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Fabrizia Raguso)
INTRODUÇÃO DE CONCEITOS
● A deontologia dialoga com a moral e a ética, porém não são sinónimos, estão apenas
intrinsecamente ligados.
● Definição de Moral: A moral é uma realidade fenomenológica que diz respeito aos hábitos e
costumes, estilos de vida, comportamentos e pensamentos dos seres humanos que vivem numa
determinada sociedade. De maneira específica, a moral ocupa-se de definir e compreender o
que, numa cultura específica, é considerado um bem e o que, pelo contrário, é considerado um
mal. Então a moral ocupa-se de compreender quais são os valores e os princípios subjacentes a
uma dada cultura.
o Neste sentido a moral não pode ser nunca estática nem se pode definir de uma vez para
sempre porque deve responder aos desafios do tempo histórico no qual vivemos para
responder também às exigências dos indivíduos e das comunidades concretas que vão
surgindo ao longo do tempo.
o Do ponto de vista moral podemos ter várias posições, à uma tendência em considerar a
moral do ponto de vista procedural (dos procedimentos) e, portanto, parte-se do
pressuposto que saber o que é bom ou mau depende da compreensão concreta e
contextual que os vários sujeitos conseguem fazer e então não há princípios ou valores
absolutos. (visão moral do liberalismo que parte de uma ética utilitarista – é bom o que
é útil para o indivíduo no momento)
o A moral e a ética aristotélica e os sucedentes partem de outro pressuposto, o de que
existem bens absolutos não negociáveis – o valor da pessoa (o respeito) a pessoa não é
e não pode nunca ser considerada um meio, mas sim um fim em si mesmo; a
integridade (concentra-se no valor da vida e corresponde ao imperativo moral e
universal encontrada em todas as culturas que diz “tu não matarás”, pois, a vida é um
bem do qual nós não podemos dispor.
● Definição de Ética: A ética não é só um sinónimo de moral. É uma perspetiva diferente, ou
seja, refere-se à parte do pensamento e da reflexão filosófica que estuda a moral contextual
encarnada dentro de costumes, hábitos e comportamentos humanos com o objetivo de
compreender e definir os critérios segundo os quais é possível avaliar escolhas e condutas dos
indivíduos e dos grupos.
● Definição de Deontologia: A deontologia é uma parte da ética especificamente da ética
aplicada em prol da regulamentação da prática profissional. Deontologia consiste no conjunto
dos princípios, regras e costumes/tradições que cada grupo profissional se dá (os próprios
profissionais estruturam o código deontológico sendo estes os autores da sua própria regulação)
e tem que observar, e às quais se deve inspirar no exercício da sua profissão.
o Serve para a profissão ser reconhecida e garantida na sua qualidade, bem como para
proteger os seus profissionais e os seus clientes e serve para proteger os direitos e
garantia da qualidade da própria profissão, oferecendo-lhe mais organização e uma
maior consistência interna.
o Para que nós, como psicólogos, possamos falar de deontologia e tomar consciência da
ética subjacente ao nosso código deontológico, não podemos prescindir da declaração
universal dos direitos humanos que foi promulgada pela ONU, fundamental para a
regulamentação da vida humana e para a garantia dos direitos humanos fundamentais
em todos os contextos. Esta declaração apela à dignidade, direitos e igualdade de todos
os seres humanos sem distinção ou discriminação entre eles. Considerando que esta
declaração tem uma conexão muito forte com os códigos deontológicos e devemos nos
preocupar não só em aplicar este código, mas também a se este está a responder aos
direitos nesta declaração. Assim, cada código deontológico deve sempre colocar a
Ética e Deontologia – Módulo de Deontologia (Prof. Fabrizia Raguso)
pergunta de quais são os princípios éticos que orientam. É necessário questionar a
conexão entre ética e lei, mas também até que ponto esta lei está ao serviço da ética.
Neste sentido o código deontológico é uma recolha orgânica de normas jurídicas às
quais um grupo social confia a tutela do próprio sistema ético complexivo, e das quais
cada Profissão deveria ser dotada a fim de que possa concretamente salvaguardar e
tornar operacionais os princípios éticos que ela considere fundamentais para o
desenvolvimento das próprias atividades
o Compreende-se então que o código é um corpus único e indivisível que estabelece e
define as regras concretas de conduta que devem necessariamente ser respeitadas no
exercício de uma específica atividade profissional e procura abordar o problema do
respeito dos princípios jurídicos e éticos que garantem a realização correta do exercício
da profissão.
o Nestes códigos deontológicos existem finalidades orientadoras básicas que depois são
explícitas nas várias regras. Estas são substancialmente 4:
1. Tutelar e proteger os utentes;
2. Proteger e tutelar cada profissional em respeito aos seus colegas (autonomia de
cada profissional);
3. Tutelar no seu conjunto todos os profissionais daquela área (Estabelecer
competências e limites e impedir que a conflituosidade entre profissões possa
ser um fator negativo quer para a profissão em si que para os seus resultados);
4. Apelar e solicitar à responsabilidade social dos psicólogos em geral no que diz
respeito à sua sociedade.
o Estas 4 finalidades são sustentadas por 4 princípios fundamentais que sustentam o
próprio código deontológico e são estes:
1. Merecer a confiança dos utentes;
2. Possuir uma competência adequada para responder às demandas dos utentes;
3. Usar com justiça do próprio poder (utilizar a própria profissionalidade em prol
das escolhas autónomas)
4. Defender a autonomia profissional
o Estes quatro princípios gerais, podem assim ser descritos citando Calvi (2000):
1. Merecer a confiança do utente deriva da maneira de conceber a profissão como serviço, e
implica que o profissional pode fazer somente aquilo que seja de vantagem para o utente
(anteposta esta vantagem à utilidade que possa ter para ele mesmo como profissional).
2. Possuir competência adequada para responder ao pedido do utente implica que o
profissional, para além da necessária formação permanente, desenvolva a capacidade de
autoavaliação das próprias competências e dos seus limites e, portanto, estar ciente dos
limites do seu saber e de recusar desenvolver atividades para as quais não está
adequadamente preparado.
3. Usar com justiça o próprio poder significa essencialmente saber respeitar e promover as
capacidades de decisão dos utentes, tendo como bem supremo respeitar para além de
qualquer outro o bem-estar e a saúde psicofísica do utente e de eventuais terceiros.
4. Defender a autonomia profissional implica recusar qualquer interferência externa ao
próprio contexto profissional no controle da atividade do profissional psicólogo, enquanto
tais intromissões poderiam produzir automaticamente um decréscimo da confiança que o
utente deve ter para com o psicólogo ao qual se dirigiu, e, portanto, perda de qualidade
dos standards profissionais.
o Estes quatro princípios ou “imperativos” deontológicos fundamentais para o
psicólogo se apresentam, no seu todo, bastante semelhantes aos seis valores e
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princípios profissionais que são evidenciados por Cariani e coll. (2001, Linee guida
di deontologia professioanle nei percorsi di selezione e valutazione del personale in
Notiziario dell’Ordine degli Psicologia del Lazio n3/2001, pp. 16-27):
1. Integridade
2. Competência
3. Respeito pelo Outro
4. Autonomia
5. Responsabilidade
6. Cura pelo outro.
o Cuidado pelo outro, tutela do outro, preocupação pelo outro: os princípios
fundamentais gerais são, portanto, seis e não quatro. Indicam a necessidade de uma
“ética ativa”, de promoção e cuidado do bem do outro; e não se reduzem na “ética
passiva” da pura não violação das normas deontológicas do Código. É uma ética da
responsabilidade.
ÉTICA PROFISSIONAL
O código ético de cada profissão, sobretudo o que diz respeito à saúde mental, tem como
objetivo familiarizar os profissionais com princípios e valores que devem orientar o
comportamento destes.
Os princípios que revelam o dever ético de cada profissional em qualquer situação, às vezes
podem entrar em conflito, ou seja os profissionais do campo da saúde mental podem encontrar
situações em que é difícil determinar de forma automática e imediata que tipo de ação e
conduta é adequada e permitida, e qual é o dever ético (não só deontológico) mais relevante
que devem seguir.
O raciocínio ético que cada um de nos aplica tem a ver com a nossa formação profissional
especifica (o que sabemos e como procuramos recursos profissionais, científicos e técnicos no
âmbito da nossa profissão) mas também os valores pessoais pelos quais cada um rege a sua
vida enquanto individuo.
Os conflitos éticos colocam-se quando posso ter uma técnica que do ponto de vista científica é
considerada avançada pelos seus efeitos e características, porém, mesmo assim, eu tenho
sempre de me perguntar se esta técnica é só útil para os seus efeitos, ou e posso intervir numa
situação com um individuo específico de outra forma, de uma forma eu possa realmente
garantir o respeito da sua humanidade. A técnica não tem de ser permitida e eficaz apenas em
termos procedurais. Nestas situações, o que nos socorre não é apenas o código ético, mas
também qual é o bem maior, em termos éticos e morais para o utente e qual é também a minha
posição perante estas metodologias, considerando que a ciência em si mesma é neutra e
depende muito de como a utilizamos
Um profissional eticamente responsável deve ser capaz de resolver estes conflitos de forma
apropriado visto que não existe uma fórmula única para os resolver. É necessário que o
profissional se socorra com métodos e critérios para alcançar esta possibilidade de resolução de
conflitos.
Foram propostos vários métodos e critérios, alguns baseados na ética utilitarista (portanto um
balanço entre custos e benefícios procurando sempre o benefício maior, independentemente
dos meios utilizados), podemos também individuar uma ética contextualista (enfatiza a
importância de ter e consideração os fatores contextuais, ou seja, a situação concreta na qual no
encontramos).
Podemos ter, como possibilidade de resolver conflitos, o apoio num raciocínio relativístico
(Relativismo ético) que parte do pressuposto que os valores éticos de diferentes indivíduos por
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vezes não estão em concordância e entram em conflitos, desta perspetiva, não há meios
relacionais efetivos para resolver conflitos entre princípios. Esta incapacidade prejudica a
validade racional dos próprios valores éticos e, portanto, os relativistas éticos são incapazes de
estabelecer a validade ou invalidade de qualquer proposta ética, ao contrário dos pressupostos
utilitaristas e kantianos que partem do pressuposto de que há sempre um modo racional para
resolver problemas.
Portanto, os dilemas não podem ser resolvidos utilizando apenas de forma rígida o código
deontológico, nem utilizando apenas o bom senso. Deve-se utilizar também a nossa capacidade
e conhecimento profissional para que as situações se resolvam tendo em atenção a autonomia
do cliente.
A ética contextual/situacional é uma abordagem baseada no ponto de vista teológico/religioso
considerando as regras como vontade de Deus e, portanto, como um aspeto transcendente.
Enquanto que os princípios da ética cristã estão orientados para a defessa da pessoa partindo do
pressuposto de que querem o melhor para a pessoa, a ética situacional parte do pressuposto de
defender o bem maior
o Há 4 considerações importantes para a aplicação do princípio do bem maior numa determinada
situação:
1. A pessoa deve identificar o fim procurado
2. Os meios necessários para alcança-lo
3. As motivações que estão por detrás de uma ação
4. Todas e quaisquer consequências prováveis da decisão para além do fim
intencionalmente perseguido
o A ética contextual, preocupa-se com as consequências dos atos. Ao contrário da ética
utilitarista, não se trata de maximizar o prazer, mas sim escolher uma ação que produza uma
qualidade maior de bem-estar para a pessoa e o maior número possível de outras pessoas.
ÉTICA RELACIONAL
Dimensão afetiva da ética.
Forma de abordar as questões éticas entre homens e mulheres
Também chamada de ética da cura ou ética feminista, introduz a perspetiva complexa de se
preocupar em usar, não só o raciocínio lógico e racional na tomada de decisão, mas também
utilizar a visão mais complexa que se debruça sobre as consequências a longo prazo das
decisões.
EMPATIA
Artigo de Roselló (2004) La empatia: Nucleo del cuidar. Apostillas de E. Stein
Cada vez mais nos compreendemos que este tema é central em todas as ciências relacionais
que implicam conexão humana, de maneira especial, no contexto da ética do cuidado
É um grade recurso que para os utentes para que possam ser atendidos de forma mais
adequada, seja do ponto de vista da relação, bem como da qualidade do cuidado prestado, e ao
esmo tempo é um fator protetor importante para o próprio prestador de cuidados
Desenvolver e ter uma postura empática torna o profissional menos vulnerável no que concerne
à sua saúde psíquica. Estudos empíricos confirmam que o fator protetor que previne o burnout
é desenvolver uma atitude empática, sendo esta não é só uma atitude inata/ um impulso
automático ou uma característica de personalidade, é também algo que se pode desenvolver e
ser aprendido.
O tema da empatia é primeiramente filosófico e os primeiros estudos desenvolvidos ocorreram
no âmbito da fenomenologia entre finais de 1800 e inícios de 1900. A autora que melhor
estudou este tema foi Edith Stein. Define empatia como: um núcleo da ação do cuidar. Diz que
a empatia é um ato do conhecimento que não se confunde nem com a memória, nem com a
imaginação, nem com a perceção exterior, embora tenha a ver com estas três
capacidades/processos.
A empatia é considerada como mais do que algo emocional. O excesso de envolvimento afeta
tanto o psicólogo como o utente porque não mantem o psicólogo completamente lucido para
fazer a avaliação do utente corretamente e, sobretudo, porque aumentando o nível de
identificação projetiva o próprio analista não é mais capaz de distinguir as suas vivências das
do utente havendo assim um excesso de sobrecarga emocional. Porém considerando a empatia
com algo cognitivo torna-a uma forma de compreender o outro sendo uma maneira de se
aproximar, com o intelecto, à condição do outro.
No processo empático intervêm, portanto, 3 etapas:
o A perceção da situação e vivências do outro – observo/percebo
o Interiorização da vivência alheia – interiorizo o que observei
o Quando esta vivência alheia e experiência do outro que eu percebi, fico a entende-la como
minha – percebo o que se sente quando se está nas vivências do outro
É um processo que implica então uma relação verdadeira e que eu entenda a pessoa como
única. A empatia exige estes três momentos de tal modo que a finalidade deste processo
empático, não tem como objetivo o conhecimento do outro, mas sim a compreensão do que
este está a experienciar.
A empatia pressupõe uma conceção de que todo o ser humano é um ser aberto e permeável
(quer o profissional, quer o utente) que pode aprender e desenvolver. A própria empatia
pressupõe também que a própria experiência humana é permeável e capaz de interagir com o
seu ambiente, o que o rodeia, os seus semelhantes e estabelecer vínculos relacionais com todos
estes. O ser humano não é uma estrutura separada do resto, mas sim uma estrutura
bidimensional dotada do interno e externo que lhe permitem, por um lado expressar os seus
pensamentos e ideias e por outro interiorizar ideias, vivências e sentimentos alheios.
Este conceito de empatia coincide com a visão de Husserl que se pode definir como a
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apreensão de vivência alheias, e afirma que a empatia é sobretudo um ato espiritual não
religioso, puramente psíquico e tem a condição de ativar a dimensão espiritual do sujeito. É
uma atividade que nos ativa enquanto seres físicos e espirituais. O corpo vivo (sentido físico), a
alma (sentido psíquico) e o espírito (sentido de transcendência) são, nesta perspetiva, os
elementos constituintes de todas as pessoas, cada ser humano é o resultado destas dimensões
A empatia permite então que a realidade da experiência do outro seja transformada como
experiência também do próprio sujeito que atua empaticamente, ou seja, o sujeito através da
observação e perceção da autoridade dá-se conta da perceção da existência do outro e da
experiência que esta a viver.
A atitude empática tem como objetivo compreender a vivencia do outro na maneira original na
qual ele a esta a viver e como experiência do outro. Portanto fazer experiências empáticas faz
alargar os meus horizontes profissionais e pessoais sendo assim uma experiência intersubjetiva
pois consiste em sair do meu eu fechado para explorar e entrar no mundo da autoridade
transcendente do outro, mas tendo a consciência da diferença entre eu mesmo e o outro pois sei
que esta não se pode dissolver, pois quando esta se dissolve já não estou numa experiência
empática.
A verdadeira empatia, afirma Stein, neste contexto é a possibilidade de enriquecer a própria
experiência e a vivencia do outro é aquilo que esta mais alem de nos pois pode ser algo que
ainda não vivemos e talvez nunca viveremos. Portanto é uma forma de co-sentir o sentir do
outro e com o outro de forma a que transcenda a simples “Simpatia” e neste ato empático eu e
o outro permanecemos nos próprios e não nos confundimos