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O grande desafio da sociedade contemporânea: avanço científico e

desenvolvimento sustentável

Autor(a): Rudiane Ferrari Wurfeli


Coautores: Magalia Gloger dos Santos Almeidaii; Francine Toller Saraivaiii; Liane
Luccaiv; Leocir Bressanv;

Resumo:

O objetivo deste artigo é o de, inicialmente, buscar os pressupostos que estão por trás
das recentes discussões acerca da questão da sustentabilidade. A tese aqui defendida é
de que estas mesmas discussões são derivadas em consequência, ao menos em parte, da
perda de rumo do projeto racional da humanidade. Ou seja, está-se aqui pensando em
relação inicialmente a um programa racional da humanidade ocidental, principalmente,
cuja ambição nos tem levado ao mau uso da ciência e tecnologia o que nos obriga a
tematizar formas de manter um tal desenvolvimento mas de tal forma que isto não
acarrete em problemas para a humanidade em geral. Desta forma, num segundo
momento, discute-se alguns casos práticos desta discussão a partir de ensaios clínicos e,
por fim, inicia-se uma breve discussão acerca do desenvolvimento de produtos
sustentáveis.

Ao buscar-se fazer uma análise genealógica de nossa sociedade contemporânea,


bem como dos desafios de continuar o grande progresso que a ciência e tecnologia
recentes proporcionaram, de uma maneira que atenda as exigências e necessidades ora
impostas pelas discussões mais recentes no âmbito não somente ambiental, mas também
ético, necessita-se remontar à origem desta mesma sociedade. Ou seja, para que
possamos instrumentalizar formas de desenvolvimento científico e tecnológico de
maneira sustentável, há que se compreender a gênese de onde nossa ciência derivou. Ao
mesmo tempo, há que se repensar o sentido e resignificar os valores e, porque não, os
próprios fins a que se destina nossa ciência. Tais discussões preenchem grande parte da
pauta de questões da ética contemporânea.

Quando buscamos as raízes de onde germinou nossa ciência somos levados a


retroceder aos primórdios deste modelo da civilização ocidental aos primeiros
pensadores gregos os quais, por tematizarem a natureza, são posteriormente chamados
filósofos da natureza. Na Grécia Antiga nasce, portanto, um tipo de investigação que
viria a caracterizar grande parte da civilização ocidental posterior. Por esta razão,
consideramos este período como o breco da ciência. Todavia, não constituirá interesse
deste estudo a retomada mais profunda desta primeira aparição da racionalidade
ocidental senão que procurar-se-á partir de uma tematização mais estrutural da ciência
moderna buscando compreender alguns dos pressupostos fundamentais que estão à base
das discussões contemporâneas acerca da questão da sustentabilidade. Ou seja, buscar-
se-á compreender em que sentido e qual a real responsabilidade que o desenvolvimento
científico e tecnológico moderno e contemporâneo assumem perante os
questionamentos recentes frente à temática “sustentabilidade”.

Ao mergulharmos na busca de compreensão da ciência e pensamento moderno,


visualizaremos nesta pesquisa alguns traços que nos parecem extremamente importantes
dentro de nosso objetivo. Tanto no caso dos primeiros frutos da ciência moderna quanto
no caso do ambiente filosófico moderno, a atmosfera é de um completo otimismo no
sentido de que a ciência e a razão humana poderão solucionar grande parte dos
problemas da humanidade em geral. De um lado a ciência moderna nos proporciona
visualizar novos horizontes com as viagens marítimas. Da mesma forma, a filosofia nos
promete uma compreensão global a partir dos grandes sistemas filosóficos. Estas
pretensões de ambos os domínios desenham um ambiente de completo fascínio com
relação à crença nos poderes da ciência e da filosofia. No âmbito da filosofia este
otimismo pode ser visualizado nas ideias iluministas que atribuem grandes poderes aos
domínios da razão. Conforme Boavida,

[…], o conhecimento e o poder de que se começa a ter consciência reforça a


confiança no homem e na natureza humana. A época das luzes é um período
eufórico que atravessa a Europa, sobretudo pela crença na razão. Esta
mentalidade marca indelevelmente a modernidade, não só pela confiança na
natureza humana e no progresso, mas também pela separação entre
conhecimento científico e crença religiosa.

Ora, enquanto a ciência parece seguir sua marcha de progresso cada vez maior,
a filosofia começa a se deparar com alguns problemas. A aparição da corrente ceticista
pode ser vista como um atestado desta crise. Se nos reportarmos ao pensamento de um
dos expoentes máximos do pensamento cético na modernidade, o filósofo David Hume,
entenderemos que a força de ação do ceticismo ultrapassa os domínios da filosofia em
direção à ciência quando Hume afirma:

[...] tolero vossa paixão pela ciência, diz ela [a natureza], mas fazei com que
vossa ciência seja humana de tal modo que possa ter uma relação direta com
a ação e a sociedade. Proíbo-vos o pensamento abstruso e as pesquisas
profundas; punir-vos-ei severamente pela melancolia que eles introduzem,
pela incerteza sem fim na qual vos envolvem e pela fria recepção que vossos
supostos descobrimentos encontrarão quando comunicados. Sede um
filósofo, mas, no meio de toda vossa filosofia, sede sempre um homem”
(2000, p.3 ).

Neste sentido, são os fundamentos teóricos da própria ciência que começam a


ruir. Mostrando que a ciência repousa, em última instância, sobre o princípio da
causalidade e tendo demonstrado as limitações de tal princípio, David Hume faz
balançar as próprias bases teóricas da ciência.

Todavia, inicialmente eram tão somente os fundamentos teóricos da ciência que


estavam sendo questionados. Isto porque, no plano prático, os avanços científicos e
tecnológicos cada vez mais se faziam notar. Porém, aos poucos não somente as bases
teóricas da ciência, tecnologia e industrialização são questionadas. Com o advento das
Grandes Revoluções Industriais, por exemplo, muitos aspectos e consequências
negativas deste avanço desenfreado começam a ser questionados. Inicialmente aspectos
como a exploração dos trabalhadores com jornadas de trabalho extensas e condições de
trabalho precárias. Posteriormente, a discussão em torno da aplicabilidade dos produtos
da ciência. Some-se a isso questões ambientais decorrentes do avanço da própria
industrialização. Todas estas questões contrastam com o grande sonho da ciência
moderna e com o grande otimismo que pairava sobre o ambiente renascentista. O sonho
de se constituir na solução para todos os problemas da humanidade se transforma em
um grande pesadelo quando se percebe que a ciência, em certos casos, não somente não
solucionou todos os problemas da humanidade como também nos criou outros.

Todo este cenário nos traz como consequência a necessidade do debate em torno
do desenvolvimento sustentável. Por um lado, sabe-se que o desenvolvimento
acumulado bem como os frutos que a ciência nos proporcionou nos trazem inúmeros
benefícios e não seria de bom grado frear este desenvolvimento. Por outro lado, a
discussão em torno de como conciliar este desenvolvimento de modo a instrumentalizá-
lo de forma sustentável, sem agredir à natureza bem como ao ser humano, é pauta
constante nos embates contemporâneos.

ENSAIOS CLÍNICOS

O uso de cobaias humanas e animais em ensaios clínicos medicamentosos, na


maioria das vezes não respeita normas e protocolos exigidos para tal, como no Brasil
que requer aprovação prévia pelos Comitês de Ética em Pesquisa (CEPs), em certos
casos pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP) e aprovação pela
Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) (CABRAL). Os ensaios
terapêuticos utilizados pelas pesquisas científicas farmacêuticas deveriam se utilizar da
ética e não violar os direitos humanos, para tanto todas as pessoas que participam destas
pesquisas devem assinar um termo de esclarecimento, no Brasil, o consentimento
voluntário é denominado Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (NISHIOKA,
2006).

Muitas vezes estas pesquisas são realizadas com classes sociais mais pobres da
sociedade, em países vulneráveis, tornando-se atividades ilegais e verdadeiros crimes
bioéticos e imorais, já que prevalece a procura por ganhos financeiros e a busca sem
limites por lucros, indo contra vidas indefesas e miseráveis, e, como diz DOMINGO
(2013) “...seres humanos são vistos como meras cobaias sem qualquer direito perante
empresários e cientistas gananciosos e amorais...”

A vida e o bem-estar do indivíduo deve sempre prevalecer, em qualquer ensaio


clínico, sobre os interesses da ciência e da sociedade. É também útil relembrar às
indústrias farmacêuticas que o objetivo é fabricar medicamentos com finalidade
profilática, curativa, paliativa ou para fins de diagnóstico para as pessoas, e que o
incentivo dado nas pesquisas é aceitável, desde que os benefícios sejam maiores que os
danos, a curto e longo prazo (NISHIOKA, 2006). Também a conscientização,
buscando-se métodos de ensaio que substituam os processos atuais, in vivo, que não
empreguem animais em ensaios experimentais ou para que seu número seja reduzido
(SILVA, 2010).

DESENVOLVIMENTO DE PRODUTOS SUSTENTÁVEIS


Para Jabbour e Santos (2007) as empresas manufatureiras ainda tem como
pressupostos de desenvolvimento de produtos os modelos pautados na lucratividade,
visando a geração de mercadorias com alta qualidade, baixo custo e elevada
lucratividade. Diante disto, o avanço científico e tecnológico encontra um grande
desafio frente ao desenvolvimento sustentável nas empresas.
O desenvolvimento de produtos ambientalmente sustentáveis ainda caminha
timidamente nas organizações, entretanto há uma tendência de crescimento de empresas
comprometidas com a gestão ambiental efetiva e direcionando cada vez mais um
alinhamento entre produção e sustentabilidade (JABBOUR E SANTOS, 2007).
Para Araújo (2013);

Produto ecológico é todo artigo que, artesanal, manufaturado ou


industrializado, de uso pessoal, alimentar, residencial, comercial, agrícola e
industrial, seja não-poluente, não-tóxico, notadamente benéfico ao meio
ambiente e à saúde, contribuindo para o desenvolvimento de um modelo
econômico e social sustentável.

Nesse modelo de estratégia, Vilha e Carvalho (2005) acreditam que os


investimentos ambientais são vistos como fonte de diferenciação e de obtenção de
vantagens competitivas, pois são capazes de melhorar a imagem corporativa e criar
produtos diferenciais no mercado, além de reduzir os custos e melhorar a produtividade.

Para Donaire (1999), o Desenvolvimento de Produtos Sustentáveis é marcado


pela projeção e produção de produtos não agressivos ao meio ambiente, que sejam
eficientes no consumo de energia e de recursos naturais e que possam ser reciclados,
reutilizados ou armazenados de forma segura. Desta forma, alcançar a sustentabilidade
implica desfazer a ligação histórica entre crescimento econômico e aumento
proporcional do consumo de recursos naturais e da poluição (VILHA E CARVALHO,
2005).

Em direção à linha de produção verde encontram-se produtos ou embalagens


recicláveis; com selos ambientais; que possuem fabricantes certificados pela ISO
14.001; produtos em que os fabricantes possuem ações ambientais; produtos de origem
orgânica; produtos biodegradáveis; e produtos que consomem menos energia ou água.
(BERTOLINI, ROJO E LEZANA, 2012).

Para exemplificar, Araújo (2013) cita os alimentos orgânicos, assim como


roupas de algodão orgânico, de juta (fibra vegetal) e couro vegetal (emborrachado de
látex imitando o couro); cosméticos não-testados em animais; produtos de limpeza e
inseticidas biológicos, roupas de PET reciclado, adesivos à base de óleos vegetais, tintas
à base de silicato de potássio ou caseína de leite, plásticos biodegradáveis, chapas de
plástico reciclado, telhas recicladas, combustível vegetal (biodiesel), biogás, tijolos de
solo-cimento e muito outros, que podem ser incorporados ao cotidiano de qualquer
cidadão.
Equipamentos energeticamente eficientes, que utilizem tecnologias limpas ou
renováveis (como sistemas de energia eólica, solar, para conversão de biomassa em
energia e microusinas) também são sustentáveis, uma vez que são capazes de atender a
demanda por energia, sem esgotar os recursos naturais ou alterar drasticamente a
geografia dos ecossistemas. (ARAUJO, 2013).
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i
Rudiane Ferrari Wurfel, Psicóloga, Especializanda em MBA em Gestão de Recursos Humanos
(UNINTER), Especializanda em Docência na Educação Profissional Técnica e Tecnológica (IF Farroupilha –
São Borja), rudianew@gmail.com
ii
Bacharel em Ciências – URCAMP; Especialização em Economia e Gestão Empresarial – UNIJUI.
magaliagloger@gmail.com
iii
Especialista em Gestão em Assistência Farmacêutica; francine.toller@hotmail.com

iv
Professora do Instituto Federal Campus Santa Rosa; lilucca@ibest.com.br
v
Professor do instituto federal Farroupilha – Campus São Borja; lbressa@sb.iffarroupilha.edu.br

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