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Santos (1999) diz que o espaço consiste em um conjunto de sistemas de objetos cada
vez mais artificiais, dinamizados por sistemas de ações igualmente artificiais. Cabe ressaltar
que os sistemas de objetos e os sistemas de ações só podem ser compreendidos se não forem
considerados isoladamente, ou seja, só podem ser apreendidos se considerados enquanto
formadores de uma totalidade - o espaço - já que vivem em uma interação constante, onde os
sistemas de objetos condicionam a forma como se dão as ações e, de outro lado, o sistema de
ações leva à criação de objetos novos ou se realiza sobre objetos preexistentes, conferindo a
partir dessa interação a dinamicidade característica do espaço.
A cidade de Cametá, lócus dessa proposta de pesquisa, é definida por Becker (1990)
como cidades de urbanização tradicional, isso deve-se ao seu padrão tradicional, localizadas
à beira-rio, com uma dinâmica sem transformações radicais ou muito expressivas em sua
configuração espacial, já que não se trata de uma urbanização de grandes projetos e frentes
econômicas.
E essas cidades são apenas uma parte do espaço ribeirinho que as qualifica, pois esses
espaços de vida tradicional são marcados por uma imensidão de vida no campo e nas ilhas.
Mas mesmo não tão atrelados às transformações do mundo contemporâneo, esses espaços
demonstram-se fortemente marcados pelo trabalho precário. No contexto amazônico, estão
eles entre os mais marcados pela incidência dos trabalhos precários, já que a base econômica
do município é o comércio e não há muitas oportunidades de empregos assalariados, o que
leva grandes contingentes populacionais a ocuparem postos de trabalho mal remunerados,
com jornadas longas, lucros incertos e condições indignas.
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Pensar o espaço amazônico, é refletir a intensidade de sua essência enquanto verbo
habitar, é a possibilidade de entender a dinâmica de lugares que contam histórias, de tempos e
espaços, enquanto processo dialético com multiplicidades e heterogeneidades de espaço
tempo, pensado, vivido, construído e transformado.
Da compreensão do espaço/lugar, Harvey (2009) questiona: como lugares, regiões e
territórios evoluem dadas relações espaciais em mudanças? Pensando sobre a Amazônia e
interpretando a relação urbano/rural, devem-se respeitar as escalas geográficas e com isso o
atributo rural e urbano, pode indicar que “há sempre uma relação problemática entre, de um
lado, condições locais e particulares, e, de outro, a universalidade dos valores conseguida no
mercado mundial” (HARVEY, 2009, p. 51-55).
Entender como as mudanças substantivas rural/urbano, impactam de maneira
definitiva no modo de vida local de pequenas vilas e cidades da Amazônia, significa
identificar as tendências que impõe novas formas de viver, e, que, do ponto de vista
acadêmico constitui inserir novas discussões teóricas sobre o tema.
Redimensionar a relação campo/cidade, rural/urbano é olhar o urbano que extrapola
os limites da cidade, uma vez que as atividades rurais vinculam-se ao comércio, aos serviços e
às outras atividades, antes identificadas prioritariamente com as cidades. Então o urbano e o
rural são aqui imbricados orientando fluxos e redes na Amazônia, considerando as relações
socioespaciais peculiares da região, não sendo, por isso, separadas dicotomicamente. Tal visão
já foi considerada em outros estudos em rural e urbano, como pode ser inferido na citação a
seguir:
A questão do rural e do urbano pode orientar a mudança histórica das relações sociais
e de trabalho nas comunidades amazônicas. Para Soja (1993, p. 121) o capitalismo industrial
competitivo conseguiu ampliar-se e se transformar, por meio de uma série de mudanças
estruturais, entretanto, o fez sem eliminar suas contradições fundamentais. Não apenas no
confronto direto entre capital e o trabalho no ponto de produção, mas também, e com igual
intensidade, no âmbito do consumo coletivo e da reprodução social.
Na caracterização, encontram-se os desafios de identificar e compreender o rural e o
urbano que estão submetidos à lógica do capital em seus aspectos concretos que podem
definir o estilo de desenvolvimento, capaz de reconhecer o rural e urbano amazônico e suas
especificidades.
A construção da modernidade pode ser vista como processo de urbanização, assim
como instauração, disseminação e crescimento de pequenas cidades e vilas na Amazônia. Esse
processo de urbanização articula-se ao processo mais amplo de produção do espaço de
expansão da fronteira econômica, apontando o crescimento das desigualdades e dos processos
de segmentação socioespacial.
Lefrebvre (1999, p. 12) descreve o tecido urbano utilizando o conceito de
ecossistemas, ou seja, a sociedade urbana pode ser o modo de viver mais ou menos intenso ou
degradado. Na base econômica do tecido urbano, aparecem eventos de outra ordem, outro
nível, o da vida social e cultural. Dessa forma, a vida urbana comporta objetos e sistemas de
valores relativos a esse tecido urbano.
No urbano da Amazônia se reproduz a realidade do meio natural e social, como faces
da mesma moeda, onde o ser humano é parte integrante da natureza e ao mesmo tempo ser
social, logo, a base de sustentabilidade da espécie humana é seu processo histórico. Desta
forma, o urbanismo programa uma cotidianidade geradora de satisfações, assumindo regras do
consumo, explorando as pessoas, sejam estas produtoras ou consumidoras de espaço.
Qualquer cidade só existe de fato como processo que incessantemente altera os
conteúdos urbanos e as formas por eles assumidas. Em função desse processo, cada espaço do
urbano representa ambivalência que o anima e determinada síntese de valores que lhe
configuram a alma, o que propicia a reflexão da cidade como espaço de banalidades, e ao
mesmo tempo o mais significativo dos lugares (LEFEBVRE, 1991, p. 13; SANTOS, 2006, p.
218).
Esse processo demonstra rupturas e continuidades, visto que é produzido
coletivamente e resulta em transformações na dinâmica social. Isto significa que no plano das
relações sociais, assim como na produção do espaço, não há processos estanques, fixos, mas
relações amplas que reproduzem diferentes contextos sociais onde estes se estabelecem num
movimento dialético, entendido como o centro real da práxis, em que se realiza o movimento
de produção e de reprodução das relações sociais, concretizando-se em relações espaciais
(OLIVEIRA, 2006, p. 27-29).