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CONCLUSÃO

Primeiramente, acredita-se haver sido esclarecido não haver descontinuidade radical


entre Logos e Mito, pois este, no sentido de “narrativa sagrada” das teogonias, é praticamente
equivalente a um Logos Hieros (discurso ou palavra sagrada, portadora da verdade,
“alethéia”), consistindo a diferença entre ambos apenas de natureza conceitual, decorrente de
apreensão imperfeita do Sentido universal vivido e representado de um lado por Zeus (Mito) e
de outro por Deus (Logos).

Ademais, naquilo que é próprio e comum tanto ao Mito quanto ao Logos, como
fundamento e sentido último da vida, subjaz o mesmo princípio único, vital e atemporal que
atua no cosmos e no mundo dos homens como lei eterna, imutável e universal presente tanto
no “Epos” grego quanto na “Dabar” judaica, assim como no “Logos” dos demais povos e
nações, apreendido e nominado pelas culturas e religiões de maneiras diferentes (Zeus, Deus,
Brahma, Aláh, Tao, Absoluto, Uno e tantos outros nomes).

O Mito, em sua dupla dimensão de narração e experiência vivida, apresenta-se como


uma sabedoria de vida, um saber que justifica o ser humano e o mundo, fundando-os no
intemporal e dando-lhe um sentido global. O caráter sagrado dos seus relatos míticos é uma
forma de sublinhar sua significação arquetípica, canônica ou normativa, supra-histórica e
existencial, permitindo que os homens se encontrem consigo mesmos, recordando-lhes suas
origens e representando o significado de sua vida.

Assim, o Mito, a exemplo do Logos, é palavra que encarna um Sentido universal, vivido
não como algo separado dele, mas como uma invocação da vida, como uma palavra que
penetra a realidade e a “maneja segundo as suas próprias leis”, tendo lançado as primeiras
bases da comunicação, significação e abertura para o Sentido, contribuindo significativamente
para o surgimento do vocábulo Logos e o seu conseqüente desenvolvimento conceitual.

Por conseguinte, o advento do Logos conferiu ao mundo dos homens um novo sentido e
significado, possibilitando uma compreensão melhor do cosmos e de tudo o que nele existe,
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em todas as suas dimensões (transcendente, imanente, espiritual e existencial) e reflexões


(filosóficas, teológicas, religiosas, científicas, etc). Nesse sentido, o Logos do Mysterium
Tremendum (Zeus, Deus, Alah, Brahma, Tao e tantos outros nomes), muito mais do que ser
uma razão universal e lei de todas as coisas, Verbo de Deus ou Palavra (dabar) dinâmica cheia
de força e luz, é fundamento e sentido último do cosmos e do mundo dos homens, fonte de
sapiência de todos aqueles que tornam o caráter orientado da vida, um Sentido irredutível e
amplificante, independentemente de qual seja a finalidade última a que se destina.

Com isso, busca-se retomar o sentido da existência, seu vigor, sua potência e,
conseqüentemente, o sentido que lhe é inerente, quer seja este de natureza intramundana,
extramundana ou próprio de sua natureza vital. Seu único critério de avaliação é a própria
vida, cujo valor se impõe por si mesmo e não pode ser avaliado, razão pela qual é necessário
transvalorizar o valor, a fim de revitalizar e reconciliar o seu sentido de valor com o sentido
da vida, colocando os valores a serviço da vida, sob o ponto de vista da vida e não dos
sistemas religiosos e culturais que a matando, rouba o sentido que lhe é inerente.

Em face disto, rejeita-se a afirmação segundo a qual a vida é desprovida de sentido. Ao


contrário, a vida possui o seu próprio Sentido, dado a conhecer primeiramente através do mito
e posteriormente por intermédio do Logos e seus Logoi Spermatokoi (Rationes Seminales),
espalhados no cosmos e no mundo dos homens e apreendidos imperfeitamente pelo ser
humano, dadas as limitações de seu intelecto e, sobretudo, ao ”zeitgeist” de uma época. Por
isso, uma variedade de nomes para o Mysterium Tremendum (Zeus, Deus, Brahma, Aláh,
Tao, Absoluto, Uno, etc), denotando uma concepção imperfeita e parcial do Sentido universal
e Princípio vital presente no cosmos e no mundo dos homens.

No que diz respeito à vida e ao sentido que lhe é inerente, esta é aqui representada pelo
Logos e o seu Sentido Universal, de onde se conclui que o sentido da vida é desde sempre e
eternamente, o sentido do Logos, fonte de energia e sustentáculo da realidade humana e
cósmica, fundamento e sentido último da vida. Desdobra-se no Logos ontológico da verdade
absoluta, e no intelectual, característico daqueles que amam a sabedoria; no vital-dinâmico, a
animar, reger, equilibrar e fazer progredir o indivíduo, com sua psique e inteligência, a família
e a polis, com suas leis, e o cosmos inteiro; no ético, está a dirigir a sábia conduta do homem.

Em Heráclito, o sentido da vida consiste em auscultar o Logos e o seu “Sentido”,


reverenciando-o por sua sabedoria e majestade e a Ele obedecendo. Este dirige o cosmos e
tudo o que nele há com suas leis divinas, as quais nutrem as leis humanas. Como sábio
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pedagogo, instrui-lhe a mente e dirigi-lhe a vida. E assim, Heráclito conclui: “Tudo fazemos e
dizemos segundo a participação do entendimento divino (Logos). Por isso devemos seguir
apenas a este entendimento universal.

Em Zenão e os estóicos, o sentido da vida consiste viver em conformidade com a Razão


universal, a qual dirige todos os acontecimentos no cosmos e no mundo dos homens. Tudo
acontece segundo a razão universal, a vontade de Deus e o destino. Portanto, o fim consiste
unicamente numa atitude interior da vontade, já que todo ser obedece necessariamente ao
destino, mas a razão extraviada tenta resistir a ele e opor ao bem universal o fantasma de um
bem próprio: saúde, riqueza, honra; o sábio, ao contrário, aceita com reflexão os fatos que
resultam do destino.

Em Filon de Alexandria, o sentido da vida consiste em viver segundo o Logos e sua


sabedoria, pois Deus implanta na alma uma racionalidade que é, na verdade, a própria Palavra
divina, Lei que rege o cosmos e o mundo dos homens e que ao mesmo tempo lhes instrui,
tornando possível a recepção da revelação divina como graça e auxílio ao seu progresso
moral, através do qual se vai adquirindo conhecimento da verdade e da natureza divina.

No Prólogo joanino, o sentido da vida está no próprio Logos divino, criador do cosmos e
de tudo o que nele existe, pois tudo foi feito por Ele e sem Ele nada que foi feito se fez e nisso
Ele era a vida, e essa vida é a luz dos homens. Nesse caso, o sentido da vida consiste em ter a
razão e a inteligência iluminadas por sua luz, sendo transformados por essa iluminação até nos
tornarmos semelhantes ao Cristo em nossas naturezas essenciais e sermos também verdadeiras
luzes, filhos autênticos de Deus. Com efeito, o Logos divino é comunicação de Deus,
comunicação que gera vida, que, necessariamente fecunda e gera um efeito vital. Portanto,
Nele há vida e, consequentemente, sentido, pois Ele é fonte de vida, palavra geradora de vida
e o fim de toda vida, logo, e por isso, desde sempre e eternamente, o sentido da vida.

Destarte, o Logos como palavra mística que encarna um Sentido universal que a tudo e a
todos abarca, perpassa e atrai incondicionalmente, pode ser comparado a um sentimento
subjetivo, algo que se experimenta emocionalmente, sem que se saiba definir. Não é algo que
o ser humano construa, mas algo que lhe ocorre de forma inesperada e não-preparada, como
uma brisa suave que lhe atinge, sem que saiba donde vem nem para onde vai, e que
experimenta como uma intensificação da vontade de viver a ponto de lhe dar coragem para
morrer, se necessário for, por aquelas coisas que dignificam a vida e o sentido que lhe é
inerente. É, na verdade, uma transformação de sua visão de mundo, na qual as coisas se
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integram como em uma melodia, o que lhe faz sentir reconciliado com o universo ao seu
redor, possuído de um certo sentimento oceânico –, na poética expressão de Romain Rolland
–, sensação inefável de eternidade e infinitude, de comunhão com algo que transcende,
envolve e embala, como se fosse um útero materno de dimensões cósmicas. E é esta realidade
eterna, âncora de sentimentos, em que se traduz o Mysterium Tremendum cujo Sentido
universal vem sendo ao longo dos séculos imperfeitamente aprendido e nominado de Zeus,
Deus, Brahma, Alah, Tao, Absoluto, Uno e tantos outros nomes, inapreensíveis pela razão,
faculdade pela qual as culturas e religiões tentam em vão descrevê-Lo.

De todo o exposto, esperamos haver lançado alguma luz sobre a relevância do assunto
que embora complexo e controverso, mostra-se bastante pertinente à reflexão teológica.
Reconhecemos, contudo, que esta abordagem é apenas um mero preâmbulo para futuras
considerações muito mais profundas.

Acreditamos, porém, ser por meio desta abordagem que abrimos as portas para o
diálogo ecumênico, inter-religioso e existencial em torno do Logos, capaz de demonstrar que
através Dele a vida e o Sentido que lhe é inerente é muito mais do que aquilo que dela se
apreende, nomina-se e se representa, estando para além de Zeus, Deus, Aláh, Brahma, etc., e
da própria cultura, representações estas sinonimáticas de um único princípio vital, imutável e
universal cujo Sentido é o “Mysterium Tremendum”.

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