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TESTAMENTO
INTRODUÇÃO
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Doutorando no Programa de Teologia na PUCPR, com pesquisa sobre o tema da Individuação; Mestre em Filosofia
e graduado em Teologia; Psicólogo e Especialista em Sexologia; professor e pesquisador universitário; coordenador
do Curso de Especialização em Sexualidade Humana, na Universidade Positivo. E-mail: ocirandreta@gmail.com.
Paralelamente ao mundo bíblico do Oriente Médio e Próximo, no âmbito das
cidades gregas (pólis) do outro lado do mar Egeu, desenvolve-se uma intensa cultura
humanística que influenciará todos os segmentos da vida individual e coletiva, a partir
do nascimento da razão pela mitopoese, pelas artes, teatro, esportes e pela educação,
notadamente pela filosofia, donde se destacam vários sistemas de éticas como propostas
de espiritualidade pela interiorização e pela normatização da vida, que se estenderão
pelo mundo romano até final do Séc. VI AD.
O desenvolvimento intenso da racionalidade entre os gregos para explicar os
fenômenos da vida põe o humano em lugar de primazia, gerando um antropocentrismo
para a vida social e política, centrado na capacidade de interioridade deste novo ser
humano. Obviamente, na medida em que a religião passa a ser substituída pela razão na
condução da vida, a moral é que se torna o novo limite supremo aos impulsos humanos.
O problema é que este limite da moral social é sempre flexível, na proporção da
evolução histórica do pensamento. Mudam-se os sistemas racionais, mudam-se as regras
de conduta. O homem fica mais esclarecido de seus impulsos e motivações, mas seus
ideais e ações ficam mais pervertidos.
Para continuar garantindo a “ordem e harmonia” do cosmos humano, social e
cultural, a própria moral também sente a necessidade de transcender seus limites e ir
além, conduzindo este “animal político”, pela via de “éticas cosmológicas”, à felicidade
da vida plena, conquanto primeiro que esta “vida plena” (eu zen) seja vivida nas
obrigações da vida na pólis, para depois, como prêmio a esta vida pública, o gozo da
imortalidade pelo retorno ao Uno. Ou seja, a filosofia questiona os fundamentos
religiosos e propõe uma concepção metafísica do mundo e tenta inserir uma ética no
lugar da religião. Mas também a filosofia ética não cessa seu devir de procurar novas
compreensões e propor novos sistemas de conduta, encontrando aí seu próprio limite.
A sexualidade é sem dúvida um aspecto central da manifestação e
desenvolvimento do fenômeno humano. E em meio a todo este ambiente histórico,
podemos afirmar que a sexualidade, nos confrontos das exigências morais da revelação,
com as liberdades das culturas das sociedades locais e as propostas éticas, constitui-se
também no centro dos embates bíblicos, tanto na abordagem à questão do prazer, como
na fruição dos desejos e paixões, bem como no uso dos bens da vida no mundo.
Portanto, abordar aspectos deste tema no âmbito do Novo Testamento é
relevante, pois se constitui no cerne do pensamento ocidental sobre a sexualidade, a
qual é sempre um desafio à compreensão humana.
1. FUNDAMENTOS METAFÍSICOS E ÉTICOS AO TEMA DA SEXUALIDADE
Este mundo (cosmos), que é o mesmo para todos, nenhum dos deuses ou dos homens o fez;
mas foi sempre, é e será um fogo eternamente vivo, que se acende em medidas e se apaga
em medidas. (Heráclito, Fragmento B 30)2
Na cultura grega o logos foi entendido também como “razão”, que orienta todas
as relações humanas do indivíduo e da sociedade. O helenista Jean-Pierre Vernant
(2003) diz que a razão fez evoluir a vida na pólis e emancipou o cidadão para a ação da
justiça (diké), lei (nomós) e julgamento (krinen). “Esse quadro urbano define
efetivamente um espaço mental; descobre um novo horizonte espiritual” (2003, p.50). A
pólis como universo espiritual da vida e a sociedade como o logós que se torna
proeminente instrumento na “organização do cosmos humano” (Idem, p.87). E nesta
mudança da vida na sociedade grega, a religião também muda no direito e na moral,
com nova imagem ideal da virtude (areté), como vida moral, virtuosa e cidadã.
Isto quer nos dizer que o mundo que envolve o ethos bíblico no qual queremos
considerar a sexualidade é emergentemente metafísico e ético, onde os valores passam a
ser transcendentes, absolutos, e a ética do “andar e viver no espirito” (Gálatas 5.25) é o
valorizado, em detrimento das “obras da carne” (5.19) que devem ser o combatido.
Portanto, a ascese da moralidade bíblica se encontra aqui com o rigor das éticas gregas.
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Os Fragmentos restantes do poema Sobre a Natureza, de Heráclito, mostram uma grande concepção
racional da natureza física e psíquica humana. Ver: Pensadores, Pré-socráticos, SP, Nova Cultural, 1978.
Vernant diz que esta filosofia da “ética de virtudes” permeou toda a
interpretação dos aspectos da vida humana individual, aos cuidados da corporeidade
(soma), à luta contra às emoções (epithimía, páthos) e à salvação da alma (psychê,
anima), e influenciou a religião exigindo, além do “conhecimento de si” (gnoti seauton)
também o “cuidado de si” (epimeléia reauto), tema que será apreciado também por
Michel Foucault em sua abordagem filosófica à História da Sexualidade (Vol 1-3).
Nos agrupamentos religiosos, não somente a areté se despojou de seu aspecto guerreiro
tradicional, mas definiu-se por sua oposição a tudo que representasse como comportamento
e forma de sensibilidade o ideal de habrosyne: a virtude é o fruto de uma longa e penosa
áskesis, de uma disciplina dura e severa, a meleté; emprega uma epiméléia, um controle
vigilante sobre si, uma atenção sem descanso para escapar às tentações do prazer, à hedoné,
ao atrativo da moleza e da sensualidade, a malachia e a tryphé, para preferir uma vida
inteira votada ao ponos, ao esforço penoso. (VERNANT, 2003, p. 88).
Isto implica também em certa “laicização acentuada da vida social pela moral”,
onde o ideal virtuoso de moderação (sophrosyne) passa a influenciar toda a vida política
(politéia), aliada à crítica racional feita por dramaturgos, filósofos e legisladores, que
buscam a reta justiça (dikaiousyne), justas leis (eunomia) e autonomia ao cidadão pelo
“cuidado de si”. A religião torna-se assim mais individual e subjetiva, em interioridade.
Virtude de inibição, de abstinência, consiste em afastar-se do mal, em evitar toda impureza:
não somente recusar as solicitações criminosas que um mau demônio pode suscitar em nós,
mas manter-se puro do comercio sexual, refrear impulsos do eros e de todos os apetites
ligados à carne, fazer aprendizagem... O domínio de si de que é feita a sophrosyne parece
indicar, senão um dualismo, pelo menos uma certa tensão no homem entre dois elementos
opostos: o que é da ordem do thymós, a afetividade, as emoções, as paixões, e o que é da
ordem de uma prudência refletida, de um cálculo raciocinado. (VERNANT, 2003, p. 94).
Mas, o que qualifica esta vida “espiritual e moral” como felicidade? A luta da
virtude contraposta ao vício, apesar da devassidão e licenciosidade com que vivia a
sociedade, cheia dos felizes prazeres da vida comum. O mal passa a ser perturbação e o
bem a estabilidade da vida; a salvação (sotéria), então, pode ser realizada aqui-e-agora
pela interioridade da vida no espirito (CANTO-SPERBER, 2003, p.613).
Platão (427-347 aC), em seus diálogos (Banquete, Fédon, Górgias,), já contrasta
a felicidade da moralidade proposta pelo ideal de virtude pregado por Sócrates, contra a
felicidade do hedonismo dos prazeres do corpo, das relações interpessoais e sociais,
contra. Mas, sua sugestão soa aos demais como um imoralismo intemperante. Sócrates
propõe, então, a busca da felicidade na moralidade da virtude e na retidão da vida
pública. Tal “felicidade da moralidade” torna-se o próprio “sentido da vida” humana.
Aristóteles (384-322 aC), na Ética a Nicômaco (EN), atenta para o fato de que
toda forma de prazer tem sua contrapartida na dor (EN II, 3,5-10). Portanto, é necessário
bem julgar (krinen) os desejos e paixões por uma régua, o justo-meio ou bom senso
(sophrosyne) e agir segundo a reta razão pela virtude da temperança (pronesis).
Os estoicos, segundo Émile Bréhier (1978), viam na alma (psychê) a razão
(lógos) para o controle das paixões (páthos) corpo: “A razão particular da alma humana
consiste no assentimento que se introduz entre a representação e a tendência ou
inclinação”. Assim, se estabelece a vida virtuosa do sábio (sophos) pela ação da alma
que controla a ação, pois “Toda a recusa da alma impede a ação”, pela qual se alcança o
ideal da apathéia ou a “ausência de paixão” (1978, p.57).
Os epicuristas, apesar de fazer da hedoné (prazer) o centro da vida, pois Epicuro
(341-270 aC) defendia uma “ética do prazer”, ainda assim é o prazer de examinar os
desejos e realizar a ataraxia (imperturbabilidade, tranquilidade) de uma vida simples.
Portanto, postos estes fundamentos, vemos que a moralidade torna-se o télos da
felicidade e do sentido da vida e isto significa renúncia aos prazeres inferiores dos
apetites carnais e a busca pelos superiores prazeres racionais. Portanto, na cultura e
sociedade bíblica neotestamentária é a virtude que se torna o prazer!
2. ASPECTOS DA SEXUALIDADE NO ÂMBITO DO NOVO TESTAMENTO
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O eunucoidismo era prática milenar dos povos orientais, inclusive os semitas, em emascular homens
jovens para servirem nas cortes e haréns dos reis e aristocratas. Na economia da teologia bíblica há o
costume do nazireato, aos nazireus do AT como Sansão (Jz 14-16 não era imposta restrição à sexualidade
e casamento. Mas, ser “eunucos do reino” (Mt 19.10), significa ser voluntariamente celibatário. Para uma
discussão atual, veja-se: RANKE-HEINAMANN, Uta, Eunucos pelo reino de Deus: mulheres,
sexualidade e a igreja católica. RJ: Record, Rosa dos Tempos, 1996.
A relação próxima de Jesus com as mulheres, que certamente escandalizava os
judeus de sua época, é visto em várias partes dos Evangelhos: uma mulher siro-fenícia
se aproxima dele e o interpela rogando uma benção sobre sua filha adolescente (Marcos
7.24-30); outra mulher, sofrendo de um distúrbio no ciclo menstrual, toca-o, o que era
contra a Lei (Lucas, 8.43-48). Em certa ocasião, recebe unção do toque suave de uma
prostituta, durante um banquete na casa de um fariseu (Lucas 7.36-50); liberta uma
mulher adúltera de ser lapidada, segundo o costume da Lei, liberando-a, “vai e não
peques mais” (João, 8.1-11). Também João relata a célebre narrativa do diálogo de
Jesus com a mulher samaritana, que servia de amante em Samaria, num dos diálogos
mais reveladores da teologia com uma mulher (João, 4.15). Além do mais há a relação
de amizade com Maria Madalena, que parece ter sido sua mais íntima do círculo de
“discípulas” que ele mantinha junto consigo (Lucas, 8.2; Mateus, 27.55).
William Cole (1967, p.138) é de opinião que “O cristianismo em suas fases
iniciais viu-se, portanto, em um contexto de extremos em atitudes e práticas sexuais”;
contudo, “Nem Jesus nem Paulo pediam o controle rígido e moralístico dos desejos do
individuo pelo puro exercício da força de vontade” (1967, p.159).
Enfim, podemos pensar que o prazer é parte da postura pessoal de Jesus, em suas
atitudes de acolhimento, amizade e amor ao próximo, como de modelo de liberdade que
se goza dentro de um pacto de espiritualidade com Deus. Jesus não normatiza a
sexualidade, a não em relação ao adultério e divórcio quando estritamente questionado,
bem como também nada diz sobre a homossexualidade, pontos que serão discutidos na
verdade por Paulo, o normalizador da moral no Novo Testamento.
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Ver outras listas em: Rm.13:13; 1 Cor.5:10-11; 6: 9-10; 2 Cor.12:20; Gl.5:10-21; Ef.4:31 e 5:3-5;
Col.3:5-8; 1 Tim.1:9-10; 6:4; 2 Tim.3:3:2-5 e Tito 3:3. Ver também a discussão de ARIÉS, Philippe,
São Paulo e a carne, In: Sexualidades Ocidentais, SP, Brasiliense, 1985, p.50-53.
Após demonstrar a nomós interior como natural, Paulo traz outra novidade ao
colocar o cristianismo como uma religião da razão7, onde a santificação é conseguida
pelo esforço da vontade, através de uma “mente renovada” e “sacrifício ao corporal”
(Romanos, 12.1-2), semelhante ao postulado estoico.
Na Primeira Carta aos Coríntios, Paulo resolve problemas e desafios das
primeiras experiências da vida cristã dentro do contexto de liberdade vivida pelo
“mundanismo” greco-romano. Corinto, cidade cosmopolita portuária grega, era um
grande centro comercial na rota entre europeus e asiáticos, conhecida pela exacerbada
sexualidade do culto à deusa Afrodite, cujo templo era dos maiores do mundo e possuía
muitas moças sacerdotisas, como prostitutas sagradas.
É a “carta severa” de Paulo e onde mais se trata de sexualidade no Novo
Testamento, tanto que a Segunda Carta é usada mais para se desculpar e amenizar o
impacto das recomendações, que acabaram virando doutrina.
Paulo faz veemente condenação a um caso de incesto de um dos fieis da igreja:
“um dentre vós vive com a mulher do seu pai!”. E se irrita com a tolerância desta
“luxúria”, que causou cisão na comunidade (1 Coríntios 1-2). “É geral ouvir-se dizer
que entre vós existe luxúria... ainda maior do que entre os pagãos”. (5.1). E sua
condenação beira ao Levíticos: “Afastai o mau do meio de vós!” (5.4-5.9).
Outro ponto em que se aproxima da ética platônica é quando fala do desejo
sexual como um “movimento da alma”, pela metáfora da Páscoa, um “fermento” que
contamina todo o corpo: “Não sabeis que um pouco de fermento leveda toda massa?”;
“Purificai-vos do velho fermento para serdes nova massa” (1 Coríntios, 5.6-8).
Mostrando a autoridade de um “pai”, que em breve vai visitá-los “com vara” (I
Coríntios, 4.14-20), Paulo usa uma lista de “pecadores pagãos”, aos quais os cristãos
não devem “se associar”: os imorais, avarentos, idólatras, bêbados e ladrões (5.9-13).
Outra abordagem sexual de Paulo diz respeito à fornicação (1 Coríntios, 6.12-
19). O termo grego pornéia, antes usado por Jesus para designar apenas “adultério”
(Mateus, 5.28), aqui designa todo tipo de conduta sexual, seja auto, hetero ou
homoerótica, antes ou fora do casamento. É, sim, “prostituição” e “impureza sexual”.
Na opinião de Cole (1967, p.152), a palavra “pornéia”, antes restrita ao
“adultério”, no Novo Testamento, foi usada por Paulo também para “fornicação” ou
“prostituição”, significando “sexo entre pessoas não-casadas”. Sua correspondente
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“Rogo-vos... que apresenteis vossos corpos em sacrifício vivo... este é o vosso culto racional” (Rm, 12,1);
“Todas as coisas me são lícitas... mas eu não me deixarei dominar por nenhuma delas” (1 Cor, 612).
latina fornicare, do substantivo fornix, “arco, abóbada”, em ligação aos bordéis
romanos. Paulo está de acordo com a tradição rabínica que defendia a monogamia e
condenava toda relação pré-conjugal ou extraconjugal, com foco no corpo: “aquele que
se entrega à fornicação peca contra o próprio corpo” (1 Coríntios, 6.18).
Em relação ao corpo, Paulo traz outra novidade ao cristianismo: a salvação
inclui santificação do corpo, porque a imortalidade resultará na ressurreição do corpo!
(1 Coríntios 15). “O corpo não é para a fornicação e, sim, para o Senhor...” (6.13). Daí,
sua regra básica de restrição à liberdade: “Tudo me é permitido, mas nem tudo me
convém... não me deixarei dominar por coisa alguma” (6.12). E usa o exemplo da
relação sexual com prostituta cultual para fechar sua idéia de corpo-templo: “Ou não
sabeis que o vosso corpo é templo do Espírito Santo” (6.19).
Para Paulo, o desejo8 é da ordem da sarx, que é concupiscentia, e deste vêm
todos os vícios ou “obras da carne”: fornicação, impureza, libertinagem, idolatria,
feitiçaria, ódio, rixas, ciúmes, ira, discussões, discórdia, divisões, invejas, bebedeiras,
orgias e “coisas semelhantes” (Gálatas, 5.18-21). São contrários às virtudes ou “frutos
de espírito”: amor, alegria, paz, longanimidade, benignidade, bondade, fidelidade,
mansidão e autodomínio (5.22-23). E reitera: “Pois os que são de Cristo Jesus
crucificaram a carne, com suas paixões e seus desejos” (5.24).
Assim, chega à proposição da virtude ética, a autocrucificação, como método de
controle do desejo: “Estou crucificado junto com Cristo” (Gálatas, 2.19). E assim: “... o
mundo está crucificado para mim e eu para o mundo” (6.14). Logo: “Mortificai, pois,
os vossos corpos: a fornicação, a impureza, a paixão, os desejos maus e a cupidez, que é
idolatria” (Colossenses, 3.5). A mortificatio do corpo é o padrão moral ascético paulino.
Paulo dá a idéia de ser solteiro, celibatário: “digo às pessoas solteiras e às viúvas
que é bom ficarem como eu sou” (1 Coríntios, 7.7-8); mas, vencido pela força do desejo:
“Mas o pecado... engendrou em mim toda espécie de concupiscência” (Romanos, 7.7-8).
Paulo amplifica o significado da expressão de Jesus na discussão do adultério
(Mateus, 5.28), ao colocar sobre o desejo a origem da depravação humana e parece
apoiar a ética estoica das “paixões mundanas” e a vitória da vontade pela virtude: “Foge
das paixões da mocidade!” (2 Timóteo 2.22 e Tito 2.12).
2.3. Outros Autores do Novo Testamento:
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A idéia paulina de que o “corpo é santo” e “será ressuscitado”, e que o “desejo é mau”, porque produz
“pecado contra o corpo”, é a grande novidade da moral cristã à ética ocidental. O corpo é bom, é
“templo” do Espírito Santo. Segundo SISSA, Giulia: “Se, para o filósofo grego, o prazer é impossível
porque o desejo é insaciável, para os cristãos o prazer é facilmente alcançável porque o desejo é como o
desempenho de um papel, realiza-se física e plenamente em sua própria representação”(1999, p.105).
A Carta aos Hebreus, de autor desconhecido, também contribuiu para a teologia
católica posterior e a prática da vida conjugal cristã, da Idade Média até hoje, porque
tomado no sentido de restrição ao prazer sexual na alcova, apoiando a teologia de Paulo:
“O matrimônio seja honrado por todos e o leito conjugal, sem mácula; porque Deus
julgará os fornicadores e os adúlteros” (Hebreus, 13.4).
Segundo Cole (1957, p.177), a leitura direta do texto mostra que ele não está
falando do prazer sexual, mas salvaguardando a alcova da infidelidade, dentro da
mesma doutrina de Paulo da henósis, a unidade mística do casal em “uma só carne”
(Mateus, 19.10-11; 1 Coríntios, 6.15-20). A alcova como salvaguarda ao matrimônio.
Tiago também alerta contra o pecado como subjetividade da alma humana pela
gestação do desejo (concupiscência), tornando-se ato: “Cada um é tentado pela própria
concupiscência, que o arrasta e seduz. Em seguida a concupiscência, tendo concebido,
dá à luz o pecado, e o pecado, atingindo a maturidade, gera a morte” (Tiago, 1.14-15).
Também lembra a “Lei régia” do amor do cristianismo: Amarás o teu próximo
como a ti mesmo, como “lei da liberdade”, pela qual a transgressão do: Não cometerás
adultério, é julgada como falta de amor ao próximo (Tiago, 2.8-13). E reprova ainda o
“adultério do coração”, na linguagem típica dos profetas do Antigo Testamento:
“Adúlteros, não sabeis que a amizade com o mundo é inimizade com Deus? Todo
aquele que quer ser amigo do mundo, torna-se inimigo de Deus” (Tiago, 4.4).
Pedro também reforça as doutrinas paulinas da liberdade e restrição: “Amados,
exorto-vos... a que vos abstenhais dos desejos carnais que promovem guerra contra a
alma. Seja bom o vosso comportamento entre os gentios... Comportai-vos como homens
livres, não usando a liberdade como cobertura para o mal” (1 Pedro.2.11-12, 16).
Do mesmo modo, vós, mulheres, sujeitai-vos a vossos maridos, a fim de que... sejam
conquistados sem palavras, pelo vosso comportamento casto e respeitoso. Não esteja o
vosso enfeite na trança do cabelo, no uso de joias de ouro ou traje de roupas finas, mas nas
qualidades pessoais interna... Com efeito, era assim que se adornavam as santas mulheres
do passado... estando sujeitas aos seus maridos. Como vemos em Sara, que foi obediente a
Abraão, chamando-lhe “senhor”. Dela sereis filhas, se fizerdes o bem e não vos deixardes
dominar pelo medo (1 Pedro, 3.1-6).