas para
ter algum propósito na vida.

Assim que me formei, eu disse a Grizz que queria engravidar. Se ter


filhos influenciaria Grizz a desistir da vida de gangue, eu queria ter um
bebê assim que terminasse a faculdade. Ele concordou, e então eu parei de
tomar a pílula. Infelizmente, isso não aconteceu tão rapidamente quanto eu
esperava. Um ano depois de me formar na faculdade, eu ainda não tinha
engravidado.

Durante esse tempo, o que eu não sabia era que o casamento de Blue
e Jan estava desmoronando. Ele a pegou o traindo, mais de uma vez, com os
advogados que ela conheceu no trabalho. Jan era atraente e sempre à
procura do melhor para si. Ser casada com o segundo no comando de uma
gangue de motoqueiros não possuía tanto apelo quanto já possuiu. Ela
queria mais. Fiquei surpresa que ela tenha traído Blue. Eu achava que ela
tinha medo de contrariá-lo, mas ela não tinha.
Blue chegou em casa um dia e nos contou a história. Eu estava certa
de achar que ela devia ter ficado com medo. Lembrei-me de um incidente
de hit-and-run[23] cerca de quatro meses antes. Jan estava andando até o
carro no estacionamento de um supermercado. Ela dirigia um carro bom e
sempre estacionava longe da entrada da loja para evitar qualquer descuido
de alguém que poderia ter ao estacionar ao lado dela. Ela estava carregando
duas bolsas e se atrapalhou com as chaves, olhando para baixo enquanto ela
caminhava, quando um carro do nada bateu nela. O motorista fugiu, ela
ficou inconsciente e não se lembrava de nada. Foi um milagre que ela só se
machucou e que nada foi quebrado. Com base na velocidade que carro
estava indo, foi um milagre ela estar viva.

Blue não aceitou bem as indiscrições dela. Percebi quando Blue


contou a história do hit-and-run, que foi muito mais do que isso - ele
ordenou uma batida real sobre ela. Eu também sabia que ele precisou da
aprovação do meu marido antes de fazer isso. Eu tremi.

Blue continuou com sua história e disse que ele finalmente cansou e a
chutou para fora. Disse para ela que lutaria pela custódia dos
meninos. Grizz o incomodou sobre exatamente quanto Jan sabia sobre a
gangue. Blue disse que nunca lhe disse nada. Ela nem sabia sobre a noite
em que ele buscou Grunt.

Grizz assentiu. — Tudo bem, então que mal ela pode nos fazer, se for
o caso?

A pergunta não formulada, é claro, foi: — Ela pode ligar o hit-and-


run e qualquer outra coisa ilegal a nós?
— Acho que ela poderia ter alguém para cavar nossas finanças
pessoais, mas, em seguida, ela só arruinaria a si mesma, penso eu. — Blue
disse a ele. — Além do fato de que eu tenho uma moto e uma jaqueta, tudo
é apenas especulação da parte dela. Eu não acho que alguém daria
ouvido. Com relação à custódia, ela pode estar recebendo aconselhamento
jurídico gratuito, mas a empresa que ela trabalha é especializada em
impostos imobiliários e coisas assim.

Eu interrompi aqui. — Blue, Jan sabe algumas coisas. Ela me contou


em detalhes sobre a vida de Moe e como ela veio para o motel. Como ela
perdeu a língua. Ela me disse quem morava no motel, quem não vive lá. Ela
inclusive sabia sobre a noite que eu peguei Gwinny. Se você não disse isso
a ela, quem o fez?

— Eu não sei — Blue olhou para nós dois, perplexo. — De verdade,


Grizz. Talvez quando Chicky ou Willow vieram quando ela estava grávida e
fora dos seus remédios? Lembra de quando precisamos que as garotas
ficassem com ela de vez em quando? Eu acho que ela poderia ter ouvido
coisas então. Mas eu não lhe disse de onde Kit veio ou qualquer coisa
assim. Inferno, ela nunca sequer foi para o motel. Não sabe nem os nomes
reais. Nem mesmo o meu. Eu casei com ela com um nome falso.

Grizz olhou na minha direção. Eu olhei para baixo. Ele sabia o que eu
estava pensando. Ele casou comigo com um nome falso. Pelo menos Jan
casou com Blue com o nome real dela.

Grizz não disse nada por um minuto. Eu poderia dizer que ele estava
pensando seriamente sobre isso. Ele, então, perguntou ao Blue: — Você
acha que ela falou com Willow, exceto quando Willow estava lá para
manter um olho sobre ela?
— Eu acho que é possível. Porra, eu sinceramente não sei. — Blue
me deu um olhar de soslaio. — Desculpe, Kit. Sei que você não gosta de
palavrão. É um hábito.

Mais silêncio de Grizz. Eu sabia que Grizz confiava em Blue


implicitamente e estava tentando descobrir se ele tinha um informante. Mas,
com o ódio intenso de Willow por mim, era muito possível que fosse ela a
pessoa que se comunicava com Jan. Talvez ela pensasse que encontraria um
aliado em Jan. Não tinha como sabermos. Jan certamente nunca diria e
Willow estava morta há anos.

— E você quer a custódia de Timmy e Kevin? — perguntou Grizz.

— Sim, eu quero os meus meninos, Grizz. Eu não posso desistir dos


meus meninos.

— Tudo bem, então. Eu confio em você. Vá em frente e lute por seus


meninos. Se a gangue surgir de qualquer maneira, sob qualquer
circunstância, eu quero saber imediatamente. Entendido? Diga isso a
ela. Diga-lhe o que isso significa.

— Eu vou. Vou dizer a ela e ela vai entender. Eu vou lutar pelos meus
meninos de forma justa. A gangue fica de fora disso. Você tem a minha
palavra.

A conversa terminou, e foi à última vez que ouvi sobre o divórcio de


Blue e Jan, e a batalha pela custódia por algum tempo. Ela tentou manter a
amizade comigo, mas eu não tive coragem de continuar a vê-la. Eu
suspeitava que ela quisesse ser minha amiga por outras razões. Talvez ela
temesse mais retaliações de Grizz e sabia que uma amizade comigo iria
ajudá-la nesse caso. Talvez ela só quisesse saber o que eu sabia, que era
nada. Se Blue estava contando coisas ao Grizz sobre as audiências do
divórcio e custódia, Grizz não estava me dizendo. Eu percebi que apenas
seria melhor para todos se eu ficasse longe dela.

Foi assim que eu lidei com tudo isso. Como sempre. Fiquei longe
fisicamente e emocionalmente.

____________

Não foi até a audiência de custódia que as coisas começaram a ficar


realmente desagradáveis. O divórcio foi finalizado meses antes, e Blue e
Jan estavam compartilhando a guarda conjunta dos meninos. Blue disse a
Grizz que parecia que as coisas iriam acabar a seu favor. A gangue de
motoqueiros foi citada nas audiências de custódia, mas sem nenhuma prova,
Jan era praticamente piada fora do tribunal. O advogado de Blue atacou
com uma vingança, trazendo à tona a batalha de Jan com a doença mental e
adultério.

Eu acho que isso embalou Blue e Grizz em uma falsa sensação de


segurança, onde a gangue estava em causa. Eles achavam que ela não seria
capaz de fazer qualquer mal agora.

Mas acho que Jan não aguentava mais. Ela finalmente puxou um ás
da sua manga, como ela fez tantos anos antes, quando Blue ia deixá-la e de
repente ela ficou grávida.
Desta vez foi diferente, no entanto. Desta vez, esse ás teve um efeito
cascata que não pôde ser medido. Destruiria pessoas. Muitas pessoas.

Jan decidiu que era hora de contar ao mundo sobre Guinevere Love
Lemon.
Capítulo Trinta e Sete

Eu não sei como ela


conseguiu. Como ela foi capaz de investigar o meu nome sem chamar a
atenção da rede de informantes de Grizz, da justiça ou de qualquer
outro. Eu tenho certeza que ela não sabia se eu era uma fugitiva ou tinha
sido sequestrada, mas ela de alguma forma descobriu que eu tinha
desaparecido em 1975, e nunca mais vista outra vez.

Este tinha sido seu primeiro passo para ficar com a custódia dos seus
filhos. Ela ia derrubar Blue acabando com a gangue. Colocando Grizz em
evidencia.

Eu tinha que admitir, ela era uma mulher corajosa. Ela estava
trabalhando junto com autoridades para entrar no Programa de Proteção a
Testemunhas. Blue estava errado. Jan sabia muito, muito mais do que ele
pensava.

Eu nunca tive certeza de como ela conseguiu rastrear Froggy sem


levantar suspeita para si mesma. Froggy nunca superou o que Grizz fez com
Willow. Ele começou a sair lentamente da gangue depois do seu banimento,
e ainda mais depois da morte dela. Era óbvio pelo seu depoimento no banco
das testemunhas que ele desprezava totalmente o Grizz pelo que fez a ela.
Froggy estava mais do que disposto a contar às autoridades tudo o que
sabia, em troca da sua proteção.
A polícia apareceu em nossa casa em Shady Ranches com um
mandado e prendeu Grizz. Ele não resistiu quando o algemaram e leram os
seus direitos. Ele estava calmo. Ele estava certo que seu advogado o
colocaria em liberdade, sob fiança em poucas horas.

Grizz havia sido preso antes. Nunca foi um grande problema no


passado - sempre eram acusações pequenas como uma tentativa de
perturbá-lo. Ele nunca foi preso por qualquer crime grave. Mas esta era a
primeira vez que ele foi preso na minha frente. Ele olhou para mim e ouviu
calmamente enquanto liam os direitos dele e recitavam a lista de acusações.

— Jason William Talbot, você tem o direito de permanecer calado...

Foi a primeira vez que ouvi todo o seu nome.

Eu havia superado minha obsessão durante os anos de saber seu nome


real. Eu nunca vi o uso de nomes fictícios na gangue como uma grande
coisa, mas apenas um meio para que eles não causassem confusão, de
qualquer maneira. Eu nunca vi isso como uma grande coisa que eles faziam.

Mas, de repente, enquanto eles listavam as acusações, o


comportamento de Grizz mudou. Ele ficou ali imóvel, com as mãos atrás
das costas, quando eles me chamaram pelo meu nome verdadeiro e
começaram a me fazer perguntas.

— Você é de fato Guinivere Love Lemon, que desapareceu de


Ft. Lauderdale, Flórida, em 15 de maio de 1975? — eu não pude
responder. Eu estava em choque.

— Você era uma fugitiva ou foi sequestrada por este homem?


Grizz soube então que essa prisão não era uma de crimes triviais. Esta
seria diferente. Eles sabiam quem eu era. A grande questão era se eu tinha
sido raptada ou se estava fugindo? E o quanto estive envolvida nas
atividades criminosas de Grizz?

Um dos oficiais me disse: — Responda com muita cautela,


Guinevere. Se você foi sequestrada por este homem em 1975 contra a sua
vontade, será uma coisa. Mas se você for uma fugitiva e participou
voluntariamente da gangue Satan’s Army, será um jogo totalmente
diferente.

— Não responda porra nenhuma até falarmos com o nosso advogado.


— Grizz estalou. — Não diga uma palavra, Kit. Nada. Saia de perto da
minha esposa.

Ele deu uma cabeçada em um dos homens e mandou-o para trás


batendo em nossa lareira de pedra. O homem ficou atordoado, mas não
pareceu estar ferido.

Eu comecei a chorar, e mesmo os homens sendo gentis comigo, eu


estava com medo. Dois deles bateram em Grizz. Ele mal se encolheu.

— Parem com isso. — chorei. — Por favor, todos. Apenas


parem. Nós iremos com vocês. Por favor, chega.

— Vocês não podem levá-la para a cadeia. — Grizz rosnou. — Ela


não pode ser presa. Isso não tem nada a ver com ela. Deixem-na em paz.

— Nós não vamos prendê-la, apenas você, saco de merda. — isso


veio do cara que Grizz deu a cabeçada. É claro, que ele disse isso de uma
distância segura.
— Tudo será resolvido na delegacia. — o mais velho dos homens
disse.

Ele parecia um verdadeiro policial saído de um antigo filme em preto-


e-branco. O detetive me lembrou um avô bondoso. Ele provavelmente
estava perto da aposentadoria e queria estar em qualquer lugar, menos aqui.

Ele acrescentou: — Ela ficará bem. Ela não vai se machucar. Acalme-
se. Este é apenas o procedimento. Você sabe como isso acontece, Jason. —
ele se virou para mim e gentilmente me pegou pelo braço. — Sou o detetive
Banner, e ele vai ficar bem, Guinevere. Nós apenas precisamos lhe fazer
algumas perguntas. Tudo isso faz parte do procedimento. Seu marido está
exagerando.

Olhei para ele com tristeza. — Ele está apenas preocupado comigo
porque estou grávida.

____________

Eu só descobri uma semana antes que estava grávida novamente. Eu


não estava de muito tempo, mas mesmo assim Grizz e eu ainda estávamos
tão animados.

— Ligue para Mark. Ele vai me tirar esta noite. — Grizz me disse
conforme o levaram até nossa porta.
— Não desta vez, Talbot. — um policial mais jovem, disse. — Eu
acho que um juiz não irá lhe dar uma opção de fiança. Sequestro é um
crime federal. Você ficará preso até o julgamento.

— Basta ligar para ele, Kit.

— Não, Grizz. — eu falei atrás dele. — Ele não é bom o suficiente


para isso. Eu tenho alguém em mente.

Eu tinha visto a crescente carreira de um advogado de defesa muito


eficaz e conhecido. Ele era jovem, mas estava fazendo um verdadeiro nome
para si no sul da Flórida.

— Quem? — Grizz gritou por cima do ombro. Eu estava agora


seguindo atrás dele com o Detetive Banner ao meu lado.

— Matthew. — eu disse a ele, com tom firme na minha voz.

— Quem é Matthew? — ele perguntou enquanto eles o colocavam na


parte de trás do carro da polícia.

— Matthew Rockman. O garoto da minha varanda.

A porta do carro bateu, e ele se foi.

Eu não disse a ninguém, nem mesmo a Sarah Jo, que eu tinha tido
entrado novamente em contato com o meu amigo de escola. Simplesmente
não pareceu necessário.

Matthew me encontrou em 1980. Não foi difícil. Foi durante o tempo


em que eu ainda estava vivendo no motel e tinha descoberto que estava
grávida da primeira vez. Não era segredo que o líder do Satan’s Army
vivia no Glades Motel.

Matthew parou um dia fingindo ser um motorista perdido. Chowder


lhe disse que ele havia passado da entrada de Flamingo quilômetros
atrás. Ele teria que voltar. Ele perguntou casualmente a Chowder se o motel
estava aberto para ocupação. Chowder lhe olhou com cautela e não
respondeu, apenas apontou para a estrada. Mas não antes de Matthew me
ver.

Eu saí, peguei o meu carro, sem saber o que eu estava fazendo, eu o


segui para State Road 84. Armado com informações que eu morava lá e que
dirigia - agora ele poderia planejar uma maneira de me ver.

Matthew poderia ter me seguido no primeiro dia em que ele me viu,


mas ele estava preocupado que tivesse levantado suspeitas de
Chowder. Então, ele parou no parque de estacionamento do Pete, de frente
para a rodovia, por dois dias, antes dele me ver dirigindo meu Trans
Am. Ele me seguiu até o supermercado e esperou até eu sair do meu carro
para se aproximar.

Eu o reconheci imediatamente. Ele me disse que não queria criar


problemas, só queria conversar. E isso foi tudo o que fizemos. Eu lhe disse
quase tudo, exceto o meu conhecimento dos negócios criminosos de Grizz.

— Você não precisa tentar esconder o que o cara faz Gin. A gangue
dele é notória. Eu só queria ver como você estava.

— Eu estou bem, Matthew. Eu sei que Grizz ameaçou você naquela


noite. E sinto muito por isso. Mas, honestamente, eu estou feliz com
ele. Ele é bom para mim. Eu vou ter um filho dele.

Isso o surpreendeu. — Eu só precisava verificar você antes de fazer


qualquer coisa. Eu não sou aquele garoto mais. Eu não tenho medo dele.

— Bem, você deveria ter medo dele. Só porque você é um adulto


agora não significa que ele não pode chegar até você. Isso não é uma
ameaça, Matthew. Estou apenas afirmando um fato. Eu estou dizendo a um
amigo, que me preocupo, para ficar longe. Por favor, nos deixe em paz.

— Você está certa disso, Gin? Eu vou guardar isso para mim, se você
está me dizendo a verdade.

— Eu estou certa, Matthew.

Eu tinha dado uma longa explicação, sobre como eu não aprovava ou


participava das atividades da gangue de Grizz, mas me vi apaixonada por
ele de qualquer maneira. Matthew não podia comparar a menina certinha e
bem-educada com a mulher adulta que era casada com o líder brutal de uma
gangue de motoqueiros. Mas ele também se lembrou da minha vida
negligenciada em casa, e quanto eu amava a atenção que sua família me
dava.

Nossa conversa foi de convencê-lo a nos deixar em paz a dois velhos


amigos que atualizaram a vida um do outro. Eu estava sentada em seu carro
conversando quando ele ficou muito quieto e olhou por cima do volante. Eu
acho que ele simplesmente não conseguia superar aquilo.

— Sabe, o seu rapto influenciou na minha decisão de ir à faculdade


de direito. — ele olhou para mim nesse momento. — Eu não gostei de ser
ameaçado, me senti impotente. Eu sabia que o cara que levou você era um
criminoso. Eu vou para a faculdade de direito para derrubar canalhas como
ele.

Notei que os nós dos dedos da sua mão esquerda tinham ficado
brancos. Ele estava apertando o volante com força. As lágrimas saltaram
dos meus olhos. — Por favor, não o chame assim. — ele começou a me
interromper, mas levantei a minha mão. — Ele tem me tratado melhor do
que alguém já me tratou. Eu o amo, Matthew. Eu estou fazendo tudo que
posso para tirá-lo desse estilo de vida. Por favor, deixe-nos em paz. Ele
prometeu que irá sair quando o bebê nascer. Eu acredito nele.

Ele suspirou e olhou de volta sobre o volante. A conversa voltou a se


iluminar novamente. Ele me contou como amava a faculdade de direito. Eu
brinquei que estava feliz que o fim das minhas aulas particulares para ele
não interferiu na ida dele para a faculdade. Foi uma boa conversa.

Eu não tinha visto ou falado com Matthew desde esse dia, mas eu li
nos jornais e vi as notícias. Ele era jovem, mas abrindo caminho através do
sistema judicial, vencendo casos impossíveis. Não pense que a ironia
passou despercebida por mim do que ele me disse anos atrás, que ele iria
para a faculdade de direito para prender os caras maus, e agora ele era o
melhor no negócio em libertá-los.

Eu refleti sobre tudo isso enquanto esperava no escritório do detetive


Banner, tomando café aguado e esperando Matthew aparecer. Quando ele
finalmente chegou, Matthew trouxe com ele um homem que eu não
conhecia.

— Gin, este é Cary Lewis. Ele não trabalha na minha empresa. Eu


não posso representar Jason por causa da nossa história. Mas estou
colocando você nas mãos do melhor neste trabalho do que qualquer um que
eu conheça. Você confia em mim, espero?

Eu olhei para ele de onde estava sentada. — Se você me disser que


não tem ressentimento nenhum em relação a ele, se você puder me olhar
nos olhos e me disser isso, então sim. — respirei. — Eu confio em você.
Capítulo Trinta e Oito

Não é necessário
entrar em detalhes dos anos seguintes. Além disso, eu
achei os processos judiciais e jargões demais para reter. Eu
vou ficar com os fatos como me lembro deles.

Eu nunca vi Grizz novamente como um homem livre. A


fiança foi negada e ele ficou trancado na prisão por quase
dois anos, enquanto Cary Lewis negociava com os
promotores. Eu fiquei muito próxima de Matthew durante
este tempo. Mesmo que fosse de forma não oficial, eu
precisava dele para explicar tudo o que estava
acontecendo.

Cary deu o seu melhor comigo, mas entre a gravidez e


a imprensa, eu precisei de Matthew e Sam. Eles foram
fundamentais para conseguir que a minha faculdade e
diplomas universitários fossem transferidos para o meu
nome real. Eles me protegeram contra a mídia. Eles
estavam comigo desde o começo deste pesadelo. Eles ainda
organizaram para que eu fosse viver com Stephen e April.

Stephen, que era namorado do colégio de Sarah Jo,


tinha permanecido um amigo próximo, e mais importante,
ele e April não tinham associação nenhuma com a
gangue. Eles me acolheram em sua casa até que o frenesi
da mídia morreu. As minhas amigas da faculdade, Carter e
Casey, se revezaram e ficaram na minha casa para cuidar
de Damien. Nós tínhamos perdido Lucifer um ano antes,
para um câncer ósseo. Quando eu finalmente fui capaz de
mudar de casa, Carter mudou comigo.

Uma coisa que Grizz insistiu desde o início estava me


deixando fora de tudo. Disse a eles que tinha me
sequestrado. Ele contou sobre as ameaças do começo para
evitar a minha fuga, e como ele me enganou para se casar
comigo.

A história ganhou manchetes: “Garota desaparecida


encontrada casada com líder da notória gangue de
motoqueiros.” As pessoas começaram a sair da toca.

— Sim, eu acho que a conheci, mas ela parecia tão


feliz, eu tinha certeza de que ela não tinha sido
sequestrada.

— Aquele desgraçado ameaçou minha vida se eu não


devolvesse a guitarra dela. — conseguiram isso com o
proprietário casa de penhores onde eu penhorei minha
guitarra no primeiro natal.

— Você disse que ele ameaçou sua vida? — Cary o


perguntou no julgamento. — Você não foi recompensado
monetariamente para recuperar a guitarra?
— Bem, sim, mas com dinheiro ou não eu ainda não
tinha escolha. Minha vida estava em jogo.

Mesmo Diane Berger, a garota do veterinário,


provavelmente achando que estava ajudando, mas, na
realidade, não me fez parecer bem. — Perguntei logo a ela
se ela era Ginny Lemon e ela disse que não. Ela ainda tinha
um sotaque estranho. Ela provavelmente teve uma lavagem
cerebral.

— Não se preocupe com isso. — Cary e Matthew me


disseram. — Não é possível provar que ela realmente te
viu. Talvez tenha sido uma sósia com sotaque.

Com exceção de que não era. A acusação foi capaz de


puxar os registros do veterinário e mostrar que Rick
O'Connell tinha um cão lá nessa época que estava sendo
tratado por uma picada de cobra.

Cada vez que pensávamos em algo para seguir o nosso


caminho, alguém viria impedir. E com as declarações de Jan
e de Froggy, sabíamos que seria uma batalha
difícil. Froggy, cujo nome verdadeiro era Larry Most,
declarou sob juramento que testemunhou Grizz matar mais
de uma pessoa. Mesmo com os detalhes, nunca houve
quaisquer corpos para fundamentar suas alegações. Eles
teriam que ter mais testemunhas. E eles arrumaram.

Uma coisa que me surpreendeu no início era que


nunca houve uma menção de Grunt ou Fess. Jan e Froggy
não os mencionaram nenhuma vez. Eu creio que foi porque
Jan realmente se importava com Grunt, e eu acho que
ambos sentiam pena de Fess. Ele era apenas um cara
normal, tentando ganhar a vida e criar três filhos
sozinho. As autoridades acabaram por chegar até eles
através de outras testemunhas, mas até então, Grizz tinha
feito um acordo.

Nos dois anos que levou para preparar o julgamento,


eu também tinha me casado e tinha tido a nossa filha. Nos
a batizamos como Miram. Nós a chamávamos de Mimi.

Isso pode ser difícil de acreditar, mas Grizz


praticamente me obrigou a me casar novamente. Lembro-
me bem do dia. Eu estava apenas com cerca de dois meses
de gravidez e fui visitá-lo na cadeia.

— Kit, você me ama, não é? — ele perguntou.

— Você sabe que eu te amo, Grizz. Nós vamos passar


por isso. Você vai sair. Nós vamos ter nossas vidas de volta.

— Kitten, eu nunca vou sair daqui. Você precisa saber


e entender isso agora.

— Pare com isso! Não fale assim.

— Você é uma garota inteligente. É preciso encarar a


realidade, para que possamos fazer um plano. Você disse
que me ama. Eu preciso que você prove isso.
Olhei para ele com a visão embaçada pelas
lágrimas. — Diga-me. Diga-me como provar isso.

— Eu quero que você se case.

Eu fiquei tão atordoada que eu não poderia nem


mesmo recusar. Estávamos falando em telefones através de
uma divisória de vidro. — Eu quero que você me prometa
que nosso bebê vai ter um pai quando ele ou ela
nascer. Prometa-me, Kit.

— Nosso bebê vai ter um pai, Grizz. Você. Eu posso dar


a ele o seu sobrenome. Talbot. — então, uma coisa me
ocorreu. — Casar com quem? Quem iria se casar
comigo? Além disso, já estamos casados.

Eu sabia que, no fundo, o nosso casamento não era


legal. Talvez Rick O'Connell e Ann Marie Morgan fossem
casados, mas Jason Talbot e Ginny Lemon não eram. No
entanto, em nossos corações, nós éramos.

— Kit, eu posso citar cinco caras que se importam o


suficiente para casar com você amanhã. Eu sei que,
provavelmente, dois deles já estão apaixonados por
você. Inferno, mesmo Fess se casaria com você, se nós lhe
pedíssemos.

— Você não pode estar falando sério. E por mais que


eu ame Sarah Jo, eu não quero ser a madrasta dela. De
quem mais você poderia estar falando? Além disso, acho
que é difícil acreditar que você suspeita que não um, mas
dois homens estejam apaixonados por mim e ainda estejam
vivos. — eu peguei um lenço para assoar o nariz enquanto
descansava o telefone no meu ombro.

— Você me disse uma vez que eu era um cara


inteligente. Você se lembra? A noite que você me disse que
estava grávida pela primeira vez. Eu lhe disse como eu saí
da escola, e você foi surpreendida pela forma como eu
sobrevivi. Como eu fiz algo do nada. Você se lembra disso?

— Sim, eu me lembro. E daí?

— Você estava certa, baby. Eu sou


inteligente. Inteligente o suficiente para deixar esses caras
se apaixonarem por você, porque eu sabia que esse dia
poderia chegar.

Eu não podia acreditar no que estava ouvindo, mas


depois de falar com Cary e sua explicação sobre a
gravidade da situação do Grizz, eu cedi.

Estava casada semanas depois daquela conversa com


Grizz. Um divórcio não era necessário desde que nosso
casamento nunca foi legal. Assim como Grizz tinha pedido
para mim, eu estava legalmente casada com outro homem
quando nossa filha nasceu.

Ela era um bebê grande. Não há surpresa nisso, dado


o tamanho do seu pai. Eu fiquei em trabalho de parto por
24 horas antes de finalmente ser feita uma cesariana de
emergência. Enquanto eu estava sendo levada para a
cirurgia, eu me lembro do meu novo marido e amigos me
dizendo: — Nós estaremos aqui quando você acordar.

Grizz insistiu em dar o sobrenome do meu marido e


que ela nunca saberia que Grizz era seu pai biológico. Ele
me fez jurar que eu nunca diria.

— Eu acredito em você quando você diz que me ama,


Kit. Se você realmente ama, você nunca vai dizer a ela.

— Se ela tentar, um dia ela pode olhar para trás e


descobrir Grizz. Eu não vejo como eu poderia esconder isso
dela.

— Então minta. Diga a ela que você me traiu. Eu não


me importo se você disser isso a ela. Eu não quero que ela
saiba que eu sou seu pai.

Mimi se transformaria em uma linda garota. Ela nunca


perguntou, e eu consegui manter a promessa que fiz a
Grizz.

Cary me contou que Grizz queria se declarar culpado,


a fim de proteger todos os outros. O problema era que ele
teria recebido prisão perpétua sem liberdade
condicional. Não havia nenhuma maneira que Grizz
concordasse em permanecer em prisão perpétua.
Assim, ele se declararia culpado em troca de uma
sentença de morte.

— Não! — eu gritei quando me disseram.

— Não se preocupe. — explicou Cary. — Eu não acho


que o Estado da Flórida quer o negócio resolvido com
suicídio assistido. Eles não poderiam concordar com
isso. Ele terá que ir a um julgamento. Fazê-lo viver o resto
de sua vida na prisão os deixaria felizes, mas eles correm o
risco de uma brecha aparecer e ele ser solto no futuro. Eu
não tenho nenhuma dúvida de que os promotores
pressionarão para a pena de morte. Ainda é muito cedo
para saber se será aceita e você precisa se preparar para
caso ela seja.

— Eu não me importo se ele quer a pena de morte. Eu


estou contando com você, Cary, para se certificar de que
ele receba prisão perpétua. E se ele conseguir, talvez possa
sair em uma brecha no futuro?

— Ginny, é claro que eu vou fazer o meu melhor para


protegê-lo da pena de morte. Mas você precisa saber que
se ele pegar prisão perpétua, não há garantia que uma
brecha possa aparecer.

— Mas Matthew me disse que você era o melhor,


Cary. Estou confiando em você para tirá-lo dessa!
— Você não entende, Ginny. Não há como sair. E Jason
sabe disso. Ele está me colocando para negociar com o
Ministério Público para que certas pessoas não sejam
tocadas. Especialmente você. Eles vão cavar. Eles vão
encontrar uma forma de te derrubar para chegar até
ele. Ele está tentando evitar isso.

— Mas nós temos Sam! — eu soltei, lágrimas


rolando. — Sam vai depor para nós. Ele vai falar sobre a
síndrome de Estocolmo. Como era normal que eu ficasse
com Grizz.

— Você é a razão principal, Ginny, mas eu preciso te


dizer quantas pessoas estão envolvidas neste
processo? Quantos nomes já apareceram na mesa da
acusação? Todos eles: Grunt, Fess, Blue, Chowder,
Chicky. Mesmo Eddie, o cara da tatuagem. Até ele vai ser
deixado em paz. É claro que ele vai ter que voltar para
apenas fazer tatuagens e nada extracurricular. Mas a lista é
interminável.

Em seguida, ele respondeu uma pergunta silenciosa. —


Ele só está se livrando dos informantes que aceitavam
subornos. Ninguém que ele chantageou.

Eu estava secretamente aliviada ao ouvir que a rede


de policiais informantes de Grizz não foi de todo
ruim. Fiquei contente de saber que a lei no sul da Flórida
não era tão corrupta como eu tinha pensado originalmente.
____________

Foi assim durante os dois anos que antecederam o


julgamento. Dois anos de negociações. Quem eles iriam
atrás? Quem eles deixariam em paz? Grizz insistiu que
Chowder, cujo verdadeiro nome era John Lawrence, fosse
autorizado a permanecer no motel quanto tempo ele
quisesse. Não importava. Chowder morreu de um ataque
cardíaco antes de Grizz ir a julgamento.

A nossa casa também estava fora da mesa. Eu era


capaz de manter a casa e tudo sobre a propriedade no
momento da prisão de Grizz. Isso incluía tudo em nossa
casa, nossos carros e as motos dele. Eu também não
precisava me preocupar com dinheiro. Tinha o suficiente
para pagar os advogados e viver confortavelmente por um
longo tempo.

Anos atrás, e sem o meu conhecimento, Grizz colocou


Fess e Grunt para abrir contas de investimento em meu
nome real - tanto para o código da gangue de não usar
nomes reais. Isso não era um problema, de qualquer
maneira. Logo no início, Grunt, Fess e as finanças deles
foram deixadas em paz em troca da cooperação de Grizz
em outros assuntos. Grizz desistiu de dois homens que
dirigiam o seu império de drogas em troca da imunidade
deles. Eles estavam fora da mesa e como foi no início das
negociações, seus nomes nunca foram lançados para o
público. Fiquei grata. Isso teria afetado a carreiras
deles. E, além disso, havia peixes maiores para fritar.

As negociações continuaram. Outro homem, eu


realmente acho que foi o velho do armazém em Pompano
Beach, foi entregue pela imunidade de Chicky. E foi assim
até o dia do julgamento de Grizz. Assim como um jogo de
xadrez, Grizz meticulosamente calculou cada
movimento. Ele entregou algumas pessoas, a fim de
proteger outras. Ele ainda insistiu que algumas das pessoas
que ele protegeu testemunhassem contra ele no
julgamento.

Ele estava fazendo o seu melhor para convencer o júri


de que deveria receber a pena de morte.

E ele recebeu.
Capítulo Trinta e Nove

Grizz esperou no corredor


da morte em uma prisão no norte da Flórida. Era uma viagem de cinco
horas de carro mais ou menos. Tentei visitá-lo. Mas após o primeiro ano, ele
me disse para não ir mais. Eu precisava seguir em frente com a minha
vida. Eu tinha que criar a nossa filha. Ser uma boa mãe. Ser uma boa
esposa.

— Você o ama? — ele me perguntou um dia. — Não há problema em


dizer Kit. Tudo bem se você o amar. Ele te ama e tem cuidado de você e
Mimi. Meu tempo já passou.

— Sim. — eu respondi, quando olhei para as minhas mãos no meu


colo. — Eu o amo.

Foi a última vez que eu vi Grizz até o dia da sua execução.

O ano após essa conversa foi o pior. Acho que chorei por Grizz ainda
mais. Havia tanta emoção. Havia tanta culpa. Por que eu tinha guardado
aquela carteira estúpida? Por que eu não me levantei e disse ao júri como
ele era bom para mim?

Porque Grizz não me permitiu. A promotoria não se aproximou de


mim por causa das informações que Grizz lhes deu. Foi como o Natal para
eles. Um presente após o outro. Além de me questionar para confirmar as
coisas que Grizz lhes tinha dito, eles mantiveram suas palavras. Fui deixada
em paz.

Eu liguei para ele anos mais tarde para dizer a ele que eu tinha outro
bebê. Pode surpreender que um prisioneiro no corredor da morte possa
receber um telefonema. Mas este era Grizz. Estar no corredor da morte
nunca mudou seu status como líder do Satan’s Army. Ele ainda tinha
uma grande influência sobre suas circunstâncias atuais.

Ele sabia que eu estava grávida. Mesmo na prisão, Grizz tinha


encontrado uma maneira de manter o controle sobre meu marido e eu. Mas
naquele dia eu disse a ele algo que ele não sabia.

— Nós o nomeamos de Jason. — o telefone ficou mudo por um longo


tempo. Eu não tinha certeza se ele ainda estava lá.

— Eu amo você, Ginny. Eu sempre vou te amar.

Foi a primeira e última vez que ele me chamou pelo meu nome
real. Comecei a responder que eu ainda o amava também, mas ele já havia
desligado.

Era verdade. Eu ainda amava Grizz. Eu não estava apaixonada por ele
como se eu já estive um dia, mas me importava profundamente com
ele. Meu marido compreendia. Não havia ciúmes ou insegurança da parte
dele. Além disso, se não fosse por Grizz, eu não estaria casada com o
homem que eu era completamente e totalmente apaixonada hoje.
Capítulo Quarenta

O dia após a execução de


Grizz, de volta para casa, meu marido e eu decidimos usar o dia para fazer
algo especial.

— Ei, vocês dois. Faz tempo que não os vejo. — disse Eddie quando
ele nos abraçou.

Nós não tínhamos ido ver Eddie desde que ele tinha adicionado o
nome do nosso filho na tatuagem no braço esquerdo do meu marido. Ele me
surpreendeu em nosso terceiro aniversário de casamento. A tatuagem era
uma bela águia segurando um coração entre suas asas. Dentro do coração
estava o meu nome: Ginny. Agradeci-lhe por não usar Guinevere. Ele
brincou na época, que ele não achava que Eddie tinha tinta suficiente. Tinha
uma fita que envolvia o coração e pendia em um lado da tatuagem. Lia-se:
“Mimi”. Quando nosso filho nasceu, ele voltou e Eddie teve que adicionar
outra fita com o nome de “Jason’” Era uma bela obra de arte e um
testemunho da nossa família feliz.

Eddie olhou para o meu estômago e brincou: — Hora de adicionar


outra fita?

— Não. — eu respondi. Eu levantei minha mão esquerda. — Eu


preciso que você trabalhe sua magia criativa com isso. — eu disse enquanto
praticamente empurrei meu dedo anelar debaixo do seu nariz.
Desta vez, eu não desmaiei.

____________

Era domingo de manhã. Dois dias após a execução de Grizz. Meu


marido e eu nos sentamos em nossa biblioteca esperando o telefone
tocar. Tínhamos ido a uma missa ao nascer do sol para estar em casa a
tempo deste telefonema. Em retrospecto, eu gostaria que tivéssemos
perdido a ligação. Assim como subir na garupa da moto de Monster 25 anos
atrás fosse mudar a minha vida, os danos resultantes de um telefonema
eram irrevogáveis.

Quando o telefone tocou, ele colocou no viva-voz e disse: — Estamos


aqui, Leslie. Você está conectada.

Leslie gaguejou um pouco. Ela deve ter percebido que estávamos


cansados do processo de entrevista e estava hesitante sobre sua primeira
pergunta. Eu sabia o que estava por vir.

— Eu acho que eu realmente queria perguntar à Ginny o que foi


aquela pequena comunicação logo antes da execução de Jason. — disse
Leslie, sua voz cada vez mais constante. — Quer dizer, é óbvio que havia
alguma coisa acontecendo entre vocês dois, e eu acho que é importante e
provavelmente seria uma boa maneira de encerrar a entrevista. Você sabe, o
fim a esta história de amor épica.
— Aquilo não foi nada. — eu disse com firmeza. — Grizz estava
apenas tentando estar no comando novamente. Uma velha piada. Ele estava
brincando comigo. Não é importante e totalmente irrelevante para esta
história. Você não está perdendo nada.

Ela não disse nada por um minuto. Em seguida, ela deixou escapar:
— Mas a história de amor. Isso é o que eu realmente quero enaltecer. O
amor entre o criminoso malvado e a garota doce e inocente. Isso é o que os
leitores querem, uma história de amor, e eu preciso de algo para fazer a
conclusão estourar. — ela limpou a garganta. — Aquele sinal que ele lhe
deu. Ele deve ter querido dizer algo. Você não pode me dar alguma coisa
aqui, Ginny?

Suspirei e recostei-me na cadeira. Eu não tinha percebido que eu


estava sentada em atenção.

— A única coisa que eu posso te dizer, Leslie, é que eu passei três


meses permitindo que você me entrevistasse, e a história de amor real
estava bem debaixo do seu nariz o tempo todo e você não a viu. Uma
história sobre um homem que me amou desde o início, desde o primeiro
olhar. O homem que sempre foi e ainda é minha alma gêmea. Essa é a única
história de amor agora. Sim, eu amei Grizz, isso é verdade. Essa história
acabou. Não a romantize. Eu construí uma nova vida com...

Ela me cortou. — Ela não sabe, não é? Você não disse a ela ainda. Eu
sugiro que você faça antes que ela leia em meu artigo.

Com quem ela estava falando? Olhei para o meu marido. Ele não
respondeu ela. Ele apertou o botão de desligar no telefone.
— Bem, essa é uma maneira de acabar com uma entrevista. — eu
disse a ele.

Meu marido, Tommy - eu nunca usei Grunt, o nome de gangue, assim


como ele nunca me chamou de Kit - apenas sorriu e piscou para mim.

Mas então ele ficou sério. — Gin, eu preciso te dizer algumas


coisas. Algumas coisas ruins.

Eu praticamente zombei. Que coisas ruins Tommy, eventualmente,


poderia me dizer? Eu seriamente duvidava que ele pudesse me surpreender
com algo.

— Tudo bem, eu estou ouvindo. Não pode ser tão ruim assim.

Mas foi.

Lá, ouvindo Tommy me contar a história do acidente de Leslie, há


três semanas, eu fiquei atordoada. Eu senti como se estivesse ouvindo a
história em uma experiência fora do corpo, como se ela estivesse sendo dita
a outra pessoa e eu estava ali, observando de cima.

Eu não sei como explicar isso. Eu conhecia os maiores jogadores. Eu


tinha passado tempo suficiente na companhia de Leslie para entender sua
personalidade, para realmente entender como se desenrolou as coisas entre
ela e Grizz.

Quando Tommy me disse os detalhes, eu senti como se estivesse


assistindo a um filme se desenrolar. E eu queria vomitar.
Capítulo Quarenta e Um

Leslie Cowan sentou


confiante na mesa de metal. Ela entrevistou centenas de pessoas e tinha um
pouco de atitude presunçosa sobre a próxima entrevista.

Ela tinha pego um pouco desta história através de um amigo de um


amigo e achou que seria ótimo para Rolling Stone expor os motoqueiros
celebridades. Ela passou a maior parte dos últimos dois meses entrevistando
o outro personagem principal desta história, e ela tinha exatamente uma
hora para envolvê-la com a única pessoa que não estaria por perto para
responder a quaisquer perguntas nas próximas semanas.

Jason Talbot seria executado em questão de semanas. Ela não ia


colocar muita credibilidade no que ele tinha a dizer. Ela sentia que já tinha
chegado ao ápice da sua história. Ela estava realmente aqui por pura
curiosidade.

Ela tinha ouvido falar da sua brutalidade, mas ela não era do tipo que
se deixava intimidar por ninguém. Ela entrevistou membros de gangues de
rua, traficantes, estupradores, assassinos. O pior que a sociedade tinha para
oferecer. Esse seria moleza.

Ela queria perguntar-lhe sobre seu relacionamento com Ginny


Lemon, agora Ginny Dillon. Seria interessante perguntar ao homem, que foi
tão cruel com os outros, por que ele tinha tido tais sentimentos ternos por
uma menina de quinze anos de idade? Por que ele não a matou? Por que ele
a manteve com ele o maior tempo possível? Por que ele iria para a mesa de
injeção letal por ela?

Ela tinha certeza de que Ginny havia exagerado nos sentimentos dele
em relação a ela. Leslie queria descobrir o que ele realmente pensava. Ela
seria capaz de arrancar a verdade dele. Ela era uma repórter investigativa
top de linha. Ela poderia envolver o pior entrevistado em torno de seu dedo
mindinho. Ela tinha feito isso antes, e ela faria isso de novo.

Um homem que iria enfrentar a morte em algumas semanas estaria


muito vulnerável. Ele seria mole em suas mãos e derramaria suas entranhas
em questão de minutos.

Ela olhou para cima quando ouviu a porta abrir. Um guarda entrou,
seguido por um homem de tamanho incrível. Ela tinha visto fotos e sabia
que ele era grande. Mas ela não esperava que ele fosse tão grande.

Atrás dele havia outro guarda. O prisioneiro, vestindo um macacão


laranja de prisão, estava algemado e acorrentado ao redor da cintura. Ele
dava pequenos passos, e ela podia ouvir os grilhões nos tornozelos
tilintarem. Seu olhar vagou acima até que ela encontrou seus olhos.

Olhos verdes hipnotizantes que Ginny havia mencionado mais de uma


vez. Ela só tinha visto fotos que não lhe faziam justiça. Ela pensou que
aquilo era exagerado. Ela estava errada.

Sem tirar os olhos dela, ele deslizou para o banco na frente dela
enquanto o guarda soltava as algemas em torno da sua cintura e as prendia a
uma barra de aço em cima da mesa.
Ela desviou o olhar, em seguida, e disse para o guarda: — Obrigada,
eu posso levar a partir daqui.

O guarda se recusou, disse a ela que sob nenhuma circunstância


alguém era deixado sozinho em uma sala com Jason Talbot.

— Mas ele está algemado. — ela respondeu com desânimo.

— Não importa. Você tem um problema com isso, você sai. Nós
vamos ficar aqui com você.

O guarda mais alto trancou a porta atrás deles, e ambos se inclinaram


contra as paredes opostas.

Ela começou a discutir, mas foi inútil; os guardas com calma e


firmeza falaram a regra mais uma vez.

— Isto é para sua própria segurança, independentemente das algemas.


— disse o guarda mais baixo.

Ela bufou como se ele estivesse sendo ridículo, e o guarda disse: —


Então, considere esta entrevista encerrada.

Ele começou a libertar o prisioneiro, mas ela o deteve. — Tudo


bem. Fiquem. Tanto Faz.

Ela olhou para Jason, então, e um arrepio percorreu sua espinha. Ela
nunca tinha sido o foco de um olhar tão penetrante. Seus olhos estavam
frios, e ela estava tentando não tremer.

— Obrigada por ter concordado em me ver, Jason. — ela


começou. — Você sabe que estive entrevistando Ginny nos últimos
meses. Parece que vocês dois têm um passado interessante. Eu estava
esperando que você pudesse me dizer mais sobre o seu relacionamento com
ela.

— Tenho certeza que Kit lhe disse tudo. Eu não tenho nada a
acrescentar.

Ela estava começando a sentir algo que nunca havia sentido antes em
uma entrevista. Ela estava ficando um pouco tonta. Havia algo em seu
poder e intensidade que era extremamente atraente, e ela estava perdendo o
foco. Ela se sentiu boba que ele pudesse fazê-la sentir-se dessa maneira. Ele
exalava sexualidade crua como ninguém que ela já conheceu.

Ela tentou imaginar ter apenas quinze anos e ter que lidar com ele. É
um milagre Ginny sobreviver.

— Bem, por que você não me diz alguma coisa, então que Ginny não
saiba. Surpreenda-me.

— Ah, eu gostaria de surpreendê-la, querida.

Um arrepio percorreu sua espinha. Ela realmente estava se divertindo


flertando com esse assassino?

Ela colocou seu sorriso recatado e continuou a fazer perguntas. Ele


respondeu com respostas monossilábicas. Estas eram perguntas que ela já
sabia as respostas, graças a Ginny. Então Ginny tinha dito a verdade. Ora,
ora.

— Jason, isso é tudo coisa bastante normal que eu já sei. Você não
pode me dar alguma coisa aqui? Algo para chocar os meus leitores?
Ele olhou para ela por um minuto. — Eu respondi a todas as
perguntas. O que exatamente você quer saber?

Ela engoliu sua irritação. — Por um lado, eu não posso acreditar que
em todo esse tempo que você passou com Ginny, não há um segredo que
você manteve para si. Algo que ela nunca soube. Não saiba, até hoje. Eu já
sei o segredo do nome verdadeiro. Isso, obviamente, escapou. — ela se
inclinou provocativa. — O que mais há?

— Não há nada. Por que eu iria manter um segredo de Kit?

— Hum, porque ela manteve um segredo de você? — este foi o


momento em que ela estava esperando. Ela estava atraindo-o ao longo de
todo este tempo para levar a isso. Deus, eu sou boa.

Isto teve o efeito que ela estava esperando. Ele era muito
egocêntrico. Não havia nenhuma maneira que ele poderia imaginar que
Ginny manteve algo escondido dele.

Em uma fração de segundo, a dúvida em seus olhos se foi, substituída


por sua arrogância natural.

Ele fez um gesto com as mãos, fez sinal para ela seguir adiante. Elas
estavam presas à mesa, mas ele ainda tinha alguma margem de manobra.

— Vamos ouvi-la, então, senhora repórter. Qual é este suposto


segredo que Kit manteve de mim?

— Se eu te disser, então você vai me dizer alguma coisa? Algo que


você nunca disse à Ginny. Promete?
— Sim, claro. Vamos ouvi-la primeiro.

— Está bem. Que tal sobre Ginny perder a virgindade com Grunt?

Ele soltou uma gargalhada em seguida. — Vadia estúpida. Eu sabia


disso. Eu sou a pessoa que disse a ele para fazer isso!

— Você não está me ouvindo, Jason. Ginny perdeu a virgindade


com Grunt. Não aquele nojento cassetete que você disse a ele para usar.

Ela sabia que era errado dizer a ele. Mas, como ela rapidamente se
lembrou, ela tinha prometido à Ginny que isso não estaria no artigo. Ela
nunca tinha prometido à Ginny que não iria dizer a Jason.

Leslie sabia que o surpreendeu. Ela soube imediatamente que esta era
uma coisa que ele definitivamente nunca soube. Bem, dane-se ele. Idiota
estúpido. Deixe-o digerir por um minuto.

Com o olhar de alguém que tinha acabado de devorar sua vítima, ela
inclinou-se para ele e, em seu tom mais arrogante de voz, ronronou: —
Então, agora, você me deve...

Mais rápido do que um relâmpago e antes que os guardas pudessem


intervir, Grizz usou ambos os pés para chutar a cadeira de Leslie debaixo
dela. Esta ação rápida e o fato de que ela já estava se inclinando em direção
a ele a levou a cair com o rosto para frente e ao seu alcance. Ele foi capaz
de agarrar a cabeça dela e esmagar seu rosto na barra de metal que estava
mantendo suas mãos presas à mesa. Houve o som nauseante de dentes
quebrando quando o sangue jorrou em todos os lugares.
Os guardas o alcançaram o mais rápido que puderam. Um puxou
Leslie para fora do seu alcance e o outro começou a bater nele com um
cassetete. Ele nunca vacilou. Ele apenas riu.

— Seu filho da puta! — ela gritou.

Ela estava sangrando muito dos cortes na testa, nariz e boca. Foi
difícil para ela falar. Ela estava definitivamente machucada, mas ela não
tinha começado a chorar. Ela estava em choque.

O guarda a colocou em pé e começou a meio conduzir, meio carregá-


la para a porta.

Conforme ela estava saindo, ela ouviu Grizz dizer. — Quer saber de
uma coisa? Eu vou te dizer uma coisa. Volte e venha me ver.
Capítulo Quarenta e Dois

Olhei para Tommy. — É


por isso que ela parecia que estava se recuperando de um acidente na
execução? Grizz fez aquilo com ela?

— Sim, ele fez.

— Ah, Tommy. Ele sabia. Ele soube antes de morrer o que aconteceu
entre nós. — eu coloquei minha cabeça em minhas mãos. — Ele deve ter
ficado tão magoado. Sentindo-se tão traído por nós.

— Ele ficou, Gin. É por isso que ele deu a ela mais uma entrevista por
telefone antes de morrer. Ele disse-lhe alguma coisa. Algo que ela vai
colocar em seu artigo. Algo que você não sabe. Algo que vai doer.

Antes que eu pudesse perguntar a ele o que era, ele acrescentou. —


Grizz estava arrependido, você sabe. Eu falei com ele depois que ele
conversou com Leslie. Ele disse que após a raiva passar, ele estava
arrependido, ele disse a ela. Inferno, ele ia encomendar uma batida nela de
dentro da prisão para que ela não publicasse. Eu falei com ele sobre isso. Eu
não quero que ela morra por causa de um segredo que vai vazar. O tempo
para matar acabou. Espero que você concorde.

— Meu coração dói de saber que ele morreu se sentindo traído.


— Ele não morreu se sentindo traído. Falei com ele, e você o viu
acenar para mim. Ele entendeu.

Então, algo me ocorreu. — Ah não, não me diga que ele contou a ela
sobre Miriam ser filha dele. Por favor, não me diga que é isso.

Eu não acho que isso teria sido difícil de descobrir se alguém se


preocupasse em calcular a data de nascimento de Miriam e meu casamento
com Tommy. Ninguém realmente parecia interessado e,
surpreendentemente, nunca foi questionado. Eu só não queria isso impresso
para Mimi ler.

— Não, é...

Eu o interrompi. — É a verdadeira história sobre a primeira vez que


ele me viu? Não na entrada da casa de Guido quando tinha treze anos como
dissemos a todos? Eu tinha apenas seis anos. Você conhece essa história,
não é? Grizz me disse que ficou louco quando Delia e Vince me levaram
para Woodstock. Foi quando ele colocou Guido para vigiar. Isso não é
grande coisa. Eu não vejo como isso poderia machucar alguém. — eu
estava divagando.

— Sim, eu sei dessa história. Não é isso.

Tommy respirou fundo e começou a me contar sobre a infância de


Grizz. A verdadeira infância de Grizz. Sim, Grizz me contou a verdade
sobre sua mãe, mas ele não entrou em detalhes. Eu não estou surpresa. Os
detalhes que Tommy estava fornecendo eram horríveis demais para eu
imaginar. Terminou com a morte dos seus pais por suas próprias
mãos. Ambos os pais. Isso iluminou bem a razão dele ser do jeito que ele
era. Eu não sei como alguém poderia ter uma infância como a dele e sair
ileso.

Eu interrompi Tommy. — Bem, é uma história terrível, mas eu não


vejo como poderia me machucar.

— Não, Kit, não é isso também. — Tommy estalou. — Deixe-me


terminar.

Eu estava atordoada. Não só Tommy nunca levantou a voz para mim,


mas ele não tinha me chamado Kit em quase 15 anos.

— Ele só queria que você soubesse tudo. Desde o início. Isso,


obviamente, começou com a sua infância, mas não é isso que ele disse
Leslie.

E então Tommy me falou.

Não apenas o segredo que Grizz contou à Leslie por raiva, mas outro,
também. Ele estava certo. Doeu.

Eu desejava que fosse a história de Grizz ser o pai biológico de


Mimi. Eu desejava que fosse a história sobre Grizz me ver primeiro quando
eu tinha apenas seis anos de idade na frente da loja de conveniência. Grizz
me contou essa história no dia em que nos casamos.

Não, isso foi muito, muito pior.

Como um cervo travado nos faróis, eu ouvi em silêncio atordoado


quando meu marido me contou sobre a traição de Grizz. Segredos que
Tommy sabia desde o começo. Segredos que ele tinha escondido de
mim. Segredos que me fez sentir como se o meu coração tivesse sido
arrancado do meu peito e colocado no meu colo.

O primeiro não me surpreendeu muito. Tratava-se de Delia. Doeu,


mas isso realmente fez algum sentido.

Mas o outro segredo, eu tinha certeza que eu nunca iria me recuperar


totalmente. Estaria no artigo de Leslie.

E eu iria parecer uma idiota.

Pela segunda vez na minha vida que eu pude me lembrar, eu usei


palavrões.

— Grunt, seu filho da puta. — eu olhei para ele friamente. — Você


não deveria tê-lo impedido de ordenar uma batida em Leslie.
Epílogo

Os dois homens sentaram-


se e se olharam sobre a mesa de madeira bem grande. Eles estavam em um
escritório, embora o proprietário deste escritório particular, localizado em
uma prisão de segurança máxima no norte da Flórida, fosse aparentemente
um minimalista. Nenhuma bugiganga ou quinquilharia adornava a única
estante. Não havia prêmios ou diplomas exibidos nas paredes. A mesa era
escassamente mobiliada com as necessidades. Um telefone. Um mata-
borrão, que também servia como um calendário de mesa. Um recipiente
com canetas e lápis. Sem plantas, sem fotos de família.

A única indicação de que este escritório era usado regularmente


estava em uma pequena mesa na altura do joelho que ficava contra uma
parede. Um jogo de xadrez feito de marfim. As peças foram elaboradas e
detalhadas em seu design. Era óbvio que havia um jogo em andamento. A
pequena mesa em que ele estava era ladeado por duas cadeiras estofadas
com braços de madeira. Uma luz acolhedora brilhava sobre a mesa e seu
conteúdo de uma arandela. Este pequeno cenário era de tal contraste com o
resto da decoração de escritório que tínhamos que piscar para ver se ele era
de fato a realidade.

A cadeira atrás da mesa grande, que o maior dos dois homens


ocupava, era enorme e confortável. A cadeira da pessoa de frente para a
mesa era dura e pouco convidativa, provavelmente de propósito. Se alguém
olhasse de fora para essa cena, eles nunca saberiam que um dos homens, o
grande homem por trás da mesa, estava para ser executado por injeção letal
em menos de uma semana. Ele não se parecia com um prisioneiro. Ele não
se parecia com alguém que estava marcado para a execução. Ele não estava
usando roupa da prisão. Ele estava de calça jeans e uma camiseta. Ele
exalava poder e confiança. Ele parecia estar em uma posição de autoridade.

— Tudo bem, o que você tem? — perguntou Grizz.

Blue olhou para ele sem responder. A expressão no rosto dele pegou
Grizz desprevenido. Era uma expressão que Grizz não reconheceu. Blue
parecia incerto, hesitante, talvez. Eles se encararam. Nenhum desviava o
olhar.

Blue finalmente disse: — Você não vai gostar.

— Eu não vou gostar do que? — antes que Blue pudesse responder,


ele retrucou: — Você sabe o que, isso não importa. Vamos as coisas
primeiro. Lidou com a Leslie?

— Sim. Ela vai precisar de mais convencimento, mas eu tenho tudo


sob controle.

— A outra coisa?

— Feito. Perfeito. Assim como você disse.

— Tudo bem, agora o que é que eu não vou gostar?

— Eu a encontrei.

— Você encontrou quem?


— Jan. Eu encontrei os meus meninos.

Grizz recostou-se na cadeira. Ele estava inclinado para frente, os


cotovelos sobre a mesa. Ele inclinou a cabeça para um lado, pensando. —
Eu sabia que você ainda estava à procura de seus meninos. O que é que eu
não vou gostar?

— Eu falei com ela. Eu a assustei pra caralho. Ela nunca pensou que
seria encontrada. Ela disse que iria me contar tudo e me deixar voltar para a
vida dos meninos se eu apenas a deixasse em paz. — em seguida, ele
zombou, principalmente para si mesmo: — Como se ela tivesse uma
escolha.

Grizz levantou uma sobrancelha. — Dizer-lhe tudo? O que resta a


dizer?

Blue jogou um envelope de grandes dimensões sobre a mesa.

— Essas fotos de Jan e os meninos foram tiradas pelo detetive


particular contratado para encontrá-los.

Grizz abriu o envelope e folheou as fotos, percorrendo cada uma


rapidamente, sem prestar muita atenção. Ele parou quando chegou a uma e
perguntou sem olhar para cima. — Por que há uma foto antiga de Grunt
aqui?

Blue não respondeu. Grizz olhou para cima e perguntou novamente:


— Por que Grunt está nesta foto?

— Não é Grunt. — a voz de Blue era inexpressiva, mas seus olhos


eram duros. — É o meu mais novo, Kevin. Aparentemente, você não é o
único cuja mulher o Grunt fodeu.

Grizz recuperou rapidamente da surpresa. Ele se inclinou para frente


novamente, jogou as fotos na mesa e descansou o peso dos seus braços
enormes nos cotovelos. Ele fez sinal para Blue continuar.

— Jan disse - ela disse que foi Grunt que planejou sua prisão, Grizz.

Aí está. Colocado pra fora.

Grizz sentou ali por um momento, assimilando. Ele acreditava no que


Jan tinha dito a Blue? Possivelmente. Pode ser. Ele já sabia que Grunt tinha
manipulado a noite que ele tomou a virgindade de Kit. O cassetete tinha
sido ideia de Grunt. Sim, olhando para trás com perfeita clareza ele poderia
ver tudo. O músculo em seu maxilar saltou.

A voz de Blue tinha um tom perigoso. — Aquele seu irmãozinho


desprezível sempre foi o inimigo. Não que Jan fosse um anjo. Aquela
vagabunda deve ter dormido com ele enquanto ele era apenas um garoto. O
tempo todo aquela cadela pensou que ele era meu irmão mais novo e ela
ainda fez isso!

Grizz olhou para Blue e suspirou. Lembrou-se de como ele insistiu,


na primeira noite de Grunt no motel, que Blue fingisse ser seu irmão mais
velho. Era uma ordem e Blue assumiu o papel de bom grado. Blue sempre
tinha assumido que Grizz era irmão de Grunt. Ele nunca questionou isso.

— Caralho, Blue. Há algo que eu nunca te disse. Eu acho que você


acreditava em algo e eu o deixei continuar. Eu não achei que realmente
importava, e eu pensei que eu estava protegendo o garoto. Isso teria saído
no artigo daquela cadela. Graças a você, não vai, mas você ainda deve
saber.

Grizz se endireitou. — Grunt não é o meu irmão mais novo. — uma


pausa.

— Ele é meu filho.


Novembro de 1966

O jovem motoqueiro tinha


acabado de entrar no Mercado do Mindy em Davie Boulevard. Era uma loja
de conveniência de propriedade privada semelhante a um 7-Eleven, mas
com uma atmosfera mais acolhedora. O tipo de lugar que você não
associaria a uma franquia, mas com uma empresa familiar.

Ele tinha acabado de desligar sua Harley e abaixado o descanso. Ele


estava observando os nós dos dedos da mão direita, que ainda estavam no
guidão. Seus dedos estavam ralados na carne, e grandes pedaços de pele
estavam faltando. Havia uma grande quantidade de sangue. Depois de
alguns segundos, ele pegou o último Lucky Strike do seu maço amassado,
jogou o maço vazio no chão e perguntou se era muito cedo para tomar uma
cerveja. Ele acendeu o cigarro, que pendia da sua boca enquanto examinava
atentamente a mão novamente. Era possível que ela estivesse quebrada. Ele
tinha acabado de chegar do que viria a ser uma longa lista de brigas
numerosas demais para contar. Ele iria usar o banheiro loja de conveniência
para limpar e fazer uma avaliação melhor. Mas, primeiro, terminaria o seu
cigarro.

Foi quando ele a viu. Ela tinha acabado de chegar à esquina do lado
da loja. Não havia estacionamento porque era à direita, ao lado de uma
calçada paralela à estrada. Ele não viu um adulto. Ela deve ter andado até lá
sozinha. Ele pensou que ela parecia pequena para andar por aí sozinha, e ele
se perguntou se ela morava por perto. Ela era uma gracinha. Longos cabelos
castanhos presos em um rabo de cavalo desleixado. Franjas quase cobrindo
os grandes olhos castanhos. Ela usava uma camiseta rosa enrugada e short
jeans azul. Seus joelhos estavam ralados, mas não sangravam, e sua
brancura contrastava com suas pernas ossudas bronzeadas.

Ela estava com tênis branco com pompons roxos presos a eles.

Só então, um rapaz que parecia ser um pouco mais velho que ela veio
rodeando a loja. Bom. Ela não está sozinha. Ela tem um irmão mais velho.

Antes que o motoqueiro pudesse ponderar por que ao menos se


importava, o menino falou: — Ei Gwinny, sua mãe é uma puta hippie
maconheira.

Não, este não era seu irmão. Ele era um valentão. O motoqueiro se
perguntou se ele tinha deliberadamente a seguido.

Sem se virar para o menino ela respondeu: — E você, Curtith


Armthrong, estará implorando para que ela dê a você a maconha quando
você for um adolescente. — a resposta foi entregue de uma forma muito
calma e até mesmo com a língua presa gritante. O motoqueiro percebeu
então que ela tinha perdido seus dois dentes da frente.

Curtis Armstrong não soube o que dizer sobre isso, então ele apenas
acenou, virou-se e correu de volta ao redor do lado da loja. Ela entrou.

O motoqueiro pegou-se sorrindo, algo que raramente fazia. Coisinha


atrevida. Ele estava prestes a terminar o cigarro. Levantou os óculos e
enxugou o rosto com o braço. Estava suado e sujo da briga.
Ele tinha acabado de colocar seus óculos de sol de volta para baixo
quando ela saiu. Ela caminhou em sua direção. Carregava uma pequena
bolsa marrom. Ele jogou seu último cigarro no chão e pisou nele. Ele ainda
estava montando sua moto e esmagando o que restava do cigarro com a sua
bota pesada quando ela apareceu ao seu lado.

Ela enfiou a mão na bolsa marrom e tirou uma caixa de curativos. Ela
entregou a ele e disse: — Aqui, esxes[24] são para você. Sua mão
parexe[25] machucada demais.

Ele não sabia o que dizer ou fazer, então encontrou-se pegando a


caixa de sua mãozinha. Ele ficou chocado com sua observação. Estava
olhando para ela quando ela apareceu pela primeira vez e não conseguia se
lembrar dela olhar de volta para ele. Como ela havia notado sua mão?

Antes que ele pudesse responder, ela se abaixou e pegou o maço de


cigarros descartado e enrugado, que ele tão descuidadamente jogou no chão
antes. Ela virou-se e caminhou em direção ao canto da loja de onde ela
apareceu pela primeira vez. Ela jogou o maço em uma lata de lixo. Então
ela parou e olhou para trás.

— Você não deferia xumar. Você poderá ter cânxer de pulmão. —


então, depois de uma breve pausa. — E ninguém goxta de poluidores.[26]

E com isso ela se foi.

Ele não se conteve. Sorriu novamente. Desceu da moto e andou em


torno do canto da loja de conveniência. Ele a viu andar, rabo de cavalo
balançando a cada passo. Não viu qualquer sinal de Curtis Armstrong então
ele virou-se e entrou na loja. Ele caminhou até o funcionário do
caixa. Queria perguntar sobre a menina, mas ele não queria que o cara atrás
do balcão pensasse que ele era um pervertido.

— Acabei de ver um garoto maior mexendo com aquela menina que


saiu daqui. Parece que ela se saiu muito bem para uma coisa tão pequena.
— ele esperou para ver se o cara iria dizer alguma coisa. Ele disse.

— Sim, aquela era Gwinny. Ela anda aqui todos os dias sozinha para
comprar os cigarros da sua mãe. Ela é uma menina doce. Inteligente
também. Provavelmente foi Curtis, e eu tenho certeza que ela deu a ele uma
boa resposta. Ele está sempre mexendo com ela.

— Espero que ela more por perto. — e, depois de pensar em como


isso soava, rapidamente acrescentou: — Se ela tiver uma longa caminhada é
mais oportunidade para o garoto intimidá-la.

— Ela mora descendo a rua aqui. — disse ele apontando para o lado
da loja onde Gwinny tinha aparecido pela primeira vez. — Mas eu não
tenho certeza do quão longe. Você queria alguma coisa?

— Sim, um maço de Lucky.

O funcionário entregou sua compra sem tomar conhecimento da mão


do motoqueiro. Pelo menos, se ele o fez, não demonstrou. O motoqueiro
pagou por seus cigarros e saiu pela porta. Ele jogou os cigarros adquiridos
recentemente na lata de lixo. Ele fumava desde que tinha doze anos. Talvez
fosse hora de parar.

Ele tinha esquecido tudo sobre a dor na mão. Pegou sua moto e a
ligou. Ele contornou a loja ao lado, onde Gwinny foi. Ele olhou para a placa
da rua. SW 23 Avenue. Ele estava parado quando ele olhou para a rua e
notou que era um bom bloco com pequenas casas de cada lado. Ele podia
vê-la ao longe. Ela, obviamente, não tinha chegado a sua casa ainda ou
virou em quaisquer ruas laterais.

Quando ela se virou em uma ligeira curva e não mais em sua linha de
visão, ele dirigiu lentamente à distância para a curva. Cautelosamente
passou ao redor. Ele não queria assustá-la se ela ouvisse a moto e achasse
que estava sendo seguida, o que ela estava. Mas isso não importava. Ela não
estava mais lá. Ela deve ter ido para uma das casas.

Ele não era familiarizado com o bairro e pensou que em vez de


contornar, simplesmente seguiria a rua e veria onde ele sairia.

Infelizmente, ele se deparou com um beco sem saída. As casas no


final do quarteirão de Gwinny eram mais chiques. Um pouco mais
sofisticadas. Ele podia ver através de alguns dos quintais que estas casas
estavam na água - daí, a razão para o beco sem saída. Ele virou a moto em
torno da pequena área de retorno e voltou por aonde ele veio.

Foi quando ele a viu. Ele pegou um flash de cor à sua direita. Ela
estava do lado de uma casa tentando levantar um regador enorme para
molhar algumas plantas penduradas. Ela estava lutando com o peso dele. Se
ela o notou, não demonstrou.

Ele descobriu que ele queria vê-la, mas não podia. Não ficaria bem e
poderia assustá-la, ou alertar alguém na vizinhança da sua presença.

Ele não ligou a moto até que dobrou a esquina e estivesse fora da
vista de qualquer um que pudesse tê-lo visto passar pela casa de
Gwinny. Ele não podia evitar, mas se perguntou se sua mãe hippie-
prostituta-maconheira cuidava dela. Ele não conseguia entender por que ele
se importava. Em seguida, ocorreu-lhe.

A oferta do curativo foi à primeira vez na vida que alguém realmente


fez alguma coisa por ele. Nunca, nenhuma vez tinha tido sequer uma
sugestão de alguém que deu a mínima para ele. Ninguém. Esta pequena
fedelha foi à primeira.

Ele soube então que o que estava sentindo era uma proteção de irmão
com ela.

Ele prometeu ali, manter um olho sobre a menina. Ele poderia passar
despercebido no fundo e apenas manter o controle sobre ela. Certificar-se
de que ela estava bem. E foi isso que ele fez. Pelos próximos nove anos.

Ele não tinha nenhuma maneira de saber, então, que o cuidado de


irmão e preocupação por uma criança se transformaria em amor. Que ela se
tornaria sua obsessão e o único e verdadeiro amor da sua vida. Que ela
acabaria por ser a razão da sua morte.

Mesmo se ele soubesse, ele não teria mudado nada.

Fim
[1] Urso pardo.

[2] Intravenosa.

[3] Jogador ofensivo. Especializado em correr com a bola.

[4] Homem foguete.

[5] Exército de Satanás.

[6] Monstro.

[7] Rã.

[8] Canção country escrita por Tom T. Hall, que foi um grande sucesso
internacional em 1968.

[9] PTA - Associação de pais e mestres.

[10] Uma criança que fica em casa sem supervisão de um adulto por alguma
parte do dia, especialmente depois da escola até que seus pais voltem do
trabalho.

[11] Grunt - grunhido geralmente expressando esforço.


[12] No original: Runt

[13] Nanico adulto.

[14] Figura de linguagem em que palavras de sentidos opostos são


combinadas de modo a parecerem contraditórias, mas que reforçam a
expressão: gentileza cruel; belo horroroso; música silenciosa.

[15] Celery - aipo.

[16] Fusca.

[17] Sanduiche com bacon, alface e tomate.

[18] Olhos Ciganos.

[19] Série de TV.

[20] Modelo de carro da Ford. Ford Pinto foi um modelo desenvolvido para
o mercado da América do Norte, apresentado pela primeira vez, no dia 11
de setembro de 1970, sendo um dos modelos mais populares da Ford até
1980, quando sua produção foi interrompida.

[21] Associação Cristã de Moços ou Associação Cristã da Mocidade


(ambas usando a sigla "ACM") são os nomes, respectivamente, da
ramificação brasileira e da ramificação portuguesa da Young Men's
Christian Association (YMCA), uma organização fundada em 6 de junho de
1844, em Londres por um jovem chamado George Williams. Na ocasião o
objetivo era oferecer aos jovens que chegavam em Londres a trabalho, uma
opção à vida nas ruas, incentivando a prática de princípios cristãos,
conforme ensinados por Jesus Cristo, através de estudos bíblicos e orações.

[22] Tom, Dick and Harry - filme de comédia de 1941, onde a operadora de
telefonia Janie, tem de escolher entre três homens que vivem lutando pelo
seu amor.

[23] Bata e corra.

[24] Som devido a falta dos dentes da garota. Esses.


[25] Parece.

[26] Novamente os sons das palavras saem confusos devido a falta de


dentes.

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