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RESUMO

Edgar Morin nasceu em 1921 na cidade de Paris, França. Formou-se em História,


mas acabou por se dedicar à Filosofia,Sociologia e Epistemologia. Entre outras atividades é
Diretor do Centro Nacional de Pesquisa Científica, fundador do Centro de Estudos
Transdisciplinares da Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais de Paris. A sua filosofia
procura dar resposta às grandes questões do nosso tempo, através de uma visão integrada e
transdisciplinar do conhecimento.
No segundo capítulo de seu livro intitulado “O Método - 1. A Natureza da
Natureza” (Porto Alegre, 2005), Morin descreve e explica a trajetória evolutiva do paradigma
da simplicidade rumo ao paradigma da complexidade, propondo uma nova epistemologia,
através do reconhecimento da existência e desenvolvimento do conceito de organização.
Segundo o autor, a ciência clássica se estabeleceu sob o signo da objetividade,
onde objetos fenomenais são concebidos como compostos ou misturas de elementos
primários que detêm suas propriedades fundamentais e sujeitos a leis universais, excluindo-
se assim todas as referências ao observador e ao ambiente nas suas definições. Ou seja, fazia-
se reducionismo. No início do século XX, no entanto, a descoberta de que o átomo não era
mais uma unidade básica, indivisível e irredutível, mas sim um sistema de partículas em
interações mútuas que só podem ser definidas em termos dessas interações, trouxe a idéia de
que sendo o átomo a “textura do universo físico” um objeto organizado, o próprio universo
físico, constituído por átomos era então um universo de sistemas complexos. Essa descoberta
do domínio da física surgiu também em outros campos, como a astrofísica, a biologia e a
sociologia. E assim, o sistema tomou o lugar do objeto simples, redutível e auto-suficiente,
uma vez que a própria vida pôde ser definida como um sistema de sistemas, e a Natureza
como um fenômeno caracterizado pela solidariedade de sistemas embaralhados edificando-
se uns sobre os outros, pelos outros, com os outros e contra os outros.
Apesar do fenômeno-sistema aparecer atualmente em quase todos os campos do
saber, nenhum deles dava uma explicação da relação existente entre todos os conceitos de
sistema, ou seja, ainda não se tinha sido capaz de chegar satisfatoriamente à noção do que é
um sistema. Morin propõe então a seguinte definição: “pode-se conceber o sistema como
uma unidade global organizada de inter-relações entre elementos, ações ou indivíduos”. Essa
definição abarca o importante conceito de organização, até então deixado de lado em favor
das idéias de totalidade e de inter-relação. Para o autor, a organização vincula de maneira
inter-relacional os elementos que a partir dessa ligação compõem um todo (sistema) e além
disso, assegura a solidariedade e solidez das ligações feitas contribuindo para a duração do
sistema ao longo do tempo frente às perturbações que surgem.
Os sistemas, de acordo com Morin, possuem algo mais do que seus componentes
considerados de maneira isolada ou justapostos: sua organização, a própria unidade global (o
todo), e as qualidades e propriedades novas emergindo da organização e da unidade global.
O que surge de novo nessa colocação são essas propriedades ou qualidades novas com
relação às qualidades ou propriedades dos componentes do sistema – as emergências. Essas
emergências não surgem somente no plano global do sistema, mas também no plano dos
componentes, que apresentam às vezes qualidades que só aparecem quando essas partes estão
sob efeito da organização do todo. As emergências são qualidades fenomenais do sistema
logicamente indedutíveis e fisicamente irredutíveis que constituem o sinal e o índice de uma
realidade exterior ao nosso entendimento – real porque resiste ao discurso da lógica.
Por um lado, a noção de emergência nos traz um todo maior que a soma de suas
partes, por outro um todo menor que essa soma. Isso pode ser explicado pelo fato de que toda
relação organizacional exerce restrições ou imposições sobre os elementos ou as partes que
lhe são submetidas. Estas imposições ou restrições fazem com que certas qualidades ou
propriedades das partes sejam inibidas ou perdidas, de forma que o desenvolvimento de
certos sistemas pode se dar ao custo do subdesenvolvimento das possibilidades que ali estão
contidas (emergências, por exemplo) e o todo é, nesse sentido, menor do que a soma de suas
partes.
Todo sistema é ao mesmo tempo um e múltiplo nas partes que o compõem. No
entanto, mais que pela multiplicidade dessas partes, a riqueza de um sistema e das suas
emergências (próprias às unidades constitutivas globais) está relacionada aos
desenvolvimentos da diferença, diversidade e da individualidade internas dentro desse
sistema. Quanto maiores esses desenvolvimentos, maior sua complexidade. Para que não haja
risco de dispersão, ou seja, de rompimento da organização, as partes são organizadas de
maneira complementar na constituição do todo. Essa organização complementar, no entanto,
é inseparável de imposições ou repressões que “virtualizam” ou inibem propriedades que se
tivessem expressão iriam contra a organização e ameaçariam a integridade do sistema, os
chamados antagonismos.
Há dois tipos de antagonismo: o virtual e o ativo. O antagonismo virtualizado é a
expressão da superação das inter-relações estáveis sobre as forças dissociativas do sistema,
que são mantidas ainda depois de superadas e neutralizadas pelas forças que promovem sua
‘estabilidade’. Já nos sistemas onde se dão antagonismos ativos, a regulação pode ser
concebida como um acoplamento de antagonismos nos quais a ativação de um potencial
antiorganizacional desencadeia o seu rival, que se reabsorve quando a ação
antiorganizacional se reabsorve. Apesar de todo esse mecanismo, os sistemas estão sujeitos
a crises. Toda crise, seja qual for sua origem, se traduz por uma falha na regulação, ou seja,
no controle de antagonismos. Quando há crise, a única possibilidade de lutar contra a
desintegração é agir ativamente ( por exemplo, se alimentar de energia no exterior), o que
leva sistemas não-ativos a evoluírem definitivamente para a desorganização - já que não
podem se alimentar de energia no exterior para compensar a degradação energética
organizacional que sofreram na crise, nem de organizações restauradoras. Assim, todo
sistema é desde o seu nascimento condenado à morte.
Mais adiante Morin faz uma crítica ao holismo, que, acreditando superar o
reducionismo, gerou uma redução ao todo. Tal redução é fonte de “cegueira sobre as partes
enquanto partes”, bem como da “mipoia sobre a organização enquanto organização”, e
conseqüentemente de sua “ignorância da complexidade no interior da unidade global”. O
autor diz que, ao contrário do que concebe o holismo, o todo é muito mais que o todo, no que
se refere à existência de qualidades emergentes que surgem da organização do todo e que
podem retroagir sobre as partes; e o todo é também menos que o todo (a soma das partes),
pois as partes têm qualidades que são inibidas pela organização global. Os efeitos das
imposições organizacionais sobre o sistema terminam por gerar um “submundo” onde reinam
os elementos inibidos/virtualizados à parte, sem que haja comunicação com o todo
fenomenal, embora este possa controlar as ações e movimentos daqueles, mesmo ignorando
sua organização. Essa ignorância da totalidade sobre a organização do que é inibido,
juntamente com a gama de diversidade interna que ela abarca, gera cisões e conflitos que
podem levar o todo a se separar, e assim podemos compreendê-lo como fendido, fissurado,
incompleto. E além disso tudo, o todo pode ser considerado também como incerto, uma vez
que muito dificilmente se pode isolar e não se pode jamais verdadeiramente fechar um
sistema entre os outros aos quais ele se liga.
A respeito da organização, Morin coloca que ela liga (une entre si todas as
ligações), transforma, produz(dá forma, no espaço e no tempo a uma realidade nova a partir
da transformação dos elementos) e mantém (trabalha no sentido de consertar degradações
causadas pela própria organização, para garantir a existência, a forma e a identidade do todo)
um sistema. Esse processo é na verdade, um processo de ordenação da diversidade
desordenada para constituição e manutenção do sistema contra as desordens que se
encontram no interior mesmo do sistema. Assim, a ordem organizacional é uma ordem
relativa, frágil, perecível, mas também evolutiva e construtiva. A desordem, por sua vez, não
é apenas anterior (interações ao acaso)e posterior (desintegração) à organização, está presente
nela de maneira potencial e/ou ativa. A organização deve ser concebida como a organização
de sua própria organização, já que ela se encerra em si mesma e encerra o sistema com relação
ao seu meio ambiente. A idéia de encerrar o sistema com relação ao ambiente, e encerrar-se
em si mesmo pode ser concebida como fechamento organizacional. Tal fechamento, no
entanto, não significa bloqueio e sim um fechamento ativo que assegura uma abertura ativa
(para alimentar sua sobrevivência), que assegura o seu próprio fechamento.
Todo sistema físico é plenamente um ser do tempo, no tempo, que o tempo
destrói. No entanto, o tempo sistêmico não é apenas o que vai do nascimento até a dispersão,
é também o da evolução. O que é evolutivo no universo, o que se desenvolve, prolifera, se
complexifica é a organização. Um dos mecanismos que assegura a evolução da organização
é o princípio de seleção física, que mantém no sistema o que resiste às perturbações e
agressões exteriores de forma imperturbável, e também de forma adaptativa, integrando-as
ao sistema, proporcionando estabilidade e garantindo resistência frente ao acaso.
Mais adiante Morin discute no conceito de sistema, seu caráter de fenômeno ou
objeto físico percebido e concebido pelo espírito humano e assim, insere o observador ativo
na própria existência do físico. Segundo ele, sempre há na extração, no isolamento, na
definição de um sistema, algo de incerto ou arbitrário: sempre há decisão e escolha, o que
introduz no sistema a categoria do sujeito. O sujeito intervém na definição de sistema através
e por seus interesses, suas seleções e finalidades, ou seja, ele traz ao conceito de sistema, pela
sua determinação subjetiva, a superdeterminação cultural, social e antropológica.
Assim, o sistema ou unidade complexa organizada surge como um conceito-
piloto, resultando das interações entre uma observador/conceituador e o universo fenomenal.
Morin caracteriza o sistema como um conceito complexo de base, uma vez que ele não é
redutível a unidades elementares, a conceitos simples, nem a leis gerais e diz que seu
propósito, nessa nova concepção, não é empreender uma leitura sistêmica do universo; não
é recortar, classificar, hierarquizar os diferentes tipos de sistema, desde os sistemas físicos
até os sistemas homo. Seu propósito é mudar o olhar sobre todas as coisas, da física ao homo.
Não dissolver o ser, a existência, a vida no sistema, mas compreender o ser, a existência, a
vida com a ajuda, também, do sistema. É colocar a complexidade na base, a complexidade
no comando.

COMENTÁRIO

O modelo da ciência clássica herdou muito do pensamento de Descartes (séc.


XVII), e a idéia de fazer científico predominante ainda hoje, apesar de tudo, na maioria dos
campos do saber é aquela em que se deve tentar eliminar ao máximo a aparente
complexidade dos fenômenos a fim de revelar a ordem simples a que obedecem, através de
leis gerais. Essa idéia é a base de um paradigma que orientou desde os primeiros movimentos
a produção na ciência em geral, o paradigma da simplificação.
O paradigma simplificador, influenciado pelo pensamento descartiano, é
constituído metodologicamente por alguns princípios-chave: os de disjunção, de redução e
de abstração (Morin, 1990). O primeiro princípio vem da separação total estabelecida por
Descartes do sujeito (que pensa) e do objeto (a matéria, a coisa extensa); a redução ao
elementar, como se sabe, é finalidade tanto do método indutivo quanto do dedutivo da
ciência, e a abstração consiste em retirar um objeto de seu contexto e estudá-lo por si só.
O que Morin traz nesse texto se opõe radicalmente às idéias reducionistas e
simplificadoras da ciência clássica e subsidia uma nova concepção do homem para si mesmo
e de seu lugar no cosmos, o que, creio eu, ser uma das coisas mais importantes, se não a mais
importante, a ser depreendida dessa obra do autor.
A epistemologia da complexidade proposta por Morin promove uma mudança
radical do pensar e também fazer ciência, uma vez que a partir de sua construção “Não há
mais universo homogêneo e uniforme dos objetos vestido de preto. Há diversificação interna
e externa. Não há mais unidade simples, há unidade complexa. Ao objeto fechado se substitui
o sistema, ao mesmo tempo aberto e fechado. Ali onde estava fechado, ele se abre ao
ambiente, ao tempo, à evolução, ao observador. Ali onde ele estava vazio, ele se fecha
organizacionalmente. Fechado, ele mantém a sua autonomia; aberto, ele oferece sua
possibilidade de se comunicar e se transformar” (Morin, 2002). Dessa forma, o princípio de
disjunção do paradigma da simplicidade é contrariado, dentre outras coisas, pela abertura do
sistema ao ambiente, ao tempo, à evolução e principalmente ao observador : “O Uno se
tornou relativo com relação ao outro. Ele não pode ser definido apenas de maneira intrínseca.
Ele precisa, para emergir, de seu ambiente e seu observador” (Morin, 2002), como então
conceber categorias claras e distintas como o sujeito e o objeto? Já princípio da redução ao
simples e elementar na ciência não compete na complexidade porque “Todos os objetos
chave da física, da biologia, da sociologia, da astronomia, átomos, moléculas, células,
organismos, sociedades, astros, galáxias, constituem sistemas. Fora dos sistemas há apenas a
dispersão particular(...) Tudo o que era objeto tornou-se sistema. Tudo o que era até mesmo
uma unidade elementar, inclusive e sobretudo o átomo, virou sistema” (Morin, 2002). E por
último a abstração em ciência, de acordo com a complexidade, se torna impossível porque
“Não há mais forma-molde que esculpa a identidade do objeto do exterior. A idéia de forma
é conservada, mas transformada: a forma é a totalidade da unidade complexa organizada que
se manifesta fenomenalmente enquanto todo no tempo e no espaço; a forma Gestalt é o
produto de catástrofes, inter-relações/interações entre elementos, da organização interna, das
condições, pressões, imposições do meio ambiente.” (Morin, 2002). Como então amputar um
objeto de seu ambiente, de seu contexto de ocorrência e estudá-lo em um laboratório, sem
descaracterizá-lo como tal? Muitas das argumentações acima citadas servem também para
desacreditar, mais uma vez, do mito da neutralidade científica, mas isso não será
pormenorizado.
Por isso e por tudo, fazer ciência complexa é, inclusive, não fazer ciência clássica.
O que não significa, de acordo com Lobo (2002) que o reducionismo e a simplificação
possam ser eliminados do contexto científico ou que não tenham lugar e utilidade. Não há
ciência que esgote as possibilidades do real, não há conhecimento absoluto ou que atinja a
totalidade sem erro ou recuo. Não há dúvida também que o uso do paradigma nascido com
Descartes no século XVII propiciou, como reconhecem os novos epistemólogos, grandes
progressos do conhecimento científico e do pensamento filosófico. Postular uma nova
racionalidade na ciência significa sugerir uma maior consciência daquilo que o paradigma de
cientificidade nega, mutila, não enxerga ou reduz.
Quanto à nova concepção de homem, de sua função, seu papel na constituição do
todo, segundo Morin (2002), sempre há decisão e escolha na definição, na extração ou no
isolamento de um sistema, o que introduz no conceito de sistema a categoria do sujeito. “O
sujeito intervém na definição de sistema através e por seus interesses, suas seleções e
finalidades, ou seja, ele traz ao conceito de sistema, pela sua determinação subjetiva, a
superdeterminação cultural, social e antropológica” (Morin,2002). Assim, o novo conceito
de objeto científico, o sistema, abre caminho para a inserção de uma dimensão mental em
sua constituição, além da física, de uma dimensão subjetiva até então condenada na ciência
dominante. A forma como essa transformação no âmbito científico pode modificar a visão
do homem de si mesmo é, num primeiro momento, da forma como qualquer posição
científica prevalente sempre influenciou uma determinada coorte da população em
determinado contexto no modo de perceber as coisas do mundo, uma vez que infeliz ou
felizmente, a cientificidade formal é tomada como oráculo de verdades supremas pelo senso
comum e determina o que é e o que não é. Assim, caso a complexidade conquiste o status de
modo de pensar científico dominante, ela provavelmente se tornará, também, a provedora do
saber e estabelecerá, como conseqüência lógica, novos pontos de vista do homem sobre si
mesmo.
Num segundo momento, então, “Por esta via sistêmica, o observador, excluído
da ciência clássica, e o sujeito, enucleado e jogado no lixo da metafísica, voltam ao próprio
coração da physis. Daí tal idéia cujos rastros seguiremos: não há mais physis isolada do
homem, ou melhor, isolável de seu entendimento, de sua lógica, de sua cultura, de sua
sociedade. Não há mais objeto totalmente independente do sujeito. (...) A noção de sistema
assim entendida conduz o sujeito não apenas a verificar a observação, mas a integrar a auto-
observação ao sistema.” (Morin, 2002). É aí que entra a mudança de fato da concepção do
homem como tal. Ela é intrínseca ao processo de conhecer-se como co-participante na
constituição e manutenção do mundo físico, e ao reconhecimento da responsabilidade de
agente, à auto-consciência da organização e da retroação desse processo organizacional sobre
a subjetividade.
Já o restante, a “...busca de articulação, secreta e extraordinária, entre a
organização do conhecimento e o conhecimento da organização” (Morin, 2002), é melhor
deixar para quem criou, entende muito e vive do assunto.

BIBLIOGRAFIA

MORIN, E. O método 1: a natureza da natureza. 2.ed. Porto Alegre: Sulina,2003.


LOBO, R. (2002, 1º semestre).Psicanálise e epistemologia: uma abordagem para o
século XXI.Revista IDE. V. 35.

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