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DO MITO AO LOGOS: O NASCIMENTO DA FILOSOFIA E A NOVA CONCEPÇÃO


DE JUSTIÇA E DE DIREITO NA GRÉCIA ANTIGA

1 – INTRODUÇÃO:

 A primeira grande sistematização do pensamento filosófico aconteceu na Grécia Antiga.


 Grande parte do referencial teórico e prático do ocidente foi criado pela filosofia antiga.
 O mesmo acontece com referência às questões do direito e da justiça.
 O apogeu do pensamento filosófico grego aconteceu com Sócrates (470 – 399 a.C.),
Platão (428 – 367 a.C.) e Aristóteles (384 – 322 a.C.)
 Até chegar a esse apogeu houve um conjunto de mudanças históricas, sociais,
econômicas, políticas e culturais que criou as condições para o aparecimento e
desenvolvimento do pensamento filosófico.
 O pensamento filosófico cria as condições para uma concepção de direito e justiça
diferente da concepção mitológica.

2- A ORIGEM DA FILOSOFIA: DO MITO AO LOGOS

2.1 – O MITO PARA OS GREGOS

 Mythos (contar, narrar alguma coisa para alguém.


 O mito é uma narração sagrada: poeta-rapsodo (poeta cantor):
 Conteúdo dos mitos gregos: as chamadas cosmogonias (explicação da origem do
Cosmos) e teogonias (narrativa da origem dos deuses)
 Entre os séculos XII a VII a.C., a cultura grega se desenvolveu sob explicações baseadas
nos poetas Homero (Ilíada e Odisséia) e Hesíodo (Teogonia e Os trabalhos e os dias).
 Neles os gregos encontraram explicações para tudo que existe: a existência do Cosmo, da
Natureza, do homem e da sociedade. Tudo é atribuído a intervenções e arranjos entre as
divindades que interferiam no mundo dos humanos para presenteá-los ou castigá-los.

2.2 - AS DIFERENÇAS ENTE A EXPLICAÇÃO MITOLÓGIA E A FILOSÓFICA DA


REALIDADE:
 O mito narra como as coisas eram no passado longínquo e como são no presente; a
filosofia procurar explicar como ou porque as coisas são como são no passado, no
presente e no futuro;
 O mito narra a origem das coisas por genealogias, rivalidades ou alianças entre forças
divinas personalizadas; a filosofia busca explicar a origem natural das coisas por
elementos e causas naturais e impessoais;
 O mito não se importa com as contradições nas narrativas, já que há uma crença na
autoridade que narra; a filosofia não admite contradição, ela busca uma explicação
lógica, coerente e racional; a autoridade não está no filósofo narrador, mas na força
argumentativa do Logos, que é comum a todos os homens.

2.3 - O NASCIMENTO DA FILOSOFIA:


 Os historiadores concordam que a filosofia nasceu na Grécia, no final do século VII e
início do século VI a.C., na cidade de Mileto, na Jônia, colônia grega da Ásia Menor (na
atual Turquia).
 Concordam também que o primeiro filósofo foi Tales de Mileto (625 – 545 a.C.)
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 Como conteúdo, a primeira preocupação foi uma cosmologia: busca racional para
explicar a organização do Cosmo ou da Natureza, isto é, a busca de um Arché
(princípio originário que explicasse a ordem do Cosmo.

2.4 - ORIGEM DA PALAVRA FILOSOFIA:


 PHILO (PHILIA ( amizade, amor fraterno, respeito, e
SOPHIA ( que deriva de SOPHON (que significa sabedoria.
 Filósofo (é aquele que ama a sabedoria, que busca, que deseja e saber.
 Filosofia (indica o sentimento de uma pessoa que ama a sabedoria,
que deseja incessantemente, que procura e respeita o saber.
 Esse sentimento nasceu na Grécia do século VI a.C. e a criação desse vocábulo foi
atribuída a Pitágoras (séc. V a.C.) que afirmou, ao ser indagado sobre a sua atividade
profissional, que ele era “amante da sabedoria”.
 Outros povos também desenvolveram formas de explicações da Natureza e do próprio
homem.
 A forma de pensar e de exprimir dos gregos é totalmente diferente de todos os outros
povos.
 Devido a essas diferenças, deve se falar de uma sabedoria chinesa, hindu, egípcia, árabe,
americana, etc. Mas não de uma Filosofia, que só pode ser atribuída aos gregos.

2.5 - CONDIÇÕES PARA O SURGIMENTO DA FILOSOFIA NA GRÉCIA:


 A desmistificação do mundo: as viagens marítimas romperam com as explicações
mitológicas sobre a ocupação de alguns lugares, o que mostrou que o mito não explicava
tudo;
 A criação da moeda: que permitiu uma troca abstrata, feita por meio de cálculos do valor
das coisas e não mais por objetos trocados por semelhança;
 A ausência de uma casta sacerdotal forte: na Grécia, a religião não se desenvolveu
como em outras regiões do mundo antigo, o que não permitiu o aparecimento de uma
casta forte de sacerdotes que monopolizasse o saber e o poder;
 O crescimento da vida urbana na Pólis: que permitiu o aparecimento de uma classe de
comerciantes interessada em suprimir o velho poderio da aristocracia da terra e do
sangue; essa nova classe patrocinou e estimulou as artes, as técnicas e o conhecimento;
 A invenção da política: os gregos criam a ideia de lei como expressão de uma vontade
coletiva baseada na escolha livre do que é melhor para si; surge um espaço público
destinado aos debates, onde a palavra ou discurso assume o lugar dos mitos para decidir o
que é melhor para a cidade; nesse espaço, o discurso político deve ser convincente para
valer a vontade de quem o apresenta baseado na ação de um deus protetor.

2.6 - OS PERÍODOS DA FILOSOFIA GREGA:

 Período pré-socrático ou físico-cosmológico (VI a.C.): corresponde ao período em que a


Filosofia nasce e se desenvolve em torno da pergunta sobre a origem e as causas das
transformações do Cosmos;
 Período Clássico ou Antropológico (V a.C.): quando a preocupação da filosofia deixar de
ser com a Natureza e passa a preocupar-se com o homem na Pólis, com a ética, com a
política e com as técnicas;
 Período sistemático (IV a.C.): quando os filósofos como Platão e Aristóteles procuraram
reunir e sintetizar tudo que tinha sido pensado até então, mostrando que tudo podia ser
objeto do conhecimento filosófico;
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 Período Helenístico ou Imperial (III a.C. III d.C.): quando a Grécia passa por uma grande
transformação com a instauração do Império Macedônico e centro filosófico deixa de ser
Atenas, passando para Alexandria, sendo, mais tarde, absorvida pelos romanos e
influenciada pelo cristianismo; a preocupação central desse período é com uma ética
individualista e na relação do homem com a natureza.

3 – A FILOSOFIA E A NOVO CONCEPÇÃO DE DIREITO E JUSTIÇA NA GRÉCIA


ANTIGA

3.1 - O DIREITO E A JUSTIÇA COMO DOMÍNIO DO LOGOS HUMANO.

 Até o século VII a.C. a coesão social para os gregos era determinada pela crença
religiosa.
 A lei era determinada pela deusa Themis (Esposa de Zeus e Filha de Uranos e Gaia):
aquela que dá as normas corretas para fundar a ordem social (a ordem do direito).
 O cumprimento da lei era atribuído a deusa Diké (Filha de Themis e Zeus): deusa da
justiça (voz contra o autoritarismo) como se deve cumprir a lei (Direito) garantindo a
cada um o que os deuses lhes deram.
 As pessoas ou classes protegidas por essas deusas tinham garantidos seus direitos e a
justiça para eles era certa.
 Diké tinha duas irmãs: Eirene (Paz) e Eunomia (Ordem).
 São opositoras de Diké: Iris (Conflito), Bia (Força) e Hybris (Excesso).
 Direito e justiça eram desígnios divinos e não vontade dos homens
 Com o advento da Pólis e da filosofia (sec. VI a.C.) direito e justiça tornam-se domínios
dos homens.
 Substituição do discurso mítico-poético pelo discurso lógico (logos).
 Discurso mítico: divino, aceito sem demonstração e com autoridade absoluta.
 Discurso lógico: palavra laicizada, necessidade de demonstração e pode se contestado.
 Com o fortalecimento da Assembleia (Eklesia) todos os cidadãos ganham o direito de
falar e defender sua opinião.
 Todos debatem e escolhem pelo voto a lei mais adequada.
 O Logos (o argumento) torna-se autoridade.
 A Pólis e a Assembleia tornam-se espaço do Direito e da Justiça como convenção das
ações humanas.
 Surgem os termos: Isegoria (direito de falar), Isonomia (igualdade de direitos), autonomia
(direito de agir por si).
 A democracia e a filosofia são irmãs siamesas.

3.2 - OS PRINCIPAIS FILÓSOFOS PRÉ-SOCRÁTICOS

 Tales de Mileto (623 – 546 a.C.) – o princípio de tudo é a água


 Anaximandro de Mileto (610 – 547 a.C.) – o princípio é o ápeiron
(indeterminado/infinito)
 Anaxímenes de Mileto (588 – 524 a.C.) - o princípio é o pneuma (ar) invisível e
observável.
 Pitágoras de Samos (570 – 490 a.C.) – o princípio é a ordem e a constância dos números
(Finito/Infinito – Par/Impar – unidade/multiplicidade – reta/curva – Círculo/Quadrado...)
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 Heráclito de Éfeso (545 – 485 a.C.) – filósofos da mutabilidade (é impossível entrar duas
vezes no mesmo rio).
 Parmênides de Eléia (510 – 470 a.C.) – defende a permanência do ser/essência (nada
muda).
 Empédocles de Agrigento (490 – 430 a.C.) – há quatro elementos ou raízes primordiais
(água, terra, fogo e ar) que são unidos e misturados por dois princípios universais: philia
(amor) e neikos (ódio).
 Anaxágoras de Clazômenas (500 – 420 a.C.) – não existem quatro mais infinitos
elementos ou sementes semelhantes (homeomerias) que são misturadas pelo Nous (força
ou mente inteligente)
 Leucipo de Abdera (470 – 390 a.C.) e Demócrito de Abdera (460 – 357 a.C.) – toda a
realidade é composta por átomos (partícula indivisível) reunidos e separados ao acaso.

BIBLIOGRAFIA:

1 - ARANHA, Maria Lúcia de Arruda; MARTINS, Maria Helena Pires. Filosofando: introdução
à filosofia. 4ª ed. São Paulo: Moderna, 2009. p. 36 – 42.
2 - CHAUI, Marilena. Convite à filosofia. 4ª ed. São Paulo: Ática, 1995. p. 19 – 33.
3 - COTRIM, Gilberto. Fundamentos da Filosofia. 1ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 218 – 231
(se 14º ed. 1999, p. 141 – 155).
4 - BITTAR, Eduardo C.B; ALMEIDA, Guilherme Assi de.. Curso de filosofia do direito.
12ª ed. São Paulo: Atlas, 2016, p. 69 - 101.
5 - MASCARO, Alysson Leandro. Filosofia do Direito. 3ª ed. São Paulo: Atlas, 2013. p. 28 - 37.

Livros digitais (Saraiva)


RICARDO, Castilho. Filosofia do Direito. 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 37 – 52.

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