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CIDADE E HISTÓRIA
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
06-9542 CDD-307.76
CIDADE E HISTÓRIA
Ih EDITORA
Y VOZES
Petrópolis
© 2007, Editora Vozes LtJa .
Rua Prci Luís , I 00
25689-900 Petrópolis, RJ
Internet: http:/ /www.vozes.com.br
ISBN 978-85-326-3445-0
l'refácio, 7
Conclusão, 107
Referências bibliográficas, 1 13
Prefacio
7
possam iniciar a sua caminhada com maior consciência do vasto
campo teórico que terão à sua frente, c dentro do qual farão as esco-
lhas necessárias para os estudos pretendidos.
Espera-se que a obra possa ser de utilidade para estudantes uni-
versitários e pós-graduandos de História, Urbanismo e Ciências
Sociais, e que também possa contribuir para os professores destes
vários campos oferecendo textos didáticos para o estudo da cidade
como forma específica de organização social.
A
1
A EMERGÊNCIA DA REFLEXÃO
SOBRE A CIDADE
Por um lado, ainda não havia surgido nos períodos anteriores o in-
lcrcsse de desenvolver uma reflexão sobre o fenômeno urbano que es-
1ivcsse mais firmemente ancorada em uma investigação sistemática,
L'll1 métodos apropriados, em teorizações capazes de compreender a
9
rill'l(IIÍ:ts SOCÍíiÍS. ÂSSÍIII, podl' -Sl' dil.l'l" l(lll' , dl' Ollti"O líldO, l'lllhOI"íl li
10
um nlllllllo urbano l'lll vias dl' se supl'l"povoar passava a oeupm nos
dl'sl inos humanos com a emergência das sociedades industriais. O
pr(>prio termo "urbaniza~ão" aparece em uma de suas primeiras
lonnulações em 1860, proposto pelo arquiteto espanhol Ildelfonso
('crua. Ele é também o autor da primeira obra, neste campo, que
discute os desdobramentos sociais da industrialização, preocupan-
do- se em elaborar uma Teoria geral da urbanização (186 7) 1•
Para o afloramento destes vários interesses nos tempos moder-
nos contribuíram, como se disse, os processos acelerados de urba-
nização e industrialização. Foi diante deste novo mundo urbano que
ao mesmo tempo o fascinava e o ameaçava- fenômeno que por ou-
tro lado ajudou a gestar a contrapartida romântica de uma literatura
evasiva que apregoava o regresso à natureza- que o homem oci-
dental também se pôs a refletir cientificamente sobre a cidade. Bus-
cava, talvez, compreender os problemas específicos deste habitat ao
qual boa parte da humanidade parecia destinar-se. Queria refletir
sobre a organização da vida citadina, sobre as origens imemoriais
do fenômeno urbano, e sobre as formas históricas de urbanização-
talvez na ânsia de legitimar aquela nova forma de urbanização à
qual a sua civilização parecia estar cada vez mais confinada.
Para além disto, o século XIX trouxera novas lutas sociais, mui-
tas das quais plenamente desenvolvidas nos meios urbanos. O sécu-
lo dos primeiros impulsos acelerados de industrialização era tam-
bém o século das utopias, dos ideais revolucionários por diversas
vezes traídos, das barricadas erguidas e destroçadas nos convulsio-
nados ambientes urbanos europeus. Herdeiro dos sonhos iluminis-
tas e dos pesadelos revolucionários, da crença oitocentista no pro-
gresso e da sua adaptação a um mundo que não excluía grandes de-
11
ccp<Sõcs, o século XIX gcstara sÍIIIllllallcamcnlc o pos111v1smo c
marxismo. Desejos de legitimar ou Je transformar o novo mundo
moderno, dentro do qual a cidade desempenhava um papel capital,
produziam ambigüidades diversas, confrontações múltiplas, pro-
postas de combinar uma atitude e outra.
Ainda vigorava amplamente, nos meios filosóficos e científicos,
uma mentalidade evolucionista: o século XVIII fora o Século das Lu-
zes, que muitos contemporâneos quiseram ver como a etapa maior
na evolução da humanidade; mas seria o século XIX quem assistiria
ao impacto das idéias de Charles Darwin acerca da Origem das es-
pécies através da seleção natural (1859). No transplante das idéias
do evolucionismo natural para o mundo humano, e sobre as cinzas
da Fênix iluminista, abria-se a possibilidade de se pensar a cidade
como uma etapa mais avançada do desenvolvimento humano, ou
até a cidade especificamente ocidental como uma forma mais evolu-
ída de urbanismo para a qual deveriam convergir historicamente
formas urbanas menos elaboradas. O urbanismo ocidental apresen-
tava-se para muitos como modelo a ser alcançado por outras civili-
zações, o que desqualificava os modelos urbanos diferenciados das
sociedades orientais. Esta perspectiva eivada de etnocentrismo co-
meçaria a ser questionada num futuro não muito distante, no seio
da grande crise de descentramento que se abateria sobre o homem
ocidental moderno no século XX. Mas naqueles primeiros momen-
tos da reflexão urbana muitos passaram a enxergar a cidade como
um destino, ou até mesmo como uma etapa evolutiva.
Do mesmo modo, das mutações desencadeadas pela Revolução
Francesa começavam a emergir naquele tempo novas disposições
estatais, um novo conceito de "nação", novos padrões de desenvol-
vimento institucional. Os intelectuais do século XIX eram concla-
mados a trabalhar para o Estado na montagem dos seus mecanis-
mos institucionais fundamentais, na sua legitimação, na produção
de sua memória. Florescem a partir daí as bibliotecas e arquivos, re-
12
ltdllplllm ·Sl' IIS 11111 i~IIS lllliVl'rsid:~des, cri:llli·Se IIOV:IS disciplinas C
pnílicas :le&tdêmicas. Fra preciso lambém legitimar o mundo mo-
derno, o mundo do capital - um mundo que encontrava na cidade a
sua armadura mais adequada.
Na ânsia de encontrar uma racionalidade para este complexo
mundo que os próprios seres humanos criaram, desenvolvem-se no-
vos campos como o da "economia clássica", buscando formular racio-
nalmente as leis de mercado e compreender os mecanismos de fun-
donamento do capitalismo. Marx parte da mesma preocupação de
compreender o mundo do capital, mas por um outro viés, e incorpora
na sua linha explicativa a idéia da luta de classes, o compromisso com
a mudança dialeticamente determinável, e por outro lado a esperança
de um mundo socialmente mais justo. Lança por seu turno as bases
para uma reflexão sobre a relação dinâmica entre a cidade e o campo,
c principalmente coloca a história no centro das possibilidades de
compreender a trajetória e os destinos da humanidade.
É a partir deste con texto diversificado, abarcando pontos de vis-
la e expectativas tão distintas, e no entanto produtos do mesmo sé-
culo de fascínios e decepções diante das possibilidades humanas e
sociais, que se produziram as primeiras reflexões sobre a cidade no
mundo moderno.
13
mcno urbano - c Jo próprio Engels ( 1820- 18l)5), que chega a re -
fletir sobre aspectos da psicologia c Jo cotidiano citaJino'. a granJc
preocupação dos estudiosos oitocentistas do fenômeno urbano é vi-
sivelmente relativa às suas bases institucionais.
Dentre aqueles que refletiram sobre os aspectos institucionais
da questão urbana no século XIX, alguns autores mostram uma ten-
dência a entender a cidade não como um estado derivado da nature-
za, mas como uma parte da própria natureza. Procuram entender a
origem da cidade a partir da associação de agregados e células sociais
básicas, como a família, ou outros agregados elementares que dari-
am origem às formações mais complexas que corresponderiam às
"instituições". Em perfeita conformidade com os interesses dos
granJes Estatlos que buscam legitimar neste período as suas institui-
ções, para estes autores pioneiros a cidade parece se constituir es-
sencialmente, e por vezes até exclusivamente, em torno de institui-
ções sociais.
A preocupação com as origens institucionais da cidade remete
ao interesse de alguns historiadores oitocentistas ao estudo da Anti-
güidade. Não é a toa que surge em 1864 a obra já clássica de Fustel
de Coulanges, denominada A cidade antiga 4 • Nesta, suas preocupa-
ções com vistas ao entendimento do fenômeno urbano são bastante
explícitas: família, propriedade privada e religião.
Para Fustel de Coulanges, a cidade constitui-se em torno de
Instituições Sociais. "Há três coisas que, desde a idade mais antiga,
encontram-se solidamente fundadas e estabelecidas nas sociedades
gregas e itálicas: a religião doméstica, a família e o direito à proprie-
dade; três coisas que tiveram entre si, na origem, uma relação mani-
festa e parecem ter sido inseparáveis" (p. 65). Nesta linha de refle-
14
xm·s, l·ustl'l tk· <..'oulall~l'S foi 11111 dos primeiros autores a chamar
all'n~.;ao para o papel da religião como um dos fundamentos da cida-
de. Afirma, por um lado, que a cidade formou-se a partir dos suces-
sivos agregados desta célula primária que é a família.
Por outro lado, Fustel de Coulanges chama atenção para o fato de
que teria sido o sentimento religioso o que levara os homens a estabe-
lecerem relações de solidariedade. "O culto dos antepassados agru-
pou a família à volta de um altar. Daí a primeira religião, mas também
a propriedade estabelecida, a ordem fixa da sucessão. Depois a cren-
ça alargou-se e, da mesma forma e ao mesmo tempo, a associação. À
medida em que os homens sentem que existem para eles divindades
wmuns, vão se unindo em grupos cada vez mais extensos. As mes-
mas regras encontradas e estabelecidas para a família aplicam-se su-
cessivamente à pátria, à tribo, à cidade" (p. 165-166).
Este primeiro modelo institucional de análise historiográfica so-
bre as origens e a natureza do fenômeno urbano teria sucessores no
luturo, mesmo que introduzindo críticas às formulações de Fustel
de Coulanges. Apenas para dar um exemplo do século seguinte, já
marcado pela preocupação com o indivíduo mas ainda alicerçado
na preocupação com as instituições primordiais, tornaram-se notó-
rias as críticas de Gustave Glotz ao historiador francês 5 • Chega a
criticar a metodologia aplicada por Fustel de Coulanges, que teria
caminhado "sem sair do mesmo sítio, colocando a família no centro
de uma série de círculos concêntricos".
A resposta de Glotz ( 1928) à busca das origens institucionais da
cidade é outra. Por um lado, tem o mérito de tentar estabelecer um
"modelo conflitual de evolução da cidade". Por outro lado, introduz
o indivíduo como elemento ativo na constituição do fenômeno ur-
bano. "Não são duas as forças que veremos em luta, a família e a ci-
5. Gustnvo GLOTZ. T/10 greeck city and its institutions. Paris, 1928.
15
Jade, mas três: a família, a cidade c o indivíduo. Cada uma dclas foi
se tornando sucessivamente predomimmte. No primeiro momento a
história das instituições é formada por famílias que conservam ciosa-
mente o seu direito primordial e submetem todos os outros membros
ao seu interesse coletivo; no segundo, a cidade subordina a si as famí-
lias chamando em sua ajuda os indivíduos libertados; no terceiro, os
excessos do individualismo causam a ruína à cidade, a ponto de se
tornar necessária a constituição de Estados mais vastos."
Retornando àqueles que refletiram sobre a questão urbana no
século XIX, podem ainda ser registradas outras obras marcadas pe-
las preocupações institucionais, muitas vezes ancoradas na vincula-
ção profissional dos historiadores que as produziram às instituições
estatais. Um exame da produção historiográfica sobre períodos es-
pecíficos, como o Medieval ou o da modernidade do Antigo Regi-
me, pode contribuir para dar uma idéia de como as investigações
acerca de formações urbanas específicas encontram-se no século
XIX penetradas de todos os lados por uma história predominante-
mente, senão exclusivamente, institucional.
Um exemplo típico é a obra historiográfica explicitamente insti-
tucional de Labande, denominada Histoire de Beauvais et de ses ins-
titutions communales ( 1892). A história de Reinecke ( 1896) sobre
a cidade de Cambrai mantém-se na mesma linha 6 • São obras em ge-
ral minuciosas, descrevendo em detalhe as instituições citadinas e a
organização municipal. Gregorovius, por seu turno, desenvolve uma
minuciosa História da cidade de Roma na Idade Média em oito vo-
lumes7. A preocupação com o sistema de propriedade aparece em
G. des Marez, com seu Étude sur la propriété fonciere dans le ville
du Moyen Age et spécialement en Flandre ( 1898).
16
Outro I..'Xl'lllplo d:íssil:o, mas j:í de unw hisluriugrafia que tnes -
1110 no inkio do século seguinte perpetuava a tradicional reflexão
17
em termos da população dt:.H..Iina que ela abriga. llaveria uma cul -
tura urbana, ou uma caracterologia fundamental do citadino? Ou a
cidade abre-se para uma miríade de subculturas urbanas? As ques-
tões perdem-se no infinito [ ... ]. São talvez os indícios de uma nova
tendência a enxergar a cidade a partir de uma multiplicidade de as-
pectos e que, no decurso do século XX, passa a instigar nos sociólo-
gos e historiadores as mais variadas imagens para uma aproximação
do fenômeno urbano. Reconhecer estas diversificadas bases imagi-
nárias a partir das quais se lança o estudioso, nos seus esforços de
perceber o fenômeno urbano, constituirá um ponto de partida parti-
cularmente interessante para construir um panorama sobre a refle-
xão urbana no século XX.
18
2
As IMAGENS DA CIDADE NA
REFLEXÃO URBANA
19
cem contatos via internet "navegam na reue", e em nenhum mo -
mento isto prejudica nem a objetividade nem a intersubjetividauc de
suas relações interativas.
Por outro lado, a metáfora empregada- a forma externa medi-
ante a qual se expressa ou se constitui determinado pensamento -
também ela ajuda a reformular este mesmo pensamento, a recondu-
zi -lo para uma determinada direção mental sem que nem sempre o
seu usuário disto se aperceba.
No que concerne ao esforço de compreensão do fenômeno ur-
bano, diversas imagens têm sido empregadas desde tempos imemo-
riais , cada qual acarretando em benefícios e limitações. A metáfora
do ímã, por exemplo, tem sido particularmente simpática aos eco-
nomistas contemporâneos e aos demógrafos. Pólo de atração, a ci-
dade absorve homens e mercados 1 • Por outro lado, o "poder mag-
nético" das cidades remete às noções de centro e periferia, parti cu-
larmente no que concerne à região a elas adstritas. Desta forma, o
geógrafo R. E. Dickinson ( 1964) -que também trabalhou interdis-
ciplinarmente com a História ( 1971) - observa que "cada centro
age como se fosse um ponto focal, situado na confluência de vias e
correntes de tráfego por meio das quais se liga à área circundante
que constitui o seu corpo de associação".
,.
1. Atentando para o paradoxo deste "poder magnético da cidade" , Paul Goodman cri-
tica a tese de que a urbanização seja decorrência natural do desenvolvimento tecnoló-
gico: "É como se, por força de uma lei- a metáfora preferida é a da cidade como ímã-
75% dos americanos devessem viver em 1990 em densas áreas metropolitanas. E, ao
contrário disto, não é de modo nenhum verdade que a urbanização seja uma necessi-
dade técnica. Pelo contrário, o impulso da tecnologia contemporânea- isto é, a eletri-
cidade, novas fontes de energia, automóveis, comunicações de longa distância e au-
tomatização- vai em direção da desurbanização, do descentramento quer da popula-
ção quer da indústria. Este era o pensamento de Marx e Engels [ ... ] de Kropotkine,
Geldes, F.L. Wright, e de tantos outros entusiastas da tecnologia científica. A verdade
é que a urbanização não fica a dever-se a causas tecnológicas, ou naturais ou sociopsi-
cológicas, mas a uma economia e a uma política que não tomam em linha de conta os
custos sociais" (Paul & Percival GOODMAN, 1970, p. 16).
20
1\ssim, 11 cidadl' L'stahl'IL'Cl' rl'l<u~l">l's com o campo circunuante,
mas também com outras ciuaues. Noções como "retículo urbano" e
"a rmadura urbana" têm siuo empregadas para dar conta de todo
um conjunto Jc determinadas cidades pertencentes a uma mesma
<Ín:a geográfica (MERCADAL, 1965). Já o conceito de dominância
111C'Iropolitana procura dar conta "do poder político-econômico de
<ilgumas cidades relativamente ao resto do território entendido co-
mo um sistema social global" (BOGUE, 1949).
Por outro lado, para fugir à linearidade que a noção "centro-peri-
feria" pode evocar, Sorokin e Zimmerman (1929) elaboram o concei-
to Je continuum urbano-rural, na ânsia de dar forma à dinamicidade
de relações existentes entre as duas realidades. No campo do aspecto
da Jinamicidade também se acham as imagens que procuram enfati-
t.ar a dimensão da cidade como lugar privilegiado para as trocas. As-
sim, para Fernando Braudel "as cidades são como transformadores
l'létricos: aumentam as tensões, precipitam as trocas, caldeiam cons-
tantemente a vida dos homens" (BRAUDEL, 1967)2.
Conforme se vê, as imagens e metáforas empregadas pelos cien-
tistas sociais carregam já dentro de si certas potencialidades e limi-
tações que devem ser manejadas com vistas a determinadas finali-
daucs, ou em função da constituição de determinados objetos. À
medida que se produzem novos métodos, novas abordagens, ou no-
vas perspectivas dentro de cada disciplina, uma nova imagem pode
L'lllergir ou uma antiga metáfora pode ser revalorizada.
21
pactante. Ainda que, em sua estrutura física, nenhuma cidade seja
tão imensa quanto a Muralha da China, ou que um sistema urbano
específico esteja longe de ter a abrangência espacial e social de um
sistema de telefonia com seus infindáveis fios que recobrem espaços
incomensuráveis, uma cidade é seguramente o maior artefato pro-
duzido pelo homem que pode ser apreendido a determinada distân-
cia pelo olhar contemplativo (é bom lembrar que a "Muralha da
China" só pode ser percebida de maneira compacta e totalizante se
o observador estiver situado a uma distância extraordinária, como
por exemplo na Lua). Witold Rybczynski3 observa que, enquanto
uma rede de telefonia é um imenso artefato que permanece relativa-
mente invisível para os homens, a cidade deve muito de seu podero-
so impacto no imaginário social ao atributo de poder ser contempla-
da em toda a sua grandeza e totalidade pelo olho humano, desde
que tomada a devida distância 4 • A cidade, neste sentido, seria o
maior artefato produzido pelo homem que pode ser integralmente
apreendido pelo olhar comum.
Seria de se perguntar antes de mais nada pelas formas que pode
assumir o artefato urbano na sua própria origem, pelos seus modos
de funcionamento, pelos seus padrões de transformação. Estas ques-
tões, a serem discutidas mais adiante, permanecem indelevelmente
ligadas. De imediato, é bom lembrar que uma determinada imagem
do que seja ou deva ser a cidade pode estar implicada na sua própria
formação primordial e nas suas subseqüentes transformações. Os
próprios homens que se unem para constituir uma cidade já come-
3. Witold RIBCZVNSKI. Vida nas cidades: expectativas urbanas no Novo Mundo. Rio de
Janeiro: Record, 1995.
4. "O sistema telefônico é imenso mas invisível, e apenas uma parte da Grande Mura-
lha ou do Canal do Panamá podem ser vistos de uma vez; a imensidão destas inven-
ções faz com que elas só sejam apreendidas pela imaginação. Mas uma cidade pode
ser vista inteira de uma vez. Daí por que as vistas panorâmicas sejam tão emocionan-
tes" (Witold RIBCZVNSKI. O tamanho de uma cidade. In: Vida nas cidades: expectati-
vas urbanas no Novo Mundo. Rio de Janeiro: Record, 1995, p. 33).
22
l,jam a intlTh:rir nos sl:u:-. dl:stinos formais nus priml:irus instantes,
vall:m.lo -sl: das suas próprias imagens. São estas imagens que o ci-
entista social - de mesmo um formador de imagens -deve exami-
nar em um primeiro momento.
Kelvin Lynch classifica as cidades em três categorias básicas
com relação aos seus padrões formais, de funcionamento e trans-
formação. Haveria as "cidades cósmicas", que são aquelas cujos
traçados são concebidos em função de algum sentido mítico, de al-
gum padrão de espacialização imposto de fora por alguma idéia ma-
triz, ou de algum desenho preconcebido consoante uma representa-
ção específica. Nesta categoria estariam desde as antigas cidades
ctruscas e indianas, cujo traçado é concebido para atender a algum
padrão religioso ou místico, até as modernas cidades como Brasília,
que seguem um plano piloto prenhe de significados. As "cidades
cósmicas" podem ser lidas de fora, porque o seu traçado carrega ex-
plicitamente uma mensagem carregada de intencionalidades. Elas
Ioram feitas para significar algo para o observador que as contempla
de uma distância a partir da qual o traçado pode ser percebido na
sua totalidade.
Haveria também as "cidades práticas". A imagem que mais se
adapta a este tipo de cidades é a da "máquina", ou do artefato me-
cânico. São cidades que crescem e se desenvolvem conforme as
suas necessidades materiais, à medida que novas partes são acres-
centadas e que as velhas partes são alteradas. O padrão de trans-
formação associado a este tipo é o da superposição de um tipo
mais ou menos mecânico.
Existiriam por fim as chamadas "cidades orgânicas", que são
aquelas que vão se formando e crescendo mais ou menos à maneira
dos organismos vivos, adaptando-se a um terreno em que se viram
inseridas de maneira não planejada, e sobretudo fazendo conces-
siks permanentes à vida em toda a sua imprevisibilidade. Estas ci-
dades modificam os Sl'Us traçados para se adaptar a um rio que lhes
23
serve de fronteira, contornam os morros ou os absorvem, sobem e
descem ladeiras de variados tamanhos. Suas ruas organizam-se li-
vremente para atender mais aos chamados da vida cotidiana que aos
planejamentos previamente estabelecidos. As cidades medievais cons-
tituem exemplos muito típicos de "cidades orgânicas", e também as
pequenas cidades mineiras do Brasil Colonial como Ouro Preto. Da
Idade Média também nos chegam os exemplos das cidades labirínti-
cas que são tão comuns em algumas das sociedades islâmicas- com
suas ruelas e becos que se perdem umas nos outros e que desorien-
tam quem não conhece o padrão vital que está por trás de sua apa-
rente desorganização.
O artefato urbano também pode ser examinado consoante a sua
relação de abertura ou de fechamento para com o mundo externo
(abertura ou fechamento que pode ou não se explicitar no plano fí-
sico mais imediato). O historiador Fernando Braudel examinou es-
tas tendências urbanas de abertura ou fechamento a partir de um
estudo da sua historicidade, identificando padrões mais ou menos
recorrentes para cada período com respeito a este tipo de relação.
Para ele, as cidades poderiam ser grosso modo classificadas em "ci-
dades abertas", "cidades fechadas" e "cidades sob tutela" 5 •
As cidades antigas tenderiam para o modelo aberto, em oposi-
ção ao modelo explicitamente fechado das cidades medievais. A
muralha que costumava cercar estas últimas seria apenas a parte
mais visível de um sistema urbano fechado que também implicaria
em um fechamento político e econômico.
A partir do século XV, com a formação dos sistemas políticos
centralizados, surgiria o modelo das "cidades dominadas", subme-
tidas fundamentalmente a um controle que lhes é externo (como
por exemplo a centralização estatal). À parte uma visível imposição
26
~.;aodaqueles que pcnnancccram no ambiente rural. Produto da ter-
ra c obra do homem do campo- não seria esta, certamente, a metá-
fora empregada pelos defensores das origens exclusivamente comer-
ciais das cidades da Idade Média (PIRENNE, H. 1927).
O já mencionado modelo da cidade como "artefato" abre espaço
para um outro: o da cidade como artefato esteticamente construído.
Ou, dito de outra forma, o da cidade como obra de arte. A cidade,
que certamente inclui dentro de si muitos c muitos objetos e produ-
los artísticos, passa a ser vista aqui, na sua inteireza, como um obje-
to artístico ela mesma (ARGAN, 1995) 7 •
Esta nova metáfora desdobra-se por um lado na possibilidade de
enxergar a cidade obra de arte coletiva, reelaborada permanente-
mente tanto pelos seus eternos construtores como pelos seus diver-
sos habitantes. Por outro lado, a metáfora aponta também para a
possibilidade de examinar a cidade como obra de arte dos urbanis-
tas. Esta última perspectiva vem já das últimas décadas do século
XIX, e tem um de seus marcos no livro de Camillo Sitte ( 1843-
1qo3) que foi intitulado A construção da cidade segundo seus princí-
pios artísticos ( 1889). O seu modelo era o da cidade culturalista,
que se opunha radicalmente ao urbanismo geométrico e utilitário e
que passava a privilegiar precisamente a cidade que abre espaço
para a imprevisibilidade estética, mas também atentando para a ne-
L:css idade de assegurar um ambiente que fosse favorável à saúde
psicológica de seus habitantes.
Este mesmo modelo de urbanismo culturalista teve continuida-
de nos anos seguintes através das obras do urbanista e estenógrafo
inglês Ebcnezer Howard (1850-1 928), que foi o grande idealizador
tias chamadas "cidades-jardins". Estas foram por ele apresentadas
:•7
como modelo ideal no livro Cidades-/arditzs de Ama n/ ui, publicado
em 1898 com outro nome até sua reimpressão em 1904H. Sua idéia
era combinar a vocação dinâmica da cidade com a beleza e saúde da
vida no campo. A mesma idéia aparecerá em diversos urbanistas do
século XX, preocupados em unir em uma única realidade estes dois
universos aparentemente tão contraditórios que são a cidade pro-
priamente dita e o campo.
Aparece também em Ebenezer Howard a preocupação com o
crescimento desenfreado da população urbana, que tanto iria afligir
os urbanistas do século XX, sobretudo a partir da intensificação da
explosão demográfica a partir dos anos 1950. A solução de Howard
para o problema era a de que o crescimento populacional urbano
produzisse sempre a fundação de novas cidades equivalentes, e
nunca o inchaço populacional que tem sido tão característico das
últimas metrópoles no último século.
A apreensão do fenômeno urbano a partir de imagens diversifica-
das apresenta indefinidas soluções. Quantas outras imagens são pos-
síveis! Ao lado da cidade-jardim, concebe-se a cidade como empresa
ou como indústria9 • Ao lado da cidade "obra de arte", afirma-se a ci-
dade como registro concreto e quase imperecível da memória h uma-
na. Ou, por fim, a cidade pode ser lida como um texto que registra as
atitudes de uma sociedade perante os fatos mais elementares de sua
existência. Vale a pena, contudo, examinar um outro circuito de ima-
28
).!l'lls que loi 11111ito i111portantl' para o IK'IIsallll'lllo uo sé~.:ulo XX :so-
hl'l' a cidauc: o cirwito uc imagens orgânicas c naturais.
lO. "A Escola de Chicago, pelo contrário, sustentava que a cidade não era apenas um
urtnlato, mas, num certo sentido, em alguns graus, um organismo" (PIZZORNO, A.,
lllli7, p. XVIII). Deve-se acrescentar ainda que, ao lado dos sociólogos da Escola de
r l1u .u 10. a própria associação entre cidade e realidade biológica já havia sido iniciada
l'"lo!i próprios estudiosos oriundos do campo da biologia. Assim, Patrick Geddes,
lrrôlouo nscocês, já haviA publicado em 1915 um livro intitulado Cidades em evolução.
29
expressão de fenômenos sociais, particularmente os rdacionados
ao âmbito urbano. Dentre as expressões herdadas da terminologia
clássica, que passou a examinar a cidade como um organismo, des-
tacam-se noções como "crescimento", "tecido", "artéria", "cora-
ção", "função". Veremos, contudo, que o empréstimo dos modelos
naturais para a compreensão do fenômeno urbano tem uma história
remota, e que alguns sociólogos do século XX apenas resgatam um
modo tradicional de pensar a cidade, embora o adaptando a neces-
sidades inteiramente novas.
11. "Se eles saciam a sua voracidade e continuam insatisfeitos, provocam o cresci-
mento de incontáveis e incuráveis doenças[ ... ] podem através de seus vícios provo-
car a ruína do corpo inteiro".
30
O historiador Waltcr llll111ann ( ll)6b) interpreta a utilizac.rão Ja
IIIL't:Ífora do corpo em Salisbury como um Jescjo de "imobilização
do inJivíduo na socicJaJc" c de sua fixação por trabalho ou função.
No contraponto Jcsta concepção medieval do corpo citadino, quan-
to mais elevada fosse a função de um indivíduo, mais influência,
nwis riqueza c mais direitos lhe seriam atribuídos.
1\ metáfora da cidade como corpo presta-se, como se vê, a pro-
pl>sitos explicitamente funcionais. Não é a toa que, por ocasião da
l'lllcrgência do positivismo comtiano no século XIX, que buscava le-
~it imar e privilegiar o papel de uma burguesia industrial como ór-
).(flo diretivo da sociedade, ressurjam metáforas comparando as ca-
llladas dirigentes ao cérebro e o operariado aos braços e pernas.
Modificadas em diversos aspectos, algumas destas idéias em torno
das funções sociais seriam levadas para o século XX por Émile Dur-
khcim (1962) 12 •
Por outro lado, mesmo antes de Augusto Comte, Saint-Simon,
que fora mentor do jovem positivista na fase inicial de sua carreira,
pí havia utilizado o modelo biológico. Com Saint-Simon, porém, o
111oJclo do organismo social fora utilizado para um propósito dia-
lllclralmente oposto, buscando criticar radicalmente o poder prees-
tabelecido ao assinalar a idéia de que algumas classes, como o clero
t' él aristocracia, seriam como que "parasitas do organismo social".
12. "Há certamente circunstâncias nas quais muitas funções econômicas entram em
1oncorrência. No organismo individual, a seguir a um jejum prolongado, o sistema
nurvoso nutre-se com prejuízo dos outros órgãos, e o mesmo fenômeno produz-se se
.1 1111vidade cerebral atinge um desenvolvimento demasiado considerável. O mesmo
31
las dores revoluciomírias do parto. Para a reforma ou part~ t1 revolu-
ção, os modelos naturalizados da sociedade começavam a invadir
gradualmente a imaginação sociológica.
Por outro lado, o século XIX trouxera também a "atitude evolu-
tiva". Diversos pensadores no Ocidente já vinham desde o Século
das Luzes elaborando a idéia de "progresso do desenvolvimento hu-
mano", tendendo a imaginar a civilização ocidental como uma eta-
pa superior a ser alcançada por todas as sociedades. Por outro lado,
Charles Darwin formulara no campo das ciências naturais a sua teo-
ria da Evolução das espécies ( 1859). Com ela, além de reforçar a
idéia de um plano evolutivo identificável na própria natureza, intro-
duzira novos conceitos - como o de "competição natural" - que
não tardariam a ser reapropriados pelas ciências humanas 13 • É tam-
bém a partir de Charles Darwin que E. Haeckel ( 1834-1919) for-
mula as bases para um novo campo do saber, a "ecologia", conside-
rando-o como o "estudo da economia e do modo de habitar dos or-
ganismos animais, incluindo-se as relações dos animais com o am-
biente inorgânico e toda a intrincada série de relações às quais Dar-
win se referiu falando de condições da luta pela existência".
Ora, este desenvolvimento significativo no campo das ciências
naturais e da ecologia, bem como esta retomada de modelos naturais
pelos sociólogos oitocentistas para expressar relações diversas do
universo humano, não tem propriamente uma repercussão imediata
no campo dos estudos urbanísticos que lhes foram contemporâneos,
pelo menos no que concerne à formulação de modelos para visuali-
13. Também Marx não ficaria à parte das teorias evolucionistas. Em Para a crítica da
economia política, ele escreve: "A anatomia do homem é a chave da anatomia do ma-
caco. O que nas espécies animais inferiores indica uma forma superior não pode, ao
contrário, ser compreendido senão quando se conhece a forma superior. A economia
burguesa fornece a chave da economia da Antigüidade" (MARX, 1982, p. 17). O evolu-
cionismo darwiniano estende também a sua sombra sobre a visão de mundo do fun-
dador do socialismo científico.
32
t.ar t1 cidmlc. l:í vimos que t1 preocup<1~<io dos historiadores oitoccn-
1istas da cidade fom sobretudo com os aspectos institucionais, o que
se deve em parte a uma demanda pelos seus serviços da parte dos
~ove rnos estatais que buscavam se reorganizar no novo quadro eu-
ropeu pós-napoleônico. A cidade como uma grande família, como
um grande agrupamento de células institucionais básicas, ou, en-
fim, como uma grande instituição- este fora o modelo instrumen-
lalizado pelos historiadores das instituições municipais e dos esta-
dos nacionais reorganizados, e também daqueles poucos que se aven-
turaram a refletir sobre as origens do fenômeno urbano.
Mas já começava a gestar-se algo novo em termos de visualiza-
c.;ão do fenômeno urbano que só daria seus principais frutos nas pri-
meiras décadas do século XX. A teoria da evolução, os primórdios
da ecologia, por um lado, e a "livre competição" da economia clássi-
ca, com a contrapartida socialista que trazia à tona as inquietações
sociais e retomava a noção de "luta de classes", por outro- começa-
va a fermentar aí uma nova imaginação sociológica, pronta a ser ca-
lalisada por uma renovada aceleração industrial trazida pelas pri-
meiras décadas do século XX.
É todo este conjunto de idéias que precede a formulação de uma
"ecologia urbana" na década de 1920, devendo-se acrescentar que
também por esta época os biólogos começam a desvendar os segre-
dos da "célula" e a inteirar-se a respeito de seus processos de cresci-
mento. Ao mesmo tempo, enquanto a Europa recuperava-se da Pri-
rncira Guerra Mundial, os Estados Unidos começavam a despontar
como um novo palco para a repensagem do fenômeno urbano na
modernidade. Face a toda uma massa de informações que envol-
viam desde o estudo da ecologia até os mecanismos mercadológicos
l'xam inados a partir da ótica do liberalismo econômico, e face à ân-
sia de formular novos modelos para a compreensão do funciona-
llll'nlo c d<1s disfunções da cidade, um grupo de sociólogos especia-
linrdos nus L'sludos urbanos estabelece na Chicago dos anos 1920 o
novo campo da "ecologia urbmw". Por eles, a cidade sení conside -
rada a partir de então como "o habitat natural do homem".
14. Em 1916, Robert Ezra Park já havia publicado um artigo na linha de Sim mel, que se
intitulava "A cidade: sugestões para a investigação do comportamento humano no
ambiente urbano". Esse artigo já prenuncia a linha de pesquisas que marcaria a Esco-
la de Chicago a partir de 1925.
34
ttus pelt~ 1-:scolt~ de Chict~go. Com base nu princípio dt~ compl'l i~<IO,
a distribuiçflo da população tende a selecionar c agrupar conjunta-
lllcntc os semelhantes. Desta forma, seria da relação dialética entre
"competição" e "comunicação" que seriam geradas, sempre por
processos de ajustamento, as "áreas naturais".
A obra fundadora da Escola de Chicago é a publicação coletiva
denominada The city (1925), onde aparecem textos de Park, Bur-
gcss, McKenzie e Wirth, entre outros. Sua principal contribuição é a
wnstituição de um novo modelo de visualização da cidade, que os
próprios membros da Escola de Chicago procuraram entender como
um novo campo do conhecimento. A "ecologia humana", desta for-
ma, é definida por McKenzie no livro de 1925 como "a ciência que se
ocupa dos aspectos espaciais, das relações simbióticas de seres e de
instituições na medida em que estejam empenhados nas forças seleti-
vas, distributivas e adaptadoras do ambiente físico".
Deve-se entender, antes de mais nada, que a Escola de Chicago
foi um grupo de pesquisas efetivo, onde cada um recebeu certas
funções voltadas para a preocupação de abarcar a totalidade dos as-
pectos urbanos. Burgess, por exemplo, foi encarregado de estabele-
cer um modelo generalizável para o crescimento das "áreas naturais".
Wirth estudou os aspectos da "mobilidade", da "desorganização so-
cial", da caracterologia do citadino e, por outro lado, da formação
de subculturas urbanas. Voltados para uma miríade de aspectos as-
sociados ao fenômeno urbano, o modelo da cidade como o lugar
natural do homem assumia múltiplas formas, emprestadas às co-
munidades simbióticas de seres vivos, às colméias, às células em
crescimento e multiplicação, aos ecossistemas, aos modelos do cor-
po e do organismo vivo com sua divisão funcional em uma diversi-
dade de órgãos- era um vasto campo de imagens que se abria a par-
tir destes pensamentos iniciais.
O modelo ecológico suscitou reflexões diversificadas no mundo
inteiro, em muitos aspectos distintas e até críticas em relação à Escola
35
de Chicago. No Leste Europeu surge, por exemplo, uma abordagem
que alguns autores denominaram "ecológico-funcionalista", e que
tem em Jiril Musil ( 1970) um de seus principais representantes.
Por outro lado, o modelo do "ambiente ecológico" foi eventual-
mente utilizado por pesquisadores nem sempre vinculados às habi-
tuais escolas ecológicas. Lewis Mumford ( 1991), autor de uma his-
tória da cidade que se tornou referência obrigatória para os estudos
de história do urbanismo ocidental, compara a cidade- via de regra
como recurso estilístico- ao corpo humano (p. 26 7) ou a outros ele-
mentos naturais como a "árvore" (p. 269). É bastante citar um co-
mentário do autor referente ao processo mediante o qual a cidade
medieval, apesar de sua origem exclusivamente feudal, logo se torna
palco para uma luta entre dois sistemas concorrentes:
ao proporcionar um ninho no qual o cuco d0 r!'lnita-
lismo podia depositar seus ovos, a cidade murada
em breve permitiu que os seus próprios rebentos fos-
sem postos para fora pelo atrevido forasteiro que
abrigara (MUMFORD, 1991, p. 282).
36
ni~.;:io
do modl'lo de iniL'I"ill.;illl para os seus vários clcmcnlos. Um fa-
IIJoso artigo do arquitclo c matemático Christopher Alexander ( 196 7)
poderá nos servir para elucidar esta questão.
Intitulado "A cidade não é uma árvore", o texto do arquiteto vie-
ncnse recebeu o prêmio de melhor artigo do ano de 1965 no campo
do design. O autor defende a tese da superposição dos subsistemas
de vida urbana, propondo superar os modelos reducionistas e es-
quemáticos de compreensão da cidade (por ele chamados de "es-
1ruturas em árvore") em favor de modelos que captem a verdadeira
wmplexidade urbana ("estruturas em grelha").
O artigo de Alexander objetiva a princípio contribuir para uma
nova maneira de pensar a cidade, imprescindível aos urbanistas que
pretendam projetar ou criar novas cidades sem perder aspectos da
"cidade natural". De nossa parte, acreditamos que o modelo de com-
preensão proposto pelo urbanista vienense seja também útil para a
compreensão da natureza intrínseca das cidades já existentes e de
sua complexidade, que às vezes se vê reduzida e comprometida por
esquemas simplificadores.
Alexander distingue, a princípio, dois modos de pensar que co-
incidem com modelos de representação de estruturas de conjuntos.
A "árvore" corresponde a uma estrutura ramificada que o homem
uliliza toda vez que pensa na esquematização, ou na abstração de
uma estrutura. A "estrutura em grelha" corresponde ao modelo pro-
posto pelo autor.
Para exemplificar, considere-se uma cidade hipotética. Existe
uma esquina onde se localiza um bar com uma banca de jornais em
frente. No cruzamento diante da esquina existe um sinal de trânsito.
Ouando este se abre para o tráfego, o pedestre pára na calçada e
aproveita para ler superficialmente as notícias e informações dos
jornais e revistas. Outros se habituam a tomar diariamente um café
no bar em frente. Farol, calçada, transeuntes, jornaleiro, banca de
jornais c bar silo l'll'mcnlos que formam um "conjunto". Uma vez
37
que estes elementos interagem, o conjunto é chamado de "sistema"
- um sistema efetivamente significativo para diversos cidadãos.
Numa cidade, existe uma infinidade destes pequenos sistemas,
que por isso são chamados de "subsistemas". A vida urbana de uma
cidade utiliza uma parte dos subsistemas disponíveis na cidade. Os
subsistemas significativos para cada cidadão se integram, super-
pondo-se. Cada elemento de um subsistema pode pertencer a outro
subsistema, consistindo nisto a riqueza da vida urbana.
Ora, é precisamente esta superposição e esta riqueza que se per-
dem nos modelos de compreensão habituais, fundados na "estrutu-
ra de árvore". Imagina-se os elementos separados, contíguos, mas
não superpostos. Desta forma, acaba-se separando os elementos de
uma unidade, esquematizando um modelo de cidade que não cor-
responde em absoluto à sua vida urbana.
Em projetos urbanísticos, isso corresponderia a planejar zonas
de funções estanques, distribuições rígidas de equipamento, isola-
mento da recreação, sem prever em momento algum uma integra-
ção efetiva de seus elementos. Em análise sociológica ou historio-
gráfica, acrescentaríamos por nossa conta, isto corresponde a re-
partir as cidades já conhecidas em compartimentos e subsistemas
não integrados, sacrificando a compreensão da verdadeira vida so-
cial que aí se desenrola. Ou seja, apesar de a vida urbana correspon-
der a uma "estrutura de semigrelha", estabelece-se uma "estrutura
de árvore" para facilitar a ação de pensar.
Uma coleção de conjuntos constitui uma "semigrelha" somen-
te quando dois de seus conjuntos se superpõem e o conjunto de e-
lementos comuns a ambos também pertencem à coleção. No
exemplo antes mencionado, isto corresponderia a dizer que existe
um conjunto "sinal de trânsito- banca de jornais" e outro conjun-
to "banca de jornais- bar"; a "banca de jornais" é uma uni<.la<.lt:
que também pertence~ coleção. De forma contníria l1 "estrutura
de grelha", a "árvore" define-se como a coleção em que, para cada
dois conjuntos, ou um está inteiramente contido no outro ou estão
totalmente separados.
Estendendo por nossa conta a reflexão de Alexander para as
análises sociológica e historiográfica, deve-se evitar o risco de isolar
estruturas sociais e vizinhanças também em compartimentos estan-
ques. A família X tem vínculos de amizade com a família Y, perten-
~am ou não à mesma unidade de vizinhança, ou mesmo a grupos
sociais diferentes. Em uma cidade moderna, por exemplo, os filhos
vão a uma escola de outro bairro porque lá parece haver professores
111clhores, e as compras mais importantes podem ser feitas em um
supermercado mais afastado em virtude de preços melhores. Em ci-
dades medievais, existem mesmo ambientes ou ocasiões que pres-
su põem o contato entre grupos sociais diferenciados, apesar de to-
da a compartimentação prefigurada pela hierarquização ou pela se-
lurização corporativa das sociedades urbanas medievais.
Isso não quer dizer que não se deva estudar os mecanismos de
s~gregação social ou a compartimentação urbana, que apresentam
l'l'etivamente diversas formas consoante as várias sociedades e pe-
ríodos históricos. Significa apenas que não se deve desprezar os as-
p~ctos que transformam a cidade em um grande sistema integrado.
1\ proposta de Alexander, conforme pudemos examinar, é integrali-
1111' neste novo modelo urbano a teoria dos conjuntos e da informá-
16. Roland Barthes remete a percepção pioneira da cidade como texto a Victor Hugo,
ainda no século XIX (Roland BARTHES. Semiologia e urbanismo. In : A aventura semio-
lógica . São Paulo: Martins Fontes, 2001, p. 219-231).
17. Roland BARTHES, op. cit., p. 224.
40
cus lalam da vida mental dos que nela habitam c daqueles que a visi-
tam: seus caminhos e seu trânsito falam das mais diversas atividades
que no seu interior se produzem; seus mendigos falam da distribui-
~ iio de sua riqueza ao estender a mão em busca de esmolas. Cada
um destes índices remete às letras de um alfabeto que pode ser paci-
entemente decifrado pelos sociólogos, pelos historiadores, pelos ur-
banistas. A cidade, sem dúvida, pode ser "lida", e é nesta perspectiva
que se têm colocado alguns estudiosos do urbanismo a partir de
meados do século XX.
A aplicabilidade da metáfora da "escrita" à cidade tem, certa-
mente, diversos sentidos. Existe por exemplo a escrita produzida
pelo desenho das ruas, monumentos e habitações- em duas pala-
vras: a escrita arquitetônica de uma cidade. Trata-se de uma escrita
sin crônica, que nos fala daqueles que a habitam, e também de uma
escrita diacrônica, que nos permite decifrar a "história" da cidade
que é lida. A cidade, em muitos casos, vai superpondo temporalida-
ues, permitindo que habitações mais antigas convivam com as mais
modernas 18 • Em outros casos, ela faz desfilar as temporalidades su-
cessivamente, quando deslocamos nossa leitura através de bairros
que vão passando de uma materialidade herdada de tempos antigos
u uma materialidade mais moderna, nos bairros onde predominam
us construções recentes.
É também importante notar que os próprios habitantes vão rees-
crevendo a escrita de sua cidade permanentemente. Por vezes im-
perceptível na passagem de um dia a outro, este deslocamento da
L'scríta urbana deixa-se registrar e entrever na longa duração. Os
préd ios que em uma época eram continentes da riqueza e símbolos
do poder podem passar nesta longa duração a continentes da po-
18. Este é o caso, por exemplo, da cidade de Ouro Preto, onde centenas de habita-
IWOes antigas, já tombadas pelo patrimônio histórico, vão partilhando o espaço físico
r.om prédios mais mo<lmnos (como o do hotel principal) ou escondendo agitados
flllbs no estilo londrtiiO tmh o 11 Ro h rmlos
41
breza e a símbolos da marginalidade. Os casarões do século XIX,
que eram habitações de ricos, degeneram-se ou deterioram-se em
cortiços, passando a abrigar dezenas de famílias mal-acomodadas e
a configurar espaços habitacionais marginalizados. Nesta passagem
marcada pela deterioração do rico palacete em cortiço miserável,
deteriora-se também a imagem externa do bairro e o seu valor imo-
biliário, de modo que o espaço que um dia configurou uma "área
nobre" passa em tempos posteriores a configurar uma zona margi-
nalizada do ponto de vista imobiliário.
Este "deslocamento social do espaço" também acaba por se cons-
tituir em uma forma de escrita que pode ser decifrada. As motiva-
ções para este deslocamento podem ser lidas pelo historiador: a his-
tória da deterioração de um bairro pode revelar a mudança de um
eixo econômico ou cultural, uma reorientação no tecido urbano que
tornou periférico o que foi um dia central ou um ponto de passagem
importante.
Enfim, de múltiplas maneiras o próprio espaço e a materialidade
de uma cidade se convertem em narradores da sua história. Diante
desta percepção da cidade como uma escrita que tem algo a dizer,
surgiu concomitantemente um esforço de conservação do patrimô-
nio arquitetônico que encontra uma de suas expressões nos tomba-
mentos históricos. Os monumentos e as construções antigas pas-
sam a ser considerados, nestes casos, como registros da memória
coletiva. Fragmentos de textos, enfim, que a comunidade ou aque-
les que ela designou para representá-los não desejam ver apagados
no processo de incessante reescrita do texto urbano.
Do que pudemos ver até aqui, a imagem de uma Cidade-Texto
traz consigo uma dupla implicação. Um texto pode ser definido co-
mo algo passível de ser lido, mas também pode ser compreendido
como algo que é escrito. Daí que, se os cientistas sociais que exami-
nam a cidade tomam este texto apenas na sua dimensão de objeto de
leitura, já os seus habitantes e os passantes que a percorrem no
42
dia-a-dia podem se relacionar ao texto-cidade simultaneamente do
ponto de vista da leitura e da escrita. Kevin Lynch ( 1960) já fazia
notar, referindo-se às pessoas que circulam dentro da cidade e que
constituem a sua parte humana, que estas não são meros observa-
dores do espetáculo urbano, mas parte dele 19 • Os pedestres podem
ler o texto urbano, mas eles também o reescrevem, e de algum modo
podem ser mesmo considerados como alguns dos personagens ou
dos caracteres móveis que fazem parte da construção deste texto
urbano. Esta tríplice relação do pedestre com o texto urbano -
como leitor, como escritor, como personagem de sua narrativa ou,
o que vem a dar no mesmo, letra móvel do seu alfabeto infinito -
merece ser discutida em pormenor.
Discutiremos, para melhor iluminar a questão proposta, a "idéia
afim" de que a cidade é comparável a um enunciado lingüístico (o
que remete, desta maneira, não apenas ao texto escrito mas também
ao texto falado). Roland Barthes (1970), e a partir dele Michel de
Certeau (1980), fazem notar que- se a cidade constitui uma "or-
dem espacial" que pode ser comparada à língua -por outro lado os
pedestres que caminham através desta ordem espacial atualizam e
reinventam esta língua. Por isto, se a ordem espacial urbana é como
uma língua, com suas possibilidades e proibições, a caminhada atra-
vés desta ordem urbana (a "enunciação pedestre" nos dizeres de
Certeau) é equivalente ao ato de enunciar 20 •
Ao caminhar pela cidade, cada pedestre apropria-se de um siste-
ma topográfico (de maneira análoga ao modo como um locutor
apropria-se da língua que irá utilizar), e ao mesmo tempo realiza
este sistema topográfico em uma trajetória específica (como o fa-
lante que, ao enunciar a palavra, realiza sonoramente a língua). Por
19. Kevin LYNCH . A imagem da cidade. São Paulo: Martins Fontes, 1999, p. 2.
43
fim, ao caminlwr em um universo urbano onde muitos outros cami -
nham, o pedestre insere-se em uma rede de discursos - em um sis-
tema polifônico de enunciados, partilhado por diversas vozes que
interagem entre si (como se dá com os locutores que se colocam em
uma rede de comunicações, tendo-se na mais simples "conversa"
um dos exemplos mais evidentes).
Enfim, se existe um sistema urbano - com a sua materialidade e
com as suas formas, com as suas possibilidades e os seus interditos,
com as suas avenidas e muros, com os seus espaços de comunica-
ção e os seus recantos de segregação, com os seus códigos de trân-
sito - existem também os modos de usar este sistema. A metáfora
lingüística do universo urbano aqui se sofística: existe a língua a ser
decifrada (o texto ou o contexto urbano), mas existe também o
modo como os falantes (os pedestres e habitantes urbanos) utilizam
e atualizam esta língua, inclusive criando dentro deste mesmo siste-
ma de língua as suas comunidades lingüísticas particulares (dentro
da cidade existem inúmeros guetos, inúmeros saberes, inúmeras ma-
neiras de circular na cidade e de se apropriar dos vários objetos ur-
banos que são partilhados por grupos distintos de indivíduos).
É extremamente difícil e desafiador para o historiador que estu-
da as realidades urbanas do passado recuperar o registro destas ca-
minhadas (ou destes "atos de fala" dos enunciadores urbanos). A
dificuldade está em que não se trata apenas de recuperar os cami-
nhos possíveis ou percorríveis através das várias atividades cotidia-
nas. Se a cidade é um texto que pode ser lido a partir da materialida-
de urbana, e se é possível imaginar os pedestres do passado que per-
corriam este texto em pontilhado - ou seja, que realizavam percur-
sos -, é preciso lembrar que o ato de caminhar através de uma cida-
de é uma operação complexa que envolve muitos outros gestos e
sentidos para além do movimento das pernas e do deslocamento no
espaço. Quem caminha observa a paisagem, vivencia possibilidades
e interditos, vai ao encontro ou foge do encontro de outros passan-
44
tcs, scgreg<~ ou é segregado. Um pedestre nas cidades modernas ca -
minha observando vitrines, decodificando sinais de trânsito, admi-
nistrando liberdades e inseguranças. O pedestre das cidades de to-
das as épocas acelera e desacelera os seus passos, vivencia emoções
olfativas e táteis, respira o ar de sua cidade. Muitos destes gestos e
sentidos perdem-se para o historiador que contempla apenas a
planta de uma cidade ou que tenta adivinhar na materialidade urba-
na de hoje o que foi a vida dos homens que a habitaram no passado.
É preciso, portanto, não apenas recuperar os traçados dos múl-
tiplos percursos, como também identificar as diversas maneiras de
caminhar; não apenas inventariar os lugares, como analisar as ma-
neiras de se apropriar dos lugares.
Uma última implicação da metáfora da cidade como texto ou
como discurso é a de que o complexo discurso urbano aloja dentro
de si diversos discursos de todas as ordens. A cidade também fala
aos seus habitantes e aos seus visitantes através dos nomes próprios
que ela abriga: dos nomes de ruas, de edifícios, de monumentos. O
grande texto urbano aloja dentro de si textos menores, feitos de pla-
cas de ruas que evocam memórias e imaginários, de cartazes que
são expostos nas avenidas para seduzir e informar, de sinais de trân-
sito que marcam o ritmo da alternância entre a passagem permitida
e os interditos aos deslocamentos no espaço. A cidade é um grande
texto que tece dentro de si uma miríade de outros textos, inclusive
os das pequenas conversas produzidas nos encontros cotidianos.
Eis aí, enfim, a aventura que se abre aos pesquisadores que se
aproximam da cidade a part r da metáfora lingüística ou apoian-
do-se na imagem da cidade como texto: ele torna-se um decifrador
de discursos e de relações geradas a partir de uma multiplicidade de
discursos.
45
O 4ue se viu a4ui, Je forma apenas prdilninilr, funJamenta -se
na idéia de que o historiador, o cientista social, ou ainJa o cstuJioso
dos fenômenos e das estruturas urbanas nos demais campos dosa-
ber, sempre constitui o seu objeto de estudo a partir de determina-
das imagens da cidade ou de modelos para a sua compreensão -
imagens e modelos que terminam por produzir, no fim das contas,
expectativas e perspectivas específicas, que acabam por permitir ou
favorecer determinadas metodologias conforme a imagem a partir
da qual o estudioso se aproxima do fenômeno urbano, e que, pode-
ríamos acrescentar para o caso da história, contribuem de alguma
maneira para solicitar determinadas escolhas de fontes. A título de
balanço final, o Quadro 1 oferece um esquema simplificado regis-
trando as imagens urbanas que foram discutidas neste capítulo, sen-
do necessário acrescentar que muitas outras imagens poderiam ser
evocadas na mesma medida.
Resta dizer, por fim, que a imagem ou modelo utilizado também
tenderia, muito possivelmente, a favorecer determinadas formas de
expressão e de constituição do texto final destinado a expor os re-
sultados do trabalho e da reflexão do pesquisador. De nossa parte
acreditamos que, uma vez compreendidos os modelos e imagens
mais simplificados de que dispõem habitualmente os cientistas soci-
ais para visualizar a cidade, estaremos prontos para avaliar as for-
mações urbanas de um ponto de vista multifuncional e multifatorial,
ou para nos apercebermos melhor das possibilidades complexas do
seu estudo. Avançar nesta complexidade multifatorial deverá cons-
tituir um outro momento da reflexão até aqui iniciada ...
46
Quadro I: Imagens da cilÚlde nos estudos urbanos
ÍMÃ
(Centro de
(\lcgaobjeto~~ .....
~lodclos
da cidade como Recipiente
produtos do homem aberto ou fechado
fOiiADEl
~
-......_)
Modelos naturais
AMBIENTE ORGANISMO
ECOLÓGICO
11 CÉLULA ij
3
A PERSPECTIVA MULTIFATORIAL
DA CIDADE
49
Quadro 2: Dimensões relevantes do fenômeno urbano
I HISTÓRIA 1
I POPULAÇÃO ~
11 FUNÇÃO I I ECONOM€1
DIMENSÕES DA
CO\fPLEXID.\DE
I POLÍTICA I
IMAGI~IJ
LRB.-\.~A
11
11 ORGANIZAÇÃZJ
I FORMA I
'""" assinalava que a rwn·la~.;ao entre as institui<;Ões urbanas não
p• 1111ite isolar criticanlcntc uma: todo o conjunto de instituições e 0
pupl·l que elas desempenham no devir da comunidade urbana seria
ltulispcnsável para compreensão do agir social. Weber, aliás, visuali-
til\'il na cidade três dimensões: densidade-heterogeneidade, função
51
com os seus arrabaldes c com outras cidades. Os aspl'c los ci tados
por Braudel, conforme se vê, espalham-se pelas várias dimensões
antes citadas, da econômica à imaginária.
O fator historicidade
52
extrema proximidade espacial e a uma heterogeneidade de fun-
liiiHI
O fator população
53
riam). Trata-se Je certo Je uma crítica àquilo que llw pml'ci:~ ser uma
excessiva população urbana para a cidade de Atenas, que no tempo
de Péricles havia chegado a possuir 40.000 cidadãos. Roma, alguns
séculos depois, atingiria um milhão de habitantes, o que faria da Ate-
nas Clássica uma cidade comparativamente pequena. Mas em com-
pensação a antiga capital do Império Romano teria a sua população re-
duzida a menos de cem mil habitantes no período medieval. Este pe-
ríodo conhece portanto um rebaixamento no limiar populacional urba-
no: lugares com dois ou três mil habitantes tenderiam a receber o status
de "cidade" conforme estes novos parâmetros. Tudo isto vem nos
mostrar simultaneamente a importância e a relatividade do aspecto
populacional para uma caracterização da cidade enquanto tal.
Ressalvada a necessidade de se considerar a relatividade históri-
ca de toda indicação numérica, deve-se notar que a dimensão popu-
lacional constituiu precisamente o primeiro foco de atenções para
os modernos estudiosos do fenômeno urbano -tanto no que se re-
fere ao quantitativo como ao qualitativo humano. Assim, a definição
de cidade proposta por Louis Wirth ( 1938), sociólogo vinculado à
célebre Escola de Chicago, está muito claramente construída em
torno do fator populacional. Não se trata contudo de considerar um
fator populacional reduzido a um aspecto meramente demográfico,
mas sim de um fator populacional que se reconhece estar .associado
a determinadas especificidades e que traz consigo a imposição de
um determinado modo de vida.
Para retomar as palavras de Wirth, a cidade seria "um aglomera-
do permanente, relativamente grande e denso, de indivíduos social-
mente heterogêneos" 2 • Desta forma, a urbanidade deveria ser en-
2. Louis WIRTH. In: REISS, A.J. (org.). Louis Wirth on cities and sociallife. Chicago:
Chicago University Press, 1964, p. 66. O artigo em referência, intitulado "O urbanismo
como modo de vida", foi publicado originalmente em American Journal of Socio/ogy,
vol. 44, 1938, p. 1-24. Em português, foi publicado em Otávio G. VELHO (org.). O fenô-
meno urbano . Rio de Janeiro: Zahar.
54
lt'IH.iida l:omo um co11junlo de institui~ões e atitudes sociais que se-
ria encontrado sempre que as pessoas se estabelecessem em gran-
des agrupamentos permanentes, densos e heterogêneos.
Naturalmente que, consoante estes critérios simplificados, a linha
divisória entre aldeia e cidade arrisca a tornar-se por demais arbitrá-
ria. Em vista disto, alguns autores reformularam posteriormente a
definição esquemática de cidade proposta por Wirth, acrescentando
entre outras especificidades a condição de que também uma propor-
ção significativa da população ativa estivesse dedicada a ocupações
não-agrícolas 3 • Por outro lado, Peter Mann (1965) 4 aprofundou uma
advertência que já havia sido feita pelo próprio Wirth, e ressaltou
mais claramente que a influência de uma conurbação intensificadora
de trocas, ou, ao contrário, uma posição mais isolada da cidade em
relação ao seu meio externo e às demais cidades coexistentes, poderia
determinar um maior ou menor grau de urbanização.
Os estudos de Mann o levaram a concluir que os residentes de
certas cidades menores, menos densas e mais homogêneas, ao con-
trário do esperado, poderiam ser eventualmente mais suscetíveis de
manifestar os padrões de comportamento que Wirth considerava ur-
banos- notadamente sob a influência de conurbações que intensifi-
cassem a dinâmica urbana. Assim, nenhuma análise satisfatória da ci-
dade deveria ignorar a sua posição em relação à área circundante.
55
Diversas críticas foram feitas às proposições de Wirth, notadamen -
te no que concerne à sua busca de padrões comuns de comportamento
aos quais estariam sujeitos todos os citadinos. Se, conforme o próprio
Wirth salientara, o efetivo populacional citadino é necessariamente he-
terogêneo, o projeto de estabelecer uma caracterologia demasiado es-
quemática do homem urbano poderia se chocar precisamente com a
diversidade humana que a cidade abarca. A esta questão voltaremos ao
mencionar o problema das culturas e subculturas urbanas.
De qualquer maneira, o conjunto das formulações teóricas de
Wirth e de outros estudiosos da primeira metade do século chamam
atenção para alguns aspectos fundamentais: a cidade implica neces-
sariamente em um determinado efetivo populacional, com determi-
nadas características de densidade e heterogeneidade, mas associa-
do a uma localização permanente em um espaço cujas especificida-
des devem ser consideradas. Esta "dimensão populacional", exami-
nada em suas múltiplas especificidades, deve ser portanto um fator
de primeira ordem para a análise do fenômeno urbano.
Diante da importância do fator populacional para uma definição
de urbanidade, não é de se estranhar que os estudos do fenômeno
urbano tenham andado a par com os progressos no campo da De-
mografia. Da mesma forma, a constituição de uma história demo-
gráfica nas proximidades de 1950, graças à emergência de pesqui-
sas e métodos específicos (Meuvret, Henry, Fleury, Goubert)S, con-
tribuiu sobremaneira para a emergência de uma nova história urba-
na, permitindo inclusive uma verdadeira eclosão de estudos regio-
nais e de cidades específicas. No âmbito da cidade medieval, apenas
para dar um exemplo de cidade relativa a um período histórico, são
56
fundamentais os estuuos Je Jemografia proporcionauos por Josiah
RUSSELL, que possui inclusive um estudo específico sobre a popu-
l:u.;ão nas cidades medievais 6 •
Enfim, a importância da dimensão demográfica é uma primeira
instância a ser considerada em qualquer tentativa de caracterização
ou definição da cidade, e por isso a maioria dos autores parte geral-
mente do quantitativo/ qualitativo populacional para se aproximar
de uma compreensão inicial do fenômeno urbano. A cidade, assim,
c sempre um povoado de proporções consideráveis. Mas, tal como
se disse, isto ainda nada significaria se não se vai em busca das espe-
cillcidades deste povoado, dos grupos em que este povoado se orga-
niza, das atividades que eles desempenham.
Vale lembrar, com Max Weber, que na Rússia moderna há aldei-
as com vários milhares de habitantes que são maiores do que cida-
des antigas que contam com apenas algumas centenas de habitan-
tes7. Daí que o sociólogo alemão, ao elaborar sistematicamente uma
definição que pudesse corresponder ao tipo ideal de cidade, buscou
primeiro dar a perceber que este "povoado" que seria a cidade orga-
niza-se habitualmente como um assentamento de casas contíguas
onde, dada a sua extensão, tem-se uma formação social tal que falta
o conhecimento mútuo dos habitantes (como ocorreria em uma mera
associação de vizinhos) 8 • Mas como aqui a definição não ajudaria
ainda a distinguir as cidades propriamente ditas das aldeias gigan-
tes, onde este conhecimento recíproco mais amplo também pode
6. J.C. RUSSELL. Medieval regions and their cities. New Abbot, 1972. • J.C. RUSSELL.
Late ancient and medieval population. Filadélfia, 1958.
7. Max WEBER, "Conceito e categorias da cidade".ln: Economia e sociedade. Brasí-
lia: UnB, 1999, p. 409 [original: 1925].
8. Note-se que esta caracterização amolda-se muito mais facilmente às cidades mo-
dernas, já que em cidades antigas de pequenas dimensões este conhecimento recí-
proco de seus habitantes poderia ser bem maior. De qualquer modo, nunca na mes-
ma medida do lllll puq111111 0 assentamento.
57
não existir, Weber logo avança rw IL'ntativa de <.:orrtprcl·nsúo das di -
mensões multifatoriais que definiriam a <.:idade. 1\ primeira dimen-
são a acenar com um clareamento da especificidade urbana é muito
habitualmente a da Economia, e neste sentido podemos continuar
por aqUI.
O fator econômico
58
l) l'l:onúmi~..:o impli~..:a
l'lll "prmhu;ao, distrihui~.;ito c ~..:onsunw". Ou,
dito de outra forma, em ativiuaucs inuustriais, ativiJaJcs comerciais,
l' relações de consumo.
11. Werner SOMBART. "Ursprung und Weses der Modernen Stadt". In: Der Moderne
Kapitalismus.
12. O próprio Max Weber - ao destacar a importância do aspecto econômico e da "lo-
calidade de mercado" como primordiais para a definição da Cidade - chama atenção
para a necessidade de se considerar dentro deste âmbito três situações mais freqüen-
tes: a das "cidades mercantis", a das "cidades de consumidores", e a das "cidades de
produtores" (ou cidades industriais), conforme predomine um ou outro comporta-
mento econômico, ressaltando que em todos estes casos ocorre em regra a media-
ção através do mercado ("A dominação não-legítima (tipologia das cidades)"./n: Eco-
nomia e sociedade, p. 410). Isso não o impede, naturalmente, de ressaltar exceções
como as "cidades-fortaleza", e também o fato de que na Antigüidade podiam ser en-
contradas cidades que eram preponderantemente "cidades de agricultores".
59
O campo marxista situa a sua análise do fenômeno urbano no
entrecruzamento do fator econômico e do fator político. A cidade
insere-se antes de mais nada em um sistema econômico-social- ou,
mais propriamente, em um "modo de produção" específico. Ao
mesmo tempo, o ambiente urbano é um palco privilegiado para as
lutas político-sociais. Nos seus vários casos, a cidade deve ser sem-
pre situada historicamente.
Para as cidades anteriores ao capitalismo, a referência é o texto
Formações pré-capitalistas, onde Karl Marx buscou estabelecer um pa-
ralelo entre as cidades asiáticas: antiga, medieval e moderna 13 .0s parâ-
metros que orientam este quadro comparativo associam-se às mutações
diacrônicas que teriam ocorrido nas relações entre "cidade" e "campo"
ao longo das várias etapas do desenvolvimento histórico (ou da sucessão
dos "modos de produção" a partir de um processo dialético).
Assim, para o modelo asiático, Marx assinala uma unidade não di-
ferenciada entre campo e cidade. Na Antigüidade Clássica, surgem as
cidades baseadas na propriedade senhorial e na agricultura. Na Idade
Média, as "formações urbanas" desenvolvem-se até uma nítida oposi-
ção entre cidade e campo. Na Idade Moderna, por fim, verifica-se uma
"urbanização do campo". Para cada um destes casos, a formação ur-
bana assume um papel definido dentro do modo de produção.
Na passagem do "modo de produção feudal" para o "modo de
produção capitalista", a cidade torna-se o lugar privilegiado para o
desenvolvimento das "forças produtivas", tanto por seu papel no
desenvolvimento das manufaturas, como pelo seu papel no desen-
volvimento do capitalismo comercial. Desta forma, mais do que nas
etapas históricas anteriores, a cidade do período medieval assume
14. Manuel CASTELLS. La question urbaine . Paris: Maspero, 1985. • Ch. TOPALOV.
Los promoteurs immobiliers Contribution à l'analyse de la production capitalista du
longomont on f mncu Paris/la Hnye: Mouton, 1974. • LIPI ETZ. Le tribut foncier urbain.
l'm ls: Maspuro, 1!I I 4
partir de uma perspectiva multifatorial. Ê oportuno resgatar aqui a de-
finição de cidade proposta por Henri Lefebvre ( 1969, p. 96-97):
Trata-se acima de tudo de uma forma, a do encontro c
da reunião de todos os elementos da vida social, desde
os frutos da terra (grosso modo, os produtos agrícolas)
até aos símbolos e às obras ditas culturais 15 •
O fator político
15. Henri LEFEBVRE. O direito à cidade. São Paulo: Documentos, 1969 (L e droit à la
vil/e . Paris: Anthropus, 1968; citado a partir da edição italiana 11 diritto alfa città. Pádua:
1970). Lefebvre é também o autor de um importante paralelo entre as formações rurais
e as formações urbanas (Ou rural au /'urbain. Paris: Anthropus, 1977).
16. Nunca é demais lembrar que polis, com todos os seus desdobramentos etimológi-
cos associados a politeia, remonta a "cidadela".
17. Estas duas últimas ordens de aspectos também são ressaltadas por Fernando Brau-
del. Para ele, um dos aspectos que está sempre presente em qualquer tipo de cidade é
o estabelecimento de um Poder simultaneamente "protetor e coercitivo" (Civilização
material, economia e capitalismo - Vol. 1: As estruturas do cotidiano, p . 438). Por outro
lado, ao desenvolver a idéia de que toda "economia-mundo" possui sempre um pólo ur-
bano que funciona como centro logístico dos seus negócios, o historiador francês des-
taca a formação de uma hierarquia de cidades na sua relação recíproca, chegando a
utilizar a metáfora de que "as metrópoles apresentam-se como um séquito, uma comiti-
va" (Civilização material, economia e capitalismo - Vol. 11: O tempo do mundo, p. 20).
62
puderes que niiu necessariamente se expressam por meio de institui -
~ues governamentais, mas que em tudo o caso se refletem nas formas
w mplcxas mediante as quais se organiza a sociabilidade urbana.
Mencionaremos, antes de mais nada, a questão dos poderes po-
líticos institucionalizados. É forçoso notar que existe uma tensão
l'ssencial entre os poderes locais da municipalidade e os poderes es-
tatais mais amplos do Estado, tensão que só se dilui efetivamente
naquelas experiências históricas em que "a cidade coincide com o
l·.s tado". Referimo-nos, antes de mais nada, às cidades-estado da
Antigüidade Clássica - mas também às cidades italianas da Idade
Média ou a outras cujas soberanias plenas tenham se destacado pa-
I a além da habitual autonomia (por exemplo, dentro de uma nação)
03
dicos e o discurso estatal, nem sempre corresponue111 it realidade de
fato da política urbana.
A interação entre os poderes institucionais exercidos pelo Esta-
do e os poderes efetivos que se expressam na sociedade civil tem
sido abordada a partir de diversificadas perspectivas, conforme a teo-
ria de Estado que se tome para suporte.
As "teorias contratualistas" dos iluministas costumavam retratar
a sociedade como uma reunião de indivíduos isolados que estabele-
cem um pacto social, e de alguma forma não estão longe do quadro
de competições e adaptações proposto pela ecologia urbana. Para
os contratualistas, os indivíduos reunidos em sociedade são os for-
madores do Estado.
O idealismo hegeliano, ao inverso, propunha que é o Estado, ou
a idéia de Estado, que fundamenta a sociedade e constitui o indiví-
duo; além disto, seria o Estado a síntese destinada a superar as con-
tradições presentes na sociedade civil (lugar onde prevalecem os in-
teresses privados em conflito) e entre o público e o privado. Dito de
outro modo, o Estado funcionaria como um legítimo representante
da sociedade inteira. Contra esta idéia se contrapõe a teoria do Esta-
do proposta por Marx, para a qual o Estado não seria a síntese que
supera os interesses contraditórios da sociedade civil, mas, ao con-
trário, estaria a serviço da classe dominante.
Todas estas teorias enfocam o poder político a partir de sua in-
serção nas instituições estatais. Mas existem também modelos de
análise que abordam a faceta não institucional e não centralizada do
poder. Foucault, por exemplo, propunha a idéia de que o poder não
deve ser situado em uma centralidade específica. Ao contrário, ele
distribuir-se-ia através de uma rede de micropoderes que encobre a
sociedade inteira.
As múltiplas perspectivas sobre o poder, e aqui mencionamos ape-
nas algumas, também produzem diversificadas análises da política
64
urbarw. Registraremos três propostas antagônicas para deixar clara
it relatividade de toda teoria sobre o poder urbano.
21. R. DAHL. Who governs? Democracy and power in an american city. New Haven.
1961 .
66
co. O conllito, desta forma, nflo c necessariamente polarizado entre
rlasscs superiores e inferiores, como propõe a "teoria piramidal" de
l·loyd lluntcr, mas entre os grupos de poder contrastantes.
Cabe mencionar também a obra de Franco Ferrarotti, intitulada
" I,c ricerche romane: interrogativi sulla città come molteplicità di
sis tcmi" 22 • A moderna cidade de Roma é o seu campo de análise,
mas o que se desenvolve é uma teoria co-extensiva a outras realida-
des urbanas. Segundo o autor, a cidade é uma realidade social glo-
bal constituída por uma multiplicidade inter-relacionada de siste-
mas de poder dotados de uma autonomia e de lógicas de desenvolvi-
mento relativamente independentes.
Para o caso da cidade de Roma, o autor individualiza cinco sis-
temas: 1) Um sistema econômico-ecológico ou produtivo em pri-
lncira instância (uso do território e recursos naturais e humanos;
organização social da produção; criação e distribuição da riqueza).
2) Um sistema político associado à gestão do poder. 3) Um sistema
escolar e mass-midia implicado na transmissão e perpetuação dos
valores tradicionais e na elaboração de novos valores. 4) Um siste-
ma familiar ou reprodutivo relativamente formativo (incluindo, por
exemplo, a tendência para inculcar os valores sociais tradicionais e
as atitudes socialmente respeitáveis. 5) Um sistema simbólico de-
terminado pelas crenças religiosas sagradas e profanas.
Segundo Ferrarotti, "os diferentes sistemas que no seu conjunto
constituem um fenômeno urbano global, entram necessariamente
em colisão uns com os outros e é precisamente esta colisão, este
embate e este conflito que estão na base e que tornam possível o de-
senvolvimento da cidade".
22. F. FERRAROTII. "Le ricerche romane: interrogativi sulla città come molteplicità di
·.1stemi ". /n: Critica Socio/ogica, n. 27, outono de 1973.
67
O fator organização
23. MARX & ENGELS. A ideologia alemã. São Paulo: Hucitec, 1993, p. 78.
fiB
Ao examinarmos o fator "forma" teremos oportunidade de veri-
fi car como se processa a organização espacial da cidade, como se
distribui a população em seus múltiplos compartimentos e como os
vários grupos sociais interagem dentro deste espaço que assume
formas específicas. Da mesma forma, o fator "cultura" pressupõe
níveis diversos de organização. O aspecto organizativo da cidade,
como se vê, interpenetra-se com todos os demais fatores.
Não nos repetiremos nos aspectos que melhor poderão ser abor-
dados nos campos específicos dos fatores "forma" e "cultura", e
tampouco voltaremos aos aspectos exclusivamente institucionais
que já foram mencionados por ocasião do registro da historiografia
urbana do século XIX. Apenas pontuaremos alguns aspectos relati-
vos à organização urbana.
Uma primeira questão refere-se à dicotomia entre "público" e
"privado", dois níveis em que tende a ser organizada a cidade (vere-
mos no próximo item os aspectos segregacionais desta dicotomia).
O sociólogo H.P. Bahrdt chega a demarcar as esferas pública e pri-
vada como as "formas fundamentais" da organização social citadi-
na, em um texto que merece ser reproduzido:
Uma cidade é um sistema no qual toda a vida e, por-
tanto, também a quotidiana, mostra a tendência pa-
ra se polarizar, para se desenvolver, nos termos de
agregado social público ou privado. Desenvolve-se
uma esfera pública e uma privada, que estão em es-
treita relação, sem que a polarização se perca. Os se-
tores da vida, que não podem ser caracterizados nem
como "públicos" nem como "privados" perdem, por
sua vez, significado. Quanto mais fortemente se
exerce a polarização, mais estreita é a relação de tro-
ca entre esfera pública e privada e mais "urbana", do
ponto de vista da sociologia, é a vida de um agrega-
dll. No caso co ntrário, um agregado desenvolverá
t' lll lllt· uor ~ rau o caráter da cidade ... Se dermos um
passo em frente c, usando uma forma geral, afirmar -
mos que polarização e relação de interdependência
entre esfera pública e esfera privada constituem o
critério de uma associação citadina, encontraremos
à nossa disposição categorias que são úteis a arqui-
tetos e urbanistas 24 •
70
rogcncidade de atividades envolvidas e em complexidade da vida ur-
hana apontou para uma gradual multiplicação de funções munici-
pais. Na raiz deste crescimento e desta diversificação encontram-se
processos complexos- do desenvolvimento dos mecanismos esta-
tais a partir do final da Idade Média até o desenvolvimento da civili-
wção industrial.
O fator forma
7t
l<ntlodu COilliHTL'Ilsuo de cada período histórico L'ltl suas motiva-
çôes essenciais. Utwnto aos historiadores, contam-se inúmeros
exemplos de consideração dos aspectos morfológicos em sua asso-
ciação com os aspectos histórico-sociais, sobretudo a partir da dé-
cada de 1950, quando surgem diversificados estudos sobre cidades
específicas. Resumiremos, a seguir, as questões com que habitual-
mente deve se defrontar o pesquisador na sua busca de captar a "di-
mensão morfológica da cidade".
72
na Europa das Luzes 27 • Passam por aí também as histórias militar e
administrativa, onde o abandono da muralha como recurso defensi-
vo remete à descoberta de armas que as tornaram obsoletas ou à
constituição de novos mecanismos de defesa que prescindem da
barreira física, sem contar nas novas formas de controle e de iden-
tificação que passaram a regular a entrada e a permanência nos re-
cintos urbanos.
Deve-se começar o rastreamento de planos urbanos possíveis a
partir das "formas puras", que são aquelas que ainda não implicam
em justaposição de diferentes tipos de planos. Normalmente distin-
guem-se entre as formas puras os "planos irregulares" e os "planos
regulares", estes últimos com múltiplas possibilidades formais (pia-
no xadrez, plano de raios concêntricos, e assim por diante). Em di-
versos casos, a escolha premeditada de uma forma ou outra pode
denotar uma visão de mundo específica 28 • Em outras situações, a
emergência de uma determinada forma está associada a um tipo de
crescimento histórico-social. Dickinson identifica o plano de raios
concêntricos com as formas de crescimento natural especialmente
identificáveis nas cidades medievais 29 • Pierotti, por outro lado, criti-
ca a aplicação da noção de espontaneidade a este tipo de crescimen-
to, e demonstra para casos como estes a possibilidade de uma inten-
cionalidade e de uma logicidade orientadas pelas necessidades da
coletividade, tomando como ponto de partida de sua análise as cida-
des medievais italianas 30 • Quanto ao plano irregular, tem-se exce-
73
k11les exe111plos IHIS cidades isl[unicas medievais, ru11lun11e os estu-
dos de PLAN 1101)1.
Não é por acaso a abundância de exemplos de planos referentes
às "formas puras" nos períodos antigos e medievais. Deve-se consi-
derar que diversas cidades atravessaram períodos consideráveis, sur-
gindo a partir da época moderna uma complexa justaposição de
planos que indicam "rupturas econômicas, sociais, e ideológicas".
Por outro lado, a sociedade empresta sentido "à reutilização de
formas antigas ou à importação de outras, estrangeiras" 32 • Daí re-
sulta uma complexidade morfológica que deve ser objeto de estu-
do daqueles que elegeram as cidades modernas como seu principal
foco de interesse.
74
<.:visitantes lwbituais mostra-se lormauo por peças clar<lllH.:ntç uifl! -
rçnciauas onde cada um conhece o seu lugar e sente-se estrangeiro
nus uemais. A organização dos compartimentos urbanos é um pro-
cesso relativamente complexo. Há cidades e concepções urbanísti-
cas onde se separam explicitamente as funções sociais: o centro de
negócios, o distrito industrial, o bairro boêmio, a zona do meretrí-
cio, os grandes jardins, e finalmente as zonas residenciais - estas
mesmas separadas claramente umas das outras conforme o seu tipo
de habitantes. Neste último caso, os critérios de separação podem
ser as categorias sociais, as necessidades profissionais, as etnias, ou
até o predomínio desta ou daquela faixa etária. É a esta prática cita-
dina de separação das classes sociais e funções no espaço urbano
que os estudiosos denominam "segregação espacial". A noção abran-
ge tanto as eventuais separações entre "residência" e "trabalho",
como os alocamentos de grupos sociais e culturais definidos em es-
paços diferenciados.
Nas cidades medievais, por exemplo, não raro havia muros se-
parando os bairros reservados a etnias, a nacionalidades, ou a gru-
pos religiosos específicos. As judiarias e mourarias vinham cercadas
por muralhas que até hoje deixam suas marcas no desenho das cida-
des da cristandade ocidental. Constantinopla, no mundo cristão do
Oriente, costumava ter no auge de seu desenvolvimento bairros es-
peciais para os venezianos e genoveses, que não podiam se misturar
sob o risco de verdadeiras comoções sociais. E nas modernas cida-
des do apartheid sul-africano costumava-se sinalizar a segregação
através de placas que indicavam os lugares proibidos ou permitidos
para a população negra.
Mas nem sempre esta separação é assim tão explícita. A segrega-
ção também se escreve por símbolos. A fronteira entre um bairro
popular e um bairro da gente mais rica pode ser uma esquina, uma
ponte, uma imagem, ou nem sempre se colocar de maneira muito
precisa. Por outro lado, as cercas e fronteiras imaginárias que esta-
75
bl'k'Cl'lll ulu ~ ar lk- emiti t~tivid;Hh- l' ue C<IU<I 11111 d! ,., 1111 lfll dll l"l'S IL' Ill
Um CÓUÍgo 4Ue poue ser também Jecifrauo pelos S lll'Ílllll~liS l' hi sto -
riadores. Mais dificilmente se vê falta de saneamento, de se rviços
públicos e de policiamento naqueles bairros habitados pelos ricos
do que nos guetos ou nas zonas pobres da periferia. Os edifícios en-
vidraçados e os transeuntes de terno e gravata separam visualmente,
em algumas cidades modernas, o centro de negócios dos "bairros
proletários", com suas casas simples e seus moradores vestidos pre-
dominantemente com trajes simplórios.
A "segregação", explícita por limites bem determinados ou im-
plícita no próprio modo de vida de cada ambiente urbano é, por
tudo o que se viu, um elemento a mais para o delineamento da "for-
ma interna" de uma cidade. Desta "forma interna", destas subcultu-
ras urbanas e compartimentos específicos, a "segregação" se ali-
menta. E, no entanto, tal como uma vez assinalou o sociólogo italia-
no Ferrarotti, "bairros de luxo e ghettos de miséria são necessários
uns aos outros, surgem de algum modo ligados num destino co-
mum, são o produto da mesma lógica de desenvolvimento" 33 •
A leitura da segregação social na forma urbana, da maneira co-
mo colocamos, é naturalmente apenas um dos lados da questão. Tal
como salientou com acerto Roncayolo, "não é lícito limitar a segre-
gação às suas manifestações espaciais e, por maioria de razão, a
uma simples distância geométrica. Pelo contrário, é a relação entre
distância topográfica e distância social que pode, em certa medida,
caracterizar as sociedades e permitir avaliar os resultados de com-
posições sociais concretas". Da mesma forma, "o isolamento, a ex-
clusão ou a procura de identidade não se lêem forçosamente no
mapa". Mas enfim, como destaca pontualmente o autor, "as noções
33. F. FERRAROTTI. "La ricerche romane - 11: lnterrogativi sulla città come molteplicità
di sistemi"./n: Critica Sociologica, n. 27, out. de 1973, p. 24.
76
l'spaciais n·nwll'lll conslaniL'Illl'llll' ils rl'l:u.;lll'S dl' pmll'l', a idl'olo-
~i:~, :~os 111odus de habitar a cidadc" 14 •
77
prio ml·rcado imohiliflrio aponta como critl-rim.. alt'lll du IIH'Ira~l'm,
o número ue aposentos do imóvel negociauo.
Ora. A consciência de que a segregação espacial tem uma história
complexa obriga a que o historiador que estuda a cidade em um pe-
ríodo qualquer não perca de vista o modelo de segregação espacial vi-
gente naquele momento. Na maioria das cidades medievais do oci-
dente europeu não havia uma segregação entre "residência" e "traba-
lho", e no que concerne às enormes diferenças de posição social que
já havia naquele período, deve-se considerar que elas nem sempre
eram expressas por distâncias físicas. À parte os guetos étnicos e reli-
giosos que em muitos casos impunham a sua necessidade, um mes-
mo bairro podia abrigar membros da nobreza, burgueses ricos, arte-
sãos pobres e jornaleiros miseráveis - uma sociedade bastante diver-
sificada que, todavia, encontrava outros recursos para a expressão
das distâncias sociais que não a mera segregação socioespacial.
Assim, um determinado modo de vestir ou um padrão de gestu-
alidade podia demarcar bem as distâncias sociais. Há mesmo regu-
lamentações para o vestuário, proibindo a um grupo social introme-
ter-se no sistema indumentária do outro. E as prostitutas e judeus,
independente de serem ou não obrigados a uma segregação espacial
concreta, podiam em alguns casos serem obrigados a usar sinais es-
pecíficos na roupa. Observações similares poderiam ser feitas para
outras cidades, como as do Brasil Colonial, onde é possível localizar
num único espaço tanto uma polivalência funcional como uma mis-
tura social que trazia para a mesma proximidade o escravo, o traba-
lhador pobre e o grande proprietário. O importante para o historia-
dor, portanto, é dominar conscientemente o código de segregação
da sociedade urbana examinada. A "forma interna" tem múltiplas
sutilezas que devem ser percebidas para além das meras concretiza-
ções físicas.
78
!\ idria dl' 11111a morl'olot-!ia urbana implil:a <1 comprl'L'Ilsao lh: qul'
a ciJaJc nfío é uma lorma cst<Ítica, mas uma j(mnu em crescimento.
Trata -se, portanto, de investigar este constante processo de remode-
lamento urbano ao qual dificilmente qualquer cidade pode escapar.
Do ponto de vista do historiador, surgem os questionamentos acerca
da associação dos processos de crescimento urbano aos aspectos so-
ciais, demográficos, geográficos, bem como a toda uma série de in-
terferentes que atuam na definição de uma tendência de crescimento
urbano numa determinada direção ou maneira específica.
A preocupação com o "crescimento urbano" está presente na
obra de estudiosos diversos, dos urbanistas aos sociólogos, eco-
nomistas e historiadores. Já assinalamos que, por ocasião da cons-
tituição da Escola de Chicago, a elaboração de um modelo gene-
ralizável de formação e crescimento das "áreas naturais" urbanas
coube a Burgess. Este idealizou seu famoso "ideograma de desen-
volvimento urbano" onde o crescimento se verifica em torno de
um núcleo de pontos focais, constituído predominantemente pelas
atividades comerciais e industriais. O esquema é calcado, na ver-
dade, sobre o estudo de cidades tipicamente americanas, basean-
do-se nos processos de etnic sucession e da residential invasion.
O modelo de Burgess propõe zonas concêntricas, residindo a
alta burguesia nos subúrbios periféricos. A progressão social evolui
do centro para a periferia, de maneira que cada grupo social vai
abandonando espaços mais próximos do centro e conquistando os
arredores mais valorizados socialmente.
Diversas críticas foram feitas à generalização deste modelo, so-
bretudo por parte dos chamados "ecologistas socioculturais", como
Hoyt, que propõe uma cidade dividida em setores triangulares -
como as fatias de um bolo- observando que em diversos casos seto-
res triangulares inteiros perdem prestígio social à medida em que se
79
aproxinwm da pL·rikria 1'. Por outro lado, ar~tlllll'lllil Sl' que , IIIL'S ·
mo para o caso americano, existem dileren~as diacrônicas entre os
processos de formação das cidades anteriores c posteriores à Pri-
meira Guerra (MacDONALD, J.S., 1969).
Se nos voltarmos para os processos de formação das cidades eu-
ropéias, perceberemos claramente que o modelo de crescimento
concêntrico proposto por Burgess ali não se aplica 36 • Por outra par-
te, mesmo ainda se referindo ao universo urbano dos Estados Uni-
dos, Firey destaca o papel dos "valores simbólicos" que ligam esta
ou aquela classe social aos seus locais habituais, desmentindo-se
aqui qualquer evolução mecânica 37 • E a partir dos anos 1950 será a
vez de Form criticar o modelo proposto por Burgess para compre-
ender a distribuição de grupos sociais pela cidade a partir da idéia
de mercado livre, livre competição e processos subconscientes de
alocação de semelhantes 38 • Para Form, os caminhos da distribuição
social pelo espaço urbano, incluindo os mecanismos de segregação,
são determinados por aqueles que detêm o "poder social" para a fa-
bricação do espaço urbano (proprietários individuais de terrenos e
imóveis, organizações econômicas, companhias imobiliárias, em-
presas de construção civil, e por fim os poderes públicos).
35. H.Y. HOYT. The structure and growth of residencial neighbourhoods in american ci-
ties. Washington: U.S. Government Printing Office, 1939. Hoyt assinalava: "mais do
que um processo de invasão, é a escolha pelas classes privilegiadas de novas resi-
dências e de novos modelos de vida que orienta o movimento, enquanto os imigrados
mais recentes se infiltram nas áreas que ameaçam ser voltadas ao abandono"
(RONCAYOLO. "A cidade", p. 447).
36. Um modelo para o padrão social-morfológico europeu é a cidade de Paris, onde o
valor social decresce à medida que nos afastamos do centro. Na Inglaterra, por outro
lado, a preferência das classes mais favorecidas é pelos subúrbios, o que aproxima os
modelos inglês e americano.
37. W. FIREY. Land use in central Boston. Cambridge, Mass.: Harvard University Press,
1947.
38. W. FORM. The place of social structure in the determination of Land Use.ln: Social
Forces, XXXII, 1954.
ao
I >cve-se questionar, por fim, a própria idéia de um "centro úni-
co", o que corresponde na verdade a um modelo de visualização que
nem sempre condiz com a vida urbana. Harris e Ulmann, por exem-
plo, assinalaram a natureza compósita da cidade, fundada sobre nú-
cleos diferenciados. Buscavam conciliar desta forma, contestan-
do-as no essencial, a idéia original de Burgess acerca de uma evolu-
ção concêntrica e a proposta de crescimento por fatias triangulares
aventada por HoytJ9.
O fator cultura
39. C h. HAARIS & E. L. ULMANN. The nature of cities./n: Anna/es of American Academy
of Política/ and Social Sciense, CCLII. New York, 1945.
40. "Cultura" deverá ser entendida aqui como um conjunto de comportamentos e ati-
tudes, ou como o conjunto de aspectos geradores de um modo de vida específico.
Tais são as noções sugeridas por Wirth em A cidade como modo de vida, por Sim mel
nas suas obras sobre a caracterologia do homem urbano, e por RONCAYOLLO em
seu artigo "A cidade", op. cit., p. 422.
41. PARK parece ter em vista esta ordem de reflexões quando afirma que "a cidade é o
lugar natural do homem civilizado" (PARK, BURGESS e McKENZIE. La città. Milão,
1967, p. 6).
81
ral" que encontra nos meios urbanos múltiplos meios dt• cunt:rctiza -
ção e circulação. Neste caso, não seria melhor, na esteira da Jife-
renciação entre "civilização" e "cultura", considerar a cidade como
o "lugar da civilização"?
82
1 ic
Je ofícios cspccializauos, de adestrar a outros na prática admi-
uislrativa e no suporte do poder estatal, e de transmitir a um tercei-
ro grupo ensinamentos e práticas sacerdotais. Com isto, a cidade
tornar-se-á também o "lugar do ensino", e mais tarde o lugar das
academias e das universidades.
É claro que, se operacionalizarmos um conceito mais amplo de
cultura, que inclui a oralidade como um meio igualmente legítimo
de difusão cultural, a cidade poderá ser enquadrada, quando muito,
como o "lugar da cultura escrita". E ainda este posto será questio-
uado se lembrarmos que alguns mosteiros medievais, mesmo quan-
do isolados em uma vastidão rural, também se apresentam como
"lugares da cultura escrita" por excelência.
Mas é também a cidade a sede de uma cultura material específi-
ca. Sinais, placas de trânsito, bancas de jornal, postes, viadutos, ar-
ranha-céus- são estes os artefatos da cidade moderna, da mesma
lorma que a cidade antiga ou a cidade medieval teriam os seus pró-
prios artefatos urbanos, tornando-se também a sede de uma cultura
material singular. As muralhas e as "portas da cidade", com suas
inscrições peculiares ("o ar da cidade liberta" era por exemplo a ins-
crição típica das cidades hanseáticas) - são estes alguns dos artefa-
tos urbanos medievais que repercutem mesmo para além de sua per-
manência concreta, visto que algumas muralhas depois extintas
continuam a ditar ainda hoje o traçado das ruas de cidades que
avançaram para a modernidade, e que ainda hoje se fala simbolica-
mente em entregar a alguma pessoa ilustre a "chave da cidade".
Irá se notar que alguns dos artefatos urbanos mais típicos reme-
tem via de regra aos mecanismos de intercâmbio, de intermediação,
de circulação. O semáforo media o tráfego, a banca de revistas me-
dia a informação, o poste distribui a eletricidade por uma miríade de
wnsumidores, o arranha-céu superpõe no mais estreito espaço físi-
w uma diversidade de funções comerciais e de residências. A porta
da cidade medieval regula a entrada e a saída de víveres e homens-
83
e enquanto as muralhas convidam os últimos a maniCI'l'III -SC à dis -
tância, as inscrições os convidam a entrar. A natureza dos artefatos
urbanos denuncia, pelo menos a partir de determinada época, a mu-
dança permanente e o intercâmbio.
Já havíamos assinalado que uma das metáforas mais tentadoras
para as formações urbanas corresponde à imagem do "ímã". A cida-
de é efetivamente um pólo de atração, não apenas com relação aos
já abordados aspectos das trocas econômicas e migratórias, mas
também naquilo que faz da cidade um lugar das trocas culturais.
Criadoras de moda, muitas cidades costumam difundir padrões de
comportamentos e fomentar intercâmbios diversos. Constituem-se
não raro em "pontos de encontro de civilizações", e por isso nem
sempre pertencem apenas aos seus habitantes, tornando-se também
um pouco possuídas pelos estrangeiros 42 •
Seria oportuno acrescentar, por fim, que sob determinadas cir-
cunstâncias a cidade converte-se em "espetáculo". Não apenas como
um palco para os artistas diversos - que de resto afluem para ela
constantemente- mas também para os poderes estatais e municipais,
que atuam tanto por meio dos monumentos e obras administrativas
visíveis como por meio das cerimônias e cotejos públicos dos seus
governantes. Espetáculo, por fim, para a atuação do homem co-
mum, tornado simultaneamente ator e espectador.
42. Uma referência sobre a ênfase no papel da cidade como "mediadora cultural" en-
contra-se em J.C. PERROT. Genese d'une vil/e moderne: Caen au XVIII siàc/e. Paris/La
Haye: Mouton, 1975.
84
rãu vuriações diacrônicas que perpassam a "cultura da cidade", di-
ferenciando uma mesma formação urbana nos seus diferentes mo-
mentos históricos? 2) Existirão variações sincrônicas que distin-
guem culturalmente uma cidade de outra de seu tempo? 3) Existi-
rão nuances culturais vinculadas à diversidade social (socioeconô-
mica, étnica e religiosa) interna ao tecido urbano?
Um dos pioneiros na reflexão sobre a cultura urbana foi Simmel.
Pela primeira vez alguém se arriscou de forma direta em uma "ca-
racterologia do homem da metrópole", com todas as limitações que
uma empresa com este nível de generalização costuma acarretar
(SIMMEL, 1902) 43 • "Depois de estabelecer um vínculo entre a eco-
nomia monetária e a atitude intelectualista do homem urbano, que o
leva a uma orientação pragmática no tratamento dos homens e das
coisas" (p. 448), Simmel é levado a destacar no homem citadino o
traço fundamental da "indiferença" para com o seu semelhante, ao
mesmo tempo em que este mesmo homem citadino vive sob o signo
de uma elevada "mobilidade social".
A partir de Simmel, uma série de estudiosos do psiquismo cita-
dino passa a considerar a "mobilidade psíquica" como o "principal
fator característico da estrutura sociopsicológica urbana" 44 • Devido
à imensa multiplicidade e variedade de relações sociais a que está
sujeito o homem metropolitano, produzir-se-ia nele um "alto grau
de excitabilidade" que, não obstante, geraria por um lado a "indife-
rença" antes estudada por Simmel, e por outro lado o fenômeno do
"homem heterodirigido" solicitado pelas necessidades generaliza-
das que são canalizadas pelos meios de comunicação de massas.
Com respeito à "mobilidade psíquica" característica do homem ci-
43. George SIMMEL. Metrópole e vida mental (Die Grosstadt und das Geistesleben.ln:
Jahrbücher der Gehestifung, IX. Berlim, 1902). Citado a partir da publicação italiana
''Metropoli e personalità" (In: G.F. EUA. Sociologia urbana. Milão, 1971. "Metrópole e
vida mental") pRssa a ser o primeiro estudo sobre psicologia urbana.
44. P. SOROKIN llo C /IMMrRMAN. Rural-urban sociology. New York , 1929.
ladino, Sorokin L' aulor da l'ollhl'cidil llll'liílma qul' co111pari1 a l'S
trutura social rural i1 água parada conlida cmu111 rccipicntc Iriu, c <I
estrutura social urbana ao movimento da água em ebuli~ão.
Esta metáfora introduz-nos em um novo parâmetro de análise.
Normalmente, é preciso pensar o homem urbano por contraste com
o homem rural. Wirth já fizera notar, em seu famoso artigo "O ur-
banismo como modo de vida" (1938), a oportunidade deste trata-
mento comparativo:
a cidade e o campo podem ser considerados como
dois pólos de referência mútua pelos quais todos os
agregados humanos tendem a ordenar-se. Conside-
rando a sociedade urbano-industrial e a rural-cam-
ponesa como tipos ideais de comunidades, podemos
criar um ponto de vista para a análise dos modelos
fundamentais de associações humanas, tal como apa-
recem nas sociedades contemporâneas 45 •
É também a partir desta dicotomia, embora tratada inteiramente
dentro do campo da psicologia, que Helpach constrói a sua caracte-
rologia do homem metropolitano, traçando um paralelo entre as
"formas de urbanidade" e as "formas de cultura rural":
O homem da cidade, diferentemente do habitante da
pequena cidade ou da aldeia, vive num ritmo acele-
rado em todos os setores da vida, deve utilizar todos
os instantes, controlar todos os minutos, compreen-
der, decidir, modificar as decisões com extremara-
pidez, sem o que não chegaria ao fim do seu dia 46 •
Mesmo Marx e Engels já haviam analisado a produção destas
duas realidades dicotomizadas (cidade e campo) como um proces-
45. Louis WIRTH. O urbanismo como modo de vida./n: American Journal of Socio/ogy,
vol. 44, 1938, p. 1-24.
46. W. HELLPACH. L'uomo del/a metropoli. Milão, 1966.
86
so alienante, que derivaria a princípio da divisao social do trabalho.
I >esta forma, "a oposição entre cidade c campo é a mais crassa ex-
pressão da submissão do indivíduo à divisão do trabalho, sob deter-
minada atividade que lhe é imposta: subsunção que limita um ao es-
tado animal urbano, o outro ao de animal rural, e renova cotidiana-
mente o dissídio entre os seus interesses" 47 • O próprio Engels é autor
de um quadro alarmante da psicologia do citadino moderno, que já se
antecipava mesmo a Simmel na identificação da "indiferença" como
um traço essencial da psicologia do metropolitano moderno:
Atropelam-se apressadamente como se não tivessem
nada em comum, nada para fazer uns com os ou-
tros, e entre eles existe apenas o acordo tácito pelo
qual cada um vai na parte do passeio à sua direita
para que as duas correntes da multidão, que se pre-
cipitam em direções opostas, não lhe interrompam,
por seu turno, o caminho; e, todavia, nenhum se
digna a olhar para os outros. A brutal indiferença, o
insensível isolamento de cada um no seu interesse
pessoal ressalta de forma tanto mais repugnante e
ofensiva quanto maior é o número destes indivíduos
singulares que estão concentrados em um espaço
restrito; e ainda que saibamos que este isolamento
do indivíduo, este estreito egoísmo é em toda a parte
o princípio fundamental da sociedade de hoje, em
nenhum lugar, porém, ele se revela de forma tão aber-
ta, tão consciente como aqui, na multidão da grande
cidade 48 •
87
Cada vez mais este quadro mostra-se realista l'lll rl'la<;iio às ci-
dades modernas, sobretudo nas metrópoles mais populosas. Seria a
hora, contudo, de perguntar: valerá um quadro como este para to-
dos os tipos de formações urbanas, e para todos os períodos históri-
cos? Ou teriam outros períodos históricos revelado modelos diver-
sificados para a cultura urbana- com a cidade antiga, a cidade me-
dieval ou a cidade do início da Modernidade apresentado cada qual
uma caracterologia própria para o seu citadino? A importância des-
ta pergunta está mais no questionamento levantado do que nas pos-
síveis respostas, pois ela significa perguntar se as cidades modernas
terão de ser sempre assim, ou se um dia poderá ser superado um pa-
drão de comportamento urbano que nem sempre tem sido examina-
do de maneira muito otimista.
Alguns historiadores têm se empenhado na direção de definir
uma caracterologia do citadino de outros períodos históricos, tal
como Simmel ou Wirth se esforçaram em fazer com relação ao cita-
dino moderno. Por ora, citaremos apenas o artigo de Jacques Rossi-
aud, intitulado "O citadino e a vida na cidade" 49 , no qual ele destaca
três características essenciais do citadino medieval. Em primeiro lu-
gar, a convivência obrigatória imposta a todos os citadinos, que gera
normas de convivência desconhecidas na aldeia. Em segundo lugar,
o uso diário do dinheiro. Por fim, pelo menos para um setor impor-
tante de população urbana medieval, a produção de uma abertura
obrigatória ao mundo (p. 100).
Pode-se notar que, embora Rossiaud afirme acertadamente que
"cada período da história tem o seu tipo de citadino" (p. 100), o
conjunto destas características não contrasta radicalmente com a
"convivência obrigatória" assinalada por Simmel e Engels para a ci-
AA
Jade moderna, embora neste último caso seja uma convivência obri-
gatória que sofre o insuportável paradoxo de uma indiferença po-
tencializada; da mesma forma, o "uso diário do dinheiro" que se
prefigura no citadino medieval de Rossiaud, e que teria sido urna
novidade para o homem feudal, já foi assimilado ao infinito nasci-
dades modernas; por fim, a "abertura obrigatória para o mundo" já
não é mais apanágio de um setor de citadinos medievais, mas uma
dimensão inseparável da vida de todos os citadinos contemporâneos
aos poderosos meios de comunicação de massa, tal corno se verifica
no "homem heterodirigido" de Sorokin e Zimmerrnan.
Com relação ao citadino de períodos anteriores, corno a Idade
Média ou a Antigüidade, é preciso buscar também contrastes em re-
lação ao habitante das cidades contemporâneas. Por ora, fiquemos
com a observação de que este "individualismo" do citadino moderno,
que tanto alarme traz a alguns dos estudiosos da cidade contemporâ-
nea, não pode ser integralmente importado para as cidades pré-mo-
dernas. Já vimos que João de Salisbury, parisiense da Idade Média,
clamava no seu Policraticus por cidadãos que ocupassem a sua fun-
ção orgânica no corpo citadino. E não seria demais citar Xenofontes
para a Atenas da Antigüidade, na sua opinião de que a experiência da
vida de cidadão consistia fundamentalmente em "participar juntos
das cerimônias [ ... ] do culto, dançar nos mesmos coros, freqüentar
as mesmas escolas, servir nas mesmas fileiras" 50 • Ou, para utilizar
urna feliz expressão de Nicole Loraux, "o hábito da cornunidade" 51 •
Já nem nos interrogaremos, por hora, acerca da caracterologia
do homem citadino em formações urbanas típicas de sociedades di-
ferenciadas da civilização ocidental. Que poderia ser dito, por exem-
plo, acerca da caracteriologia geral do habitante de urna metrópole
50. XENOFONTE . Helênicos, 11, 4, 20 (apud N. LORAUX. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1994,
p. 341).
51. N . LORAUX 11 1/IVII/11;110 de Atenas, op. cit., p. 341.
BB
da Índia moderna, ou de uma cidade do seu interior? Da mesma
forma, quão diferentes se mostram as cidades ocidentais da Idade
Média das cidades islâmicas do mesmo período - estas privadas a
princípio de instituições propriamente municipais, de autonomia de
decisão política, ou até das organizações corporativas que no Oci-
dente consolidariam a soberania urbana. Tudo isto repercute, de uma
maneira ou de outra, na disposição aparentemente desordenada de
suas ruelas e na escassez de praças e espaços abertos, tendendo a va-
lorizar a importância da célula familiar -o que não exclui, por outro
lado, uma organização efetiva devido à presença da mesquita ou do
bazar, onde os suk e as residências ordenam-se principalmente
como espaços internos ligados por ruelas (PLANHOL, 1968) 52 •
Resta por fim o último questionamento ao qual vinculávamos a
investigação sobre uma "cultura da cidade". Que constelação de sub-
culturas deve ser considerada sob esta aparente cultura mais ampla
que buscam os caracterólogos do homem citadino? Grupos étnicos,
grupos etários, grupos religiosos, partidos políticos, associações pro-
fissionais, agrupamentos de imigrantes inseridos dentro de uma gran-
de metrópole- cada um destes focos de atuação coletiva é certamen-
te co-produtor de padrões de comportamento. Por conseguinte- se
definimos cultura como um conjunto de comportamentos e atitudes
geradores de um modo de vida específico - são também definidores
de cultura e de subculturas urbanas. A eles poderiam ser acrescenta-
dos ainda os diversificados padrões familiares, sem falar nos níveis
sociais que, tal como já se viu, expressam de maneira mais ou menos
clara a sua diversidade, mormente quando enquadrados em espaços
segregados pela própria distribuição imobiliária.
É em vista desta diversidade, oculta sob o tecido cultural mais
aparente, que diversos autores criticaram os propósitos generaliza-
54. R.N. MORAIS. Sociologia urbana. Rio de Janeiro: Zahar, 1972, p. 30.
55. Umberto ECO. La structura assente. Milão, 1968.
92
urhc111 grmflth (I gb2)~h. Âll a\1·~ da ohscrv:u;fto Jo colllportallll'lllll
du homem metropolitano Jo ponto de vista Ja quant iJaJc c qual i
daJc Je informação no plano econômico, ecológico, psicológico.
·.ucial, o autor verifica que o elemento comum do universo examina-
do, ainda que na diversidade de perspectiva das disciplinas particu-
lares, é a comunicação humana. Desta maneira, os processos de co-
municação e troca quer no nível econômico de relações de mercado,
quer no nível de transmissão de modelos de comportamento, reve-
lam-se indicadores válidos para a formulação de uma teoria sobre o
desenvolvimento humano. Nesta perspectiva, a cidade é encarada
wmo sistema de trocas interacionais necessárias ao homem para se
manter em comunicação com os outros. A cidade, enfim, emerge na
sua característica mais saliente: "lugar de trocas", seja no plano mer-
cadológico ou, sobretudo, no plano cultural.
O fator imaginário
93
que se força a aparecer por entre um grupo de <Írvon:s, nada disto c ri
gorosamente gratuito. A cidade, tal como já se assinalou alhures, é
também obra coletiva.
Com relação à representação que prefigura a construção da c i-
dade ou a sua remodelação, os exemplos mais típicos aparecem nos
períodos "clássicos" da história da arte e do urbanismo. Podemos
lembrar aqui, simultaneamente, os modelos urbanos idealizados pc-
los arquitetos renascentistas no século XV, e as idealizações ilumi-
nistas da cidade, já no século XVIII. É precisamente um desejo de
interferir no espaço citadino, de modo a atender as exigências eco-
nômicas, políticas e sociais, o que anima a planificação renascentis-
ta, e não por acaso neste mesmo contexto começam a aparecer os
primeiros esboços de uma teoria sobre a cidade que passa a conce-
bê-la como expressão da sociedade 57 . )á nem mencionaremos as sin-
tomáticas cidades utópicas imaginadas por Thomas Morus e Cam-
panella: a Utopia, descrita por Morus na obra de mesmo nome pu-
blicada em 1516, e a Cidade do sol, descrita por Campanella em
1602, já às portas do período barroco 58 .
57. Ver o artigo de Giulio Carla ARGAN intitulado Cidade ideal e cidade real (História
da arte como história da cidade, p. 74).
58. Thomas MORUS. Utopia. In: Os pensadores. São Paulo: Abril, 1980. • CAMPA-
NELLA, Tomaso. Cidade do sol. In: Os pensadores. São Paulo: Abril, 1980.
94
hém tem sido estudado por <llguns autores, mas da cidade na pró-
pria imaginação cotidiana do homem comum. Este é o objeto de cs-
tuJo Jc Kevin Lynch, em A imagem da cidade (I 960) 59 •
Contribuições fundamentais para uma teoria da imaginação ci-
tadina são apresentadas já no primeiro capítulo, onde se destaca a
elaboração das noções de "imaginabilidade" 60 e "legibilidade". "A
imaginabilidade é a qualidade física que confere a cada objeto uma
elevada probabilidade de evocar em cada momento uma imagem vi-
gorosa" (p. 31). A "legibilidade" depende da capacidade perceptiva
de cada cidadão - e só seria plena para um tipo idealizado de habi-
tante citadino que se apresenta como o portador dos valores cultu-
rais mais avançados, o único capaz de interpretar plenamente a
nova realidade surgida. A obra de Lynch está calcada no exemplo de
três modernas cidades americanas, mas a elaboração do enfoque da
"imaginação sobre a cidade", discutido teoricamente no capítulo
inicial e em outras partes do livro, deve ser vista como uma contri-
buição importante para o estudo das cidades em geral.
Por outro lado, Lynch também oferece um modelo metodológi-
co para a investigação da imaginação das formas urbanas. Ao exa-
minar o conjunto das imagens que os citadinos elaboravam das ci-
dades em que moravam, o estudioso americano concluiu que pelo
menos cinco elementos sempre apareciam nas representações men-
tais analisadas. Não são apenas elementos referentes ao espaço físi-
co, mas também às práticas sociais e comportamentos integrados a
este espaço. Vale a pena pormenorizar cada um destes tipos de ele-
mentos, pois constituem um excelente instrumento para a reconsti-
tuição da forma imaginada.
Os "caminhos" (path) corresponderiam aos vários trajetos que
o observador associa à imagem dos lugares. Podem ser relacionados
59. K. LYNCH. A imagem da cidade. São Paulo: Martins Fontes, 1994, p. 1-15.
60. "Figurabilidade" na tradução portuguesa.
95
a quaisquL·r tipos dL' l: illlais dl' l:irnlla\ao, L:OIIIO rll&l.., , IH·, ·o~. trilhos,
c também atalhos que rompem o sistema viário L:OIIVL'lll:iollal. Por
meio destes trajetos, a imaginação citadina perceberia precisamente
as informações morfológicas passíveis de serem integradas em um
processo de memorização. Os caminhos representados mentalmen-
te selecionam seqüências de aspectos morfológicos e de marcos que
nutrem a percepção dos trajetos citadinos. São percebidos em ter-
mos de pontos de origem e destino, mas também de texturas de su-
perfícies (o asfalto das avenidas ou os trechos de terra escavada que
se inscrevem no declive de um pequeno morro que é utilizado para
cortar caminho).
Os "bairros" (districts) corresponderiam a porções ou partes da
cidade, de tamanhos variados, que na estrutura da imagem citadina
são percebidos pelo seu imaginador como zonas temáticas, ou como
conjuntos morfológicos dotados de suficiente clareza e coerência
para aqueles que o concebem imaginativamente. Deste modo, os bair-
ros são diferenciados uns dos outros na imaginação dos citadinos,
aparecendo como individualidades nesta partição mental, pois cor-
respondem a uma coerência temática que abrange tanto aspectos
morfológicos como atividades e significados específicos. As relações
de um bairro com outros ou com a totalidade do contexto urbano po-
dem ser diversificadas, indo dos bairros introvertidos que se voltam
para dentro e que apresentam referências diluídas em relação à totali-
dade urbana que os envolvem, até os extremamente conectados com
os elementos circundantes. Da mesma maneira, do ponto de vista fí-
sico um bairro pode se apresentar como independente ou compor um
mosaico por justaposição a outros bairros associados.
Os "limites" ou "bordas" referem-se a rupturas dos bairros ou a
fronteiras dos bairros-limite com seu entorno, correspondendo a
referências laterais entre territórios que são mediados ou por barrei-
ras ou por costuras. Neste sentido, podem corresponder tanto a
barreiras ou costuras naturais - morros, rios, praias - como a as-
96
pL'l:los l'dil11 1111,,~ (I'II:IS, Cilll:lis, lllllros). Os limites conlribuem para
L"slratilkm uu sq~regar zonas urbanas, ocasionalmente estabclecen-
Jo JilkuiJt~Jes para a transposição de um ponto a outro.
Os "pontos focais" seriam relacionados ao movimento e circula-
ção, uma vez que na imaginação citadina a eles se vai ou deles se
chega, funcionando como confluências temáticas que podem se re-
ferir tanto a aspectos físicos como funcionais. Os pontos focais alte-
ram-se de acordo com a escala de observação ou de análise. Um bair-
ro, por exemplo, pode ser ponto focal de uma cidade (o centro de
negócios de uma metrópole, ou um centro turístico). Uma avenida
ou uma grande praça pode ser o ponto focal de um bairro. Em virtu-
de de seu papel na circulação urbana, os pontos focais habitualmen-
te correspondem a interseções de caminhos.
Os "marcos visuais" (landmarks), por fim, constituiriam pontos
de referência externa ao observador. Se os "pontos focais" se apre-
sentam como lugares que permitem ou até exigem a penetração do
observador, já os "marcos visuais" são elementos impenetráveis pela
trajetória imaginativa, funcionando apenas como pontuadores desta
trajetória. Os marcos visuais seriam "chaves de identidade" para a
construção mental da forma urbana, permitindo precisamente a lei-
tura e orientação da estrutura espacial. Apenas para dar um exemplo,
as duas torres gêmeas da cidade de Nova York constituíam um pode-
roso marco visual até antes do atentado de setembro de 2001. Com a
sua destruição, a imaginação urbana do nova-iorquino se viu seria-
mente abalada com a impressão de uma perda de identidade.
A característica do marco visual é a sua singularidade e o seu
contraste em relação àquilo que o cerca. É o caso, por exemplo, do
morro do Pão de Açúcar ou do Corcovado na cidade do Rio de Ja-
neiro. Também pode ocorrer que um marco visual esteja inserido
no interior de uma série de outros. Em um caso, o marco visual ope-
ra como uma referência que simboliza uma direção constante. Em
outro caso, os marcos visuais são pontuadores graduais do caminho
97
imaginativo. Vale ainda observar que um lllíll'l'o v1~11nl pode estar
associado a um ponto focal, pontuando visualmL'Illl' ""'lugar de in-
terseção entre dois ou mais caminhos, como ocorre com os grandes
monumentos postados em praças públicas. Este é apenas um exem-
plo de como os elementos propostos por Lynch devem ser examina-
dos como partes integrantes de um sistema, observando-se as suas
relações recíprocas.
Como um último aspecto relativo à imaginação citadina, vale res-
saltar que esta deve ser passível, por outro lado, de historicização,
de percepção de suas transformações através do tempo. Esta última
preocupação vincula-se ao trabalho de Paolo Sica em L'immagine
della città da Sparta a Las Vegas ( 1970) 61 • Ao estudar a imagem da
cidade através de exemplos históricos específicos, o autor procura
situar esta imagem na relação entre realidade, pensamento teórico e
imaginação popular, bem como na oscilação entre cidade real e ci-
dade sonhada.
61. P. SICA. L'immagine del/a città da Sparta a Las Vegas. Bari: Laterza, 1970.
98
Apenas para citar um exemplo, é Panofsky (I gs 7) quem detecta
uma analogia formal entre a summa da escolástica medieval e as cate-
drais do mesmo período - ambos conjuntos inteligíveis compostos
segundo métodos idênticos e caracterizados, além disto, pela rigoro-
sa separação das partes, pela clareza explícita das hierarquias formais
e pela conciliação harmônica dos contrários 62 • É um mesmo estilo de
imaginação, poderíamos acrescentar, que está por trás do "texto es-
colástico" e do "texto gótico" que se expressa através destes sofistica-
dos artefatos urbanos que são as catedrais do período medieval.
O próprio Erwin Panofsky é fundador do famoso "método ico-
nológico", destinado a captar os vários níveis de uma representação
iconográfica 63 • O último dos níveis previstos pelo autor, a "camada
iconológica", é precisamente "este conteúdo último e essencial que
está na base de todas as manifestações da arte, "a auto-revelação in-
voluntária e inconsciente de um posicionamento fundamental no
mundo" 64 • Ora, considerando o conceito da cidade como "obra de
arte coletiva", e as próprias investigações de Panofsky sobre as rela-
ções entre a arquitetura gótica e uma visão de mundo que lhe cor-
responderia, um tratamento similar ao "método iconológico" pode
ser aplicado para a compreensão das motivações primordiais que
produzem a cidade na sua representação e na sua concretização ar-
quitetônica. Isto posto, é necessário compreender que a planifica-
ção e a concretização arquitetônica correspondem a registros de
linguagem distintos da iconografia. De resto, o "método iconológi-
co" pode ser aplicado com eficácia também na análise das represen-
tações iconográficas de cidades.
62. Erwin PANOFSKY. Gothic Architecture and Scho/asticism. New York: Meridian
Books, 1957.
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64. Omar CALABRESE. A linguagem da arte. Rio de Janeiro: Globo, 1987, p. 40.
99
Ouanto l1s cidades i111agimírias, constitlll'lll l'slas o último des-
dobramento do fator "imaginário" na constitui~úo da totalidade ur-
bana. Seu mais explícito produto corresponde à construção mental
e discursiva de "cidades utópicas", prática que aparece desde a
Antigüidade, em obras como A República de Platão, e que atravessa
a Idade Média e o Renascimento nas idealizações de autores como
Johann Andreae (Cristianópolis), Thomas Morus (Amaurote) e Cam-
panella (Cidade do sol), para finalmente atingir a Modernidade nas
próprias idealizações dos urbanistas contemporâneos.
O fator função
100
lro Jcste sistema, sob pena de não pertencer efetivamente a ele.
Para o caso da cidade, pode-se ainda considerar que ela simultanea-
mente pertence a vários sistemas diferenciados, como a alguns dos
que foram mencionados acima.
Em um caso ou outro, tem-se percebido a cidade como multi-
funcional. Por vezes pode predominar uma função ou outra com re-
lação ao sistema que consideramos, e isto não deixou de motivar
propostas de classificação das cidades consoante as funções predo-
minantes. Há autores que estabeleceram "funções elementares" na
ânsia de construir uma tipologia das cidades. Outros constroem por
dentro das possibilidades funcionais da cidade uma hierarquia de
funções primárias que se sobrepõem às funções secundárias. Por
outro lado, autores como o economista Derycke ( 1970) criticam os
estudos que meramente descrevem as funções por constituírem "mais
um catálogo do que uma explicação"66.
Algumas funções elementares emergem habitualmente dos estu-
dos sobre a cidade, sendo que alguns autores privilegiam umas e
outras na constituição de suas teorias das formações urbanas, ou na
sua avaliação da cidade em um período histórico específico. De fato,
parece comprovável que em determinados sistemas histórico-socia-
is algumas funções ocupem um primeiro plano em relação a outras
que haviam sido mais evidentes em período anterior. Funções "cul-
tural", "religiosa", "ambiental" ("residencial" ou turística), "políti-
ca" ("militar" ou "institucional"), "econômica" ("industrial" ou
"comercial") -aí estão algumas das funções mais citadas nos estu-
dos urbanísticos do século XX. Muitas delas correspondem, como
se pode ver, aos fatores fundamentais que vimos analisando co-
mo imprescindíveis para a compreensão possível da totalidade do
fenômeno urbano.
101
Exemplo de tipologia funcional é trazido pela obra ecológico
funcionalista de Jiril Musil, que divide as modernas cidades tchecas
em algumas categorias gerais: centros políticos, centros culturais,
centros militares, centros recreativos, centros residenciais e por fim
os centros econômicos, que se repartem em várias subcategorias
(cidades de produção primária, centros mineiros, cidades industriais,
cidades comerciais, cidades de transportes) 67 •
Quanto aos posicionamentos relativos ao predomínio de algu-
mas funções em detrimento de outras, conforme os períodos histó-
ricos, estes são múltiplos. Defrontando-se contra a tendência mais
habitual de privilegiar a função econômica da cidade - seja nos seus
aspectos "comércio", "indústria" ou "consumo"- Sjoberg estabele-
ce como um traço característico das cidades pré-industriais a predo-
minância da política e da religião sobre os demais fatores. Minimiza,
desta forma, o papel do comércio e dos mercadores no desenvolvi-
mento destas cidades. Dito de outra maneira, o autor argumenta que
o quadro de referência político, usualmente, precede à expansão co-
mercial, tornando-se o poder político- muito mais do que o comér-
cio - a base do surto e expansão dos centros urbanos no período
pré-industrial (1960) 68 • Da mesma forma, Thomas Frederic Toul
(1934) 69 assinala que as funções políticas e defensivas (militares) é
que estão efetivamente na origem do urbanismo medieval, e que só
posteriormente o comércio torna-se aqui uma função de destaque.
Com ele concorda Lewis Mumford (1961 ) 70 , marcando uma oposi-
ção às teses de Pirenne ( 1925) acerca das origens comerciais do de-
102
scnvolvimento urbano na Idade Média. Por outro lado, seria impor-
tante mediar esta questão com a consciência de que, em termos de
urbanismo, os "elementos de formação" não correspondem neces-
sariamente aos "elementos de desenvolvimento" (JULIAN, 1919) 71 •
71. Camile JULIAN. A propos de géographie urbaine./n: Revue des Études Anciennes,
XXI, 1919. Paris.
72. GARNIER & CHABOT. Trattato di geografia urbana. Pádua, 1970, p. 139.
73. W. CHRISTAI LI ll 1>10 Zentra/en Orte In Süddeutsch/and, 1933.
103
lizam centros menores, que por sua vez desL'111pl'11hillll l'ull <.f OCS SL' -
melhantes de distribuição de bens e serviços pan1 localidades urba -
nas ainda menores, estas em maior quantidade. lnstrumentaliza
para esta finalidade a noção de "região complementar", compreen-
dida como a área relativamente à qual se define a centralidade de
uma localidade maior que a organiza.
A função urbana também pode ser discutida em termos de fun-
ções desempenhadas pela sua população. Ou, uma vez que a hete-
rogeneidade urbana já pressupõe a priori uma divisão de funções
imposta à sua população, pode-se falar em uma "função dominan-
te" que prepondere sobre as demais e delineie o perfil da cidade em
termos externos. Desta forma, a moderna cidade americana de De-
troit é fundamentalmente uma produtora de automóveis, e as cida-
des da Flandres Medieval desempenhavam basicamente um papel
na produção e comercialização de tecidos. A Antiga Roma fora a
grande capital política do Império, e torna-se depois sede institucio-
nal do catolicismo medieval. Meca, de início uma grande encruzi-
lhada árabe de rotas comerciais, sobrevaloriza-se com o advento do
islamismo o seu papel como centro de peregrinações.
Geógrafos e sociólogos contemporâneos empenharam-se em es-
tabelecer uma espécie de "fórmula funcional", com base na compo-
sição profissional interna ao universo citadino, que permitisse iden-
tificar a atividade predominante que caracteriza a cidade. G. Harris em
seu Functional classification of cities in the United States (1943)1 4
propõe oito categorias de classificação (cidades mineiras, cidades
industriais, cidades de comércio, cidades centros de redistribuição,
cidades universitárias, cidades de recreio e de repouso, cidades de
atividades diversificadas). Alexanderson ( 1956) aperfeiçoou esta
104
análise, levando em consideração a população ativa e as dimensões
da cidade examinada 7 s.
Estabelecer uma "função predominante" não significa obvia-
mente desconsiderar que a cidade, agora considerada como um sis-
tema em si mesmo, necessariamente reparte funções diversas no
seu próprio interior. Desta forma, no que se refere à organização in-
terna do universo citadino, "as funções ativas diferenciam bairros
ou partes de aglomerados de acordo com a predominância de fun-
ções administrativas, comerciais e bancárias, industriais, etc." 76 • Aspec-
to já referido quando discutimos a segregação urbana.
75. G. ALEXANDERSON. The industrial structure of American Cities ... Lincoln: Univer
sity of Nebraska Press, 1956.
76. Pierre GEORGE. Geografia del/a città . Nápoles: 1963, p . 216.
105
,.
Conclusão
107
Quadro 3: Caracteriuzção da cidade como forma social específica
Qualitati•o populacional
lu mudo por md" tdwh
«><talrncnte ht:lt:n>K•·nt·f"
extensão espacial
m padrio de espa·
cialidade e de orgam-
, .. ~.Ju da propned..Jde
f>n,-t·n~a dt
A cidade pressupõe, por outro lado, determinados traços típicos
relativos à "espacialidade". Implica localização permanente e exten-
são física apreciável, mas também determinado padrão de espaciali-
dade e de organização da propriedade. Este padrão físico e espacial,
para registrar uma exemplificação bem familiar a todos os que habi-
tam em cidades, torna-se imediatamente visível no modo de dispo-
sição contígua de seus prédios e habitações, sempre mediados por
uma rede viária que assegura de algum modo a circulação, mas tam-
bém se revela pautado por uma determinada forma de avaliação da
propriedade e da materialidade urbana que toma por medida de ri-
queza ou de referência o "prédio" (e não o lote de terra, tal como
ocorre na realidade rural).
Do ponto de vista social, vimos que a cidade implica também
certo padrão de convivê,zcia, que tem como seu traço mais sobres-
salente a falta de conhecimento recíproco entre seus habitantes. Per-
cebe-se, neste e em outros casos, um modo de vida que seria carac-
terístico dos citadinos de uma certa época por contraste com os ha-
bitantes das aldeias ou do campo. Fala-se muito habitualmente na
solidão no interior da multidão, na vida apressada e regida pelo di-
nheiro em todas as suas instâncias, mas também na necessária con-
vivência com o outro e, habitualmente, com aqueles que vêm de fo-
ra 1• Tudo isto contrasta, muito evidentemente, com o "modo de
1. É importante ressaltar, conforme vimo· , que sempre devem ser considerados histo-
ricamente os aspectos característicos dl ste "modo especifico de vida" - tais como a
indiferença do citadino com relação ao seu concidadão, o caráter apressado de sua
vida e a alta mobilidade social. Se a vida em uma cidade medieval seria consideravel-
mente menos "apressada" do que em uma cidade moderna, por outro lado - do ponto
de vista da vida no campo - os seus contemporâneos ainda assim tenderiam a enxer-
gar neste "viver apressado" um traço urbano, o mesmo se dando com os aspectos re-
lativos à mobilidade e à indiferença citadina, entre outros traços típicos do modo de
vida urbano quo podorinrnos citar. Do mesmo modo, se o dinheiro é ainda mais circu-
vida" que seria típico tia rcalidaJc rural - c Jcvc -sc alhís ressaltar
como especificidade urbana a presença de ocupaç6es não-agrícolas
para uma parte considerável de seus habitantes.
Ressaltou-se, por fim, a significativa ocorrência de um mercado
permanente na ampla maioria das cidades em todos os tempos, o que
leva a visualizar na cidade sempre uma abertura externa que corres-
ponderia à ocorrência de trocas consideráveis com o exterior 2 • A c i-
dade, por fim, mostra-se um lugar privilegiado da multifuncionali-
dade, desempenhando ela mesma muitas funções relativamente ao
seu entorno, à rede urbana que a absorve como um de seus elos, e
também no que se refere a universos e unidades mais amplas (na-
cionais e civilizacionais). Multifuncionalidade, enfim, que se esten-
de internamente à sua variedade de habitantes, oferecendo um rosá-
rio de funções e ocupações que são tão próprias da realidade urbana
e que fazem com que a própria população citadina seja extrema-
mente complexa.
Por fim, viu-se também que a cidade possui uma tonalidade po-
lítica muito peculiar - em parte porque cada cidade possui a seu
modo uma relativa autonomia política (mesmo quando sujeita a
consideráveis poderes externos), e em parte porque toda cidade
abre-se como foco privilegiado para uma concentração de poderes
de vários tipos (dos institucionais e repressivos aos micropoderes
que regem a vida cotidiana de seus habitantes).
Iante nas cidades modernas, este também não deixa de ser um aspecto distintivo que
fazia com que as cidades da Idade Média contrastassem sensivelmente em relação à
vida rural da época.
110
Este seria um "esquema complexo" dos traços específicos que,
reunidos, poderiam caracterizar a cidade como forma de organiza-
ção específica. Para além disto, um outro passo nos estudos urbanos
seria o de examinar a cidade nos seus diversos momentos históricos.
111
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Alternativas para a crise urbana
Ermínia Maricato
\ llfti DO fUNDAO
OCAMPO DA HISTÓRIA
Especialidades e abordagens
José D' Assunção Barros