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ISSN 2175-3369

urbe. Revista Brasileira de Gestão Urbana, Curitiba, v. 1, n. 2, p. 151-161, jul./dez. 2009


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FORMAÇÃO SÓCIO-ESPACIAL E DINÂMICAS


URBANO-REGIONAIS NO RIO GRANDE DO NORTE:
o lugar da região metropolitana de Natal
TÍTULO
Socio-spatial formation and urban-regional dynamics in Rio Grande do Norte
State: the place of the Metropolitan Region of Natal

Cilene Gomes[a]
[a]
Estagiária de Pós-Doutorado no Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional (IPPUR), Universidade Federal do
Rio de Janeiro (UFRJ), Doutora em Geografia Humana (USP), São José dos Campos, SP - Brasil, e-mail: cilenegomes@terra.com.br

Resumo
Adotando a categoria de formação sócio-espacial (Milton Santos), um estudo das relações entre
espaço e sociedade no curso da história do desenvolvimento do Rio Grande do Norte foi
empreendido com o objetivo geral de identificação dos nexos socioeconômicos, demográficos e
espaciais que constituem as diferentes dinâmicas urbano-regionais do Estado, e com o objetivo
específico de atribuir à região metropolitana de Natal o seu devido lugar, enquanto núcleo
estruturador dessas dinâmicas. Nessa busca, um destaque foi dado à análise do perfil da urbanização,
que não apenas revela algumas características da evolução da rede urbana do Estado, como possibilita
que sejam entrevistos os contornos de sua regionalização. A título de conclusão, pode-se observar,
entre outros aspectos significativos, o acentuado contraste entre o desenvolvimento técnico-
econômico do Estado, nas últimas décadas, e as condições precárias da vida de grandes parcelas
da sociedade, o que se rebate espacialmente, em uma fraca divisão territorial do trabalho, em uma
rede urbana desequilibrada e com apoio em um muito pequeno número de cidades.

Palavras-chave: Formação sócio-espacial. Rio Grande do Norte. Urbanização. Regionalização.

Abstract

Adopting the category of socio-spatial formation (Milton Santos), a study about the relationship
between space and society in the course of history of the development of Rio Grande do Norte
was undertaken, with the overall aim of identifying socio-economic, demographic and spatial
links, that represent the different urban-regional dynamics of the state, and also with the
specific aim of giving the metropolitan area of Natal its rightful place, as the structuring core

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of these dynamics. In this search, thought was given to the analysis of the profile of urbanization,
which does not only show some characteristics of the urban network of the state evolution,
which make it possible to glimpse the outline of its regionalization. In conclusion, we can
observe, among other aspects, the sharp contrast between the technical-economic status in
recent decades, and the precarious conditions in which large parts of the society live, what is
spatially represented in a weak territorial division of labor in an unbalanced urban network,
supported by a very small number of cities.

Keywords: Socio-spatial. Rio Grande do Norte. Urbanization. Regionalization.

INTRODUÇÃO constituem um todo com o movimento da histó-


ria. Para entender a sociedade em seu todo, trata-
No estudo da formação sócio-espacial bra- se de considerar as suas instâncias como elemen-
sileira, pressupõe-se que sua unidade e diversidade tos dinâmicos de sua organização, em suas rela-
devam ser contempladas. Os processos do tempo ções recíprocas e determinações específicas. Tais
constituem o fator primordial da unidade da forma- seriam as instâncias econômico-produtiva, polí-
ção sócio-espacial, através das determinações soci- tico-institucional, ideológico-cultural e a instân-
ais estabelecidas em diferentes períodos. As trans- cia espacial, que também constitui uma media-
formações na instância determinante dos processos ção relevante para o estudo da formação social,
políticos, econômicos e sócio-culturais se definem já que o espaço é social, contém as instâncias da
em função das relações do Estado-Nação no plano sociedade e é contido por elas (SANTOS, 1989).
internacional e segundo as condições internas da Considera-se que a formação sócio-espa-
organização sócio-espacial em cada período. cial brasileira, no quadro dos processos e condi-
Uma comparação entre as distintas for- ções estabelecidos em cada período, pode ser
mações sócio-espaciais que constituem a estru- retratada, pela identificação de dinâmicas urbano-
tura sócio-espacial brasileira, segundo a história regionais, a partir de distintas escalas de organiza-
da colonização e de uma nação republicana, deve ção. Da grande região que subentende o Nordeste
basear-se na expansão do sistema capitalista e, (FURTADO, 1964, 1984) às regiões da formação
em específico, em seus interesses externos e social do Rio Grande do Norte (CLEMENTINO,
hegemônicos. Nos estados da federação e seus 1995, 2003; FELIPE; CARVALHO, 2002; SAN-
subespaços, formas semelhantes de organização TOS, 2005b), a análise espacial será bem repre-
e funcionamento do espaço-tempo social podem sentada pelos processos concomitantes de urbani-
ser identificadas enquanto uma única realidade. zação e regionalização e, assim, pela realidade de
Mas esta evolução de determinações histó- núcleos urbanos casados a um espaço regional, a
ricas se dá mediante um processo de regionalizações partir das inter-relações entre esses núcleos e das
preferenciais e de constituição de centros geográfi- relações de cada um dos núcleos com os territórios
cos que lhes correspondem. Este processo subenten- em seus arredores.
de um embate continuado, em cada lugar, entre as Para a análise das relações entre urbani-
heranças do passado e as forças e ações hegemônicas zação e regionalização, diferentes bases de dados
do presente, e subentende a seletividade e as defasa- foram organizadas em vista de estudos específi-
gens do desenvolvimento econômico e social. As cos sobre a população, o equipamento do territó-
regiões assim se diferenciam na formação sócio- rio, a economia e a problemática social do estado
espacial do país, segundo as condições deste embate potiguar. Além disso, o objetivo deste relato será
que as particularizam em cada período. particularizar, em linhas breves, as característi-
Entendendo que na base da formação cas e problemáticas de suas três principais regi-
sócio-espacial estão as relações fundamentais ões, a saber: a região metropolitana que suben-
entre espaço e sociedade (SANTOS, 2005a), tende, hoje, a estatura real da expansão urbana de
supõe-se a identificação de variáveis significati- Natal, e as regiões de Mossoró e do Seridó (MO-
vas para o estudo de como espaço e sociedade RAIS, 2005).

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DESENVOLVIMENTO naturais e sociais adversas, incluindo as secas


periódicas (desde o século XVII) e, sobretudo, o
O artigo será ordenado a partir de uma modelo político-econômico espoliador, terminam
leitura da formação sócio-espacial do Rio Grande por induzir aos frequentes movimentos migratóri-
do Norte e, em seguida, trazendo uma abordagem os, aos imensos contrastes sociais e à pobreza
empírica de algumas dinâmicas urbano-regionais. urbana, na medida em que a violenta privação da
Alguns resultados serão também objeto de discus- terra e dos meios para a produção instaura a
são ante o problema da pesquisa, que se identifica, necessidade de sobrevivência em outro lugar, cri-
em síntese, na organização sócio-espacial do país, ando outros problemas estruturais.
constituída historicamente de modo desigual e De fato, considerando ao menos os pri-
com defasagens, segundo suas distintas regiões, o meiros ciclos da economia colonial potiguar (cana-
que subentende um quadro similar e, todavia, de-açúcar e gado), assentados em uma estrutura
diferenciado, em cada unidade da federação e no fundiária concentrada, de produção extensiva, tra-
caso do Rio Grande do Norte, em função da sua balho escravo e grande pobreza rural, os desloca-
história de povoamento e ocupação territorial e mentos populacionais tornaram-se uma constante.
das trajetórias subsequentes e específicas de seu No litoral, áreas de produção de alimentos perde-
desenvolvimento econômico e social. ram espaço para o cultivo da cana, ocasionando
Quanto à metodologia, é preciso ressaltar movimentos de população para o agreste, que tam-
o pressuposto fundamental de que, na relação entre bém se tornou uma região acolhedora de retirantes
a formação sócio-espacial brasileira e a formação sertanejos, até que mais adiante, as cidades (do
do estado potiguar, o todo explica a parte, e, contu- Nordeste e de outras regiões) tornam-se mais atra-
do, a parte constitui uma forma da diversidade do tivas para os contingentes desfavorecidos.
todo. Considera-se ainda que a urbanização e a Dessa forma, e historicamente, as migra-
regionalização sejam processos indissociáveis na ções associaram-se à desorganização e condição
abordagem do desenvolvimento socioeconômico precária da vida produtiva e social em meio rural
rebatido espacialmente, constituindo, assim, variá- e aos novos dinamismos que tendem a se estabe-
veis significativas no estudo da formação potiguar. lecer em meio urbano, em razão da falta crônica de
E na menção das técnicas de investigação utiliza- autodeterminação política aliada à falta de priori-
das, cumpre destacar a adoção de procedimentos de dade para uma reorientação mais propícia aos
comparação, quantificação e geoprocessamento das interesses de toda a sociedade e ao desenvolvi-
informações. mento do ser humano. Os deslocamentos
populacionais que, no início, expressavam a busca
de melhores condições de vida dos habitantes
A formação sócio-espacial do rurais (em outras áreas rurais e nas cidades), alte-
Rio Grande do Norte raram-se, nas últimas décadas, constituindo o novo
padrão urbano-urbano de origens e destinos, mas
Como em outras porções do Nordeste, os o jugo do colonialismo terá deixado de subsistir?
processos de ocupação e povoamento do estado
potiguar ligam-se às geografias da região litorânea,
do agreste e dos sertões, tal como distingue Furta- Comércio e integração territorial
do (1964). Nesta porção de regiões naturais, te-
mos a condição original de uma vasta extensão de Outra questão também relacionada à
terras dadas as determinações dos agentes coloni- mobilidade populacional e, agora, à circulação de
zadores e uma realidade social que tende a se mercadorias, refere-se ao papel que os caminhos
estruturar na base de exploração do trabalho hu- do gado desempenharam na integração entre regi-
mano, em favor de uma economia extrovertida e ões e localidades do Estado. No litoral ou interior,
na condição de uma desarticulação quase total as vias de trânsito mais importantes foram as que
entre os núcleos urbanos coloniais. pisaram as boiadas, vaqueiros, tropeiros e outros
Com cerca de 80% de sua área no Polígono viajantes. Elas foram cruciais para as trocas co-
das Secas, o Rio Grande do Norte não foge à regra merciais e simbólicas inter-regionais do tempo
dos demais Estados nordestinos. As condições colonial e base para a implantação das primeiras

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estradas que, no início do século XX, junto à condição indispensável para a soberania do Esta-
construção de açudes, constituíram tentativas de do, o desenvolvimento econômico e produtivo e a
socorro (frentes de trabalho e água) às populações remodelação sócio-espacial. Assim, as estruturas
atingidas nos períodos de seca. do serviço comercial, instaladas nas cidades-porto
Na colônia, a necessidade de defesa do e em outros núcleos urbanos, o progresso da
território e o direito sobre as terras efetivamente industrialização (cana, algodão e alimentos) e o
ocupadas encontravam sua força motriz no capita- maior potencial de acessibilidade dado pelos siste-
lismo comercial europeu. Como explica Furtado mas viários de transportes e comunicações em
(1984), os holandeses assumiram um papel impor- expansão estão na base das interdependências
tante no processo de financiamento e criação de estaduais e extra-locais que sustentarão o modelo
mercados para a empresa agrícola do açúcar. E com do desenvolvimento capitalista dependente,
os conhecimentos técnicos e equipamentos de na- redimensionando, pouco a pouco, os modos de
vegação e produção disponíveis, mais a coerção do produção, o mercado de trabalho, o consumo de
escravocrata, completavam-se as condições pri- bens e serviços e a vida de relações sociais.
mordiais para o empreendimento português nas
terras recém alcançadas.
No plano de uma economia guiada por A caminho de grandes transformações
objetivos forâneos e uma condição geográfica origi-
nal induzindo à ocupação litorânea e em pontos Nas décadas anteriores aos anos 70, tal
esparsos do interior, desenvolveram-se o comércio como apontam Clementino (1995), Felipe e Carva-
do produto exportável e o comércio de abastecimen- lho (2002) e Santos (2005b), outros fatos exerce-
to das regiões geoeconômicas (FURTADO, 1964), ram influência decisiva para a formação estadual. A
incluindo as trocas comerciais nas águas costeiras e segunda guerra mundial é um deles. No momento
as relações entre diferentes áreas de produção e as em que os minérios (sheelita, berilo) já representa-
principais aglomerações urbanas do litoral e interior. vam um segmento econômico importante, a guerra
No conjunto das atividades que abriria mercados reatualizando as exportações e
estruturaram a economia estadual, o sal e o algo- gerando recursos para investimentos produtivos. A
dão ocupam um espaço comercial de destaque, construção da base aérea americana em Parnamirim
junto ao açúcar e o gado, sobretudo com os pro- e de outras instalações militares também acarretou
cessos de beneficiamento e os mercados criados remodelações do espaço social e edificado de notá-
pela primeira guerra. Não à toa, durante o século vel impacto. Afluxos populacionais, novos capi-
XIX e as primeiras décadas do século XX, surgem tais, atividades, serviços e construções atestam a
iniciativas visando o reequipamento produtivo e expansão urbana de Natal que, desde então, no seu
de integração territorial, o que implicará em uma crescimento conexo ao de Parnamirim, tende a
ampliação das relações econômicas e sociais em constituir o principal eixo de inter-relações do que
geral e das transferências bidirecionais (capital, hoje se define como formação metropolitana.
tecnologia, riquezas) que têm sustentado as rela- Dessa forma, o movimento desenvol-
ções com países hegemônicos. São elas: a criação vimentista reafirma-se com a favorabilidade de
da alfândega (1820) em Natal (rompendo com a circunstâncias externas e, à força do imperialismo,
dependência comercial de Pernambuco); a remo- sob o ideal do progresso técnico-econômico e do
delação de portos e da navegação costeira a vapor planejamento do desenvolvimento regional. Como
(portos de Natal, Macau, Mossoró e Areia Bran- assinalam os mesmos autores, a SUDENE é insti-
ca); a implantação dos primeiros trechos ferroviá- tuída e novas condições estruturais se estabelecem,
rios (regiões litorânea, central e oeste do Estado) nos anos 60, demarcando o início de outra etapa da
e estradas carroçáveis; o aparelhamento de usinas formação estadual. Energia, transportes, telefonia,
do açúcar e de eletricidade e a instalação dos habitação e educação são alguns dos serviços públi-
correios e telégrafos (SANTOS, 2005b). cos que se tornam alvo de políticas e investimentos.
A integração do território, efetivada em Em meio ao predomínio das indústrias de pequeno
alcances variáveis ao longo da história, pelos trans- e médio porte, com formas artesanais de produção,
portes, as comunicações e as relações comerciais, o setor secundário da economia já agregava 10% da
representaria, assim, como em todo o país, a renda estadual e surgem novas tendências. Os

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processamentos relativos à extração do sal e de Costeira, em Natal (SANTOS, 2005b). Nasce


minérios e ao ramo têxtil e de confecções tornam- também o projeto da criação de camarões em
se mais produtivos com os novos recursos cativeiros que, todavia, apenas recentemente,
tecnológicos disponíveis e a presença de constituiria uma oportunidade de negócios fo-
multinacionais do algodão já influía na recomposi- mentados pela iniciativa privada e o governo
ção das usinas de beneficiamento. Paralelamente, estadual, em vista das exportações e do desen-
com o setor primário e o terciário respondendo, volvimento científico-tecnológico e turístico.
cada um, por 45% do produto interno bruto estadu- Nos anos 80, ao mesmo tempo em que o
al, intensifica-se o processo de esvaziamento dos turismo torna-se objeto de novos programas e con-
espaços rurais, que tornará a urbanização cada vez vênios, reafirma-se a prioridade para a industriali-
mais hierarquizada pela expansão dos serviços, zação, que prossegue com força, agora, na implan-
caracterizando, na configuração dos circuitos infe- tação dos distritos industriais nos arredores de
riores da economia, parte da engrenagem do subde- Natal e em Mossoró, onde as atividades relaciona-
senvolvimento das cidades. das ao petróleo diversificam-se gradualmente e a
fruticultura irrigada se desenvolve para a exporta-
ção. As preocupações crescentes com o mercado
Modernização, industrialização e turismo externo, aliás, ressentiam-se com a inadequação do
Porto de Natal, quando boa parte dos produtos era
Daí as grandes transformações a partir ainda escoada pelos portos de Fortaleza, Recife e
dos anos 70. Enquanto as secas empobrecem Cabedelo na Paraíba (SANTOS, 2005b).
ainda mais a agricultura e a pecuária, acirrando o
problema econômico secular das atividades de
subsistência pela falta ou má utilização dos re- Progresso técnico-econômico e globalização
cursos hídricos, a construção da Barragem Enge-
nheiro Armando Gonçalves, no Baixo Açu, tor- Nessas dinâmicas de inserção no mundo
na-se um marco no trajeto para o atual programa globalizado, propensas à especulação financeira
governamental de construção de adutoras. Sur- e às privatizações do maior lucro e ainda, à
gem as primeiras destilarias de álcool, com o expansão técnico-científica e informacional, o
PROÁLCOOL. A modernização atinge a produ- estado inicia os anos 90, fortemente imbuído
ção do sal, através da monopolização das salinas pelos mesmos ideais que, ideológica e politica-
(por grupos estrangeiros), da mecanização dos mente, têm sustentado o jogo do livre mercado e
processos de extração e das exportações pelo os privilégios de minorias, reservando o mesmo
novo terminal de Areia Branca, o Porto-Ilha. A lugar secundário que sempre ocuparam, em nossa
mineração da sheelita também se mecaniza. O formação tão desigual, as grandes parcelas de
setor industrial cresce, incluindo a indústria de cidadãos espoliados e as políticas mais favorá-
alimentos e medidas adotadas para a instalação e veis ao desenvolvimento humano e social.
consolidação do parque de indústrias têxtil e de Não é de se estranhar que, na busca de
confecções. Projetos de polos industriais são elevação dos níveis de competitividade e con-
idealizados e, em fase de grande aspiração pela quista de mercados, novos programas, parcerias
potência econômica, a Petrobrás descobre os e investimentos tendem a se firmar, em nome da
primeiros campos de petróleo no Estado, desen- sustentabilidade do desenvolvimento, através de
cadeando variados investimentos e atividades. incentivos, fomentos e equipamentos territoriais,
Todas as cidades já se encontravam ele- no conhecido espírito de uma guerra dos lugares,
trificadas com a energia de Paulo Afonso e pro- para a atração de novas indústrias e outros em-
gramas habitacionais são propostos. No pretexto preendimentos rentáveis. O Centro Industrial de
de destinar mais atenção para o Nordeste, inse- Macaíba constitui um resultado desta estratégia
rindo-o na lógica da busca de maior rentabilida- de sustentação, assim como outros investimen-
de, o potencial turístico do Estado é despertado tos (realizados e previstos) em infraestrutura, a
sob a indução do Governo Federal, pela agenda exemplo da modernização do aeroporto em
dos Planos Nacionais de Desenvolvimento, com Parnamirim e, recentemente, do novo aeroporto
a construção de hotéis e a implantação da Via de São Gonçalo do Amarante; do gasoduto Açu-

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Seridó, de ramais ferroviários e do novo terminal mico e o quanto há ainda por saldar, no Estado, da
pesqueiro de Natal etc. E com estas investidas, a enorme dívida social que o Estado-Nação tem acu-
economia vivencia um acentuado retrocesso na mulado no curso de sua história em razão de ações
agropecuária (OBSERVATÓRIO DAS ME- coniventes a interesses alheios ao bem comum,
TRÓPOLES, 2006, p. 9-12; 75). inspirada nos princípios ideológicos da colonização
Além desses fatos e iniciativas, e segundo exploradora e da dependência político-econômica
a mesma orientação político-ideológica, os anos 90 que se perpetuou até hoje.
caracterizam-se, ainda, no Estado, pelos desdobra- Como não evocar, em meio às paisagens e
mentos da atuação da Petrobrás em sua região-sede aos dados disponíveis, os ambientes da moradia,
e em Natal; pelo projeto do polo Gás-Sal em em meio rural e urbano, desprovidos dos recursos
Guamaré; pela retomada da exploração de minérios mínimos do saneamento básico. Como não pensar
e pelos saltos de produtividade da fruticultura; pela nas dificuldades das famílias que tentam subsistir
carcinicultura e pela pesca organizadas em moldes da agricultura ou da criação animal, tais como as de
modernos; pelo vigoroso impulso dado ao turismo, custearem e manterem essa subsistência e de pro-
por meio dos investimentos do Programa de Desen- gredirem em seu trabalho e bem-estar. Por certo, as
volvimento Turístico do Nordeste (PRODETUR) distâncias sociais entre os diferentes segmentos da
em infraestruturas e de convênios com grandes população são ainda maiores do que a imobilidade
financiadores; pelo boom imobiliário e especulativo daqueles que não têm nem o acesso físico aos bens,
que, em boa medida, condiz à atividade turística, serviços e espaços que agregam e ofertam as opor-
mas também e, sobretudo, à falta de controle pelo tunidades e os benefícios da vida moderna.
aparato político-normativo de caráter territorial; Além disso, a convivência dos diferen-
pela tendência à espetacularização das tradições tes circuitos econômicos, que se diferenciam
culturais, a exemplo do Carnatal e das modernas pelo uso de mais trabalho ou mais capital e de
Festas de São João etc. mais ou menos tecnologia e organização, poderia
revelar não só o peso dos grandes agentes
desorganizadores de uma estrutura de atividades
Defasagens do desenvolvimento social locais, como no caso mais visível do comércio de
abastecimento, mas também a perversidade das
Mas esta breve leitura da formação sócio- estruturas de dominação que se fortalecem pela
espacial potiguar não estaria completa se deixásse- exploração da força de trabalho e da própria
mos de contrapor a estas considerações a questão do condição humana, como na dualidade explícita
desenvolvimento social, tão ou mais defasado neste de uma cena envolvendo um turista estrangeiro e
Estado, relativamente ao seu progresso técnico- uma jovem que se prostitui, incentivada, às ve-
econômico, como em outra qualquer unidade da zes, pela própria família miserável.
federação. Pois, se os investimentos propagados em Por esses poucos exemplos, entende-se
políticas e programas sociais constituem, aparente- que as demandas e políticas sociais são ainda
mente, uma reorientação governamental da última tratadas sem o devido rigor, cabível às distorções
década, como não concluir que ainda se mostram de nossa formação sócio-espacial. Tentativas
enquanto ações não prioritárias ou residuais? existem, algumas talvez alentadoras, mas pare-
São muitas as situações críticas em que se cem não ter a força da autodeterminação política
encontram parcelas consideráveis da população es- e moral do Estado e dos cidadãos para tornarem-
tadual, de tal forma que a pobreza, como outras se ações prioritárias e de real repercussão ante o
heranças da sujeição política ao poder do capital, embate com as forças contrárias ao projeto de
parecem ter se tornado, mesmo, partes irremovíveis uma socialização mais humana.
da estrutura social. Na questão da habitação, do
trabalho e dos direitos constitucionais da cidadania,
as condições de vida inadequadas e mesmo indignas Perfil da urbanização e contornos
estão em todas as regiões do Estado. Do contexto da da regionalização estadual
vida rural e seus aglomerados, às pequenas e demais
cidades, um retrato mais detido evidenciaria grandes Complementando a leitura da formação
disparidades ante o cenário do crescimento econô- sócio-espacial, a urbanização e regionalização

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serão objetos de consideração. Como em todo o Todavia, temos ainda um conjunto majoritá-
país, destaca-se a tendência nítida à urbanização rio de cidades que aglomeram uma população urbana
da sociedade potiguar dos anos 40 a hoje, che- ‘menor ou igual a 10 mil habitantes’. Se em 1940, dos
gando em 2000, ao total de 108 municípios com 42 municípios do Estado, 40 cidades estavam nesta
uma população urbana de 50% ou mais da popu- faixa de população, em 2000, dos 166 municípios
lação residente em cada município, incluindo os tínhamos 141 cidades. Dessa forma, existiam no Esta-
54 municípios cuja população urbana já era igual do, em 2000, dois perfis urbanos típicos do grande
a 70% ou mais desta população municipal total. desequilíbrio da rede urbana: em meio aos 25 municí-
Neste período, o perfil urbano do estado pios com população urbana maior que 10 mil habitan-
altera-se pelo número crescente de cidades com tes, totalizando quase 73% da população urbana esta-
população urbana ‘maior que 10 mil até 20 mil dual, temos os 141 municípios com uma população
habitantes’, que passa de 1 município em 1940 a ‘entre 500 a 10 mil habitantes’, reunindo somente 27%
14 em 2000, e na classe ‘maior que 20 mil até 50 da população urbana total, o que configura outro
mil’, que passa de 1 em 1950 a 7 em 2000, sendo contexto rarefeito de pequenos aglomerados.
essas duas classes as mais representativas de um Essa situação do estado potiguar tam-
patamar urbano intermediário, em relação ao bém reflete o modelo invertido da formação sócio-
padrão macrocefálico da rede urbana estadual - espacial brasileira, que teve no Estado o agente
dado o tamanho da cidade de Natal que, em todo central do crescimento econômico, por meio dos
o período, apresenta uma população urbana em processos concentradores em meio urbano e em
média 3 vezes maior que a de Mossoró, a segunda mãos de muito poucos, o que no Nordeste parece
cidade, totalizando em 2000, respectivamente, mostrar-se de forma ainda mais acentuada, haja
712.317 e 199.081 habitantes urbanos. vista a sua estrutura regional ainda frágil.

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FIGURAS 1 e 2 - Mapas dos municípios com população urbana maior que 10 mil habitantes em 2000 (destacados em cinza,
p. 157) e Sistema Ferroviário e Rodoviário e Sistema Urbano do Rio Grande do Norte (p. 158)
Fonte: IBGE e CRN-INPE, Natal, 2000.

Com base na evolução da população ur- Nexos socioeconômicos e


bana, nota-se uma regionalização da urbanização, sistema urbano em transformação
desde os anos 60 e 70, ao redor de Natal e Mossoró
e a emergência de outros centros de destaque Reavendo, então, os nexos socio-econô-
regional: Caicó, Macau, Currais Novos, Açu, Ce- micos da formação estadual e apoiando-nos em
ará-Mirim e Areia Branca. Já nos anos 80, a dinâ- Clementino (1995, 2003), entende-se que a matriz
mica da urbanização intensifica-se ao redor de do sistema urbano potiguar organizou-se, no início,
Natal, Parnamirim e Macaíba, e outros centros se com base na economia agro-exportadora e é só com
destacam: Santa Cruz, João Câmara, Pau dos Fer- a industrialização que “o sistema urbano sofrerá
ros e Nova Cruz. Mas ponderando os resultados modificações adequadas a um desenvolvimento vol-
anteriores com outra variável da urbanização e o tado para dentro” (1995, p. 91). Mas as transforma-
momento da formação sócio-espacial, observa-se ções produtivas, a partir dos anos 70, não contribu-
a clara relação entre os principais núcleos urbanos em para o maior equilíbrio da rede urbana; reforçam
e os nós do sistema ferroviário e rodoviário, no o caráter polarizador da urbanização. As novas
sentido longitudinal (a partir de Natal) e no trans- dinâmicas perpetuam a urbanização corporativa, de
versal (a leste e oeste, tendo como principais um lado, e raquítica, de outro, movendo as ambições
centros, Natal, Mossoró, Açu, Caicó e Currais do Estado das minorias em detrimento das popula-
Novos), como indício de que o acesso físico entre ções das cidades no seu todo, que prosseguiram
as cidades é condição para a configuração de um sendo as mesmas cidades “de pobres, famintos,
espaço de fluxos urbano-regionais, ampliado e desempregados, desesperados” (CLEMENTINO,
interdependente, o que, todavia, atesta a 2003). Para a autora, as mudanças ocorreram de
seletividade programática do crescimento. forma seletiva (setorial e espacialmente) e quase não

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contribuíram para a remodelação da rede urbana, servação de identidades historicamente constituí-


que se consolida, historicamente, como um sistema das. Daí, a região metropolitana de Natal e a de
de organização sócio-espacial a um só tempo muito Mossoró, que visivelmente se inserem nas atuais
concentrado e muito rarefeito. dinâmicas da globalização, e a região do Seridó, que
Servindo no período colonial como centro no entender de Morais (2005), consolida-se como
do controle metropolitano e suporte à economia “uma geografia da resistência”, no sentido de ser uma
mercantil agro-exportadora, ou como centro ligado região que prima pela valorização de seu caráter
às atividades de subsistência e sertanejas, as cida- histórico e cultural e pelo constante reavivamento de
des tornam-se, em seguida, a sede das atividades de seus potenciais e identidades.
beneficiamento e dos serviços de apoio às economi- A região de Mossoró é, então, uma des-
as fundadoras. Dos anos 30 aos 60, as cidades sas regiões que se transformou intensamente,
refletem os novos impactos sobre a urbanização graças à sua função histórica, independente da
terciária, advindos com investimentos em capital, de entreposto comercial de uma vasta
infraestrutura, o crescimento populacional e as região do semiárido (a oeste do Estado), o que se
migrações rurais-urbanas. Mas é só dos anos 70 a reforça com o cultivo do algodão, tornando-se,
hoje que, no quadro de reestruturações econômico- hoje, à luz da apropriação capitalista do Estado
produtivas de maior envergadura capitalista, outro e outros agentes da economia, a segunda região
segmento de serviços modernos tende a reorganizar com maior densidade de modernizações, relati-
os principais núcleos urbanos, em meio a diferentes vas, entre outros, aos processos de produção do
circuitos informais que se constituem paralelamen- sal, petróleo e gás e à fruticultura e carcinicultura.
te e a velhas estruturas urbanas que apenas se Quanto à região do Seridó, também se-
revestem de modernidade, incorporando, a rigor, gundo Morais (2005), sua formação adquiriu con-
novas defasagens do desenvolvimento. sistência e unidade em razão de sua feição
A expansão dos serviços, em seu espectro paisagística marcada pela caatinga e a seca, e de
geral relacionado ao provimento das necessidades sua constituição econômica e política, fundada
inadiáveis das populações e, em certas situações, de nas determinações históricas engendradas pelo
apoio à industrialização e ao turismo, constitui a tripé produtivo gado-algodão-minérios e pela
base do crescimento, da organização, das dinâmi- referência identitária recriando a vida simbólica
cas internas e inter-relações das aglomerações e regional. Com o auge da sua projeção nos anos
cidades norte-riograndenses. E assim, por este 60, o Seridó entra em declínio, vindo a reestruturar
parâmetro, poderíamos retratar as cidades das regi- seu perfil econômico apenas recentemente, com
ões açucareiras, regiões criadoras e dos caminhos base em atividades e produtos diversificados
do gado; das regiões algodoeiras e das imediações (leite, cerâmica, têxteis, minérios, serviços
de ferrovias e rodovias; das regiões mais modernas terceirizados), tendo nas cidades de Caicó e Cur-
e litorâneas etc. rais Novos seus principais centros e tornando seu
patrimônio cultural e capital social em âncoras
de sua identidade e da referida reestruturação.
Dinâmicas da regionalização estadual Já considerando a região de Natal, como
interpretar sua realidade a partir de sua cidade-polo,
A respeito ainda dessas transformações subjacente que é ao sistema metropolitano nacional
urbanas, podemos conjecturar sobre as forças da e à rede urbana estadual e, de outro lado, à institui-
regionalização estadual, supondo que as regiões se ção de uma região metropolitana? Entende-se que
diferenciam por suas dinâmicas relacionais que sub- a incomparabilidade da formação metropolitana de
sistem localmente, podendo fortalecer sua coesão Natal reside na especial força de convergência que,
interna ou estagnando-se em sua condição, e/ou historicamente, levou à constituição e amplitude
pelas dinâmicas funcionais às determinações extra- do campo de interações da cidade de Natal enquan-
locais do sistema socioeconômico hegemônico. As- to capital. Essa posição no conjunto das cidades do
sim, as relações entre as cidades e seus arredores Estado tornou-a a mais complexa organização só-
retratariam a vocação de intermediação de uma cio-espacial estadual e uma das principais estrutu-
região ante lógicas externas prevalecentes ou sua ras de intermediação da metropolização no país.
vocação mais afeita à autossustentação e/ou à pre- Localizada na costa oriental e, sucessivamente,

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160 GOMES, C.

núcleo das principais articulações viárias, dos mai- Se Natal define-se por sua maior força de
ores volumes de população e de atividades econô- centralidade, constitui com Parnamirim o núcleo
micas estratégicas ou rentáveis, responde pelos mais importante gerador da formação metropolita-
dinamismos mais qualificados relativamente aos na, admitindo, aqui, a hipótese de uma conurbação,
demais núcleos e regiões, que se desenvolveram, dando origem a esta configuração única, no sentido
portanto, de forma mais ou menos integrada ou de que os dois núcleos urbanos tenderam a crescer
sujeita à sua própria realidade. na direção um do outro. Sob outro ponto de vista,
Dos primeiros séculos ao início do século e também em razão de seu exíguo território, o
XX, a capital já se constituía com um papel decisivo crescimento de Natal transborda para São Gonçalo,
em relação a outros Estados e ao exterior, e como Macaíba e Extremoz, bem como outros delinea-
nucleação das interligações terrestres, que serviram mentos de urbanização contígua tendem a confor-
de apoio aos circuitos comerciais do Estado (gado, mar a região metropolitana na direção de Parnamirim
alimentos e algodão), em direção às regiões Noro- a Macaíba e na região litorânea.
este e central, Sudoeste e Sul, tendo Ceará-Mirim e Observando as relações funcionais entre o
Macaíba como núcleos de maior expressão em sua núcleo e a periferia metropolitana, ressalta-se a lide-
vizinhança, pela produção açucareira, o primeiro, e rança de Natal, por sua importância econômica ligada
o segundo, por sua função de entreposto comercial aos serviços públicos e serviços educacionais e de
ligando o interior à capital. produção de ciência e tecnologia. Além disso, a partir
A partir dos anos 70, Parnamirim e Macaíba dos anos 90, a integração metropolitana pela orla
tornam seu crescimento urbano mais visível, bem marítima intensificou-se com a infraestrutura turísti-
como São Gonçalo do Amarante, com “sua” dinâmi- ca, decorrendo da intensa transformação da terra rural
ca industrial transbordada de Natal. Nos anos 90, a em urbanizada, pelo processo de parcelamento priva-
formação urbana tende também a ultrapassar os do do solo (em boa medida especulativo) e diversos
limites de Natal em direção a Extremoz, de modo que empreendimentos (pousadas, hotéis, resorts, condo-
até essa data, o tecido urbano de Natal se expande, mínios, flats, casas de veraneio). Nota-se ainda o perfil
mediante formas descontínuas de urbanização, ao polarizador de Natal associado à deslocalização in-
sul e ao norte, e adensando-se pelos interstícios. Em dustrial para os municípios vizinhos (exceto Ceará-
2000, a formação urbana de Parnamirim já transbor- Mirim) e aos novos dinamismos da agropecuária, em
da para Macaíba, enquanto Natal cresce para o oeste Extremoz, Ceará-Mirim e Macaíba, lembrando aqui,
e desencadeia a expansão do tecido urbano litorâneo, não só da tradicional produção açucareira, como
constituindo uma só organização, no litoral, em também das novas atividades desenvolvidas nos mol-
direção a Extremoz e Ceará-Mirim, ao norte, e a des da empresa capitalista, no campo da fruticultura
Parnamirim e Nísia Floresta ao sul. irrigada e da criação de camarão em cativeiro.
Na formação metropolitana, podemos Para atribuirmos o devido lugar da região
caracterizar o nível de integração dos seus municí- de Natal na formação estadual, pode-se consentir
pios e a concentração de atividades no polo, confor- com o fato de que as dinâmicas socioeconômicas,
me mostra o Observatório das Metrópoles (2006). demográficas e urbanas do Estado condicionam-
Enquanto Parnamirim responde por uma ‘muito se em grande parte pelo peso concentrador da
alta integração’ ao polo e São Gonçalo revela ‘alta força produtiva e dos equipamentos territoriais aí
integração’, Macaíba e Extremoz mostram-se com localizados e, sobretudo, em razão do crescimento
‘média integração’ e Ceará-Mirim, São José de da cidade de Natal, que também se aquilata pela
Mipibu e Nísia Floresta, ‘baixa integração’. À medi- expansão rápida das ocupações em atividades não
da que os municípios se distanciam do polo, ou remuneradas, do autoemprego e de empregos sem
quanto menor o seu nível de integração, os estudos registro formal (OBSERVATÓRIO DAS ME-
revelam que sua condição social piora e, ainda, TRÓPOLES, 2006, p. 78).
quanto maior a concentração populacional, maior o
volume de pessoas em condição social mais
desfavorecida. O que retrata mais uma vez o padrão CONSIDERAÇÕES FINAIS
sócio-espacial contrapesado, na rede urbana ou no
âmbito do espaço intraurbano, por suas formas de Em síntese, observa-se um processo de
favorecimento exclusivo e de exclusão. urbanização de nível mais elevado, conforme visto

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Formação sócio-espacial e dinâmicas urbano-regionais no Rio Grande do Norte 161

em Gomes e Costa (2007), apoiado em apenas sete FELIPE, J. L. A.; CARVALHO, E. A. de. Eco-
cidades - Natal, Parnamirim, Macaíba, Mossoró, nomia Rio Grande do Norte: estudo geo-his-
Açu, Caicó, Currais Novos -, que se destacam em tórico e econômico. João Pessoa: Grafset, 2002.
meio a uma vasta região de pequenas cidades.
Entretanto, nota-se um princípio de regionalização FURTADO, C. Dialética do desenvolvimen-
circunscrito à região metropolitana, nos contornos to. Rio de Janeiro: Fundo de Cultura, 1964.
de Natal, Parnamirim e Macaíba, e à região de ______. Formação econômica do Brasil. 19.
Mossoró e Açu, evidenciando o dinamismo ao ed. São Paulo: Nacional, 1984.
redor das duas cidades mais populosas do Estado.
Essa situação nos conduz, mais uma vez, a GOMES, C.; COSTA, A. M. B. Dinâmicas e
refletir sobre a frágil vida de relações inter-regionais defasagens sócio-espaciais no Rio Grande do
ou urbanas ainda hoje prevalecente, associada a uma Norte: o uso de técnicas de análise espacial para
precária divisão social e territorial do trabalho entre estudos de regionalização. In: ENCONTRO
as cidades e a um papel marcante das principais NACIONAL DA ANPEGE, 7., 2007, Niterói.
cidades, que, por hipótese, e exceção feita a Natal, Anais... Niterói: UFF, 2007. CD-ROM.
apresentam-se com um caráter multifuncional, sem INSTITUDO BRASILEIRO DE GEOGRA-
uma clara especialização produtiva, concentrando a FIA E ESTATÍSTICA – IBGE. Censo
atribuição de distintas atividades terciárias, que po- demográfico: dados gerais, 2000. Rio de Ja-
dem servir de apoio às indústrias, mas, no geral, neiro: IBGE, 2000.
devem-se às demandas das populações e das áreas
adjacentes de produção agropecuária. MORAIS, I. R. D. Seridó Norte-Riograndense:
Por fim, cumpre assinalar, ao menos em uma geografia da resistência. Caicó: Edição do
Natal, as semelhanças com as grandes cidades dos Autor, 2005.
países subdesenvolvidos que, ao mesmo tempo em OBSERVATÓRIO DAS METRÓPOLES. Re-
que concentram população, atividades e riquezas latório de pesquisa: análise da estruturação
são, igualmente, criadoras de pobreza e discrepân- intra-metropolitana de natal. Projeto “Obser-
cias de toda sorte, o que representa um aspecto a vatório das Metrópoles: território, coesão so-
mais das heranças retrógradas de nossa formação cial e governança democrática”. Natal: Núcleo
sócio-espacial e, portanto, de sua própria involução. RMNatal, NAPP/CCHLA-UFRN, 2006.
SANTOS, M. Espace et methode. Paris:
AGRADECIMENTOS Publisud, 1989.
______. Da totalidade ao lugar. São Paulo:
Ao Programa de Pós-Graduação da Univer- Editora da USP, 2005a.
sidade Federal do Rio Grande do Norte, pelo apoio
institucional, e ao CNPq, pelo apoio financeiro. SANTOS, P. F. O RN na história do desen-
volvimento brasileiro. Natal: Departamento
Estadual de Imprensa, 2005b.
REFERÊNCIAS

Recebido: 12/12/2008
CLEMENTINO, M. do L. M. Economia e Received: 12/12/2008
urbanização: o Rio Grande do Norte nos anos
70. Natal: UFRN, 1995. Aprovado: 11/09/2009
CLEMENTINO, M. L. M. Rio Grande do Approved: 09/11/2009
Norte: novas dinâmicas, mesmas cidades. In:
GONÇALVES, M. F.; BRANDÃO, C. A.; Revisado: 18/12/2009
GALVÃO, A. C. Regiões e cidades, cida- Reviewed: 12/18/2009
des nas regiões. São Paulo: Editora da
UNESP, 2003. p. 387-404.

urbe. Revista Brasileira de Gestão Urbana, Curitiba, v. 1, n. 2, p. 151-161, jul./dez. 2009

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