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A função da Filosofia
Este posicionamento em relação a filosofia é bem notório na nossa sociedade. Basta notar a
associação do substantivo “filósofo” a alguém sempre distraído, com a cabeça no mundo da lua,
pensando e dizendo coisas absolutamente inúteis e ininteligíveis (CHAUÍ, 2000: 10).
Mas esta forma de pensar sobre a filosofia é infundada. “Se a filosofia fosse alguma coisa de que
radicalmente fosse possível prescindir” – afirma José Ortega Y Gasset – “não se duvida que
durante esses anos teria desaparecido por completo” (ORTEGA Y GASSET, 2007:21). Deste
modo, além de não ser inútil, a filosofia não é tão difícil e complicada, cujo cultivo reservar-se-
ia só para gente ultra-especializada. Na opinião de Gramci (1978:11), “deve-se destruir o
preconceito, muito difundido, de que a filosofia seja algo muito difícil pelo facto de ser a
actividade intelectual própria de uma determinada categoria de cientistas especializados ou de
filósofos especializados e sistemáticos”.
Só superando estes preconceitos do senso comum é que se pode tornar clara a real tarefa da
filosofia no mundo. Várias são as propostas fecundas sobre o papel ou tarefa da filosofia, mas
iremos nos limitar a apontar apenas três, a saber: contemplativa, analítica e praxis ou
interventiva.
1. Função contemplativa
Segundo Edmund Husserl, para quem o método ideal para a pesquisa filosófica é o
fenomenológico, ou seja, a pesquisa das essências, a filosofia foi e sempre será concebida como
contemplação pura das essências das coisas, e escreve:
Introdução à Filosofia
Com efeito, a filosofia, nascida na Grécia, surge como um saber voltado fundamentalmente à
procura da verdade, à busca do ideal, sendo o instrumento privilegiado desta pesquisa a razão,
quase sempre associada à intuição, entendida como faculdade de ver e perceber o real. Trata-se
de uma filosofia essencialmente teórica, orientada para a busca de uma verdade universal. Esta
filosofia caracteriza-se pela contemplação desinteressada do mundo, pela admiração e espanto
diante da complexidade da realidade. Três questões se deparavam à filosofia como fundamentais:
o fundamento ou causa originária de tudo que existe; os valores (virtudes) que orientam a acção
humana; e a possibilidade de o homem atingir a verdade.
Portanto, a ideia principal nesta definição é a de que a filosofia é uma investigação que busca as
causas últimas, os princípios fundamentais das coisas, a unidade no meio da diversidade, o saber
sobre o mundo. Não é por acaso que os primeiros filósofos naturalistas, que eram todos
admiradores das maravilhas da natureza, drenaram maior parte de seus esforços na busca dos
fundamentos do universo, com mera finalidade de conhecer a génese e o sustentáculo da
complexa realidade universal, sem nenhum interesse de dominá-la a seu favor.
Hegel, que era grande admirador e filósofo da história, relega à filosofia a tarefa de sintetizar em
conceitos a dinâmica dos acontecimentos e das épocas históricas, que são obra oculta do espírito
absoluto. Para Hegel, o filósofo aparece como um leitor (contemplador) atento de uma história já
concluída – à semelhança da coruja de Minerva que só levanta voo ao entardecer – quando o
trabalho histórico já está concluído, pois é o único ser que não a experimenta e a compreende,
elevando-a a conceito (MERLEAU-PONTY, 1998:64).
Para os defensores desta perspectiva, as crises que a filosofia foi conhecendo ao longo da
história, resultaram da sua desvinculação da função contemplativa, tendo se lhe conferido outros
papeis alheios, tais como: orientar o homem exclusivamente para a produção material, para a
acção política, para a compreensão dos textos sagrados e tratados científicos, etc. Segundo
Martin Heidegger, essa crise da filosofia começou logo na Grécia antiga, quando Platão, através
da sua doutrina das formas, introduziu uma metafísica produtivista que veio a cristalizar-se na
sociedade industrial-capitalista.
2. Função analítica
Para os neopositivistas, porque muitas das proposições da filosofia não podem ser verificadas
(testadas) empiricamente, então, o único trabalho que restou ao filósofo sério é de análise
semântica das proposições científicas, isto é, das relações entre linguagem e realidade à qual
as proposições se referem.
3. Função prática
A filosofia manifesta-se não somente como conhecimento das leis gerais da realidade
(contemplação) ou como metodologia para a compreensão dos outros campos do saber humano
(análise), mas também como corpo de entendimento que cria o ideário que norteia a vida humana
em todos os seus momentos. A filosofia não é essencialmente uma interpretação do já vivido ou
do que se vive, mas sim a interpretação de aspirações e desejos do que está por vir. Os filósofos
captam e dão sentido à realidade que está por vir e expressam como um conjunto de ideias e
valores que devem ser vividos, difundidos e buscados. Os filósofos impelem a uma atitude
existencial, a um novo tipo de comportamento, a uma forma de agir e a um viver de forma
autêntica. É isto que torna os filósofos profetas da sociedade, no sentido de indivíduos que são
capazes de ler nos acontecimentos do presente o significado do que está por vir, o que está em
gestação. Deste modo, o pensamento filosófico manifesta-se como impulsionador da acção,
tendo em vista a concretização de determinadas aspirações dos homens, de um povo, de um
grupo ou de uma classe.
É nesta perspectiva que encontramos Marx a operar uma viragem na compreensão do papel da
filosofia. Influenciado pelas condições sociais do seu tempo, Marx entendeu que era urgente
desenvolver um pensamento engajado na libertação do proletariado alienado. Por isso, ele via a
Introdução à Filosofia
filosofia não mais como contemplação da realidade (da sociedade europeia já mergulhada nas
teias da injustiça social), mas sim, como actividade prática que visa fundamentalmente
transformar a sociedade e, sobretudo, contribuir politicamente. Criticando os filósofos idealistas,
principalmente Hegel, Marx afirma: “os filósofos até agora se limitaram a interpretar o mundo;
de agora em diante é preciso, pelo contrário, transforma-lo”.
Para Marx, o filósofo não encontra a solução dos seus problemas através da especulação, mas
pela acção criticamente iluminada e dirigida, a acção revolucionária. A tarefa da filosofia não é
interpretar ou contemplar o mundo, mas sim, transforma-lo.
b) Criticar os valores: feito esse inventário, que certamente nunca será completo e é tão
abrangente quanto todos os sectores da vida, é preciso tomar esses valores e submetê-los
a uma crítica radical, questioná-los por todos os ângulos possíveis para verificar se são
significativos e se, de facto, compõem o sentido que queremos dar à existência. Esta
tarefa da filosofia assemelha-se a um “tribunal da razão”, que faz passar pelo crivo da
crítica todos os valores vigentes que dão sentido à nossa existência quotidiana.