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o A Polis ou Estado funciona como centro de referência da vida do homem grego , já que o Estado
não e só um facto empírico, mas um “valor” que o homem grego procura interiorizar e aperfeiçoar
paulatinamente.
o A existência da Polis traz consigo uma nova conceção da organização das estruturas do poder ,
um novo processo de aquisição do poder e da sua administração, assim como um novo espaço social.
o Com a ideia de Polis implementa-se também a “arte política”, uma atividade que assenta no cultivo
da palavra mediante as disciplinas da argumentação, retorica e dialética.
o A Polis traz consigo uma nova conceção da vida social e política , pondo em evidencia os benefícios
da participação democrática no exercício do poder, do governo e da administração.
o Com a ideia de Polis surge também uma nova noção de justiça e das condições da sua aplicação .
Os homens são vistos como cidadãos, iguais perante a lei.
2. O ideal da Paideia
Na mais antiga literatura grega - na poesia de Homero, Ilíada, Odisseia e de Hesíodo, Os trabalhos e os
Dias - encontramos vestígios de certos traços e de determinados ideais que constituirão o paradigma de
referência ética, estética, social, religiosa que moldara a maneira de ser do povo helénico e por extensão
de toda a cultura ocidental.
Naqueles poemas prefigura-se um conjunto de normas, preferências, gostos, critérios, atitudes, modos
de agir que permitem fixar certos caracteres morais, psicológicos, religiosos e sociais da conduta
humana. No seu todo, estes poemas apontam para o ideal de uma educação orientada para a
disciplina, moderação, tolerância, trabalho, justiça, enfim, para os valores espirituais.
A poesia e a literatura foram os grandes responsáveis pela formação do homem grego, pelo
estabelecimento dos valores religiosos, estéticos e cívicos, dos princípios da conduta política, das normas
éticas, das relações sociais. Mais tarde, com o emergir da filosofia, esta passa a disputar aquele
papel, reservado até então a poesia. A filosofia assume-se, a partir de então, como a legítima instância
da formação racional do homem. A poesia resistiu quanto pode a esta usurpação do seu estatuto,
acabando por ceder. Platão exemplifica bem este debate entre a filosofia e a poesia como motores da
formação do homem, pugnando – como e óbvio – pela primazia da filosofia.
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Mas, para os Gregos, a noção de Theos – Deus – vale sobretudo como predicado mais do que como
substantivo: assim, enquanto nos dizemos que “Deus é Amor”, os gregos diziam: “O Amor é Deus”.
Nesta perspetiva, a querela do politeísmo-monoteísmo fica desprovido de sentido.
O homem grego manifestava a sua religiosidade através de dois modos bem distintos: um, através do
culto da “religião pública” ou “olímpica” (dos deuses do Olimpo), prestada oficialmente por cada um das
Cidades-Estado. A segunda forma, através da religiosidade iniciática, que praticava a iniciação aos
“mistério”, especifica das correntes esotéricas de salvação.
Cada Cidade-Estado, dada sua autonomia, tinha uma organização muito própria do seu panteão, da
hierarquia dos deuses que nela eram venerados. Assim, além das divindades comuns a todas as
cidades (como p. ex. Zeus), havia os deuses próprios de cada cidade (p. ex., a deusa protetora de Atenas e
a deusa Atena). Cada cidade organizava as suas festas, cerimónias, sacrifícios, libações, jogos, em honra
dos seus deuses, venerados por todos os cidadãos da mesma Cidade (Polis).
Na religião de Estado não existia um corpo de literatura dogmática sagrada, fixa. Não existia
propriamente um grupo social que vigiasse a aplicação rigorosa do dogma. Ora, tudo isto permitiria uma
grande liberdade de ação e de crença, terrenos propícios para o desenvolvimento da razão crítica, para a
especulação filosófica.
3.2.1. O orfismo
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A figura central desta corrente religiosa é Dionísio (símbolo da vida, da energia…) celebrado por Orfeu,
que simbolizava a pureza, dotado de poderes musicais, tinha o dom da profecia.
Extrai-se desta corrente uma doutrina sobre a existência, onde predomina uma ética adaptada a
valorizar e a promover a vida espiritual do homem, a purificação da alma, a expiação dos pecados e
a salvação; ela configura um novo esquema civilizacional.
A partir do orfismo, a principal preocupação do homem, nesta vida, devera consistir na libertação da alma
(divina) das cadeias que a prendem ao corpo (mortal). O corpo morre, mas não a alma. A alma está
destinada a reencarnar em nascimentos sucessivos (transmigração) como consequência da sua culpa e
também como oportunidade para se purificar (esta ideia de transmigração e o conteúdo da ideia de
imortalidade). O grau de purificação e de mácula depende do tipo de vida que o individuo lhe possibilitar
(sentido da responsabilidade do homem o destino da alma), vindo posteriormente a merecer prémios e
castigos apos a morte. O corpo (e o mundo) é sempre visto como lugar da expiação da alma; a
transmigração indica o período de tempo durante o qual a alma se deve purificar.
A alma é o elemento divino, e logo, a única “parte” que vale essencialmente no homem; daqui o sentido
de uma nova interpretação da existência e do destino do homem: viver verdadeiramente é morrer para
o corpo (Platão).
4. O pensamento mítico
o A teogonia de Hesíodo (sec. IX a.C.) transmite uma visão do mundo como originado de
um caos pré-existente. Nesse estádio primordial, caótico, tudo estava misturado, e, portanto,
ainda não existia ordem, ou seja, cosmos. Fazia falta introduzir no caos uma abertura, uma
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separação que produzisse o espaço e o tempo, e dessa forma, a ordem no universo. Tal
aconteceu com a separação da Terra (Gaia) e o Ceu (Urano). E a narrativa continua até que
Zeus se proclama «o pai dos deuses e dos homens», rei do universo.
Estes mitos podem também ser lidos como narrativas de legitimação do poder, da “ordem”, seja no
universo divino, como humano e na própria natureza, com fortes consequências éticas, políticas e
sociológicas.
“Milagre” - capacidade do espírito helénico de rutura e de corte com os arcaicos modelos míticos da
figuração do mundo, fundados na autoridade da tradição. Corte com as míticas explicações teo-
cosmogónicas. Rutura com os modelos de interpretação típicos da sabedoria dos povos orientais.
Nesta linha, a filosofia grega representa uma revolução tao súbita e tao profunda nos quadros da
mentalidade daquela época, um progresso intelectual tao extraordinário na direção do logos, na direção
de uma nova forma de racionalidade, que a torna como que inexplicável em termos de causalidade
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histórica. O milagre grego significa este progresso intelectual, que começa a colocar todos os problemas
agora num plano racional.
É iniludível que a partir do séc.VI (a.C.) os filósofos gregos se entregaram à “aventura” intelectual
de procurar suportes mais racionais e mais especulativos para a explicação do mundo, da
existência, da realidade na sua totalidade.
V | Os filósofos Pré-Socráticos
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As respostas que os diversos autores encontram para aquela pergunta possuem uma flagrante
semelhança: são todas de carácter “naturalista”, ou seja, a arkhé é, para eles, uma “substância”
preponderantemente natural: água, ar, uma matéria indeterminada, o fogo…
Neste período da filosofia grega, a curiosidade da razão orienta-se para a descoberta do significado
do cosmos, da natureza, das coisas que estão fora do homem. E primariamente acerca desse mundo
“exterior” que a razão especula, procurando captar a sua unidade interna.
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Tales identificou a “água” como princípio – arkhé – de todas as coisas. Na água, Tales viu a unidade e
da identidade do ser, mas a água que Tales fala não é o elemento físico-químico que bebemos. A água de
Tales deve ser pensada em termos totalizantes, ou seja, como a physis líquida originária da qual tudo
deriva e da qual a água que bebemos é apenas uma das manifestações.
Ao defender este ponto de vista, Tales acolhe ainda a tradição mítica; mas, por outro lado, atribui um
valor meta-empírico à água: tudo o que existe é fenómeno (uma manifestação) de uma única realidade.
Por esta razão, Tales já ultrapassa, em muito, a representação fantasiosa da realidade.
Tales terá afirmado também que "tudo está cheio de deuses", afirmação que deve ser interpretada em
sintonia com a outra que defende que "tudo tem alma", precisamente porque tudo o que existe provém e
participa do mesmo princípio, da mesma arkhé. Todas as coisas devem ter alma e movimento, porque
tudo participa do ser do princípio/arkhé que é a água.
Tales acreditaria num certo animismo “hilezoista” muito próprio daquele tempo. Esta conceção de alma
não garante, porém, uma imortalidade pessoal; o conceito de alma não é sinónimo de “espirito”; ela é
tanto o princípio (arkhé) que anima todas as coisas, como o momento (parte) desse princípio que
existe em cada coisa singular.
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propriedades de todos os outros seres que existem, a “ arché” deverá ser de natureza diferente daquela dos
seres que por ela são causados.
Por isso, a arché recebe a designação de apeiron: “a-peiron” é aquilo que não tem "peras", limite,
determinação. O “apeiron” é, segundo Aristóteles, "espacialmente infinito". Esse infinito “parece-se
com o divino, pois é imortal e indestrutível”.
Mas, de que é feita a natureza do a-peiron? Será uma mistura indefinida dos quatro elementos? Algo
distinto dos quatro elementos? Há opiniões divergentes. Deve ser uma natureza (physis) de ordem
diferente, capaz de assumir o governo de todas as outras coisas.
É do apeiron que tudo emerge e é a ele que tudo regressa. A geração dá-se mediante o processo de
separação dos pares de contrários a partir do uno/apeiron.
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Escreve ele: “Exatamente como a nossa alma (ou seja, o princípio que dá a vida), que é ar, se sustenta e se
governa, assim também o sopro e o ar abarcam o cosmos inteiro”.
Pela sua condensação o ar dá origem à água e à terra; pela sua rarefação dá origem ao fogo. Tudo se
forma em função das variações de quantidade (grau de densidade) de ar; ou seja, as diferenças qualitativas
fundam-se em variações quantitativas do princípio originário.
É verdade que a sua explicação da “causa” é ainda bastante confusa, privilegiando a causa de ordem
material, à qual adicionam a ideia de causa eficiente; a sua perspetiva da totalidade.
Vigora nesses autores um certo dogmatismo, a falta de um ponto de vista mais crítico, e que se deteta
na convicção de que o conhecimento reflete “exatamente” o seu respetivo objeto.
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4.2. As “comunidades” pitagóricas
Pitágoras terá fundado (aprox. 530 a.C.) na cidade de Crotona uma comunidade esotérica, a qual se
atribui grande importância religiosa, filosófica e política, e que terá desempenhado grande influência,
pelo menos até ao séc. II d.C. Os pitagóricos formavam uma espécie de irmandade de cunho
filosófico e místico, vivendo em comunidades. Possuíam normas muito estritas e crenças, muitas das
quais apenas acessíveis aos iniciados. Eram próximos da religião dos órficos, segundo a qual os
homens tinham nascido das cinzas dos titãs e a alma (prisioneira no corpo) transportava o peso de
uma culpa original de que se deveria purificar ao longo de várias transmigrações, já que
acreditavam na reencarnação. Pitágoras tinha uma grande autoridade sobre os seus discípulos; e dai que
veio a famosa expressão: “magister dixit” – inapelável argumento de autoridade. Os pitagóricos
dedicaram-se a vida contemplativa ou teorética, à prática da matemática e a reflexão filosófica; tinham
também objetivos políticos que passavam por se aliar as cidades da Magna Grécia, o que explica que, por
volta do ano de 350 a.C., tenham sido perseguidos. O pitagorismo renasceria durante o séc. I da nossa
área.
O ser humano está composto de corpo e alma. Esta é a parte nobre e divina, enquanto o corpo se
apresenta como um obstáculo para alcançar a felicidade. Acreditavam que alma pulula no ar e que entra
no corpo pela respiração. Uma vez no corpo, deve purificar-se (catarsis), ou seja, deve conseguir-se
libertar-se do elemento corpóreo e sensível. Essa purificação consegue-se através de exercícios ascéticos
(dieta vegetariana, cumprimento de um conjunto de normas severas) e mediante a contemplação
intelectual da harmonia do universo. A música desempenha um papel particular nesse processo de
purificação, mediante o entusiasmo, a aquietação das paixões, favorecendo a integração harmoniosa do
espírito no cosmos.
Pitágoras ensinava a doutrina da "metempsicose". Segundo ela, a alma, após a morte, deixa o corpo
onde habitava e entra noutro corpo, transmigra de um corpo para o outro, quer de homem, quer de
animais. As reencarnações serão tantas quantas vidas a alma necessite para se tornar totalmente livre e
perfeita, e poder assim regressar ao seu estado primordial, a sua “pátria” divina.
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Através desta doutrina da reencarnação, os pitagóricos exprimiam a sua ideia de fundo: a de que a
alma existe e é imortal. Platão dará continuidade a esta ideia fundamental, procurando prova-la através
de diversos argumentos.
Os conceitos fundamentais para os pitagóricos são o de “número” e de “cosmos”. Estes conceitos são
indissociáveis. Cosmos significa ordem, harmonia no universo/natureza. É o número – a nova arkhé -
que produz essa ordem e harmonia; os números, as relações numéricas expressam a ordem, a proporção, a
harmonia que as coisas trazem dentro de si. Por isso, os números são a verdadeira essência da realidade.
Veem no número uma nova arkhé capaz de explicar todo o universo, dado que toda a realidade pode ser
reduzida a relações numéricas, a proporções aritmo-geométricas. Como tais, os números são as essências
imutáveis, os modelos ideais de todas as coisas, sensíveis e não sensíveis. Os números são os princípios
constitutivos das coisas, são a fonte e a raiz da realidade. O número é exato, mas ao mesmo tempo é
diverso. Daí é que possa explicar a variabilidade de que os sentidos nos dão testemunho, mas ao mesmo
tempo a imutabilidade, a unidade e a exatidão que a razão capta.
De salientar que os pitagóricos consideravam o número ímpar como “masculino” e o par como
“feminino”. Consideravam também os números pares como “retangulares” e os números ímpares como
“quadrados”.
Pitágoras foi o primeiro a utilizar o termo “cosmos” para se referir à ordem e beleza do movimento
das esferas celestes, e que tal ordem e beleza manifestavam a presença de almas inteligíveis que dirigiam
todos os seres vivos.
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Onde não há números reina o caos e é impossível a harmonia.
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escoamento do tempo que atinge todas as coisas esta bem expresso nas famosas imagens do rio
(metáfora do rio).
Aparentemente as coisas que existem são sempre as mesmas, mas na realidade são sempre feitas de
coisas novas, de novas circunstâncias, de outros elementos, novas propriedades, outras e diversas
situações. Nós mesmos, para continuarmos sendo, temos que não ser aquilo que somos agora e que fomos
anteriormente..., numa certa visão trágica da existência.
Ao contrário da visão de Anaximandro, para Heraclito, é na tensão e na luta dos opostos que a
unidade emerge e se mantém. A luta dos contrários, interior ao que é uno, é essencial ao ser mesmo
dessa unidade, gerando a multiplicidade, que é ela mesma condição da unidade. Por isso, a própria tensão
dos contrários é algo de inerente a cada coisa, constitui a unidade do seu ser.
Esta harmonia e unidade dos opostos é o “princípio” e, portanto, Deus ou o divino: “Deus é dia-noite,
é inverno-verão, é guerra e paz, é saciedade e fome”.
Heráclito escreveu uma das mais belas sentenças sobre a alma que chegaram até nós: “Nunca poderás
encontrar os limites da alma, por mais que percorras os seus caminhos, tão profundo é o seu logos”.
O uno não é sem o múltiplo, nem o múltiplo existe sem estar referido ao uno. Cada coisa que é -
como unidade - só existe enquanto constituído por elementos opostos que entre si divergem, e logo, que
se definem por uma relação de oposição que os complementa. Por isso, do contraste e da luta interna
brota a síntese mais bela e mais harmoniosa que é o próprio ser. É nessa harmonia, cada um dos
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contrários dá ao outro o seu respetivo sentido, de modo que os contrários se pacificam e coincidem numa
unidade dinâmica e superior. Esta síntese dos opostos é um princípio que explica a estrutura da realidade
e como tal e um princípio divino.
Deus é esta Razão universal, a lei imanente a todas as coisas que governa todos os seres e todo o
devir. É o Logos universal.
Existe uma lei, uma regra, razão inerente a todo o devir, que dirige o curso de tudo o que acontece, uma
regra que regula todos os fenómenos nas suas modificações e no seu ser, uma regra segundo a qual tudo o
que acontece, acontece "de uma certa maneira". Esta lei, inscrita no devir, tem vagamente a designação de
“Logos”. Trata-se de um conceito dotado de um vasto campo semântico; contudo Heraclito parece utilizá-
lo num sentido mais preciso: o de uma Razão Universal que é comum e da qual também a razão
humana participa e é um momento.
Os homens deviam tentar compreender a coerência subjacente das coisas: ela está expressa no
Logos, fórmula ou elemento de ordenação comum a todas elas.
A sabedoria consiste em adequar-se a verdade global dessa lei do devir.
Existe no Universo uma Lei, uma Razão imanente - da qual as próprias leis humanas se nutrem - e que
constituem a verdade comum a qual nos devemos elevar através do nosso pensamento, e mais
concretamente por meio da nossa alma - que é fogo.
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vigília e de consciência – seca – ela permite-nos aceder ao mundo da verdade comum, que reina no
universo, ao Logos e Razão do próprio universo.
Escreveu uma Obra, mais precisamente um poema Acerca da Natureza, escrito em hexâmetros a
maneira de Homero e Hesíodo, do qual se conservam 170 versos.
O Poema pode dividir-se em duas ou três partes, conforme a opinião dos intérpretes. Admitindo três
partes, na primeira parte descreve a viagem iniciática mediante a qual o viajante, o próprio autor (poeta
e filósofo) e conduzido pela deusa até à soleira de uma grande porta onde começa a revelação divina. Na
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segunda parte, a deusa explica-lhe o caminho que conduz à verdade. Na terceira parte apresenta-lhe o
caminho que conduz à opinião e ao erro.
Qualidades do ser:
“Uno” - não pode haver dois seres.
“Indivisível” - não está dividido pelo não-ser, porque o não-ser não existe.
“Contínuo e homogéneo” - É igual em todas as suas partes.
“Eterno” - É, foi e será, não tem princípio nem fim.
“Incriado e imortal”: não nasce nem morre.
“Imóvel” - é sempre igual a si mesmo, não se move, porque para se mover teria que passar a não-ser, mas
o não-ser não existe.
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“Finito, limitado e esférico” - representa-se como uma esfera homogénea em todas as suas partes com
um limite externo.
“Inteligível” - “o mesmo é pensar e ser”, o que significa que o caminho do pensar e o caminho do ser são
um e o mesmo.
“Verdade” - o ser ou o real constitui a verdade do pensamento. Pensar e ser são o mesmo. Fora deste
objeto/ser não há pensamento possível; ele e o único objeto do pensamento e pensá-lo é estar na verdade.
“Ser, matéria = Universo” - O real único e eterno é para Parménides um ser material. Dai que
Parménides indique que o ser é como uma esfera bem polida, plena e homogénea. O ser não se distingue
do Universo, dos cosmos, ainda que este tenha sido "purificado" dos elementos sensíveis, do movimento e
da pluralidade. Assim, o universo que a nossa inteligência apreende é material e extenso, único,
eterno, imutável, que é simultaneamente único e uma Totalidade, sem geração nem corrupção, nem
movimento, nem multiplicidade.
Heraclito e Parménides levantam um duplo problema fundamental para a filosofia resolver: a questão
da conciliação entre ser e devir, unidade e multiplicidade; a questão crítica do valor do nosso
conhecimento na dupla modalidade: sensível e inteligível.
Com Heraclito e Parménides atingimos um dos momentos mais importantes da história da filosofia.
Ambos descobriram conceitos-chave para irmos aprofundando o sentido e o conhecimento da realidade.
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6.4. Zenão de Eleia (490-430 a.C.)
7. Os pluralistas
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Depois da experiência intelectual de Parménides, tal hipótese parecia irremediavelmente comprometida:
pensando logicamente a unidade, a pluralidade jamais se poderá justificar.
Unidade e pluralidade, ser e não-ser, movimento e imutabilidade recebem uma nova solução da fornada
dos pluralistas que surgem a partir de agora.
É verdade que os pré-socráticos anteriores tinham orientado as suas investigações para um só princípio ou
arché.
Os filósofos pluralistas procurarão, a partir de agora, salvar a pluralidade, admitindo vários
princípios, mas sem esquecer jamais a lição parmenidiana da unidade do que é.
Os pluralistas sugeriram uma solução de conciliação entre a filosofia do devir e a filosofia do ser, a
necessidade da experiência sensível e a necessidade dos dados da razão ou entendimento. Admitem
uma arché plural, e admitem também uma causa eficiente/ordenadora do movimento do cosmos.
7.2. Os atomistas: Leucipo (Abdera, 450 a.C.) e Demócrito (Abdera, 460 a.C.)
Segundo os atomistas, os átomos flutuam no vazio, e graças ao movimento eterno chocam uns com os
outros formando todos os “compostos” (todas as coisas) que existem. Os átomos estão separados entre si
pelo vazio; este e uma espécie de não-ser, ainda que “real”, ou seja, existe tanto como o ser, ou o átomo
(o pleno e o cheio); o vazio é tao necessário como o cheio, pois sem ele não seria possível o movimento.
Os atomistas imaginam uma massa de átomos, dentro do espaço (vazio), num movimento incessante,
ligando-se uns aos outros, formando múltiplas combinações; tudo quanto existe resulta desta combinação
de átomos.
O universo não teve uma origem, existiu desde sempre, está num processo de continua formação e
evolução, conforme se vão juntando ou separando os átomos que o constituem.
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Teses de Parménides e Heraclito: ao mesmo tempo uma certa imobilidade, eternidade e individualidade
do ser, tal como o fez Parménides, e a existência do movimento real, da pluralidade e da temporalidade,
tal como o fez Heraclito.
Este novo conceito – acaso – indica, por um lado, necessidade, fatalidade, e por outro, casualidade, falta
de finalidade. Trata-se de uma lei fatal, imanente às coisas, mas que atua cegamente. Tudo acontece
segundo um movimento mecânico, sem intervenção de causas extrínsecas, sem razão, nem intenção
alguma.
Parte do princípio de que o conhecimento exige que o cognoscente seja semelhante ao objeto conhecido.
Mas compreende este princípio em sentido físico e não na sua valência de "ordem intencional" (que leva
o cognoscente para o exterior, identificando-o com o objeto conhecido). Temos aqui um primeiro esboço,
ainda que na versão materialista, das "espécies impressas". Esta é uma explicação totalmente empirista
do conhecimento.
Quanto à moral, há em Demócrito um certo fundo hedonista: o bom é em última instância o agradável.
Há muitos fragmentos da sua visão ética da vida, onde se sublinham recomendações práticas,
conselhos prudentes para alcançar uma vida sossegada e feliz, tendo como guia o senso comum.
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7.3.1. O conhecimento
Empédocles considera, tal como a mentalidade grega em geral, que só os deuses possuem a verdade, e
deles que ela vem, e é transmitida através dos Oráculos. De certa maneira, Empédocles rompe com esta
tradição, considerando-se um «deus imortal entre vós» (Frag. 112), um «desterrado dos deuses»,
sentindo-se intermediário entre a verdade divina e a ignorância dos homens. O conhecimento não procede
dos sentidos nem do raciocínio, mas da recordação de uma vida passada na qual o filósofo esteve em
contato com os elementos que formam a natureza, numa certa antecipação da teoria platónica da
reminiscência. Por isso, para se chegar a um conhecimento da natureza exige-se uma purificação da alma
e uma espécie de iniciação “espiritual”.
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7.3.4. As fases do ciclo cósmico
Eis, as fases do desenvolvimento cíclico das uniões e separações. No inicio reina o amor e os quatro
elementos estão completamente unidos, correspondendo a fase do sfairós, ou perfeição do cosmos.
Depois, o ódio vai penetrando pouco a pouco no universo e faz estoirar em pedaços a unidade ( 2ª fase),
até que separa totalmente os elementos ( 3ª fase). Mas este triunfo do odio não durara muito, dado que o
amor voltara a unir os elementos, e deste modo o cosmos retornara a unidade e harmonia primitiva ( 4ª
fase).
7.3.5. A purificação
O homem é um microcosmos que esta composto pelos quatro elementos: a terra e a água formam o
seu corpo, o fogo e o ar formam a sua alma. Ora, a correta proporção entre esses quatro elementos
perdeu-se com a queda do homem neste mundo, necessitando agora de se purificar mediante sucessivas
reencarnações, a fim de alcançar a salvação. Defende, assim, um paralelismo entre os ciclos do cosmos e
os ciclos pelos quais passa a alma. A primeira fase – da purificação – consiste em converter-se em
«augures, poetas, médicos e dirigentes»; a segunda, em chegar ao estado dos heróis; na última alcançará a
divinização, a qual ele acreditava já ter chegado.
A sua teoria do conhecimento apresenta também uma novidade, segundo a qual as coisas emitem eflúvios
que penetram pelos poros minúsculos dos sentidos. P. ex., a árvore que esta diante de nós, irradia
pequenas partículas que entram pelos nossos olhos produzindo a visão; tal como a fragrância de um
perfume desprende de si partículas de ar que são captadas pelo olfato.
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Mas como é possível que tudo esteja em tudo e ao mesmo tempo seja diferente? A solução é a
seguinte: tudo procede de uma série de sementes. Estas sementes, diferentemente dos átomos de
Demócrito, não são qualitativamente iguais, mas sim, segundo a sua qualidade ou essência, unem-se
para formar os diferentes seres. Na medida em que estas sementes possuem qualidades diferentes
adquirem a possibilidade de formar seres diferentes, como se estivesse inscrito no seu interior o seu
destino futuro na composição das coisas;
As sementes contêm em si todos os elementos, mas diferenciam-se umas das outras dado que a sua
composição é diferente.
As coisas surgem por combinação das sementes e desaparecem por efeito da sua separação .
Diferenciam-se uma das outras pelo predomínio de um dos elementos na sua composição. Deste modo,
dir-se-ia que o pêlo se distingue da carne porque nas sementes que compõem o primeiro abunda o pêlo, e
nas que compõem a segunda abunda a carne, sem invalidar que em ambos haja elementos de todas as
outras coisas. No princípio, todas as sementes se encontravam agrupadas formando um todo homogéneo,
até que um turbilhão cósmico venceu a inércia da matéria iniciando a desagregação das sementes e a
formação do cosmos.
7.4.2. O “Nous”
O Nous é o responsável por ter impulsionado movimento ao remoinho cósmico, dirige a separação e a
união das sementes, dando origem a tudo quanto existe, portanto é causa da ordem do universo.
Anaxágoras introduz este elemento novo na especulação filosófica daquele tempo: o princípio que rege
a formação do mundo é agora identificado com o Nous, Espírito ou Inteligência. Trata-se de um
elemento radicalmente distinto (formado por uma matéria subtilíssima), superior, transcendente e
soberano, face a todas as outras qualidades que existem no mundo físico. Anaxágoras considerava-o
divino.
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Providência: produz a ordem, transforma o caos em algo de harmonioso, garante a estabilidade do
cosmos, manifesta o seu poder infinito no mundo sensível. Não é propriamente criador, mas mais
arquiteto do mundo que ao ordena-lo lhe confere uma inteligibilidade interna.
Esta doutrina do Nous suscitou o entusiasmo de vários pensadores, entre eles, Sócrates e, mais tarde, de
Aristóteles, apesar de conter ainda várias imperfeições, dado que não sabemos se se trata de uma
inteligência pessoa… possuirá vontade livre?
O grande mérito de Anaxágoras consistiu em avançar (mediante o princípio que é o Nous), pela
primeira vez, com a hipótese da existência de uma Inteligência Ordenadora; com isso ele abriu
caminho a uma teodiceia, a uma psicologia mais intelectual (que Sócrates recuperará).
Trata-se, com efeito, de um grande avanço em relação ao conceito de divindade formulado pelos filósofos
anteriores. Anaxágoras introduziu um elemento inteligente na explicação da origem do cosmos; com este
princípio torna-se mais plausível projetar no cosmos a ideia de uma finalidade, uma razão de ser e um
para que, que conferem um outro sentido à existência do cosmos e ao próprio homem.
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VI | O período sofístico e socrático
Os problemas físicos e cosmológicos cedem agora a vez as questões éticas, politicas, pedagógicas e
antropológicas.
Os temas centrais desta nova orientação versam o ser do homem: o que e que o constitui e determina
essencialmente? Com que critérios se deve orientar no seu agir (moral)? Que género de vida lhe traz
felicidade? Como se deve organizar socialmente? Como encarar a morte, o sofrimento? Como realizar o
ideal da vida feliz, justa, boa e virtuosa? O que e que nos espera, depois da morte? O desaparecimento
ou a imortalidade?
A que se deveu esta mudança? O homem comum era confrontado com uma coleção de perspetival
deixadas pelos filósofos da natureza, bastante abstratas - «sem qualquer prova experimental das suas
asserções» e contraditórias entre si, e, portanto, dificilmente credíveis.
É neste contexto que no séc. V (a.C.) surgem os sofistas (Górgias, Hípias, Protágoras e outros) e
Sócrates (470-399 a.C.). Desinteressados das propostas filosóficas dos “naturalistas”, viraram-lhes as
costas e elegeram como tema das suas acaloradas discussões a problemática da vida humana e da
sociedade. Sofistas e Sócrates, ainda que motivados por perspetival e finalidades bem distintas,
comungam da mesma conceção essencialmente prática da filosofia, tendo como objeto de reflexão o
homem que eles pretendiam formar na arete (virtude).
Também o facto de Atenas ser uma democracia onde todos os cidadãos livres podiam efetivamente
participar na vida política e aspirar a desempenhar algum cargo na administração do Estado, alimentava
neles a vontade de conhecer melhor os meandros da vida política, as artes, as estratégias, os
instrumentos (a retorica, as artes da argumentação, a dialética, a persuasão, as leis, o comportamento
humano…) que lhes permitissem ser bem sucedidos, alcançar o êxito nessas áreas.
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2. Os Sofistas
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Dedicam-se, sobretudo, as atividades humanas, as menos seguras e as mais complexas; não perdem
nenhuma tarefa de ordem pública ou de ordem privada que lhes possa trazer uma boa remuneração. Vão
de terra em terra vendendo as suas lições, nas quais ensinam tudo o que é preciso para se triunfar.
Não lhes interessa a investigação pelo amor da verdade ou do conhecimento.
Ensinam a conseguir e a ocupar lugares de poder, de destaque nas instituições da sociedade democrática
do séc. V, nos negócios, na administração, nos empreendimentos mais diversificados. Para isso, ensinam
a história, a literatura, o direito, e sobretudo as artes da palavra, os modos de bem a discursar em publico,
nas assembleias, nos tribunais, nas discussões políticas; consideram-se os mestres nesta arte de conseguir
os seus intentos.
Acreditavam na utilidade da ciência sem acreditar no amor à verdade. Jamais é o desejo da verdade
que os move. Daí que, mesmo as consequências positivas ocasionadas pela atividade dos sofistas
(desenvolvimento das artes da linguagem, exercitação no domínio da dialética, democratização da
cultura…) não sejam suficiente para esbater o sentido negativo que está associado à sua imagem.
A nota mais negativa vai para a tentativa sistemática de destruir os alicerces da ciência especulativa, sem
que a substituíssem por outra construção teórica. O mesmo se aplica ao campo da moral, da religião e à
tradição em geral. Geraram o ceticismo e o gosto pelo paradoxo, entretanto corrigidos pela figura que
com eles mais discute: Sócrates.
Tanto uns como os outros, tinham-se perdido e usaram mal o que tinham de bom:
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a) Os “físicos” (filósofos da natureza ou cosmólogos) tinham um bom método, capaz de fornecer uma
ciência estável e comunicável; mas aplicaram-no a um inadequado objeto. Por isso, a ciência dos filósofos
da natureza, a ciência física é impossível dado que o problema do mundo nos ultrapassa, e o seu estudo só
gera contradições; ela é até ímpia, porque trata-se de algo reservado aos deuses, ao mesmo tempo que ela
é inútil, porque não torna os homens melhores e mais felizes.
Por isso, Sócrates abandona as investigações físicas, pelas quais se tinha inicialmente interessado, e
passa a ocupar-se das coisas humanas e morais, que os sofistas tinham já valorizado; mas a este
novo objeto, ele aplica o método científico dos físicos, de modo a atingir um verdadeiro conhecimento,
útil, universal e comunicável. Daí a importância do método.
29
6.4.1. Princípio fundamental
Todo o homem deseja necessariamente a sua felicidade que reside na posse do verdadeiro bem, ou
seja, do bem conhecido como tal pela inteligência . Trata-se de um princípio implícito na sua
doutrina, mas que constitui a mola propulsora de todos os seus diálogos.
Segunda consequência - A virtude reduzida à ciência; o homem virtuoso é aquele que possui a
ciência perfeita do bem moral - o sábio. A virtude é a ciência do bem: é a sabedoria, finalidade da
filosofia. Para assegurar a boa direção da vida, a razão deve ser fortificada exercitando-se continuamente;
dai a impressionante perseverança de Socrates em dialogar como os seus concidadãos para lhes ensinar a
virtude, exercitando-os continuamente na reflexão.
Terceira consequência - A felicidade reduzida à virtude. Todo o homem é feliz neste mundo, na
medida em que ele é virtuoso, porque a virtude é o bem supremo.
Quarta consequência - A redução da obrigação ao útil. Sócrates considera que a última explicação
do dever reside na vontade dos deuses que inspiraram os legisladores, e que formou a nossa natureza.
30
Tradições políticas: Era um forte crítico do modo de dirigir os negócios públicos, a escolha à sorte
dos magistrados; era partidário de uma aristocracia intelectual; defendia que o governo pertence de
direito aos mais sábios; era um inimigo declarado do conservadorismo e da democracia.
Tradições religiosas: ele dava mais importância a inspiração interior do que aos oráculos, a decisão
individual mais do que a autoridade constituída. O seu monoteísmo terá tido alguma adesão junto das
elites culturais atenienses, mas era visto pelas massas como uma destruição da religião tradicional.
Desse modo, ele foi visto como revolucionário e agitador.
Por estas e outras razões, Sócrates foi condenado à morte depois de se ter apresentado em tribunal
com uma defesa irónica e altiva que terá contribuído para a sua condenação.
É verdade que a obra de Sócrates não é ainda uma síntese coerente e completa, mesmo no âmbito
da moral: é uma iniciação genial, rica em verdades, mas estas estão ainda em germe.
Sócrates atinge uma perspetival nítida e profunda das condições da ciência humana, cujo domínio
próprio é o universal; descobre o método científico, sob o seu duplo aspeto dedutivo e indutivo; mas
restringe-lhe arbitrariamente a extensão ao domínio da moral.
Sócrates orienta a sua moral para o princípio de finalidade que ele toma como um valor referencial;
mas não indica que o fim último ou o bem supremo esteja fora do homem, em Deus; A moral gravita em
torno do homem e, por isso, aparece nela uma tentação de naturalismo, faltando-lhe amplitude, ainda
que ela seja muito superior ao arrivismo dos sofistas.
Mostrando a força da razão para atingir o bem e a felicidade, Sócrates secundariza o papel da
liberdade, comprometendo-a no seu célebre paradoxo, ainda que não a negue.
Por isso, Platão estrutura o universo em duas partes distintas, ainda que articuladas: a primeira diz
respeito ao mundo inteligível, lugar das Ideias ou essências puras, e que é estudado pela ciência mais
nobre, a filosofia ou a dialética. Esse mundo inteligível constitui o verdadeiro objeto do conhecimento
31
científico (verdadeira ciência). A segunda parte, o mundo sensível, é objeto de um conhecimento
aparente, que é a opinião.
Platão propõe-se articulá-los, mostrando que existe entre eles uma ponte. Mais concretamente, uma
influência decisiva do mundo inteligível sobre o universo sensível, das ideias imateriais sobre as coisas
físicas.
Platão procurou mostrar a existência desse mundo Inteligível, mundo das Ideias, e desse modo
garantir um objeto para a ciência.
32
4.3. Unidade e Pluralidade das Ideias
Existe, em Platão, uma forte tendência para a redução da diversidade dos entes ao monismo do mundo
inteligível: por um lado, as múltiplas perfeições não são mais do que diversos graus ou modos de ser; por
outro, as perfeições misturadas de imperfeições (por ex. a beleza limitada pelo feio, etc.) não são mais do
que parcelas de um ser pressuposto limitado pelo não-ser.
Platão acaba por desfazer este Ser único, inteligível e espiritual (defendido pelos eleatas) e faz dele
uma pluralidade de Ideias, comparáveis a uma multidão de átomos inteligíveis.
Duas provas desta multiplicidade:
a) Prova direta: A experiência racional exige esta multiplicidade: o nosso espírito é capaz de libertar,
a partir das circunstâncias sensíveis, as perfeições estáveis e diversas. Ora, é necessário um objeto real
para sejam possíveis estes atos do conhecimento científico. Não é o mundo sensível que os poderá
fornecer, mas sim o mundo inteligível, povoado de uma pluralidade de Ideias.
b) Prova indireta: Negar esta pluralidade seria destruir toda a ciência, pois seria afirmar apenas o ser
único, indivisível, solitário, excluindo toda a outra determinação para além da de ser. Nada seria possível
precisar; impossível seria formular um juízo, elemento imprescindível para a ciência (que é um sistema de
juízos). Existe, então uma pluralidade de Ideias.
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quando observa que «a divindade não é autora de todas as coisas, mas apenas das coisas boas» (Rep. 380
c).
34
A Imutabilidade: As Ideias excluem de si toda e qualquer mudança: não nascem, não variam, não
definham, não desaparecem: são “eternas”. O que muda e se altera são apenas as coisas singulares,
empíricas e particulares do mundo sensível; Enquanto as coisas sensíveis mudam - por exemplo, a beleza
de um objeto sensível pode definhar - as verdadeiras causas de ordem inteligível jamais mudarão; caso
contrário, não seriam as verdadeiras causas.
A Pureza e plenitude de ser: As Ideias realizam a sua essência plenamente e sem mistura, cada uma é
perfeita na sua ordem. As Ideias são absolutamente determinadas; nelas nada permanece de obscuro
para o espírito; por isso, elas distinguem-se perfeitamente umas das outras. As Ideias são o ser em si, o
ser mesmo, o ser absoluto. Por isso, as Ideias explicam o devir, o devir tem ser porque participa do ser
mesmo das Ideias. O devir como tal não é, mas tem ser, e este é-lhe dado apenas por participação das
Ideias. O mundo do ser está para o devir tal como as Ideias estão para o mundo das coisas sensíveis.
Deste modo, o sensível só se explica mediante o suprassensível, o relativo mediante o absoluto; o
transitório mediante o imutável, o corruptível mediante o incorruptível.
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A segunda navegação de Platão estabelece, assim, dois planos de ser: a) o plano dos fenómenos,
domínio do fenomenal, daquilo que e visível, mutável, apreensível pelos sentidos, como a vista;
b) um segundo plano, invisível, meta-fenoménico: domínio das realidades sempre permanentes,
imutáveis, perenes; este plano só e percetível com a mente, dado que ele e puramente inteligível.
Só a partir de agora (com Platão) se poderá distinguir rigorosamente a natureza material da
natureza imaterial, o sensível do suprassensível, o empírico do meta-empírico, o físico do
suprafísico.
Doravante a natureza e o cosmos visível já não perfazem mais a totalidade das coisas que existem,
mas apenas a totalidade das coisas que aparecem e são vistas pelos órgãos dos sentidos; o
verdadeiro ser e constituído pela realidade inteligível, visível unicamente diante do nosso intelecto:
as Ideias, ou Formas puras.
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Com a sua doutrina das Ideias, Platão descobriu o mundo inteligível, a dimensão meta-empírica do
ser, o imaterial suprassensível. Ora, este mundo do imaterial, do inteligível transcende o sensível, sem
que isso signifique uma separação… Pela sua estrutura, o mundo inteligível é o outro do sensível, mas ao
mesmo tempo e causa e razão de ser do mesmo sensível; este dualismo não é mais do que admitir a causa
suprassensível como razão de ser do próprio sensível (ja que o sensível não pode ser causa de si mesmo);
isto não significa hipostasiar ou coisificar as Ideias, o inteligível nem contrapô-lo, separadamente, ao
próprio sensível.
“Mito do Hiper-urânio” - lugar onde as ideias têm a sua sede, e onde a alma as contemplou antes da sua
descida num corpo. O Hiper-urânio é o lugar supraceleste, ou melhor, "lugar acima do céu", lugar acima
do cosmos físico; em rigor, indica um lugar que não é absolutamente um lugar; note-se que as
características das Ideias não lhes permitem ter qualquer relação com um lugar/espaço físico.
Em conclusão: com a teoria das ideias, Platão quis dizer que o sensível só se explica recorrendo à
dimensão suprassensível, o relativo ao absoluto, a verdadeira causa do material e o imaterial. É
verdade que, ao considerar as Ideias no seu sentido metafísico, como sendo o que há de mais verdadeiro e
real, Platão atenuou a importância das coisas sensíveis e dos objetos materiais. Mas não lhes negou a
existência; o que ele quer dizer é que aquelas realidades diferem em excelência e verdade das coisas
sensíveis, sujeitas à mudança.
6. O conhecimento e o método
Na “Alegoria da caverna”, compara os homens a prisioneiros que nunca viram a luz do sol e que
permanecem acorrentados no fundo de uma caverna, de costas para a única abertura que comunica com o
exterior. Estes prisioneiros têm atras de si um muro elevado e só podem ouvir as vozes das pessoas que
passam por detrás desse muro transportando diversos objetos a cabeça. Esses objetos, graças a um fogo
que arde à entrada da caverna, projectão as suas sombras na parede do fundo da caverna. Os prisioneiros
apenas podem ver essas sombras. Todos eles permanecem neste estado até que alguém os liberte das
correntes e lhes faça ver o engano em que vivem. Só então, saindo paulatinamente da caverna para a
luz, poderão contemplar os objetos reais (as Ideias) bem como a própria fonte da luz, o brilho do sol
(Ideia de Bem).
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É assim que todos vivemos enquanto nos deixarmos acorrentar pelos nossos sentidos: somente
poderemos ver as coisas sensíveis, que não são mais do que imagens ou sombras da verdadeira
realidade. Porem, graças ao exercício da Dialética (Filosofia) seremos capazes de nos libertar das
correntes e de contemplar o mundo verdadeiramente real.
Se alguém for libertado… Que lhe acontecerá quando chegar mais perto da abertura da caverna e
assomar a luz para ver os objetos que causam as sombras? Provavelmente não verá nada, naquele
momento, porque a luz fere os seus olhos, habituados que estão à obscuridade das sombras. Isto significa
que não é fácil atingir o conhecimento do mundo suprassensível, antes requer um grande sacrifício.
Porém, ao fim de algum tempo, os olhos do antigo prisioneiro habituar-se-ão à luz, acostumando-se à
claridade e desfrutarão dos objetos reais muito mais do que das suas sombras.
Observara então, atónito, que os objetos verdadeiros tem três dimensões e diversas cores. Após esta
excursão ao mundo verdadeiro, imaginemos que o prisioneiro libertado deva regressar e ocupar o seu
lugar entre os seus semelhantes, no fundo da caverna. Que lhe acontecerá? O mesmo que se experimenta
quando se entra num quarto escuro em dia de sol: nada se consegue vislumbrar, nem mesmo as sombras
sobre as quais ele tecera juízos mais equivocados do que os seus companheiros. Certamente que este
prisioneiro tentará mostrar aos seus companheiros o “engano” em que vivem e tentara convencê-los de
que o que veem não e real, mas sombras de uma realidade muito mais verdadeira. Que pensarão os seus
companheiros? Provavelmente pensarão que aquele companheiro caiu na loucura. E mais radicalmente
ainda, se os tentasse desacorrentar, libertar e obrigar a realizar a ascensão, eles provavelmente, matá-lo-
iam se pudessem. Não foi isso que aconteceu a Sócrates? O que Platão nos procura dizer é que não
nos devemos conformar com aquilo que os nossos sentidos captam, mas devemos ir mais além, até
descortinarmos o que existe por detrás das aparências, ate descobrirmos o suprassensível que e a
causa do sensível.
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a) Aspeto lógico-científico
Os graus do conhecimento
O método de conhecimento de Platão é o mesmo de Sócrates, ainda que mais aperfeiçoado: continua a
ironia socrática, estimula a razão na investigação das essências, conduzindo o espirito por degraus
sucessivos ate a intuição do mundo ideal. Esta ascensão progressiva reveste uma forma mais didática, e
torna-se uma disciplina científica. O método torna-se num processo de aproximação gradual, pela
qual a alma se eleva até a verdade plena. As opiniões corretas, ainda que valiosas, não são
suficientes para alcançar a verdade. A sua variabilidade não assegura um conhecimento certo. Para o
alcançar é preciso avançar um pouco mais.
Platão admitiu uma gradação nas formas de conhecimento, desde o sensível até ao racional
intuitivo.
Na República, utiliza a “alegoria da linha dividida” para explicar os diversos graus do conhecimento.
Tomando como ponto de partida a divisão entre o mundo sensível e o inteligível, Sócrates indica a
Glaucón que faça uma linha e que a divida em duas partes desiguais, e que volte a dividir por sua vez
cada parte em dois segmentos.
Primeiro degrau - a imaginação: É constituído pelas simples perceções passageiras das coisas sensíveis
ou puras imaginações fugidias. Platão designa-o como o reino da imaginação (eikasia), que tem como
objeto de perceção as sombras, as imagens.
Terceiro degrau – a razão discursiva: Temos aí o estudo das ciências exatas, matemática e geometria,
que habituam o espírito a investigação das essências estáveis, mas que mantem uma base hipotética pouco
segura. Com estas ciências ficamos na ordem hipotética sem atingir o absoluto. Este degrau engendra
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o “conhecimento logico-racional”: ciência, mas ainda imperfeita. Platão designa-o de conhecimento
dianoético ou dianoia, próprio do entendimento, e versa sobre os objetos matemáticos, objetos da
aritmética, da geometria; abstrações próprias das ciências descritivas. Este conhecimento possui ainda
uma relação com os elementos sensíveis, com a observação empírica, com as imitações, e processa-se
como uma aplicação das hipóteses as conclusões. Por isso, ele não é ainda sinónimo de conhecimento
absolutamente perfeito. Mas embora não constituindo a Ciência perfeita, estes conhecimentos são
propedêuticos, preparam a alma para a dialéctica, exercitando-a, fazendo-a, por assim dizer tocar o
inteligível. Por isso se diz que no frontão da Academia estava escrito: “Que não entre quem não for
geómetra”; de facto, no programa “educacional” que Platão prevê para a formação do filosofo, a
geometria é o vestíbulo ou antecâmara da verdadeira sabedoria.
Quarto degrau – a inteligência pura: É a ciência perfeita, onde a alma obtém a última explicação de
tudo, mediante a intuição das Ideias: contemplando-as, indagando as suas relações. Só aqui se desvela
completamente o real. Este degrau gera a “sabedoria” ou ciência perfeita. É também designado por
conhecimento intelectivo puro ou noesis, próprio da inteligência que indaga e conhece as Ideias, o mundo
ideal, a sua natureza, suas relações internas, o lugar que cada ideia ocupa na estrutura; neste reside a posse
da verdade. Esta forma de conhecimento representa a mais elevada forma de apreensão da
realidade, sem qualquer auxílio dos sentidos; corresponde a forma da dialética, que parte das hipóteses
da secção da dianoia elevando-se aos primeiros princípios, ou seja, para as Formas ou Essências puras.
Trata-se de uma captação fundada na pura intuição intelectual.
A estes dois últimos degraus, Platão designa-os com o nome de “inteligência” ou ciência em geral.
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- do mundo inteligível, domínio do suprassensível, alcançamos um conhecimento que contrasta com a
fragilidade da simples opinião; e objeto de um conhecimento estável e universal, é o reino da ciência
(episteme).
b) Aspeto psicológico
A necessidade de purificação e o impulso do amor
O processo do conhecimento exige uma purificação da alma em relação ao material – o corpo ; esta
consegue-se através de exercícios de domínio de si mesmo, da repressão das paixões desordenadas,
mantendo a ordem na vida interior da alma, submetendo as tendências inferiores a razão, preenchendo a
razão com as realidades eternas e não com os bens passageiros. O filósofo deve ser um verdadeiro
especialista na arte da purificação da alma. Ao encontrar nos objetos sensíveis um reflexo do Bem e da
Beleza Pura, a alma sente-se excitada e dirige-se violentamente para eles. Este “elan” é uma forca
preciosa, mas deve ser dirigida para os objetos cada vez mais espirituais, até atingir o cume do mundo
ideal, o Belo e o Bem absolutos e imutáveis.
A reminiscência
Todos os procedimentos de Platão são de carácter bastante intuitivo. Por exemplo, os degraus inferiores
do conhecimento (“opinião”) versam sobre o sensível e iniciam uma indução; porem eles não são a base
para os degraus superiores senão num sentido psicológico ou subjetivo. São exercícios preparatórios,
contudo, a inteligência chega ao cume, capta imediatamente, intuitivamente, as Ideias, que se
bastam a si mesmas e não necessitam de nenhuma outra base. Este carácter intuitivo do método de
Platão torna-se claríssimo quando explica a maneira como a nossa inteligência atinge o mundo ideal
através da reminiscência. A tese essencial da reminiscência formula-se do seguinte modo: a
experiência sensível é o excitante ou a ocasião que desperta à ciência. A nossa alma, de facto, vem a esta
existência atual depois de uma vida anterior, passada no mundo inteligível onde, mediante a
contemplação direta das ideias, se encheu da verdadeira ciência. A união ao corpo foi causa de um
esquecimento momentâneo; mas uma vez que o mundo sensível participa, ainda que imperfeitamente do
mundo das ideias, pode constituir uma ocasião para se recordar dele. Esta posição inspira-se nas doutrinas
órfico-pitagóricas da reencarnação da alma, considerando que o nascimento não e mais do que um
recomeço numa serie de vidas. Na existência anterior, a alma já conheceu toda a verdade e toda a
realidade do Mundo das Ideias; agora, nesta vida, a alma tem a capacidade de conhecer,
recordando-se daquilo que ela conhece reatualizando esses conhecimentos; conhecer e, então
recordar os conteúdos já apreendidos. Logo que a alma esteja suficientemente preparada pelo
domínio de si que a afasta das paixões, e pela sua aplicação aos degraus inferiores do método, ela
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reencontrara a inebriante intuição do mundo inteligível. Esta teoria da anamnese ou reminiscência –
uma forma de “recordação”, um emergir na alma daquilo que nela já existe, que já foi anteriormente
conhecido - responde à questão da possibilidade do conhecimento humano.
Platão justificou a existência das ideias inatas aplicando o dualismo ontológico ao conhecimento: se
existe um mundo suprassensível e se a nossa alma, cuja atividade específica consiste em conhecer o
inteligível desse mundo, estava em contato com ele antes de cair no mundo sensível e de o ter esquecido,
parece lógico considerar que as ideias que aparentemente apreendemos na realidade são inatas,
nascemos com elas.
A alma é uma “tábua cheia” de todos os conhecimentos que a sua existência anterior lhe
proporcionou. Acontece que essa “tabua” está sim coberta do pó do esquecimento, parecendo que nela
nada está escrito. Conhecer nada mais é do que tirar esse pó para deixar aparecer o que nela já esta
escrito. A recordação retira esse pó; a educação é esse processo de ajudar a recordar. O conhecimento não
é uma aprendizagem de novos conteúdos, mas consiste em desvelar o que nela estava oculto, despertar o
que estava adormecido. (Exemplo: Caso do escravo de “Ménon”, que sem saber geometria, demonstrou o
teorema de Pitágoras.)
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c) Aspeto metafísico
O lado bom do método platónico é o seu espírito metafísico; ele apoia-se numa tendência poderosa para a
unidade, uma necessidade de explicar o imperfeito pelo perfeito, o mutável pelo imutável, o múltiplo pelo
uno, que contém a expressão mais rica do princípio de causalidade.
8. Teodiceia
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imperfeito e é obstáculo ao desenvolvimento da parte nobre, e carcere da alma (tal como para
Pitágoras). O corpo e governado pela alma, é de natureza corruptível, é a sede de tudo aquilo que pode
obnubilar a verdade. A alma humana compreende duas partes: uma, obra dos deuses inferiores, é
mortal; a outra e uma emanação da alma universal, e conatural às Ideias, espiritual: é o Nous que
estabelece uma espécie de identidade fundamental entre Deus e nós. Mas este ponto nem sempre é claro,
e ao falar das nossas faculdades, Platão admite três almas distintas. Mas Não se trata de três substâncias,
mas de operações diferentes de um mesmo princípio.
a) A pré-existência da alma
É demonstrada pela teoria da reminiscência. Só se pode explicar a presença das Ideias em nós desde o
nascimento, mediante uma vida anterior na qual a nossa alma as contactou e conheceu. Quanto à natureza
desta vida anterior, Platão explica-a mediante mitos; representa a multidão das almas seguindo o carro
dos deuses, procurando tal como eles contemplar o mundo ideal; mas, como punição de certas faltas elas
são precipitadas na terra e aprisionadas nos corpos.
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investigações intelectuais conduzem a consumpção física. O contributo do corpo é absolutamente
inútil à alma para a sua atividade própria, que é a aquisição da ciência, uma vez que a
transcendência das Ideias requer o emprego do método puramente intuitivo. Deste modo, a morte
aparece ao sábio como uma libertação.
c) A imortalidade da alma
Platão está convencido da sobrevivência da alma depois da morte. A única parte imortal é a racional,
já que depois da morte a alma não necessita das funções sensitivas e vegetativas que possuía enquanto
estava unida ao corpo. Viver para alma é viver para a única coisa que vale a pena. Está aqui presente
uma clara influência órfico-pitagórica, ao considerar que uma vida digna é uma vida que se preocupa em
purificar a alma dos negócios que ela mantém com o corpo.
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contrario da vida, é necessário afirmar que a alma exclui necessariamente e radicalmente toda a
participação na morte. Ela é eternamente imperecível como a própria Ideia de Vida.
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desvios, e deve receber a regra da alma superior. Esta “parte” - irascível - é dócil à razão e ama a virtude
da fortaleza, da coragem.
c) A parte imortal (Nous) / parte racional pela qual entendemos
É a sede do conhecimento científico em sentido pleno, obtida pelos dois últimos degraus do método e
sobretudo pela sabedoria (sophia). A parte racional tem como tarefa governar o todo. A este
conhecimento superior corresponde a vontade (boule). Como não existe ciência ou sabedoria senão do
ser e do bem, e impossível que a vontade propriamente dita se porte mal - neste sentido, “ninguém peca
voluntariamente”.
10. A Moral
A vida moral é a parte mais importante, é o termo último para o qual tende todo o seu sistema, cujo
objetivo é tornar o homem feliz. Une, coerentemente, a moral à doutrina das Ideias. De um ponto de
vista metafisico, Platão vê no exercício da virtude uma forma de o homem retornar a morada
ontológica que lhe corresponde. Do ponto de vista antropológico, a ética aparece como o único meio
para conseguir a libertação da alma. De um ponto de vista gnosiológico, a alma precisa de
desprender do corpóreo para ascender ao conhecimento tal como aparece no mito da caverna.
10.1. A felicidade
A felicidade é o fim supremo da vida: querido por si mesmo, ele é a alavanca de toda a nossa atividade.
Mas em que consistirá a felicidade? A felicidade consiste em alcançar o Sumo Bem.
Em que consistira, por sua vez, este Sumo Bem? O Sumo Bem e logo a felicidade não consiste apenas
no prazer. Platão rejeita a identificação da felicidade ao prazer ou volúpia sensível; essa era a opinião do
homem ordinário, legitimada pelos sofistas. Platão demonstra, pelo contrário, que o prazer não pode
tornar feliz o homem, dado que lhe falta estabilidade, pureza, plenitude. Além disso, o prazer perturba a
razão e torna-nos escravos das coisas e das situações. Mas o Sumo Bem e a felicidade não também não
reside na atitude contrária, apenas no rígido ascetismo intelectualista da prática da ciência. A
ciência sem prazer, quer dizer, sem nenhum sentimento torná-la-ia indiferente e sem interesse. A
felicidade supõe o desenvolvimento de todos os prazeres que acompanham os três degraus do
conhecimento, harmoniosamente subordinados segundo a sua nobreza. Os prazeres inferiores são
admitidos enquanto necessários a conservação da vida e da espécie.
O bem do homem consistira assim numa vida mista, bem harmonizada, como se de uma saborosa
mistura de mel e água se tratasse.
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10.2. A virtude
A virtude, em geral, e uma disposição que impele o homem a agir em conformidade com a sua
natureza e com a ordem universal. É através da virtude que chegamos à contemplação e posse do Bem.
Trata-se de uma qualidade da alma e não uma simples habilidade técnica, como pensavam os sofistas. A
virtude traz harmonia e é a salvação da alma, através dela reprimimos as paixões, libertamos a nossa
alma, e preparamos o seu retorno à sua morada celeste.
b) A virtude comum
É aquela que produz a ordem da razão fundando-se, não na ciência, mas na opinião verdadeira: o seu
domínio específico é a alma inferior, e ela subdivide-se em três:
para ordenar o coração, existe a fortaleza, que consiste em saber resistir ou expor-se ao perigo na medida
conveniente.
para ordenar a concupiscência, existe a temperança que consiste em fazer dos prazeres corporais apenas
o uso necessário.
por fim, a justiça tem um papel de ligação e assegura o harmonioso exercício de todas as funções,
vigiando para que cada parte da alma respeite os direitos das outras.
A virtude comum pertence aos homens, a grande maioria que não se elevam a contemplação das
Ideias. Como não se identifica com a ciência, não basta o ensino para a adquirir: e necessário o exercício,
a educação, a repetição dos atos.
Para explicar a diversidade dos resultados, Platão faz apelo ao germe divino. Cada um traz, ao nascer,
predisposições especiais, de modo que nem todos estão aptos a adquirir todas as virtudes. Uns contentar-
se-ão com a temperança; outros acrescentar-lhe-ão a coragem e um pequeno número ambicionara a
virtude perfeita. E por isso que Platão, abandonando o sonho generoso mas irrealizável de Sócrates,
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renuncia a converter as multidões e abre uma escola para a pequena elite das almas que possuem o
germe divino da sabedoria.
d) A obrigação
O ideal da vida humana descrito por Platão é sem dúvida nenhuma um bem muito desejável. Mas este
ideal parece ser mais do que um optativo: é um verdadeiro imperativo. Existe, desde logo, um
fundamento próximo para a obrigação moral, na relação das nossas ações com a nossa felicidade e a dos
outros. Cada um tem o direito de adquirir a sua felicidade e de utilizar para isso a ajuda da
sociedade: existe também correlativamente nos outros o dever, a obrigação de respeitar esses
direitos do próximo e de obedecer às leis que os protegem. Há também um fundamento afastado, mas
eficaz, para a obrigação de ser virtuoso: é a vontade de Deus que, sob a influência do Bem, deseja que o
máximo de felicidade possível se difunda no mundo: violar a ordem moral, condição da felicidade, e uma
impiedade.
11.1. O Estado
Na realidade, o princípio catalisador da filosofia de Platão foram os problemas ético-políticos. Platão
pretendia descobrir a organização social perfeita que servisse de modelo aos governantes. O Estado ou a
República é a organização social dos homens; a sociedade é de direito natural, dado que é-nos necessária
para atingirmos a nossa finalidade, que é a felicidade. Estava convencido, bem à maneira grega, de que
a felicidade só se pode conseguir em sociedade.
N’ A República, Platão determina a priori as melhores condições sociais para estabelecer aqui, neste
mundo, o perfeito domínio do bem, realizando o máximo de ordem e justiça.
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11.2. As classes sociais
Para encontrar a organização social perfeita, estruturou-a tomando como referência a mesma
estrutura da alma humana, ja que a sociedade é como que um homem em tamanho grande.
Dado que a alma é tripartida, a sociedade deve também respeitar esta repartição: dividiu os cidadãos em
três classes. Atribui-lhes funções totalmente independentes:
a) Os trabalhadores ou artesãos: São os que proveem a subsistência material da sociedade. A sua virtude
específica é a temperança, moldada na alma concupiscível, mais ligada que este contacto com os bens
materiais. Não possuem nenhum direito político.
b) Os guerreiros ou guardiães: Protegem o Estado, a ordem social, e acrescentam a virtude da força,
própria da alma irascível. São um exército permanente, sempre em serviço ativo; vivem do seu soldo e
não possuem propriamente nem riqueza nem habitação, nem nenhum direito político.
c) Os governantes ou arcontes filósofos: São os que governam e devem desenvolver a virtude da
prudência ou sabedoria pratica como virtude própria da parte racional da alma. Legislam sobre todas as
coisas e administram com um poder absoluto.
Do mesmo modo que o homem harmonioso integra as três funções da alma, também a perfeição da
sociedade exige a integração das três classes sociais. A justiça e virtude fundamental, que assegura a
harmonia geral do todo, ordena cada classe a realizar o seu dever sem se ocupar dos deveres dos outros
(cf. Rep., 415 b-c). Ela estabelece entre os cidadãos a igualdade proporcional, que é a única razoável,
distribuindo os direitos a cada um na medida do seu valor, e as honras segundo o mérito, a virtude e a
educação. As classes não se devem misturar. Pertencer a uma classe ou a outra não depende de riquezas
ou de outros fatores similares, mas da natureza.
d) Os escravos: A sua situação do ponto de vista natural é falsa, dado que a sua inferioridade intelectual e
moral sofre de exceções, e ela provém, frequentemente, dos trabalhos, e dos maus-tratos que lhes são
impostos. Platão via na escravatura, tanto um perigo quotidiano, como uma necessidade lamentável que
se diminuirá, se não se puder suprimir, segundo a razão e a justiça. Contudo, os que forem libertados
serão tratados como estrangeiros e submetidos a regras severas: eles obedeceram durante muito tempo
para serem capazes de se conduzirem a si próprios na completa liberdade.
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que fará parte, segundo as suas capacidades, o seu “germe”; é o Estado que orienta toda a educação com a
finalidade de dotar o corpo e alma da maior beleza e perfeição possível. A instrução é obrigatória, em
escolas públicas, segundo um programa bem definido.
A fim de dirigir a mente e a vida de todas para o bem comum e fortalecer a unidade entre os cidadãos,
Platão rejeita o princípio da família, admite uma forma comunitarista de vida (comunidade de mulheres
e filhos), e o próprio Estado deve regular os nascimentos, de modo que todos se considerem como
irmãos. Contudo este “comunitarismo” visava sobretudo as duas classes superiores - dos guerreiros
e dos chefes, dado terem como única permitida ocupação a sua dedicação total à ordem social; por isso
não deveriam possuir nada de próprio ou privado. A própria população sofrerá uma depuração necessária
para uma plena realização do Bem (ex: crianças deformadas eram abandonadas, os débeis e doentes
também…).
O homem perfeito e aquele que tem domínio sobre si porque a sua parte racional rege todas as
outras. Do mesmo modo, uma cidade será perfeita quando a classe dos verdadeiros filósofos governe
as outras classes.
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b) As formas imperfeitas de governo:
Este regime perfeito decai quando os governantes se descuidam no cuidado a ter para que as classes
sociais não se misturem. Uma vez que as classes se misturem, começa a desintegração da ordem e da
harmonia social, surgindo formas de governo cada vez mais afastadas do ideal, tais como:
- A timocracia onde prevalece a classe militar e o elemento passional. Buscam-se as honras, e nisso
assemelha-se ao governo aristocrático, ainda que o mais normal seja que venha a decair na oligarquia.
- Na oligarquia impera a ambição de riqueza, presente na mão de poucos. A cidade divide-se em duas
classes: a dos ricos que tem tudo e a dos pobres, que nao possuem nada. Os oligarcas veem-se obrigados a
utilizar a forca para conter os súbditos. No final estes revoltam-se, expulsam os oligarcas e apoderam-se
dos bens do Estado.
- A democracia e o governo do povo que instaura uma liberdade absoluta, onde impera o capricho e a
desregramento. Nestas circunstâncias qualquer um pode alcançar o poder, chegando-se a uma situação de
desordem raiando a anarquia. O único “remédio” para sair da anarquia é a tirania na medida em que esta
restabelece a ordem social. Mas Platão não a aceita, pois o tirano e um infeliz e um escravo do seu
próprio poder.
c) As leis e as sanções
No Estado Ideal, governado por governantes Ideais, não deve importar que estes «se inspirem ou não em
leis», mas que, como homens privilegiados que contemplam e conhecem o Bem-em-si, devem dar leis
adequadas a cidade. Portanto, a lei não esta acima do governante, ainda que não dependa do capricho
deste, depende sim da contemplação da lei da natureza, ou seja, o Bem-em-si. Deste modo, a lei é uma
direção da razão imposta pela autoridade social; ela tem sempre como objeto o que é melhor para
todos e não só para alguns. Para a fazer respeitar, insistir-se-á mais na demonstração dos seus
fundamentos e não tanto nas penas decorrentes da sua transgressão. Contudo, as penas e os castigos
estão previstos para restabelecer a justiça.
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VIII | ARISTÓTELES (384-322 a.C.)
3. Os graus do saber
A Metafísica começa com a conhecida frase: «Todos os homens desejam por natureza saber». O saber
(eidenai) consiste na posse intelectual da verdade das coisas. Os sentidos proporcionam-nos perceções
das coisas que, quando as organizamos mediante a memória, obtemos a experiência.
Mas, o homem possui outras formas de saber que, apoiando-se na experiencia, se elevam atá à posse
plena da verdade. Estes graus são os seguintes:
A Phrónesis: os latinos chamaram-lhe “prudência”. Trata-se de um saber fazer, mas não no sentido de
produzir, mas de atuar. O resultado da phrónesis não é um objeto, mas uma praxis, uma atividade.
A Episteme, ou “ciência”. Não só mostra a causa de algo, tal como a téchne, mas também a
demonstra. A ciência é o verdadeiro saber das coisas porque conhece-as com necessidade.
O Nous: A ciência apoia-se em certos princípios que não podem obter-se por demonstração, por isso,
para conhecer esses princípios necessitamos de um modo de saber distinto do da ciência. Trata-se da
inteligência ou nous.
A Sophia: Os princípios apreendidos pela inteligência não são objetos de ciência, mas seus pressupostos.
Para fazer ciência dos princípios é preciso um modo de saber superior, que una a visão do nuos o
caracter demonstrativo da ciência. Este última grau de saber «é o mais perfeito dos modos de
conhecimento» e chama-se sophia, sabedoria. Esta sophia suprema é a filosofia cujo objeto próprio são
todos os seres, mas na sua consideração mais universal: enquanto são. A partir de agora já não haverá
filosofias, mas filosofia.
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a) Atividade teorética:
É o domínio das ciências especulativas, ciências que procuram alcançar o conhecimento enquanto tal,
procuram o saber por si mesmo. Constituem o paradigma de todo o conhecimento.
b) Atividade prática:
Procura o saber e o conhecimento em função da busca da perfeição moral. É o saber em ordem a agir
moralmente bem, quer na nossa conduta individual, como na conduta social. Engloba a economia, a ética,
a ciência política, a estratégia.
c) Atividade poiética:
Busca o saber em virtude do “fazer”, da produção de obras, objetos. Procura as leis e os melhores
processos que permitam produzir bem os objetos, tal como a construção de uma casa ou de um navio, ou
de outro qualquer objeto. Aqui se incluem também a retórica e a poética, que participam tanto da arte
como da ciência.
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precursores. Assim, em muitos aspetos, a sua teoria aparece como a conclusão de toda a história da
filosofia anterior.
6. A Lógica
No Organon de Aristóteles estão contidos todos os desenvolvimentos lógicos posteriores (incluindo as
fontes da lógica formal ou matemática). Aristóteles descobriu as regras que regem o pensamento, e
estabeleceu as bases da ciência tal como se desenvolveu até aos nossos dias.
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Aristóteles, a “analítica” não fazia parte de nenhum dos ramos do saber em especial, dado que não
versava sobre uma classe de objetos específicos, como, por exemplo a matemática, ou a física. Antes, ela
é fundamentalmente uma propedêutica a todas as ciências, o instrumento ou organon de que todas elas se
servem para atingirem a verdade; por isso o conjunto dos tratados “logicos” de Aristóteles ficaram
conhecidos por “Organon”.
Sob o aspeto formal: refere-se às condições do seu bom/coerente exercício. Chama-se lógica
“formal” ou “pequena” lógica, com o estudo das formas do discurso, do raciocínio, as condições para
que este possa ser probante (que prova, comprovativo), eficaz. O silogismo não é aí uma sequência de três
proposições, necessariamente verdadeiras ou falsas, mas uma proposição hipotética única. Ou seja,
Aristóteles procura estabelecer um esquema sólido cujo valor não dependa da significação concreta das
variáveis.
Sob o aspeto material: refere-se à verdade ou falsidade do seu objeto. Este estudo é requerido, dado
que todo este método está ao serviço da “ciência”, que é um saber sistemático da realidade, e orienta-se
para a apreensão da essência das coisas. A logica não pode ser exclusivamente formal, antes se torna
numa lógica da realidade. Esta dimensão do estudo da logica chama-se logica “material”, também
designada por “grande logica”. Podemos então dizer que o conceptualismo da lógica de Aristóteles
adquire também um forte pendor “realista”, precisamente enquanto é o método racional de estudo
da realidade. Esta característica nota-se, também, nos seguintes pontos:
a) Não conhece “classes vazias”. No seu sistema, uma proposição não pode ser verdadeira ou falsa
senão em relação a uma realidade que ela exprime. Dizer que “todos os lutins sao bossus” não é nem
verdadeiro nem falso.
b) Nos Analíticos Primeiros não menciona termos singulares. Estes não têm lugar na ciência, pois esta
concerne exclusivamente o universal e o necessário.
c) Não utiliza senão a dedução por inclusão; a sua lógica e uma lógica de classes, não de relações.
d) Não reconhece a quarta figura do silogismo, ainda que do ponto de vista formal seja tao valida como
as outras três.
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6.3.1. Âmbitos da lógica “formal”
O ato característico da nossa razão é, evidentemente, o raciocínio; por isso, o estudo central da lógica
versa sobre ele. Mas o raciocínio supõe o juízo, e este requer conceitos. Toda esta atividade da razão, com
os seus signos sensíveis – a argumentação, a proposição e o termo - constituem os três capítulos da logica
formal.
a) Conceitos e termos
Aristóteles começa a lógica opondo-se a Platão. As substâncias reais são individuais, mas os
conceitos são universais. Separadamente, estes conceitos só existem na nossa mente, enquanto que
na realidade não são independentes das coisas, antes pelo contrario, são a sua expressão logica e
linguística.
A primeira obra do Organon, (“Categorias”) trata do conceito. Procura classificar os conceitos e a
questão principal consiste na distribuição das ideias em categorias; daí a designação de “Categorias”.
Mas o método exige que se estude em primeiro lugar os diversos modos segundo os quais uma
noção abstrata pode ser atribuída a um sujeito; existem cinco modos, designados “predicáveis”:
género, espécie, diferença específica, próprio, acidente.
Seguidamente, Aristóteles agrupou os conceitos em dez géneros supremos designados predicamentos
(ou categorias), que são as dez noções mais gerais, irredutíveis umas às outras e irredutíveis a um
universal supremo e último. A lógica classifica sob cada género supremo, as séries de predicados que
a ele se ligam segundo os géneros, diferenças e espécies. Deste modo, as categorias lógicas são os
decalques racionais dos modos da realidade.
Aristóteles expõe, por fim, sob o título de pós-predicamentos certas noções gerais que têm a sua
aplicação em todos os predicamentos ou em vários: a oposição, a prioridade, a simultaneidade, o
ter, o movimento.
b) Juízos e proposições
O juízo e o ato pelo qual se fazem corresponder (identificar) dois conceitos objetivos. Resulta da
visão intelectual de que um mesmo objeto é idêntico a si mesmo, ainda que conhecido sob dois aspetos
diferentes no sujeito e no predicado. É o juízo e não o simples conceito que é verdadeiro ou falso; é no
juízo, na relação que estabelecemos entre os conceitos, que a verdade e a falsidade acontecem, e nunca
nos simples conceitos ou categorias; «o falso consiste em dizer (ou afirmar) do ser que ele não é, e do
não-ser que ele é; e a verdade consiste em dizer (ou afirmar) do ser, que ele é e do não-ser que ele
não é».
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Aristóteles estudou os juízos quanto à qualidade: podem ser afirmações ou negações; quanto à
quantidade: podem ser universais, particulares, singulares; quanto a modalidade: podem expressar a
necessidade, a possibilidade, a contingência; quanto a oposição: podem ser contrários, contraditórios,
subcontrários, subalternos.
Aristóteles fixou as regras da conversão das proposições. A proposição distingue-se da frase; esta
pode ser: imperativa, declarativa, exclamativa, interrogativa; a proposição tem de ser sempre uma
frase declarativa, ou seja, exprime sempre algo em relação às coisas. Por isso, nem todas as frases
são proposições, ainda que a frase permita exprimir a proposição.
c) Raciocínios e argumentos
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. Axiomas gerais - são validos para todos os domínios: Princípio de nao-contradição: é impossivel ser e
nao ser ao mesmo tempo e no mesmo sentido. Princípio de identidade: o ser é e o não ser não é.
Princípio do terceiro excluído: entre o ser e o não ser não e possível um terceiro termo. Princípio de
causalidade: tudo o que chega a ser tem uma causa. Princípio de finalidade: tudo o que opera, opera
para um fim.
. Axiomas especiais - só são aplicáveis a um domínio determinado e são específicos de tal ou tal ciência
(por ex. os axiomas da matemática só dizem respeito a quantidade).
Os postulados de existência: que afirmam a existência de objetos de que se ocupa a ciência em questão
(por ex. "existem animais", "existem linhas retas").
As definições descrevem a essência das realidades cuja existência é afirmada pelos postulados. A
definição é uma análise da compreensão, consiste em delimitar as fronteiras de um conceito relativamente
a outro.
Estas primeiras verdades apreendidas pela intuição são em número muito restrito; por isso, o nosso
grande instrumento de progresso intelectual é o raciocínio: movimento do espírito que passa de uma
coisa conhecida a uma outra ainda desconhecida. A tarefa do raciocínio consiste, partindo das
definições e com a ajuda dos axiomas, em deduzir as propriedades que convém necessariamente ao
objeto (p. ex. em mostrar que o triangulo tem uma superfície igual ao produto da base pela metade da
altura).
O raciocínio apresenta-se sob uma dupla forma: a indução e dedução.
Aristóteles admite como base da indução todos os factos da experiência, e classifica-os em dois
grupos:
a) A experiência feita ao longo do tempo, dos seculos, sintetizada nos ditos populares, nas opiniões
comuns, e sobretudo nas doutrinas dos filósofos.
b) A experiência e a experimentação pessoal, a nossa observação dos factos em todos os seus detalhes; e
sobretudo nesta que Aristóteles insiste na sua obra, considerando que ela oferece uma precisão científica
desejável.
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Aristóteles distinguiu dois tipos de indução:
a) A indução metafísica ou matemática: Partindo de dados experimentais muito simples, remonta tanto
as noções metafisicas de que são formados os primeiros princípios, como também as noções de
quantidade, extensão, número, e outros elementos das definições matemáticas. Trata-se de uma indução
de tal maneira espontânea e evidente que não tem necessidade de regras especiais, e vem dar a simples
abstração.
b) A indução científica: Parte de numerosos factos da experiencia e é um verdadeiro raciocínio, cujos
processos variam conforme as diversas ciências. Aristóteles atribui-lhe a finalidade de estabelecer,
mediante indagações mais precisas, as definições e os princípios que servirão de ponto de partida aos
silogismos.
Assim, o meio pelo qual o espírito passa do conhecido ao desconhecido é aqui um conceito expressado
por um termo: o termo medio (M) e, para o silogismo, a característica essencial que o distingue da
indução, e é a fonte das suas regras.
A regra fundamental do silogismo consiste em que o termo médio seja verdadeiramente a causa da
conclusão, pela sua comparação com os outros dois conceitos, operada nas duas premissas. Logo, o
silogismo deve estar composto por três termos: maior, menor e médio; o termo médio é comum as
premissas, o que faz com que se possa chegar a conclusão, ou seja, relacionar-se o maior com o menor. O
princípio básico é que duas coisas iguais a uma terceira (termo médio) são iguais entre si. A
adequada disposição do termo medio no raciocínio determina a figura do silogismo e faz com que a
consequência seja legitima.
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Dai decorrem as seguintes consequências:
O termo médio seja excluído da conclusão, uma vez que a causa se deve distinguir do efeito.
O termo médio deve ser único para permitir a comparação: logo, que seja tomado pelo menos uma
vez universalmente, e por isso, que nunca as duas premissas sejam duas particulares, nem duas
negativas.
Que os outros conceitos jamais possuam na conclusão um valor superior aquele que eles possuem
nas premissas, devendo a causa ser proporcionada ao efeito.
a) Ciência e demonstração
A ciência é o conhecimento certo e evidente das coisas pelas suas causas. Por isso, não basta que o
silogismo satisfaça as condições formais; é preciso que ele parta de princípios verdadeiros. Sendo um
conhecimento perfeito, para o atingir não basta saber que a coisa é, mas é necessário dizer porque é que
ela e tal, de modo a penetrar a sua essência, descobrindo todas as suas razões de ser, ou seja todas as suas
causas ontológicas, intrínsecas e extrínsecas; esse saber, a ciência, é o resultado da demonstração em
sentido estrito.
Chama-se demonstração, em sentido geral, todo o raciocínio que parte de premissas evidentes e
certas, e que termina numa conclusão infalivelmente verdadeira.
Na conclusão do silogismo a propriedade é representada por um predicado P, atribuído a um sujeito S,
que por sua vez representa a essência da coisa. O silogismo será cientifico quando o termo medio M dá
a razão (a causa e o porquê) pela qual a propriedade P pertence ao sujeito S; o homem (S) e mortal (P)
porque (= causa) ele e animal (M) =
Todos os animais (M) são mortais (P)
O homem (S) é animal (M)
logo, O homem (S) é mortal (P)
Só de facto a primeira figura oferece plena evidência; e só ai a definição manifesta a razão
plenamente explicativa. A atribuição de P a S faz-se mais claramente na primeira figura, onde M ocupa
de facto uma posição intermedia entre P e S.
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Daqui resulta que a ciência jamais se poderá constituir mediante simples experiências ou simples
coleção de factos contingentes, porque isso jamais permitira atingir a sua razão de ser, ou a verdade
necessária. É isso que leva Aristóteles a dizer que não há ciência do singular, mas apenas do
universal. Percebe-se assim, também, que a ciência não possa provir apenas da indução: apesar de atingir
o universal, esta não nos fornece a sua razão de ser.
b) Opinião e dialética
A opinião é a adesão do espírito a uma proposição, mas com algum receio de se enganar. O seu
objeto é o provável, ou seja, o verdadeiro contingente ou verosímil que se realiza em muitos, de maneira
que ele motiva um assentimento prudente.
A opinião distingue-se assim daquela certeza requerida pela ciência, que exclui todo o receio do
erro, da ignorância e da dúvida. O campo de aplicação da opinião prolonga felizmente o da ciência que,
na sua severa aceção, e forçosamente muito restrito. Tal âmbito, compreende tanto as disciplinas especiais
cujo objeto escapa a necessidade absoluta, como a história ou a educação.
De modo global aplica-se as diversas ciências nas suas duas fases características:
a) Pré-científica - período de imprecisões, de tentativas, prévio à determinação das essências
(comparações de fenómenos, investigações por analogia e indução) que constituem uma porção
significativa dos nossos conhecimentos; o espirito não possui ainda a verdade absoluta, mas aproxima-se
mais e mais mediante o verosímil.
b) Pós-cientifica - por outro lado, na série das deduções científicas, a medida que nos afastamos
dos princípios, o laço que os liga às conclusões perde o seu vigor e já não é suficiente para engendrar a
certeza. O espírito, contudo, dá ainda o seu assentimento, porque vê um reflexo da verdade, do inteligível;
mas ele fá-lo “cum quadam formidine errandi” (“com algum receio de errar”); assim o centro luminoso da
ciência termina na penumbra do sistema provável.
c) Erros e sofismas
Este tema é abordado no último livro dos Tópicos; Aristóteles distingue dois grupos: os sofismas de
palavras e os sofismas do pensamento.
7. Filosofia da natureza
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autêntica filosofia da natureza. Aristóteles, na sua Obra, trata dos princípios comuns dos seres físicos,
as suas propriedades naturais, especialmente do movimento; o infinito, o espaço, o vazio, o tempo e o
contínuo; e no último livro dedica-se ao Primeiro Motor.
O ato é ontologicamente primeiro face a potência. Por isso, a ideia de ser, graças à sua analogia,
realiza-se de diversos modos nestes princípios:
a) no ato, de uma maneira absoluta e perfeita, de modo que o Ato Puro é o Ser em plenitude;
b) na potência, de uma maneira relativa e imperfeita, de modo que a potência pura é um certo não-ser
real, excessivamente fraco para existir sozinho;
c) nos entes compostos de ato e potência o ser realiza-se em diversos escalões, harmoniosamente
distribuídos, por géneros e espécies.
No mundo físico, não se dá nem a pura potencialidade nem a atualidade pura, mas todo o ente está
composto de potência e ato, de matéria e forma. É próprio do ser material atualizar continuamente as
suas potencialidades, ou seja, estar em movimento; o movimento não é mais do que esta passagem da
potência a ato.
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Aristóteles definiu o movimento como «o ato de um ente em potência enquanto está em potência». O
pedaço de mármore pode converter-se (movimento) em escultura «enquanto está em potência». Por
isso, diz Aristóteles que o movimento e um ato imperfeito (pois o sujeito há-de estar em potência) e
do imperfeito (enquanto está em potência).
b) Mudança substancial: a substância deixa de ser o que era e transforma-se noutra substância
diferente. Por ex. quando a lenha se queima, quando um animal morre, a lenha passa a ser cinza, e o
animal converte-se em cadáver.
Em toda a mudança pode-se distinguir algo que muda e algo que permanece, porque uma mutação
em que nada permanecesse não seria uma mutação, mas uma aniquilação. Esse “algo” que muda na
mudança substancial é o que Aristóteles chamou forma substancial. Aristóteles também designou a
essência de natureza: por exemplo «a natureza do cavalo». Mas na mudança substancial também há
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algo que permanece, pois a nova substância não surge do nada. A isso permanente chamou-lhe
Aristóteles matéria primeira. Esta matéria subjacente não e nada se não estiver unida a uma forma
substancial que a faz ser, e é princípio de individuação.
Esta forma substancial, em certo sentido, assemelha-se à Ideia platónica, ainda que dela se distinga
por não existir num mundo separado do sensível. Exemplo: se tivermos presente uma série de bonecos
de barro, poderíamos dizer que também para Aristóteles o molde do boneco é universal, mas só existe em
cada boneco de argila (mais adiante veremos que tambem pode existir como universal no entendimento).
A descoberta destes dois princípios do ser natural, a matéria (ule) e a forma
(morphe) deu origem a teoria hilemórfica ou hilemorfismo.
8. Metafísica
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substância é primordialmente a forma/essência da coisa, aquilo que pelo qual ela é "tal coisa
determinada”.
Entre as substanciares Aristóteles inclui desde logo os seres vivos: o homem, cavalo, as plantas...; em
seguida os cinco elementos.
Face a substância, os acidentes são realidades acessórias, aquilo que não pode existir senão na substância.
Os acidentes são de diferentes tipos: qualidade, quantidade, relação, tempo, lugar, ação, paixão...
O ser acidental é contrário ao ser por si, pois expressa o que acontece, não o que necessariamente é .
A dificuldade de definir o ser acidental faz com que Aristóteles o explique mediante exemplos: «é
acidental que um homem seja branco, mas que seja animal não é por acidente».
Apliquemos estes conceitos a uma substância individual, por exemplo, uma espada. Em primeiro lugar
distingamos entre substância primeira, ou seja, a espada concreta, esta espada de que me sirvo, e a
substância segunda, ou seja noção universal de “espada”, o conceito que dela temos, quando dizemos
que a espada é uma arma branca. Em segundo lugar, a espada possui diversas qualidades ou formas
acidentais, por exemplo, mede 1,20 metros, está afiada, tem um punho dourado (etc.), características que
se diferenciam da forma substancial. Por último, essa espada e feita de uma matéria “determinada” (de
ferro, por exemplo) a qual chama de matéria segunda, dado que o ferro está composto hilemorficamente,
ou seja, a matéria primeira recebeu uma determinada forma substancial que a fez ser ferro e não bronze
ou outra matéria. A substância é o que é em si (cf. Metaf., 1028 b 1029 a) enquanto que os acidentes estão
sempre noutro, numa substância (cf. Anal. Post., I, 22). A brancura não é em si, mas numa substância
branca, como por exemplo, um papel, uma camisa, ou a neve. As categorias, ou seja, a substância e os
acidentes são géneros supremos do ser e do pensar. Do ser, porque toda a realidade ou é substância ou
é acidente. Do pensar, porque ao pensar a realidade, assim como ao falar, temos que utilizar estas
categorias que, deste modo, se convertem em categorias lógicas e gramaticais. Aristóteles observou que a
substância se comporta face aos acidentes de duas maneiras:
a) Os acidentes outorgam perfeições singulares à substância (a brancura faz a camisa ser branca).
Neste sentido diz-se que a substância está em potência face aos acidentes (a camisa esta em potencia de
receber uma qualidade: ser branca, verde, vermelha…).
b) A substância faz ser os acidentes (a brancura não existe se não se der num objeto branco). Sem a
substância, os acidentes nada seriam, ou seja, é ela que os atualiza. Neste sentido, os acidentes
encontram-se em potência face a substância. Algo de parecido ocorre com a matéria e a forma. A
primeira é pura potencialidade e a segunda atualiza-a. A forma dá o ser às coisas, faz com que cada
coisa seja de uma determinada maneira.
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8.3. Crítica à teoria das Ideias de Platão
É sabido que Aristóteles submeteu uma dura crítica a teoria das Ideias de Platão, dando origem a um
pensamento que ficou conhecido como realismo filosófico. Aristóteles considera que o mundo das
Ideias não é mais do que uma duplicação desnecessária do mundo sensível.
Aristóteles como que fez descer as Ideias à terra, o que quer dizer que as essências das coisas não estão
num mundo suprassensível, mas que se encontram na composição das substâncias sensíveis. O
suprassensível está unido ao sensível. Não é preciso duplicar a realidade.
A crítica de Aristóteles à teoria das Ideias serviu para Aristóteles desenvolver a sua doutrina da
substância. Esta é, em primeiro lugar, singular, (substância primeira): este homem, este cavalo, aquela
árvore. Só num sentido derivado é secundário à substância e universal (substância segunda): a essência
do homem pensada como conceito, a essência do cavalo como conceito, a essência da árvore pensada
como conceito, etc. Por isso, as ideias não possuem uma realidade extra-mental como pensava Platão,
mas apenas se dão no nosso pensamento.
Podemos resumir o pensamento de Aristóteles sobre a substância com esta frase de um medico
realista: «não há doenças, mas homens doentes». A doença é algo de real, mas apenas na mente do
medico, pois o que existe na realidade são pessoas doentes.
Na metafisica de Aristóteles encontramos uma áspera crítica a Platão, mas os princípios fundamentais do
platonismo são aceites por Aristóteles. Tais princípios são os seguintes:
a) que a ciência difere essencialmente da perceção sensível, dado que tem por objeto a essência;
b) que a ciência suprema tem por objeto o incorpóreo;
c) que existem degraus na realidade, e que os degraus superiores são causa ou princípio de
inteligibilidade num sentido mais profundo do que os degraus inferiores.
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uma prioridade lógica: o género é logicamente ou nocionalmente anterior à espécie, mas ele só é real
graças à existência da espécie, e logo, o género é posterior na ordem do ser.
8.4. As causas
A partir da experiência que temos da ação causal, o nosso entendimento descobre o princípio de
causalidade: «tudo o que é, é por uma causa». Assim, para que uma substância venha a ser, precisa de
uma matéria e de uma forma; isto significa que matéria e forma são causas da substancia, ou seja,
«influem real e positivamente nela fazendo-a depender de algum modo de si». Além da matéria e da
forma, intervém na formação da substância outras duas causas: a eficiente e a final.
Causa material: aquilo de que uma coisa é feita. (ex. No caso de uma escultura de bronze, a causa
material é o bronze).
Causa formal: o que faz com que uma coisa seja o que é, a forma substancial. (ex. A forma faz ser a
escultura uma escultura determinada, um busto, e não uma figura completa).
Causa eficiente: um ente em ato do qual provém o devir, ou seja, o agente origem do movimento (ex. O
escultor).
Causa final: aquilo em cuja direção se realiza a mudança e que constitui a perfeição do ente. (ex. A
finalidade que o escultor procura).
A causa final adquiriu para Aristóteles uma importância capital, e pressupôs uma visão finalística da
natureza. Para Aristóteles, tudo o que acontece na natureza tem um fim, o que significa que existe uma
causa ordenadora que faz com que as pedras caiam e o fogo tenda para cima. Deus como Ato Puro move
todas as coisas para si, como causa primeira e final. Todo o movimento está ordenado pela atração
para o Primeiro Motor que é puro Ato. Assim Deus é, não apenas causa do movimento, mas também
causa inteligente ordenadora.
Quando dizemos de Sócrates que ele é um homem, que ele é branco ou negro, ou que ele está de pá
ou esta sentado, de cada vez afirmamos algo de real, logo afirmamos algo do ser. E contudo, em
cada uma destas atribuições não expressamos no mesmo sentido a realidade de Sócrates. Logo,
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conclui-se que o ser é dito ou atribuído de diferentes maneiras e em sentidos diversos; mas estes
sentidos diversos reportam-se todos a um sentido primordial, do qual dependem as formas
secundárias e derivadas de ser.
O ser como verdadeiro opõe-se ao não-ser como falso; contudo, com o ser veritativo Aristóteles não se
refere ao ser lógico enquanto puro ser do entendimento (ideia), mas acrescenta-lhe uma referência à
realidade. Pode-se dizer que o ser veritativo é o ser do entendimento com um referente real ; se não o tem,
falamos de falsidade. Portanto, nem todas as nossas ideias sao verdadeiras. O ser veritativo é um modo
logico do ser enquanto e conhecido, tendo sempre como referencia a realidade.
Esta hierarquia e organização é obra da finalidade, tendência constante para o melhor e mais perfeito.
Esta tendência seria incompreensível se ela não dispusesse, como resposta, uma suprema perfeição, um
Ato Puro.
A prova pelo movimento - Pela via do movimento demonstra-se a existência de um Primeiro Motor
Imóvel (desenvolvimento no Livro VIII da Física), através de três etapas:
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b) Necessidade de um primeiro motor: Se o motor que explica o movimento do mundo for ele mesmo
movido, devera sê-lo evidentemente por um outro, e assim sucessivamente. Mas não podemos cair na
hipótese absurda de uma serie infinita de motores; é preciso, necessariamente, parar num primeiro
motor que possua em ato a perfeição a comunicar; porque, remontar ao infinito, significa suprimir a fonte,
declarando que todos os movimentos estão em potência, dado que todos eles são recebidos. Logo, deve
existir um primeiro motor que não receba o movimento de um outro: esse será o Motor não movido
(imóvel).
c) Necessidade do Ato Puro: Qual é este primeiro Motor? Aristóteles mantém de Platão a convicção
de que a última razão de ser de tudo deve possuir esta plenitude de perfeição, e atribui-a apenas a Deus. O
movimento não pode ter nem começo nem fim, é eterno, como o prova a eternidade das revoluções
celestes, logo, e preciso postular um princípio eterno do movimento, uma substância, um poder
absoluto, Ato Puro sem qualquer mistura de potencialidade, completamente separado de toda a
matéria, que transcende a temporalidade e a potencialidade que a limitaria e que Aristóteles
identificou com a divindade. Ora, o Primeiro Motor produz um movimento eterno, sem limites, infinito.
Logo, o primeiro motor é um ato plenamente separado de toda a potência. É o Ato Puro, a própria
Perfeição subsistente.
a) Atributos negativos
Deus é imaterial, logo, é inacessível aos sentidos; o que é evidente, uma vez que a matéria é potência. É
imutável, ou seja, é impassível e imóvel, dado que todo o movimento supõe a passagem de uma potência
a ato. É simples, “sem medida”, sem quantidade ou indivisível. Ele possui em si esta unidade perfeita da
simplicidade que exclui a unidade de composição própria aos seres materiais. E único, e distinto de todo
o outro, e especialmente do mundo, pela sua perfeição suprema e solitária, quer porque não pode existir
outro universo/sistema senão o nosso, quer porque o Ato Puro está isento do princípio de multiplicidade
que é a potência.
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b) Atributos positivos
Deus é eterno, move eternamente o universo; ele é a causa primeira. É a Perfeição e a Bondade
absolutas; ora, se o bem não e mais do que a perfeição desempenhando o papel de finalidade, capaz de
preencher todo o desejo e todo o apetite, Deus - que é pela sua perfeição o fim último do universo - e
também o Bem supremo. É Espírito ou Inteligência.
De seguida, atribui-se ao Ato Puro a plenitude daquilo que há de mais perfeito na existência - o homem,
dotado de vida espiritual, de inteligência. Porem, Deus possui a inteligência suprema, sem nenhuma das
imperfeições que constatamos em nós, pois não tem nenhuma mistura de potência. O seu objeto de
contemplação deve ser o mais elevado e o mais perfeito, logo não pode ser senão o próprio Deus. O
objeto próprio do pensamento de Deus é o próprio Deus. Já quanto ao exercício deste pensamento divino,
é necessário excluir dele toda a passagem de potência a ato, toda a composição e distinção real que exija
um elemento potencial. É por isso que é preciso negar em Deus toda a distinção entre substância e
faculdade intelectual: é pela sua essência que ele conhece - jamais nele a ignorância precedeu a ciência, é
esse conhecimento e sem interrupção, sem fadiga; é o pensamento em plenitude de exercício.
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Mas como é que o Primeiro Motor Imóvel coloca o mundo em movimento? Como pode mover sem
ser movido? Não será através de uma causalidade eficiente, mas através de uma causalidade final. Tudo
quanto existe tende para esta atualidade e para esta perfeição absolutas, para o Primeiro Inteligível e o
Primeiro Bem. O Ato Puro move sem ser movido, como causa final. Assim como o Santuário atrai para
si os peregrinos sem que ele se mova, pois ele constitui a sua meta, a causa final do seu peregrinar; é
desse modo que o Ato Puro tudo move como sua finalidade última.
As considerações de Aristóteles conduzem apenas a um “Deus cosmológico”, um princípio do
movimento do mundo físico. Porém, a sua intenção ultrapassa estes limites: as inteligências puras, que
movem as esferas celestes, dependem também elas deste mesmo princípio, que é então o Ser Primeiro em
sentido absoluto, e não apenas ser ou causa para o mundo material.
9. A vida e o conhecimento
A vida faz com que um ser seja vivo, mas qual é o princípio do vivente? Aristóteles diz-nos que é a
psiqué, a alma. A psiqué anima (por isso em latim chama-se animus) o corpo do vivente, dá-lhe vida ; por
isso é o seu primeiro ato, que atualiza a matéria em ordem ao conjunto.
O ser vivo é um ser composto de corpo (matéria) e alma (forma). A forma substancial do ser vivo é,
portanto, a sua alma. Corpo e alma são dois princípios (material e formal) que constituem uma única
substância, que é o ser vivo, em concreto, o homem. Aristóteles aplica-lhe a sua teoria hilemórfica,
segundo a qual corpo e alma se unem “substancialmente”, porque são a matéria e a forma do homem.
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Segundo o nível de operações da alma, Aristóteles distinguiu três tipos de vida:
- Vida vegetativa: própria dos vegetais. Outorga três funções vitais: nutrição, crescimento e reprodução.
- Vida sensitiva: própria dos animais. Acrescenta o conhecimento sensível, o apetite e a faculdade de
locomoção.
- Vida intelectiva: é o grau superior de vida, exclusivo dos homens. Acrescenta o conhecimento
intelectual e a vontade.
a) A abstração
Para Aristóteles, a nossa mente é uma “tábua rasa” onde nada existe escrito em ato, mas sim em
potência, ou seja, pode tornar-se todas as coisas, porque as pode conhecer. Neste sentido, o homem é um
ser aberto ao mundo. Graças à experiência, a “tábua rasa” vai-se enchendo de conhecimentos.
Percebe-se que para Aristóteles a experiência seja muito importante, já que é a única e verdadeira
realidade, é a realidade sensível. Por isso, não afasta o conhecimento sensível, antes este é
imprescindível para se elevar aos conhecimentos superiores. Como já vimos, para Aristóteles, a
realidade possui uma composição hilemórfica: todo o ser natural está composto de matéria e forma. Se
o mundo tem essa estrutura, o entendimento humano há-de ser capaz de abstrair as formas inteligíveis das
coisas prescindindo do particular e sensível, que os sentidos lhe apresentam. Esta abstração significa a
separação da forma inteligível. O processo de abstração é o seguinte: Primeiro, os nossos sentidos
externos percecionam a realidade exterior, por exemplo, uma árvore; de seguida, a nossa imaginação
forma a imagem de árvore; este conhecimento que temos da árvore é particular e sensível. A partir
daqui, o intelecto agente ilumina a imagem e extrai a sua forma inteligível; então temos já o
conceito “árvore”, universal e abstrato. No conhecimento intelectual interagem, como no resto das
coisas, a relação de matéria e forma, de potência e ato, o entendimento passivo ou paciente e o ativo ou
agente.
Tal como já para os primeiros filósofos, o que preocupa Aristóteles é a investigação do ser, “o que é”, a
sua “razao explicativa”; conhecer as coisas no seu especto necessário, único, estável, ou seja, sob o seu
especto de ser. O objeto da ciência, segundo ele, é o ser; mas este ser não será, desde logo, uma
realidade universal e espiritual intuitivamente vista, dado que só o composto concreto existe, nem o
concreto é individual como tal, dado que este é desprovido de estabilidade; será sim, o elemento “estável
e uno, captado no real sensível, mediante a abstração”. Graças à abstração, a nossa razão despreza os
aspetos particulares pelos quais o real é mutável e múltiplo, participando na matéria; e considera apenas
os aspetos de essência ou de natureza, pelo qual o objeto, o ente participa no absoluto do ser. Aristóteles
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partilha da mesma ideia de Platão, segundo a qual, a ciência devia versar sobre o universal e o
necessário; mas ao contrário de Platão, pensou que essa essência universal se encontra nas coisas, e a ela
poderemos chegar por abstração. O princípio básico, é que todo o conhecimento procede da
experiência, do singular e do concreto, e graças a nossa capacidade de abstração chegaremos ao
universal.
Qual a aplicação destes conceitos? Nas ciências, no conhecimento científico, e com os conceitos
abstratos - conceitos universais, necessários, unos e estáveis - que captamos e pensamos nos objetos que,
enquanto tais, existem como concretos, particulares e contingentes, múltiplos e variáveis. Para
Aristóteles a ciência versa sobre a realidade sensível, mas nunca tomada individualmente, mas
agrupada em géneros e espécies (conceitos universais).
Para Aristóteles, o princípio que unifica o múltiplo está no múltiplo e não fora do múltiplo.
Este é o princípio do realismo moderado, fundamento do aristotelismo: o objeto formal proporcionado
da nossa inteligência é a essência das coisas sensíveis, ainda que o seu objeto em geral seja o ser. Esta
doutrina da abstração permitiu a Aristóteles resolver a dupla antinomia difícil de equacionar:
- por um lado, a conciliação, do lado do “objeito”, entre o real mutável e múltiplo com o ser uno e estável;
- por outro lado, a conciliação do lado do “sujeito”, entre o conhecimento sensível e o conhecimento
intelectual.
b) O intelecto agente
Aristóteles distingue dois entendimentos:
- o entendimento “passivo”, a que lhe corresponde tornar-se todas as coisas;
- o entendimento “activo”, que produz ou atualiza os inteligíveis, tal como a luz faz com que possamos
ver as cores.
Os textos que versam sobre o entendimento são obscuros. Parece, portanto, que o intelecto passivo é
corruptível e morre com o corpo, enquanto que o intelecto agente, ao ser separado, seria imortal. Mas
justamente por ser separado, não fica claro se a imortalidade pertence ao individuo ou a um intelecto
impessoal. Aristóteles nunca o clarifica, tendo dado lugar a duas interpretações fundamentais:
- A primeira defende que o entendimento é separado e subsistente. O entendimento, nesta
interpretação, não é pessoal, logo, o individuo não é imortal, mas sim a espécie.
- A segunda interpretação vê no entendimento agente uma faculdade da alma diferente do passivo,
com o qual a imortalidade seria pessoal.
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Tal como Platão, Aristóteles também distinguiu o conhecimento sensível do intelectual. A diferença
radica em que o mestre despreza o primeiro, enquanto que o discípulo pensa que, sem a ajuda da
experiência não é possível nenhum conhecimento intelectual ulterior. Os pré-socráticos já tinham caído
na conta do dilema entre a experiência e a razão. Platão afasta a primeira para atingir o conhecimento das
Ideias. Aristóteles assume ambos os aspetos e parece solucionar o problema.
10. Ética
b) Autonomia da ética:
O fundamento da decisão e da apreciação moral nunca está baseado em regras, princípios, ou normas
extrínsecas, como seria, por exemplo, a lei transcendente dos deuses. Neste sentido, a ética de Aristóteles
não se constitui como uma moral “theonoma” (assente da lei divina), pois o valor da ação humana jamais
e medido por uma norma transcendente.
c) Ética teleológica:
Está dominada pelo princípio de finalidade, é uma ética teleológica: considera que a ação é boa, não
em si mesma, mas enquanto conduz o homem ao seu bem próprio, a atingir o seu fim; a ação que se
oponha a consecução do seu verdadeiro bem, essa sim, será uma ação má.
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10.3. O fim, o bem e a felicidade
Todas as ações humanas tendem para determinados “fins” que são vistos como “bens”. No seres
corpóreos, desde os minerais até ao homem, este dinamismo explica-se mediante a aplicação do ato e da
potência: sendo estes seres limitados e imperfeitos porque mesclados de potência, desejam aquilo que
lhes falta: tendem a atualizar-se plenamente atingindo o seu bem próprio que e a sua plenitude de
ser.
Mas, em que consistira este bem? Tal como o ser, o bem diz-se de muitas maneiras, pois existem tantos
bens como modos de ser. Deste modo, o bem de uma planta não é o mesmo do animal; o bem de um
animal inferior não é o mesmo que o bem do homem, e o do homem não é o mesmo que o de Deus.
Segundo a sua essência, a cada coisa correspondera um bem e não outro. A essas diferentes classes de
bens correspondem as distintas artes ou ciências (ex. o da arte do medico trata de conseguir a saúde; o
da navegação, uma viagem segura; o da economia, a riqueza).
Todos os fins estão orientados a um “fim último”, que é o “bem supremo ”, que orienta toda a
atividade humana, determinando todas as leis, e a felicidade perfeita, ou a beatitude, constituída pela
posse definitiva do nosso verdadeiro Bem. É perfeito e definitivo, buscado por si mesmo, aperfeiçoará
a atividade própria e mais elevada do homem e torná-lo-á bom. Aristóteles determina de uma maneira
bastante precisa qual é este verdadeiro bem supremo, quais são os meios de o atingir, qual a ciência que
lhe corresponde (a ciência política ou social e a que estuda o que é o bem para o homem, já que o Estado
e o Individuo possuem o mesmo bem, ainda que este bem, tal como se encontra no Estado, seja maior e
mais nobre – ideia que nos recorda A República de Platão).
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ou seja, a razão. Ora, a forma mais elevada e a mais perfeita da atividade racional é a contemplação da
verdade eterna. Assim, é nesta atividade contemplativa que reside principalmente a perfeição do
homem, a sua felicidade. A felicidade deve buscar-se na vida teorética. Aristóteles acolhe aqui o
discurso socrático-platónico; reafirma a primazia da alma, e sobretudo, daquela parte que é a mais
elevada: é a razão e o intelecto o que mais nos identifica.
Estas virtudes adquirem-se com a repetição de uma serie de atos sucessivos, ou seja, com o hábito: só
aprendemos a fazer, fazendo (ex. Tornamo-nos construtores construindo, tocadores de citara tocando a
citara). Do mesmo modo, realizando ações justas, tornamo-nos justos; ações moderadas, moderados;
ações corajosas, corajosos. Deste modo, as virtudes tornam-se como que hábitos, estados ou modos de
ser, que nos mesmos vamos construindo.
Por isso, para obrar bem é muito importante seguir o exemplo das pessoas honestas e prudentes.
Este justo meio exclui os extremos, que são sempre viciosos.
Por isso, a prudência é a virtude por excelência. O agir virtuoso pode assim ser comparado à perfeição de
uma obra de arte: se lhe acrescentarmos ou retirarmos alguma coisa, ela deixara de ser obra de arte. A
virtude tende sempre para esse “meio termo”, enquanto que o excesso e o defeito são próprios do
vicio.
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Então, se perante os diversos sentimentos e diversas ações, os hábitos que temos nos levam a agir de
uma determinada maneira, como saberemos se esses hábitos são virtudes? Poder-se-ia responder:
precisamente porque eles nos levam a fazer (a obrar/agir) o melhor. Perante um perigo, por exemplo,
podemos encontrar três disposições: fugir cobardemente, pormo-nos à prova temerariamente, ou enfrentá-
lo com valentia. É claro que em situacoes normais, as duas primeiras disposições não são bons hábitos; a
disposição adequada será a valentia, e por isso decidimos que a valentia e uma virtude, dado ser o termo
médio entre os dois extremos, pois o valente tem algo de temerário e algo de cobarde sem ser nenhuma
das duas coisas.
Mas é também um período de transição, que decorre entre o puro racionalismo e um certo misticismo.
Este longo período é atravessado por duas etapas:
a) Uma transição moral: passa-se da metafisica à moral, mantendo a natureza humana como ideal.
b) Uma transição mística: passa-se da moral à mística, subordinando (já no contexto do neoplatoinismo)
a razão a religião/fé.
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Repare-se que Platão e Aristóteles tinham feito da Polis não apenas uma mediação histórica, mas
uma autêntica Ideia (tinham teorizado a forma ideal do Estado Perfeito). Subitamente, tudo isso
deixou de fazer sentido, e o homem grego sentiu-se entrar em decadência.
Em 146 a.C., a Grécia perde totalmente a liberdade, tornando-se uma província romana. O
pensamento grego, não vendo uma alternativa positiva a Polis, refugiou-se no ideal de “cosmopolitismo”:
considera o mundo inteiro como uma cidade, onde inclui não só os homens, mas também os deuses. Na
base do naturalismo que lhe esta subjacente, a própria filosofia dirige-se indiferentemente a todo o
homem, do império de Alexandre e de Roma. É uma filosofia universalista. O homem perde a sua
identidade como cidadão, vendo-se na necessidade de buscar uma nova identidade.
Com o helenismo, o homem começa a descobrir-se nessa nova dimensão. A educação cívica do
mundo clássico formava cidadãos; a época de Alexandre forjou indivíduos. Nas monarquias helenísticas,
as relações entre o Homem e o Estado tornam-se cada vez mais ténues; as novas formas políticas (onde o
poder e mantido pelo monarca, ou por um grupo muito restrito) permitem a cada um forjar o seu próprio
modo de vida, a sua própria fisionomia moral.
Como consequência desta separação entre o homem e o cidadão, nasce a separação entre “ética e política.
As tentações e o egoísmo são a exasperação desta descoberta. O egoísmo e o defeito dominante. Todos
os sistemas, apesar das suas oposições radicais se juntam aqui; dirigem-se unicamente ao individuo, a fim
de o conduzir a ataraxia (ausência de perturbação), a paz de espírito, onde cada um encontrara a sua
felicidade pessoal, sem outra preocupação política ou social. O único fim dos filósofos consiste em
assegurar aos indivíduos a paz e a felicidade no meio deste infortúnio dos tempos. Daí o seu
desinteresse pelas especulações metafisicas e físicas, e a sua predileção pelos problemas de ordem moral.
O próprio homem romano, mais prático do que especulativo, acolhe naturalmente esta filosofia mais
impulsionada para as questões morais e prolonga-a até ao séc. II d.C.
Incapazes de captar as teses metafisicas de Platão e de Aristóteles, os espíritos mais elevados
consideram que só é real o corpo, os bens corporais, e só é válido o conhecimento sensível. Privado
de toda a ajuda religiosa, e apenas nas fontes da razão e da liberdade humana que se procura a felicidade.
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Só se ocupam de Deus para o negar, para o rebaixar ao nível dos seres corporais, e no máximo,
identificá-lo ao homem.
Vários filósofos apareceram também a contestar o preconceito da escravidão, como p. ex. Epicuro;
os estoicos ensinaram que a verdadeira escravidão é a da ignorância, e que todos podem aceder à
liberdade do saber; as duas grandes figuras com que termina o estoicismo são precisamente Epicteto (um
escravo liberto) e Marco Aurélio (Imperador).
A cultura helénica, na sua difusão pelos vários povos e raças, torna-se helenística. Essa difusão trouxe
perda de profundidade e de pureza, ao mesmo tempo que assimilou tradições, crenças, elementos
provenientes das outras culturas; fez-se sentir a influência do Oriente. Os novos centros de cultura
(Pérgamo, Rodes e sobretudo Alexandria) acabaram por ofuscar a própria Atenas. Também de Roma
(vencedora militar e politicamente) vieram novos elementos, novos estímulos, que contribuíram imenso
para a difusão do ecletismo. Os filósofos mais ecléticos foram os que tiveram mais contacto com os
romanos (p. ex. Cicero, romano). Compreende-se assim que o pensamento helenístico se tenha
concentrado sobretudo nos problemas morais que se impunham a todos os homens; o epicurismo, o
estoicismo e o cinismo. Todos eles são modelos de vida.
2. Correntes principais
Distinguem-se nitidamente três correntes de doutrinas paralelas: o estoicismo, o epicurismo e
ceticismo (a este último podem associar-se os académicos, os ecléticos e os peripatéticos decadentes). A
origem destas três correntes remonta a Sócrates, e mais especificamente as chamadas escolas socráticas-
menores (que retinham do ensino de Sócrates apenas um aspeto parcial: Os cínicos: fundada por
Antístenes, ilustrados por Diógenes, cujas lições de independência inspiraram o estoicismo. Os
cirenaicos, fundada em Cirene por Aristipo, cujo hedonismo se refletiu no epicurismo. Os megáricos,
fundada por Euclides de Mégara, cuja dialética “heristica” gerou o ceticismo.
3. Estoicismo
Movimento filosófico que nasceu em Atenas e cujo nome deriva do local em que Zenão de Citio
(Chipre, 336-264 aC), o seu fundador, instalou a despectiva escola: stoà poikile, quer dizer, o "Pórtico
das pinturas". O estoicismo teve início por volta do ano 300 a.C. e prolongou-se até ao seculo II d.C.
A história do estoicismo é feita de muitas variantes doutrinais. Foi um movimento que reuniu um
grande número de espíritos superiores, e teve um enorme sucesso no mundo romano. Tal como para os
filósofos cínicos, com quem se relaciona este movimento - Zenão de Citio recebeu as lições de Crates da
escola cínica -, o homem e o centro da problemática estoica, sobretudo no que diz respeito à moral.
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O estoicismo é a moral do esforço ou da tensão, necessária para atingir a felicidade suprema
(ataraxia), colocada exclusivamente no tipo de vida segundo a natureza racional. Procura a
felicidade no bem especificamente humano, pois é a razão que distingue o homem dos animais.
Vê a natureza como composta de dois princípios, dos quais um é ativo e outro e passivo, um é a
matéria e outro é a razão, o Logos, que identifica com Deus; mesmo deus é material, embora subtil. É
este último princípio que, ao misturar-se com a matéria grosseira que constitui o corpo, o ordena, agindo
como um artífice e presidindo ao destino que esta ditado previamente. Dos quatro elementos naturais
(fogo, ar, água e terra), o fogo é o princípio ativo. O estoicismo defende a ideia de que o universo
decorre temporalmente por ciclos que se repetem, quando os astros regressam as suas posições
primordiais; cada ciclo é chamado grande ano. A autossuficiência e o objetivo supremo do estoicismo,
que assume como lema o adagio ascetico sustine et abstine, suporta e renuncia. Cada ser deve viver
com a sua própria natureza, logo, ao homem, que se caracteriza por ser eminentemente racional, cabe
viver de acordo com a virtude para atingir o objetivo máximo: a felicidade. Para alcançar este fim,
o sábio deve renunciar as suas paixões; a esta renúncia chamam os estoicos ataraxia ou apatia. O
cristianismo recebeu uma grande influência do estoicismo; os mestres do cristianismo recomendavam a
leitura dos grandes estoicos e aceitavam a sua doutrina como uma manifestação do Verbo antes da vinda
de Cristo, tal como, aliás, aceitavam do mesmo modo o pensamento quer de Platão, quer de Aristóteles.
4. Epicurismo
Doutrina filosófica fundada por Epicuro em Atenas por volta do ano 307 a.C. e que durou ate ao
seculo V d.C., tendo sido retomada no seculo XVI por Gassendi, entre outros.
O epicurismo estava sobretudo preocupado com a vivência prática - a vida comunitária e a prática
da virtude - mais do que com a justificação teórica; tratava de seguir dogmaticamente as posições
fundamentais do seu primeiro mestre no que diz respeito à ética, à gnosiologia, à física e à cosmologia. O
ponto central em torno do qual todos os outros se ordenam e a ética; neste âmbito, Epicuro defendia
que o homem deve procurar a felicidade e que a encontra em duas formas de prazer: o perene e o
que esta sujeita a alteração. É, portanto, um defensor do hedonismo ético e moral, doutrina que jamais
deixou de exercer uma forte atração nos filósofos posteriores. O prazer é o equivalente à ausência de dor,
sendo, portanto, esse o objetivo supremo do homem. A dor física é a mais fácil de eliminar, pois
normalmente, pensava Epicuro, tem pouca duração; já a dor moral ou espiritual e mais difícil de dominar,
pois está enraizada no homem e nem sempre se lhe conhecem as causas. É aqui que entra a sua teoria
do conhecimento, pois para conhecer as causas do sofrimento moral ou espiritual há que procurar a
verdade e deixar para trás as opiniões falsas. É neste sentido que Epicuro procura explicar que as
perceções, materiais ou espirituais, são sempre verdadeiras, o juízo que formamos acerca delas e que pode
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não o ser. A busca da felicidade culminaria num estado tal que o homem se tornaria livre,
independente das sujeições ao mundo, aos seus sofrimentos e, sobretudo, aos medos que o dominam
irracionalmente, como seja o medo a morte.
5. Ceticismo
Mais ainda do que o materialismo, o ceticismo é um claro sinal de decadência: indica a lassidão da
inteligência face as especulações abstratas e as controvérsias. O fundador foi Pirro (365-275 a.C.);
com ele o ceticismo tomou a sua forma mais universal – o pirronismo. É uma doutrina que, admitindo
a existência de certezas como um facto subjetivo, declara que é indemonstrável o valor objetivo de
todo o juízo especulativo e ensina, por consequência, a impossibilidade de obter, em sentido
próprio, uma certeza infalivelmente verdadeira.
6. O neoplatonismo tardio
No decurso da filosofia helenística, este período corresponde a última expressão da filosofia na
antiguidade (referido acima como o período místico do helenismo). Assinala-se, nesta época, o
desenvolvimento do gnosticismo e a recuperação do neoplatonismo. É também a fase de um certo
ecletismo, com a recuperação de noções centrais do pensamento anterior, especialmente, as noções
de incorpóreo, transcendência, Deus. Na sua manifestação mais tardia, esta época acolhe o então
pensamento emergente, de inspiração cristã. A patrística ocupara os primeiros séculos do
cristianismo e centrar-se-á na defesa da fé (apologética) face ao pensamento pagão e as novas
heresias. Ganha relevo a questão da relação entre a Filosofia e a Revelação, a racionalidade da fé, a
criação…
Entre os seus representantes destacam-se S. Agostinho (354-430), o primeiro filósofo cristão capaz de
criar um sistema filosófico próprio, ainda que com muitos elementos platónicos. E Boecio (480-525),
designado o “ultimo romano”, o pensador que - segundo alguns historiadores da filosofia encerra a
filosofia antiga.
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