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Ética e Deontologia – Módulo de Deontologia (Prof.

Fabrizia Raguso)
INTRODUÇÃO DE CONCEITOS
● A deontologia dialoga com a moral e a ética, porém não são sinónimos, estão apenas
intrinsecamente ligados.
● Definição de Moral: A moral é uma realidade fenomenológica que diz respeito aos hábitos e
costumes, estilos de vida, comportamentos e pensamentos dos seres humanos que vivem numa
determinada sociedade. De maneira específica, a moral ocupa-se de definir e compreender o
que, numa cultura específica, é considerado um bem e o que, pelo contrário, é considerado um
mal. Então a moral ocupa-se de compreender quais são os valores e os princípios subjacentes a
uma dada cultura.
o Neste sentido a moral não pode ser nunca estática nem se pode definir de uma vez para
sempre porque deve responder aos desafios do tempo histórico no qual vivemos para
responder também às exigências dos indivíduos e das comunidades concretas que vão
surgindo ao longo do tempo.
o Do ponto de vista moral podemos ter várias posições, à uma tendência em considerar a
moral do ponto de vista procedural (dos procedimentos) e, portanto, parte-se do
pressuposto que saber o que é bom ou mau depende da compreensão concreta e
contextual que os vários sujeitos conseguem fazer e então não há princípios ou valores
absolutos. (visão moral do liberalismo que parte de uma ética utilitarista – é bom o que
é útil para o indivíduo no momento)
o A moral e a ética aristotélica e os sucedentes partem de outro pressuposto, o de que
existem bens absolutos não negociáveis – o valor da pessoa (o respeito) a pessoa não é
e não pode nunca ser considerada um meio, mas sim um fim em si mesmo; a
integridade (concentra-se no valor da vida e corresponde ao imperativo moral e
universal encontrada em todas as culturas que diz “tu não matarás”, pois, a vida é um
bem do qual nós não podemos dispor.
● Definição de Ética: A ética não é só um sinónimo de moral. É uma perspetiva diferente, ou
seja, refere-se à parte do pensamento e da reflexão filosófica que estuda a moral contextual
encarnada dentro de costumes, hábitos e comportamentos humanos com o objetivo de
compreender e definir os critérios segundo os quais é possível avaliar escolhas e condutas dos
indivíduos e dos grupos.
● Definição de Deontologia: A deontologia é uma parte da ética especificamente da ética
aplicada em prol da regulamentação da prática profissional. Deontologia consiste no conjunto
dos princípios, regras e costumes/tradições que cada grupo profissional se dá (os próprios
profissionais estruturam o código deontológico sendo estes os autores da sua própria regulação)
e tem que observar, e às quais se deve inspirar no exercício da sua profissão.
o Serve para a profissão ser reconhecida e garantida na sua qualidade, bem como para
proteger os seus profissionais e os seus clientes e serve para proteger os direitos e
garantia da qualidade da própria profissão, oferecendo-lhe mais organização e uma
maior consistência interna.
o Para que nós, como psicólogos, possamos falar de deontologia e tomar consciência da
ética subjacente ao nosso código deontológico, não podemos prescindir da declaração
universal dos direitos humanos que foi promulgada pela ONU, fundamental para a
regulamentação da vida humana e para a garantia dos direitos humanos fundamentais
em todos os contextos. Esta declaração apela à dignidade, direitos e igualdade de todos
os seres humanos sem distinção ou discriminação entre eles. Considerando que esta
declaração tem uma conexão muito forte com os códigos deontológicos e devemos nos
preocupar não só em aplicar este código, mas também a se este está a responder aos
direitos nesta declaração. Assim, cada código deontológico deve sempre colocar a
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pergunta de quais são os princípios éticos que orientam. É necessário questionar a
conexão entre ética e lei, mas também até que ponto esta lei está ao serviço da ética.
Neste sentido o código deontológico é uma recolha orgânica de normas jurídicas às
quais um grupo social confia a tutela do próprio sistema ético complexivo, e das quais
cada Profissão deveria ser dotada a fim de que possa concretamente salvaguardar e
tornar operacionais os princípios éticos que ela considere fundamentais para o
desenvolvimento das próprias atividades
o Compreende-se então que o código é um corpus único e indivisível que estabelece e
define as regras concretas de conduta que devem necessariamente ser respeitadas no
exercício de uma específica atividade profissional e procura abordar o problema do
respeito dos princípios jurídicos e éticos que garantem a realização correta do exercício
da profissão.
o Nestes códigos deontológicos existem finalidades orientadoras básicas que depois são
explícitas nas várias regras. Estas são substancialmente 4:
1. Tutelar e proteger os utentes;
2. Proteger e tutelar cada profissional em respeito aos seus colegas (autonomia de
cada profissional);
3. Tutelar no seu conjunto todos os profissionais daquela área (Estabelecer
competências e limites e impedir que a conflituosidade entre profissões possa
ser um fator negativo quer para a profissão em si que para os seus resultados);
4. Apelar e solicitar à responsabilidade social dos psicólogos em geral no que diz
respeito à sua sociedade.
o Estas 4 finalidades são sustentadas por 4 princípios fundamentais que sustentam o
próprio código deontológico e são estes:
1. Merecer a confiança dos utentes;
2. Possuir uma competência adequada para responder às demandas dos utentes;
3. Usar com justiça do próprio poder (utilizar a própria profissionalidade em prol
das escolhas autónomas)
4. Defender a autonomia profissional
o Estes quatro princípios gerais, podem assim ser descritos citando Calvi (2000):
1. Merecer a confiança do utente deriva da maneira de conceber a profissão como serviço, e
implica que o profissional pode fazer somente aquilo que seja de vantagem para o utente
(anteposta esta vantagem à utilidade que possa ter para ele mesmo como profissional).
2. Possuir competência adequada para responder ao pedido do utente implica que o
profissional, para além da necessária formação permanente, desenvolva a capacidade de
autoavaliação das próprias competências e dos seus limites e, portanto, estar ciente dos
limites do seu saber e de recusar desenvolver atividades para as quais não está
adequadamente preparado.
3. Usar com justiça o próprio poder significa essencialmente saber respeitar e promover as
capacidades de decisão dos utentes, tendo como bem supremo respeitar para além de
qualquer outro o bem-estar e a saúde psicofísica do utente e de eventuais terceiros.
4. Defender a autonomia profissional implica recusar qualquer interferência externa ao
próprio contexto profissional no controle da atividade do profissional psicólogo, enquanto
tais intromissões poderiam produzir automaticamente um decréscimo da confiança que o
utente deve ter para com o psicólogo ao qual se dirigiu, e, portanto, perda de qualidade
dos standards profissionais.
o Estes quatro princípios ou “imperativos” deontológicos fundamentais para o
psicólogo se apresentam, no seu todo, bastante semelhantes aos seis valores e
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princípios profissionais que são evidenciados por Cariani e coll. (2001, Linee guida
di deontologia professioanle nei percorsi di selezione e valutazione del personale in
Notiziario dell’Ordine degli Psicologia del Lazio n3/2001, pp. 16-27):
1. Integridade
2. Competência
3. Respeito pelo Outro
4. Autonomia
5. Responsabilidade
6. Cura pelo outro.
o Cuidado pelo outro, tutela do outro, preocupação pelo outro: os princípios
fundamentais gerais são, portanto, seis e não quatro. Indicam a necessidade de uma
“ética ativa”, de promoção e cuidado do bem do outro; e não se reduzem na “ética
passiva” da pura não violação das normas deontológicas do Código. É uma ética da
responsabilidade.

ÉTICA PROFISSIONAL
 O código ético de cada profissão, sobretudo o que diz respeito à saúde mental, tem como
objetivo familiarizar os profissionais com princípios e valores que devem orientar o
comportamento destes.
 Os princípios que revelam o dever ético de cada profissional em qualquer situação, às vezes
podem entrar em conflito, ou seja os profissionais do campo da saúde mental podem encontrar
situações em que é difícil determinar de forma automática e imediata que tipo de ação e
conduta é adequada e permitida, e qual é o dever ético (não só deontológico) mais relevante
que devem seguir.
 O raciocínio ético que cada um de nos aplica tem a ver com a nossa formação profissional
especifica (o que sabemos e como procuramos recursos profissionais, científicos e técnicos no
âmbito da nossa profissão) mas também os valores pessoais pelos quais cada um rege a sua
vida enquanto individuo.
 Os conflitos éticos colocam-se quando posso ter uma técnica que do ponto de vista científica é
considerada avançada pelos seus efeitos e características, porém, mesmo assim, eu tenho
sempre de me perguntar se esta técnica é só útil para os seus efeitos, ou e posso intervir numa
situação com um individuo específico de outra forma, de uma forma eu possa realmente
garantir o respeito da sua humanidade. A técnica não tem de ser permitida e eficaz apenas em
termos procedurais. Nestas situações, o que nos socorre não é apenas o código ético, mas
também qual é o bem maior, em termos éticos e morais para o utente e qual é também a minha
posição perante estas metodologias, considerando que a ciência em si mesma é neutra e
depende muito de como a utilizamos
 Um profissional eticamente responsável deve ser capaz de resolver estes conflitos de forma
apropriado visto que não existe uma fórmula única para os resolver. É necessário que o
profissional se socorra com métodos e critérios para alcançar esta possibilidade de resolução de
conflitos.
 Foram propostos vários métodos e critérios, alguns baseados na ética utilitarista (portanto um
balanço entre custos e benefícios procurando sempre o benefício maior, independentemente
dos meios utilizados), podemos também individuar uma ética contextualista (enfatiza a
importância de ter e consideração os fatores contextuais, ou seja, a situação concreta na qual no
encontramos).
 Podemos ter, como possibilidade de resolver conflitos, o apoio num raciocínio relativístico
(Relativismo ético) que parte do pressuposto que os valores éticos de diferentes indivíduos por
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vezes não estão em concordância e entram em conflitos, desta perspetiva, não há meios
relacionais efetivos para resolver conflitos entre princípios. Esta incapacidade prejudica a
validade racional dos próprios valores éticos e, portanto, os relativistas éticos são incapazes de
estabelecer a validade ou invalidade de qualquer proposta ética, ao contrário dos pressupostos
utilitaristas e kantianos que partem do pressuposto de que há sempre um modo racional para
resolver problemas.
 Portanto, os dilemas não podem ser resolvidos utilizando apenas de forma rígida o código
deontológico, nem utilizando apenas o bom senso. Deve-se utilizar também a nossa capacidade
e conhecimento profissional para que as situações se resolvam tendo em atenção a autonomia
do cliente.
 A ética contextual/situacional é uma abordagem baseada no ponto de vista teológico/religioso
considerando as regras como vontade de Deus e, portanto, como um aspeto transcendente.
Enquanto que os princípios da ética cristã estão orientados para a defessa da pessoa partindo do
pressuposto de que querem o melhor para a pessoa, a ética situacional parte do pressuposto de
defender o bem maior
o Há 4 considerações importantes para a aplicação do princípio do bem maior numa determinada
situação:
1. A pessoa deve identificar o fim procurado
2. Os meios necessários para alcança-lo
3. As motivações que estão por detrás de uma ação
4. Todas e quaisquer consequências prováveis da decisão para além do fim
intencionalmente perseguido
o A ética contextual, preocupa-se com as consequências dos atos. Ao contrário da ética
utilitarista, não se trata de maximizar o prazer, mas sim escolher uma ação que produza uma
qualidade maior de bem-estar para a pessoa e o maior número possível de outras pessoas.

ÉTICA RELACIONAL
 Dimensão afetiva da ética.
 Forma de abordar as questões éticas entre homens e mulheres
 Também chamada de ética da cura ou ética feminista, introduz a perspetiva complexa de se
preocupar em usar, não só o raciocínio lógico e racional na tomada de decisão, mas também
utilizar a visão mais complexa que se debruça sobre as consequências a longo prazo das
decisões.

ÉTICA Y DEONTOLOGIA, JESUS CONILL


 Ideia principal: Há uma diferença substancial, ou seja, de fundamento, entre a Ética e a
Deontologia. As duas estão interligadas, mas a deontologia sozinha não é suficiente
 Em qualquer profissão é necessária a responsabilidade social e é por isso que só aplicar regras,
em muitas situações, pode não responder à complexidade e à interconexão de fatores que a
própria intervenção profissional implica.
 Mesmo com a vontade de procurar a beneficência e a não maleficência, é muitas vezes
imprescindível enveredar por um pensamento complexo, rígido e não automático de regras.
 Quando é que esta consciência aparece clara?
o No momento em que, por exemplo, nos encontramos perante desafios e situações novas.
 Esta interligação entre ética e deontologia é mais necessária sobretudo num momento em que a
tendência (começada no final do século 19) de autonomização das ciências humanas e da sua
matriz filosófica, tem criado uma certa desconfiança perante tudo aquilo que possa vir da
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filosofia.
 A ética moderna, tem-se configurado como uma ética de responsabilidade, com algumas
características peculiares e específicas:
1. A ética da responsabilidade impõe-se como uma ética social e não apenas como uma ética
individual, deve abrir-se necessariamente às perguntas e ao impacto social das nossas práticas
2. A ética moderna não se pode estender como um campo de desresponsabilização, ou seja, aplico
estes princípios teóricos, científicos porque a literatura e a investigação mo dizem e, não me
pergunto, porém, qual é o impacto que estes modelos podem ter a longo prazo, mas a ética
moderna precisa de incorporar valores porque não pode ser só uma ética racional, mas precisa
de ser também uma ética relacional
3. Não é suficiente uma ética de pura convicção, mas é necessário ter em conta as consequências
e os riscos que as ações e as decisões implicam e, neste sentido, a ética da responsabilidade
questiona-nos não no presente sobre o que tenho de fazer no aqui e agora, mas também nas
consequências não só para o individuo, mas para um complexo de pessoas e outras instituições
que estão interligadas naquela situação concreta qua me pedem para intervir e, por isso, tenho
de ter em conta nestas situações
 A ética da responsabilidade não prescinde das convicções, valores e princípios pessoais que
orientam o próprio profissional como individuo responsável que pertence a uma certa cultura e
que é chamado a tomar decisões em autonomia e com liberdade e responsabilidade, por isso
não chega aplicar automaticamente e impessoalmente regras.
 A ética das responsabilidades deveria de nos levar a falar de uma ética da responsabilidade
convencida, uma responsabilidade que parte de uma tomada de decisões, e o princípio aqui em
questão é o da neutralidade e, outro aspeto que é chamado em causa, é a empatia como meio
concreto de se aproximar às necessidades do outro e de manter o contacto consigo mesmo
enquanto estou na relação com o outro
 A ética moderna trás esta exigência fundamental de responsabilidade e de rejeição, ao mesmo
tempo transforma-se em ética aplicada
 A ética aplicada coincide com a própria deontologia, porque esta última é um sistema de
regras, de leis, que podem ser constantemente modificadas e adaptadas para se adaptar as
próprias condições e exigências de cada cultura
 Os códigos deontológicos têm limites claros:
1. O carácter restrito que representam as prescrições e regulamentos que o constituem
2. A tendência do código deontológico pode ser aquela de permanecer dentro de um universo
legalista, por medo de errar estou a fixar-me na aplicação rígida e estrita da lei, sem ver as
outras exigências nas quis tenho de intervir e decidir. Aplicar as regras do CD numa perspetiva
ética implica submeter-se a um processo racional e reflexivo muito mais complexo
 É preciso, neste momento, passar da deontologia para a ética, porque existem razões fortes e
necessárias, cada vez mais urgentes para passar, para mudar de perspetivas, passar de um
enfoque deontológico nas profissões e instituições para passar a uma perspetiva ética
 Mudança/ necessidade de passar da deontologia ética vem:
1. Da mudança de relação entre o profissional e o seu publico alvo
2. Surgir novos temas e problemas e novos desafios que nos são colocados e que eventualmente
implicam uma modificação dos código deontológicos:
3. O processo de secularização ou de pluralização das sociedades, uma vez que as sociedades
pluralistas necessitam de respostas às exigências de uma ética comum que reflita as convicções
partilhadas e, portanto, tudo o que vem da ética cívica e da ética pública
4. A socialização das profissões, as próprias profissões não são estagnas, mas devem contribuir de
forma consciente e comprometida ao desenvolvimento da sociedade
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A REDESCOBERTA DA ÉTICA DO CUIDADO: O FOCO E ÊNFASE NAS RELAÇÕES


 A noção de cuidado:
o A partir da década de 80 a própria Filosofia e a ética filosófica começaram a dar mais enfâse à
noção do cuidado sobre o impulso de alguns autores de matriz fenomenológica que já se
tinham debruçado sobre esta temática.
o Assim vamos então perceber como o tema do cuidado de desdobra em 2 matrizes diferentes
que são mais expressadas na língua alemã:
 O cuidado como dimensão de angústia retrata a luta de cada individuo pela sobrevivência e
também para adquirir uma posição mais favorável entre a sociedade. Portanto, esta dimensão
de cuidado tem também uma faceta de competição e de luta para o reconhecimento da própria
individualidade e das próprias competências.
 Tem, porém, uma outra faceta, no entender de Heidgger, que é o cuidado solicito/ da solicitude,
ou seja, o cuidado que é o tomar conta de/ voltar-se para o outro/interessar-se seja pelos outros
humanos, mas também pela criação (cuidado de responsabilidade para a criação/ para a
terra/para o ambiente).
 Nesta dimensão, o mais importante é esta exceção do conceito de cuidado (furgsorge – o
cuidado para).
 Kierkegaard é o primeiro filósofo que utiliza a noção de cuidado no sentido de preocupação/
interesse/ cuidado que se contrapõe à excessiva objetividade da filosofia e da própria teologia
há, portanto, um excessivo interesse para a ética formal/dos princípios absolutos e para a
dimensão cognitiva e, sobretudo, racional da ética
 Segundo Kierkegaard, a existência individual humana precisa de categorias universais
abstratas, porem o uso excessivo destas categorias pode encobrir outras dimensões como, p.e. a
preocupação e cuidado que a própria reflexão filosófica deve oferecer para a vida humana,
sobretudo a mais frágil.
 Portanto Kierkegaard, anteriormente a Heidgger, introduz esta temática, porém este último no
séc. 20 será o filosofo que, por excelência se debruçara sobre o tema do cuidado e do cuidar.
 A partir desta matriz filosófica temos os primeiros contributos da psicologia: A Psicologia
Humanista
o A partir da obra Love and Will de 1969 (traduzido de alemão) do autor Rollo May, explica-se e
defende-se que o cuidado deve ser entendido como um estado no qual algo assume
importância. Este estado é um estado existencial/ um estado de espírito/ uma atitude e antes de
determinar ações contrapõem-se à apatia (contrário de cuidado / de atenção porque o cuidado
parte da identificação de algo que sofre com dor ou a identificação e procura da felicidade do
outro).
 Na perspetiva de Rollo May, o cuidado não é nunca do individuo fechado em si mesmo, é
sempre do individuo que se debruça sobre a realidade que o envolve, e, portanto, o cuidado,
contrário da apatia, procura responder à dor alheia ou procura proporcionar a maior felicidade e
realização do outro.
 Segundo Rollo May, o cuidado deve ser a raiz da ética. A ética antes de definir princípios
universais que possam orientar a vida saudável/boa no sentido aristotélico, deve concentrar-se
sobre a vocação do ser humano de “cuidar de”.
o Este é um princípio que por volta dos anos 50/60 ia ser afirmado por Levinass quando definiu a
ética como “A filosofia primeira”, ou seja, antes de outras áreas da filosofia, a verdadeira raiz
da filosofia seria a ética.
o A ética tem sua base psicológica que consiste na capacidade de o ser humano transcender a
situação concreta do desejo orientado a si próprio para viver e tomar decisões dirigidas ao bem-
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estar das pessoas, dos grupos para o bem-estar da comunidade, pois o bem-estar da
comunidade será a base que irá garantir o bem-estar pessoal. É ilusório que garantir o bem-
estar pessoal possa vir antes da responsabilidade pelo bem comum porque só quando uma ação
ou uma atitude promove e garante o bem comum é que se pode garantir o bem de todos os
indivíduos.
o Nesta perspetiva desenvolveu-se também Eric Erikson com o seu conceito da generatividade
que irá sublinhar mais então a importância deste fundamento psicológico da própria ética.
o Nos anos 70, surgem então outros autores que afirmam que cuidar do outro é ajuda-lo a crescer
numa relação mútua e sobretudo considera-lo não só como humano, mas também entende-o
como um deia/um ideal/uma obra de arte/uma comunidade social, portanto a ética do cuidado é
também uma ética de auto-transcendência sendo esta considerada como o ponto máximo de
autorrealização.
o Neste sentido o cuidado favorece a devoção (pôr-se ao serviço de), a confiança, a paciência, a
humildade, a honestidade, a valorização do conhecimento do outro, a esperança e coragem,
uma serie de virtudes que os poem ao serviço do crescimento, ao serviço da mediação e
superação dos conflitos, ao serviço da paz e ao serviço do crescimento mútuo.
o Nesta perspetiva, os valores morais positivos são considerados como intimamente inerentes ao
processo de cuidar e de crescer. Assim quando falamos de responsabilidades e obrigações
relacionadas ao cuidado, estamos a falar do fruto destas virtudes e desta atitude, ou seja, a
responsabilidade deixa de ser uma obrigação e torna-se numa necessidade intrínseca.
o Retoma-se assim alguns conceitos desenvolvidos no século 18 por vários filósofos como
Joseph Butler, David Hume, Adam Smith, Artur Schopenhauer e Max Scheler que anteciparam
e introduziram o princípio novo da ética: a ética da simpatia no sentido originário da palavra
grega sympatheia que significa “sentir com”, refere-se a um sentimento de preocupação pelo
bem-estar do outro. Na década de 70/80 muitos autores concentraram-se nesta dimensão da
ética de sentir com e estar preocupado com o bem-estar da criação e dos outros humanos.
Considerou-se com estes aspetos que cada ser humano pode se realizar a si mesmo.
o Simone Weil afirmava que cuidar de alguém é prestar-lhe atenção solícita e ter uma disposição
de afetividade para com este colocando-se assim nas bases do conceito da empatia. Weil,
afirmava que a atenção é um esforço que consiste em suspender o próprio pensamento,
deixando-o neutro, vazio e pronto para receber o outro, como ele é, em toda sua verdade.
o Podemos assim reconhecer nesta afirmação de Simone Weil uma das atitudes mais radicais
propostas na perspetiva psicoterapêutica de Carl Rogers que define como “escuta ativa”
associada e acompanhada por uma atitude não valorativa e mesmo que o outro esteja a viver
uma situação profunda de conflito, proporcionar um espaço de reflexividade que posso ajuda-
lo a tomar consciência do conflito e a poder encontrar a possibilidade de o resolver –
pressuposto de empatia.
o O cuidado corretamente entendido pressupõe a autoridade do outro e, portanto, a garantia da
sua diferença e da sua liberdade, não é uma atitude paternalista nem manipuladora, não
pretende modificar o outro, mas sim pretende que o outro encontre o seu caminho.
o Carol Giligan (filosofia feminista)
 Desenvolve uma serie de investigação que poe em discussão os princípios do desenvolvimento
moral de Jean Piaget e Goldberg que se concentram sobre as determinantes cognitivas do
desenvolvimento moral e ética nas crianças ate à vida adulta, portanto, definem o
desenvolvimento da ética racional/dos princípios universais
 Carol Gilligan contrasta a orientação moral primária de meninos e homens com a descoberta de
que o raciocínio ética das meninas e mulheres não são menos éticos só por serem menos
racionais formalmente, assinalando que há tendências de utilizar estratégias diferentes de
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raciocínio e de aplicar temas e conceitos morais distintos na formulação e resolução de
problemas éticos pois o sexo feminino tem um raciocínio mas fundamentado sobre o cuidado e
sobre a relacionalidade, portanto não são irracionais mas expressam-se com uma racionalidade
diferente. Há então 2 atitudes éticas que não são contrapostas e que devem trabalhar em
conjunto, sendo que não há uma superior à outra.
 Hipótese central de Carol: o modo como as pessoas falam de suas vidas é significativo; a
linguagem que utilizam e as conexões que fazem revelam o mundo que elas vêm e no qual
atuam
 O seu objetivo é ampliar a compreensão do desenvolvimento humano, integrando na
elaboração de sua teoria o grupo usualmente excluído, com vistas a chamar a atenção para o
que falta nos enfoques correntes.
 O imperativo moral para as mulheres configura-se na obrigação de cuidar, já para os homens,
aparece como o dever de respeitar as pessoas protegendo-as de qualquer interferência em sua
autonomia ou nos direitos à vida e à autorrealização. A esta perspetiva que define os problemas
éticos com base em valores hierárquicos e nas disputas impessoais de direitos Gilligan chama
“ética da justiça”, contrapondo-a à “ética do cuidado”, prevalente na visão feminina. Estas duas
perspetivas precisam de se interligar e de dialogarem entre elas.
 Gilligan não cogita sobre as origens das diferenças constatadas e tampouco sua variação
histórica, entretanto reconhece que surgem em um contexto social no qual fatores como poder
e posição social se combinam com a biologia reprodutiva para modelar a experiência de
homens e mulheres e as relações entre ambos, como pode ser notado pelo seu entendimento de
voz.
 A sua posição coloca-se então na ética da diferença e não na ética da igualdade absoluta,
afirmando que há uma diferença que tem de ser reconhecida pois pode ser uma mais valia
o Abordagem de Nel Noddings
 Contrapõe com uma visão diferente à proposta por Gilligan
 Na sua obra Caring: a feminine approach to ethics and moral education defende que os seres
humanos querem cuidar e ser cuidados e que, portanto, há um “cuidado natural” acessível a
toda humanidade e que certos sentimentos, atitudes e memórias são universais, embora a
resultante do raciocínio ético que os toma por base pode não ser universalizável
 A capacidade de agir eticamente é entendida pela autora como uma “virtude ativa” que requer
dois sentimentos: o primeiro é o sentimento natural de cuidado e o segundo ocorre em resposta
à lembrança do primeiro cuidado, pois cada pessoa traz consigo uma memória dos momentos
nos quais cuidou ou foi cuidada podendo aceder a esta e, caso assim o deseje, por ela guiar sua
conduta.
o Então “A ética do cuidado é uma ética feminina (no sentido de princípio feminino) ou uma
ética feminista?”
 Na perspetiva de Gilligan a ética do cuidado é uma ética feminina, ou seja, das características
que atribuímos às atitudes do sexo feminino, mas que pode ser desenvolvida e solicitada aos
homens
 Por outro lado, considerar a ética do cuidado como feminista implicaria que esta fosse uma
ética que deveria substituir, ao colaborar, com a ética da justiça (ou seja a ética dos princípios
universais / ética formal) tendo isto um impacto muito forte na própria ética da profissão
psicológica e de todas as profissões de cuidado pois se nos concentrasse-mos apenas na ética
do cuidado corríamos o risco de perder a possibilidade de ter valores e princípios que nos
norteiam nas nossas escolhas e também nos nossos projetos de intervenção, o risco é que assim
definimos apenas princípios e decidimos através de exceções
 Ao passo que, partindo de uma ética do cuidado de matriz relacional, mas inserindo dentro de
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uma visão moral e ética que saiba individuar e que tenha como plano de fundo princípios
fundamentais incontornáveis que orientam as escolhas e permitem que estar possam, mais
eficazmente contextualizar e aproximar as necessidades reais das pessoas e, portanto, queria
uma interligação complexa entre a ética dos princípios/ formal e a ética relacional

EMPATIA
Artigo de Roselló (2004) La empatia: Nucleo del cuidar. Apostillas de E. Stein
 Cada vez mais nos compreendemos que este tema é central em todas as ciências relacionais
que implicam conexão humana, de maneira especial, no contexto da ética do cuidado
 É um grade recurso que para os utentes para que possam ser atendidos de forma mais
adequada, seja do ponto de vista da relação, bem como da qualidade do cuidado prestado, e ao
esmo tempo é um fator protetor importante para o próprio prestador de cuidados
 Desenvolver e ter uma postura empática torna o profissional menos vulnerável no que concerne
à sua saúde psíquica. Estudos empíricos confirmam que o fator protetor que previne o burnout
é desenvolver uma atitude empática, sendo esta não é só uma atitude inata/ um impulso
automático ou uma característica de personalidade, é também algo que se pode desenvolver e
ser aprendido.
 O tema da empatia é primeiramente filosófico e os primeiros estudos desenvolvidos ocorreram
no âmbito da fenomenologia entre finais de 1800 e inícios de 1900. A autora que melhor
estudou este tema foi Edith Stein. Define empatia como: um núcleo da ação do cuidar. Diz que
a empatia é um ato do conhecimento que não se confunde nem com a memória, nem com a
imaginação, nem com a perceção exterior, embora tenha a ver com estas três
capacidades/processos.
 A empatia é considerada como mais do que algo emocional. O excesso de envolvimento afeta
tanto o psicólogo como o utente porque não mantem o psicólogo completamente lucido para
fazer a avaliação do utente corretamente e, sobretudo, porque aumentando o nível de
identificação projetiva o próprio analista não é mais capaz de distinguir as suas vivências das
do utente havendo assim um excesso de sobrecarga emocional. Porém considerando a empatia
com algo cognitivo torna-a uma forma de compreender o outro sendo uma maneira de se
aproximar, com o intelecto, à condição do outro.
 No processo empático intervêm, portanto, 3 etapas:
o A perceção da situação e vivências do outro – observo/percebo
o Interiorização da vivência alheia – interiorizo o que observei
o Quando esta vivência alheia e experiência do outro que eu percebi, fico a entende-la como
minha – percebo o que se sente quando se está nas vivências do outro
 É um processo que implica então uma relação verdadeira e que eu entenda a pessoa como
única. A empatia exige estes três momentos de tal modo que a finalidade deste processo
empático, não tem como objetivo o conhecimento do outro, mas sim a compreensão do que
este está a experienciar.
 A empatia pressupõe uma conceção de que todo o ser humano é um ser aberto e permeável
(quer o profissional, quer o utente) que pode aprender e desenvolver. A própria empatia
pressupõe também que a própria experiência humana é permeável e capaz de interagir com o
seu ambiente, o que o rodeia, os seus semelhantes e estabelecer vínculos relacionais com todos
estes. O ser humano não é uma estrutura separada do resto, mas sim uma estrutura
bidimensional dotada do interno e externo que lhe permitem, por um lado expressar os seus
pensamentos e ideias e por outro interiorizar ideias, vivências e sentimentos alheios.
 Este conceito de empatia coincide com a visão de Husserl que se pode definir como a
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apreensão de vivência alheias, e afirma que a empatia é sobretudo um ato espiritual não
religioso, puramente psíquico e tem a condição de ativar a dimensão espiritual do sujeito. É
uma atividade que nos ativa enquanto seres físicos e espirituais. O corpo vivo (sentido físico), a
alma (sentido psíquico) e o espírito (sentido de transcendência) são, nesta perspetiva, os
elementos constituintes de todas as pessoas, cada ser humano é o resultado destas dimensões
 A empatia permite então que a realidade da experiência do outro seja transformada como
experiência também do próprio sujeito que atua empaticamente, ou seja, o sujeito através da
observação e perceção da autoridade dá-se conta da perceção da existência do outro e da
experiência que esta a viver.
 A atitude empática tem como objetivo compreender a vivencia do outro na maneira original na
qual ele a esta a viver e como experiência do outro. Portanto fazer experiências empáticas faz
alargar os meus horizontes profissionais e pessoais sendo assim uma experiência intersubjetiva
pois consiste em sair do meu eu fechado para explorar e entrar no mundo da autoridade
transcendente do outro, mas tendo a consciência da diferença entre eu mesmo e o outro pois sei
que esta não se pode dissolver, pois quando esta se dissolve já não estou numa experiência
empática.
 A verdadeira empatia, afirma Stein, neste contexto é a possibilidade de enriquecer a própria
experiência e a vivencia do outro é aquilo que esta mais alem de nos pois pode ser algo que
ainda não vivemos e talvez nunca viveremos. Portanto é uma forma de co-sentir o sentir do
outro e com o outro de forma a que transcenda a simples “Simpatia” e neste ato empático eu e
o outro permanecemos nos próprios e não nos confundimos

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