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Coordenação de Filosofia – Professores de Puniv´s e Complexos Escolares de

Malanje

À GUISA DE INTRODUÇÃO

A Filosofia africana é um saber bastante provocador. Ela cria desconforto no


cerne de sua abordagem devido o seu raio de acção. Enquanto saber particular é
questionado por vários investigadores, tanto da arena africana, quanto na da europeia
por ser entendido como um conhecimento desprovido de racionalidade e cientificidade.

A Filosofia, como se sabe, é um conhecimento voltado à reflexão individual;


mas, em muitos casos, a Filosofia africana apoiou-se sempre nos ditos colectivos;
embora, nos nossos dias, existirem já filósofos dissociados das expressões colectivas
formalizando suas próprias opiniões como preâmbulo de um conhecimento rigoroso
africano.

Neste lote de ideias, os estudantes do ensino geral e outros leitores poderão ter o
ensejo de compreender que a Filosofia africana é um saber como qualquer outro saber
universal, abstracto e unívoco.

Sendo a Filosofia, uma forma de estar no mundo, é mister augurar que qualquer
comunidade ou povo, de qualquer raça e de qualquer região ou cultura tem uma
concepção própria de fazer Filosofia, típica da sua forma de encarar o mundo e da sua
realidade particular; pelo facto de nenhuma filosofia ser feita fora do contexto sócio-
cultural do filósofo que a faz. Ela faz-se dentro de um povo, de uma cultura, de um
tempo, de um espaço. Assim acontece e continuará acontecendo com a filosofia
ocidental, assim acontece e continuará acontecendo com a filosofia americana, assim
acontece e continuará acontecendo com a filosofia africana, assim acontece e continuará
acontecendo com a filosofia oriental e com qualquer outro tipo de filosofia que surgir.

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COMPREENSÃO E DEFINIÇÃO DA FILOSOFIA AFRICANA

A tendência para a Filosofia faz parte da própria natureza humana, como é


sabido, «o homem, diz-se, é naturalmente filósofo» (Mondin, 2006. p. 5), por isso, até
certo ponto todo ser humano tem uma inclinação natural para a Filosofia uma vez que
está apto para refletir e colocar questões sobre a totalidade do Universo mesmo que
estás questões não sejam tão rigorosas como aquelas colocadas pelos filósofos
profissionais.

Questões sobre: Como apareceu o mundo? Porquê é que anoitece? O porquê da


morte? São problemas que o homem comum (homem de rua) se coloca mas, igualmente,
são estudados com maior rigor pelos filósofos de carreira. E questões como estas não
são colocadas apenas por homens e mulheres ocidentais, mas também por homens e
mulheres de todo o mundo incluindo africanos.

Deste modo, todo ser humano possui uma veia questionadora que o impele
naturalmente a filosofar. Se o africano faz parte à raça humana, é óbvio que, o africano
está apto para refletir. Para Wilson Correia citado por Pedro Nkosy «onde há homem
que pensa, valoriza, escolhe, decide e age no mundo, ali também está o germe do
pensamento filosófico» (Nkosy, 2009), ou seja, onde há homem, há Filosofia.

Neste contexto, queremos demonstrar que existe, sim, uma filosofia africana,
embora este pensamento tenha aparecido a ribalta aquando das questões levantadas
pelos ocidentais; isto não significa que o africano não tenha raízes dum pensamento
filosófico, tal pensamento, querendo ou não, está desenvolvido e continua a ser
desenvolvido, não nos encontramos mais no período pré-lógico – como defendiam os
ocidentais. Afirmar a existência da Filosofia africana não nos torna feliz; pois, isto
apenas demonstra que quando se fala da “irracionalidade” do pensamento africano não
há, exactamente, irracionalidade, mas passividade no pensamento do africano como diz
o professor Moisés Quitari.

Embora a filosofia ocidental tenha nascido da harmonia sócio-económica e


cultural que a Grécia vivia, ou seja, surgido no espírito da politeia em que «havia um
direito de igualdade na lei e ninguém poderia estar acima da lei» (Chaui, 1996) –
demonstrando o milagre grego – Não coloca o pensamento africano ao nível inferior
perante si, visto que, para muitos a filosofia africana é uma resposta aos discursos
ocidentais sobre a África feita pelos africanos residentes em Nova York na cidade de
Harlem (E.U.A) que lutavam pela dignidade do homem Negro.

Por outro lado, se voltarmos a génese dos povos encontraremos um problema de


interpretação como aquele que existe quando se discute sobre a originalidade da própria
Filosofia (Filosofia é milagre grego ou descoberta oriental? Aqui surge a questão se a
Filosofia foi pensamento dos Hordas Dóricas “povos que se fixaram na Grécia” ou dos

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Aqueus “povos autóctones da Grécia” que se fixaram mais tarde na Ásia Menor), tal
problema é levantado com relação ao Homem Negro.

Segundo Elisa Larkin Nascimento “a espécie humana nos livros didácticos é,


geralmente, representada com a imagem do homem branco e as teorias pseudo-
científicas de hierarquia entre as raças destituíram o africano de sua condição humana
tratando-o como selvagem ou primitivo classificado como ser sub-humano ou,
irremediavelmente, inferior”.

Hoje, sabemos que, a África é o berço da humanidade e do desenvolvimento


civilizatório e que a dois milhões de anos, o homo erectus ou hominídeo – autor de
importantes avanços na manufactura de implementos com machado – saiu da África em
ondas migratórias rumo à Ásia e à Eurásia, iniciando o povoamento do mundo.

Destarte, o continente africano é palco de exclusivos processos interligados de


hominização e de sapientização – o único lugar do mundo onde se encontram, em
perfeita sequência geológica, todos os indícios da evolução da nossa espécie a partir dos
primeiros ancestrais hominídeos.

DEFINIÇÃO DA FILOSOFIA AFRICANA


Neste sentido está certo o filósofo Karl Jaspers quando afirma que “cada
filosofia defini-se a si própria pelo modo como se realiza”.

No entender do filósofo Paulin Hountondji «a filosofia africana é aquela,


apenas, feita em África e pelos filósofos africanos independentemente de todos aportes
externos»; caríssimos, o professor Hountondji clama por um pensamento genuíno de
carris africano. Mas, para o professor Maurice Makumba (2007), é todo o pensamento
organizado e debatido por «pessoas que produzem e reflectem Filosofia dentro do
contexto africano», quer sejam ou não africanos.

A partir da discussão acima apresentada, coloca-se a seguinte questão: existe,


realmente, uma Filosofia africana? Em resposta a esta objecção podemos responder
que – existe sim, uma filosofia africana e o africano pode filosofar. Visto que, A
Filosofia é uma actividade racional e a racionalidade pertence a todos os seres humanos
(sem excepção).

Deste modo, diz-nos Makumba (2007, p. 8) que «o africano não pode


permanecer numa actitude de incerteza e de indecisão (se existe ou não filosofia
africana), no horizonte das certezas parciais proporcionadas pelo seu contacto com
outras culturas mais cíentificas, num mundo em rápida transformação», por isso, o povo
africano tem de sondar em profundidade a sua experiência existencial e procurar retirar
daí as verdades quanto ao seu próprio lugar no mundo.

Para o professor Moisés Quitari «hoje, o problema da Filosofia africana já não


reside no dilema da sua existência, mas sim na praticabilidade dos seus efeitos
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transformadores, ou seja, o tema central da Filosofia africana já não é a sua plena


justificação frente as demais filosofias, nem tão pouco a defensiva racial, mas as metas
orientadoras do pensamento africano em virtude do progresso e do desenvolvimento da
África através do pensar africano».

Nesta panaceia, estamos de acordo que a África e os seus autênticos pensadores


devem preocupar-se em produzir conhecimentos a partir de suas cadeias de reflexão
cultural, só assim, poderemos ousar dizer em filosofia africana de carris científico e,
eventualmente, apresentar tal pensamento aos académicos de diversas áreas de
investigação em culturas tradicionais africanas. “Ser filósofo africano” – segundo
professor Moisés Quitari – «não é defender a ferro e fogo a África, mas racionalizar e
criticar seus feitos».

a) Definição:

Como já é sabido, a definição da Filosofia constitui-se como um problema


filosófico, visto que, a discussão a este respeito enquadra diferentes perspectivas e
correntes filosóficas resultando daí diferentes definições. Deleuze, na sua obra O que é
Filosofia? Apresenta-nos uma definição simplista de Filosofia, ao defini-la como «o
ponto singular em que o conceito e a criação se relacionam entre si».

Sendo Filosofia africana, um dos ramos da Filosofia, podemos defini-la como «o


estudo científico sobre a racionalidade africana tendo em conta seu modo de agir, de
pensar, de ser, dentro do contexto cultural do homem». Ou ainda, como a «ciência que
se preocupa em investigar desde a antiguidade até a contemporaneidade aspectos que
têm a ver com o atraso e a evolução do continente».

Para Battista Mondin “a definição da Filosofia constitui em si um problema


filosófico”. Se discorrermos deste axioma veremos que as particularidades definitórias
da Filosofia “também constituem em si um problema filosófico” e para entendermos a
Filosofia africana vale realçar as definições seguintes:

Karls Anyanwu (filósofo nigeriano) definiu a Filosofia Africana como sendo


«um esforço em compreender ou justificar os princípios gerais que regulam as crenças
do indivíduo africano e sua cultura». Isto explica-nos que a filosofia Africana não é
uma Argumentação sobre a existência cultural Africana e nem se quer é a descrição da
cultura intrínseca, quer dizer que, ela não analisa ou nem descreve as crenças em deus
nas divindades, nos antepassados ou nas máscaras, nas lendas e nos provérbios, mas
assenta seu valor epistémico na arte interpretativa do homem.

O filósofo moçambicano Severino Elias Ngoenha – entendeu a Filosofia africana


como «visão colectiva do mundo que permite a confrontação do pensamento individual
de discussão e debate quer seja entre africanos em si, como com o resto do mundo».

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Mas, a definição mais exaustiva e completa foi apresentada por Alexis Kagame,
filósofo Rwandês, ao dizer que a Filosofia Africana é «o pensamento especulativo que
se subfaz nos provérbios, nas máximas, nos costumes que os africanos de hoje
herdaram dos seus antepassados como herança cultural». Esta definição apresenta
como suporte a defesa das tradições africanas.

Atendendo as definições ora expostas, o professor Moisés Quitari, entende a


Filosofia africana como “toda a reflexão sobre a dignidade do homem negro em defesa
da sua forma de pensar, agir e criticar as razões que estiveram na base do atraso para
o desenvolvimento do continente a partir da compreensão valorativa da cultura”. Ou
seja, a Filosofia africana deve ser entendida como um conhecimento capaz de produzir
qualquer iniciativa de organização social e comunitária sem se descurar o valor ético da
pessoa humana.

b) Natureza

A Filosofia africana é de natureza racional, assim como, todas as outras


filosofias e não podemos nos apartar desta realidade que é visível em todos os seres
racionais.

Quando se trata da natureza da Filosofia africana, além da racionalidade, é


imperioso salientar as antigas tradições escritas sobre a Filosofia em África,
nomeadamente: egípcias e etíopes que influenciaram, de grosso modo, o pensamento
humano do africano.

A actividade filosófica está aberta a toda a espécie humana e é na base desta


premissa que a Filosofia se estrutura enquanto disciplina sistemática. Placide Tempels,
citado por Maurice Makumba (2007, p. 31), diz-nos que «quem pretender que os povos
primitivos não possuem um sistema de pensamento, excluiu-os, como consequência, da
categoria dos seres humanos» querendo demonstrar que todos possuem uma Filosofia
enquanto empreendimento realizado com as capacidades da racionalidade.

Neste itinerário, encontra-se o filósofo africano Parrinder que alega: «dizer que
os povos africanos não têm sistemas de pensamento explícitos e assumidos, seria negar
a sua humanidade» (Idem, p. 32) e negar a humanidade do africano, simplesmente,
através da cor da pele demonstraria a incapacidade racional do europeu porque uma
antropologia filosófica consistente e unitária não pode minimizar a importância do papel
da racionalidade na definição da pessoa humana a partir da sua fisionomia e
característica.

Deste modo, enquanto não se pretender que todos sejam filósofos, em virtude de
serem todos racionais, já não é aceitável – segundo Makumba (2007, p. 32) – que se
negue o pensamento especulativo a uma raça particular ou que se defenda que o
pensamento filosófico apenas se desenvolve em uns e noutros não.

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A investigação realizada pelos filósofos africanos, como Henry Oruka, tem


evidenciado com maior nitidez que, no pensamento tradicional africano, não existia
apenas o nível de primeira ordem da Filosofia, mas também o nível da segunda ordem.

Por esta razão, Tempels diz que «declarar a priori que os povos primitivos não
têm ideias acerca da natureza dos seres ou que eles não possuem uma ontologia e que
estão totalmente privados de lógica é simplesmente, virar as costas a realidade»
(Makumba, 2007, p. 33). Não há dúvida de que existe uma contribuição cultural de cada
povo, assim como do africano dentro dos temas universais da Filosofia. Cada povo tira
do seu seio determinados elementos que oferece ao espírito universal.

Não se pode negar que um africano exposto a Filosofia ocidental clássica, como
base de sua formação filosófica, pense autenticamente como africano fruto do
enraizamento da fusão de pensamentos. A influência das novas ideias é inexorável e a
tentativa de isolar a África do resto do mundo através de um abraçar da africanidade é
uma tentativa de atrasar o pensamento. O resultado que se pode conseguir é apenas o
empobrecimento intelectual. Nem o Nacionalismo nem o Panafricanismo se podem
orgulhar da promoção de uma filosofia isolacionista.

Por isso, segundo Paulin Hountondji «não chegaremos nunca a criar uma
autêntica Filosofia africana, uma Filosofia genuína, genuinamente africana se
evitarmos a tradição filosófica existente. Não é evitando, e ainda menos ignorando, a
herança filosófica internacional, que realmente filosofaremos, mas absorvendo-a para
a transcender» (Makumba, 2007, pp. 35-36). A maior parte da literatura escrita a
respeito da Filosofia africana é relativamente recente; há indícios nas culturas africanas,
de opiniões acerca de algumas das principais questões debatidas na Filosofia ocidental.

Quando falamos de Filosofia africana pretendemos incluir todos os estádios de


desenvolvimento do pensamento humano como: o antigo pensamento literário; o
pensamento tradicional oral e a Filosofia profissional na África contemporânea.

IMPORTÂNCIA DE ESTUDO DA FILOSOFIA AFRICANA


A Filosofia africana enquanto campo de investigação procura debater assuntos
relacionados com o continente levando os académicos a interpretá-los da melhor forma
possível. É mister estudar a Filosofia africana pelas seguintes razões, visto que:

 Ajuda-nos a criar uma intelectualidade compacta capaz de dirimir todas as


dúvidas e discuti-las à luz da razão através duma análise temporal e
experienciada;

 Liberta-nos das hipocrisias eurocêntricas, de modo a, assegura a nossa


humanidade enquanto seres da mesma espécie;

 Retira-nos a mentalidade de revolta e perseguição a dita “raça superior”


catapultando-nos a entender diversas sensibilidades;

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 Eleva-nos a tarefa de progressão e desenvolvimento de maneiras a efetivar os


conhecimentos pertencentes a racionalidade africana.

A FILOSOFIA AFRICANA CONTEMPORÂNEA

O período contemporâneo da filosofia africana estende-se desde a segunda


metade do século XIX até ao momento actual tendo como apogeu de sua reflexão o
século XX.

Os protagonistas desta filosofia são africanos indígenas (nascidos em África e


filhos de africanos), não indígenas (nascidos fora d’África e filhos de não africanos) e
expatriados (nascidos fora d`África e filhos de africanos); embora a todos corresponder
o epíteto de filósofos africanos contemporâneos tiveram métodos, doutrinas e literaturas
diferentes tal como qualquer outra história da filosofia.

Os filósofos africanos como Bilolo e Osuagwu, assim como muitos outros


pensadores, colocaram a filosofia africana no mapa académico da investigação
filosófica formal e científica ao defender a filosoficidade da filosofia africana a partir
da realidade científica histórica.

Os famigerados pensadores africanos contemporâneos são: Kwame NKrumah,


Leopold Senghor, Lacinay () Keita, Henri Oruka, Kwasi Wiredu, Paulin Hountondji,
Peter Bodunrin, Placide Tempels, Frantz Fanon, Alexis Kagame e Aimé Césaire.

O pensamento africano contemporâneo enalteceu não só as ideias, as políticas, a


religião, mas também o papel da Filosofia no desenvolvimento e emancipação
económica do continente.

A Grécia começou a fazer filosofia «quando todas as necessidades vitais e


aquelas coisas que são próprias para o conforto e a recreação foram alcançadas (…)»
- como afirmou Aristóteles na obra Metafísica, livro I.

A filosofia africana profissional é aquela feita por académicos que procuram


atingir a verdade suprema num autêntico espírito filosófico sem considerar a
experiência real do continente. Esta filosofia é uma crítica a etnofilosofia.

Depois do domínio colonial a África experimentou toda a espécie de política


tendo sequestrado a consciência dos seus cidadãos, por isso, só uma filosofia sensível à
cultura, à história e aos valores tradicionais do seu povo poderia ser capaz de dialogar
com a cultura moderna e contemporânea, a fim de, criar um enquadramento político no
qual a autêntica libertação do homem e da mulher africanos possam ser nutridos e
valorizados.

A filosofia africana autóctone corresponde ao pensamento dos povos africanos


cuja visão do mundo não foi ainda influenciada por ideias externas.
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Ao tentar diferenciar o sábio popular do sábio filosófico, aquando da abordagem


da Filosofia dos sábios, Odera Oruka apresentou seis tendências para compreender a
filosofia africana contemporânea, tais como: etnofilosofia, filosofia nacionalista-
ideológica, sagacidade filosófica, filosofia profissional, filosofia hermenêutica e
filosofia artístico-literária.

a) A Etnofilosofia: estuda o pensamento e as crenças tradicionais do povo africano,


de forma a apresentá-los como germe do pensamento racional.
b) A Filosofia nacionalista-ideológica: é aquela que estuda o pensamento dos
líderes políticos africanos (estadistas-pensadores) e que se apresenta como um
estágio tão importante do desenvolvimento da filosofia africana.
c) Sagacidade filosófica: é o estudo da sabedoria da comunidade através da qual
se opera, necessariamente, o pensamento crítico do africano. Ela, na visão de
Oruka, divide-se em duas partes, nomeadamente: a do sábio popular e a do
sábio filosófico.

 A sagacidade filosófica do sábio popular aborda de modo acrítico a


sabedoria popular, a cultura, os costumes e as crenças comuns do povo
tendo a sua sagacidade permanecendo ao nível de primeira ordem.
 A sagacidade filosófica do sábio filosófico aborda de modo crítico e
independente aquilo que o sábio popular não questiona pertencendo ao
nível de segunda ordem.
d) A Filosofia profissional: é o estudo analítico apresentado por intelectuais
africanos que receberam formação filosófica especializada e se dedicaram aos
assuntos especificamente africanos.
e) A Filosofia hermenêutica: é a interpretação filosófica de conceitos numa dada
língua africana para ajudar a clarificar o seu significado e implicações lógicas.
f) A Filosofia artístico-literária: é aquela constituída tanto pelas reflexões
filosóficas explícitas propostas pelos espíritos criativos da África
Contemporânea quanto pelas filosofias implícitas presentes na literatura de seus
pensadores.

CORRENTE IDEOLÓGICA: Discurso em favor da África

Hodiernamente, entende-se que a filosofia africana é aquela feita pelos


pensadores contemporâneos por uma única razão. Visto que, estes pensadores
colocaram a África no cerne dos debates universitários internos e externos através dos
temas ligados a filosofia africana contemporânea que abordaram problemas racionais,
humanos, raciais, económicos, políticos, religiosos e de conjuntura social. Tais temas
estavam voltados à: Etnofilosofia, Negritude, Socialismo, Consciencismo,
humanismo, Panafricanismo, Nacionalismo ou Filosofia da Libertação,
Personalidade africana e Rastafarianismo.

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1) – ETNOFILOSOFIA OU FILOSOFIA CULTURAL DO AFRICANO

A Etnofilosofia, em geral, define-se como corpo de crenças e de conhecimentos


manifestados pelos pensamentos e acções de pessoas africanas que partilharam uma
cultura comum. A Etnofilosofia aponta a existência de uma filosofia unificada africana
(Bantu) que se expressa por meio de elementos linguísticos e culturais.

Seus maiores expoentes são: Placide Tempels e Leópald Sènghor, podendo ser
também encontrado autores como: Alexis Kagame, John Mbiti e Valentim Mudimbe.

A narrativa colectiva e a revelação dos conteúdos por meio de diversos códigos como:
os mitos, os sistemas simbólicos, as linguagens religiosas e comuns apresentam-se
como características fundamentais da ETNOFILOSOFIA.

Placide Tempels, na sua obra FILOSOFIA BANTU, “procurou demonstrar o espírito


da consciência negra manifestado pelo discurso do nacionalismo cultural da África”.

Alexis Kagame deu continuidade a obra de Tempels ao apresentar uma formulação mais
rigorosa sobre a construção da filosofia subjacente à visão africana (ruandesa) do
mundo, na sua obra «A filosofia bantu-ruandesa do ser» publicada em 1956.

A cultura africana é única, como nos confirmou Cheikh Auta Diop e Mubabinge Bilolo,
ao destacarem que o antigo Egipto estava inserido na cultura africana quando deu
grandes contribuições para as áreas da Ciência como: Matemática, Arquitectura e
Filosofia que foi, de certa forma, a base civilizacional da Grécia.

Um dos críticos desta corrente foi Paulin Hountondji. Segundo ele, não se pode
confundir uma prática de ordem científica e académica com um conjunto de crenças e
práticas comum do quotidiano de uma etnia ou população. Sendo assim, Filosofia é
multiplicidade de pensamento e não sobrevalorização de formas simplistas de
pensamento.

1) – NEGRITUDE OU FILOSOFIA DA RAÇA NEGRA: Leopold Sénghor

O termo negritude é um empréstimo feito ao Aimé Césaire, no poema escrito na


obra: Caderno de um regresso ao país natal, de 1939 «Desconsidero fronteiras no que
diz respeito ao Negro; o mundo inteiro é a minha província até que o negro seja livre»
(apud Aimé, 2010: 13). Ou ainda como disse Fanon «sou um homem, e é todo o passado
do mundo que tenho a reassumir cada vez que um homem fez triunfar a dignidade do
espírito, cada vez que um homem disse não a uma tentativa de sujeição do seu
semelhante, senti-me solidário com o seu acto».

A negritude foi concebida como a celebração do legado negro e um incentivo


para a restauração da dignidade da raça negra desvalorizada pela ideologia colonial.
Esta corrente filosófica procurou transformar em virtudes as supostas características
negativas da cultura negra.
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A Negritude define-se como a soma total dos valores culturais da raça negra.

Seus maiores expoentes são: Aimé Césaire, Leon-Gontran Damas e Leópold


Sènghor.

A Negritude foi impulsionada pelo movimento norte-americano denominado


«Renascimento de Harlem».

A Negritude, além da valorização da raça, procurou também tratar da situação


sócio-política do continente. A vida política e social tem de ser inspirada por uma
cultura a partir da qual se pode buscar um sistema político responsável enraizado no
coração de um determinado povo.

Para Julius Nyerere «a África tem de mudar as suas instituições para que a sua
nova aspiração se torne possível; o seu povo deve mudar de atitudes e práticas de
acordo com estes objectivos».

Os pensadores acentuados apresentaram três importantíssimos conceitos ligados


à Negritude, como:

1 – Identidade: Consiste em o negro assumir plenamente a sua condição de


homem no mundo. Passa pelo enegrecimento da pele branca e não branqueamento da
pele negra.

2 – Fidelidade: Consiste na ligação do homem negro à terra mãe (África). Em


Kiswahili, reforça-se com o seguinte teor: «shienyu ni shienyi khali shihunyi bukundu,
ou seja, o teu irmão é teu irmão ainda que cheire a mal (feda)»

3 – Solidariedade: Consiste na actitude sentimental que liga secretamente todos


irmãos negros independentemente do país natal.

3 – SOCIALISMO AFRICANO OU FILOSOFIA SOCIAL: NEGRA Julius


Nyerere

Segundo Platão na sua obra a República, os filósofos-reis devem governar o


Bem Comum por serem zelosos e virtuosos. A par disto, fala-se do socialismo africano
como retorno a república platónica na qual os filósofos-reis africanos deveriam, de igual
modo, governarem a África na base racional sem quaisquer intimidação do Conselho da
República.

Socialismo africano ou filosofia social negra: é todo conjunto de elementos ou


corpus materiais que combina teorias sociais e económicas marxistas com as
diferenças políticas da negritude.

Assim como a Etnofilosofia, o socialismo africano sustentou, igualmente, que os


valores centrais de África são comunitários. O socialismo africano não pode ser

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concebido como uma corrente homogénea de pensamento, visto que, é tão variado
quanto o número de povos africanos apresentados por Nações-Estado.

Os socialistas africanos procuraram elaborar uma síntese entre os valores


humanos tradicionais de África e a tecnologia moderna. Por isso, o objectivo do
socialismo africano era considerar a sociedade africana de um modo tal que o
humanismo da vida tradicional africana se reformasse na comunidade técnica moderna.

Os seus mais acentuados pensadores são: Julius Nyerere, Kwame NKrumah e


Kenneth Kaunda.

Segundo Nyerere, na obra Ujamaa, «o autêntico pan-africanismo deveria


conduzir a um autêntico pan-humanismo».

Ujamaa (que quer dizer família fraterna em Kiswahili): é uma estrutura


socioeconómica que evita o antagonismo conflituante tanto do capitalismo continental
quanto do socialismo doutrinário.

4) – CONSCIENCISMO AFRICANO OU FILOSOFIA DA MENTE AFRICANA:


Kwame Nkrumah

Consciencismo africano: é um tipo de saber criado por Nkrumah através da


qual se procurava sintetizar o socialismo marxista com o pensamento tradicional
africano.

Segundo Nkrumah o Consciencismo filosófico apresenta uma ideia tradicional


africana da existência absoluta e independente da matéria, a ideia dos seus poderes de
movimento espontâneo, a ideia da convertibilidade categorial e a ideia do enraizamento
da Ética na natureza da pessoa humana.

O pensamento tradicional africano inclui uma atitude para com o ser humano
que apenas pode ser descrita na sua manifestação social, como sendo socialista.

O Consciencismo africano entende-se a partir do socialismo que se apresenta por


sua vez como o fim do comunalismo tradicional africano que esteve voltado a
acumulação de capital e investimento aplicados ao Bem Comum.

Os seus maiores expoentes são: Kwame Nkrumah (fundador), Kwasi Wireddu,


William DuBois e Padmore.

Nkrumah escreveu a obra: «Consciencismo: Filosofia e Ideologia para a


descolonização».

O materialismo dialéctico herdado de Marx fez com que se estudasse uma teoria
da realidade primária da matéria que admitisse tanto a mente quanto a realidade
espiritual da experiência humana.

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5) – HUMANISMO AFRICANO OU FILOSOFIA ANTROPOLÓGICA DO


AFRICANO: Keneth Kaunda

Entende-se como a epicentralidade do homem do ponto de vista da ligação entre


a religião e a política de forma a valorizar o nacional.

Ao colocar o homem no centro dos interesses africanos a África tornou-se


potência devastadora contra o colonialismo, pois, este se interessava simplesmente ao
poder.

O pai do humanismo africano, Kenneth Kaunda, não acreditava na mortalidade


da alma humana porque – segundo ele – a vida humana não podia se confinar ao
período intermédio entre a maternidade e o túmulo; uma vez que, a imortalidade era
possível ser atingida pelo dom da razão que Deus depositou em nós.

Seus maiores expoentes são: Kenneth Kaunda (fundador), Wiredu, Mazrui e


Fanon. Os oprimidos deviam partir pela violência para que pudessem elevar a sua
humanidade.

6) – PAN-AFRICANISMO: William Du Bois

Etimologicamente, [(Pan quer dizer todo), (african reporta-se àquilo que é


concernente a África) e (ismo exprime corrente ou doutrina)], assim definiremos Pan-
africanismo toda a corrente ou doutrina que procurava a unificar a África como um
todo.

Do ponto de vista interpretativo, o Pan-africanismo é o movimento cultural,


político, filosófico e social cuja finalidade visava defender os direitos dos povos de
África e a união do continente de forma a torná-lo um Estado Soberano tanto para os
que nele vivem como os que vivem na diáspora.

Eles propunham a unidade política de toda a África e o reagrupamento das


diferentes etnias divididas pelas imposições dos colonizadores valorizando a realização
de cultos aos ancestrais, a defesa e ampliação do uso das línguas nativas proibidos ou
limitados pelos europeus.

Os seus maiores expoentes são: William DuBois, Sylvestre William e Marcus


Garvey

Os principais objectivos do movimento foram:

a) – A unidade espiritual de toda África sob pretexto de um Estado Único


b) – A capacidade de criar condições de prosperidade para todos os africanos

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7) – NACIONALISMO OU FILOSOFIA DA LIBERTAÇÃO

O Nacionalismo ao procurar criar uma teoria política única que colocasse a


África ao progresso apresentou a filosofia da libertação ideológica como um
pensamento comum tanto da Negritude quanto da Etnofilosofia.

As premissas iluministas e marxistas foram as bases da filosofia da libertação;


embora a mesma esteja ligada directamente ao movimento surgido na América latina
nas décadas de 60 e 70 do século XX.

O papel do filósofo africano reside na procura de melhor opção tanto da


organização social como da política.

A influência das sociedades antigas e tradicionais no pensamento


contemporâneo catapultou a filosofia nacionalistico-ideológica aos valores africanos
para a criação de um sistema político para a África.

Os filosófos-reis africanos defenderam na sua maioria o Socialismo comunalista


voltado ao pan-africanismo e ao pan-humanismo do negro.

Os maiores expoentes do nacionalismo-ideológico são: Augusto Salazar-


Bomdy, Leópold Zea, Aimé Césaire, Leópold Sénghor e Henrique Dussel

8) – PERSONALIDADE AFRICANA: Edward Blyden

O conceito de “African personality” depende de toda uma tradição de


pensamento cultural do homem negro e que remonta aos tempos de Wilmot Blyden.

O pai do pensamento político africano, Edward Blyden, partia do pressuposto de


que era necessário procurar o nosso próprio passado sobre o qual se pudesse fundar a
nossa própria dignidade ou personalidade africana. Visto que, a raça negra tinha uma
história e uma cultura das quais se podia orgulhar.

Na sua obra, sobre a Defesa da Raça Negra, publicado em 1857, refutou as


teorias acerca da inferioridade racial do homem negro. E na obra A história ancestral
dos Negros, de 1869, sustentou o papel desempenhado pelos negros na edificação da
civilização egípcia asseverando que as raças são diferentes entre elas, mas em
contrapartida negava a existência de uma possível hierarquia entre elas.

Ao contrário dos que o procederam, Blyden não tomava a Europa como ponto de
referência para explicar a África, mas pensava-o como entidade autónoma, como
referência imediata ao negro acreditando numa civilização africana milenária e viva,
animada por valores morais e espirituais elevadas.

Severino Elias Ngoenha, na sua obra Filosofia Africana: das independências às


liberdades, citando Edward Blyden, escrevia o seguinte: «(…) a nossa personalidade e
a nossa raça pressupõem a existência de uma responsabilidade. O dever de cada um, e
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Coordenação de Filosofia – Professores de Puniv´s e Complexos Escolares de
Malanje

de cada raça é lutar pela própria individualidade, para mantê-la e desenvolvê-la. Se


não fordes vós mesmos, se abdicardes da personalidade, não havereis deixado nada ao
mundo».

Os seus maiores expoentes são: Edward Blyden e Severino Ngoenha.

A Personalidade africana ou a afirmação da negação do homem negro apareceu


como uma justificativa de todas as formas de maus tratos e carnificinas contra a raça
negra imposta por toda a África pelo imperialismo colonial do ocidente ao retirar do
negro tudo aquilo que fazia dele um ser humano.

RASTAFARIANISMO OU FILOSOFIA NATURAL AFRICANA: Marcus Garvey


e Bob Marley

A doutrina rastafari surgiu entre pessoas que estavam oprimidas e sentiam que a
sociedade não tinha nada para oferecê-los, senão mais sofrimento.

Rastas: são todos aqueles que buscam viver a cultura negra voltada à natureza,
em conformidade com a vida africana, que lhes foi roubada de seus ancestrais quando
foram obrigados a abandonar o continente em tempo de escravatura.

Rastafarianismo é um fenómeno cultural sobre os valores africanos contra a


higienização cultural imposta aos negros da África e aos seus descendentes nas
Américas pelos homens europeus.

Surgimento do Rastafarianismo

O movimento é uma doutrina religiosa que adopta Haile Selassie I (antigo


Imperador da Etiópia) como Deus encarnado denominado Jah ou Jah rastafari. Ele é
parte da Santíssima Trindade dito pelos profetas na Bíblia e que aparecia como o
Messias à Terra. Rastafari é uma expressão que provém do Etíope «Ras, quer dizer,
“Cabeça” com equivalência de “Duque”e Tafari (Tafari Makonnem) aparece como o
nome de coroação de Haile Selassie I. Este movimento apareceu, pela primeira vez, na
Jamaica no século XX (na temporada da década de 30). O reino da Etiópia é o único no
continente africano.

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