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MR.

3 Atualização do pensamento sobre a cidade, a região e o


território

Territórios de ocupação e busca da cidade1


Álvaro Luiz Heidrich2

Este texto expõe um pouco de nossa busca pela compreensão sobre os


problemas das ocupações irregulares, reportadas a situações observadas na cidade de
Porto Alegre, uma metrópole do sul do Brasil, no estado do Rio Grande do Sul. Seu contexto
é de uma cidade em condição metropolitana que, em geral, possui as dinâmicas urbanas
mais exacerbadas e tensionadas, dado que a ocupação e o uso do solo se dão em espaços
mais “apertados” e muito disputados. O espaço faltante para as diversas buscas da
centralização, da oferta de serviços e da aglutinação do mercado torna o espaço que se
dispõe mais caro, tendo-se em conta que a ocupação se realiza por regras e princípios de
mercado.
Os problemas em realce neste estudo, logicamente, estão sujeitos ao modo
como nos relacionamos em sociedade e ordenamos o uso do espaço nessa condição. Esse
quadro compreende dinâmicas um tanto autônomas de reprodução econômica e, por outro
lado, ações que visam à constitucionalidade de um espaço urbano por meio de uma ordem
– também política –, sem, contudo, garantir a solução de problemas que se agregam à
constituição da cidade. A face mais conhecida dessa desigualdade se revela pela
segregação da ocupação de um espaço à parte, diferenciado, não partícipe da construção
do urbano e que não está condizente aos planos elaborados para a cidade. Henri Lefebvre
(2008b) fala disso como uma contradição do espaço, pois, de um lado, produz-se a
centralização dos recursos e de poder, enquanto em outra direção não se acomodam todas
as buscas por seus atributos.
A segregação desse tipo, originada no próprio local em que se manifesta, é vista
como um condicionamento forçado e possui, preponderantemente, fatores econômicos na
sua origem. Para Peter Marcuse (2004), a cultura, o papel funcional e econômico e a

1
Compreensões originadas na pesquisa “O Território da ocupação: formação, cotidiano e suas
relações com a cidade”, realizada com apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico (CNPq) e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul
(FAPERGS) e integrada à rede de pesquisadores Observatório das Metrópoles. Participam da
pesquisa os bolsistas Amanda Christina Bahi de Souza Gottardo, Cristiano Correia Teixeira e Rodrigo
Costa de Aguiar.
2
Professor Adjunto do Departamento de Geografia e do Programa de Pós-Graduação em Geografia
da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS); e Bolsista de Produtividade em Pesquisa
do CNPq.

1
posição na hierarquia de poder são os fatores causadores da segregação e da
aglomeração. Podem agir isoladamente, sobrepor-se e contradizer-se mutuamente. Muito
embora considere que o papel do espaço não é constante, compreende-o como
“socialmente construído; [e] o seu papel se altera com as alterações nas constelações
sociais: cultural, funcional, de status e poder” (MARCUSE, op. cit., p. 27). Assim, podemos
dizer que as relações estão impregnadas desse se fazer espaço, não se tratando somente
de uma materialidade física.
Com isso, busca-se entender a dinâmica da segregação constituída pela
ocupação “irregular” da cidade. Ela estabelece uma relação controvertida com a cidade, à
medida que diz respeito a sua busca (de todos os seus atributos) por parte de sujeitos que
não a têm integralmente (como endereço, direitos e serviços). Do lado da cidade, o diálogo
envolve a sua organização, que compreende iniciativas de regulação, contenção e
urbanização.
Para esta investigação, estamos considerando as áreas de ocupação irregular
como territórios, por uma razão fundamental: mesmo que a sua produção deva ser
concebida num quadro relacional, que tem a ver com a produção do espaço urbano, trata-se
também de um tipo de relação mais universal com o espaço, da ação de tomá-lo em posse
e utilizar isso como uma estratégia de conquista. E, do lado da cidade, ações como
contenção, remoção, regularização fundiária também devem ser consideradas como prática
territorial, à medida que se produzem espaços controlados, extinguidos, transformados ou
incorporados no espaço social da cidade.
Para explorar a discussão, o texto que segue estrutura-se em três tópicos: uma
discussão sobre a situação geral em contexto, com ênfase no espaço social da cidade; uma
apresentação geral da ocupação “irregular” e algumas situações em estudo, num esforço de
diálogo entre teoria e prática; e considerações resultantes das observações da pesquisa em
andamento.

O contexto: um espaço social

Originalmente, a cidade foi um corpo, compreendendo relações de um coletivo.


Nesse sentido, Raymond Ledrut (1974, p. 23-24) a vê como uma comunidade territorial:

Por certo, tais relações se estabelecem mediante a espacialidade, isto é,


por meio das coisas que formam determinado espaço, e isto ao menos na
mesma medida em que o fazem por meio da linguagem. Assim mesmo, se
constituem sobre a base da espacialidade. Mas o espaço somente tem
significado em relação à vida coletiva dos homens que ocupam os lugares.
[...] Por conseguinte, a cidade não é uma coisa, um objeto; nem sequer uma

2
máquina que deva funcionar com fluidez; é uma comunidade humana, uma
coletividade territorial, uma população estabelecida de maneira mais ou
menos duradoura em um espaço até certo ponto bem delimitado, cujos
membros mantêm relações de interdependência regidas por determinadas
instituições.

Em tese, não há o que se objetar, pois de fato nos relacionamos nesse espaço,
que possui qualidades específicas de um modo de viver urbano, pessoas e grupos com
vidas particulares independentes, articuladas por relações e instituições típicas, nascidas e
próprias desse meio. Não obstante, isso também é uma situação ideal. É ao mesmo tempo
o que se busca, o que é e o que se acredita. Tudo isso, porém, não exime a possibilidade de
não ser encontrado. É difícil admitir que existam espaços não partícipes do urbano, quando
já não pertencem ao rural e se localizam na esfera de domínio territorial – portanto, jurídico
– da cidade. O problema é que esse qualitativo de territorial em boa medida se dá por suas
metades: em parte é paisagem, em parte outro espaço, outra territorialidade.
Como se expôs mais acima, as áreas de ocupação irregular são vistas por nós
como uma materialização no espaço das ações de sujeitos que pretendem pertencer à
cidade, usufruir de seus atributos. Nossas realidades mostram que os protagonistas dessas
territorialidades nem sempre a têm e, às vezes, a têm aos pedaços. Os espaços segregados
em que resultam nos fazem entender que a simples localização na cidade não dá a seus
ocupantes a plenitude desse usufruto, embora seja um caminho para isso.
A contradição do espaço vai se revelando dessa maneira, como expõe Henri
Lefebvre (2008a, p. 102):

[...] estão diante de nossos olhos, projetados separadamente, os grupos, as


etnias, as idades e os sexos, as atividades, os trabalhos, as funções, os
conhecimentos. Aqui está tudo o que é necessário para criar o mundo, a
sociedade urbana ou “o urbano” desenvolvido. Mas esse mundo está
ausente, essa sociedade só está diante de nós em estado de virtualidade.

Melhor seria falarmos de uma situação que se apresenta em espaço, possui as


conotações do social e as condições do urbano. Em Porto Alegre, assim como tem sido
uma tendência geral de muitas cidades, esse espaço social compreende situações de
extrema desigualdade: espaços “nobres”, bairros de classes endinheiradas, médias e
populares, etc., de policentrismos, de fraturas socioespaciais e de periferias. Assim, se os
atores criadores dessas áreas não têm completamente a cidade para si, eles e os territórios
que constroem, pelo menos fazem parte de um espaço social: um conjunto delineado a
partir de diversas posições de ocupação. Cada grupo ocupante estaria “acantonado numa
posição ou numa classe precisa de posições vizinhas, quer dizer, numa região determinada
do espaço” (BOURDIEU, 1989, p. 134). Mas, não é uma posição ipsis litteris, em sentido
essencialmente locacional. A posição acondiciona vários aspectos que lhes são próprios,

3
como renda, instrução, atividade ocupacional, relações institucionais, conhecimento formal e
simbólico.

A posição de um determinado agente no espaço social pode assim ser


definida pela posição que ele ocupa nos diferentes campos, quer dizer, na
distribuição dos poderes que atuam em cada um deles, seja, sobretudo, o
capital econômico – nas suas diferentes espécies –, o capital cultural e o
capital social e também o capital simbólico, geralmente chamado prestígio,
reputação, fama, etc. Que é a forma percebida e reconhecida como legítima
das diferentes espécies de capital (id., p. 134).

Para uma representação desse espaço social em Porto Alegre, utilizamos uma
tipologia socioespacial3 que considera fundamentalmente a composição do território por
categorias sócio-ocupacionais. Uma investigação preliminar sobre a formatação da
metodologia utilizada para essa exposição constatou a forte correlação entre as hierarquias
das posições ocupacionais e das posições dos ocupados na escala de distribuição do
capital escolar e econômico, no espaço social das metrópoles de São Paulo, Rio de Janeiro
e Belo Horizonte (RIBEIRO; LAGO, 2000). Destarte, considera-se como argumento
relevante que a posição no espaço social apresenta associação com as posições ocupadas
no território, devido à ampla gama de fatores que lhe dizem respeito. A distribuição da
materialidade da urbanidade, os atributos do urbano, como meios de consumo coletivos,
centralidade, infraestrutura urbana – e, notadamente, a diferenciação entre si e a
precariedade, ou mesmo a sua falta – também devem ser considerados elementos de
distinção.
No mapa 01, vê-se a cidade ocupada por quatro categorias ou extratos,
representativas de suas respectivas posições no espaço social: Superior, Médio, Operário e
Popular. Curiosamente, nota-se que tais grupos se distribuem geograficamente de modo
bastante coeso, quase sem descontinuidade. Não se quer dizer, evidentemente, que no
respectivo espaço não haveria localizações de pessoas pertencentes a um outro grupo, mas
que denota-se fundamentalmente a predominância de uma determinada posição. E a
grande vantagem em se conceber o conjunto de caracterísitcas em termos de espaço4 é
justamente isso: compreender uma posição, ou melhor, um conjunto de posições na
geografia da cidade. As quatro diferentes posições no espaço social de Porto Alegre
poderiam ser assim caracterizadas5:

3
Mammarella e Barcellos (2005).
4
Mammarella (2008) considerou os critérios: (a) distribuição da população, (b) continuidade e
contiguidade geográfica, (c) unidades urbanísticas e (d) correspondência entre áreas e seus limites,
para agregação dos dados.
5
Além dos estudos já citados de Mammarella e Barcellos (2005) e Mammarella (2008), ver também
Mammarella e Barcellos (2009): “Uma abordagem tipológica da estrutura socioespacial da Região
Metropolitana de Porto Alegre (RMPA) em 1991 e 2000”.

4
O tipo superior é o lugar das elites. Na área que ocupa se concentram as
moradias das classes dirigentes e dos intelectuais, embora nelas também
seja significativa a presença de camadas médias. Há, em grau menos
expressivo, a localização de ocupações médias (pessoal de escritório,
atividades de supervisão, ocupações técnicas, nível médio de saúde e
educação, etc.). Estas demarcam a estruturação do tipo médio, embora haja
a presença variada de todas as ocupações, tendo-se em conta que a
característica mais forte é a menor participação das camadas operárias
(trabalhadores do secundário, do terciário especializado, operários da
construção civil e serviços auxiliares) e populares (trabalhadores do terciário
não especializado). No tipo operário, predominam os trabalhadores do
secundário tradicional e moderno, mas também há presença das mesmas
ocupações do tipo popular. Há em menor expressão a presença de
ocupações médias. E, no tipo popular, nota-se a presença predominante
dos trabalhadores do terciário não especializado, como os empregados
domésticos e, secundariamente, do terciário especializado (MAMMARELLA;
BARCELLOS, 2009).

A distribuição dos extratos no espaço urbano da cidade reproduz com muita


coerência a tendência predominante de sua apropriação diferencial, já que os extratos
superiores e médios se localizam nas áreas mais preenchidas de infraestrutura e serviços, e
os extratos operário e popular, nas áreas mais periféricas. Reforça-se essa propensão com
um histórico de inexpressividade da ocorrência das moradias das camadas superiores junto
ao espaço de predomínio do tipo popular, demarcando-se a separação das classes sociais
geograficamente (MAMMARELLA; BARCELLOS, 2005). Não obstante, essa característica
da segregação vem sendo aos poucos acrescida das novas faces da segregação, os
enclaves excludentes, que nós vimos chamando de fratura socioespacial, pois mesmo
mantendo-se a vizinhança ou proximidade geográfica, o distanciamento socioespacial fica
mantido por meios técnicos, como pelos muros e demais aparatos dos condomínios
horizontais fechados (HEIDRICH, 2007).
Em essência, podemos dizer que as áreas identificadas no mapa são conjuntos
de posições, são formas da ocupação do espaço urbano. Em termos de paisagem e de
materialidade revela-se objetivamente uma distribuição de recursos e do acesso a eles entre
a população. Sendo esta a manifestação objetiva, em termos de seus significados, aquilo
que em essência está em disputa ou busca nesse espaço são quatro atributos fundamentais
da cidade: (1) ela mesma, a cidade, que significa mercado, oportunidades econômicas,
consumo de serviços e de mercadorias, garantias sociopolíticas, etc.; (2) a centralização,
que significaria o conjunto dos benefícios da cidade reunidos em lugar central; (3) o acesso,
ou seja, a facilidade de se chegar a um lugar central; e (4) a distinção da posição ocupada,
que tem a ver com a diferença socioespacial definida pela concentração materializada no
espaço dos valores de um grupo social.

5
MAPA 01: Porto Alegre: extratos socioespaciais.
Fonte: Elaborado por Rodrigo de Aguiar, com base em DEMHAB, IBGE e FEE, consideradas as
bases de 2000.

Dessa forma, a ocupação da cidade que resulta em áreas irregulares fica


recolocada. Quer dizer, não se trata apenas de falta de moradia, mas do significado que ela
proporciona. No mapa 01 se vê que tais áreas não estão distribuídas uniformemente: (a) há

6
grande concentração delas no Extrato socioespacial Médio; (b) as áreas localizadas nos
extratos Operário e Popular estão majoritariamente próximas a esta última; (c) as que se
localizam junto aos Extrato Superior são reduzidas, de menor extensão e estão bastante
dispersas. Nosso argumento teórico é que elas se constituem como territórios, pois marcam
uma posição nesse espaço, em função de seus protagonistas pretenderem fazer parte do
universo urbano.

A ocupação territorial, uma posição no espaço social

Como se pode atestar por nossas observações, as áreas de ocupação “irregular”


se constituem como componentes do espaço social da cidade. Elas se mesclam ao
processo de constituição do urbano, embora não sejam áreas urbanizadas, pois geralmente
se fazem a partir de seus vazios. Tais vazios são em maior parte terrenos de instituições
públicas municipais, estaduais ou federais6, alguns em situação de litígio e poucos de
propriedade particular. O que possuem em comum é que são áreas sem equipamentos
urbanos ou benfeitorias. Em geral, antes da ocupação não eram portadoras, elas mesmas,
de meios de consumo coletivo. Como se depreende dos relatos de seus protagonistas,
possuíam o perfil de áreas relegadas:

[...] Aí ele falou para o meu marido, que ele é primo do meu marido, aí ele
disse assim “a gente vai invadir aquele pedaço do lado de lá”, porque isso
aqui era uns cômoros de areia, que eles tiravam do valão, tiravam do
Guaíba e atiram pra cá, então tinha uns lugar que eram uns buraco, tinha
outros que era areia até lá em cima [...] aí a gente foi, [...] aí a gente veio, aí
do lado a gente alugava 2 peça, que era eu, meu marido, meu filho mais
velho, que tá na faculdade hoje, e essa que mora aqui. Aí então a gente [...]
né, vamo se reunir com o pessoal e aí foi vindo, foi vindo, foi um, foi vindo
outro, e a gente foi pegando pedaço pra um, pedaço pra outro [...] aí foi indo
(moradora da Vila Icaraí II).

Essas áreas adquirem aspecto territorial, também, por estarem marcadamente


separadas do urbano. Após a ocupação, guardam as características dos espaços
segregados, mas já antes disso, são cantos e nesgas dos lotes urbanos, muitas vezes nas
condições que oferecem maior risco à saúde e à sobrevivência, como as áreas inundáveis
junto aos cursos d’água ou encostas mais íngremes (figuras 01 e 02).
A constituição desses espaços tem a mesma dinâmica da constituição das
periferias, em função da carência ou da precariedade dos atributos do espaço urbano. Em
Porto Alegre, considerando-se os dados do Censo Demográfico de 2000, cerca de 8,44%

6
Moraes (1999 e 2000).

7
dos domicílios localizavam-se em terrenos desprovidos de serviço e equipamentos urbanos
(CASTELLO, 2009). Parece ser uma característica bastante peculiar desse processo
misturar as feições da constituição do espaço produzido às histórias particulares de luta por
uma moradia. Trata-se de uma necessidade dupla: de inserção na cidade e de condução da
vida. Para Nola Gamalho (2010, p. 132):

Se para a parcela da população que participa do consumo da cidade


enquanto mercadoria a habitação adquire status de desejo, vinculado a
amenidades, como localização, incidência solar e equipamentos como
elevador, piscina, entre outros, para o segmento desprovido da condição de
consumidor o desejo é fundido à necessidade, e o ato de habitar está para
além do consumo, é o progresso social.

FIGURA 01: Vila Icaraí II, Arroio Icaraí. FIGURA 02: Vila Icaraí II.
Fonte: Foto de Amanda Gottardo e Cristiano Fonte: Geoprocessamento de Rodrigo de
Teixeira, 2010. Aguiar, com base em Quickbird e DEMHAB,
2008.

Tendo sido conquistada a permanência nesses locais, aos poucos as


comunidades logram conquista de melhorias. O abastecimento de água – muitas vezes uma
torneira para uma vila inteira e, nos casos mais antigos, diretamente nas moradias – é o
serviço mais solicitado e conquistado. A energia elétrica, de maneira geral, é capturada
diretamente da rede, sem registro. Calçamento e esgotamento sanitário, em geral, também
são serviços indisponíveis. Porém, a escola para os filhos, o transporte público e a conquista
das alternativas de trabalho que a localização proporciona vão se somando ao histórico de
conquistas e assim vai se fazendo o diálogo das comunidades ocupantes com a cidade. Isso
produz o seguinte sentido: as áreas ainda não incorporadas plenamente à cidade vão
ganhando essa condição em virtude de uma prática territorial. É o fato que enlaça e articula.
E, como numa relação dialética, ao mesmo tempo que se insere é segregada.
Trata-se de um dos mais importantes atributos da relação de natureza territorial,
que produz uma marca com a qualidade de espaço singularizado, que faz relação com o

8
contexto por intermédio do seu conjunto particular. Não é a comunidade em si, é apenas um
pedaço da cidade. E, como se trata disso, o território contém, além do fato em si, o
sentimento de fazer parte, de pertencer e sentir-se vinculado. Considerando a relação
dessas comunidades consigo mesmas nesses territórios, e delas e seus territórios com a
cidade, Ana Fontoura (2008, p. 381-382) explicita que se tem:

[...] de um lado, a construção de identidades que se manifestam através da


existência de códigos e de histórias comuns que unem uns e fazem separar
outros, criando-se fronteiras imaginárias intransponíveis que não aparecem
nos mapas, mas existem no dia-a-dia, dificultando o diálogo e impedindo as
ações; do outro lado, a relação com o poder público municipal,
especialmente diante de uma proposta gerada numa rede de ação tecida
entre Estado e agentes sociais excluídos.

Mesmo levando-se em conta que a constituição dessas ocupações possua um


sentido comum, não significa que seus ocupantes expressem uma única compreensão
sobre os problemas que lhes afligem. Em muitos sentidos, elas podem ser vistas como uma
comunidade – de vizinhança, territorial –, mas constituem um corpo social complexo que
possui diferenças e certamente divergências. Apresentam-se com aspecto unificado por
causa de sua expressão territorial, pois essa é a condição que identifica a que se pertence.
Para Guy Di Méo e Pascal Buleón (2007, p. 118), “o ideal é uma condição necessária para a
formação das realidades materiais e da reprodução das relações que engendram”, e quando
vinculadas ao território, as representações consubstanciam materialidade e imaterialidade.
Territórios são vistos e percebidos por seus conteúdos simbólicos (RAFFESTIN,
1988), por aquilo que significam nas duas direções, de quem participa dele e de quem está
fora. Evidentemente que o mapa é sua melhor representação, mas poderíamos dizer que
nem todos são mapas geográficos, alguns são feitos de memórias, outros de literatura,
discursos, etc.. O que se retrata em qualquer uma dessas formas de representar o espaço
tem a ver com cada distinta preocupação de quem comunica e, por isso, uma territorialidade
específica. Assim como se nota facilmente no argumento sobre as nacionalidades, que se
apoia nos atributos geográficos, históricos e culturais de um país, também os contornos e os
conteúdos das demais territorialidades, como a das vilas, são construções desse tipo.
Nas áreas ocupadas, a ligação de uns com todos, isto é, a coesão em torno da
territorialidade, parece se dar pela associação dos elementos em junção, extraídos do
compartilhamento do espaço-tempo. Viver numa mesma geografia e vivenciar seus fatos
contribui para a elaboração de referentes da vida, para a identidade do grupo. Por mais que
haja qualquer diferença de opinião, rusga ou desconforto entre vizinhos, a referência que
contribui para a visão de cada um no contexto origina-se na mesma realidade
socioterritorial. Compartilham uma reivindicação bastante comum: ter o direito de se manter

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no lugar, de estar na cidade. Quando indagados sobre o lugar em geral, reportam-se assim:
“aquilo ali não era de ninguém” (morador da Vila Chocolatão), ou “era lugar abandonado, a
gente é que deu o jeito nisso” (moradora da Vila Icaraí II). Também é comum a percepção
de que os poderes públicos possuem uma dívida com eles, um compromisso com o
problema que vivenciam, de lhes faltar serviços e equipamentos urbanos. Compreendem
isso a partir da comparação com os bairros bem atendidos.
As modalidades da chegada ao lugar são muito semelhantes, quase sempre
iniciadas por poucas famílias, as quais, com certa rapidez, somam-se pelos que
aguardavam um pouco de certeza: conhecidos e parentes. Mas o espaço não se completa
imediatamente, já que cresce a ocupação por subdivisão dos primeiros lotes.
A ocupação, o lugar “garantido”, dá a quem tem posse certo direito que pode ser
repassado por pequenas quantias, que em geral são estabelecidas com o parâmetro da
necessidade de quem se muda. É claro que quando passa mais tempo e a localização é
favorecida por algum incremento da cidade, pode-se auferir uma renda. Essa dinâmica se
entrelaça com a original, perfazendo certo conflito de estratégias: a de ganhar a cidade e a
de servir-se do recurso da ocupação como estratégia de reprodução social. Sobre esse
processo, Nabil Bonduki e Raquel Rolnik (1979, p. 129) entendem que tal expediente
contribui para a manutenção da baixa remuneração dos trabalhadores:

[...] ao produzir sozinho sua casa, o trabalhador cria um valor de uso,


apropriado totalmente por ele, e que é, potencialmente uma mercadoria,
pois pode ser comercializado a qualquer momento. [...] Se, numa primeira
instância, a habitação resultante dessa operação é produzida como valor de
uso, passa a ter valor de troca quando é mercantilizada, através de venda
ou locação, muito frequentes.
Se, por um lado, a autoconstrução tem sua origem nos baixos
salários, ao generalizar-se institucionaliza essa baixa de salários. Há,
portanto, um sobretrabalho implícito ao processo, mas este não se encontra
no trabalho de construção da habitação propriamente dito e sim na
diminuição da magnitude do “trabalho necessário” na jornada cotidiana de
trabalho, possibilitada pela eliminação do gasto mensal equivalente ao
aluguel.

No quadro que estamos considerando, porém, parte significativa da situação é


engendrada por trabalhadores do circuito inferior da economia, não assalariados. Desse
modo, mais do que a contribuição para a economia do custo da produção capitalista,
usufruir da renda auferida por sua habitação (benfeitoria e localização) permite recorrer a ela
para manter sua reprodução social.
Trata-se, também, de uma estratégia a que recorrem moradores de
reassentamentos ou áreas reurbanizadas, quando repassam para outros a moradia
conquistada e retornam para a dinâmica de ocupação-autoconstrução-reivindicação, como
ocorre na Vila Areia (figuras 03 e 04). Essa vila está integrada a um projeto de

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reurbanização em realização no bairro Humaitá7. É composta de barracos e, conforme se
vê na figura 04, nota-se que boa parte foi removida. No entanto, como se vê na figura 03, na
área removida já se encontram novos barracos. Evidentemente que ocorre fiscalização, no
entanto, quando a instalação já está feita, e especialmente se na família houver crianças, a
instalação permanece. A territorialidade, dessa forma, possui grande complexidade, é
bastante instável, a memória coletiva é fragmentária, uns saem e outros chegam com muita
rapidez. Assim, as mudanças não envolvem apenas a paisagem, mas também os
compartilhamentos e, evidentemente, os sentidos das experiências.

FIGURA 04: Vila Areia em remoção. Ao centro,


FIGURA 03: Vila Areia, área reocupada. vê-se área reurbanizada, e abaixo, pavilhões de
Fonte: Foto de Amanda Gottardo e Cristiano passagem.
Teixeira, 2010. Fonte: Geoprocessamento de Rodrigo de Aguiar,
com base em Quickbird e DEMHAB, 2008.

A coesão dessas comunidades, por serem pequenas, leva-nos a pensar que se


mantenha forte, resultante de uma vida preenchida de significados comuns. Mas ela é
atravessada por diferenças pertinentes às sociedades complexas, considerando-se a
multiplicidade de experiências, como por exemplo, suas opções religiosas, seus lugares de
origem e alternativas de condução da vida que variam não apenas pelo encontro da
oportunidade de trabalho, mas também pela sujeição às formas menos lícitas de obtenção
de rendimento. Assim, tanto o sentido da aproximação, como de certo afastamento estão
presentes nas dinâmicas de formação desses pequenos territórios. Por isso, entendemos

7
O Programa Integrado Entrada da Cidade (PIEC), conforme divulgado pela Prefeitura Municipal de
Porto Alegre, visa ao desenvolvimento urbano, socioeconômico e ambiental da região, e conta com
investimento de R$140 milhões. As ações são voltadas para a construção de habitações no próprio
local de ocupação, implantação de sistema viário e saneamento, atendendo 3.775 famílias com 3.061
novas casas e 714 lotes urbanizados. O programa conta com financiamento externo e recursos
municipais. Já foram entregues 1.629 Unidades Habitacionais. Restam aproximadamente seis vilas a
sofrerem intervenção, que estão em análise pelo PIEC.

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que o conjunto social dessas ocupações deve ser refletido (averiguado) como comunidades
detentoras de reservatórios de sentidos, que não seriam únicos, mas plurais. O sentido,
como compreendem Peter Berger e Thomas Luckmann (2004, p. 15-16), é:

[...] uma forma complexa de consciência [que] não existe em si, mas sempre
possui um objeto de referência. Sentido é a consciência de que existe uma
relação entre experiências. O inverso também é válido: o sentido de
experiências – e [...] ações – será construído em primeiro lugar por
especiais realizações “relacionais” da consciência. A experiência atual em
dado momento pode ser relacionada com uma experiência já acontecida há
pouco ou num passado remoto. Geralmente a experiência atual não é
relacionada com uma única outra experiência, mas com um tipo de
experiência, um esquema de experiência, uma máxima comportamental,
uma legitimação moral, etc., derivados de muitas experiências e
armazenados no conhecimento subjetivo ou tomados do acervo social do
conhecimento.

Com tal compreensão, podemos associar os sentidos das experiências aqui


relatadas com: a geografia do lugar ocupado e seu contexto na cidade; o cotidiano, que
envolve subemprego, estratégias de subsistência e a convivência contraditória entre a
precariedade e a presença da urbanidade; e o próprio agir, que envolve principalmente a
itinerância e a ocupação. Por isso, o que aproxima não é viver a mesma coisa, mas
compartilhar uma espécie de confluência, como um repositório. Mesmo que o que se viva
não diga respeito a todos, o que todos vivem conflui para a mesma referência, impregnada
de fatos localizados.
Na Vila Icaraí II (figuras 01 e 02), a ocupação se deu há cerca de 16 anos,
iniciada por poucas famílias que viram no espaço sobrante uma possibilidade de moradia,
permanecendo na mesma região da cidade, sem a despesa dos aluguéis. A ação foi
seguida da chegada de um conhecido ou parente no espaço que foi aberto, e também pela
compra da casa de alguém que se mudou. São três situações, mas todas remetem à
condição de ocupantes, reivindicadores de equipamentos e serviços, precariedade e
carência. O lugar possui uma grande densidade de moradias (são 108 domicílios que ainda
permanecem), mas nem todos se conhecem e compartilham da mesma compreensão sobre
como o lugar se formou. A atividade das pessoas é bastante variável nessa vila, e nota-se,
em relação a outros espaços de maior vulnerabilidade social da cidade, um aspecto geral de
melhor situação social, como a presença não desprezível do emprego formal e algumas
moradias bem equipadas com bens de consumo durável.
A Vila Chocolatão (figuras 05 e 06) é uma ocupação em área central da cidade,
vizinha a instituições públicas, como Tribunal Regional Federal, Receita Federal, Instituto de
Colonização e Reforma Agrária, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, entre outras.
As primeiras ocupações se fizeram há cerca de 25 anos, por pessoas vindas de diferentes

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locais da cidade. Os moradores, que atualmente perfazem 181 famílias, são
majoritariamente recicladores de materiais, popularmente conhecidos por catadores. A
distribuição dos barracos no lugar possui um arranjo que permite o encontro, a maneira de
uma esplanada; possui também um clube de mães, local onde ocorrem atividades sociais,
recepção de doações e reuniões com as muitas instituições de assistência social ou
organizações que ali procuram desenvolver algum apoio ou projeto8. Porém, tudo é muito
precário. O que há de infraestrutura melhor é um conjunto de quatro banheiros e tanques
com torneira, mas que está há muito tempo com os dutos estourados, fazendo espalhar o
esgotamento por baixo dos barracos. As ligações de energia elétrica – os chamados “gatos”
–, realizadas pelos próprios moradores, já ocasionaram diversos incêndios. Também é uma
ocupação em que há mudança dos moradores, mas permanece um grupo antigo, que
mantém a memória do lugar. Sabe-se, também, que é local em que ocorre criminalidade,
associada ao tráfico de drogas.

FIGURA 05: Vila Chocolatão. FIGURA 06: Vila Chocolatão.


Fonte: Foto de Miriam Claussen, 2010. Fonte: Geoprocessamento de Rodrigo de Aguiar,
com base em Quickbird e DEMHAB, 2008.

As três vilas, Areia, Chocolatão e Icaraí II, possuem um duplo aspecto buscado
por suas comunidades: centralidade e urbanidade. Estão localizadas em regiões da cidade
com acessibilidade a serviços, escolas e fonte de geração de renda (mapa 01). Guardam na
sua localização atributos da cidade. Todas elas estão em processo de regularização,

8
Dentre inúmeras entidades que atuam na vila, destacamos as seguintes: Gajup – Grupo de
Assessoria Justiça Popular – e Caru – Coletivo de Apoio a Reforma Urbana –, ambos da
Universidade Federal do Rio grande do Sul; projeto Pim Pim Piá – Primeira Infância Melhor –, da
Prefeitura Municipal de Porto Alegre; CAMP – Organização não governamental (ONG) a serviço da
empresa Vonpar; diversas igrejas e grupos religiosos; CONTERRA – grupo contratado pela
empreiteira de obras para executar o Projeto de Trabalho Técnico Social de reassentamento; Grupo
de Apoio Social do Posto de Saúde Santa Marta; e a Rede para Sustentabilidade da Vila Chocolatão
– rede municipal da qual participam todas as secretarias da Prefeitura, algumas empresas como a
Vonpar, e representantes da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura
(UNESCO) e do Tribunal Regional Federal.

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remoção ou reassentamento. A Vila Areia, como vimos acima, é objeto de reurbanização. A
Vila Chocolatão, remoção para o Bairro Mário Quintana, muito distante da área central que
ocupa atualmente. A Vila Icaraí II está sendo removida e parte de seus ocupantes será
reassentada em diversas regiões da cidade, em projetos de habitação popular, enquanto
outros estão sendo indenizados, com o compromisso de adquirirem outro imóvel e não
retornar9. Desse modo, um componente da experiência é também a localização.
Completa-se, com isso, o significado territorial: trata-se de um fato em si – a
materialidade –, que é produzido por atores, é resultado de um agir e se faz como tal por ter
sido compreendido – em ação e materialidade – e ter uma representação. Possui enlaces
com o poder, em que seu princípio básico, como compreendido por Robert Sack (1986), é
constituir-se em estratégia, alçada especialmente quando as outras formas que estruturam a
ordem social não surtem efeito, como o diálogo, a política e o consenso, por exemplo.
Temos visto aqui, que muito mais que uma restrição de acesso, os territórios produzidos são
estratégias para ganhar a cidade e também garantir uma forma de reprodução social. A
compreensão de que se trata de uma relação e não um fato consolidado é mais bem
visualizada quando o diferenciamos do próprio espaço, como o faz Jöel Bonnemaison
(2002, p. 126):

O território é, primeiramente, uma determinada maneira de viver com os


outros; em inúmeros casos seus limites geográficos são os das relações
cotidianas. O espaço começa além daí. Ele é o desconhecido, o jogo, a
liberdade, mas também o perigo. Assim, cada grupo existe criando um
equilíbrio – sempre instável – entre o território e o espaço, entre a
segurança e o risco, entre o fixo e o móvel, entre o olhar para si –
etnocêntrico – e o olhar para os outros.

Por isso, podemos pensar que os sujeitos desse processo são atores que se
envolvem numa luta pelo espaço da cidade e, não sendo uma comunidade de vida10, um
grupo articulado, vêem-se diferenciados por meio da geografia que produzem. É por ela que
possuem uma identidade. Por ela é possível elaborar uma fala sobre si em relação aos
outros.

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O programa prevê a remoção das famílias para conjuntos habitacionais em diferentes pontos da
cidade. Para as que optam pela indenização de R$40.000,00, por medida contratual, obriga-se a
aquisição de outro imóvel. Os recursos de indenização são originários de medidas mitigatórias da
implantação do Centro de compras Barra Shopping Sul.
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Ver Berger e Luckman (op. cit.).

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Considerações

Muito já se explorou desse tema em nossa realidade urbana, particularmente


nos países em que a urbanização foi historicamente marcada por profundas desigualdades.
Em especial, a compreensão do problema sob a ótica da produção do espaço urbano, das
migrações campo-cidade e da lógica da reprodução do capital imobiliário renderam
importantes compreensões. Nesta exposição se buscou um foco de análise variante. Nossa
preocupação maior com essas reflexões foi desenvolver o argumento com o qual estamos
trabalhando para compreender um pouco da lógica e do cotidiano da formação e da
dinâmica das áreas de ocupação irregular na cidade de Porto Alegre. A pesquisa, na qual
essas reflexões se apoiam, parte de uma consideração básica: a de que se soma aos
processos já conhecidos uma lógica que está ligada à propensão humana de agir
territorialmente para se ganhar o espaço.
O espaço do qual falamos é a cidade, que possui a expressão de um espaço
social que contém a materialidade, os objetos e as relações com vistas à garantia dos
direitos e do convívio entre desiguais; ao consumo do espaço; e à reprodução de estilos de
vida.
Do lado dos que almejam ter a cidade, então são alçadas estratégias que se
consubstanciam em territórios – áreas de ocupação –, as quais estamos acostumados a
chamar de irregulares, do ponto de vista legal. Do ponto de vista da teoria posta em uso
aqui, trata-se simplesmente de ocupação. Ela constitui outros espaços sociais, que têm a
cidade como meta: meios de consumo coletivo, escola, posto de saúde, oportunidades
econômicas, endereço e acesso à centralidade, como já possuem os habitantes “normais”
da cidade.
A leitura, então, não está focada para compreender a dominação ou a
explicação do espaço, mas a sua apropriação, em que as imbricações estão focadas na
ordem próxima, em diálogo – ou contraposição – ao maior, ao estabelecido. A cidade não é
o dominador, ela também é um construto, mas é um espaço geral em que as desigualdades
são ordenadas e, por isso, ela tende a negar o acesso. Ela não dá conta do que se
sobrepõe ao mundo que promete.
Como duas estratégias antagônicas de se almejar a cidade – a que está
estabelecida por meio do mercado, do plano e da gestão; e a que é solicitada por meio da
ocupação –, elas terminam por produzir, de novo, a cidade com o plano, o mercado e a
gestão. As estratégias se encontram ao final do processo produzindo o reassentamento, e
remoção e a reurbanização. Os dois primeiros são, em geral, modos de periferizar o
problema, de conceder a cidade parcialmente e na sua feição mais precária. A
reurbanização, por sua vez, tem significado mais concretamente a conquista da cidade

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formal, da sua materialidade. Muitas vezes, porém, essa conquista vem acompanhada das
taxas de direito de uso, energia elétrica e água, que nem todos os antigos ocupantes estão
capacitados a consumir formalmente. Em muitos desses casos, a periferia se encontra no
centro.
Damos-nos por conta, então, que ganhar a cidade não é simplesmente residir
nela, mas se precisaria trazer de volta a sua essência: um espaço de convívio, de mercado,
de política e de civilidade, fazendo dessa ideia integralmente um fato.

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