Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Introdução
Discutiremos o que é filosofia, sua origem na Grécia Antiga e seu desenvolvimento desde seus
primeiros expoentes, os chamados “pré-socráticos”, considerados os criadores da Filosofia, até o
consagrado Aristóteles, compreendendo o período que vai aproximadamente do século VII a. C.
até o século IV a. C.
Dentre os filósofos pré-socráticos, ou seja, os filósofos que antecederam o grande filósofo grego
Sócrates (469 – 399 a. C.), destacamos neste material Tales de Mileto, apontado pela maioria
dos historiadores como o “pai da Filosofia”, Pitágoras de Samos, cuja influência se faz sentir até
os dias atuais, e Parmênides de Eleia, bastante citado pelos acadêmicos modernos. Esta
“divisão” é feita em função da principal preocupação dos filósofos de antes e depois de Sócrates.
Os pré-socráticos direcionaram suas reflexões para compreender o mundo, principalmente sua
composição, já Sócrates e seus discípulos colocaram o homem como centro de suas reflexões.
Sócrates, o mais misterioso filósofo da Grécia antiga, nunca escreveu nada, mas seus
ensinamentos e frases são lembrados até hoje mediante os escritos de seus discípulos, dos
quais o mais famoso é Platão, cuja importância transcende, em muito, a simples perpetuação da
obra de seu mestre.
E, finalizando este material, apresentamos as ideias de Aristóteles, apontado por muitos como o
maior sábio da Antiguidade, que escreveu sobre os mais diversos assuntos, da Botânica à
Arquitetura, e cuja influência, ainda hoje, é imensa.
O que é Filosofia?
“A filosofia é a terra de ninguém entre a ciência e a teologia, exposta a ataques dos dois lados”.
Com essa frase, o filósofo e matemático inglês Bertrand Russel (1872-1970) definiu a filosofia.
Realmente, o campo nebuloso habitado pela filosofia parece não se enquadrar totalmente nem
na teologia (disciplina cujo objeto de estudo é Deus) nem na ciência, mas possui um pouco de
ambos, e por isso, transita entre os dois, criando um campo de conhecimento único e
fundamental, questionado tanto pela religião, porque duvida de seus dogmas, quanto pela
ciência, porque não segue a metodologia científica de experimentos e demonstrações, mas
produz seu conhecimento mediante a reflexão.
Geralmente atribuída a Pitágoras de Samos, a palavra filosofia é composta de filo (do grego
antigo philia, que significa amizade) e sofia (sophia, sabedoria). Portanto, significa literalmente
amizade ao saber, ou amor ao saber. Como Pitágoras acreditava que a sabedoria plena era
restrita aos deuses, cabia aos homens apenas desejá-la, amá-la; ele se recusava a ser chamado
de sábio, dizendo-se apenas um “amigo da sabedoria”.
Todavia, a palavra sophia carrega uma ambivalência: ela tanto pode significar o saber, no
sentido de conjunto sistemático e racional de conhecimentos sobre o mundo e sobre os homens,
como pode significar sabedoria, no sentido de uma disposição humana para uma vida virtuosa e
feliz.
Gérard Durozoi e André Roussel, autores do Dicionário de Filosofia, assim definem filosofia:
[...] sistema de reflexões críticas sobre as questões referentes ao conhecimento e à ação. Nessa
ótica, a filosofia pode voltar ao que cada ciência apreende diretamente (por exemplo: filosofia
da história). [...] É caracterizada em geral por sua atitude interrogativa e não dogmática,
inaugurada por Sócrates: mas pode-se observar que, ao evocar-se “a filosofia” desse autor,
visa-se, contudo um conjunto de afirmações ou de teses. O que significa constatar que, para ser
apreendida em toda a sua extensão, a filosofia deve ser entendida como além de cada filósofo
que lhe atualiza momentaneamente uma certa ‘morte’. Assim, a filosofia é inseparável [...] de
sua história (DUROZOI; ROUSSEL, 1998, p. 190).
Dito de outra forma, os filósofos se dedicam a refletir criticamente sobre todo conhecimento
produzido pela humanidade (filosofia da matemática, filosofia da história, etc.) e também sobre
o comportamento (ações) da humanidade, sejam essas questões de valores morais (ética) ou
artísticas (estética). Em suas reflexões, os filósofos questionam tudo e não aceitam nada apenas
pela “fé”, como no caso das religiões, e dessas reflexões surgem afirmações ou teses que
constituem o “conhecimento filosófico”. Mas, o próprio conhecimento filosófico produzido em
determinado período é questionado em outro, daí que para se “apreender a filosofia em toda
sua extensão” é preciso estudar a sua história, nosso principal objetivo neste livro.
Mas, para a filósofa brasileira Marilena Chauí, não existe apenas uma definição de filosofia e,
destaca que é possível perceber ao menos quatro definições apresentadas a seguir.
Sintetizando essas quatro definições, Chauí (2012) destaca principalmente o que a filosofia “não
é”, enfatizando o caráter essencialmente reflexivo do ato de “filosofar”:
A filosofia não é ciência: é uma reflexão sobre os fundamentos da ciência, isto é, sobre
procedimentos e conceitos científicos. Não é religião, é uma reflexão sobre os fundamentos da
religião, isto é, sobre as causas, origens e formas das crenças religiosas. Não é arte, é uma
reflexão sobre os fundamentos da arte, isto é, sobre os conteúdos, as formas, as significações
das obras de arte e do trabalho artístico. Não é sociologia nem psicologia, mas a interpretação e
avaliação crítica dos conceitos e métodos da sociologia e da psicologia. Não é política, mas
interpretação, compreensão e reflexão sobre a origem, a natureza e as formas do poder e suas
mudanças. Não é história, mas reflexão sobre o sentido dos acontecimentos enquanto inseridos
no tempo e compreensão do que seja o próprio tempo (CHAUÍ, 2012, p.28).
Assumindo esta característica interrogativa da filosofia, o grande filósofo alemão Immanuel Kant
dizia que são três as indagações filosóficas fundamentais:
O que podemos saber? Isto significa refletir sobre os conhecimentos. O que conhecemos,
como conhecemos, como são produzidos os conhecimentos científicos, artísticos, sociais,
enfim, o que é conhecimento em toda sua extensão e como ele é possível.
Tales de Mileto
Tales (625-545 a.C.), o mais famoso dos filósofos da cidade de Mileto, foi um dos chamados
“sete sábios da Grécia arcaica”. Conforme Diógenes de Laércio, Tales teria sido o primeiro
grego a ser considerado “sábio”.
Pouco se sabe sobre sua origem, e alguns o consideram fenício; os fenícios foram um povo que
viveu às margens do Mar Mediterrâneo, aproximadamente na região atualmente ocupada pelo
Líbano. Destacaram-se no comércio e na navegação e, por isso mesmo, estabeleceram contato
com diversos povos da antiguidade e fundaram diversas colônias (os chamados “empórios”) no
norte da África e Sul da Europa.
Como seus colegas milésios, tentava compreender de qual substância o mundo seria feito,
mediante, sobretudo, a observação e a contemplação. Uma famosa anedota na Grécia antiga
repetida por Platão em seus textos dizia que, por ser um teórico, ou seja, um “contemplador
puro”, Tales, caminhando com os olhos voltados para o céu, tropeçou em uma pedra e caiu em
um poço. É daí que vem a consagrada imagem que se tem dos filósofos, de uma pessoa
distraída das coisas mundanas e absorta em pensamentos abstratos.
Em sua Metafísica, Aristóteles assim expõe o pensamento de Tales:
Os que por primeiro filosofaram, em sua maioria, pensaram que os princípios de todas as coisas
fossem exclusivamente materiais. De fato, eles afirmam que aquilo de que originariamente
derivam e aquilo em que por último se dissolvem é elemento e princípio dos seres, na medida
em que é uma realidade que permanece idêntica mesmo na mudança de suas afecções. Por esta
razão, eles creem que nada se gere e nada se destrua, já que tal realidade sempre se conserva
(...). Tales, iniciador desse tipo de filosofia, diz que o princípio é a água (por isso afirma também
que a terra flutua sobre a água (ARISTÓTELES, 2002, p. 15;17. Metafísica, A3, 983b6).
De acordo com o pensamento de Tales, a substância fundamental que compõe o mundo é a
água (ou o úmido). Ela seria o princípio vital de tudo o que existe. Como explica Chauí (2004):
O fato de considerar a água como alma, isto é, como princípio vital, leva Tales a considerar que
todas as coisas são viventes ou animadas e por isso se transformam e se conservam. A água é o
“deus inteligente” que faz todas as coisas e é a matéria e a alma de todas elas. Eis porque se
atribui a Tales a afirmação: “Todas as coisas são cheias de deuses” (CHAUÍ, 2004, p.57).
A razão para Tales ter escolhido a água ou o úmido como o princípio de todo o universo pode ser
explicada de várias maneiras. A água apresenta-se sob as mais variadas formas e em todos os
estados (sólido, líquido e gasoso); a água está vinculada à vida; a mitologia grega falava do rio
Oceano, que circundava toda a terra (assim, Tales estaria tentando explicar racionalmente um
mito).
O argumento de que todas as coisas são animadas (vivas) teria surgido, segundo relato de
Aristóteles, da observação que Tales teria feito sobre a chamada pedra de Magnésia, ou seja,
um ímã.
Tales acreditava que o princípio vital, ou a alma, seria uma força motriz ou cinética, isto é, uma
força capaz de mover-se ou de mover outras coisas. Ao observar o ímã atuando sobre o ferro
movendo-o, Tales concluiu que, se a alma é o princípio vital e o ímã possuía essa força, este
possuiria uma alma, e, consequentemente, seria animado, isto é, vivo.
Não nos cabe julgar cientificamente se a conclusão de Tales é correta ou não (quanto à natureza
viva do ímã). O fundamental é entender como ele raciocinou para chegar a essa conclusão. Essa
maneira é inovadora e propriamente filosófica. Tales inferiu de fatos observáveis uma conclusão
apenas pela razão.
Anaxímenes de Mileto
Anaxímenes de Mileto (588-524 a.C.) é o terceiro e último representante da Escola Milésia.
Admite como substância primeira e fundamental o ar.
Ao se condensar, o ar daria origem à água. Condensando-se ainda mais, daria origem à pedra.
Para Anaxímenes, as partículas de matéria constituíam-se de ar, e dos diferentes processos de
condensação ou rarefação, contínuos e antagônicos, originariam corpos mais ou menos sólidos.
Heráclito de Éfeso
Nascido na cidade de Éfeso, ao norte de Mileto, Heráclito (540-470 a.C.) pouco se interessava
pelo mundo social e econômico. Sua preocupação maior era a filosofia.
Como os demais jônicos, acreditava na existência de uma única substância ou elemento que
seria o princípio de tudo. Este elemento era o fogo. Como explicam Luchesi e Passos (1992, p.
93), “o fogo era, para ele [Heráclito], a substância física que mais se aproximava da essência do
tempo, por isso, a tudo dava origem e explicava”.
O devir (processo de surgimento, mudança e perecimento dos seres) era tema central de seus
pensamentos. Heráclito entendia que nada no universo era estável: tudo estava em constante
transformação, da mesma forma que os homens que, no percurso natural da vida, nascem,
crescem, declinam e morrem. Dizia ser impossível nos banharmos duas vezes em um mesmo
rio, pois nem as águas e nem nós seríamos os mesmos. A natureza era um “fluxo perpétuo”.
Pitágoras e a Irmandade Pitagórica
Pitágoras de Samos (582-500 a.C.) foi um dos mais importantes filósofos da antiguidade. A sua
ideia primordial partia do pressuposto de que tudo podia ser reduzido a relações matemáticas,
conhecido não apenas por introduzir a “demonstração” em matemática, mas também por ter
criado uma instituição que se aproximava muito de uma religião organizada: a Irmandade
Pitagórica.
A Irmandade Pitagórica, fundada em 532 a.C. na cidade de Samos, foi tão conhecida quanto seu
mestre e fundador. Seus membros viviam sobre um rígido sistema de regras e um severo
código ético. Suas regras proibiam muitas atividades, como caminhar pelas estradas ou comer
determinados cereais.
Umas das crenças mais difundidas pela Irmandade Pitagórica era a de que a ordem, a forma e a
figura são qualidades do bem, enquanto a desordem, a escuridão e a indefinição são ruins. Essa
ideia era encontrada em diversas passagens da mitologia grega, que considerava, de forma
geral, ruim tudo aquilo que não pudesse ser explicado racionalmente.
“Todas as coisas são feitas de números”. A obsessão de Pitágoras com os números o levou a
formular proposições básicas da matemática e da geometria que continuam em uso até hoje.
Ao defender que o princípio universal de todas as coisas é o número Pitágoras inova, pois a
essência de todas as coisas não pode mais ser percebida pelos sentidos, como o ar ou água, tão
importante para os filósofos de Mileto. O elemento essencial passa a ser um elemento do
pensamento.
Atenção!
Descobertas de Pitágoras
Pitágoras fez descobertas em diversos campos. Na música, por exemplo, descobriu que o som
de uma corda dependia de seu comprimento.
Fez inúmeras descobertas na matemática e geometria, podendo-se destacar o teorema que leva
seu nome: em um triângulo retângulo a soma dos quadrados das medidas dos catetos é igual
ao quadrado da medida da hipotenusa. O Teorema de Pitágoras, com seus mais de 2500 anos,
continua sendo ensinado até hoje.
Mas, no campo filosófico, sua principal inovação foi, sem dúvidas, uma interpretação do mundo
e da vida humana a partir da ideia do número, que é abstrata, ordenada e harmônica. Essa
compreensão de mundo rompe com a ideia de movimento e transformação, características do
pensamento grego de sua época.
Período Socrático
Antes de iniciarmos o debate acerca da vida e obra de Sócrates, faz-se necessário um breve
resumo sobre as transformações da sociedade grega – e, mais especificamente, ateniense –
neste período que abordaremos a partir de agora, com Sócrates, Platão e Aristóteles. Ou seja,
os séculos V e IV a.C.
A primeira transformação de que trataremos é o deslocamento geográfico-político da filosofia.
Há que se ressaltar que a filosofia grega surgiu nas colônias da Ásia Menor (próximo à Turquia
atual), em cidades como Mileto, Halicarnasso, Éfeso, Samos, e nas colônias gregas da região
chamada Magna Grécia (atual sul da Itália), em cidades como Eleia e Agrigento. No século V
a.C., há um deslocamento da filosofia para a Grécia continental e, mais precisamente, para
Atenas (na região da Ática), que passará a destacar-se como a mais poderosa – e influente –
cidade de toda a Grécia.
Tal deslocamento ocorre, sobretudo, devido à vitória grega na guerra contra os persas, as
chamadas Guerras Médicas. As Guerras Médicas foram os confrontos entre gregos e persas
durante o século V a.C. provocados pela disputa pela região da Jônia na Ásia Menor. As colônias
gregas na Ásia tentaram se livrar do domínio persa e garantir a hegemonia sobre um importante
ponto estratégico de comércio.
A decisão ateniense de tentar decidir a guerra pelo mar (enquanto os espartanos acreditavam
em uma decisão em batalhas terrestres) acabou sendo crucial para a vitória grega. Atenas
destacou-se no conflito e, com o fim da guerra – após a célebre Batalha de Salamina –, tornou-
se a mais próspera, poderosa e influente cidade de toda a Grécia.
Como resultado das Guerras Médicas, podemos destacar:
A hegemonia ateniense sobre a região da Grécia.
A decadência do império persa.
O revigoramento da democracia.
O aumento da rivalidade entre Esparta e Atenas.
Criação da Confederação de Delos.
A Confederação de Delos – também chamada de Liga de Delos ou, ainda, Liga Marítima
Ateniense – foi criada em 478 a.C. durante as guerras contra os persas. Essa confederação
reunia as cidades gregas, incluindo Esparta. Como integrantes da Liga, as cidades se
comprometeram a realizar contribuições anuais para ela e fornecer homens e barcos em casos
de batalhas. O principal objetivo da Confederação de Delos era a defesa das cidades gregas de
uma nova invasão persa, mas esta demorou a acontecer.
A cidade de Atenas estabeleceu-se como líder da Confederação e valeu-se de sua liderança. Boa
parte dos recursos angariados com as contribuições dos membros da liga foram alocados em
obras públicas para os atenienses.
A sociedade ateniense transformara-se consideravelmente entre os séculos VI a.C. e IV a.C.
Três importantes reformas jurídicas e institucionais merecem ser mencionadas.
Primeiro, em 594 a.C., com Sólon, que instituiu leis válidas para todos os membros da cidade
que não poderiam ser quebradas por tradições ou costumes. A antiga divisão patriarcal, por
famílias, cede lugar a uma nova divisão baseada em critérios de fortuna pessoal. Como observa
Chauí (2004):
Essa mudança política decorreu da clara percepção de Sólon de que a terra ateniense era pobre
e a agricultura não seria suficiente para manter a cidade, sendo necessário incentivar o
comércio e o artesanato. Para isso, era preciso quebrar o poderio da nobreza fundiária, atrair
estrangeiros e determinar a participação no poder político pelo critério da fortuna pessoal. As
medidas de Sólon não impediram reações contra ele nem que, após sua morte, Atenas
conhecesse a tirania de grupos aristocráticos (CHAUÍ, 2004, p. 132).
A segunda grande reforma começou em 510 a.C. com Clístenes. Ele reordena o espaço político
ateniense – e de toda a Ática – com o intuito de impedir a concentração de poderes
aristocráticos ou oligárquicos.
Foi também sob o comando de Clístenes que foram criadas as duas instituições políticas mais
importantes de Atenas: o Conselho dos Quinhentos (Boulé), um conselho formado por
quinhentos cidadãos sorteados a cada reunião. Funcionava como um tribunal que cuidava dos
assuntos cotidianos de Atenas, bem como das relações entre seus moradores. Como os
membros eram escolhidos por sorteio, todos os cidadãos podiam periodicamente participar das
decisões.
Já a Assembleia Geral (Ekklesía) reunia todos os cidadãos atenienses. Nela discutiam-se e
decidiam-se os principais assuntos da cidade, sobretudo os referentes à guerra e à paz, além de
votarem a escolha dos magistrados atenienses.
Para permitir a participação dos cidadãos mais pobres, Clístenes estabeleceu uma remuneração
a esses cidadãos enquanto estivessem reunidos na Assembleia ou no Conselho. Há que se
ressaltar que, por vezes, tais instituições ficavam reunidas por vários dias – ou semanas –
seguidos.
Com as reformas de Clístenes tem início a democracia. Diferente das democracias atuais, os
habitantes de Atenas considerados cidadãos eram poucos se comparados ao total da população.
Outra importante diferença reside no fato de a democracia ateniense ser direta e participativa.
Ou seja, os cidadãos participavam diretamente das discussões e decisões., diferentemente das
democracias atuais, representativas, em que o cidadão elege um “representante” para participar
das discussões e tomadas de decisões em seu lugar.
Faz-se necessário salientar que a democracia ateniense se pautava sobre dois pilares:
a isegoría, isto é, o direito de todo cidadão exprimir publicamente suas opiniões e vê-las
discutidas no momento das tomadas de decisões, e a isonomia, ou seja, a igualdade jurídica dos
cidadãos – todos são iguais perante a lei.
A terceira e última grande reforma do período foi promovida por Péricles, que governou a
Atenas de 461 a.C. a 429 a.C. Realizou reformas que hoje, seriam chamadas de “populistas”,
como conceder ingressos gratuitos para os cidadãos mais pobres irem ao teatro ou aumentar a
remuneração a quem participasse dos julgamentos no Conselho dos Quinhentos. Por outro lado,
restringiu o acesso à cidadania ateniense ao determinar a necessidade de pai e mãe serem
atenienses.
Péricles foi tão importante para Atenas que se convencionou chamar esse período de “século de
Péricles”, determinando um período. Foi nesse período que foram construídas grande parte das
obras que compõem a Acrópole de Atenas (incluindo o Parthenon). A realização de grandes
obras públicas embelezava a cidade, ostentava seu poder e a glória e empregava a população.
Poucos eram considerados cidadãos em Atenas. Mulheres, crianças, escravos e estrangeiros
eram excluídos. Assim, somente os homens livres adultos naturais de Atenas eram considerados
cidadãos. De uma população que variava em torno de 250 mil pessoas, cerca de 25 mil – ou
10% - encontrava-se nessa situação e possuía a cidadania ateniense.
Na linha do que expõe o historiador da filosofia Eduard Zeller (1931), embora Ática não tenha
produzido filósofos de originalidade expressiva, Atenas, devido ao papel de liderança
desempenhado na guerra da Pérsia, sua propriedade crescente e não menos pelos poetas que
elevaram sua vida intelectual a alturas não atingidas antes, tornou-se o centro intelectual da
Grécia. Qualquer um que desejasse ganhar uma reputação de pensador, tinha que ser testado
em Atenas. Mesmo ainda existindo semelhanças entre Atenas e demais helenos, a distância
entre eles começou a ficar mais e mais aparente. Os produtos do mundo todo estavam à
disposição dos cidadãos atenienses. Novas estátuas de deuses erguidas em seu esplendor, o
trabalho imortal dos mais refinados artistas.
O povo ouvia, nos festivais de Dionísio, as séries palavras e canções da tragédia e deliciava-se
com a engenhosidade barulhenta da comédia. Multidões se acotovelavam nas salas de
conferências dos sofistas, com sua nova sabedoria vestida no manto belo e sedutor da
linguagem, convidando os jovens a serem seus alunos. O Demos se aquecia ao sol, na serena
consciência de seu poder, quando se sentava no Pnyx e nos tribunais (ZELLER, 1931, p. 95).
Assim, podemos apontar o século de Péricles como o período do maior esplendor ateniense, com
o governo democrático atingindo sua plenitude.
Os Sofistas
Sabemos pouco sobre os sofistas. Quase nenhuma obra sofista chegou até nós, e o que
sabemos sobre eles, conhecemos pelas obras de seus maiores detratores, como Platão e
Aristóteles – que, comumente, os classificavam como impostores, mentirosos, charlatães e
demagogos.
Porém, estudos atuais têm apontado os sofistas como os “fundadores da pedagogia
democrática”, mestres na arte de educar os cidadãos. Não se apresentavam como filósofos, e
sim como professores de técnicas. Eles ensinavam técnicas diversas, e todo sofista era perito
em uma ou mais técnicas.
Todavia, havia uma técnica na qual todos os sofistas eram especialistas, e que era fundamental
para uma sociedade como a ateniense: a oratória. Em uma sociedade em que a política, a
defesa dos direitos pessoais de cada cidadão eram feitas pessoalmente (os advogados só
surgiriam com o Direito Romano), e a política ocorria de maneira direta e participativa, o
domínio da arte da palavra, e a capacidade de persuadir os demais era primordial. Assim, as
conferências realizadas pelos sofistas eram muito concorridas, atraindo multidões.
Mas por que os sofistas tiveram tantos adversários, a ponto de sofisma adquirir um caráter
pejorativo?
Em primeiro lugar, porque os sofistas eram “professores profissionais”, eles cobravam por seus
ensinamentos. Ao ensinar um cidadão a defender seu ponto de vista – qualquer que seja – e a
persuadir os demais, os sofistas mostravam-se afastados da verdade. Não lhes interessava a
verdade, e sim quem pudesse pagar pelos seus serviços. Essa era a principal crítica de filósofos
como Sócrates, Platão e Aristóteles.
Em segundo lugar, a aristocracia ateniense via com maus olhos os estrangeiros (a maior parte
dos sofistas era natural da Jônia e da Magna Grécia) que queriam ensinar às pessoas como ser
cidadãos atenienses. Para os aristocratas, a virtude do cidadão é inata. Assim, ser cidadão é
algo que se é “por natureza”. Os sofistas mais famosos foram Protágoras de Abdera (481-411
a.C.) e Górgias de Leontini (484-375 a.C.).
A Morte de Sócrates
Se, por um lado, a filosofia socrática despertava admiração em muitos, gerando vários
seguidores e influenciando a humanidade por milênios, por outro trouxe a Sócrates inúmeros
inimigos na sociedade ateniense.
Era bastante comum que Sócrates, para persuadir seus concidadãos, envergonhasse
publicamente os políticos atenienses que se diziam detentores de um saber superior ao mostrar
quão pouco conhecimento eles demonstravam ao serem questionados. Sócrates dizia que os
políticos eram pretensiosos, os menos qualificados intelectualmente para as responsabilidades
políticas.
Notadamente, Sócrates tinha pouca consideração pela posição ocupada pelas pessoas que ele
questionava, e por motivos óbvios essa atitude não despertava a simpatia daqueles que se
diziam defensores dos valores democráticos.
Sócrates foi acusado de não reconhecer os deuses impostos pelo Estado, de tentar introduzir
divindades novas e, sobretudo, de corromper a juventude ao questionar os valores atenienses.
Seu processo foi cuidadosamente montado. Seus acusadores tinham em comum o medo
daquele “baixinho feio e tagarela” que andava pelas ruas de Atenas questionando se a
autoridade era legítima ou não e, consequentemente, se – e quando – deveria ser respeitada
pelos cidadãos.
A defesa que Sócrates fez de si mesmo é uma das mais eloquentes passagens da história. O
argumento a seu favor, de que não há virtude mais elevada que a sabedoria, constitui um
momento crucial na história da filosofia.
Embora os relatos que temos sejam de fontes próximas a Sócrates como Platão e Xenofonte (e,
portanto, seus relatos sejam em defesa de Sócrates e acusações aos juízes), suas palavras até
hoje ecoam. Em sua Apologia de Sócrates, Platão transcreve as palavras de seu mestre:
Porque eu, cidadãos atenienses, se conquistei esse nome, foi por alguma sabedoria. Que
sabedoria é essa? Aquela que é, talvez propriamente, a sabedoria humana. É, em realidade,
arriscado ser sábio nela: mas aqueles de quem falávamos ainda há pouco seriam sábios de uma
sabedoria mais que humana, ou não sei o que dizer, porque certo não a conheço. Não façais
rumor, cidadãos atenienses, não fiqueis contra mim, ainda que vos pareça que eu diga qualquer
coisa absurda: pois que não é meu o discurso que estou por dizer, mas refiro-me a outro que é
digno de vossa confiança. Apresento-vos, de fato, o Deus de Delfos como testemunha de minha
sabedoria, se eu a tivesse, e qualquer que fosse. Conheceis bem Querofonte. Era meu amigo
desde jovem, também amigo do vosso partido democrático, e participou de vosso exílio e
convosco repatriou-se. E sabeis também como era Querofonte, veemente em tudo aquilo que
empreendesse. Uma vez, de fato, indo a Delfos, ousou interrogar o Oráculo a respeito disso e –
não façais rumor, por isso que digo – perguntou-lhe, pois, se havia alguém mais sábio do que
eu. Ora, a Pitonisa respondeu que não havia ninguém mais sábio. E a testemunha disso é teu
irmão, que aqui está [...]
Em realidade, cidadãos atenienses, para demonstrar que não sou réu, segundo a acusação de
Meleto, não me parece ser necessária longa defesa, mas isto basta. Aquilo, pois, que eu dizia no
princípio, que há muito ódio acumulado contra mim, bem sabeis que é verdade. E isso é o que
me vai perder, se eu me perder. E não Meleto, ou Anito, mas a calúnia e a insídia do povo: pela
mesma razão se perderam muitos outros homens virtuosos, e outros ainda, creio, serão
perdidos; não há perigo que a série se feche comigo. Mas talvez pudesse alguém dizer: Não te
envergonhas, Sócrates, de te aplicares a tais ocupações, pelas quais agora estás arriscado a
morrer? A isso, porei justo raciocínio, e é o seguinte: não estás falando bem, meu caro, se
acreditas que um homem, de qualquer utilidade, por menor que seja, deva fazer caso dos riscos
de viver ou morrer e, ao contrário, só deve considerar uma coisa: quando fizer o que quer que
seja, deve considerar se faz coisa justa ou injusta, se está agindo como homem virtuoso ou
desonesto. Porquanto, segundo a tua opinião, seriam desprezíveis todos aqueles [...]
Mas também vós, ó juízes, deveis ter boa esperança em relação à morte, e considerar esta
única verdade: que não é possível haver algum mal para um homem de bem, nem durante a
vida, nem depois da morte, e que os Deuses não se interessam do que a ele concerne; e que,
por isso mesmo, o que hoje aconteceu, no que a mim concerne, não é devido ao acaso, mas é a
prova de que para mim era melhor morrer agora e ser libertado das coisas deste mundo. Eis
também a razão porque a divina voz não me dissuadiu, e porque, de minha parte, não estou
zangado com aqueles cujos votos me condenaram, nem contra meus acusadores. Não foi com
esse pensamento, entretanto, que eles votaram contra mim, que me acusaram, pois
acreditavam causar-me um mal. Por isto é justo que sejam censurados. Mas tudo o que lhes
peço é o seguinte: quando os meus filhinhos ficarem adultos, atormentai-os como eu os vos
atormentei, quando vos parecer que eles cuidam mais de riquezas e de honrarias do que da
Verdade. E, se acreditarem ser qualquer coisa não sendo nada, reprovai-os, como eu a vós: não
vos preocupeis com aquilo que não lhes é devido. E, se fizerdes isso, terei de vós o que é justo,
eu e os meus filhos. É a hora de irmos: eu para a morte, vós para as vossas vidas; quem terá a
melhor sorte? Só os Deuses sabem (PLATÃO, 2000, pp. 5, 11-12, 33).
Contudo, ao não negar as acusações que lhe eram feitas, Sócrates acabou por condenar-se.
Embora tenha tido a chance de ser condenado ao ostracismo, ou mesmo perdoado “se jurasse
abandonar a filosofia para sempre”, conforme estabelece Chauí (2004, p. 205), Sócrates
preferiu cumprir sua pena. Como observa Merleau-Ponty, citado por Chauí (2004):
Se fugisse, seria um inimigo de Atenas e tornaria sua sentença verdadeira. Ficando, é ele que
ganha, quer o inocentem quer o condenem, pois, num caso, terá feito os juízes aceitarem sua
filosofia e, no outro, a terá provado aceitando sua sentença (MERLEAU-PONTY, 1960, p. 44).
Assim, Sócrates foi condenado à morte, e cumpriu sua pena com a ingestão de veneno (cicuta)
em 399 a.C., para desespero de seus seguidores e alívio de seus inimigos. Sua morte teve
grande impacto na sociedade ateniense, sobretudo na vida e obra de seu maior aluno, Platão,
do qual começaremos a falar agora.
Platão e a Academia
Filho de uma das mais prestigiosas famílias da aristocracia ateniense, Arístocles, mais
conhecido, devido sua compleição física, como Platão (427-347 a.C.) era descendente direto de
Sólon por parte de mãe, e do rei Codro, fundador de Atenas, por parte de pai. Tinha dois irmãos
(Adimanto e Glauco) e uma irmã (Potonè), que aparecem em alguns de seus diálogos.
Recebeu a melhor educação que um jovem aristocrata ateniense poderia receber. Além da
educação tradicional, que visava ao “guerreiro belo” (ginásio) e o “guerreiro bom” (música e
poesia), frequentou também os sofistas, pois, como descendente de uma família acostumada
com o poder, precisava aprender retórica para destacar-se na política. Segundo relatos, com os
sofistas teve contato com o pensamento de Heráclito.
Com cerca de 20 nos, aproximou-se de Sócrates, do qual se tornaria seu discípulo mais
brilhante. A morte de seu mestre, nove anos mais tarde, mexeu profundamente com Platão, que
desiludido com a cidade que matou seu cidadão mais brilhante a abandona, seguindo
inicialmente para Megara. Nele se criou uma profunda desconfiança em relação à política e aos
políticos de sua época. É daí que vem sua crença de que somente a educação filosófica dos
governantes poderia salvar Atenas.
Platão inaugura no pensamento ocidental muitas das ideias políticas que permeiam, com
variações, nossa sociedade até hoje. Segundo ele, os regimes políticos distinguem-se pela
qualidade e pelo número de pessoas que exercem o poder; haveria um caminho de ascensão e
degradação política para todas as sociedades. Assim, a forma inicial de governo seria o “governo
de um”, a monarquia, na qual a qualidade primordial do governante seria a honra; em seguida,
viria a aristocracia, o “governo de alguns”, de uma elite, em que a principal qualidade deveria
ser a educação ou atributos guerreiros. Por fim, a democracia, na qual o poder pertence ao
povo, e a qualidade mais importante, a liberdade.
Entretanto, os regimes políticos também passariam por uma degeneração, e todos teriam sua
forma perversa, degenerada. A da democracia seria a anarquia; a da aristocracia, a oligarquia; e
a da monarquia, a tirania. E o caminho seria inverso: a degeneração da democracia a levaria à
anarquia, daí à oligarquia e, então, à tirania.
Enquanto seu mestre preferiu nada escrever, pois acreditava que as palavras escritas não
replicam, ou seja, não há diálogo, Platão foi um escritor de talento extraordinário e deixou uma
vasta obra, que foi, e ainda é, lida e relida incessantemente, suscitando as mais diversas
interpretações. O gênero literário por ele adotado foi o diálogo, o que nos revela a forte
influência socrática.
Sua obra mais famosa, A República, narra um diálogo imaginário entre Sócrates e outros
filósofos, falando sobre a melhor forma de o governante (“rei-filósofo”) conseguir criar uma
sociedade perfeita.
Por intermédio de Platão temos a principal fonte de estudo sobre o pensamento de Sócrates.
Entretanto, é difícil separarmos quais ideias atribuídas a Sócrates nos diálogos platônicos são
realmente de Sócrates ou de Platão.
Umas das ideias que, quase consensualmente, credita-se a Platão é a de que existem dois
mundos: o mundo sensível e o mundo inteligível. O primeiro é o mundo concreto, no qual
vivemos. O segundo é ligado ao universo das percepções, de tudo que toca os sentidos. Este
está em constante transformação, enquanto aquele é imutável. Para Platão, o mundo era
composto de formas (uma casa, um animal, etc.) e ideias (como a virtude e a igualdade). As
formas são eternas, imutáveis, predeterminadas – diferente das ideias. A contemplação das
formas constituía o que Platão entendia por conhecimento (que, na Grécia antiga, era sinônimo
de virtude). Essa é a chamada Teoria das Ideias ou Teoria das Formas.
Atenção!
Grécia Antiqua
Para saber mais sobre a filosofia grega, consulte o site Graecia Antiqua, no endereço .
De acordo com o pensamento platônico, o mundo não é o que aparenta ser, ele diferencia
aparência de realidade. Enquanto a maioria de nós confunde aparências com realidade (pensa
que conhece algo, mas não conhece realmente), os filósofos seriam os únicos capazes de
compreender o mundo como ele realmente é, pois eles valem-se do pensamento, e não dos
sentidos, para descobrir a natureza da realidade.
Para melhor ilustrar sua ideia, Platão criou uma alegoria, presente em sua principal obra, A
República, livro VII, que ficou conhecida como “o mito da caverna”, como relata o filósofo Nigel
Warburton:
Para defender isso, Platão descreve uma caverna. Nessa caverna imaginária, há pessoas
acorrentadas viradas para uma parede. Diante delas, as pessoas veem sombras trêmulas que
acreditam corresponder às coisas reais. Mas não são. O que veem são sombras projetadas por
objetos conduzidos na frente de uma fogueira que fica lá atrás. Essas pessoas passaram a vida
toda pensando que as sombras projetadas na parede são o mundo real. Até que um dos sujeitos
se liberta das correntes e segue em direção ao fogo. Seus olhos ficam turvos a princípio, mas
depois ele começa a ver onde está. Caminha aos tropeços para fora da caverna e, por fim,
consegue olhar para o sol. Quando ele volta para a caverna, ninguém acredita no que ele diz
sobre o mundo lá fora. O homem que se liberta é como o filósofo: ele vê além das aparências.
As pessoas comuns não têm muita noção da realidade porque se contentam em olhar o que está
diante delas em vez de refletir profundamente sobre as coisas. Contudo, as aparências são
enganadoras. O que veem são sombras, não a realidade (WARBURTON, 2011, p.15).
Dentre os vários pontos que merecem destaque, nos deteremos em três: o homem precisa se
libertar dos preconceitos, de suas noções preconcebidas, simbolizados pelas correntes que os
prendem; o primeiro contato com a “luz da verdade” é doloroso (seus olhos ficam turvos) e
difícil. E, finalmente, poucos estão preparados para tal compreensão, e por isso os que
permaneceram acorrentados refutam as ideias daquele que conseguiu sair e ver o mundo real.
Outra inovadora ideia platônica é a que introduz a noção de modos de conhecimento, que
seriam quatro, como observa Marilena Chauí (2004, p. 224): “Os três primeiros são os meios de
adquirir conhecimento e o quarto é o conhecimento propriamente dito. O primeiro é o nome, o
segundo, a definição, o terceiro é a imagem e o quarto é o conhecimento ou ciência”. Sua teoria
do conhecimento é até hoje estudada.
Platão, como o principal herdeiro do pensamento socrático, trabalha a questão do conhecimento
das essências como fundamental. Sócrates buscava a formação dos conceitos universais, Platão
diz que estes existem no mundo das essências e que a alma já os vivenciou. É preciso recordá-
los (reminiscência é o método platônico) e viver segundo eles. Em ambos, as verdades são
descobertas da alma, porém em Sócrates elas se dão na alma e em Platão elas estão na alma,
porque esta já existiu no mundo das essências, já tendo sido vivenciadas. Para o primeiro, a sua
descoberta é um “parto”, para o segundo, uma “reminiscência” (LUCKESI; PASSOS, 1992, p.
97).
Um dos conceitos elaborados por Platão que tiveram maior popularidade foi o de amor, embora
a maioria das pessoas o interprete erroneamente. O amor platônico, filosoficamente falando,
não significa que os relacionamentos não devam ter atração física. Significa, sim, que os
impulsos, os desejos sexuais, devem ser contidos em nome do bem maior.
A Academia
Após a morte de Sócrates, Platão e outros socráticos saem de Atenas, provavelmente por
temerem algum tipo de perseguição. Platão viaja pela Magna Grécia, pela Ásia Menor e,
possivelmente, pelo Egito. Quando retorna a Atenas, por volta de 388 a.C., compra um ginásio
perto de Colona, a nordeste de Atenas, nas vizinhanças de um bosque de oliveiras em
homenagem ao herói grego Academo. Mais tarde ele amplia a propriedade com a aquisição de
um terreno vizinho e lá constrói um alojamento para os estudantes.
Situada em um belo jardim, a Academia foi a grande obra platônica (ao lado de seus textos).
Fundada e custeada por Platão, nela só ingressavam discípulos cuidadosamente escolhidos, e lá
se formaram os mais proeminentes pensadores e futuros políticos da Grécia clássica, inclusive
seu mais ilustre discípulo, Aristóteles, que por vinte anos a frequentou.
Ao contrário das primeiras escolas filosóficas, que, embora leigas, tinham como modelo as seitas
religiosas dos mistérios, a Academia foi o primeiro instituto de investigação filosófica do
Ocidente. Era uma escola que pretendia, em todos os campos do saber, realizar o ideal socrático
da autonomia da razão e da ação contra a hegemonia em que se comprazia o sofista. Por isso, a
Academia rivalizava e combatia a Escola da Retórica, do sofista Isócrates, fundada na mesma
época [...]. Em vez de transmitir doutrinas, a Academia ensinava a pensar [...]. Em vez de
transmitir valores éticos e políticos, a Academia ensinava a criá-los, isto é, a propô-los a partir
da reflexão e da teoria. Nela prevaleceu o espírito socrático: a discussão oral e o
desenvolvimento do vigor intelectual do estudante eram mais importantes do que as exposições
escritas (CHAUÍ, 2004, p. 226).
Embora se aproximasse do pitagorismo em alguns pontos, fica evidente a influência da filosofia
socrática na orientação da Academia. Os diálogos eram fundamentais, e Platão teria dito, em
sua Carta Sétima, que sua filosofia jamais seria profundamente conhecida, pois havia muitos
temas sobre os quais nunca escreveria, pois o conhecimento deles só seria possível mediante o
diálogo, e só quem o acompanhasse na Academia os conheceria.
Em 347 a.C., com cerca de 80 anos, morre Platão; o legado por ele deixado é tão vasto que é
difícil encontrar um filósofo que não tenha sido influenciado por suas ideias. Teve seu
pensamento retomado pela filosofia cristã, e foi, e ainda é, motivo de intensos debates. Seu
sucessor na direção da Academia foi seu sobrinho Espeusipo, filho de sua irmã Potonè. Tal
decisão teria deixado insatisfeito o mais brilhante discípulo platônico, Aristóteles, que acaba por
fundar outra escola, o Liceu. Isso é o que veremos a seguir.
Aristóteles e o Liceu
Nascido na cidade de Estagira na região da Trácia em 384 a.C., Aristóteles mudou-se para
Atenas em 366 a.C., aos 18 anos, e lá passou a frequentar a Academia de Platão por quase
vinte anos, sendo seu mais brilhante discípulo.
O período aristotélico pode ser encarado como o apogeu da filosofia grega, como aponta o
filósofo espanhol Julián Marias:
Com Aristóteles, a filosofia grega atinge a sua plena maturidade; a tal ponto que, desde então,
começará a sua decadência, e não tornará a alcançar uma altura semelhante. A própria Grécia
nem sequer chega a ser capaz de conservar a metafísica aristotélica, faltando-lhe a
compreensão para os problemas filosóficos que tão profundamente Aristóteles havia posto. [...]
Aristóteles é – com Platão –, a figura maior da filosofia grega, e mesmo talvez de toda a
filosofia. Determinou em maior medida que qualquer outro pensador os caminhos que depois
dele a filosofia havia de percorrer. Foi o descobridor de um fundo estrato das questões
metafísicas, o forjador de muitos dos mais importantes conceitos que o intelecto humano
maneja há largos séculos para pensar o ser das coisas. [...] O homem, em suma, que possui
todo o saber de seu tempo. Onde pôs a mão, deixou sinais de sua genialidade. Por estas razões,
Aristóteles gravitou de uma forma inimaginável por toda a filosofia (MARIAS, 1959, p. 76).
Após a morte de Platão e a escolha do sobrinho de seu mestre como seu sucessor, Aristóteles
abandona a Academia e sai de Atenas. Passa por Mísia e Mitilene, e nesse período casa-se,
torna-se viúvo, e casa-se novamente (seu filho, Nicômaco, é fruto de seu segundo casamento).
Cerca de quatro anos após sair da Academia (portanto, por volta de 343 a.C.), Aristóteles é
convidado pelo rei Filipe da Macedônia para encarregar-se da educação de seu filho, Alexandre,
então com treze anos. Pouco se sabe sobre a relação dos dois, mas sabe-se que estavam em
desacordo quanto à ideia de fusão da cultura grega com a oriental (Alexandre era favorável, e
Aristóteles, contrário). Como preceptor do futuro monarca, viveu na Macedônia até 334 a.C.
Após a passagem pela Macedônia, Aristóteles retorna a Atenas e funda sua própria escola
dedicada ao ensino da filosofia, o Liceu. Em meio a um bosque em homenagem às musas e a
Apolo Licio, aluga algumas casas onde funcionaria sua escola. Tratava das questões filosóficas
mais profundas com seus discípulos passeando com eles pelo bosque. Depois, explicava a um
número maior de pessoas temas mais “acessíveis”, como a retórica, a política ou a sofística. Mas
não era só isso, como acrescenta Warburton:
Depois de estudar com Platão, viajar e trabalhar como tutor de Alexandre, o Grande, ele fundou
a própria escola em Atenas, chamada Liceu. Trata-se de um dos mais famosos centros de ensino
do mundo antigo, algo parecido com as universidades modernas. De lá, ele enviava para fora
pesquisadores que voltavam com novas informações sobre todos os assuntos, de sociedade
política a biologia. Ele também fundou uma importante biblioteca (WARBURTON, 2011, p. 10).
Autor de frases famosas repetidas até hoje, abre um de seus mais famosos trabalhos,
a Metafísica, afirmando que “todos os homens desejam por natureza saber”. Assim, sentimos
prazer em conhecer as coisas. Outra de suas mais famosas frases – embora erroneamente
atribuída a William Shakespeare –, está em Ética a Nicômaco: “Uma andorinha só não faz
verão”. Embora cunhada há quase 24 séculos, essa expressão continua sendo utilizada para os
mais diversos fins.
Mas, embora Aristóteles afirmasse que o homem, “naturalmente”, deseja o conhecimento, a
filosofia não nasce de maneira natural; para ele, a filosofia começa com um “espanto”, um
problema, uma dificuldade que parece insolúvel. Talvez tenha sido o espanto de Tales ao
presenciar a mudança da água do estado líquido para o sólido ou gasoso que o levou a filosofar,
tentando compreender do que o mundo é feito.
Dos três grandes filósofos da Grécia antiga, Aristóteles foi o mais metódico e sistemático. Foi
também o mais abrangente, pois escreveu sobre biologia, química, física, história, ótica,
pedagogia, metafísica etc. Foi o criador da Lógica, ou do pensamento lógico.
A Lógica aristotélica ocupa seis de suas primeiras obras. Foi o exemplo mais sistemático de
filosofia por quase dois milênios. Embora seja por demais complexa para ser adequadamente
resumida aqui, é um silogismo, raciocínio que parte de duas premissas para se chegar a uma
conclusão. Por exemplo: Sócrates é um homem (premissa 1). Todos os homens são mortais
(premissa 2). Logo, Sócrates é mortal (conclusão).
Embora seja o principal discípulo de Platão, Aristóteles discordou dele em vários pontos. Ao
analisar a Metafísica aristotélica, o historiador da filosofia Martyn Oliver observa:
À diferença de Sócrates e Platão, Aristóteles não era motivado por uma paixão pela busca da
justiça no saber absoluto da filosofia. Para Platão, o conhecimento e a justiça são inseparáveis,
enquanto para Aristóteles, são apenas interligados. [...]
A Metafísica de Aristóteles (compreensão filosófica da realidade) é, em essência, uma
modificação da teoria das ideias, de Platão. Grande parte dessa obra parece uma tentativa de
moderar as muitas extravagâncias de Platão. Seus dois principais aspectos mais importantes
são a distinção entre o “universal” e a mera “substância” ou “forma particular” e a distinção
entre as três substâncias que formam a realidade, cada uma com sua essência fundamental.
São elas: 1) o que é sensível e perecível (os animais e as plantas); 2) o que é sensível, mas
não-perecível (o homem, pois tem uma alma racional); 3) o que não é sensível nem perecível
(Deus). Apesar de assimilada de muitas formas pelo mundo moderno, essa divisão é grega.
Trata-se, em parte, de uma racionalização da moralidade grega convencional expressa em
estruturas sociais e políticas (OLYVER, 1998, p. 20-1).
Ainda sobre a divergência do pensamento aristotélico com o de seu mestre Platão, Luckesi e
Passos (1992) afirmam:
Do ponto de vista do conhecimento, Aristóteles divergiu de seu mestre Platão. Enquanto este
defendia que os conceitos universais já existiam na alma, aquele diz que os conceitos são
formados por um processo de abstração que se inicia pela percepção dos objetos produzidos
pelo sentido, chegando aos conceitos universais e abstratos (LUCKESI; PASSOS, 1992, p. 98).
Em outra de suas famosas frases, presente em A Política, Aristóteles afirma que “o homem é um
animal político por natureza”. Ou seja: para garantir sua preservação, o homem estabelece
comunidades e estas, em sua forma mais elevada, constituem o Estado. O Estado é o “resultado
natural” da experiência política humana. Como Platão, defende que existem três formas de
Estado: a monarquia, a aristocracia e a democracia. Embora aceitasse a monarquia sob
condições especiais, era um defensor do regime democrático. Era, também, um defensor do ócio
para os políticos – ou cidadãos. Livres das preocupações do dia a dia, poderiam se dedicar
inteiramente à política, sem obstáculos à sua capacidade de pensar e agir de forma mais
racional.
Mas a história da filosofia deve ainda mais a Aristóteles por ter sido ele seu precursor.
Aristóteles entendia que seu pensamento dependia do que pensaram as pessoas antes dele.
Gênios não costumam surgir do nada (Aristóteles aprendeu com Platão, que aprendeu com
Sócrates, formando uma “corrente”, embora haja grandes diferenças entre o pensamento dos
três), e por isso a filosofia anterior a ele merecia destaque. Parte considerável do que
conhecemos sobre o pensamento de Sócrates, dos pré-socráticos e mesmo de Platão, são
originários dos estudos aristotélicos.
Assim como Sócrates e Platão, Aristóteles se perguntava “como devemos viver?”. Seria a
procura da resposta a esta pergunta que, em muitos casos, levaria as pessoas à filosofia pela
primeira vez. Mas, enquanto Platão e Sócrates acreditavam em uma vida virtuosa, Aristóteles
respondia que devemos viver buscando a felicidade.
Mas, o que seria “buscar a felicidade”? Não se tratava, para Aristóteles, de momentos efêmeros,
de felicidade passageira. Não seriam “momentos felizes”, ou não apenas isso. Aristóteles
afirmava que o que diferenciava os homens dos animais era sua capacidade de raciocinar. Por
isso, o melhor jeito de viver seria usando a razão. Concordava que deveríamos procurar, sim,
uma vida virtuosa. Mas a virtude, para ele, encontra-se a meio termo entre dois extremos. Isso
foi chamado de justo meio. Como aponta Warburton (2011):
Pense na virtude da coragem durante a guerra. Talvez um soldado precise colocar a própria vida
em risco para salvar alguns cidadãos do ataque de um exército. O temerário não se preocupa
com a própria segurança. Ele também poderia entrar numa situação perigosa, talvez até quando
não precisasse, mas isso não é a verdadeira coragem, e sim a ação imprudente de correr riscos.
No outro extremo, o soldado covarde não consegue superar seu medo o suficiente para agir de
maneira apropriada e ficará paralisado diante do terror no momento exato em que mais se
precisa dele. O sujeito valente ou corajoso, no entanto, também sente medo nessa situação,
mas é capaz de dominá-lo e agir. Aqui, a coragem está na metade do caminho entre a
temeridade e a covardia. Isso costuma ser chamado na doutrina de Aristóteles de justo
meio (WARBURTON, 2011, p. 13).
Sua genialidade era tamanha que, por vezes, bastava citar uma fala de Aristóteles para encerrar
um assunto como se aquilo comprovasse sua ideia. Isso, claramente, contradizia a tradição
filosófica iniciada com Sócrates. Claro que isso gerou efeitos colaterais, pois, há mais de dois mil
anos, e com uma obra tão vasta e abrangente, obviamente há erros em algumas de suas
conclusões. Assim, durante toda a Idade Média, se Aristóteles havia escrito algo, então aquilo
estava certo e não seria necessária uma comprovação.
Como em Platão, o legado de Aristóteles é gigantesco, e sua influência ainda se faz sentir.
Considerado por muitos o maior sábio da Antiguidade, o pensamento aristotélico moldou parte
do pensamento humano e da maneira como vivemos.
Após a morte de Alexandre, o Grande, em 323 a.C., suscitou-se em Atenas um movimento
antimacedônico que foi hostil a Aristóteles. Dizendo não querer ver a cidade cometer outro
crime contra a filosofia – referia-se à execução de Sócrates –, partiu para a cidade de Cálcis,
onde faleceu no ano seguinte, em 322 a.C., aos 62 anos.
Atenção!
Mito da Caverna
Mauricio de Sousa, criador da Turma da Mônica, de forma divertida, revive a alegoria platônica
do Mito da Caverna, inserindo um de seus personagens, o pré-histórico Piteco, na história. Ao
final, faz uma interessante analogia com o mundo moderno onde, ao invés de nos colocarmos
em uma caverna vendo sombras, sentamo-nos em frente à TV vendo as imagens ali projetadas.