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UM VERDADEIRO SEXO ?

Subitamente Foucault se depara com um tal questionamento: “ Precisamos verdadeiramente de um


verdadeiro sexo?” Ao que nos dizem os modernos, parece que sim. Mas, ao nos depararmos com a
atitude dos antigos face o status do hermafrodita, por exemplo, que não lhes impunha a escolha
forçada de um único sexo, podemos entender que a exigência por um único e verdadeiro sexo além
de moderno é também incongruente.

Este contexto de um ser hermafrodita que de repente se vê na situação em que deve se definir por um
único sexo em um dado momento de sua vida não é apenas ficção, é retirado de um caso concreto,
descrito em uma anedota colhida por Foucault em Herculine Barbin.O que salta aos olhos de
Foucault no caso do hermafrodita é, especificamente, o fato de o hermafroditismo ter sido por tanto
tempo tolerado pela medicina e pela justiça, sem fazer-lhe exigências de quaisquer determinações, e,
de repente, após longos séculos de tolerância, apenas no século XVIII criar-se a tese do “pseudo-
hermafrodita”. Ou seja, não cabe mais, sequer, nomear a que sexo pertencerá o nascituro
hermafrodita, mas a que sexo verdadeiro se esconderá por detrás das aparências confusas, das
anatomias enganadoras que o olhar clínico do médico revelará. A cada um sua identidade sexual
primeira. Não cabe mais ao indivíduo decidir o sexo deseja pertencer jurídica ou socialmente, cabe
ao perito senão designar ao menos restringir essa sua inserção na natureza.

Indo um pouco mais além, nos apegando a essa inquirição sobre o “verdadeiro sexo”, de maneira
mais ampla, perguntamos, entre gêneros, se de fato há um sexo mais verdadeiro que outro. Homens e
mulheres do século XXI, não é nenhum absurdo nos fazermos ainda essa pergunta. Historicamente
podemos dizer que apenas no século XVIII a luta das mulheres por direitos iguais ganha voz. Na
filosofia, destacamos, por ora, dois momentos emblemáticos em que a mulher é focada e ganha cores
de importância. Num primeiro momento teremos Kant em seu exercício de pensamento, quando,
pensando o universal, exclui ou excetua a mulher em seu papel secundário ou simplesmente
complementar. De outro lado, destacamos a filosofia do Romantismo Alemão e a figura de Schlegel.
Com sua obra Lucinde, Schlegel faz o exercício da crítica literária, da filosofia e da poesia ao mesmo
tempo em que persegue a biografia erótica de um artista em seu processo criativo.

Por fim, a título de conclusão, pretendemos apenas apresentar alguns pontos da filosofia contida na
obra de Simone de Beauvoir, o Segundo Sexo, desejando com isso, aproximarmo-nos de nossos dias,
a ver como fica toda essa questão de um “verdadeiro sexo” contextualizado na situação de gênero.
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- A Mulher no pensamento filosófico do século XVIII:

Na imagem que os filósofos pretendem esboçar deste século XVIII, distante da servidão doméstica do despotismo
politico, o acesso às Luzes interessa e move quem quer que possa aspirar ao nome de homem. Mas o que é ser
esclarecido?

Em 1784, Kant escreve um texto muito curto num número da Berlinische Monatsschrift: <<Resposta à pergunta: o que
são as Luzes>> Este texto sustenta uma ideia geral: o homem acede às Luzes quando abandona uma menoridade em
que, durante um longo tempo da história, foi mantido por poderes que ele não compreendia - o militar manda
obedecer, o financeiro pagar, o padre acreditar. Ter acesso às Luzes não é senão atingir a maioridade: esta é a idade em
que qualquer homem ousa, finalmente, usar faculdade natural que o define: o seu entendimento. O texto kantiano
teoriza o que habita o espírito esclarecido. Mas, segundo Kant, é fato:

“Caso se faça, então, a pergunta: - Vivemos agora em uma época esclarecida?; A resposta será, portanto: - Não, mas vivemos
certamente em uma época de esclarecimento”. ( Kant, Resposta à pergunta: O que é Esclarecimento?, p.23)

Se o discurso iluminista se dirige a todos os homens, ele só pode manter-se na dimensão do universal. Esta
preocupação concerne não somente propriamente às mulheres, mas a toda a espécie. No universal está a base da
filosofia prática de Kant: é a humanidade inteira que deve ser tratada na minha própria pessoa como na pessoa do
outro, sempre ao mesmo tempo como um fim, nunca simplesmente como um meio. A razão que fundamenta o
respeito devido a todos por cada um e acada um por todos reside neste fato da razão: todo ser humano é um ser livre,
ou, o que é o mesmo, um ser autônomo, e no seu ato ético não pode estar sujeito a uma vontade estranha.

A fórmula kantiana do imperativo categórico – é preciso tratar cada um sempre ao mesmo tempo como um fim e
nunca apenas como um meio – podia provocar uma inquietude. O que é, efetivamente, tratar alguém como um meio?
Trata-se, neste caso, sem dúvida, essencialmente da igualdade de todos perante a lei moral que manda a cada um
cumprir o seu dever. Mas esse direito irrecusável de cumprir o dever não é ameaçado se os deveres diferem?

Na Antropologia do ponto de vista pragmático , Kant examina alguns caracteres do sexo feminino. Ele constata, antes
de mais nada, que a mulher pode ser objeto de um estudo numa Antropologia. Kant retoma alguns argumentos muito
comuns: os traços ditos de fraqueza da feminilidade são, de fato, alavancas para dirigir os homens e o desejo de
agradar não é senão um meio para dominar.

“ No progresso da civilização, cada uma das partes tem de ser superior de maneira superior de maneira heterogênea: o homem tem
de ser superior à mulher por sua capacidade física e sua coragem, mas a mulher, por seu dom natural de dominar a inclinação do
homem por ela; porque, pelo contrário, no estado ainda não civilizado, a superioridade está simplesmente ao lado do homem”.
( Kant, Antropologia de Um Ponto de Vista Pragmático, 303).

Kant integra as suas reflexões sobre a mulher na sua teoria geral de acesso da espécie ao estado de cultura. Para além
da função que lhe cabe de perpetuar a espécie, a mulher, logo desde criança, conduz o homem à moralidade. A mulher
pertence bem à natureza, mas a uma natureza cuja finalidade é a cultura; sem a mulher essa passagem frágil, mas
necessária, seria impossível:

“Querendo também infundir os finos sentimentos referentes à civilização, isto é, os da sociabilidade e do decoro, a natureza tornou
muito cedo esse sexo (feminino) hábil para dominar o masculino mediante sua decência e sua eloquência na linguagem e nos gestos,
exigindo comportamento suave e cortês por parte do sexo masculino, de tal modo que este último se viu, devido à própria
generosidade, invisivelmente cativado por uma criança, e por ela levado, não precisamente à moralidade mesma, mas àquilo mesmo
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com que se veste, a decência moralizada, preparação e exortação àquela”. ( Kant, Antropologia de Um Ponto de Vista Pragmático,
306).

A opinião masculina nesta época kantiana é quase unânime. Se é verdade que o privilégio da mulher é a beleza, e se a
razão não é dada uma vez por todas a ela mas deve ser cultivada, então a mulher não pode possuir, ao mesmo tempo,
a beleza e a razão. A inferioridade da mulher, enraizada na sua diferença sexual, vai ser estendida naturalmente a todo
o seu ser, e particularmente às suas faculdades intelectuais. Terá ela, verdadeiramente, um espírito, uma capacidade
racional? De direito sim, na sua qualidade de ser humano, mas de fato, a declaração de princípio da igualdade
intelectual entre os sexos é posta em causa desde que a desigualdade de fato é posta de princípio:

“Para a unidade e indissociabilidade de uma ligação não é suficiente não é suficiente o encontro aleatório de duas pessoas: uma das
partes tem de estar submetida a outra e, reciprocamente, uma ser superior à outra em algum aspecto, para poder dominá-la ou
governá-la. Pois se entre duas pessoas que não podem prescindir uma da outra há pretensões iguais, nelas o amor próprio gera
apenas discórdia. No progresso da civilização, cada uma das partes tem de ser superior de maneira heterogênea: o homem tem de
ser superior à mulher...” ( Ibdem, 303).

- LUCINDE : a narrativa dos gêneros.

Lucinde trata-se de uma narrativa que toma a forma poética bem como a de uma teoria filosófica, a
fim de permitir pensar a identidade nas diferenças, do mesmo modo que o reconhecimento e a união
das diferenças. Julius, a personagem principal que dá curso às reflexões, estabelece a necessidade da
existência do outro, do não-eu, para que eu possa existir através do amor alheio.

A reflexão, ou o pensamento filosófico, seguem o movimento da poesia, indicando sua disposição a


não amarrar-se em conceitos abstratos ou sistemas dogmáticos. Do mesmo modo, Julius segue
caminhos que não o disponham distantes da vida e da realização da liberdade. Assim, o amor livre
de Julius e Lucinde segue como uma crítica a modelos tradicionais de família. O amor é condição
necessária e suficiente para ligar duas pessoas, dispensando, por isso, todo contrato institucional.
Pode parecer banal essa situação que se está a descrever, mas o fato é que, à época não foi bem
recebida, sofreu muitas críticas.

“ A bem dizer, não deveria haver senão dois estados entre os homens; o que dá forma e o que recebe forma, o masculino
e o feminino. Em vez de uma sociedade artificial, deveria haver somente a vasta união conjugal desses dois estados, e a
fraternidade universal de todos os indivíduos”. ( pág. 142)

Esse chamado romance-projeto foi criado por Friedrich Schlegel em 1799, bem no período
compreendido no chamado Primeiro Romantismo Alemão, ou Frühromantik, de 1795 a1801.
Nomeada de “poesia universal progressiva”, Lucinde torna possível a fusão e a convivência de
diferentes estilos e de diversos gêneros literários ( epistolar, drama, idílio, comédia). O caráter
“universal” desta poesia procura confrontar elementos díspares, entre ideias e pensamentos
divergentes, com a intenção de alcançar uma produção criativa e original e ultrapassar a fronteira
normativa dos gêneros literários. Já o caráter “progressivo” não busca alcançar o homem e o mundo,
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vai além: aqui a poesia procura desencadear um processo de reflexão do ser rumo ao infinito, um
processo de formação que não se acaba.

Do ponto de vista formal, resta dizer que Lucinde rompe por completo com as estruturas literárias de
espaço, tempo e narração. Sua diversidade de formas marca o caráter experimental e fragmentário da
narrativa. De outro lado, essa espécie de reflexão sobre si mesma aponta para uma lógica de sonho,
onde o fragmento estrutura a falta de rigor formal da narrativa.

Tudo isso para dizer que com isso quer-se também inovar naquilo que se diz. De fato, a reflexão sobre o papel
da mulher na sociedade faz parte do impulso renovador já desde a Revolução Francesa e a Aufklarüng. A
afirmação da igualdade dos homens, o imperativo de difundir amplamente a cultura e a proposta de elaborar um
novo ideal de humanidade – tudo isso trouxe consigo a tarefa urgente de pensar a questão do papel das mulheres
neste processo como um todo.

A necessidade de uma instrução para as mulheres que não se limite à vida social ou ao papel de esposa, mas que
também assegure a igualdade de direitos a homens e mulheres tornara-se também corrente nessa época.

“ Nada a princípio o atraía tanto, nada o impressionava tanto, como a observação de que Lucinde tinha um sentimento e um espírito
semelhantes, se não idênticos, aos seus, e agora era-lhe indispensável descobrir dia a dia novas diferenças. Sem dúvida que estas
assentavam somente sobre uma identidade mais profunda; e quanto mais o seu ser feminino, expandindo-se, mostrava riquezas, tanto
mais a união deles se tornava mais variada e íntima. Não havia ele pressentido que nela a originalidade era tão inesgotável como o
amor”. ( pág126).

Schlegel critica a idealização da mulher, que acaba por fixar apenas alguns dos aspectos componentes do caráter
feminino: mãe, amiga, amante, interlocutora de diálogos filosóficos, musa inspiradora. Lucinda encarna todas
elas ao mesmo tempo. O que Schlegel está a propor com Lucinde é uma imagem da mulher ou do feminino
bastante avançada: nem uma relação de dominação entre os pares nem de disparidade essencial. Para que esta
relação assim ocorra é preciso que os amantes sejam capazes de reconhecimento recíproco, através de uma
relação necessária de complementariedade entre as duas formas.
“Sim. Seria nesses tempos para mim um conto de fadas tudo quanto dissesse respeito a um amor e a uma alegria tais como estou
sentindo agora; consideraria uma fada a mulher capaz de ser a amada eterna, a companheira fiel, a perfeita amiga”. ( pág.19)

Para além da questão da complementaridade entre os pares, Schlegel chega a tocar de leve na situação da troca
de papéis entre esses mesmos pares e o que isso signifique de comprometimento e subversão entre gêneros. De
fato, há uma natureza inata regulando a realidade dos gêneros ou tudo não passa de uma brincadeira, de uma
simples representação de papéis, que se for o caso pode inclusive ser passível de serem trocados entre si? Se
assim fosse as consequências seriam bem mais vastas do que nos insinua Lucinde com sua proposta renovadora
de reinventar os papéis constitutivos da humanidade.

“Entre todas (brincadeiras) uma há e, certamente, que excede as outras por esses predicados: é aquela em que invertemos os nossos
papéis e, com um prazer ingênuo, rivalizamos para ver qual de nós imita melhor que o outro, qual é a mais hábil na arte de iludir.;
quando rivalizamos para ver se a vivacidade misturada com a delicadeza, que são próprias do homem, quadram melhor com o teu
ser do que se compadecem comigo o abandono misturado com o atrativo que são próprios da mulher? Saberás verdadeiramente que
esta arte amabilíssima tem para mim, além dos encantos que lhe são próprios, outros que eu ainda mais aprecio? Não há só a volúpia
da lassidão e o pressentimento da vingança neste jogo inebriante. Há para mim uma alegoria maravilhosa e muito rica de
significações: a masculinidade e a feminilidade chegam à perfeição quando realizam a plenitude da humanidade”. ( pág.23)
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Através de Lucinde, uma mulher perfeita e santa, Schlegel propõe pensar uma mulher uma e indivisível. No
entanto, não chega a distanciar-se muito do tratamento oferecido ao feminino exatamente em seu tempo. Mesmo
assim, pela proposta de amor livre e pela apologia da vida boêmia, não foi o romance visto com bom olhos por
seus contemporâneos, especialmente, a sociedade burguesa.

- O SEGUNDO SEXO :

Se os românticos vivem a quimera de exaltar o feminino como se fora complementar e perfeitamente igual ao
homem. Vivendo um idílio e um casamento real em que suas forças não são medidas mas somadas às do seu
par. Vem em seguida o século XX para nos dizer que esse percurso de auto reconhecimento da mulher em sua
faceta de gênero não seguiu sem percalços desde sua exaltação dos séculos imediatamente anteriores. As guerras
e a crescente revolução industrial colocaram a mulher na vida, para fora do lar, ocasião em que teve que medir
suas forças e recontar suas histórias. Nesses contextos, surgem-nos a filósofa Simone de Beauvoir na França em
meados do século XX. Defendendo a bandeira da recém criada filosofia existencialista, cujo expoente mais
significativo é Jean Paul Sartre, companheiro de toda vida da mencionada filósofa, é assim que defenderá suas
teses, sobretudo aquelas que dizem respeito à condição humana da mulher, que se tornou obra de vulto, o
Segundo Sexo, Obra esta que colocaremos sob exame para melhor compreendermos toda esta problemática em
torno de se ter ou reconhecer a existência de um “verdadeira sexo”.

Logo no início de O Segundo Sexo, afirmará Simone de Beauvoir que:

“Todo ser humano do sexo feminino não é necessariamente mulher; cumpre-lhe participar dessa realidade misteriosa e ameaçada que
é a feminilidade”. (pág.7)

Por diversas razões, a autora nos leva a crer que é possível que essa categoria da feminilidade esteja posta em
questão. Seja porque não haja uma essência platônica que justifique a sua definição; seja porque as expectativas
masculinas em se ter uma dona do lar ou uma saia fru-fru que vista uma tal coqueteria foram postas em cheque;
a verdade é que a feminilidade não é mais uma entidade fixa como o era no passado. E por isso, não é mais
passível de cobrir a realidade da mulher com um sentido próprio e maior que a justifique. E então nos
perguntamos: Significará isso que a palavra “mulher” não tenha nenhum conteúdo?

Sem dúvida, a mulher é como o homem, um ser humano. Mas tal afirmação é abstrata. Por outro lado, se a
função fêmea não basta para definir a mulher, mas ainda assim admitimos que há mulheres sobre a terra,
teremos que recolocar a questão: Que é uma mulher?

Antes de mais nada, precisamos esclarecer em termos gerais que as categorias que informam a estrutura de O
Segundo Sexo é a da filosofia existencialista: transcendência, imanência, mesmo, outro, essencial, inessencial,
etc, são alguns de seus conceitos mais usuais. Esse instrumental nos diz, por exemplo, que não se trata de
felicidade aquilo que se busca quando se trata do fim a ser perseguido em toda a transcendência do sujeito, pois
para isso não há medida, mas sim tratar-se de liberdade, apanágio de todo ser humano.

Ora, o que define de maneira singular a situação da mulher é que, sendo, como todo ser humano, uma
liberdade autônoma, descobre-se e escolhe-se num mundo em que os homens lhe impõem a condição de
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Outro. O drama da mulher é esse conflito entre a reivindicação fundamental de todo sujeito que se põe sempre
como o essencial e as exigências de uma situação que a constitui como inessencial. Como pode realizar-se um
ser humano dentro da condição feminina?

A mulher determina-se e diferencia-se em relação ao homem e não este em relação ela. A fêmea é o
inessencial frente o essencial. O homem é o Sujeito, o Absoluto; ela é o Outro. O sujeito só se põe se opondo:
ele pretende afirmar-se como o essencial, e fazer do outro como o inessencial, o objeto. Acontece que a outra
consciência também deseja o mesmo: entre aldeias, nações, classes há guerras, tratados, lutas que tiveram o
sentido da ideia do Outro e descobrem-lhe a relatividade.

Por bem ou por mal, os indivíduos ou grupos são obrigados a descobrir a relatividade de suas relações. Como
entender, então, que somente entre os sexos um dos termos tenha se imposto como o único essencial, negando
relatividade e alteridade a seu correlato? Porque as mulheres não contestam a soberania dos machos?

Nenhum sujeito se coloca imediata e espontaneamente como inessencial; não é o Outro que definindo-se como
Outro define o Um; ele é posto como Outro pelo Um definindo-se como Um. Mas para que o Outro não se
transforme no Um é preciso que se sujeite a esse ponto de vista alheio. De onde vem essa submissão da
mulher?

E, a respeito de um “verdadeiro sexo”, Beauvoir justapõe a problemática de uma “verdadeira mulher”:

“O grande mal entendido em que assenta esse sistema de interpretação está em que se admite que é natural para o ser humano
feminino fazer de si uma mulher feminina: não basta ser uma heterossexual nem mesmo uma mãe, para realizar esse ideal; a
“verdadeira mulher” é um produto artificial que a civilização fabrica, como outrora eram fabricados castrados; seus pretensos
“instintos” de coquetismo, de docilidade são lhe insuflados, como ao homem o orgulho fálico. Ele nem sempre aceita sua vocação
viril; ela tem boas razões para aceitar menos docilmente ainda a que lhe é designada.” ( Beauvoir, S.,O Segundo Sexo)

- CONCLUSÃO:

Em termos mais genéricos, pode-se dizer que, o que está em questão nessa decisão do “sexo
verdadeiro” é muito mais vasto do que o aqui disposto. Foucault realça que no fundo, após tanta
desconfiança em torno do sexo, é neste que se vai encontrar as partes mais verdadeiras do indivíduo.
Assim, no fundo do sexo, a verdade. Mas, entre o sexo e a verdade existem relações no mínimo
excusas, obscuras e complexas. Segundo Foucault, somos tolerantes em relação às práticas que
transgridem às leis, contudo ainda pensamos que algumas delas insultam “a verdade”; como “
homem “passivo”, uma mulher “viril”, pessoas do mesmo sexo que se amam”, por exemplo. Há
sempre uma tendência em se achar que estão em “erro”. Assim, concluímos com as palavras de
exortação do mesmo Foucault:

“Despertai, jovens, de vossos gozos ilusórios; despojai-vos de vossos disfarces e lembrai-vos de tendes apenas um verdadeiro sexo!”
(FOUCAULT, M., O Verdadeiro Sexo, pág.84).
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- BIBLIOGRAFIA:

BEAUVOIR, S. O Segundo Sexo, vols. I, II, Nova Fronteira, Rio de Janeiro, 1991.

FOUCAULT, M. Ditos e Escritos V: Ética, Sexualidade, Política, Forense Universitária, Rio de Janeiro, 2012.

_____________ História da Sexualidade, 1: A vontade de saber. Edições Graal, Rio de Janeiro, 1988.

FRAISSE, G. e PERROT, M. (org.) História das Mulheres no Ocidente, vol. III, Edições Afrontamento, Porto,
1991.

GUINSBURG, J. O Romantismo. Editora Perspectiva, São Paulo, 1978.

KANT, I. O que é Esclarecimento? Via Verita, Rio de Janeiro, 2011.

_______________ Antropologia de um Ponto de Vista Pragmático. Iluminuras, São Paulo, 2006.

RÜDIGER, S. Romantismo: Uma questão alemã. Estação Liberdade, São Paulo, 2010.
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