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ENSAIO SOBRE A RELAÇÃO CAMPO E CIDADE EM IVAIPORÃ-PR1

Jóice KONRAD
Doutoranda em Geografia pela Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita
Filho”- UNESP – Presidente Prudente.
Professora do Instituto Federal de Santa Catarina (IFSC) – Câmpus Xanxerê
joicekonrad@yahoo.com.br

Rosângela Aparecida de Medeiros HESPANHOL


Professora Doutora, Docente dos Cursos de Graduação e de Pós-Graduação em
Geografia da FCT/UNESP de Presidente Prudente.
rosangel@fct.unesp.br

Resumo:
O campo e a cidade são categorias distintas, com especificidades próprias,
mas que não possuem sentido quando isoladas. No Brasil, a definição ou oficial
apresenta particularidades, já que está vinculada meramente a questão
política-administrativa, sendo desconsiderado tamanho e grau de complexidade
socioeconômica. Este ensaio tem com objetivo analisar a relação campo
cidade em Ivaiporã-PR, a partir de modernização da agricultura. Este processo
foi responsável pela introdução de novas técnicas e culturas por meio da
difusão do pacote tecnológico, causou intenso êxodo rural e concentração de
renda, contribuindo para o empobrecimento da região.

Palavras-Chaves: Relação campo-cidade; Modernização da Agricultura;


Ivaiporã;

Introdução

Ao longo da história, a relação campo e cidade têm sido estudadas por


antropólogos, sociólogos, historiadores, economistas e geógrafos, porém, cada
área analisa estas relações a partir de suas referências teórico-metodológicas.
Mesmo com essa diversidade de contribuições, os estudos sobre o rural não

1
Artigo apresentado na disciplina de “Relação Campo-Cidade e Desenvolvimento Rural” do
Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Estadual Paulista “Júlio de
Mesquita Filho” - UNESP - Campus Presidente Prudente. Também é fruto da experiência vivida
durante o período em que atuei como professora no Instituto Federal do Paraná-Campus
Ivaiporã.
foram esgotados e, muito menos, se chegou a um consenso, quanto ao futuro
do rural.
Não há uma teoria geral absoluta que explica a constituição e dinâmica
do campo e da cidade (SOLARI, 1979). Na verdade, há uma dificuldade de
definir campo e cidade justamente pela diversidade e complexidade de suas
relações.
Apesar de se observar no Brasil um movimento de desconcentração
industrial em direção ao interior, os pequenos municípios são pouco urbanos.
De acordo com Wanderley (2009, p.63), "os setores industriais e de serviços
permanecem ainda fortemente concentrados nas grandes cidades". Em várias
cidades, a urbanização está associada ao avanço do agronegócio globalizado.
Para tanto, é fundamental entender e aprofundar o debate, em termos
teóricos e metodológicos, da relação campo-cidade para superar a visão
dicotômica e antagônica presente em vários trabalhos. Neste artigo
compreendemos o campo e a cidade como uma unidade contraditória, na qual
cada um possui suas particularidades, mas são relações de
complementaridade/retroalimentação. As assimetrias e descontinuidades
existentes na relação campo-cidade estão relacionadas a fatores histórico e
econômico, logo, variam de um país para outro.
O artigo está organizado em três partes. Na primeira, discutimos as
diferentes concepções teórico-metodológicas da relação campo e cidade,
apontando alguns elementos próprios da realidade brasileira. Posteriormente,
analisamos como a modernização da agricultura brasileira modificou a relação
campo-cidade e inseriu novas demandas nos espaços rurais e reorganizou sua
estrutura conforme os interesses do capital. E, por último, esboçamos algumas
impressões das relações campo e cidade a partir da realidade do município de
Ivaiporã-PR.

1. Diferentes interpretações da relação campo e cidade

A distinção do que hoje conhecemos como campo e cidade teve início


com a Revolução do Neolítico, a partir da sedentarização de alguns grupos
humanos, através da "passagem da colheita, caça e pesca para agricultura e a
criação" (FAVARETO, 2007, p. 163). Este fato provocou o aumento da
produção, o que possibilitou a formação de excedentes, os quais poderiam vir a
ser trocados, e, permitiu o adensamento populacional.
As diferenças se intensificaram na Revolução Industrial, a partir da
divisão espacial do trabalho. Assim, o campo e a cidade mantiveram alto grau
de interdependência. Tradicionalmente, a economia do campo estava voltada
para agricultura, a produção primária (FAVARETO, 2007), enquanto que a
cidade seria espaço de consumo e circulação (MENEZES, 2009).
Dessa forma, podemos compreender o rural e o urbano como "modos
particulares de utilização do espaço e de vida social" (KAYSER, 1990, p.13
apud WANDERLEY, 2009). Devido a estas particularidades, por muito tempo,
os estudos sobre a relação campo e cidade eram feitas de forma separadas,
predominando uma visão dicotômica.
Esta visão está presente na obra de Sorokin, Zimmermann e Galpin
(1981), onde distinguem a sociedade rural e a sociedade urbana, com base em
vários critérios/ traços marcantes2. Muitas críticas foram realizadas a esta
concepção, já que os espaços não são estanques, pelo contrário, são
complexos e muito heterogêneos. Sendo assim, equivocado e limitado, analisá-
los através de comparações, sobretudo, de características genéricas ou
atemporais.
Na medida em que as sociedades foram se desenvolvendo houve uma
aproximação entre as cidades e o campo. Alguns autores observaram uma
espécie de linha contínua entre o rural e urbano, sendo este último indutor das
transformações técnicas, econômicas e sociais, ou seja, considerado o grau
máximo de desenvolvimento. Em outras palavras,

[...] a cidade aparece como consumidora e o campo como lugar da


produção por excelência [...]. Com o desenvolvimento das forças
produtivas e uma maior divisão do trabalho, a grande indústria
universalizou a concorrência, estabeleceu os meios de comunicação
e o mercado mundial moderno, engendrando uma rápida circulação e
centralização dos capitais [...] Completa-se a vitória da cidade sobre o
campo (MARQUES, 2000, p.105-106).

2
Para Sorokin, Zimmermann e Galpin (1981), as diferenças entre campo e cidade estariam
associadas ao tipo de atividades desenvolvidas, relação com ambiente, tamanho da
comunidade, densidade populacional e homogeneidade, mobilidade social e sua direção, e sua
interação social (quantidade e qualidade).
Esta concepção de continuum rural-urbano não rompe com a dicotomia
e antagonismo, na medida em que continua comparando-os sistematicamente.
Como ressaltado por Wanderley (2001), mesmo que os avanços tecnológicos
tenham rompido o isolamento do espaço rural ou diminuído consideravelmente
a distância e as diferenças, não se confirmou a previsão de vários autores do
fim do rural e do camponês. A esperada homogeneização deu lugar à
intensificação e complexificação das relações entre rural e urbano, e produziu
dinâmicas distintas.
A intensificação das relações campo e cidade provocaram mudanças na
agricultura e nos espaços rurais, com a diversificação de atividades. Isto tem
trazidos novos desafios na hora de compreender o rural, inclusive implicações
no desenvolvimento de políticas públicas, as quais passaram a priorizar
processos econômicos e sociais e, não mais, as divisões estáticas.
Assim, a relação campo cidade é dialética e complementar. Por isso,
"simboliza não somente o processo histórico da contínua expropriação e
subsunção do trabalho, mas a própria condição da realização, da acumulação
e da reprodução do capital" (MENEZES, 2009, p.104). As categorias campo e
cidade não devem ser entendidas como espaços absolutos, pois ambos são
partes de um conjunto social mais amplo.
A separação destes ocorre "[...] somente para fins didáticos e de
pesquisa. Significa que estudar processos e equilíbrios de regiões e de
sociedades globais, a perspectiva será a de grupos agrários ou dos grupos
urbanos, predominantemente, mas não exclusivamente" (QUEIROZ, 1979,
p.164). Para Menezes, a separação entre campo e cidade é

[...] uma mera abstração que nasce das relações de dominação


econômica, ganha um corpo concreto e sobrepõe a realidade material
como força ideológica que objetiva manter o estado normal da
produção capitalista até o ponto de sua naturalização (MENEZES,
2009, p.87).

No Brasil, a delimitação e definição do que é urbano e rural ainda


conservam um caráter dicotômico. A legislação brasileira considera urbana
toda sede de município (cidade) e distrito (vila), sem considerar suas
características. Sendo que, os municípios brasileiros tem autonomia para
delimitar os limites (perímetros urbanos) das zonas urbanas.
Para Wanderley, estamos diante de um paradoxo, já que para
considerar área urbana, "uma cidade não precisa comprovar sua capacidade
para o exercício das funções urbanas, porém, a presença de equipamentos de
infraestrutura e de serviços, [...] são vistos, legalmente, como a negação da
condição rural" (WANDERLEY, 2009, p.66). Temos como consequência, a
desqualificação do rural, que mesmo com as melhorias e investimentos em
eletrificação, estradas vicinais, transportes intramunicipais, saúde e educação,
entre outros, ainda não possuem cobertura satisfatórios e suficientes dos
serviços.
O Código Tributário Nacional ao definir que o Imposto Predial Territorial
Urbano – IPTU seriam arrecadados nas áreas urbanas, estimulou esse
crescimento espraiado, artificial das zonas urbanas dos municípios brasileiros.
Segundo SANTOS (2008, p.10) este crescimento "com tamanho desmesurado
que é causa e é efeito da especulação". Por isso, Veiga (2002), em seu livro
Cidades imaginárias: o Brasil é menos urbano do que se calcula3, questiona o
grau de urbanização país.
É importante destacar que mesmo com a expansão da urbanização,
encontramos nas cidades espécies de descontinuidades - especialmente nas
franjas urbanas, onde é comum encontrarmos atividades agropecuárias, seja
de cultivo ou criação, em contato com atividades urbanas, configurando
particularidades em sua organização. Nas cidades menores, não há muita
distinção entre esses espaços, onde predominam os traços rurais.
A definição do rural deve se utilizar de escalas multidimensionais de
comparação, indo além do critério dicotômico ou da noção do contínuo. Nesse
sentido, não podemos desconsiderar as especificidades de cada sociedade,
mas, as transformações só podem ser compreendidas a partir da analise do
campo-cidade.
Vejamos a seguir, como as relações entre os espaços rurais e urbanos
no Brasil se tornaram mais complexas a partir da modernização da agricultura.

3
O autor procura demonstrar que uma parcela do país considerada urbana, é, em sua opinião,
inequivocamente rurais. Uma das críticas recebidas diz respeito ao método adotado na análise
do processo de urbanização, que é simplista e fechado, e que ignora as contradições
profundas pelas quais devemos analisar as atuais relações cidade/campo no Brasil. Sobre o
assunto ver mais em CARLOS, Ana Fani Alessandri. O Espaço Urbano: Novos Escritos Sobre
a Cidade. – São Paulo: Labur edições, 2007.
2. A modernização da agricultura e a relação campo-cidade

Analisando a relação campo-cidade ao longo do tempo é possível


identificar algumas particularidades da realidade brasileira. Uma delas,
destacada por Queiroz (1979), é que o processo de urbanização não ocorreu
de forma uniforme em todo país e que não foi fruto da industrialização, já que a
indústria se desenvolveu tardiamente a partir de 1930. Primeiramente, na
década de 1820 ocorreu a difusão de um gênero de vida da sociedade
burguesa que diferenciou a população urbana tanto economicamente, mas,
sobretudo, cultural e intelectualmente. É importante ressaltar que, por algum
tempo, algumas cidades tradicionais exprimiram padrões de cultura de uma
sociedade rural (WANDERLEY, 2009).
Um dos motivos que transformou significativamente as relações campo e
cidade no Brasil foi a modernização da agricultura, promovida pelo Estado, a
partir de meados da década de 1960, tendo como objetivo o desenvolvimento
urbano-industrial do país. Esse processo integrou a agricultura ao circuito
industrial como “consumidora de insumos e maquinarias” e “como produtora de
matéria-prima para a sua transformação industrial” (SORJ, 1986, p.11).
Os instrumentos e ações setoriais criados para transformar a base
técnica de parte dos estabelecimentos agropecuários e aumentar a
produtividade reforçaram a ideia da dicotomia, sendo o rural sinônimo de
agrícola. As políticas foram seletivas, visto que privilegiaram determinadas
regiões, produtos e produtores (GONÇALVES NETO, 1997). Foi considerada
conservadora e dolorosa pelo fato de manter a estrutura fundiária concentrada
(GRAZIANO DA SILVA, 1981).
A racionalização do espaço rural, através da lógica do capital, impõe
especializações produtivas, que tem provocado vários problemas como o
êxodo rural, concentração de terras e marginalização de grande parte dos
agricultores. Além disso, a adoção deste modelo de desenvolvimento acabou
por intensificar as relações campo e cidade, alterando não só a dinâmica do
mundo rural como das cidades, que depende destas atividades. Segundo Elias,

É possível identificar no Brasil agrícola moderno vários municípios


cuja urbanização deve-se diretamente à consecução e à expansão do
agronegócio, e cuja função principal claramente associa-se às
demandas produtivas dos setores relacionados à modernização da
agricultura (ELIAS, 2008, p.06).

Com a modernização da estrutura produtiva agrícola e agroindustrial


temos a redefinição do consumo do campo, "que deixou de ser apenas
consumptivo para se tornar cada vez mais produtivo e criou demandas até
então inexistentes" (ELIAS, 2008, p. 07). Assim, as novas relações entre
campo e cidade dinamizam o setor terciário e, consequentemente, a economia
urbana, porque é na cidade que ocorre a regulação, a gestão e normatização,
ou seja, "materialização das condições gerais de reprodução do capital do
agronegócio" (ELIAS, 2008, p.06).
No próximo tópico desenvolveremos algumas reflexões acerca da
relação campo cidade em Ivaiporã, município localizado no norte do Paraná.

3. Impressões sobre a relação campo e cidade em Ivaiporã-PR

O município de Ivaiporã se localiza na mesorregião


Norte Central Paranaense (ver mapa 1) e tem limites territoriais com os
municípios de Jardim Alegre, Grandes Rios, Rio Branco do Ivaí, Ariranha do
Ivaí, Manoel Ribas e Arapuã.
As terras férteis da região, em meados da década 1940, despertaram o
interesse de vários colonizadores. A ocupação das terras gerou alguns
impasses judiciais entre governo do Estado do Paraná e alguns fazendeiros no
que diz respeito à legalidade do título da propriedade da terra (BOING, 2007).
A ocupação do município foi resultado do encontro das três frentes de
colonização4: tradicional, norte e sul (LAZIER, 2003). A Sociedade Territorial
Ubá LTDA (STUL) usou um sistema de loteamento semelhante à da
Companhia Melhoramentos Norte do Paraná (CMNP), realizada por meio de
pequenos lotes, facilitando a sua comercialização.
A STUL incentivou à vinda de migrantes, sendo a maioria do norte do
Paraná e do estado de São Paulo, que plantaram as primeiras lavouras de
café. A perspectiva de lucros fez com que o café se expandisse para várias
regiões, onde as condições climáticas não eram tão favoráveis (PADIS, 2006).
Esta produção estimulou o comércio local, levando ao desenvolvimento
de pequenos núcleos urbanos. Assim, a expansão da cafeicultura foi
responsável pelo impulso na economia, inclusive, regional, já que está exigia
muita mão obra. Nesse período, a população era predominantemente rural e o
dinamismo de Ivaiporã estava vinculado à vida do campo.
No final da década de 1950 e início dos anos 60, a supersafra brasileira
e a entrada de outros países produtores de café no mercado mundial
provocaram uma profunda crise. Tanto é que o governo passou a desestimular
a atividade, erradicando a lavoura cafeeira (BATISTA e CORDOVIL, 2012).
Inicia-se a introdução de cultura mecanizáveis, como o trigo e a soja, exigindo
pouca mão de obra. As fortes geadas que afetaram o café e o preço elevado
da soja no mercado internacional corroboram para a consolidação dessas
lavouras.
A modernização da agricultura provocou profundas transformações
técnicas, sociais, econômicas e ambientais, e implicaram também em
alterações na relação campo-cidade em Ivaiporã. A introdução de novas
culturas, técnicas e maquinário, permitiram maior produtividade e a redução da
diversificação da produção. O êxodo rural causou retração na economia local e

4
"A frente tradicional é a ocupação antiga a partir da mineração na serra do mar e dos campos
gerais com o tropeirismo; as frentes sulista e nortista representam a ocupação mais recente
com a vinda dos gaúchos e catarinenses pelo sul; e dos paulistas, mineiros, nordestinos.
vindos do norte no cultivo do café" (BOING, 2007, p.8).
dos municípios próximos, visto que a mão de obra não conseguiu ser absorvida
pela incipiente indústria. Isto gerou um esvaziamento demográfico regional e,
consequentemente, contribuiu para a concentração de terras (DENEZ, 2011).
Os dados do Censo Demográfico do IBGE comprovam este cenário.
Entre os anos de 1970 e 1990, Ivaiporã teve significativa perda populacional,
passando de 67.988 habitantes para 37.829 e, continuou em queda, sendo
estimada em 2014, em 32.705 habitantes. Deste total, mais de 86% da
população vive no espaço urbano, enquanto que o restante, cerca de 4.378,
vive na zona rural (IBGE, 2010).
Em Ivaiporã, o índice de pobreza chegou a 40,84% e o coeficiente de
Gini é de 0,40 (IBGE, 2013). Isso permite compreender a liberação de
R$1.052.847,00 até junho de 2015 para o município, por meio de políticas
federais de Transferência de Renda Diretamente às Famílias em Condição de
Pobreza e Extrema Pobreza (Lei n° 10.836, de 2004).
Em relação ao Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM),
este tem apresentado expressiva melhoria. Enquanto em 1991, o IDHM era de
0,486, passou para 0,730 em 2010. Ressalta-se que esta realidade é comum
em outros municípios da microrregião, já que a região se caracteriza como de
economia “deprimida”.
Nos últimos anos podemos identificar, em Ivaiporã, dois processos em
andamento. Primeiro, a expansão da área urbanizada, através da criação de
novos loteamentos e outros investimentos, mesmo com a redução populacional
do município.
Outro processo, ilustrado na figura 1, é que encontramos no espaço
urbano, o cultivo de áreas de lavouras, ou seja, verdadeiras descontinuidades
(ROCHA e PIZZOLATTI, 2005). Não podemos negar também que parte da
população urbana do município tem laços com o campo, sendo pequenos
proprietários rurais e, em alguns casos, fazendeiros que residem nas áreas
urbanas, ou ainda, trabalhadores rurais temporários (DENEZ, 2011). Conforme
Rocha e Pizzolatti (2005, p.46), "as atividades rurais permanecem em contato
as atividades urbanas, sendo que nestes subespaços, heranças e modos de
vida distintos configuram uma particular configuração sócio-territorial do espaço
urbano".
Figura 1. Espraiamento da área urbana: novo loteamento e áreas agrícolas
Fonte: Joice Konrad e Google Earth, 2015.

Estamos diante de um verdadeiro paradoxo e que provoca inúmeros


questionamentos: A que fatores se devem essa expansão urbana? Seria
apenas especulação imobiliária? Transferência de capital agrícola para o
espaço urbano? Quem são os agentes de transformação do espaço urbano e
qual sua ocupação? Estes investimentos contribuíram para o aumento do preço
das terras agrícolas e urbanas no município?
Mesmo que o município tenha uma pequena população rural e que a
principal atividade econômica do município seja o comércio e a prestação de
serviços sendo refer ncia na microrregião em serviços como saúde e
educação ,em termos de arrecadação e empregos5, têm como hipótese que
são as demandas do espaço rural regional que impulsionam, quando não
determinam, a dinâmica econômica e social da cidade de Ivaiporã.
No entanto, não podemos negar a importância econômica das atividades
agropecuárias no município, que no ano de 2013, foi a segunda fonte de maior

5
Em 2013, o comércio e serviços arrecadaram aproximadamente R$174.007.225,00, e foram
responsável por mais de 4 mil empregos diretos (IPARDES, 2013).
arrecadação (IPARDES, 2015). O espaço rural se caracteriza por ser
eminentemente agrícola, sendo que 68% dos 1.883 estabelecimentos
agropecuários possuem até 50 ha.
Entre as atividades econômicas desenvolvidas predominam as lavouras
temporárias de soja, trigo, milho, feijão, cana de açúcar e tomate; café, como
lavoura permanente; e na produção animal, destacam-se a pecuária, a
produção de leite e os casulos de bicho de seda (CENSO AGROPECUÁRIO,
2006).
Estes dados nos levam a acreditar que agricultura familiar tem resistido,
já que o agronegócio tem avançado significativamente, contribuindo para a
concentração de terras. O que sugere outras indagações para novos estudos:
Quais têm sido as estratégias adotadas pelos agricultores frente a este
processo? Estão organizados? Que atividades desenvolvem e para quem
comercializam? Quais são suas condições de vida? A pobreza urbana estaria
associada com a pobreza rural?
As respostas dessas indagações permitirão avançar na compreensão da
relação campo e cidade no município de Ivaiporã que, por sua vez, devem ser
consideradas tendo em vista o desenvolvimento local, assim como, o regional.
Devido à realidade dos municípios vizinhos ser semelhante, sendo interessante
investigar se há políticas/ projetos/ parcerias de desenvolvimento entre eles,
que visem reverter as situações vividas pela região.

Considerações Finais

Por muito tempo, a cidade foi considerada sinônimo de desenvolvimento


e modernidade, enquanto que o campo, como atrasado e pouco dinâmico. Com
a modernização da agricultura no Brasil, estas relações se complexificaram, na
medida em que criaram novas demandas no espaço rural e urbano,
especialmente de pequenos municípios.
No entanto, a forma como este processo foi condu ido enquanto
apenas pol tica setorial contribuiu para acentuar os problemas já existentes,
como reconhecer o espaço rural como eminentemente agrícola e a
concentração de terras, além de criar novos problemas, tanto no campo como
na cidade, como êxodo rural, pobreza rural, crescimento desordenado das
cidades. Isso intensificou ainda mais as diferenças entre estes espaços.
Em municípios menores, como foi o caso estudado, este não possuía
uma estrutura necessária para sustentar as mudanças de organização da
produção, sobretudo para absorver o excedente populacional, o que provocou
uma profunda crise e estagnação econômica, refletida pelo alto índice de
pobreza até hoje encontrado.
Nos últimos anos, ocorreram alguns avanços socioeconômicos
importantes no município, porém, de forma isolada. Pensando em estratégias
de desenvolvimento local e regional, já que os problemas evidenciados são
comuns, há a necessidade de políticas que superem a visão dicotômica ou de
continuum, e que passem a entender o espaço rural e urbano como
complementares. Para tanto, a articulação política em projetos
integrados/consórcios é pilar essencial para a melhoria de vida da população,
independentemente de seu local de moradia.

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