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CAPÍTULO 1
CONCEITUAÇÃO
“O ser humano pode viver sem Zeus, Deus, Alah, Brahma, Tao, o Absoluto, o Uno, e
tantos outros nomes, só não consegue viver sem o ‘Sentido’. É impossível. O seu centro
está em toda parte, sua circunferência em parte alguma. Tão grande que é não cabe em si.
Espírito eterno, profundo e inescrutável, nada maior existe que possa ser pensado. Assim
é o ‘Sentido’: um Mysterium Tremendum”.1
Por outro lado, a filosofia analítica tem demonstrado que existem palavras de
profundo sentido que não têm definição. Quanto a essas palavras, sem importar o que se
digam delas, alguém verá algo de errado ou mesmo de inadequado em sua definição. Porém,
o que finalmente sucede é que terminado com uma série de descrições, cada uma delas
consegue atingir a verdade em algum ponto. É o caso da palavra Misticismo,3 e palavras
como, “Deus”, “Logos”, 4 “Sentido”, “Vida”, dentre outras, e que obedecem a essa mesma
linha de entendimento.
1
DESCONHECIDO, Autor.
2
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Dicionário da Língua Portuguesa, Novo Aurélio, Século XXI, p.
849.
3
CHAMPLIN, Russell Norman. Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia, p. 314.
4
É difícil explicar o que significa a palavra Logos, especialmente aos nominalistas de berço. É difícil porque o
conceito não descreve um ser individual, mas Princípio universal. Esse conceito não pode ser entendido pelos
que não estão acostumados a pensar em termos universais enquanto poderes de ser. (TILLICH, Paul. História do
Pensamento Cristão, p. 50).
14
Um exemplo disso é quando se tenta descrever ou conceituar Deus. Ora, quem é Deus,
Zeus, Alah, Brahma, Tao, e tantos outros nomes, senão apreensões imperfeitas 5 e parciais de
um Sentido transcendente, imanente, princípio único e universal a que Heráclito chamou de
Logos e Rudolf Otto, de Mysterium Tremendum? 6
No entanto, mesmo sabendo que “O Absoluto (Mysterium Tremendum) não deve ser
expresso em conceito, mas somente sentido e intuído, pois não é o seu conceito, mas seu
sentimento e sua intuição que devem tomar a palavra e receber expressão”, 7 as culturas e
religiões o descrevem com conceitos parciais, incompletos, e na maioria das vezes, vagos,
sendo, porém, considerados verdadeiros e fundamentais para a compreensão da vida e do
Sentido que lhe é inerente.
5
FONSECA, Dax Paes Nascimento. Logos em Filon de Alexandria, p. 130.
6
Acerca da pluralidade de nomes divinos, Dax Fonseca, em sua Tese de Mestrado assim comenta: “Poderíamos,
pois, sugerir que, na concepção de Fílon, os judeus teriam reconhecido os inúmeros atributos de seu único Deus
disseminados em uma enorme pluralidade de “divindades”. Nesse caso, temos um novo argumento para explicar
em que consistia a prática filoniana de colher fragmentos da tradição filosófica pagã: tratava-se mesmo de uma
recolha dessas “partes” espalhadas (as manifestações “espermáticas”, podemos dizer) do Logos divino em
função das imperfeições e limitações epistêmicas do intelecto humano, terrestre, mortal”. (FONSECA, Dax,
Logos em Filon de Alexandria, p. 644).
7
BATISTA, William José. A Superfície Inacessível, p. 78. Experimentar Deus não é pensar sobre Deus, mas
sentir Deus com a totalidade do nosso ser. Experimentar Deus não é falar de Deus aos outros, mas falar a Deus
junto com os outros (...) Para encontrarmos Deus vivo e verdadeiro a quem podemos entregar o coração,
precisamos negar aquele Deus construído pelo imaginário religioso e aprisionado nas malhas das doutrinas.
Depois de termos mergulhado em Deus e de tê-lo sentido nascendo de dentro de nosso coração, poderemos,
livremente, re-assumir o imaginário e as doutrinas. Elas se despem de sua pretensão de definir Deus e se
transfiguram em metáforas com as quais nos acercamos do Mistério para não sermos queimados por ele. Embora
sem nome adequado, Deus arde em nosso coração e ilumina nossa vida. Então não precisamos mais crer em
Deus. Simplesmente, sabemos dele porque o experimentamos. (BOFF, Leonard. Experimentar Deus, p. 10.).
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homérica que se construiu com base em uma raiz homérica: rhêma, ao passo que Logos,
atestado em poucas ocasiões, permaneceu restrito ao significado de “discurso” ou ao “tema”
de um discurso.8
Trata-se de um Logos vivo que, por isso mesmo, se opõe à letra morta das obras
escritas que não podem responder nem interrogar. Semelhante a uma pessoa, o verdadeiro
Logos é capaz de se defender sozinho, de se dirigir aos dialéticos, de os interrogar, de os
acusar, comprazendo-se em metê-los em brios e embaraços; é comparável a um atleta em
competição, a um profundo e vasto oceano, a uma torrente impetuosa, a um cavalo fogoso, a
um mundo incorporal e irresistível, que obriga por vezes a uma passagem gradual pela
violência e rubor antes de concluir por um pacto de amizade. 10
Os Padres gregos da Igreja afirmavam com razão que a atividade do Logos é universal,
não estando confinada aos sistemas judaico e cristão, visto que suas obras são vastas e
8
COENEN, Lothar & BROWN, Colin. Dicionário Internacional de Teologia, p. 1510.
9
COSTAS, Freitas M. Dicionário Luso-Brasileiro de Filosofia, p. 475.
10
COSTAS, Freitas, Ibid. p. 477.
16
senso; bom senso; juízo, tino; acepção; razão de ser; cabimento, lógica; pensamento;
consciência; orientação; direção; rumo; faculdade de conhecer de um modo imediato e
intuitivo, a qual se manifesta nas sensações propriamente ditas; ser compreensível,
aceitável, lógico; intuição. 13
Parafraseando São Tomás de Aquino sobre “... as maneiras de se dizer a verdade sobre
uma coisa...”18, há duas maneiras de dizer que um sentido existe: ele pode existir em si
mesmo e não por nós (sua natureza vital); e pode existir por si mesmo e por nós (sua
natureza intramundana ou extramundana). Logo, se entende o porquê de Merleu-Ponty
afirmar com razão que “... tudo tem um sentido...” 19.
13
FERREIRA, op. cit., p. 1838.
14
FRONTINHA, Rodrigo. Novo Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa, p. 1623.
15
COSTAS, Freitas., op. cit., p. 1035
16
Ibid. p.1036.
17
Regis, W e SOUZA, Cavalcante. Os Pré-socráticos, p. 111.
18
BATISTA, William José. As Estratégias da Pergunta, p. 101.
19
BATISTA, William José. A Superfície Inacessível, p. 14
18
A palavra “vida” deriva do Latin, vita. De uma maneira geral, remete aos seguintes
significados: o conjunto de propriedades e qualidades graças às quais animais e plantas se
mantêm em contínua atividade, manifestada em funções orgânicas tais como o metabolismo,
o crescimento, a reação a estímulos, a adaptação ao meio, a reprodução, e outras; existência;
estado ou condição dos organismos que se mantêm nessa atividade desde o nascimento até a
morte; vida humana; espaço de tempo que decorre desde o nascimento até a morte; tempo
de existência ou de funcionamento de uma coisa; estado ou condição do espírito depois da
morte; Biografia; modo de viver; as atividades de qualquer grupo humano; o que é
necessário para manter a vida; sustento; o que é essencial para que algo subsista; base;
fundamento; o que representa para alguém motivo de prazer, de estímulo, de amor à vida; o
que representa força, ânimo, entusiasmo; vitalidade; o que, sendo inanimado, transmite idéia
de vida.21
No hebraico, a palavra mais freqüente para significar vida é o termo hayyim, do verbo
hāyāh, cuja semântica mais se define pela bipolaridade como a do pensamento ocidental,
quando confronta a vida por delimitação com a morte, pois transcende a morte e é mesmo
significativa desta, isto é, força revificadora que não fica aquém, mas além da morte Daí
uma semântica muito ligada com o “tornar saudável” ou levar à plenitude. É um termo que
na tradição bíblica normalmente foi traduzido por ζωή, significando assim a força da vida e
não o vivente. Para se referir ao ser vivo animado, aquele que recebe a força de hayyim,
utiliza-se já o termo nephest, com o significado de “sopro” ou “respiração”, pois a
possibilidade anímica está diretamente ligada com o simbolismo daqueles que inspiram e
respiram a vida. Paralelo ao que se irá encontrar no grego έμνός, este sentido do ser animal
na acepção etimológica distingue-se na tradição bíblica de um outro sopro de vida
sobrenaturalizante, ou melhor dizendo, de ruah, como “evento do espírito” e instância
divina. É desse espírito que depende a vida do homem, embora o que lhe seja específico, no
seu nível próprio, seja a animação (nephesh). Estas referências à vida na tradução hebraica
não são abstratas, mas referem ao organismo, e em particular, as funções concretas da
dinâmica vital, quer na expressão física e salutar, quer na expressão psicológica, e sobretudo
na expressão moral, como felicidade e dom da vida. 23
Não é a vida cronológica definida pela finitude ou pelo limite da morte, mas
justamente como o que diz esse ser imortal à letra, “alimento da imortalidade”, fazendo
equivaler à vida (imortal) a um ciclo todo ele transcendente à morte. Neste sentido, deve-se
ainda remeter para o horizonte semântico da terminologia da luz, ou ao fogo vital,
transcendente às formas de vida, usado em várias tradições para assimilar aquela vida sem
fim (a tradição avéstica e persa: ΧVarna; a tradução hindu e budista: prâna e akasa, a
tradição semítica hebraico: aor, “luz”, “vida”; e ainda Novo Testamento “vida eterna”
referenciada pelo Glória Dei).24
23
COSTAS, Freitas., op. cit., p. 489.
24
COSTAS, Freitas., op. cit., p. 493.
25
COSTAS, Freitas., loco cito., p. 489.
20
Por outro lado, o ser da vida aponta, mais do que para uma consciência prática
vivencial, para uma finalidade última, seja ela equacionável no âmbito intramundano ou
extramundano, seja ainda de referência à corporalidade e ao meio, ou transcendente a estas
dimensões. A vida ganha, enfim, a linguagem própria com o advento do Logos, com a
reflexão das suas mesmas formas, e com a elaboração de um sistema de conhecimentos que
a organizam em formas culturais e espirituais. 26
No que concerne à expectativa teleológica, o ser vivo não pode diluir na vida coletiva,
mesmo sendo esta análoga a um vasto organismo. O sistema de vida supõe a individuação
dos seres vivos e, em particular da dimensão analógica em que a diferenciação se acentua e
o processo de individuação ganha um significado universal. É por isso que cada vida não é
um caso particular, mas único, 27 de uma economia já não repetitiva, mas criativa. A
finalidade pode ser a mesma, mas não vivida do mesmo modo, o que torna o caráter
orientado da vida para cada um, um sentido irredutível e amplificante. 28
A conclusão que se chega deste primeiro capítulo é que o advento do Logos conferiu à
vida um novo sentido e significado, possibilitando uma compreensão melhor do cosmos e
de tudo o que nele há, em todas as suas dimensões (transcendente, imanente, espiritual e
existencial) e reflexões (filosóficas, teológicas, religiosas, científicas, etc).
Nesse sentido, o Logos do Mysterium Tremendum (Zeus, Deus, Alah, Atman, Tao e
tantos outros nomes), muito mais do que ser uma razão universal e lei de todas as coisas,
Verbo de Deus ou Palavra (dabar) dinâmica cheia de força e luz, é sentido último e fonte de
sapiência de todos aqueles que tornam o caráter orientado da vida, um sentido irredutível e
amplificante, independentemente de cor, raça, credo ou religião.
26
COSTAS, Freitas., op. cit., p. 497.
27
O filme “Somos todos um” ratifica de maneira inquestionável essa afirmação ao defender o caráter orientado
da vida que, embora único em cada indivíduo, possui um sentido de unicidade, independentemente de cultura ou
religião. O filme trata de nada menos que a maior de todas as perguntas sobre a existência humana. Qual o
sentido da vida? Aborda também questões relativas à vida, tais como, o conceito de Deus, o motivo do
sofrimento humano, a justificativa da guerra, dentre outras, com vista ao grandioso objetivo de demonstrar a
“unicidade da humanidade”. Dele participaram Autores, estudiosos e ícones mais famosos do mundo, alguns dos
maiores padres, rabinos e imames do mundo, iogues, indianos, mestres orientais, reis africanos, monges católicos
monges budistas, curandeiros, grandes mestres ícones culturais, autores e pensadores famosos, personalidades
importantes no cenário internacional, dentre os quais destacam-se os seguintes líderes espirituais: Deepak
Chopra, Llewellyn Lee, Richard Rohr, Sadhguru Vasndev, B. T. Swami, Bárbara Marx Hubbard, Ram Dass,
Thich Nhat Hanh, Riane Eisler, Thomas Keating, Sadhguru Jaggi Vasudev, Dalai Lama, Robert Thurman.
(POWER, M. Somos todos um, Dreamland Filmes, USA, 2005).
28
COSTAS, Freitas., op. cit., p. 498.
21
De igual modo, também se conclui que a vida, desde sempre e eternamente, possui um
Sentido profundo, quer seja de natureza intramundana, extramundana ou próprio de sua
natureza vital, independentemente de qual seja a finalidade última a que se destina.