Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
A Filosofia grega
Marilena Chauí – A Filosofia grega?
Os quatro grandes períodos da Filosofia grega, nos quais seu conteúdo muda e se
enriquece, são:
2
Marilena Chauí – A Filosofia grega?
Ora, para conseguir que a sua opinião fosse aceita nas assembleias, o cidadão pre-
cisava saber falar e ser capaz de persuadir. Com isso, uma mudança profunda vai ocorrer
na educação grega.
O bom cidadão
Quando, porém, a democracia se instala e o poder vai sendo retirado dos aristo-
cratas, esse ideal educativo ou pedagógico também vai sendo substituído por outro. O
ideal da educação do Século de Péricles é a formação do cidadão. A Arete é a virtude cívica.
Ora, qual é o momento em que o cidadão mais aparece e mais exerce sua cidada-
nia? Quando opina, discute, delibera e vota nas assembleias. Assim, a nova educação es-
tabelece como padrão ideal a formação do bom orador, isto é, aquele que saiba falar em
público e persuadir os outros na política.
Para dar aos jovens essa educação, substituindo a educação antiga dos poetas, sur-
giram, na Grécia, os sofistas, que são os primeiros filósofos do período socrático. Os so-
fistas mais importantes foram: Protágoras de Abdera, Górgias de Leontini e Isócrates de
Atenas.
Que diziam e faziam os sofistas? Diziam que os ensinamentos dos filósofos cos-
mologistas estavam repletos de erros e contradições e que não tinham utilidade para a
vida da polis. Apresentavam-se como mestres de oratória ou de retórica, afirmando ser
possível ensinar aos jovens tal arte para que fossem bons cidadãos.
Que arte era esta? A arte da persuasão. Os sofistas ensinavam técnicas de persua-
são para os jovens, que aprendiam a defender a posição ou opinião A, depois a posição ou
opinião contrária, não-A, de modo que, numa assembleia, soubessem ter fortes argumen-
tos a favor ou contra uma opinião e ganhassem a discussão.
5
Marilena Chauí – A Filosofia grega?
pela verdade, defendendo qualquer ideia, se isso fosse vantajoso. Corrompiam o espírito
dos jovens, pois faziam o erro e a mentira valer tanto quanto a verdade.
Discordando dos antigos poetas, dos antigos filósofos e dos sofistas, o que propu-
nha Sócrates?
O retrato que a história da Filosofia possui de Sócrates foi traçado por seu mais
importante aluno e discípulo, o filósofo ateniense Platão.
O de um homem que andava pelas ruas e praças de Atenas, pelo mercado e pela
assembleia indagando a cada um: “Você sabe o que é isso que você está dizendo?”, “Você
sabe o que é isso em que você acredita?”, “Você acha que está conhecendo realmente
aquilo em que acredita, aquilo em que está pensando, aquilo que está dizendo?”, “Você
diz”, falava Sócrates, “que a coragem é importante, mas: o que é a coragem? Você acredita
que a justiça é importante, mas: o que é a justiça? Você diz que ama as coisas e as pessoas
6
Marilena Chauí – A Filosofia grega?
belas, mas o que é a beleza? Você crê que seus amigos são a melhor coisa que você tem,
mas: o que é a amizade?”
Sócrates fazia perguntas sobre as ideias, sobre os valores nos quais os gregos acre-
ditavam e que julgavam conhecer. Suas perguntas deixavam os interlocutores embaraça-
dos, irritados, curiosos, pois, quando tentavam responder ao célebre “o que é?”, desco-
briam, surpresos, que não sabiam responder e que nunca tinham pensado em suas cren-
ças, seus valores e suas ideias.
Mas o pior não era isso. O pior é que as pessoas esperavam que Sócrates respon-
desse por elas ou para elas, que soubesse as respostas às perguntas, como os sofistas pare-
ciam saber, mas Sócrates, para desconcerto geral, dizia: “Eu também não sei, por isso es-
tou perguntando ”. Donde a famosa expressão atribuída a ele: “Sei que nada sei”.
Sócrates procurava o conceito e não a mera opinião que temos de nós mesmos,
das coisas, das ideias e dos valores.
Qual a diferença entre uma opinião e um conceito? A opinião varia de pessoa para
pessoa, de lugar para lugar, de época para época. É instável, mutável, depende de cada um,
de seus gostos e preferências. O conceito, ao contrário, é uma verdade intemporal, uni-
versal e necessária que o pensamento descobre, mostrando que é a essência universal,
intemporal e necessária de alguma coisa.
Por isso, Sócrates não perguntava se tal ou qual coisa era bela – pois nossa opinião
sobre ela pode variar – e sim: O que é a beleza? Qual é a essência ou o conceito do belo,
do justo, do amor, da amizade?
Sócrates perguntava: “Que razões rigorosas você possui para dizer o que diz e para
pensar o que pensa? Qual é o fundamento racional daquilo que você fala e pensa?”.
7
Marilena Chauí – A Filosofia grega?
As ideias de Sócrates
Sabemos que os poderosos têm medo do pensamento, pois o poder é mais forte se
ninguém pensar, se todo mundo aceitar as coisas como elas são, ou melhor, como nos
dizem e nos fazem acreditar que elas são. Para os poderosos de Atenas, Sócrates tornara-
se um perigo, pois fazia a juventude pensar. Por isso, eles o acusaram de desrespeitar os
deuses, corromper os jovens e violar as leis. Levado perante a assembleia, Sócrates não se
defendeu e foi condenado a tomar um veneno – a cicuta – e obrigado a suicidar-se.
Por que Sócrates não se defendeu? “Porque ”, dizia ele, “se eu me defender, estarei
aceitando as acusações, e eu não as aceito. Se eu me defender, o que os juízes vão exigir
de mim? Que eu pare de filosofar. Mas eu prefiro a morte a ter que renunciar à Filosofia”.
O julgamento e a morte de Sócrates são narrados por Platão numa obra intitulada
Apologia de Sócrates, isto é, a defesa de Sócrates, feita por seus discípulos, contra Atenas.
8
Marilena Chauí – A Filosofia grega?
dade, isto é, o pensamento deve oferecer a si mesmo caminhos próprios, critérios pró-
prios e meios próprios para saber o que é o verdadeiro e como alcançá-lo em tudo o
que investiguemos.
• A Filosofia está voltada para a definição das virtudes morais e das virtudes políticas,
tendo como objeto central de suas investigações a moral e a política, isto é, as ideias e
práticas que norteiam os comportamentos dos seres humanos, tanto como indivíduos
quanto como cidadãos.
• Cabe à Filosofia, portanto, encontrar a definição, o conceito ou a essência dessas vir-
tudes, para além da variedade das opiniões, para além da multiplicidade das opiniões
contrárias e diferentes. As perguntas filosóficas se referem, assim, a valores como a
justiça, a coragem, a amizade, a piedade, o amor, a beleza, a temperança, a prudência
etc., que constituem os ideais do sábio e do verdadeiro cidadão.
• É feita, pela primeira vez, uma separação radical entre, de um lado a opinião e as ima-
gens das coisas, trazidas pelos nossos órgãos dos sentidos, nossos hábitos, pelas tradi-
ções, pelos interesses, e, de outro lado, as ideias. As ideias se referem à essência íntima,
invisível, verdadeira das coisas e só podem ser alcançadas pelo pensamento puro, que
afasta os dados sensoriais, os hábitos recebidos, os preconceitos, as opiniões.
• A reflexão e o trabalho do pensamento são tomados como uma purificação intelec-
tual, que permite ao espírito humano conhecer a verdade invisível, imutável, universal
e necessária.
• A opinião, as percepções e imagens sensoriais são consideradas falsas, mentirosas,
mutáveis, inconsistentes, contraditórias, devendo ser abandonadas para que o pensa-
mento siga seu caminho próprio no conhecimento verdadeiro.
• A diferença entre os sofistas, de um lado, e Sócrates e Platão, de outro, é dada pelo
fato de que os sofistas aceitam a validade das opiniões e das percepções sensoriais e
trabalham com elas para produzir argumentos de persuasão, enquanto Sócrates e Pla-
tão consideram as opiniões e as percepções sensoriais, ou imagens das coisas, como
fonte de erro, mentira e falsidade, formas imperfeitas do conhecimento que nunca
alcançam a verdade plena da realidade.
Nesse mito ou alegoria, Platão estabelece uma distinção decisiva para toda a his-
tória da filosofia e das ciências, qual seja, a diferença entre o sensível e o inteligível. O
sensível são as coisas materiais ou corpóreas cujo conhecimento nos é dado por meio do
nosso corpo na experiência sensorial ou dos órgãos do sentido e pela linguagem baseada
9
Marilena Chauí – A Filosofia grega?
nesses dados. O sensível nos dá imagens das coisas tal como nos aparecem e nos parecem,
sem alcançar a realidade ou a essência verdadeira delas. As imagens sensíveis formam a
mera opinião – doxa –, variável de pessoa para pessoa e variável numa mesma pessoa,
dependendo das circunstâncias.
Período sistemático
Este período tem como principal nome o filósofo Aristóteles de Estagira, discípulo
de Platão.
Cada saber, no campo que lhe é próprio, possui seu objeto específico, procedi-
mentos específicos para sua aquisição e exposição, formas próprias de demonstração e
prova. Cada campo do conhecimento é uma ciência (ciência, em grego, é episteme).
O estudo das formas gerais do pensamento, sem preocupação com seu conteúdo,
chama-se lógica, e Aristóteles foi o criador da lógica como instrumento do conhecimento
em qualquer campo do saber.
10
Marilena Chauí – A Filosofia grega?
A lógica não é uma ciência, mas o instrumento para a ciência e, por isso, na clas-
sificação das ciências feita por Aristóteles, a lógica não aparece, embora ela seja indispen-
sável para a Filosofia e, mais tarde, tenha se tornado um dos ramos específicos dela.
Período helenístico
Datam desse período quatro grandes sistemas cuja influência será sentida pelo
pensamento cristão, que começa a formar-se nessa época: estoicismo, epicurismo, ceti-
cismo e neoplatonismo.
11
Marilena Chauí – A Filosofia grega?
• Ciências práticas: ciências que estudam as práticas humanas enquanto ações que têm
nelas mesmas seu próprio fim, isto é, a finalidade da ação se realiza nela mesma, é o
próprio ato realizado. São elas: ética, em que a ação é realizada pela vontade guiada
pela razão para alcançar o bem do indivíduo, sendo este bem as virtudes morais (co-
ragem, generosidade, fidelidade, lealdade, clemência, prudência, amizade, justiça,
modéstia, honradez, temperança etc.); e política, em que a ação é realizada pela von-
tade guiada pela razão para ter como fim o bem da comunidade ou o bem comum.
Para Aristóteles, como para todo grego da época clássica, a política é superior à ética,
pois a verdadeira liberdade, sem a qual não pode haver vida virtuosa, só é conseguida
na polis. Por isso, a finalidade da política é a vida justa, a vida boa e bela, a vida livre.
• Ciências teoréticas, contemplativas ou teóricas: são aquelas que estudam coisas que
existem independentemente dos homens e de suas ações e que, não tendo sido feitas
pelos homens, só podem ser contempladas por eles. Theoria, em grego, significa con-
templação da verdade. O que são as coisas que existem por si mesmas e em si mesmas,
independentes de nossa ação fabricadora (técnica) e de nossa ação moral e política?
São as coisas da Natureza e as coisas divinas.
Aristóteles, aqui, classifica também por graus de superioridade as ciênciasteóricas,
indo da mais inferior à superior:
1. ciência das coisas naturais submetidas à mudança ou ao devir: física, biologia,
meteorologia, psicologia (pois a alma, que em grego se diz psychê, é um ser natural,
existindo de formas variadas em todos os seres vivos, plantas, animais e homens);
2. ciência das coisas naturais que não estão submetidas à mudança ou ao devir: as
matemáticas e a astronomia (os gregos julgavam que os astros eram eternos e imu-
táveis);
3. ciência da realidade pura, que não é nem natural mutável, nem natural imutável,
nem resultado da ação humana, nem resultado da fabricação humana. Trata-se
12
Marilena Chauí – A Filosofia grega?
daquilo que deve haver em toda e qualquer realidade, seja ela natural, matemática,
ética, política ou técnica, para ser realidade. É o que Aristóteles chama de ser ou
substância de tudo o que existe. A ciência teórica que estuda o puro ser chama-se
metafísica;
4. ciência teórica das coisas divinas que são a causa e a finalidade de tudo o que
existe na Natureza e no homem. Vimos que as coisas divinas são chamadas de
theion e, por isso, esta última ciência chama-se teologia.
A Filosofia, para Aristóteles, encontra seu ponto mais alto na metafísica e na teo-
logia, de onde derivam todos os outros conhecimentos.
A herança Aristotélica
13
Marilena Chauí – A Filosofia grega?
Questões
14