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CAPÍTULO 1

CONCEITUAÇÃO

“O ser humano pode viver sem Zeus, Deus, Alah, Brahma, Tao, o Absoluto, o Uno, e
tantos outros nomes, só não consegue viver sem o ‘Sentido’. É impossível. O seu centro
está em toda parte, sua circunferência em parte alguma. Tão grande que é não cabe em si.
Espírito eterno, profundo e inescrutável, nada maior existe que possa ser pensado. Assim
é o ‘Sentido’: um Mysterium Tremendum”.1

1 A etimologia das palavras

Estudar a etimologia de uma palavra é conhecer a sua evolução conceitual, as possíveis


mudanças de seu significado e sentido atual.2 O uso habitual da linguagem torna as palavras,
muita das vezes, opacas, anêmicas e inútil convenção a que obedecemos sem refletir. Mas
quando as estudamos etimologicamente vislumbramos coincidências, implicações e
explicações que as rejuvenescem, fazendo-as brilhar diante de novos sentidos e significados.

Por outro lado, a filosofia analítica tem demonstrado que existem palavras de
profundo sentido que não têm definição. Quanto a essas palavras, sem importar o que se
digam delas, alguém verá algo de errado ou mesmo de inadequado em sua definição. Porém,
o que finalmente sucede é que terminado com uma série de descrições, cada uma delas
consegue atingir a verdade em algum ponto. É o caso da palavra Misticismo,3 e palavras
como, “Deus”, “Logos”, 4 “Sentido”, “Vida”, dentre outras, e que obedecem a essa mesma
linha de entendimento.

1
DESCONHECIDO, Autor.
2
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Dicionário da Língua Portuguesa, Novo Aurélio, Século XXI, p.
849.
3
CHAMPLIN, Russell Norman. Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia, p. 314.
4
É difícil explicar o que significa a palavra Logos, especialmente aos nominalistas de berço. É difícil porque o
conceito não descreve um ser individual, mas Princípio universal. Esse conceito não pode ser entendido pelos
que não estão acostumados a pensar em termos universais enquanto poderes de ser. (TILLICH, Paul. História do
Pensamento Cristão, p. 50).
14

Um exemplo disso é quando se tenta descrever ou conceituar Deus. Ora, quem é Deus,
Zeus, Alah, Brahma, Tao, e tantos outros nomes, senão apreensões imperfeitas 5 e parciais de
um Sentido transcendente, imanente, princípio único e universal a que Heráclito chamou de
Logos e Rudolf Otto, de Mysterium Tremendum? 6

No entanto, mesmo sabendo que “O Absoluto (Mysterium Tremendum) não deve ser
expresso em conceito, mas somente sentido e intuído, pois não é o seu conceito, mas seu
sentimento e sua intuição que devem tomar a palavra e receber expressão”, 7 as culturas e
religiões o descrevem com conceitos parciais, incompletos, e na maioria das vezes, vagos,
sendo, porém, considerados verdadeiros e fundamentais para a compreensão da vida e do
Sentido que lhe é inerente.

1.1 O vocábulo “Logos”

O vocábulo grego Logos, de raiz leg, “colecionar”, “apanhar”, “falar”, entrou na


linguagem filosófica numa fase avançada da sua evolução semântica, quando já era sobejo o
seu valor de “palavra”, “discurso”, “argumento”, “razão”, “linguagem”, “conta”. Em
Homero, seu significado não se distingue de Mythos (mito) e Epos, que dominam o mesmo
campo lexical. O uso pós-homérico, no entanto, diferencia os significados. Reserva epos
para a literatura épica baseada na métrica homérica, e Mythos para caracterizar estórias
fictícias, e, depois, estórias fictícias acerca dos deuses que, embora tenham formato poético,
têm um conteúdo de verdade no seu cerne. A área que ficou livre, por assim dizer, para
denotar aquilo que significa “fala”, “palavra”, foi ocupada por uma nova palavra pós-

5
FONSECA, Dax Paes Nascimento. Logos em Filon de Alexandria, p. 130.
6
Acerca da pluralidade de nomes divinos, Dax Fonseca, em sua Tese de Mestrado assim comenta: “Poderíamos,
pois, sugerir que, na concepção de Fílon, os judeus teriam reconhecido os inúmeros atributos de seu único Deus
disseminados em uma enorme pluralidade de “divindades”. Nesse caso, temos um novo argumento para explicar
em que consistia a prática filoniana de colher fragmentos da tradição filosófica pagã: tratava-se mesmo de uma
recolha dessas “partes” espalhadas (as manifestações “espermáticas”, podemos dizer) do Logos divino em
função das imperfeições e limitações epistêmicas do intelecto humano, terrestre, mortal”. (FONSECA, Dax,
Logos em Filon de Alexandria, p. 644).
7
BATISTA, William José. A Superfície Inacessível, p. 78. Experimentar Deus não é pensar sobre Deus, mas
sentir Deus com a totalidade do nosso ser. Experimentar Deus não é falar de Deus aos outros, mas falar a Deus
junto com os outros (...) Para encontrarmos Deus vivo e verdadeiro a quem podemos entregar o coração,
precisamos negar aquele Deus construído pelo imaginário religioso e aprisionado nas malhas das doutrinas.
Depois de termos mergulhado em Deus e de tê-lo sentido nascendo de dentro de nosso coração, poderemos,
livremente, re-assumir o imaginário e as doutrinas. Elas se despem de sua pretensão de definir Deus e se
transfiguram em metáforas com as quais nos acercamos do Mistério para não sermos queimados por ele. Embora
sem nome adequado, Deus arde em nosso coração e ilumina nossa vida. Então não precisamos mais crer em
Deus. Simplesmente, sabemos dele porque o experimentamos. (BOFF, Leonard. Experimentar Deus, p. 10.).
15

homérica que se construiu com base em uma raiz homérica: rhêma, ao passo que Logos,
atestado em poucas ocasiões, permaneceu restrito ao significado de “discurso” ou ao “tema”
de um discurso.8

No entanto, Logos é conceito que acompanha as vicissitudes da cultura ocidental.


Ulteriores aprofundamentos e aplicações que veio a conhecer ao longo da história do
pensamento revelam, de forma mais ou menos velada, uma série de significações. Assim,
Logos é razão universal no mundo clássico, é lei de todas as coisas e nelas tornando possível
uma ordem, principio imanente e unificante do inteligível. No Novo Testamento, S. João
designa com o termo Logos, “o Verbo de Deus”, na linha do tema veterotestamentário da
Palavra hebraica “Dabar”. Palavra dinâmica e criadora de todo o real, transcendente,
comunicativo, fonte da sapiência, possível pela graça divina e à qual estão subordinados
todos os demais conhecimentos. Mas essa Palavra revelada aos homens compreende, além
de um elemento cognitivo como pensamento ou sentido de uma coisa, um elemento
dinâmico feito de força e luz, cuja eficácia só é percebida por quem interiormente a escuta e
se dispõe a pô-la em prática. É princípio gnosiológico e lógico que a modernidade tem
vindo gradualmente a separar do primitivo sentido metafísico e teológico. É norma racional,
pensamento orientado para a verdade que penetra o dado, iluminando-o inteiramente ou,
mera forma aplicada (de todo alheia), que a envolve apenas do exterior. Como princípio
ontológico e critério lógico da verdadeira causa ou essência das coisas, o Logos é verdade
em marcha, subindo da caverna em que o homem a mantém prisioneira. 9

Trata-se de um Logos vivo que, por isso mesmo, se opõe à letra morta das obras
escritas que não podem responder nem interrogar. Semelhante a uma pessoa, o verdadeiro
Logos é capaz de se defender sozinho, de se dirigir aos dialéticos, de os interrogar, de os
acusar, comprazendo-se em metê-los em brios e embaraços; é comparável a um atleta em
competição, a um profundo e vasto oceano, a uma torrente impetuosa, a um cavalo fogoso, a
um mundo incorporal e irresistível, que obriga por vezes a uma passagem gradual pela
violência e rubor antes de concluir por um pacto de amizade. 10

Os Padres gregos da Igreja afirmavam com razão que a atividade do Logos é universal,
não estando confinada aos sistemas judaico e cristão, visto que suas obras são vastas e

8
COENEN, Lothar & BROWN, Colin. Dicionário Internacional de Teologia, p. 1510.
9
COSTAS, Freitas M. Dicionário Luso-Brasileiro de Filosofia, p. 475.
10
COSTAS, Freitas, Ibid. p. 477.
16

complexas. O conceito Rationes Seminales (Logoi Spermatokoi)11 favorece esse tipo de


entendimento, pois parte da idéia de que o Logos implanta suas sementes por toda a parte.
Assim, até nos lugares mais inesperados, podemos encontrar as mais preciosas jóias de
conceito e pensamento ou de prática. Podem ser vistas por toda parte, compondo uma
grande força por detrás do mistério da vontade de Deus, que busca obter a unidade final de
todas as coisas em redor do Logos, chamado o Cristo em sua encarnação. Enquanto isso não
for realizado, sempre haveremos de confirmar apenas fragmentos do Logos e de sua divina
Presença,12 em todas as culturas e religiões, assim como em todo e qualquer lugar aonde Ele
é imperfeitamente sentido, apreendido e nominado.

1.2 O conceito de “Sentido”

A palavra “Sentido”, deriva do latin sensus (órgão ou faculdade de sentir). De uma


maneira geral, remete aos seguintes significados: cada uma das formas de receber
sensações, segundo os órgãos destas; os cinco sentidos – visão, audição, olfato, gosto e tato;
11
O conceito de Rationes Seminales (Logoi Spermatokoi) encoraja o tipo correto de sincretismo religioso. Na
p. 557, o autor faz o seguinte comentário sobre o assunto: “Rationes Seminales. Expressão latina que
significa “razões seminais”, ou seja, aquelas forças básicas, não-materiais que põe a criação material em ação,
algo parecido com os logoi spermatikoi, “sementes da razão”, concebido pelos gregos, que viam o Logos
atuando em tudo. Na filosofia de Boaventura, essas forças fazem a criação física ser o que ela é, trabalhando
em cima das potencialidades da matéria. Deus é a força originária tanto dessas forças quanto da matéria, sobre
a qual operam. Os logoi spermatokoi (o grego traduzido rationes seminales) são as manifestações do Logos
na filosofia estóica. O Logos é a força ou substância básica, criadora e controladora, e seus poderes (sementes
= spermatikoi) operam em tudo. Em Filo, os dois logoi fundamentais são a bondade e o poder de Deus, e estas
duas forças constituem o Logos, que às vezes, ele personificou como o “Anjo do Senhor”. A relação exata
entre o Logos e Deus, em Filo, não é bem esclarecida por ele, mas é claro, pelo menos, que os logoi
spermatikoi são operações de Deus, baseadas nos seus atributos divinos. O próprio Logos e os logoi
spermatikoi têm o trabalho de mediadores e operadores da vontade de Deus. Em Plotino, os logoi spermatikoi
são as formas operadoras na emanação do Logos no mundo. Eles manifestam os poderes das Idéias em toda a
existência, inclusive nos mundos físicos. Desta maneira, as Idéias se envolvem em um processo de emanação,
uma idéia diferente não contemplada por Platão. Os Logoi spermatikoi efetuam a vontade de Deus nas
inumeráveis esferas onde ele se manifesta. São forças criadoras e controladoras. Estas forças duplicam
imperfeitamente, isto é, imitam as Formas, e assim os mundos inferiores são, como Platão falou, imitações ou
sombras do mundo das Formas. No cristianismo, os logoi spermatikoi são as operações e influências do Logos
na criação de Deus, inclusive na criação física. O Logos, a encarnação de Deus, identificado com o Filho, tem
inúmeros poderes e influências que operam em seu favor, e efetuam a vontade de Deus. É a vontade de Deus
de espalhar a mensagem espiritual, inclusive da salvação. Os logoi spermatikoi se encontram em toda a parte,
em religiões não cristãs e na melhor parte da filosofia, como a de Platão. Portanto, o Logos não está limitado à
fé cristã, sua esfera de atuação é universal. Ele se manifesta através da natureza (religião natural), através da
revelação (no misticismo e revelação), nas ciências naturais, na razão (como nas filosofias), na consciência do
homem, nas intuições. O Logos é universal e poderoso e nem uma única maneira de operar pode limitá-lo.
Portanto, suas manifestações não se limitam a religião cristã, embora ai ele encontre sua expressão mais exata
e promissora. Os logoi spermatikoi se encontram nos lugares mais variados e, às vezes, surpreendentes. Os
homens gostam de imitar as atividades de Deus dentro de seus pobres sistemas, mas os logoi spermatikoi não
conhecem qualquer limitação. (CHAMPLIN, Russell. O Novo Testamento Interpretado, p. 295).
12
CHAMPLIN, op. cit., p. 295-313.
17

senso; bom senso; juízo, tino; acepção; razão de ser; cabimento, lógica; pensamento;
consciência; orientação; direção; rumo; faculdade de conhecer de um modo imediato e
intuitivo, a qual se manifesta nas sensações propriamente ditas; ser compreensível,
aceitável, lógico; intuição. 13

Numa acepção subjetiva, significa sensibilidade ou modo de sentir, porém, numa


acepção objetiva, remete à significação ou modo de interpretar, ou ainda, a uma dimensão
de valor ético ou axiológico. Enquanto significação simbólica (sinal), diz-se das palavras,
dos gestos e da própria linguagem em geral (sentido próprio, figurado), mas também de tudo
aquilo que pode ser ponto de partida de uma inferência ou de uma ilação (sentido de um
silêncio, sentido de um acesso de febre ‘sintoma’). 14

À luz da filosofia hermenêutica contemporânea (Heidegger, Gadamer,...), o ato


hermenêutico, instaurador de sentidos, constitui a verdadeira mediação entre o homem e o
Ser. A verdade, que se constrói a partir do círculo hermenêutico, revivido num diálogo entre
a história real e a história das interpretações, é uma teia de sentidos, jogo paradigmático
(Gadamer), no seio da própria consciência da determinação histórica. A linguagem não é
simples instrumento do pensamento, mas antes constitutiva da experiência que o homem
tem do mundo e pela qual se revela incessantemente. 15

Como valor ou fim, o sentido é o que permite compreender racionalmente a realidade.


É a razão de ser ou o valor das coisas e da vida humana (destino, fim). É o espírito que se
opõe à letra, realidade última, instância ontológica fundante, que se opõe à forma vazia da
mera significação. 16 Sobre ele, uma das traduções do fragmento 50 de Heráclito, que no
conjunto concordam, assim diz: “Se apreenderam não a mim, mas o sentido, então é sábio
dizer no mesmo sentido: Um é tudo (Snell)”17

Parafraseando São Tomás de Aquino sobre “... as maneiras de se dizer a verdade sobre
uma coisa...”18, há duas maneiras de dizer que um sentido existe: ele pode existir em si
mesmo e não por nós (sua natureza vital); e pode existir por si mesmo e por nós (sua
natureza intramundana ou extramundana). Logo, se entende o porquê de Merleu-Ponty
afirmar com razão que “... tudo tem um sentido...” 19.
13
FERREIRA, op. cit., p. 1838.
14
FRONTINHA, Rodrigo. Novo Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa, p. 1623.
15
COSTAS, Freitas., op. cit., p. 1035
16
Ibid. p.1036.
17
Regis, W e SOUZA, Cavalcante. Os Pré-socráticos, p. 111.
18
BATISTA, William José. As Estratégias da Pergunta, p. 101.
19
BATISTA, William José. A Superfície Inacessível, p. 14
18

A questão do sentido sempre foi um grande problema filosófico. Se de um lado,


Wittgenstein afirma que o sentido do mundo deve permanecer fora dele, e que as
proposições sobre esse sentido nada podem exprimir que seja mais elevado, de outro lado,
afirma que há coisas que não podem ser ditas por palavras. Elas mostram-se ( Dies zeigt
sich), isso é místico, 20 de sentido e significado profundo.

1.3 O conceito de “Vida”

A palavra “vida” deriva do Latin, vita. De uma maneira geral, remete aos seguintes
significados: o conjunto de propriedades e qualidades graças às quais animais e plantas se
mantêm em contínua atividade, manifestada em funções orgânicas tais como o metabolismo,
o crescimento, a reação a estímulos, a adaptação ao meio, a reprodução, e outras; existência;
estado ou condição dos organismos que se mantêm nessa atividade desde o nascimento até a
morte; vida humana; espaço de tempo que decorre desde o nascimento até a morte; tempo
de existência ou de funcionamento de uma coisa; estado ou condição do espírito depois da
morte; Biografia; modo de viver; as atividades de qualquer grupo humano; o que é
necessário para manter a vida; sustento; o que é essencial para que algo subsista; base;
fundamento; o que representa para alguém motivo de prazer, de estímulo, de amor à vida; o
que representa força, ânimo, entusiasmo; vitalidade; o que, sendo inanimado, transmite idéia
de vida.21

Modernas definições léxicas distinguem a vida orgânica das substâncias inorgânicas e


da vida orgânica morta. Essa é a vida física. Todavia, a vida também pode indicar uma
essência vital, dotada de propriedade misteriosa, sem a qual a vida biológica não poderia
suster-se. Acresça-se a isso que a vida também pode ser encarada do ângulo de uma
existência consciente e inteligente, o que sugere que as entidades orgânicas inferiores não
possuem vida verdadeira.

No campo da teologia, entretanto, a vida é sempre uma realização espiritual, derivada


da fonte divina, se for verdadeira vida. Metaforicamente falando, os homens estão mortos
em seus delitos e pecados, enquanto não acham a vida, mediante a conversão e a
santificação. 22
20
COSTAS, Freitas., loco cit., p. 1035.
21
FERREIRA, op. cit., p. 2070.
22
CHAMPLIN, op. cit., p. 786.
19

No hebraico, a palavra mais freqüente para significar vida é o termo hayyim, do verbo
hāyāh, cuja semântica mais se define pela bipolaridade como a do pensamento ocidental,
quando confronta a vida por delimitação com a morte, pois transcende a morte e é mesmo
significativa desta, isto é, força revificadora que não fica aquém, mas além da morte Daí
uma semântica muito ligada com o “tornar saudável” ou levar à plenitude. É um termo que
na tradição bíblica normalmente foi traduzido por ζωή, significando assim a força da vida e
não o vivente. Para se referir ao ser vivo animado, aquele que recebe a força de hayyim,
utiliza-se já o termo nephest, com o significado de “sopro” ou “respiração”, pois a
possibilidade anímica está diretamente ligada com o simbolismo daqueles que inspiram e
respiram a vida. Paralelo ao que se irá encontrar no grego έμνός, este sentido do ser animal
na acepção etimológica distingue-se na tradição bíblica de um outro sopro de vida
sobrenaturalizante, ou melhor dizendo, de ruah, como “evento do espírito” e instância
divina. É desse espírito que depende a vida do homem, embora o que lhe seja específico, no
seu nível próprio, seja a animação (nephesh). Estas referências à vida na tradução hebraica
não são abstratas, mas referem ao organismo, e em particular, as funções concretas da
dinâmica vital, quer na expressão física e salutar, quer na expressão psicológica, e sobretudo
na expressão moral, como felicidade e dom da vida. 23

Não é a vida cronológica definida pela finitude ou pelo limite da morte, mas
justamente como o que diz esse ser imortal à letra, “alimento da imortalidade”, fazendo
equivaler à vida (imortal) a um ciclo todo ele transcendente à morte. Neste sentido, deve-se
ainda remeter para o horizonte semântico da terminologia da luz, ou ao fogo vital,
transcendente às formas de vida, usado em várias tradições para assimilar aquela vida sem
fim (a tradição avéstica e persa: ΧVarna; a tradução hindu e budista: prâna e akasa, a
tradição semítica hebraico: aor, “luz”, “vida”; e ainda Novo Testamento “vida eterna”
referenciada pelo Glória Dei).24

Como expressão de expectativa teleológica, a vida adquire uma superior finalidade,


quer intramundana (êxito pessoal, fortuna, felicidade, prestígio, glória, ...), de âmbito social
– de fraternidade, de serviço à humanidade –, quer de âmbito supramundano (concepções
escatológicas, Vida Post Mortem, sentido transcendente de viver). 25

23
COSTAS, Freitas., op. cit., p. 489.
24
COSTAS, Freitas., op. cit., p. 493.
25
COSTAS, Freitas., loco cito., p. 489.
20

Por outro lado, o ser da vida aponta, mais do que para uma consciência prática
vivencial, para uma finalidade última, seja ela equacionável no âmbito intramundano ou
extramundano, seja ainda de referência à corporalidade e ao meio, ou transcendente a estas
dimensões. A vida ganha, enfim, a linguagem própria com o advento do Logos, com a
reflexão das suas mesmas formas, e com a elaboração de um sistema de conhecimentos que
a organizam em formas culturais e espirituais. 26

No que concerne à expectativa teleológica, o ser vivo não pode diluir na vida coletiva,
mesmo sendo esta análoga a um vasto organismo. O sistema de vida supõe a individuação
dos seres vivos e, em particular da dimensão analógica em que a diferenciação se acentua e
o processo de individuação ganha um significado universal. É por isso que cada vida não é
um caso particular, mas único, 27 de uma economia já não repetitiva, mas criativa. A
finalidade pode ser a mesma, mas não vivida do mesmo modo, o que torna o caráter
orientado da vida para cada um, um sentido irredutível e amplificante. 28

A conclusão que se chega deste primeiro capítulo é que o advento do Logos conferiu à
vida um novo sentido e significado, possibilitando uma compreensão melhor do cosmos e
de tudo o que nele há, em todas as suas dimensões (transcendente, imanente, espiritual e
existencial) e reflexões (filosóficas, teológicas, religiosas, científicas, etc).

Nesse sentido, o Logos do Mysterium Tremendum (Zeus, Deus, Alah, Atman, Tao e
tantos outros nomes), muito mais do que ser uma razão universal e lei de todas as coisas,
Verbo de Deus ou Palavra (dabar) dinâmica cheia de força e luz, é sentido último e fonte de
sapiência de todos aqueles que tornam o caráter orientado da vida, um sentido irredutível e
amplificante, independentemente de cor, raça, credo ou religião.

26
COSTAS, Freitas., op. cit., p. 497.
27
O filme “Somos todos um” ratifica de maneira inquestionável essa afirmação ao defender o caráter orientado
da vida que, embora único em cada indivíduo, possui um sentido de unicidade, independentemente de cultura ou
religião. O filme trata de nada menos que a maior de todas as perguntas sobre a existência humana. Qual o
sentido da vida? Aborda também questões relativas à vida, tais como, o conceito de Deus, o motivo do
sofrimento humano, a justificativa da guerra, dentre outras, com vista ao grandioso objetivo de demonstrar a
“unicidade da humanidade”. Dele participaram Autores, estudiosos e ícones mais famosos do mundo, alguns dos
maiores padres, rabinos e imames do mundo, iogues, indianos, mestres orientais, reis africanos, monges católicos
monges budistas, curandeiros, grandes mestres ícones culturais, autores e pensadores famosos, personalidades
importantes no cenário internacional, dentre os quais destacam-se os seguintes líderes espirituais: Deepak
Chopra, Llewellyn Lee, Richard Rohr, Sadhguru Vasndev, B. T. Swami, Bárbara Marx Hubbard, Ram Dass,
Thich Nhat Hanh, Riane Eisler, Thomas Keating, Sadhguru Jaggi Vasudev, Dalai Lama, Robert Thurman.
(POWER, M. Somos todos um, Dreamland Filmes, USA, 2005).
28
COSTAS, Freitas., op. cit., p. 498.
21

De igual modo, também se conclui que a vida, desde sempre e eternamente, possui um
Sentido profundo, quer seja de natureza intramundana, extramundana ou próprio de sua
natureza vital, independentemente de qual seja a finalidade última a que se destina.

No capítulo seguinte, estudaremos o “Epos” grego, forma de narração ou discurso


mítico importante para o desenvolvimento conceitual do vocábulo grego “Logos”. Nessa
ocasião abordaremos também a relação de pertinência entre Logos e Mythos e a questão do
sentido, espírito de uma época e condição sine qua non da vida de um povo, tendo lançado
as primeiras bases da comunicação, significação e abertura para o Sentido.

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