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RECIFE | BRASIL
RESUMEN:
La lógica neoliberal que ha estado guiando hegemonícamente la construcción de las ciudades
brasileñas trata el territorio urbano como una mercancía, creando paisajes neutros, sin significado
objetivo y subjetivo para los que habitan las urbes. En Recife, contrariamente a este proceso, la
comunidad de Brasília Teimosa, que desde el início de su historia ha estado sufriendo amenazas a su
permanencia, logra seguir siendo un lugar particular, que posee valores que lo hacen único, permitiendo
que su territorio sea apropriado afectivamente, simbólica y físicamente por sus residentes. La
resistencia del pueblo da lugar a un paisaje obstinado, con tercos, o sea, valores, que serán explorados
siguiendo como claves de un proceso de conservacción paisajística de la Brasília Recifense. Como se
verá a continuación, la reflexión sobre este caso de estudio puede servir de ejemplo a aquellos que
buscan, por la lucha practicada en el día a día o por el estudio realizado académicamente, asegurar la
existencia de una ciudad que tenga la capacidad de abrigar la vida de aquellos que la habitan.
Palabras Clave: Brasília Teimosa. Paisaje. Construcción del paisaje social.
RESUMO:
A lógica neoliberal que vem norteando hegemonicamente a construção das cidades brasileiras trata o
território urbano como mercadoria, criando paisagens neutras, sem significado objetivo e subjetivo para
aqueles que habitam as urbes. Em Recife, na contramão desse processo, a comunidade de Brasília
Teimosa, que desde o início da sua história vem sofrendo ameaças à sua permanência, consegue se
manter como um lugar particular, que guarda valores que a tornam única, permitindo que seu território
seja habitado e apropriado afetivamente, simbolicamente e fisicamente pelos seus moradores. A
persistência do povo dá origem a uma paisagem Teimosa, com teimosias, ou seja, valores, que serão
explorados a seguir como chaves para um processo de conservação paisagística da Brasília Recifense.
Como se verá adiante, a reflexão sobre esse estudo de caso poderá servir de exemplo àqueles que
buscam, pela luta praticada no dia-a-dia ou pelo estudo feito academicamente, assegurar a existência
de uma cidade que tenha a capacidade de abrigar a vida daqueles que a habitam.
Palavras chave: Brasília Teimosa. Paisagem. Construção Social da Paisagem.
ABSTRACT:
The neoliberal logic that has hegemonically guiding the construction of Brazilian cities treats the urban
territory as a commodity, creating neutral landscapes, without objective and subjective meaning for
those who inhabit the cities. In Recife, going in the opposite direction of this process, the community
Brasilia Teimosa, which since the beginning of its history has been suffering threats to its permanence,
manages to maintain itself as a singular place, that holds values that makes it unique, allowing its
territory to be inhabited and appropriated effectively, symbolically and physically by its residents.
People's resistance originates a "Stubborn" landscape, with "stubbornness", which means values, that
will be explored below as keys to a landscape conservation process of the Recifense Brasília. As will
be seen later, the reflection upon this case of study, may serve as an example for those who seek,
through the daily struggle or through academic studies, to ensure the existence of a city that has the
capacity to shelter the lives of those who inhabit it.
Key Words: Brasília Teimosa. Landscape. Social construction of the landscape.
1 O presente artigo se baseia em um Trabalho de Conclusão de Curso homônimo, apresentado pela autora.
SALES, Raissa Gomes de. Paisagem Teimosa: a construção social da Brasília recifense e a (r)existência do seu
amanhã. 2017. TCC (Graduação) - Curso de Arquitetura e Urbanismo, Departamento de Arquitetura e Urbanismo,
Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2017.
2 Jean-Marc Besse institui 5 caminhos (portas) pelas quais se pode olhar a paisagem e defini-la: (i) a Paisagem é
uma Representação Cultural e Social; (ii) a Paisagem é um Território Fabricado e Habitado; (iii) a Paisagem é o
Meio Ambiente Material e Vivo das Sociedades Humanas; (iv) A Paisagem é uma Experiência Fenomenológica; e
(v) a Paisagem como Projeto. Nesse estudo, pela sua natureza ligada às ciências sociais e ao planejamento urbano
e paisagístico, escolheu-se abordar a paisagem a partir das três primeiras portas elencadas. A terceira se evidencia
ao se estudar a ligação da construção social de Brasília Teimosa com o substrato natural que deu origem ao seu
território e paisagem atuais.
3 Ritos sociais é um termo utilizado por Michel Conan (1994) para designar hábitos e práticas sociais.
4 Nesse caso, mais especificamente o mercado imobiliário formal.
são neutralizados, despidos da pluralidade de significados que conferem a sua singularidade
(BERQUE, 2010). Esse conflito socioespacial dá origem a paisagens também conflituosas.
A cidade do Recife, capital de Pernambuco, estado situado no Nordeste do Brasil,
também vem sendo construída a partir dessa lógica neutralizadora. A sua formação e
transformação segue padrões também vistos recorrentemente em outras cidades do país,
contando com: a concentração das elites em áreas centrais ou ambientalmente e
paisagisticamente privilegiadas; o rechaço da população de baixa renda para áreas mais
distantes do centro ou impróprias para a apropriação imobiliária formal; a dilatação sistemática
do sistema viário voltado para o transporte individual; e o provimento desigual de infraestrutura
e serviços ao longo do espaço urbano, os concentrando nas áreas mais abastadas da cidade
(ALVES, 2009; TÂNGARI, 2013); fatores que beneficiam às classes sociais mais altas.
Apesar de a construção social do espaço e da paisagem recifense obedecer a essa
lógica desigual, algumas comunidades pobres existentes no seu território conseguem lutar
contra essas tendências
dominantes. É o caso de
Brasília Teimosa,
considerada a primeira
ocupação pobre
consolidada da cidade
(SILVA, 2011). Situada na
zona sul, entre dois dos
bairros mais valorizados da
cidade, Pina e Boa Viagem5
(Mapa 1), ela vem sofrendo
pressões para se
transformar aos moldes de
seus vizinhos elitizados,
com um padrão
paisagístico-morfológico
neutro, de edifícios
altamente verticalizados
que não tem relação com a
rua, com o mar e com a
história e os aspectos
naturais primeiros do lugar,
e mais do que isso: que se
distancia das pessoas, de
seus desejos, significados e
necessidades. Frente as
ameaças sofridas desde o Mapa 1 - Brasília Teimosa e a Zona Sul do Recife.
Fonte: Google Earth, 2017 (modificado).
início da sua existência, a
Brasília Recifense vem travando ao longo de sua vida uma luta em defesa de seu território
vivido, do seu povo e de sua paisagem.
5“Em fevereiro de 2017, o valor médio do metro quadrado no Pina era de R$8172,00, e em Boa Viagem, de
R$6739,00, enquanto a médio do Recife era de R$6090,00” (SALES, 2017, p.192).
Originalmente, a área ocupada por Brasília Teimosa não existia como território, sendo
criada a partir de um aterro feito nos anos de 1930 com o intuito inicial de se tornar um parque
de inflamáveis e, posteriormente, um aeroporto, o que não ocorreu (BOTLER, 1994).
Ambientalmente e paisagisticamente privilegiada, o território do bairro se localiza em uma
península que fica entre o Rio Capibaribe e o mar.
Até a década de 1920, a região ocupada pelo bairro do Pina e Boa Viagem, situada
em uma área de planície alagadiça, ainda era de difícil acesso. A sua ocupação ocorria em
simbiose com a paisagem existente, e as construções eram feitas rudimentarmente pelos
próprios moradores, ocupando o território de maneira esparsa e anfíbia. A população que ali
habitava era marginalizada e se constituía, predominantemente, por pescadores (SILVA,
2008). Grandes mudanças ocorrem nesses bairros somente em 1926, quando da inauguração
da Avenida Beira-Mar. Com a sua construção, Boa Viagem passa a ser um bairro valorizado,
enquanto o Pina é considerado apenas como um local de passagem que precisava passar
por uma “limpeza” social (BARRETO, 1990).
A população que habitava a Brasília no início da sua história era pesqueira e subsistia
física e afetivamente pelo mar, estabelecendo relações de trabalho e de fruição com ele. A
Colônia de Pescadores que dá origem ao bairro consegue, em 1953, o aforamento para a
utilização do aterro que viria a constituir o seu território. Com a sua suspensão, para assegurar
a ocupação da área, a colônia se organiza junto aos moradores e loteia toda a península
(FORTIN, 1987). A ocupação massiva da área se deu somente a partir da década de 1950.
As primeiras ocupações sofreram
bastante repressão, sendo retiradas
dia após dia pela polícia, que a cada
visita encontrava mais barracos
construídos. Com o tempo, não se
pôde mais deter o povo e a sua
vontade, e a população permaneceu
no local (BRASÍLIA, 2014). Na década
de 1970, Brasília Teimosa, já loteada,
era horizontal e tinha ocupações
ainda precárias (SILVA, 2011)
(Imagem 1). Enquanto isso, nesse
mesmo período, Boa Viagem, Imagem 1 - Foto Aérea de Brasília Teimosa tirada em
moderna e já verticalizada, começa a 28/12/1979. Foto de Sidney Waismann. Ao fundo, o
se expandir para o bairro do Pina Iate Clube do Recife. Pode-se ver a força da linha dos
(ALVES, 2009). arrecifes na paisagem. Fonte: Biblioteca da URB.
Com a valorização de seus vizinhos, Brasília se torna cada vez mais valorizada e
começa a sofrer tentativas ferrenhas de expulsão nos anos 70. Os projetos que queriam se
impor a ela tinham um viés turístico e elitista, o que diferia muito da sua realidade como
território e como paisagem, não tendo ligação nenhuma com os moradores que ali estavam.
Foi em meio a essa conjuntura conflituosa que acontece a criação do Projeto Teimosinho. A
partir de um engajamento social e afetivo intenso, ele foi feito de forma comunitária entre os
próprios moradores, contendo propostas para o estabelecimento de melhorias para o bairro e
visando a sua regularização fundiária. A arte e a Igreja foram chaves fundamentais nesse
processo, ajudando a população a se agregar e a expressar os seus desejos. Nessa época,
as habitações ainda eram muito precárias e havia uma falta generalizada de infraestrutura e
saneamento. Ainda assim, a sua população mantinha sua relação com o mar, o rio e a rua,
continuando a se caracterizar como pesqueira (CONSELHO DE MORADORES DE BRASÍLIA
TEIMOSA, 1979). Na década de 1980, por conta do Teimosinho, o bairro passou por
melhorias infraestruturais, o que ajudou na sua consolidação. Vilas e casas também foram
construídas. Em 1983, através da LUOS recifense (Lei de Uso e Ocupação do Solo), a
comunidade se torna ZEIS (Zona Especial de Interesse Social), o que lhe dá o mínimo de
segurança em relação as tentativas de expulsão (BOTLER, 1994).
Dos anos 90 até 2006 o bairro passa por seu período de consolidação final. Mais
melhorias de infraestrutura e
saneamento foram feitas, o que não
modificou o tipo de relação direta que
as casas mantinham com a rua. Essa
relação também foi mantida frente ao
adensamento construtivo e à
verticalização em pequena escala
ocorrida no período. Um passo muito
importante na consolidação do bairro
foi a requalificação de sua orla, feita
em 2004 (imagem 2). No local, onde
antes existiam precárias palafitas,
criou-se a Avenida Brasília Formosa Imagem 2 - Brasília Teimosa, sua orla e a Praia do
(SILVA, 2008). Posteriormente, em Buraco da Véia após a abertura da Avenida Brasília
Formosa. Fonte: Site Patrimônio de Todos.gov, 2009.
2006, criou-se o Conjunto Disponível em:
Habitacional Brasília Teimosa <https://gestao.patrimoniodetodos.gov.br/pastaimagem.2009-07-
(FERNANDES, 2010), uma tipologia 02.4357058635/brasiliateimosa-hoje/image_view_fullscreen>.
Acesso em: 15 jun. 2016.
inexistente na história do bairro, que
rompe com as relações e hábitos tradicionais dos edifícios com a rua, com o rio e com o mar.
Apesar dos avanços conquistados, a pendência fundiária ainda permanecia.
O mercado imobiliário atua ferozmente na região, gerando cada vez mais pressões
sobre a Brasília. Desde a década de 2000 até os dias atuais, Boa Viagem já vem sendo um
bairro bastante elitizado, fortemente verticalizado, que passa por um processo violento de
renovação urbana, sendo o Pina a sua continuação (imagem 3). Ainda que a Paisagem dos
dois bairros se confunda, sobretudo nas suas orlas, o Pina ainda atua como uma paisagem
de transição por não poder ser totalmente apropriada pelo mercado formal, dado a grande
ZEIS Encanta Moça e o Parque dos Manguezais existentes no seu interior. A paisagem
desses bairros é
neutra, seu
território é hostil
e os edifícios
que nele se
situam dão as
costas para o
mar e para
aqueles que Imagem 3 – Em primeiro plano, Brasília Teimosa e sua Unidade de
Paisagem; ao fundo, Pina e Boa Viagem com seus edifícios verticalizados.
transitam pelo
Foto de Maurício F. Pinho. Fonte: Panoramio Google Maps, 2010.
espaço urbano.
O território mercadoria do Pina e de Boa Viagem encontram a sua contraposição em Brasília
Teimosa, que possui um território vivido.
Hoje, apesar de persistirem alguns problemas de infraestrutura e saneamento, a
Brasília está completamente consolidada. Ela conta com uma alta densidade construtiva,
conseguida por meio de verticalizações e “puxadas”. No entanto, as melhorias feitas nas
casas, muitas vezes desobedecem o que dita o PREZEIS6 no que toca o número máximo de
quatro pavimentos autorizados para esse tipo de zona (BRITO; MARGARITA, 2016).
As principais centralidades do bairro, locais de maior movimentação de pessoas,
sociabilidade e comércio, são o anel viário da Rua Arabaiana, que fica no coração do seu
território, e a sua orla marítima. O anel viário de Brasília é onde também se concentra uma
grande quantidade de comércios, em grande parte voltados para o ramo alimentício, que dão
autossuficiência ao bairro. Já na orla, se encontram predominantemente bares e
equipamentos de lazer. A Praia do Buraco da Véia é um ponto nodal, importante na história e
no cotidiano da Brasília (imagem 3).
Hoje, a ZEIS Brasília Teimosa ainda possui poucos imóveis regularizados, o que
demonstra uma certa fragilidade do local em relação às crescentes investidas do mercado em
seu território (BRITO; MARGARITA, 2016). Ameaças latentes, em geral, de caráter elitizado
e turístico, vem sendo colocadas sobre ela, indo contra a sua permanência. Temos como
exemplo disso a construção, em 2006, do Edifício JCPM em sua borda, que utilizou como
terreno uma parte de sua ZEIS (BRITO; MARGARITA, 2016), e o Hotel e Resort Renaissance,
edifício de 44 pavimentos que tenta se implantar no local onde hoje existe o Iate Clube do
Recife (CÂMARA MUNICIPAL DO RECIFE, 2015). Junta-se a essas pressões a existência de
um mercado clandestino de imóveis dentro da comunidade, que conta também com a
construção de edificações que claramente destoam das que são características do local
(SILVA, 2011). Há ainda uma falta de conscientização dos moradores acerca desse tipo de
comercialização, que ameaça o futuro do bairro, o que pode ser reflexo da dispersão dos seus
líderes comunitários.
Apesar de a luta do bairro pela sua existência estar desarticulada, há um claro desejo
de sua população em permanecer habitando o local7. O projeto de paisagem que se deseja
impor à Brasília trata o seu território como mercadoria, assim como trata os seus vizinhos,
ignorando as suas particularidades físicas e subjetivas e as relações objetivas, emocionais e
simbólicas dos seus moradores com o lugar onde vivem e realizam as suas práticas sociais.
9Que é o de ter lotes máximos de 250m², a proibição de remembramento de terrenos e a construção máxima de
quatro pavimentos. A não obediência desses critérios, além de comprometer a habitabilidade local pode acabar
por criar uma brecha legal que viabilize a entrada do mercado imobiliário formal na comunidade.
suas águas são calmas e muito utilizada para o banho de todas as faixas etárias. Além disso,
essa praia agrega em torno de si bares, restaurantes, ambulantes, a prática de esportes, e
toda uma gama de outros usos diversos. Uma particularidade do bairro é o “banho de choque”,
onde a população toma o banho de mar pelo impacto que as ondas fazem na mureta de
contenção que existe ao longo de toda orla da comunidade.
A Teimosia da Celebração das Águas pode ser vista para além do banho do mar. Pela
falta de áreas livres no interior do bairro e pela relação afetiva que os seus moradores
possuem com as águas, o mar e o rio, as orlas da Brasília são locais de sociabilidade,
vivenciados. Nelas, principalmente na orla marítima, a população pratica esportes, faz
caminhadas, brincadeiras e contempla a paisagem. Com a abertura da Avenida Brasília
Formosa, criou-se uma faixa de areia livre e equipamentos diversos para a área, como
ciclovias, parques infantis, sanitários públicos e uma
Academia da Cidade. Desde o início da ocupação da
Brasília, as suas orlas permanecem vivas. Mesmo
antes da reforma da sua orla marítima, ali também
se praticava esportes, caminhadas, brincadeiras e a
contemplação, ainda que de forma mais precária. É
também desde o início da história da comunidade
que o mar agrega em torno de si bares e
restaurantes (sempre concentrados no Buraco da
Véia), sendo um lugar de concentração de pessoas, Imagem 5 - Praia do Buraco da Véia e
som e festa. A orla fluvial também agrega pessoas. os seus Banhistas, 2016. Fonte: Brasilina
A festa de Santo Antônio, tradicional no bairro, se Teimosina (Perfil do Facebook), 2016.
Disponível em:
passa ali. <https://www.facebook.com/photo.php?fbid=1
A Teimosia da Subsistência pelas Águas 99019523814473&set=a.199019467147812.1
pode ser vista a partir da Teimosia Pesqueira, a 073741841.100011192807604&type=3&theat
er>. Acesso em: 15 mar. 2017.
Teimosia Gastronômica e a Teimosia do Burburinho
Comercial. Sobre a Teimosia Pesqueira, cabe lembrar que o bairro foi criado a partir de uma
Colônia de Pescadores. A pesca tem conduzido a criação do seu território e da sua paisagem.
A luta por habitar Brasília Teimosa tem sido também, para os seus moradores, a luta por poder
viver do mar, fisicamente e afetivamente. Ainda hoje, apesar da diminuição da quantidade de
pescadores, o bairro ainda se caracteriza como pesqueiro, sendo a atividade da pesca a que
fundamenta a economia local. A comercialização dos pescados é feita, em grande parte,
dentro do próprio bairro. A pesca, como atividade profissional e sentimental, é praticada
profissionalmente e por lazer pelos seus moradores.
Dessa realidade, nasce a Teimosia
Gastronômica. A pesca favoreceu a criação de um
polo gastronômico local já na década de 1990. Hoje,
existe na Brasília uma grande quantidade de bares,
quiosques, botecos e restaurantes simples que
atraem tanto os próprios moradores quanto o público
externo. Apesar de estarem pulverizados por todo o
bairro, eles se concentram na sua orla marítima.
Como se pode imaginar, as especialidades desses
estabelecimentos são crustáceos, pescados e comida Imagem 6 - Bar nas proximidades da
local. Assim, a sobrevivência pelo mar e pelo rio se Praia do Buraco da Véia. Fonte: acervo
pessoal da autora.
estende à questão comercial (imagem 6).
A Teimosia do Burburinho Comercial deriva da teimosia anterior, que, por sua vez,
deriva das águas. Através do comércio gastronômico nasce um comércio diversificado no
bairro, que o torna autossuficiente. Ali, principalmente na sua centralidade do Anel Viário da
Rua Arabaiana e no Mercado do Bairro, podem ser encontrados negócios diversos como
boutiques, armazéns de construção, mercadinhos, farmácias, movelarias, depósitos de
bebida, frutarias e casas de bolo, além de uma
grande diversidade de serviços (imagem 7).
A Teimosia Vivenciada se divide em a
Teimosia das Casas que Beiram a Rua e
sentem as águas, a Teimosia da (com)vivência
e a Teimosia da Simplicidade. A Teimosia das
Casas que Beiram a Rua e Sentem as Águas
fala de como as ruas e as águas são uma
extensão das casas, tendo uma relação direta
ou quase direta com elas, desde o início da Imagem 7 - Comércio variado na Rua
ocupação do bairro até a atual fase de Arabaiana. Fonte: FABRÍCIO, 2014.
adensamento em que ele se encontra (imagem
8). Isso ocorre tanto no interior do seu território
quanto nas suas orlas. A única exceção a essa
relação íntima traçada com a rua é o caso do
Conjunto Habitacional Brasília Teimosa, que
em nada se assemelha às tipologias edilícias
praticadas tradicionalmente no local.
A Brasília é um local extremamente
vivo, dinâmico, habitado (imagem 9). É desse
fato que nasce a Teimosia da (com)vivência. A
comunidade não dorme. As suas ruas são Imagem 8 - Casas da Rua Estrela do Mar,
vivas, verdadeiras salas de estar. Dos fatores 2017. Fonte: acervo pessoal da autora.
físicos que ajudam a explicar esse
fenômeno, temos os três polos abrangentes
geradores de movimentação no local: a orla
marítima, a orla fluvial e o anel viário da Rua
Arabaiana. Como dito, as orlas, além de
agregar as atividades de pesca, congregam
pessoas em torno das águas, dos
equipamentos de lazer e dos comércios e
restaurantes (no caso da marítima). Além
disso, apesar da movimentação frenética Imagem 9 - Meninos jogando bola na Brasília
concentrada nesses pontos, a grande de hoje. Fonte: BRASÍLIA, 2014. Disponível em:
quantidade de comércios e serviços <https://www.youtube.com/watch?v=ZIgImbH_hRo>.
Acesso em: 24 maio 2017.
espalhados por todo o bairro gera um uso
misto que permite que as ruas estejam movimentadas em vários horários do dia. Como um
fator afetivo que explica a vivência intensa do bairro pela população, tem-se o sentimento de
pertencimento e identificação que se criou com ele a partir do processo de luta pela sua
resistência e construção, o que explica a forte ligação com o território em si e a força das
relações de vizinhança entre moradores, já que as batalhas traçadas na construção da história
da Brasília foram coletivas.
Por fim, há a Teimosia da Simplicidade. Se atentar à escala do bairro, de seus objetos
arquitetônicos e urbanísticos, é fundamental para conservar a “essência” da sua paisagem e
do seu território. Todas as casas e edificações da comunidade são simples, feitas com
materiais e tipologias populares, são térreas ou de baixo gabarito. Os seus bairros vizinhos
possuem edificações altamente verticalizadas, feitas em materiais robustos, caros, e não
mantem uma relação íntima com a rua e com o mar como acontece em Brasília Teimosa. O
comércio da comunidade também ocorre em pequena escala, diferente dos grandes
equipamentos construídos para esse fim nas suas vizinhanças. As suas vias principais
também não têm um tamanho expressivo quando comparadas com as do Pina e Boa Viagem.
As orlas da Teimosa, com a Praia do Buraco da Véia, por exemplo, e a dos seus vizinhos tem
uma diferença de escala enorme. Enquanto aquela é uma praia de pequeno porte, com uma
pequena faixa de areia, as Praias do Pina e Boa Viagem possuem uma escala e uma faixa de
areia muito maior. O fato é que, a grandeza das relações que se passam na Brasília ocorre
na sua simplicidade, que dentro dessa humildade abriga os hábitos e as práticas sociais de
seus moradores.
A análise da construção social da comunidade estudada e das nove Teimosias
identificadas como valores fundamentais na conservação de sua paisagem traz algumas
conclusões. No início, antes de existir, Brasília Teimosa era água. Hoje, ela continua sendo.
Desde o começo da história desse lugar, ela vem sendo a fonte principal de subsistência física
e subjetiva de seus moradores. Seja por uma relação direta, pelos banhos e pela pesca, ou
pela consequência que essas atividades trazem, como o comércio de pescados, alimentícios
e tantos outros produtos, o mar e rio cadenciam o ritmo do bairro e apadrinham as relações
que a população tem entre si e com ele. Tudo parte das águas e tudo volta pra elas. As
teimosias, também ligadas direta ou indiretamente às águas, demonstram a essência física,
simbólica e afetiva do bairro. Conservar a paisagem teimosa levando em consideração esses
valores é conservar o “habitar”, o caráter vivido de seu território.
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