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Com esses adendos, podemos observar como a crítica humanista de Erasmo gira
em torno do tema da inversão do mundo, que era muito recorrente na Idade Média para
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É importante ressaltar que esse componente diz muito sobre como Pico, em sua escrita, não separava o
interesse intelectual da religiosidade.
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É comum no texto “À dignidade humana” que Pico alie as tradições filosóficas árabes, cristãs e judaicas,
além de pagãs. Isso fez com que algumas de suas teses fossem proibidas pelo tribunal da Inquisição.
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A necessidade de reforma expressa por essa tradição não pressupunha a ruptura com a Igreja. Isso
diferenciava Erasmo de Lutero.
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A partir disso podemos observar que Erasmo, assim como Pico della Mirandola, enxergava a existência
de um livre arbítrio – só que de uma perspectiva negativa.
explicar os males. Na crítica, o mundo está dessa forma devido a insensatez humana,
ligada a prática de pecados e vícios, e a influência demoníaca. Em O Elogio da Loucura,
ele faz um diagnóstico moral de seu tempo utilizando da sátira e da ironia, criticando a
todos. Contudo, suas maiores críticas eram destinadas à hierarquia eclesiástica e aos
aristocratas. Não obstante, seu objetivo com isso jamais era de massacrar, mas de
iluminar quem estava no erro.
Acerca da questão do riso, ação a qual era condenada pela teologia, Erasmo
recorre à tradição clássica, especialmente à história de Demócrito e Heráclito, na qual,
em decorrência da insensatez e da falta de prudência dos homens, Demócrito só poderia
rir. Com isso, ele aproxima a Loucura a essa imagem de Demócrito. Dessa forma,
vemos no livro como aquela ridicularizava os acontecimentos da vida humana.
Contudo, como Erasmo diz, o propósito não é de magoar, mas de divertir (2002, p. 9).
Sendo assim, podemos observar que não estamos tratando de uma crítica
comportamental moralista como a do livro A civilidade pueril.
Além das críticas aos poderosos e à hierarquia eclesiástica, são tecidas críticas às
mulheres. Nelas, a mulher é colocada como um ser tomado pela loucura, que temperaria
com esta o humor áspero e triste do homem (ERASMO, 2002,p. 29). Essa crítica tem
muito a ver com uma tradição da época de ver graça nas mulheres por sua suposta
incapacidade de serem sábias5. Além disso, está presente no livro a tradição satírica de
rir de maridos cornos e submissos às mulheres viragos. Essa crítica se refere a como o
casamento era também uma loucura (ERASMO, 2002,p. 32).
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Nas aulas tivemos algumas discussões acerca dessa crítica demonstrar (ou não) que Erasmo era
misógino. Contudo, não pretendo entrar nesse mérito aqui. Apenas gostaria de ressaltar que esta frase
expressa somente o que vimos em aula e não minha opinião.
Também são tecidas no livro críticas à inutilidade dos filósofos no contexto de
um mundo insensato. A atitude muito contemplativa desses é questionada, uma vez que
seu papel é de afastar os véus, as nuvens, a penumbra, através do conhecimento, que
deve ir além de meras elucubrações. Em outras palavras, a crítica se dá no sentido de
mostrar que esses filósofos estão muito afastados do mundo. Além disso, a Loucura
questiona se há, no mundo dos insensatos, um lugar para os filósofos (ERASMO,
2002,p. 37). A resposta vem ligada a crítica: esses filósofos devem estar ligados a
questões sociais e políticas, aconselhando mantendo-se ao lado d os governantes a fim
de buscar o bem comum. Nesse sentido também se encaixa a crítica aos príncipes.
Esses, que deveriam buscar conduzir-se de maneira ética; que têem uma
responsabilidade enorme devido a grandeza de seu poder, estão ocupados apenas com
suas riquezas e com guerras, desviando do caminho cristão. Além disso, há no livro
críticas aos retóricos daquele tempo, que eram insensatos perante seu próprio
conhecimento e decoravam, fora de propósito, palavras gregas em seus discursos
(ERASMO, 2002,p. 18).
Para além disso, são duras e ácidas as críticas feitas aos teólogos, que são
colocados como pessoas perigosas, que estabelecem vetos e censuras às pessoas.
Somado a isso, é apontada a sua soberba. Também são levantadas críticas em relação a
importância das questões as quais esses teólogos se empenham em debater, que são
apontadas como sem relevância por Erasmo.
Após essas críticas, há uma virada com o início do segundo discurso da Loucura
no livro. Dessa vez trata-se de uma Loucura positiva, elogiada pelos sábios da
Antiguidade, como Horácio e Cícero, e pelas Sagradas Escrituras. Trata-se, portanto, da
loucura cristã expressa por São Paulo (ERASMO, 2002,p. 108), a qual se mostra como
sabedoria e iluminação espiritual, dada pelo fogo do amor divino. Essa loucura é
característica daquele que segue a Jesus Cristo. É adquirida ao se encontrar com a
verdade, com o bem, com a beleza e com o amor de Cristo.