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1. INTRODUÇÃO:
1. INTRODUÇÃO:
análise da tríade social formada pela viúva, o órfão e o estrangeiro procura realçar os
aspectos econômico-sociais, atrelados ao modo de produção agro-pastoril,
predominante nas sociedades antigas. Esses são um grupo de leis ou normas bíblicas
que dão conta de um arcabouço jurídico que procura soluções e garantias aos grupos
sociais em processo de pauperismo ou morte iminente. São compreendidos como um
grupo sociológico com papéis bem definidos nas diferentes épocas e sociedades
bíblicas. Em todo o conjunto do livro Deuteronômio, o primado á dado a Moisés; o
suporte legal adquire o desejo de garantir o projeto do Criador. Encontra-se em
qualquer período da existência de Israel uma clara defesa dos pobres em diferentes
conjuntos jurídicos. A proteção, por parte da administração da justiça, consiste em
que a comunidade religiosa de Israel defenda e garanta a prática dos direitos desses
grupos. Os destaques dados às viúvas, aos órfãos e aos estrangeiros datam do período
exílico.
“Maldito aquele que perverter o direito do estrangeiro, do órfão e da viúva. E todo o
povo dirá: Amém!” (Dt, 27:19). Qualquer pessoa que se recusasse a ajudar a um
órfão, viúva ou estrangeiro, cometia pecado contra o Senhor. Viúvas, órfãos e
estrangeiros eram as classes mais vulneráveis em Israel e como tais deveriam receber
atenção especial. Cuidar deles era sinônimo de cuidado ao próprio Deus. Os dois
pecados mais graves de Israel e das nações ao redor dela era a opressão ao indefeso e
pobre, e a idolatria. “Pai de meninos órfãos de pai e juiz de viúvas. É Deus na sua
santa habitação” ( Sl, 68:5). Formavam essas três figuras um grupo citado não mais
que seis vezes ao longo do livro do Deuteronômio, conjunto de leis bem
especificadas no corpo jurídico do Antigo Testamento, na defesa dos grupos violados
em seus direitos e justiça.
Possibilitar segurança, justiça e acesso ao direito é sinônimo de agradar YHVH. As
viúvas eram muitas em Israel, dado o fato de que seus maridos deveriam
necessariamente de ser enterrados em sua pátria, restando abandonadas e muitas
vezes em estado precário. Os órfãos, por óbvio, são os abandonados por excelência, e
por isso devem ser cuidados. Os estrangeiros trazem à memória dos israelitas o
tempo em que estes se mantiveram cativos no Egito, e eles não deveriam dar ao
estrangeiro o mesmo tratamento que recebera nessas terras. “E não deves oprimir o
residente forasteiro, visto que vós mesmos conhecestes a alma do residente
forasteiro, porque vos tornastes forasteiros na terra do Egito” ( Ex, 23:9).
No Novo Testamento, especificamente no capítulo de “As bem Aventuranças”, em
Mateus, 5,3; aos “pobres”, ptchói, em grego, ocorrência em todo o Antigo
Testamento, correspondem ainda os humildes, tapenói: “ Digo-vos que este desceu
justificado para sua casa, e não aquele; porque todo o que se exalta será humilhado;
mas o que se humilha será exaltado” ( Lc 18, 14); e ainda, Lc 1, 48-52; 14,11; Mt 23,
12; 18,4; os “últimos” opostos aos “primeiros” (Mc 9,35); os “pequenos” opostos aos
“grandes’ (Lc 9,48; Mt, 19,30; 20,26; Lc 17,10). Na exegese da Bíblia de Jeruralém,
em sua nota “g” às “Bem Aventuranças”, Cristo retoma a palavra “pobre” com o
matiz moral. Assim, “A “pobreza” sugere a mesma ideia que a “infância espiritual
necessária para entrar no Reino, o mistério revelado aos “pequeninos”, népoi (Lc
12,32)”. O que Cristo quer salientar é uma pobreza efetiva, especialmente para os
seus discípulos: “Vendei os vossos bens e dai esmola; fazei para vós outras bolsas
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que não desgastem, tesouro inextinguível nos céus, onde não chega ladrão, nem a
traça consome, porque, onde está o vosso tesouro, aí estará também o vosso coração
(Lc, 12, 33-34)”. Despojados e oprimidos, os “pobres” ou os “humildes” estão
disponíveis para o Reino dos Céus, este o tema das bem aventuranças.
“Aquele Jesus de Nazaré, como evangelho incarnado do amor, este “Salvador”, que
trazia aos pobres, aos enfermos, e aos pecadores a bem-aventurança e a vitória, não
era ele precisamente a sedução na sua forma mais irresistível e sinistra, a sedução
que, por um rodeio, havia de conduzir os homens a adotar o ideal de renovação dos
valores judaicos?” (NIETZSCHE, GM, § VIII, p.40), (grifo nosso).
“Pobres”, para Nietzsche, tem um caráter essencialmente moral e não sociológico;
assim, pobres são: os aleijados, diminuídos, maltratados, envenenados (GM, 1ª
dissertação, XI, p.46); os oprimidos, os rebaixados, os servos (GM, 1ª diss., XIII,
p.49). Pobres, aqui, não têm qualquer sentido elevado, apenas é o primeiro
designativo de uma linha de seres que devem ser desprezados e humilhados, porque
ressentidos e vingativos face aos verdadeiramente ricos em qualidade e nobres de
espírito. Em A Genealogia da Moral, em sua 1ª dissertação, Nietzsche faz referência
aos pobres e humilhados como aqueles flagelados, paralíticos e miseráveis que
seguem Jesus pelas ruas de Jerusalém; na verdade, refere-se a uma corja que faz
número neste rebanho que dá a sentença final aos chamados nobres de espírito, que
seriam preteridos nesta hierarquia dos preferidos de Deus.
Na linhagem de estudiosos de Nietzsche, a designação de “pobres” em sua filosofia,
dá a ideia de um integrante do rebanho deletério, pesado demais para ser carregado
por seus pastores, estes aqueles nobres, uma metáfora dos homens aristocráticos. O
rebanho em Nietzsche traz em si uma carga enorme de significados para o homem
inferior, aquele que assim o seja, simplesmente porque a humanidade é
“naturalmente” dividida em duas partes: aquela superior, a dos senhores; e, a outra
subordinada, a dos escravos. Não que Nietzsche deseje por uma vontade perversa
que alguns homens sejam subjugados por outros de melhor sorte, mas, por uma
questão clara de vontade de potência, onde as forças em uns prevalecem sobre as dos
outros, e, no combate infinito entre elas, tanto entre seres inorgânicos quanto
orgânicos, nos seres morais como nas instituições, estabelece-se um verdadeiro
combate pelo domínio do mais forte. E essa é uma luta instável e constante, não
havendo qualquer possibilidade de repouso, o mais forte assimila o mais fraco, e no
prosseguimento do combate, neste embate entre as forças, é que se dá o estímulo
para se continuar nesse processo ad infinitum.
Importa notar que a categoria de “pobres”, enquanto classe social, enquanto
despossuídos e desvalidos, só ocorrerá a Nietzsche como uma categoria daqueles que
se rebaixaram na luta pela potência mais elevada; a ideia de compassividade pelos
“menores” é cristã e fraca, decadente, faz mal ao homem. Na verdade, no
entendimento de Nietzsche, a compaixão é um afeto que enfraquece, quando se se
compadece da dor alheia, retira-se de si uma quantidade de força, e, de todo modo,
essa piedade não chega a ser legítima, uma vez que, deprimindo-se pela dor do outro,
na verdade está-se sendo afetado pelo sentimento próprio de empatia pelo sofrimento
alheio, em suma, o que importa é o que a si mesmo toca e não propriamente o outro.
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Diga-se que há uma possibilidade única de uma compaixão autêntica por parte do
homem, apenas quando, na sua posição de nobre, de senhor, superabundante de
forças, o homem prodigaliza esse poder, sem por isso ter de tirar nada de si, e sem
nem mesmo apiedar-se do outro.
Ademais, na concepção de Nietzsche, o sofrimento é o lugar genuíno da superação, e
através da compaixão, o compassivo estaria retirando do sofredor o direito de
autossuperar-se, de tornar-se mais forte através de sua própria dor e autotransformar-
se. No entanto, uma acusação que se há de levar em consideração em relação a esse
pathos da distância que separa os homens, que não tem sua origem na “natureza”
tomada como fato biológico, é o sentido de aristocratismo que o acompanha, e que
Nietzsche exacerbará em suas considerações:
“ O meu sentimento distingue as naturezas humanas superiores e inferiores; aquilo
que ele distingue e a maneira como distingue, é isto que experimentarei um dia tão
duramente e tão diferentemente quanto possível” ( Fragmentos Póstumos, 12 [41]
451].
Assim, do ponto de vista da filosofia nietzschiana, esse fosso que se cavou entre os
homens na História da Humanidade, é menos um sucedâneo das diversidades
econômicas, sociais e políticas do que uma consequência do pathos da distância
instado pela distância observável ao longo da história da formação das morais.
Nietzsche apresenta uma hipótese de que, a partir de sua observação genealógica de
diversos tipos de morais, tenha chegado à conclusão de que a humanidade teria se
dividido em duas classes: a da moral dos senhores e a da moral dos escravos. Os
primeiros distinguir-se-iam por sua natureza nobre, viril, guerreira, seriam os belos,
os adorados de Deus. Os segundos seriam aqueles que conformam uma moral de
rebanho, de ressentidos, seriam os frecos e feios, enfim, todos aqueles que se
contrapõem à nobreza dos senhores, negando os bons valores destes e se se
autodeterminando reativamente. A princípio essa distinção teria um caráter de classe,
para depois assumir um sentido de ser.
Os escravos seriam aqueles que, em primeiro lugar colocam-se negando-se em
relação aos valores afirmativos da moral dos senhores, e não positivamente como o
fazem os senhores, que antes de tudo se autodeterminam admirando-se, para somente
após lançar um olhar de menosprezo a seu opositor. Nem mesmo na condição de um
rival seu pode o escravo ser considerado, pois, para com ele duelar deve o inimigo
ser necessariamente um igual. E não destruí-lo de uma vez, mas abandoná-lo para a
ocasião de um duelo posterior.
Nietzsche derivou essa teria das duas morais a partir da concepção que formou de
sua genealogia da moral, com a pesquisa etimológica da palavra “bom” em diversas
culturas. Em princípio é bom quem se autodesigna dessa maneira, colocando-se no
lugar de “nomear” as coisas, ou seja, dotando-as e um valor. O bom é o nobre, é
aquele que determina os valores, e que tem capacidade da criação. Ele é o criador. O
seu oposto é apenas o homem vulgar, no sentido de simples, que não tem
importância alguma, por isso será o “ruim” em oposição ao “bom”. Há, portanto,
uma distinção entre o bom dos senhores e o bom dos escravos. O bom dos senhores é
ativo, e vem em primeiro lugar, este se autodetermina o bom por suas próprias
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qualidades intrínsecas; já o bom dos escravos se coloca por oposição aos valores do
bom dos senhores, delimitando-os por isso como os malvados, os perversos, em
suma, os “maus”, e só por derivação, se autocolocará como o sofredor, o coitado, o
desgraçado, o humilde, e por isso dotado de um caráter “bom”. O bom dos senhores
é ativo, e vem em primeiro lugar; o bom dos escravos põem-se por oposição, é
reativo, mesmo quando pensa agir está apenas reagindo. E é essa distinção entre
pares de opostos: “bom”/”ruim”; e, “bom”/”mau” que determinará a diferença que
redundará na formação no seio da humanidade de duas morais também opostas.
Mas, os escravos também desejam ser senhores, há aí uma vontade de potência fraca
atuando, o que Nietzsche denominou de transvaloração dos escravos na moral. Este é
um ponto nevrálgico para Nietzsche, que não se conforma com essa transmudação
em os escravos tomarem o lugar do senhor na moral. De início, esse foi um
fenômeno da esfera das aristocracias, precisamente no âmbito dos nobres guerreiros
e dos sacerdotes. Fortes, guerreiros, viris e lançados na ação, sobretudo, denotavam
uma vontade forte na determinação de suas vidas, proporcionando um aumento das
forças vitais, perfazendo uma vontade de potência superior, afirmativa da vida.
Enquanto que entre os sacerdotes, o que primava eram os ideais ascéticos, de
penitências, de inércia contemplativa, de falta de exercícios, entre o pecado e a culpa,
em suma, de uma vontade de potência redutora da vida.
Nietzsche realiza a eleição desses pares de opostos de morais a partir de um
paradigma histórico, a princípio ancorando-se no modelo grego antigo de nobreza, e
a seguir no exemplo da nobreza italiana renascentista. Por sua vez, os escravos
também não são tomados apenas num sentido simbólico, os tchandala da casta
indiana vem reafirmar o ponto de vista nietzschiano de que há um lugar próprio para
os enjeitados, os rebaixados. A escravidão, além de desejável, seria necessária ao
desenvolvimento da economia, tendo o escravo como o motor para a civilização
superior, onde os mais fracos suportariam os trabalhos mais pesados para que os
mais sensíveis pudessem desfrutar de seu ócio criativo. Ajudando, assim, a criar
homens superiores, bem no sentido do Übermanch descrito em Assim falava
Zaratustra, onde o homem é apenas uma ponte para o advento do além-do-homem.
Em relação ao Übermanch, o homem seria tão somente um macaco, no sentido
macaco se refira ao próprio homem.
“Toda elevação do tipo “homem” foi, até agora, obra de uma sociedade aristocrática,
e assim sempre será; em outras palavras, esta elevação foi obra de uma sociedade
hierárquica que acredita numa longa escala de hierarquias e diferenças de valor entre
um homem e outro e que precisa de algum tipo de escravidão” ( NIETZSCHE, Além
de Bem e de Mal, 257).
Desse modo, podemos compreender que a escravidão em Nietzsche bem se coaduna
com a mesma no sentido aristotélico de uma posição necessária para a harmonia na
polis. Há também um sentido de necessidade da escravidão na reconstrução de uma
civilização Alemanha mais alta. Os estudiosos de Nietzsche nos incentivaram a ler os
comentários pró escravidão num sentido metafórico. Mas o fato é que não há
nenhuma ingenuidade histórica da parte de Nietzsche no que toca aos problemas dos
conflitos abolicionistas ocorrendo em sua época do outro lado do Atlântico. Em suas
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