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EDUCAÇÃO E TRABALHO

AULA 2

Prof. Rui Valese


CONVERSA INICIAL

Nesses estudos, iniciaremos refletindo sobre as perspectivas para o


estudo de história que adotamos como orientações epistemológicas para as
nossas reflexões sobre trabalho e educação. Apesar de que, em tese, essa
reflexão poderia ter sido feita anteriormente, optamos primeiro por fazer a
reflexão do conteúdo e, em seguida, apresentarmos algumas das nossas
fundamentações.
Feito esse percurso, iniciaremos nossas reflexões sobre as relações entre
o trabalho e a educação na Antiguidade, nas sociedades escravagistas, nas
sociedades de servilismo, nas sociedades assalariadas e nas propostas das
sociedades coletivistas, tanto aquelas que já vivenciaram/vivenciam essas
práticas quanto aquelas que propõem a organização coletivista como
perspectiva de organização social.

TEMA 1 – O TRABALHO E A EDUCAÇÃO NA ANTIGUIDADE

Dividiremos esse primeiro tópico em dois momentos. No primeiro,


trataremos dos fundamentos epistemológicos pelos quais nos orientamos para
as reflexões que estamos realizando aqui. E, em segundo lugar, trataremos das
relações entre educação e trabalho nas sociedades antigas. Esse segundo
tópico, já deixamos claro, é bastante extenso do ponto de vista histórico, como
social. Assim, não pretendemos tratar de todas as questões que estão
relacionadas, mas aquelas que consideramos fundamentais para as reflexões
que estamos desenvolvendo.

1.1 Perspectivas para o estudo de história

Desde que a História se constituiu como uma área de conhecimento


humano, diferentes perspectivas se apresentaram como epistemologias de
investigação/reflexão. Para não nos estendermos em demasia aqui, até porque
não é esse o nosso objetivo, iremos pontuar duas perspectivas que
consideramos relevantes, por uma ser contraponto à outra.
A primeira perspectiva é a que chamamos tradicional. Nessa perspectiva,
ora a história é tratada como obra do acaso, ora, numa perspectiva teleológica,
como sendo conduzida por uma força invisível. Da mesma forma, interessa
apenas os grandes feitos e acontecimentos, como estes sendo o resultado da
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ação de determinadas pessoas, quase sempre governantes e/ou grandes
líderes. Como fontes históricas, apenas os documentos oficiais e tratados é que
são considerados.
Já a segunda perspectiva se baseia nas reflexões de dois filósofos
alemães – Karl Marx e Friedrich Engels – e, em particular uma de suas obras:
Ideologia Alemã. Em síntese, para esses dois teóricos, a história é o resultado
das ações de determinados sujeitos históricos que as realizam sob determinadas
condições.

A estrutura social e o Estado provêm constantemente do processo de


vida de indivíduos determinados, mas desses indivíduos não como
podem aparecer na imaginação própria ou alheia, mas sim tal como
realmente são, quer dizer, tal como atuam, como produzem
materialmente e, portanto, tal como desenvolvem suas atividades sob
determinados limites, pressupostos e condições materiais,
independentes de seu arbítrio. (Marx & Engels, 2007, p. 93)

Ou seja, a história é resultado das ações humanas. Tais ações ocorrem


em meio às contradições que são inerentes à mesma sociedade. A organização
social de uma determinada sociedade é resultado da forma como essa se
organiza para produzir e reproduzir a sua existência material e imaterial. Dessa
forma de organização derivam relações políticas e sociais que são determinadas
por diferentes coeficientes de poder. Isto é, nem todo mundo na sociedade tem
o mesmo poder. Esse coeficiente de poder é determinado pelas relações
materiais. De mesma forma, intercambiando com essas duas esferas, ao nível
mental e das ideias, essa organização material e a política/social é representada
simbolicamente, seja para explica-la, seja para justificá-la.
Ao longo de nossos estudos, buscamos estabelecer uma reflexão que se
guia por esses fundamentos, os quais vemos como mais coerentes para uma
compreensão mais adequada dos fatos históricos. Por fim, cabe destacar que,
como preconiza a Escola dos Annales (a Nova História, entre outras correntes),
a história não é resultado da ação apenas de alguns indivíduos, nem pode ser
contada apenas por uma pequena parte de documentos, mas é resultado da
ação de todos os sujeitos que viveram/vivem em determinada sociedade e
tempo, como também, para a compreendermos, todos os recursos materiais e
imateriais contribuem para a sua compreensão.

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1.2 Educação na antiguidade

Iniciemos agora falando das relações entre educação e trabalho nas


sociedades antigas. Antes de continuarmos, é fundamental esclarecermos que,
por antiguidade, estamos falando não somente de um vasto tempo histórico,
como também de sociedades que viveram em territórios completamente
distintos. Como delimitação do período que estamos chamando de Antiguidade,
tomaremos o surgimento da escrita sistematizada: cerca de 3500 a.C. e vai até
o século V d.C. Nessa periodização, podemos apontar um problema: os pontos
de referência estão ligados à história indo-europeia. Algo que se repetirá na
maioria dos livros de história e com o qual precisamos lidar. Por exemplo: os
estudos consolidados sobre a origem da escrita a datam por volta de 3 mil a 4
mil a.C, na região conhecida por Mesopotâmia. Porém, algumas descobertas
recentes apontam para a possibilidade do surgimento pelo menos dois mil anos
antes, em território chinês.
Estamos falando de um período histórico bastante extenso, onde se
desenvolveram algumas das civilizações que deixaram suas marcas, tais como:
China – 6500 a.C., Egito – 3100 a.C., Mesopotâmia – 4000 a.C. e Índia – 3.200
a.C.
Essas civilizações possuíam alguns traços em comum como: deram
origem aos primeiros centros urbanos; nelas, predominava a atividade agrícola
começo e, depois, desenvolveram o comércio, as manufaturas e a metalurgia;
como forma de organização política, predominavam os Estados teocráticos e a
propriedade estatal dos bens – o governante controlava a economia, a política,
as forças armadas e a religião. Para tanto, contava com o auxílio de uma maior
ou menor burocracia, a qual tinha acesso a alguma forma de instrução. Dominar
a leitura e a escrita eram vistas como atividades sagradas e misteriosas. A
maioria da população era completamente excluída de qualquer forma de
instrução.
Por fim, podemos dizer que a instrução/educação nessas sociedades era
duplamente dualista. Em sentido vertical, havia uma instrução/educação para
manter a estrutura social hierarquizada e, em sentido horizontal, havia uma
distinção entre a instrução/educação direcionada para homens e mulheres na
sociedade.

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No tópico seguinte, trataremos um pouco mais da educação na última
etapa do que consideramos como Sociedade Antiga, ao tratarmos das
sociedades escravagistas das relações entre educação e trabalho nelas.

TEMA 2 – O TRABALHO E A EDUCAÇÃO NAS SOCIEDADES ESCRAVAGISTAS

Antes de tratarmos da educação nas sociedades escravagistas, é


necessário abordarmos algumas questões importantes sobre o que é escravidão
e as diferentes formas que existiram ao longo da história e das sociedades.
Por escravidão entendemos a prática social em que um sujeito se apropria
do outro como mercadoria, como sua propriedade. Nessa relação, a vida do
escravo passa a pertencer ao seu dono, seu senhor. Trata-se de uma forma de
alienação absoluta, pois a posse se dá sobre a pessoa na sua totalidade e sobre
o que ela produz. No entanto, quando falamos de escravidão, é necessário
esclarecer que, ao longo da história, tivemos pelos menos três tipos bem
distintos de escravidão: o escravismo antigo, o moderno e o contemporâneo.
O que chamamos de escravismo antigo foi uma prática econômica e social
comum às mais variadas sociedades antigas, desde o Egito Antigo, Babilônia,
Grécia Antiga, Império Romano, China Antiga, entre os povos originários das
Américas – para não nos estendermos muito. Mesmo entre os povos nórdicos
essa também era uma prática comum. E o que a escravidão nessas sociedades
tinham em comum? Principalmente a origem: quase sempre, eram
transformados em escravos os que haviam sido derrotados em guerras ou
capturados para alimentar o comércio de escravos de uma determinada
sociedade. Por exemplo: entre os séculos XIV e XVI, vilarejos finlandeses eram
atacados e crianças de 6 a 13 anos, de preferência loiras e de olhos azuis, eram
revendidas na região do Mar Negro. Outra razão pela qual alguém poderia ser
transformado em escravo era por empréstimos contraídos e não pagos. Desta
forma, a dívida era para paga por meio de uma determinada quantidade de
tempo.
Já o que entendemos como escravismo moderno foi o praticado,
principalmente, por portugueses, espanhóis, ingleses e franceses, seja com os
povos originários das Américas, inicialmente, mas, depois, principalmente, com
os povos africanos. O escravismo moderno se diferencia do antigo,
principalmente, por sua origem. No escravismo moderno, as pessoas eram
transformadas em escravas por conta de sua condição étnica: os europeus
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escravizavam os africanos e os povos originários. Se, na antiguidade, a guerra
era utilizada como justificativa moral da escravidão, na modernidade, as ideias
de civilização, cultura e religião eram utilizados como argumentos para justificar
e legitimar a escravidão. No tocante à religião, por exemplo, um dos principais
argumentos utilizados era de que tanto os povos originários quanto os africanos
não possuíam alma. Um exemplo de argumentação nesse sentido é o utilizado
pelo Padre Vieira ao afirmar que, num de seus sermões feito para uma confraria
de escravos, deveriam agradecer o fato de terem sido arrancados de sua terra
natal, trazidos até as colônias como escravos para serem convertidos à fé que
salva. Essa forma de escravidão se estendeu do século XV até o século XIX. Da
mesma forma, essa forma de escravidão conviveu com a de modelo antigo, que
continuou existindo até o século XX em algumas regiões da Europa. Talvez o
caso mais emblemático é o da Suíça que, até a década de 1950 aceitavam as
“verdingkinders” – crianças sob contrato. Trata-se de uma prática realizada por
autoridades públicas que retiravam crianças de famílias pobres e mães solteiras
e as vendiam para proprietários rurais e de fábricas, para quem deveriam realizar
trabalhos forçados.
Já o escravismo contemporâneo tem vinculação com o tráfico humano
com vistas tanto à exploração econômica quanto sexual e tráfico de órgãos. O
fato que relatamos no parágrafo anterior sobre a Suíça enquadra-se no que
entendemos por escravismo contemporâneo. A lista de países que ainda
mantém condições de escravidão é bastante extensa e abrange todos os
continentes. A escravidão ainda é uma prática em países como a Índia, a China,
a Nigéria, a Etiópia, a Rússia, a Tailândia, Bangladesh e o Brasil. Segundo a
Organização Internacional do Trabalho (OIT) e a Global Slavery Index, estima-
se que cerca de 30 milhões de pessoas vivam em condições de escravidão.
Feitos esses esclarecimentos, passemos agora a tratar das relações entre
trabalho e educação nas sociedades escravistas antigas, em particular, Grécia
e Roma.
As duas sociedades, além da escravidão como ponto em comum, eram,
também, patriarcais. Nas duas sociedades, eram comuns os castigos físicos. Da
mesma forma, havia a desvalorização do trabalho manual e valorização do
trabalho intelectual. Ainda que restrita, a educação grega integral, isto é, objetiva
a formação do corpo e da mente. A palavra escola vem de Scholé – lugar do
ócio. Desta forma, era destinada apenas aos cidadãos e seus filhos, como aos

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filhos dos ricos comerciantes. Porém, por ser uma sociedade patriarcal, há
distinção entre a educação destinada aos homens e às mulheres. Enquanto aos
homens eram destinados a educação para o viver publicamente, às mulheres a
educação tinha por objetivo formar para os afazeres domésticos.
Na Grécia Antiga, duas cidades-estados rivalizavam não somente pelo
poder geopolítico, mas pelo modelo de sociedade adotado. Enquanto Esparta
era militarista, Atenas estava mais voltada para as atividades comerciais,
políticas e culturais. Em comum, o fato de o Estado assumir a educação das
crianças a partir dos sete anos. Se em Esparta a educação militar acontecia a
partir dos 12 anos, em Atenas havia uma divisão um pouco mais complexa.
Enquanto a menina permanece no gineceu, o menino será alfabetizado, fará
educação física e musical. A educação estava dividida em três etapas:
elementar, onde aprenderá leitura e escrita; secundária, destinada aos filhos das
famílias nobres, onde terá educação física, musical e literária, e, após os 16
anos, receberá a educação militar; e superior que, com abolição do serviço
militar, aprendem filosofia e literatura.
Já na sociedade romana, a formação é pragmática e voltada para
aspectos do cotidiano. Da mesma forma que a grega, a educação da menina é
diferente da do menino. No seu surgimento, tinha por objetivo perpetuar os
valores patrícios. Assim, o menino aprendia a ler, escrever, contar, manejar
armas e lutar. Na República, as escolas elementares ensinavam a ler e escrever.
O contato com os gregos leva a uma educação literária. Durante o Império, a
educação torna-se burocratizada e tinha por formar sujeitos para administrar o
Império. É nessa época que o Estado assume o controle da educação.

TEMA 3 – O TRABALHO E A EDUCAÇÃO NAS SOCIEDADES DE SERVILISMO

A servidão é um sistema de organização econômica, política e social que


foi característico da sociedade europeia, tendo surgimento com a desintegração
do Império Romano e começado a desaparecer a partir do século XVI/XVII com
o surgimento das primeiras manufaturas até o seu quase completo
desaparecimento com a Revolução Industrial. Alguns historiadores afirmam que
o regime de servidão também existiu em países como Índia, China, Tibet e
Japão. Porém, outros afirmam que, em tais sociedades, apesar de haver uma
certa proximidade com a servidão europeia, alguns fundamentos são distintos,
como a posse da terra. Na Europa, o regime de servidão coexistiu com o de
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escravidão, mas era distinto desse. Vejamos, agora, algumas características do
regime de servidão e como a educação estava organizada nessas sociedades.
Havia, basicamente, duas classes sociais. Os senhores feudais,
constituído pelos nobres e pelo alto clero, e os servos, que estavam presos ao
feudo e deviam prestar serviços ao seu senhor. Diferentemente dos escravos,
os servos não eram comprados e vendidos, com algumas exceções na Inglaterra
e na Rússia. No entanto, não podiam sair do feudo sem o consentimento de seu
senhor, mas, também, não podiam ser expulsos por estes. A servidão era uma
condição hereditária. Da mesma forma, ao terem a troca de senhor, eles
passavam a pertencer ao novo proprietário do feudo. Na Europa Medieval, a
posse da terra determinava a posição social.
Diferentemente da escravidão, onde a relação é unilateral, na servidão a
relação é bilateral, isto é, tanto o senhor quanto o servo tinham direitos e
deveres, ainda que em desvantagem para o servo. Este, por exemplo, deveria
trabalhar alguns dias da semana nas terras senhoriais – o manso senhorial –
mas também recebia um lote onde poderiam morar e cultivar para a sua
subsistência e a de sua família – o manso servil. Parte da produção, no entanto,
deveria ser paga como arrendamento da terra. Além disso, o servo ainda outras
obrigações para com seu senhor: construir pontes, estradas e servir como peões
em guerras em que o senhor estava obrigado a participar.
Outra característica da sociedade feudal europeia era o forte poder e
influência religiosa, econômica e política da Igreja Católica. Desde que Teodósio
Magno tornara o cristianismo a religião oficial do Império Romano no século IV,
o cristianismo foi se tornando cada vez mais hegemônico não somente nos
territórios do Império Romano, como também em boa parte da Europa. Com a
queda do Império Romano do Ocidente, no entanto, o poder da Igreja Católica
não diminuiu. Muito pelo contrário, passou a determinar cada vez mais a vida
social naquele continente. Alguns historiadores chegam a afirmar que o
catolicismo era o cimento que sustentava toda a sociedade feudal europeia.
Além da religião, o catolicismo influenciava e determinava
comportamentos culturais e morais. A perspectiva teológica predominante
negava o corpo e valorizava o espírito. Isto porque, nesse período, o que
importava era a vida após a morte. Os mosteiros e conventos conservavam os
saberes e as obras greco-latinas. Da mesma forma, a educação estava restrita

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a uma minoria da sociedade e, ainda assim, destinada à formação religiosa. Já
o povo era educado por meio das cerimônias religiosas e a arte sacra das igrejas.
Carlos Magno, no final do século VIII, havia conseguido reunificar parte
do Império romano do Ocidente. Como forma de retomar os valores culturais
latinos, construiu escolas objetivando retomar a literatura e as artes liberais.
Essas escolas ficaram conhecidas como escolas palatinas, assim chamadas por
se localizarem junto à corte e ao palácio real. O objetivo era instruir os leigos nas
setes artes liberais: o Trivium, constituído de gramática, retórica e dialética, e o
Quadrivium, geometria, aritmética, astronomia e música.
Ao longo da Idade Média, também, podemos falar de três outras formas
de escolas, mais voltadas para a vida religiosa ou atender os ofícios da Igreja
Católica: as escolas catedrais, monacais e paroquiais. As primeiras tinham por
função principal a formação de corais para as igrejas. As segundas tinham por
objetivo, inicialmente, a formação de monges. Mais tarde, abriram-se para a
educação dos filhos de reis e altos funcionários das cortes. Já as escolas
paroquiais eram dirigidas por sacerdotes dessas paroquias e tinha por objetivo
a formação religiosa, com base na Bíblia.
A partir dos séculos X e XI, a Europa central passará por uma série de
transformações, fruto das Cruzadas iniciadas no mesmo período que, de
expedições militares e religiosas, transformaram-se em expedições comerciais e
cultural. Com isso, provocará o renascimento das cidades e do comércio. Nesse
contexto, as escolas seculares passaram a ter uma maior importância,
principalmente pela atuação da classe social que começa a emergir e vê na
educação uma forma de consolidar seus negócios e seu status social. As filhas
da nobreza aprendiam a ler, escrever, realizar trabalhos manuais e as artes
liberais. Já nos mosteiros, as meninas recebiam uma educação mais
aprofundada.
Por outro lado, os meninos, quase sempre, recebiam a formação nas
corporações de ofício. O menino era encarregado a um mestre de ofício e este
ensinaria a profissão, o alimentaria, hospedaria e educaria. Em troca, o menino
aprendiz ajudava na oficina. Após um determinado tempo e, dependendo da
idade e dos conhecimentos adquiridos, poderia prestar uma prova pública
perante outros mestres de ofício e, se aprovado, estabelecer sua própria oficina.
Outra alternativa de formação era a militar.

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O renascimento comercial e urbano da Idade Média na Europa Central
marca, também, o surgimento das primeiras universidades europeias: Bolonha,
Oxford (XI) e Paris (XII) são as primeiras a aparecerem. A estrutura de ensino
das primeiras universidades tem uma forte influência romana, bem como da
educação praticada nos mosteiros pelas ordens religiosas. O Trivium e
Quadrivium eram a base dos programas e inicialmente atendiam mais aos
interesses de formação mercantil, dada a influência da burguesia mercantil
nascente. Além disso, formavam para a atuação em Direito e Medicina. Além
disso, também havia a formação religiosa em cursos de Teologia.
Já o servo por conta de sua condição social é analfabeto pois o que
interessava aos senhores feudais, sejam nobres ou o clero, é que apenas
trabalhasse. Desta forma, qualquer formação escolar era entendida como sendo
desnecessária.

TEMA 4 – O TRABALHO E A EDUCAÇÃO NAS SOCIEDADES ASSALARIADAS

O processo que levou à instalação e consolidação do capitalismo como


sistema econômico, político e social remonta às transformações provocadas
pelas Cruzadas dos séculos XI e XII da Europa até o Oriente Médio. Porém, os
maiores impactos que transformaram a Europa definitivamente são a expansão
marítima principalmente portuguesa e espanhola dos séculos XV e XVI; o
Renascimento realizando o resgate das culturas greco-latinas e a mudança da
mentalidade teocêntrica para uma mentalidade antropocêntrica; da reforma
protestante, que contribuiu para a consolidação da burguesia como classe social;
da contra reforma e da revolução científica que, aos poucos, irá desencantando
o mundo que, assim como os gregos haviam feito às vésperas do nascimento da
filosofia na Grécia Antiga, vão substituindo as explicações baseadas em crenças
e superstições, por investigações racionais, lógicas e de caráter científico.
Da mesma forma, do ponto de vista econômico, a riqueza deixa de ser
vista como vinculada à posse da terra e passa a ser relacionada ao trabalho. Isto
é, a origem da riqueza não estava na posse da terra, mas no trabalho, inclusive
de cultivo da própria terra. O trabalho que, nas sociedades escravagistas e
mesmo no sistema servil, era visto como degradante e, principalmente, o
trabalho manual como sendo de menor importância é ressignificado e adquire o
status de gerador de riqueza. Ainda que, com a Revolução Industrial, novamente

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a divisão entre trabalho manual e intelectual seja reafirmada e o segundo
valorizado em detrimento do primeiro.
A produção artesanal começa a ser substituída pelas primeiras
manufaturas, que deram origem às primeiras fábricas. O artesão começa a ser
expropriado de seu saber e, aos poucos, assim como os camponeses que vão
sendo expulsos aos poucos do campo, constituirão a mão-de-obra assalariada
que se aglomerará nos bairros operários ao redor das fábricas que vão surgindo
nos séculos XVIII e XIX. Sobre esse processo de expropriação é interessante
nos determos um pouco, pois algumas dessas transformações terão relação com
a educação que vai surgindo com a nova sociedade e seus propósitos.
No trabalho artesanal, o mestre de ofício, além de deter todo o
conhecimento necessário para o exercício de sua profissão, era dono de seu
tempo e do local de trabalho; das ferramentas utilizadas no exercício de sua
profissão, bem como dos resultados de seu trabalho. Além disso, era ele quem
qualificava os futuros profissionais de um determinado ofício. Porém, com o
surgimento do trabalho assalariado, o operário não domina mais todo o processo
produtivo, não é dono de seu tempo, nem das ferramentas que utiliza para
trabalhar, muito menos do resultado de seu trabalho. É dono apenas de sua força
de trabalho, que a vende a um terceiro em troca de um pagamento que é bem
inferior ao que produz.
Para essa nova organização econômica, social e política que surge, é
necessária a formação de novos sujeitos. Nos primeiros séculos da era moderna
e surgimento da era contemporânea, acontecerá a passagem de uma escola
tradicional ainda inspirada, de certa forma, nos valores escolásticos, para uma
escola ainda tradicional, mas que já anuncia alguns ares de modernidade. Assim
é que vemos o nascimento dos primeiros colégios leigos e que tinham por
objetivo educar os filhos da pequena nobreza e da burguesia nascente. A
disciplina rigorosa e os castigos físicos ainda estarão presentes, ainda que
surjam propostas em sentido contrário. É o caso, por exemplo, do educador
suíço Johann Heinrich Pestalozzi (XVIII), que defendia o amor e os afetos como
ingredientes fundamentais no processo ensino-aprendizagem. O currículo é
composto pelo Trivium e Quadrivium. O Latim é a língua ainda oficial nas escolas
e há um certo desprezo pelas línguas maternas. Algo que aos poucos irá mudar,
a partir do momento em que surgem as primeiras críticas à escola tradicional.

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Vale lembrar que, com a Reforma Protestante iniciada com Martin Lutero,
a valorização das línguas nacionais havia sido iniciada. Porém, ainda levará mais
alguns anos até a consolidação dessa nova mentalidade. Aliás, até mesma na
educação Lutero revolucionava. Ele já propunha uma escola para todas, mas
ainda dualista: uma escola para os filhos dos trabalhadores, com uma educação
básica e, uma outra para os filhos dos nobres e burgueses, com o ensino de
caráter propedêutico e universitário. A educação, no entanto, deveria ser
universal e pública. Ao mesmo tempo, condenava os castigos físicos e o
verbalismo.
Por outro lado, a Ratio Studiorum será o contraponto ao protestantismo
na educação. Dividindo o estudo em Studia Inferiora – gramática, humanidades
e retórica (3 anos) e Studia Superiora – Teologia e ciências sagradas (4 anos) –
a Ratio Studiorum ainda propunha um ensino tradicional e próximo do que fora
a escolástica. Tanto que o Latim era a língua oficial e as obras greco-latinas eram
obrigatórias.
Por outro lado, novas ideias vinham propor a atualização da educação. É
o caso, por exemplo, do empirismo lockeano que, fazendo o contraponto ao
idealismo cartesiano, bem como à filosofia escolástica, passa a influenciar a
educação. Um exemplo dessas novas ideias na educação é a Didática Magna
de João Amós Comenius (XVII). Nela propõe-se uma síntese duas ideias
epistemológicas predominantes no nascimento da era moderna: o idealismo
cartesiano e o empirismo lockeano: se há um método para conhecer, há um
método para ensinar e, a experiência é o caminho para ensinar-aprender.
Da mesma forma, na nova educação, há o incentivo para a instrução das
mulheres. No entanto, para além do básico, somente para aquelas que
demonstrarem excepcionalidade.
Nesse período, outros pensadores refletem sobre a educação do cidadão
e de como essa deveria ser. É o caso, por exemplo, de Jean-Jacques Rousseau
que, partindo da ideia de uma bondade original do ser humano, propõe uma
educação que preserve essa bondade original. Da mesma forma, Immanuel Kant
defende a educação como forma de se alcançar a maioridade por meio do
esclarecimento.
Outras ideias que são defendidas nesse período são: a educação como
responsabilidade do Estado, a obrigatoriedade e gratuidade do ensino básico. O
contexto é o do nascimento das indústrias e essas precisam de mão de obra

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disciplinada e qualificada. Cabe, portanto, à escola educar e disciplinar essa
mão-de-obra. Um dos pensadores do século XX que realizam um excelente
estudo de como as escolas cumpriram esse papel foi Michel Foucault na obra
Vigiar e Punir. Nela, Foucault analisa de que maneira a escola contribuiu para o
processo de docilização dos corpos com vistas a educá-lo para as necessidades
do novo sistema produtivo que se consolidava.

TEMA 5 – O TRABALHO E A EDUCAÇÃO NAS SOCIEDADES COLETIVISTAS

Primeiramente, precisamos esclarecer alguns conceitos e fundamentos


sobre o que entendemos por coletivismo. Por coletivismo entendemos a ideia de
que os indivíduos de uma determinada sociedade valorizam muito mais os
aspectos coletivos do que os individuais. Percebe-se que há uma interpendência
entre os indivíduos dessa mesma sociedade. Da mesma forma, compreendemos
que o coletivismo é algo natural entre os seres vivos. Aliás, que é graças ao
coletivismo que os seres vivos sobrevivem. Por exemplo, quando observamos
os mais diferentes seres vivos na natureza, ainda que possamos perceber entre
eles alguns indivíduos que tendem ao individualismo, o mais comum é a atuação
gregária.
Os estudos arqueológicos e antropológicos têm demonstrado que os
primeiros seres humanos eram coletivistas. O que não impedia que existissem
conflitos entre os indivíduos do grupo ou entre grupos distintos.
Podemos distinguir dois tipos de coletivismo: o natural e o cultural. O
primeiro acontece de forma espontânea e, podemos dizer, faz parte da própria
natureza dos seres vivos. Ainda que possamos identificar entre pensadores de
diferentes períodos a ideia de egoísmo entre os seres humanos, porém
apontamos uma contradição interna ao próprio pensamento desses: se, por
exemplo, os seres humanos fossem egoístas e individualistas, diante de tantos
conflitos e guerras que realizamos, já teríamos desaparecidos como espécie. O
que não significa que, nas mais diferentes sociedades, não tenham existido
aqueles que eram individualistas e egoístas. Da mesma forma, há que se
distinguir individualismo de individualidade. Enquanto na primeira perspectiva
importa apenas os interesses egoístas do indivíduo, na segunda os interesses
individuais não são esquecidos, mas, importam, inclusive dentro do contexto dos
interesses coletivos. E, este, são mais importantes do que os individuais.

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Já o coletivismo cultural é uma concepção filosófica, política e econômica
que foi defendida por diferentes sociedades e em diferentes épocas. Nessa
perspectiva, a ideia de coletivismo é intencionalmente proposta. Enquanto no
coletivismo natural o mesmo acontece de forma espontânea, o cultural é
sistematicamente pensado. Como fundamento disso, há uma ideologia1 que lhe
dá suporte. No entanto, ainda que possamos identificar a ideia de igualitarismo
nos sistemas coletivistas, ao longo da história tivemos algumas propostas até
certo ponto coletivistas também se fundamentavam em ideologias políticas
autoritárias e fascistas. É o caso, por exemplo, do nazifascismo e do stalinismo.
Desta forma, podemos falar de um coletivismo que se orienta numa perspectiva
vertical e, nesse caso, propõem ou são propostos por sociedades extremamente
autoritárias, e de uma perspectiva horizontal, onde a ideia de equidade e
autogestão são as bases ideológicas sobre as se assentam.
Ao longo da história humana, podemos identificar algumas experiências
coletivistas, tanto espontâneas como pensadas intencionalmente. Na
Antiguidade, por exemplo, pelos estudos arqueológicos, podemos falar de
sociedades coletivistas entre os primeiros seres humanos. Porém, nessas
mesmas sociedades, por exemplo, já estava presente a divisão sexual do
trabalho, ainda que todos os indivíduos trabalhassem para que todos pudessem
se beneficiar. Mais recentemente, identificamos propostas já com
intencionalidade filosófica e política, tais como o Anarquismo, o Socialismo, o
Comunismo e a Democracia. Ainda que possamos identificar alguns problemas
nessa proposta de sociedade, como nos referimos anteriormente, por exemplo,
nas propostas dos regimes totalitários e regimes nacionalistas. Da mesma forma,
um outro problema que podemos problematizar é a relação indivíduo-sociedade,
onde está supervalorizada e superdimensionada em detrimento daquele. Na
ótica liberal, por exemplo, o coletivismo sufoca a individualidade. Outra linha de
reflexão é a realizada pela ótica socialista, para quem o capitalismo é um
coletivismo disfarçado de sistema de indivíduos livres. Da mesma forma, tanto
os ideólogos do capitalismo como do socialismo criticam que as sociedades
coletivistas são nacionalistas, autoritárias e totalitárias.

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Por ideologia não tomamos, necessariamente, algo bom ou ruim, mas, como um conjunto de
ideias que orientam/justificam/legitimam as ações de pessoas e/ou grupos numa determinada
sociedade e/ou momento histórico.
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Mas como a educação é pensada nessas sociedades e de que maneira
essa vincula-se com o mundo do trabalho?
Na antiguidade, da mesma forma que as atividades econômicas
organizavam-se a partir da ideia colaborativa, a aprendizagem dava-se por
imitação, acontecia de forma não intencional/formal e as aprendizagens eram
sempre práticas.
Nas experiências comunistas, por exemplo, pelo fato de ser uma proposta
de sociedade coletivista, propunha-se que as possibilidades fossem iguais para
todos os indivíduos dessa mesma sociedade, tendo a Ciência como orientadora
e buscando a superação das dificuldades na relação prática-teoria-prática. Da
mesma forma, quanto à educação, a proposta era a politécnica – com uma clara
vinculação com o trabalho produtivo.
Da mesma forma, os intelectuais e defensores do anarquismo também
propõem uma educação tanto para a formação por meio de valores humanistas,
como, também, vinculada ao mundo do trabalho. Inspirados pelas ideias
libertárias de Francisco Ferrer y Guardia, os anarquistas fundaram várias
Escolas Modernas em São Paulo, Rio de Janeiro, Bahia, Pará, Rio Grande do
Sul e Ceará já no início do século XX. Porém, cerca de 20 anos depois, já sob o
governo de Arthur Bernardes, as Escolas Modernas foram cassadas.

NA PRÁTICA

No final do século XIX, vários dos imigrantes italianos e espanhóis que


vieram para o Brasil eram partidários da ideologia anarquista. Influenciados por
essas ideias tiveram forte atuação na cultura, na política e, principalmente, no
surgimento e desenvolvimento do sindicalismo operário brasileiro. Já no começo
do século XX, foram responsáveis pela criação de várias escolas a partir do
pensamento pedagógico de Francesc Ferrer y Guàrdia. Faça uma pesquisa
sobre essas escolas e a importância delas para a formação da sociedade
brasileira.

FINALIZANDO

Nesses estudos, tivemos por objetivos iniciais refletir sobre algumas


perspectivas para o estudo de história. Isso para deixar explícito a epistemologia
orientadora das nossas reflexões. Em seguida, retomamos o nosso estudo sobre

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o trabalho e a educação ao longo da história, percorrendo os principais períodos
da história da humanidade, destacando alguns pontos que consideramos
relevantes para o nosso estudo. Dessa forma, começamos pela antiguidade,
passando pelas sociedades escravagistas, as sociedades de servilismo, as
sociedades assalariadas e as sociedades coletivistas. Não tínhamos por objetivo
tratar de forma exaustiva, mas indicar alguns tópicos de reflexões que merecem
ser aprofundados como forma de compreender as relações entre educação e
trabalho ao longo da história e das sociedades.

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REFERÊNCIAS

MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. A ideologia alemã. São Paulo: Boitempo,


2007.

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