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Introdução
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Foucault e A coragem da verdade
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jamais sob sua guarda.
(FOUCAULT, Michel. Microfísica
do Poder, p. 19-20).
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Na formulação de Foucault, o
biopoder parece funcionar
mediante a divisão entre as
pessoas que devem viver e as
que devem morrer. Operando com
base em uma divisão entre os
vivos e os mortos, tal poder se
define em relação a um campo
biológico – do qual toma o
controle e no qual se inscreve.
Esse controle pressupõe a
distribuição da espécie humana
em grupos, a subdivisão da
população em subgrupos e o
estabelecimento de uma cesura
biológica entre uns e outros. Isso
é o que Foucault rotula com o
termo (aparentemente familiar)
“racismo”. (MBEMBE, Achille.
Necropolítica. São Paulo: N-1
edições, 2018)
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e a morte, independentemente da existência da
Lei, o que temos é uma política da morte.
Quem determina quem pode viver ou morrer?
No Brasil, devido a séculos de existência de
uma Mentalidade Colonizada, forjada com
sangue e perversidade, veremos que as
oligarquias inculcaram em uma grande parte da
população a ideia de que justiciamento é
sinônimo de justiça. E, independentemente da
inexistência da pena de morte em nosso código
penal e Constituição, seguimos aceitando as
chacinas em operações policiais realizadas nas
periferias brasileiras.
Neste sentido, para dizer aquilo que é
preciso e para esclarecer como uma
mentalidade perversa foi se moldando ao longo
dos séculos, não nos limitaremos a uma
análise genealógica. Por isso, para fazer uma
“filosofia a marteladas” (DELEUZE, Nietzsche e
a Filosofia), também utilizaremos a Parresia,
para que possamos dizer aquilo que é preciso
ser dito de maneira clara e objetiva.
Pouco antes de sua morte, em 1984,
Foucault ministrou suas últimas aulas no
College de France com o título de “A coragem
da verdade”. Nessas aulas Foucault abordou,
com seu método genealógico, a história
daqueles filósofos que, ao longo do tempo,
ousaram dizer a verdade mesmo que essa
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demonstrando que aquele que acredita no que
diz não fala somente da boca para fora: ele
vive a sua verdade.
É também de Sócrates (transcrita por
Platão) a alegoria que demonstra a ignorância
como escuridão. A caverna de Platão nada
mais é que uma metáfora que demonstra que
aqueles que vivem nas sombras da ignorância
agarram se às suas verdades e não gostam
daqueles que incomodam (iluminam) as suas
ignorâncias. Para Sócrates, o filósofo deveria
ser como a mosca que pica o cavalo,
incomodado o cavalo segue adiante. Da
mesma maneira, o filósofo não deve servir para
tornar cômoda a vida em sociedade. Ao invés
disso, o papel do filósofo é incomodar,
apresentando seus problemas para que a
sociedade possa encontrar soluções. Aquele
que está acomodado não sente as cadeias que
o impedem de seguir adiante e, ao contrário,
uma sociedade acomodada, tende a regredir
para um passado inexistente e a uma crença
de que tempos passados eram melhores do
que o presente.
Na Coragem da Verdade Foucault
deixa claro que quanto mais autoritário o
regime, maior perigo ao parresiasta. Assim, os
tiranos não são apenas opositores, mas sim
verdadeiros inimigos do dizer verdadeiro.
Tiranos não aceitam críticas e se apresentam
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uso da religião como forma de enriquecimento
pessoal de pastores e a futilidade de uma
sociedade que vive das aparências. Enquanto
falsos cristãos se apoiam na tortura, uma
massa de obtusos seguiu, mugindo, um líder
que faria Hitler e Mussolini gargalhar.
Orgulhosos de suas ignorâncias mergulham
direto nos mais profundos precipícios,
arrastando junto a possibilidade de construção
de uma sociedade melhor.
O mundo precisa dos parresiastas, pois
são eles que dizem aquilo que é preciso diante
das situações mais complicadas. Eles não
ligam para as regras ou para o status quo. E,
são esses atos de coragem que empurram a
raça humana para frente (Como diria o escritor
americano Jack Kerouack em On The Road).
Em tempos sombrios esses filósofos se situam
como portadores de uma chama capaz de
iluminar o caminho em meio às trevas e a
escuridão. E a História demonstra que, mesmo
diante das sombras, existem aqueles que
possuem a coragem de enxergar. Mais ainda:
falam aquilo que precisa
Eis que, os verdadeiros filósofos não
são demagogos: Não buscam agradar (como
os sofistas que se julgavam sábios e
dominavam a arte da retórica para convencer
os atenienses de que suas vontades e
verdades pessoais estavam acima dos
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Deleuze e os Conceitos
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Segundo Deleuze, a filosofia é a arte de formar,
de inventar, de criar conceitos.
Mas, antes de qualquer coisa, o que
seria um conceito? A explicação não é simples
e não se trata, simplesmente, de seguir o
sentido da origem latina da palavra (conceptus,
do verbo concipere, significa "conter
completamente", "formar dentro de si”). O
Conceito, segundo Deleuze, não contém
completamente toda a verdade e não se fecha
em si mesmo. Da mesma maneira, os
conceitos aqui apresentados não representam
verdades absolutas e não estão de maneira
alguma acabados. Pelo contrário, são
construções que estarão inacabadas, pois não
buscam ser totalizantes, embora busquem
forma e sentido.
O Conceito, segundo Deleuze, seria,
praticamente, como aquilo que o filósofo cria
para explicar o que antes era “indizível”. Por
isso são os conceitos que movimentam a
Filosofia, transformando o que era estático e
cristalizado em algo móvel e compreensível.
Para Deleuze os conceitos também surgem
para ajudar a solucionar problemas:
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caos, hora na filosofia sistemática. Porém, não
pode se afogar nem no caos e nem no
academiscimo exagerado da filosofia
sistemática. No caos está o inexplicado, aquilo
que merece ser objeto de atenção. Na
sistematização está o método de extrair o
conceito do indizível e transformá-lo em
conceito compreensível. Porém, a
sistematização exagerada produz textos
técnicos e de difícil acesso para a maior parte
das pessoas.
Portanto, este texto não será
totalmente caótico nem totalmente tecnicista,
uma vez que trata de conceitos que devem ser
compreendidos pela maior parte da população.
Também não será um exemplo de prepotência
e erudição, uma vez que buscaremos uma
linguagem simples, para que este texto não
fique restrito aos círculos acadêmicos.
Ainda segundo Deleuze, os conceitos
se inter-relacionam com outros conceitos e não
são de maneira alguma estáticos. Ao contrário,
seu movimento é permanente e inerente à
própria filosofia. Também podemos dizer que
os conceitos nunca são completos, portanto,
são construções que vão se erguendo ao longo
dos anos. Por isso, em um aporte com o
método genealógico foucaultiano, utilizaremos
a História para a construção de nossos
conceitos.
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escola, trata-se de uma raiz que
tem um crescimento diferenciado,
polimorfo, ela cresce
horizontalmente, não tem uma
direção clara e definida.
(https://bityli.com/TC6Y7 /)
Precisaremos da multiplicidade
conceitual rizomática, uma vez que nossos
conceitos serão transpassados por diversos
outros e se conectarão na medida em que
houver prosseguimento das ideias.
Interconectados em suas complexidades,
nossos conceitos se complementam e por
vezes se destroem, mas de maneira que não
se limitem e que possam demonstrar as
origens dos “micros e macrofascismos”
nacionalistas brasileiros que de tão
cristalizados parecem obstáculos naturais.
O conceito de Rizoma Deleuziano nos
abre a possibilidade de ir além do objeto de
estudo específico do campo da História ou da
Filosofia e, neste sentido, demonstraremos
que, além do tecnicismo imposto pelo
academicismo, a História e a Filosofia não são
opostas, mas sim se complementam:
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amargos, pois foram cultivados por meio de
uma história adubada com sangue de nosso
povo: “Ao contrário, nada é belo, nada é
amoroso, nada é político a não ser que sejam
arbustos subterrâneos e as raízes aéreas, o
adventício e o rizoma.” (DELEUZE, G.;
GUATTARI. Mil platôs: capitalismo e
esquizofrenia.)
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Mentalidade Colonizada
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É uma tarefa muito difícil, se não
impossível, compreender o presente sem
conhecer a História, pois toda realidade atual é
o resultado de um processo que molda o
presente com as formas do passado. Por isso,
podemos afirmar que a mentalidade brasileira
atual é o resultado de um processo histórico
cujas raízes estão fortemente fincadas no
período colonial. Ao longo da História do Brasil
Colônia são plantadas as sementes que
germinam nosso modo de pensar, assim, as
origens do conceito de Mentalidade Colonizada
são enraizadas e brotam ao longo da história,
mas começaram a ser cultivadas no período
Colonial.
Antes de prosseguir, precisamos
compreender e conceituar a Mentalidade
Colonizada como um tipo de falta de
perspectiva e desejo de desenvolvimento
nacional, pois o povo brasileiro (principalmente
as oligarquias e a classe média) não se vê
como habitante verdadeiro do país. Ao
contrário, o maior desejo é o enriquecimento
fácil para abandonar, o mais rápido possível a
colônia em direção à metrópole. Segundo uma
pesquisa realizada pelo instituto da Fundação
Getúlio Vargas (FGV) em 2021, 47% dos
jovens brasileiros desejam abandonar o país
por falta de perspectiva de futuro em um país
devastado por um governo neoliberal e neo
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Nos idos de 1630, época em que
terminou de redigir o livro História
do Brazil, Frei Vicente do
Salvador, um franciscano que se
tornou o nosso primeiro
historiador, concluiu: “Nenhum
homem nesta terra é repúblico,
nem zela, ou trata do bem
comum, senão cada um do bem
particular”. (SCHWARCZ, Lilia
Moritz. Sobre o autoritarismo
brasileiro p. 33)
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apreço à democracia e aos valores Iluministas,
pois tudo o que importa é a perpetuação do
poder e de seus privilégios. Por isso,
determinam os rumos da política econômica de
maneira sempre favorável às metrópoles,
gerando um atraso no desenvolvimento
industrial e científico de nosso país que sempre
permanece em uma condição de dependência.
A Mentalidade Colonizada inculca a
uma ideia de que somos um país pobre, porém,
se levássemos em conta todo o potencial de
recursos naturais de nosso país poderíamos
ser um dos países mais ricos do mundo.
Ajudaríamos a acabar com a fome mundial e
ainda conseguiríamos reduzir a tremenda
desigualdade social que hoje é uma das
maiores marcas de nosso país. Porém, para as
oligarquias é importante manter o país em uma
condição de submissão, o povo em condição
de miséria e as forças armadas, como cães
raivosos, sempre prontos a defender os
privilégios das oligarquias.
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nela tudo; por causa das águas
que tem! (CAMINHA, Carta de
descobrimento)
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O pelourinho, um símbolo de
justiça e de autoridade real,
erguia-se no centro da maior parte
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das cidades portuguesas do
século XVI. À sua sombra as
autoridades civis liam
proclamações e puniam
criminosos. Sua localização bem
no centro da comunidade ilustrava
a crença ibérica de que a
administração da justiça era o
atributo mais importante do
governo. (SCHWARTZ, Stuart.
Burocracia e sociedade no Brasil
colonial: a Suprema. Corte da
Bahia e seus Juízes: 1609-1751,
pg 3.)
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longo das praias brasileiras de
1500, se defrontaram, pasmos de
se verem uns aos outros tal qual
eram, a selvageria e a civilização.
Suas concepções, não só
diferentes mas opostas, do
mundo, da vida, da morte, do
amor, se chocaram cruamente.
Os navegantes, barbudos,
hirsutos, fedentos, escalavrados
de feridas de escorbuto, olhavam
o que parecia ser a inocência e a
beleza encarnadas. Os índios,
esplêndidos de vigor e de beleza,
viam,ainda mais pasmos, aqueles
seres que saíam do mar
(RIBEIRO, Darcy. O povo
brasileiro. São Paulo: Companhia
de Bolso, 2006.)
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seus corpos continuaria viva.
(RIBEIRO, Darcy. O povo
brasileiro. São Paulo: Companhia
de Bolso, 2006.)
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prenhar. A vontade mais
veemente daqueles herói d'além-
mar era exercer-se sobre aquela
gente vivente como seus duros
senhores. Sua vocação era a de
autoridades de mando e cutelo
sobre bichos e matos e gentes,
nas imensidades de terras de que
iam se apropriando em nome de
Deus e da Lei (RIBEIRO, Darcy.
O povo brasileiro. São Paulo:
Companhia de Bolso, 2006.)
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que deu neste gentio, que se
dizia, que entre escravos e índios
forros morreriam 30.000 no
espaço de 2 ou 3 meses
ANCHIETA, Padre Joseph, 1933.
Cartas, informações, fragmentos
historicos e sermões p. 356).
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exploração do trabalho escravo, seja ele nativo
ou negro.
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senhores mantinham o controle
na base da força e da sevícia, os
cativos e cativas respondiam à
violência com todo tipo de
rebelião. (SCHWARCZ, Lilia
Moritz. Sobre o autoritarismo
brasileiro, p.18.)
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O feitor da moenda chama a seu
tempo as escravas, recebe a
canna, & a manda vir & meter
bem nos eixos, & tirar o bagaço,
attentando que as negras não
durmão, pelo perigo que ha de
ficarem prezas & moidas se lhes
não cortarem as mãos quando
isto succeda (ANTONIL, André
João. Cultura e opulência do
Brazil p. 25.)
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Aqueles que frequentavam missas assediavam
e estupravam escravizadas "atraentes",
gerando filhos mestiços que eram tratados
como animais domésticos dentro das Casas
Grandes. Esses filhos, muitas vezes, eram
recrutados como Capitães do Mato,
encarregados de perseguir e punir os
escravizados em fuga.
Para controlar revoltas e manifestações
de raiva, os proprietários de escravizados
adotavam diversas técnicas de tortura. Desde
chicoteamentos até restrições severas na
circulação e na alimentação dos escravos, a
opressão estava sempre presente. Apesar
disso, a resistência era iminente, uma vez que
aqueles arrancados de suas terras e forçados a
trabalhar em um ambiente estranho estavam
prontos para reagir. É crucial distinguir entre a
resistência dos oprimidos e a violência dos
opressores.
Nesse contexto, surge o Capitão do
Mato, recrutado entre os próprios escravizados
e transformado em um instrumento de
repressão. Desassociá-lo dos oprimidos e
conectá-lo aos opressores, é uma estratégia
comum da Mentalidade Colonizada. Esse
processo, discutido por Paulo Freire em
"Pedagogia do Oprimido", revela o desejo do
oprimido de se tornar igual ao opressor,
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torturarem e matarem para promoverem a
justiçamento a qualquer preço. Mas, é uma
justiça de quem? Uma justiça que carrega o
peso da perversidade e da tortura como algo
normal? Uma justiça que serve para manter os
privilégios das oligarquias? E aqui devemos
lembrar que, segundo a Constituição Federal e
o Código Penal brasileiro, não existe pena de
morte no Brasil. Logo, agentes do estado que
praticam o extermínio em periferias são tão
criminosos quanto os nazistas que foram
julgados pelo tribunal de Nuremberg.
Por isso, devemos ressaltar que a
origem do pensamento racista, junto com a
banalidade do mal e as perversidades
herdadas do período da escravidão, produz
ainda hoje um genocídio, uma vez que a
imensa maioria das vítimas da violência são os
negros:
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A Mentalidade Colonizada
desempenha um papel crucial na perpetuação
do racismo estrutural no Brasil, bem como na
trágica realidade do genocídio da população
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negra, que continua a ser vítima de um sistema
que ainda não confrontou adequadamente o
seu passado. Além de não ter havido uma
integração significativa dos escravizados na
sociedade, a qual era profundamente racista e
somente aboliu gradualmente a escravidão, a
violência e a perversidade inerentes à
sociedade escravocrata persistem até hoje.
Assim, nossas práticas de punição e
extermínio, enraizadas em um passado
sombrio, permanecem presentes na nossa
sociedade atual.
As sombras se tornam ainda mais
densas quando as elites oligárquicas incutem
na população a ideia de que um retorno ao
passado, onde os direitos trabalhistas eram
escassos, seria a melhor alternativa para gerar
empregos. No entanto, esse desejo de reviver
um passado escravocrata não passa de um
anseio por uma Era em que os empregadores
podiam explorar os trabalhadores até a
exaustão, transformando-os em meras fontes
de lucro para a elite, enquanto gerava miséria
para o povo.
É crucial reconhecer que os direitos
trabalhistas não foram generosamente
concedidos pelas elites oligárquicas; eles foram
conquistados por meio de lutas árduas. A ânsia
por acabar com esses direitos deve servir como
um alerta à população. Enquanto a
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aqueles que, agora livres, precisavam arcar
com suas próprias despesas básicas.
O termo "marginalidade" não se
relaciona somente com a criminalidade, mas
denota a posição de quem vive à margem da
sociedade. Discriminações sociais e
geográficas empurram não apenas a população
negra, mas também os pobres, homossexuais,
índios, artistas e mulheres para essa condição,
em uma sociedade preconceituosa, racista e
sexista.
Assim, a maioria da população
brasileira é relegada à margem da sociedade,
estigmatizada e alvo de discriminação. Nas
escolas militares e quartéis, futuros agentes do
estado são ensinados a enxergar a população
negra e periférica não como uma parte
marginalizada da sociedade, mas como uma
ameaça, uma visão contaminada pelos
preconceitos históricos. Com esses olhos
enviesados, a cor da pele é muitas vezes
associada à criminalidade e à indolência. Isso
perpetua um "holocausto urbano", onde
milhares de negros e pobres são mortos
sistematicamente anualmente, principalmente
nas favelas, em ações policiais que raramente
se repetem em áreas “nobres”.
A história dos escravizados fugidos,
que se organizavam em Quilombos e resistiam
ao sistema escravocrata, serve como exemplo
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a transformação do Brasil em país
independente, surgiu a necessidade de
estabelecer um exército. No entanto, esse
exército foi criado mais para conter revoltas
internas do que para defender as fronteiras. Ele
foi empregado para reprimir rebeliões, servindo
aos interesses das oligarquias, em vez de
garantir a proteção nacional contra ameaças
externas.
Inicialmente, as forças militares
coloniais se organizavam em diversas milícias
a serviço dos donatários. Essas milícias eram
formadas por pequenas unidades responsáveis
pela segurança das famílias poderosas da
colônia. Devido à dependência de armas
importadas da metrópole, a defesa do território
estava fortemente ligada à metrópole.
À medida que cresceram as revoltas
indígenas e as ameaças de outras nações
europeias, aumentou a necessidade de um
contingente militar mais robusto. No entanto,
esse contingente era consideravelmente menor
que a população nativa. Assim, a estratégia de
"dividir para conquistar", utilizada até hoje, foi
empregada pelos portugueses para subjugar
grupos indígenas que resistiam ao domínio. As
rivalidades entre as próprias etnias nativas
foram exploradas pelos portugueses para minar
a resistência indígena. O grosso das forças
militares utilizadas para controlar os nativos
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soldados eram ensinados a enxergar negros,
pobres e marginalizados como inimigos a
serem combatidos.
Em resumo, a conexão entre as forças
armadas e a Mentalidade Colonizada é
complexa e varia em diferentes momentos
históricos. Ela envolveu a utilização de grupos
nativos contra outros, o papel das elites
oligárquicas na formação do exército e as
ideologias transmitidas nas escolas militares.
Reconhecer esses elementos é fundamental
para uma compreensão mais profunda das
origens e impactos da Mentalidade Colonizada
no Brasil.
No ambiente de ensino militar, observa-
se a persistência de conceitos problemáticos,
perpetuando manifestações de racismo e
influência política questionável dentro dos
quartéis. Essas questões são notáveis até os
dias atuais, onde termos como "tipo suspeito"
ainda estão associados a rostos negros. Além
disso, nas escolas militares, é transmitida a
noção de que o comunismo representa uma
ameaça constante, visando a supressão de
ideias políticas que busquem equidade e justiça
social. Tal cenário se fundamenta na
resistência das oligarquias nacionais em se
submeter às mesmas leis que regem a
população em geral.
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A Balaiada (1838) destaca-se como um
exemplo emblemático de revolta originada de
abusos de poder perpetrados pelos próprios
agentes estatais. A partir do estupro das filhas
de Manoel dos Anjos (Balaio) por Antônio
Raymundo Guimarães, oficial de polícia,
segmentos marginalizados da sociedade
brasileira organizam-se para lutar por justiça e
pôr fim aos abusos de autoridades.
Conquistando a cidade de Caxias, os rebeldes
ameaçam as oligarquias nacionais, que temem
pela disseminação de revoltas similares. Nesse
movimento, liderado por Manoel Balaio, Cosme
Bento de Chagas e Raimundo Gomes, é
patente a capacidade das organizações
populares de resistir e desafiar a Mentalidade
Colonizada.
Todavia, uma luta contra uma
mentalidade enraizada por séculos é
inerentemente desigual. O exército sob o
comando de Luís Alves de Lima, agora armado
de modernos equipamentos e táticas bem-
definidas, avança sobre Caxias em 1841,
aniquilando os revoltosos e perseguindo os
insurgentes. A revolta da Balaiada é reprimida,
os rebeldes mortos e, por essa ação, Luís
Alves de Lima é coroado Duque de Caxias,
posteriormente declarado "Patrono do Exército
Brasileiro". Surge um patrono que se destacou
por proteger os interesses das oligarquias,
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aprofundada e embasada para compreender
suas ações e impactos.
Ao longo dos anos, o Brasil vivenciou
alternâncias entre períodos de democracia e
ditadura, frequentemente marcados por golpes
de estado. Esses eventos complexos e
multifacetados envolvem uma série de fatores e
atores políticos, e não podem ser simplificados
em uma narrativa linear. Exemplos concretos,
como o Golpe de 1964 ou a Ditadura Militar
subsequente, são necessários para ilustrar
esse padrão histórico.
Um marco significativo da interferência
militar na política ocorreu com a Proclamação
da República. O descontentamento com a
abolição da escravidão e o regime monárquico
foi explorado por setores das elites
oligárquicas, culminando em um golpe militar
que resultou na substituição da monarquia por
uma república. No entanto, a transição foi
marcada pela falta de participação popular e
pelo domínio das forças armadas, configurando
um início controverso para a nova república.
Esse período, conhecido como
"República das Espadas", ressalta a
capacidade das forças armadas de influenciar
as questões políticas e manter o poder
oligárquico. No entanto, é importante evitar
uma análise unidimensional, reconhecendo que
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desfavorecidos quanto os residentes de
Canudos, não distinguiram entre homens,
mulheres e crianças que, corajosamente,
resistiram ao poder avassalador das forças
armadas.
Após o devastador evento, os
soldados, utilizados como executores, muitos
dos quais eram negros, retornaram à cidade do
Rio de Janeiro. Paradoxalmente, eles
passaram a habitar os morros que receberam o
nome da vegetação que outrora camuflara a
artilharia em Canudos. Surgia, então, a Favela:
um local de morada para os marginalizados.
O massacre de Canudos, promovido
pelo exército, ilustra como as forças armadas
foram historicamente empregadas para
suprimir ameaças ao poder das oligarquias.
Todavia, esse não foi o único caso, tampouco o
último, em que as forças armadas participaram
ativamente na política brasileira e na
eliminação das vozes marginalizadas.
A interferência militar na política é
evidente também no Golpe de 1964. As forças
armadas depuseram o presidente João Goulart,
que propunha políticas de redução das
desigualdades sociais. Os generais alegavam
um serviço patriótico, mas seus atos
favoreciam as oligarquias, que se sentiram
ameaçadas pelas reformas sociais propostas
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estudantes e professores, foi uma
característica dessa repressão sistemática que
visava manter a exploração defendida pelas
oligarquias.
Durante a ditadura militar, a paranoia
anticomunista era uma justificativa recorrente
para a perseguição. No entanto, o verdadeiro
temor das elites oligárquicas era a perspectiva
de igualdade e democracia, que poderiam
ameaçar a estrutura de poder e a influência das
oligarquias.
Assim, a história das forças armadas
no Brasil é marcada por seu papel em manter a
ordem oligárquica, preservando os privilégios
dessa classe ao longo das gerações. A ligação
entre essas forças e a "Mentalidade
Colonizada" perpetuou a exploração das elites
em detrimento do verdadeiro desenvolvimento
nacional.
Por isso, é equivocado atribuir um
caráter nacionalista ou patriótico às forças
armadas, visto que muitas vezes elas atuaram
em prol daqueles interessados em
enriquecimento rápido, sem compromisso com
o país. As oligarquias, produtos e
perpetuadoras da "Mentalidade Colonizada",
usam as forças armadas para manter seu
domínio e exploração.
Nos institutos militares, os futuros
soldados são moldados a odiar o que poderia
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Os nativos não só habitavam nossas
terras, como também compartilhavam
conhecimentos transmitidos através das
gerações. A sobrevivência nesse ambiente
dependia da transmissão de saberes práticos
pelos anciãos, permitindo que prosperassem
em equilíbrio com a natureza. Essa
transmissão permitia aos nativos não só
subsistir, mas também moldar sua convivência
com o ambiente, criando comunidades
harmoniosas.
Além disso, um rico e variado universo
mitológico permitia aos nativos construir
explicações próprias sobre a origem do
universo, criando uma ligação intrínseca entre
eles e a Terra. Essas crenças eliminavam a
separação entre ser humano e natureza,
contrastando com a visão religiosa cristã de
reconexão com Deus.
As divindades indígenas eram
personificações da natureza e do ambiente em
que viviam, resultando em uma relação
próxima entre os nativos e suas divindades
cotidianas. As celebrações rituais não apenas
eram cerimônias, mas também atuavam como
ferramentas de ensino para as futuras
gerações, reforçando a importância da história
e da ancestralidade. No entanto, é importante
evitar a comparação direta dessas celebrações
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que seria explorada como mão de obra
escrava.
Assim, podemos dizer que o primeiro
sistema educacional europeu em nosso
território teve como função a conversão dos
nativos ao cristianismo, a destruição da cultura
e da Cosmovisão nativa, bem como funcionou
como um meio facilitador da captura de nativos
para o trabalho escravo. Este sistema de
ensino, que serve como um sistema de
“domesticação” de vidas humanas para sua
utilização no mercado de trabalho, ainda está
impregnado na mentalidade das oligarquias
nacionais que acreditam que o papel da
educação deve ser o de formar mão de obra
apta ao trabalho de forma acrítica e que aceite
baixa remuneração.
As oligarquias nacionais se
desenvolveram diretamente das famílias que
possuíam o poder no período colonial e
exploravam as riquezas naturais de nosso
território. Estes grupos estão diretamente
ligados aos ciclos econômicos do Brasil, que
buscavam o enriquecimento pessoal e familiar
acima de qualquer outra coisa. Por isso são
grupos que não desejam alavancar o
desenvolvimento nacional e na primeira
oportunidade, colocam seus filhos para estudar
no exterior. Para o povo sobra a educação de
formação de mão de obra acrítica. Prontos para
66
Mentalidade Colonizada & Delírio Político
67
uma pequena parcela da população tinha
direito à educação formal oferecida pelos meios
oficiais:
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Mentalidade Colonizada & Delírio Político
69
principalmente porque são os filhos das
oligarquias, formados com bases na
Mentalidade Colonizada, que vão ocupar os
cargos de juízes e promotores: serão os
algozes e carrascos de uma população
marginalizada pela Mentalidade Colonizada.
Apenas uma minoria de filhos “bastardos”, que
se formam nos cursos de direito, não pertence
às classes mais ricas, ou seja, aqueles que
carregam consigo mais preconceitos de classe.
Por isso que o nosso sistema judiciário é fruto
direto da formação de um sistema elitista que
surge para legitimar e manter o poder das
oligarquias e punir os pobres.
O sistema educacional público e
universal inicia na década de 1930. Porém,
mesmo sendo um sistema público de ensino,
ainda são poucos aqueles que conseguem
acompanhar as aulas. A maior parte das
crianças, filhos de famílias pobres, trabalha
para ajudar na renda familiar e não possuíam
roupas e materiais adequados para
acompanharem as aulas. Assim, o ensino
público e alfabetização continuariam sendo
restritos à classe média e alta até meados da
década de 1970.
A ampliação da escolarização só se
iniciou a partir da década de 1970 quando
passou a existir a necessidade de formação de
mão de obra técnica mais especializada. Daí, o
70
Mentalidade Colonizada & Delírio Político
71
Colonizada, bem como servem como adubo
para o surgimento do Delírio Político.
É por isso que temos atualmente um
sistema educacional que supervaloriza o
ensino de matemática e língua portuguesa
enquanto relega às disciplinas de humanas um
papel secundário, sempre correndo o risco de
serem excluídas do currículo. Quanto menos
conhecimento histórico e social, mas fácil se
torna para as oligarquias nacionais
perpetuarem sua lógica de exploração e as
perversidades herdadas de nosso passado
colonial.
Claro que temos diversos pensadores
da Educação que desenvolveram métodos
críticos e que buscavam criar as condições de
libertação de nosso povo. Porém, as
oligarquias, que detém o poder político, nunca
permitem a real implementação de um sistema
educacional que prestigie a criticidade e a
formação de uma base científica
verdadeiramente nacional.
Ao contrário, o sistema de ensino
público é sucateado onde o acesso é universal
e valorizado onde o acesso é restrito aos filhos
das oligarquias. Por isso as escolas públicas
são cada vez mais transformadas em
verdadeiras prisões e as universidades
públicas, que possuíam os cursos elitistas,
eram disputadas e frequentadas,
72
Mentalidade Colonizada & Delírio Político
73
própria luta pela conquista da
liberdade e de sua afirmação no
mundo. Nisto reside sua
“conivência” com o regime
opressor. (FREIRE, Pedagogia do
Oprimido, p. 71)
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Mentalidade Colonizada & Delírio Político
75
vez mais dependente da tecnologia inglesa
para a formação de uma base econômica.
Também devemos lembrar que neste período a
Revolução Industrial estava a pleno vapor na
Inglaterra. E aqui devemos ressaltar que a as
oligarquias brasileiras passam a reconhecer os
ideais liberais somente como uma forma de
aumentar seus lucros. Por isso não podemos
dizer que os ideais Iluministas chegam ao
Brasil como uma possibilidade de
desenvolvimento humanista e racional, mas
sim como forma de ampliar o desenvolvimento
econômico da elite e manter cada vez mais
fortes as estruturas de poder oligárquicas.
É sempre importante ressaltar que a
Mentalidade Colonizada não nos conduz a um
verdadeiro sentimento patriótico, pois nosso
desenvolvimento econômico está sempre
atrelado às vontades de uma metrópole: seja
Portugal, Inglaterra ou, mais recentemente,
Estados Unidos. Ao contrário, cultivamos um
país que estabelece suas metas e suas
vontades de acordo com o capital estrangeiro
que determina quais parâmetros de
desenvolvimento o Brasil deve seguir.
Assim, além do liberalismo e da
educação pública, a industrialização brasileira
ocorre de maneira tardia. Fruto do atraso para
a libertação dos escravos, uma vez que as
oligarquias escravagistas não conseguiam
76
Mentalidade Colonizada & Delírio Político
77
Mentalidade Colonizada. Por isso não pensam
em nada além do lucro e a vontade de
deixarem o país na primeira oportunidade.
Por isso nosso processo de
industrialização e o sistema educacional não
permitem o desenvolvimento de tecnologias
que garantam um verdadeiro desenvolvimento
nacional. Pelo contrário, o início do processo
de industrialização brasileira buscava muito
mais uma forma de exportar matérias primas
do que a produção de bens de consumo, que
continuaram sendo importados até a década de
1990. Assim, desenvolvemos as indústrias
primárias, deixando de lado o desenvolvimento
das indústrias secundárias e terciárias no início
da industrialização brasileira.
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Mentalidade Colonizada & Delírio Político
De qualquer maneira, se
proprietários de terra não eram
nobres de origem, trataram de se
criar como tal e usaram a história,
uma certa história, como forma de
alardear sua posição destacada.
Usaram, igualmente, de um
determinado teatro do poder que
permitia, ao mesmo tempo,
justificar e sublinhar seu lugar
iminente naquela estrutura social.
79
Não são poucos os relatos que
trazem senhores desfilando à
frente de sua vasta escravaria,
montados em cavalos baios, com
traje completo, chapéus largos e
botas lustradas, mesmo nos dias
quentes do Nordeste brasileiro. E,
como “repetir” significa “conferir
certeza”, repassavam diariamente
o ritual público. (SCHWARTZ,
Sobre o autoritarismo brasileiro,
p.35)
80
Mentalidade Colonizada & Delírio Político
81
O “senhorzinho” (ou Coronel), que
concentrava e personificava o poder, ainda
está impregnado no imaginário popular da
população brasileira. E ainda hoje é
responsável por representar o desejo de poder
em uma grande parcela da população brasileira
que vive no interior do país. Nesses locais
ainda é comum, nos festejos, a exaltação dos
grandes “vultos” e o desejo de aproximação da
população com esses “detentores do poder”
para a obtenção de favores. Por isso, não é
difícil encontrar representantes desse tipo de
mandonismo dentro da política brasileira. Mas,
como se trata de representantes do poder,
forjados dentro da Mentalidade Colonizada,
quando assumem cargos públicos, tendem
sempre a confundir a esfera pública com a
privada.
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Mentalidade Colonizada & Delírio Político
83
com ideais progressistas, cheguem ao poder.
Assim, durante toda República Velha, as
eleições foram marcadas pelas fraudes e pela
violência durante o processo eleitoral. Aqueles
que são contra o poder oligárquico são
exterminados com o direito a impunidade típica
as eleições do “Cacete”, que se tornam um
símbolo da política nacional e que permanecem
até hoje nos currais eleitorais de pequenas
cidades e nas periferias das grandes
metrópoles, dominadas por milícias que se
expandiram até o ramo da política eleitoral.
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Mentalidade Colonizada & Delírio Político
85
de suas famílias. Esta visão os faz acreditar
que as políticas públicas devem servir para
manutenção de seus privilégios e não para a
diminuição da desigualdade social que é
produzida pelo capitalismo e mantida pelas
próprias oligarquias. Desta maneira, o
nepotismo se torna uma prática comum para
uma “elite” que se julga “dona” do estado e que
enxerga o estado como uma extensão de suas
propriedades. É daí que vem a famosa
“carteirada” (você sabe com quem está
falando?) típica daqueles que acreditam estar
acima do estado e das Leis. Bem como é daí
que surgem as farras com as verbas públicas
utilizadas para banquetes e festas familiares.
A Rés Pública (coisa pública) brasileira
se confunde com a propriedade privada das
oligarquias que, dominadas pela Mentalidade
Colonizada, não conseguem compreender que
o verdadeiro papel do estado deveria ser a
promoção de políticas públicas e a diminuição
das desigualdades sociais. Ao contrário, as
oligarquias enxergam no estado brasileiro a
possibilidade de garantias de seus privilégios e
a manutenção do poder de suas famílias. Por
isso que as mesmas famílias se mantêm na
política por gerações, fazendo da política um
grande negócio familiar transmitido de pai para
filho.
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Mentalidade Colonizada & Delírio Político
Hospedar o Opressor
87
mais estudados nas maiores e melhores
universidades mundiais. Porém, para governos
que se baseiam na ignorância, é importante
manter o povo no obscurantismo, logo os
educadores que pretendem romper com o
processo de escravidão por meio do
conhecimento são vistos como inimigos desses
regimes autoritários. Por isso, durante a
ditadura militar de 1964/84, Paulo Freire foi
exilado por conta de sua determinação em
erradicar o analfabetismo no Brasil.
Em seu livro “Pedagogia do Oprimido”
Freire desenvolve as bases de um método de
educação crítico, que utiliza as vivências dos
educandos como método facilitador do
processo de ensino / aprendizagem. Para
Paulo Freire, deve haver um processo de
identificação prático entre aquilo que se
aprende e o educando, caso contrário, um
objeto de conhecimento abstrato e distanciado
da realidade, torna o processo de
aprendizagem extremamente difícil,
principalmente para aqueles que são
explorados há séculos por um sistema brutal e
desumano. Por isso, é tão importante trabalhar
com a criticidade, pois a exploração a qual os
brasileiros estão submetidos produz,
propositalmente, a alienação da exploração a
qual o nosso povo é submetido há séculos.
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Mentalidade Colonizada & Delírio Político
89
São diversos exemplos que podem ser
citados ao longo da História: o Capitão do
Mato, descendente de escravos e que
perseguia e punia negros a mando do Senhor
de Engenho; o policial negro que aprende a
discriminar e a abordar o “tipo suspeito” de
acordo com a cor da pele; o estudante dos
cursos de graduação que aprende na
universidade que não deve aplicar avaliações
conteudistas mas assim que se transforma em
professor apenas aplica avaliações factuais; o
escravo que quando liberto adquiria seus
próprios escravos.
O grande problema de se hospedar o
opressor é que criamos um ciclo vicioso que
nos impede de romper com a mentalidade
colonial que nos foi imposta por séculos de
dominação das metrópoles em nosso território.
Como nos libertaremos se, ao longo da nossa
história, apenas conhecemos a escravidão?
Assim, quando temos a oportunidade de agir
agimos exatamente como aqueles que nos
escravizaram.
90
Mentalidade Colonizada & Delírio Político
91
crenças e seu modo de vestir e agir. Os
jesuítas ensinavam as “boas maneiras” dos
europeus, pouco se importando com a história
e cosmovisão dos índios. O que importava é
encher-lhes da ideia de pecado para que então
pedir a Deus perdão por viverem num
verdadeiro paraíso que aos poucos foi se
transformando num inferno. Os jesuítas
falavam aos índios que as doenças trazidas
pelos portugueses, os estupros, o extermínio, a
escravidão e a perda de seu território
aconteciam por vontade de Deus que os
castigava por terem vivido por tanto tempo sem
conhecer a palavra do Senhor. E aqui também
podemos perceber que a Mentalidade
Colonizada estava sendo inculcada na
população original de nosso país. Assim,
podemos perceber como o cristianismo
começou a ser utilizado para justificar e
legitimar a exploração e a entrega de nosso
território e recursos naturais para as
metrópoles que nos dominaram.
Da mesma maneira, o cristianismo,
ensinado aos nativos pelos jesuítas, buscava
criar a ideia de que o trabalho era um meio de
dignificar o homem. Esta ideologia ainda está
presente atualmente e serve para legitimar a
ideia de que a sua força de trabalho deve ser
oferecida, independentemente do salário, para
qualquer tipo de serviço. Cria se assim a
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Mentalidade Colonizada & Delírio Político
93
no Brasil assumiu um papel de apaziguador
das tensões sociais, bem como ajudou a
manter a população submissa ao poder
oligárquico.
As igrejas que se espalharam sobre
nosso território demonstram bem a separação
de classes e o papel apaziguador das tensões
sociais em nosso país. A separação de classes
pode ser percebida quando observamos a
existência das igrejas dos escravos e das
igrejas dos senhores. E o papel apaziguador é
observado quando estudamos que a igreja
serviu por muito tempo como difusora da ideia
de que a escravidão existia por vontade divina.
Assim, índios e negros convertidos ao
catolicismo eram também doutrinados a crer
que faziam parte de uma raça inferior e que por
isso trabalhavam para os homens brancos para
se redimirem do pecado de terem nascido.
E assim, colonizando o pensamento, o
cristianismo foi servindo como ferramenta de
dominação e aceitação da realidade social,
sempre favorável às oligarquias que, por sua
vez, são submissas à metrópole. Isto se dá
devido ao sistema de padroado, oriundo de um
passado medieval e que se perpetuou em
Portugal e, subsequentemente, nos territórios
colonizados. Apesar do conflito de interesses
entre a Companhia de Jesus e a coroa
portuguesa, que culminou com a expulsão dos
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Mentalidade Colonizada & Delírio Político
95
se alcançar a riqueza. Esta teoria se alastrou
ainda mais com o advento do
neopentecostalismo e do surgimento de igrejas
que funcionam como verdadeiros negócios de
enriquecimento de seus pastores. Nestas
igrejas, que vendem a fé e a salvação em
vassouras ungidas, água do rio Jordão, que
aceitam o dízimo em várias parcelas no cartão
de crédito e vendem curas milagrosas, a
Mentalidade Colonizada é inculcada o tempo
inteiro em fiéis que são levados a crer que
Israel e EUA são os paraísos dos
predestinados.
Foram estas igrejas que serviram como
um verdadeiro curral eleitoral para a eleição de
um governo genocida e miliciano. A
propaganda eleitoral, feita dentro das igrejas
evangélicas, abre espaço para políticos sem
escrúpulos que pouco se importam com a ética
e a moral cristã. Para eles, o que importa é a
criação de um eleitorado acrítico, que siga
cegamente tudo o que os pastores charlatões
dizem. Os fiéis, desesperados por salvação,
não percebem que estão sendo vítimas de
pastores inescrupulosos que só querem os
seus dízimos. São dentro dessas igrejas que
surgem os grupos de traficantes cristãos que
destroem terreiros, mas que contribuem,
fielmente, pagando o dízimo com parte de seus
lucros com a venda de drogas. Com o dinheiro
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Mentalidade Colonizada & Delírio Político
97
sustentação do conceito de Mentalidade
Colonizada para compreender como o atraso, o
racismo e a falta de infraestrutura para a
formação de uma nação se sustentam através
de uma mentalidade cultivada ao longo de
séculos. São essas raízes das perversidades
que se espalham pelo solo irrigado com sangue
de índios, negros e marginalizados que garante
a fertilidade que dará origem ao Delírio Político.
As raízes da Mentalidade Colonizada
se espalham pelo solo fertilizado com o sangue
de nossa gente e se ramificam em diversos
setores da nossa sociedade atual. Não se trata
de um fenômeno meramente disperso, mas sim
de um conjunto de pensamentos que impregna
a ideologia brasileira com a ideia de
enriquecimento individual a qualquer custo e a
vontade de abandonar o país na primeira
oportunidade. Bem como, molda o
comportamento de um povo, que passa a
desejar o poder ilimitado para colocar em
prática suas perversidades herdadas de um
passado obscuro.
Assim, deixamos nossa História sob
um véu que dispersa nossa visão do passado,
glorificando símbolos que deveriam servir como
um alerta da falta de escrúpulos de uma elite
oligárquica perversa, que pouco se importa
com a vida e o sofrimento do povo, ao mesmo
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Mentalidade Colonizada & Delírio Político
99
constante com suas práticas que, se fossem
analisadas radicalmente, demonstrariam o
caráter imoral, principalmente, dos maiores
defensores da moral e dos bons costumes:
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Mentalidade Colonizada & Delírio Político
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naqueles que, porventura de sua sorte (ou
azar), caíssem sob seus desmandos.
Porém, devemos sempre nos lembrar
de Paulo Freire e o conceito de hospedar o
opressor. Quando a educação não é crítica e
inclusiva, o desejo do oprimido se transforma
em vontade de oprimir, justamente por que é
pelo meio da opressão que o opressor sustenta
seu poder. Logo, o desejo do povo não passa a
ser um desejo de libertação, mas sim o desejo
de oprimir, pois assim estaria se associando ao
poder. Por isso a prática de perversidades
herdadas do período colonial e escravocrata se
espalha entre a população que deseja o poder
de oprimir para assumir um novo patamar, um
novo status social.
102
Mentalidade Colonizada & Delírio Político
Delírio Político
103
Que tipos de perversidades, de
paranoias e de psicopatias podem surgir em
uma sociedade que se desenvolveu
banalizando o mal? Que tipo de futuro pode ter
uma nação cultivada com sangue? Quais os
tipos de doenças sociais que se desenvolveram
ao longo de séculos de tortura, de estupros e
de extermínios? Uma sociedade perversa se
cria quando, ao longo da história, a maldade é
utilizada, sistematicamente, pelo estado e
banalizada cotidianamente por seus cidadãos.
Hanna Arendt analisou o julgamento de
criminosos de guerra nazistas para chegar à
conclusão de que, quando a morte e a tortura
fazem parte do cotidiano, as pessoas
assimilam a maldade como algo normal. Mais
ainda, não são somente os monstros e
psicopatas que praticam os crimes mais
horrendos, mas sim aqueles “cidadãos de bem”
que, dentro de suas normalidades, não
enxergam suas perversidades, pois estas
passam a fazer parte de seus cotidianos. Logo,
tudo aquilo que deveria considerado
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Mentalidade Colonizada & Delírio Político
105
A contradição é uma das maiores
marcas de nosso país. Somos, ao mesmo
tempo, um dos países mais ricos do mundo.
Por outro lado, temos uma pobreza endêmica
que é naturalizada e aplicada por oligarquias
que impregnam o imaginário com a ideologia
absurda da meritocracia. Da mesma maneira,
temos a maior população cristã do mundo ao
mesmo tempo em que a maior parte dessa
população deseja que a tortura e a pena de
morte façam parte do cotidiano: se pudessem
se deliciariam vendo programas onde
torturassem e matassem os “marginais” com
requintes de crueldades.
Não que esses programas não existam:
todos os dias, no horário do almoço, milhões de
brasileiros assistem na TV a morte, corpos
ensanguentados e violência gratuita. A
banalidade do mal chegou a tal ponto que o
sangue e violência não mais causam repulsa e
passam a ser vistos como entretenimento
apropriado para o horário das refeições. Essa
forma de “entretenimento” é o reflexo de uma
sociedade onde a perversidade e a maldade
foram normalizadas por tanto tempo que
servem como diversão.
É nesse campo, fertilizado com sangue
e ossos, que os delírios políticos se
desenvolvem. São delírios e paranoias típicos
de uma população que foi gerada, ao longo de
106
Mentalidade Colonizada & Delírio Político
107
Porém, precisamos deixar claro que
não se trata de conceituar uma doença mental
ou, como Foucault, estabelecer a relação entre
loucura e exclusão. Pelo contrário, o conceito
de Delírio Político não existe para limitar um
grupo ou excluí-los de algum tipo de
participação na sociedade. Ao invés disso, o
Delirante Político participa ativamente de
discussões, manifestações e de processos
políticos, porém, sempre com uma visão
totalmente distorcida da realidade. Foucault, ao
comentar sobre a visão de Durkein sobre a
Loucura afirma:
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Mentalidade Colonizada & Delírio Político
109
sobretudo no espírito do pai, que
deseja a morte de seu filho e se
empenha para provocá-la. Afinal
de contas, o pai, sozinho, faz
papel de culpado: culpado de ter
querido vingar-se. E ele é quem
será morto. Este curioso
desprendimento em face do
incesto aparece em outros mitos.
Primeiramente, antes de ser um
sentimento infantil e neurótico,
Édipo é uma ideia de paranoia de
adulto. (DELEUZE, G. &
GUATTARI, F. (1972) O Anti-
Édipo. p. 361,362)
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Mentalidade Colonizada & Delírio Político
111
gosta ou aquela vontade latente que reprime
dentro de si.
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Mentalidade Colonizada & Delírio Político
113
Claro que já havia sinais desde a
época dos IRCs, salas de bate papos e dos
fóruns que podem ser considerados paleo
redes sociais. Mas, seu acesso era restrito a
poucas pessoas, por isso a postagem nesses
locais possuía pouco impacto social e pouca
disseminação. Porém, com a disseminação da
internet móvel, as redes sociais passam a
ocupar um papel central na vida das pessoas.
Além disso, aplicativos como o WhatsApp
colocam à mão das pessoas a possibilidade de,
literalmente, falar com o mundo. A Veracidade
das mensagens trocadas não precisa ser
verificada. A veracidade cede espaço à
quantidade de pessoas que compartilham a
mesma mensagem. É nesse mundo de pouca
verificação que surge o Delírio Político.
Pessoas com pouco (ou nenhum) grau
de instrução conseguem a mesma capacidade
de disseminação de informação que teóricos e
cientistas. Mais ainda, dependendo da
interação social, as informações simples, de
gente sem nenhuma formação, conseguem
alcançar mais pessoas do que a informação
fundamentada e técnica. Em uma sociedade
onde o sistema educacional de qualidade é
restrito, forma-se um grande campo para
palpiteiros e para a disseminação de pós-
verdade e Fake News.
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Mentalidade Colonizada & Delírio Político
115
étnico racial arraigado em uma sociedade
moldada pela Mentalidade Colonizada.
É importante destacar que o Delírio
Político está frequentemente ligado ao ódio de
classe, um traço característico da Mentalidade
Colonizada. Mais que isso, as Fake News
buscaram, deliberadamente, deslegitimar
professores, médicos, cientistas, ONGs, e
formatar a opinião pública de acordo com a
vontade das oligarquias nacionais. Ainda
podemos citar a ligação entre a existência de
milícias virtuais e reais que utilizaram a
distorção da realidade produzida pela Delírio
Político para a eleição de representantes
políticos que vão defender a vontade desses
grupos milicianos.
Podemos definir o Delírio Político
como uma distorção da realidade causada pela
falta de conhecimento. A baixa qualidade do
sistema educacional resulta em pessoas que
desconhecem conceitos fundamentais, o que,
por sua vez, contribui para a criação de uma
realidade distorcida. Essa realidade distorcida
tende a beneficiar as oligarquias que mantêm a
Mentalidade Colonizada.
É crucial entender que o Delírio Político
não é um fenômeno aleatório, desprovido de
posicionamento político. Ele é orientado pelo
ódio de classe, já que as oligarquias brasileiras
têm aversão ao povo e uma afinidade pelo que
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Mentalidade Colonizada & Delírio Político
117
nobreza. Assim, os Jacobinos passam a ser
associados a ideais progressistas e os
Girondinos se associam aos ideais de retorno a
um passado medieval.
No Brasil, devido ao Delírio Político,
muitos que se consideram conservadores, na
realidade, são reacionários, ansiando por um
retorno a tempos que veem como melhores
que o presente. O verdadeiro conservador, por
sua vez, busca manter a ordem atual, sem
buscar um futuro mais liberal ou regressar a um
passado distante.
No contexto da Mentalidade
Colonizada e do Delírio Político brasileiro, a
esquerda é frequentemente associada ao
comunismo, enquanto a direita é vista como
representante da tradição, moral e religião. No
entanto, é importante notar que a tradição
moral e religiosa predominou na Idade Média.
Portanto, aqueles que defendem o
conservadorismo de direita, na realidade, estão
apoiando um retorno à Idade Média, tornando o
conservador brasileiro, de fato, reacionário.
Vale lembrar que a família real
portuguesa veio para o Brasil para escapar das
invasões napoleônicas, motivadas pelas ideias
liberais da Revolução Francesa, que marcou o
fim da Idade Média e o avanço em direção à
Idade Moderna. O pensamento reacionário,
muitas vezes impregnado de elementos
118
Mentalidade Colonizada & Delírio Político
119
Comunismo, a Ciência e as Artes, vistos por
aqueles que desejam um retorno ao
obscurantismo. É por isso que vemos líderes
religiosos criticando a medicina enquanto
lucram promovendo curas milagrosas. Em uma
sociedade verdadeiramente moderna, esses
líderes deveriam ser processados por
charlatanismo, mas em um país influenciado
pela Mentalidade Colonizada e pelo Delírio
Político, testemunhamos um aumento
significativo da bancada religiosa no
Congresso.
Esse crescimento do obscurantismo
elege como inimigos imaginários aqueles que
promovem o conhecimento e a luz. Isso se
manifesta nas perseguições a professores, no
desinvestimento nas universidades públicas, na
destruição de museus e na crise do sistema de
saúde pública. Os ataques aos Direitos
Humanos, professores e movimentos sociais
são parte de um movimento reacionário que
busca levar o país de volta a um período
obscuro, semelhante a uma nova Idade das
Trevas.
Os exemplos desses inimigos
imaginários ficam evidentes quando
observamos os vídeos das manifestações de
2013. Muitos manifestantes, agindo quase
como zumbis, protestavam sem entender
claramente contra o que estavam se
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Mentalidade Colonizada & Delírio Político
121
sistema criado pela Mentalidade Colonizada o
Delírio Político aparece, não como um
fenômeno isolado, mas sim como uma
normalidade insana do sistema.
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Mentalidade Colonizada & Delírio Político
123
escravidão mais difícil de ser abolida, pois
zumbificados não conseguem enxergar as
correntes que os prendem.
Assim, o Delírio Político e a
Mentalidade Colonizada seguem lado a lado,
servindo como instrumentos de dominação que
nos mantém como uma Colônia a serviço das
Metrópoles. Enquanto isso, prosseguimos com
o extermínio sistemático de marginalizados que
são eliminados pela política genocida. A
política de extermínio é o resultado de uma
história banhada por sangue e tortura, mas
também é o resultado de um processo
intencional, promovido pela mídia, por pastores
e políticos que promovem um verdadeiro
holocausto da nossa população marginalizada
por séculos de Mentalidade Colonizada.
Conclusões
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Mentalidade Colonizada & Delírio Político
125
armas utilizadas pelas oligarquias para a
manutenção de seu poder. Logo, devemos
assumir o papel de iluminar aquilo que essas
oligarquias desejam manter nas sombras.
Claro que não se trata de assumir o
papel de um professor tradicional, que ilumina
os seres sem luzes (alunos) com a luz do
conhecimento. O método tradicional de ensino
só serve de instrumento de manutenção do
status quo. O que precisamos é aprender como
trabalhar com a criticidade, mesmo que para
isso tenhamos que nos infiltrar nas brechas do
sistema criado pelas próprias oligarquias.
O sistema oligárquico brasileiro produz
tanta pressão sobre o povo que produz
rachaduras em sua base. É nessas rachaduras
que devemos nos infiltrar como ervas daninhas
que crescem nos muros e que por fim acabam
por fragilizá-los tanto que acabam ruindo. É
aqui que o papel do filósofo se apresenta como
possibilidade de rompimento do presente.
Devemos ser como aqueles que se infiltram
nas rachaduras dos muros que são criados
para manter os limites e o poder das
oligarquias. Por isso a importância do Rizoma
como conceito de propagação de ideias e
afetos.
Devemos lembrar tudo o que as “elites”
de nosso país desejam manter obscurecido
para manter a população nas cavernas. Cada
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Mentalidade Colonizada & Delírio Político
127
exterminados nas periferias das grandes
cidades. Ao assumirmos um papel acrítico
estamos deixando de utilizar a história como
ferramenta que vai ajudar a derrubar um
regime cruel e estamos atuando como
instrumentos de manutenção de poder.
Por isso as Universidades possuem um
papel central na luta de descolonização do
pensamento. Jamais conseguiremos romper
com a Mentalidade Colonizada enquanto as
Universidades não assumirem uma postura
crítica e atuante contra as oligarquias. Mas, a
Mentalidade Colonizada também está
impregnada nesses lugares que deveriam ser
os locais onde se formam os guerreiros que
vão lutar contra as trevas: é mais fácil
abandonar o país do que lutar contra todo um
sistema que existe há séculos.
É exatamente esse tipo de pensamento
que mantém a Mentalidade Colonizada.
Abandonar o país na primeira oportunidade que
se apresenta é o resquício de um pensamento
colonial, que se mantém numa população que
não possui perspectivas de mudança e que
perdeu toda a esperança de construção de um
futuro melhor do que o presente num país
dominado por oligarquias perversas, que não
medem esforços para manter a estrutura de
poder.
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Mentalidade Colonizada & Delírio Político
129
drogas que, quando apreendidas, nunca se
encontram os donos. Nenhum tiro é disparado
em operações num bairro nobre enquanto as
favelas são incessantemente metralhadas.
O capitão do mato sobreviveu à
abolição e hoje se digladia contra negros e
pobres numa guerra desumana que é
impossível de ser vencida. E a guerra do povo
contra o povo é mais um dos instrumentos
utilizados pelas oligarquias para a manutenção
de seu poder. E isto demonstra que o sistema
de perversidades das elites nunca foi
interrompido desde a chegada dos
portugueses. E os capitães do mato também
são vítimas de uma classe dominante que não
se importa em mandar vidas humanas para as
moendas de gente.
A perversidade das oligarquias, que
não se importam com vidas de negros, pobres,
homossexuais e todo tipo de gente que é vista
como uma ameaça ao poder oligárquico,
banaliza a violência a um ponto onde faz com
que nosso país viva um genocídio normalizado.
Esse tipo de perversidade pode ser comparado
à Banalidade do Mal descrita por Hanna Arendt
durante o julgamento de Adolf Eichmann.
Essa existência de uma verdadeira
banalidade do mal em nossa sociedade é o
resultado de séculos de uma mentalidade que
reduz seres humanos a meros objetos, cuja
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marginalizada. Por isso, temos presídios que
são mais desumanos que alguns dos piores
campos de concentração nazistas. E por isso
temos uma grande parcela da população que
considera os encarcerados como seres
desumanizados, que podem ser submetidos a
práticas de torturas e todo tipo de violência em
nome da vingança como forma de se promover
a justiça.
A justiça elitista, formada em sua quase
totalidade por pessoas oriundas da classe
média / alta, está impregnada com os
preconceitos e o ódio que são cultivados ao
longo dos séculos. E os presídios abarrotados
de negros e pobres são o resultado de uma
política de extermínio que nunca foi rompida,
desde a chegada dos portugueses até hoje. Da
mesma maneira, o desejo por causar castigos
físicos e torturas se manteve numa população
que recebe pela mídia a banalização da
violência e por isso nutre o desejo perverso dos
castigos que eram comuns durante a
escravidão.
A persistência da existência da
Mentalidade Colonizada não acontece ao
acaso. Trata-se de uma Mentalidade cultivada,
adubada e regada com a finalidade de manter
o país em situação colonial e o povo numa
condição de escravidão. Da mesma maneira, o
Delírio Político também é o resultado de um
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gente inocente. Ainda desejam o mal e o
retorno a um passado onde a vida e a morte da
pobre gente eram apenas uma questão de
vontade e de poder. E ainda seremos escravos
dessa gente perversa e inescrupulosa
enquanto não conhecermos nossa História e
enquanto não chamarmos as coisas pelo que
elas são de fato.
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Referências:
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FOUCAULT, M. Doença Mental e Psicologia.
Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1994.
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