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CENTRO UNIVERSITÁRIO FAVENI - UNIFAVENI

LEONARDO JOSÉ DOS REIS COIMBRA DE MELO

BREVES REFLEXÕES SOBRE A ELABORAÇÃO DOS TERRITÓRIOS


INDÍGENAS NAS CIDADES

GOIÂNIA / GO
2024
CENTRO UNIVERSITÁRIO FAVENI - UNIFAVENI

LEONARDO JOSÉ DOS REIS COIMBRA DE MELO

BREVES REFLEXÕES SOBRE A ELABORAÇÃO DOS TERRITÓRIOS


INDÍGENAS NAS CIDADES

Trabalho de conclusão de curso


apresentado como requisito
parcial à obtenção do título
especialista em Docência do
Ensino Superior.

GOIÂNIA / GO
2024
BREVES REFLEXÕES SOBRE A ELABORAÇÃO DOS TERRITÓRIOS
INDÍGENAS NAS CIDADES

Autor1, Leonardo José dos Reis Coimbra de Melo

Declaro que sou autor(a)¹ deste Trabalho de Conclusão de Curso. Declaro também que o mesmo
foi por mim elaborado e integralmente redigido, não tendo sido copiado ou extraído, seja parcial ou
integralmente, de forma ilícita de nenhuma fonte além daquelas públicas consultadas e corretamente
referenciadas ao longo do trabalho ou daqueles cujos dados resultaram de investigações empíricas por
mim realizadas para fins de produção deste trabalho.
Assim, declaro, demonstrando minha plena consciência dos seus efeitos civis, penais e
administrativos, e assumindo total responsabilidade caso se configure o crime de plágio ou violação aos
direitos autorais. (Consulte a 3ª Cláusula, § 4º, do Contrato de Prestação de Serviços).

RESUMO: A presença indígena nos espaços urbanos é um fenômeno que ocorre desde a formação dos
povoamentos, que originaram várias cidades brasileiras. Esse fenômeno tem ganhado interesse de
pesquisadores em especial após a segunda metade do século XX dada a negligência nesse campo
amplo de estudo. Todos os anos emergem vários estudos antropológicos, demográficos, linguísticos,
históricos e geográficos acerca da temática. Neste contexto, evidencia-se com este ensaio, o processo de
construção das aldeias urbanas e identidades territoriais indígenas em espaços citadinos. As análises
foram elaboradas utilizando uma abordagem qualitativa, valendo-se de dados bibliográficos acerca do
tema. A partir do levantamento realizado, foi possível evidenciar uma dificuldade em identificar os
territórios indígenas urbanos e aldeias urbanas, dada a própria dificuldade em estimar essas populações
fora das Terras Indígenas, em especial nos espaços citadinos visto que a Lei Nº 6.001, de 19 de
dezembro de 1973 distingue o indígena como um indivíduo cuja suas características culturais destoam da
sociedade nacional e apontam para uma ascendência pré-colombiana.

PALAVRAS-CHAVE: Espaço Urbano. Indígenas Citadinos. Territorialização

1
E-mail: leodemelo87@gmail.com
1 INTRODUÇÃO

A presença indígena nas cidades e nos grandes centros urbanos, não é um


fenômeno atual nas cidades brasileiras, mas é algo que arremete à criação dos
primeiros povoamentos relacionados à chegada dos europeus no Brasil. Nesse sentido,
para Nunes (2010) “não há dúvidas que o cenário recente em que se veem hoje
engajados os povos indígenas – e sua presença, utilização e apropriação das cidades
salta aos olhos como um caso proeminente”, apresentando assim novas perspectivas
de análises desses povos, no que tange a compreensão do processo de apropriação
dos espaços urbanos.
Dessa forma, é relevante compreender de que maneira os territórios indígenas
e a suas identidades territoriais são elaboradas nas cidades, visto que a cidade é vista
discursivamente como um espaço do não-indígena e a aldeio o lugar do indígena.
O encontro de culturas, etnias e povos distintos são marcados por situações
conflituosas, nessa perspectiva Candau (2008) ressalta que a própria constituição do
Brasil. Assim, como em toda América Latina, os processos de territorialização deram-se
sob uma base multicultural, a partir da (inter)relação de povos indígenas diferentes,
uma história dolorosa para certos povos, como é o caso dos indígenas, que tem sua
história marcada por situações de conflitos, confrontos e massacres.
As reflexões desse ensaio buscam apresentar e discutir, de maneira ampla os
processos de elaboração dos territórios e identidades territoriais indígenas em espaços
citadinos, considerando a estrutura sócio-ocupacional desse espaço. Tema este pouco
explorado nos últimos anos em trabalhos científicos. Dentre os teóricos utilizados
destacam-se Brenner (2018) e Pasternak e Bógus (2019) ao discutirem cidade e o
processo de urbanização, Raffestin (1993), Santos (2002), Velásquez (2015) e
Haesbaert (2008) ao abordarem o conceito de território e sua aplicabilidade, Cosgrove
(1998) e Cruz (2007) ao tratar de identidades territoriais e cultura, além de Bevilaqua
(2017) e Silva (2016) com seus estudos relacionados com povos indígenas em contexto
urbano.
As identidades enquanto percepção do sujeito em relação a si mesmo e aos
outros pertencentes a um mesmo grupo podem ser contraditórias, se cruzando ou
deslocando, umas das outras (HALL, 1997). Nesse contexto pensar o território
enquanto um recorte espacial constituído por, ou pelas relações de poder sobre este
espaço (RAFFESTIN, 1993), faz-se necessário perpassar a identidade de determinado
grupo visto que cada grupo tem interesses distintos ao buscar constituir relações de
poder sobre determinado espaço, para que se elabore o território.
Santos (2002, p.10) ressalta que é preciso conceber o território não apenas a
partir do “chão”, mas também da junção deste com a identidade. Visto que a identidade
se vincula com o sentimento de pertencimento, “pertencer àquilo que nos pertence”, no
território fundamenta-se não apenas o trabalho e a moradia, mas, também trocas
materiais e espirituais, o exercício da própria vida.
O método fenomenológico suscita a apreensão subjetiva do objeto ou
fenômeno, ultrapassando a materialidade, a realidade se mostra enquanto o
interpretado, emergindo da intencionalidade da própria consciência que se volta ao
fenômeno, os valores simbólicos são elementos importantes para a compreensão da
própria realidade do fenômeno ou ao menos a uma maior aproximação da realidade
(BICUDO, 1994).
Dessa maneira esse ensaio avança enquanto pesquisa explicativa, propondo
detalhar a construção das identidades e territórios indígenas no ambiente urbano,
pauta-se no método fenomenológico, possibilitando acessar o simbólico, subjetivo e os
aspectos socio estruturais inerente a esse fato analisado, utiliza-se da Geografia
Humanista Cultural como abordagem. Realizou-se levantamento bibliográfico sobre o
tema, tratando-se de um trabalho de revisão de literatura.

2 CIDADE E ESPAÇO URBANO

Pasternak e Bógus (2019) oferecem um conceito de urbanização o qual


perpassa por dois aspectos, o primeiro se refere a concentração de habitantes e o
crescimento desses, em um certo espaço, alterando e impactando função, a forma e a
estrutura urbana, e outro aspecto seria a propagação de comportamentos considerados
urbanos, proporcionando e transformando práticas e modos de vida urbanos.
Nesse contexto os autores consideram o processo de urbanização enquanto um
processo que provoca a transformação social, um processo social, sendo considerado
um dos principais processos de transformação do espaço, pois, (re)produz processos e
modos de relações sociais, (ideologias, cultura, valores, modos de vida etc.”
(PASTERNAK E BÓGUS, 2019, p. 432).
A cidade em Léfèbvre (1986, p. 159 apud ARAÚJO, 2012, p. 134) se construiria
enquanto “um objeto espacial que ocupa um lugar e uma situação” sendo dessa
maneira a projeção dessa sociedade sobre um local. Uma construção física elaborada a
partir das necessidades estruturais de cada sociedade, que surge a partir da primeira
cisão “de divisão social do trabalho entre cidade e campo”. Seguindo por essa
perspectiva o autor ressalta,
O urbano é um fenômeno que se impõe em escala mundial a partir do duplo
processo de implosão-explosão da cidade atual. Ele é um conceito, uma
temática e, por necessidade de articulação teoria e prática, uma problemática. A
cidade vem da história porque a ela cabem os trabalhos espiritual, intelectual (a
filosofia e, mais tarde, as ciências) e de organização político econômica, cultural
e militar. A cidade é fruto da primeira cisão da totalidade - entre a Physis e o
Logos, da primeira divisão social do trabalho – entre a cidade e campo.
(ARAÚJO, 2012, p. 134)

Torna-se possível inferir que o processo de urbanização ocorre em escala


mundial, embora se dê em maior ou menor grau dependendo da localidade, esse
processo tem transformado a cidade tal qual ela era concebida a alguns anos atrás, a
cidade enquanto apenas um objeto que ocupava um lugar no espaço.
De acordo com Brenner (2018, p. 271) a urbanização é um processo emergente
e extensivo que tem produzido uma estrutura variável, que tece de maneira desigual
com densidade que cada vez mais se amplia em grandes extensões do mundo.
Outro elemento importante a se considerar sobre a noção de urbano é a de não
a reduzir apenas a uma categoria de prática, mas deve-se considerá-la enquanto uma
“ferramenta conceitual crítica em qualquer tentativa de teorizar a atual destruição
criativa do espaço-político-econômico sob o capitalismo do século XXI”. (BRENNER,
2018, p. 275).
3 CONCEPÇÕES ACERCA DE TERRITÓRIO E IDENTIDADE TERRITORIAL

A categoria de análise, território, na Geografia associasse as relações de poder


que perpassam o sentido de posse que um grupo possui sobre determinado espaço. O
termo espaço não é equivalente a território, embora para que se constituía o território
esse decorre da primazia da existência do espaço (RAFFESTIN, 1993).
Raffestin (1993) alerta que é preciso compreender que o espaço antecede o
território enquanto construção socioespacial o território tem o seu processo de
formação a partir do momento em que os sujeitos apropriam-se do espaço, de maneira
concreta ou abstrata e cria-se projetos para com este, fundamentado em uma relação
de poder e posse, “O território, nessa perspectiva, é um espaço onde se projetou um
trabalho, seja energia e informação, e que, por consequência, revela revelações
marcadas pelo poder. O espaço é a “prisão original”, o território é a prisão que os
homens constroem para si. Raffestin (1993).
O território para se fazer presente liga-se a ideia de um recorte espacial
constituído a partir e por relações de poder, embora Souza (2015) alerte que essa
perspectiva de se pensar o território serviria apenas para uma primeira aproximação
acerca do conceito. Desse modo torna-se necessário um aprofundamento conceitual,
para que se abordar de maneira mais plena o conceito de território.
Velásquez (2015) salienta ser imperativo contextualizar de maneira histórica,
tanto a definição quanto o uso das categorias as quais se utiliza, para que se dê maior
precisão e rigor ao usá-las, adaptando-os ao tempo e aos espaços, o que permitiria
historicidade e relatividade.
O espaço deve ser compreendido enquanto uma dimensão da sociedade, e
nesta o território se faria presente, sendo este um foco situado nas relações de poder
que ali se (re)arranjam, não sendo possível imaginar espaço e território enquanto
dimensões distintas (Haesbaert,2008).
[...] o território se define mais estritamente a partir de uma abordagem sobre o
espaço que prioriza ou que coloca seu foco, no interior dessa dimensão
espacial, na “dimensão”, ou melhor, nas problemáticas de caráter político ou
que envolvem a manifestação/realização das relações de poder, em suas
múltiplas esferas. (HAESBAERT, 2008, p.105)
Este autor salienta que o território não se constitui apenas com o foco em uma
de suas dimensões/problemáticas fundamentais ao espaço, a partir das relações de
poder que se desdobram em uma dimensão política, mas também se faz necessário
observar o momento em que isso de fato ocorre e que se dá a partir de uma prática
espacial.
Segundo Gomes (2005) do momento em que se considera o território enquanto
constituído a partir de relações de poder instituídas, tanto por uma pessoa quanto por
um grupo, isso ocasiona um domínio, estes territórios não são exclusivos.
Seguindo em outra perspectiva Santos (2002), enfatiza que o território não deve
ser analisado de forma reducionista, enquanto apenas uma categoria de análise das
disciplinas históricas. Mas, o território usado, “o território usado é o chão mais a
identidade. A identidade é o sentimento de pertencer àquilo que nos pertence. O
território é o fundamento do trabalho, o lugar da residência, das trocas materiais e
espirituais e do exercício da vida” (p. 10).
O território seria a indissociabilidade existente entre o espaço apropriado por e
pelas relações de poder e, também a identidade, o sentimento de pertencimento
inerente a espaço de vida dos sujeitos. Bonnemaison (2002), questiona outros
elementos que se fazem presentes para que se constitua o território, nem sempre o
território se apresenta enquanto um tecido espacial fechado, marcado
determinantemente por fronteiras, e unindo e induzindo os sujeitos a comportamentos
estáveis. O autor traz a discussão o exemplo da Oceania, que segundo ele é um
território constituído, “[...] antes de ser uma fronteira, um território é sobretudo um
conjunto de lugares hierarquizados, conectados a uma rede de itinerários. [...]
(BONNEMAISON, 2002, p.99). Segundo Bonnemaison (2002), no interior do espaço-
território, os grupos podem se manter fixo em determinada localidade em fluxo pelo
território. O que contribui a constituição de culturas múltiplas dentro de um mesmo
território.
As identidades territoriais são elaboradas a partir da relação entre os grupos e o
território e perfila por escalas entre diversos tempos e espaços, passando assim ser
uma construção histórica, mas também que se liga ao espaço no qual é formada,
ocorrendo um processo de homogeneização, mas também um de resistência (CRUZ,
2007). Uma grande quantidade de conflitos territoriais na contemporaneidade possui
forte ligação com as identidades territoriais que os grupos possuem com determinado
espaço. Ainda de acordo com o autor processo de globalização tem exercido forte
influência na consciência socioespacial de pertencimento, pois desloca e descentra as
configurações habituais de lealdade e identificações territoriais.
Cosgrove (1998) salienta que “a cultura não é uma coisa que funciona através
dos seres humanos; pelo contrário tem que ser algo constantemente reproduzido por
eles em suas ações não reflexivas rotineiras da vida cotidiana”, dessa forma a cultura
perpassa por um amplo processo de assimilação de práticas distintas, as quais
adquirem sentido e valor, não apenas simbólico, mas, subjetivo, aos sujeitos. Baseado
em Cosgrove (1998) é possível compreender a cultura não como algo estanque, mas
como algo que é construído cotidianamente pelos sujeitos, práticas e modos de vida
adquiridos, que ganham sentidos objetivos e/ou subjetivos, essas práticas podem ser
assimiladas de outras culturas ou construções dos próprios sujeitos.
A própria análise da cultura, liga-se ao estudo do poder, pois, existem grupos
dominantes que buscam impor a sua cultura a outros “[..] o poder é expresso e mantido
na reprodução da cultura [...]” (COSGROVE, 1998, p. 105).

4 INDÍGENAS URBANOS NO RIO DE JANEIRO BREVE HISTÓRICO

Silva (2016) apresenta presença indígena nas cidades não é um fenômeno


recente, embora seja considerado um fenômeno novo e atual, apresenta a existência
de documentos que relatam que na realidade esses sujeitos viviam nos ambientes
urbanos a séculos. Em seus pequenos aglomerados urbanos essas populações viviam
na cidade Rio de Janeiro e sobreviviam dos seus trabalhos, da venda de água potável e
de objetos de artes.
No Rio de Janeiro, segundo o Censo de 2010, realizado pelo Instituto Brasileiro
de Geografia e Estatística (IBGE), atualmente vivem 15. 894 indígenas, que
representam 0,1% da população total do estado. Desse total, 6.764 mil índios
vivem na capital do estado (na periferia, vale lembrar), todavia, não temos
informações mais precisas sobre esse percentual da população. Entre os
diversos fatores que atualmente contribuem para esse processo migratório[...]
(SILVA, 2016, p. 16).

Vários são os fatores que ao longo da história tem contribuído para a êxodo
indígena de aldeias para as cidades, dentre os quais destacam-se as próprias políticas
indigenistas, o aumento das grandes propriedades de terras, concentrando a terra nas
mãos de poucas pessoas, processo esse que força a muitos indígenas a saírem de
suas terras tradicionais e buscarem condições de vida mais favoráveis nas cidades,
(BAINES, 2001; ALBUQUERQUE, 2015).
A autora observa as vilas erigidas em antigos aldeamentos após a instituição do
Diretório Pombalino, “as vilas, talvez, permitam algumas aproximações com os atuais
bairros indígenas em capitais brasileiras, por exemplo, o Nações Indígenas, primeiro
“bairro” ocupado apenas por índios Cocama na periferia da capital amazonense (Farias,
RBA: 2013, apud SILVA, 2016).
Em um mesmo sentido Nunes (2010, p.11), acede sobre a existência indígena
nas cidades, não ser um acontecimento atual, embora apenas na última década tenha
despertado o interesse de estudiosos, pelo “que foi e (tem sido) descrita como a de
‘urbanidade’ indígena”. Evidenciando assim essa existência histórica de sujeitos e
grupos indígenas em algumas cidades, senão várias, cidades brasileiras.
Nesse sentido SILVA (2016, p. 19) destaca em específico na cidade do Rio de
Janeiro o seguinte
As discussões e análises sobre a presença dos índios na cidade do Rio de
Janeiro, durante o século XIX, obriga qualquer pesquisador,
incondicionalmente, a ‘caminhar no passado’ através da documentação
histórica, pois não há nenhuma sociedade indígena, especificamente do
período, vivendo naquele espaço urbano, permitindo assim uma conexão mais
particular entre o antes e o agora. Desse passado, embora, existam memórias,
patrimônios culturais, linguísticos, iconografias, monumentos, todos,
testemunhas das trajetórias desses atores e suas relações ali estabelecidas, é
mediante a leitura e análise da documentação histórica que os índios ganham
silhueta mais consistente, voz e rostos, ganham vida.

Em geral essa população indígena ao logo dos séculos XIX e XX foi segregada a
áreas especificas da cidade do Rio de Janeiro, os chamados aldeamentos, espaço esse
designado a essa população para que pudessem interagir com esse novo ambiente em
que estavam e pudessem assim ter mais liberdade para suas práticas tradicionais, mas,
ao mesmo tempo eram forçadas através de um processo de assimilação cultural
adaptarem-se a um novo modo de vida citadino.
Nesse sentido Pacheco de Oliveira, (1998, apud SILVA, 2016, p. 164) evidência
Dessa forma, essa política de cerceamento dos índios com a implementação
dos aldeamentos (mecanismos de controle espacial dos índios) impôs a
delimitação de áreas físicas afixadas, estáveis e sem continuidade – antes os
índios viviam segundo suas formas próprias de organização territorial, que
obedeciam às noções particulares de paisagem e interação com o ‘ambiente’,
com a suas concepções de territorialidades –; categorias e formas existenciais
bastante distintas da noção de aldeamento, terra, imposta pelos agentes
colonizadores. Nas relações estabelecidas com os não indígenas, as novas
lógicas espaciais indígenas não serão naturais e, tão pouco de origem.

Tanto no passado quando no presente a principal reivindicação dos indígenas


são os seus territórios, pois são através dos territórios que conseguem manter a sua
existência, mesmo que grande parte dessa existência seja reconfigurada após todos os
séculos de colonização (SILVA, 2016).
Um dos elementos que dificulta a articulação desses sujeitos, e povos indígenas
é a própria lei Nº 6.001, DE 19 de dezembro de 1973, pois, nessa lei em seu artigo
terceiro, considerado o indígena ou silvícola brasileiro somente os indivíduos que
possuem ascendência pré-colombiana “que se identifica e é identificado como
pertencente a um grupo étnico cujas características culturais o distinguem da sociedade
nacional”, considerando comunidade indígena enquanto um conjunto de famílias que
vivem em completo estado de isolamento, ou em contato com outros setores da
sociedade não indígena, sem contudo estarem integrados a outros setores da
comunhão nacional.

5 ALDEIA INDÍGENA VERTICAL

Bevilaqua (2017, p. 86) em seus estudos acerca dos povos indígenas urbanos na
cidade do Rio de Janeiro, conduz estes junto a ‘Aldeia Vertical’, segundo a autora a
Aldeia Vertical compõem-se “de um prédio do programa governamental (sic) Minha
Casa, Minha Vida, onde residem exclusivamente indígenas de diferentes povos. São
pessoas que antes habitavam a Aldeia Maracanã, que teve sua desocupação forçada
em 2013”. Essa população que vive nesse prédio é composta de pessoas e povos
indígenas distintos, que antes residiam na Aldeia Maracanã, aldeia essa que foi
desocupada pelo governo no ano de 2013, ao terem suas terras expropriadas o
governo transfere essa população para esta nova área e constrói um prédio para
abrigá-las através de recursos do governo federal, do programa Minha Casa Minha
Vida.
Segundo Bevilaqua (2017, p. 89) nesse contexto urbano a identidade indígena
jamais é negada por completo, embora os indígenas que vivem na cidade muitas vezes
são considerados como uma versão “mais fraca daqueles que vivem na aldeia”. O
movimento indígena urbano, revela um espaço para a inclusão de pessoas com
trajetórias distintas, na busca de resgate ou de redescobrimento, nem todos são
sujeitos que ali estão saíram da aldeia, mas o que se deve buscar entender e como
eles chegaram à cidade (BEVILAQUA, 2017).
Nunes (2010, p. 16) ressalta que pensar a ideia de indígenas citadinos aparece
no imaginário como uma contradição de termos, “o selvagem fora da selva, (quase)
camuflado entre prédios, é pensado como um indivíduo deslocado, fora de seu próprio
mundo, em contradição com a essência de seu ser”. Mas é preciso compreender que
essa é uma realidade que muitos povos indígenas têm passado, e é preciso reconhecer
essa realidade.
Embora o autor compreenda a complexidade do uso do termo ‘aldeias urbanas’
visto que, “este termo, que atualmente se encontra generalizado mesmo entre os índios
para denominar a área indígena, espaço de exclusividade étnica, é produto da lógica
colonialista (SILVA, 2007, p. 14 apud SILVA, 2010, p. 19). Na Aldeia Vertical, cria-se
um movimento que tem como objetivo encontrar outros parentes que também vivem na
cidade e juntá-los em um movimento, trazendo como um segundo foco indicar a
algumas pessoas de que elas são ou pelo ao menos poderiam ser indígenas
(BEVILAQUA, 2017), nessa perspectiva Bevilaqua (2017, p. 92) complementa,
“Essas são as pessoas que têm parentes índios em algum nível. Elas poderiam,
se quisessem, se considerar também como indígenas. Por conta de preconceito
e diversas outras situações, muitas vezes essa identificação com o lado
indígena é renegada. O que o movimento da Aldeia Maracanã buscava fazer
era apresentar o índio como uma possibilidade atraente de ser. O movimento
assim foi criado para resgatar os índios da cidade, e eu cheguei a ouvir
reclamações sobre os índios da aldeia que agora chegavam “querendo mandar
em tudo”.

Essa população da Aldeia Vertical, se identificam como indígenas, visto que a


maneira como essa indianidade se apresenta é complexa, no espaço urbano
questionamentos surgem e situações inusitadas, para esses sujeitos ser indígena não é
simplesmente um estado único e estável, mas uma potencialidade a ser acessada por
eles, não sendo algo totalizante e inflexível (BEVILAQUA, 2017).
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir das reflexões é possível inferir como os processos de apropriação dos


espaços urbanos são muito complexos, os grupos e/ou pessoas, mesmo que de
maneira deliberada ou não, se territorializam nas cidades por meio da elaboração de
estratégias de utilização e apoderamento do espaço, corroborando para estruturação
de territórios. Nesse sentido da mesma maneira acontece com os grupos étnicos
indígenas residentes nas cidades.
A partir das reflexões realizadas é possível determinar tanto a complexidade do
conceito de território, quanto a sua estruturação, visto que este para se constituir,
agrega não apenas elementos físico e materiais, mas, também subjetivos e simbólicos.
Compreender os territórios indígenas no espaço urbano, é preciso observar as
múltiplas possibilidades de compreensão desse fenômeno, pois, Gomes (2009) adverte
que ao não se considerar as multiplicidades de possibilidades analíticas, faz com que
ocorra uma equivocada simplificação na interpretação dos fenômenos.
A construção identitária de povos indígenas urbanos constitui-se a partir de
encontros com uma gama diversa de povos que se (re)encontram, e contribuem com
suas práticas e saberes, que se articularam, formando uma identidade indígena
citadina, concernente com aquela população e a realidade daquele centro urbano.

7 REFERÊNCIAS

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Ano 21, 28(2). Recife. 2017.
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