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A Burrice enquanto Conceito Filosófico, o Câncer do Pensamento Único e os Equivocados de Gor.

Gosto muito de como Bertrand Russel define a Filosofia.

Para ele, a filosofia, embora incapaz de nos dizer, com certeza, qual é a verdadeira resposta para as
dúvidas que ela cria, é capaz de sugerir muitas possibilidades que aumentam nossos pensamentos e
os libertam-nos da tirania do costume. Assim, enquanto diminui nosso sentimento de certeza a
respeito do que as coisas são, ela aumenta nosso conhecimento sobre o que elas podem ser; ela
remove o dogmatismo de algum modo arrogante daqueles que nunca viajaram na região da dúvida
libertadora, e mantém vivo nosso senso de maravilhamento ao mostrar coisas familiares em
aspectos não-familiares.

Nenhum sistema filosófico jamais foi capaz de explicar inteiramente o mundo. Os Socráticos –
filosofia chapa branca adotada em muitas Academias – tinham um sistema bastante seguro de
entender um mundo estático, perfeito, sempre equilibrado. Um Cosmos onde tudo tendia à
perfeição. Então a ciência descobriu que esse Cosmos era anárquico, imperfeito, descontínuo. E
assim, novas formas de pensar o humano tiveram que surgir.

Seja qual for o sistema filosófico que você estude, sozinho, ele não é capaz de dar conta de todas as
incertezas do Universo.

A filosofia é diferente da ciência e da matemática. Diferentemente da ciência, não se baseia na


experimentação, mas apenas no pensamento. E diferentemente da matemática, não possui métodos
formais de prova. A filosofia é feita simplesmente por meio do questionamento, da apresentação de
ideias e da busca de argumentos possíveis contra elas, e da pergunta sobre como os nossos
conceitos realmente funcionam.

Portanto, só se faz Filosofia através da contraposição de ideias. No confronto de perspectivas


diferentes sobre o mesmo tema, no diálogo, se constroem modelos de pensamento que podem vir a
mostrar, como diz Russel, os que as coisas podem ser.

É ai que a “burrice” aparece como uma categoria filosófica. Quem primeiro enunciou esse tema foi
Emmanuel Kant, filósofo alemão do século XVIII. Para ele, A burrice é diferente da ignorância, ou
a falta de conhecimento. A ignorância, na verdade, é o móvel para o conhecimento. Só aprende
quem ignora e toma uma ação proativa de ir buscar o conhecimento.

O burro, no entanto, conhece alguma coisa, ou julga que conhece, mas não consegue relacionar-se
com outras dimensões que ultrapassem as verdades absolutas nas quais ele firmou seu modo de ser.
Sua falta de abertura, fácil de reconhecer no dia a dia, corresponde a um ponto de vista fixo que lhe
serve de certeza contra pessoas que não correspondem à sua visão de mundo preestabelecida.

Ao burro falta o diálogo. A outra pessoa é o que o burro não pode reconhecer como outro. O outro é
reduzido a uma função dentro do círculo no qual o fascista o enreda. O burro é capaz de olhar para
o outro com tanto ódio que até mesmo perde o senso de utilidade. O outro negado sustenta o burro
em suas certezas. O círculo é vicioso. A função da certeza é negar o outro. Negar o outro vem a ser
uma prática totalmente deturpada de produção de verdades.

Essa burrice filosófica é a mãe do pensamento único. Ao longo da história, vários sistemas de
pensamento foram elegidos como os “salvadores da pátria.” O nacionalismo alemão de Johann
Gottlieb Fichte e de Martin Heidegger, associados a uma interpretação canhestra de Nietsche
geraram a psicopatia assassina do nazismo. O materialismo histórico e o materialismo dialético que,
mal compreendido. reduziu a dimensão humana à dimensão exclusiva das dinâmicas do capital,
gerou os totalitarismos de esquerda. A interpretação radical do Islam, que gerou as seitas apoiadoras
dos estados teocráticos muçulmanos.

No momento em que se instaura o pensamento único, em que sistemas filosóficos são forçados a
marteladas sobre a sociedade para sustentar, respaldar, certas visões políticas, instaura-se a burrice,
com todas as suas consequências nefastas.

Preocupa-me que isso ocorra também com a Filosofia Goreana. Se, de um lado, ela abre grandes
horizontes para a crítica de nossa sociedade moderna, baseada que é em uma Ordem Natural e um
equilíbrio entre ser humano e natureza paulatinamente perdido ao longo de milênios de existência
castradora das mais simples pulsões biológicas, de outro, ela se furta a explicar uma série de
fenômenos presentes e pungentes da sociedade desse nosso planeta.

A Filosofia Goreana foi construída, moldada, para sustentar uma utopia. A utopia de um mundo
onde os seres humanos vivem em considerável equilíbrio com a Natureza e onde a cada um é lhe
dado o necessário, de acordo com suas habilidades e capacidades. Mais ainda, um mundo que
reconhece que cada indivíduo é único e portador de características peculiares e diferenciadas. Um
mundo que, naturalmente, promove os mais fortes e mais hábeis. Não somente fortes do ponto de
vista físico, mas também psicológico e ético.

Mas é um equívoco achar que a Filosofia Goreana explica todos os fenômenos da raça humana e de
seu planeta. A Filosofia Goreana pode ser aplicada sim, em vários aspectos, como forma para que o
indivíduo encontre seu lugar no ethos da natureza, encontre seu equilíbrio pessoal e até social. Mas
não pode ir muito além disso. E já faz o bastante se chegar a isso.

A radicalização dentro dos princípios dessa Filosofia é, como em outros casos, um passo para o
pensamento único. É cair com os dois pés no gramado da burrice filosófica.

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