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A Filosofia Grega

O que é Filosofia?
“A filosofia é a terra de ninguém entre a ciência e a teologia, exposta a ataques dos dois lados”. Com
essa frase, o filósofo e matemático inglês Bertrand Russel (1872-1970) definiu a filosofia. 
Realmente, o campo nebuloso habitado pela filosofia parece não se enquadrar totalmente nem na
teologia (disciplina cujo objeto de estudo é Deus) nem na ciência, mas possui um pouco de ambos, e
por isso, transita entre os dois, criando um campo de conhecimento único e fundamental,
questionado tanto pela religião, porque duvida de seus dogmas, quanto pela ciência, porque não
segue a metodologia científica de experimentos e demonstrações, mas produz seu conhecimento
mediante a reflexão.
Geralmente atribuída a Pitágoras de Samos, a palavra filosofia é composta de filo (do grego
antigo philia, que significa amizade) e sofia (sophia, sabedoria). Portanto, significa literalmente
amizade ao saber, ou amor ao saber. Como Pitágoras acreditava que a sabedoria plena era restrita
aos deuses, cabia aos homens apenas desejá-la, amá-la; ele se recusava a ser chamado de sábio,
dizendo-se apenas um “amigo da sabedoria”.
Todavia, a palavra sophia carrega uma ambivalência: ela tanto pode significar o saber, no sentido de
conjunto sistemático e racional de conhecimentos sobre o mundo e sobre os homens, como pode
significar sabedoria, no sentido de uma disposição humana para uma vida virtuosa e feliz.
Gérard Durozoi e André Roussel, autores do Dicionário de Filosofia, assim definem filosofia:
[...] sistema de reflexões críticas sobre as questões referentes ao conhecimento e à ação. Nessa
ótica, a filosofia pode voltar ao que cada ciência apreende diretamente (por exemplo: filosofia da
história). [...] É caracterizada em geral por sua atitude interrogativa e não dogmática, inaugurada por
Sócrates: mas pode-se observar que, ao evocar-se “a filosofia” desse autor, visa-se, contudo um
conjunto de afirmações ou de teses. O que significa constatar que, para ser apreendida em toda a
sua extensão, a filosofia deve ser entendida como além de cada filósofo que lhe atualiza
momentaneamente uma certa ‘morte’. Assim, a filosofia é inseparável [...] de sua história (DUROZOI;
ROUSSEL, 1998, p. 190).
Dito de outra forma, os filósofos se dedicam a refletir criticamente sobre todo conhecimento
produzido pela humanidade (filosofia da matemática, filosofia da história, etc.) e também sobre o
comportamento (ações) da humanidade, sejam essas questões de valores morais (ética) ou
artísticas (estética). Em suas reflexões, os filósofos questionam tudo e não aceitam nada apenas
pela “fé”, como no caso das religiões, e dessas reflexões surgem afirmações ou teses que
constituem o “conhecimento filosófico”. Mas, o próprio conhecimento filosófico produzido em
determinado período é questionado em outro, daí que para se “apreender a filosofia em toda sua
extensão” é preciso estudar a sua história, nosso principal objetivo neste livro.
Mas, para a filósofa brasileira Marilena Chauí, não existe apenas uma definição de filosofia e,
destaca que é possível perceber ao menos quatro definições apresentadas  a seguir.
Sintetizando essas quatro definições, Chauí (2012) destaca principalmente o que a filosofia “não é”,
enfatizando o caráter essencialmente reflexivo do ato de “filosofar”:
A filosofia não é ciência: é uma reflexão sobre os fundamentos da ciência, isto é, sobre
procedimentos e conceitos científicos. Não é religião, é uma reflexão sobre os fundamentos da
religião, isto é, sobre as causas, origens e formas das crenças religiosas. Não é arte, é uma reflexão
sobre os fundamentos da arte, isto é, sobre os conteúdos, as formas, as significações das obras de
arte e do trabalho artístico. Não é sociologia nem psicologia, mas a interpretação e avaliação crítica
dos conceitos e métodos da sociologia e da psicologia. Não é política, mas interpretação,
compreensão e reflexão sobre a origem, a natureza e as formas do poder e suas mudanças. Não é
história, mas reflexão sobre o sentido dos acontecimentos enquanto inseridos no tempo e
compreensão do que seja o próprio tempo (CHAUÍ, 2012, p.28).
Assumindo esta característica interrogativa da filosofia, o grande filósofo alemão Immanuel Kant
dizia que são três as indagações filosóficas fundamentais:
 O que podemos saber? Isto significa refletir sobre os conhecimentos. O que conhecemos, como
conhecemos, como são produzidos os conhecimentos científicos, artísticos, sociais, enfim, o que é
conhecimento em toda sua extensão e como ele é possível.

 O que podemos fazer? Esta questão se refere às ações, os procedimentos, as condutas, as atitudes.


Mas são reflexões orientadas não por dogmas, isto é, o que é ou não pecado, mas por questões,
pressupostos e valores práticos.

 O que podemos esperar? Esta questão se refere aos aspectos especificamente teológicos, isto é, o
que podemos esperar após a morte, por exemplo, mas sempre buscando resposta pela reflexão,
questionando as explicações religiosas.
Dessas questões surgiram os diferentes sistemas filosóficos, que são o conjunto de teses e
afirmações com as quais cada filósofo tentava respondê-las. Como os sistemas filosóficos são
produzidos a partir das reflexões do filósofo e seus discípulos, que são seres humanos social e
culturalmente contextualizados, o conhecimento filosófico é fortemente influenciado pela sociedade,
cultura e época em que é produzido, quer seja para explicar e justificar essa sociedade e cultura
quer seja para contestar ou mesmo repudiá-la.  Como exemplo da diversidade de ideias filosóficas,
apresentamos, a seguir, como alguns dos maiores filósofos de todos os tempos definiram a filosofia.
 Platão: a filosofia seria “um saber verdadeiro que deve ser usado em benefício dos seres humanos
para que eles vivam numa sociedade justa e feliz”.
 Descartes: a filosofia “é o conhecimento da sabedoria, conhecimento perfeito de todas as coisas que
os humanos podem alcançar para o uso da vida, a conservação da saúde e a invenção das técnicas
e das artes com as quais ficam menos submetidos às forças naturais, às intempéries e aos
cataclismos”.
 Para Kant, a filosofia era “o conhecimento que a razão adquire de si mesma para saber o que pode
conhecer, o que pode fazer e o que pode esperar, tendo como finalidade a felicidade humana”.
 Já Marx acreditava que o templo de contemplação filosófica se esgotou; chegou o momento de
compreender o mundo para transformá-lo, trazendo justiça, abundância e felicidade para todos.
 Merleau-Ponty escreveu que a filosofia “é um despertar para ver e mudar nosso mundo”.
 E, por fim, Espinosa entendia a filosofia como “um caminho árduo e difícil, mas que pode ser
percorrido por todos, se desejarem a liberdade e a felicidade”.
Em comum, todas essas definições apresentam o aspecto interrogativo acerca do mundo físico e
humano como essência, a reflexão como método e o mesmo objetivo: ensinar a viver em sociedade.
Neste texto, adotaremos uma das definições apresentadas por Chauí (2012) para filosofia, a
saber: uma fundamentação teórica e crítica dos conhecimentos e práticas da humanidade.
Origens do Pensamento Filosófico Ocidental
A civilização ocidental, tal como a conhecemos atualmente, deve muito aos gregos; nas artes, a
escultura, a dança, no teatro, com as tragédias gregas como Édipo rei, por exemplo, que ainda hoje
é encenada e atrai público. Nas aulas de matemática, o teorema de Pitágoras, as proposições
contidas no livro Os elementos, de Euclides, permanecem parte integrante dos conteúdos
programáticos, e a física de Arquimedes continua sendo estudada. Nos esportes, a influência dos
gregos é explicitada no maior evento capaz de unir a humanidade em torno de objetivos comuns: as
Olimpíadas. A democracia vivenciada por muitos países e procurada por tantos outros, também de
origem grega. Entretanto, a origem de todas essas contribuições incomensuráveis dos gregos à
ciência, às artes, aos esportes, à civilização como um todo, se sustenta na filosofia grega.
O pensamento filosófico ocidental tem origem na Grécia antiga. Para melhor compreensão, vale uma
breve explicação sobre as etapas da história grega.
Tradicionalmente, os historiadores dividem a história da Grécia em quatro períodos:
 O período homérico, que se estende de 1200 a.C. a 800 a.C., aproximadamente. É assim chamado
porque as principais fontes de estudo sobre o período são os textos de Homero, a Ilíada, que narra a
Guerra de Troia, e a Odisseia, que retrata a volta do herói grego Ulisses (Odisseu) para sua terra,
Itaca. Durante esses cerca de quatro séculos, a sociedade grega, invadida por aqueus, jônios e
dórios, evolui de uma economia doméstica e agrícola para uma economia urbana e comercial, em
que visitavam e comercializavam com países distantes.
 Período arcaico (também conhecido como “período dos sete sábios”). Neste período, que vai de fins
do século VIII a.C. ao início do século V a.C., os vilarejos tornar-se-iam grandes cidades-Estados. É
nessa época que surgem no continente Atenas, Tebas e Megara; Esparta e Corinto, no Peloponeso;
Mileto e Éfeso, na Ásia Menor; Mitilene, Samos e Cálcis, nas ilhas do Mar Egeu. A economia é
monetária, e o artesanato e o comércio constituem as principais atividades das áreas urbanas.
 Período clássico (século Va.C. a IV a.C.). Época do esplendor de Atenas, que, após as reformas de
Clístenes e Péricles, se coloca à frente de toda a Grécia. O Pireu, principal porto de Atenas, torna-se
centro de convergência de pessoas, produtos e ideias de todo o mundo conhecido. É o apogeu da
vida urbana, intelectual e artística grega. É também quando se desenvolve a Democracia que,
embora para poucos, foi extremamente inovadora para aquela sociedade. Esse período encerra-se
com a Guerra do Peloponeso, entre Esparta e Atenas, que veio a enfraquecer toda a Grécia,
possibilitando sua invasão pelos macedônios.
 Período helenístico, quando a Grécia é dominada pela Macedônia de Filipe e Alexandre, o Grande
(cujo tutor fora Aristóteles) e, mais tarde, dominada pelos romanos. A Grécia passa a integrar um
mercado mundial (como colônia romana), expandindo cada vez mais seu pensamento, tanto para o
Ocidente como também para o Oriente, sobretudo com a helenização (disseminação da cultura
grega) promovida por Alexandre.
Tradicionalmente, os historiadores da filosofia defendem que ela surgiu no período arcaico, alcançou
seu esplendor no período clássico e se espalhou pelo mundo no período helenístico.
A região que serviu de cenário para o nascimento da filosofia foi Mileto, uma próspera cidade
comercial da Jônia. Tales, que viveu de 625 a.C. a 545 a.C. aproximadamente, seria seu precursor.
Muitos autores defendem que a filosofia surgiu de um conflito com a religião ou com a mitologia
grega, o que é uma suposição bastante plausível, pois, desde o seu início, a forte característica
interrogativa da filosofia pode ter motivado os antigos filósofos a questionar os mitos e dogmas
religiosos ou a tentar explicá-los racionalmente. Na Grécia antiga, os valores associados à mitologia
traziam conforto para uns, mas para outros representavam um obstáculo ao progresso da razão.
Essa tensão serviu de base a muitas especulações filosóficas e conflitos sociais. A maior parte dos
expoentes da filosofia grega tinha origem aristocrática, e considerava retrógradas, bárbaras e
selvagens muitas das práticas relativas à devoção religiosa. Platão apontava claramente a
necessidade de separarmos o mythos (mito) do logos (pensamento racional). Em A República,
principal obra platônica, ele assim escreve sobre o mito: “Como então poderíamos dar continuidade
a uma dessas falsidades oportunas [...] como que utilizando uma mentira nobre para persuadir os
governantes, sem, contudo, persuadir o resto da cidade”.  Com isto, Platão se referia que os mitos
ou dogmas religiosos (que ele entendia como sendo falsos) eram utilizados para convencer o povo
das “boas intenções dos governantes” e tenta reverter esta situação, imaginando uma maneira de se
“dar o troco”, ou seja, como poderiam ser utilizados os mitos para convencer os governantes da
necessidade de se fazer alguma coisa, tomando-se, todavia, o cuidado de não enganar o povo.
Embora o conflito com a religião tenha sido uma de suas bases, a filosofia surgiu de uma
curiosidade contínua e não de alguma forma de secularismo, isto é, de uma ação de trazer para o
mundo humano o que era pertinente aos deuses.
Durante o período clássico, a Grécia produziu muitas obras importantes da filosofia, literatura e
ciência; essa explosão de expressão cultural foi impulsionada pelo uso de técnicas de escrita e de
uma linguagem mais sofisticadas.
O idioma grego, com o uso de um alfabeto e não de silabismos, conseguia expressar conceitos mais
complexos. A própria educação de muitas das cidades gregas valorizava muito essa linguagem –
era comum as crianças terem de decorar passagens inteiras da obra de Homero. Essa valorização
da linguagem escrita contribuiu, certamente, para um maior desenvolvimento do pensamento grego.
Filosofia Grega: Os Pré-Socráticos
Geralmente divide-se a filosofia grega em antes e depois de Sócrates em função do objeto de
reflexão dos filósofos que o antecederam e do seu próprio foco de reflexão, conforme você verá com
mais detalhes a seguir.
Embora o patrono da filosofia tenha sido um defensor apaixonado do “amor ao saber” que se
opunha aos ensinamentos mitológicos, o pensamento anterior a ele não deve, de maneira alguma,
ser ignorado. Os pré-socráticos viam o mundo com curiosidade e espanto, características que se
perderam após as obras platônicas e, sobretudo, aristotélicas, que oferecem um conhecimento mais
sistematizado.
Os sistemas filosóficos elaborados pelos pré-socráticos, isto é, o conjunto de teses e afirmações
com as quais eles pretendiam explicar o mundo, particularmente o físico, conquistaram discípulos e
perduraram por muitos anos. A este conjunto de conhecimentos e seus seguidores denominamos
“escolas”.
Podemos destacar as três principais escolas do período: a Escola Milésia, ou Jônica, a Escola
Pitagórica e a Escola Eleata.

Tales e a Escola Jônica


A cidade de Mileto, berço da Escola Milésia, situava-se na região da Jônia, um próspero centro
comercial. É apontada como a região de origem da filosofia. Os principais nomes da Escola Milésia
foram Tales de Mileto, Anaximandro de Mileto e Anaxímenes de Mileto.
Os filósofos de Mileto preocupavam-se, sobretudo, com o mundo físico, e eles costumeiramente
tentavam compreender qual a substância, ou substâncias, que o compõem, ou seja, do que o mundo
seria composto.

Tales de Mileto
Tales (625-545 a.C.), o mais famoso dos filósofos da cidade de Mileto, foi um dos chamados “sete
sábios da Grécia arcaica”.  Conforme Diógenes de Laércio, Tales teria sido o primeiro grego a ser
considerado “sábio”.
Pouco se sabe sobre sua origem, e alguns o consideram fenício; os fenícios foram um povo que
viveu às margens do Mar Mediterrâneo, aproximadamente na região atualmente ocupada pelo
Líbano. Destacaram-se no comércio e na navegação e, por isso mesmo, estabeleceram contato com
diversos povos da antiguidade e fundaram diversas colônias (os chamados “empórios”) no norte da
África e Sul da Europa.

 Como seus colegas milésios, tentava compreender de qual substância o mundo seria feito,
mediante, sobretudo, a observação e a contemplação. Uma famosa anedota na Grécia antiga
repetida por Platão em seus textos dizia que, por ser um teórico, ou seja, um “contemplador puro”,
Tales, caminhando com os olhos voltados para o céu, tropeçou em uma pedra e caiu em um poço. É
daí que vem a consagrada imagem que se tem dos filósofos, de uma pessoa distraída das coisas
mundanas e absorta em pensamentos abstratos.
Em sua Metafísica, Aristóteles assim expõe o pensamento de Tales:
Os que por primeiro filosofaram, em sua maioria, pensaram que os princípios de todas as coisas
fossem exclusivamente materiais. De fato, eles afirmam que aquilo de que originariamente derivam e
aquilo em que por último se dissolvem é elemento e princípio dos seres, na medida em que é uma
realidade que permanece idêntica mesmo na mudança de suas afecções. Por esta razão, eles
creem que nada se gere e nada se destrua, já que tal realidade sempre se conserva (...). Tales,
iniciador desse tipo de filosofia, diz que o princípio é a água (por isso afirma também que a terra
flutua sobre a água (ARISTÓTELES, 2002, p. 15;17. Metafísica, A3, 983b6).
De acordo com o pensamento de Tales, a substância fundamental que compõe o mundo é a água
(ou o úmido). Ela seria o princípio vital de tudo o que existe. Como explica Chauí (2004):
O fato de considerar a água como alma, isto é, como princípio vital, leva Tales a considerar que
todas as coisas são viventes ou animadas e por isso se transformam e se conservam. A água é o
“deus inteligente” que faz todas as coisas e é a matéria e a alma de todas elas. Eis porque se atribui
a Tales a afirmação: “Todas as coisas são cheias de deuses” (CHAUÍ, 2004, p.57).

 
A razão para Tales ter escolhido a água ou o úmido como o princípio de todo o universo pode ser
explicada de várias maneiras. A água apresenta-se sob as mais variadas formas e em todos os
estados (sólido, líquido e gasoso); a água está vinculada à vida; a mitologia grega falava do rio
Oceano, que circundava toda a terra (assim, Tales estaria tentando explicar racionalmente um mito).
O argumento de que todas as coisas são animadas (vivas) teria surgido, segundo relato de
Aristóteles, da observação que Tales teria feito sobre a chamada pedra de Magnésia, ou seja, um
ímã.
Tales acreditava que o princípio vital, ou a alma, seria uma força motriz ou cinética, isto é, uma força
capaz de mover-se ou de mover outras coisas. Ao observar o ímã atuando sobre o ferro movendo-o,
Tales concluiu que, se a alma é o princípio vital e o ímã possuía essa força, este possuiria uma
alma, e, consequentemente, seria animado, isto é, vivo.
Não nos cabe julgar cientificamente se a conclusão de Tales é correta ou não (quanto à natureza
viva do ímã). O fundamental é entender como ele raciocinou para chegar a essa conclusão. Essa
maneira é inovadora e propriamente filosófica. Tales inferiu de fatos observáveis uma conclusão
apenas pela razão.

Anaximandro de Mileto (610-547 a.C.)


Discípulo e sucessor de Tales, Anaximandro foi geógrafo, matemático, astrônomo e político.
Segundo relatos, ele teria escrito um livro intitulado Sobre a natureza, considerado o primeiro livro de
filosofia escrito em língua grega. Porém, o livro perdeu-se ao longo dos séculos, e dele temos
apenas fragmentos e relatos de filósofos contemporâneos e posteriores a ele.
A Anaximandro atribui-se a confecção do primeiro mapa-múndi com a descrição de todas as terras
habitadas conhecidas à época. É também considerado o precursor da astronomia grega,
inaugurando a medição da distância entre as estrelas. Como matemático, foi o primeiro a utilizar um
esquadro (gnómon) para o traçado de paralelas e desenho de formas geométricas.
Enquanto Tales acreditava que o mundo era totalmente constituído de água, Anaximandro defendia
que o mundo era composto de quatro elementos: ar, terra, água e fogo.

Anaxímenes de Mileto
Anaxímenes de Mileto (588-524 a.C.) é o terceiro e último representante da Escola Milésia. Admite
como substância primeira e fundamental o ar.
Ao se condensar, o ar daria origem à água. Condensando-se ainda mais, daria origem à pedra. Para
Anaxímenes, as partículas de matéria constituíam-se de ar, e dos diferentes processos de
condensação ou rarefação, contínuos e antagônicos, originariam corpos mais ou menos sólidos.

Heráclito de Éfeso
Nascido na cidade de Éfeso, ao norte de Mileto, Heráclito (540-470 a.C.) pouco se interessava pelo
mundo social e econômico. Sua preocupação maior era a filosofia.
Como os demais jônicos, acreditava na existência de uma única substância ou elemento que seria o
princípio de tudo. Este elemento era o fogo. Como explicam Luchesi e Passos (1992, p. 93), “o fogo
era, para ele [Heráclito], a substância física que mais se aproximava da essência do tempo, por isso,
a tudo dava origem e explicava”.
O devir (processo de surgimento, mudança e perecimento dos seres) era tema central de seus
pensamentos. Heráclito entendia que nada no universo era estável: tudo estava em constante
transformação, da mesma forma que os homens que, no percurso natural da vida, nascem, crescem,
declinam e morrem. Dizia ser impossível nos banharmos duas vezes em um mesmo rio, pois nem as
águas e nem nós seríamos os mesmos. A natureza era um “fluxo perpétuo”.

Pitágoras e a Irmandade Pitagórica


Pitágoras de Samos (582-500 a.C.) foi um dos mais importantes filósofos da antiguidade. A sua ideia
primordial partia do pressuposto de que tudo podia ser reduzido a relações matemáticas, conhecido
não apenas por introduzir a “demonstração” em matemática, mas também por ter criado uma
instituição que se aproximava muito de uma religião organizada: a Irmandade Pitagórica.

A Irmandade Pitagórica, fundada em 532 a.C. na cidade de Samos, foi tão conhecida quanto seu
mestre e fundador. Seus membros viviam sobre um rígido sistema de regras e um severo código
ético. Suas regras proibiam muitas atividades, como caminhar pelas estradas ou comer
determinados cereais.
Umas das crenças mais difundidas pela Irmandade Pitagórica era a de que a ordem, a forma e a
figura são qualidades do bem, enquanto a desordem, a escuridão e a indefinição são ruins. Essa
ideia era encontrada em diversas passagens da mitologia grega, que considerava, de forma geral,
ruim tudo aquilo que não pudesse ser explicado racionalmente.
“Todas as coisas são feitas de números”. A obsessão de Pitágoras com os números o levou a
formular proposições básicas da matemática e da geometria que continuam em uso até hoje.
Ao defender que o princípio universal de todas as coisas é o número Pitágoras inova, pois a
essência de todas as coisas não pode mais ser percebida pelos sentidos, como o ar ou água, tão
importante para os filósofos de Mileto. O elemento essencial passa a ser um elemento do
pensamento.
Atenção!

 
Descobertas de Pitágoras

Pitágoras fez descobertas em diversos campos. Na música, por exemplo, descobriu que o som de
uma corda dependia de seu comprimento.
Fez inúmeras descobertas na matemática e geometria, podendo-se destacar o teorema que leva seu
nome: em um triângulo retângulo a soma dos quadrados das medidas dos catetos é igual ao
quadrado da medida da hipotenusa. O Teorema de Pitágoras, com seus mais de 2500 anos,
continua sendo ensinado até hoje.

Mas, no campo filosófico, sua principal inovação foi, sem dúvidas, uma interpretação do mundo e da
vida humana a partir da ideia do número, que é abstrata, ordenada e harmônica. Essa compreensão
de mundo rompe com a ideia de movimento e transformação, características do pensamento grego
de sua época.

Fonte: Elaborado pelo autor.


Escola Eleática
É assim chamada por serem seus membros oriundos de Eleia, pequena cidade hoje pertencente à
Itália, atualmente é chamada Vélia. Seu principal expoente foi Parmênides (540-450 a.C.).
Dentre todos os pré-socráticos, a filosofia de Parmênides foi a que mais recebeu atenção dos
acadêmicos modernos. Ele considerava a realidade como indivisível e infinita.
Não poderia haver uma estrutura permanente neste mundo, pois isso significaria que existe algo fora
de tal estrutura. O mundo seria uma só coisa, e não objetos separados interconectados. Isso implica
que mudanças não poderiam ocorrer, pois seria contraditório com sua noção de mundo indivisível.
Há de se ressaltar que os membros da Escola Eleática eram oriundos da camada média da
sociedade grega, e sua filosofia, de certa forma, justificava a estrutura social da época.
Parmênides fundamenta uma distinção entre a opinião e a verdade. A opinião nunca expressaria
totalmente a realidade pois é enganosa, já que vinculada às aparências.
Outro importante pensador da Escola Eleática foi Zenão (489-430 a.C.). Discípulo de Parmênides,
Zenão continua a ideia do mestre ao defender que o movimento, como um modo de mudança e
transformação percebido no mundo dos sentidos, é ilusório e ininteligível, uma “ilusão dos sentidos”.
Encerramos aqui este resumo sobre os filósofos pré-socráticos. Para Omnès (1996, p. 29) são
muitos os exemplos de “[...] iluminações espantosas nos pensadores pré-socráticos, não raro,
misturadas a ideias manifestamente errôneas”. Entretanto, o passo decisivo dado por esses
filósofos, particularmente os pitagóricos, foi inaugurar o “intelectualismo que iria impregnar o
pensamento grego” (OMNÈS, 1996, p. 29).

Período Socrático
Antes de iniciarmos o debate acerca da vida e obra de Sócrates, faz-se necessário um breve resumo
sobre as transformações da sociedade grega – e, mais especificamente, ateniense – neste período
que abordaremos a partir de agora, com Sócrates, Platão e Aristóteles. Ou seja, os séculos V e IV
a.C.
A primeira transformação de que trataremos é o deslocamento geográfico-político da filosofia. Há
que se ressaltar que a filosofia grega surgiu nas colônias da Ásia Menor (próximo à Turquia atual),
em cidades como Mileto, Halicarnasso, Éfeso, Samos, e nas colônias gregas da região chamada
Magna Grécia (atual sul da Itália), em cidades como Eleia e Agrigento. No século V a.C., há um
deslocamento da filosofia para a Grécia continental e, mais precisamente, para Atenas (na região da
Ática), que passará a destacar-se como a mais poderosa – e influente – cidade de toda a Grécia.
Tal deslocamento ocorre, sobretudo, devido à vitória grega na guerra contra os persas, as chamadas
Guerras Médicas. As Guerras Médicas foram os confrontos entre gregos e persas durante o século
V a.C. provocados pela disputa pela região da Jônia na Ásia Menor. As colônias gregas na Ásia
tentaram se livrar do domínio persa e garantir a hegemonia sobre um importante ponto estratégico
de comércio.
 A decisão ateniense de tentar decidir a guerra pelo mar (enquanto os espartanos acreditavam em
uma decisão em batalhas terrestres) acabou sendo crucial para a vitória grega. Atenas destacou-se
no conflito e, com o fim da guerra – após a célebre Batalha de Salamina –, tornou-se a mais
próspera, poderosa e influente cidade de toda a Grécia.
Como resultado das Guerras Médicas, podemos destacar:
 A hegemonia ateniense sobre a região da Grécia.
 A decadência do império persa.
 O revigoramento da democracia.
 O aumento da rivalidade entre Esparta e Atenas.
 Criação da Confederação de Delos.
A Confederação de Delos – também chamada de Liga de Delos ou, ainda, Liga Marítima Ateniense
– foi criada em 478 a.C. durante as guerras contra os persas. Essa confederação reunia as cidades
gregas, incluindo Esparta. Como integrantes da Liga, as cidades se comprometeram a realizar
contribuições anuais para ela e fornecer homens e barcos em casos de batalhas. O principal objetivo
da Confederação de Delos era a defesa das cidades gregas de uma nova invasão persa, mas esta
demorou a acontecer.
A cidade de Atenas estabeleceu-se como líder da Confederação e valeu-se de sua liderança. Boa
parte dos recursos angariados com as contribuições dos membros da liga foram alocados em obras
públicas para os atenienses.
A sociedade ateniense transformara-se consideravelmente entre os séculos VI a.C. e IV a.C. Três
importantes reformas jurídicas e institucionais merecem ser mencionadas.
Primeiro, em 594 a.C., com Sólon, que instituiu leis válidas para todos os membros da cidade que
não poderiam ser quebradas por tradições ou costumes. A antiga divisão patriarcal, por famílias,
cede lugar a uma nova divisão baseada em critérios de fortuna pessoal. Como observa Chauí
(2004):
Essa mudança política decorreu da clara percepção de Sólon de que a terra ateniense era pobre e a
agricultura não seria suficiente para manter a cidade, sendo necessário incentivar o comércio e o
artesanato. Para isso, era preciso quebrar o poderio da nobreza fundiária, atrair estrangeiros e
determinar a participação no poder político pelo critério da fortuna pessoal. As medidas de Sólon não
impediram reações contra ele nem que, após sua morte, Atenas conhecesse a tirania de grupos
aristocráticos (CHAUÍ, 2004, p. 132).
 
A segunda grande reforma começou em 510 a.C. com Clístenes. Ele reordena o espaço político
ateniense – e de toda a Ática – com o intuito de impedir a concentração de poderes aristocráticos ou
oligárquicos.
Foi também sob o comando de Clístenes que foram criadas as duas instituições políticas mais
importantes de Atenas: o Conselho dos Quinhentos (Boulé), um conselho formado por quinhentos
cidadãos sorteados a cada reunião. Funcionava como um tribunal que cuidava dos assuntos
cotidianos de Atenas, bem como das relações entre seus moradores. Como os membros eram
escolhidos por sorteio, todos os cidadãos podiam periodicamente participar das decisões.
Já a Assembleia Geral (Ekklesía) reunia todos os cidadãos atenienses. Nela discutiam-se e
decidiam-se os principais assuntos da cidade, sobretudo os referentes à guerra e à paz, além de
votarem a escolha dos magistrados atenienses.
Para permitir a participação dos cidadãos mais pobres, Clístenes estabeleceu uma remuneração a
esses cidadãos enquanto estivessem reunidos na Assembleia ou no Conselho. Há que se ressaltar
que, por vezes, tais instituições ficavam reunidas por vários dias – ou semanas – seguidos.
Com as reformas de Clístenes tem início a democracia. Diferente das democracias atuais, os
habitantes de Atenas considerados cidadãos eram poucos se comparados ao total da população.
Outra importante diferença reside no fato de a democracia ateniense ser direta e participativa. Ou
seja, os cidadãos participavam diretamente das discussões e decisões., diferentemente das
democracias atuais, representativas, em que o cidadão elege um “representante” para participar das
discussões e tomadas de decisões em seu lugar.
Faz-se necessário salientar que a democracia ateniense se pautava sobre dois pilares: a  isegoría,
isto é, o direito de todo cidadão exprimir publicamente suas opiniões e vê-las discutidas no momento
das tomadas de decisões, e a isonomia, ou seja, a igualdade jurídica dos cidadãos – todos são
iguais perante a lei.
A terceira e última grande reforma do período foi promovida por Péricles, que governou a Atenas de
461 a.C. a 429 a.C. Realizou reformas que hoje, seriam chamadas de “populistas”, como conceder
ingressos gratuitos para os cidadãos mais pobres irem ao teatro ou aumentar a remuneração a
quem participasse dos julgamentos no Conselho dos Quinhentos. Por outro lado, restringiu o acesso
à cidadania ateniense ao determinar a necessidade de pai e mãe serem atenienses.
Péricles foi tão importante para Atenas que se convencionou chamar esse período de “século de
Péricles”, determinando um período. Foi nesse período que foram construídas grande parte das
obras que compõem a Acrópole de Atenas (incluindo o Parthenon). A realização de grandes obras
públicas embelezava a cidade, ostentava seu poder e a glória e empregava a população.
Poucos eram considerados cidadãos em Atenas. Mulheres, crianças, escravos e estrangeiros eram
excluídos. Assim, somente os homens livres adultos naturais de Atenas eram considerados
cidadãos. De uma população que variava em torno de 250 mil pessoas, cerca de 25 mil – ou 10% -
encontrava-se nessa situação e possuía a cidadania ateniense.
Na linha do que expõe o historiador da filosofia Eduard Zeller (1931), embora Ática não tenha
produzido filósofos de originalidade expressiva, Atenas, devido ao papel de liderança
desempenhado na guerra da Pérsia, sua propriedade crescente e não menos pelos poetas que
elevaram sua vida intelectual a alturas não atingidas antes, tornou-se o centro intelectual da Grécia.
Qualquer um que desejasse ganhar uma reputação de pensador, tinha que ser testado em Atenas.
Mesmo ainda existindo semelhanças entre Atenas e demais helenos, a distância entre eles começou
a ficar mais e mais aparente. Os produtos do mundo todo estavam à disposição dos cidadãos
atenienses. Novas estátuas de deuses erguidas em seu esplendor, o trabalho imortal dos mais
refinados artistas.
O povo ouvia, nos festivais de Dionísio, as séries palavras e canções da tragédia e deliciava-se com
a engenhosidade barulhenta da comédia. Multidões se acotovelavam nas salas de conferências dos
sofistas, com sua nova sabedoria vestida no manto belo e sedutor da linguagem, convidando os
jovens a serem seus alunos. O Demos se aquecia ao sol, na serena consciência de seu poder,
quando se sentava no Pnyx e nos tribunais (ZELLER, 1931, p. 95).
Assim, podemos apontar o século de Péricles como o período do maior esplendor ateniense, com o
governo democrático atingindo sua plenitude.
Os Sofistas
Sabemos pouco sobre os sofistas. Quase nenhuma obra sofista chegou até nós, e o que sabemos
sobre eles, conhecemos pelas obras de seus maiores detratores, como Platão e Aristóteles – que,
comumente, os classificavam como impostores, mentirosos, charlatães e demagogos.
Porém, estudos atuais têm apontado os sofistas como os “fundadores da pedagogia democrática”,
mestres na arte de educar os cidadãos. Não se apresentavam como filósofos, e sim como
professores de técnicas. Eles ensinavam técnicas diversas, e todo sofista era perito em uma ou mais
técnicas.
Todavia, havia uma técnica na qual todos os sofistas eram especialistas, e que era fundamental para
uma sociedade como a ateniense: a oratória. Em uma sociedade em que a política, a defesa dos
direitos pessoais de cada cidadão eram feitas pessoalmente (os advogados só surgiriam com o
Direito Romano), e a política ocorria de maneira direta e participativa, o domínio da arte da palavra,
e a capacidade de persuadir os demais era primordial. Assim, as conferências realizadas pelos
sofistas eram muito concorridas, atraindo multidões.
Mas por que os sofistas tiveram tantos adversários, a ponto de sofisma adquirir um caráter
pejorativo?
Em primeiro lugar, porque os sofistas eram “professores profissionais”, eles cobravam por seus
ensinamentos. Ao ensinar um cidadão a defender seu ponto de vista – qualquer que seja – e a
persuadir os demais, os sofistas mostravam-se afastados da verdade. Não lhes interessava a
verdade, e sim quem pudesse pagar pelos seus serviços. Essa era a principal crítica de filósofos
como Sócrates, Platão e Aristóteles.
Em segundo lugar, a aristocracia ateniense via com maus olhos os estrangeiros (a maior parte dos
sofistas era natural da Jônia e da Magna Grécia) que queriam ensinar às pessoas como ser
cidadãos atenienses. Para os aristocratas, a virtude do cidadão é inata. Assim, ser cidadão é algo
que se é “por natureza”. Os sofistas mais famosos foram Protágoras de Abdera (481-411 a.C.) e
Górgias de Leontini (484-375 a.C.).

Sócrates (469-399 a.C.)


Segundo Gottlieb:
Sócrates é o santo e o mártir da filosofia. Nenhum outro grande filósofo foi tão obcecado com o viver
corretamente. Como muitos mártires, Sócrates escolheu não tentar salvar a própria vida, quando
provavelmente o poderia ter feito mudando suas atitudes. Segundo Platão, que estava presente na
época, Sócrates, em seu julgamento, disse aos juízes: “estais enganados, se achais que um homem
que tem algum valor deva gastar seu tempo pesando as perspectivas de vida e morte. Só há uma
coisa a considerar quando se faz uma ação – saber se se está agindo correta ou erradamente”
(GOTTLIEB, 1999, p. 7).
Quando iniciamos o estudo do período socrático, mostramos que algumas mudanças ocorreram na
filosofia grega – seu deslocamento para a Grécia continental – e como Atenas tornou-se a mais
poderosa cidade grega. Mas outro importante deslocamento ocorreu, desta vez não geográfico, mas
sim no interior da filosofia: a mudança de foco.

Até Sócrates e seus contemporâneos, os filósofos dedicavam-se a estudar o mundo em que


vivemos – do que ele é feito, quais as transformações que ocorrem nele, etc. No período socrático,
as atenções filosóficas vão se ocupar do ser humano e sua busca por uma vida virtuosa. Virtude e
conhecimento são quase sinônimos, pois é preciso um para se ter o outro.
“Conhece-te a ti mesmo”, que seria a inscrição existente no Oráculo de Delfos a inspirar a jornada
de Sócrates, ao lado da afirmação a ele atribuída, “sei que nada sei” são duas expressões que
inspiram reflexões até os dias de hoje. Elas mostram como o homem e a virtude, a ética e o
conhecimento se tornam temas centrais na filosofia com Sócrates e seus sucessores.
Filho de Sofronisco, escultor, e Fenarete, parteira, Sócrates teria nascido em uma família de poucos
recursos financeiros; comparava seu modo de filosofar ao trabalho da mãe: ela fazia o parto de
corpos, enquanto ele, de almas. Serviu ao exército ateniense em três situações durante a Guerra do
Peloponeso. Estas teriam sido as únicas vezes em que ele saiu da cidade de Atenas em seus
setenta anos de vida.
Dois fatos podem mostrar um pouco como Sócrates era admirado por seus conterrâneos. Sua
abdicação às atividades técnicas, que eram remuneradas, em favor de “filosofar”, atividade
voluntária, mais próxima de um lazer do que de um trabalho. Contudo, ele frequentava as mais altas
esferas sociais atenienses e era idolatrado por alguns de seus membros.
O mais enigmático e misterioso filósofo grego nunca escreveu nada. Preferia abordar suas ideias em
debates e ensinamentos públicos. Mesmo sem registros originais seu pensamento vingou,
exercendo forte influência sobre as obras de seus sucessores, em especial Platão e Aristóteles.
Todavia, é importante ressaltar a dificuldade em examinar de maneira mais rigorosa o seu sistema
filosófico por não haver uma obra escrita por ele para servir como referência. Dependemos, portanto,
de fontes secundárias: a mais citada é Platão, seu mais brilhante aluno – e que abordaremos em
breve – além de Xenofonte, outro brilhante discípulo socrático, Aristófanes (contemporâneo de
Sócrates, suas peças de teatro traduzem um pouco da sociedade e do pensamento atenienses da
época) e Aristóteles (discípulo de Platão e que encerraremos esta unidade abordando suas ideias).
Mas, embora Platão e Xenofonte tenham convivido e filosofado por anos com Sócrates e colocado
sua figura em suas obras (Sócrates é a principal personagem dos diálogos platônicos), devido ao
brilhantismo dos dois discípulos torna-se difícil identificar quais ideias são de Sócrates e quais são
de Platão ou Xenofonte.
De acordo com relatos da época, Sócrates passou a dedicar-se à filosofia após visitar o templo de
Apolo Delfo (o Oráculo de Delfos). Ao ler uma inscrição na porta do templo – “Conhece-te a ti
mesmo”, diz ter ouvido uma voz interior (daímon) que lhe transmitiu uma mensagem de Apolo:
“Sócrates é o homem mais sábio entre os homens”.
Incrédulo, Sócrates procurou todos aqueles que julgava sábios, como políticos e poetas,
perguntando-lhes o que é sabedoria. Descobre, então, que eles nada sabiam. Só então compreende
a mensagem que recebeu, pois nenhum homem sabe verdadeiramente nada, mas é
verdadeiramente sábio aquele que reconhece isso. Assim, o início da sabedoria estaria contido na
frase “sei que nada sei”.
A compreensão da frase do templo de Apolo fez com que Sócrates a tomasse como uma missão.
Abandonou as atividades práticas e passou a levar uma vida pobre com sua mulher Xantipa e seus
filhos. “Foi descrito por todos os outros que o conheceram como alguém dedicado ao conhecimento
de si e que provocava nos outros perguntas sobre si próprios, conversando na praça do mercado,
nas reuniões de amigos e nas ruas...”, como aponta Chauí (2004, p. 177).
Podemos dizer que, para Sócrates, o conhecimento não é um estado (a sabedoria, “eu sei”), mas
uma busca incessante do conhecimento e da verdade. Incessante porque a cada nova descoberta, a
cada novo conhecimento obtido, uma nova lacuna (uma nova ignorância) escancara-se diante de
nós.
Isso nos ajuda a entender por que Sócrates criticava tanto os sofistas, embora tenha sido por vezes
acusado de ser como eles. Enquanto eles apresentavam-se como “professores” – portanto,
detentores do conhecimento – Sócrates dizia nada saber realmente.
Os sofistas julgavam conhecer, e, portanto, ensinavam. Sócrates indagava em vez de ensinar. Os
sofistas respondiam às perguntas. Sócrates não respondia, mas perguntava. Os sofistas falavam e
os outros apenas escutavam. Sócrates conversava, dialogava.
Para Aristóteles, a pergunta central da filosofia socrática reside em “o que é...?”. Ao questionar o que
julgamos conhecer, ele mostrava que, na verdade, nada sabemos. “O que é beleza?”, “o que é
virtude?”, “o que é coragem?”, “o que é certo?”.
A parte central da filosofia socrática estava na busca da essência do conhecimento. Só poderíamos
ser virtuosos se, primeiro, buscássemos a compreensão do que é virtude, sua “essência”.
Para filosofar, Sócrates desenvolveu um método baseado na dialética, isto é, baseado na
argumentação e discussão. Filosofava conversando com quem se dispusesse a filosofar com ele.
Portanto, fundamentava-se no diálogo.
O método socrático, cuja parte central é conhecida como maiêutica, consistia em lançar perguntas
sucessivas, não em elaborar teorias. Começava da ignorância para tentar chegar a algo.
Desmistificava “falsas verdades” e procurava atingir as verdadeiras.  Assim, na filosofia socrática o
conhecimento verdadeiro inicia-se com o reconhecimento da própria ignorância: “Sei que nada sei”.
A maiêutica consiste em duas partes: a primeira, a ironia, quando o interlocutor tinha suas
“verdades” desmistificadas e assim reconhecia sua própria ignorância. Na segunda, a do “parto”, o
sujeito buscava em sua alma (em seu daímon), os conceitos universais, as verdades.
Sócrates começava seus diálogos lançando uma pergunta (“o que é...?”). Em seguida, argumentava
contra a resposta do interlocutor, mostrando como, na verdade, seu conhecimento era nulo, para
então lançar uma nova pergunta, e assim sucessivamente. Desta maneira, ao invés de apresentar
sua resposta, levava o outro a isso.
Assim, sua proposta não era a de elaborar teorias, mas sim de ajudar a desabrochar o
conhecimento que, para ele, estava adormecido na alma humana. Conhecer era trazer à tona as
verdades que estavam no interior dos indivíduos.
A verdade era importante, pois dela dependia a conduta justa e adequada de cada sujeito dentro da
vida social e política. Como desejava uma Atenas renovada e moralmente sadia, dedicava-se à
educação da juventude, utilizando-se desse método (a maiêutica). Com isso foi, em primeiro plano,
um moralista, pois ditava que os descaminhos eram frutos da ignorância e das falsas verdades.
Virtude e conhecimento eram tidos como a mesma coisa, pois conhecer a verdade era viver
virtuosamente. A virtude podia ser aprendia, e consistia em conhecer e fazer o bem (LUCKESI;
PASSOS, 1992, p. 96).

A Morte de Sócrates
Se, por um lado, a filosofia socrática despertava admiração em muitos, gerando vários seguidores e
influenciando a humanidade por milênios, por outro trouxe a Sócrates inúmeros inimigos na
sociedade ateniense.

Era bastante comum que Sócrates, para persuadir seus concidadãos, envergonhasse publicamente
os políticos atenienses que se diziam detentores de um saber superior ao mostrar quão pouco
conhecimento eles demonstravam ao serem questionados. Sócrates dizia que os políticos eram
pretensiosos, os menos qualificados intelectualmente para as responsabilidades políticas.
Notadamente, Sócrates tinha pouca consideração pela posição ocupada pelas pessoas que ele
questionava, e por motivos óbvios essa atitude não despertava a simpatia daqueles que se diziam
defensores dos valores democráticos.
Sócrates foi acusado de não reconhecer os deuses impostos pelo Estado, de tentar introduzir
divindades novas e, sobretudo, de corromper a juventude ao questionar os valores atenienses.
Seu processo foi cuidadosamente montado. Seus acusadores tinham em comum o medo daquele
“baixinho feio e tagarela” que andava pelas ruas de Atenas questionando se a autoridade era
legítima ou não e, consequentemente, se – e quando – deveria ser respeitada pelos cidadãos.
A defesa que Sócrates fez de si mesmo é uma das mais eloquentes passagens da história. O
argumento a seu favor, de que não há virtude mais elevada que a sabedoria, constitui um momento
crucial na história da filosofia.
Embora os relatos que temos sejam de fontes próximas a Sócrates como Platão e Xenofonte (e,
portanto, seus relatos sejam em defesa de Sócrates e acusações aos juízes), suas palavras até hoje
ecoam. Em sua Apologia de Sócrates, Platão transcreve as palavras de seu mestre:
Porque eu, cidadãos atenienses, se conquistei esse nome, foi por alguma sabedoria. Que sabedoria
é essa? Aquela que é, talvez propriamente, a sabedoria humana. É, em realidade, arriscado ser
sábio nela: mas aqueles de quem falávamos ainda há pouco seriam sábios de uma sabedoria mais
que humana, ou não sei o que dizer, porque certo não a conheço. Não façais rumor, cidadãos
atenienses, não fiqueis contra mim, ainda que vos pareça que eu diga qualquer coisa absurda: pois
que não é meu o discurso que estou por dizer, mas refiro-me a outro que é digno de vossa
confiança. Apresento-vos, de fato, o Deus de Delfos como testemunha de minha sabedoria, se eu a
tivesse, e qualquer que fosse. Conheceis bem Querofonte. Era meu amigo desde jovem, também
amigo do vosso partido democrático, e participou de vosso exílio e convosco repatriou-se. E sabeis
também como era Querofonte, veemente em tudo aquilo que empreendesse. Uma vez, de fato, indo
a Delfos, ousou interrogar o Oráculo a respeito disso e – não façais rumor, por isso que digo –
perguntou-lhe, pois, se havia alguém mais sábio do que eu. Ora, a Pitonisa respondeu que não
havia ninguém mais sábio. E a testemunha disso é teu irmão, que aqui está [...]
Em realidade, cidadãos atenienses, para demonstrar que não sou réu, segundo a acusação de
Meleto, não me parece ser necessária longa defesa, mas isto basta. Aquilo, pois, que eu dizia no
princípio, que há muito ódio acumulado contra mim, bem sabeis que é verdade. E isso é o que me
vai perder, se eu me perder. E não Meleto, ou Anito, mas a calúnia e a insídia do povo: pela mesma
razão se perderam muitos outros homens virtuosos, e outros ainda, creio, serão perdidos; não há
perigo que a série se feche comigo. Mas talvez pudesse alguém dizer: Não te envergonhas,
Sócrates, de te aplicares a tais ocupações, pelas quais agora estás arriscado a morrer? A isso, porei
justo raciocínio, e é o seguinte: não estás falando bem, meu caro, se acreditas que um homem, de
qualquer utilidade, por menor que seja, deva fazer caso dos riscos de viver ou morrer e, ao contrário,
só deve considerar uma coisa: quando fizer o que quer que seja, deve considerar se faz coisa justa
ou injusta, se está agindo como homem virtuoso ou desonesto. Porquanto, segundo a tua opinião,
seriam desprezíveis todos aqueles [...]

Mas também vós, ó juízes, deveis ter boa esperança em relação à morte, e considerar esta única
verdade: que não é possível haver algum mal para um homem de bem, nem durante a vida, nem
depois da morte, e que os Deuses não se interessam do que a ele concerne; e que, por isso mesmo,
o que hoje aconteceu, no que a mim concerne, não é devido ao acaso, mas é a prova de que para
mim era melhor morrer agora e ser libertado das coisas deste mundo. Eis também a razão porque a
divina voz não me dissuadiu, e porque, de minha parte, não estou zangado com aqueles cujos votos
me condenaram, nem contra meus acusadores. Não foi com esse pensamento, entretanto, que eles
votaram contra mim, que me acusaram, pois acreditavam causar-me um mal. Por isto é justo que
sejam censurados. Mas tudo o que lhes peço é o seguinte: quando os meus filhinhos ficarem
adultos, atormentai-os como eu os vos atormentei, quando vos parecer que eles cuidam mais de
riquezas e de honrarias do que da Verdade. E, se acreditarem ser qualquer coisa não sendo nada,
reprovai-os, como eu a vós: não vos preocupeis com aquilo que não lhes é devido. E, se fizerdes
isso, terei de vós o que é justo, eu e os meus filhos. É a hora de irmos: eu para a morte, vós para as
vossas vidas; quem terá a melhor sorte? Só os Deuses sabem (PLATÃO, 2000, pp. 5, 11-12, 33).
Contudo, ao não negar as acusações que lhe eram feitas, Sócrates acabou por condenar-se.
Embora tenha tido a chance de ser condenado ao ostracismo, ou mesmo perdoado “se jurasse
abandonar a filosofia para sempre”, conforme estabelece Chauí (2004, p. 205), Sócrates preferiu
cumprir sua pena. Como observa Merleau-Ponty, citado por Chauí (2004):
Se fugisse, seria um inimigo de Atenas e tornaria sua sentença verdadeira. Ficando, é ele que
ganha, quer o inocentem quer o condenem, pois, num caso, terá feito os juízes aceitarem sua
filosofia e, no outro, a terá provado aceitando sua sentença (MERLEAU-PONTY, 1960, p. 44).
 
Assim, Sócrates foi condenado à morte, e cumpriu sua pena com a ingestão de veneno (cicuta) em
399 a.C., para desespero de seus seguidores e alívio de seus inimigos. Sua morte teve grande
impacto na sociedade ateniense, sobretudo na vida e obra de seu maior aluno, Platão, do qual
começaremos a falar agora.

Platão e a Academia
Filho de uma das mais prestigiosas famílias da aristocracia ateniense, Arístocles, mais conhecido,
devido sua compleição física, como Platão (427-347 a.C.) era descendente direto de Sólon por parte
de mãe, e do rei Codro, fundador de Atenas, por parte de pai. Tinha dois irmãos (Adimanto e
Glauco) e uma irmã (Potonè), que aparecem em alguns de seus diálogos.

Recebeu a melhor educação que um jovem aristocrata ateniense poderia receber. Além da
educação tradicional, que visava ao “guerreiro belo” (ginásio) e o “guerreiro bom” (música e poesia),
frequentou também os sofistas, pois, como descendente de uma família acostumada com o poder,
precisava aprender retórica para destacar-se na política. Segundo relatos, com os sofistas teve
contato com o pensamento de Heráclito.
Com cerca de 20 nos, aproximou-se de Sócrates, do qual se tornaria seu discípulo mais brilhante. A
morte de seu mestre, nove anos mais tarde, mexeu profundamente com Platão, que desiludido com
a cidade que matou seu cidadão mais brilhante a abandona, seguindo inicialmente para Megara.
Nele se criou uma profunda desconfiança em relação à política e aos políticos de sua época. É daí
que vem sua crença de que somente a educação filosófica dos governantes poderia salvar Atenas.
Platão inaugura no pensamento ocidental muitas das ideias políticas que permeiam, com variações,
nossa sociedade até hoje. Segundo ele, os regimes políticos distinguem-se pela qualidade e pelo
número de pessoas que exercem o poder; haveria um caminho de ascensão e degradação política
para todas as sociedades. Assim, a forma inicial de governo seria o “governo de um”, a monarquia,
na qual a qualidade primordial do governante seria a honra; em seguida, viria a aristocracia, o
“governo de alguns”, de uma elite, em que a principal qualidade deveria ser a educação ou atributos
guerreiros. Por fim, a democracia, na qual o poder pertence ao povo, e a qualidade mais importante,
a liberdade.
Entretanto, os regimes políticos também passariam por uma degeneração, e todos teriam sua forma
perversa, degenerada. A da democracia seria a anarquia; a da aristocracia, a oligarquia; e a da
monarquia, a tirania. E o caminho seria inverso: a degeneração da democracia a levaria à anarquia,
daí à oligarquia e, então, à tirania.
Enquanto seu mestre preferiu nada escrever, pois acreditava que as palavras escritas não replicam,
ou seja, não há diálogo, Platão foi um escritor de talento extraordinário e deixou uma vasta obra, que
foi, e ainda é, lida e relida incessantemente, suscitando as mais diversas interpretações. O gênero
literário por ele adotado foi o diálogo, o que nos revela a forte influência socrática.
Sua obra mais famosa, A República, narra um diálogo imaginário entre Sócrates e outros filósofos,
falando sobre a melhor forma de o governante (“rei-filósofo”) conseguir criar uma sociedade perfeita.
Por intermédio de Platão temos a principal fonte de estudo sobre o pensamento de Sócrates.
Entretanto, é difícil separarmos quais ideias atribuídas a Sócrates nos diálogos platônicos são
realmente de Sócrates ou de Platão.
Umas das ideias que, quase consensualmente, credita-se a Platão é a de que existem dois mundos:
o mundo sensível e o mundo inteligível. O primeiro é o mundo concreto, no qual vivemos. O segundo
é ligado ao universo das percepções, de tudo que toca os sentidos. Este está em constante
transformação, enquanto aquele é imutável. Para Platão, o mundo era composto de formas (uma
casa, um animal, etc.) e ideias (como a virtude e a igualdade). As formas são eternas, imutáveis,
predeterminadas – diferente das ideias. A contemplação das formas constituía o que Platão entendia
por conhecimento (que, na Grécia antiga, era sinônimo de virtude). Essa é a chamada Teoria das
Ideias ou Teoria das Formas.
Atenção!

Grécia Antiqua

Para saber mais sobre a filosofia grega, consulte o site Graecia Antiqua, no endereço .

Fonte: Elaborado pelo autor.

 
De acordo com o pensamento platônico, o mundo não é o que aparenta ser, ele diferencia aparência
de realidade. Enquanto a maioria de nós confunde aparências com realidade (pensa que conhece
algo, mas não conhece realmente), os filósofos seriam os únicos capazes de compreender o mundo
como ele realmente é, pois eles valem-se do pensamento, e não dos sentidos, para descobrir a
natureza da realidade.
Para melhor ilustrar sua ideia, Platão criou uma alegoria, presente em sua principal obra,  A
República, livro VII, que ficou conhecida como “o mito da caverna”, como relata o filósofo Nigel
Warburton:
Para defender isso, Platão descreve uma caverna. Nessa caverna imaginária, há pessoas
acorrentadas viradas para uma parede. Diante delas, as pessoas veem sombras trêmulas que
acreditam corresponder às coisas reais. Mas não são. O que veem são sombras projetadas por
objetos conduzidos na frente de uma fogueira que fica lá atrás. Essas pessoas passaram a vida toda
pensando que as sombras projetadas na parede são o mundo real. Até que um dos sujeitos se
liberta das correntes e segue em direção ao fogo. Seus olhos ficam turvos a princípio, mas depois
ele começa a ver onde está. Caminha aos tropeços para fora da caverna e, por fim, consegue olhar
para o sol. Quando ele volta para a caverna, ninguém acredita no que ele diz sobre o mundo lá fora.
O homem que se liberta é como o filósofo: ele vê além das aparências. As pessoas comuns não têm
muita noção da realidade porque se contentam em olhar o que está diante delas em vez de refletir
profundamente sobre as coisas. Contudo, as aparências são enganadoras. O que veem são
sombras, não a realidade (WARBURTON, 2011, p.15).
Dentre os vários pontos que merecem destaque, nos deteremos em três: o homem precisa se
libertar dos preconceitos, de suas noções preconcebidas, simbolizados pelas correntes que os
prendem; o primeiro contato com a “luz da verdade” é doloroso (seus olhos ficam turvos) e difícil. E,
finalmente, poucos estão preparados para tal compreensão, e por isso os que permaneceram
acorrentados refutam as ideias daquele que conseguiu sair e ver o mundo real.
Outra inovadora ideia platônica é a que introduz a noção de modos de conhecimento, que seriam
quatro, como observa Marilena Chauí (2004, p. 224): “Os três primeiros são os meios de adquirir
conhecimento e o quarto é o conhecimento propriamente dito. O primeiro é o nome, o segundo, a
definição, o terceiro é a imagem e o quarto é o conhecimento ou ciência”. Sua teoria do
conhecimento é até hoje estudada.
Platão, como o principal herdeiro do pensamento socrático, trabalha a questão do conhecimento das
essências como fundamental. Sócrates buscava a formação dos conceitos universais, Platão diz que
estes existem no mundo das essências e que a alma já os vivenciou. É preciso recordá-los
(reminiscência é o método platônico) e viver segundo eles. Em ambos, as verdades são descobertas
da alma, porém em Sócrates elas se dão na alma e em Platão elas estão na alma, porque esta já
existiu no mundo das essências, já tendo sido vivenciadas. Para o primeiro, a sua descoberta é um
“parto”, para o segundo, uma “reminiscência” (LUCKESI; PASSOS, 1992, p. 97).
Um dos conceitos elaborados por Platão que tiveram maior popularidade foi o de amor, embora a
maioria das pessoas o interprete erroneamente. O amor platônico, filosoficamente falando, não
significa que os relacionamentos não devam ter atração física. Significa, sim, que os impulsos, os
desejos sexuais, devem ser contidos em nome do bem maior.

A Academia
Após a morte de Sócrates, Platão e outros socráticos saem de Atenas, provavelmente por temerem
algum tipo de perseguição. Platão viaja pela Magna Grécia, pela Ásia Menor e, possivelmente, pelo
Egito. Quando retorna a Atenas, por volta de 388 a.C., compra um ginásio perto de Colona, a
nordeste de Atenas, nas vizinhanças de um bosque de oliveiras em homenagem ao herói grego
Academo. Mais tarde ele amplia a propriedade com a aquisição de um terreno vizinho e lá constrói
um alojamento para os estudantes.
Situada em um belo jardim, a Academia foi a grande obra platônica (ao lado de seus textos).
Fundada e custeada por Platão, nela só ingressavam discípulos cuidadosamente escolhidos, e lá se
formaram os mais proeminentes pensadores e futuros políticos da Grécia clássica, inclusive seu
mais ilustre discípulo, Aristóteles, que por vinte anos a frequentou.
Ao contrário das primeiras escolas filosóficas, que, embora leigas, tinham como modelo as seitas
religiosas dos mistérios, a Academia foi o primeiro instituto de investigação filosófica do Ocidente.
Era uma escola que pretendia, em todos os campos do saber, realizar o ideal socrático da
autonomia da razão e da ação contra a hegemonia em que se comprazia o sofista. Por isso, a
Academia rivalizava e combatia a Escola da Retórica, do sofista Isócrates, fundada na mesma época
[...]. Em vez de transmitir doutrinas, a Academia ensinava a pensar [...]. Em vez de transmitir valores
éticos e políticos, a Academia ensinava a criá-los, isto é, a propô-los a partir da reflexão e da teoria.
Nela prevaleceu o espírito socrático: a discussão oral e o desenvolvimento do vigor intelectual do
estudante eram mais importantes do que as exposições escritas (CHAUÍ, 2004, p. 226).
Embora se aproximasse do pitagorismo em alguns pontos, fica evidente a influência da filosofia
socrática na orientação da Academia. Os diálogos eram fundamentais, e Platão teria dito, em
sua Carta Sétima, que sua filosofia jamais seria profundamente conhecida, pois havia muitos temas
sobre os quais nunca escreveria, pois o conhecimento deles só seria possível mediante o diálogo, e
só quem o acompanhasse na Academia os conheceria.
Em 347 a.C., com cerca de 80 anos, morre Platão; o legado por ele deixado é tão vasto que é difícil
encontrar um filósofo que não tenha sido influenciado por suas ideias. Teve seu pensamento
retomado pela filosofia cristã, e foi, e ainda é, motivo de intensos debates. Seu sucessor na direção
da Academia foi seu sobrinho Espeusipo, filho de sua irmã Potonè. Tal decisão teria deixado
insatisfeito o mais brilhante discípulo platônico, Aristóteles, que acaba por fundar outra escola, o
Liceu. Isso é o que veremos a seguir.

Aristóteles e o Liceu
Nascido na cidade de Estagira na região da Trácia em 384 a.C., Aristóteles mudou-se para Atenas
em 366 a.C., aos 18 anos, e lá passou a frequentar a Academia de Platão por quase vinte anos,
sendo seu mais brilhante discípulo.
O período aristotélico pode ser encarado como o apogeu da filosofia grega, como aponta o filósofo
espanhol Julián Marias:
Com Aristóteles, a filosofia grega atinge a sua plena maturidade; a tal ponto que, desde então,
começará a sua decadência, e não tornará a alcançar uma altura semelhante. A própria Grécia nem
sequer chega a ser capaz de conservar a metafísica aristotélica, faltando-lhe a compreensão para os
problemas filosóficos que tão profundamente Aristóteles havia posto. [...] Aristóteles é – com Platão
–, a figura maior da filosofia grega, e mesmo talvez de toda a filosofia. Determinou em maior medida
que qualquer outro pensador os caminhos que depois dele a filosofia havia de percorrer. Foi o
descobridor de um fundo estrato das questões metafísicas, o forjador de muitos dos mais
importantes conceitos que o intelecto humano maneja há largos séculos para pensar o ser das
coisas. [...] O homem, em suma, que possui todo o saber de seu tempo. Onde pôs a mão, deixou
sinais de sua genialidade. Por estas razões, Aristóteles gravitou de uma forma inimaginável por toda
a filosofia (MARIAS, 1959, p. 76).
Após a morte de Platão e a escolha do sobrinho de seu mestre como seu sucessor, Aristóteles
abandona a Academia e sai de Atenas. Passa por Mísia e Mitilene, e nesse período casa-se, torna-
se viúvo, e casa-se novamente (seu filho, Nicômaco, é fruto de seu segundo casamento).

Cerca de quatro anos após sair da Academia (portanto, por volta de 343 a.C.), Aristóteles é
convidado pelo rei Filipe da Macedônia para encarregar-se da educação de seu filho, Alexandre,
então com treze anos. Pouco se sabe sobre a relação dos dois, mas sabe-se que estavam em
desacordo quanto à ideia de fusão da cultura grega com a oriental (Alexandre era favorável, e
Aristóteles, contrário). Como preceptor do futuro monarca, viveu na Macedônia até 334 a.C.
Após a passagem pela Macedônia, Aristóteles retorna a Atenas e funda sua própria escola dedicada
ao ensino da filosofia, o Liceu. Em meio a um bosque em homenagem às musas e a Apolo Licio,
aluga algumas casas onde funcionaria sua escola. Tratava das questões filosóficas mais profundas
com seus discípulos passeando com eles pelo bosque. Depois, explicava a um número maior de
pessoas temas mais “acessíveis”, como a retórica, a política ou a sofística. Mas não era só isso,
como acrescenta Warburton:
Depois de estudar com Platão, viajar e trabalhar como tutor de Alexandre, o Grande, ele fundou a
própria escola em Atenas, chamada Liceu. Trata-se de um dos mais famosos centros de ensino do
mundo antigo, algo parecido com as universidades modernas. De lá, ele enviava para fora
pesquisadores que voltavam com novas informações sobre todos os assuntos, de sociedade política
a biologia. Ele também fundou uma importante biblioteca (WARBURTON, 2011, p. 10).
Autor de frases famosas repetidas até hoje, abre um de seus mais famosos trabalhos, a  Metafísica,
afirmando que “todos os homens desejam por natureza saber”. Assim, sentimos prazer em conhecer
as coisas. Outra de suas mais famosas frases – embora erroneamente atribuída a William
Shakespeare –, está em Ética a Nicômaco: “Uma andorinha só não faz verão”. Embora cunhada há
quase 24 séculos, essa expressão continua sendo utilizada para os mais diversos fins.
Mas, embora Aristóteles afirmasse que o homem, “naturalmente”, deseja o conhecimento, a filosofia
não nasce de maneira natural; para ele, a filosofia começa com um “espanto”, um problema, uma
dificuldade que parece insolúvel. Talvez tenha sido o espanto de Tales ao presenciar a mudança da
água do estado líquido para o sólido ou gasoso que o levou a filosofar, tentando compreender do
que o mundo é feito.
Dos três grandes filósofos da Grécia antiga, Aristóteles foi o mais metódico e sistemático. Foi
também o mais abrangente, pois escreveu sobre biologia, química, física, história, ótica, pedagogia,
metafísica etc. Foi o criador da Lógica, ou do pensamento lógico.
A Lógica aristotélica ocupa seis de suas primeiras obras. Foi o exemplo mais sistemático de filosofia
por quase dois milênios. Embora seja por demais complexa para ser adequadamente resumida aqui,
é um silogismo, raciocínio que parte de duas premissas para se chegar a uma conclusão. Por
exemplo: Sócrates é um homem (premissa 1). Todos os homens são mortais (premissa 2). Logo,
Sócrates é mortal (conclusão).
Embora seja o principal discípulo de Platão, Aristóteles discordou dele em vários pontos. Ao analisar
a Metafísica aristotélica, o historiador da filosofia Martyn Oliver observa:
À diferença de Sócrates e Platão, Aristóteles não era motivado por uma paixão pela busca da justiça
no saber absoluto da filosofia. Para Platão, o conhecimento e a justiça são inseparáveis, enquanto
para Aristóteles, são apenas interligados. [...]
A Metafísica de Aristóteles (compreensão filosófica da realidade) é, em essência, uma modificação
da teoria das ideias, de Platão. Grande parte dessa obra parece uma tentativa de moderar as muitas
extravagâncias de Platão. Seus dois principais aspectos mais importantes são a distinção entre o
“universal” e a mera “substância” ou “forma particular” e a distinção entre as três substâncias que
formam a realidade, cada uma com sua essência fundamental. São elas: 1) o que é sensível e
perecível (os animais e as plantas); 2) o que é sensível, mas não-perecível (o homem, pois tem uma
alma racional); 3) o que não é sensível nem perecível (Deus). Apesar de assimilada de muitas
formas pelo mundo moderno, essa divisão é grega. Trata-se, em parte, de uma racionalização da
moralidade grega convencional expressa em estruturas sociais e políticas (OLYVER, 1998, p. 20-1).
Ainda sobre a divergência do pensamento aristotélico com o de seu mestre Platão, Luckesi e Passos
(1992) afirmam:
Do ponto de vista do conhecimento, Aristóteles divergiu de seu mestre Platão. Enquanto este
defendia que os conceitos universais já existiam na alma, aquele diz que os conceitos são formados
por um processo de abstração que se inicia pela percepção dos objetos produzidos pelo sentido,
chegando aos conceitos universais e abstratos (LUCKESI; PASSOS, 1992, p. 98).
Em outra de suas famosas frases, presente em A Política, Aristóteles afirma que “o homem é um
animal político por natureza”. Ou seja: para garantir sua preservação, o homem estabelece
comunidades e estas, em sua forma mais elevada, constituem o Estado. O Estado é o “resultado
natural” da experiência política humana. Como Platão, defende que existem três formas de Estado: a
monarquia, a aristocracia e a democracia. Embora aceitasse a monarquia sob condições especiais,
era um defensor do regime democrático. Era, também, um defensor do ócio para os políticos – ou
cidadãos. Livres das preocupações do dia a dia, poderiam se dedicar inteiramente à política, sem
obstáculos à sua capacidade de pensar e agir de forma mais racional.
Mas a história da filosofia deve ainda mais a Aristóteles por ter sido ele seu precursor. Aristóteles
entendia que seu pensamento dependia do que pensaram as pessoas antes dele. Gênios não
costumam surgir do nada (Aristóteles aprendeu com Platão, que aprendeu com Sócrates, formando
uma “corrente”, embora haja grandes diferenças entre o pensamento dos três), e por isso a filosofia
anterior a ele merecia destaque. Parte considerável do que conhecemos sobre o pensamento de
Sócrates, dos pré-socráticos e mesmo de Platão, são originários dos estudos aristotélicos.
Assim como Sócrates e Platão, Aristóteles se perguntava “como devemos viver?”. Seria a procura
da resposta a esta pergunta que, em muitos casos, levaria as pessoas à filosofia pela primeira vez.
Mas, enquanto Platão e Sócrates acreditavam em uma vida virtuosa, Aristóteles respondia que
devemos viver buscando a felicidade.
Mas, o que seria “buscar a felicidade”? Não se tratava, para Aristóteles, de momentos efêmeros, de
felicidade passageira. Não seriam “momentos felizes”, ou não apenas isso. Aristóteles afirmava que
o que diferenciava os homens dos animais era sua capacidade de raciocinar. Por isso, o melhor jeito
de viver seria usando a razão. Concordava que deveríamos procurar, sim, uma vida virtuosa. Mas a
virtude, para ele, encontra-se a meio termo entre dois extremos. Isso foi chamado de justo meio.
Como aponta Warburton (2011):
Pense na virtude da coragem durante a guerra. Talvez um soldado precise colocar a própria vida em
risco para salvar alguns cidadãos do ataque de um exército. O temerário não se preocupa com a
própria segurança. Ele também poderia entrar numa situação perigosa, talvez até quando não
precisasse, mas isso não é a verdadeira coragem, e sim a ação imprudente de correr riscos. No
outro extremo, o soldado covarde não consegue superar seu medo o suficiente para agir de maneira
apropriada e ficará paralisado diante do terror no momento exato em que mais se precisa dele. O
sujeito valente ou corajoso, no entanto, também sente medo nessa situação, mas é capaz de
dominá-lo e agir. Aqui, a coragem está na metade do caminho entre a temeridade e a covardia. Isso
costuma ser chamado na doutrina de Aristóteles de justo meio (WARBURTON, 2011, p. 13).
Sua genialidade era tamanha que, por vezes, bastava citar uma fala de Aristóteles para encerrar um
assunto como se aquilo comprovasse sua ideia. Isso, claramente, contradizia a tradição filosófica
iniciada com Sócrates. Claro que isso gerou efeitos colaterais, pois, há mais de dois mil anos, e com
uma obra tão vasta e abrangente, obviamente há erros em algumas de suas conclusões. Assim,
durante toda a Idade Média, se Aristóteles havia escrito algo, então aquilo estava certo e não seria
necessária uma comprovação.
Como em Platão, o legado de Aristóteles é gigantesco, e sua influência ainda se faz sentir.
Considerado por muitos o maior sábio da Antiguidade, o pensamento aristotélico moldou parte do
pensamento humano e da maneira como vivemos.
Após a morte de Alexandre, o Grande, em 323 a.C., suscitou-se em Atenas um movimento
antimacedônico que foi hostil a Aristóteles. Dizendo não querer ver a cidade cometer outro crime
contra a filosofia – referia-se à execução de Sócrates –, partiu para a cidade de Cálcis, onde faleceu
no ano seguinte, em 322 a.C., aos 62 anos.
Atenção!

Mito da Caverna

Mauricio de Sousa, criador da Turma da Mônica, de forma divertida, revive a alegoria platônica do
Mito da Caverna, inserindo um de seus personagens, o pré-histórico Piteco, na história. Ao final, faz
uma interessante analogia com o mundo moderno onde, ao invés de nos colocarmos em uma
caverna vendo sombras, sentamo-nos em frente à TV vendo as imagens ali projetadas.

Fonte: Elaborado pelo autor.

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