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DIREITO E MORAL ATRAVÉS DA OBRA CRIME E CASTIGO PARA ALÉM DO

SÉCULO 19

Gabriela de Souza Gonçalves

1. Resumo

O presente artigo vai mostrar como o livro Crime e castigo foi uma obra importante
para traçar a forma pragmática de uma narrativa psicológica e como essa influência
vai ser refletida na história, filosofia e no direito. Para tanto se faz a utilização de
uma pesquisa bibliográfica para poder analisar e abordar o tema e obra do autor. O
livro, que há uma discussão do direito penal, história e filosofia, colocando
discussões que não se limitam e não cessam.
Palavras-chave: Crime, castigo, moral, religião e redenção.

Introdução
"A palavra clássico geralmente é referida ao que foi a Grécia antiga, mas
essa expressão vale também para aquilo que é atemporal e que tem um valor
transcendente. Algumas obras são muito restritas ao contexto de sua época, mas há
obras que, pelo seu valor, conversam tanto com a nossa atual época quanto todas
as outras, porque dizem respeito às verdades profundas sobre o espírito humano e
um caminho para se elevar. Por isso que todos os grandes homens da humanidade
foram forjados com clássicos, porque são obras que portam em si uma possibilidade
do espírito humano crescer, além de revelar algo de verdadeiro sobre a vida e sobre
a beleza do mundo.
Um livro bem escrito, didático, que traz uma nova ideia a sociedade ou tenta
mostrar um fato intrínseco dela acaba se tornando um clássico atemporal. Crime e
castigo é um livro que se tornou um dos maiores romances dos últimos tempos na
literatura universal, e que no seu essencial abarcar camadas e camadas de
profundidade além de marcar uma narrativa psicológica. Um livro escrito no século
19 em um mundo de constantes mudanças não apenas na questão material, mas
também no âmbito das ideias.
Nesse sentido, o presente artigo se propõe em trazer uma discussão entre o
linear e o direito, história e filosofia, mas não se limita apenas a isso, abrindo assim
caminhos para novos debates. Com isso, uma das questões que sempre alguém ou
algum grupo coloca é a relação entre a moral e o direito, e é nesse ponto que
introduziremos, sobretudo na história e na filosofia, para podermos entender essa
relação. A partir dessa análise pode-se entender as relações de como o mundo é
controlado por uma ordem, que substancialmente é redigida por algo que abrange
coisas muito além do perceptível."
A história hoje utiliza de algo que didaticamente é fundamental para poder
ter uma ordem na sua análise, que é divisão em períodos: pré história, antiguidade,
idade média, modernidade e contemporaneidade. Essa divisão é algo muito
característico para poder falar da história ocidental, que muitas vezes não é falado
da história do oriente com a sua relação, por isso que é mais conveniente entender
no sentido de que o ocidente e o oriente tem questões históricas que são próprias,
que mesmo assim há uma conexão entre ambas. Nesse sentido, um detalhe muito
importante e que muitas vezes alguns historiadores negligenciam é a relação
intrínseca da religião na antiguidade, além disso mesmo que aparentemente ao
passar do decorrer da história muitas outras coisas foram consideradas o motor das
ações humanas, as pessoas não deixaram de redigir e seguir suas vidas de acordo
com alguma religião.
História e filosofia
A religião foi um relevante sistema simbólico para a formação do imaginário,
que será as bases de uma construção moral e ética. O livro Imaginação Simbólica
introduz sobre essa definição abrangente para o ser humano, que segundo o autor:
“Talvez a tentativa recente mais famosa de encontrar uma definição abrangente
para o ser humano tenha sido a de Ernst Cassirer, ao propor que, ‘em vez de definir
o homem como animal rationale, deveríamos defini-lo como animal symbolicum”
(BARRETO, 2008, p.15). Com isso, o simbolismo é algo que permeia o ser humano
de formas bem profundas e que também podem ser usados para a formação de
uma mentalidade.

O cristianismo é a filosofia de vida que mais fortemente caracteriza a


sociedade ocidental. Há 2 mil anos permeia a história, a literatura, a
filosofia, a arte e a arquitetura da Europa. Assim, conhecer o cristianismo é
pré-requisito para compreender a sociedade e a cultura em que vivemos. A
bíblia é o mais lido do mundo, hoje e em toda a história humana.
(GAARDER, 2005, p.147)
Com o processo de modernização e uma mudança de ordem, a religião
acabou perdendo o sentido para poder entender e compreender as relações
humanas. Porém, o encontro com essas profundezas da alma humana para algo
que transcende e que até hoje guia a vida de milhões de pessoas seja no
inconsciente ou conscientemente. O autor Tom Holland em seu livro intitulado
“Domínio: o cristianismo e a criação da mentalidade ocidental” vai traduzir de uma
forma clara e objetiva ao mostrar como todo um sistema de crenças e moral foi
moldado por uma religião que foi revolucionária no mundo:
O impacto do cristianismo no desenvolvimento da civilização ocidental foi
tão profundo que saiu de vista.[...] em um ocidente que frequentemente
dúvida das alegações religiosas, muitos de seus instintos permanecem -
para o bem ou para o mal - totalmente cristões. (posição 350).

A Rússia também compartilha dessa ideia, tendo em vista que quando


aconteceu a cisão1 da igreja católica, uma maior parte da igreja ortodoxa acabou
ficando no grande império russo, assim segundo Irineu Franco Perpetuo diz:

[...] no final do século x, o príncipe Volodymyr, desejoso de abadonar o


paganismo, recebeu emissários das três religiões monoteístas - judaísmo,
islamismo e cristianismo - para escolhera qual se converteria. Rejeitou as
duas primeiras, sendo sua recusa da crença maometana [...] E a Rússia,
assim, tendo assegurado o direito inalienável à carraspana, uniria seu
destino à fé de Bizâncio. (PERPETUO, 2012, p17)

Entendimento histórico para compreender Crime e castigo, é necessário


sobre o papel da religião na vida do ser humano e todo o sentido que se dá a partir
de uma crença. Mircea Eliade em sua obra O sagrado e o profano: a essência das
religiões, onde irá estudar a situação do homem em um mundo saturado de valores
religiosos.
Como já mencionado o processo de modernização, secularização e de
humanismo no ocidente, acabou abraçando filosofias que questionassem o valor
sagrado da religião e até mesmo da moral, assim como fez Friedrich Nietzsche,
sendo o mais conhecido, e Marquês de Sade. Que alguma coisa estava
acontecendo para a ordem do mundo está sendo afetada:
A mediação imaginante da relação do homem com seu mundo foi então
rompida pela dúvida racional filosófica [...] O dilaceramento da consciência
moderna pode ser entendido como o efeito de uma recusa histórica no
percurso espiritual ocidental, em que a imaginação vai ser preterida e
mesmo banida de sua função antropológica de enraizamento existencial do
ser humano, processo que vem desaguar na hegemonia de uma razão
instrumental que recusa a consciência ontológica entre o verdadeiro, o bom
e o belo [...] (BARRETO, 2008, p.19 - 20)
História do livro
1
Uma curiosidade é o nome Raskólnikov, o mais usado na narrativa, provém da palavra raskolnik
que significa "cisão" ou "cisma".
Crime e castigo é um livro de tragédia no sentido popular, porque as coisas
vão dando errado em uma sequência absurda e também é uma tragédia no sentido
clássico da forma literária. Dostoiévski arremessa o leitor em um pesadelo que é
possível deixar em um estado depressivo ao tentar entender todo o drama, porque
não é fácil racionalizar tudo o que acontece. George Steiner em seu livro Tolstói ou
Dostoiévski, vai auxiliar muito a poder compreender a escrita e a forma literária que
o livro apresenta: “Depois de Shakespeare, Dostoiévski talvez seja o maior e mais
polifônico dos dramaturgos”. (STEINER, 2006, p.03). De fato, o impacto todo que é
crime e castigo é muito maior.
No começo da narrativa quando encontra-se a personagem principal da
narrativa, que é o Rodion Raskólnikov, já está completamente doido, no sentido
clássico da palavra, até rasga dinheiro ele faz e não se sabe como ele chegou a
esse ponto. Dostoiévski, nesse livro não faz uma gradação da degeneração
psicológica da personagem e ele já arremessa para dentro de um cara
completamente doido que o leitor não sabe o porquê ele enlouqueceu, não sabe
também como a aquela ideia fixa que ele tem na cabeça que parece ser o motivo
que o levou a loucura. Tudo o que se sabe é que tem um cara que mora em um
lugar que parece um covil de uma barata2, é tudo muito sujo, ele não toma banho,
está devendo aluguel para a proprietária do lugar e sempre que ele precisa sair ele
tenta evitar ela.
Ele é um ex-estudante de Direito que não conseguiu continuar e a falta de
dinheiro vai marcar bastante ele. Aqui, se tem uma pessoa que fica variando de
entre uma espécie de vilão e ao mesmo tempo percebendo aquela loucura que está
inserida, assim pedindo para que Deus o guiasse em uma direção melhor. Logo, no
primeiro capítulo quando ele vai fazer um ensaio daquilo que ele pretende colocar
em prática e no final quando ele percebe o quão abjeto, ele já diz o seguinte:

[...] ‘ Oh, meu Deus! Como tudo isso é repugnante! E posso, é possível que
eu posso…Não é bobagem, é absurdo!’ - acrescentou resolutamente. ‘ E
como pôde uma coisa tão atroz entrar na minha cabeça? De que coisas
imundas meu coração é capaz! Sim, acima de tudo imundas reprováveis,
repugnantes, asquerosas!...E eu, durante um mês inteiro estive…’ Mas
nenhuma palavra, nenhuma exclamação poderia expressar sua agitação. O
sentimento de intensa repulsa, que tinha começado a oprimir e a torturar
seu coração [...]. (DOSTOIÉVSKI, 2021, p.19)

2
Fazendo uma referência a Metamorfose do Kafka, que foi um dos herdeiros literários de
Dostoiévski.
Essa caracterização do Rodion lembrou bastante a personagem do Satanás feita
pelo John Milton, em sua obra Paraíso perdido, porque ambos ficam na
possibilidade de redenção e no caso de Rodion é antes de executar a suas ideias.
No decorrer da História ele acaba indo para uma taberna para espairecer e
nesse lugar no subterrâneo que ele encontra um dos principais arquétipos da obra
de Dostoiévski3. Nessa história o homem do subsolo será o Marmeladov, que será
aquela espécie de bêbado incorrigível, que todo mundo conhece esse tipo de
pessoa, que tem consciência do próprio vício, mas que simplesmente não consegue
parar de beber e vai levando todas as pessoas que estão em volta dele para dentro
do poço, com isso ele nem consegue trabalhar para poder colocar comida em casa,
nisso chega um ponto da própria filha, Sônia, se tornar uma prostituta para levar
comida para aquelas pessoas. O Marmeladov tem a plena consciência que é
responsável por aquela degeneração.
O momento de verdade produzido nesse início do romance é muito dolorido,
porque parece uma situação sem fim toda o que essa família está passando. Nesse
sentido, pode-se começar a entender que o livro é muito além de apenas um crime
ou um castigo, e sim o perdão e a redenção. Há uma parte que Marmeladov espera
que a filha dele seja perdoada e que ele próprio também, assim como mostra o
autor:
[...] Julguem-me, crucifiquem e tenham pena de mim! E então eu mesmo
caminharei para ser crucificado, pois não é a alegria que procuro, mas
lágrimas e tribulação! [...] Mas a piedade de nós tem aquele que teve
piedade de todos os homens e todas as coisas, ele e só ele, e ele é
também o juiz[...] E ele estenderá seus braços para nós e nós vamos cair a
seus pés… vamos chorar… e vamos compreender todas as coisas. Então
haveremos de compreender tudo!... E todos vão compreender, Ekaterina
Ivanovna também… ela vai compreender… Senhor, venha a nós a vosso
reino[...] DOSTOIÉVSKI, 2021, p.32-33)

O trecho também faz uma referência ao livro bíblico de Lucas capítulo 7 no versículo
47.
Depois vai acontecer uma sequência de coisas em apenas um só dia, e mais
para o fim do dia ele vai na casa do amigo, que vai ser um dos principais
personagens que é o Razumíkhin. Logo, ele vai acabar deitando e sonhando o
principal sonho da história e uma nota do que será o livro, quando ele vai de
encontro com a irmã da velha usurária4 e acaba percebendo que às sete horas do

3
Pode-se encontrar esse arquétipo em Memórias do Subsolo, outro livro do autor.
4
Na página 72 da edição na qual está sendo usado para poder produzir este artigo, onde vai ser
usada a seguinte frase para se referir a essa velha usurária: “É rica como um judeu”. Essa frase que
próximo dia ela não vai está na casa e ele vai ter a oportunidade de levar a cabo
aquela ideia que estava pendente e acabou encontrando o momento propício. Há
uma concentração desses atos em um espaço muito curto de tempo e isso acaba
dando uma sensação pesadelo, além do leitor muitas das vezes não conseguir
assimilar, por isso não é para qualquer um que consegue ler, porque vai está um
lugar semelhante a um covil de ratos (STEINER, 2006).
Raskólnikov teve essa ideia de assassinar essa velha quando ele relembra
um momento onde ele teve que finalmente penhorar, quando ele ainda estava na
faculdade e quando termina ela vai em uma taverna próxima acabando encontrando
dois estudantes conversando sobre a senhora:
[...] Centenas de milhares de boas obras poderiam ser feitas e apoiadas
com o dinheiro dessa velha, dinheiro que vai ser enterrado num mosteiro!
Centenas, talvez milhares de vidas poderiam ser conduzidas ao bom
caminho; dezenas de famílias salvas da miséria, da ruína, do vício, dos
hospitais de tratamento de doenças venéreas… e tudo isso com o dinheiro
dela. Matá-la, tomar o dinheiro e, com ele, devotar-se ao serviço da
humanidade e para o bem de todos. O que você acha? Um minúsculo crime
não poderia ser apagado por milhares de boas ações? Por uma vida,
milhares seriam salvos da miséria e da ruína. Uma morte, e centenas de
vidas em troca…é uma simples questão de aritmética. Além disso, que
valor tem a vida dessa velhota doentia, estúpida e malvada na balança da
existência? Não mais que a vida de um piolho, de uma barata, e de fato,
menos ainda porque a velha só causa danos. Ela está infernizando a vida
dos outros; ainda outro dia ela feriu um dedo de Lizaveta por maldade;
quase teve de ser amputado. DOSTOIÉVSKI, 2021, p.73)

O trecho no qual eles discutem sobre o ideal de justiça e daqui que o


personagem principal vai tirar a sua teoria de que a velha pode-se comparada a um
piolho. Com isso, ele chega à conclusão que não tem nada de errado no que ele vai
fazer, e o realmente impede ele é uma convenção social, por força de uma simples
lei, que você só segue se acha conveniente ou não. Como uma convenção social
isso pode mudar, então hoje isso pode ser errado e amanhã não.
O Raskólnikov, diferente dos estudantes, realmente acredita e que dispensou
essa ideia de que todas as vidas têm um valor intrínseco. Então as pessoas agem
como se todas as vidas fossem importantes, mas muitos não pensam nessa ideia
que está por trás disso, e acaba sendo algo extraordinário, porque independente de
quem essa pessoa seja ela é igual e deve ser tratada de forma igual, inclusive
perante a lei, porque quando se olha uma sociedade se percebe que há diferenças,
como uma sociedades muito hierarquizadas, por exemplo a indiana, então o natural

é curta, mas que há uma profundidade, porque para poder entender o tom pejorativo, é conhecer a
história do povo judeu, a história da Europa, da igreja e como se enxergava o pecado de usura.
é falar como Aristóteles em sua obra a Política fala, onde homens, mulheres,
crianças e escravos são diferentes e têm direitos dessemelhantes, pelo simples fato
de ser quem são. O caminho racional que levou a uma virtude igualitária pode está
muito intrinsecamente ligado a um ideal cristão, nesse sentido, o ideal cristão,
diferente do de Aristóteles, fala que homens e mulheres são iguais e foram criados a
imagem e a semelhança de Deus. Nisso, ele entende esse debate como uma
espécie de presságio, porque ele aconteceu no início, porém ele vai ser lembrar
exatamente depois de ter o sonho com o cavalo sendo morto, durante a narrativa
isso parece que aconteceu depois que encontrou a irmã da velha na praça, mas
isso aconteceu antes, e isso acaba contribuindo para uma sensação de sufoco, para
várias coisas acontecendo ao mesmo tempo.

Raskolnikov, no transgredir a lei moral, tem um objetivo preciso, o de


realizar um crime para libertar-se das cadeias que o mantém prisioneiro e
para realizar em si a potência do super-homem. Stavróguin, que é o mais
coerente desenvolvimento de Raskólnikov, não tem um escopo preciso,
porque já superou toda a lei e nem ao menos está em condições de
distinguir o bem do mal: para ele, o bem e mal são a mesma coisa, de
modo que nem sequer lhe é possível 'transgredir'a lei do bem.
(PARAYSON, 2012, p.47)

Quando chega no dia de cometer o crime, o leitor percebe que embora ele
tenha planejado durante um mês inteiro, ele não chegou a pensar de fato
verdadeiramente até aquele momento final e ele vai levando aquilo como uma
espécie de sonho, como se tivesse sido transportado. Com isso, ele acaba
cometendo o crime no qual assombrou ele o mês inteiro e também mal consegue
roubar as coisas direito e fazer algo para o bem maior que ele planejou. Todas
essas coisas aconteceram nas duas primeiras partes, então o resto das 5 partes vai
ser ele se corroendo em culpa, a investigação começa a andar, ele começa a se
auto comprometer em momentos de deslize, então ele fica o tempo inteiro pensando
que ele vai ser descoberto pela polícia.
Nisso, ele acaba quase sendo desvelado, e muito antes de existir
investigações criminais ele vai voltar na cena do crime, então Dostoiévski percebe
em suas inúmeras leituras de crimes ocorridos e que é uma conduta recorrente do
assassino votar no local do crime5. A liberdade na mitologia religiosa do Dostoiévski

5
No livro Dostoiévski: vida e obra, do autor Stefan Zweig, vai traçar toda a sua trajetória de vida e
como isso vai impactar nos seus livros. Isso acaba sendo bastante relevante para poder entender as
relações e ações em sua narrativa.
está atrelada ao árbitro, porque se não existisse ele não teria amor divino, então ele
acredita que o árbitro consiste inclusive na possibilidade de você fazer as coisas
erradas e a partir daí obter a redenção. Para Dostoiévski, só existe dois caminhos e
ele deixa claro nesse livro, que é ou você vai para um suicídio físico ou para um
suicídio moral, e ele coloca a primeira opção na figura do Raskólnikov, porque ele foi
salvo pela Sônia que é um canal de graça no romance, com o contraponto que é a
figura do Svidrigáilov que tem uma trajetória muito parecida com da personagem
principal para no final ele não vai conseguir a sua redenção com isso superar aquilo,
por não saber nem se confessar. Por isso, que a chave de leitura para o autor tem
que ser religiosa, e não no sentido ocidental que perdeu Deus:

Em todo pensamento político russo - nos pronunciamentos de Chaadev,


Kireevsky, Nechaiev, Tkachev, Belinski, Pissarev, Constantine Leontiev,
Solovev e Fedorov - o reino de Deus havia se movido terrivelmente próximo
do decadente reino dos homens. A mente russa estava, literalmente,
assombrada por Deus. Daí a radical diferença entre a Europa Ocidental e a
Rússia. A tradição de Balzac, Dickens e Flaubert era secular. A arte de
Tolstói e Dostoiévski era religiosa. Ela brotou de uma atmosfera impregnada
da experiência religiosa e da crença no papel central destinado à Rússia no
apocalipse iminente. Tanto quanto Ésquilo ou Milton, Tolstói e Dostoiévski
eram homens cuja genialidade estava nas mãos de um Deus vivo.
(STEINER, 2006, p.31)

Nesse sentido, é preciso entender todas as questões que foram tratadas na


introdução para poder compreender Raskólnikov, sem entender o amor de Sônia
que o levar a ter a sua redenção e a profundidade da loucura que levou a
personagem principal se inseriu, se não conseguir compreender a mitologia religiosa
que está por trás dos escritos do Dostoiévski.
Nesse sentido, é preciso falar que a chave de leitura religiosa não é relativista
e sim de um Deus cristão, de um Deus ordoxo nesse caso da Rússia, além de falar
de um autor que está inserido dentro de uma realidade muito mais mística do que a
realidade secular ocidental. O que realmente deixa realmente o Rodion Raskólnikov
louco não é crime, mas sim a ideia que está por trás do que levou a cometer o
crime. Nisso, só vai ter uma noção da ideia que está por trás e que mesmo assim
não tem acesso a ela completa, se caso o livro estivesse em uma ordem
cronológica certinha, quando o investigador do caso o Porfiri que é o investigador do
caso, vai apresentar uma tese do Rodion publicada em uma revista, que ninguém
nem sabia que aquilo que tinha sido escrito, a base do artigo é uma inversão desse
igualitarismo o ocidente vive e a origem do seu plano inicial de ação.
Nas partes do livro onde ele vai tentar lidar com a dissociação moral entre o
racional e o inconsciente dele. Nesse artigo, ele fala que existe duas categorias de
pessoas ordinárias e outras que são extraordinárias, com isso podendo ser
facilmente identificável ao longo da história, ao que há pessoas que passam não
deixando sua marca e outras pessoas que levam uma grande massa a uma ideia de
progresso, sendo a pessoa que ele mais admira é Napoleão Bonaparte. Essas
pessoas são extraordinárias ao ponto de está autorizadas a passar por essas
convenções sociais assim atingindo seu objetivo e levar a nova Jerusalém.
Dentro dessa tese já se tem uma ideia do que é o crime para Raskólnikov e a
partir daí que percebe-se a sua capacidade de dissociação moral entre a culpa e o
assassinado. Nesse sentido, pode-se inserir uma discussão sobre as visões de
mundo6 e o direito especificamente dentro dessa tese, porque uma coisa é o que ele
escreveu e outra coisa é o que efetivam Raskólnikov é possível, agora do ser
humano que acaba levando a sua ideia até aos atos finais, não se encaixa, porque a
profundidade é muito maior. Uma das formas de se chegar à loucura é quando a
razão se dissociar do inconsciente, e foi isso que acabou acontecendo com ele:

Nos cadernos de Crime e castigo, Dostoiévski assim se expressa sobre ele:


‘A sua figura exprime a ideia de orgulho desmesurado, de soberba e de
desprezo pela sociedade. Aspira a dominar a sociedade para lhe fazer bem.
A sua característica principal é o despotismo’. Para demonstrar a si próprio
que é um super-homem, para além do bem e do mal, realiza, contra a lei
moral e social, o que hoje se chamaria ‘o ato gratuito’.[...] O seu ato,
exercitando uma liberdade absoluta e arbitrária, devia demonstrar que ele
era capaz de tal liberdade, colocá-lo logo entre os seres excepcionais.
(PAREYSON, 2012, p.46).

O livro traz para o direito penal perguntas que são eternas, como que seria
possível matar alguém para beneficiar milhares de pessoas. Além do livro resgatar
um momento histórico do próprio direito penal, onde desloca o fato criminoso para o
homem criminoso. Aqui a pena pode ser para o bem e assim apaziguar os
demônios internos que é próprio da humanidade. Dostoiévski coloca a personagem

6
O livro Conflito de visões: Origens ideológicas das lutas políticas, do Thomas Sowell, onde ele vai
traçar duas visões de mundo a visão irrestrita (observam que a natureza humana é modificável) e
visão restrita (a natureza humana é limitada). Nisso, ele propõe analisar essa divisão por meio
dessas visões, só que a partir da modernidade, onde há uma forma diferente da antiguidade e do
medievo.
principal diferente daquilo que a sociedade faz, trazendo como um igual e
humanizando. Outra discussão é entre o direito natural e o direito positivo que
também é possível dentro da obra.
Portanto, uma obra que servia de inspiração para outras e refletindo os
valores de seu tempo ao mesmo tempo que é uma base universal que ultrapasse
sua época, também é uma forma de considerar um livro clássico. Nesse sentido,
que pode-se clássica Crime castigo, uma obra que transcende a alma humana ao
questionar a sua existência e os conflitos morais. A história gradual de renovação de
um homem, de um trânsito progressivo de um mundo para o outro.
A narrativa do livro não é maniqueísta, por não ter bem ou mal, e é
justamente isso que torna crime e castigo trazendo a complexidade que é própria
dos seres humanos. Raskolnikov, tinha muitas incoerências mostrando algo que é
essencialmente humano, embora nem sempre há essa percepção ou admitir que
sejamos assim. Além da importância da força que ideias tem na ação humana ao
longo da história: “A única revolução real está no esclarecimento da mente e na
evolução do caráter, a única emancipação real é a individual , e os únicos
revolucionários são filósofos e santos” ( DURANT, 2018, p.78).
Levar em consideração toda uma questão histórica e filosófica, que é
possível para poder compreender toda a narrativa, além de saber que as ideias
possuem uma origem, e o quanto pode ser destrutiva fisicamente e moralmente.
Dostoiévski, vai de encontro com aquilo que é mais sombrio na alma humana e
fazendo todo o leitor a encarar os próprios demônios, ao mesmo tempo que mostra
uma redenção e mostrando a esperança. A sua influência deixa marcas na alma.

Bibliografia

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