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TECENDO REFLEXÕES SOBRERURAL E RURALIDADE¹

Ediane Girardi Viera Sampaio


Universidade Federal de Santa Maria – UFSM
edianeviera@hotmail.com

Vera Maria Favila Miorin


Universidade Federal de Santa Maria – UFSM
vmiorin.sma@terra.com.br

Resumo

O artigo discorre sobre algumasreflexões a respeito dos conceitos de rural e ruralidade frente
àsrelaçõessocioeconômicas que transformam as espacialidades de vivência da sociedade
moderna e, em especial,do meio de vida rural. As reflexões apresentadas fazem parte da
literatura que alimentou alguns encontros de debates no Laboratório de Estudo e Pesquisa
Regional (LEPeR) da UFSM e têm auxiliado a elaboração da dissertação de mestrado no
Programa de Pós-Graduação em Geografia junto ao Departamento de Geociências, PPGGEO. O
artigo baseia-se em bibliografias conhecidas e relativamente recentescomo também em outras
pouco difundidasno Brasil e referentes à observação das relações no mundo rural e as
transformações de suas atividades principais,agricultura e criatório. Destaca-se a presença de
novas atividades e de novos significados para antigas atividades, como também para a própria
identidade social, promovendo alterações no que se convenciona como rural e ruralidade.

Palavras-chave: Rural. Ruralidade. Identidade social.

Introdução
Características tidas como eminentes do rural, muitas vezes também são percebidas em
pequenas cidades. Existe nestes locais uma significativapresença histórico-cultural, que
pode ser traduzida através do apego as tradições evidenciadas nas relações do ser social,
como em suas manifestações festivas, nohábito alimentar, na gastronomia local e nas
atividades produtivas de mercadolocal e regional. Oconjunto destes elementos
representa a identidade social de uma comunidade e esta, porsua vez, reproduz seu
modo de vida tão diferente aos olhos dos quevivem fora deste ambiente, ou seja, na
cidade.
Na verdade, trata-se de sociedades com conteúdo e forma distintos que se dá a
conhecer,em sua dialética, permitindo estabelecer diferenças, antagonismos e
complementaridade. Para muitos, trata-se de ruralidade.
A Geografia,tradicionalmente, utiliza o termoespaço urbanoao se referir às cidades ou
aglomerações ao se tratar de espacialidades com alta densidade populacional e em
presença do trabalho aplicado nas diferentes formas de produção econômica,
utilizandovariado grautecnológicono processo de transformação da matéria bruta.Esta

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ciência denomina de espaço ruraláreas não urbanizadas ou desprovidas da concentração
populacional, porém, ocupadas com atividades que utilizam os recursos naturais e
desempenham atividades de agricultura, criatório e a exploração dos recursos oferecidos
pelo meio ambiente.
A delimitação e o reconhecimento do espaço rural variam de país para país, isso se dá
em função das formas efetivas de ocupação territorial, da evolução histórica e das
concepções predominantes em cada um. Assim, em certos casos, o meio rural se
caracteriza pelo habitat concentrado em um núcleo, que aglomera não somente as
residências dos habitantes do campo, mas também as instituições públicas e privadas
ligadas à vida local (igreja, postos de saúde, as cooperativas, escolas, postos bancários
etc.).
Nos dias atuais, a reflexão a respeito da terminologia ruralidade vemocupando o meio,
acadêmico e político. Tem sido utilizada com frequência nas universidades, pelos
movimentos sociais rurais e em discursos políticos.Destaca-se que o termo tem sido
aplicado quando se refere ao modo de vida de uma comunidade ou sociedade.
Para alguns pesquisadores elese aplicaao se referir a uma determinada sociedade,
postulando sua identidade como decorrente da história e da sua cultura (grupo social ou
sociedade rural),bem como de seus entes sociais, ligando-a aespacialidade em que vive.
Assim ele abrange a população, as manifestações religiosas e festivas, as atividades
produtivas e o modo de produção e de trabalho familiar que envolve todos os membros
constituintes da família, vistos como membros de uma comunidade diferenciada
constituinte de uma determinada espacialidade.
A terminologia ruralidadepossui conotação social ao identificar a espacialidade como
resultante da ação de um grupo socialmente constituído, o qualé responsável pela
organização paisagística que diferencia uma ruralidade de outras e sendo
responsávelpelos hábitos do cotidiano de vida e de lazer, bem como estabelecendo a
diferença e contribuindo para imprimir na espacialidade suas “marcas” quer na natureza,
como na expressão social advinda do comportamento cultural e no modo de produção
econômica. Quer ou não lançando mão dos recursos disponíveis pela natureza e se
reproduzindo econômica e socialmente através do trabalho que permite o lazer e o ócio.
A ruralidade se constituicomo tema de investigação devido às transformações que tem
se manifestado recentemente no meio rural em decorrência da aproximação de suas
relações com o meio urbano.

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Tecendo reflexões sobre orural

As áreas rurais no Brasil recebem definição de caráter residual e administrativo.


Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2002, p.66)“rural é a
área externa ao perímetro urbano de um distrito, composta por setores nas seguintes
situações de setor: rural de extensão urbana, rural povoado, rural núcleo, rural outro
aglomerado, rural exclusive aglomerado.”Um mínimo de adensamento e de oferta de
serviços é suficiente para que determinada localidade seja classificada como “urbana” e
para que o desenvolvimento rural seja assimilado, automaticamente, a “urbanização do
campo”.
No que se refere apolítica oficial brasileira, Rua (2006, p. 3) salienta que

O rural tem sido percebido como agrícola (ligado apenas à produção); a


agricultura de exportação tem sido privilegiada, enquanto a agricultura de
mercado interno foi chamada de “agricultura de subsistência” e, considerados
os pequenos agricultores (proprietários ou não) como incapazes de
acompanhar o progresso técnico, econômico e social. (Rua, 2006, p. 3)

Neste sentido, vale lembrar Moreira (2005), onde para ele as benfeitorias da política
agrícola (exemplo: crédito agrícola) foram dirigidas para a elite do mundo rural,
transformando latifundiários em empresas capitalistas, constituindo o moderno
agribusiness brasileiro.
Candiotto e Corrêa (2008) atribuem relevância a terra e aos elementos naturais como
característicos do espaço rural.

O espaço rural corresponde a um meio específico, de características mais


naturais do que o urbano, que é produzido a partir de uma multiplicidade de
usos nos quais a terra ou o “espaço natural” aparecem como um fator
primordial, o que tem resultado muitas vezes na criação e na recriação de
formas sociais de forte inscrição local, ou seja, de territorialidade intensa.
(Candiotto e Corrêa, 2008, p. 216).

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O mundo rural, para Wanderley (2000), é um universo socialmente integrado ao
conjunto da sociedade brasileira e ao contexto atual das relações internacionais. Não é
um universo isolado, autônomo em relação ao conjunto da sociedade e que tenha lógicas
exclusivas de funcionamento e reprodução. Ele mantém particularidades históricas,
sociais, culturais e ecológicas que o recortam como uma realidade própria. O “rural”
não se constitui como uma essência, imutável, que poderia ser encontrada em cada
sociedade. Ao contrário, é uma categoria histórica, que se transforma a todo o momento.
Cabe ao pesquisador, compreender as formas deste rural nas diversas sociedades
passadas e presentes. Como pode ser identificada a situação atual do rural ou meio rural
que na análise de observadores estaria passando por profundas transformações, quer
decorrentes do avanço da modernização agrícola, como a presença de novas atividades
no seu interior.
Nas palavras de Wanderley (2000, p. 106) rural ou meio ruralidentifica

[...] uma pequena aglomeração, com uma sociabilidadecorrespondente e onde


predominam as paisagens naturais. Entre as cidades e o meio rural se
interpõem “descontinuidades” (Mathieu, 1990: 37), que fazem deste último
um espaço marcado por certas características fundamentais: a fraca densidade
de sua população; a menor parte do trabalho assalariado no conjunto das
atividades rurais; a predominância de empresas de pequena dimensão; a
predominância do habitat individual; a importância da paisagem.

A agricultura brasileira conheceu os resultados de seu processo de modernização,


principalmente, nas décadas de 1980 e 1990. A partir do impulso das políticas
(efetuadas nas décadas de 1960 e 1970) e com a integração da agricultura com outros
setores da economia. A produtividade agrícola aumentou consideravelmente em quase
todo o mundo. Consequentemente, a produtividade do trabalho agrícola também
experimentou crescimento, a tal ponto que as tarefas antes de responsabilidade de toda a
família passaram a ter caráter mais individualizado. (Silva, 1997)
Hoje se pode dizer que as transformações mais recentes percebíveis nas espacialidades
rurais são resultantes fatores externos e internos. O primeiro caso trata dos efeitos das
novas relações econômicas e políticas, dominantes em um mundo cada vez mais
internacionalizado, sobre as formas de funcionamento e de regulação da produção
agrícola e devalorização do rural. Osseus processos mais gerais seriama globalização da
economia em seu conjunto; a presença cada vez maior das instâncias internacionais – ou
macrorregionais – na regulação da produção e do comércio agrícolas; a profunda crise

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do emprego, que atingiu as sociedades modernas em seus diversos setores; as
transformações pós-fordistas das relações de trabalho e; as novas formas de sua
regulação.(WANDERLEY, 2000, p. 3)
Com referência a fatores internos e se atendo ao entendimento do “rural”, sob o ponto
de vista sociológico, destacam-se duas características que são consideradas
fundamentais: a primeira é a relação específica dos habitantes do campo com a natureza
uma vez que eles lidamcom ela, direta e principalmente, por meio de seu trabalho e do
seu habitat; a segunda se refereàs relações sociais, também diferenciadas, resultantes da
dimensão e da complexidade restritas das “coletividades” rurais. Resultam práticas e
representações particulares a respeito do espaço, do tempo, do trabalho, da família, etc.
(Ibid, 2000, p.3).
O rural vem a ser um modo particular de utilização do espaço e de vida social. Para
estudá-lo se faz necessário compreenderos seus contornos, suas especificidades e as
representações de sua espacialidade e entendido, ao mesmo tempo, como espaço físico -
ocupação do território e aos seus símbolos - lugar onde se vive - modo de vida e
referência de identidade - e lugar de onde se vê e se vive no mundo - a cidadania do
homem rural e sua inserção nas esferas mais amplas da sociedade. (KAYSER, 1990).
Para Veiga (2004), nos últimos 20 anos, um fenômeno novo, tornou-se cada vez mais
forte, nas sociedades mais desenvolvidas, no que diz respeito a atração que os espaços
rurais exercem como ambiente de descanso e de lazer e que resulta no significativo
aumento da mobilidade com uma crescente motivação para o deslocamento. Em
decorrência disto a população residente no campo passou a se inserir no mercado de
trabalho das atividades turísticas, pois a população que reside na cidade procura se
recolocar para estabelecer o contato com a natureza e a tranquilidade que não tem em
seu ambiente urbano.
A paisagem natural, a montanha, a natureza exuberante, transformam-se em um cenário
onde os citadinos buscam reencontrar o calor eliminado da vida cotidiana pelo
progresso. Os citadinos procuram pelo autêntico, pela necessidade de paz, tranquilidade
e repouso; pela valorização da gastronomia local, pela recuperação do equilíbrio
pessoal. (NARDI, 2007)
Nesse sentido, Candiotto e Corrêa (2008) destacam a urbanização física do rural,
apresentada por Graziano da Silva através do conceito derururbano, com a inserção de
novas atividades no campo, sobretudo as não agrícolas.

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As atividades não agrícolas fazem com que o rural assuma novas funções. Dentre estas
“novas funções” do campo e ganhando cada vez mais destaque têm-se as atividades de
lazer, como o turismo em área rural, a segunda residência, além de aposentadorias
rurais, ecoturismo, agroturismo e entre outras.
Na visão de Silva (1997) a inserção de novas atividades econômicas como as atividades
não agrícolas, vem conduzindo o “novo rural” a uma urbanização física de sua paisagem
e a presença de novas dinâmicas em termos de geração de emprego e renda tendo como
origem as espacialidades urbanas, ou seja, são impulsionadas por demandas não
agrícolas das populações urbanas, como é o caso das dinâmicas imobiliárias por
residência no campo e dos serviços ligados ao lazer (turismo rural, preservação
ambiental, etc.).
No contexto atual, as atividades agrícolas tradicionais, não são mais suficientes para
explicar, por si só, a dinâmica da renda das ocupações das famílias rurais. Para
compreender o papel da diversificação que ocorre no meio rural se faz necessário
verificar uma série de fatores que abrangem diretamente todas as esferas da
espacialidade na qual vem sendo desenvolvidas atividades não agrícolas.
As atividades de lazer, cada vez mais estão crescendo e buscando um resgate as
tradições culturais de determinados locais e regiões, valorizando os costumes de vida
dos grupos sociais, vistocomo ruralidade. As atividades geralmente são identificadas
pela presença de rotas turísticas e eventos festivos ocorrendo tanto em áreas rurais como
urbanas, entre outras formas de atividadesorganizadas.
Por outro lado, a possibilidade de obtenção de aumentar os rendimentos das atividades
não agrícolas e o acesso aos bens públicos pelas populações rurais tem amenizado as
migrações e permitido a fixação da população no campo em várias regiões.
Candiotto e Corrêa (2008) salientamo que Santos (1996) enfatiza com relação a
constante modernização e tecnização da agricultura como um aspecto que aproxima o
campo da cidade.
A partir das mudanças socioespaciais decorrentesda globalização percebe-se uma nova
dinâmica no campo,não significando que o campo deixe de existir, mas que ele vem
articulando, em outro plano, o conjunto doterritório com outras particularidades. As
atividades voltadas ao turismo no campo, por exemplo, encaminham o raciocínio nesta
direção.

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Segundo Abramovay (2001) os mais importantes estudos europeus e norte-americanos
convergem no sentido de definir o meio rural com base em três atributos básicos. O
primeiro é relacionado a natureza, ou seja, a ruralidade supõe, em última análise, o
contato muito mais imediato dos habitantes locais com o meio natural do que ocorre nos
centros urbanos. O segundo atributo é a relativa dispersão populacional, em contraste
com as imensas aglomerações metropolitanas. O terceiro se refere arelação com as
regiões urbanas: as grandes cidades são o centro nervoso do processo de
desenvolvimento. O próprio crescimento e a interiorização das grandes e médias cidades
abrem a oportunidade de novas atividades e da valorização dos atributos das
espacialidades rurais, até então desprezados. Por outro lado não se pode negar que a
renda urbana exerce influência sobre o dinamismo rural, não só daquela renda
constituída por mercados consumidores anônimos, masno que refere ao aproveitamento
das virtudes mais valorizadas no meio rural: a paisagem, a biodiversidade, a cultura,o
modo de vida.

Reflexões sobre a ruralidade

Analisando-se o discurso recente sobre o “novo rural” esse conceito remete ao


entendimento de ruralidade como sinônimo de natureza, ar puro, alimentos saudáveis,
relações pessoais mais próximas, entre outros aspectos que simboliza uma melhor
qualidade de vida. A partir disto, torna-se necessário buscar referencias sobre o tema,
para definir o que pode ser denominado de ruralidadeencontrada nos espaços rurais.
Neste sentido Moreira (2005, p. 132), escreve:

Esse (novo mundo rural) passa a ser compreendido não mais como espaço
exclusivo das atividades, mas como lugar de uma sociabilidade mais
complexa que aciona novas redes sociais regionais, estaduais, nacionais e
mesmo transnacionais. Redes sociais as mais variadas que no processo de
revalorização do mundo rural, envolve a reconversão produtiva
(diversificação da produção), a reconversão tecnológica (tecnologias
alternativas de cunho agroecológico e natural), a democratização da
organização produtiva e agrária (reforma agrária e fortalecimento da
agricultura familiar), bem como o fortalecimento dos turismos rurais
(ecológico e cultural). (Moreira, 2005, p 132)

Silva (1997) coloca que o novo rural é composto por quatro subconjuntos:

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- agropecuária moderna, vinculada às agroindústrias, formando os complexos
agroindustriais;
- conjunto de atividades de subsistência, bastante rudimentares. Sem-sem (trabalhadores
sem nada/excluídos);
- conjunto de atividades não agrícolas, ligadas ao lazer, moradia, e várias atividades
industriais e de prestação de serviços;
- “novas” atividades agropecuárias, voltada a um mercado menor e mais sofisticado
(criação de aves exóticas e outros animais para alimentação e venda; ornamentação com
espécies vegetais - flores).
Para o autor o rural tem anexado novas atividades as quais são denominadas de
complementar as atividades agrícolas no campo, sendo elas, portanto de caráter não
agrícola, com o objetivo de incrementar a renda das famílias que ali vivem. Tal atitude é
identificada comoestratégiasque revelam a presença crescente da pluriatividade entre as
famílias.
Para Abramovay (2001), a ruralidade é um conceito de natureza territorial e não
setorial; não pode ser encarada como etapa do desenvolvimento social a ser vencida
pelo avanço do progresso e da urbanização. A agricultura, a indústria, o comércio
sãosetores econômicos: a ruralidade é e será cada vez mais um valor para as sociedades
contemporâneas.
Carneiro (1998, p. 8), por sua vez, define ruralidade como “um processo dinâmico de
constante reestruturação dos elementos da cultura local com base na incorporação de
novos valores, hábitos e técnicas”.Para a autora o processo acarreta um movimento em
dupla direção, de um lado areapropriação de elementos da culturalocal e, de outro, a
apropriação de elementosda cultura urbana. Esta junção no mundo rural entre bens
culturais e naturais promove a presença de uma situação que não se traduz pela
destruição de nenhuma das culturas, mas que pode contribuir para alimentar a
sociabilidade e reforçar vínculos regionais.
Para Lindner (2010), a temática das ruralidades vem sendo trabalhada a partir de duas
correntes de interpretação: uma que analisa a emergência das “novas ruralidades” e a
outra que vê as ruralidades como manifestações culturais do espaço rural. A primeira
corrente coloca as “novas ruralidades” como uma alternativa para o desenvolvimento
econômico e social de áreas rurais deprimidas. Neste caso as ruralidades traduzem-se na
geração de novos empregos rurais em atividades emergentes no campo, como

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agricultura orgânica, pesca comercial e atividades de lazer e comércio. Entre essas
atividades de lazer e comércio, o turismo em espaço rural aparece como uma atividade
de destaque nas suas diversas modalidades, uma vez que, além da geração de ocupação
e rendimento, promove o comércio e a recuperação cultural local. A segunda corrente
vê as ruralidades como manifestações culturais do mundo rural, ou seja, refere-se aos
modos de vida das populações rurais, seus costumes, que se manifestam no contato
próximo entre as pessoas, na religiosidade, no trabalho comunitário, nas festividades, no
apego às tradições deixadas pelas gerações anteriores, entre outros elementos já
deixados de lado pelos habitantes de grandes centros urbanos.
Moreira (2005) em relação a esta segunda corrente destaca que as ruralidades seriam
compostas por objetos, ações e representações peculiares do rural, com ênfase para as
representações e identidades rurais dos indivíduos e grupos sociais. Na visão do autora
ruralidade é assim denominada quando as manifestações culturais são representativas
no/do espaço rural. Elas podem ser traduzidas pelas políticas públicas, instituições,
legislações, interesses, objetos técnicos e identidades características do rural.
Assim, a ruralidade refere-se às relações específicas dos habitantes do campo com a
natureza e das relações de interconhecimento geradas por relações estabelecidas com o
meio externo ao rural. Isto permite compreender que as populações rurais possuem sua
ruralidade, mas que esta pode ser modificada a partir de relações com novas técnicas e
com o urbano.A população urbana, por sua vez, também acaba apresentando ruralidades
conforme a dependência ou o interesse que demonstra pelo rural. As ruralidades dos
urbanos podem ser profundamente idealizadas pela mídia e por atores interessados no
rural como mercadoria ao vender a ideia de rural como natureza ou como espaço de
vida mais saudável. (Candiotto e Corrêa, 2008)
Na concepção de Lindner (2011) as ruralidades não estariam relacionadas diretamente
as atividades agrícolas, mas sim as características culturais ligadas ao modo de vida das
pessoas que habitam o rural, aos modos de vida tradicionais do campo, influenciando
atitudes e comportamentos, os quais não são, necessariamente, encontrados apenas nas
áreas rurais. A terminologia pode ser considerada um fenômeno de raiz urbano, que
além de se utilizar das ruralidades, engloba diversos outros elementos e atividades,
como fonte de geração de renda em atividades direcionadas a um público urbano.
Kayser (1990) tece comentários a força da imagem do rural traduzida pela paisagem
rural como objeto de consumo e vendida por atores e empresas urbanas.Isto faz com que

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aumente o interesse das pessoas residentes em área urbanas pelo rural, podendo
promover processos de colonização do campo por parte da população urbana. Para o
autor ocorre, em paralelo, a transformação da paisagem rural em objeto de consumo
havendo tendência crescente de elaboração e/ou valorização de identidades rurais para
atender a exigências do mercado, ou seja, dos citadinos. Por outro lado, o autor
reconhece a possibilidade de haver a presença de elementos da ruralidade no urbano,
assim como da urbanidade no rural.
Seguindo esta linha de pensamento, as possibilidades de desenvolvimento de qualquer
comunidade rural dependem dos laços que ela mantém com centros urbanos,
particularmente com as cidades que compõem a sua própria região. É preciso, portanto,
além do consumo simbólico e material do campo por parte dos habitantes das cidades,
aproximar outras relações econômicas e políticas entre o rural e o urbano.
Dessa forma, percebe-se que as ruralidades, podem estar presentes em qualquer espaço
por se referirem a manifestações culturais, ligadas ao modo de vida, tradições,
ocupações, ou seja, elementos característicos destes espaços que ocorrem não
necessariamente apenas neles, meio rurais, como podem ser reconhecidos sua presença
encravada no meio urbano.

Conclusões

O espaço rural não pode ser definido,unicamente, pela atividade agrícola, uma vez que
se observa significativa presença da redução de pessoas ocupadas na atividade
agrícolaem relação ao aumento do número de pessoas residentes no campo exercendo
atividades não agrícolas e ao aparecimento de uma camada relevante de pequenos
agricultores que combinam as atividades agrícolas com outras fontes de rendimento.
Igualmente, se observa a procura crescente por atividades de lazer e, até mesmo, de
meios alternativos de sobrevivência no campo, além disto, soma-se a migração de
pessoas que abandonam a vida urbana em detrimento das vantagens oferecidas pelo
ambiente rural.
A nova visão do rural propõe uma nova concepção das atividades produtivas,
especialmente daquelas ligadas à agropecuária, e uma nova percepção que se faz do
“rural” como patrimônio a ser usufruído e preservado.O meio rural deve ser entendido
como um conjunto organizado e planejado o aproveitamentode seus atributos,

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paisagísticos, culturais, históricos e econômicos. O rural tem diversas finalidades,
desempenha variadas funções e é suporte para diferentes atividades; proporciona a
construção do social e de novos sentidos para o meio rural, que se manifestam na
revalorização das áreas rurais.
Quando uma sociedade resolve explorar suas riquezas em benefício próprio, com
manutenção e preservação responsabilidade, se aproximando do que Ignacy Sachs
(2009)analisa como elevado grau de consciência de si, como ente social, e de seu
entorno, como meio de vida e de vivência,e englobando as esferas social, cultural,
ambiental, econômica e política, atinge-se a verdadeira sustentabilidade.

Notas

¹Pesquisa em desenvolvimento no LEPeR, parte integrante da dissertação de mestrado junto


aoPrograma de Pós-Graduação em Geografia, PPGGEO/UFSM.

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