Você está na página 1de 15

PRÉ-UNIVERSITÁRIO OFICINA DO SABER

DISCIPLINA: Humanidades PROFESSORES: Ana Carolina Rocha, Diogo Alchorne Brazão, Fabrício
Data: 2021 Sampaio

Filosofia: dos clássicos aos modernos

1. As origens do pensamento filosófico: do mythos ao logos

Os gregos representam os primeiros grupos humanos a desenvolver o pensamento filosófico, isto é, a


buscar uma explicação racional para a origem e o funcionamento do mundo e da totalidade que o engloba,
chamada pelos mesmos de cosmos.

O distanciamento da visão de que os deuses teriam participado da origem do mundo — cosmogonia — foi
um fator que contribuiu para a elaboração do caminho filosófico, pois, na impossibilidade de uma crença nas
divindades como força criadora e definidora do universo, houve uma busca por explicações materiais —
cosmologia. A origem de tal distanciamento situa-se na visão antropocêntrica de mundo que, de alguma forma,
já se expressava nos elementos míticos da cultura grega da fase homérica.

O antropocentrismo, neste aspecto, foi essencial para que os homens passassem a perseguir explicações
colhidas das observações naturais do cotidiano, e não mais das intervenções divinas de deuses, passo essencial
para a superação da religião e do mythos e para a incorporação do logos (razão) e da curiosidade natural quanto
ao funcionamento de tudo. A curiosidade que empurra o homem em direção às indagações: "Mas por que as
coisas são como são?" "Qual a razão para estarmos no mundo?" "Do que é feito e de onde veio o todo?"

"Deuses no Olimpo" (1794), por Domingos Sequeira. A mitologia na Antiguidade Clássica tinha uma função fundamental: a
explicação da realidade através das histórias dos deuses, que tinham feições e virtudes humanas. Os filósofos são os primeiros a
apresentar explicações racionais e não vinculadas à narrativa do mythos.
2. O pensamento socrático: da physis ao nomos
A capacidade de dialogar e argumentar apura o senso crítico dos gregos, sendo que parte considerável
destes passa a se questionar quanto aos eventos naturais ao seu redor e à própria existência, procurando uma
explicação física para a existência do mundo e de tudo o que existia nele, em constante e eterna transformação.
Entre os séculos VI e V a.C., surgiu o primeiro conjunto de pensadores que formulavam questões e respostas
sem recorrer aos deuses como causas geradoras e que procuravam na natureza essas mesmas causas. Estes
primeiros pensadores foram chamados de pré-socráticos.

Os pré-socráticos ou filósofos da Filósofo pré- Cidade-Estado Princípio


natureza procuravam explicações socrático (arché)
racionais acerca do surgimento do
universo e do funcionamento da natureza Tales Mileto Água
(physis). Dessa forma, através da
Anaximandro Mileto Apeíron
observação da realidade e da capacidade
(infinito)
reflexiva promovida pela filosofia, os pré-
socráticos almejavam encontrar o Anaxímenes Mileto Ar
princípio fundador (arché) do cosmos.
Inúmeros filósofos discorreram de Pitágoras Samos Números
distintas formas sobre o assunto,
Heráclito Éfeso Fogo,
propiciando um terreno fértil para o
opostos e
conhecimento filosófico.
movimento
Entre os séculos VI e V a.C., a
Parmênides Agrigento Ser
sociedade grega, impulsionada por Atenas,
passou por uma enorme transformação Demócrito Abdera Átomos
política e cultural conhecida como "Século
de Ouro" ou ainda "Século de Péricles", Relação de alguns dos filósofos da natureza. As interpretações sobre o
em referência a um dos mais importantes princípio do cosmos divergiam, como demonstrado na tabela, exprimindo
legisladores e cidadãos atenienses que foi a diversidade do pensamento grego já nos tempos iniciais da atividade
o responsável por desenvolver as artes e filosófica.
as atividades econômicas da cidade,
tornando-a um centro de referência às demais póleis gregas, e por trazer, na mesma medida, a insatisfação das
cidades-Estado diante da atitude arrogante e imperialista de Atenas logo após a superação do inimigo persa.

Dentro deste contexto atribulado, temos a consolidação e o aperfeiçoamento do modelo político conhecido
como democracia, em que os cidadãos (uma minoria da população, o demos) tornavam-se responsáveis por
gerir a coisa pública (res publica), reunindo-se e tomando a palavra na Ágora, espaço público reservado às
decisões que envolviam a pólis e à prática da política.

As transformações cada vez mais intensas nas cidades-Estado fizeram surgir a necessidade nos filósofos
de pensar sobre as ações humanas e questionar de forma mais aprofundada sobre a sua posição no mundo. É
a passagem da filosofia da physis para a filosofia do nomos (filosofia voltada às questões da atuação dos
homens no mundo). O filósofo que inaugura a filosofia do nomos é Sócrates. Seu aprendiz, Platão, foi o
responsável por narrar toda a filosofia socrática e perenizar a contribuição do filósofo através de seus escritos.
3. A filosofia de Platão
Platão viveu num período conturbado, entre 428 e 347 a.C., presenciando ainda novo a queda de Atenas
e, consequentemente, a deterioração do modelo democrático, tomado por interesses particulares e infestado
de oradores hábeis nos discursos, mas vazios em seus conteúdos, os sofistas. Desolado com a democracia
ateniense, ele guardou parte de sua vida a propor projetos de organização de outra cidade, Siracusa, não tendo
sucesso. Isso certamente o influenciou a considerar a democracia como a pior forma de governo, em favor da
melhor, a monarquia.

Discípulo de Sócrates, cuja execução reforça sua aversão pela democracia, dedicou-se a disseminar o
conhecimento filosófico através de sua Academia, primeira instituição a se erguer com o intuito de produzir,
preservar e gerar mais conhecimento entre um número cada vez maior de cidadãos.

“A morte de Sócrates” (1787), por Jacques-Louis David. Através do exercício do pensamento filosófico, Sócrates questionou as
estruturas sociais da cidade-Estado ateniense, se tornando uma figura contestadora e sendo condenado à morte no regime
democrático. A pintura representa seus momentos finais: ao optar pela morte por cicuta (oferecida por um de seus discípulos na
pintura), Sócrates opta por manter-se fiel à sua própria consciência e ao exercício de reflexão, eternizando sua contribuição
filosófica até o tempo presente.

Entretanto, Platão não foi meramente professor, educador e reprodutor do conhecimento; suas
contribuições foram muitas: também estudou a ética, a política (e as formas de governo), o amor, a morte, a
verdade, além de ter sido um dos principais responsáveis por preservar os ensinamentos de Sócrates. Com o
propósito de disseminar o conhecimento filosófico, a Academia de Platão era um local bem distinto das atuais
faculdades e universidades, sendo um local aberto a todos para dialogar e construir o conhecimento em busca
da verdade.

Suas ideias influenciaram vários filósofos posteriores, mantendo-se ainda hoje como um interessante
instrumento de análise filosófica. Podemos afirmar que Platão é um dos pilares do pensamento ocidental.

3.1. A teoria das ideias de Platão


Aprofundando os debates realizados por Sócrates em busca da verdade, a teoria do conhecimento
platônica reconhece a existência de dois mundos: o mundo inteligível (das ideias) e o mundo sensível (dos
sentidos). Dessa forma, como poderíamos chegar plenamente a essas verdades? Como se relacionam mundo
sensível e inteligível? Seria possível partir do mundo sensível para se atingir esse mundo inteligível?

Platão afirma que o mundo sensível é aquele que se encontra presente ao nosso redor, percebido por
nossos sentidos, que muitas vezes nos encoraja a tomar decisões equivocadas. Um bom exemplo é saltar de
uma queda d'água acreditando que a profundidade do lago adjacente seja exatamente aquela que lhe aparenta
a partir de sua visão de cima da queda d'água. A verdade apenas será descoberta quando você chegar ao fundo.

Em suma, não devemos confiar em nossos sentidos, pois eles estão constantemente nos enganando;
sendo isso verdade, como deixar de ser enganado? Como saber a verdade? Para Platão, alcançá-la só é possível
quando nos afastamos da realidade sensível, de seus símbolos e significados, quando percebemos que esta
nada mais é do que uma aparência imperfeita da verdade que, contraditoriamente, não pode ser tocada, mas
apenas compreendida. Nesse mundo intocável, residiria o mundo das ideias, o mundo inteligível.

Sendo duas esferas distintas, como ocorria sua interação? Para esta indagação, a resposta de Platão
funda-se plenamente nas ideias socráticas: a interação dos dois mundos se daria, então, por meio da alma.
Através da alma, o homem tem a capacidade de recobrar o conhecimento da verdade. Para tanto, tem de
enxergar além das aparências, o que não ocorre sem que haja auxílio externo, vindo da atuação do filósofo,
aquele que já conseguiu superar tal obstáculo e que tem como dever moral ajudar os outros a terem a mesma
percepção.

A maior parte das pessoas, no entanto, não se encontra preparada para conceber o mundo das ideias,
talvez porque a vivência prolongada no mundo sensível, que elas consideram o real, acaba por estabelecer
vícios que induzem à aceitação do ilusório, do aparente, como sendo a verdade. Platão usa o mito da caverna
para explicar a superação desta dificuldade.

Este mito descreve o seguinte: um grupo de homens se encontra preso em uma caverna, tendo passado
toda sua existência lá; para eles, a única realidade observável são as sombras que se alternam na parede da
caverna e que são formadas pela luz que vem do mundo de fora, o qual é desconhecido por esses homens.
Quando um deles consegue se libertar e abandonar a caverna, sua primeira reação é ter um choque, decorrente
da grande luminosidade, o que o incentiva a retornar para a escuridão da caverna. Entretanto, insistindo um
pouco mais, ele sai novamente até que seus olhos se acostumam com a luminosidade e podem observar o
mundo verdadeiro, notando que as sombras são apenas um pequeno vislumbre de uma quantidade imensa de
cores e formas.

Diante de tamanha beleza e diversidade, este homem é impelido a retornar à caverna para contar a
novidade a seus iguais; estes, revoltados com o que consideram um delírio, negam e tentam calar o esclarecido.

Esta parábola é um tanto quanto elucidativa, pois Platão vem nos alertar de que a busca da verdade é
penosa e exige esforços e sacrifícios igualmente penosos, mas a vida em posse da verdade aproxima o homem
da luz e da perfeição que, em suma, são o Bem — o verdadeiro o qual é o alicerce das ideias eternas e que é
identificado por Platão como o criador, o artesão primeiro, responsável pela constituição do mundo.
4. Aristóteles
Filipe, rei da Macedônia, foi o responsável pelo domínio das cidades gregas. Seu filho, Alexandre, deu
continuidade à expansão que havia iniciado. Esta situação de submissão e derrota pode ser considerada como
um dos fatores que contribuiu para a crise da pólis grega e dos seus modelos políticos. Este quadro influenciou
a visão política de Aristóteles, nascido em Estagira em 384 a.C. O Estagirita abandonou sua cidade natal para
se tornar discípulo de Platão em sua Academia entre os 18 e 38 anos de idade, tendo se tornado seu mais
importante aprendiz e crítico. Abandonou-a após a morte de seu mestre e veio a se tornar preceptor de
Alexandre Magno, mantendo relação conflituosa com o jovem conquistador. Fundou o Liceu, centro de
estudos que se propunha a investigar novas ideias acerca do homem e das coisas que moviam o mundo, uma
clara influência de Platão.

A produção filosófica no Liceu, como anotações de suas aulas e cursos, textos diversos e alguns poucos
diálogos, corresponde à maior parte da obra de Aristóteles que foi efetivamente salva e que permanece
acessível atualmente. A partir dela, percebemos o notável pensador e inesgotável curioso que era Aristóteles,
que se dedicou aos mais variados assuntos, como a biologia, a política, a ética etc.

Seu pensamento diferia significativamente da concepção platônica, principalmente quanto à afirmação


de que é possível se alcançar o conhecimento apenas no Mundo Inteligível, pois declarava ser possível
encontrar a verdade no Mundo Material. Este conflito marcou a filosofia antiga e teria uma influência
enorme durante todo o período medieval e início do período moderno, até o advento iluminista, sendo ainda
decisivo na concepção de ciência que temos hoje. Por esses motivos é que é tão importante a filosofia de
Aristóteles, daí a necessidade de nos aprofundarmos na riqueza de suas teorias.

4.1. A superação do idealismo platônico


Aristóteles ousou discordar de Platão quanto à origem e à produção do conhecimento. O Estagirita não
conseguia compreender a necessidade de existir um Mundo Inteligível semelhante ao Mundo Sensível em que
vivíamos para resolver os problemas relativos ao conhecimento, à busca da verdade.

Uma teoria do conhecimento deveria abarcar o Mundo Material e as transformações que indicavam a
existência do ser e das coisas e não deveria desvalorizar a natureza da transformação como se esta fosse
enganosa e remetesse apenas à aparência das coisas.

Dessa forma, embora influenciado por Platão, Aristóteles dedicou-se a buscar um instrumento mais
seguro para a constituição de uma ciência que fornecesse conhecimento confiável. Não era necessário, afinal,
um Mundo das Ideias para compreender o inteligível; este se encontraria presente na diversidade e
multiplicidade que é o mundo concreto.

Para a realização desse percurso rumo ao conhecimento, era necessário, então, estabelecer um rigoroso
raciocínio fundamentado em uma lógica formal. Daí a preocupação de Aristóteles com a constituição do
discurso e com a criação de um pensamento pautado na utilização da lógica matemática. É a raiz do
conhecimento experimental, que posteriormente se desenvolverá no conhecimento científico.
Análise de imagem – A Escola de Atenas

A famosa obra de Rafael Sanzio não é apenas um


marco do Renascimento cultural do século XV, mas
também revela a fonte de inspiração dos artistas
renascentistas, que está localizada na Grécia Antiga
e no pensamento filosófico do período.

Podemos observar o centro da obra onde se colocam


lado a lado Platão (à esquerda) e Aristóteles (à
direita). Os filósofos discutem entre si a questão do
conhecimento humano, em que, para destacar a
divergência entre ambos, Sanzio utilizar como
recurso artístico a posição das mãos que cada um
realiza ao caminhar: para Platão, a Verdade e o
conhecimento apenas podem ser compreendidos a
partir do Mundo das Ideias, indicado pelo filósofo
como estando acima de nossas cabeças, enquanto
que, para Aristóteles, ainda que concorde com a
existência do Inteligível, este se encontra na terra, e
não no céu, como desejava Platão, como pode-se ver
pela sua mão, que aponta para o plano.

5. A filosofia medieval: Agostinho e a patrística


A filosofia grega não influenciou somente a elite romana, mas acabou também por chamar a atenção
do cristianismo primitivo, que via a busca dos filósofos gregos pela sabedoria e pela verdade como uma
tentativa de antecipar a palavra de Cristo e a busca pela salvação.

Nesse aspecto, os primeiros cristãos deram contribuição significativa à esfera filosófica não só por
preservá-la, mas também por iniciar um diálogo com a fé na tentativa de compreender e explicar os dogmas
religiosos por meio do instrumental racional.

Nesse contexto nasceu Aurelius Agustinos, em Tagaste, Númidia, no norte da África, à época província
do Império Romano, em 354 da era cristã. Sua conversão ao cristianismo teria ocorrido apenas aos 32 anos de
idade, em 386 d.C., depois de uma revelação em que, angustiado, ouviu a voz do apóstolo Paulo de Tarso
indicando-lhe seus textos para leitura. Até àquela altura, o adulto que rechaçava todas as tentativas da mãe
para que lesse a Bíblia e se interessasse pelo credo cristão tinha, na verdade, posição completamente contrária
a essa religião, acreditando que os textos cristãos eram por demais pobres e que não possuíam a capacidade
de explicação dos textos gregos.

Tal discordância contribuiu para que Agostinho se tornasse professor de retórica, aproximando-se da
escola filosófica dos maniqueístas, que procuravam explicar a realidade a partir de uma visão dualista, em que
existiam apenas o Bem e o Mal; no entanto, afastou-se posteriormente desta corrente por considerá-la incapaz
de solucionar os problemas que se manifestavam à sua volta.

5.1. Uma explicação para o Mal: a filosofia platônica no cristianismo da Alta Idade
Média
Após abandonar e combater o maniqueísmo, Santo Agostinho passa a frequentar e a incorporar os
valores da Academia platônica, ainda que esta no século IV da era cristã possuísse características e
preocupações bem distintas daquelas iniciadas por Platão no século V a.C.
Agostinho acreditava que a metafísica existente em Platão e sua preocupação com a verdade
estivessem diretamente relacionadas aos valores cristãos, que também procuravam a verdade e a
iluminação, ainda que divinas.

Com isso, a dialética platônica e sua explicação para a realidade, pautada no mito da caverna, acabam
por se transformar em um dos principais instrumentos de manipulação do santo padre para provar seus
argumentos. A ideia central da filosofia agostiniana tinha como base a prevalência da fé em relação à razão.
A fé, nesse sentido, é fruto da Verdade divina.

Dentro do cristianismo e do catolicismo deste período, não podemos nos esquecer de que Deus é tudo
e Criador de tudo o que existe. Ele é a própria perfeição e tudo aquilo que foi criado a partir Dele tem,
também, de ser fruto desta perfeição. Então, como explicar um ser imperfeito como o homem? Como explicar
a existência do Mal se Deus é Bom e perfeito?

A resposta, como apontamos anteriormente, está relacionada à interpretação platônica da verdade


através do mito da caverna. A existência de um Mundo Sensível e de um Mundo das Ideias, base para a
existência do primeiro, aponta o caminho para a solução do problema agostiniano, como ele demonstra em
sua obra A cidade de Deus.

A verdade para Platão seria apenas concebível no Mundo das Ideias, e o Mundo Material seria uma
cópia imperfeita dele. Inspirado na dialética platônica, Santo Agostinho afirma ser Deus o criador da perfeição
das ideias divinas, o que não invalida a verdade extraída da razão humana, mas esta, como o homem, sendo
cópia imperfeita das ideias divinas, também é imperfeita, sendo fruto dos juízos de valores que os homens
fazem ao interpretar aquilo que seus sentidos captam.

O erro está em incluir um valor e tomar a sensação como verdade. O erro, portanto, existe e não foi
criado por Deus, mas é fruto dos valores que o homem adiciona à percepção que tem da criação divina.

Considerando essa afirmação verdadeira, decorre outra questão: como o homem, criado por Deus, pode
adquirir essa percepção equivocada da realidade? Santo Agostinho responde: por meio do livre-arbítrio, pois
o homem é livre para definir seu destino, aproximando-se ou distanciando-se da palavra divina e, portanto, da
salvação eterna.

6. A filosofia medieval na Baixa Idade Média: São Tomás de Aquino


São Tomás de Aquino nasceu na cidade que lhe empresta o segundo nome, em 1225. Ainda cedo, teve
contato com a filosofia aristotélica, que vinha sendo resgatada pelas universidades medievais e pelas ordens
religiosas. Tendo sido influenciado pela visão de mundo de Aristóteles, no início de sua carreira eclesiástica,
teve de enfrentar a inimizade de muitos outros representantes clericais que olhavam com desconfiança para
os ensinamentos aristotélicos, por uma série de fatores, tais como o fato de filósofos árabes (como Averróis)
utilizarem os ensinamentos de Aristóteles para construir a base de sua explicação de mundo.

Contudo, Tomás de Aquino conseguiu vencer a disputa no seio da Igreja e imprimiu uma concepção
nova às questões relativas à razão e à sua vinculação com a fé.

Aristóteles possui uma obra de investigação da natureza mais ampla e diversificada do que a
desenvolvida por Agostinho, abrangendo várias áreas do conhecimento, o que preocupava as mais importantes
autoridades eclesiásticas. Devemos lembrar aqui que a Patrística, de Santo Agostinho, foi derivada do
pensamento de Platão e era adequada como justificativa de todo um estado de coisas vivido em boa parte da
Idade Média, mas que não correspondia mais à Baixa Idade Média devido às transformações já mencionadas
anteriormente.
A filosofia de Aquino procurou alcançar o mesmo objetivo da de Santo Agostinho, sem desprezar a
filosofia platônica, mas incorporando e adaptando o pensamento aristotélico de acordo com suas
convicções teológicas. Nesse sentido, se por um lado a filosofia de Santo Agostinho advoga a valorização da
fé – advinda do mundo divino – em detrimento da razão, que estaria alocada no mundo sensível, por outro, a
filosofia tomista defende a conciliação entre fé e razão, almejando explicar racionalmente a existência de
Deus e seu poder.

Dessa forma, através da lógica aristotélica, São Tomás de Aquino advoga a existência de Deus como
a condição fundamental para a existência do mundo e de tudo que nele reside. De maneira geral, toda as teses
tomistas são sintetizadas na máxima de que Deus é a causa primeira de todas as coisas, sendo o criador do
Universo, da transformação, dos homens e de suas produções.

Aristóteles São Tomás de Aquino

Existe uma causa primeira que deu Deus é a causa primeira de todo o Universo. Tudo que foi
origem a todas as coisas. criado, mesmo que pelas mãos humanas, foi criado por
intermédio de Deus.

O mundo está em constante movimento O mundo está em constante movimento e transformação.


e transformação. Essas mudanças Deus, sendo o criador de Tudo, é a força que deu o impulso
foram ocasionadas por uma força que que fez o mundo entrar em movimento. Portanto, Deus é o
está acima do universo e não se move. primeiro motor imóvel.
Aristóteles chama essa força de
primeiro motor imóvel.

Tudo que existe no mundo é Tudo que existe no mundo é contingente. Deus, sendo
contingente, ou seja, não é eterno e Todo poderoso, tem o arbítrio de criar e eliminar todos os
pode deixar de existir. Existe um Ser elementos do universo. Logo, Deus é o Ser Necessário
Necessário que é responsável pela
criação e pelo desaparecimento de
todos os elementos do universo.

O Universo possui uma ordenação O Universo possui uma ordenação perfeita, criada por uma
perfeita criada por uma Inteligência Inteligência Ordenadora. Deus é essa inteligência
Ordenadora. ordenadora.

Os seres possui um grau de perfeição. Os seres possuem um grau de perfeição. Deus é o único Ser
perfeito.

7. A filosofia renascentista: retomada da consciência greco-romana


Como visto anteriormente, o Renascimento foi um movimento filosófico e intelectual surgido durante a
transição da Idade Média para a Idade Moderna. A proposta da Renascença italiana, que logo se expande por
todo o continente europeu, tinha como base o rompimento com o passado medieval – visto pelos intelectuais
humanistas como A Idade das Trevas – e a retomada da consciência da Antiguidade Clássica, encarada
como o verdadeiro tempo áureo da História.

É no contexto de transformações ocorridas durante o período da Baixa Idade Média (séculos XI – XV)
que novas formas de organização social, alternativas à estrutura do feudalismo, começam a surgir. O
Renascimento Urbano e Comercial foi o primeiro impulso necessário para essas mudanças: ao promover
maiores contatos com o Oriente, o intercâmbio cultural entre Europa e Ásia tornou possível o fluxo de ideias
que tinham sido expurgadas do período medieval.

Vale ressaltar a importância dos filósofos árabes nas origens do movimento renascentista: a falsafa
islâmica foi uma das maiores responsáveis pela tradução das obras clássicas da filosofia, tais como Aristóteles
e Platão. Os textos, escritos anteriormente em grego e latim arcaico, só podiam ser lidos por homens letrados
– que, no contexto da Idade Média, faziam parte em sua grande maioria do clero. A tradução dos textos em
árabe e a sua circulação no continente europeu tornou possível a expansão desses textos e uma reflexão que
fugia das amarras da Igreja Católica.

Os textos dos inúmeros filósofos da Antiguidade Clássica colocaram em evidência valores que eram
demasiadamente estranhos ao pensamento medieval: a lógica de um pensamento que privilegiasse as ações
humanas e que as colocassem no centro dos questionamentos e das explicações sobre o universo, fruto do
antropocentrismo, deu a base para o surgimento da Filosofia na Grécia e ressoou de forma intensa na
mentalidade dos burgos italianos. Renascia, finalmente, a antiguidade clássica, materializada nas discussões
e nos textos dos Renascentistas.

7.1. O humanismo
Um dos desdobramentos da filosofia renascentista se deu no surgimento de círculos intelectuais
denominados círculos humanistas. Fruto do antropocentrismo, os humanistas se reuniam nas principais
cidades da Renascença e discutiam sobre distintos assuntos, além de promoverem estudos de gramática,
Direito romano e retórica, três pilares da Antiguidade Clássica.

Com a disseminação do Renascimento por toda a Europa, a estética humanista e a literatura colocavam
o homem e suas ações no centro dos debates. Shakespeare, a exemplo disso, foi um dos maiores escritores
ingleses que reverberou as premissas humanistas, como podemos analisar nos versos a seguir:

Que obra-prima é o homem!

Como é nobre em sua razão!

Como é infinito em faculdades!

Em forma e movimentos, como é expressivo e maravilhoso!

Nas ações, como se parece com um anjo!

Na inteligência, como se parece com um deus!

A maravilha do mundo!

O padrão de todos os seres criados!

Hamlet, William Shakespeare. São Paulo: Martin Claret, 2002, p.47.

7.2. O Renascimento e o conhecimento


O debate entre as escolas platônica e aristotélica sobre as formas de apreender o conhecimento rendeu
frutos que atravessaram toda a história da filosofia. A tradução das obras da Antiguidade Clássica foi um
ponto fundamental para que o pensamento filosófico dos antigos se atualizasse, influenciando os intelectuais
modernos, mas ao mesmo tempo possibilitando que estes desenvolvessem as suas próprias explicações
racionais sobre o mundo. Um dos pontos de discussão mais emblemáticos da modernidade se encontra na área
da teoria do conhecimento, também conhecida como gnosiologia: o debate entre racionalismo e empirismo.

7.2.1. O racionalismo cartesiano

Como visto antes, a Era Moderna é marcada pelo impulso


rumo ao conhecimento racional, almejando um afastamento das
explicações teocêntricas que marcaram o período do medievo. Isso
não significa, contudo, que a sociedade moderna deixa a
religiosidade de lado; apenas significa que procuravam chaves de
análise que complementassem as explicações oferecidas pelas
instituições religiosas. Esse movimento rumo a um conhecimento
palpável já pode ser visto em fins da Baixa Idade Média, como
apreendido na filosofia tomista.

Portanto, podemos afirmar que os filósofos modernos


iniciam o processo de afastamento de uma explicação dogmático-
religiosa e produzem reflexões complexas sobre a existência de
Deus, da natureza e de tudo que existe no universo. Um dos
filósofos modernos que teceu diversas observações sobre esses
assuntos é René Descartes (1596 – 1650). O filósofo francês é
René Descartes (1596-1650). Descartes foi
considerado por muitos o pai da filosofia moderna. filósofo, físico e matemático.

O pensamento cartesiano foi muito influenciado por uma série de vertentes filosóficas da Antiguidade,
sendo as contribuições de Platão e sua teoria idealista do conhecimento, bem como o ceticismo de Pirro, as
mais evidentes nas considerações de Descartes. A base do conhecimento cartesiano, como um bom filósofo,
bebe das águas da dúvida: para ele, tudo pode ser colocado em questionamento. É justamente essa
suspensão do nosso juízo que nos aproxima da verdade. Mas dessas dúvidas surge um grande problema: se
por um lado, quando questionamos aquilo que nos é apresentado por meio dos nossos sentidos, mais perto da
verdade estaremos, por outro, até que ponto a dúvida é um instrumento válido para conhecermos o universo à
nossa volta? À medida que duvidamos de tudo que nos circunda, a própria existência pode ser colocada em
questionamento. Como podemos afirmar que o mundo é real? É possível comprovar que eu existo?

Nesse sentido, vale ressaltar que essa suspensão de juízos não é feita de forma arbitrária, pois a própria
dúvida deve seguir um método a fim de chegarmos ao conhecimento verdadeiro. Apesar de o caminho ser
árduo e depender de uma pitada de problematizações da realidade, até mesmo o duvidar deve seguir
protocolos. Dessa maneira, distingue-se a dúvida hiperbólica (aquela que faz questionarmos tudo e não
chegarmos a quaisquer conclusões sobre a realidade) da dúvida metódica, instrumento privilegiado para
compreender o mundo e tudo que nele há.

É através da dúvida metódica que conseguimos compreender não só os limites do conhecer, mas
também suas possibilidades: se tudo pode ser colocado à prova, é necessário que haja pelo menos algo que
garanta que a realidade não é mera ilusão, ou seja, que estamos caminhando rumo à verdade. Para Descartes,
a única coisa que não pode ser questionada e que prova a nossa existência no mundo é o pensamento. Daí a
máxima da filosofia cartesiana: cogito, ergo sum (penso, logo existo). As coisas que existem no mundo são
passíveis de serem conhecidas através da capacidade humana de operar a razão.

Partindo dessas reflexões, mais questionamentos surgem: se o pensamento, por si só, é a condição que
nos faz ter a certeza de que existimos, quem nos criou e de que maneira a capacidade de raciocinar nos foi
adquirida?
Para o filósofo francês, quando os seres humanos nascem e desenvolvem consciência, o mundo não é
simplesmente um vazio que ganha sentido na medida em que crescemos e experienciamos as coisas. Na
verdade, o ser humano já nasce com a capacidade de raciocinar logicamente, pois certas ideias são inatas e
apriorísticas aos homens, ou seja, já nascem com o indivíduo e não dependem da experiência para se
desenvolver, respectivamente.

Quais são, então, as ideias inatas? Fundamentalmente os conceitos matemáticos e a ideia de Deus.
Pela lógica dedutiva, ao mesmo tempo em que Descartes reconhece a capacidade de conhecer e racionalizar
o universo à sua volta, ele também defende que este mesmo universo só pode ter sido criado por uma figura
superior, que inculca à ideia da sua própria existência no intelecto humano.

A matemática no pensamento cartesiano também é um ponto de partida para a apreensão da verdade.


No pensamento cartesiano, o conhecimento filosófico, deveria se guiar pelos mecanismos da lógica
matematizante, haja vista que é a linguagem matemática que nos aproxima de verdades irrefutáveis. É
justamente pelas reflexões que Descartes elaborou sobre o conhecimento e a lógica que até hoje sua
contribuição na área das ciências exatas é evidente.

A charge ironiza a teoria cartesiana sobre o conhecimento, levando ao pé da letra a afirmativa que dá base ao conhecimento
racionalista. Para resolver a questão que é levantada nos quadrinhos, Descartes defende que os seres podem ser divididos em res
cogitans (seres que existem e podem provar sua existência através do pensamento), res extensa (seres vivos não-pensantes) e res
infinita (Deus, que deu origem a todas as coisas). O próprio ser humano seria um composto de res cogitans, pois é um sujeito
pensante, e res extensa, seu corpo.

Por fim, vale lembrar que Descartes é apenas um dos filósofos que representa a vertente racionalista
de conhecimento. Outros filósofos que viveram durante a Era Moderna também teceram diversas
argumentações bebendo das águas do racionalismo, tais como o holandês Baruch Spinoza (1632 – 1677) e o
alemão Gottfried Leibniz (1646 – 1716). Esses filósofos darão o pontapé inicial para a valorização da razão
humana como forma de compreensão do mundo, o que posteriormente será incorporado nas reflexões dos
filósofos iluministas.

Podemos sintetizar a filosofia racionalista em alguns pontos:

• Racionalismo: valorização do intelecto humano como forma de apreensão da realidade;


• Inatismo: os seres humanos possuem ideias que nascem consigo, tornando possível o
conhecimento do mundo;
• Apriorismo: as ideias inatas são apriorísticas (não dependem da experiência para serem válidas);
• Idealismo: a experiência não é a principal fonte de conhecimento, mas as ideias.
7.2.2. A experiência como fonte de conhecimento: o empirismo

A filosofia aristotélica, já mencionada anteriormente, é considerada um dos pilares do conhecimento


empírico (conhecimento através da experiência). As considerações de Aristóteles sobre o mundo material e,
principalmente, a defesa de que no mundo sensível estaria contida a verdade foram fundamentais para os
futuros filósofos, que, interessados em investigar o mundo à sua volta, se utilizaram da observação através
dos sentidos para formular novas teorias sobre o funcionamento do cosmos.

É nessa esteira que podemos pensar no Renascimento Científico, uma consequência direta da
conjuntura de transformação iniciada na Baixa Idade Média. A releitura de clássicos como Platão e Aristóteles,
que, para além de versarem sobre a teoria do conhecimento, também formulavam raciocínios sobre a forma
como os astros se organizavam, possibilitou a reinterpretação de seus pensamentos pelos filósofos da Era
Moderna, que ora os reafirmavam, ora os refutavam.

Francis Bacon (1561-1626) é um dos representantes


desse impulso empirista da Era Moderna e é considerado o pai
da escola empirista inglesa. Para este pensador, a ciência
deveria restabelecer o imperium hominis (“império do
homem”) sobre a natureza. Nesse sentido, a experiência
concreta seria o caminho para o domínio do homem sobre as
coisas. De acordo com Bacon, “conhecimento é poder”. Isso
também tinha um conteúdo político para a sua época, marcada
pela afirmação do poder real, já que Bacon viveu à época da
rainha Elizabeth I, uma das maiores figuras do Absolutismo
Inglês.

Apesar da clara influência de Aristóteles na formulação


da lógica, passo inicial para pensarmos no cientificismo da
época do Renascimento, os filósofos renascentistas começam
a alçar voos ainda mais altos que o filósofo grego. O
pensamento aristotélico paulatinamente é substituído por
Francis Bacon (1561-1626). Além de filósofo, novas teorias baseadas no método experimental. O progresso
Bacon atuava politicamente, sendo conhecido de novas ferramentas de observação e de novas tecnologias são
como 1º Visconde de Alban ou Bacon de
fatores chave para a compreensão dessa conjuntura. A natureza
Verulâmio.
era vista de forma positiva e a função do homem, portanto, era
decodificá-la através de sua observação empírica.

A filosofia empirista, precursora do que poderíamos chamar de ciência, foi representada por três
diferentes autores que marcaram o debate sobre conhecimento: além de Francis Bacon, David Hume e John
Locke são os nomes clássicos da teoria do conhecimento empírico.
John Locke (1632 – 1704) foi um autor inglês que versou sobre diversas
áreas da filosofia, sendo a base de todas as suas reflexões justamente a escola do
empirismo. A obra Ensaio acerca do entendimento humano (1689) é a que
consagra o seu pensamento, que valorizava a experiência como forma de
obtenção do conhecimento da realidade. Dentre as suas maiores reflexões, a
noção de que o homem nasce como uma tábula rasa, sem quaisquer
atributos ou capacidades cognitivas inatas a ele, é a que melhor resume sua
teoria filosófica.

Dessa forma, o que Locke procura rebater é o pensamento racionalista


que privilegia o intelecto humano como forma de apreensão da realidade,
deixando de lado as experiências que se constroem por meio dos nossos
sentidos. Para o filósofo empirista, o conhecimento só pode ser adquirido na
medida em que se vive a realidade da natureza, que gradativamente se John Locke (1632-1704). Locke
incorpora ao conhecimento humano: inicialmente como sensação e também é considerado como o
posteriormente como reflexão. pai do liberalismo político.

O filósofo que dá prosseguimento às contribuições de Locke ao


empirismo é David Hume. Apesar de combater veementemente a teoria
filosófica racionalista, é interessante perceber que tanto Hume quanto
Descartes partem da mesma escola filosófica como forma de sustentação
dos seus argumentos: o ceticismo de Pirro. Enquanto o filósofo francês
aproveita as reflexões da escola cética a fim de defender o intelecto
humano como fonte de conhecimento, o britânico apresenta seu
contraponto. Ele parte da dúvida justamente para criticar a pura
abstração que nossa mente pode produzir e que invariavelmente nos
induz ao erro.

Podemos dizer que a perspectiva de Hume leva o empirismo à sua


máxima, pois, ao passo que questiona o racionalismo e a possibilidade de
chegar à verdade absoluta pelo intelecto humano, ele também critica a
David Hume (1711-1776). É própria tradição empirista que julga chegar à verdade pelo método
considerado um empirista radical e
indutivo. Nenhum tipo de afirmação pode ser realizado sem o intermédio
cético político.
da experiência. Todo conhecimento factível parte inicialmente de
impressões que se formam através dos nossos sentidos e que se transformarão em ideias. Algumas mais
vívidas, outras menos – ainda assim, tudo parte da nossa experiência no mundo.

O filósofo britânico reconhece a existência de dois tipos de raciocínio: o raciocínio demonstrativo –


aquele que é lógico e não necessita da experiência para comprovar a sua verdade (como a matemática) – e o
raciocínio provável, aquele passível de testagem. Apesar de se aproximar do raciocínio provável por haver a
possibilidade de testá-lo, Hume diz que tanto este quanto o raciocínio demonstrativo incorrem ao mesmo erro:
o erro da causalidade.

Para Hume, a relação que se estabelece entre causa e efeito dentro do raciocínio provável geralmente
não parte da experiência em si, daquilo que é testado, mas de algo inerente aos seres humanos na medida em
que eles vivem: o hábito. Daí o erro que se incorre tanto pelas lógicas dedutivas (raciocínio demonstrativo)
quanto pelas lógicas indutivas (raciocínio provável): elas criam conclusões sobre a realidade que não
necessariamente são testadas empiricamente, erro crasso para qualquer filósofo que acredita no método
experimental para a apreensão da realidade.
Pela lógica indutiva (que sempre parte do particular para afirmações gerais), o fato de o Sol nascer
todos os dias pode ser uma evidência de que, de fato, o Sol nascerá no dia seguinte. Hume problematiza essa
ideia, trazendo a ideia de contingência na análise: algo pode ou não pode acontecer. A única maneira de
sabermos é utilizando a experiência, ou seja, testando pelos nossos sentidos. Em sua mais conhecida obra,
Hume afirma:

O contrário de um fato qualquer é sempre possível, pois, além de jamais implicar uma contradição, o
espírito o concebe com a mesma facilidade e distinção como se ele estivesse em completo acordo com
a realidade.

Que o Sol não nascerá amanhã é tão inteligível e não implica mais contradição do que a afirmação de
que ele nascerá. Podemos em vão, todavia, tentar demonstrar sua falsidade de maneira absolutamente
precisa. Se ela fosse demonstrativamente falsa, implicaria uma contradição e o espírito nunca poderia
concebê-la distintamente, assim como não pode conceber que 1 + 1 seja diferente de 2.

HUME, D. Investigação acerca do entendimento humano. São Paulo: Nova Cultural, 1999
(adaptado).

A escola empirista, de forte tradição inglesa, marcou as discussões sobre teoria do conhecimento,
travando intensos debates com os racionalistas. Ainda assim, nem todas as elaborações filosóficas que os
autores da mesma vertente eram consensuais, como podemos ver com Hume e a discordância do método
indutivo proposto por Francis Bacon. No entanto, ainda podemos sintetizar algumas características em comum
sobre o pensamento empírico, em comparação ao pensamento racionalista.

Racionalistas Empiristas

Conhecimento Se dá pelas ideias inatas. Se dá pelas experiências que


adquirimos pelos nossos sentidos

Ideias Já nascem com os seres Se constituem depois das nossas


humanos pela capacidade experiências sensíveis no processo
intelectual. de abstração.

Razão Independente da Dependente da experiência sensível


experiência sensível

Método Dedutivo: parte do geral Indutivo: do particular para o


para o particular geral*

* Com exceção de David Hume

7.3. Novas formas de pensar o mundo: a Idade Moderna


A filosofia renascentista, na ânsia de afastamento com o passado medieval, propõe uma nova relação
dos homens com o mundo, que agora é interpretado pelas lentes humanas. No entanto, a tentativa de
afastamento com o medievo era complexa, sobretudo quando pensamos na influência da Igreja Católica na
mentalidade dos europeus. Como era possível questionar e abandonar os valores medievais quando estes
tinham sido reafirmados por uma das mais poderosas instituições do período – o clero?

A valorização da razão humana e a tentativa de explicações alternativas à narrativa bíblica, embora


polêmicas, foram frutíferas na Era Moderna. O alvorecer do pensamento científico com Galileu Galilei e a
teoria do heliocentrismo, além das descobertas da gravitação universal por Johannes Kepler são alguns dos
exemplos desse espírito questionador, que foi encarado com represálias pela Igreja Católica.

Ainda assim, a semente do espírito de crítica já havia sido lançada, de forma que novas leituras sobre
o tempo de transformação do mundo europeu floresceram. Assim como todo processo histórico profundo, as
visões sobre o período não eram homogêneas: ao passo em que há o surgimento de visões otimistas – como
vistas na literatura shakespeariana –, posteriormente, versões críticas sobre mundo moderno são difundidas
pelos filósofos da época.

Michel de Montaigne (1533-1592) é um dos filósofos


renascentistas que melhor exemplifica o espírito de questionamento
evocado durante a Era Moderna. O pensador francês conseguiu, através
de seus Ensaios, refletir de forma bastante complexa sobre o
conhecimento, além de ter expresso em seus textos um dos principais
debates do início da Idade Moderna: a forma como a Europa se
relacionava com o Outro (um não-europeu) e a percepção que os
homens tinham de si mesmos enquanto sociedade.

O pensamento de Montaigne é precursor nesse sentido: o


filósofo é um dos primeiros a apontar as contradições da sociedade
europeia, que, já inserida no contexto de exploração do Novo Mundo,
se enxergava enquanto modelo de civilização. Ao adotar em seu texto
a perspectiva do Outro, refletindo sobre as atrocidades cometidas em
nome da fé cristã pela Santa Inquisição, Montaigne consegue criar uma
imagem bastante fiel da realidade europeia do século XVI. Analisemos Michel de Montaigne (1533 – 1592),
filósofo e jurista francês.
o trecho a seguir de um de seus ensaios, Dos Canibais.

Penso que há mais barbárie em comer um homem vivo que morto, dilacerar com tormentos e martírios
um corpo ainda cheio de vitalidade, assá-lo lentamente e arrojá-lo aos cães e aos porcos, que o mordem
e martirizam (como vimos recentemente, e não lemos, entre vizinhos e concidadãos, e não entre antigos
inimigos, e, o que é pior, sob pretexto de piedade e de religião) que em o assar e comer depois de morto.

Gravura de um pintor europeu representando a prática do ritual antropofágico da sociedade tupinambá. Montaigne, em seu
ensaio Dos Canibais, narra o contato de um europeu com um indígena, o qual coloca em comparação as práticas exercidas
pelos nativos e as práticas de tortura da Santa Inquisição. É uma análise extremamente original e crítica aos valores europeus,
que ao entrarem em contato com a população nativa da América, subjugarão os povos nativos em prol da “civilização”. Afinal
de contas, quem é civilizado?

Você também pode gostar