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22/01/2024, 23:39 Antropologia urbana

ANTROPOLOGIA URBANA
UNIDADE 4 – A IMPORTÂ NCIA DE
ETNOGRAFIAS SOBRE GRUPOS MÉ DIOS
URBANOS, LAZER E RELIGIOSIDADES

Autoria: Fá bio Costa Juliã o - Revisã o técnica: Rita de Cá ssia da Silva

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22/01/2024, 23:39 Antropologia urbana

Introdução
Olá, estudante! Agora, você irá aprender acerca dos trabalhos em antropologia urbana que se propuseram a
realizar etnografias sobre as classes médias, em especial em um condomínio de um famoso bairro do Rio de
Janeiro. Nesse trajeto, iremos discutir o tema do desvio e da divergência, ambientado no Brasil, e suas
consequências para vários fenô menos sociais, desde o lazer até algumas ramificaçõ es na política.
Retomaremos algumas das importantes contribuiçõ es metodoló gicas em antropologia urbana, cujo foco são as
cidades brasileiras e seus atores sociais, e discutiremos, brevemente, alguns fenô menos religiosos de matriz
afro e sua relação com a cidade. Também aprofundaremos algumas discussõ es acerca da visão de
antropó logos sobre a prática investigativa, em que traremos importantes discussõ es metodoló gicas para que
você, estudante de ciências sociais, possa também realizar etnografias e trabalhos de estranhamento
etnográfico em seu espaço urbano.
Bons estudos!

4.1 Pesquisas antropológicas sobre as classes médias


Nesta unidade, você estudará a abordagem de Gilberto Velho sobre o lazer e sociabilidades em um
condomínio de classe média em Copacabana, Rio de Janeiro, e algumas influências dessa abordagem original,
realizada nos anos 1970, mas que ainda influencia diversos pesquisadores. Também iremos nos debruçar
sobre alguns fenô menos religiosos e algumas das abordagens antropoló gicas mais contemporâneas acerca
desse tema. Da mesma forma, iremos verificar como alguns antropó logos veem a sua pró pria atividade de
pesquisa e, por fim, iremos retomar uma importante discussão sobre o trabalho de campo etnográfico,
experiência sensorial e cognitiva que possibilita o conhecimento antropoló gico.

4.1.1 As pesquisas de Gilberto Velho no cotidiano do carioca


No Rio de Janeiro, mais precisamente no Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ),
vão surgindo pesquisadores que passam a dialogar com a temática urbana. Um desses principais
pesquisadores foi Gilberto Cardoso Alves Velho (1945-2012). Gilberto Velho fez carreira na antiga Faculdade
Nacional de Filosofia, parte integrante do que hoje é a UFRJ, e realizou seu mestrado, que veio a se tornar o
nú cleo de seu livro A utopia urbana, de 1970. Nessa pesquisa, orientada por Roberto DaMatta, o foco era a
temática urbana, mais precisamente um condomínio de um bairro de classe média carioca, Copacabana, sendo
estudada a partir de uma perspectiva etnográfica. Ainda na realização dos levantamentos, Gilberto Velho tem a
oportunidade de tomar contato com trabalhos de antropologia das sociedades complexas, em Austin, Texas
(EUA), onde concluiu sua especialização. Retornando ao Brasil, iniciou o doutorado em Antropologia Social,
resultando na tese Nobres e anjos: um estudo de tóxicos e hierarquia, defendido na USP e sob a orientação de
Ruth Cardoso.
Gilberto Velho, já nos anos 1960-70, colocara em prática uma originalíssima antropologia urbana, inspirada
em um diálogo com a antropologia norte-americana e especial, a Escola de Chicago, que conhece em seu
contato com o professor da Universidade do Texas, à época visitante na UFRJ, Anthony Leeds (1925-1989).
Leeds é um crítico das primeiras geraçõ es de pesquisadores de Chicago e importante soció logo urbano; Velho
o relaciona com as implicaçõ es da obra de Claude Lévi-Strauss, ao pensar, por exemplo, as existências de
desvios diferenciais (LÉ VI-STRAUSS, 1989), típicos de uma alteridade mais radical, de populaçõ es indígenas,
por exemplo, em relaçõ es de vizinhança em uma metró pole, tendo o Rio de Janeiro como laboratório

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privilegiado de seu trabalho de campo (VELHO, 2011). Assim, já se definia uma trajetó ria bem marcada de
pesquisa, ecletismo e reflexão contínuos sobre a alteridade que se constituía a partir das especificidades de
uma grande cidade.
Gilberto Velho (2011) entendia que a antropologia urbana, e também a antropologia social, repousa em uma
intricada diversidade de temas e abordagens teó ricas que têm em comum o trabalho de campo etnográfico.
Assim, efetua sua pesquisa de campo no mesmo bairro onde havia morado durante 18 anos, em um
condomínio de classe média. Velho (1989) classifica o bairro de Copacabana como emblemático, amado por
alguns e veementemente odiado por outros, representativo de uma heterogeneidade e diversidade social
ímpares. Tais diferenças, constitutivas para entendermos dada identidade coletiva e, ao mesmo tempo,
individual, são as marcas que esses sujeitos deixaram em Gilberto Velho ao realizar ali, em um espaço tão
pró ximo, sua etnografia. Além do trabalho de campo, Velho aplica entrevistas e as aprofunda em contato direto
com seus interlocutores, chamados por ele de white colar ou trabalhadores de “colarinho branco”. Tais
trabalhadores de classe média viviam nesse condomínio, denominado “grande prédio de conjugados”,
esboçando suas preocupaçõ es com a cidade e consigo pró prios (VELHO, 1989).
Desse modo, a complexidade de suas preocupaçõ es com inú meros temas, por exemplo, a repressão política da
época ou o meio ambiente; a boa ou a má imagem que teriam frente aos vizinhos e problemas mais típicos,
como a criminalidade e violência; o crescimento rápido e intenso do bairro, com os problemas que isso
acarreta, a exemplo do trânsito ou das mudanças pelas quais a cidade como um todo estava passando,
demonstraram uma visão bem concreta dos moradores em relação à sua vida e aos problemas sobre os quais
se debruçavam:

[...] A preocupação de perceber as categorias principais e recorrentes do universo investigado, de


captar a ló gica que sustentava suas decisõ es existenciais e, finalmente, de penetrar em uma visão
de mundo característica levou-me forçosamente a lidar com uma realidade muito mais complexa
do que posiçõ es superficiais e apressadas para captar. Assim, longe de serem pessoas “passivas”,
“alienadas”, as pessoas que observei e entrevistei tinham até uma consciência aguda e dramática
de suas limitaçõ es e possibilidades. (VELHO, 1989, p. 7)

O apego por viver no bairro de Copacabana representaria para esses sujeitos um “ló cus das boas coisas da
vida”, reforçando o seu olhar de pertencimento e da superioridade de sua amada Copacabana em relação ao
subú rbio, a Zona Norte, e, evidentemente, aos morros e às suas favelas, que, para esses atores pesquisados,
tornavam-se cada vez mais pró ximos e ameaçadores. Também representaria um status, símbolo de sucesso e
de ascensão social que “reforçaria suas qualidades pessoais” diante da extrema competição pela mobilidade
social e das instabilidades resultantes da vida (VELHO, 1989. p. 8-9).

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Figura 1 - Vista aérea do calçadão da praia de Copacabana, Rio de Janeiro


Fonte: R. M. Nunes, iStock, 2020.

#PraCegoVer: vista aérea do calçadão da praia de Copacabana, tradicional bairro da zona sul do Rio de
Janeiro. O mosaico do calçadão representa as ondas do mar.

O imaginário de grupos médios em Copacabana, acerca de suas possibilidades de manutenção de status, e a


luta permanente por mobilidade social e econô mica demonstrariam, ainda, uma “ideologia de sociedade
aberta”, que Gilberto Velho (1989) classifica como a síntese de uma “ideologia copacabanense”, vista como um
“fato da natureza”, determinista e irascível diante das mazelas sociais, em especial da vida que levam os mais
pobres e marginalizados no entorno da famosa Copacabana (VELHO, 1989). É desse modo que o
copacabanense médio, morador desses condomínios, naquele momento histó rico, vê-se diante dos enormes
problemas da cidade do Rio de Janeiro, onde o seu bairro representa “um pedaço do prestígio” que a cidade do
Rio, em especial suas badaladas regiõ es nobres, tomaria emprestado. Entretanto, é importante para o
antropó logo entender que tais discursos e práticas fazem parte de um contexto maior, de competição, de
produção de identidade e de busca por diferenciação, talvez as ú nicas “armas” de que aquele grupo médio
dispunha para reforçar os aspectos que mais valorizavam em suas vidas. É daí que Gilberto Velho (1989)
traduz a importância da pesquisa antropoló gica, para estes ou quaisquer outros segmentos da sociedade
brasileira:

[...] A lição da Antropologia é que o primeiro passo, o mais fundamental é procurar ouvir e
entender a visão de mundo dos grupos sociais que vivem diretamente essas situaçõ es e procurar
perceber seus pontos de vista, com o mínimo de preconceitos e paternalismos. (VELHO, 1989, p.

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10)

VOCÊ QUER LER?


Para entender a perspectiva antropológica e a originalidade de Gilberto Velho,
experimente a leitura, na íntegra, do livro Utopia urbana: estudos de antropologia social.
Vale a pena conferir!

Gilberto Velho, em sua longa trajetó ria de ensino e pesquisa, produziu outras obras sobre o Rio de Janeiro de
igual impacto. Em seus estudos, gera a publicação da obra Desvio e divergência: uma crítica da patologia social,
de 1974, que traz como principal perspectiva “o estudo do comportamento desviante, contextualizando-o”
(VELHO, 2003. p. 3). O comportamento desviante é atribuído a criminosos, drogados, loucos etc., sendo
muitas vezes abordado por ó rgãos de imprensa sob o ró tulo da marginalidade que beira à malignidade ou
ainda uma pseudopsicologia e sociologias. Nesse sentido, há a produção de estereó tipos que não auxiliam a
compreensão do fenô meno dos sujeitos desviantes, mas sua mistificação. Segundo Gilberto Velho (2003, p.
19), a extrema individualização dos sujeitos desviantes – “criminoso”, “drogado”, “insano”, deforma-o na
qualidade de fenô meno social e cultural, cabendo à antropologia e às demais ciências sociais a compreensão
de seu “inter-relacionamento complexo e permanente”, que une os sujeitos desviantes aos seus grupos mais
amplos:

[...] Cumpre lembrar o raciocínio de Lévi-Strauss, que estabelece que a humanização só é possível
através da cultura e da vida social. Assim, quando se fala em homens, ter-se-á sempre a noção do
sociocultural. O “Homem” só existe através da vida sociocultural e isolá-lo desta, mesmo em
termos puramente analíticos, pode deformar qualquer processo de conhecimento. (VELHO, 1989,
p. 19)

Assim, o que chamamos de cultura em antropologia, o ato de se produzir material e imaterialmente o mundo
ao nosso redor, humanizando-nos no processo, nunca foi um ato de um sujeito isolado, um “Robinson Crusoé”,
e mesmo os comportamentos moralmente inaceitáveis para um universo de valores tão vasto devem ser
entendidos como parte integrante desses valores aos quais se opõ em, não havendo sujeitos “maus” ou “bons”,
mas indivíduos que devem ser pensados no contexto onde atuam. Citando Howard Becker (2008), Gilberto
Velho nos explica que: “os grupos sociais criam o desvio ao estabelecer a regra cuja infração constitui desvio e
ao aplicá-las a pessoas particulares, marcando-as como outsiders”.

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CASO
Gilberto Velho foi um dos primeiros antropólogos brasileiros a estudar fenômenos de
desvio e divergê ncia entre setores mé dios. Até entã o, a ê nfase era voltada ao sujeito
delinquente, em sua grande maioria, egresso de grupos populares, com típica atuaçã o
criminosa. Alguns dos primeiros contatos de Velho com o tema do desvio e da
divergê ncia se deram em seu trabalho de campo, que originou seu mestrado. Em
Copacabana, havia muitos jovens usuá rios e també m traficantes de drogas naquele
contexto de revoluçã o cultural dos anos 1970, contracultura, emancipaçã o jovem e
feminina etc. Vale a pena se aprofundar nesse assunto!

Os trabalhos de Gilberto Velho e de muitos de seus pares no departamento de Antropologia do Museu


Nacional da UFRJ fizeram geraçõ es de pesquisadores que, inspirados direta ou indiretamente pelo grande
mestre, levaram sua influência a pensar inú meros outros aspectos do fenô meno cultural no ambiente urbano.

4.2 Lazer, sociabilidade e práticas religiosas na metrópole


Segundo o antropó logo e professor da UFRS, Ruben George Oliven, havia um status relativamente baixo da
antropologia; em especial, sua contraparte urbana na análise dos fenô menos culturais. A questão cultural, de
extrema importância para os elementos que tornam uma sociedade possível, era tratada como secundária
frente a fenô menos vistos como mais sérios e politicamente relevantes, como as discussõ es sobre ideologia,
classes sociais, formação e subdesenvolvimento brasileiros. Todavia, durante o período de retomada crítica
dos estudos urbanos, a partir da releitura da Escola de Chicago, realizada entre os anos de 1960-70, à
antropologia urbana coube entender, a seu modo, a maneira como esses atores sociais, ligados a movimentos
sociais ou simplesmente moradores da periferia, pensavam sobre si mesmos e o mundo ao redor (OLIVEN,
1990).
Essa guinada, na mudança “no lugar” que a antropologia social ocupa nas preocupaçõ es acadêmicas (OLIVEN,
1990), dão-se pela redemocratização e, principalmente, pelo surgimento de novíssimos atores sociais nas
arenas política, econô mica e social, que demandavam uma investigação mais pró xima, “de perto e de dentro”,
onde os aspectos culturais, imaginários e simbó licos destas e outras populaçõ es, situadas em inú meras
“margens urbanas”, tornaram-se cruciais para a compreensão desses atores e de outros fenô menos
socioculturais contemporâneos da realidade urbana brasileira (MAGNANI, 1992; 2002; 2014).
Assim, estudar o lazer, o tempo livre, a sociabilidade, não só dos grupos populares mas também dos setores
médios da população, não tinha relevância acadêmica até os importantes trabalhos de Gilberto Velho, em A
utopia urbana, publicada originalmente no início dos anos 1970, e José Guilherme C. Magnani, em Festa no
pedaço, no final da mesma década.

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Ruben Oliven (1990), por sua vez, discute o que seria o fenô meno da cultura em sociedades nacionais, como a
brasileira. Para Oliven, cultura brasileira significa uma produção conjunta, mesmo sob conflitos acerca de sua
legitimidade entre diferentes grupos sociais, sejam estas as mais diferentes fraçõ es das elites brasileiras ou
sua população mais vulnerável. Desse modo, todos contribuímos para a produção da cultura brasileira, sendo
importante afastarmos quaisquer ufanismos ou paternalismos que afirmam que a cultura brasileira legítima é
aquela produzida apenas por seus segmentos populares ou ainda defender visõ es eruditas do que seria a
cultura:

[...] O que estas perspectivas não conseguem perceber é a dinâmica que existe entre as classes
sociais no processo de produção cultural. Assim em certos momentos, o que é considerado
cultura brasileira é a apropriação e reelaboração por parte de nossas classes dominantes de traços
culturais gerados nas metró poles que são tidos como os ú nicos dignos de serem adotados pelas
elites. O processo inverso é representado pela valorização daquilo que seria mais autenticamente
brasileiro, o que pode ser detectado desde o século passado. (OLIVEN, 1990, p. 125)

E, para pensarmos o lazer e as festas populares, é necessário aplicarmos o mesmo raciocínio, pensando nas
maneiras específicas pelos quais os mais diferentes grupos sociais vivenciam e concebem a importância do
tempo livre em suas vidas.

Figura 2 - “Carnaval”, de Cândido Portinari


Fonte: Portinari, Wikiart, 2020.

#PraCegoVer: pintura “Carnaval”, de Portinari. O movimento dos participantes é cheio de cor, dos
instrumentos e da alegria daqueles que estão desfilando e brincando no Carnaval do Rio de Janeiro.

Oliven, em sua discussão sobre símbolos nacionais e o conflito acerca de quem detém a legitimidade de
impor a cultura brasileira, define nossa construção identitária. Assim, a “identidade brasileira” passa,
necessariamente, pela ideia de que refutamos, enquanto povo nação diverso, o mundo do trabalho e
abraçamos nossa especificidade via lazer:

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[...] É revelador que nas diferentes variáveis destes dois tipos de construção da identidade o que se
desenvolve é um tipo que tem mais conotação de nacionalidade e/ou raça que de classes. É nesta
perspectiva que se encontram soluçõ es como a figura do “caxias”, Macunaíma [...], o homem
cordial, o malandro e a ideia tão bem captada por Oswald de Andrade de que o Brasil,
diferentemente da Europa, o contrário do burguês não seria o proletário, mas o boêmio. (OLIVEN,
1990, p. 126)

Há, ainda para Oliven, todo um movimento por parte dos grupos dominantes de se apropriar daquilo que era
originalmente popular, reelaborando tais manifestaçõ es, tornando-as símbolos nacionais. Isso ocorreu
necessariamente com o samba, com o Carnaval, com a visão da miscigenação entre “os grupos formadores” e
até pratos típicos, como a feijoada, por exemplo. No sentido oposto, há o movimento por parte de grupos
populares que transformam algo que era típico do lazer e da sociabilidade das elites, tornando-o algo
eminentemente popular. O exemplo mais emblemático do segundo movimento é a apropriação popular do
football ou futebol, esporte britânico, originalmente elitista e, hoje, símbolo de brasilidade e daquilo que é
considerado popular (OLIVEN, 1990 apud FRY, 1982).

Figura 3 - O “piscinão de Ramos”


Fonte: Sebástian Freire, Wikipedia, 2012.

#PraCegoVer: foto do popular “piscinão de Ramos”. O piscinão de Ramos é uma área aterrada que fica ao lado
do mar. As águas do oceano o invadem, garantindo frescor a centenas de milhares de cariocas que o procuram,
principalmente aos finais de semana.

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O mesmo também se dá em manifestaçõ es religiosas, a exemplo do candomblé ou mesmo da umbanda.


Inicialmente, o candomblé era uma religião afro-brasileira, símbolo da resistência de negros submetidos à
escravidão contra seus senhores e o catolicismo romano hegemô nicos. O candomblé foi perseguido, mesmo
apó s a abolição, sendo considerado “fetichismo de gente pobre e ignorante”, duramente reprimido pela polícia
e pelo pró prio Estado brasileiro e, hoje, pelo contrário, é uma religiosidade de todos os brasileiros, não
importando sua origem étnica ou de classe social (OLIVEN, 1990, p. 127).

Figura 4 - Adeptos do Candomblé, Salvador, Bahia


Fonte: Global_Pics, iStock, 2020.

#PraCegoVer: foto de uma adepta do candomblé, vestida de branco, em primeiro plano. Ao fundo, temos um
conjunto de mães de santo, todas de branco, dançando e cantando.

Para Oliven, o que caracterizaria o nosso país, em relação às demais manifestaçõ es culturais nacionais do
restante do globo, é que na sociedade brasileira, tomada por uma imensa desigualdade social e diversidades
socioculturais das mais diferentes matizes, ocorre um processo de reelaboração de símbolos e de práticas
culturais que tendem a ser transformadas, tal qual na imagem de um caleidoscó pio, em símbolos de uma
nacionalidade, o que faria residir, nesse movimento antropoló gico mais amplo, os elementos de nossa coesão
social, manipulados como formas de identidade nacional (OLIVEN, 1990, p. 130).

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Figura 5 - Caleidoscó pio


Fonte: Fyria, Shutterstock, 2020.

#PraCegoVer: figura de um caleidoscó pio; objeto que mistura cores do ambiente que, em contato com o vidro
ou cristal em seu centro, mistura todas as cores como se fossem uma só .

Oliven ainda demonstra que a urbanização, que em países capitalistas centrais levou a uma enorme
secularização da vida, não acarretou, no Brasil, em um fenô meno semelhante. Ao contrário, as cidades têm
sido o palco e o lugar de profundas manifestaçõ es religiosas, como a umbanda e, em especial o surgimento do
pentecostalismo histó rico, entre os anos 1930-1950 e, mais recentemente, a “explosão” neopentecostal, desde
os anos 1960, centralizada, principalmente, no eixo mais dinâmico da economia brasileira, a região Sudeste.
Isso sem falarmos nas importantes manifestaçõ es cató licas, de suas várias vertentes e na proliferação de um
enorme nú mero de fenô menos religiosos ligados a temas esotéricos e ainda “neo-pagãos” (OLIVEN, 1990, p.
137).
É nesse sentido que devemos entender as diversas manifestaçõ es religiosas da cidade, não como símbolos de
atraso, visão que valoriza uma “racionalidade vitoriosa”, típica de sociedades capitalistas, mas como um
fenô meno humano, que tem, na cidade brasileira, o foco de atenção daqueles que são seus adeptos. E as
religiosidades de matriz afro são temas de extrema importância para compreendermos suas visõ es de vida,
moralidade e de humanidade. Também é importante ressaltarmos a histó ria de resistência dessas práticas
religiosas e visõ es de mundo, diante do racismo e do preconceito estruturais da sociedade brasileira mais
ampla.
Para compreendermos um pouco mais sobre o candomblé, em especial sua prática na cidade de Salvador,
vamos fazê-lo, inicialmente, na companhia de Pierre Fatumbi Verger (1902-1996). Nascido Pierre Edouard
Léopold Verger, em Paris, torna-se fotó grafo apó s perder sua família, percorrendo o mundo e o registrando
através das lentes de sua câmara. Apó s 14 anos de trabalho por várias regiõ es do mundo, sobrevivendo como
fotó grafo, e com o fim da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), Verger chega a Salvador, logo esmiuçando e
registrando detalhes da vida do povo comum. Entra em contato com o candomblé, que o encanta. Entende que
essa prática religiosa é importante para compreender a vitalidade e as diferenças que notava na singular
Salvador do início dos anos 1950. Em busca de aprofundamento, ganha uma bolsa do Instituto Francês de
Á frica Negra (FAN) para estudar a religiosidade afro. Parte para a Á frica, onde passa por um processo de
conversão, tornando-se Fatumbi, do iorubá, “nascido de novo graças ao Ifá”. Seu contato cada vez maior com a
fé e com as práticas rituais dos cultos africanos, e também com sua versão afro-brasileira, torna Verger um

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babalaô , um guardião das tradiçõ es do culto e adivinho. Assim, registra, em palavras e celuloide, os mais
diversos aspectos da vida e dos cultos afro, dos dois lados do Atlântico: da Á frica Ocidental e da Bahia,
resgatando a ancestralidade africana e valorizando-a nesse processo.
Nascido Pierre Verger, renascido como Pierre Fatumbi Verger, com suas publicaçõ es e fotografias, torna-se um
dos principais estudiosos do candomblé e de outras religiosidades afro-brasileiras nos ú ltimos anos. De seu
espó lio, surge a importante Fundação Pierre Verger, que atua em várias frentes, mas, principalmente, na
promoção da luta contra o racismo e o preconceito contra as religiosidades africanas.

VOCÊ SABIA?
Um dos primeiros professores da “missã o francesa”, que auxiliou na constituiçã o
da atual USP, dedicou parte significativa de sua carreira acadê mica a estudar
religiões de matriz afro-brasileira. O sociólogo e antropólogo Roger Bastide (1898-
1974) trouxe-nos o uso da ideia de sincretismo religioso para explicar algumas
das estraté gias de resistê ncia do candomblé e a formaçã o da umbanda,
importantíssimas para a compreensã o da sociedade brasileira, de sua
religiosidade e diferentes manifestações culturais.

Um outro antropó logo que tem se debruçado sobre o fenô meno religioso afro-brasileiro é o professor da USP
Vagner Gonçalves Silva. Pesquisador e autor de diversos livros sobre a temática da religiosidade afro-
brasileira, Vagner Silva tem como principais trabalhos de destaque Orixás da metrópole (1995), O antropólogo
e sua magia (2000) e o mais recente, Exu Brasil (2013). É em sua pesquisa O antropólogo e sua magia que nos
deteremos para verificar como Vagner Silva (2000) analisa essa importante manifestação religiosa e as
implicaçõ es de sua antropologia na discussão desses fenô menos sociais.
Em O antropólogo e sua magia, Vagner Silva tenta compreender como se dá a formação de um campo religioso
afro, com todas as suas especificidades, diante dos diálogos, trocas e conflitos com outras manifestaçõ es
religiosas de nosso país. Um outro ponto, importantíssimo, é verificar como as religiosidades afro-brasileiras
estão presentes na formação do que chamamos de “identidade nacional”, conformando, segundo Vagner Silva
(2000), um de seus “pilares”, estando presente na indú stria cultural, especificamente na mú sica popular, em
inú meros ritmos, como o samba, os maracatus, o bumba meu boi e em afoxés. A presença do candomblé, por
exemplo, é tão significativa que pode ser vista no conjunto da obra etnográfica e fotográfica de Pierre Fatumbi
Verger, na literatura de Jorge Amado e nas artes, na figura de um pintor como Carybé (SILVA, 2000).

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VOCÊ O CONHECE?
Carybé foi o argentino Hector Julio Pá ride Bernabó (1911-1997), artista mú ltiplo, que
acolheu o Brasil em sua arte, dando destaque em suas obras à influê ncia da
religiosidade afro-brasileira. Nos anos 1950, é consagrado obá de Xangô. Artista
premiadíssimo, viaja o mundo divulgando o candomblé , o Nordeste e, principalmente,
sua amada Bahia. O diá logo de Carybé com Salvador e com as religiosidades afro
tornam sua obra ú nica para pensarmos as relações entre arte e cidade.

Portanto, uma das implicaçõ es do trabalho de Vagner Silva (2000) é demonstrar que, para além da
religiosidade marcante e das especificidades do candomblé, de sua força e resistências inerentes, há uma
íntima relação da fé com os marcos da brasilidade, das culturas negras afrodiaspó ricas e da consolidação de
aspectos do que entendemos como o nacional.
É importantíssimo entendermos que os campos de estudos da religiosidade brasileira não são exatamente
uma antropologia urbana, mas é inegável que há uma variável urbana na condução dessas pesquisas,
indissociáveis das profundas transformaçõ es ocorridas na sociedade brasileira nas ú ltimas décadas. Assim,
todas as religiosidades mais frequentes no campo religioso brasileiro, em especial aquelas com maior
presença nas metró poles brasileiras, travam importantes diálogos com o seu entorno urbano, com um modo
de vida marcado pelas consequências de nossa urbanização acelerada e pelas características de nossas
grandes cidades. Todas e quaisquer formas de religiosidade precisam ser estudadas pela antropologia,
compreendendo-as como práticas extremamente relevantes na vida dos sujeitos e parte integrante de seu
repertó rio e de ação no mundo das relaçõ es sociais e da cultura.

4.2.1 Os antropólogos por eles mesmos


Quais relaçõ es os antropó logos estabelecem com seus atores e sujeitos de investigação? Como isso se dá no
cenário urbano? Existem diferenças metodoló gicas tão gritantes entre antropó logos que estudam sociedades
não europeias e aqueles que realizam estudos at home (CHICARINO, 2014; HANNERZ, 2015), alguns deles
chamados de antropologia urbana?
No esforço de se diferenciar das demais antropologias, verificou-se nos estudos urbanos um reforço ao
estranhamento etnográfico e uma maior disciplina no processo de observação, tornando possível pesquisar
espaços, relaçõ es e atores sociais geograficamente pró ximos aos investigadores, contudo distantes no sentido
econô mico em sua fruição da cidade. Tal distanciamento deve ser captado pelos investigadores, em sua
tentativa de entender a cidade por meio de seus atores sociais.

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A realização de uma pesquisa antropoló gica no cenário urbano oferece desafios adicionais que os demais
antropó logos não enfrentam, pois o distanciamento de antropó logos que trabalham com sociedades não
europeias, como as populaçõ es indígenas brasileiras, por exemplo, é ímpar, havendo pouca ou nenhuma
familiaridade entre antropó logos e sujeitos de pesquisa de sociedades tradicionais, originalmente ágrafas. Nas
cidades surgidas da Revolução Industrial, o quadro é completamente diverso, exigindo do pesquisador em
antropologia urbana um olhar distinto para o fenô meno a que se propõ e estudar, mas mantendo as
prerrogativas da pesquisa antropoló gica: “qualitativa com o uso sistemático da observação participante,
entrevistas abertas, contato direto e pessoal com o universo investigado”. Também é importante um longo
contato direto com tais populaçõ es, abstraindo elementos simbó licos que não são imediatamente
apreensíveis na observação dos fenô menos, sendo aspectos “não explicitados” dos valores e da organização
social desse universo (VELHO, 1978, p. 36).
Outro ponto importante, mas de convergência entre diferentes antropologias, é a ideia de se colocar no lugar
do outro. Um dilema que reú ne dois importantes aspectos que são inerentes a todo trabalho de campo.
Confira!

Distância social
Transparece nas pesquisas urbanas, de quaisquer
matizes teó ricas, a exemplo dqueles que estudam
problemas urbanos, grupos populares ou
igualmente marginalizados.

Distância psicológica
Imprescindível para uma boa pesquisa de
observaçã o.

Ambos os aspectos, como define Roberto DaMatta, informam o “transformar exó tico em familiar e o familiar
em exó tico” (VELHO, 1978 apud DAMATTA, 1978). Tal transformação e valorização de certo estranhamento
não limitam a abordagem antropoló gica; pelo contrário, a estimulam, pois colocam em xeque processos
comunicativos, parte da alteridade, pondo em contato uma dimensão simbólica, presente em toda e qualquer
conduta humana.
Em outro trabalho, Gilberto Velho (1989, p. 7) sinaliza outras importantes posturas, comuns a todo
antropó logo que investiga o fenô meno da cultura:

[...] Tinha todas as preocupaçõ es de um antropó logo quando se defronta com seu objeto de estudo
– não ser etnocêntrico, vigiar seus preconceitos e, muito marcadamente neste caso, não ser
paternalista. Ou seja, embora tivesse meu gosto pessoal, minhas preferências e idiossincrasias em
termos de habitação, moradia etc., procurei controlá-las, embora nem sempre com sucesso.

Gilberto Velho (1989, p. 7) prossegue:

Essa atitude de procurar entender o ponto de vista do “outro” e de relativizar o seu constitui o
cerne do trabalho antropoló gico. Os maiores sucessos e insucessos estão ligados a essa maior ou
menor habilidade, capacidade, etc... que não é inata, mas fruto de experiência, tempo e esforço.

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Além das importantes questõ es sinalizadas por Gilberto Velho (1978; 1989), temos outras, igualmente
significativas, discutidas por Eunice Durham (2004) e Ruth Cardoso (2011), demonstrando facetas muitas
vezes não refletidas do trabalho de campo antropoló gico.

Figura 6 - Passo pú blico no Rio de Janeiro


Fonte: R.M. Nunes, iStock, 2020.

#PraCegoVer: escadaria no Rio de Janeiro. Chamada de “Passo Pú blico”, esta escadaria é colorida,
prevalecendo as cores verde e amarelo, além de vermelho, preto e branco. Além de pintadas, foram também
utilizados azulejos em mosaico, representando formas geométricas nestas cores.

Eunice Durham (2004) em A pesquisa antropológica com populações urbanas, de 1997, demonstra que, nas
ú ltimas décadas, houve uma proliferação de pesquisas antropoló gicas publicadas para um pú blico cada vez
mais amplo, sobretudo de estudantes universitários e com intensa aceitação. Isso aponta que os estudos
antropoló gicos e, em especial, aqueles que se situam sobre atores sociais urbanos, têm se tornado
imprescindíveis para a compreensão científica de inú meros fenô menos da sociedade brasileira
contemporânea, por exemplo a migração interna, os inú meros movimentos sociais e identitários, a
religiosidade, o lazer, os grupos populares etc. Durham sinaliza que outro fator que atrai estudantes e um
pú blico não especializado para a literatura antropoló gica é que “Estamos [...] produzindo uma nova e
intrigante etnografia de nó s mesmos” (DURHAM, 2004, p. 359).
A recente popularidade da antropologia surpreende a autora, que vivenciou, em seus anos de graduação, a
marginalização da ciência antropoló gica diante de suas “coirmãs” das ciências sociais, em especial, a
sociologia. Um fator determinante para tal marginalização era o fato da identificação da ciência antropoló gica
com sociedades indígenas ou ainda religiosidades afro-brasileiras, igualmente marginais na sociedade
brasileira e que eram vistas como pouco a contribuir para o entendimento das profundas modificaçõ es na
economia, política e, principalmente, no espaço urbano:

[...] a antropologia sempre demonstrou especial interesse pelas minorias despossuídas e


dominadas de todos os tipos (“índios”, negros, camponeses, favelados, desviantes e “pobres” em
geral) em detrimento de estudos dos grupos ou classes politicamente dominantes e atuantes.
Quanto aos temas, sempre revelou uma afinidade particular por aqueles que eram claramente

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periféricos à grande arena das lutas políticas: dedicou-se muito mais ao estudo da família, da
religião, do folclore, da medicina popular, das festas do que à análise do Estado, dos partidos, dos
movimentos sindicais, das relaçõ es de classe, do desenvolvimento econô mico. (DURHAM, 2004,
p. 360)

Evidentemente que tal quadro se alterou de forma significativa, havendo antropó logos estudando os mais
diferentes temas, inclusive o funcionamento dos poderes legislativo e judiciário, os laborató rios de pesquisa
científica avançada, o crime organizado etc. Outro fator importante para a crescente importância de trabalhos
antropoló gicos, sobre os mais diversos temas, é que as narrativas e os esquemas explicativos
“globalizadores”, sejam eles socioló gicos ou das ciências políticas, têm se tornado cada vez menos usuais,
trazendo às ciências humanas, em geral, uma crise em seus modelos explicativos e a necessidade de uma
revisão profunda de algumas de suas formas explicativas mais abrangentes, algo que a ciência antropoló gica
passa a todo o instante, dada a natureza da constituição de seu objeto e sua principal ferramenta de
relacionamento com o campo de estudos: a perspectiva etnográfica.
Também é importante entendermos que, com a crescente politização das populaçõ es com as quais os
antropó logos têm se relacionado, deve haver, da parte daqueles que se propõ em a discutir o singular universo
temático da antropologia, uma vigilância epistemoló gica mais apurada. Assim, ao pesquisarmos tais sujeitos,
precisamos entender que, em antropologia, trazemos à tona seus “discursos nativos” sobre os conflitos em
questão e a maneira pela qual esses sujeitos encaram tal conflito no plano de suas existências. Ao fazê-lo,
limitamos aquilo que Durham chama de “deslize semântico”, que trata de um hibridismo entre aquilo que é
vivido e experenciado etnograficamente com teorias mais abrangentes, muitas vezes estranhas ao universo
onde se dá a experiência de campo, diminuindo o rigor das preocupaçõ es com o fenô meno da cultura e a
mudança de uma observação participante para uma participação política do antropó logo no conflito político
propriamente dito (DURHAM, 2004, p. 367-369):

[...] O pesquisador raramente reside com a população que estuda [...], e não compartilha de suas
condiçõ es de existência, de sua pobreza, de suas carências, de suas dificuldades concretas em
garantir a sobrevivência cotidiana. [...] A língua não constitui barreira e a comunicação puramente
verbal predomina, ofuscando a observação do comportamento manifesto. A pesquisa se concentra
na análise de depoimentos, sendo a entrevista o material empírico privilegiado. Privilegiando-se
aspectos mais normativos da cultura, a técnica de análise do discurso assume importância
crescente. (DURHAM, 2004, p. 360)

A participação política do antropó logo em prol dos grupos com os quais se relaciona é sempre louvável;
todavia, não podemos perder de vista a especificidade de um trabalho científico em relação à ação política
direta. Ambos não devem ser misturados, pois podem vir a significar o sacrifício de uma das dimensõ es: a
antropoló gica ou a política. Não pode haver, sem consequências para a investigação antropoló gica, a
substituição da pesquisa pela ação política nas populaçõ es estudadas, “a efetiva transformação da observação
participante para a participação observante” (DURHAM, 2004, p. 369).
Os desvios semânticos observados por Durham (2004) também serão parte das preocupaçõ es metodoló gicas
de Ruth Cardoso (2011). Transparece nas preocupaçõ es da antropó loga o desaparecimento de importantes
conceitos das ciências sociais, por exemplo ideologia, classes sociais, proletariado etc. e sua substituição por
cultura, grupos populares, trabalhadores etc. Tais noçõ es não são equivalentes: as primeiras categorias são de
um universo explicativo distinto, que tem na práxis científica uma proposta de ação política, uma filosofia da
ação, que é estranha às práticas de pesquisa antropoló gicas, não podendo ser sobrepostas sem perder de vista
como antropó logos se relacionam, observam, descrevem e analisam os sujeitos em seu trabalho de campo,
trazendo-nos as representaçõ es sociais desses sujeitos acerca de suas vidas, por meio da etnografia, e não
submetendo suas existências a análises que não combinam com esse tipo de levantamento e experiência
metodoló gica (CARDOSO, 2011).

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Ruth Cardoso (2011) ainda nos alerta que as metodologias culturalistas, funcionalistas, estrutural-
funcionalistas e as estruturalistas, além das várias formas de marxismo, não foram pensadas para serem
aplicadas antropologicamente em populaçõ es que vivem em sociedades de classes (CARDOSO, 2011, p. 121).
Os fenô menos ideoló gicos, embora possam ser percebidos no plano das existências desses sujeitos, não são
por eles diretamente manipulados, sendo obras de outrem, fazendo com que pesquisadores confundam típicos
fenô menos ideoló gicos de uma sociedade industrial com as representaçõ es sociais que esses atores têm de si
mesmos e da forma como experienciam sua realidade. Também há as limitaçõ es da Escola de Chicago, ao
imaginar fenô menos urbanos típicos dos Estados Unidos como variáveis universais de urbanismo,
esquecendo-se de que o fenô meno urbano é distinto nas mais diferentes sociedades, assim como os impactos
dos movimentos migrató rios e das relaçõ es étnico-raciais, devendo ser particularizados dentro de cada
sociedade (CARDOSO, 2011, p. 125). Ruth Cardoso concorda com Durham (2004) acerca das possibilidades
dos “deslizes semânticos” e dos riscos de uma abordagem antropoló gica irrefletida, transformada em ação
política direta, em que a observação participante torna-se participação observante, declinando de trazer à tona
a maneira pela qual os sujeitos efetivamente vivenciam sua realidade social, humanizando-se nesse processo
dialético e dialó gico de serem produzidos por sua cultura enquanto a produzem coletivamente.
Urpi Montoya Uriarte (2012), em seu trabalho O que é fazer etnografia para os antropólogo?, traz à tona a
importância de tais debates, rediscutindo as propostas de Velho (1989), Durham (2004) e Cardoso (2011),
entre outros, demonstrando a importância que a abordagem etnográfica ganhou fora dos circuitos
exclusivamente antropoló gicos, sendo realizada por pesquisadores da área de Educação, Filosofia, Geografia e
até na área dos Negó cios (URIARTE, 2012). Uriarte também se surpreende com as possibilidades de que, em
um mundo multicultural como o nosso, haja tantos pesquisadores propostos a “etnografar” seus objetos.
Todavia, Uriarte discute a especificidade que a etnografia ganha no trabalho antropoló gico, não sendo apenas
uma metodologia de pesquisa qualquer, mas seu “coração”, uma “teoria vivida” (URIARTE 2012 apud PEIRANO
2008, p. 3). Afirmar que a etnografia é teoria vivida implica trazer à tona um fazer etnográfico que tem contato
direto com o emaranhado do cotidiano e dos valores dos sujeitos com os quais os antropó logos se relacionam
em campo, que não são objetos de pesquisa ou, ainda, alvos de um método frio, no sentido positivista, mas
atores permanentes de suas pró prias vidas, captadas pelo olhar do antropó logo.
Aqui, mais do que nunca, teoria e prática etnográfica são inseparáveis; o saber-fazer etnográfico é submetido
às teorias que interpretam os fenô menos culturais, sendo indissociáveis. O trabalho de campo não submete a
teoria, mas tem relaçõ es dinâmicas com a realidade social, acarretando novas soluçõ es e abordagens
metodoló gicas e teó ricas. A pesquisa de campo sempre deve vir a nos surpreender, trazer novas indagaçõ es e
promover, a um só tempo, uma verdadeira “microrrevolução” no paradigma antropoló gico, alargando nossas
consideraçõ es acerca do fenô meno humano:

[...] os discursos e práticas nativos devem servir, fundamentalmente, para desestabilizar nosso
pensamento (e, eventualmente, nossos sentimentos). Desestabilização que incide sobre nossas
formas dominantes de pensar, permitindo ao mesmo tempo, novas conexõ es com as forças
minoritárias que pululam em nó s mesmos. (GOLDMAN, 2012)

É importante frisar que a etnografia não é “propriedade” da antropologia, mas tem com esta uma relação
distinta, discussõ es pró prias e um modo singular de realizar um trabalho de campo que retira do sujeito de
investigaçõ es seu lugar comum, os seus estereó tipos e preconceitos, alargando sua compreensão da alteridade
desse “outro’, com o qual apreende sua dimensão humana e da pró pria cultura da qual o antropó logo é
originário.
Outras reflexõ es são importantes para pensarmos os antropó logos por eles mesmos. José Guilherme C.
Magnani (1993 e 2003) demonstra a importância da devida reflexão e cuidados com a especificidade da
ciência antropoló gica e de suas propostas para o entendimento da realidade cultural. Em seu importante artigo
“Tribos urbanas: metáfora ou categoria?”, de 1993, demonstra que, embora os meios de comunicação
utilizassem categorias antropoló gicas estranhas ao universo urbano, é importante repensarmos não apenas

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sua utilização, como metáforas de existência de alguns grupos e suas sociabilidades, e os limites de sua
utilização, sendo vedadas a extrapolação de seu uso como mecanismos de explicação da realidade cultural da
experiência de grupos juvenis no espaço urbano.

VOCÊ QUER VER?


Confira uma videoaula de José G. C. Magnani, na Escola da Cidade de Arquitetura &
Urbanismo de Sã o Paulo, retomando as contribuições da antropologia, em especial da
antropologia urbana, para a compreensã o de vá rios fenômenos culturais da cidade, em
particular da megalópole paulista. Acesse: http://escoladacidade.org/bau/jose-
guilherme-magnani-antropologia-e-cidade/.

A ambiguidade da utilização do termo “tribos urbanas” demonstra a pró pria dificuldade pela qual o senso
comum se vê diante da explicação de fenô menos culturais desses grupos juvenis, seus embates, processos de
diferenciação, conflitos e, em muitos momentos, desafio aberto às regras e às normas estabelecidas pela
sociedade mais ampla, sendo completamente distintos dos fenô menos e daquilo que efetivamente
representam em seus contextos originais.
Em outro texto (2003), Magnani demonstra o esforço e o desafio da antropologia urbana, resguardando-se de
certa “tentação de aldeia” (MAGNANI, 2003 apud MAGNANI; TORRES, 2000). Nesse ú ltimo caso, Magnani
sinaliza que a aldeia indígena não é modelo para se pensar e realizar pesquisas antropoló gicas em cenários de
profunda heterogeneidade e desigualdades sociais, típicos de uma cidade.
Para Magnani (2003), a grande contribuição da antropologia urbana é a pesquisa acerca das dinâmicas
culturais, de lazer, sociabilidade etc. que afastam não só a “tentação da aldeia” mas também limitam
comparaçõ es, infelizes, com outros fenô menos típicos de civilizaçõ es completamente distintas. O que une
diferentes antropologias é o seu método etnográfico e sua ênfase no trabalho de campo, um “emparelhamento”
da análise científica com o vivido (MAGNANI, 2003 apud MERLEAU-PONTY, 1984) e uma experiência
marcante, na vida do antropó logo, em sua proposta de compreender e trazer à tona experiências de alteridade
(MAGNANI, 2003 apud LÉ VI-STRAUSS, 1991).
Contra toda e qualquer forma de se homogeneizar fenô menos marcantes de diferença, Magnani retoma as
premissas de sua pesquisa de doutoramento (2003), na qual levanta uma série de classificaçõ es e regras, a
exemplo de suas categorias de “pedaço”, “mancha” etc. que demonstram a visão de pertencimento a uma
localidade, que, mesmo submetida a uma ló gica perversa de exploração econô mica e de segregação urbanas,
ainda é o espaço importante de humanização desses e de vários outros atores sociais.

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Porém, o mais importante, como nos informa Magnani, é um olhar distinto, um “olhar de perto e de dentro”,
que viabiliza o contato e a apreensão do antropó logo das pró prias práticas dos sujeitos, de suas experiências e
das formas como elas as concebem, transitando entre suas “teorias nativas” e as hipó teses que o pesquisador
carrega e também vai se depreendendo em sua jornada de investigação (MAGNANI, 2002).

4.3 Pesquisas de campo: retomando a experiência


etnográfica como a arte de se conhecer a alteridade
José Guilherme C. Magnani (1992), com base em seu trabalho de doutoramento, retoma sua pesquisa acerca de
locais de encontro, sociabilidade e lazer. Ao categorizar tais práticas e os espaços onde ocorrem essas
relaçõ es, Magnani nos orienta à importância da pesquisa etnográfica, nas diferentes formas de se apreender as
dinâmicas da cidade, em uma antropologia da cidade e uma antropologia na cidade, destacando, também, a
importância de se ouvir os atores sociais no momento de circunscrever, no espaço, determinadas práticas, que
não devem levar em consideração os discursos e as territorialidades hegemô nicas, valorizando, na verdade, os
discursos dos sujeitos sobre si mesmos e os lugares que ocupam (MAGNANI, 1992).
Entretanto, tais sociabilidades não podem ser dissociadas do modelo de existência objetivo, isto é, as relaçõ es
capital/trabalho existentes, tanto em nível local quanto em nível global. As cidades, as quais algumas hoje já
alcançam uma escala maior do que qualquer metró pole europeia ou norte-americana do início do século
passado, estão, assim como seus atores, conectadas. Tal conexão não é uniforme ou tampouco se desenvolve
no mesmo plano, havendo hierarquias de cidades (MAGNANI, 2013 apud SASSEN, 1991) e também diferentes
formas de se conectar nessa “economia mundo”. Cidades como São Paulo pertenceriam ao universo das
“megacidades”, embora subalterna em relação às “cidades globais” de primeira grandeza, que organizam fluxos
de mercadorias, serviços, tecnologias e de pessoas (MAGNANI, 2013).
A existência de tais fluxos não limita a análise antropoló gica; apenas a reposiciona diante da relação entre
fenô menos locais e globais, sendo que os fenô menos mais pró ximos dos sujeitos, ou naqueles onde eles
imediatamente se encontram, são o palco onde se realiza e exercita a pesquisa etnográfica (MAGNANI, 2013).
A cidade ainda poderia, citando Lévi-Strauss, revelar-nos “misteriosos elementos”, que teimam por existir
(MAGNANI, 1999 apud LÉ VI-STRAUSS, 1996, p. 116). E é no espaço de uma imensa heterogeneidade e
diversidade que as pesquisas antropoló gicas urbanas encontram seu terreno mais fecundo:

[...] A presença de imigrantes, visitantes, moradores temporários, refugiados e de minorias; de segmentos


diversificados com relação a orientação sexual, necessidades especiais, identificação étnica ou regional, preferências
culturais e crenças [...] toda esta diversidade leva a pensar não na fragmentação de um multiculturalismo difuso, mas
na possibilidade de sistemas de trocas em outra escala, com parceiros até então impensáveis, ensejando arranjos,
iniciativas, experiências e conflitos nas mais diferentes matizes. (MAGNANI, 2013 )

O trabalho de campo etnográfico possibilita, mesmo diante de novas e inesgotáveis realidades urbanas, a
afirmação do “lugar antropoló gico, um espaço simultaneamente princípio de sentido para aqueles que o
habitam e princípio de inteligibilidade para quem o observa” (MAGNANI, 2013 apud AUGÉ , 1994, p. 51).
A etnografia é uma prática e uma experiência que em muito suplanta a mera tentativa de obtenção de dados
(MAGNANI, 2009). Ao longo de seu trabalho, Magnani deixa claro que, se o antropó logo não vier a refletir
sobre a sua pró pria pesquisa, não conseguirá explicitar a experiência da alteridade que o pró prio autor
demonstra ao adentrar o mundo dos surdos na cidade de São Paulo (MAGNANI, 2009). E, fechando todo esse
arco, ele discorre sobre a totalidade de todo o círculo de informaçõ es coletado em sua pesquisa:

[...] Essas totalidades são identificadas e descritas por categorias que apresentam, conforme já
afirmado, um duplo estatuto: surgem a partir do reconhecimento de sua presença empírica, na
forma de arranjos concretos e efetivos por parte dos atores sociais, e podem também ser descritas
num plano mais abstrato. Nesse caso, constituem uma espécie de modelo, capaz de ser aplicado a

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contextos distintos daquele em que foram inicialmente identificados. São, portanto, resultado do
pró prio trabalho etnográfico, que reconhece os arranjos nativos, mas que os descreve e trabalha
num plano mais geral, identificando seus termos e articulando-os em sistemas de relaçõ es.
(MAGNANI, 2009)

Já Roberto Cardoso de Oliveira (1928-2006), em seu Olhar, ouvir, escrever (2000), demonstra que todo o
exercício de conhecimento antropoló gico está profundamente ligado à manifestação de uma aproximação
cognitiva, sensível e empírica com a alteridade, em que o Olhar, porta de entrada para o “objeto”, obtém as
primeiras impressõ es sobre a alteridade, condição para o exercício da pesquisa antropoló gica. Depurar o
olhar, afastar os preconceitos é o refinamento metodoló gico que possibilita o estranhamento e a relativização
(VELHO, 1989). O Ouvir é parte integrante desse processo de conhecimento, abrindo espaço para o
aprendizado do antropó logo do universo outro, tornando-o noviço para o entendimento que aqueles atores
sociais possuem de sua pró pria realidade. Por fim, no Escrever ganham corpo o registro, o catálogo, a análise e
o alinhamento do trabalho de campo com as teorias, que, por sua vez, também possibilitam a realização da
leitura do mundo de outrem (CARDOSO DE OLIVEIRA, 2000, p. 31-32).

Figura 7 - Estudantes universitários brasileiros em ato contra o governo


Fonte: Dado Photos, Shutterstock, 2020.

#PraCegoVer: manifestação na Avenida Paulista contra o Governo Federal. Os manifestantes levam vários
cartazes. Em um deles, está escrito: “Não fazemos balbú rdia, fazemos ciência”.

Retomando as contribuiçõ es de Vagner Silva (2000), verifica-se a importância de se estabelecer uma


antropologia dialó gica com os sujeitos de investigação. Tal antropologia dialó gica é construída durante o
trabalho de campo etnográfico, no processo de escrita, tanto do diário de campo quanto das fases seguintes,
como os relató rios de qualificação e o texto final, dividindo a produção textual do antropó logo com os sujeitos
com os quais ele travou esse contato mais prolongado de campo. O objetivo de Vagner Silva é discutir as
relaçõ es de poder, inerentes a toda e qualquer investigação etnográfica, mas que aqui são trazidas à tona,
explicitando e colocando sob o juízo dos investigados aquilo que é feito a partir de uma relação entre

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diferentes sujeitos. Ao trazer seus investigados para a leitura de seus textos, Vagner Silva busca uma discussão
metodoló gica sobre a figura dos “informantes”, inerente em toda etnografia, recolocando-os em um lugar de
prestígio e de troca, para além do campo, propriamente dito, mas na escrita final do texto antropoló gico
(SILVA, 2000).

Figura 8 - Diário de campo, importante ferramenta de registro da experiência etnográfica


Fonte: Sibrikov Valery, Shutterstock, 2020.

#PraCegoVer: fotografia de um diário de campo antropoló gico. Trata-se de um diário bem antigo e que guarda
importantes informaçõ es que o pesquisador registrou de seu trabalho de campo etnográfico.

Diferentemente de outras abordagens, principalmente as mais clássicas e fundadoras da disciplina, Vagner


Silva propõ e explicitar que toda e qualquer relação que torna possível um texto antropoló gico é uma
experiência mú ltipla, muitas vezes multifacetada, em que os sujeitos investigados, agentes de seu pró prio
saber e cotidiano, pouco ou nada sabem acerca do que foi feito da observação, da descrição, da análise, do
registro ou ainda das gravaçõ es e das entrevistas que ofereceram para a figura do antropó logo. A reflexão de
Vagner Silva é importante, porque demonstra um olhar distinto do trabalho de campo e do universo
investigado; afinal, ele mesmo era oriundo de religiõ es de matriz afro, procurando avaliar as relaçõ es entre os
espaços de culto e os de conhecimento, suas relaçõ es, tramas e ramificaçõ es (SILVA, 2000).
Aqui, fica explícito que a “magia” produzida por todo antropó logo, seu conhecimento, a partir de seu “retorno”
do universo de pesquisa, são tributários de uma experiência relacional local, de práticas que os atores
promovem e sustentam em seu esforço de esclarecer os mais diferentes aspectos da vida, que, apreendidos a
partir de seus olhares, são compartilhados com um “estranho” que vem apreendê-las e discuti-las na
academia, nos ó rgãos de imprensa, em políticas pú blicas e, de qualquer forma, retornam, de forma vívida, à
pró pria comunidade que os gerou.

Conclusão

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Nesta unidade, vimos as preocupaçõ es de grupos médios em um icô nico bairro carioca, Copacabana.
Verificamos, ainda, a importância da religiosidade afro-brasileira na conformação de nossa identidade e
símbolos nacionais, além do debate acerca da importância da etnografia como prática e experiência que
possibilita ao antropó logo o esclarecimento da alteridade e de como esta é a base da riqueza cultural. Por fim,
foi possível compreender que a diversidade de abordagens antropoló gicas por meio do trabalho de campo
etnográfico consistem na tentativa de se explicar e interpretar a diversidade sociocultural, inerente a qualquer
grupo social.
Nesta unidade, você teve a oportunidade de:
• aprofundar seus conhecimentos sobre grupos médios, seu
imaginário acerca de sua condição social e sua relação com um
importante bairro da cidade do Rio de Janeiro;
• participar de um debate acerca da importância dos cultos afro-
brasileiros para a conformação da identidade nacional brasileira;
• compreender a importância da etnografia e de sua crítica
metodológica permanente na pesquisa antropológica;
• retomar algumas importantes sugestões de abordagem dos
fenômenos culturais na cidade; campo da antropologia urbana;
• apreender a diversidade das abordagens etnográficas,
experiência e relato de campo que possibilita um conhecimento
acerca da alteridade e do olhar que esses outros atores sociais
detêm acerca da sua existência e da dos demais.

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