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Psicologia Comunitária e
comunidades rurais do Ceará:
caminhos, práticas e vivências em
extensão universitária.
James Ferreira Moura Jr

In Psicologia e contextos rurais

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Ment al healt h, well-being, and povert y: A st udy in urban and rural communit ies in Nort heast ern Brazil
Pedro San Mart in
Psicologia Comunitária e comunidades rurais do Ceará: caminhos, práticas e
vivências em extensão universitária

Verônica Morais Ximenes


James Ferreira Moura Junior

Introdução

Compartilhar as vivências, as histórias, os encontros, as despedidas, as


descobertas, as angústias, que foram construídas ao longo dos anos nas comunidades
rurais do Ceará, propicia um mergulho no mundo de sentimentos de alegria e de
satisfação. A escrita de um texto é algo que precisa ser sentida, pois, somente dessa
forma, ela pode reverberar o que queremos socializar.
A construção da Psicologia Comunitária no Ceará e no Núcleo de Psicologia
Comunitária1 (NUCOM) da Universidade Federal do Ceará são histórias fundidas em
um processo que emergiu, em 1983, dos trabalhos de extensão universitária nas
comunidades do Pirambu (bairro de Fortaleza) e de Pedra Branca (município do Ceará)
para demandar o desenvolvimento de conceitos e categorias teóricas. Um longo
caminho foi percorrido e muito ainda temos a descobrir e desenvolver.
Os desafios de desconstruir paradigmas de que a Psicologia é uma ciência e uma
profissão elitista e que não tem muito a contribuir com o contexto das zonas rurais,
demandam uma dedicação dos psicólogos a fim de evidenciar a necessidade de se
desenvolver práticas e teorias contextualizadas nessa realidade. Essa é uma das
contribuições que pretendemos com esse trabalho.
Para socializar as nossas ideias, apresentamos um pouco do contexto social das
comunidades rurais brasileiras, apontado para dados que contribuem na compreensão da
imbricação da realidade social e individual. Posteriormente, aprofundamos nos aspectos
teóricos e metodológicos da Psicologia Comunitária, como também relatamos vivências
1
NUCOM se constitui como um núcleo de ensino, pesquisa e extensão/cooperação que tem como
objetivos a co-construção de sujeitos comunitários através do aprofundamento da consciência e do
fortalecimento da identidade individual e social; a formação e profissionalização dos estudantes
integrantes do Núcleo; e o aprofundamento e sistematização da Psicologia Comunitária no Ceará. Mais
informações estão disponíveis no site: www.nucom.ufc.br.

Este capítulo faz parte do Livro “Psicologia e Contextos Rurais “com Jader Ferreira Leite e Magda Dimenstein como
organizadores. Referência para citação: Ximenes, V. M. & Moura Jr., J. F. (2013). Psicologia Comunitária e Comunidades
Rurais do Ceará: caminhos, práticas e vivências em extensão universitária. In: Leite, J. F. & Dimenstein, M. (Org.).
Psicologia e Contextos Rurais. 1ed. (pp. 453-476). Natal: EDUFRN.
em extensão universitária nas comunidades rurais de Pentecoste e Apuiarés (municípios
do Ceará).

Contexto social das comunidades rurais brasileiras

As áreas rurais se referem, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e


Estatísticas (IBGE, 2011), às localidades que estão situadas fora do perímetro urbano.
Possuem casas permanentes, que estão situadas a uma distância de 50 metros ou menos
entre si, constituindo, assim, um povoado considerado um

aglomerado rural sem caráter privado ou empresarial, ou seja, não


vinculado a um único proprietário do solo (empresa agrícola,
indústrias, usinas etc.), cujos moradores exercem atividades
econômicas, quer primárias (extrativismo vegetal, animal e mineral; e
atividades agropecuárias), terciárias (equipamentos e serviços) ou,
mesmo, secundárias (industriais em geral), no próprio aglomerado ou
fora dele. O povoado é caracterizado pela existência de um número
mínimo de serviços ou equipamentos para atender aos moradores do
próprio aglomerado ou de áreas rurais próximas (IBGE, 2011, p. 1).

Para nós, o povoado representa a comunidade rural. No entanto, segundo


Albuquerque (2001), as áreas rurais não podem ser somente compreendidas como
baseadas em aspectos demográficos. Assim, compreendemos comunidade a partir das
considerações de Rebouças Jr. e Ximenes (2010, p. 155) como “um espaço territorial
em que a subjetividade se constrói nas relações de seus moradores entre si e com os
contextos sociais. São construídos vínculos afetivos, sentimento de pertença,
problematizações sobre a vida e a realidade”.
Segundo experiências extensionistas desenvolvidas no NUCOM em
comunidades rurais, os moradores dessas comunidades geralmente constroem vínculos
afetivos consolidados entre seus familiares e seus vizinhos. De acordo com Góis (2005),
apesar da distância física entre as casas em alguns contextos rurais, os moradores das
comunidades rurais possuem uma maior vinculação afetiva entre si. Há, geralmente, o
reconhecimento face a face dos integrantes da comunidade rural.
Esse aspecto ocorre de forma menos significativa no contexto urbano, pois, em
algumas situações, as comunidades urbanas são permeadas por uma grande mobilidade

Este capítulo faz parte do Livro “Psicologia e Contextos Rurais “com Jader Ferreira Leite e Magda Dimenstein como
organizadores. Referência para citação: Ximenes, V. M. & Moura Jr., J. F. (2013). Psicologia Comunitária e Comunidades
Rurais do Ceará: caminhos, práticas e vivências em extensão universitária. In: Leite, J. F. & Dimenstein, M. (Org.).
Psicologia e Contextos Rurais. 1ed. (pp. 453-476). Natal: EDUFRN.
entre distintas áreas da cidade, além de haver incongruências na delimitação espacial da
comunidade urbana, dificultando, dessa maneira, a vinculação entre os moradores. Essas
incongruências relacionam-se com a diversidade de nomes que os bairros/comunidades
das grandes cidades possuem, o que dificulta o processo de apropriação e vinculação
dos moradores. Cada política pública atribui um nome diferente à comunidade. No caso
das comunidades rurais, esse problema é mais raro.
Geralmente, os moradores das áreas rurais cultivam sentimentos positivos
relacionados às suas comunidades apesar de, na maioria dos casos, o acesso aos serviços
básicos de Educação, de Segurança, de Saúde e de Assistência serem de difícil acesso.
Em uma pesquisa realizada por Albuquerque e Pimentel (2004) com jovens residentes
do meio urbano e do meio rural, os significados relacionados à área rural estavam
vinculados com aspectos positivos, como proximidade com a natureza. Entretanto,
segundo Albuquerque (2001), os significados relacionados à palavra rural ainda portam
caracteres depreciativos relacionados a unicamente uma visão de atraso, de rústico e de
agrário.
Essa abordagem depreciativa à área rural, na visão de Alburquerque (2001),
pode estar ligada à falta de investimentos governamentais e às políticas públicas
específicas, pois os interesses estatais estiveram historicamente mais voltados ao meio
urbano. No entanto, atualmente, já existe uma maior abrangência de algumas políticas
públicas específicas voltadas à população rural. Apesar desse pequeno avanço, o urbano
ainda torna-se mais atraente, fomentando o êxodo rural e o crescimento desordenado
das grandes cidades. Prova disso foi a redução de 2 milhões de pessoas nas áreas rurais
desde de 1990 até 2010, sendo que essas comunidades rurais portam 15,9% dos
190.755.799 de brasileiros, segundo dados do Censo 2010 (IBGE, 2011).
Assim, partindo da compreensão de que o Brasil é um dos países mais desiguais
do mundo no G202, perdendo somente para África do Sul (Economia BBC Brasil,
2012), as áreas rurais podem ser abordadas como um dos contextos mais precários no
território brasileiro. Nessa região, vivem 47% dos pobres do país. Leal (2011) afirma
que um quarto dos extremamente pobres do Brasil está na área rural, sendo que 5,7
milhões dessas pessoas têm renda familiar per capita de R$ 1 a R$ 70 reais mensais e

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G20 é o grupo das 19 maiores economias do mundo mais a União Europeia com objetivo de discutir e
planejar os rumos da economia global.

Este capítulo faz parte do Livro “Psicologia e Contextos Rurais “com Jader Ferreira Leite e Magda Dimenstein como
organizadores. Referência para citação: Ximenes, V. M. & Moura Jr., J. F. (2013). Psicologia Comunitária e Comunidades
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Psicologia e Contextos Rurais. 1ed. (pp. 453-476). Natal: EDUFRN.
1,8 milhão não tem renda própria. Albuquerque (2002) compreende que a manutenção
da desigualdade social e da pobreza no Brasil e no campo é uma ferramenta de
manutenção do status quo.
Moura Jr. (2012) também compartilha dessa compreensão de que a pobreza
funciona como ferramenta ideológica de cristalização da realidade. Há um conjunto de
papéis sociais que permeiam e constituem o psiquismo humano do pobre, situando-o
nas posições de conformado, de incapaz, de culpado, de vagabundo, de perigoso e de
causador de mazelas sociais. Essas formas de reconhecimento enfraquecem as
potencialidades do sujeito, constituindo uma identidade de oprimido e de explorado.
Esta se refere a uma série de práticas, valores e crenças que delimitam o modo de viver
dos oprimidos, desenvolvendo essa forma específica de identidade que é “negada,
sofrida, desamparada, frágil, e também violenta” (Góis, 2008, p. 60); e constituindo
igualmente o fatalismo.
Nesse ponto, a religiosidade acrítica pode ser constituinte de atitudes fatalistas.
No mapeamento psicossocial3 realizado na comunidade de Canafístula, em Apuiarés,
por extensionistas do NUCOM no ano de 2011, também surgiu de forma significativa
nos discursos dos moradores uma crença divina que posicionava Deus como
responsável por tudo, muitas vezes obscurecendo a criticidade e a responsabilidade no
rumo das decisões relacionadas à dinâmica comunitária. Para Martín Baró (1998), o
fatalismo corresponde a aspectos psicológicos do latino-americano inseridos em
condições de opressão, fomentando nesse sujeito uma compreensão predeterminada da
realidade explicada a partir do estabelecimento de uma ordem natural ou divina. O
sujeito torna-se passivo frente às adversidades vigentes, consequência de uma estrutura
macrossocial opressora. Cidade, Moura Jr. e Ximenes (2012) afirmam que essas
posturas desempenhadas pelos oprimidos são também estratégias de sobrevivência
frente uma realidade que é cruel e desumana, sendo geralmente a única via encontrada
para suportar essas adversidades sociais, simbólicas e concretas.
Apesar desse caráter macrossocial opressor, segundo Góis (2005), as
comunidades rurais compartilham de forma mais significativa o modo de vida, os

3
Esse mapeamento refere-se à realização de uma pesquisa qualitativa a partir das técnicas de observação
participante, de diários de campo e de entrevistas semiestruturadas com os moradores da comunidade,
tendo o objetivo de sistematizar informações sobre educação, saúde, lazer, trabalho e cultura e analisar os
valores, as crenças e as práticas que permeiam o cotidiano dos habitantes da comunidade.

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organizadores. Referência para citação: Ximenes, V. M. & Moura Jr., J. F. (2013). Psicologia Comunitária e Comunidades
Rurais do Ceará: caminhos, práticas e vivências em extensão universitária. In: Leite, J. F. & Dimenstein, M. (Org.).
Psicologia e Contextos Rurais. 1ed. (pp. 453-476). Natal: EDUFRN.
aspectos históricos, os valores e a identidade social do lugar, desenvolvendo uma maior
integração ideológica, social e psicológica entre seus moradores e sendo o lugar de
mediação entre os indivíduos e a sociedade mais ampla. Há um cotidiano regido por
uma lógica social e simbólica construída historicamente na comunidade, impactando no
psiquismo humano. Isso ocorre porque a realidade psíquica é constituída pela realidade
social (Vygotsky, 1927/2004).
No entanto, segundo a Agência Brasil (2012), a área rural também porta
problemas específicos relacionados à violência na disputa de terras, ao adoecimento por
conta do uso de agrotóxicos e à insegurança alimentar proporcionada pela falta de renda
dos moradores das comunidades rurais, sendo as mulheres as principais vítimas dessas
agruras. As mulheres do campo têm menor acesso às terras e aos serviços rurais, apesar
de geralmente serem responsáveis pela preservação do ecossistema e das práticas
culturais tradicionais.
Werneck e Leal (2011) relatam a precariedade da zona rural a partir de um
estudo comparativo de indicadores sociais das áreas rurais e das favelas do país com
dados do Censo 2010 (IBGE, 2011). Esses indicadores demonstram melhores resultados
nas regiões favelizadas do que nas comunidades rurais, sendo apontado que a renda da
população das áreas rurais era muito menor do que os habitantes das favelas, assim
como o acesso à educação. A taxa de analfabetismo de indivíduos acima de 15 anos nas
favelas era de 8,4% enquanto, nas regiões rurais, 23% dos moradores eram analfabetos.
Entretanto, Albuquerque (2002, 2004) aborda que está ocorrendo um processo de
desenvolvimento e de diversificação da economia na área rural. A renda dos
aposentados, a economia agrária, o comércio e o setor de serviços estão trazendo um
maior desenvolvimento econômico para as comunidades rurais.
Assim, as comunidades rurais podem ser consideradas como espaços possíveis
de fortalecimento e de integração por suas características espaciais, sociais e simbólicas.
No entanto, estão inseridas igualmente em uma teia opressora de manutenção do status
quo permeando processos de depreciação social dessas comunidades e dos seus
moradores. A partir desse panorama, apresentaremos algumas considerações sobre a
Psicologia Comunitária como estratégia de desenvolvimento dessas comunidades rurais
expondo as experiências extensionistas do NUCOM no Ceará.

Psicologia Comunitária, comunidades rurais e extensão universitária


Este capítulo faz parte do Livro “Psicologia e Contextos Rurais “com Jader Ferreira Leite e Magda Dimenstein como
organizadores. Referência para citação: Ximenes, V. M. & Moura Jr., J. F. (2013). Psicologia Comunitária e Comunidades
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Psicologia e Contextos Rurais. 1ed. (pp. 453-476). Natal: EDUFRN.
A Psicologia Comunitária (Góis, 2005) é uma área da Psicologia Social da
Libertação e que tem como objetivo o desenvolvimento do sujeito comunitário. O
conceito de comunidade agrupa as pessoas pelo seu local de moradia, em que estão
associados valores, crenças e sentimentos entre seus moradores. É um espaço de
consensos, de contradições e de convivência entre as pessoas. Sawaia (1996), Góis
(2005) e Guareschi (2010) contribuem para a importância desse conceito nos trabalhos
desenvolvidos pelos profissionais da Psicologia. Nos nossos trabalhos teóricos e
práticos de Psicologia Comunitária, a partir de um posicionamento ético e político,
sempre optamos em trabalhar em comunidades urbanas e rurais em situação de pobreza,
tendo em vista que a maioria dos trabalhos desenvolvidos pela Psicologia sempre
atenderam às classes média e alta.
Assim, o tripé teoria, prática e compromisso social dá suporte a Psicologia
Comunitária e aponta para uma práxis libertadora. Segundo Ximenes e Góis (2010),
essa libertação vincula-se a uma situação de opressão, de exclusão, de dominação e de
desigualdades que precisam ser desveladas objetivamente e subjetivamente a fim de que
os sujeitos possam ser autônomos, conscientes e livres.
A prática e a teoria da Psicologia Comunitária desenvolvida no NUCOM
tiveram como base os trabalhos nos projetos de extensão universitária. A
problematização é uma categoria importante e está presente quando questionamos o
conceito de extensão. O que seria extensão? Estender o conhecimento científico
produzido nas universidades à população que não o tem? Será a verdade absoluta?
A problematização da extensão universitária vigente e a construção de uma
postura dialógica, cooperativa, comprometida com a transformação da realidade de
opressão e construtora de vínculos afetivos entre os envolvidos nesse processo é o que
se expressa no termo cooperação.

A proposta de uso do termo cooperação em lugar de extensão vem


contribuir para a definição de uma relação de igualdade entre os atores
– universidade e comunidade – onde ambos são responsáveis pelas
atividades extensionistas. Cada ator terá o seu papel e poderá aportar e
construir conhecimentos que serão utilizados para a construção de
uma sociedade mais humana e justa (Ximenes, Nepomuceno &
Moreira, 2007, p. 19).

Este capítulo faz parte do Livro “Psicologia e Contextos Rurais “com Jader Ferreira Leite e Magda Dimenstein como
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Psicologia e Contextos Rurais. 1ed. (pp. 453-476). Natal: EDUFRN.
Dessa maneira, acreditamos e praticamos uma cooperação universitária que
respalda a nossa produção científica, que está comprometida com a denúncia das
desigualdades sociais e aponta para caminhos que possibilitem a superação dessa
realidade. Então a Psicologia Comunitária que desenvolvemos não propõe a
neutralidade científica, mas sim, a construção de vínculos afetivos entre membros da
universidade e os moradores das comunidades. Percebemos que sua potência para
denunciar a realidade de opressão pode contribuir também com a construção e com as
análises de categorias psicossociais presentes no desenvolvimento do psiquismo,
estabelecendo uma fusão constante entre teoria e prática em práxis. Com isso,
apresentaremos os caminhos da Extensão universitária nas áreas rurais desenvolvidos
pelo NUCOM, evidenciando os meandros teóricos, metodológicos e concretos dessa
atuação.

Processos de facilitação comunitária – chegadas e partidas

No caso da Psicologia Comunitária e dos projetos de extensão desenvolvidos


pelo NUCOM, o processo de facilitação comunitária constitui-se em etapas que
abarcam desde a inserção até o desligamento progressivo da comunidade. Segundo
Rebouças Jr. e Ximenes (2010), os processos de inserção e de desenvolvimento das
atividades na comunidade são baseados na interação social alicerçada por posturas
dialógicas, afetivas e cooperativas. Para Góis (2005, p. 69), o objetivo dessa inserção
comunitária é o “desenvolvimento do sujeito comunitário mediante ações coletivas de
desenvolvimento da comunidade. Transformação de um espaço sem ou com pouco
sentido em espaço de significado positivo para os moradores, um espaço físico-social
com sentido”. Ou seja, espera-se que os processos de facilitação desenvolvidos tenham
repercussão na consolidação de ganhos materiais e simbólicos, de movimentos de
conscientização, de estratégias de fortalecimento da identidade pessoal e comunitária e
da autonomia dos moradores. Esses moradores também são reconhecidos como
portadores de potencialidades para organizar suas vidas e sua comunidade.
Nos trabalhos de extensão universitária do NUCOM, o processo de escolha das
comunidades acontece a partir de convites que recebemos de projetos, ONGs,
equipamentos das políticas públicas e lideranças comunitárias. Primeiramente,
realizamos uma visita para conhecer a comunidade e saber se há convergência dos
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Psicologia e Contextos Rurais. 1ed. (pp. 453-476). Natal: EDUFRN.
objetivos da Psicologia Comunitária com os dos propostos pelos possíveis parceiros.
Caso seja positivo, damos continuidade ao processo de construção da parceria.
O processo de entrada na comunidade é realizado a partir de observações. É
interessante realizar caminhadas pelas ruas da comunidade. Nas comunidades rurais,
essas caminhadas tendem a serem mais longas devido à disposição espacial das casas.
Então, é importante o apoio de alguma liderança comunitária ou de uma pessoa de
referência para auxiliar nesse processo inicial, como os agentes comunitários de saúde.
É conveniente realizar essas caminhadas em diferentes horários e turnos ao longo da
semana na comunidade. Nas comunidades rurais, o extensionista4 é logo reconhecido
como um estranho no espaço. Ele, então, tem que apresentar seu discurso de forma mais
clara possível, utilizando ilustrações do cotidiano da comunidade como possíveis
trabalhos a serem realizados. Segundo Albuquerque (2001), os moradores de
comunidades rurais têm uma maior capacidade de compreensão com o fornecimento de
exemplos simples e concretos.
Então, o primeiro foco da inserção é de observação e de consolidação da
confiança entre extensionista e morador. É fundamental a utilização da observação
participante, que possibilita a interação de forma horizontalizada entre as pessoas da
comunidade e o agente externo (extensionista) mediante o diálogo. As sistematizações
das observações são transcritas em diários de campo (Montero, 2006), que são registros
dos acontecimentos com interpretações e análises desse agente. Como também
evidenciam as resoluções de erros cometidos e suas aprendizagens a partir deles. Deve
ser escrito ao final da jornada de trabalho, registrando com cuidado e atenção, narrando
o que foi observado.
Essa observação deve ser desempenhada a partir do método de facilitar-
pesquisando e pesquisar-facilitando a dinâmica comunitária. Segundo Góis (2008), esse
processo se refere à imersão na comunidade com uma postura analítica, inclinando-se a
apreender os valores, as práticas e as crenças que permeiam o modo de vida dos
moradores da comunidade. Essa análise da comunidade é potencializada na dimensão

4
É utilizado o termo extensionista porque se refere às experiências praticadas por estudantes inseridos no
NUCOM. No entanto, essas considerações traçadas sobre a atuação comunitária podem servir de modelo
para qualquer profissional que realize ou queira realizar trabalhos com a perspectiva comunitária
libertadora em comunidades.

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vivencial em que o profissional vai construindo vínculos afetivos com os moradores e
ampliando a possibilidade de compreensão da realidade da comunidade.

Ajuda-nos a compreender o modo de vida dos moradores, o entorno


em que vivem e como estes se refletem em suas mentes na forma de
significado, sentido, sentimento e ação. É um método científico e
político, interativo, reflexivo e vivencial, no qual morador e psicólogo,
conjuntamente, analisam e vivenciam a comunidade, constroem
conhecimento e aprofundam suas consciências de si e do lugar. Para
nós, é o método principal da Psicologia Comunitária. Se apoia em
uma dada concepção de indivíduo, de comunidade e de ação,
evidenciando uma ética (de libertação) e uma relação de inserção,
ação e convivência, comum na ação-participante, na observação-
participante e na pesquisa-participante (Góis, 2005, p. 90).

As posturas do profissional devem estar balizadas por uma ética da libertação,


pois, de acordo com Ximenes e Barros (2009) e Martín Baró (1998), o conhecimento e a
prática devem estar voltados à mudança social a favor dos oprimidos. Para Guzzo
(2010), essa ética, como já mencionado, baseia-se no desvelamento das estruturas
opressoras da sociedade que tornam enfraquecidas as potencialidades dos indivíduos.
Então, a partir da realização dessas posturas, já são apresentadas possibilidades de
criação de relações promotoras de fortalecimento, de autonomia e de criticidade entre
moradores e extensionistas. No entanto, essas relações somente são desenvolvidas a
partir de interações sociais com foco na horizontalidade e na valorização dos sujeitos
partícipes desse processo.
Freire (1979) corrobora essa compreensão, explicitando que o diálogo e,
consequentemente, o aprofundamento de consciência somente ocorrem quando há fusão
de horizontes e respeito à posição do outro na relação. Com isso, progressivamente,
poderá haver a consolidação da identificação mútua entre morador e agente externo; o
reconhecimento das possíveis lideranças locais; o mapeamento das potencialidades e
das dificuldades da comunidade; e o estabelecimento de uma estratégia de cooperação
para o desenvolvimento da comunidade. O processo de inserção é muito importante
para a efetividade de uma intervenção psicossocial nas comunidades rurais.
Em um segundo momento, de acordo com Góis (2005), há a intensificação da
inserção na comunidade a partir da análise das atividades comunitárias, dos grupos
existentes e da facilitação de grupos populares em diversas metodologias, como círculos
de cultura, círculos de encontro, exercícios de Biodança, reuniões de quarteirão, entre
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outros. Os grupos são importantes estratégias de desenvolvimento comunitário. Lane
(1996) traz a relevância do grupo no processo de fortalecimento da identidade pessoal.
Segundo Montero (2006), nessa fase está sendo efetivada a familiarização, a
identificação das necessidades, o estabelecimento de metas específicas a curto e a longo
prazos com os moradores e a divisão de trabalho. Nesse ponto, há possibilidade de
desenvolvimento de processos de aprofundamento de consciência de forma mais
significativa. Segundo Freire (1980), a conscientização refere-se ao processo de
compreensão crítica da realidade. Essa criticidade é fomento da ação, fazendo que o
sujeito atue ativamente na sua comunidade. No entanto, não há aprofundamento de
consciência sem a problematização da realidade. Montero (2006) afirma que a
problematização fundamenta-se na exposição de uma pergunta relacionada a algum
conhecimento pessoal construído pela pessoa que a coloca em uma posição de busca de
sentidos diferentes dos que estejam estabelecidos em sua consciência. Esse conceito
teve como base os trabalhos de Paulo Freire com alfabetização de adultos na década de
1960.
Assim, o desenvolvimento de atividades comunitárias está voltado para a
concretização prática de objetivos comuns e comunitários compartilhados pelos
moradores, como também para satisfação de motivos pessoais dessas pessoas,
fomentando nesses sujeitos a realização de suas necessidades, o fortalecimento da
autonomia, da criticidade, da identidade social e do sentimento de pertença à
comunidade. Com isso, o processo de desenvolvimento comunitário está relacionado à
consolidação de atitudes cooperativas, potencializadoras da dinâmica comunitária e
fortalecedoras da identidade cultural do lugar entre os moradores, desenvolvendo a
participação social na comunidade e no município.
Segundo Ximenes, Amaral, Rebouças Jr. e Barros (2008), o desenvolvimento
comunitário pode acarretar o desenvolvimento local, que está relacionado a uma maior
integração da comunidade ao município, assumindo uma perspectiva de fortalecimento
da participação social em nível macro e microssocial. Com isso, o desenvolvimento
comunitário se refere a uma estratégia socioeconômica, política e psicológica,
promovendo igualmente o surgimento do sujeito comunitário, no qual os moradores
estão em um processo constante de aprofundamento de consciência, de cidadania e de
autonomia.

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Psicologia e Contextos Rurais. 1ed. (pp. 453-476). Natal: EDUFRN.
Os processos de fortalecimento dos moradores podem ser fomentados pela
realização de oficinas de capacitação de técnicas de grupo, formação de lideranças,
organização de eventos culturais, construção de projetos produtivos e várias atividades
que estimulam o trabalho em grupos. Dessa maneira, nessa etapa, há a consolidação das
atividades comunitárias existentes, podendo haver o desenvolvimento das lideranças
democráticas a partir de criação de fóruns de desenvolvimento da comunidade. Nesses
espaços coletivos, há a avaliação das atividades comunitárias e dos seus respectivos
resultados. Com essa estratégia de avaliação, ocorre o refinamento das atividades
comunitárias existentes de acordo com a definição pelos moradores de novas
problemáticas a solucionar e a investigar. Dessa maneira, há a ampliação das ações no
campo comunitário e a consolidação da relação morador-agente externo-grupos.
Por fim, desenvolvemos o processo de desligamento progressivo da comunidade
(Góis, 2005). Há a avaliação coletiva da totalidade do processo desenvolvido com a
redefinição da relação entre extensionista-morador-grupo. Os encontros periódicos entre
agentes internos (moradores) e agentes externos são mais espaçados e há a realização de
visitas pontuais. E o momento de desligamento é concretizado com a despedida, mas a
certeza da permanência dos laços de amizade e de solidariedade. É importante ressaltar
que o imprevisto é uma constante na realização de trabalhos envolvendo a Psicologia
Comunitária em comunidades urbanas e rurais, mas, segundo Montero (2006), essa
imprevisibilidade tem que ser usada como ferramenta do processo de facilitação do
desenvolvimento comunitário.

Pentecoste e Apuiarés: trabalho em extensão universitária em comunidades rurais

Desde a sua fundação como Projeto de Extensão em Psicologia Comunitária, o


NUCOM tinha como objetivo desenvolver projetos de extensão em comunidades
urbanas e rurais. O seu primeiro trabalho em comunidades rurais foi em 1988 no
Município de Pedra Branca (Ceará). Com o passar dos anos, muitas comunidades rurais
participaram dos projetos de extensão, como: Praia de Parajuru (Município de
Beberibe), Itapajé, Crateús, São Gonçalo do Amarante, Icapuí, Guaramiranga, Beberibe,
Aracati, Maranguape, Maracanaú e Quixadá.
Em 2005, o NUCOM iniciou seus trabalhos no Município de Pentecoste. Dessa
vez, a parceria foi com o Programa de Educação em Células Cooperativas (PRECE),
Este capítulo faz parte do Livro “Psicologia e Contextos Rurais “com Jader Ferreira Leite e Magda Dimenstein como
organizadores. Referência para citação: Ximenes, V. M. & Moura Jr., J. F. (2013). Psicologia Comunitária e Comunidades
Rurais do Ceará: caminhos, práticas e vivências em extensão universitária. In: Leite, J. F. & Dimenstein, M. (Org.).
Psicologia e Contextos Rurais. 1ed. (pp. 453-476). Natal: EDUFRN.
coordenado pelo Prof. Manoel Andrade do Departamento de Química da Universidade
Federal do Ceará e que desenvolve atividades de extensão universitária desde 1994 no
município de Pentecoste, localizado no semiárido do Ceará. Sobre o NUCOM e o
PRECE,

Algumas coisas eram parecidas nestes projetos, a opção teórica e


metodológica por Paulo Freire, a influência das ideias de Carl Rogers,
a busca pela construção de uma humanidade mais autônoma, livre e
feliz, a participação efetiva dos alunos como protagonistas nestes
projetos, a relação horizontal e sem hierarquia entre os coordenadores
(professores) e os alunos, a opção por uma cooperação universitária
(extensão) comprometida com a classe oprimida, a busca pela
construção de uma ciência que nasça da simbiose entre conhecimento
popular e científico e outras questões que foram descobertas durante a
convivência (Ximenes, Lopes & Alves, 2008, p. 21).

A partir da parceria do NUCOM e PRECE, iniciamos os trabalhos de extensão


de forma conjunta em Pentecoste e construímos o projeto “Protagonismo juvenil e
desenvolvimento local sustentável” e o projeto “Desenvolvimento comunitário no
município de Pentecoste”, que desenvolveram as seguintes ações: assessoria na
formação da União dos Moradores do Vale do Rio Curu, curso de formação política
para jovens lideranças, acompanhamento à formação de uma cooperativa com
produtores rurais, assessoria ao grupo de jovens apicultores, facilitação de grupos de
jovens da Escola Popular Cooperativa5 (EPC) e outras atividades que surgiram no
decorrer da nossa inserção na comunidade. A equipe de extensionistas era formada por
estudantes do NUCOM e do PRECE e os dois professores da UFC. A equipe do
NUCOM estava quinzenalmente nos finais de semana nas comunidades, enquanto a
equipe do PRECE estava todos os finais de semana.

Em 2006, os referidos projetos foram contemplados com o financiamento do


“Programa de Apoio à Extensão Universitária voltado às Políticas Públicas” (PROEXT
2005 – MEC/SESu/DEPEM), o que possibilitou recursos financeiros que viabilizaram

5
A Escola Popular Cooperativa é formada por grupos de estudos com o objetivo de estudar de forma
cooperativa para o ingresso ao Ensino Superior. Esses grupos são orientados por monitores que já foram
ex-integrantes da EPC e que agora já ingressaram à universidade. É utilizado o método de aprendizagem
cooperativa, incentivando o protagonismo desses jovens por ações de autogestão de cada EPC que estão
espalhadas em diferentes cidades do Ceará. As EPC constituem uma das ações do PRECE.

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organizadores. Referência para citação: Ximenes, V. M. & Moura Jr., J. F. (2013). Psicologia Comunitária e Comunidades
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as atividades de extensão. Também publicamos um livro, Psicologia Comunitária e
Educação Popular, com artigos sobre nossas experiências em extensão universitária.

Em 2008, iniciamos o processo de desligamento nas comunidades trabalhadas a


partir da avaliação com os moradores envolvidos e resolvemos focar nossas atividades
na comunidade de Canafístula (Município de Apuiarés, vizinho ao Município de
Pentecoste). A comunidade de Canafístula é o novo foco dos nossos trabalhos em
virtude da parceria estabelecida com a Escola Popular Cooperativa (EPC), vinculada ao
PRECE. Assim, com caminhadas comunitárias, encontros com lideranças e participação
na dinâmica comunitária, passamos a desenvolver trabalhos com os produtores rurais
com o objetivo de construção de uma cooperativa e com os jovens com o intuito de
resgate da história da comunidade. Posteriormente, na fase de ampliação das atividades
comunitárias, foi realizado pelos jovens um vídeo sobre a comunidade e apresentado
numa “Noite cultural”6.
Assim, já havia o fortalecimento da vinculação e da identificação entre
integrantes do NUCOM e moradores, como também, um maior conhecimento da
dinâmica da comunidade de Canafístula por meio do método de análise e vivência da
dinâmica comunitária, fornecendo as bases para desenvolvermos uma nova atividade
junto com um grupo de jovens da EPC. O objetivo desse trabalho era fomentar a
autonomia, o fortalecimento da identidade pessoal e social do lugar e o sentimento de
pertença desses jovens através de oficinas, utilizando técnicas como: círculo de cultura,
exercícios de Biodança, de arte-terapia, de arte-identidade, entre outras.
Com o estabelecimento dessa atividade, organizamos junto com os moradores
um fórum sobre a avaliação das atividades comunitárias desenvolvidas. Assim,
observamos conjuntamente que estávamos restringindo nossa atuação somente ao
espaço da EPC, evidenciando que poderia haver outras atividades potenciais de
desenvolvimento comunitário. Então, nesse momento, com essa nova avaliação,
reorganizamos nossas atividades para realizar um novo processo de inserção na
comunidade de Canafístula, a partir da realização de um mapeamento psicossocial da
comunidade.

6
A “Noite cultural” é um evento criado pelos moradores da comunidade para integração da comunidade
com fins festivos, sendo desenvolvida a partir de alguma temática específica que seja de interesse dos
envolvidos.

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organizadores. Referência para citação: Ximenes, V. M. & Moura Jr., J. F. (2013). Psicologia Comunitária e Comunidades
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Realizamos, igualmente, esse mapeamento por meio do método de pesquisar-
facilitando e facilitar-pesquisando. Visitamos a maioria das casas da comunidade,
totalizando por volta de 600 moradores, ao longo de aproximadamente oito meses.
Paralelamente à realização do mapeamento psicossocial, facilitamos atividades no grupo
de jovens. Dessa maneira, junto com os moradores, avaliamos que a Festa de São João
era uma prática cultural tradicional na comunidade e que estava sendo esquecida.
Definimos como estratégia realizar visitas a pessoas de referência que anteriormente
participavam ativamente desse festejo. Também entramos em contato com a Escola de
Ensino Médio e Fundamental e a Associação dos Agricultores Rurais de Canafístula
sobre a possibilidade de parceria para organização de uma festa junina, fomentando e
problematizando a importância histórica dessa festividade.
Com esses contatos realizados e a organização de reuniões para planejamento da
festividade, mesclávamos as dimensões instrumentais e comunicativas da atividade
comunitária a partir de posturas dialógicas, cooperativas e problematizadoras. Assim,
desenvolvemos esse festejo junino, constituindo um espaço de efetiva participação
comunitária, de amorosidade e de cultura. Analisamos que essa atividade pode ter
desenvolvido um processo de aprofundamento de consciência em alguns moradores.
Isso é evidenciado, porque, com o fim do festejo, um grupo de jovens de Canafístula
nos convidou para participar junto com eles de um grupo para, segundo as palavras
desses jovens, “solucionar os problemas da comunidade de Canafístula e da regiões
próximas”. O nome desse grupo foi intitulado “Baluartes”.
Com isso, ainda na perspectiva de ampliação das atividades comunitárias,
passamos a facilitar algumas ações desse grupo. Esse novo grupamento era a
demonstração que o processo de autonomia e de fortalecimento da identidade pessoal e
comunitária estava se consolidando, promovendo um avanço significativo no
desenvolvimento comunitário. Dessa maneira, ao longo dos meses, foram realizadas
reuniões quinzenais. Eles atuaram, então, na revitalização do time de futebol de
Canafístula, na criação de um time de futsal feminino e na organização interna do
próprio grupo.
Os dados do mapeamento psicossocial foram analisados a partir da Análise de
Conteúdo de Bardin (1977) com a ajuda do software de análise de dados qualitativos

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Atlas ti. Realizamos uma oficina de validez ecológica7, pois desenvolvemos um espaço
de legitimação das análises com os integrantes do Grupo Baluartes em que dialogamos
sobre a validade daquelas informações. Essa mesma oficina ocorreu com os artistas
locais – repentistas, cordelistas e violeiros – sobre a relevância daquelas informações.
Esses artistas, então, se comprometeram a criar produções artísticas a partir daqueles
dados para apresentarem em uma “Noite cultural”.
A realização da “Noite cultural” contou com a presença da maioria dos
moradores da comunidade e foi organizada por nós juntamente com os jovens da EPC,
os membros da Associação de Agricultores e do Grupo Baluartes em um processo de
divisão do trabalho e de cooperação, com a presença do diálogo, do afeto e da
solidariedade nas interações sociais. Nessa “Noite cultural”, o mapeamento psicossocial
foi apresentado em forma de repente pelos artistas locais e avaliado como muito
significativo para uma maior compreensão da história da Canafístula. No encontro de
avaliação desse evento com os parceiros, definiu-se a organização de um cronograma
para realização de oficinas temáticas sobre os principais temas presentes no
mapeamento psicossocial, ampliando, então, o leque de possíveis atividades
comunitárias ainda a serem realizadas.
Assim, percebemos que nosso percurso nas comunidades rurais do Ceará pode
ser entendido como uma constante parceria com os moradores locais. Eles nos guiam
pelas possíveis estradas de terra e de símbolos, apontando horizontes e compartilhando
saberes. Compreendemos que essa caminhada pode ser entendida como a construção
cotidiana de processos de desenvolvimento comunitário. É um processo que está em
constante renovação e formação, mas que segue também etapas estruturadas teórico e
metodologicamente pela Psicologia Comunitária, desenvolvendo tanto agentes externos
mais engajados e comprometidos com transformação social como moradores mais
fortalecidos, integrados e críticos.

Considerações parciais

7
A validez ecológica ocorre a partir da avaliação da relevância das análises realizadas com pessoas de
referência para o tema investigado (Montero, 2006).

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Ainda temos muito a compartilhar. Sabemos que a leitura permite que o leitor se
desloque para outros espaços, que despertam questionamentos, visualização de relações
e lembranças de outras experiências. Dessa forma, podemos estar em lugares que nunca
estivemos. Esperamos ter socializado esses caminhos vivenciados por nós nessas
histórias e reflexões relatadas aqui. Também sabemos que nada melhor do que um bom
banho de realidade viva para alimentar a nossa alma. Esse é um convite que deixamos:
vamos nos permitir se entranhar nas comunidades rurais dos municípios desse imenso
Brasil.
Reafirmamos a necessidade do compromisso ético da libertação com o
desvelamento das situações de opressão que as comunidades rurais e seus moradores
vivenciam cotidianamente. A Psicologia Comunitária, então, pode apontar possíveis
caminhos para o enfrentamento da marginalização social, política e simbólica que as
comunidades rurais estão inseridas, utilizando estratégias presentes nessas próprias
comunidades rurais. No entanto, faz-se necessário o estabelecimento constante de
posturas dialógicas, cooperativas e problematizadoras entre morador e agente externo.
A Psicologia Comunitária contribui muito com suas teorias e práticas para a
análise de problemas psicossociais vividos pelos moradores das comunidades rurais.
Existem muitos espaços ociosos que precisam ser apropriados por estudantes e
profissionais de Psicologia que tenham esse compromisso ético-político com a
libertação dessa realidade de opressão e pobreza. Para que possamos estar nesses
espaços, precisamos desenvolver atividades de pesquisa, ensino e extensão que
propiciem aprendizados contextualizados com os problemas e as potencialidades do
povo brasileiro.
Não temos a pretensão de sermos os “libertadores” das pessoas, já que nos
apoiamos nas palavras de Paulo Freire (1987, p. 34) quando anuncia que “ninguém
liberta ninguém, as pessoas se libertam em comunhão”. Então moradores, estudantes e
profissionais vivenciam esse processo de libertação de forma conjunta. É uma proposta
ousada, mas o que seria da vida se não tivéssemos força para ousar?

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