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Introdução à Filosofia 2022.

Introdução à filosofia

Nunca nenhum outro tipo de conhecimento foi tão capaz de se impor; de penetrar nas raízes mais
profundas das grandes civilizações; de mudar e liderar a cosmovisão humana e de resistir ao
abalo do conhecimento dogmático da religião e da tirania da ciência, como a filosofia.

Não é sem razão que alguém a designou rainha das ciências. É que, para além do facto de a
filosofia classificar e determinar o objecto das ciências, os precursores de cada ciência específica
foram grandes filósofos ou discípulos de filósofos. Ou melhor, as épocas de descobertas de novas
áreas de conhecimento como a astronomia, a física teórica, a paleontologia, o Direito, a
Sociologia, a Psicologia, a Antropologia, a física nuclear, a pedagogia, etc., foram épocas de
maior esplendor e produção filosófica. A filosofia ocupa um lugar significativo na esfera do
conhecimento humano.

É verdade que várias foram as razões que determinaram o surgimento da filosofia e impeliram os
homens de todas as gerações e lugares a filosofarem. Contudo, o impulso da emergência do
filosofar é comum a todos os homens: o homem passa a filosofar no momento em que se vê
cercado pelo problema e pelo mistério, adquirindo consciência de sua dignidade pensante.

Nenhuma época é tão misteriosa e problemática como a nossa. Apesar dos surpreendentes
avanços nos campos das ciências biomédicas; da psiquiatria; das ciências sociais, das ciências
jurídicas; dos sistemas económicos, financeiros e políticos; da agronomia; etc., a humanidade
continua a experienciar problemas cada vez mais complexos e quase cientificamente insolúveis.

Milhões de jovens e adultos são vítimas de depressão, ansiedade e stress resultantes de conflito
de papeis sociais; de crise de decisão; de dificuldade de lidar com a solidão, de viver com o outro
e de acompanhar o mundo em transformações constantes e vertiginosas. A tecnologia de lazer é
tão grande e acessível, mas nunca as pessoas estiveram tão tristes e com tanta dificuldade de
navegar nas águas da emoção. Os medicamentos antidepressivos e tranquilizantes são excelentes
armas terapêuticas, mas não têm capacidade de conduzir o homem a ser senhor de si mesmo. A
psiquiatria trata do homem doente, mas não sabe como torná-lo sábio, seguro e senhor de seus
pensamentos e emoções. Manuais e material audiovisual motivacionais e de autoajuda são
diariamente produzidos e difundidos, mas milhares de seres humanos jazem na pobreza e miseria
extremas devido a falta de informação e habilidades basicas para aceder às oportunidades que o
mundo oferece. Trilhões de dólares são recorrentemente gastos em conferências nacionais,
regionais e mundiais sobre paz, meio ambiente e saúde animal e humana, mas as guerras, a
poluição do meio ambiente e os virus antihumanos estão longe de ser assunto do passado na
história da sobrevivência do planeta terra e da reça humana.

Num mundo cada vez mais egoísta, racista e regionalista ou tribalista, não obstante globalizado,
as ciências sociais e o ativismo humanitario parecem não ter força suficiente para içar a voz, ou
parecem mesmo inexistentes. A divisão do mundo e da sociedade em ricaços e paupérrimos, num
planeta saturado de tanta riqueza material, põe em causa o trabalho dos fazedores das leis e dos
gestores da Res-pública. Enfim, esse misterioso contraste entre as nossas aquisições científicas e
os horríveis problemas que desafiam a extinção da humanidade, leva-nos a conclusão de que o
mundo carece de pensadores. As sociedades precisam de homens e mulheres que possuam
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ideias inovadoras capazes de enriquecer nossas inteligências e mudar a trajectória das nossas
consciências e vidas. Raramente um jurista, um político, um economista, um artista ou cientista
tem ideias novas e brilhantes.

Estamos tão atarefados em escrever, produzir, vender, comprar, possuir, gastar e seguir rotinas
que não conseguimos ficar espantados com o espectáculo da vida e da realidade que nos rodeia.
Raramente nos permitimos ao trabalho de fazer simples indagações como estas: “ Que mistério é
estar vivo e mergulhado no tempo e no espaço? Qual é o destino último da minha existência? O
que é que permanece imutável na evolução histórica do homem? Por que optar por uma atitude
que seja danosa à humanidade e ao planeta terra? O que significa ser livre? Etc.”

Os cientistas, homens de negócios e todos os adultos pouco se interessam pelos fenómenos da


vida. As crianças de hoje têm mais informação do que os idosos do passado. Os adultos estão
abarrotados de informações, mas dificilmente sabem organizá-las. Eles pensam pouco sobre o
que ouvem, vêem e vivem, porque estão envoltos na negrura do “Tudo-normal”, sem nunca se
esforçarem para ver o que está por detrás das cortinas do universo e das nossas convicções. Há
bastante falta de atitude inquiridora típica dos filósofos gregos antigos que decidiram romper o
silêncio da consciência para chamar a razão ao “Reino-dos-por-ques”. Tal atitude é o que em
filosofia denomina-se atitude filosófica.

Possuir uma atitude filosófica, não é preciso, pois, sentir-se tranquilamente ancorado a algum
sistema de Filosofia, nem ser capaz de dizer os nomes de todos os filósofos e recitar as ideias de
suas obras. A tradicional opinião da exclusividade da filosofia à pessoas especiais e altamente
treinadas nesse campo de saber é hoje infundada. O precursor desta concepção foi Platão. Para
este filósofo da Grécia antiga, poucos homens são aptos para a filosofia e só adquirem tal aptidão
após longa propedêutica. Mas Platão não está sozinho nessa falácia. Plotino asseverava que havia
apenas dois tipos de vida na terra: um próprio dos sábios e o outro da massa dos homens. Cerca
de vinte séculos depois de Platão, Espinoza, um filósofo da modernidade, só esperava filosofia
do homem excepcional.

Feliszmente, as opiniões de Platão, Plotino e Spinoza não são partilhadas por todos os filosófos.
Aristóteles, que foi aluno de Platão, dizia que não era possível escapar da filosofia porque
“quando fazemos filosofia filosofamos e quando negamos filosofia também filosofamos, pelo
que, duma ou doutra forma, acaba-se, em todo o caso, filosofando”. Kant, seguiu Aristóteles na
crença de que a filosofia era para todos. E seria mau se fosse diferente. Pois a atitude filosófica é
própria de quem saiba captar e renovar os problemas universais sobre o cosmos e sobre a vida,
procurando satisfazer às exigências actuais e significantes por novas e por velhas abordagens
situadas em diversos ciclos histórico-culturais.

Battista Mondin dá-nos o seguinte quadro de pensamento:


O homem, diz se, é naturalmente filósofo, “amigo da sabedoria”. E é verdade. Ávido de
saber, não se contenta em viver o momento presente aceitar passivamente as
informações fornecidas pela experiência imediata, como fazem os animais. Seu olhar
interrogativo quer conhecer o por quê das coisas, sobretudo o por quê da própria vida.
Mas enquanto o homem comum, o homem da rua, formula estas interrogações e
enfrenta estes problemas de maneira descontínua, sem método e sem ordem, pessoas há
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que dedicam a essas pesquisas todo o seu tempo e todas as suas energias, e propõem-se
a obter uma solução concludente para todos os ingentes problemas que espicaçam a
mente humana, através de uma análise aprofundada e sistemática. São estas as pessoas
a que costumamos chamar “filósofos”1 (MONDIN, 1980:5)

A atitude filosófica é indubitavelmente inerente a todos os seres racionais. Mas a ocupação em


reflexões e especulações acerca dos fenómenos da realidade usando métodos filosóficos, reserva-
se exclusivamente à filósofos profissionais. É esta classe de intelectuais que dia e noite lida não
somente com os diversos problemas do mundo já em si complexo, mas também com as subtis
contradiões e dificuldades que a própria filosofia lhes apresenta.

A Filosofia, por ser a expressão mais alta da amizade pela sabedoria, tende a não se contentar
com uma visão compacta da realidade ou com resposta definitiva, enquanto esta não atinja a
essência, a razão última de um dado "campo" de problemas, por mais consensual ou cómoda que
tal resposta seja. A Filosofia, com efeito, procura sempre resposta a perguntas sucessivas,
perspectivando atingir, por vias diversas, certas verdades gerais, que põem a necessidade de
outras: daí o impulso inelutável e nunca plenamente satisfeito de penetrar, de camada em
camada, na órbita da realidade, numa busca incessante de totalidade de sentido, na qual se situam
o homem e o cosmos.

Ora, quando em Filosofia atingimos uma verdade que nos dá a razão de ser de todo um sistema
particular de conhecimento, e verificamos a impossibilidade de reduzir tal verdade a outras
verdades mais simples e subordinantes, segundo certa perspectiva, dizemos que atingimos um
princípio, ou um pressuposto e não uma verdade definitiva.

A Filosofia representa, efectivamente, perpétuo esforço de sondagem nas raízes dos problemas.
É um campo de saber cujos cultores somente se considerariam satisfeitos se lhes fosse facultado
atingir, com certeza e universalidade, todos os princípios ou razões últimas explicativas da
realidade, em uma plena interpretação da experiência humana. Todavia, como esse propósito se
revela difícil de alcançar, nas vicissitudes do tempo, tal paixão pela verdade sempre se renova.
Surgem teorias, sistemas, posições pessoais, perspectivas diversas, em um dinamismo que nos é
conatural e próprio, de maneira que a universalidade dos problemas não pode contar com
resultados ou soluções todos universalmente válidos. Poder-se-ia dizer, pois, que é em nossa
procura total da verdade que se manifesta a verdade total.

Quem passa a estudar Filosofia no plano da História fica, à primeira vista, desapontado, quando
não céptico, por encontrar um tumultuar de respostas, uma multiplicação de sistemas e de
teorias. Surge, então, logo a pergunta: Por que estudar Filosofia, se os filósofos jamais
conseguem se entender? Qual a vantagem ou a utilidade da Filosofia, se os maiores pensadores
nunca chegam a concordância sobre pontos fundamentais?

Quando se fazem tais perguntas, pensa-se que estão sendo destruídas as fantasias da Filosofia,
esquecendo-se que reside exactamente aí a grandeza e a dignidade do saber filosófico. A

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Introdução à Filosofia 2022.

Filosofia não existiria se todos os filósofos culminassem em conclusões uniformes, idênticas. A


Filosofia é, ao contrário, uma actividade incessante do espírito ditada pelo desejo de renovar o
questionamento e abordagem de certas soluções tidas como definitivas e de problemas tidas
como insolúveis, embora, é claro, as diversas situações espacio-temporais contribuam para que
isso aconteça.

A pesquisa das razões últimas das coisas e dos primeiros princípios implica a possibilidade de
soluções diversas e de teorias contrastantes, sem que isto signifique o desconhecimento de
verdades universais que se imponham ao espírito com a força irrecusável da evidência. O que é
peculiar, porém, à Filosofia é que as perguntas formuladas por Platão ou Aristóteles, Descartes
ou Kant, não perdem a sua actualidade, visto possuírem um significado universal, que ultrapassa
os horizontes dos ciclos históricos, pelo que a universalidade da Filosofia está de certa forma
mais nos problemas do que nas soluções.

A história da Filosofia tem o grande valor de mostrar que esta não pode se tornar em um sistema
cerrado, onde tudo já esteja pensado, muitas vezes antecipadamente resolvido. Quando um
filósofo chega ao ponto de não ter mais dúvidas, pode crer que o fim da história de suas ideias
está já consumado. A atitude filosófica exige do filosófo que mantenha o espírito inquiridor e
nao fique paralizado por achar ter encontrado resposta para dados problemas por ele investigado.
A respeito deste assunto, Croce afirma: “Nenhum sistema filosófico é definitivo, porque a
própria vida não é definitiva. Um sistema filosófico resolve um grupo de problemas
historicamente dado e prepara as condições para a proposição de outros problemas, isto é, de
novos sistemas. Sempre foi e sempre será assim” (CROCE apud REALE & ANTISERI, 2007:5).
Na mesma linha de pensamento, o filósofo norteamericano John Dewey, para quem o
conhecimento é investigação, afirma que a verdade filosófica não é estática e definitiva, nem
absoluta e eterna. O conhecimento filosófico consiste na adaptação ao ambiente, isto é, é prática
que tem êxito enquanto resolve os problemas suscitados pelo ambiente. Por essa razão, “a função
do pensamento reflexivo é a de transformar uma situação na qual se tem experiências
caracterizadas por obscuridade, dúvida, conflito, em suma, experiências perturbadas, em
situação clara, coerente, ordenada e harmoniosa” (DEWEY apud REALE & ANTISERI,
2007:508).

Dewey e Croce não somente escreveram sobre a necessidade de uma costante e permanente
indagação filosófica, como também viveram assim as suas vidas. Insatisfeitos com suas
pesquisas, apesar de dezenas e dezenas de anos de perseverante estudo, ambos mantiveram o
mesmo teor de produção científica, até à vigília da morte.

Portanto, a Filosofia deve ser vista como actividade perene do espírito, como paixão pela
verdade essencial e, nesse sentido, realiza, em seu mais alto grau e consequência, a qualidade
inerente a toda ciência: a insatisfação dos resultados e a procura cuidadosa de mais claros
fundamentos, sem outra finalidade além da puramente especulativa, da incessante busca da
verdade.

Isto não significa, porém, que a filosofia seja uma simples abstracção independente da vida. Ela
é, ao contrário, a própria manifestação da vida humana e a sua mais alta expressão. A filosofia
traduz o sentir, o pensar, o viver e o agir do homem. A filosofia se manifesta ao ser humano
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como uma forma de entendimento que tanto propicia a compreensão da sua existência, em
termos de significado, como lhe oferece um direccionamento para a sua acção, um rumo para
seguir ou, ao menos, para lutar por ele. Ela estabelece um quadro organizado e coerente da visão
do mundo, sustentando, consequentemente, uma proposição organizada e coerente para o agir.
Nós não agimos aleatoriamente. Agimos por finalidades: buscar o bem da sociedade, lutar pela
emancipação de um povo, etc.. Agimos assim pelo facto de que a vida só tem sentido se vivida
em função de valores dignos e dignificantes.

Não se pretende, todavia, com isso afirmar que o homem se alimenta da filosofia, mas sim que se
apoia dela. Ou seja, a orientação axiológica da existência nem sempre pode significar filosofia,
porém, todos nós, conscientes ou inconscientemente temos uma filosofia da vida, todos nos
orientamos por valores que nos mostram como devemos ir e por que devemos ir. Só se pode
viver e agir a partir de um esclarecimento do mundo e da realidade.

O que importa ter claro, por ora, é o facto de que a filosofia nos envolve, não temos como fugir
dela. Ela está permanentemente presente. Se nós não escolhemos qual é a nossa filosofia, qual é
o sentido que vamos dar a nossa existência, a sociedade na qual vivemos nos dará, nos imporá a
sua filosofia. E como é obvio que o pensamento do sector dominante, como diria Marx, tende a
ser o pensamento dominante da própria sociedade, provavelmente aqueles que não buscam
criticamente o sentido para a sua existência assumirão esse pensamento dominante como o seu
próprio pensamento, a sua própria filosofia: quem não pensa é pensado, diga-se! (LUCKESI,
1994: 25)

Deste modo, a filosofia se manifesta como o corpo de entendimento que cria o ideário que
norteia a vida humana em todos os seus momentos. A filosofia não é essencialmente uma
interpretação do já vivido ou do que se vive, mas sim a interpretação de aspirações e desejos do
que está por vir. Os filósofos captam e dão sentido à realidade que está por vir e expressam como
um conjunto de ideias e valores que devem ser vividos, difundidos e buscados (Idem:26). É isto
que torna os filósofos profetas da sociedade, no sentido de indivíduos que são capazes de ler nos
acontecimentos do presente o significado do que está por vir, o que está em gestação. O seu
pensamento torna-se, assim, expressão da história que está acontecendo e compreensão do que
vai acontecer. Deste modo, o pensamento filosófico manifesta-se tanto como condicionado pelo
momento histórico quanto como condicionante do momento histórico subsequente. Manifesta-se,
dessa maneira, como impulsionador da acção, tendo em vista a concretização de determinadas
aspirações dos homens, de um povo, de um grupo ou de uma classe.

O que é, então, a Filosofia? E para que ela serve?

Estas são as duas principais questões que todo o estudante deve ser capaz de responder até ao fim
destes seis meses essencialmente propedêuticos.

 O que é a Filosofia?
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A pergunta ‘o que é a Filosofia?’, pressupõe dois significados: primeiro é que a Filosofia é, à


semelhança da ciência, um campo de saber dotado de objecto de estudo próprio; dum método de
estudo e segue uma finalidade que lhe é específica, pelo que é susceptível de investigação e
apreensão pela razão humana. Esta asserção contrasta a propalada ideia da redução da Filosofia a
um simples jogo de linguagem quimérica e obsoleta, ou, quando muito, a uma metodologia a
serviço de outros campos de conhecimento. Em segundo lugar, a pergunta enuncia, como diz
Martin Heidegger, a meta do nosso estudo que é penetrar na Filosofia, demorarmo-nos nela,
submeter nosso comportamento às suas leis, isto é, filosofar.

É na segunda acepção da questão que reside o carácter problemático, ou mesmo paradoxal, da


definição da filosofia, pois, para o fazer, é preciso que o sujeito tenha tido uma experiencia
considerável nesta área de conhecimento de modo a chegar, pelas suas próprias forças racionais,
à conclusão do que seja a Filosofia. Quer dizer, enquanto é possível dizer o que é física, de fora
da física; e dizer e entender o que é a química, de fora da química; já para dizer e entender o que
é a Filosofia, é preciso estar dentro dela.

Não é sem razão que Immanuel Kant afirma que não se pode ensinar Filosofia a ninguém, mas
sim a filosofar, porque a essência da Filosofia está precisamente no facto de não existir uma
Filosofia mas sim Filosofias, atendendo e considerando a pluralidade de sujeitos pensantes que, à
luz dos seus contextos existenciais e aspirações individuais, buscam e chegam a respostas
diferentes sobre os mesmos problemas filosóficos, desenvolvendo, cada um, uma concepção
particular sobre o que é Filosofia. Por essa razão, não nos surpreende o facto de existir várias
definições diferentes da Filosofia e até outras contraditórias, pelo que é prudente falar de
abordagens ou perspectivas da definição que de uma definição conclusiva da Filosofia:

1. Abordagem do conceito ‘Filosofia’ por via Etimológica.

A palavra filosofia é grega. É composta por duas outras: philo e sophia. Philo provem
de philia, que significa amizade, amor fraterno, respeito entre os iguais. Sophia quer
dizer sabedoria e dela vem a palavra sophos, sábio. Filosofia significa, portanto,
amizade pela sabedoria, amor e respeito pelo saber. Filósofo: o que ama a sabedoria,
tem amizade pelo saber, deseja saber. Assim, filosofia indica um estado de espírito, o
da pessoa que ama, isto é, deseja o conhecimento, o estima, o procura e o respeita.

Atribui-se ao filósofo grego Pitágoras de Samos (que viveu no século V antes de Cristo)
a invenção da palavra filosofia. Narra-se que certo dia, um cidadão ateniense e
admirador de Pitágoras viu este a caminhar algures na cidade de Atenas e exclamou:
“eis aí o sophos!”, ao que Pitágoras replicou: “ Não me chame de sophos, mas sim de
philosophos”. Pitágoras teria afirmado que a sabedoria plena e completa pertence aos
deuses, mas que os homens podem desejá-la ou amá-la, tornando-se filósofos. Dizia
Pitágoras que três tipos de pessoas compareciam aos jogos olímpicos (a festa mais
importante da Grécia): as que iam para comerciar durante os jogos, ali estando apenas
para servir aos seus próprios interesses e sem preocupação com as disputas e os
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torneios; as que iam para competir, isto é, os atletas e artistas (pois, durante os jogos
também havia competições artísticas: dança, poesia, música, teatro); e as que iam para
contemplar os jogos e torneios, para avaliar o desempenho e julgar o valor dos que ali
se apresentavam. Esse terceiro tipo de pessoa, dizia Pitágoras, é como o filósofo.

Com isso, Pitágoras queria dizer que o filósofo não é movido por interesses comerciais
- não coloca o saber como propriedade sua, como uma coisa para ser comprada e
vendida no mercado; também não é movido pelo desejo de competir - não faz das ideias
e dos conhecimentos uma habilidade para vencer competidores ou “atletas
intelectuais”; mas é movido pelo desejo de observar, contemplar, julgar e avaliar as
coisas, as acções, a vida: em resumo, pelo desejo de saber. A verdade não pertence a
ninguém, ela é o que buscamos e que está diante de nós para ser contemplada e vista,
se tivermos olhos (do espírito) para vê-la.(CHAUI, 2000: 19-20).

2. Definição da Filosofia como esforço perene do espírito

Esta perspectiva tem como representante o filósofo alemão Karl Jasper. Segundo este pensador:
A palavra grega philosophos é formada em oposição a sophos, significa o que ama o
saber, em contraposição ao possuidor de conhecimentos, que se designava por sábio.
Este sentido da palavra mantém-se até hoje: é a demanda da verdade e não a sua
posse que constitui a essência da Filosofia, muito embora tenha sido frequentemente
traída pelo dogmatismo, isto é, por um saber expresso em dogmas definitivos,
perfeitos e doutrinais. Filosofar significa “estar a caminho”. As interrogações são
mais importantes do que as respostas e cada uma destas em nova interrogação. (…)

Estar em demanda de algo ou alcançar a serenidade e a plenitude de um instante, não


são definições da Filosofia. A Filosofia a nada se subordina ou se equipara. Não
deriva de algo diferente. Cada Filosofia define-se a si própria pelo modo como se
realiza. Para saber o que é Filosofia tem de se fazer uma tentativa. Só então a
Filosofia será simultaneamente a marcha do pensamento vivo e a consciência desse
pensamento (reflexão), isto é, o acto e o respectivo comentário. Só a partir da
tentativa pessoal poderemos aperceber-nos do que se nos depara no mundo com o
nome de Filosofia.(JASPER, 1998: 18-19).

Das duas abordagens ora expostas se pode concluir que a filosofia não é algo dado, um tipo de
conhecimento de que podemos nos dotar definitivamente, mas antes algo em constante e
permanente busca, e que tal busca é, por sua natureza, essencialmente individual. Apesar de a
atitude indagadora inerir aos homens, nem todos os filósofos são levados pelos mesmos motivos
e circunstâncias a exercitá-la. As particularidades espacio-temporais condicionam a
especificidade de problemas a serem racionalmente levantados e resolvidos pelos seus
pensadores. É por isso que a Filosofia se depara logo com a dificuldade da definição do seu
conceito, pois cada época tem os seus problemas e a Filosofia procura, como diria Hegel,
apreender a sua época e responder às inquietações do seu tempo.

3. Abordagem do conceito “Filosofia” pelo seu objecto.


Introdução à Filosofia 2022.

O filósofo, pois, de modo diferente de qualquer outro cientista, embarca no


desconhecido como tal. O mais ou menos conhecido é partícula, porção, esquírola
do Universo. O filósofo situa-se perante o seu objecto numa atitude diferente de
qualquer outro conhecedor; o filósofo ignora qual é o seu objecto e dele sabe
somente: primeiro, que não é nenhum dos restantes objectos; segundo, que é um
objecto integral, que é o autentico todo, o que não deixa nada de fora e, por isso, o
único que basta… Portanto, o Universo é o que radicalmente não sabemos, o que
absolutamente ignoramos no seu conteúdo positivo.
(…)
Dizia eu que o matemático ou o físico começam por delimitar o seu objecto, por
defini-lo, e esta definição do numérico, do conjunto do material, contem os atributos
mais essenciais do assunto. Começam, pois, as ciências particulares, separando,
demarcando o seu problema; e fazendo assim, aparenta saber ou crer de antemão o
mais importante. Posteriormente, sua tarefa reduz-se a investigar a estrutura
interior do seu objecto, o seu fino tecido íntimo, poderíamos até dizer a sua
histologia. Mas quando o filósofo parte para a pesquisa de tudo quanto há e aceita
um problema radical, um problema sem limites, um problema absoluto do que ele
busca – que é o universo – não sabe nada.
(…)
De modo que não só o problema filosófico é ilimitado em extensão, dado que abarca
tudo e não tem limites, mas também em intensidade problemática. Não somente é o
problema do absoluto, mas é absolutamente um problema. Quando, pelo contrário,
dizemos que as ciências particulares tratam de um problema relativo ou particular,
não só sugerimos que se ocupam exclusivamente de um bocado de universo e nada
mais, mas que esse problema mesmo se apoia em dados que se dão por sabidos e
resolvidos, portanto, que somente a meios é um problema (ORTEGA Y GASSET,
1994: 47, 59).

Tal como as ciências particulares, a filosofia tem um objecto de estudo inerente somente a ela.
Porém, enquanto as ciências estudam a realidade numa perspectiva delimitada, numa visão
parcelar, o que as torna tematicamente reduzidas e, por conseguinte, definíveis com relativa
facilidade, bastando indicar as características específicas de seus objectos de estudo; a filosofia,
pelo contrário, não ignorando mas pressupondo o trabalho das diferentes ciências parcelares,
procura compreender a totalidade do real (material e imaterial), a totalidade do universo, pelo
que qualquer definição seria empobrecedora do próprio conceito de filosofia, dado que em nome
dela muitas questões ficariam escamoteadas, correr-se-ia o risco de a reduzir a essa definição, ao
método e finalidade dos conhecimentos que nela cabem.

Um exemplo paradigmático da atitude que acabamos de fazer referência é o texto de


Wittgenestein:

A filosofia não é uma doutrina mas uma actividade. Uma obra filosófica consiste
essencialmente em elucidações. O resultado da filosofia não é o número de
«proposições filosóficas», mas o esclarecimento das proposições. A filosofia tem por
fim clarificar e delimitar rigorosamente os pensamentos, que de outra forma seriam,
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por assim dizer, conturbados e imprecisos. (WITTGENESTEIN apud VALERA


SANTOS & LIMA, s/a: 45).

A definição ora exposta peca pelo facto de reduzir a filosofia a um dos seus particularíssimos
campos de acção, abafando, desta maneira, as outras áreas de questionamento filosófico. A
totalidade do real, o objecto da filosofia, pode ser dividida em três formas mais altas de
generalizações, a saber: a natureza (física e espiritual), a sociedade e o pensamento (no qual
encontramos a linguagem).

4. Filosofia como contemplação

Alguns homens começam na Grécia a contemplar o mundo como puros espectadores,


deixando-se apenas levar pelo puro interesse teórico de conhecer o mundo, sem se
preocuparem com a relação que esse conhecimento pudesse ter com a solução dos
problemas práticos pontuais (HUSSERL apud VALERA SANTOS & LIMA, s/a: 8).

Com efeito, a filosofia, nascida na Grécia, surge como um saber voltado fundamentalmente à
procura da verdade, sendo o instrumento privilegiado desta pesquisa a razão, quase sempre
associada à intuição, entendida como faculdade de ver e perceber o real. Trata-se de uma
filosofia essencialmente teórica, orientada para a busca de uma verdade universal. Esta filosofia
caracteriza-se pela contemplação desinteressada do mundo, pela admiração e espanto diante da
complexidade da realidade. Três questões se deparavam à filosofia como fundamentais: o
fundamento ou causa originária de tudo que existe; os valores (virtudes) que orientam a acção
humana; e a possibilidade de o homem atingir a verdade.

Portanto, a ideia principal nesta definição é a de que a filosofia é uma investigação que busca as
causas últimas, os princípios fundamentais das coisas, a unidade no meio da diversidade. Para
Tales de Mileto, por exemplo, tal princípio último da realidade é água; para Aristóteles, a causa
primária de todos os movimentos é o primeiro Motor Imóvel; para Hegel, a dinâmica dos
acontecimentos e das épocas históricas são obra oculta do espírito absoluto.

5. Filosofia como pensamento crítico e como praxis.

A atitude primordial e imediata do homem face à realidade não é a de um abstracto


sujeito cognoscente de uma mente pensante que examina a realidade
especulativamente, mas a de um indivíduo histórico que exerce a sua actividade prática
no trato com a natureza e com os outros homens, tendo em vista a consecução dos
próprios fins e interesses, dentro de um determinado conjunto de relações sociais.
(KOSIK apud VALERA SANTOS & LIMA, s/a: 9).

Nesta definição, a filosofia é vista como actividade prática que visa fundamentalmente
transformar a sociedade e, sobretudo, contribuir politicamente. Esta é a perspectiva da filosofia
marxista e das correntes filosóficas afins. Criticando os filósofos idealistas, principalmente
Hegel, Marx afirma: “os filósofos até agora se limitaram a interpretar o mundo; de agora em
diante é preciso, pelo contrário, transforma-lo”.
Introdução à Filosofia 2022.

Para Marx, o filósofo não encontra a solução dos seus problemas através da especulação, mas
pela acção criticamente iluminada e dirigida, a acção revolucionária. A tarefa da filosofia não é
interpretar ou contemplar o mundo, mas sim, transforma-lo.

Portanto, não podemos considerar a filosofia apenas como um discurso hermético, distante e
desinserido da realidade social em que vivemos. Como afirma J. Habermas, mesmo a actividade
aparentemente contemplativa e desinteressada dos primeiros filósofos obedecia já a um interesse
de libertação do homem. Raciocinando no mesmo sentido de Habermas, M. Merleau Ponty
argumenta: “se filosofar é descobrir o sentido primeiro do ser, não é possível filosofar
abandonando a situação humana; é, pelo contrário, preciso assumi-la”.

6.Abordagem do conceito “filosofia” pelo seu método

Os filósofos são tão livres como quaisquer outras pessoas para empregar qualquer
método na busca da verdade. Não há método peculiar em Filosofia (…) Contudo, estou
disposto a admitir que existe um método ao qual se poderia chamar “método da
filosofia”. Mas ele não é característico unicamente da filosofia. É antes o método de
toda e discussão racional e, portanto, tanto das ciências naturais como da filosofia.
O método a que me refiro consiste em enunciar os problemas com clareza e examinar
com espírito crítico as diversas soluções propostas. Sublinhei as expressões “discussão
racional” e “com espírito crítico” a fim de realçar a identificação que estabeleci entre
a atitude racional e a atitude racional.
Cada vez que tentamos dar soluções a um problema devemos tentar, tão rigorosamente
quanto possível, superá-las em vez de defender. É disto que se trata. Poucos de nós
observam este preceito, mas, felizmente, há ainda quem seja capaz de fazer uma crítica
se nós não conseguimos fazê-la. (…) Portanto, esta crítica só será fecunda na condição
de formularmos os problemas tão claramente quanto possível e de apresentarmos a
nossa solução sob forma suficientemente definida: uma forma que permita a discussão
crítica (…)
Pouco importa os métodos que possa utilizar um filósofo (ou quem quer que seja) desde
que apresente um problema interessante e se empenhe seriamente em resolvê-lo. De
entre os numerosos métodos que ele pode utilizar – naturalmente sempre dependentes
do problema em questão – um parece-me digno de ser mencionado. Consiste, muito
simplesmente, em tentar descobrir o que os outros pensaram e disseram a propósito
desse problema, por que é que se debruçaram sobre esse assunto, como o formularam,
como o tentaram resolver. Isto parece-me importante porque é um elemento do método
geral da discussão racional. (POPPER, 1985: 124).

Antes de comentarmos o texto ora exposto, sugerimos que leiamos outro de Edgar Morin e,
posteriormente faremos análise dos dois textos.

É-nos necessário partir das falsas claridades. Não do claro e distinto, mas do obscuro e
incerto; não do conhecimento seguro, mas da crítica da segurança. Não podemos partir
senão da ignorância, da incerteza, de confusão. Mas trata-se de uma consciência nova
Introdução à Filosofia 2022.

da ignorância, da incerteza, da confusão. (…) A dúvida sobre a própria dúvida, dá-lhe


uma dimensão nova, a da reflexibilidade; a dúvida pela qual o sujeito se interroga
sobre as condições de emergência e de existência do seu próprio pensamento (…).
Enfim, a aceitação da confusão pode tornar-se um meio de resistir à simplificação
mutiladora. Falta-nos o método; mas, pelo menos, podemos dispor de um antimétodo,
ou ignorância, incerteza, confusão, tornadas virtudes. (MORIN apud VALERA
SANTOS & LIMA, s/a: 49).

A partir dos textos acima podemos concluir que a filosofia é uma forma de saber cujos
procedimentos da produção de suas proposições não coincidem necessariamente com os das
ciências particulares. Enquanto as ciências valorizam o método experimental, baseando-se na
verificação das hipóteses através da experiencia e na matematização dos resultados obtidos, a
filosofia, dada a vastidão do seu objecto, só poderá sistematizar-se em função de uma actividade
reflexiva e crítica. Quer dizer, a filosofia tem uma atitude própria, um estilo característico que é a
reflexibilidade.

A palavra reflexão significa movimento de volta sobre si mesmo ou movimento de retorno a si


mesmo. A reflexão é o movimento pelo qual o pensamento volta-se para si mesmo, interrogando
a si mesmo sobre o que já se pensou e no que já se viu.

Porque não somos apenas seres pensantes, somos também seres que agem no mundo, que se
relacionam com os outros seres humanos, com os animais, as plantas, as coisas, os factos e
acontecimentos, e exprimimos essas relações tanto por meio da linguagem quanto por meio de
gestos e acções, a reflexão filosófica também se volta para essas relações que mantemos com a
realidade circundante, para o que dizemos e para as acções que realizamos nessas relações.

A reflexão filosófica organiza-se em torno de três grandes conjuntos de perguntas ou questões:

1. Por que pensamos o que pensamos, dizemos o que dizemos e fazemos o que fazemos? Isto é,
quais os motivos, as razões e as causas para pensarmos o que pensamos, dizermos o que
dizemos, fazermos o que fazemos?

2. O que queremos pensar quando pensamos, o que queremos dizer quando falamos, o que
queremos fazer quando agimos? Isto é, qual é o conteúdo ou o sentido do que pensamos,
dizemos ou fazemos?

3. Para que pensamos o que pensamos, dizemos o que dizemos, fazemos o que fazemos? Isto é,
qual é a intenção ou a finalidade do que pensamos, dizemos e fazemos?

A tomada de consciência da complexidade dos problemas e da nossa permanente incerteza


perante os factos leva-nos a um novo conceito de verdade: uma verdade não definitiva, mas
provisória. A verdade não é já a verdade eterna mas uma verdade processual, uma verdade a
fazer-se. É a reflexibilidade que torna a filosofia num esforço perene e ininterrupto do espírito
humano.
Introdução à Filosofia 2022.

Bibliografia

CHAUÍ, Marilena, Convite à filosofia, S. Paulo: Àtica, 2000.

CURY, Augusto Jorge, O Mestre do amor, São Paulo: Academia de Inteligência, 2002.
JASPER, K. Iniciação filosófica, Lisboa: Guimarães Editores, 1998.
LUCKESI, C. C. Filosofia da Educação, S. Paulo: Cortez, 1994.
MONDIN, B. Introdução à Filosofia: Problemas, sistemas, autores, obras. São Paulo: paulus,
1980.
ORTEGA Y GASSET, J. O que é a filosofia?, Lisboa: Cotovia, 1994.
POPPER, K. “La logique de la découverte scientifique” in emergência do filosofar, 2003.
REALE, G. & ANTISERI, D. História da Filosofia: Do romantismo até nossos dias. Vol.3, São
Paulo: Paulus, 2007.
REALE, M. Filosofia do Direito. S. Paulo: Saraiva, 1999.
VARELA SANTOS, M. H. & LIMA, T. M., No reino dos porquês: o homem do outro lado do
espelho, Lisboa: Porto editora, s/a.

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