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RELEITURA
CRÍTICA DA NOÇÃO DE SUJEITO A PARTIR DA FILOSOFIA AFRICANA.
Marie-Anne PAVEAU (USPN)
ma.paveau@orange.fr
https://orcid.org/0000-0001-8499-0141
1 Minha precisão 'francesas e francófonas' tem como objetivo integrar autores como, no Québec,
Régine Robin ou Marc Angenot, ou, em Israel, Ruth Amossy ou Roselyne Koren, que fazem parte
plenamente da corrente da ADF sem serem franceses.
2 A crítica à teoria sempre foi um dos elementos de contestação à hegemonia branca ocidental, como
no caso das feministas negras nos Estados Unidos, por exemplo (voltarei a isso mais adiante), ou
nas feministas autônomas na América do Sul (veja, por exemplo, VIVEROS VIGOYA, 2015).
Organon, Porto Alegre, v. 38, n. 75, jan/julho. 2023. DOI: 10.22456/2238-8915.130922
[1993]) e, em particular, à filósofa Donna Haraway em seu artigo fundador de 1988,
"Saberes Situados: A Questão da Ciência no Feminismo e o Privilégio da Perspectiva
Parcial" (HARAWAY, 2007 [1988]). Ela explica que os saberes situados a partir da
experiência minoritária das mulheres implicam uma perspectiva parcial, que ela
defende como muito superior ao ponto de vista patriarcal "divino" (ou seja, universal)
dos homens majoritários. Essa noção foi debatida, criticada e enriquecida desde o
início, especialmente pelas pesquisadoras do feminismo negro, que fazem críticas ao
feminismo branco dos Estados Unidos e, mais amplamente, ao ocidental, desde a
década de 1980 (CRENSHAW, 1989; LADNER, 1987; DILL, 1987).
Uma década antes, os estudos subalternos surgiram no Sul da Ásia e na Índia,
fazendo uma crítica anglofônica das sociedades pós-coloniais. O grupo formado em
torno de Ranajit Guha descreveu as condições de existência e a autonomia das
classes dominadas rurais, que eram majoritárias na época nesses países, com a
questão da enunciação sendo central nesse trabalho (GUHA, 1983). Os estudos
subalternos, influenciados principalmente por Gayatri Spivak, alimentarão o
movimento pós-colonial, um quadro privilegiado para a contestação da hegemonia
epistêmica ocidental nos estudos literários (SPIVAK, 2009 [1985]). Várias noções
sustentam essa leitura crítica: o orientalismo de Edward Said, que denuncia a
dominação política, econômica e cultural do Ocidente sobre a região geográfica
oriental árabe e muçulmana, mas que também se entende de forma mais ampla como
a dominação do Norte global sobre o Sul global (SAÏD, 2005 [1978]); a
provincialização definida por Dipesh Chakrabarty em "Provincializar a Europa. O
Pensamento Pós-colonial e a Diferença Histórica": para ele, a Europa continua sendo
um "referente tácito" para o conhecimento histórico dos países não europeus, que
deveria ser "provincializado" para ser deslocado de sua posição central
(CHAKRABARTY, 2009 [2000]).
A partir do meio da década de 1990, o grupo Modernidad / Colonialidad
(Modernidade/Colonialidade) propõe na América do Sul uma nova perspectiva sobre
a colonização e uma contestação mais radical da centralidade europeia/ocidental. Um
dos conceitos fundadores nessa perspectiva de língua espanhola e língua inglesa é
o "pluriversalismo transmoderno" de Enrique Dussel, entendido como a multiplicidade
das perspectivas humanas sem hierarquia ou classificação (DUSSEL, 1992). Os
pesquisadores do grupo repensam a colonização e a descolonização não como
eventos limitados no tempo, mas como processos longos e contínuos nas sociedades
Organon, Porto Alegre, v. 38, n. 75, jan/julho. 2023. DOI: 10.22456/2238-8915.130922
politicamente descolonizadas. Isso é o que significa a noção de colonialidade,
proposta pelo sociólogo Aníbal Quijano, que terá várias variações (colonialidade do
poder, do conhecimento, do ser e do gênero); é a noção de colonialidade do
conhecimento que me interessa aqui, significando que as formas enunciativas do
conhecimento ocidental são superiores às dos conhecimentos locais considerados
subalternos.
Antes de entrar no corpo dos textos filosóficos africanos, explicarei por que
adoto a perspectiva afrocentrada ocidental mencionada anteriormente.
3 No contexto restrito deste artigo, examino apenas o trabalho de Pêcheux com base nas
proposições de Althusser, mas seria necessário, evidentemente, considerar sua leitura de Lacan e,
além disso, mencionar também a versão do sujeito proposta por Foucault.
4 Todas as citações a seguir remetem a PÊCHEUX, 1975; todas as itálicas são dele.
Fanon na década de 1950, Eboussi Boulaga a partir dos anos 1970, Ela na
década de 1980 e 1990: todos eles rejeitam a figura do sujeito africano construída
pelo Ocidente como inexistente. Esse paradigma é encontrado em muitos autores até
os dias de hoje, seguindo a metáfora de Fanon da noite, como em Mbembe, em 'Sair
da grande noite': 'Nunca tendo realmente nascido, escreve ele sobre a África, nunca
tendo saído da opacidade do nada, ela só pode entrar na consciência universal à
força - e mesmo assim. Em outras palavras, ela é uma realidade sem real.' (MBEMBE,
2010, p. 75).
A recusa do sujeito africano também é, in absentia, realizada pela ADF, que
funda uma teoria generalizável e generalizada sobre a concepção de um sujeito como
sujeito, mesmo que essa posição seja imaginária, e que ignora de fato o sujeito
negado como sujeito produzido pela própria ciência à qual ela se refere. Em nenhum
lugar no corpus teórico da ADF, que se refere Construído, no entanto, como um
dispositivo para revelar ideologias, não há menção da recusa do sujeito realizada a
partir da Europa colonizadora na ADF. Portanto, a ADF parece ser uma teoria local e
incompleta, que age como se pudesse dar conta dos discursos de sujeitos que nunca
foram realmente considerados. Se aceitarmos, de fato, o princípio fundamental da
ADF, assim como de qualquer Análise do Discurso, que existe uma historicidade dos
sujeitos, que se tornam sujeitos falantes através da mediação da linguagem,
inscrevendo sua existência em discursos, de quem estamos falando exatamente
quando nos referimos ao sujeito na ADF?
O modo de existência do sujeito recusado é, de fato, muito diferente daquele
do sujeito europeu que inscreve em discursos uma relação consigo mesmo e uma
representação de si. Para todos os autores mencionados aqui, o sujeito africano
existe a partir de um processo dinâmico, libertador e criativo de negação da negação
colonial; no entanto, a ADF, como teoria hegemônica, participa plenamente dessa
negação colonial, continuando no regime pós-colonial e de colonialidade. Em outras
Organon, Porto Alegre, v. 38, n. 75, jan/julho. 2023. DOI: 10.22456/2238-8915.130922
palavras, o sujeito africano realiza uma negação do sujeito da ADF, uma vez que este
último nega a realidade do primeiro.
Conclusão
Referências Bibliográficas
ASANTE, Molefi Kete. Afrocentricity: The Theory of Social Change. Chicago: African
American Images, 2003 (version révisée et augmentée de l’édition de 1980).
FANON, Frantz. Les damnés de la terre. Paris: Maspero, 1961. FICHANT, Michel;
PÊCHEUX, Michel. Sur l’histoire des sciences. Paris, François Maspero, 1969.
MBEMBE, Achille. Sortir de la grande nuit. Essai sur l'Afrique décolonisée. Paris: La
Découverte, 2010.
PAVEAU, Marie-Anne. Linguagem e moral. Uma etica das virtudes discursivas, trad.
I. Benedetti. Campinas: Editorada Unicamp, 2015[2013].