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DA CIDADE
ALDO PAVIANI
| ORGANIZADOR
Há mais de vinte anos, pesquisadores
da Universidade de Brasília têm pers-
crutado as pulsações da cidade de Brasí-
lia: inumeráveis aspectos de sua dinâmi-
ca urbana mereceram as atenções de
candidatos à pós-graduação e de pes-
quisadores/docentes. Assim, obras já
editadas contemplam aspectos da evolu-
ção urbana e expansão geográfica da ci-
dade, problemáticas diversas como as da
arquitetura/urbanismo,
da crise habita-
cional, da falta de transportes coletivos,
do uso da terra urbana, da ampliação das
periferias pobres, da favelização, das
relações com o entorno próximo, das
migrações pendulares e interurbanas,
entre outros. A presente coletânea,
tanto quanto as três já organizadas na
Universidade de Brasília, faz avançar o
conhecimento do processo de urbaniza-
ção no Distrito Federal, sobretudo em
termos de estudo de caso. Claro está que
os estudos de caso não encobrem as ne-
cessárias teorizações e remissões à pró-
pria urbanização brasileira, matriz do
processo que aqui se materializa. Com
isto, a presente obra completa as ante-
riores e joga luz em problemáticas não
aprofundadas anteriormente. Esta é uma
abordagem inter e multidisciplinar de
certos aspectos da organização intra-ur-
bana, onde são encontradas duas preo-
cupações: uma, presa à urbanização;
outra, aos movimentos sociais urbanos.
Na primeira, cinco contribuições resga-
tam a visão histórica e geográfica, per-
correndo os acampamentos e a lógica de
Brasília como “grande projeto” e/ou
canteiro de obras, onde a habitação ser-
viu para segregar, controlar e cooptar as
classes menos favorecidas, ao mesmo
tempo que privilegiou setores empresa-
Tiais específicos, sobretudo os dos ramos
imobiliários. A segregação “planejada”
foi se reproduzindo com a espacializa-
ção da cidade, sob o formato de núcleos
múltiplos. A cada “nova” cidade-satélite
a Capital Federal se tornava social e es-
pacialmente menos igualitária: os ricos
morando no centro ou próximo a ele,
sendo beneficiados pelas melhores con-
A CONQUISTA DA CIDADE: MOVIMENTOS POPULARES EM BRASÍLIA
ea
Es 4 FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA
Reitor: Antonio Ibafiez Ruiz
Vice-Reitor: Eduardo Flávio Oliveira Queiroz
Conselho Editorial
ALDO PAVIANI
ORGANIZADOR
O 1991 by Aldo Paviani
Direitos desta edição adquiridos pela Editora Universidade de Brasília
vários autores.
ISBN 85-230-0315-0
CDD-711.13098174
91-1534 —304.2098174
- MOVIMENTOS POPULARES
Lutas sociais: populismo e democracia: 1960/1964. .... 145
Luciana Jaccoud
O movimento pró-fixação e urbanização do Núcleo Ban-
deirante: a outra face do populismo janista. ......... 169
Nair Heloísa Bicalho de Sousa
Movimentos de moradores: a experiência dos inquilinos
cCIeRCelrandia macaco co oba dRe Dretenotes ssgato ATOR evito E 209
Mara Resende
Vila Paranoá: a luta desigual pela posse da terra urbana. 231
Luiza Naomi Iwakami
https://archive.org/details/conquistadacidad0000unse
NOTAS SOBRE OS AUTORES
Cristovam Buarque
Universidade de Brasília
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Aldo Paviani
Maio de 1990
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ORGANIZAÇÃO DO ESPAÇO
ACAMPAMENTO DE GRANDE PROJETO,
UMA FORMA DE IMOBILIZAÇÃO DA FORÇA DE
TRABALHO PELA MORADIA
2. A este respeito veja-se Leite Lopes (1988, anexo 1). Em meu trabalho sobre a hi-
drelétrica binacional de Yacyretá (Ribeiro 1988), obra em execução sobre o rio
Paraná, na fronteira da Argentina com o Paraguai, elaborei, para interpretar um
caso do que pode ser designado genericamente *nomadismo industrial”, a concepção
de “circuito migratório dos grandes projetos” para dar conta da existência de traba-
lhadores migrantes, os bichos-de-obra, associados à execução destes empreendi-
mentos. ;
Acampamento de grande projeto 2%
4. Sobre esta questão, ver, por exemplo, Olien& Olien (1982), Rofmantlo7S), Becker
(1986) e Allen (1966).
5. Para uma análise sobre grandes projetos e a formação de sistemas regionais veja
Laurelli (1987).
6. O exemplo mais claro do novo parcelamento e da globalização do processo produ-
tivo está na indústria eletrônica.
7. Para análises sobre formas contemporâneas de expansão econômica e subordinação
de populações locais, egês se a coletânea organizada por Nash & Fernández-Kelly
(1983).
Acampamento de grande projeto: 29
10. É conhecida a presença dos alojamentos como forma de moradia operária relativa
ao ramo da construção civil. Leite Lopes (1979: 44-45), ao mencionar a presença
de grupos domésticos em vilas operárias, afirma: “No entanto, podemos vir a
pensar no caso da manutenção, por parte do patrão, de alojamentos para trabalha-
dores individuais sem família, materializados nos galpões e barracas em empreen-
dimentos como obras públicas, construção de estradas, barragens, construção ci-
vil, etc., e mesmo de certas fábricas [...].” De fato, mais adiante veremos a clara
predominância de trabalhadores sem família nos acampamentos. Sobre alguns as-
pectos da imobilização da força de trabalho na construção civil ver, por exemplo,
Pimentel (s.d.: sobretudo p. 23 e seguintes). Veja-se também a tese de livre-do-
cência de Ronaldo do Livramento Coutinho (1975).
32: Gustavo Lins Ribeiro
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Planta
16. É fato que os acampamentos não primavam pela segurança individual dos seus ha-
bitantes:
“Mas num tinha muita ordem naquela época aqui não?
— Tinha ordem o quê! Tinha ordem o quê... dentro desse cinema mesmo aí Ô, no
tempo da Redonda af, um sujeito deu um tiro num af, esgotou sangue pra danar.
36 Gustavo Lins Ribeiro
Isso aí toda vida foi bagunçado. Que o povo do Norte num tinha dó de ninguém
mesmo. O pessoal do Norte, cê sabe, bebe pinga e quer pôr faca nos outro mesmo.
Eles num tem dó de ninguém. Pega um dinheirinho aí, já dana nos boteco beber
Pinga, jogo e rastar mala” (manutenção de máquinas).
“Na própria Oval [outro acampamento], um encarregado lá matou um soldado,
fuzileiro naval aqui em Brasília, trabalhando de eletricista em obra!... Um fuzi-
leiro naval! Trabalhava de eletricista numa obra. Chefe de uma seção, né. Foi
consertar lá uma lâmpada e foi obrigado a desligar a luz do alojamento de um en-
carregado lá, pra poder fazer a ligação que ele num ia fazer com a luz ligada. Ele
foi, desligou, chegou o cara e perguntou: “Quem foi que desligou a luz lá?” — Foi
eu pra fazer essa instalação aqui. “Então desce da escada”. O cara desceu, pensou
que era pra conversar. Chegou, ele deu seis facada nele. Sem saber, sem conver-
sar”” (servente). '
Acampamento de grande projeto 87
Lago Paranoá
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DA FIRMA x
CROQUI DE UM ACAMPAMENTO
Pça. 3 Poderes DA EPOCA
38 Gustavo Lins Ribeiro
to du-
19. Mais adiante descrevo um conflito ocorrido na cantina de um acampamen
rante a construção de Brasília.
40 Gustavo Lins Ribeiro
de turma, para um setor de casas que são cada vez maiores à me-
dida que se destinam a postos hierárquicos mais altos. Dos mes-
tres-de-obras aos “chefes” e engenheiros passamos ao ponto culmi-
nante do continuum da configuração espacial do acampamento: a
casa do proprietário da firma??, Esta se destinava às permanências
esporádicas do proprietário da companhia no território da cons-
trução e, verdadeiro “castelo”? de madeira separado do conjunto
maior por cerca de arame farpado, possuía sua saída privada para
fora do acampamento como que a não obrigar seu morador à pas-
sagem pelas vias comuns, aos caminhões de serviço e aos peões,
possibilitando-lhe ainda uma saída estratégica.
Neste lado encontravam-se também alojamentos coletivos pa-
ra funcionários dos escritórios da administração da companhia
que por suas qualidades de treinamento (dominar relativamente
a linguagem escrita, ter noções de contabilidade e de administra-
ção, por exemplo) e por estarem efetivamente vinculados ao con-
trole da força de trabalho, tinham suas residências coletivas loca-
lizadas aí e não próximas aos alojamentos masculinos coletivos de
serventes e profissionais. Eram dois blocos que se repartiam in-
ternamente em pequenos quartos. Finalmente, ainda deste lado,
situa-se o reservatório de água que servia o acampamento. Sua
localização parece dever-se às características físicas da área do
acampamento, já que se trata de um ligeiro declive em direção ao
Lago Paranoá. Contudo, não se deve descartar que esta localiza-
ção do reservatório se dê por motivos de acesso e controle dife-
renciado a um importante recurso para a manutenção do acampa-
mento. Leite Lopes (1988) mostra a importância do fornecimento
e distribuição de água para a “administração autárquica” dos re-
cursos naturais e humanos da Companhia de Tecidos Paulista, em
Pernambuco, dentro do sistema fábrica com vila operária.
Estas são as linhas mais definidoras da configuração espacial
do acampamento da Redonda. Em realidade, o acampamento, sua
construção, configuração e utilização, é universo privilegiado pa-
20. A categoria “chefes”, de acordo com um informante, pode incluir desde o chefe do
acampamento (seu administrador principal) até funcionários graduados da admi-
nistração da companhia. No setor de casas de encarregados (que obviamente são
profissionais) eventualmente se poderia encontrar algum profissional que entrou
para esta área por meio de manipulações de relações pessoais com indivíduos que
lhe pudessem liberar o acesso a este espaço.
Acampamento de grande projeto 41
21. Leite Lopes, ao estudar a imobilização da força de trabalho pela moradia em usi-
nas de açúcar, afirma que “a homologia que se dá entre a estrutura de moradia no
42 Gustavo Lins Ribeiro
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1. Esta visão foi marcada por um intenso debate entre arquitetos, urbanistas, políticos,
durante a década de 60/70. Nesse período, aparecem trabalhos muito importantes,
como Casa popular e Arquitetura nova, de Sérgio Ferro, que iniciam a análise do
espaço físico/arquitetônico como produto das relações de produção capitalista, que
mais tarde vão dar origem a outros trabalhos como o Canteiro e o desenho, onde
procura analisar a produção do espaço como mercadoria e suas especificidades
dentro do modo de produção no canteiro (manufatura seriada).
O canteiro de obras 57
3. Octavio Ianni refere: “Talvez se possa dizer que a criação da indústria automobi-
lística e a construção de Brasília transformaram-se nos símbolos do governo
Kubitscheck e, ao mesmo tempo, do “novo Brasil". Transformaram-se na prova
concreta de que o governo estava, realmente, realizando as tarefas de “cinquenta
anos em cinco”, como dizia um dos lemas da administração federal. De fato, o go-
verno Kubitschek teve condições e capacidade para capitalizar politicamente o de-
bate e as realizações do Programa de Metas. Ao tratar os brasileiros, em seus dis-
cursos, como “soldados do desenvolvimento” e focalizar a industrialização acelera-
da como “imperiosa necessidade” e verdadeira *condição de vida” Kubitscheck esta-
va exprimindo e conduzindo a reformulação da autoconcepção de extensos seg-
mentos das classes sociais urbanas” (Ianni 1979: 155).
60 Luiz de Pinedo Quinto Jr. e Luiza Naomi Iwakami
polêmica entre as duas visões sobre o urbano não pode ficar nas
soluções imediatistas. A questão está no aprimoramento dos ins-
trumentos técnicos e das avaliações sistemáticas, que devem pro-
curar na epistemologia e na teoria do conhecimento critérios ca-
pazes de contribuir nesta avaliação.
As críticas simplistas e redutoras que muitos urbanistas, geó-
grafos, sociólogos, etc. lançaram sobre os planos diretores, de
zoneamento, etc. não possibilitaram uma avaliação do tipo de
apropriação que o Estado e os setores ligados ao capital imobiliá-
rio deram a estas técnicas. Assim, o planejamento urbano acabou
se associando a conceitos e práticas tecnocráticas relacionados
com as concepções autoritárias do planejamento.
A crise política e econômica dos anos 80 acabou levando esta
discussão para um beco sem saída, sem antes passar por processos
de balanço e avaliação crítica na perspectiva de um controle des-
tes mecanismos pela sociedade como um todo. Por isso, o plane-
jamento urbano entrou como um elemento legitimador do Estado
autoritário, dando elementos para a reprodução do capital em ní-
vel urbano. Já no período desenvolvimentista, apesar de o plane-
jamento usar um discurso democratizante, sua prática não foi no
sentido de ir ao encontro das necessidades de reprodução da força
de trabalho dentro do espaço urbano.
Assim, a questão central, ou seja, a discussão do objeto cida-
de e os mecanismos capazes de responder aos velhos e novos
problemas deste objeto, passa, necessariamente, pela discussão
das técnicas do planejamento e os mecanismos que o mercado ca-
pitalista encontra para responder às ações concretas destes ins-
trumentos.
O desenvolvimento (capitalista) das forças produtivas e a
gradual implantação do modo de produção capitalista carregam
consigo uma particular e mais avançada divisão do trabalho. A
divisão do trabalho pode-se dividir em divisão técnica e divisão
social do trabalho. Estas duas divisões do trabalho diferem pro-
fundamente. Na divisão técnica do trabalho, que se dá no seio das
unidades produtivas (empresas, fábricas, oficinas, etc.), são os
instrumentos de trabalho que comandam e que instituem a ordem
de interdependência. Os trabalhos são complementares, encadea-
dos uns aos outros por uma conexão racional, exigem unidade,
solidariedade, complexidade, complementariedade e cooperação.
66 Luiz de Pinedo Quinto Jr. e Luiza Naomi Iwakami
Conclusão
Introdução
A questão teórica
de Abadia Bastos, enquanto Eurides Pedro Camargo era representante dos Incansá-
veis Moradores de Ceilândia. .
4. Segundo a Secretaria de Serviços Sociais, em 1977, era da ordem de 7 355 o nú-
mero de barracos existentes no Distrito Federal, com uma população estimada em
aproximadamente 27 045 habitantes. É importante destacar que, no período ime-
diatamente anterior, 1970-1976, foram erradicadas cerca de 113 457 pessoas das
invasões, favelas e acampamentos do Distrito Federal (Gonzalez 1985: 83).
88 Luiz Alberto Gouvêa
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Conclusão
Neio Campos
Introdução
1. Este texto em grande parte está baseado na segunda parte de minha dissertação de
mestrado A produção da segregação residencial em cidade planejada, UnB, 1988.
98 Neio Campos
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NÃO-DESAPROPRIADA DESAPROPRIADA EM COMUM AÇÕES EM ANDAMENTO
DESAPROPRIADA — 37%
NÃO-DES APROPRIADA — 43%
FONTE: Terracap (1982)
Figura 1. Situação geral das terras no Distrito Heaerai
Piloto), que, desde sua origem, estava destinado aos vários seg-
mentos da tecnoburocracia e às elites dominantes, de acordo não
só com o papel desempenhado por estes na divisão econômica e
social do espaço, mas também pelo papel desempenhado na divi-
são técnica do trabalho.
Ao fazer parte dos quadros superiores da tecnoburocracia, os
funcionários públicos com alta qualificação, os servidores paraes-
tatais, os servidores civis e militares, por exemplo, poderiam ad-
quirir casas ou apartamentos, facilitado o processo de aquisição
pela Novacap, desde que construídos dentro do prazo de quinze
meses, contados a partir de maio de 1959, de acordo com a Re-
solução nº 5, do Conselho da Novacap (Oliveira 1987: 131).
Em suma, os princípios de racionalidade e unifuncionalidade,
obedecidos com rigor em Brasília, na constituição dos seus espa-
ços, assim como o volume de realizações que caracterizaram a
prevalência de um submercado imobiliário característico da alta
produção geraram um alto grau de segregação socioespacial na
constituição dos mesmos, pois os estratos sociais, além de ocupa-
rem o espaço de acordo com sua condição de classe, tinham esta
diferença mais acentuada, em função da estandardização caracte-
rizadora dos seus diversos espaços e da relativa homogeneização
interna dos seus usuários, determinada pela divisão técnica do
trabalho.
A “crise da capital”
6. A respeito destes critérios, consultar a revista Brasília, editada pela Novacap nessa
época.
e urbaniza-
7. Ver o texto de Nair Heloísa Bicalho de Sousa “O movimento pró-fixação
volume, p. 169.
ção do Núcleo Bandeirante: a outra face do populismo janista””, neste
104 Neio Campos
8. Como exemplo, tem-se a citação de Marília Oliveira, com base na ata de reunião de
diretoria da Novacap, de 26/1/60, quando afirma que “em Sobradinho, quando foi
decidida a instalação da rede de esgotos, elevou-se em Cr$ 10.000,00 o preço do
lote para pagamento da infra-estrutura” (Oliveira 1987: 133).
À segregação planejada 105
12. Empresa pública e autônoma, criada pela Lei nº 5 861, de 1973, vinculada à Se-
cretaria de Viação e Obras do Distrito Federal.
108 Neio Campos
13. Como exemplo, o aumento do preço da terra na Ceilândia, entre 1971-1976, che-
gou a ser da ordem de 1.000% (Farret, 1987).
A segregação planejada 11
Considerações finais
Aldo Paviani
Introdução
nesse local, cada trabalhador teria seu próprio lote e poderia ad-
quiri-lo por preço acessível, a longo prazo... As assistentes so-
ciais cadastraram o pessoal e ajudaram-nos a convencer as famí-
lias. Cerrado a dentro, de casa em casa, falamos exaustivamente a
cada um e indicamos as vantagens da transferência para o local
definitivo. Mas a resistência era enorme. Em resumo: no primeiro
dia, só conseguimos transferir uma família [para Taguatinga]”
(Silva 1985: 321-325).
Silva reporta, ainda, que houve muita resistência e luta contra
a pretendida transferência, inclusive com ameaça de os operários
atearem fogo nos pavilhões de madeira da Novacap. No trabalho
de persuasão, foi necessário investir: “compramos madeira, pre-
gos, telhas de zinco. Os barracões construídos em Taguatinga já
tinham melhor aspecto: eram localizados na parte posterior do ter-
reno, ficando a metade anterior livre para ulterior construção em
alvenaria. Afinal, em dez dias, alojamos cerca de quatro mil pes-
soas em Taguatinga: desmontamos os barracões, transferimo-los,
reconstruímo-los, transportamos móveis, utensílios, homens, mu-
lheres, crianças. Construímos quase mil fossas: uma para cada ter-
reno. Demarcamos todos os lotes de modo que cada qual já ocu-
passe seu próprio lote. Instalamos a rede provisória de água, Deus
sabe como. Instituímos o transporte diário dos trabalhadores em
caminhões da Novacap e das empresas construtoras. Asseguramos
um mínimo de assistência médica” (Silva 1985: 323).
No relato, é descrita a primeira iniciativa, com êxito, de
transferir favelados para pontos distantes da cidade em constru-
ção. De tal forma que, “em seis meses, Taguatinga já era uma
realidade. A cidade havia sido construída, e estavam em funcio-
namento a escola, o hospital, as casas para as professoras, os es-
tabelecimentos comerciais pioneiros e, em meados de 1959, inau-
gurou-se a Escola Industrial. Surgira, assim, a primeira cidade-
satélite de Brasília”” (Kubitscheck 1975: 176).
Na expressão ufanista do ex-presidente e dos que foram seus
colaboradores mais próximos, o povoamento da periferia, inaugu-
rado com Taguatinga, se apresenta como “solução” para dar abrigo
aos favelados que inchavam o Núcleo Bandeirante e aos operários
dos acampamentos das construtoras. O discurso justificativo das
transferências de favelados era o de que eles ''moravam da maneira
mais precária: barracões de madeira velha, de lata, de folhas de
A construção injusta do espaço urbano IZ
perderam a mocidade
nesta grande construção
vivem nas Cidades Satélites
porém sem satisfação
Enquanto Taguatinga era expandida, ao longo dos anos 60,
outros povoamentos urbanos eram efetivados, como Sobradinho,
Gama e a Vila Buriti, um anexo à preexistente Planaltina. Ao fi-
nal dos anos 60, é implantada o Guará I, e Brazlândia (outra locali-
dade preexistente a Brasília) recebe favelados da invasão Viet-
cong. A não ser o Guará I, as localidades criadas acabaram tor-
nando repetitivo o gesto governamental de remover favelas, de
preferência para pontos distantes do Plano-Piloto.
Ao longo destes trinta e um anos de existência, Taguatinga
estruturou-se da forma mais completa entre as satélites. Possui
equipamento social para atender a seus 270 543 habitantes (ou
cerca de 15% da população residente no Distrito Federal, em
1989; tabela 1); atividades comerciais e industriais capazes de
atender a sua população ativa (que, em 1984, representava 26%
da população economicamente ativa das cidades-satélites) e ainda
oferecer postos de trabalho para localidades menos providas, co-
mo o Gama, Brazlândia e Ceilândia. Todavia, mesmo sendo con-
siderada a mais completa entre as cidades-satélites, Taguatinga
perde força de trabalho em favor do Plano-Piloto, podendo ser
estimado um movimento pendular, diário, de cerca de 50% em di-
reção ao centro. Com isto, a mais equipada das satélites, passadas
três décadas, continua sendo, primordialmente, um núcleo-dor-
mitório. À falta de dados recentes, pode-se conjecturar que Ta-
guatinga padece da inexistência de lugares de trabalho em volume
e em qualidade compatíveis com sua população economicamente
ativa (PEA) e a dos núcleos periféricos, Ceilândia, sobretudo.
24. A este respeito, ver as obras de Toledo Neder e outros (1988) Automação e movi-
mento sindical no Brasil. São Paulo, HUCITEC, e de Peliano e outros (1987) Au-
tomação e trabalho na indústria automobilística. Brasília, Editora Universidade de
Brasília.
140 Aldo Paviani
Conclusão
verá de encontrar saídas (no setor secundário, por que não?). Li-
berando as iniciativas, surgirão pequenas fabricações, voltadas
para o mercado consumidor local, e inumeráveis indústrias de ser-
viços para a cidade e para a região de influência: indústrias ele-
tro-eletrônicas para o mercado local e nacional, indústria do ves-
tuário (roupas e calçados), indústria moveleira, indústria de medi-
camentos, indústria de embalagens (de metal, de papel e de plás-
tico) e outras tantas que, não sendo poluidoras, são compatíveis
com os destinos de uma cidade com porte metropolitano.
Se esta não é uma solução acabada para o problema dos ati-
vos em disponibilidade ao menos é um paliativo, dentro do está-
gio monopolista do capitalismo brasileiro, cujas repercussões lo-
cais são notórias e avassaladoras.
Assim sendo, não nos parecem incompatíveis as ações que vi-
sam preservar o Plano-Piloto, por ser a sede dos poderes da Re-
pública, com as que procuram desentranhar de certos segmentos
hegemônicos a tendência de perpetuar a segregação socioeconô-
mica (e espacial). Afinal, três quartos da cidade estão na periferia
e não devem ser vistos apenas como produtores/consumidores,
mas como cidadãos capazes de enormes esforços para a constru-
ção de um espaço urbano mais justo, onde todos tenham direito
por igual aos bens e serviços socialmente produzidos.
Enquanto esta meta ganha força, há expectativas quanto às
possibilidades abertas pela Constituição de 1988. Nela o Distrito
Federal assume, ao mesmo tempo, características de município e
de estado da federação. Elegeu, em outubro de 1990, seu primeiro
governador e sua primeira Câmara Legislativa. Nesta, a elabora-
ção de uma lei orgânica (e um plano diretor urbano) ensejará am-
plas consultas à população, democratizando as decisões e intro-
duzindo novas práticas em direção à participação coletiva. Por-
tanto, uma etapa a mais no jogo de forças para a construção social
do espaço em Brasília.
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MOVIMENTOS POPULARES
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LUTAS SOCIAIS:
POPULISMO E DEMOCRACIA — 1960/1964
Luciana Jaccoud
1. Esta pesquisa contou com o apoio da Fundação Pró-Memória e do CNPq e foi co-
ordenada pelas sociólogas Luciana Jaccound e Nair Bicalho de Sousa. Cabe agrade-
cer o cuidadoso trabalho de levantamento junto ao jornal realizado por Maria do
Socorro Macena, Fátima Gomes e Antônio Fernando Sá, assim como ao trabalho
de Carlos William Coqueiro, Wanderlan Rodrigues da Silva e David Pureza. Fo-
ram pesquisados os meses de maio de 1960 a março de 1964.
146 Luciana Jaccoud
A questão da moradia
As reivindicações trabalhistas
5. Essa greve teve grande repercussão no Congresso, na discussão das referidas leis.
154 Luciana Jaccoud
A questão rural
Conclusão
1. Sobre esse assunto ver Esterci, Neide, O mito da democracia no país das bandeiras,
1971 (mimeo.) e Ricardo, Cassiano, Marcha para o oeste: a influência da bandeira
na formação social e política do Brasil, Rio de Janeiro, José Olympio, 1940.
170 Nair Heloísa Bicalho de Sousa
não permitir a realização plena das últimas, acabou por agravar as relações entre o
Estado e as massas populares.
174 Nair Heloísa Bicalho de Sousa
Fontes
O trabalho de campo
giu vilas como a Placa das Mercedes, que hoje não existe mais, foi
arrancada, a Vila Tenório, Vila São José. Então foi assim que surgiu,
através da pessoa de Juscelino, e aí correu a notícia e como até hoje
vem gente pra aqui.
Esta imagem da Cidade Livre, hoje denominada Núcleo Ban-
deirante, permeia o universo simbólico dos moradores com muita
intensidade: Juscelino, o pioneiro, o desbravador, o ponto de par-
tida da construção da nova capital, aparece logo no início do dis-
curso. E o eixo da iniciativa, o ponto de referência do planeja-
mento da grande obra. Para os informantes, a Cidade Livre foi o
pólo aglutinador de migrantes chegados de diversas regiões do
país, que iam se fixando em torno deste povoado de madeira, es-
tilo faroeste. O inchamento deste espaço urbano através de várias
vilas (favelas) foi o resultado imediato do chamamento presiden-
cial, que combinado a certas facilidades econômico-financeiras
permitiu a expansão da área urbana em curto prazo.
pedido, e ele cedeull, Então, o povo que gostava dele e confiava nele,
ninguém teve a inteligência de pedir a ele, ao menos um bilhete, foi
tudo na base da confiança. Mas Juscelino veio aqui [...] no começo da
urbanização, ele autorizou. Então, ele veio aí, desceu de helicóptero
ha pista, ele era um homem destemido não andava com guarda-costa,
nem o piloto, ele não precisava. Não consentiu de ele descer do heli-
cóptero, isso eu vi. Estava eu nessa distância aqui que estamos nós,
desceu e comprimentou duas pessoas subiu no trator e manejou o
trator: foi a inauguração da urbanização que foi dada por ele pessoal-
mente.
11. Em maio de 1960, Kubitscheck fez uma proposta contendo os seguintes pontos:
fixação de parte da cidade como zona esportiva, recreativa, hoteleira e de pequeno
comércio; transferência de comerciantes (em torno de trezentos) para o Plano-Pi-
loto; transferência de moradores para Taguatinga e Sobradinho; concessão de lo-
tes regularizados em regime de comodato por dois anos em Taguatinga a operários
e “invasores”. A Associação Comercial manifestou-se relativamente otimista com
a receptividade de parte dos comerciantes. Por outro lado, criou-se a chamada
Associação dos Habitantes Pioneiros do Núcleo Bandeirante tendo como finalida-
de impedir a violência e controlar o processo de transferência das chamadas “in-
vasões” da área circunvizinha (Vila Mercedes, Vila Tenório, IAPI, Urubu, Que-
rosene, etc.). Na base da ação da nova entidade estava a intenção de pressionar as
autoridades no sentido da urbanização da Cidade Livre.
No início de julho, a associação propõe um movimento de protesto contra as
autoridades que ainda não haviam tomado quaisquer providências relacionadas ao
processo de urbanização. Estava previsto o fechamento das lojas e uma manifesta-
ção em frente ao Congresso Nacional, mas a atuação do Departamento de Ordem
Política e Social (DOPS), impedindo a arregimentação dos moradores através de
alto-falante, a ameaça de prisão das lideranças e a caracterização da ilegalidade do
movimento atribuindo-o a “agitadores” resultaram no fracasso desta iniciativa de
mobilização.
Pressionado por esta insatisfação coletiva, Kubitscheck responde de forma
imediata: reafirma sua posição pela urbanização da Cidade Livre garantindo sua
continuidade por mais três anos e dá início ao calçamento e asfaltamento. Entre-
tanto, seu governo se encerra sem dar solução definitiva para a situação da Cidade
Livre.
182 Nair Heloísa Bicalho de Sousa
12. Deputado Federal pelo Partido Democrata Cristão (PDC), simpático às propostas
Janistas e autor do projeto de lei nº 1890 que estabelecia a criação da cidade-saté-
lite Bernardo Sayão através da urbanização do Núcleo Bandeirante.
13. Jânio Quadros, durante a campanha eleitoral, em comício na Cidade Livre havia
feito a promessa de transformá-la em uma “nova Vila Maria” (bairro onde o ex-
presidente residiu em São Paulo). Empossado, manifestou-se contrário à sua fixa-
ção e encarregou o prefeito do Distrito Federal, Paulo de Tarso, de executar uma
política de transferência dos comerciantes para a Asa Norte (bairro do Plano-Pi-
loto) e dos “invasores” para as cidades-satélites.
O movimento pró-fixação do Núcleo Bandeirante 183
Objetivos
Participação
Estratégia
e Reuniões e assembléias
Nas reuniões o único objetivo era esclarecer o povo que nós podería-
mos ficar aqui na nossa própria casa. Fomos os fundadores de Brasí-
lia, tava todo mundo aqui, por que nós tínhamos que sair daqui? Para
onde? Nós não merecemos? O Garcia dizia assim: “Brasília era bonito
mas tinha vergonha do seu filho que estava aqui. Então esse filho ti-
nha que lutar para não ir lá para cima, mas pelo menos ficar perto de
sua mãe, que era o melhor lugar de Brasília, do Brasil. Porque todo
mundo saiu das suas terras é porque não prestava, então o Núcleo
Bandeirante era o melhor lugar do mundo.” Então, tinha que conven-
cer o elemento de qualquer maneira, embora fosse uma coisa muito
difícil. Era em reuniões que tinha [conscientização]. O povo tinha que
se conscientizar que aqui era nosso.
As imagens do Núcleo Bandeirante como ““nosso””, ““nossa
própria casa”, onde a relação mãe-filho expressa a intimidade do
pioneiro e candango com a obra em construção, revelam a dimen-
são subjetiva presente no discurso dos dirigentes, procurando to-
car fundo a sensibilidade dos moradores no sentido de uma cons-
cientização progressiva. O objetivo era “'convencer o elemento de
Organização do movimento
18. Há relatos não-gravados sobre a forte repressão desencadeada pela PDF, obrigan-
do as pessoas a usarem senhas para entrar nas reuniões, além da montagem de um
sistema de segurança para advertir sobre a chegada da polícia nas proximidades do
local da reunião.
19. Deputado federal do Partido Socialista Brasileiro (PSB) que liderou a bancada de
parlamentares de diferentes partidos que apoiavam a proposta de fixação e urbani-
zação do Núcleo Bandeirante.
20. Além dos cargos de um presidente, três vice-presidentes, quatro secretários e três
tesoureiros compunham ainda o MPFUNB, várias diretorias (social, propaganda,
feminina, juvenil, biblioteca) e um conselho deliberativo.
O movimento pró-fixação do Núcleo Bandeirante 189
Comícios
Os comícios eram feitos com os políticos, quando os políticos vinham
tinha comício [...) Reunia muita gente [...] deputado fazia comício in-
flamado [...] descendo a ripa no presidente [...] Quando falava coisa
importante era cheio de aplausos [...] Todo mundo tinha muito apoio
pelo movimento. O Garcia sentia muito honrado, muito animado...
Quando via a praça cheia [...] era mais um motivo para lutar mais...
O comício era idéia do deputado Breno da Silveira, comício não tinha
dia. Ele saía do Congresso, ou da casa dele, chegava e dizia: “Vamos
fazer um comício.” Então um avisava o outro, cidade pequena, daí a
meia hora em frente à igreja do padre Roque tinha duas mil, três mil
pessoas e fazia o comício e esculhambava o Jânio Quadros e o Paulo
de Tarso que era o prefeito. Era ele [o deputado Breno da Silveira]
que providenciava o comício, que autorizava e fazia parte, nós apenas
dava o apoio [...] o comício era uma coisa de publicidade e de protes-
to, a finalidade do comício era protestar contra a ação do governo.
Não fazem aí os comícios políticos e mostram as vantagens daquele
partido e atacam o governo? Era isso, era como um comício político,
agora só que os ataques eram agressivos também, porque o doutor
Breno era um homem destemido, não tinha meio-termo [...] A direto-
ria do movimento também sempre falava alguma coisa.
Os comícios eram momentos de intensa mobilização da cida-
de. A chegada dos parlamentares no Núcleo era motivo para cha-
192 Nair Heloísa Bicalho de Sousa
Isso era mandado por Jânio e tinha duas posições. Aquele que falava
de frente pro pessoal, e uma dessas vezes eu fui falar com Paulo de
Tarso e ele tal, tal. Ele tinha muito respeito pelo sindicato (trabalha-
dores da construção civil) porque o sindicato tinha por trás dele mi-
lhares e milhares de trabalhadores, ele sabia que era só fazer assem-
bléia, o negócio era feio. Quando a gente ia ele falava que estava fa-
vorável ao Bandeirante, que ia falar com o Presidente, não sei...
24. A GEB (Guarda Especial de Brasília) era uma corporação paramilitar, criada no
início da construção de Brasília. O uso da violência e de práticas arbitrárias levou
à constituição de certo temor generalizado por parte dos moradores. Sua atuação
em relação ao MPFUNB é controvertida, exigindo maiores informações para pre-
cisar seu desempenho. Sobre o assunto, ver Joffily, G. 1., Brasília e sua ideologia,
Brasília, Thesaurus Editora, 1977, p. 62-63.
196 “Nair Heloísa Bicalho de Sousa
Sindicato
Congresso Nacional
Igreja
25. Sancionada em 20/12/61 pelo presidente João Goulart, a Lei 4020 criava o Núcleo
Bandeirante enquanto cidade-satélite, impedindo seu deslocamento para qualquer
outra área; proibia a construção ou reconstrução de habitações de madeira; e esta-
belecia uma verba no valor de Cr$ 200.000.000,00, a ser autorizada pelo Ministé-
rio da Fazenda, para o pagamento da instalação da nova cidade-satélite, através de
convênios com a Prefeitura do Distrito Federal (Diário Oficial, 8/1/1962, p. 168.)
O movimento pró-fixação do Núcleo Bandeirante 199
até então a luta principal era para manter a cidade, a partir da no-
va lei os problemas concretos da infra-estrutura urbana tornaram-
se prioritários.
Na memória dos informantes, a aprovação da lei aparece vin-
culada ao nome do deputado Breno da Silveira, o principal apoio
do MPFUNB no Parlamento.
O deputado Breno da Silveira nos apoiou de corpo e alma, foi o autor
da lei. Não pediu sacrifício, nos ajudou muito, e conseguiu regime de
urgência pra votar a lei. Como foi votada a lei 4020, saiu até uma ver-
ba de Cr$ 200.000.000,00 pra começo, embora a administração não
cumpriu. Depois é que começou outra administração a urbanizar por-
que o Núcleo sofreu muito com a administração e até hoje (sofre).
A memória da luta
gostava daqui, como eu disse, o dia em que eu não puder mais morar
no Núcleo Bandeirante eu mudo daqui de Brasília, vou pra Anápolis,
vou pra minha terra. Pra mim não tem lugar melhor em Brasília do
que o Núcleo Bandeirante. Sossegado, menos ladrão, eu mesmo ouvi
falar de roubo uma ou duas vezes. Porque em outras cidades é tudo
sobressaltado. Então, eu me sinto muito feliz, eu não me arrependo da
luta. Perdi financeiramente, gastei, mas me sinto feliz...
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MOVIMENTO DE MORADORES:
A EXPERIÊNCIA DOS INQUILINOS DE CEILÂNDIA
Mara Resende
de
4. Este esquema analítico é desenvolvido por Lefebvre e os discípulos da escola
Chicago, cujas críticas podem ser obtidas em Castells, 1978.
212 Mara Resende
não nos reportamos a sua base de classe, que já vimos ser pluri-
classista, mas aos laços de identidade, aos sentimentos comuns
criados no local de moradia.
Os caracteres identificativos desse morador são, sobretudo, o
fato de ter sido construtor de Brasília — pioneiro, na sua fala — e
ainda ser procedente das vilas da Cidade Livre. Evidentemente,
falamos do morador de determinada área da Ceilândia. Isto porque
Outros setores foram sendo incorporados à chamada Ceilândia
tradicional, definindo o perfil de outro morador, o mutuário do
Sistema Financeiro da Habitação. Cumpre adiantar que guardam
em comum o sentimento de pertencerem ao mesmo espaço urba-
no, o que lhes confere o direito de participar da vida da cidade.
Este trecho porpõe algumas considerações que serão feitas poste-
riormente.
Finalizando a referência a Castells, resta apontar que, ao es-
tabelecer a relação movimento-Estado, apenas duas situações po-
dem ser realizadas: uma, em que os movimentos se deixam coop-
tar e, por conseguinte, se aliam ao poder do Estado, e outra, em
que os movimentos se rebelam contra o poder constituído, pro-
movendo o conflito e a mudança.
Deve ser dito que não encontramos traços tão nítidos como
estes em nossos movimentos reivindicatórios. O que alguns estu-
dos têm registrado é que, no desenrolar das ações reivindicató-
rias, o poder público tem-se apresentado sob diferentes faces e,
também, que o diálogo e a negociação têm-se constituído instru-
mentos eficazes das administrações mais modernas.
Por outro lado, é preciso admitir que, seguindo suas próprias
conveniências, as associações, no desenrolar das demandas que
faz ao Estado, também podem exibir distintas faces. Por isso, pa-
rece útil considerar as advertências de Caldeira quanto ao risco de
inscrever as práticas de todas elas numa moldura que oscila entre
'conservadorismo e radicalismo”, “tradicionalismo e modernismo”,
“classistas ou clientelistas”, “passivas e contestadoras”, ao se bus-
S. A este respeito, são exemplares os estudos de caso realizados por Carlos Nelson
Ferreira dos Santos (1981). Este autor apresenta a atuação de três movimentos po-
pulares em relação à política habitacional proposta pelo governo do Rio de Janeiro,
evidenciando, em cada caso, o papel dos personagens envolvidos no processo e na
mudança de posição que cada qual assume no desenrolar do movimento.
216 Mara Resende
A organização do movimento
Do movimento à associação
O pleito acatado pelo governo repercute positivamente no
movimento dos inquilinos, revigorando sua disposição de luta.
Longe de esmorecer a mobilização mantida até então pela coleti-
vidade dos inquilinos, a concessão dos lotes abriu campo para a
formulação de novas ações, como, por exemplo: a definição de
critérios próprios para a distribuição dos lotes, a vigília perma-
nente no local das obras de loteamento e ainda na legalização do
movimento com a criação e registro da Associação dos Inquilinos
da Ceilândia (ASSINC), em fevereiro de 1984.
A constituição da associação representa a instância legítima e
legal do movimento. Internamente, é um suporte sólido para os
atores, pois, por seu intermédio, é possível dimensionar o limite
das ações. Externamente, é o espaço de intermediação reconheci-
do.
Uma vez criada a associação e instalada sua sede, é possível
ver, com frequência, um contingente expressivo de pessoas se en-
fileirando diante do prédio da ASSINC para filiação. Por um la-
do, tal procedimento indica a repercussão positiva do movimento
junto à comunidade, mas, por outro, deixa aflorar noções distorci-
das acerca do real objetivo da entidade, fato que pode ser com-
provado pelos depoimentos colhidos junto a alguns filiados.
A associação é o local onde se faz inscrição para receber os lotes que
o governo prometeu.
Pra criar uma associação nós tivemos reunião com inquilino da Cei-
lândia Norte e Sul. Colocamos o que a associação podia representar
pra nós, né? E de acordo com que eles aceitaram, nós criamos a asso-
ciação. Nós trabalhamos em cima da idéia do povo.
224 Mara Resende
Definindo critérios
Acho que agora, diz o presidente, é conscientizar que os lotes não vão
dar e que tem que lutar por mais. Porque se nós ficamos calados aqui
e o lote não der para todo mundo, eles podem explodir, tomar qual-
quer decisão. Foi necessário lutar por mais e a luta vai continuar.
Reflexões finais
7. A não observância dos critérios propostos pela Associação, para a distribuição dos
lotes, produziu resultados inesperados. Inicialmente, foram remetidas pela Admi-
nistração 1 300 (hum mil e trezentas) cartas aos contemplados. Uma parcela desta
remessa não encontrou destinatário. Alguns dos que receberam o comunicado não
compareceram à Administração e outros devolveram o lote pois possufam imóvel
no Distrito Federal.
228 Mara Resende
Introdução
resse Social (SHIS) até 1982 não teve registro de nenhuma ha-
bitação financiada pelo Estado, sendo este um dos fatores que,
somados a outros que se seguiram, levaram à situação atual de um
déficit de cerca de 180 mil habitações. Em 1984, levantamento
realizado pelo GEPAFI indicava um número significativo de pes-
soas que moravam em barracos, principalmente dentro ou próxi-
mo ao Plano-Piloto e em Taguatinga, somando, em todo o Distrito
Federal, 70 252 habitantes de 'invasões”. A partir daí, houve um
agravamento constante da situação de vida e das condições de so-
brevivência da população residente em sub-habitações. Em 1986,
iniciou-se uma campanha oficial de retorno dos novos migrantes
para seus locais de origem, com a oferta de passagens de volta.
Por outro lado, as favelas que haviam crescido dentro do Pla-
no-Piloto eram alvo de remoção para Brasilinha (GO), a mais de
54 quilômetros de Brasília, e também era oferecida passagem de
volta para os locais de origem dos migrantes. As famílias que de-
monstrassem resistência estavam sujeitas a ter seus barracos des-
truídos a força, como se observou no episódio de remoção da fa-
vela da Quadra 110 Norte (agosto de 1987), quando centenas de
famílias permaneceram no local, recusando a oferta do governo e
propondo sua fixação dentro dos limites do Distrito Federal. Seus
barracos foram derrubados, sob uma verdadeira operação militar
(mais de mil policiais armados, cavalaria, helicópteros, etc.). As
famílias que resistiram à remoção, embora contassem com o apoio
das entidades da sociedade civil, não conseguiram solução defi-
nitiva para o problema habitacional.
Em grande parte das maiores cidades brasileirs, a formação
de áreas faveladas acompanhou o próprio agravamento das condi-
ções socioeconômicas da população, afetando principalmente os
meios de sobrevivência da parcela de trabalhadores desqualifica-
dos ou expulsos do meio rural. A história das favelas acompanha,
portanto, a clássica trajetória realizada por uma parcela significa-
tiva da população pobre: a migração constante do campo para as
cidades, ou das pequenas cidades para as grandes metrópoles. As
grandes cidades são o ponto de chegada desta trajetória e aí as di-
ferenças sociais se manifestam mais nitidamente, especialmente
no que diz respeito à segregação social em relação ao uso e apro-
priação da cidade (condição de ocupação de áreas residenciais),
refletindo o fenômeno conhecido como espoliação urbana.
234 Luiza Naomi Iwakami
3. Este termo fixação é muito utilizado em Brasília, desde o movimento pela fixação
do Núcleo Bandeirante. Fixação será, portanto, um termo que utilizaremos com
frequência, indicando assentamento e posse legalizada das terras.
Vila Paranoá: a luta desigual pela posse da terra urbana 235
* Dados estimativos.
Fonte: Brandão, A. (1983).
Censo: Associação dos Moradores da Vila Paranoá (1986).
por sua conta (em geral com a ajuda de parentes ou amigos que já
habitavam no Paranoá), um fato inusitado veio a alterar esse pro-
cesso fazendo crescer de uma só vez tanto a área ocupada pela
favela, como a população moradora. Trata-se de um episódio
ocorrido em agosto de 1981, quando houve um afluxo significati-
vo de novos moradores para o Paranoá, principalmente nos fins
de semana.
De acordo com depoimentos obtidos, circularam boatos de
que a viúva do ex-presidente Kubitscheck, que seria proprietária
das terras da Vila Paranoá, iria doá-las a seus moradores. Embora
isso realmente não passasse de boatos, houve, no entanto, nesse
período, a triplicação da população (em 1982, havia cerca de 15
mil habitantes, enquanto que em 1980 havia apenas 5 100 habi-
tantes). Outro fator importante no período é o fato de a gestão do
coronel Aimé Lamaison como governador do Distrito Federal ter
se tornado conhecida como a administração que não implementou
nenhum programa de habitação popular.
Para as famílias de menor poder aquisitivo e, principalmente,
para aqueles trabalhadores que não possuíam emprego fixo, não
havia alternativa nem perspectiva de continuar residindo nos li-
mites do Distrito Federal. Surgiam ofertas de lotes em municípios
vizinhos, principalmente em Luziânia, como exposto antes, mas,
embora fossem extensos loteamentos, não eram vistos como alter-
nativa atraente para os que trabalhavam em Brasília. Muitos ocu-
pantes das várias “invasões” do Plano-Piloto ou das satélites viam
sua permanência ameaçada pelas constantes operações de remo-
ção. Além de tudo isso, ocorreu ainda, em 1979, a suspensão do
cadastramento da SHIS para a aquisição de habitações populares,
o que implicou um aumento da demanda por habitação e repercu-
tiu diretamente na elevação dos preços dos imóveis.
O processo de ocupação do Paranoá por esses novos morado-
res, em 1981, se associa portanto a uma série de fatores que, num
quadro de agravamento e crise da habitação popular, se colocava
como alternativa possível e menos onerosa. Este episódio durou
cerca de dois meses e resultou em um confronto acirrado entre
novos moradores, agentes da Terracap e policiais que insistiam
em derrubar todos os barracos recém-instalados. Do lado dos no-
vos habitantes havia uma determinação clara de lá permanecer,
tanto que, após terem*seus barracos derrubados, reconstrufam-nos
Vila Paranoá: a luta desigual pela posse da terra urbana 239
em
8, Esta federação foi criada em 1984, com pouca representatividade, e dissolvida
1986.
pS2 Luiza Naomi Iwakami
Conclusão
Linha
Oráfica
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