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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ

SETOR DE cIÊNcIAS JURÍDIcAS


DIScIPLINA: METODOLOGIA DO TRABALHO cIENTÍFIcO EM DIREITO
PROF. ILTON NORBERTO ROBL FILHO

NOME: Bruno Gressler Wontroba Data: 09/05/2011


cHATÊLET, François. Uma História da Razão: Entrevistas com Émile Noël. Rio de
Janeiro: Jorge zahar, 1994.

SÍNTESE

A obra de François châtelet, intitulada “Uma História da Razão”, é um


diálogo entre ele e Émile Noël no sentido de esclarecer aos “não-ilósoos”
questões acerca do surgimento e desenvolvimento da racionalidade ocidental, a im
de explicar como ela nos chega hoje sob a orma de uma razão técnica,
característica do mundo industrial, contemplando os principais pontos da sucessão
histórica dessa razão.
A razão na obra não tem o sentido único de compreensão, mas sim da
possibilidade de transmissão de saberes através do discurso ilosóico, motivo pelo
qual, a história desta conunde-se com a história da ilosoia. Para châtelet, essa
razão não é inerente ao pensamento. É possível airmar que ela tenha
sido “inventada” na Grécia clássica.
No século V a.c, uma onda de inovação varre a Grécia. Em Atenas, alguns
homens inventam o que seria chamado “democracia”. A partir desse momento, a
palavra, o discurso, ganha notável relevância. Até então, as decisões eram
tomadas em segredo, dava-se pouco valor ao debate de ideias. Na democracia, a
palavra domina a cidade.
O gosto pela palavra, a partir de Atenas, conquista todos os gregos. Ao mesmo
tempo em que nascem as artes e as técnicas, o reinado da palavra promove a
necessidade de uma arte da palavra, o que chamamos de retórica. Surgem os
soistas, os proessores da democracia, capazes de ensinar a “alar bem”.
Atenas se torna uma cidade poderosa, e seu regime democrático é reorçado
no período chamado “século de Péricles”. Duas orças se conrontam, nesse
período: a
tradição religiosa e a retórica soista. Esse embate poderia ser expresso como um
choque entre conservadores, homens tradicionais, preocupados com o imperialismo
ateniense e seu gosto pelo poder, e progressistas, os soistas. Entre esses dois
polos intelectuais, surge uma igura clássica grega: Sócrates.
Sócrates era um soista: sua proissão era alar com os cidadãos da sua cidade,
a im de “salvá-la” da imoralidade, criticando comportamentos tradicionais extremos
tanto quanto aqueles guiados por um estado de espírito soista mal interessado. A
partir de perguntas simples, sutis, desconstruía argumentos e tradições enraizados nos
atenienses e provava que aqueles que achavam que de tudo sabiam, na verdade nada
sabiam. Construiu o que hoje conhecemos por “conceito”.
A morte de Sócrates dá origem à ilosoia platônica. Platão, em toda a sua
vida, tem o objetivo de deender a mensagem socrática mal interpretada,
tornando-a positiva. Além de azer perguntas, processo característico do
processo socrático, procurou Platão dar as respostas que seu “proessor” não havia
dado às pessoas. Sua obra constrói-se, essencialmente, contra os soistas e seus
interesses, pois ele os julga perigosos para a sociedade.
Para isso, Platão dispõe apenas de um meio: a própria palavra. Desta orma, a
ilosoia platônica caracteriza-se pelo diálogo. Este consiste num jogo de perguntas e
respostas argumentadas que resultam na ormação de um conceito, de uma ideia. A
arte do diálogo se chamará “dialética” e esta será posta, por Platão, em combate com
a técnica retórica do soista.
Sua crítica à democracia baseia-se no ato de que as decisões tomadas na
Assembleia são, apenas, resultado de uma opinião da maioria. Assim, o diálogo é a
possibilidade de colocar em choque dierentes opiniões a im de se chegar a
um resultado comum, um resultado verdadeiro.
Durante suas discussões, Platão constantemente interrompia a discussão e
perguntava a todos se estavam de acordo com o que se dizia até aquele momento.
Esse mecanismo permite o surgimento do conceito de universalidade, pois o diálogo
só se encerrava na medida em que todos estavam de acordo com os resultados obtidos
e o assunto encontrava-se esgotado. O objetivo de Platão era ormar homens que,
conhecendo a dialética, seriam capazes de construir uma política que levasse em
conta o interesse de todos.
Platão já havia conquistado o convencimento dos seus interlocutores acerca da
universalidade do discurso ilosóico. Precisava, contudo, consolidá-lo como
verdade.
Para isso, ormula a hipótese das Ideias, sob a qual soergue-se a noção de que o
discurso ilosóico, além de universal, porta a verdade. Apenas através dele
os homens não mais sorerão e cometerão injustiças, muito menos serão inelizes.
Essa hipótese consiste basicamente na existência de um mundo inteligível, não
perceptível visual, auditiva ou olativamente, que contempla a verdadeira realidade.
Assim, Platão consolida o discurso ilosóico na medida em que
atribui exclusivamente a ele a possibilidade e o meio para que homens conheçam o
mundo das ideias, a realidade, e livrem-se da inelicidade. Por um lado, tal
hipótese oi duramente criticada, mas, por outro, constitui o ponto de partida da
ilosoia.
Para conhecer esse mundo inteligível, Platão acrescenta à hipótese das Ideias a
hipótese de que o homem é dotado de um espírito capaz de apreender essências
através do discurso – a razão. Assim, ele propõe uma sequência de longos estudos a
im de “romper as correntes” que prendem um homem à caverna, ao mundo das
aparências. Este indivíduo, que liberta-se, tem o dever moral de retornar à caverna
para ajudar seus semelhantes à atingir o mundo inteligível.
A segunda etapa da constituição da ilosoia é a etapa aristotélica. Aristóteles,
discípulo de Platão, rompe com seu mestre por acreditar que a ilosoia platônica
jamais possuiria aplicabilidade e, assim, não seria útil para salvar homens da
inelicidade. Essa impossibilidade é resultado da separação que Platão az entre os
mundos inteligível e sensível. Aristóteles descarta essa dualidade. Não há um mundo
do além, cujo conhecimento necessite inevitavelmente grandes abstrações.
O conhecimento, para Aristóteles, está na experiência, no mundo sensível
platônico. Aristóteles acredita que, após eitas as experimentações, através de
um procedimento lógico que regulamente discursos – o silogismo -, é possível
atingir verdades.
Assim, Aristóteles aproxima ilosoia e cidadãos, uma vez que julga ecunda
a experimentação, o mundo sensível. Ao processo de aceitação universal do
discurso
ilosóico, Aristóteles adiciona a ideia de veriicação, pautada não na
dialética platônica, mas sim em atitudes experimentalistas. A essência, em
Aristóteles, dierentemente de Platão, é uma realidade sensível. No caso do homem,
essa essência é a razão.
Assim como a ilosoia de Platão e Aristóteles esteve presa a atores político
reerentes à situação da pólis, o recomeço da ilosoia nos séculos XVI e XVII está
conectado a um outro contexto: o da ciência. O aparecimento da ísica é eeito de
uma alteração no interesse dos homens. Estes passam a interessar-se pela
materialidade das coisas. O heliocentrismo de Copérnico marca essa revolução da
ísica, rompendo com antigos dogmas.
Galileu, muito mais contestador, propõe que o mundo é uno e pode ser
explicado através da matemática, símbolo de uma racionalidade integral durante o
período em questão. Ele reduz tudo à operações matemáticas explicativas, sendo,
para ele, possível tornar inteligível a natureza.
Surge, como administrador dessa nova ciência, Descartes, acreditando ser
possível “tornar o homem senhor e possuidor da natureza”, mostrando que o
desenvolvimento da ísica, da ciência, do saber, é independente da é tradicional,
ainda que não a tenha desconsiderado. A noção do “ cogito, ergo sum” traduz essa
autonomia e pureza da razão humana. A “matéria” em Descartes é apenas
matéria, desprovida de elementos espirituais.
Apesar das grandes dierenças, a busca da racionalidade, em Descartes, não se
modiicou. Continuou a tratar-se de procurar um discurso que pudesse ser aceito por
todo homem. Apenas o discurso alicerçado na linguagem cotidiana, de Platão e
Aristóteles, oi substituído pelo discurso matemático, cartesiano. O
sujeito conhecedor passa a ser o objeto da ilosoia.
Assim como a ilosoia procura integrar a nova ísica, conronta-se e procura
responder os novos conceitos políticos e transormações sociais. Por um lado, temos
o surgimento de um ideal burguês e, por outro, um abalo na ordem espiritual
universalista que vigorava até então.
Citamos, de início, Maquiavel, que veriica a necessidade de recusar ideias
dominantes, monopolizadas pela Igreja, como a ideia de que a sociedade é um ato
natural. Outra dessas ideias dominantes é a de que existe uma ordem divina que dá à
alguns o poder de cheiar.
Maquiavel coloca o homem empírico como origem da questão política e social.
A política é uma realidade à parte, ou seja, não é da natureza, nem da natureza
humana. A unidade política é requisito essencial para a existência e manutenção da
sociedade e essa unidade está à cargo do Príncipe, de um ser humano.
Jean Bodin adiciona a essa ideia de Maquiavel a noção de soberania. O
ilósoo coloca, de um lado, o mundo espiritual, no qual reina Deus e seu
representante na terra e, de outro lado, o mundo temporal, terreno, no qual existe um
soberano. Surge, então, uma nova questão: a legitimidade da soberania.
Ao pensar a questão da legitimidade da soberania, Thomas Hobbes parte do
homem como a menor unidade constituinte da sociedade e dela produtora. Adotando
a noção de que, no estado de natureza, o “homem é o lobo do homem”, veriica que
a soberania surge a partir de um contrato social. As partes, os homens, renunciam suas
potencialidades máximas do estado de natureza a um soberano, um ser artiicial, o
Leviatã, o Estado, ao qual caberá manter uma ordem social, inatingível no estado
natural.
De orma pouco dierente, John Locke vê o estado de natureza como o
estado de direitos naturais, como o de sobreviver. Esses direitos, contudo, implicam
como o de uma propriedade privada primitiva. O Estado, a soberania, surge,
então, de um contrato social que visa proteger os proprietários. Isso legitima o poder
do soberano.
Encerrando, de certa orma, esse período das luzes
antropocentrista e empiricista, temos Emmanuel Kant, que elabora sua teoria do
conhecimento sob a perspectiva de que não há conhecimento absoluto. Ele
procura reunir, em sua
ilosoia, tanto a revolução cientíica quanto as transormações sociais, econômicas
e políticas do período renascentista.
Em Crítica da razão pura, Kant descreve o sujeito conhecedor e o objeto a ser
conhecido para que haja conhecimento. Para Kant, o conhecimento só é possível se o
sujeito é, de alguma orma, aetado pelo objeto. O sujeito organiza as “mensagens”
recebidas pelo objeto e aplica a elas conceitos base, o que ele chama de categorias.
No campo do saber, a razão não consegue atingir sua plena atividade.
Se existe algo absoluto, não é no campo da ciência, mas sim da prática. Apenas
na conduta a razão pode encontrar seu pleno uso. Em Crítica da razão prática, Kant
parte da conduta dos homens. Para ele, se é possível enunciar prescrições acerca
da moralidade humana, essa moral deve ser universal. Mesmo estando sujeito à
determinismos, o homem detém o poder (a razão) de, a partir de uma decisão, retirar-
se dessas determinações e agir conorme a ideia de moralidade.
Conrontando história e ilosoia, Hegel tenta construir um saber inteligível
acerca da sucessão histórica humana e analisar o presente à luz da razão. Ele procura
estabelecer relações causais entre as teorias políticas, sociais e econômicas do
Iluminismo e os acontecimentos do mesmo período, como a Revolução Francesa.
Hegel pretende reconectar o absoluto e o saber, ruptura eita por Kant. A
verdade absoluta seria a totalidade de todos os conhecimentos humanos acumulados
durante a história, que justiicam o que somos hoje. Sendo assim, a verdade
hegeliana não é estática. Ela se transorma a cada segundo, minuto, hora etc.
O Estado hegeliano apresenta-se como uma pirâmide: na base, a amília –
ilhos e propriedades -, no meio, o sistema econômico e, no topo, o Estado, guiado
por homens competentes, racionais, encarregador de gerir a vontade geral.
Karl Marx, analisando a sociedade civil em que vivia, descobre que o Estado
não é um ser artiicial exclusivamente soberano. O Estado marxista é produto da
sociedade civil. Dessa noção surge o materialismo histórico de Marx e Engels. A
superestrutura (Estado, cultura, ideologia) está sob constante inluência da base
econômica, a inraestrutura.
Desta orma, propõe-se que a história é “eita” muito mais pelos
trabalhadores, os proletários, do que pelos heróis. O materialismo histórico mostra
que os atos governamentais nada mais são do que produtos de atos “menores”,
expressões da luta de classes. A racionalidade não é mais privilégio do Estado,
como queria Hegel. A racionalidade da história, da sociedade, encontra-se, agora,
nas pessoas, nos trabalhadores.
Friedrich Nietzsche e Sigmund Freud, de acordo com châtelet, operam, de
ormas dierentes, uma crítica à racionalidade. A ilosoia atual decorre desta crítica.
A racionalidade é, agora, apenas a ponta do iceberg. O ilósoo deve, hoje, levar em
conta outros inúmeros atores, que antes não eram considerados ilosóicos.

cONcLUSÃO

A obra de François châtelet, Uma História da Razão, pretende, como por ele
mesmo airmado, traçar e analisar o desenvolvimento da racionalidade
ocidental, desde sua invenção, na antiga Grécia, até a sua orma atual.
De orma genérica, concluo que a “evolução”, na alta de outro termo, dessa
racionalidade se deu concomitantemente à gradativa redução de explicações
metaísicas acerca do ser. Historicamente, assistimos à uma “laicização” cada vez
maior da ilosoia, na medida em que esta passa a indagar questões cada vez mais
materiais.
Esse processo ica claro, para mim, se pensarmos os principais ilósoos ou
pensadores abordados na obra: Sócrates, Platão, Aristóteles, Descartes, Maquiavel,
Thomas Hobbes, John Locke, Emmanuel Kant, Hegel, Karl Marx, Nietzsche e Freud.
Concluo evidente que, ao passar dos séculos, os que se diziam – ou oram assim
denominados – ilósoos tornaram a preocupar-se cada vez mais com a realidade
sensível, material.
Da mesma orma, a ilosoia toma uma posição cada vez mais crítica acerca
do seu próprio papel e ao da razão. O último capítulo da obra dedica-se,
principalmente, a entender as críticas eitas por Friedrich Nietzsche e Sigmund
Freud ao racionalismo que, até então, se pretendia absoluto.
Por im, se o objetivo da obra era responder à pergunta “Como é que
chegamos até aqui?”, ou, como desenvolveu-se a racionalidade técnica atual, acredito
que este objetivo não oi atingido com êxito na sua totalidade.
Os primeiros capítulos concentram-se, de ato, na constituição da razão. Na
etapa platônica, aristotélica, cartesiana, enim, até em Hegel, talvez, acredito que é
possível encontrar alguns aspectos relevantes ao objetivo proposto para a obra.
Contudo, gradativamente, a discussão, a meu ver, perde o oco central.

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