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Marcos Carvalho Lopes
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Copyright © Marcos Carvalho Lopes
Todos os direitos garantidos. Qualquer parte desta obra pode ser reproduzida,
transmitida ou arquivada desde que levados em conta os direitos da autora.
CDD – 100/370
4
Sumário
Introdução 7
Questões para a filosofia africana 11
Como a filosofia africana pode ser 17
definida?
A etnofilosofia é realmente filosofia? 45
A filosofia africana é única? 55
Qual seria a linguagem ou quais seriam as 61
linguagens da filosofia africana?
Quais as conexões entre a filosofia 77
africana, afro-brasileira e feminista?
Identidade racial 89
Indicações 95
Anexos 99
Questões para a filosofia africana 101
O Brasil e a filosofia africana 105
A filosofia africana e “falar no lugar de 111
outras pessoas”
O hip-hop entre o Muntu e o Kintu 115
(Mais ou menos) 10 livros para estudar a 121
filosofia (luso)africana
Ementas 127
Adinkras 135
Links 137
O autor 139
5
6
Introdução
7
de melhorar o entendimento. Mantivemos uma
estrutura próxima da fala, com algumas construções
que podem causar estranhamento ao leitor. É o caso
do uso coloquial de “a gente” no lugar de “eu-nós”,1
artifício que também foi utilizado na edição do livro
filosofia pop - ano 1: ensaios de diálogo filosófico
(2019) para marcar uma aproximação com o ouvinte
na construção de uma comunidade de investigação.
Neste caso, espero que as pessoas que vão ler este
texto tenham certa indulgência com sua forma e
estrutura, que segue o ritmo e disposições do
contexto de interlocução.
O acréscimo de notas explicativas e de
referências, indicações e outros textos, pretende
justificar a própria publicização deste “diálogo”,
considerando sua possível utilidade como material
didático, para aproximação inicial de temas e
questões da filosofia africana contemporânea.
Cabe ressaltar que nesta conversa fiz um recorte
que abarca o desenvolvimento da filosofia africana
acadêmica entre 1945 e 1990, quando a busca de
identidade/autenticidade foi seu mote principal. A
partir dos trabalhos de autores como Valentin
Mudimbe 2 , Kwame Anthony Appiah 3 e Dismas
Masolo 4 a busca por identidade deu lugar a uma
diversidade de questionamentos que se alinham ao
8
horizonte pós-colonial, com a entrada em cena de
novos atores e problemas, como o desenvolvimento
da filosofia africana lusófona, o debate sobre o pós-
apartheid e ubuntu, interrogações metodológicas e
epistemológicas, questionamentos sobre gênero etc.5
Por isso mesmo, a narrativa aqui apresentada
precisa ser complementada e recontextualizada com
os debates contemporâneos. No entanto, sem o
conhecimento desta narrativa essa mesma
recontextualizaçao fica prejudicada. Para seguir no
caminho de aproximação da filosofia africana
contemporânea desenvolvi duas iniciativas
complementares: (1) uma série de entrevistas chamada
Djemberém (cabana de conversação) no podcast filosofia
pop com pessoas que desenvolvem a filosofia africana nos
países lusófonos6; e (2) uma série de 32 entrevistas com
questionário fechado, com pessoas que desenvolvem a
filosofia africana fora do contexto da lusofonia, no projeto
que denominei Tcholonadur (uma espécie de mediador
entre disputas, um tradutor intercultural). 7 Mais
9
importante que o número de pesquisadores entrevistados
é a abrangência geográfica (pesquisadores de diversos
países africanos, da América do Norte, América do Sul e
Europa), temática (de abordagens e metodologias
diversas, desde autores que trabalham a filosofia africana
da educação, aplicada ao Direito, egiptologia,
afrocentristas etc.) e linguística (traduções do inglês,
francês, espanhol e italiano).
Este texto ganhou uma atenção surpreendente,
gerando uma versão em francês feita pelo filósofo belga
Herman Lodewyckx 8 . Isso reforçou a necessidade de
registro deste trabalho, ainda que reforçando sua posição
de incompletude, ainda que em uma pequena tiragem.9
Gostaria de deixar registrado a agradecimento a
Severino Ngoenha e Filomeno Lopes, pelo diálogo e
confiança. Ao professor Luis Kandjimbo
fia_africana_Questions_pour_la_philosophie_Africaine
9 Em Janeiro de 2022, por motivos pessoais, por meio de um processo
10
Questões para a
filosofia africana10
11
12
Murilo: ... o tema de hoje é Questões Para a Filosofia
Africana. Vou começar perguntando aqui para o Marcos
de onde que veio essa ideia, que vai ser um programa em
formato diferente do que a gente já está acostumado. De
onde vem essa ideia, Marcos?
13
lembrando que [...] “geralmente, na [introdução à] filosofia
[ocidental] é a mesma coisa.”13
13 A ideia de uma resposta final que termine com o diálogo vai contra
a própria concepção de filosofia como uma busca, uma forma de
amizade à sabedoria que se diferenciaria da percepção daqueles que
tem o saber. No entanto, essa busca na modernidade ocidental tende a
ser tomada como uma Odisseia pessoal que esquece ou menospreza o
saber prévio. Por isso mesmo a dimensão intersubjetiva e
intergeracional dessa busca deve ser relembrada. Autores africanos
como Theophile Obenga, que dialogam com a filosofia egípcia,
negritam a origem da palavra grega sophia no termo egípcio seboyet ou
seba. Já Mubabinge Bilolo descreve a atividade filosófica, concebida de
um ponto de vista africano, estaria ligada a atividade de servir a
verdade, a justiça, ao conhecimento e a harmonia: aqueles que
filosofam seriam servidores de maat. Esta última palavra, se refere a
uma deusa egípcia “figurada como mulher sentada com os joelhos
dobrados, tendo nas mãos apoiada o signo da vida ānkh, (...) e
ostentando na cabeça a pluma de avestruz com que se escreve seu
nome. Além de encarnar noções como ordem, regularidade, verdade,
justiça e retidão, a ela devia-se o equilíbrio do cosmo e a relação
harmoniosa dos seus elementos, além da coesão social” (ARAUJO,
Emanuel. Escritos para a eternidade. Brasília: UNB, 2000. p.403). Neste
sentido, o filósofo bissau-guineense Filomeno Lopes se alinha com o a
descrição dada por Jean Phillippe Omotunde, para quem servir a
verdade é a tarefa de quem filosofa (e não ser amigo da verdade).
(LOPES, Filomeno. E se l'Africa scomparisse dal mappamondo?: una
riflessione filosofica. 2009. p.18-19)
14
tem uma resposta final.” Mas você vai poder falar mais
coisas, tem uma visão mais complexa e é esse jogo de
complexificar que a filosofia, muitas vezes, faz.
15
16
Como a filosofia africana
pode ser definida?
17
18
1
19
coisa histórica, uma construção histórica. Essa ideia de o
que seria uma filosofia africana tem duas partes. Vamos
colocar assim, a parte da filosofia e a parte da África.
Vamos primeiro mexer com esse negócio da África.
20
população negra e sendo algo construído ao mesmo
tempo que a ideia de Europa se constrói. Assim, você teria
uma outra perspectiva para pensar a África. Nessa
perspectiva mais ampla, você pode dividir ou não a
relação entre as pessoas negras que estão no continente
africano ou as pessoas negras que estão espalhadas pelo
mundo, pela diáspora forçada. O problema que a gente
encontra, pelo menos em sala de aula na UNILAB, e é um
problema importante, é que a perspectiva panafricanista
que coloca todos os que são negros fora da diáspora como
dentro da classificação de africanos, parte de questões
diferentes em lugares diferentes. Por exemplo, a questão
do racismo, ela é muito mais importante para quem está
fora da África do que para quem está dentro do
continente africano.14
21
uma reivindicação política. Mas eu aperto mais a questão
chamando a atenção de que a ideia de ser africano, ela vai
ser construída, para a maior parte deles no momento que
eles saem do continente africano. Quando eles chegam no
Brasil e têm que assumir essa identidade como africanos.
Dentro do continente geralmente não existe essa
primeira identidade como africano. As pessoas vão ser
bissauguinenses, vão ser angolanos, vão ser papel, vão ser
manjaco, são bakongo. Vão ter as suas identidades
relacionadas a povos, a nações, a estados. E,
surpreendentemente, para a gente que está aqui no Brasil,
a identidade negra não é um pressuposto. Então, por
exemplo, dentro de Guiné-Bissau, na cidade de Bissau,
você [no período colonial] tinha uma zona em que as
pessoas só podiam atravessar se elas tivessem papéis que
permitiam ela viver naquele espaço. Era, pois, como se
houvesse uma espécie de apartheid. As pessoas, mesmo de
cor negra da pele, que falavam português ou tinham
modos europeus, elas não são consideradas, no cotidiano,
como negras.15 A definição de ser negra é contextual. O
que acontece é que a maior parte dos meus alunos
africanos vai se descobrir negra no Brasil.
22
Aqui, quando a gente foi construir o grupo de hip-
hop botAfala pedi para que o grupo fizesse uma letra
sobre preconceito. E a letra começa com a afirmação de
identidade, a afirmação de que são negros. A letra começa
“eu sou negro, eu sou preto, eu sou africano.”16 Antes de
pensar a questão do racismo, ou para pensar a questão do
racismo, é preciso assumir a identidade racial. E essa
questão da identidade racial vai se impor como problema
nesse horizonte da diáspora, vai se impor com a questão
proeminente. Dentro dessa postulação de onde você
define o que é ser negro ou como você pensa a África, a
partir de que perspectiva, dentro ou fora, o continente
africano como o lugar que você quer voltar, ou o
continente africano como o lugar que você quer construir,
você tem um problema.
Aqui, dentro da UNILAB, no currículo que eu
montei, preferi me ater à ideia do continente, partindo do
continente africano, da parte negra do continente
africano. 17 Pensar a filosofia africana partindo dali para
que pudesse pensar os autores daquele espaço e os
problemas que vêm dali. Porque, geralmente, quando a
gente fala de filosofia africana no Brasil, o que se trata é
de problemas afro-brasileiros. Os problemas dos negros
do Brasil se sobrepõem aos problemas que estão no
continente africano. Isso não quer dizer que você não
possa pensar de modo pan-africanista ou que você não
possa pensar [a partir] de outros recortes. Mas acho que,
estrategicamente, se você não faz essa divisão os
problemas (afro)brasileiros engolem [os temas africanos].
23
O que acontece geralmente? Os brasileiros que entram na
sala de aula, muitas vezes, pensam “não, eu já conheço a
cultura africana, eu jogo capoeira, ou eu sou do
candomblé.” E chegam muitos dos alunos [africanos] que,
ou nunca ouviram falar de capoeira, ou se ouviram falar
de capoeira, (...) foi porque encontraram um brasileiro em
Angola, que estava dando aula ou em Moçambique etc. E
em relação ao candomblé, também não tinham
conhecimento da religião. 18 Isso não significa que não
existem semelhanças, há semelhanças, mas há diferenças
também. E muito dos alunos [africanos] são muçulmanos
ou são evangélicos ou são católicos. E você pressupõe que
a religião de matriz africana que existe no Brasil é a
mesma que é praticada por todos [estudantes de África],
ou pela maioria da população, e cria um tipo de
incapacidade para pensar essa diferença, uma dificuldade
para pensar essas diferenças.
Situar primeiro o que é África é o grande problema.
Já dei um caminho de como a gente faz lá essa divisão e
porque a gente toma essa estratégia: porque a tendência é
24
não pensar a África como um continente, que tem os seus
problemas e que tem o seu contexto específico. A gente
geralmente volta as coisas para o nosso umbigo, volta a
pensar o Brasil. E é curioso porque transforma em outro o
outro, em outro outro. Muitas vezes os estudantes, as
estudantes africanas, são chamadas para ir nas escolas,
para dar palestras etc., e uma coisa que acontecia e
acontece de vez em quando é que o pessoal reclama que
eles não estavam vestidos de africanos. Há a ideia de que
seja necessário se vestir de determinada forma para poder
assumir a identidade africana. Isso é bem problemático.
Qual relação que a gente tem com essa alteridade, com
esse outro? Esse problema da definição de africano, a
gente não fecha a questão, mas situa o recorte. Em relação
à concepção de filosofia…
25
Marcos: É, porque como a gente fala português. Essas
divisões são sempre problemáticas, são recortes. Neste
caso, eu acho que tem uma justificativa no lugar em que
eu estou trabalhando, né?
26
língua e faziam parte da mesma etnia, foram separadas
por fronteiras nacionais arbitrárias, que de um lado,
tiveram a colonização francesa e do outro lado a
colonização inglesa. Mas por conta disso, já do período de
colonização, a distância parece ser muito maior.
Precisamos pensar na forma como houve essa colonização,
a forma como foi pensada ou instituída essa relação. Isso
é interessante, por exemplo, como os ingleses não se
colocavam contra a cultura local (os ingleses colocavam
chefes locais para comandar e não mexiam muito na
cultura local) havia algum espaço de “liberdade”, esse
espaço de liberdade cerceada. Mas os franceses queriam
civilizar à francesa, queriam colocar a civilização francesa
como modelo. E você tem um outro tipo de relação, em
que as pessoas chegavam na sala de aula e iam ter aula
sobre sua origem bretã, colocando a civilização francesa
como matriz deles mesmos, como seus próprios
ancestrais. 19 Era uma coisa muito esquisita. Esses
modelos diferentes de colonização acabam repercutindo
em formas diferentes de se relacionar com o racismo ou
com a própria cultura?20
27
Murilo: É, mas o que eu fico pensando é o seguinte:
parece que essa ideia da África como um todo é uma coisa
muito mais europeia, do europeu definir o lugar que eles
iam… igual ao que você falou antes, de que os alunos que
vêm de países diferentes da África e têm a sua identidade
muito maior com seus respectivos países ou povos etc. mais
do que com uma África geral. Para quem é do continente,
essa África é pensada e é concreta, para os negros que estão
fora da África é mais importante pensar a África como um
todo … é nessa diferença que eu estou pensando.
28
fizer parte da filosofia ocidental; ou noutra perspectiva
em que existem filosofias regionais ou filosofias a partir
de contextos específicos, a partir de problemas específicos.
A primeira opção seria uma que a gente pode pensar
universalista, a segunda pode ser chamada de
pragmatista ou pode ter outro nome, como até
etnofilosófica. É interessante que, no Século XX, a filosofia
africana vai começar a ser debatida de forma mais intensa
a partir da publicação, em 1945, de um livro chamado A
Filosofia Bantu. Esse livro foi publicado por um padre
belga, Plácide Tempels (1906-1977)21, que não tinha a
formação, não era um “doutor” em filosofia, colocou o
nome filosofia como… mas se ele tivesse colocado outro
nome talvez o livro dele não tivesse alcançado tanta
repercussão, porque ele poderia ter escolhido
“pensamento” ou algo assim. Mas ele queria defender
justamente que existia uma filosofia, porque geralmente
os antropólogos acabavam diminuindo ou pensando os
negros a partir de uma perspectiva em que os colocavam
como menores, como incapazes de ter aquele tipo de
pensamento mais complexo que a filosofia faz. Hegel, no
século XIX, dizia que os negros, os africanos ficam presos
ao momento, ficam tão presos ao agora que são incapazes
de pensar algo maior que eles. 22 Assim, a religião, essa
29
religião “que a gente tem” monoteísta, seria impossível
para os negros, a própria religiosidade em sentido lato.23
E o próprio padre Tempels vai tentar mostrar que, pelo
contrário, Hegel, nesse sentido, não entendeu nada da
cultura africana... porque Tempels mostra que a religião
está presente em todas as práticas, no cotidiano das
populações bantu. Eu preciso explicar um pouquinho
mais sobre o Tempels, e é importante porque vai ser um
autor ao qual os outros pensadores vão reagir. Tempels,
não é negro, é belga e trabalhou no Congo Belga durante
vinte anos, morava junto à comunidade, aprendeu a
língua e percebia que as pessoas não se convertiam,
diziam que estavam convertidas e de repente voltavam
para as práticas tradicionais. Ele tentou escrever um livro
para melhor colonizar, melhor catequizar: “se a gente
conseguir colocar as coisas nos termos dos negros a
vamos conseguir convertê-los com mais facilidade.”24 O
30
objetivo dele era esse. A partir desse objetivo você já pode
jogar a obra pela janela, falar “não serve.” Mas não foi isso
o que aconteceu. Dentro dessa visão, ele vai tentar
mostrar que havia uma lógica ou um sistema de
pensamento, uma ontologia, que é bem diferente da
ontologia ocidental: muitas das coisas que pareceriam
irracionais, não são; simplesmente funcionam a partir de
outras questões de mundo. A base dessa perspectiva,
segundo Tempels é a ideia de que, para os bantu, e ele fala
dos povos luba do Congo, mas às vezes escreve “os bantu
ou os negros”, o que criou a possibilidade de uma
generalização para todos os povos negros da África... ele
vai dizer que, para os bantus, ou para os negros, o ser é
igual à força vital. No lugar onde o Ocidente coloca o ser,
os bantus colocam a força vital. Todas as coisas que
existem são ou têm força vital, o mundo é composto e as
coisas são compostas de força vital. Essa ideia modifica a
forma como a gente pensa as relações, porque, se todas as
coisas têm força vital, há uma interação constante entre
essas forças. E essa interação acontece… mesmo que você
não faça nada, vai ser influenciado por essa interação de
forças. A ideia se vincula a uma concepção em que os
primeiros fundadores tinham mais energia e criaram o
mundo a partir dessa energia. O deus que criou o mundo
tinha mais potência, mais força vital. E, dessa forma, de
geração em geração, você vai diminuindo a sua energia, a
sua potência. Por isso os mais velhos são sagrados, por
terem mais potência, terem mais energia. Mas essa ideia
da força vital traz junto nova concepção do que é a pessoa.
Talvez seja aí que está o nó da coisa, que é a ideia de que
a pessoa é pensada com um termo bantu para pessoa.
31
Bantu significa “humanidade”, muntu significa “pessoa”.
A pessoa, se a gente fosse traduzir homem ou mulher,
seria o muntu. Só que essa tradução já é péssima porque
homem e mulher já colocam uma definição de gênero e
faz pensar numa pessoa viva, e o muntu inclui todos os
seres que têm intencionalidade, todos os seres que têm
vontade. Nessa perspectiva, os antepassados mortos
continuam presentes como força vital ou energias que
influenciam no mundo, continuam presentes como
muntu. Algumas vezes, animais são considerados muntu,
algumas árvores sagradas etc. Resumindo: todos os seres
dotados de intencionalidade são muntu. Há, pois, essa
condição de manipular força vital. Os seres que têm
vontade têm essa condição de manipular força vital.
Assim, a grande questão é que nossa interação…25
32
O grande problema é como construir uma
comunidade equilibrada. A busca dessa harmonia para a
comunidade faz com que você tenha uma ética implícita,
uma ética de equilíbrio de energias, equilíbrio de
potências também. Aquilo que você deve fazer deve ser
de acordo com essa perspectiva da força vital. Vamos
pensar aqui só no exemplo, que eu acho bem
paradigmático, sobre como no cotidiano talvez as pessoas
no Brasil ainda trabalham com esse conceito ou até que
ponto essa percepção é uma espécie de senso comum,
quando a gente fala, por exemplo, “eu estou morto de
cansaço” na perspectiva bantu você estar “morto de
cansaço” seria explicado porque você está com pouca
força vital, está com pouca energia, né? Uma doença vai
ser vista como uma diminuição da sua energia. A morte é
o apagamento dessa energia, dessa força vital [no corpo].
Há, portanto, toda uma explicação daquilo que acontece
no mundo a partir da lógica de um jogo de forças. Quando
alguém vai trabalhar algum material, por exemplo, um
ferreiro, ele está manipulando força vital de um tipo
específico. São vários tipos de força vital e você tem
especializações no uso da força vital, é uma outra forma
de conceber o mundo e as relações. Quando Tempels fala
isso, ele destaca que existe hierarquia entre as pessoas na
comunidade e que os brancos foram colocados pelos
próprios negros como estando acima deles.26
33
Murilo: Isso já é uma coisa problemática.
34
Figura 1 Bantu: Família de línguas africanas. [Imagem:
http://en.wikipedia.org/wiki/Image:Niger-Congo.png]
35
A questão é a seguinte: Tempels descreveu algo que
ele via de fora. Depois dele, um filósofo e historiador
chamado Alexis Kagame27, que era de Ruanda, também
era padre, vai falar assim “não, Tempels apontou para
uma coisa interessante. Ele estava certo na sua intuição só
que não foi científico, deveria ter examinado as coisas a
partir da linguagem, percebendo como na linguagem
acontece essa ideia de força vital.” E o Kagame vai
analisar várias línguas de origem bantu. Porque a
definição de bantu é de povos que pertencem a um grupo
linguístico que existe em grande parte da África, numa
área que vai desde a África do Sul até o Congo. Hoje a
gente fala de grupo níger-congo, que iria até a região da
Nigéria. Esse grupo linguístico tem semelhanças nas suas
construções. Kagame vai, por exemplo, dividir os grupos
de palavras em quatro, aquelas que designam força com
intencionalidade, que a gente já falou, que é o muntu, e
aquelas, por exemplo, que designam coisas que não têm
intencionalidade, que são os objetos, que ele chama de
kintu. Existem ainda uma definição para coisas que são
do espaço e do tempo ou para modos, mas eu não vou
complexificar a esse ponto.28 O que é interessante é, por
36
exemplo, que a ideia de coisas com intencionalidade e
coisas como objetos que são manipulados vivem numa
espécie de tensão: você é muntu, um ser com
intencionalidade, mas, de repente, pode se comportar
como se você não tivesse vontade, como se você estivesse
sendo dirigido, então você vai ser chamado de kintu. Se
você analisar as línguas bantu vai ver que, muitas vezes,
um nome positivo vai ser negativado a partir do prefixo
ki. Assim, bom pai tem determinado nome, o mau pai
coloca o prefixo ki na frente.29 É como se você se tornasse
objeto. Para quem viu lá o desenho animado do Kiriku,
em os homens se tornam fetiche, todos se tornam objetos,
deixam de ser humanos para se tornarem objetos sob o
feitiço de Karabá. 30 Eu já estou cometendo um pecado
muito comum: estou transformando, transferindo de uma
região bantu uma descrição, para aplicar numa região que
não é bantu. O Senegal não teria nada a ver com isso (por
não ser uma região bantu). Mas esse jogo é o que vai se
tornar mais comum. Eu estou fazendo isso, mas o
presidente do Senegal, o primeiro presidente do Senegal,
o Léopold Senghor, foi um dos entusiastas do Tempels.
Ele ia falar “o Tempels acertou, o Tempels é um caminho
para a gente pensar a filosofia africana.” O Léopold
Senghor já era um poeta famoso e, junto com Aimé
37
Césaire, tinha fundado o Movimento Negritude. Só que
ele vai tentar transformar a Negritude em uma filosofia,
trazer a carga de filosofia da Negritude. Ele vai falar “oh,
o Tempels falou em força vital, mas é melhor a gente falar
em ritmo.” Dessa maneira, todas as coisas têm ritmos, a
cultura negra seria marcada por essa ideia de uma
concepção de universo rítmico. E ao invés de reduzir
todas as coisas a um ritmo comum, você aceita a
polirritmia, a multiplicação dos ritmos. Isso é bem
interessante, quando você pensa que na década de 50 a
influência do jazz, da música, e tem uma ideia comum a
essas concepções, é a ideia de que o sagrado está presente
em todas as coisas, a religiosidade está presente o tempo
todo. Isso é uma coisa interessante porque o Tempels, por
exemplo, falava “olha, a civilização europeia, ela perdeu
o contato com o sagrado, então a gente pode aprender
com os bantus a retomar o contato com o sagrado, porque
em tudo que eles fazem manipulam força vital, assim,
estão manipulando energia e têm que pedir licença a deus
e pensar em termos religiosos. Tudo que acontece tem
uma relação com o sagrado.” Essa ideia de que “olha só,
a contribuição dos negros pode se equilibrar a civilização
e trazer de volta a espiritualidade, trazer de volta a
concepção do sagrado.” Só para a gente falar um
pouquinho mais do Senghor, ele vai tentar pensar uma
filosofia a partir do Tempels, dialogando com Tempels,
ele vai tentar pensar a Negritude como filosofia, e o
companheiro dele de Negritude, um dos fundadores da
Negritude, Aimé Césaire, que não é propriamente do
continente africano, é da Martinica, vai rejeitar totalmente
Tempels e falar “não, isso daqui não tem nada que sirva
para a gente, é só um livro colonialista.” Ele vai ressaltar
essa ideia de que o Tempels colocava uma hierarquia em
que os brancos estavam em cima. Mas o Senghor vai achar
38
que esse passo é interessante, que o Tempels estava na
direção correta e vai resumir a perspectiva dele…
geralmente o pessoal resume a perspectiva dele com a
frase “a emoção é negra, assim como a razão é grega.”
Porque, segundo o Senghor, os negros aprenderiam por
participação, eles teriam que se aproximar daquilo que
eles querem conhecer e se integrar naquilo que eles
querem conhecer. Não há como ter um conhecimento
externo da cultura africana, você tem que entrar dentro
dela. Essa perspectiva acaba sendo uma hierarquização
porque deixa a razão com os gregos e coloca só a emoção
com os negros. Hoje em dia, com certeza, as pessoas não
aceitam essa definição. E muita gente que é do Senegal,
principalmente, principalmente os senegaleses vão falar
“não, mas vocês estão avaliando muito mal o Senghor, ele
é muito mais do que essa frase.” E eu vou responder assim
“realmente ele é muito mais do que essa frase”. Ele veio
aqui no Brasil na década de 60 e falou assim “olha, o
Gilberto Freire estava certo, o Brasil pode ser um modelo
para o Senegal.” Pode-se concluir que as ideias do
Senghor vão na direção da construção da civilização do
universal e todo mundo que ele gostava ele incluía na
Negritude. Então, por exemplo, ele fala que Arthur
Rimbaud fazia parte da Negritude, Henri Bergson fazia
parte da Negritude e Carlos Lacerda, era o exemplo do
homem universal que ele queria construir. Então, diga
com quem andas... é bem complicado, você pegar o Carlos
Lacerda como exemplo. Mas vamos lá. Esses autores
acabam apontando para uma perspectiva meio regional
da filosofia, a gente pode dizer como etnofilosofia. Essa
definição de etnofilosofia não foram eles que deram, a
gente vai ver depois que essa definição é muito
importante. Um dos autores que inventaram essa ideia de
etnofilosofia vai ser uma das referências para a gente
39
pensar a filosofia africana como algo universal, vai ser o
Paulin Hountondji. Ele é do Benim. Em 1968, ele inventou
esse termo etnofilosofia ao mesmo tempo que um autor
do Camarões chamado Marcien Towa, sobre quem a
gente já fez um programa com o Luiz Tiago Freire Dantas.
É curioso que os dois autores, ao mesmo tempo, criaram
essa palavra etnofilosofia, mas com definições ou
perspectivas diferentes sobre ela. Para o Paulin
Hountondji, a ideia de que exista uma filosofia africana e
de que ela não é individual, não faz sentido. Para ele a
filosofia tem que ser pensada a partir de alguém que
escreve, alguém que responde, alguém que pode pedir e
dar razões. A ideia de filosofia coletiva acaba
pressupondo que todo mundo aceita aquela filosofia, o
que ele chama de unanimismo. É como se você pensasse
“se eu fizer a filosofia dos brasileiros, será que todos os
brasileiros vão concordar? A filosofia de quem fala
português... só por falar a mesma língua todas as pessoas
teriam a mesma concepção filosófica?” Hountondji vai
relativizar essa relação entre uma população e uma
filosofia, ele vai pensar que não, as pessoas estão
confundindo as coisas, estão confundindo antropologia e
religião com filosofia. E ele dá outro passo, vai falar que
“a filosofia tem que ser escrita.”
40
são pessoas marxistas, que têm a formação em filosofia e
estão voltando para o seu país nas recém-fundadas
universidades e têm que justificar o seu emprego,
precisam justificar porque têm aquele posto. Esse ponto é
de grande controvérsia, ele vai falar “olha, quem faz
filosofia africana é quem é africano e escreveu filosofia.”
Mas você pode olhar para trás, para o passado, e vai ver
lá, por exemplo, no Século XVI na Etiópia, com o contato
com os portugueses... na Etiópia você tinha a divisão da
Igreja Católica Ortodoxa (o cristianismo já estava na
Etiópia há muito tempo, já a partir do Século II, e antes,
os judeus estavam lá antes de Cristo); quando eles têm
contatos com os portugueses, começam a repensar seu
horizonte religioso, e um autor no Século XVI escreve
meditações sobre como encontrar o verdadeiro deus. O
escritor se chama Zera Yacob (1599-1692). Os textos dele
estavam numa língua local e só há pouco tempo foi
traduzido para o inglês e a gente ainda não tem esses
textos em português..., mas se filosofia africana é aquela
que se escreve, até que ponto esse autor, que não tinha
formação acadêmica em filosofia, que pensou essas
relações sobre a descoberta do verdadeiro deus, faria
filosofia? Está escrita, mas não entra em diálogo direto
com a tradição ocidental. Isso é um problema sobre como
situar, porque você vai ter um outro autor no Século XVIII,
um filósofo chamado Wilhelm Amo que foi levado da
região de onde hoje é Gana para Alemanha. Ele foi levado
no começo do Século XVIII, mais ou menos em 1800 e ele
é um experimento iluminista do tutor dele. O tutor dele
era uma pessoa muito importante na Alemanha, tinha
uma vasta biblioteca e era tão rico que o bibliotecário dele
era o Leibniz. O tutor levou um negro da África para fazer
um experimento, como o czar da Rússia tinha “adotado”
também um negro. Será que se a gente educar um negro
41
ele vai conseguir? O que vai acontecer com o negro se a
gente der educação para ele? É interessante o seguinte:
você já pode pressupor o racismo, mas ainda não está no
nível que a gente conhece. A ideia de que você pode
educá-lo e colocá-lo dentro de um mesmo nível de um
branco, no começo do Século XVIII, era factível; na
metade do Século XVIII já não. O racismo científico já
colocava isso como impossível: são raças diferentes que
têm visões de mundo diferentes e hierarquicamente os
negros são inferiores, então, não seria possível. Mas o que
acontece com Wilhelm Amo é que ele tem toda a
formação acadêmica, faz mestrado, faz doutorado e vira
professor universitário. Ele fez teses rebatendo Descartes,
falando da importância do corpo. Há outro trabalho sobre
Direito Romano que é muito interessante, porque os
povos conquistados pelos romanos se tornavam romanos.
Eles não eram escravizados automaticamente. Então,
você pondera “será que ele estava pensando, levando em
consideração o que acontecia na África?” Ele era chamado
de Wilhelm Afro Amo. E esse nome Afro já estava ali por
conta de ele ser negro. As obras dele não foram totalmente
preservadas, e ele voltou para Gana quando tinha mais ou
menos 40 anos. Nessa época, o racismo começava a
colocar as manguinhas para fora, o racismo científico, e
você vai ter textos satíricos sobre um tal de Professor Amo
que se apaixona por uma branca e é rejeitado. A gente não
sabe se é o próprio Wilhelm Amo, mas é bem curiosa a
história do Wilhelm Amo e podemos questionar
“Wilhelm Amo fez filosofia africana?”31 Quais os critérios?
42
Até que ponto é só escrever e ser africano? Agostinho de
Hipona, o santo Agostinho, escreveu e nasceu no
continente africano; Tertuliano escreveu e nasceu no
continente africano. [Albert] Camus também, [Jacques]
Derrida também. Assim, a definição do Hountondji acaba
para muita gente sendo demasiadamente reducionista,
para o próprio Hountondji mais tarde, que vai falar que
não propos uma definição, mas uma descrição, a filosofia
é feita em primeira pessoa e é escrita.” Ele vai se sair com
essa: “eu não estava definindo, eu estava descrevendo.”
Mas a concepção por trás de sua definição/descrição é
uma concepção universalista do que é atividade do
filósofo. Outros autores vão partir de outras perspectivas
sobre o que é filosofia e o caminho para definir a filosofia
africana. O Marcien Towa que também criou o termo
etnofilosofia, avaliou que esses autores não estariam
querendo pensar o próprio contexto, eles estão tentando
provar para os brancos, para os europeus, que eles
pensam. Eles estão partindo do próprio racismo. Eles
chamam de silogismo do racismo, raciocínio do racismo.
Se os europeus disseram que os negros são incapazes de
fazer filosofia, eles querem mostrar que são capazes. Essa
tentativa de mostrar que são capazes de fazer filosofia
levaria a não fazer filosofia propriamente. Porque para o
Towa fazer filosofia significa resolver os seus próprios
problemas, pensar o seu contexto. E ele vai falar... essa é a
diferença dele grande em relação ao Hountondji, que para
o Towa existe filosofia africana, por exemplo, nos contos
tradicionais da lebre e do jabuti ou na filosofia egípcia,
porque você tinha ali a perspectiva de pensar o seu
próprio contexto. Para ele, a filosofia africana é aquela que
resolve problemas africanos. Você só vai ter filosofia
43
africana, só tem filosofia africana, quando você resolve
problemas africanos.
44
A etnofilosofia é
realmente filosofia?
45
46
2
47
Egito, da Índia. Havia vários começos da história da
filosofia. A partir do momento que surge o conceito de
raça, você vai falar “não, a filosofia surgiu na Grécia
antiga!” E você cria uma linha de história que conecta a
Grécia antiga com Alemanha, com a França como os
herdeiros dessa tradição. Indaga-se: até que ponto que
essa narrativa não étnica? Até que ponto dá para separar
a percepção, a narrativa da filosofia ocidental, da sua
ontologia de uma perspectiva teológica monoteísta. Dessa
forma, pode-se retroceder a questão e questionar até que
ponto as filosofias não são todas elas mais ou menos ou
acabam sendo vinculadas a um espaço e têm a sua
dimensão étnica, né, os pressupostos nós não
questionamos por que são nossos pressupostos. Mas esse
argumento é interessante, mas eu acho que a gente pode
pensar um autor que foi mais radical em relação a isso,
mais radical em termos, também, políticos que é o Cheikh
Anta Diop. O Cheikh Anta Diop na década de 50, antes
da década de 50 mesmo, em 1948, ele já tinha escrito
textos propondo um renascimento africano. 33 Essa ideia
de renascimento africano seria retomar às origens da
África, retomar às tradições africanas. Para ele significava
buscar as raízes da civilização africana que estariam no
Egito antigo. O Cheikh Anta Diop viu falar “olha, existe
um apagamento total da cultura egípcia e do fato de que
os egípcios eram negros”. Por conta desse fato de que os
egípcios eram negros desconsideraram toda a sabedoria
dos egípcios, todo o conhecimento que os egípcios
legaram para os gregos e para toda a humanidade, porque
a primeira grande civilização é a civilização egípcia.
Retomar essa tradição é uma forma também de retomar a
48
própria ideia de África. Olha só como a ideia do Cheikh
Anta Diop está ligada ao renascimento da… ou o
renascimento, na verdade, é uma criação também dessa
África, porque para ele as tradições egípcias não
desapareceram do nada, o Egito não desapareceu do nada.
Você vai ter uma influência da história do Egito dentro de
todo o continente africano. O que a gente precisa é
reconstruir essa influência e repensar essas raízes da
África. Essa perspectiva do Anta Diop, ela, claro, que ela
tem problemas pela linearidade da história que ela
concebe, ela não questiona que a história tem rupturas. É
como se ela falasse “olha, a narrativa iluminista de
progresso da razão não começa na Grécia, começa no
Egito, mas a narrativa iluminista continua valendo.” Mas
seria falar “a razão, ela não é grega, a razão é negra e é
egípcia.” Mas você continua falando que existe uma fonte
só, você continua criando uma narrativa só, né. E você
acaba… também, a filosofia do Cheikh Anta Diop pode
ser considerada por muitos autores, vai ser classificada
como sendo também uma etnofilosofia. Apesar de
dialogar com a história ela vai apontar para um tipo de
perspectiva de pensamento que seria a resolução para os
problemas de hoje, mas que está (dela) no passado. Pode
ver que a perspectiva do Cheikh Anta Diop traz coisas
interessantes e tem progressões. Há outros autores que
desenvolvem ela hoje em dia, por exemplo, a tentativa de
mostrar que há conexões entre as línguas bantu e as
línguas do Egito antigo. É interessante esse trabalho
porque a gente fala, por exemplo, da relação entre o
português e o latim, que é uma língua morta, né. Por que
que as línguas egípcias desapareceram do nada, né? Há
pessoas tentando fazer trabalhos interessantes, até
chamam o Egito Antigo de BuKam, outros chamam o
49
Egito Antigo de Kemet,34 ou seja, há outras denominações
para pensar o Egito Antigo. E para quem parte de um
paradigma em que o Cheikh Anta Diop é a referência, a
história do Egito Antigo tem que ser colocada no início de
todo pensamento da filosofia africana, pensar a filosofia
africana é pensar o Egito Antigo. Todos esses autores que
eu citei, tanto o Tempels, como o Kagame, quanto o
Senghor, quanto o Anta Diop podem ser acusados e são
acusados de caírem na etnofilosofia. A ideia de uma
percepção de uma filosofia de um povo que seria de certa
forma, a histórica e que não teria uma evolução crítica
também dela mesma. Mas o Cheikh Anta Diop, ele talvez
não se encaixe totalmente nisso porque ele fala o seguinte:
ele acha que houve um desenvolvimento próprio de uma
perspectiva africana, mas esse desenvolvimento se
modifica à medida que o modo de produção se modifica.
Para ele, se havia um coletivismo ou uma percepção
coletiva, uma forma de vida determinada, a partir do
momento que o capitalismo chega, essa forma de vida
50
pode estar sendo destruída ou delapidada. Voltando à
vaca fria, então, etnofilosofia é realmente filosofia? A
gente pode pensar em contextualizar essa questão. Será
que a gente pode falar em filosofias de povos indígenas
específicas? Será que uma cosmologia, cosmologia dos
tupis-guaranis é filosofia? Bem, quando a gente olha para
a filosofia japonesa, para a filosofia hindu, não há
separação entre o aspecto religioso e o aspecto filosófico.
Por que a gente tem que cobrar essa separação?
51
africana, numa perspectiva, acredito que também vale o
mesmo para perspectiva chinesa, japonesa, a integração
na comunidade, o conhecimento daquilo que é passado
pelos antepassados é uma condição para você se colocar
como um sábio ou alguém que tem conhecimento,
alguém que está em busca do conhecimento. A integração
da comunidade, fazer parte da comunidade é muito
importante para você poder falar e ser respeitado pela sua
fala. É como se houvesse posições bem diferentes, de onde
você fala e a sua relação com a comunidade. Para alguns
autores… eu já li autores africanos que falam assim “essa
diferença talvez seja incomensurável”. 35 Talvez, a gente
precise falar “não existe filosofia africana, existe
pensamento africano” como o pensamento sendo maior
do que a filosofia, como o pensamento sendo mais
importe que a filosofia. Mas eu acho que isso é jogar fora
o bebê junto com a água suja. Eu acho que é interessante
pensar que, para você aprender filosofia africana, é
necessário pensar em outra relação com o conhecimento.
O professor Muniz Sodré, que a gente entrevistou sobre o
livro dele Pensar Nagô36, ele fala que o livro dele sobre
pensamento nagô é um etnofilosofia, e ele vai descrever
como a aproximação da comunidade do candomblé é
uma aproximação por vivências, deve-se integrar na
comunidade para entender ou para captar o
conhecimento37, não é algo dado simplesmente, não é algo
que vai estar num papel ou escrito, você tem que
52
vivenciar também. E vem uma diferença grande em
relação à filosofia ocidental. Isso vai ser uma diferença
também que a gente vai ter que pensar em termos
pedagógicos: Como é que você vai poder ensinar uma
filosofia que pede vivência? Até que ponto a gente
consegue fazer isso? E é até curioso pensar até que ponto
meus alunos também podem ter acesso a essa filosofia
tradicional ou esse saber tradicional porque a maioria
deles não conseguiram passar pelos rituais de iniciação.
Os estudantes africanos, as estudantes africanas estão
aqui frequentaram a escola tradicional e não tiveram
tempo de vivenciar os saberes tradicionais. Essa é a
grande questão. Se a gente pode pensar a etnofilosofia, ou
vamos pensar o muntu como o homem tradicional
africano, o muntu hoje está em crise, ele só existe em crise
como pensa o autor chamado Eboussi Boulaga 38 , lá em
1968 ele fala “o muntu existe, mas existe em crise.” Ele
está se confrontando com outras narrativas sobre como a
pessoa deve ser. A questão, entretanto, se a etnofilosofia
é ou não filosofia não está bem respondida também.
53
54
A filosofia africana
é única?
55
56
3
57
projeto político. É interessante politicamente pensar nessa
unidade ou postular essa unidade. Mas quando a gente
fala que a Europa é única, isso só [faz sentido] … talvez
dois séculos atrás, não muito mais do que isso.
58
multiplicidade. Por exemplo, quando eu estou na sala de
aula e conto um exemplo “ah, segundo fulano de tal os
balanta consideram isso e isso como sagrado.” Aí tem um
aluno meu que é balanta e é de outra tabanca, é de outra
comunidade, e fala assim “não, mas na minha
comunidade não é assim.” Essa construção de um
universal, a pressuposição de uma universalização talvez
seja só um jogo que a gente… o olhar de fora está
colocando. Desse modo, alguns autores vão falar “não,
talvez seja melhor pensar em filosofias africanas ao invés
de cometer o mesmo tipo de reducionismo que os
europeus cometem ou cometeram, essa ideia de
pressupor um universal de início e fazer todo mundo se
curvar a esse universal.”
A multiplicidade pode ser uma vantagem. Talvez
não seja um problema a existência de diversas filosofias
africanas, que não seja uma só filosofia africana. Porque,
eu acho que é interessante também pensar como a busca
de uma filosofia africana está ligada à busca de uma
identidade africana. Toda filosofia moderna é a
construção de uma identidade europeia. O que é o
homem? Descartes responde, Kant responde, Hegel
responde, antes dele, Rousseau responde. Afinal, são
várias respostas de filósofos europeus sobre o que é o
homem. Por que a filosofia africana tem que dar uma
resposta fechada sobre o que é o africano ou o que é a
África? Seria repetir o projeto moderno, que é o projeto
que deu em toda essa construção colonial de racismo,
preconceito, machismo, dessa estrutura do capital, que
deve ser questionada. Essa questão de a filosofia africana
ser única ou não ser única pode ser pensada em termos
estratégicos, de acordo com o espaço, como se pretende
responder a ela. Eu acho que a reivindicação
panafricanista, como você colocou bem no início, sobre a
59
questão de como as pessoas pensam sua identidade no
cotidiano: “Será que as pessoas pensam a África unificada
quando estão em África?”. Não sei, mas será que é
interessante pensar na união das pessoas negras para
além dos países, uma solidariedade que não se limite aos
espaços. Essa construção do panafricanismo não é
interessante politicamente? A solidariedade não precisa
ser baseada em qualquer ideia de raça, mas pode ser
construída a partir de narrativas. Assim, para essa
unicidade da filosofia africana, a resposta deve ser
pensada de forma estratégica, para ver onde você está
falando e para quem você está falando, qual é a audiência
dessa resposta.
Marcos: Claro.
60
Qual seria a linguagem
ou quais seriam as
linguagens da filosofia
africana?
61
62
4
63
recuperação da língua que as pessoas falam.42 Na Europa,
quando houve o Renascimento, as pessoas começaram a
escrever em italiano, francês em vez de escrever em latim.
Na África, para haver um Renascimento da cultura local
e valorização da cultura endógena, deve-se passar pela
valorização da língua que as pessoas falam [no cotidiano].
Vou dar um exemplo grosseiro aqui, a UNILAB foi
construída para ser uma universidade dos países
lusófonos, aqueles que falam português. Mas se você
avalia a realidade dos países localmente, constata-se que
em Guiné-Bissau pequena parte da população fala
português. A maior parte da população fala a língua
crioula, que é uma língua que foi construída, híbrida, mas
nem toda população fala crioulo. Há uma parte da
população que não tem essa língua também. Qual é a
língua de Guiné-Bissau? Com certeza não é o português,
uma vez que a menor parte da população fala português,
mas esta é a língua oficial. 43 Isso traz um monte de
problema no ensino, na forma de se expressar. Às vezes,
a pessoa consegue responder alguma coisa se for descrita
em crioulo, mas se colocada em português haverá mais
dificuldade para se expressar. Há, portanto, inúmeras
dificuldades quando a gente pensa nesse tipo de tradução.
Aí entra uma coisa interessante, um filósofo chamado
64
Kwasi Wiredu, que defende uma espécie de tradução
conceitual, ele pede que a gente pense até que ponto
certos conceitos ocidentais-europeus podem ser
traduzidos em línguas africanas? Por exemplo, quando
Descartes fala “eu penso logo existo.” Wiredu vai mostrar
que em diversas línguas africanas você não pode separar
pensamento e existência. Essas duas coisas estão
conectadas, o que tornaria a frase quase intraduzível. A
gente falou intraduzível, mas quando o cara está
explicando, ele já está traduzindo.
65
que você experimenta efetivamente44. É outra percepção
do que é conhecimento, mas isso não significa que as
descrições do Ocidente [..] estão totalmente erradas. Elas
podem ser adaptadas e podemos pensar qual o critério
que está sendo colocado? O critério da vivência. Até que
ponto esse critério também pode ser aplicado no contexto
ocidental? Essa questão da tradução ou da tradutibilidade
é séria, porque quantas vezes as pessoas falam aqui no
Brasil que a filosofia só é possível em alemão, a filosofia
só é possível em francês ou em grego. Isso acaba sendo
66
um tipo de percepção que tem a língua como forma viva,
não como instrumento de comunicação. E aí outros
autores vão falar “não, olha só, o Ngugi Wa Thiong’o está
exagerando, até porque ele escreveu os livros dele em
gikuyu (que é uma língua do Kenya, que é a língua
tradicional, a sua língua materna) depois ele mesmo
traduziu esses livros para o inglês”. Ele teve que traduzir
esses livros para o inglês para falar para mais gente, ou
seja, a língua toma dimensão instrumental…
67
uma eleição conturbada.45 É bem problemática a ideia de
adoção das linguagens indígenas. Deve ser uma coisa
bem pensada, a partir dessa questão de como adotar a
linguagem de um povo significa não adotar a linguagem
de um outro povo? Como fazer conviver essas duas
línguas dentro do país? A gente tem que pensar também
em outros problemas, mas, com certeza, se você perde
uma língua, perde também um modo de vida. E, nessa
mesma direção, você pode considerar até que ponto as
línguas do colonizador podem ser descolonizadas,
porque, por exemplo, a gente fala português, mas o
português que a gente fala no Brasil já passou de
brasileiro, né? Já tem muita influência de outros lugares e
uma dicção tão diferente que os próprios escritores
africanos, no processo de independência, procuravam
inspiração na literatura brasileira para poder se apropriar
da língua portuguesa. Talvez a gente tenha que repetir o
mesmo processo ou a mesma construção. A gente pensa
em autores como, por exemplo, Mia Couto lendo
Guimarães Rosa. São processos de apropriação da língua,
68
transformando a língua em outra coisa, se apropriando
mesmo, instrumentalmente.
69
diálogo em português. E são importantes, e estão
dialogando… são reconhecidos pela academia
internacional, mas vem aquela questão meio política
também, da contribuição com a construção de uma esfera
pública e de uma esfera de diálogo. Será que, quando as
pessoas, por exemplo, cantam músicas em inglês ou
cantam músicas em português… tem sempre um jogo [de
poder], né? O pessoal fala sempre da qualidade da música
brasileira, a importância da música brasileira, mas a
hegemonia continua sendo norte-americana e continua
sendo da língua inglesa. Têm-se, assim, um jogo de poder
político que está implícito, e de identidades também. Qual
a identidade que é mais importante e em que contexto que
ela é mais importante? No caso de línguas, só para a gente
considerar essa relação do unanimismo, quando a gente
pensa no massacre de Ruanda. Houve toda uma
construção de narrativas sw oposição a partir do
colonialismo, mas é interessante só pontuar que os dois
povos que estavam lutando, tutsis e hutus, falavam a
mesma língua. E, geralmente, as brigas mais acirradas são
entre povos que se entendem, por exemplo, dentro da
casa, dentro da família, a gente tem as brigas mais
intestinais. Exemplo: eu estou trabalhando numa
universidade que tem como pressuposto a língua
portuguesa como construção de um ponto em comum, de
conversação entre os povos africanos lusófonos e o Brasil.
Mas até que ponto que a gente está partindo de um
pressuposto que não respeita como as próprias pessoas se
veem ou qual é a língua que elas reivindicam para elas
mesmas? Isso já é muito complicado. A gente pode pensar
que essas mesmas questões que estamos fazendo em
relação à filosofia africana valem quando vamos pensar
na relação que temos com os povos indígenas brasileiros.
Se perdemos uma língua também perdemos uma visão de
70
mundo, uma relação com o mundo que talvez não seja
recuperada. E se existe um conceito que seria muito
importante, uma relação, uma percepção de mundo que
seria muito importante? [Eduardo] Viveiros de Castro
está tentando traduzir esse tipo de vivência e percepções
de mundo em filosofia e tem resultados interessantes. O
que a gente sabe é que a cosmovisão de que temos
domínio da natureza, de relação predatória, não está
dando resultados muito legais. Então, a podemos ter que
rever. Mas em relação a concepção de em qual linguagem
deve ser pensada a filosofia africana, seria interessante
colocar também o seguinte: hoje quando se pega a
bibliografia, tem muito material de filosofia africana em
inglês. E há, também, uma quantidade relevante de
material em francês. Em português é pouca coisa, em
italiano tem mais coisa provavelmente do que em
português, porque o Vaticano está muito interessado na
construção de filosofia africana.
71
há projetos políticos sim, projetos que estão ligados à qual
língua você está falando. Por exemplo, quando a gente
começa a falar muito da filosofia bantu como a unidade
da filosofia africana, a gente tem que lembrar que o Congo
adotou essa perspectiva de uma filosofia bantu porque foi
lá que surgiu e o governo do Congo tomou o bantu como
a sua identidade, para tanto, criaram-se universidades ou
centros de estudos dos povos bantus. De certa forma, é o
nacionalismo ligado a essa percepção de que há uma
filosofia bantu. E é uma perspectiva de construção do
pan-africanismo a partir dos povos bantus. Se você
considera a África do Sul, ela ficou para atrás na corrida
da filosofia africana, demorou muito tempo para poder
produzir uma filosofia africana. Mas economicamente ela
é muito importante. Existe a ideia de ubuntu. O ubuntu
vai surgir na África do Sul e tem todo um lobby também
em torno dessa perspectiva. Qual é a palavra que a gente
vai usar para pensar esse senso comunitário que faz parte
da filosofia africana? Qual que é a palavra que a gente vai
utilizar? É bisoidade como o Bas’Ilele Malomalo 48 usa?,
72
ou Ubuntu49? Qual vai ser a palavra, em qual idioma? Há,
assim, uma disputa que é de localização, entre esses
lugares. É bem interessante ver também as relações de
poder entre Gana, Nigéria, Senegal. São disputas para ver
quem é que vai contar essa história. Lá atrás, na rabeira
desse jogo, estão os filósofos moçambicanos
principalmente, os bissaguinenses, angolanos, são-
tomenses, os que produzem em português.
Principalmente a escola de Moçambique que é a mais
importante na África. Volta novamente a questão da
hegemonia e da própria possibilidade de produção
filosófica. Existe outra parte da questão que a gente não
levou em conta, agora entra em jogo: porque essa questão
de qual linguagem deve ser empregada, tem um outro
lado, da oralidade e da escrita. Como você vai pensar a
filosofia? Vai ser só a parte dos escritos? E você vai ter a
questão da oralidade, mas também a questão que não está
só na oralidade, que está nas roupas, na música, nos
objetos, que estão ligados a uma simbolização do mundo
e uma construção do mundo que tem significação.
73
para eles um machado, um machado que tinha um
símbolo importante para eles, junto com alguns outros
símbolos, vinculados a provérbios que a gente conhece
como adinkras. E os ingleses, de início, perguntaram para
os povos do litoral lá o que significava o gesto e a
explicação era de que “estariam chamando para a guerra.”
Quando o inimigo traduz… eram povos rivais, que, ao
invés de traduzir aquilo e falar esse símbolo é o símbolo
de paz, a construção da paz que eles estão fazendo.”
Deram outra traduçã50 A própria possibilidade de diálogo
74
intercultural depende dessa percepção de uma linguagem
que vai além da linguagem falada. Em Guiné-Bissau você
tem uma imagem, uma figura que é a do tcholonadur. É
uma espécie de tradutor intercultural. Ele é convidado ou
é chamado a comparecer quando existe uma disputa e é
necessário traduzir o que uma pessoa fala para outra que,
às vezes, têm línguas distintas. Ele tem essa posição de
intermediário em disputas. Eu acho que, dentro dessa
percepção de linguagens diferentes, a filosofia também
tem que ocupar esse lugar de intermediário ou ela não
consegue sair desse lugar de intermediário, de fazer
diálogo intercultural. E a música, os filmes, a dança, tudo
isso se tornam elementos muito importantes da
construção cultural. Isso vale também para a diáspora,
quando você pensa na filosofia negra nos Estados Unidos
ou na filosofia negra no Brasil, se você deixar de
considerar as práticas que foram feitas com o corpo –
porque só tinham o corpo para construir práticas
culturais – não vai conseguir entender quantas riquezas
foram construídas em termos de música, de dança e de
significado. Assim, aqui entra outra ruptura. Geralmente
a filosofia ocidental é muito marcada pela linguagem,
renega-se aquilo que não é linguístico, aquilo que não
pode ser colocado em linguagem é desprezado.
75
Murilo: E linguagem pensada em texto...
76
Quais as conexões entre
a filosofia africana, afro-
brasileira e feminista?
77
78
5
79
gente pensa na filosofia africana, na década de 80, tem
dois nomes, de sociólogas ou antropólogas, mas que
funcionam dentro do jogo da filosofia africana, que são a
Ife Amadiume 51 e a Oyeronké Oyewumi 52 . Essas duas
autoras são nigerianas e vão fazer um trabalho que, de
certa forma, é complementar. A Ifi Amadeumi é igbo e
estudou os povos igbo e vai mostrar que, dentro desses
povos, a relação entre gêneros não funciona como a
relação entre os gêneros que se dão no ocidente. Você teria
a possibilidade de esposas masculinas, maridos
femininos, você poderia ter a união de várias pessoas do
mesmo sexo, em que a relação sexual não estava
vinculada a essa união de casamento, que os filhos eram
considerados parte daquela aliança de poder. Você tem
várias possibilidades de arranjo e de configuração das
relações entre os gêneros. E ela vai analisar e mostrar que
a relação de gêneros e papéis não eram muitos
identificadas, não eram muito marcadas. E com a
colonização houve uma desconstrução desse lugar, dessa
articulação em que as mulheres ocupavam espaços
políticos e que elas tinham também funções ou tinham
uma construção no espaço público diferenciada. E aí já
começa um problema. Um grande problema, porque ela
vai mostrar que, na linguagem, não existiam esses
gêneros definidos. E eu vou ter que falar disso e vou usar
os gêneros definidos. Isso é bem problemático e ela vai
mostrar que o pressuposto da divisão entre masculino e
feminino é algo do ocidente. O que acontece? Em
80
determinado momento, a colonização chega e as
mulheres que estão no poder têm que se masculinizar
para ocupar aquele espaço. Olha só, ela olha para a
Inglaterra e fala “Margareth Thatcher, ela é a Dama de
Ferro, mas tem que se masculinizar para poder ocupar o
espaço de poder. A Câmara dos Lords não deixa de ser a
Câmara dos Lords porque as mulheres que estão lá não
podem ter o papel feminino. No lugar do poder não seria
aceito o papel feminino.” Ife Amadeumi vai mostrar
como essa configuração entre os povos igbo seria
complexa e a Oyewumi vai defender que a ideia de
gênero aconteceria dentro da sociedade iorubá. Ela vai
mostrar que a sociedade iorubá vai se dividir muito mais
por outros aspectos, ligados à idade, a senioridade, a
quem é mais velho e as divisões dos papéis não vão ser
baseadas na visão da genitália. Você vai ter divisão de
papéis baseadas em outros pressupostos, não somente
desse de a pessoa ter determinado sexo que faz com que
ela ocupe determinado papel ou determinada função. As
duas autoras apontam para um grande problema dessa
aliança também entre as mulheres africanas e o
feminismo. Até que ponto o feminino dá conta dessa
afirmação de lugares diferentes para os gêneros? Até que
ponto você tem uma conexão? até que ponto eles podem
ser aliados ou podem ser mais um passo dentro do jogo
de colonização? E há vários outros movimentos
feministas, várias outras perspectivas feministas em
África que vão estar ligadas a vários aspectos de
emancipação que não querem somente afirmar a posição
das mulheres, mas querem uma transformação política.53
81
De qualquer forma, vê-se que há uma tensão entre o
feminino e a filosofia africana, de dois modos, (1) até que
ponto as mulheres em África vão se identificar com o
feminino e (2) até que ponto que a filosofia africana se
coloca como patriarcal e reproduz esses lugares de poder
que do Ocidente. Existem, hoje, no Brasil um
reavivamento desses estudos; os estudos de gêneros estão
cada vez mais importantes e essa tradição africana é
muito rica por trazer novos questionamentos e novos
posicionamentos. Mas quando você pensa o que elas têm
em comum e o que têm de diferente, algumas filósofas
africanas começam a falar em mulherismo54 africano, para
pensar outra relação entre as mulheres. Quando a gente
pensa a relação entre filosofia africana e a afro-brasileira,
existem conexões, claro, mas há diferenças que são
importantes. Eu vou falar uma diferença importante. O
racismo já é um pressuposto, uma questão central no
feminismo negro e além disso. Cadernos Pagu, 2017, 51: 1-24, e NJERI,
Aza; RIBEIRO, Katiúscia. MULHERISMO AFRICANA: práticas na
diáspora brasileira. Currículo sem Fronteiras, 2019, 19.2: 595-608.
82
Brasil, mas não é tão importante dentro dos países
africanos. Por exemplo, um estudante angolano estava
trabalhando com a saúde das mulheres negras aqui na
Bahia etc. É importante que no Brasil a gente tenha esses
trabalhos específicos que tratem da saúde de uma
população que tem determinadas doenças com mais
incidência, uma posição social de fragilidade etc. Mas
quando você pensa em Angola, quando alguém fala
“estou estudando a saúde da mulher negra.” Aí você
questiona “o que é isso?” Não faz sentido, em Angola
pensar a saúde da mulher negra separada. É como se o
ponto de partida do universalizável fosse outro. São
problemas distintos, são lugares distintos. Algumas
questões se colocam de forma distinta. Mas eu queria
destacar uma questão que é muito interessante, a ideia de
ancestralidade que é interessante e é polêmica. Porque
quando se pensa a ancestralidade em termos africanos
você tem uma construção diferente. Por exemplo, dentro
de África, cada orixá estava ligado a um espaço, as
pessoas nasciam naquele espaço eram filhas daquele
orixá. Cada orixá estava ligado a um determinado
território. Quando você pensa a ancestralidade, a partir
do candomblé, por exemplo, todos os deuses de vários
espaços se reuniram em um lugar, no terreiro.55 Assim,
aquela perspectiva, que era local, acabou sendo
transformada em algo universal, porque qualquer pessoa
que entra no terreiro vai poder ver ou qualquer pessoa
que entra na religião ou se aproxima da religião vai poder
ver qual a sua relação com qual orixá e qual a sua
construção de identidade também com qual orixá etc. Mas
vamos lá. Quando a gente pensa em outros povos
africanos (e acho bom ressaltar que na UNILAB temos
83
gente de vários lugares, de Guiné-Bissau, de Angola etc.)
geralmente você tem divisões sociais a partir de
ancestralidades diferentes: os filhos de determinada
ancestralidade ocupam tal posição social. Por exemplo,
entre os bijagós há quatro ancestrais, são quatro mulheres
que são ancestrais. É interessante que são quatro
mulheres. E os ancestrais de uma determinada deusa vão
ser os que vão pescar, de outra deusa vão governar etc.
Tem-se, assim as divisões de trabalho social de acordo
com a ancestralidade. Entre os papéis existem dez
ancestralidades, só uma governa. Essas ancestralidades
que governam têm alguns privilégios e algumas
responsabilidades inerentes à sua posição. Podemos
pensar que antes do contexto colonial havia até um
equilíbrio social em torno dessa divisão social de poder.
Mas a partir do momento em que você tem a colonização
essa estrutura também está se rompendo por conta do
capitalismo. Certamente, a maior parte dos meus alunos
africanos são filhos de pessoas que estão ligadas a grupos
que governam. A ancestralidade está ligada à divisão de
poder, à divisão social de poder. Em diversos povos isso
acontece. Existem sociedades que são mais horizontais e
que não têm esse tipo de visão, mas olha só, são valores e
estruturas diferentes. Quando a gente fala em
ancestralidade aqui na diáspora estamos tentando
construir identidades, falar de uma construção da
identidade racial a partir do reconhecimento de um
passado, de um pertencimento cultural, que vai além
desse espaço do continente americano, de uma relação
com um passado africano. Quando a Appiah comenta
essa relação, ele tem um textinho bem interessante que
descreve um determinado evento em que havia uma
parente distante que nunca o olhava nos olhos. O Appiah
é de Gana, descendente de um dos fundadores de Kusami,
84
e o antepassados dele chegaram para fundar a cidade
junto com trezentos escravizados. E o que aconteceu? Ele
pegou e perguntou para seu pai, “por que fulana não olha
para mim?” O pai o reprendeu porque você não pode
fazer esse tipo de pergunta publicamente e, em privado,
explicou “é que ela é descendente de escravizado, tem
vergonha e não olha diretamente para você por causa
disso.” E o Appiah diz que todo dia na porta da casa deles
em Kusami tem uma série de pessoas que vão, que são
descendentes de escravizados que querem pegar comida,
que querem fazer parte de um... tipo de clientelismo que
faz parte de uma tradição. 56 E ele comenta que, assim
85
como na Europa, houve uma ampliação da ideia de
dignidade humana que deu origem aos direitos humanos
(já que, de início, só os nobres eram dignos, e você vai
ampliar esse conceito para falar que todas as pessoas têm
esse tipo de dignidade) dentro dos povos Asante, houve
uma ampliação de conceito semelhante, que todas as
pessoas deveriam ter um tipo de dignidade, um tipo de
reconhecimento. 57 Mas ainda subsististe este tipo de
divisão. Eu acho que é melhor avaliar caso a caso e é
melhor situar de lugar para lugar. Por exemplo, ao
analisar o livro Questão Ancestral, do Fábio Leite, vê-se
que ele estudou quatro populações dentro do continente
africano e ele não autoriza qualquer generalização que vá
86
para fora do continente africano.58 Dessa maneira, eu acho
que a gente precisa levar em conta as diferenças que
fazem diferença.
87
88
Identidade racial
89
90
6
91
reconheço essa ideia de uma identidade racial necessária
para você pensar o país e pensar uma reconstrução da
sociedade brasileira. Esse é o ponto de vista que eu tenho,
mas acho que tem um problema em relação a qualquer
perspectiva que vai se sempre situada e, nesse caso, eu sei
que, quando você não tem uma imersão dentro de culturas
que estão relacionadas a determinas identidades, você pode
ser questionado. Eu tenho um aluno que é fula, mas ele não
fala a língua fula. Até que ponto ele pode falar que é fula se
não fala a língua fula? As identidades são sempre
contestáveis e contextualizáveis. [..] Quando se pensa a
identidade racial, é a mesma coisa, ela é contestável e é
contextualizável e só existe em termos políticos. Ela
depende do reconhecimento também da pessoa em relação
a forma com que vai agir a partir do momento em que
assume aquela identidade, a forma como se comporta a
partir daquela identidade. Mas nem todo tempo você vai
querer agir a partir de uma identidade, você não vai querer
se fechar em uma identidade. Esse que é o grande pulo do
gato. E, aí, é interessante só colocar [um exemplo]: o Appiah,
que é um filósofo africano, geralmente tem problemas em
ser reconhecido [em sua identidade racial], porque [...] o pai
dele era o nobre asante e a mãe dele era inglesa, o que faz
com que as pessoas tendam a colocá-lo no limbo, como se
não fosse nem inglês o suficiente, porque é de família nobre
inglesa, e nem asante o suficiente. Só que quem faz essa
divisão é quem está fora do jogo, porque em Kumasi as
pessoas o reconhecem, ele faz parte dos rituais tradicionais,
está lá dentro do jogo de poder e dentro do jogo de
reconhecimento. Mas eu queria acrescentar: o Appiah
lançou um livro há pouco tempo que se chama “As Mentiras
que nos Entrelaçam” ou “As Mentiras que nos Unem” em
que ele fala de todos os tipos de identidade e vai comentar
como essa ideia de identidade é recente. Ele fala do sexo,
92
classe, gênero, religião. Ele fala de todos os tipos de
identidade e chega a uma conclusão que é bem interessante,
de que há uma virada na política norte-americana na
direção de um tribalismo. É mais fácil um negro se casar
com uma branca, uma branca se casar com um negro do que
um republicano se casar com um democrata. As identidades
se tornaram a referência para a política. A única política que
existe hoje é a política de identidade.59 Se você levar isso ao
extremo, você vai ver que as pessoas, no Brasil, também, na
última eleição, não votaram muito em projeto, votaram em
identidades. Essa questão é importante, mas eu acho que ela
deve ser pensada, não como um fechamento, mas sempre
com essa ideia de papéis e representações também. E elas
são sempre contingentes também. Respondi?
93
formando círculos concêntricos. Por exemplo, existe uma cultura pe-
culiar à linhagem da minha família. Além disso, o grupo de famílias
que compõem a minha aldeia compartilha uma certa cultura em co-
mum. Então, há a cultura da minha tribo, a Nso, que é comum a todos
os povos falantes de Lamno. Mas o que chamamos de cultura Nso é
um subconjunto de uma cultura que é claramente comum a todos os
chamados povos graffi dos Camarões. Camarões como um todo tem
uma cultura peculiar que pode não ser muito marcante para aqueles
camaronenses que nunca tiveram o privilégio desse distanciamento
oferecido por viagens no exterior. De dentro, pode parecer que não
existe cultura camaronense além das de várias culturas tribais ou regi-
onais. E, no entanto, a cultura dos Camarões é apenas um subconjunto
da cultura africana, o que nenhum africano que foi residente ou viveu
no exterior colocaria em dúvida. Mas a cultura africana é apenas um
subconjunto do que podemos chamar de cultura humana em geral.
Parece-me que a importância de um tópico ou problema pode ser vista
como sendo diretamente proporcional ao diâmetro do círculo cultural
sobre o qual se estende. Eu poderia fazer uma contribuição para tópi-
cos ou problemas peculiares à minha cultura tribal. Mas, mas essa seria
relativamente menos importante do que uma contribuição simular que
diz respeito à cultura camaronense em geral teria, por sua vez, é menos
importante quando comparada a uma contribuição para cultura afri-
cana. Desse modo, a mais importante contribuição seria relevante para
a cultura humana em geral e, se alguma coisa é relevante para a cultura
humana em geral, então é também relevante para todas as culturas
particulares. Então, se uma contribuição é feita por um filósofo afri-
cano, esta pode não ser classificada como filosofia africana, mas, no
entanto, continua a ser relevante e pode facilmente se tornar filosofia
africana a segunda vista, quando reconhecida e utilizada por um filo-
sofo africano especificamente para propósitos africanos. Anarquistas
culturais extremos podem não se convencer com essa linha de raciocí-
nio. Mas esta é inevitável desde que nos admitimos que a filosofia não
é sua própria justificativa, nem um prêmio no vácuo, e que o propósito
geral no segundo sentido em que nos delimitamos é torná-la filosofia
em um primeiro sentido.” (Tangwa, G. African philosophy: Appraisal
of a recurrent problematic. In The Palgrave Handbook of African Phi-
losophy (pp. 19-33). Palgrave Macmillan, New York.2017, p.31-32)
94
Indicações
95
96
7
97
podcast Raízes Negras – De Ale Santos
Vira Casacas número 83, A História Que Não Contam, com o Ale
Santos.
Filmes
98
Anexos
99
100
Questões para a filosofia africana
Publicado em 29 de maio de 2016
101
Revisita Tempels, um discurso positivo sobre a
univocidade da filosofia africana na negritude de Senghor
e sua crítica em Paulin Houtondji e um meio termo em
Appiah.
102
como habilidosos manipuladores da linguagem que
tentariam fazer o pior argumento aparecer como o
melhor. O que eu quero focar com essa comparação é a
conotação pejorativa do ataque a ambos, “sofistas” e
“etnofilósofos”. As semelhanças estão na conotação
negativa a que são confinados por seus oponentes. De
fato, o apelido “etnofilósofo” é algo como um insulto,
porque ser um etnofilósofo é ser visto pelos filósofos
universalistas como se estes praticassem a filosofia de
uma maneira que desvia da forma convencional” (p.54).
A etnofilosofia seria o Outro da Filosofia, tomada em
sentido universal, tradicional. Na filosofia africana,
teríamos a orientação etnofilosófica como a busca por
descrições da africanidade, pressuposições de uma
essência africana a-histórica e unanimista que poderia ser
decantada a partir dos saberes e religiosidades
tradicionais; já seus críticos, defenderiam as perspectivas
e padrões profissionais da filosofia ocidental, renegando
a possibilidade de tomar concepções coletivas e orais
como filosóficas, sem colocar em questão sua perspectiva
europeia e reivindicação de universalidade. A construção
de uma oposição “maniqueísta” abre espaço para uma
terceira opção, que desenvolve, tanto uma crítica aos
extremos pressupostos pelas outras vertentes, quanto
uma aproximação melhorista em diálogo com o saber
tradicional, o que Imbo chama de “orientação
hermenêutica”.
Imbo procura mostrar como a adesão acrítica aos
valores tradicionais pode significar a manutenção de
formas de desigualdade de gênero tomadas como coisas
naturais (cita como fonte dessa crítica teólogas feministas
como Mercy Oduyoye, de Gana; Rose Zoe-Obianga, de
Camarões; e Dorothy Ramodibe, da África do Sul). A
leitura de Imbo nos alerta para o problema da adesão a
103
perspectivas essencialistas, que ao reivindicar
politicamente uma “africanidade” comum e
incomensurável, fecham a possibilidade de diálogo e
repõe o lugar de excentricidade exclusivista. A filosofia
africana, ao assumir sua especificidade e diversidade de
questões, não deveria substituir o eurocentrismo pelo
afrocentrismo, mas desenvolver uma perspectiva
transcultural de comunicação. A tentativa de resposta
para a pergunta sobre a existência de uma filosofia
africana configurou-se como uma busca por identidade,
que atualmente pode e deve ser superada com a aliança
com perspectivas que questionam as concepções
tradicionais de pensamento do ocidente, como as
filosofias feministas e diaspóricas. Para Imbo, é a partir
desses diálogos que se projeta um cânone de textos e
narrativas que desconstroem a filosofia tradicional,
situando e dando corpo para seus novos
questionamentos.
O livro de Imbo funciona bem como um manual e
nesse funcionamento está seu defeito: o reducionismo
didático necessário tende a proporcionar uma aparência
de consenso que está longe de ser justificada. O livro de
Masolo, African Philosophy in search of identity,
mantém uma abordagem mais ampla e cuidadosa. Tanto
Imbo quanto Masolo não avaliam o legado político dos
“reis filósofos africanos” dentro do processo de
descolonização, mas o último aborda problemas
epistemológicos e a própria construção da ideia de África
(com Eboussi Boulaga, Mudimbe e Towa). Wiredu
continua justificando ao afirmar que, na filosofia africana,
existe mais para se pesquisar do que para ensinar. Cabe
complementar: e isso é bom!
104
O Brasil e a filosofia africana
21 de fevereiro de 2017.
105
complementar àquela proposta por Renato Noguera em
recente coluna deste espaço.
No final da década de noventa, lembro-me de ouvir
uma das minhas professoras de graduação na
Universidade Federal de Goiás (UFG) reclamar do pouco
espaço para estudar filosofia analítica. Em verdade, volta
e meia na USP ela tinha que lidar com a desqualificação
de W. V. Quine em questionamentos que colocavam a
filosofia norte-americana como um oximoro: e isso existe?
Juntamente com essa dificuldade, ausente a internet,
estudar filosofia analítica era difícil porque faltavam
textos em português (por vezes, era preciso trazer alguma
bibliografia em espanhol e/ou deixar os debates
contemporâneos – e autores como Wittgenstein, Carnap,
Quine, Putnam, Davidson etc. – como parte de uma
conversa distante da graduação). Hoje, esse quadro
mudou muito, pelo menos em termos de hegemonia, mas
é curioso que, quando alguém fala em “filosofia africana”,
precisa lidar com as mesmas perguntas sobre a existência,
problemas de bibliografia etc. Desse modo, a ignorância
de uma determinada tradição filosófica podia petrificar-
se em dogma, que impedia qualquer diálogo.
A filosofia africana, segundo Robert Bernasconi, é
refém de um dilema em relação ao pensamento ocidental:
ou é muito semelhante a ele, não justificando sua
especificidade; ou é tão diferente que tem suas credenciais
negadas como filosofia. Podem tentar mediar este dilema,
atendendo os anseios narcisistas das paróquias da razão,
mostrando que existem companheiros de crença e
linguagem também na filosofia africana.
Em 1997, foi publicada a segunda edição do livro
Knowledge, Belief, and Witchcraft: Analytic Experiments in
African Philosophy de Barry Hallen e J. Olubi Sodipo, com
prefácio de W.V. Quine, que destacava a relevância desse
106
trabalho que usava a análise conceitual para pensar o lugar
de termos como verdade, crença, conhecimento e evidência,
na língua yoruba. Os autores se valiam da tese da
indeterminação, proposta pelo filósofo norte-americano,
para questionar a concepção de linguagem presente nos
primeiros trabalhos “etnofilosóficos” desenvolvidos sobre a
filosofia africana, que se contentariam em atribuir aos
falantes de línguas africanas uma mentalidade pré-lógica,
sem desconfiar que sua interpretação é que seria pré-lógica.
Outros filósofos africanos de formação analítica que
escrevem em inglês, como Kwane Anthony Appiah, Dismas
A. Masolo, Emmanuel Chukwudi Eze e Kwasi Wiredu
também se utilizam as ferramentas da análise conceitual ou
da filosofia da mente para pensar seu contexto e desfazer
preconceitos sobre a África.
Já V.Y. Mudimbe, na década de 80, descreveu uma
genealogia foucaultiana sobre o modo como a África foi
inventada como um paradigma de alteridade radical. Paulin
J. Hountondji, que foi aluno de Althusser e Derrida,
desenvolveu uma crítica radical da concepção unanimista,
que considerava que, por compartilhar determinada matriz,
linguística, automaticamente os africanos coincidiriam em
suas crenças e valores. Já Tsenay Serequebererhan se vale da
hermenêutica para pensar os horizontes de sentido da
África, problematizando e procurando superar a dinâmica
da violência colonial e emancipatória, enquanto Bruce Janz,
Lucius Outlaw pensam a filosofia africana como
necessariamente vinculada ao processo de Desconstrução –
nos termos de Derrida – de preconceitos do pensamento
ocidental. Achille Mbembe articula em sua crítica da razão
negra a ideia de um devir negro que nos remete
inevitavelmente a Deleuze.
Desse modo, diversos filósofos africanos
contemporâneos se utilizam da sua formação (analítica
107
e/ou continental) como ferramenta para pensar seu
contexto (outras abordagens dispensam a filosofia
ocidental em favor de métodos e paradigmas específicos).
De todo modo, a filosofia na África não pode ser uma
abstração escapista e tende a procurar se justificar numa
direção pragmática. A divisão mesma entre analíticos e
continentais se desvanece quando o objetivo é questionar
os preconceitos do pensamento ocidental, sem cair no
essencialismo, quanto a uma africanidade incomensurável.
Questões metafilosóficas sobre a especificidade da filosofia
africana, sua unidade, a linguagem em que deve ser escrita
ou sua articulação com o pensamento feminista e
diaspórico desvelam a problematização do tipo de
expectativa filosófica que fez com que, no processo de
descolonização africana, diversas nações surgissem com
seus respectivos “reis-filósofos”. A promessa de que uma
perspectiva teórica e filosófica que oferecesse consciência
para a nação em sentido amplo (por vezes, falando em pan-
africanismo), seria a liga necessária para a emancipação da
violência colonial, reencenou como farsa a ideia da elite
iluminada que espalha suas luzes. Mas, para sair da grande
noite, essa filosofia essencialista mostrou-se cega. O desafio
de construir outras possibilidades e caminhos traz novas
questões e problemas para a filosofia africana, que em
muito são semelhantes àqueles que o Brasil enfrenta. Por
isso, a filosofia africana pode nos ensinar bastante sobre
como suplantar as diferenças de formação encarando e
buscando soluções para problemas efetivos. Por que não
fazemos o mesmo uso contextualizado de nossa formação?
Existe uma dificuldade específica nesta disciplina de
filosofia africana que não acontece quando tratamos de
filosofia europeia: é que ninguém se pergunta se pode ou
não falar pelos “gregos”, afinal a Grécia Antiga é a fonte da
Civilização Ocidental. Mas é fácil perceber que não estou
108
autorizado a fazer filosofia africana (african philosophy),
mas estaria para fazer filosofia afrodiaspórica (africana
philosophy), afinal esta última é parte da filosofia
brasileira. O importante é ter em vista com quem queremos
conversar (ou até mesmo, se queremos conversar). A
possibilidade de diálogos Sul-Sul, em que nossa autonomia
e responsabilidade intelectual sejam pressupostos, é
diferente da busca por reconhecimento na tentativa de
herdar e continuar uma conversação que não nos
reconhece como aptos a falar, como tocados pelo espírito
da filosofia (em sua tradição europeia).
Nesse momento em que a filosofia perde espaço no
ensino médio, não podemos nos acomodar nas críticas em
relação ao governo. É importante perguntar o que a
academia filosófica tem feito para responder aos anseios e
demandas da sociedade? Como os currículos de filosofia
foram modificados para atender à necessidade de
compreensão da filosofia indígena, africana e
afrodiaspórica? Se não existem ainda modificações
importantes nesse sentido, os egressos do curso de filosofia
chegam nas salas de aula incapazes de exercer sua função
docente nos termos que a legislação define. Então uma
“especializaçãozinha” pode valer mais que essa graduação
descontextualizada. Vale ressaltar, que muitos dos que
desenvolvem trabalhos sobre filosofia africana e
afrodiaspórica no Brasil precisam sair dos departamentos de
filosofia, porque neles não encontram espaço. Obviamente,
se houver postos de trabalho, florescerão e multiplicar-se-ão
o número de pesquisadores interessados no tema. Em
verdade, seria o caso da ANPOF promover bolsas,
publicações e premiações para trabalhos que caminhassem
nesse sentido. Sem mudança institucional, não há como
sustentar as transformações das práticas correntes, que nos
condenam à irrelevância comparada.
109
110
A filosofia africana e “falar no lugar de
outras pessoas”
Publicado em 10 de março de 2017
Caro Geovane,
Suas questões não podem ser respondidas, já que são
tema de um debate contínuo para o qual constantemente
devemos estar atentos. Existe já legislação que parece ser
adequada para falar de necessidade legal do estudo de
filosofia africana, indígena e afro-brasileira, mas isso
esbarra em dois preconceitos iniciais: (1) das pessoas
formadas em filosofia que não reconhecem essas
perspectivas como sendo fonte de filosofia, mas como
uma deturpação do “universal” em favor de uma
“antropologização” relativista (falas como “Isso não é
filosofia, é antropologia ou história ou sociologia etc.?”
são comuns e não triviais, já que as licenciaturas em
filosofia tem cuidado pouco desses temas); e (2) das
dificuldades de contextualização dessas temáticas dentro
do currículo para que não surjam na forma de apêndice
exótico que é deixado para o fim do livro, o fim do ano, o
fim da aula… como não há tempo para tudo, acaba
esquecido ou deixado de lado.
111
Quando se fala em filosofia africana, temos um
problema que é comum a todas as áreas de investigação
que tratam de África: as perspectivas afro-brasileiras,
ligadas às discussões sobre a escravidão, racismo e a
herança africana na cultura brasileira; tendem a engolir
tudo o que se refere à África. Isso é um problema
delicado, já que, de acordo com certa reivindicação
política pan-africanista, os descendentes de africanos na
diáspora deveriam também se pensar como filhos da
“mãe África”. Porém, a África imaginada na diáspora
tende a ser aprisionada em estereótipos anacrônicos e
caricaturais que reduzem o continente a certa unidade
imaginada, como se falássemos da Idade Média dos
romances de Tolkien…
Essa situação precisa sem problematizada, levando
em conta o perigo e a responsabilidade implícitos na
tentativa de “falar no lugar de outras pessoas”, o que não
significa que deveríamos nos calar, mas pressupor uma
interrogação “isso vai permitir a emancipação ou o
fortalecimento (empowerment) das pessoas oprimidas?”. A
necessidade dessa constante autoavaliação é algo que a
filósofa Linda Alcoff destaca, já que “a prática de falar
pelos outros frequentemente nasce do desejo de domínio,
para privilegiar a si mesmo como alguém com um melhor
entendimento da verdade sobre a situação do outro; ou,
como podendo defender uma causa justa e assim
conseguir glória e prazer. E o efeito da prática de falar
pelos outros é frequentemente, embora não sempre,
apagamento e reinscrição das hierarquias sexuais,
nacionais e de outros tipos”.
Considero muito importante separar a filosofia
africana (african philosophy) daquela que podemos
chamar de afro-brasileira e afrodiaspórica (nos EUA
falam em “africana philosophy”, para uma filosofia
112
pensada no horizonte pan-africanista). Isso não significa
que entre elas não existam pontos de contato ou muito em
comum, mas com certeza existem vozes e problemas
diferentes para os quais precisamos estar atentos. Dentro
da “filosofia africana” devemos ter cuidado com
perspectivas que reduzem a África à celebração de um
passado paradisíaco no qual o “banto místico” mantinha
sua identidade imaculada. A possibilidade da filosofia
africana se liga também à crítica das narrativas de
progresso da modernidade, então devemos desconfiar de
perspectivas que reivindicam o início africano de toda a
cultura e sabedoria, apenas racialmente invertendo os
termos da narrativa eurocêntrica e tentando ocupar a
posição hegemónica. Ao dizer isso, estou tocando em
vários vespeiros, pontos que devem ser pressupostos pelo
docente e não necessariamente temas de sala de aula no
ensino médio e fundamental (quando o objetivo é
socializar o conhecimento que tenha adquirido certa
estabilidade consensual, ainda quando tratamos de
paradigmas divergentes).
Posso indicar como fonte inicial para a aproximação
da filosofia africana e de sua problemática alguns podcasts
do filosofia pop em que conversamos com especialistas
sobre o tema, que os abordam por diferentes perspectivas
como Adilbênia Machado (ancestralidade), Wanderson
Flor Nascimento (ubuntu e filosofia africana), Renato
Noguera (afroperspectiva), Eduardo Oliveira
(ancestralidade), Luis Thiago Freire Dantas (sobre
Marcien Towa) e Sandra Petit (sobre pretagogia). Cada
um desses convidados oferece ao fim dos episódios dicas
de livros, filmes, canções etc.
De todo modo, enfatizo a importância de tentar
aproximar-se da diversidade cultural africana por meio
da literatura, cinema, arte, dança etc. É preciso tentar se
113
colocar no lugar do outro pela aproximação estética que
deve ser constantemente problematizada e cuidadosa. O
mesmo cuidado deve haver quando o objetivo é descrever
aproximações e diferenças entre a cultura afro-brasileira e
a cultura africana para que a multiplicidade de
perspectivas dos dois lados do Atlântico não
seja dissolvida. A conclusão é mesmo de que devemos
aprender a pensar de forma plural, como nos ensina a
filósofa da Costa do Marfim Séverine Kodjo-Grandvaux,
e falar em filosofias africanas.
114
O hip-hop entre o Muntu e o Kintu
115
a ter como único tema cantar o próprio sucesso (de um
modo que não separa a capacidade de identificação entre
dinheiro, sexo e objetificação).
É interessante repensar o que está em jogo nesta
situação a partir daquilo que a ética africana tradicional61
concebe como caminho de autocriação. O estudioso da
religiosidade africana Mutombo Nkulu- N’Sengha
descreve, a partir da língua Luba, uma relação dinâmica
entre Muntu, Kintu e Bumuntu na definição do que é um
ser humano. Muntu seria um termo genérico que na
descrição desse autor abriga todos os seres humanos. Já
Bumuntu ressalta a “essência” de um ser humano
“autêntico” (termo que na África do Sul aparece como
Ubuntu; e que mantém a mesma concepção nas palavras
Eniyan ou Ywapele em Ioruba). Essa “essência humana”
não é algo dado, mas uma autoconstrução em relação à
qual cada um é responsável e se relaciona com o respeito
e a relação com os outros.
Nesse sentido, quando se pergunta o que é um ser
humano, a resposta africana seria Bumuntu, designando
“uma pessoa é uma pessoa através de outras pessoas”,
ou noutra expressão, “eu sou porque nós somos”. Essas
descrições mostram a necessidade de identificação e
cuidado com o sentimento dos outros, assim como
116
cooperação e reconhecimento da dignidade de cada ser
humano.
Alguém que não age de modo adequado perde ou
falha em sua humanidade e se torna um Kintu, termo
que designa objetos inanimados, mas também o mal
caráter ou comportamento. Entre Kintu e Muntu haveria
uma oscilação, de tal modo que a ameaça de ser
considerado alguém que perdeu a humanidade
tornando-se mero objeto é algo que exige cuidado – ético
e estético – constante em relação ao comportamento: um
homem belo/bom é como um peixe dentro d’água, já o
que não tem caráter é como um boneco de madeira
(NKULU-N’SENGHA, 2001, p. 81).
O congolês Nkulu-N’Sengha constrói um quadro
para mostrar como na língua Luba essa concepção
cosmológica é ilustrada pelo uso do prefixo “Ki” que
remete a Kintu, demonstrando a degeneração do
comportamento humano, alguém que se porta como
objeto inanimado, de modo não solidário, egoísta, não-
humano: “tata” é bom pai e “ki-tata”, pai ruim; mama,
“boa mãe” e “ki-mana”, mãe ruim; “mulume” o
“bom marido” e “ki-lume” o marido abusivo. Este tipo
de tensão e busca pela autoconstrução de um
comportamento ético é marca da cultura africana
tradicional.
117
MAMA (boa mãe) KI-MAMA (má mãe)
MULUME (bom marido) KI-LUME (marido abu-
sivo)
MULOPWE (bom rei) KI-LOPWE (tirano, rei es-
túpido)
118
das estruturas racistas de opressão. Para o filósofo norte-
americano, o presidente Barack Obama seria exemplo
dessa “reniggerization”: ele teria se tornado um boneco
na mão dos interesses de Wall Street, sem questionar o
encarceramento em massas, as desigualdades
crescentes, a violência policial etc. Obama, que foi eleito
como representante da esperança de mudanças
democráticas que moveu o “fogo profético negro”,
herança da luta de W. E. B.Du Bois, Malcoln X, Martin
Luther King, Ida B. Wells, Angela Davis, tornou- se o
presidente dos drones, de um Império que lançou mais
de 26 mil bombas por ano.
A questão que a tradição bantu coloca para o hip-
hop é a de que, ao assumir o termo “nigga”, não se faz o
mesmo com a condição de “Kintu”, colocando-se como
produto dentro do jogo e lógica do mercado? A forma
como as mulheres são tratadas nas letras de hip-hop não
negam muitas vezes a condição de Muntu? A resposta
para esta questão não é unívoca, mas num tempo em que
somos governados por gangsters, tanto no Brasil
como nos EUA, preservar o sentido de comunidade
é um desafio que merece cuidado. As perspectivas de
ostentação podem nos direcionar para a perda daquilo
que nos faz humanos. Não vale a pena aceitar a condição
de nigga (ainda que em Paris).
Referências
119
NKULU-N’SENGHA, Mutombo. Bumuntu. Encyclopedia
of African religion, p. 142-147, 2009.
120
(Mais ou menos) 10 livros para estudar a
filosofia (luso)africana
121
NGOENHA, Severino Elias. Filosofia Africana Das
Independências Às Liberdades. 1993.
NGOENHA, Severino Lomuku. Maputo: Publifix
Edições, 2019
122
mappamondo?: una riflessione filosofica). Mas dois
outros livros trazem propostas e narrativas que merecem
ser mais conhecidas e desdobradas: o diálogo com o
cantor Bonga repensa o lugar da canção na luta de
libertação e no processo de descolonização; e
Filodramática que mostra a articulação entre Igreja
Católica e a luta pela independência nos PALOP.
Filomeno é o autor que de modo mais veemente insiste na
articulação de um pensar a partir dos PALOP ( e não
necessariamente em língua portuguesa).
123
BONO, Ezio L. Muntuísmo: a ideia de pessoa na filosofia
africana contemporânea. Paulinas: Maputo, 2015.
Baixe aqui : encurtador.com.br/loO03
124
SANTOS, Boaventura de Sousa; MENESES, Maria Paula.
Epistemologias do Sul. São Paulo; Cortez; 2010.
125
http://vozesdaunilab.unilab.edu.br/index.php/tag/cov
id-19/.
126
EMENTAS
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escolham ou não uma Área de Concentração para suas
disciplinas optativas. O texto do PPC explicava a concepção
do BHU-Malês: “propomos que o estudante tenha acesso às
várias linguagens das humanidades num primeiro
momento e, num segundo momento, escolha a sua trajetória
de formação optando por seguir uma área de concentração
temática ou seguindo objetivos formativos orientados por
opções de vida e experiência pessoal. O Bacharelado em
Humanidades oferecerá três áreas de concentração, que se
alinham com a Missão e Diretrizes da UNILAB em cujos
objetivos teóricos, metodológicos e interdisciplinares, estão
confiados os estudos relativos às áreas de concentração em
Estudos Africanos, Estudos da Diáspora e Estudos sobre
Interseccionalidade de gênero, raça e classe”. Este projeto
pedagógico foi avaliado MEC em 2017 ganhando a nota
máxima (5)66, nele já estavam as ementas que aqui apresento:
Filosofia como teoria e modo de vida (obrigatória); filosofia
africana (obrigatória); filosofia africana pós-colonial
(optativa da área de concentração de Estudos Africanos);
filosofia afrodiaspórica (optativa da área de concentração de
Estudos da diáspora); filosofia em afroperspectiva (optativa
da área de concentração de Estudos sobre
Interseccionalidade de gênero, raça e classe); além da
presença da disciplina “filosofia da ancestralidade”, que já
existia no contexto do curso de pedagogia.
Porém, no Brasil, como sentenciou Caetano Veloso,
tudo é construção e já é ruína”, já que “nada continua”: o
desenho do BHU foi totalmente refeito em 2018-2019 e as
Áreas de Concentração interdisciplinares substituídas
por perspectivas disciplinares (ao invés de um recorte de
especialização interdisciplinar, privilegiaram no novo
currículo a possibilidade de adiantar disciplinas da
66C.f. https://unilab.edu.br/2017/08/21/bacharelado-em-humanidades-do-
campus-dos-males-obtem-nota-maxima-em-avaliacao-do-mec/
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terminalidade). Isso destruiu o sentido das disciplinas
que ainda aparecem no currículo do BHU, mas que não se
vinculam as terminalidades. O BHU perdeu a sua
dimensão orgânica e as disciplinas optativas vinculadas a
filosofia africana passaram a ter oferta intermitente e
descontinua (também porque na disputa por vagas de
concurso os horizontes disciplinares se mantêm como
“reservas de mercado”). Por isso, no papel, temos um
projeto robusto de filosofia africana no BHU-Malês, que
pode ser modelo e inspiração para outras iniciativas. Mas,
efetivamente, ter a disciplina de filosofia africana como
obrigatória tornou-se uma vitória de Pirro dentro do
BHU-Males, já que seu próprio desenho e proposta se
vinculam a um curso que não existe mais.
Filosofia africana
(Obrigatória – 60 horas)
Bacharelado em Humanidades – UNILAB – Campus dos
Malês.
Ementa: A filosofia e o multiculturalismo: o caso da
filosofia africana; Tipos de filosofia(s) africana(s):
etnofilosofia; filosofia sapiencial ou da sagacidade;
filosofias ideológicas nacionalistas e pós-coloniais;
filosofia profissional.
Bibliografia básica:
APPIAH, Kwame Anthony. Na casa de meu pai: a África
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Pedago/Mulemba, 2013.
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Bibliografia:
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Bibliografia complementar:
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Press, 2001.
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transformation. Oxford University Press, 2014.
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Filosofia e a Ordem do Conhecimento. Luanda:
Pedago/Mulemba, 2013.
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2005.
WIREDU, Kwasi (Ed.). A Companion to African
Philosophy. Oxford: Blackwell, 2004.
133
134
Adinkras
NKONSONKONSON
"Elo de corrente"
Símbolo de unidade e relações humanas
WOFORO DUA PA A
"quando você sobe uma boa árvore"
Símbolo de apoio, cooperação e incentivo.
A partir da expressão "Woforo dua pa a,
na yepia wo" que significa "Quando você
sobe uma boa árvore, você recebe um
empurrão". Mais metaforicamente,
significa que quando você trabalha por uma boa causa, você
receberá apoio.
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SUBAN
SESA WO
SANKOFA
"Volte e pegue"
Mais:
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