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Prostituição de Rua e Turismo:

A Procura do Prazer na Cidade do Rio de Janeiro'


MiguelAngelo Ribeiro*

Nas ruas o presente nos assedia, traz a marca dos itinerários às vezes
dispersos, difusos ou mesmo concentrados, definidos pela vida cotidia-
na. [..] Na rua encontra-se não só a vida mas os fragmentos de vida, é
o lugar onde o homem comum aparece ora como vítima, ora como figu-
ra intransigente e subversiva. No movimento da rua encontra-se o mo-
vimento do mundo moderno.
(ALESSANDRI CARLOS, 1996:85)

— CONSIDERAÇÕES INICIAIS O espaço urbano é fragmentado porque pode


ser assimilado por diferentes usos, ou seja, apre-

O espaço urbano apresenta várias ca-


racterísticas que interessam ao geó-
grafo por ser fragmentado, articu-
lado, reflexo e condição social, bem como cam-
senta um mosaico de áreas com usos diferentes,
distintas em termos de forma e conteúdo social.
A fragmentação, permanente e complexa, em um
processo de construção e destruição, é feita e des-
po simbólico e arena de lutas (CORRÊA: feita. Todavia, este dinamismo não se repete em
1991;1997). Na verdade, este caleidoscópio todos os lugares, seja no tempo, seja no espaço.
multidimensional, onde novos arranjos espaci- O que articula o espaço fragmentado em seu as-
ais se formam, é passível de leituras através de pecto mais visível e fundamental são os diferen-
diversos ângulos. Assim sendo, pensadores de tes fluxos que se realizam de pessoas e veículos.
outras ciências, como WIRTH (1967:103) su- SANTOS (1988) destaca que a organização es-
blinham que as diferentes partes da cidade pacial se revela, de um lado, a partir de elemen-
adquirem funções especializadas. A cidade, tos fixos constituídos como resultado do traba-
conse-qüentemente, tende a parecer um mosai- lho social, e, de outro, através dos fluxos que
co de mundos sociais nos quais é abrupta a trans- garantem as interações entre os fixos. Sendo as-
crição de um para o outro. sim, os lugares da cidade estão articulados de al-

1 Gostaria de externar meus sinceros agradecimentos ao amigo João Baptista Ferreira de Mello pelo incentivo à
elaboração desse artigo, como também na participação da pesquisa de campo em Copacabana; discussões,
trocas de idéias e leitura crítica; ao geógrafo Rogério Botelho de Mattos, por ter me apropriado de partes do
artigo escrito em sua co-autoria, referente à Prostituição de Rua na Área Central do Rio de Janeiro; ao
geógrafo Carlos Alberto Franco da Silva pela minuciosa leitura crítica; ao Professor Roberto Lobato Corrêa
pelas valiosas idéias e sugestões na elaboração do mapa referente a Copacabana. A Fátima Vasconcellos pela
micrografia. O trabalho foi realizado para apresentação no 1. Encontro Nacional de Turismo com Base
Local, organizado pelo Departamento de Geografia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da
USP, no período de 1 a 3 de maio, na cidade de São Paulo. As eventuais imperfeições verificadas e conceitos
emitidos são de inteira responsabilidade do autor.
Pesquisador Titular - Departamento de Geografia - Rio de Janeiro/IBGE e Doutor em Geografia/UFRJ

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guma maneira, estabelecendo-se redes de pa- certo período de tempo, de uma rua ou um con-
drões, intensidades e naturezas distintas de flu- junto de logradouros por um determinado gru-
xos. Trata-se, então, de um espaço rede, de um po de prostitutas, "michês" (rapazes de progra-
mosaico rede. Só que o grau de articulação de ma) e travestis, que, através de uma rede de rela-
cada parte da cidade não é o mesmo. A articula- ções, da adoção de códigos de fala, expressões,
ção também é desigual. Os lugares não estão ar- gestos e passos, garantem e legitimam essas áre-
ticulados entre si com a mesma intensidade, em as como territórios para a prática de tal atividade
decorrência da divisão territorial e social do tra- (RIBEIRO e MATTOS, 1996). Por outro lado,
balho que é desigual. O espaço urbano, entre- a especificidade do espaço condiciona sua apro-
tanto, não é apenas fragmentado e articulado. É priação e transformação em territórios fortemen-
simultaneamente fragmentado; articulado; refle- te e não fortemente controlados. Sendo assim,
xo social 3/4 a cidade reflete a natureza social, os territórios podem ser diferenciados em: for-
apresenta classes sociais distintas; condição soci- tes, aqueles demarcados e protegidos por/para
al 3A existência das funções sociais e de reprodu- um grupo, ou seja, o espaço condicionado por
ção; campo simbólico 3A o cotidiano vivido dia a uma rigidez de controle; e fracos, com tolerân-
dia e arena de lutas de direito à cidade, tendo em cia entre os "competidores", onde a entrada/saí-
vista os diversos momentos de apreensão do es- da é mais fraca.
paço urbano. É no espaço urbano que as lutas se No caso específico do espaço urbano carioca,
desenvolvem, já que a cidade é, ao mesmo tem- a associação entre território da prostituição e
po, cenário e objeto das lutas sociais, que têm turismo é imediata. Isso porque o turismo, mui-
como dimensão espacial a formação de diversos to embora seja uma atividade formal e responsá-
territórios, até mesmo por grupos marginais a vel pela contribuição de divisas para a riqueza de
-5-71 partir de atividades tidas como ilícitas. um país, região, estado e/ou cidade, apresenta
Neste contexto, o presente estudo analisa em muitas oportunidades diversos turistas que
quatro espaços públicos que configuram territó- recorrem às atividades de caráter informal, entre
rios da prostituição no Rio de Janeiro, espaços elas, a prostituição de rua que organiza verda-
afamados até mesmo junto aos turistas de diver- deiros territórios em alguns espaços públicos na
sas procedências, que procuram esses consagra- cidade do Rio de Janeiro, freqüentados, por ve-
dos "territórios do prazer". zes, por uma clientela de turistas nacionais e in-
Os Territórios são normalmente demarcados ternacionais que usufruem de um conjunto de
por limites de uma territorialidade, onde um serviços necessários para atraí-los e situados em
indivíduo ou grupo estabelece relações de domí- lugares fixos, tais como restaurantes, bares e ho-
nio ou controle sobre uma área geográfica téis, além de, evidentemente, o espaço público.
(SACK, 1986; SOJA, 1993 e RAFFESTIN, Neste contexto, o turismo pode ser visto não
1993). O território também pode ser visto como somente pelo prisma do aproveitamento e delei-
uma apropriação simbólica, identitária e afetiva te dos recursos da natureza (a montanha, o mar,
do espaço; conceito desenvolvido consistente- etc), mas igualmente pelo ambiente construído,
mente por TUAN (1980) para quem o lugar constituído pelas transformações empreendidas
é muitas vezes utilizado como sinônimo de ter- pelo homem no espaço: a conceituada segunda
ritório através da "topofilia", que significa o natureza, aquela transformada pelo trabalho so-
"elo afetivo entre a pessoa e o lugar ou ambien- cial (CORRÊA, 1997:153-6). Neste caso, o tu-
te físico". rista se apropria daqueles fixos criados pelo ho-
Neste estudo os territórios da Prostituição são mem que, na verdade, não deixam de estar asso-
conceituados a partir da apropriação, durante um ciados aos condicionantes naturais.

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Antes de passar à análise empírica, cumpre Os espaços públicos selecionados na Área
fazer referência ao conceito de turista utilizado Central foram identificados através de pesquisa
nesse estudo. De maneira mais abrangeriie, con- de campo, efetuada em 1994, visando à elucida-
siderou-se turista não somente a pessoa que via- ção de seus diferentes territórios. À guisa de
ja a la7er para locais que despertam interesse, mas exemplificação, a pesquisa foi realizada em dife-
também aqueles indivíduos que viajam a negóci- rentes dias da semana (tanto os dias quanto as
os e que, em determinado momento ou por al- semanas foram escolhidos aleatoriamente) e cons-
guns dias, usufruem de um conjunto de serviços tava em percorrer de carro, principalmente à
necessários para atraí-los. Segundo NAISBITT noite (maior ocorrência da prostituição), os es-
(1994:119), comparando pessoas que viajam a la- paços públicos selecionados, por diversas vezes.
zer e as que viajam a negócios, "embora os primei- Para Copacabana, a pesquisa de campo realizou-se
ros constituam a base da indústria do turismo, os em 1997, seguindo, de modo geral, a mesma me-
segundos são bastante cortejados pelas empresas todologia anterior com uma diferença: a Avenida
de aviação, os hotéis, as locadoras de automóveis e Atlântica e adjacências foram percorridas a pé.
os restaurantes, ainda podendo-se acrescentar, em O quadro que identifica os Territórios da
muitas situações, sua vinculação com atividades Prostituição nos Espaços Públicos selecionados
informais, caso da prostituição, como pode ser para a cidade do Rio de Janeiro permite elucidar
observado no Rio de Janeiro". os conteúdos predominantes e os diferentes ti-
pos de prostituição, para os quatro territórios,
II - PROSTITUIÇÃO DE RUA E como também estabelecer suas semelhanças e
TURISMO: UMA ANÁLISE DOS diferenças.
TERRITÓRIOS SELECIONADOS
Nas pesquisas empreendidas para o desenvol- 1. TERRITÓRIOS DA PROSTrTUIÇÃO
vimento deste estudo e com base tanto em nível NA ÁREA CENTRAL
empírico, quanto em fontes informais e biblio- A Área Central do Rio de Janeiro individua-
gráficas, foram selecionados quatro espaços pú- liza-se no conjunto do espaço urbano, pela con-
blicos que são marcados pela prostituição, em centração de atividades comerciais, de serviços,
seus diversos conteúdos e significados. São eles: das gestões pública e privada e pelos terminais
a Praça Mauá, predominantemente freqüentada de transportes intra-urbanos e inter-regionais. O
pela prostituição feminina, bem como a "Cine- núcleo central da cidade, também identificado
lândia" (Praça Floriano) e o "Castelo" (Avenidas como Distrito Central de Negócios (CBD), em
Presidente Antônio Carlos, Almirante Barroso e função de sua acessibilidade e da presença de
Graça Aranha e Rua Santa Luzia), com presença construções imponentes — nas quais se encon-
da prostituição masculina ("michês"), localiza- tram os escritórios da gestão e comando de em-
dos na Área Central. Além disso, situada na zona presas dos setores público, comercial e financei-
sul da cidade, Copacabana, há várias décadas um ro da cidade, de sua hinterlândia e de todo o país
importante reduto turístico, apresenta diversos —, é o local que detém um enorme afluxo de
segmentos da prostituição (prostitutas, "michês" pessoas durante o dia. Tem como sua artéria prin-
e "travestis") que delimitam seus territórios, prin- cipal a Avenida Rio Branco, referencial de mo-
cipalmente em sua orla, localizados nas esquinas dernidade, a partir de 1906, quando da sua inau-
e calçadas ou em alguns bares e restaurantes, na guração. Nesse núcleo central, suas ruas e aveni-
Avenida Atlântica e imediações, bem como nos das são marcadas pelo seu dinamismo, pelo vo-
trechos compreendidos entre a Rua Prado Júni- lume das transações e negócios ligados aos seto-
or e Avenida Rainha Elizabeth. res comerciais, de serviços e de gestão. Por outro

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lado, a sua periferia ou Área de Obsolescência TOS (1996: 64-65) para os territórios da pros-
ou Zona Degradada, localizada em seu entor- tituição na Área Central, conforme explicita-
no, tem como limites, grosso modo, a Praça do no Mapa 1. São eles, com suas respectivas
Mauá, Central do Brasil, Rua Riachuelo e o caracterizações:
bairro da Lapa. A maior parte de sua paisa-
gem é marcada por terminais de transportes, 1.1. A ZONA PORTUÁRIA DA PRAÇA MAUÁ
depósitos diversos, pensões, unidades fabris e A Praça Mauá e cercanias são áreas típicas
lugares de diversão e construções do início do e tradicionais de prostituição exclusivamente
século que servem de moradia para numerosas feminina no Centro da Cidade, sendo que du-
famílias de baixa renda e homens solteiros. rante o dia caracteriza-se por ser área de servi-
No núcleo central e na zona periférica do ços, de comércio eminentemente atacadista,
centro, de segunda a sexta-feira — mas persis- em função da proximidade do Porto do Rio
tindo com alguma relevância no sábado —, de Janeiro. As imediações da Praça Mauá des-
durante o horário diurno, ocorrem os maio- tinam-se ao uso residencial por pessoas de bai-
res fluxos de veículos e pessoas que trabalham xo poder aquisitivo, que, não tendo capital
nas atividades comerciais, de serviços e de ges- para manter a aparência de suas moradias,
tão, bem como as que consomem esses pro- deixam-nas se deteriorar fisicamente, estigma-
dutos e serviços, criando ambiente para o de- tizando a área, com uma imagem de pobreza,
senvolvimento de diversas atividades, entre vício, prostituição e crimes. Nesse local situ-
elas a prostituição. À noite e de madrugada e, am-se vários pontos finais de ônibus intra-
principalmente, nos finais de semana e feria- municipais e municipais, além da antiga ro-
dos, esses ambientes dinâmicos se transfor- doviária da Cidade — Terminal Mariano Pro-
56 mam e se fragmentam em diversas territoria- cópio, o principal da Cidade até 1962, quan-
lidades de excluídos pela sociedade, surgindo, do foi concluída a Rodoviária Novo Rio — hoje
assim, diferentes territórios, tais como dos servindo a alguns municípios da Região Me-
catadores de papel, dos sem-teto, dos meno- tropolitana carioca.
res de rua, dos guardadores de carro (os "fla- A territorialidade da prostituição nessa área
nelinhas"), entre outros, superpostos muitas desenvolveu-se a partir da mudança do Porto
vezes com o da prostituição, constituindo ver- do Rio de Janeiro para o local em 1910, atra-
dadeiros «territórios do medo", em decorrên- indo estabelecimentos do comércio atacadis-
cia da violência praticada pelos diferentes gru- ta, grande número de pessoas, além das ativi-
pos atuantes nesses territórios, bem como da dades portuárias cotidianas. A presença cons-
atuação da polícia, que exerce ora papel re- tante de marinheiros de diversas nacionalida-
pr,es s o r, ora de extorsão, no caso dos des e de turistas fez surgir hotéis de alta rota-
prostitutos (as). tividade, que servem, também, de hospeda-
A Área Central, lugar de coexistência e mu- gem temporária às prostitutas e aos seus cli-
danças no dia-a-dia, é o palco onde se realizam entes. Esse território está completamente vol-
profundas relações de seus variados conteúdos tado para as atividades desenvolvidas na Praça
sócio-espaciais e, portanto, propícia ao desenvol- Mauá e nos seus cabarés, boates e bares. Du-
vimento de atividades ligadas à prostituição. rante o decorrer do dia observam-se prostitu-
Diante desse contexto procurou-se seleci- tas circulando pela Praça Mauá a fim de atrair
onar os territórios nos quais detectou-se a pre- clientes para as casas de shows, bem como para
sença de turistas como usuários/clientes, a os hotéis de alta rotatividade localizados em
partir da identificação de RIBEIRO e MAT- suas imediações.

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1.2. A ÁREA DE LAZER, DE PASSAGEM, ARE- sidente Antônio Carlos, Nilo Peçanha e adjacên-
NA POLÍTICA E CENTRO FINANCEIRO E CUL- cias, onde se localiza o Terminal Rodoviário e
TURAL DA "CINELANDIA". edifício-garagem Menezes Côrtes. Esse territó-
A antiga "Broadway" carioca concentra nu- rio é temporalmente muito bem marcado: du-
merosas opções de lazer tais como cinemas, ba- rante o dia, há um predomínio dos setores de
res e restaurantes, o Teatro Municipal, Museu serviços e gestão, com grande afluência de pes-
de Belas Artes, Biblioteca Nacional, Sala Funar- soas que utilizam, em sua maioria, o terminal
te e em seu conjunto muitas agências bancárias rodoviário localizado em suas imediações, além
oficiais e privadas, além de vários prédios e lojas do terminal hidroviário situado na Praça XV de
comerciais, pontos finais de ônibus municipais Novembro. À noite, e de madrugada, principal-
e a estação do metrô, além de alguns hotéis tra- mente a partir das 22 horas e principalmente em
dicionais que recebem turistas devido a sua lo- véspera de feriados e finais de semana, alguns
calização privilegiada. logradouros dessa área se transformam em terri-
As muitas opções de lazer e serviços e o gran- tórios da prostituição. Onde antes existia o pre-
de movimento diário de pessoas contribuíram domínio de homens de paletós e gravatas, agora
para o surgimento desse território, com a pre- existe, no lado esquerdo de algumas vias públi-
sença da prostituição masculina durante o dia e cas, os prostitutos "viris", de feições sérias, que
a noite. Os "michês", em sua maioria, circulam flanam de jeans justos e rasgados para realçar seus
pela praça a procura de clientes potenciais, den- corpos atléticos. Trata-se de um território típico
tre os quais encontram-se os levados por ami- de prostituição masculina no Rio de Janeiro, de
gos, que ocupam os bares e restaurantes existen- alta periculosidade, tanto para o "michê", como
tes na "Cinelândia". para o cliente, conhecido e afamado mundial-
mente no mundo gay.
1.3. A ÁREA DE PASSAGEM, DE SERVIÇOS E A característica principal desse território é o
DE GESTÃO DO "CASTELO". poder que o mesmo apresenta em seu processo
Este território foi, no passado, o "berço" da diário de contração e expansão. Se durante o dia
Cidade, concentrando nas partes baixas do anti- desaparece em meio às atividades voltadas prin-
go morro do Castelo um grande número de "ca- cipalmente ao setor de prestação de serviços, à
sas de tolerância" e bordéis exclusivos de prosti- noite torna-se território dos "michês". Esse ter-
tutas. Com as reformas urbanas ocorridas na ritório ocupava até o final dos anos 80 uma por-
gestão Carlos Sampaio, na década de 1920, como ção maior do espaço público, correspondendo à
parte das comemorações do Centenário da In- antiga e denominada "Via Ápia" — Rua Santa
dependência do Brasil, o material de desmonte Luzia, depois da Santa Casa da Misericórdia,
da citada elevação serviu de aterro para o futuro imediações do Museu Histórico Nacional e pro-
Parque Brigadeiro Eduardo Gomes (Aterro do ximidades da Praça XV de Novembro. Pratica-
Flamengo) e o bairro da Urca. Nesta área surgi- mente está havendo uma contração desse terri-
ram outras construções que abrigam setores de tório e seu desaparecimento confinou os "mi-
serviços e de gestão. Posteriormente a essa mu- chês" ao território do "Castelo" propriamente
dança de conteúdos, uma nova territorialidade dito. Tal fato explica-se em grande parte pela atu-
de prostituição começou a ser gestada em suas ação da polícia civil, que "achaca" não só os "mi-
ruas, a masculina, que ocupa partes da Rua San- chês", mas, principalmente, os clientes que o fre-
ta Luzia, nas proximidades da sede do Ministé- qüentam. A tendência é os rapazes de programa
rio da Educação e Cultura (MEC) e nos fundos procurarem novos territórios, caso verificado no
da Igreja de Santa Luzia, e ainda as Avenidas Pre- "Castelo", onde reproduz-se hoje o que há vinte

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anos encontrava-se na antiga "Via Ápia" — a pre- car a construção da Avenida Atlântica e a aber-
sença de inúmeros clientes motorizados à cata tura do túnel do Leme, no período compre-
dos "michês" que migraram para este local. endido entre 1905 e 1906, contribuindo para
Quanto aos dois territórios de prostituição facilitar o acesso ao bairro. O boom imobiliá-
masculina na Área Central do Rio de Janeiro, rio, entretanto, vai se realizar no período de
observa-se que apresentam diferenciação marcan- 1930 a 1950, em decorrência da necessidade
te, pois enquanto o movimento que ocupa a imediata de retorno financeiro e em época de
"Cinelândia" ocorre durante o dia e a noite, con- alta inflacionária através dos agentes imobili-
vivendo com o movimento diário de pessoas de ários, que priorizaram investimentos na zona
diferentes segmentos sociais, o outro, que incor- sul da cidade. A partir de 1930, Copacabana
pora parte das vias públicas do "Castelo", somen- deixou de ser predominantemente residenci-
te à noite torna-se território dos "michês". Bas- al, ocupada pelas classes sociais mais ricas, para
tante ermo e de alta periculosidade, representa tornar-se um "subcentro comercial" (DUAR-
uma espécie de refúgio ou esconderijo, tanto para TE,1974) dentro da cidade, com edifícios de
os rapazes de programa quanto para os clientes vários pavimentos. A utilização do concreto
que procuram esse local. Outra diferença bas- armado, que diminuiu o custo unitário da
tante significativa das práticas da territorialida- habitação, viabilizou o desejo de status da classe
de da prostituição masculina nesses dois espaços média carioca de morar na zona sul. O pro-
públicos diz respeito aos contatos realizados en- cesso de verticalização de Copacabana ocor-
tre os clientes e os rapazes de programa, pois reu no final da década de 1930 através da subs-
enquanto na feérica "Cinelândia", em meio aos tituição de casas por edifícios de quatro a cin-
transeuntes, acontecem "face a face", no outro co pavimentos, passando o gabarito a 8/12
58 território acima mencionado, na calada da noi- andares na década de 1940. Naquela época,
te, predomina o cliente motorizado à cata de ra- 40% da população de Copacabana moravam
pazes de programa. em prédios de três andares ou mais (ABREU,
1987:112).
2. TERRITÓRIOS DA PROSTITUIÇÃO No final da década de 1940, Copacabana já
EM COPACABANA era um subcentro, estimulado pelo crescimento
O processo de ocupação do bairro de Co- populacional do bairro e da zona sul em geral.
pacabana inicia-se timidamente a partir de Em conseqüência, o comércio e os demais servi-
meados do século XIX, como revela CARDO- ços prosperaram, e como comenta ABREU
SO (1986), com o incremento das transferên- (1987:112), citando GEIGER, no início dos
cias de residências das elites do Centro da ci- anos 50, seu comércio já havia registrado
dade para o arrabalde, que tinha como função
o papel de balneário terapêutico destinado à =cimento espetacular, o mesmo aconte-
construção de casas de veraneio para usufruir cendo no setor de serviços; os consumidores ob-
de sua amenidade principal: o mar. Somente têm tudo sem necessidade de ir ao centro da
no final do século XIX e início do XX inicia- cidade [...] É este fato de Copacabana dispor
se a verdadeira ocupação do bairro, associada de tudo (exceto repartições públicas) graças ao
aos interesses do capital imobiliário e das em- seu conteúdo social e aos dos bairros vizinhos,
presas de transportes que amenizaram o difí- de constituir uma clientela exigente, numero-
cil acesso. Mas é na administração do prefeito sa e concentrada, que a distingue do restante
Pereira Passos que Copacabana passa por im- da zona residencial. Por tudo isso, Copacaba-
portantes melhoramentos, podendo-se desta- na é uma cidade dentro da cidade.

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A partir deste período, o bairro transformou- putam o extenso calçadão com mendigos, pi-
se em importante mercado de trabalho especi- vetes, prostitutas e ambulantes, servindo as-
alizado no setor terciário. O desenvolvimento sim, de pako para tantos contrastes sociais.
deste mercado atraiu grande quantidade de mão-
de-obra desqualificada que, por falta de capital, Na Avenida Prado Júnior, o uso é bastante
foi obrigada a ocupar os espaços menos nobres, heterogêneo, havendo uma conjugação de ativi-
como as quitinetes e as favelas do bairro. Equi- dades de comércio e serviços com a residencial.
vale dizer que a classe que dominava os meios de O predomínio de imóveis de tamanho reduzi-
produção e o setor imobiliário usou o capital para do, principalmente quitinetes, faz com que uma
oprimir e confinar em verdadeiros "guetos" ver- população de estrato de renda mais baixo ocupe
ticais segmentos da sociedade, efetivando, assim, suas dependências. O pequeno trecho da Aveni-
a segregação residencial e provocando uma mu- da Rainha Elizabeth até a altura da Avenida Nossa
dança no conteúdo social do bairro. Na verdade, Senhora de Copacabana é estritamente residen-
Copacabana ao longo de seus mais de 100 anos cial, obedecendo, basicamente, ao mesmo padrão
transformou-se de bairro de elite em lugar da de status social verificado na Avenida Atlântica.
heterogeneidade social bastante expressiva. À me- Na verdade, coexistem durante o dia, e princi-
dida que esta situação se acentuava, com a popula- palmente à noite, nesses logradouros, morado-
rização do bairro, ampliava-se em grandes propor- res, turistas e pessoas que se dirigem para os di-
ções o sucateamento/ fragmentação do espaço re- ferentes afazeres proporcionados pelo bairro, in-
sidencial. Por outro lado, a função de balneário clusive a prostituição. Sendo assim, as caracte-
mundial persistiu, provocando o incremento do rísticas singulares de Copacabana, que mescla
turismo e levando ao surgimento de atividades diferentes usos — o residencial, de comércio e
informais como a prostituição de rua. serviços e de atividades de lazer entre outros — 59
imprimem-lhe feições diferentes daquelas verifica-
2.1. A ÁREA RESIDENCIAL, DE PASSAGEM das na Área Central. À guisa de ilustração, no ima-
E LAZER DA AVENIDA ATLÂNTICA ginário de um turista alemão pesquisado por GHE-
E IMEDIAÇCIES. LLI et a] (1996), Copacabana resume-se num gran-
A prostituição de rua no bairro de Copaca- de "mercado de carne". Em recente pesquisa de
bana se organiza espacialmente sobretudo na campo pôde-se observar algumas características que
Avenida Atlântica e algumas transversais. O diferenciam os três segmentos da prostituição (pros-
Mapa 2 identifica os diferentes territórios que se titutas, "michês" e travestis).
apresentam nos referidos logradouros.
Na Avenida Atlântica existe grande concen- 2.1.1. A PROSTITUIÇÃO FEMININA
tração de hotéis de luxo, de porte internacional O segmento da prostituição feminina pode
e estabelecimentos comerciais e de serviços, com ser subdividido em dois tipos, conforme a sua
um predomínio dos restaurantes e bares que aten- localização. O primeiro, refere-se àquela prati-
dem à demanda de turistas e moradores do bairro, cada nos bares, restaurantes e boates da Av. Atlân-
além de servir de função residencial, com concen- tica e no espaço contínuo a esta artéria em suas
tração bastante expressiva de população de alto sta- transversais, geralmente atendendo a uma clien-
tus social. Sem dúvida, como nos aponta GUELLI tela de turistas estrangeiros, podendo-se desta-
et ai (1996) para a Avenida Atlântica, car uma concentração em determinados restau-
rantes. As prostitutas, geralmente de melhor atri-
sua fauna local é basicamente de banhis- buto físico e nível social mais elevado, costumam
tas, turistas, babás e a terceira idade, que dis- falar diferentes idiomas, sobretudo o inglês, para

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manter o contato com o cliente e diferem do or concentração e se utilizam dos contatos, so-
segundo tipo, que corresponde àquelas que fi- bretudo dos clientes motorizados. Na verdade a
cam sentadas sobre os capôs dos automóveis es- prostituição de rua na Avenida Atlântica forma
tacionados na orla. Estas se distribuem por dife- um território único, fragmentado e intercalado
rentes quadras da Avenida Atlântica e também pelas inúmeras quadras, ocupado aqui e ali por
na confluência da Avenida Prado Júnior e Rua prostitutas e em trechos menores por travestis.
Ministro Viveiros de Castro, sendo conhecidas,
segundo pesquisa realizada por GHELLI et ai 2.1.3. A PROSTITUIÇÃO MASCULINA
(1996), como "garotas da pista". A prostituição Quanto aos rapazes de programa ("michês"),
feminina em Copacabana extravasa os limites dos seu território é delimitado de forma concentra-
bares e calçadas e sua ocorrência também pode da na Avenida Atlântica, na areia, em frente ao
ser percebida, durante o dia, na areia da praia, hotel Copacabana Palace, entre as ruas Rodolfo
em frente aos hotéis de luxo, caso verificado na Dantas e Fernando Mendes, tendo como fatores
altura do Othon Palace, onde a concentração de de localização a presença da "Bolsa", conhecida
turistas é muito grande. mundialmente pelos gays, e de um restaurante.
O segmento feminino da prostituição iden- A chamada "Bolsa" é uma alusão à Bolsa de Va-
tifica-se segundo três tipos de relações: o primeiro lores e se refere ao local de encontro de homos-
é aquele que relaciona diretamente as prostitu- sexuais masculinos e travestis. No passado era
tas de rua com algumas boates localizadas em um local de "pegação" (paquera), mas hoje a ati-
ruas transversais, nas proximidades da Avenida vidade de prostituição é bem difundida. A clien-
Atlântica. O segundo, associa a proximidade dos tela é constituída por moradores gays da cidade
hotéis e restaurantes com forte presença de pros- e por turistas nacionais e estrangeiros. Nos anos
6;1 titutas, e o terceiro estabelece uma forte relação 90 esse trecho da praia de Copacabana sofreu
entre as "garotas da pista" e seus contatos com os certo impacto no seu uso, com a criação do qui-
clientes motorizados. Pode-se observar também osque gay. Nessas imediações, durante as manhãs
todo um circuito de relações que liga policiais, e tardes, há uma concentração de rapazes de pro-
motoristas de táxis, seguranças, "amigos" e am- grama que se misturam aos clientes que procu-
bulantes em torno de alguns princípios de con- ram as diversas formas de lazer — a praia, os qui-
vivência. Entre todos os atores se estabelece uma osques e restaurantes. Cumpre mencionar que a
confiança mútua advinda de uma série de nu- prostituição masculina de rua em Copacabana
merosos contatos de rua. difere daquela encontrada na "Cinelândia" e no
"Castelo". Os rapazes de programa de Copaca-
2.1.2. A PROSTITUIÇÃO DE TRAVESTIS bana aproveitam a noite para oferecerem seus
Os territórios dos travestis, cuja espacialida- serviços em boates e saunas. Por isso, não há uma
de é bem menor que o da prostituição feminina, incidência expressiva desse segmento de prosti-
concentra-se principalmente na esquina da Rua tuição, durante esse período do dia, configuran-
Rodolfo Dantas com Avenida Atlântica, nas pro- do assim, territórios na Avenida Atlântica.
ximidades do Copacabana Palace e na confluên- Cabe fazer referência à Galeria Alaska, tam-
cia das Avenidas Atlântica e Rainha Elizabeth. bém conhecida internacionalmente, pois nela e
São conhecidos também como "garotas da pis- em suas cercanias concentravam-se boates, ba-
ta", pois se apropriam diariamente, como as pros- res e teatro com programação específica para
titutas, da orla da Avenida Atlântica. Entretan- homossexuais e frequentada também por rapa-
to, fazem-no somente à noite, e, principalmen- zes de programa que a utilizavam como "pon-
te, durante as madrugadas, período de sua mai- to". Nestes anos 90, a tendência foi desse "terri-

Geo UERJ Revista do Departamento de Geografia, UERJ, RJ, n. 3, p. 53-65, junho de 1998 . 1
tório" sofrer um processo de extinção em decor- fesa, nestes casos, está pautada nas relações de
rência da intervenção de seus moradores e dos poder, de domínio ou controle estruturado do
comerciantes locais, imprimindo-lhe certa espaço, muitas vezes tendo como agentes coer-
dem" através da mudança dos usos oferecidos citivos os policiais, motoristas de táxi, seguran-
pelo seu comércio, como, também, o fechamen- ças, ambulantes e "amigos".
to da galeria com grades, inibindo seus freqüen- Os demais espaços ocupados pela prostitui-
tadores. ção feminina na Avenida Atlântica e representa-
Fato que chama a atenção no que tange à dis- dos pelas denominadas "garotas da pista" vão
tribuição dos diferentes segmentos da prostitui- apresentar menor rigidez de controle em decor-
ção na Avenida Atlântica, e que se observa atra- rência do pequeno contingente de prostitutas e
vés do Mapa 2, são as inúmeras possibilidades da maior oferta de espaço.
de "pontos" que se organizam ao longo daquele Quanto aos travestis, sua territorialidade é
referido logradouro, explicado pela não escassez demarcada não só pela adoção de códigos de fala,
de espaço, configurando territórios fortes e fra- expressões e gestos, mas também pela violência
cos, ou seja, o espaço condicionado por uma ri- explícita, proveniente sobretudo de agressões
gidez de controle ou não. verbais e até mesmo físicas, havendo uma forte
presença, desse segmento da prostituição, loca-
3. As DIVERSAS FORMAS DE lizado no final da Avenida Atlântica onde se con-
TERRITORIALIDADE: O EXEMPLO DA figura o seu território. Chama a atenção a pre-
PROSTITUIÇÃO NA ÁREA CENTRAL E sença ainda que restrita, de travestis e prostitu-
COPACABANA tas convivendo num mesmo território de menor
A territorialidade é identificada pelas práti- rigidez de controle.
cas sociais que, por um lado, são definidas por No caso dos rapazes de programa, a apropri- I 61
relações de poder, através do controle, e, por ação dos três espaços públicos que configuram
outro, pela apropriação simbólica e afetiva de seus territórios é de modo geral mais simbóli-
uma área geográfica por indivíduos ou grupos. ca e afetiva, pois, em parte, não há uma rigi-
Assim sendo, o território nada mais é do que a dez no seu controle principalmente com aque-
manifestação geográfica dessa territorialidade, les que ocupam a "Cinelândia". Desde o mo-
através dos seus limites que se dão de modo di- mento em que determinado indivíduo se apro-
ferenciado. pria de um determinado espaço, a adoção de
No estudo em tela, comparando-se os espa- determinados códigos e atos simbólicos terá
ços públicos que configuram territórios da pros- que ser utilizada para que ele possa se identi-
tituição na Área Central e em Copacabana, pode- ficar, estabelecer uma rede de relações e confi-
se dizer que, no caso das prostitutas, a legitimi- gurar o seu território.
dade e controle de seus territórios é mais rígida No "Castelo", em determinadas áreas, o con-
na Praça Mauá, por se tratar de um território já trole através das relações de poder e domínio já
consagrado e de forte concentração de prostitu- se faz sentir por se tratar de um espaço público
tas em pequeno espaço público. O mesmo pode- exclusivo e restrito, à noite e de madrugada, para
se dizer daqueles territórios identificados na Ave- a prática da prostituição.
nida Atlântica e imediações, onde há forte pre- Na Avenida Atlântica existem dois "pontos"
sença de prostitutas (Mapa 2) que defendem seu de forte presença de "michês", que se configu-
«
ponto" durante um certo período de tempo atra- ram como "territórios" de fraca rigidez de con-
vés da coerção ou até mesmo de atos de violên- trole, onde os mesmos se mesclam à clientela
cia contra aqueles que tentam invadi-los. A de- tipicamente homossexual.

I Geo UEFU Revista do Departamento de Geografia, UERJ, RJ, n. 3, p. 53-65, junho de 1998
III - REFLEXÕES FINAIS que uma parcela da população tivesse conheci-
A cidade, vista como uma forma de organi- mento e informação dessas áreas através do avan-
zação do espaço pelo homem, é resultante de ço da tecnologia computacional. Convém men-
processos sociais que produzem forma, movi- cionar que tanto a prostituição de rua como a
mento e conteúdo diferenciados de suas áreas, "fechada" (saunas e "casas de massagem") já são
levando, conseqüentemente, a uma articulação oferecidas, também, através da internet, em home
na qual a rua passa a ter uma função importante pages especializadas na oferta de tais serviços.
quanto aos seus diferentes usos (ALESSANDRI Diante desse fato, turistas que acessam a rede
CARLOS, 1 99 6: 8 8-9 1), guardando múltiplas em busca dos serviços do prazer tomam conta-
dimensões, vistas aqui como o território de do- to, em seus países, com esses espaços públicos e
mínio da prostituição, da passagem e do lazer. privados.
Sendo assim, a prostituição de rua se apresenta A caracterização dos(as) prostitutos(as) che-
diferenciada pelas áreas da cidade, influenciada ga ao requinte de identificá-los em seus diferen-
pelas diferentes paisagens e usos, caso verificado tes graus de periculosidade, preço e característi-
quando se compara a Área Central e parte do cas físicas. Como exemplo, o território configu-
bairro de Copacabana. Na primeira identificam- rado nos espaços públicos do "Castelo" é menci-
se usos eminentemente comerciais e de serviços, onado como de alta periculosidade, sendo sim-
na segunda o uso residencial justapõe-se aos de- bolicamente representado por uma série de fa-
mais. Tal fato vai influenciar na apropriação des- cas. Além disso, o turismo oficial, especialmen-
ses territórios pelos turistas, influenciados pelos te em São Paulo e Rio de Janeiro, conta com a
Lixos que os constituem. Se a presença do porto atuação de agências de viagens cuja clientela é
tem conotação importante para a Praça Mauá, constituída por grupos minoritários — como os
62I na "Cinelândia" são os bares, os cinemas e as homossexuais — que buscam tais serviços que
passagens para outros locais da Área Central que também podem ser encontrados em revistas es-
lhe conferem uma identidade própria. Quanto pecializadas ou em pequenos guias. Tal fato ve-
ao "Castelo", num primeiro momento, a atra- rifica-se, no caso da prostituição feminina, atra-
ção para um turista viria por meio de uma difu- vés de grupos internacionais que vêm participar
são "boca a boca" desta área afamada como re- de um pornoturismo organizado por agências de
duto de prostituição masculina. Por outro lado, viagens de seus países, em excursões específicas,
Copacabana exerce atração em função de suas em direção às cidades litorâneas do Nordeste.
amenidades na condição de balneário voltado Enfim, os territórios da prostituição acom-
para o Atlântico, fazendo com que fosse implan- panham a dinâmica da cidade na qual estão in-
tada uma gama variada de comércio e serviços seridos e, uma vez estabelecidos, apresentam, caso
que dessem suporte à presença de turistas. aumente ou não a procura do "comércio do pra-
A expansão e contração desses territórios de zer", um processo de expansão e contração.
prostituição vinculam-se, hoje, a diferentes fa-
tores que poderiam ser mencionados. A tradição RESUMO
desses espaços, muitas vezes conhecidos inter-
O presente estudo analisa espaços públicos
nacionalmente, principalmente na temporada de
alta estação, corresponde ao período do "verão" que configuram territórios da prostituição no
que vai de setembro a março. Nesse período, esses Rio de Janeiro, com suas especificidades,
territórios aumentam os seus limites em conse- singularidades e condicionantes e que, por
qüência do maior movimento e procura pelos conseguinte, se constituem em espaços afama-
clientes. A evolução das comunicações fez com dos junto aos turistas', de diversas procedênci-

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as, que procuram esses consagrados "territóri- Janeiro, with their peculiarities,
os do prazer". individualities and conditioning, which,
O turismo, muito embora seja uma therefore, constitute the fizmous spaces,
atividade formal e responsável na contribui- known by tourists coming fi-om various
ção de divisas para a riqueza de um país, origins, looking for those remarkable
região, estado e/ou cidade, apresenta em "pleasure territories".
muitas oportunidades diversos turistas que Although tourism is a formal activity,
recorrem às atividades de caráter informal, which contributes to obtain foreign
dentre as quais a prostituição de rua que exchange and to the wealth of a country,
organiza verdadeiros territórios em alguns region, state and/or city, it sometimes
espaços Públicos na cidade do Rio de Janeiro. brings tourists who look for
Nas pesquisas empreendidas para o unconventional activities, among which
desenvolvimento deste estudo, foram selecio- street prostitution, which forms real
nados quatro espaços públicos que são territories in some public spaces in the
marcados pela prostituição em seus diversos City of Rio de Janeiro.
conteúdos e significados. São eles a Praça In the researches performed to develop
Mauá, a "Cinelândia" e o "Castelo", this study, we selected four public spaces
localizados na Área Central, com presença, which are marked by prostitution, on its
respectivamente, da prostituição feminina e various subjects and meanings. They are:
masculina ("michês"). Além disso, situada Praça Mauá, as well as "Cinelândia" and
na zona sul da cidade, Copacabana, há "Castelo" located downtown, where there
várias décadas um importante reduto is respectively female and male prostitution I 63
turístico, apresenta diversos segmentos da (called "michês'). Besides that, in the
prostituição (prostitutas, "michês" e travestis) South side of the City, Copacabana, which
que delimitam seus territórios principalmente hás been for decades an important touring
em sua orla, na Avenida Atlântica. center, there are various prostitution
Esses territórios acompanham a dinâmica segments (prostitutes, "michês" and
da cidade na qual estão inseridos e, uma vez transvestites), who delimit their territories,
estabelecidos, apresentam, caso aumente ou mainly along the sea border, Avenida
não a procura do "comércio do prazer", um Atlantica.
processo de expansão e contração. Those territories follow the city
dynamics in which they are inserted and,
PALAVRAS—CHAVE once esta blished, they present an increase or
Prostituição de Rua - Territórios - decrease according to the demand of the
Turismo - Rio de Janeiro "pleasure trade".

ABSTRACT KEYWORDS
This study analyses the public spaces Street Prostitution, Territories, Tourism,
that form prostitution áreas in Rio de Rio de Janeiro.

I Geo UERJ Revista do Departamento de Geografia, UERJ, RJ, n. 3, p. 53-65, junho de 1998 I
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-6-
41
QUADRO - Rio DE JANEIRO: TERRITÓRIOS DA
PROSTITUIÇÃO NOS ESPAÇOS PÚBLICOS SELECIONADOS

TIPOS DE
CONTEÚDOS PREDOMINANTES PROSTITUIÇÃO
ESPAÇOS PREDOMINANTE
ATIVIDADES TERCIÁRIAS
PÚBLICOS Hotéis de Outras Terminal de
Lazer Alta Rota- Atividades Transportes Residencial Feminina Masculina Travesti
(1) tividade (2) (3)
Praça Mauá *O A * A A *O — —
Cinelândia *O — * — — — *O —
Castelo * — *O A A — o —
Av. Atlântica, e *0 - - - A *O *O O
imediações
Fonte: Pesquisa de Campo
NOTAS:
Cinemas, teatros, bares, restaurantes, boates, ambulantes, praças e áreas verdes, praia;
Instituições financeiras, órgãos culturais, de comércio, de serviços públicos e outros (inclusive ambulante);
Terminais rodoviários.
LEGENDA: - *Dia; O Noite; A Existência; — Ausência

Geo UERJ Revista do Departamento de Geografia, UERJ, RJ, n. 3, p. 53-65, junho de 1998 1
AREA CENTRAL DO RIO DE JANEIRO ESPAÇOS PÚBLICOS
TERRITÓRIOS DA PROSTITUIÇÃO NOS ESPAÇOS PÚBLICOS
1_ "Central cb Brasil" e imediac5es
Pim Tirado ates e Av. Passos
3_ PosseipPdblioo e"Cinelandia"
4_ Lapa,Ruos do Rioebvelo,Men de Sd
e Frei Caneca
6_ Po Parie,AvAugustoSevem °Mediações
6_ Castelo e "Via Ápia"
7.. Praça ?Amei
ANe
MICA!.
TIPO DE PROSTITUIÇÃO
PREDOMINANTE
C>

Masculina
tdder‹ti
..s
Mi Travesti
133,1
. Feminina

AEROPORTO Metrli
Sento. Outrant

Moro d• Arte
1=11eottletno

MUNICÍPIO DO RIO DE JANEIRO

„Áncei
CENTRAL
• Est.endrie ,I=d1141tt

FONTE: Pesquise de Campo o 250 SOOKM
Oreorozedo • etaboteeo‘
per: ISettes e Ribeiro ,1994

COPACABANA - AV. A TLÂNTWA E 16I-E ACÕES I 65


TERRITÓRIOS DA PROSTITUIÇÃO

ç i
111 1111 mor
Millill2INge_ir
~IP

DE CO p 4 C40
4,

REFERÊNCIAS TIPOS DE PROSTITUIÇÃO


1-Copooabono Polo« A Feminina
2-Rio Othon Palace Travesti
3-Galeria Aloalca Masculino
4-Praça do Lido
PONTOS DE MAIOR FREQUÊNCIA
Feminina
Travesti Restaurante/Bar
E 5 CALA
2C0 400 1100n Masculina El Pista

Fonte: Pesquiso d• 0.214.0. 1997 - Ordoditted4 014 Ribeiro Arte: P. Afeada

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