Você está na página 1de 189

Arquitetura

e cidade:
ensaios projetuais, análises urbanas
e caminhos percorridos
na Universidade Federal de Sergipe

SARAH LÚCIA ALVES FRANÇA


Organizadora
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE

REITOR
Angelo Roberto Antoniolli

VICE-REITORA
Iara Maria Campelo Lima

EDITORA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE

COORDENADOR DO PROGRAMA EDITORIAL


Péricles Morais de Andrade Júnior

COORDENADORA GRÁFICA
Germana Gonçalves de Araújo

CONSELHO EDITORIAL
Antonio Martins de Oliveira Junior
Aurélia Santos Faraoni
Fabiana Oliveira da Silva
Luisa Helena Albertini Pádua Trombeta
Luís Américo Silva Bonfim
Mackely Ribeiro Borges
Maria Leônia Garcia Costa Carvalho
Martha Suzana Cabral Nunes
Rodrigo Dornelas do Carmo
Sueli Maria da Silva Pereira
Valter César Pinheiro
Arquitetura
e cidade:
ensaios projetuais, análises urbanas
e caminhos percorridos
na Universidade Federal de Sergipe

SARAH LÚCIA ALVES FRANÇA


Organizadora

São Cristóvão
SE/2020
Este livro, ou parte dele, não pode ser reproduzido por
qualquer meio sem autorização escrita da Editora.

Este livro segue as normas do Acordo Ortográfico da Lín-


gua Portuguesa de 1990, adotado no Brasil em 2009.

CAPA
Aparecida Souza dos Santos

PROJETO GRÁFICO
Aparecida Souza dos Santos e Ybson Luiz Santos Silva

EDITORAÇÃO ELETRÔNICA
Ybson Luiz Santos Silva

FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA BIBLIOTECA CENTRAL


UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE

Arquitetura : ensaios projetuais, análises urbanas e


A772 caminhos percorridos na Universidade Federal de
Sergipe. / Sarah Lúcia Alves França, organizadora. –
São Cristóvão, SE : Editora UFS, 2020.
189 p. : il.

ISBN: 978-65-86195-10-1

1.
1. Arquitetura – Sergipe. 2. Urbanização. 3.
Planejamento urbano. 4. Universidade Federal de Sergipe.
Departamento de Arquitetura e Urbanismo. I. França, Sarah
Lúcia Alves.

CDU 72(813.7)

Universitária prof. José Aloísio De Campos


Cep 49.100 - 000 – São Cristóvão - SE.
Telefone: 3194 - 6922/6923.
E-mail: editora.ufs@gmail.com
Site:www.editora.ufs.br
Prefácio
O curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de
Sergipe surgiu em 2007 e sua primeira turma fez colação de grau no
segundo semestre de 2011. De lá para cá, mais de cem Trabalhos
de Conclusão de Curso (TCC) foram apresentados com os mais
diversos temas tanto na escala da edificação quanto na urbana.
Mesmo ainda tão jovem, essa trajetória nos faz pensar so-
bre o perfil dos egressos do curso no qual estamos trabalhando
no dia a dia e é, justamente, para dar maior visibilidade à parte
desse banco de dados de monografias que a Prof.ª Dr.ª Sarah
França organizou, juntamente com ex-alunos e seus respectivos
professores orientadores, uma seleção de treze trabalhos, apre-
sentados entre os anos de 2016 e 2017.
Durante alguns anos, fiz parte da Comissão de TCC e organi-
zei de forma sistemática todos os trabalhos que eram defendidos
independentemente de temas, avaliações ou quaisquer outras ca-
tegorias. Essa organização, sem nenhum juízo de valor, apenas
para quantificá-los e filtrá-los à medida que houvesse interesse
na procura de algum trabalho específico, gerou uma série de in-
formações de acesso imediato que puderam ser disponibilizadas
aos alunos que estavam começando suas pesquisas de TCC. Este
livro é um passo à frente nesta caminhada. Embora os trabalhos
não possam ser apresentados na íntegra por questões de espaço
editorial e como as apresentações orais, posters e pranchas de
projetos não podem ser usufruídas da mesma forma que o são
nas defesas dos formandos, a leitura dos artigos que representam
os trabalhos finais nos dão um panorama suficiente (ou próximo
disso) para discussões acerca da produção acadêmica, no que diz
respeito ao último trabalho de cada aluno no curso.
Esta iniciativa louvável de produzir um livro com alguns dos me-
lhores ensaios projetuais do curso, dá-nos margem para futuras
produções acadêmicas do Departamento, com trabalhos científi-
cos que ajudem a sociedade a pensar em melhores soluções para
nossas cidades. Sabe-se que há uma grande lacuna entre a estru-
turação de um TCC e o que concerne à execução de suas ideias
fora do ambiente acadêmico. No entanto, uma das possíveis con-
tribuições de um TCC à formação dos alunos é a possibilidade de
dar-lhes suporte a organizar uma reflexão científica da prática pro-
fissional tão vasta que é o campo de conhecimento da Arquitetura
e Urbanismo. Articular parte das ideias que foram construídas ao
longo de disciplinas em um único trabalho final que possa ganhar
visibilidade não é tarefa fácil.
Desta forma, este livro apresenta também a finalidade de ser um
meio que possibilite à produção acadêmica abrir novos olhares a um
público bem diversificado sobre problemas do dia a dia e que, assim, as
discussões mais abrangentes possam ter um mínimo de base científica.

Fernando de Medeiros Galvão


Prof. Me. Departamento de Arquitetura e Urbanismo
Chefe do Departamento
Gestão 2017-2018
Apresentação
Este livro apresenta a experiência de ensino e pesquisa desen-
volvida na Universidade Federal de Sergipe, no curso de Arquitetu-
ra e Urbanismo, que tem o intuito de contribuir para uma formação
sólida a partir da reflexão crítica dos alunos perante os entraves e
possibilidades da arquitetura, cidade e sociedade.
Vivenciamos, nos últimos anos, uma urbanização seletiva e de-
sigual, em que o capital imobiliário tem sido protagonista na produ-
ção de cidade, associada ao Estado, que tem realizado interven-
ções que valorizam espaços, permitindo uma transformação social
e agravamento do quadro de exclusão socioespacial. Somado a
isso, a maioria da população não tem acesso à moradia formal de
qualidade, a bairros com oferta de infraestrutura e espaços públi-
cos de qualidade, e aos serviços da arquitetura.
Neste sentido, os profissionais da arquitetura e urbanismo de-
vem estar atentos às transformações urbanas, necessitando se de-
bruçar sobre sua cidade, com responsabilidade social, analisando
forma, conteúdo, contradições, diferenças, conflitos. O profissional
deve ser compromissado com a tarefa de projetar e reorganizar
espaços com responsabilidade social, devendo essas noções se-
rem cultivadas desde a academia.
Neste livro, serão apresentadas reflexões frutos de experiências
e estudos sobre arquitetura e cidade, nas diferentes escalas: edifi-
cação, espaços públicos, bairros, cidade e metrópole. Para isso, fo-
ram selecionados Trabalhos de Conclusão de Curso (TCC) produzi-
dos pelos discentes dos semestres 2016/1, 2016/2 e 2017/2 e seus
respectivos orientadores e uma pesquisa para consultoria técnica.
A reunião de rico arcabouço de ensaios projetuais e análises de
espaços desenvolvidos demonstra a variedade de olhares da uni-
versidade, contribuindo para um pensamento comprometido com a
melhoria das edificações e da cidade, bem como oportunizando o
acesso da população a serviços da arquitetura e urbanismo.
De fato, esta obra tem como prioridade a discussão de limites,
entraves, perspectivas da arquitetura e urbanismo nas mais dife-
rentes abordagens: história das edificações e técnicas de restauro;
entrelaçamento entre espaços públicos, cultura e arte; paisagismo
em espaços de lazer coletivo; análise socioespacial de bairros e
suas transformações; mobilidade urbana e estratégias de planeja-
mento urbano; modificações urbanas e metropolitanas; legislação
urbanística como instrumento de planejamento municipal.
Para isso, além desta introdução, o livro está organizado em
trezes capítulos. O primeiro, de autoria de Allyne Almeida Amaral
e Eder Donizeti da Silva, é intitulado Identificação e mapeamento
de cores, o caso do Casarão dos Rollemberg, Aracaju/SE e traz
uma reflexão sobre a relevância do estudo e mapeamento de co-
res em uma edificação histórica na capital sergipana. Os autores
destacam a importância da ampliação da observação da arquitetu-
ra, compreendendo a percepção da cor e sua grande importância
na conservação e restauração de um antigo edifício.
O artigo A inovação urbana cidadã e os movimentos artísticos
no espaço público residual de Aracaju/SE, escrito por Mariane Car-
doso de Santana e Maria Cecília Pereira Tavares, traz uma análise
da importância dos grupos artísticos na dinamização e ressignifi-
cação de espaços públicos residuais. As autoras apontam a rele-
vância de se olhar os grupos sociais que habitam temporariamente
espaços invisíveis, denunciando a precariedade urbana e buscan-
do uma reversão para os terrenos públicos subutilizados.
Em Requalificação Espacial do Parque Augusto Franco, em
Aracaju/SE, as autoras Tamyres Grazielle Almeida Silva e Carla
Fernanda Barbosa Teixeira abordam a importância dos parques
urbanos como espaços públicos que abrigam elementos naturais
dentro de uma cidade e que também são destinados à recreação e
lazer. Assim, por meio da elaboração de uma proposta projetual de
requalificação do reconhecido como Parque da Sementeira, elas
demonstram que é possível recuperar a qualidade deste espaço,
através de intervenções que deem suporte às atividades nele pra-
ticadas, tornando-o apto a receber novos usos.
Antônio Francisco dos Santos Neto e Ana Maria de Souza Mar-
tins Farias lançam Parque do Poxim em Aracaju/SE: proposta ur-
banística para uma área de fragilidade ambiental. Nele, os autores
apontam, de forma relevante, a necessidade de preservação de
áreas frágeis ambientalmente da ameaça de ocupação desenfrea-
da pelo setor imobiliário. O artigo apresenta uma proposta de in-
tervenção urbana e ambiental no parque ecológico localizado no
bairro Farolândia, área caracterizada pela heterogeneidade so-
cioespacial e alvo de intervenções urbanas nos últimos anos.
O artigo Parque Urbano como estratégia de conservação: caso
do Parque da Cidade e APA Morro do Urubu em Aracaju/SE, de
autoria de Lenise Rafaella Hora Costa e Carolina Marques Chaves
Galvão, retoma a temática relacionada às potencialidades de um
parque urbano para a conservação de uma Área de Proteção Am-
biental. Por meio da elaboração de diagnóstico e definição de dire-
trizes e ações, reafirmam a relevância da preservação de recursos
naturais através da conscientização da população, em detrimento
das péssimas condições de degradação, poluição e do descaso da
gestão pública com sua manutenção.
Através da identificação do grau de relação social estabeleci-
do entre os moradores do bairro Jabotiana e suas grandes áreas
livres, o artigo intitulado Espaços Livres e População: uma visão
sistêmica das relações diversas existentes no bairro Jabotiana em
Aracaju/SE, de Anna Paula Gonzaga dos Santos e Lygia Nunes
Carvalho, contribui de forma singular, para a esfera do planeja-
mento urbano, sugerindo princípios, diretrizes e ações de projeto
para (re)estruturar o crescimento e a qualidade do ambiente urba-
no no espaço citado.
Sarah Lúcia Alves França, Allan Juliano da Rocha Santos e An-
tônio Francisco dos Santos Neto, através de uma pesquisa indi-
vidual elaborada, contribuem, em Como vai a Zona de Expansão
Urbana de Aracaju/SE? Produção habitacional, legislação urbanís-
tica, judicialização de conflitos e estratégias políticas. O cenário
nos últimos anos, com uma reflexão sobre os recentes processos
que despertaram na área, caracterizada como de intensa fragilida-
de ambiental e ocupação dispersa. Os autores trazem uma abor-
dagem crítica sobre a ausência de ações efetivas da gestão para o
real cumprimento do direito à cidade, contribuindo, cada vez mais,
para a degradação ambiental e para ampliação das oportunidades
de reprodução do capital.
Érika Laíse de Santana Ramalho e Lygia Nunes Carvalho lan-
çam Síntese das transformações urbanas no bairro América em
Aracaju/SE: um estudo morfológico, apresentando uma análise
do processo de ocupação em cada período e espaço, apontando
agentes de produção e demonstrando peculiaridades e caracterís-
ticas morfológicas relevantes no espaço urbano do bairro, a partir
da ótica da morfologia urbana.
Mobilidade urbana em Aracaju/SE: implantação de VLT aliada à
identificação de HUBS é o artigo de autoria de Ana Carolina de Sá
Silva, Lina Martins de Carvalho e Rozana Rivas de Araújo. Esta pes-
quisa contribui com a proposição de diretrizes projetuais referentes
à mobilidade em escala metropolitana, em especial a utilização e
priorização do Veículo Leve sobre Trilhos (VLT) como um tipo de
modal que pode ajudar a solucionar problemas de deslocamento na
capital, assim como ocorreu em outras cidades brasileiras.
No artigo Plano de Mobilidade Urbana de Aracaju/SE: o Bus
Rapid Transit (BRT) sob holofotes!, as autoras Maria Clara Ramos
Melo e Rozana Rivas de Araújo trazem uma análise crítica da pro-
posta de utilização do modal BRT, constante no Plano Diretor de
Mobilidade Urbana (PDMU) de Aracaju. Neste contexto, o trabalho
avalia o alcance da eficiência proporcionada por esse tipo de siste-
ma, segundo a proposta apresentada pela gestão municipal.
Vinícius Silva Rodrigues e Fernando Antônio S. de Souza, au-
tores do artigo As transformações recentes no espaço urbano de
Nossa Senhora do Socorro/SE: uma desconcentração metropolita-
na, colaboram com uma reflexão sobre as transformações recen-
tes no município em questão, integrante da Região Metropolitana
de Aracaju, relacionadas à produção e reconfiguração contem-
porânea no espaço do Complexo Taiçoca. Além disso, apontam
agentes protagonistas desses processos, levantam e mapeiam os
empreendimentos imobiliários responsáveis pela dinamização da
ocupação urbana.
O artigo de título Plano Estratégico do Parque Ecológico Barra-
gem da Ribeira, Campo do Brito/SE é apresentado por Elder Hugo
Tavares Teles e Márcio da Costa Pereira. Esta produção traz à
tona uma abordagem inicial de um Plano Estratégico para implan-
tação do Parque Ecológico Barragem da Ribeira em Campo do
Brito – SE, com diretrizes de ocupação, zoneamento por usos e
modelo de gestão, levando em consideração um diagnóstico sobre
as relações ambientais, socioeconômicas e culturais existentes.
A implementação do Plano Diretor, seus entraves e rebatimentos
no espaço urbano é enfocado por Caio Guilherme de Gois Santos
e Sarah Lúcia Alves França no seu artigo 10 Anos do Plano Diretor
de Nossa Senhora das Dores/SE: distanciamentos e contradições
entre planejamento e produção do espaço urbano. Os autores de-
monstram o distanciamento entre planejamento e produção de ci-
dade, através da comparação das diretrizes de ocupação constan-
tes no Plano Diretor e o direcionamento da expansão no município
citado, utilizando-se de cartografias, sobrepondo normativas e a
morfologia urbana resultante, no período de 10 anos.
A publicação de um livro envolve muito esforço, dedicação, em-
penho e colaboração de instituições e pessoas. A amplitude dos
temas e, em especial, a união entre arquitetura, cidade e socieda-
de, aproximaram os discentes envolvidos e os professores, com o
objetivo de alertar a comunidade acadêmica, usuários e produtores
da cidade de que é preciso buscar espaços de melhor qualidade.
Destaco o árduo e imprescindível trabalho dos autores, em es-
pecial os docentes que prontamente se dispuseram a participar,
unindo-se aos esforços dos seus ex-orientandos, hoje, profissio-
nais, arquitetos e urbanistas, que compilaram, em poucas laudas,
suas análises críticas, reflexões e propostas, trazendo conteúdos
de qualidade, e contribuindo para a difusão do direito à cidade
mais justas e inclusivas.
Agradeço, em especial, a Antônio Francisco dos Santos Neto
que muito contribuiu com afinco e dedicação ímpares na organiza-
ção, formatação e revisão deste compilado de pesquisas, para que
pudéssemos oferecer maior qualidade à esta publicação.
Cabe agradecer à Universidade Federal de Sergipe, por se man-
ter voltada ao fortalecimento e aprimoramento dos laços existentes
entre academia, gestão pública e população, e por democratizar o
acesso a pesquisas produzidas pelos discentes e docentes.
Enfim, agradecemos a todos os envolvidos direta e indiretamente,
que contribuíram para que este sonho coletivo pudesse ser efetivado.

Sarah Lúcia Alves França


Prof. Dra. Departamento de Arquitetura e Urbanismo
Membro da Comissão dos Trabalhos de Conclusão de Curso – TCC do DAU/UFS
Líder do Centro de Estudos de Planejamento e Práticas Urbanas e Regionais – CEPUR
Sumário
Identificação e mapeamento de cores, o caso do Casarão Síntese das transformações urbanas no bairro América em Aracaju/SE:
dos Rollemberg, Aracaju/SE um estudo morfológico
14 109
Allyne Almeida Amaral Érika Laíse de Santana Ramalho
Eder Donizeti da Silva Lygia Nunes Carvalho

A inovação urbana cidadã e os movimentos artísticos no espaço público Mobilidade urbana em Aracaju/SE: implantação de VLT aliada
residual de Aracaju/SE à identificação de HUBS
38 122
Mariane Cardoso de Santana Ana Carolina de Sá Silva
Maria Cecília Pereira Tavares Lina Martins de Carvalho
Rozana Rivas de Araújo
Requalificação Espacial do Parque Augusto Franco, em Aracaju/SE
Tamyres Grazielle Almeida Silva
Plano de Mobilidade Urbana de Aracaju/SE: o Bus Rapid Transit (BRT)
48 Carla Fernanda Barbosa Teixeira sob holofotes!
136
Maria Clara Ramos Melo
Parque do Poxim em Aracaju/SE: proposta urbanística para uma área Rozana Rivas de Araújo
de fragilidade ambiental
61 As transformações recentes no espaço urbano de Nossa Senhora
Antônio Francisco dos Santo Neto
Ana Maria de Souza Martins Farias do Socorro/SE: uma desconcentração metropolitana
148
Vinícius Silva Rodrigues
Parque Urbano como estratégia de conservação: caso do Parque Fernando Antônio Santos de Souza
da Cidade e APA Morro do Urubu em Aracaju/SE
74 Plano Estratégico do Parque Ecológico Barragem da Ribeira,
Lenise Rafaella Hora Costa
Carolina Marques Chaves Galvão Campo do Brito/SE
160
Elder Hugo Tavares Teles
Espaços Livres e População: uma visão sistêmica das relações diversas Márcio da Costa Pereira
existentes no bairro Jabotiana em Aracaju/SE
85 10 Anos do Plano Diretor de Nossa Senhora das Dores/SE:
Anna Paula Gonzaga dos Santos
Lygia Nunes Carvalho distanciamentos e contradições entre planejamento e produção
172 do espaço urbano
Como vai a Zona de Expansão Urbana de Aracaju/SE? Produção Caio Guilherme de Gois Santos
habitacional, legislação urbanística, judicialização dos conflitos Sarah Lúcia Alves França
97
e estratégias políticas. O cenário nos últimos anos
Sarah Lúcia Alves França 184 Sobre os autores
Allan Juliano da Rocha Santos
Antônio Francisco dos Santo Neto
14

1
Allyne Almeida Amaral
Eder Donizeti da Silva

Introdução

Apesar da importância do fenômeno cromático, tural Color System) e o Sistema MUNSELL. Este
IDENTIFICAÇÃO E atualmente, o estudo da cor na arquitetura tem sido estudo propicia uma adequada e científica condi-
negligenciado ou colocado em segundo plano no ção de inventariação, registro, prevenção, conser-
MAPEAMENTO DE projeto de edificações. Em edifícios antigos, a preo- vação e restauro das cores de antigo edifício da
cupação com as escolhas projetuais relacionadas à cidade de Aracaju e serve de orientação básica às
CORES, O CASO cor deve ser ainda mais significativa, já que esses futuras ações de intervenções em pinturas murais.
têm um importante caráter histórico e cultural para a O Casarão dos Rollembergs (Figuras 01 a 04)
DO CASARÃO DOS cidade e para a paisagem urbana do local onde estão é uma edificação marcante na arquitetura de Ara-
inseridos. Assim, o processo de restauração pictórica caju. A escolha deste como objeto de estudo se
ROLLEMBERGS, é complexo e envolve, além de definição de critérios deve a três aspectos principais: as pinturas murais
teóricos, a utilização de métodos específicos. apresentam riqueza cromática, além disso, exis-
ARACAJU/SE1 No estudo da cor, uma das primeiras ações é tem pinturas de grande valor, como os fingidos de
a observação visual do objeto sob a luz dentro de madeira e mármore, paisagens bucólicas italianas
uma frequência dominante que é chamada matiz. (Figura 03), temas da natureza e geométricos, que
Ela dá nome à cor, o brilho corresponde ao grau de junto às características arquitetônicas e históricas,
luminância da cor, e a saturação trata da pureza ajudam a entender a vida privada no início do sécu-
aparente do matiz. Relacionado ao estudo patri- lo XX, em Sergipe. Apesar da recente restauração
1. Artigo produzido com base no Trabalho de
monial de conjuntos urbanos históricos, pode-se (2009) do edifício e de parte das pinturas murais, a
Conclusão de Curso intitulado “Cor e arquitetu- afirmar que a cor é parte integrante de um conjun- maior parte das superfícies parietais apresenta al-
ra: o caso do Casarão do Rollemberg, Aracaju-
to de elementos que caracterizam o espaço urba- gum tipo de degradação. As pinturas externas (na
-SE”, elaborado por Allyne Almeida Amaral sob
orientação do Prof. Dr. Eder Donizeti da Silva, no, tornando-o reconhecível e identificável. Para cor salmão avermelhado) ocasionam ao observa-
apresentado e aprovado em maio de 2016, no a identificação e mapeamento das cores, foram dor uma impressão visual diferente do contexto
Departamento de Arquitetura e Urbanismo da
Universidade Federal de Sergipe. aplicados dois sistemas de medição: o NCS (Na- histórico urbano eclético presente em Aracaju.

Arquitetura e cidade: ensaios projetuais, análises urbanas e caminhos percorridos na Universidade Federal de Sergipe
15

Figura 01: Fachada principal da edificação;


Fonte: Autores, 2017.

Arquitetura e cidade: ensaios projetuais, análises urbanas e caminhos percorridos na Universidade Federal de Sergipe
16

Figura 02: Brasão da Familia Rollemberg esculpido


na fachada principal da casa;

Figura 03: Pintura de paisagem bucólica italiana


no interior do casarão;

Fonte: Autores, 2017.

Arquitetura e cidade: ensaios projetuais, análises urbanas e caminhos percorridos na Universidade Federal de Sergipe
17

Figura 04: Fachada lateral da edificação.


Fonte: Autores, 2017.

1 O ecletismo em Aracaju

XX, o Brasil passou por importantes transfor- grande contingente de imigrantes, etc. O Rio de
mações, tanto no âmbito político e econômico Janeiro era, então, a capital nacional e maior
quanto nas questões sociais. Essas mudanças centro populacional do país, com crescente
ocorreram devido a fatos históricos significati- importância no contexto mundial, porém tinha
vos, como, por exemplo, a abolição da escrava- como identidade urbana uma cidade suja, de-
tura (1888), a proclamação da república (1889), sorganizada, perigosa e atrasada. Imagem
a adoção do sistema capitalista, a chegada de essa, completamente oposta à desejada pela

Arquitetura e cidade: ensaios projetuais, análises urbanas e caminhos percorridos na Universidade Federal de Sergipe
18

elite brasileira: capital moderna, bela, higiênica te conjunto, especificamente na área do Bairro
e ordenada. Nesse contexto, o estilo eclético Centro, destacam-se edificações do ecletismo.
chega ao Brasil e tem como principal porta de O projeto do traçado de Aracaju também veio
entrada o Rio de Janeiro, e seu imperativo em carregado de preocupações ideológicas sa-
tornar-se uma capital cosmopolita. turadas por questões políticas e econômicas,
Para Schettino (2013), o ecletismo foi o estilo cujas ações de implantação se constituíram de
escolhido como linguagem oficial da república extrema complexidade. Entende-se, portanto,
brasileira para vincular-se à Europa. Esta lingua- a própria essência da diversidade existente no
gem era própria de uma classe burguesa, que conjunto remanescente da capital. Essa diver-
buscava o conforto e o progresso, através de sidade é constituída por um traçado reto, sim-
inovações tecnológicas e modismos. Instalou- ples, geométrico, que ao mesmo tempo em
-se nos centros urbanos brasileiros, realizando que propõe rompimento com a tradição da im-
uma metamorfose da arquitetura desenvolvida plantação das cidades anteriormente erigidas
neste período, caracterizada, principalmente, no Brasil, recebe como “enfeite” o complemen-
pela riqueza da ornamentação, associada a to de uma arquitetura eclética. Assim, mesmo
referências estilísticas diferentes, num mesmo ocorrendo sobreposições, adaptações e re-
exemplar. Além de alcançar as capitais de maior construções, o conjunto remanescente mais ex-
destaque na época, como Rio de Janeiro, São pressivo na área urbana central da capital são
Paulo, Manaus e Belém, chegou também a ou- edificações ecléticas.
tras cidades, como Porto Alegre, Pelotas, Re- O período que vai de 1905 a 1930 caracte-
cife, Salvador e Aracaju. Para essas capitais, riza-se pela afirmação do poder politico, admi-
chegaram imigrantes, notadamente italianos, nistrativo e econômico no Estado de Sergipe
de profissões técnicas, envolvidos com a cons- (CHAVES, 2004). É nesse contexto, que che-
trução civil, comércio, artesanato e artes. ga ao cenário aracajuano um grupo de artistas
Aracaju surgiu na metade do século XIX italianos. Faziam parte da chamada Missão Ita-
como cidade projetada e teve como exemplo, liana autores da marcante reforma do Palácio
entre outras, as “novas capitais”, como Teresi- do Governo: Oreste Cercelli (escultor e pintor),
na, Maceió e Belo Horizonte, cidades represen- Oreste Gatti (pintor), Bellando Bellandi (arquite-
tativas de uma temática de “Linha Reta” ou do to), Rafaelle Afonso (escultor), Frederico Gentil
que se prefere, em arquitetura, designar de cul- (engenheiro) e Hugo Bozzi. Na década de 1920,
to à linha (CHOAY, 1997, p. 23). A capital sergi- acontece uma verdadeira revolução arquitetôni-
pana apresenta uma diversidade na sua atmos- ca, tanto em qualidade quanto em quantidade.
fera urbana, que inclui resíduos polifônicos de Para Porto (2003, p. 40), três construções resi-
arquitetura representativa de vários estilos as- denciais se destacaram pela originalidade e pela
sociados ao traçado ortogonal; entretanto, nes- contribuição com novos elementos. Essas resi-

Arquitetura e cidade: ensaios projetuais, análises urbanas e caminhos percorridos na Universidade Federal de Sergipe
19

dências são a do Dr. Augusto Leite, localizada Nos estudos realizados sobre a cor e o ecle-
Avenida Barão de Maruim, esquina com a Rua tismo na cidade de Aracaju, foram constatadas
Itabaiana (atualmente destruída); o palacete de algumas edificações que possuem característi-
Adolfo Rollemberg, hoje sede da OAB-SE, loca- cas patrimoniais reveladoras de juízo de valor
lizado na Avenida Ivo do Prado, esquina com a histórico e estético capazes de prover conhe-
Praça Getúlio Vargas; e a do Sr. Nicola Mandari- cimentos construtivos do passado e especial-
no, atual Cúria Metropolitana, localizada na Rua mente do saber fazer técnico das pinturas pa-
Itaporanga, esquina com a Rua Santa Luzia. rietais, bem como da identidade e cultura do
A reforma do Palácio Olímpio Campos, no sergipano do início do século XX, entre essas
inicio do século XX, tinha como proposta o “em- edificações estão o Palácio Olímpio Campos,
belezamento” da edificação, realizada pelos a Catedral Metropolitana de Aracaju e o Casa-
artistas da missão italiana. A obra marcou a ci- rão dos Rollembergs, principal objeto de estudo
dade, pois, a partir de então, passaram a imitar desde trabalho. Muitas destas superfícies estão
a obra do palácio nas construções e reformas, a apresentar anomalias que requerem ações in-
com fachadas bem lançadas em proporções, terventivas de prevenção, de conservação e de
mas com menor quantidade de adornos. Os ita- restauração urgentes (VEIGA; AGUIAR; SAN-
lianos não atuaram apenas nas fachadas. Eles TOS SILVA e CARVALHO, 2004, p. 01-18).
também introduziram novos processos constru-
tivos e ornamentos, bem como trabalharam em 2 O casarão dos Rollembergs
uma disposição de planta diferenciada e execu-
taram pinturas parietais de extrema qualidade.
É importante afirmar que a partir do estu- Localizado na Av. Ivo do Prado, nº 1702,
do das características arquitetônicas desses Bairro São José, ao lado da Praça Getúlio Var-
exemplares, podem-se verificar os conceitos gas, o palacete dos Rollembergs é um edifício
ideológicos que determinaram a maneira de vi- marcante na história da arquitetura da cidade.
ver das pessoas daquela época e nesse modo Foi tombado como patrimônio histórico e cultu-
de viver, a personalização do homem aracajua- ral pelo decreto nº 11.118, de 7 de setembro de
no pode ser verificada nas pinturas parietais. 1989, pelo então governador de Sergipe Antô-
Nesse contexto, o conhecimento da cor, além nio Carlos Valadares, Inscrito no livro de tom-
de possibilitar a correta restauração técnica do bo,01 - geral - fl. 14.
objeto patrimonial, é capaz de agregar valor à A edificação serviu de casa de veraneio à
construção da identidade e memória local, pois família Rollemberg (muito influente na política
representa fator cultural e simbólico indiscutível e economia do Estado), usada para festas ou
de determinada região (AGUIAR, 2002, p. 109). feriados escolares, materialização do compor-

Arquitetura e cidade: ensaios projetuais, análises urbanas e caminhos percorridos na Universidade Federal de Sergipe
20

tamento social que era praticado pela classe como protagonistas estes imigrantes italianos
abastada no início do século XX em Sergipe, que aqui chegaram por volta de 1918, oriundos
visando sair da alta concentração populacional, da Bahia, com manuais técnicos de ornamenta-
que ia desde o Bairro Maçaranduba (atual Bair- ções e modelos referenciados por guias e revis-
ro Industrial) ate a região da Avenida Barão Ma- tas publicadas que circulavam de forma restrita
ruim (locais que determinavam o perímetro de apenas nas mãos destes profissionais (PORTO,
adensamento e limites de Aracaju). Construído 2011, p. 39). Os referidos italianos foram res-
nas proximidades da Praia Formosa (região ponsáveis pelo projeto, construção e ornamen-
considerada zona de expansão da cidade, na tação da casa. Uma planta diferenciada marca
época) frequentada pelas famílias mais impor- a residência. O costume de ter-se um corredor
tantes do estado e onde se podia usufruir do ao lado dos quartos foi substituído por salas; a
conhecido “banho doce” (PORTO, 2011, p. 20). eles atribui-se a “casa de entrada lateral”, uma
A família Rollemberg foi representante de um pequena sala onde o anfitrião recebia o visitan-
dos mais importantes grupos do poder provincial do te e levava ou não a outra sala maior. Os porões
Brasil (Bahia, Sergipe e Rio de Janeiro). Do ramo são altos o bastante para desenvolver ativida-
açucareiro desde 1538, a família Rollemberg co- des de serviços domésticos. As acomodações
meçou em Aracaju por Adolpho Rollemberg, neto dos empregados e depósitos ficavam no térreo.
do Barão de Japaratuba e de Estância. Adolpho No primeiro pavimento, tem-se a parte social
decidiu construir, em 1917, o palacete, com o com- com acesso por uma imponente escada late-
promisso de edificar junto a ele uma praça, para dar ral que findava em uma varanda. No segundo
destaque a residência. Adolpho Rollemberg tinha pavimento, a área íntima (quartos), com aces-
grandes ideias visionárias para Aracaju (SOUZA E so por uma escadaria de madeira no centro da
FONTES, 2010). Pretendia construir também um edificação. Os ambientes das salas e quartos
teatro e um hotel que pudessem elevar os serviços ricamente adornados por pinturas parietais com
da cidade. Mas morreu em 1919, sem materializar temas florais e paisagens naturais românticas,
suas ideias e investimentos. Não viu o casarão no por vezes, remetendo a regiões da Itália. Fre-
seu esplendor. Faleceu dois anos após o início da derico Gentil, que teve extensa participação na
construção (PORTO, 2011, p. 39). A família per- construção civil sergipana, foi o responsável
maneceu no solar por noventa anos, quando em pela obra, as pinturas foram feitas pelo pintor
2009, vendeu o imóvel para a Ordem dos Advoga- Oreste Gatti, que também trabalhou na capela
dos do Brasil (OAB) Seccional Sergipe, tornando a mor da Catedral Metropolitana.
edificação sede administrativa da Ordem no Esta- A planta da residência é bem resolvida, de
do e Memorial da Advocacia Sergipana. forma a integrar as áreas internas e o jardim,
Como descrito anteriormente, em Aracaju, através das varandas. É notável a grande preo-
o embelezamento de praças e edifícios teve cupação espacial e estética dos ambientes. A

Arquitetura e cidade: ensaios projetuais, análises urbanas e caminhos percorridos na Universidade Federal de Sergipe
21

casa já foi projetada com iluminação elétrica e à família e imponência ao casarão. A varanda
encanamento hidráulico, aspectos técnicos ino- encontra-se recoberta com azulejos amarelos
vadores para Sergipe no início do século XX. A com características Art Nouveau (Figura 07)
afirmação social era uma necessidade da bur- e apresentam ornamentação floral em pétalas
guesia emergente, assim, especialmente a área vermelhas, caule verde e azul. O piso utilizado
social da edificação apresenta muitas salas, na varanda era ladrilho hidráulico.
cada uma com sua finalidade especifica. Estes Figura 05: Acesso principal da edificação;
ambientes eram expressivamente adornados
com pinturas murais e móveis imponentes.
A relação de uso privado dos espaços da fa-
mília Rollemberg foi descrita nos depoimentos
de Maria Elisa Rollemberg, pertencente à última
geração que viveu na casa, em entrevista conce-
dida a Allyne Amaral, em 2017; e em relatos de
Alzira Rollemberg, sobrinha de Adolpho Rollem-
berg, em entrevista concedida às arquitetas Sa-
mira Souza e Danielle Fontes, no ano de 2010.
Fronteira entre os espaços públicos e priva-
dos, o jardim tinha como característica o lazer.
Entretanto, inicialmente, tinha por função va-
lorizar a arquitetura residencial, utilizado para
Figura 06: Escada lateral com detalhes
destacá-la. Era nesse espaço onde as crianças em folha de acanto;
se encontravam para brincar, enquanto que as
moças flertavam no portão. Alzira relata que a
cada ano as crianças se enfiavam embaixo da
escada de acesso principal, para medir quem
havia crescido mais.
A varanda se apresenta como elemento de li-
gação entre o jardim e a casa, considerada pon-
to de vigilância, lazer, contemplação e obser-
vação, de onde se admiravam as procissões,
o movimento da cidade, o rio, o bonde, lugar
romântico, e também palco de diversas fotos
de família. Servia também para dar mais status
Fonte: Autores, 2017.

Arquitetura e cidade: ensaios projetuais, análises urbanas e caminhos percorridos na Universidade Federal de Sergipe
22

Figura 07: Varanda com características Art Nouveau.


Fonte: Autores, 2017.

O acesso principal da casa (Figuras 05 e 06) Uma das mudanças significativas do ecletis-
dava-se por uma escada lateral, curva e reves- mo foi a adequação da casa ao lote, tornando
tida com mármore, com detalhes em folha de necessário um espaço de transição entre o ex-
acanto, volutas e guirlanda de flores; era também terno e o doméstico. A esta área social da resi-
cenário de muitas fotos de família. Existia uma dência, adentrava-se pelo vestíbulo, a seguir a
escada na fachada posterior da casa, que dava sala de visitas, e ao lado, a sala íntima, e, por
acesso à cozinha, após acesso lateral da casa, último, a sala de jantar, entre elas ficava o hall
pela antiga Rua Angelim. Por fim, existia dentro da escada. Todas as salas eram interligadas, de
da casa uma escada para circulação vertical, em modo a funcionar, muitas vezes, como salão de
madeira, localizada em um hall, no porão ela se festas, salas de reuniões familiares e sociais. Es-
apresentava de forma helicoidal e no segundo ses ambientes adjacentes à rua tinham janelas
pavimento, setor social, era imponente. amplas, que estabelecem a relação com a paisa-

Arquitetura e cidade: ensaios projetuais, análises urbanas e caminhos percorridos na Universidade Federal de Sergipe
23

gem exterior, como também tinham a função de No pavimento térreo estava o setor de ser-
ventilação. Assim, deveriam estar sempre em or- viços da casa, também com pisos em ladrilhos
dem, pois funcionavam como “vitrine” que refle- hidráulicos, com características muito simples,
tia ao público o asseio, as posses e a disciplina utilizado para elevar a casa, dando a esta mais
da família. Essas salas possuem grande riqueza imponência, contava com alojamento de empre-
decorativa. Lá estão as pinturas murais de maior gados, quintal, área de serviço e garagem com
valor do edifício, os fingidos em madeira, pintu- acesso pela lateral da casa, já que o carro era
ras que trazem uma visão romântica de espaços um símbolo de posição social e prestígio. Este
bucólicos, com paisagens italianas, elementos pavimento foi pensado inicialmente para os
de características Art Nouveau, e natureza-mor- serviços, no entanto, com o crescimento da fa-
ta, retratando flores e frutos. Cada sala possui mília, seu uso alterou-se, servindo então, para
um piso em assoalho de madeira, trabalhado alojamento familiar. A lavanderia ficava na late-
com forma geométrica diferente, para distinguir ral da garagem. No fundo da casa existia ain-
os ambientes. Os rodapés são de madeira. da o cata-vento, utilizado para bombear água
A copa se configurava como um ambien- para a residência.
te mais íntimo, de transição entre a cozinha No último pavimento, estava o setor íntimo
e a área social da casa. Neste local a família da casa, pintado com cores claras e com pou-
se reunia para refeições mais rápidas e/ou cos ornamentos, como pinturas que se encon-
informais. O ambiente de cor amarelo claro pos- tram encobertas por camada de tinta branca,
suía geladeira, mesa de seis cadeiras, móveis pois não foram objeto da restauração realizada
para guardar louças e pia. Adjacente à copa es- em 2009 por falta de verba. Contava com cin-
tava o banheiro social, revestido com azulejos co quartos de formato retangular, um banheiro,
brancos, com frisos decorativos, possuía vaso uma saleta, um pequeno oratório e um pequeno
sanitário, lavatório com coluna, bidê e chuveiro. corredor que interligava os ambientes. Os quar-
A cozinha passa a ser entendida no ecletismo tos tinham ventilação e iluminação natural, com
como uma área social, e não mais como setor de janelas de vidro e madeira em estilo neoclássi-
serviço, localizando-se assim no segundo pavi- co. O piso era em assoalho sem detalhes. O ba-
mento, após a copa, próximo à sala de jantar, es- nheiro desse pavimento era grande e possuía
tando também interligada ao quintal e ao acesso vaso sanitário, lavatório com coluna, bidê, duas
secundário da casa, pela escada do fundo. O banheiras no estilo vitoriano (uma para adultos
revestimento da cozinha era em azulejos bran- e outra para crianças) e o chuveiro (com aque-
cos até a metade da parede, e o piso era ladrilho cimento por serpentina). A parede e o piso eram
hidráulico sextavado, vindos provavelmente da em azulejo branco, com frisos semelhantes ao
fábrica de Frederico Gentil, construtor da casa. do pavimento inferior.

Arquitetura e cidade: ensaios projetuais, análises urbanas e caminhos percorridos na Universidade Federal de Sergipe
24

No que se refere à fachada, observa-se gran- Segundo o memorial descritivo do projeto, fo-
de riqueza de detalhes característicos do ecletis- ram realizadas alterações mínimas necessárias
mo que vão do piso a platibanda, os pavimentos à utilização para as novas funções e, de acordo
sobrepostos conferem status à edificação. As es- com o arquiteto, foi empregado um conceito de
quadrias remetiam ao Art Nouveau, em madeira mimetismo para harmonização das cores, ten-
com vidro, alguns coloridos (verde), apresenta- do o conceito geral sido balizado pelo respeito à
vam cunhal ao redor, para ressaltar uma entrada autenticidade da obra. Atualmente, a edificação
e dar acabamento. O telhado em quatro águas e especificamente as pinturas arquiteturais ne-
era escondido pela platibanda neoclássica. As cessitam de ações de conservação, restauro e
janelas em arco pleno e retilíneo. As estátuas e prevenção, pois apresentam vários tipos de ata-
os pináculos também faziam parte da composi- ques: umidade, salinidade, desgastes e ações
ção do edifício, bem como colunas com capitéis naturais impostas pelo tempo.
coríntios, adornadas com folhas de acanto. Um
elemento de destaque na fachada é o brasão 3 Estudo, identificação
com as iniciais de Adolfo Rollemberg, adornado e mapeamento de cores
com volutas e guirlanda de flores. Com relação
à pintura do casarão, Maria Elisa (representante
da última geração que viveu na residência) re- Considera-se que a cor é a sensação provo-
lata que a única reforma feita na edificação foi cada pela luz sobre o órgão da visão, assim, a
em 1995, quando sua mãe mandou pintar todo cor não tem existência material e vários fatores
o casarão, segundo ela, nas mesmas cores psicológicos e/ou físicos interferem na sua apa-
existentes anteriormente, “marfim e vinho (origi- rência. Não há um método padronizado para es-
nais)”, e que as pinturas murais das superfícies pecificações de cores em superfícies parietais.
internas foram encobertas (pintadas) por tinta Bezerra e Nappi (2012, p.75) apresentam quatro
branca “pois há muito não via tinta”. Maria Elisa procedimentos: (1) comparação com catálogos
justificou a ação alegando o alto custo de manu- de cores/ensaios laboratoriais; (2) acerto da cor
tenção da casa na época, o que levou a família, artesanalmente in situ; (3) acerto da cor na in-
a partir de 1990, a cogitar sua venda, que se dústria por um colorista; e, (4) reprodução da cor
concretizou em 2009, mediante uma proposta em papel. No entanto, para restauração de pin-
da OAB de mais de um milhão de reais. turas murais, a cor é um aspecto muito importan-
Após a compra do Solar dos Rollembergs te e sensível, pois para que o produto seja uma
pela Ordem dos Advogados do Brasil em 2009, intervenção pictórica de qualidade, que respeita
foi realizada uma intervenção projetada pelo Ar- e valoriza a obra, não são poucos os aspectos a
quiteto Rui Almeida, que visava à restauração serem considerados, tanto pela importância do
total da casa e sua adaptação para uso da OAB. fenômeno cromático quanto pela relação com a

Arquitetura e cidade: ensaios projetuais, análises urbanas e caminhos percorridos na Universidade Federal de Sergipe
25
preservação da autenticidade. Questões artísti- das e inventariadas em fichas, para documentar
cas e históricas, uso, contexto urbano, estilo da valores mais próximo do real. O Sistema Munsell,
edificação são alguns desses aspectos. Assim, método de avaliação visual, a partir de paleta de
divide-se este processo em três etapas: o reco- cor (The Munsell Book of Color) foi usado para
nhecimento, a análise, e a intervenção. comparar com a cor encontrada no local, sob
O estudo cromático realizado no Casarão mesma condição de iluminação (Figuras de 08 a
dos Rollembergs foi baseado na comparação 11). O outro método foi o Sistema Natural Colour
de catálogos, agregando as informações de System (NCS), que mede a partir de um colorí-
reconhecimento documental, levantamento de metro digital modelo RN200 NCS (Figura 13), e,
dados, projeto arquitetônico, fotos antigas, rela- assim, comparou-se a cor identificada através do
tos, análise crítica e contexto urbano. Para iden- catálogo de cor INDEX NCS (Figura 14). A seguir,
tificação e mapeamento das cores utilizaram-se as figuras de 08 a 15 demonstram o processo
dois sistemas de organização de cor; ambos realizado com todas as cores identificadas.
possuem vantagens e desvantagens técnicas. Figura 08: Paleta de cor Munsell (The Munsell Book
Assim, ao final, as informações foram compara- of Color);

Fonte: Autores, 2017.

Arquitetura e cidade: ensaios projetuais, análises urbanas e caminhos percorridos na Universidade Federal de Sergipe
26

Figura 09: Aferição da cor in


loco;

Figura 10 e 11: Identificação


da paleta de cor MUNSELL –
10PB 3/4, ou seja, Matiz (PB
- Violeta azulado), Luminosi-
dade (3) e Saturação (4).

Fonte: Autores, 2017.

Arquitetura e cidade: ensaios projetuais, análises urbanas e caminhos percorridos na Universidade Federal de Sergipe
27

Figura 12: Aferição da cor


pelo sistema NCS Coloríme-
tro Digital RM200;

Figura 13: Resultado NCS S


7010-R70B, ou seja, lumino-
sidade 70%, saturação 10%,
e tonalidade vermelho com
70% de azul;

Figura 14: Comparação da


cor pelo INDEX NCS após a
aferição com o Colorímetro
Digital.

Fonte: Autores, 2017.

Arquitetura e cidade: ensaios projetuais, análises urbanas e caminhos percorridos na Universidade Federal de Sergipe
28

Figura 15: Determinação a partir do NCS Navigator. camada de tinta branca (segundo pavimento). A
análise externa foi realizada no térreo devido à
facilidade/logística de medição.
Figura 16: Primeiro pavimento do Casarão dos Rollem-
bergs, planta baixa, sem escala. Ambientes: 6-Vestibulo;
7-Sala de visitas; 8-Circulação; 9-Sala íntima; 10- Sala de
Jantar; 11- Copa; 12- WC social; 13- Depósito; 14- Cozinha
e 15- Varanda (superfícies analisadas: 6; 7; 8; 9; 10 e 15).

Fonte: Autores, 2017.

Após colher as informações in loco, elabo-


raram-se fichas que trazem informações per-
tinentes à medição e possíveis interferências,
como data, hora, características do clima, equi-
pamentos utilizados, precisão do equipamento, Figura 17: Painel de azulejos na varanda;

etc. Acrescentou-se ainda identificação de es-


tilo arquitetônico, bem como identificação atra-
vés de planta, do local especifico onde foi reali-
zada cada medição. Todo o processo e as cores
identificadas possuem registros fotográficos.
Foram realizadas as análises das superfí-
cies murais pintadas dos principais ambientes
do primeiro pavimento (Figura 16), identifican-
do e mapeando 104 matizes nas áreas internas
(vestíbulo, sala de visitas, varanda, sala intima,
sala de jantar e circulação) e duas matizes nas
superfícies parietais externas. Estas análises
ainda propiciaram a identificação e mapeamen-
to de anomalias presentes nestas superfícies,
tais como salinidades, descolamentos, amare-
lamento, envelhecimento da cor e sujidades. Os
demais ambientes não possuem pinturas parie-
Fonte: Levantamento Rui Almeida, 2009. Editado por Alyne Amaral,
tais (térreo) ou encontram-se encobertas por 2018. Fotos realizadas pelos autores, 2017.

Arquitetura e cidade: ensaios projetuais, análises urbanas e caminhos percorridos na Universidade Federal de Sergipe
29

Figura 18: Pintura com tema floral Art Nouveau.


Fonte: Levantamento Rui Almeida, 2009. Editado por Alyne Amaral,
2018. Fotos realizadas pelos autores, 2017.

Arquitetura e cidade: ensaios projetuais, análises urbanas e caminhos percorridos na Universidade Federal de Sergipe
30

Na varanda (Figura 17), identificaram-se e merismo relacionado ao vermelho das maçãs


mapearam-se sete matizes, entre elas verme- e os amarelos predominantes no painel (cores
lho, tons de verde, marrom, amarelo, tons de parecem idênticas). O olhar do observador tam-
azul. Estes cromatismos estão em superfícies bém acusa uma necessária adaptabilidade de
vítreas (azulejos) com temas florais Art nouveau ajuste visual, assim como, o observador é le-
(Figura 18). Quanto às variáveis que interferem vado a questionar a cor amarelada das maçãs
na percepção da cor, notam-se as questões do frente a sua memória da cor vermelha registra-
contraste de cores (intensificação das diferen- da no subconsciente para esta fruta. Quanto a
ças) e interferência na ambiência lumínica no degradações, estão presentes desbotamento e
momento da medição, causada pela variação amarelamento da cor e descolamento da parte
da intensidade da luz solar (nublado e ensola- superior do painel (Figura 22).
rado). Quanto às degradações, é plenamente Figura 19: Pinturas parietais da sala de jantar;
perceptível craquelamento, desbotamentos e
envelhecimento da cor, além de sujidades pro-
vocadas pelo ar e salinidade.
Na sala de jantar (Figura 19), destacam-se
os painéis abaixo das janelas internas, com
temas de frutas (uvas e maçãs) e também ao
redor de toda sala na parte superior (devido à
dificuldade de alcança-los, na parte superior,
utilizou-se apenas o sistema NCS), e dos pai-
néis ao longo da parede que têm característi-
cas Art nouveau (Figura 20). Foram mapeadas
mais de trinta cores neste ambiente, entre elas:
tons de verde, marrom, vermelho, amarelo,
ocre, roxo, cinza e salmão. No painel com tema
maçãs e uvas, predominaram os amarelos sob
um fundo de verdes das folhagens, esse con-
traste resultou em uma figura-fundo no qual o
efeito do escorço (profundidade em decorrên-
cia da sobreposição de planos e não do uso da
perspectiva) é ampliado através das cores. Em
relação às variáveis que interferem na percep-
ção das cores, é possível identificar um meta-
Fonte: Autores, 2017.

Arquitetura e cidade: ensaios projetuais, análises urbanas e caminhos percorridos na Universidade Federal de Sergipe
31

Figura 20: Detalhes Art Nouveau;

Figura 21: Fingidos de madeira;

Figura 22: Exemplo de painel


com tema de natureza morta,
abaixo das janelas.

Fonte: Autores, 2017.

Arquitetura e cidade: ensaios projetuais, análises urbanas e caminhos percorridos na Universidade Federal de Sergipe
32

Ainda na sala de jantar, destacam-se os fingi- de ocre e dourado. Apresenta manchas por
dos de madeira (Figura 21), com motivos florais umidade e sujidade.
remetendo à Art Nouveau. Neles predominam Figura 23: Pintura da sala intima;
os amarelos, marrons, negros e verdes escu-
ros. Os fingidos encontram-se em bom estado
de conservação, a memória da cor (imitação da
madeira – fingido) é o efeito visual mais signi-
ficativo, ocorre ainda uma intensificação da di-
ferença entre as cores (contrastes), apesar da
predominância dos amarelos avermelhados.
Na sala íntima (Figura 23), destacam-se pai-
néis parietais (Figura 24) e pinturas que repre-
sentam paisagens bucólicas da Itália (Figura
25). Na parte superior dos painéis devido à
dificuldade de alcançá-los com o uso de paletas
de cores MUNSELL (altura e localização dos
painéis), utilizou-se apenas o NCS. Nas referi-
das pinturas, identificaram-se apenas as cores
externas, pois o tamanho e a variação de co-
res da pintura interna exigiam uma microanáli-
se, não possibilitada pelo sistema de medição
utilizado. Foram identificadas treze cores, com
predominância dos tons de bege, dourado, sal-
mão, cinza e branco. A principal questão obser-
vada foi o ataque de sais: eflorescência salina
em uma das paredes laterais.
No hall da escada (Figura 26), destaca-se
uma pintura de formas florais estilizadas em Art
Nouveau que coroa toda a extensão superior da
parede. Nela foram identificadas oito cores, pre-
dominantemente tons de verde, amarelo, além
Fonte: Autores, 2017.

Arquitetura e cidade: ensaios projetuais, análises urbanas e caminhos percorridos na Universidade Federal de Sergipe
33

Figura 24: Detalhe inferior das pinturas da sala intima; Figura 26: Pintura do hall da escada.

Figura 25: Detalhe das representações de paisagens Fonte: Autores, 2017.


bucólicas italianas;
Na sala de visitas (Figura 27), destacam-se
as pinturas com temas românticos (essas cores
não foram identificadas, pois assim como as pin-
turas da sala íntima, exigem microanálise); os
ornamentos florais geometrizantes em todas as
superfícies parietais, onde predominam os tons
de verde e amarelo, além de cinza e marrom; e
os arranjos florais (Figura 28), localizados entre
o forro e o término da parede (se assemelha a
um rodateto), apresentam cores variadas e, só
puderam ser aferidas pelo sistema NCS, devido
à dificuldade de acesso, apresentando as se-
guintes cores: tons de cinza, dourado, branco,
marrom, verde claro, rosa e amarelo.

Arquitetura e cidade: ensaios projetuais, análises urbanas e caminhos percorridos na Universidade Federal de Sergipe
34

Figura 27: Pintura da sala


de visitas, com elementos
florais geometrizantes;

Figura 28: Detalhe superior,


semelhante ao rodateto.

Fonte: Autores, 2017.

Arquitetura e cidade: ensaios projetuais, análises urbanas e caminhos percorridos na Universidade Federal de Sergipe
35

O vestíbulo (Figura 29) possui frisos florais Art Figura 30: Degradação da pintura por eflorescência;
Nouveau, que sofrem intenso ataque de sais (eflo-
rescências) nas paredes, inclusive com a perda
e descolamento de material (Figura 30). As cores
identificadas e mapeadas neste ambiente foram
tons de verde, marrom, amarelo, bege e cinza. A
cor da fachada (Figura 31) se destaca, pois destoa
das edificações ecléticas presentes atualmente em
Aracaju, e também pelo efeito visual ocasionado
pela incidência da luz em determinados horários e
dias ensolarados e/ou nublados. Foram identifica-
das duas cores: um tom de salmão alaranjado que
está em quase toda superfície e um tom mais aver-
melhado, que destaca os elementos decorativos.

Figura 29: Pintura do vestibulo;


Fonte: Autores, 2017.

Arquitetura e cidade: ensaios projetuais, análises urbanas e caminhos percorridos na Universidade Federal de Sergipe
36

Figura 31: Cores da fachada principal.


Fonte: Autores, 2017.

Considerações finais

Quanto ao processo de restauração reali- vel no acervo da FUNCAJU. O estado atual das
zado em 2009, acredita-se que a restauração pinturas parietais do Casarão dos Rollembergs
realizada obedeceu a procedimentos teóricos apresenta alto índice de degradações, especial-
científicos visando à autenticidade das cores, mente as relacionadas ao ataque por sais (pro-
fato observado na parte externa a partir de uma ximidade do mar), sujidade provocada por CO²,
antiga pintura a óleo em tela da edificação rea- e em muitos locais aparecem craquelamentos,
lizada por Álvaro Santos, em 1930, e disponí- amarelamentos e descolamentos da pintura su-

Arquitetura e cidade: ensaios projetuais, análises urbanas e caminhos percorridos na Universidade Federal de Sergipe
37

perficial, além de alto ataque de umidade. Faz- duação em Arquitetura e Urbanismo) - Univer-
-se necessário uma intervenção para conservar sidade Federal de Sergipe, Laranjeiras, 2017.
e restaurar as superfícies. CHAVES, R. S. Aracaju: pra onde você vai?
Este estudo foi de grande importância para Aracaju: Edição do autor, 2004.
os participantes, porque, além do conhecimen-
to técnico adquirido, permitiu a ampliação da CHOAY, F. O Urbanismo. São Paulo:
observação da arquitetura além da condição Perspectiva, 1997.
clássica de forma, compreendendo, também, a PORTO, F. Alguns nomes antigos do Araca-
percepção da cor e sua grande importância no ju. Aracaju: Gráfica Editora J. Andrade, 2003.
espaço edificado. SCHETTINO, P. T. J. As relações entre técnica,
cultura e sociedade nos palacetes cariocas da pri-
meira república. In: Anais congresso de história
Referências
da construção luso-brasileira. 1. Vitória, 2013.
SOUZA, S., FONTES, D. Casa de fundição:
AGUIAR, J. Cor e cidade histórica: Estudos de palacete dos Rollembergs a nova sede da
cromáticos e conservação do patrimônio. 1 ed. OAB. Artigo não publicado.
Porto: Faculdade de Arquitetura do Porto. 2002. VEIGA, M. R., AGUIAR, J., SANTOS SILVA, A.,
AMARAL, A. A. Cor e arquitetura: o caso do CARVALHO, F. (2004). Conservação e reno-
Casarão do Rollemberg, Aracaju-SE. 2017. vação de revestimentos de paredes de edifí-
178 f. Trabalho de Conclusão de Curso (Gra- cios antigos. Lisboa: LNEC.

Arquitetura e cidade: ensaios projetuais, análises urbanas e caminhos percorridos na Universidade Federal de Sergipe
38

2
Mariane Cardoso de Santana
Maria Cecília Pereira Tavares

Introdução

O presente texto consiste em um dos desdobra- nejamento urbano. Esses novos agenciamentos
A INOVAÇÃO mentos do Trabalho de Conclusão de Curso intitula-
do “Vislumbres no vazio: apropriações artísticas em
compreendem formas autônomas de organização e
transparecem em Aracaju através de apropriações
URBANA CIDADÃ E espaços residuais de Aracaju”, de autoria de Maria-
ne Cardoso de Santana, sob orientação da Prof.ª
espontâneas do espaço público, eventos artísticos
como o Sarau Debaixo, o Clandestino, a Batalha
OS MOVIMENTOS Dr.ª Maria Cecília Pereira Tavares. Apresentando
como objeto de estudo a atuação de coletivos ar-
do Octógono e o Som de Calçada, que habitam
temporariamente o espaço invisível, denunciando

ARTÍSTICOS NO tísticos da cidade de Aracaju, a pesquisa teve como


objetivo analisar a importância desses grupos nos
a precariedade urbana e buscando uma reversão
para os terrenos públicos subutilizados.

ESPAÇO PÚBLICO processos de dinamização e ressignificação de es-


paços públicos residuais na cidade. 1 Espaços residuais: referencial teórico
RESIDUAL DE Esse tema ganha relevância diante de discus-
sões mais amplas sobre a efetividade da esfera

ARACAJU/SE1 pública urbana e das formas acessíveis de repre-


sentatividade que os habitantes possuem para exi-
Segundo Pallamin, o encolhimento do domínio
do público vem “efetivando-se a partir dos anos
bir (e exigir) suas demandas em um contexto inter- 70 – [e] tem sido acompanhado pelo desmanche
nacional neoliberal. Com a privatização atingindo a de promessas sociais e pela decrescente atuação
maior parte dos equipamentos urbanos, fabricam- do Estado em efetivar suas próprias regulações”
-se simulacros de uma vida pública traduzidos em (PALLAMIN, 2002, p.1). Diante do imperialismo da
estruturas, tais como os shopping centers ou lotea- política do medo, transmitida pelas vias midiáticas,
mentos fechados, em que impera a segregação, im- e do crescente acirramento socioespacial que re-
possibilitando a riqueza própria do espaço público sulta em núcleos de pobreza urbana, a apropria-
que reside, como defendido por Pechman (2012), ção do espaço público pelos cidadãos torna-se
1. Artigo produzido com base no Trabalho de
Conclusão de Curso intitulado “Vislumbres no no “acolhimento do conflito”. uma verdadeira contracorrente, de modo que
Vazio: Apropriações Artísticas em Espaços Re- Soma-se a isso, o atual panorama político do
siduais de Aracaju”, elaborado por Mariane Car- [...] essa prática crítica inclui dentre seus
doso de Santana sob orientação da Profa. Dra.
Brasil, cuja democracia demonstra-se fragilizada a
propósitos estéticos o desafio a certos
Maria Cecília Pereira Tavares, apresentado e ponto de questionar a verdadeira legitimidade go- códigos de representação dominantes, a
aprovado em abril de 2017, no Departamento de vernamental e, consequentemente, os meios de introdução de novas falas e a redefinição
Arquitetura e Urbanismo da Universidade Fede- de valores como abertura de outras possi-
ral de Sergipe. representatividade tradicionais via poder público.
bilidades de apropriação e usufruto dos es-
Florescem, assim, outras formas de luta, novas paços urbanos físicos e simbólicos. (PAL-
maneiras de “ter voz” diante das decisões do pla- LAMIN, 2002, p.5)

Arquitetura e cidade: ensaios projetuais, análises urbanas e caminhos percorridos na Universidade Federal de Sergipe
39

No que tange à realidade estrutural do espaço A partir da expressão Terrain Vague, cunhada
público, a situação agrava-se ainda mais à mer- no ano de 1995, o arquiteto, historiador e filóso-
cê do esvaziamento dos centros urbanos em ho- fo Ignasi de Solà-Morales descreve os espaços
rários não comerciais, da apologia ao uso do au- que “são ilhas interiores esvaziadas de atividade,
tomóvel que contamina o espaço habitável com são olvidos e restos que permanecem fora da di-
vias e bolsões de estacionamentos, do abando- nâmica urbana. Convertendo-se em áreas sim-
no de grandes áreas industriais remanescentes plesmente des-habitadas, in-seguras, im-produ-
de uma era econômica ultrapassada e da pre- tivas” (SOLÁ-MORALES, 2002, on-line). A partir
sença de espaços residuais, como terrenos bal- de tal conceito, reconhece-se uma expansão da
dios derivados de grandes infraestruturas. Todas discussão no meio acadêmico.
essas ocorrências geram os chamados vazios O significado de terrain vague, terminologia
urbanos, terminologia relativamente recente nas intraduzível segundo o próprio autor, carrega in-
incursões urbanísticas. trinsecamente a ambiguidade entre o estado de
Segundo o trabalho de Andrea Borde, as pri- desocupado e o de disponível. Assim, o termo
meiras discussões acadêmicas sobre essa pro- ganha novas dimensões, que não só abarcam
blemática datam do final da década de 1970, a a problemática de áreas urbanas desperdiçadas,
partir de levantamentos de terrenos ociosos pro- mas também as apresentam a partir de uma
duzidos na França e Inglaterra. Entre os diversos perspectiva esperançosa, ao constatar o poten-
termos utilizados para descrever o mesmo fenô- cial evocativo que essas áreas possuem no surgi-
meno, o autor cita “friches urbaines, derelict lands, mento de modos alternativos de utilização. Outro
brownfields, wastlands, terrain vagues, tierras va- termo utilizado com sentido semelhante seriam
cantes e vazios urbanos” (BORDE, 2006, p. 7). os “entre-lugares”, da obra de Igor Guatelli, que
Inúmeras expressões podem ser encontradas
[...] se analisados a partir de seu de-
ao revisitar as bibliografias tangentes ao tema,
senho e forma, transitam entre uma
como é o caso da obra Finding Lost Spaces, de condição de mero complemento de um
Roger Trancik, que debate acerca dos chama- todo [...], um “lugar” situado entre, onde
dos “espaços perdidos” da cidade, definindo tais atividades organizadas, programadas,
estruturadas, “fortes” não ocorrem, mas,
locais como “as áreas urbanas indesejadas que talvez justamente por isso, propício para
necessitam de um redesenho – antiespaços, que o florescimento de experimentações
não criam nenhuma contribuição positiva para (GUATELLI, 2012, p. 51).
o entorno ou usuários. Eles são mal definidos,
sem bordas mensuráveis e falham em conectar Já o estudo de Sampaio debruça-se sobre
elementos de uma forma coerente2” (TRANCIK, os “espaços residuais”, caracterizando-os como
1986, p.3-4, tradução nossa). espécie de terrain vagues inseridos de maneira
2. Do original em inglês: “Generally speaking, lost spa- the surroundings or users. They are ill-defined, without
ces are the undesirable urban areas that are in need of measurable boundaries, and fail to connect elements in a
redesign – antispaces, making no positive contribution to coherent way”. (TRANCIK, 1986, p.3-4)

Arquitetura e cidade: ensaios projetuais, análises urbanas e caminhos percorridos na Universidade Federal de Sergipe
40

frágil nos fluxos urbanos, visto que poderiam ser paço ao subverterem o sentido de seu consu-
“locais assimilados pela cidade e pelos usuários mo. Para ele, é significativo “[...] analisar as
desta [...], ainda que muitos estejam excluídos práticas microbianas, singulares e plurais, que
da dinâmica da cidade, posto que não apropria- um sistema urbanístico deveria administrar ou
dos ou utilizados” (SAMPAIO, 2013, p.17). A di- suprimir e que sobrevivem a seu perecimento”
ferença entre ambos está explícita na relação (CERTEAU, 1998, p.174-175). A partir dessa
que o espaço residual possui com seu entorno, acepção, os “praticantes ordinários” tornam-se
uma vez que o agentes ativos na produção de cidade, pois es-
[...] espaço residual está sempre relacio- tariam munidos de táticas capazes de reestru-
nado a um outro espaço, um protagonis- turar o sentido dos sistemas pré-estabelecidos.
ta, a partir do qual o resíduo constitui um
mero elemento espacial resultante de
sua edificação. Consiste, portanto, em 2 O caso das apropriações
um espaço subjugado, cuja existência artísticas em Aracaju
não remete a um projeto arquitetônico ou
urbanístico próprio, mas sim a um acaso
da forma resultante de um planejamento
que, em sua essência, demonstra a in- Dentre as inúmeras táticas possíveis de se
completude do pensamento urbanístico reinaugurar um cenário urbano, as apropria-
tradicional. (SANTANA, 2017-a, p.15). ções artísticas têm se apresentado como uma
crescente em muitas cidades ao redor do globo.
Diferentes pontos de caracterização difusa
Diversas organizações independentes, entre
podem ser presenciados no espaço público das
grupos e coletivos, têm se utilizado da arte ur-
cidades, comprometendo o seu agenciamento,
bana como forma de provocar questionamentos
a sensação de segurança transmitida aos habi-
e críticas à conjuntura vigente, transparecendo
tantes e a definição de suas possibilidades de
conflitos inerentes e relações de poder que con-
ocupação. Nestes locais imprecisos, a própria
formam a urbe.
atuação institucionalizada de arquitetos e urba-
Tais resistências artísticas apresentam impac-
nistas torna-se frágil, visto que devem aproxi-
mar-se desse contexto absolvidos da vontade tos culturais e sociais muito importantes no tan-
suprema de colonizar o espaço, de inseri-lo nos gente à aproximação de diferentes segmentos
moldes vigentes do capital neoliberal que per- econômico-sociais na urbe. Além disso, esses
passa a produção de cidade. arranjos são instrumentos que propiciam uma
Michel de Certeau, em sua obra A Invenção sociabilidade mais aflorada que se desdobra no
do Cotidiano, atenta-se à contracorrente des- espaço público, reconstruindo-o enquanto lugar
sa ação, destacando os habitantes da cidade dinamizado e ativo, ao passo em que revelam os
como agentes ativos de ressignificação do es- embates ocultados na pólis. Como afirma Mouffe,

Arquitetura e cidade: ensaios projetuais, análises urbanas e caminhos percorridos na Universidade Federal de Sergipe
41

[...] para entender o caráter político acesso à arte e à democratização da cultura –


desses diversos ativismos artísticos de- trazem em suas ações um importante fator de
vemos vê-los como intervenções contra
hegemônicas cujo objetivo é ocupar o ativação urbana, que caminha na contramão
espaço público a fim de interromper a do atual movimento de esvaziamento da esfe-
imagem suave que o capitalismo está ra pública. Esfera esta que abrange não só os
tentando difundir, trazendo à tona seu
caráter repressivo3. (MOUFFE, 2007, espaços livres da morfologia urbana (seus par-
on-line; tradução nossa). ques, praças, ruas e espaços residuais), mas
também, principalmente, a participação popular
Na cidade de Aracaju, saraus, rodas de rima,
nas decisões de sociedade regida por um Esta-
encontros musicais, slams, ensaios abertos e
do democrático. É essa a abrangente busca da
apresentações no espaço público de toda na-
maior parte dos grupos e coletivos, como expli-
tureza artística – para além de repercutirem o citada na Figura 1, um panfleto organizado por
3. Do original em inglês: “I submit that to grasp the political grupos ativistas e artistas de Aracaju e distribuí-
character of those varieties of artistic activism we need to see
them as counter-hegemonic interventions whose objective is do durante o aniversário da cidade.
to occupy the public space in order to disrupt the smooth ima- Figura 1: Panfleto de distribuição pública “Manifesto Cul-
ge that corporate capitalism is trying to spread, bringing to the tural-Político em Defesa da Cultura e da Cidade de Aracaju”.
fore its repressive character.” (MOUFEE, 2007, on-line)

Fonte: MANIFESTO, 2015.

Arquitetura e cidade: ensaios projetuais, análises urbanas e caminhos percorridos na Universidade Federal de Sergipe
42

Parte-se, então, da premissa do direito à ci- espaços de sociabilização e atividades criativas.


dade como “direito da ocupação plena e demo- Foi o caso do baixio do Viaduto Jornalista Car-
crática da cidade, com o sentido de apropriação valho Déda (Figura 2), popularmente conhecido
de suas ruas e espaços públicos em prol de uma como Viaduto do Distrito Industrial de Aracaju
urbe comunitária e dinâmica” (SANTANA, 2017- (DIA), um imponente corpo viário localizado em
b, p.1) e alia-se a isso a capacidade transfor- área central da cidade, próximo a importantes
madora dos usuários urbanos na definição do equipamentos urbanos como o Teatro Tobias
espaço. Afinal, “o espaço não é apenas organi- Barreto, principal teatro de Aracaju, e o Terminal
zado e instituído. Ele também é modelado, apro- de Integração do DIA. O terreno residual loca-
priado por este ou aquele grupo, segundo suas lizado abaixo das vias de automóveis consiste
exigências, sua ética e sua estética, ou seja, sua em pequenos nichos de estacionamento, na
ideologia” (LEFEBVRE, 2008, p. 82). maior parte do tempo não utilizados, ao lado de
Nesse sentido, nos últimos anos, alguns es- gramados arbitrários, conformando uma locali-
paços residuais de Aracaju abrigaram interven- dade encarada como insegura e improdutiva.
ções que reverteram seus sentidos de uso, tor- Figura 2: Baixio do Viaduto Jornalista Carvalho Déda,
nando-os de locais invisíveis e inutilizados para em Aracaju.

Fonte: Autoras, 2017.

Arquitetura e cidade: ensaios projetuais, análises urbanas e caminhos percorridos na Universidade Federal de Sergipe
43

O “Sarau Debaixo”, evento de periodicidade ça física em suas estruturas (com exceção dos
mensal organizado pelo “Coletivo Sarau Debaixo”, grafites e colagens em suas pilastras e muros),
foi uma das apropriações que se desenrolou no su- passou a ser encarado no imaginário da popu-
pracitado local. Tratava-se de um sarau de caráter lação como uma área passível de realização de
principalmente literário e musical, mas que contava eventos variados. Além disso, fomentou diversas
com palco aberto para que variados tipos de expres- apropriações de caráter festivo em outros pontos
sões artísticas pudessem se perpetuar na cidade. da cidade e do estado de Sergipe, que se inspira-
Com início em setembro de 2013, declara- ram na dinâmica do sarau para propagar a demo-
damente como fruto do momento político efer- cratização da arte e da cultura no espaço público.
vescente das Jornadas de Junho daquele ano, A “Batalha do Octógono” foi um dos eventos
o evento prolongou-se por pouco mais de dois insuflados pela atuação do “Sarau Debaixo”.
anos no mesmo local. Dentre vários temas Tratava-se de um concurso de MC’s que tinha
abordados de importância sociocultural, como a intenção de ampliar a cena do rap sergipano
a própria acessibilidade dos artistas sergipanos e era organizado pelo coletivo “Delta Nove Rap
aos meios de produção e divulgação de seus Home”. A organização, que se iniciou em 2014
trabalhos, o enfrentamento pelo direito à cida- e foi realizada até 2016, escolheu o baixio do
de emerge como uma de suas principais de- mesmo viaduto a fim de agregar significado de
mandas, refletindo-se na possibilidade de livre uso para aquele espaço, demarcando uma de-
ocupação dos espaços públicos urbanos, como manda populacional que caminhava no sentido
afirma Pedro Bomba, um dos integrantes do de reversão do espaço público residual.
“Coletivo Sarau Debaixo”: O mesmo local também foi palco de uma das
edições do “Clandestino”, apresentação musi-
Porque a gente falava muito isso, utiliza-
va até a palavra retomada, que é muito cal realizada pela banda “Renegades of Punk”,
utilizada pelos povos indígenas, que é desde 2012. Diferente das organizações citadas
esse lance, assim, é você retornar, é o anteriormente, o “Clandestino” atua de maneira
retorno à sua terra, é o retorno ao es-
paço que sempre foi seu. Então, nós es-
itinerante, tendo escolhido para suas 17 edições
távamos retornando à rua, como espaço (até o presente momento) diferentes espaços
comum, estamos retomando o espaço públicos de Aracaju, desde praças e pistas de
comum, porque o que a cidade faz é ex-
skates até terrenos baldios, praias e parques.
pulsar a gente do espaço comum. [sic]
(BOMBA, 2017). Outro espaço público residual de Aracaju
também revertido a partir de apropriação artísti-
A ação do “Sarau Debaixo” mostrou-se impul- ca foi um dos bolsões de estacionamento (Figu-
sionadora de outros eventos no baixio do viaduto ra 3) localizados à margem da Orla de Atalaia,
que, embora não tenha sofrido nenhuma mudan- na região popularmente conhecida como “Praia

Arquitetura e cidade: ensaios projetuais, análises urbanas e caminhos percorridos na Universidade Federal de Sergipe
44

da Cinelândia”. Inicialmente um encontro musi- um exemplo de intervenção artística que, mes-


cal entre amigos, o “Som de Calçada” acabou mo sem ter a direção de um coletivo organiza-
se tornando um evento legitimado pela popu- do, proporcionou efeitos significativos no uso e
lação, que passou a frequentar a calçada e o ocupação do espaço apropriado.
estacionamento todos os domingos, compondo Figura 3: Bolsão de estacionamento na Orla de Atalaia,
um palco aberto de apresentações. Trata-se de Aracaju.

Fonte: Autoras, 2017.

Demarca-se, assim, a crescente participação se voltam para a utilização dos pontos urbanos
dos habitantes da cidade no tangente à apro- anteriormente esvaziados pelo modo de vida
priação do espaço público, construindo uma neoliberal, esses grupos demandam o interes-
ferramenta de ativação dos espaços residuais se social e criativo dos espaços, recuperando
através da matéria artística. Ao passo em que os sentidos da coletividade urbana.

Arquitetura e cidade: ensaios projetuais, análises urbanas e caminhos percorridos na Universidade Federal de Sergipe
45

3 Inovação urbana cidadã

Assim como no caso de Aracaju, que se refle- ministração (PROJECT FOR PUBLIC SPACES,
te principalmente no contexto artístico, outras for- 20185). O movimento se expandiu e possui lide-
mas de atuação espalham-se por variadas con- ranças em diferentes países, inclusive no Brasil.
junturas e, consequentemente, utilizando-se dos O trabalho que realizam, baseados em Whyte,
mais diferentes procedimentos. Assistimos, nas tem como precedentes nomes como Jane Ja-
últimas décadas, ao surgimento de movimentos cobs e Jan Gehl, os principais críticos do urba-
de ‘ativistas urbanos’ que se caracterizam atra- nismo moderno, e o próprio Michel de Certeau,
vés de sua estratégia pragmática que transmu- em suas “Artes de fazer”.
ta o paradigma urbano “da era dos sonhadores, No urbanismo tático, uma das ferramentas do
para a era dos fazedores”, segundo Miguel La- placemaking, o objetivo é trabalhar com projetos
borde4 (2018). Entre estes ‘fazedores’, pode-se pequenos, mas viáveis, na maioria das vezes re-
citar o exemplo da organização “Placemaking”, sultantes de obras coletivas de vizinhos que se
fundação sem fins lucrativos originada em 1975, unem a fim de melhorar a qualidade de vida de
que tem como base o trabalho de William Whyte, maneira independente dos órgãos institucionais.
autor de The Social Life of Small Urban Spaces. Esta estratégia alcançou a atenção de outros
Diferente da estratégia dos coletivos apre- grupos estudiosos das cidades que comparti-
sentados anteriormente, que se consolidaram lham o mesmo objetivo, estimulando ações des-
de modo quase espontâneo e a partir de ações se tipo. Como exemplo, na América Latina, pode
efêmeras que modificaram o status quo de um ser citada a ONG Espacio Lúdico6, que atua no
contexto espacial, este é um exemplo de organi- Chile a partir da inovação urbana cidadã, com o
zação que trabalha com planejamento, design e objetivo de gerar a transformação social e ter-
educação com o objetivo de ajudar as pessoas ritorial inclusiva através do jogo, de pesquisas,
a criar e sustentar espaços públicos que formem ação e gestão de projetos colaborativos.
comunidades mais fortes. Trata-se de mais uma Como abordado, as atividades lúdicas, a arte
das diversas possibilidades de atuação que ca- urbana e as organizações coletivas independen-
minham no sentido autônomo de transformação tes são associações que têm tido sucesso na
do espaço urbano. Na equipe, trabalham pro- reapropriação do espaço público, tendo como
fissionais de áreas distintas: design ambiental, conceito fundamental a promoção de permanên-
arquitetura, planejamento urbano, geografia cia nesse espaço. Talvez tal realidade reflita o
urbana, psicologia ambiental, paisagismo e ad- que Montaner previa para o início deste século:
5. Disponível em <https://www.pps.org/about>, acesso
4. Miguel Laborde é um jornalista cultural e escritor chi- em 13 mar. 2018.
leno, conhecido principalmente por suas crônicas históri- 6. Disponível em <http://www.espacioludico.org/>, aces-
cas publicadas no jornal chileno El Mercurio. so em 12 mar. 2018.

Arquitetura e cidade: ensaios projetuais, análises urbanas e caminhos percorridos na Universidade Federal de Sergipe
46

No início do século XXI, está começando já fragilizado por uma tendência de privatização
a surgir um novo horizonte de mudanças dos equipamentos urbanos e do modo de vida
e ajustes, de novas experiências e boas
práticas para alcançar uma sociedade de seus habitantes.
contemporânea mais justa e diversifica- O trabalho de conclusão de curso no qual
da, mais sustentável e equilibrada, capaz este texto foi inspirado levantou questões que se
de construir sem destruir, com algumas
cidades e territórios baseados em rela- inserem em uma abordagem das apropriações
cionamentos e comunicações as quais dos espaços públicos da cidade por diferentes
continuam a fornecer novos sistemas ar- atores independentes da esfera pública e mes-
quitetônicos que promovam alternativas
ao urbanismo global dominante. (MON- mo do campo de estudo do urbanismo. Trata-se
TANER, 2008, p. 216, tradução nossa)7 de coletivos e grupos que caminham na con-
tramão do crescente cenário urbano neoliberal,
Assim, essa pesquisa abre espaço para uma reivindicando não apenas o espaço urbano que
vertente do estudo do urbanismo nestas primei- lhes pertence de direito, mas também seu po-
ras décadas do século XXI: a inovação urbana der de decisão nas instâncias democráticas.
cidadã, em que diversos atores vêm experimen- No caso de Aracaju, a atuação baseada em
tando e metamorfoseando o espaço público de intervenções artísticas promoveu a ressignifica-
diferentes maneiras. O território urbano torna-se ção de espaços residuais urbanos, ativando-os
espaço de estudo e laboratório não apenas para em prol de uma urbe comunitária e dinâmica. O
arquitetos e urbanistas, mas também para coleti- que se observou, tanto no caso dos coletivos
vos de diferentes formações que participam como de intervenções artísticas quanto na ação de or-
agentes transformadores da realidade urbana. ganizações coletivas e diversos agentes inde-
pendentes, foi uma tomada de consciência com
Considerações finais relação ao seu direito à cidade e à dimensão
pública da sociedade, agindo de modo a efeti-
var o próprio exercício cidadão.
Os espaços residuais na cidade representam
locais de indefinição e insegurança a seus usuá-
Referências
rios, agravando o panorama de espaço público
7. Do original em espanhol: A principios del siglo XXI
está pugnando por surgir un nuevo horizonte de cambios
y ajustes, de nuevas experiencias y buenas prácticas BOMBA, P. Entrevista III. [fev. 2017]. Entrevista
para conseguir una sociedad contemporânea más justa y concedida a Mariane Cardoso de Santana.
diversa, más prácticas para conseguir una sociedad con-
temporánea más justa y diversa, más sostenible y equili- BORDE, A. L. P. Vazios urbanos: perspectivas
brada, capaz de construir sin destruir, con unas ciudades
y unos territorios basados en relaciones y las comunica- contemporâneas. 2006. Tese (doutorado) - Univer-
ciones en los que se sigan aportando nuevos sistemas sidade Federal do Rio de Janeiro, Programa de Pós
arquitectônicos, que potencien alternativas al urbanismo
global dominante. (MONTANER, 2008, p. 216) Graduação em Urbanismo, Rio de Janeiro, 206.

Arquitetura e cidade: ensaios projetuais, análises urbanas e caminhos percorridos na Universidade Federal de Sergipe
47

CERTEAU, M. A invenção do cotidiano: Artes RHEINGANTZ, Paulo Afonso (Org.). Qualidade


de fazer. Petrópolis: Editora Vozes, 1998. do lugar e a cultura contemporânea: Contro-
GUATELLI, I. Arquitetura dos entrelugares: vérsias e ressonâncias em coletivos urbanos.
sobre a importância do trabalho conceitual. Rio de Janeiro: PROARQ FAU-UFRJ, 2012.
São Paulo: Editora Senac São Paulo, 2012. SAMPAIO, S. S. Grandezas do ínfimo: espa-
ços residuais em Salvador. 2013. Dissertação
LABORDE, M. Las “guerrillas” del urbanis-
(mestrado) - Faculdade de Arquitetura, Univer-
mo táctico. El Mercurio. 2018. Disponível em:
sidade Federal da Bahia, Salvador, 2013.
http://www.economiaynegocios.cl/noticias/noti-
cias.asp?id=449834. Acesso em: 11 mar. 2018. SANTANA, M. C. DE. Vislumbres no vazio:
apropriações artísticas em espaços resi-
LEFEBVRE, H. O direito à cidade. São Paulo:
duais de Aracaju. 2017. Trabalho de Conclu-
Ed. Moraes, 2008.
são de Curso (Graduação em Arquitetura e Ur-
MANIFESTO Cultural-Político em Defesa da banismo) – Universidade Federal de Sergipe,
Cultura e da Cidade de Aracaju. Aracaju, 2015. Laranjeiras, 2017a.
MONTANER, J. M. Sistemas arquitectónicos
SANTANA, M. C. DE. Coletivos artísticos
contemporáneos. Barcelona: Editorial Gusta-
pelo direito à cidade de Aracaju. In: Anais do
vo Gili, 2008.
IX Congresso Brasileiro de Direito Urba-
MOUFFE, C. Artistic Activism and Agonistic nístico. Anais Florianópolis(SC) Hotel Cas-
Spaces. Art & Research. A Jounal of Ideas, telmar, 2017b. Disponível em: <http//www.
Contexts and Methods, v. 1, n. 2, Glasgow even3.com.br/anais/9cbdu>. Acesso em: 15,
School of Art, 2007. Disponível em: <http://www. mar. 2018.
artandresearch.org.uk/vin2/mouffe.html>. Aces-
SOLÀ-MORALES, I. de. Terrain Vague. In: GILI,
so em: 18 ago. 2014.
G. Territorios. Barcelona, 2002. Disponível em:
PALLAMIN, V. M. Arte urbana como prática <http://www.archdaily.com.br/br/01-35561/>A-
crítica. São Paulo: Estação Liberdade, 2002. cesso em: 08 ago. 2016.
PECHMAN, R. M. Velhas cidades, novas subjeti- TRANCIK, R. Finding Lost Space: Theories
vidades: A intolerância nas cidades contemporâ- of Urban Design. Nova Iorque: Van Nostrand
neas. In: PEDRO, Rosa Maria Leite Ribeiro (Org.); Reinhold Company, 1986.

Arquitetura e cidade: ensaios projetuais, análises urbanas e caminhos percorridos na Universidade Federal de Sergipe
48

3
Tamyres Grazielle Almeida Silva
Carla Fernanda Barbosa Teixeira

Introdução

Os parques urbanos2 surgiram no final do sécu- implantação de novos equipamentos, adaptando


lo XVIII na Inglaterra. De acordo com Silva e Pas- suas novas funções às necessidades da popula-
REQUALIFICAÇÃO qualetto (2013), a urbanização e a industrialização ção atual. O Parque do Ibirapuera, em São Pau-
são as principais responsáveis pela origem dos lo, é um exemplo. Criado na primeira metade do
ESPACIAL DO parques urbanos. Tanto uma quanto a outra, além século XX, ele continua a implantar novos equi-
do êxodo rural, causaram impactos ambientais nas pamentos, como o auditório, projeto do arquiteto
PARQUE AUGUSTO cidades, e, assim, surge a necessidade de criar es- Oscar Niemeyer e construído em 2005.
paços livres nos centros urbanos que maximizem a SCALISE (2002) complementa que um parque
FRANCO, EM qualidade de vida, saúde e bem-estar da população. pode ser associado às variadas funções que ele
No Brasil, em que não havia uma rede urbana pode assumir de acordo com as necessidades, o
ARACAJU/SE1 expressiva no passado, os parques eram exten-
sões do cenário das elites e do império dos por-
pensamento e o gosto de uma época, de um grupo
ou de uma situação geográfica. Com isso, perce-
tugueses e apenas “copiavam” os modelos inter- be-se que as cidades criaram esses espaços como
nacionais da Inglaterra e França (SCOCUGLIA, forma de atender as diversas necessidades da po-
2009, apud SILVA; PASQUALETTO, 2013). Inicial- pulação, como lazer, recreação, prática de espor-
mente, a relação que os parques mantinham com tes, integração social, entre outros. Com o passar
as cidades era de embelezamento estético. No en- do tempo, os novos parques urbanos passaram a
tanto, no final do século XIX, novas funções foram receber equipamentos adequados às cidades con-
dadas aos parques urbanos, como as esportivas, temporâneas onde estão instalados e alguns dos
culturais e ambientais. Ainda nesse período, es- parques existentes vem sendo requalificados com
ses parques deixaram de ser característicos das o intuito de valorizar e atender a população atual,
grandes metrópoles, se expandindo pelas médias que tem mentalidade, necessidade e comporta-
e pequenas comunidades urbanas do país. Por se mento diferentes das que viviam no século XIX.
tratar de grandes áreas e na sua grande maioria Nesse sentido de readequar essas áreas às
administrados pelo poder público, alguns passam novas necessidades da sociedade, identificaram-
por processos de degradação, insegurança, subu- -se no Parque Augusto Franco, criado em 1985 e
1. Artigo produzido com base no Trabalho de tilização e perda de identidade com a vizinhança. localizado em Aracaju-SE, áreas subutilizadas e
Conclusão de Curso intitulado “Requalificação Muitos parques, criados na primeira metade do degradadas. O objeto de estudo deste trabalho,
Espacial do Parque Augusto Franco”, elaborado
século passado, passaram por readequações ou por ser rico em potenciais esportivos, culturais e
por Tamyres Grazielle Almeida Silva sob orienta-
ção da Profa. Dra. Carla Fernanda Barbosa Tei- visuais, propiciou a criação de uma proposta de
xeira, apresentado e aprovado em abril de 2017, 2. Parque urbano “é uma área verde, com função ecológica, requalificação espacial que possibilite o desen-
no Departamento de Arquitetura e Urbanismo da estética e de lazer, entretanto com uma extensão maior que
Universidade Federal de Sergipe. as praças e jardins públicos” (LIMA, 1994, p.15). volvimento das atividades praticadas no parque,

Arquitetura e cidade: ensaios projetuais, análises urbanas e caminhos percorridos na Universidade Federal de Sergipe
49

como manifestações artísticas, eventos cultu- virtualmente) e levantamento fotográfico, com o


rais, sociais, ambientais e a prática de esportes. objetivo de observar e analisar as atividades e
Essa proposta levou em consideração as mu- eventos recorrentes no parque e o público que
tações urbanas, a dinâmica e o crescimento da o frequentou, no período de dezembro de 2016
cidade, através de uma análise de pós-ocupa- a janeiro de 2017. Foram levantadas informa-
ção, estudando o entorno do parque e Aracaju ções sobre as atividades e eventos do parque,
como um todo. Com o intuito de atrair públicos o público que o frequenta e a opinião deste a
variados e intensificar a função do parque de in- respeito da estrutura atual do parque. Outro as-
tegrador social, além disso, essas mudanças po- pecto analisado foi a estrutura atual do parque.
dem torná-lo mais atrativo e inclusivo em relação Os entrevistados foram questionados a respeito
à população local e também a seus visitantes, da segurança, iluminação, pavimentação, arbo-
além de incentivar a expressão artística local. rização, dos equipamentos públicos, acesso,
muros e das estruturas existentes para prática
1 Métodos e Diligência de Pesquisa de esportes e para suportar eventos.

2 O Parque Augusto Franco


Empregou-se metodologia de pesquisa ex-
da sua origem à atualidade
ploratória que contou com um aprofundamento a
respeito do assunto, baseando-se em teóricos da
área e em estudos de caso. Primeiro, foi realiza- O Parque Augusto Franco, popularmente co-
da uma revisão bibliográfica, na qual se estuda- nhecido como Parque da Sementeira, encon-
ram assuntos relacionados ao tema e à proble- tra-se na zona sul de Aracaju, cidade litorânea,
mática abordados, como a relação mantida entre capital do estado de Sergipe, localizada no nor-
a sociedade e o meio ambiente; áreas verdes e deste brasileiro e banhada pelos rios Sergipe e
seus conceitos, funções e a relação destas com a Poxim. Esta conta com uma população de apro-
cidade; a origem dos parques urbanos. Posterior- ximadamente 641.523 habitantes e em 2015
mente, foram realizadas pesquisas sobre a histó- possuía uma área de 181.857 km² (IBGE, 2016).
ria da cidade de Aracaju e seus parques, sendo o O clima da capital é quente e úmido (tipo climá-
Parque Augusto Franco o objeto de estudo. Além tico litoral), a temperatura média anual é de 26º
das referências teóricas, foram estudados três C, sendo a média das máximas 29º C no verão.
referenciais arquitetônicos: Parque Villa-Lobos De acordo com o Analysis SOL-AR3 – Labo-
e Parque do Ibirapuera, ambos em São Paulo, ratório de Eficiência Energética em Edificações
além do Parque Barigui, em Curitiba. (LabEEE), os ventos, em Aracaju, são origina-
O desenvolvimento do trabalho abrangeu co-
3. Programa gráfico que permite computar dados como
letas de dados através de visitas in loco, apli- a trajetória solar, frequência e velocidade dos ventos em
cação de entrevistas direcionadas (in loco e cada estação do ano.

Arquitetura e cidade: ensaios projetuais, análises urbanas e caminhos percorridos na Universidade Federal de Sergipe
50

dos nas regiões nordeste, leste, sudeste e sul e 1985, foi aberto ao público, com acesso gratui-
a velocidade deles varia entre 2 a 6 m/s, a de- to. Desde então, o parque vem sendo uma for-
pender das estações. Além da análise dos ven- ma de manter o verde em meio ao crescimento
tos, o programa também disponibiliza a análise urbano da cidade e uma opção de lazer para a
da Carta Solar, que registra insolação menor no população aracajuana. Com o tempo, ele sofreu
período de março a setembro e maior no perío- algumas alterações ao longo dos anos e a mais
do de outubro a fevereiro. significativa foi a proibição da entrada do público
O parque originou-se a partir de uma semen- com veículos motorizados, o que tornou o parque
teira de cocos instalada na cidade pelo Ministério mais seguro para crianças e animais.
da Agricultura, na década de trinta. Neste perío- Nos dias de hoje, com o crescimento da cida-
do, os bairros Praia 13 de Julho e Jardins ainda de, a região urbana que na época da criação do
não eram uma área urbanizada e possuíam con- parque ainda estava em expansão, encontra-se
dições de zona rural. O Campo de Sementes, im- repleta de prédios de alto padrão (Figura 01). Ao
plantado à margem esquerda do Rio Poxim, tinha analisar seu entorno, observou-se que em um raio
como principal cultivo coqueiros. Durante a ges- de 3 km do centro do parque, podem-se encon-
tão do prefeito Heráclito Rollemberg (1979-1982), trar mais de 8 colégios; os dois únicos shoppings
ele foi transformado em parque (BARRETO et al, centers da cidade, Shopping Jardins e Riomar
2010). Recebeu o nome de Parque Governador Shopping; o Terminal de Integração DIA; e deze-
Augusto Franco como forma de homenagear o nas de condomínios residenciais multifamiliares.
governador da época, porém ficou conhecido po- Figura 01: Entorno do Parque Augusto Franco, Entrada
pularmente como Parque da Sementeira e, em Norte pela Avenida Jornalista S. Santana

Fonte: Silva, 2017

Arquitetura e cidade: ensaios projetuais, análises urbanas e caminhos percorridos na Universidade Federal de Sergipe
51

As avenidas que circundam o parque têm um minante foi de 18 a 35 anos, acusando um per-
movimento intenso, pois são vias arteriais impor- centual de 72%. Devido à arborização escassa
tantes para a ligação dos extremos da cidade. e mal distribuída, possui espaços pouco procu-
Apesar de possuir uma localização privilegiada rados pelo público, principalmente no turno da
e de fácil acesso de carro, bicicleta e transporte manhã e tarde. O fim de programas governa-
público, observou-se empiricamente que o par- mentais (Domingo no Parque4 e Atividade Física
que não tem um público diário diversificado e
intenso, exceto nos finais de semana e feriados.
4. Domingo no Parque foi um programa da Prefeitura de
No tocante à caracterização do usuário do par- Aracaju e iniciativa da EMSURB (Empresa Municipal de Ser-
que, através dos questionários, foram encontra- viços Urbanos). Estreou em 2007 com o intuito de promover
e estimular a população para melhorar a qualidade de vida,
dos os seguintes resultados: 60% são do sexo proporcionando lazer, cultura, interação social e ampliação da
feminino, 66% solteiros e a faixa etária predo- sensibilidade musical (PREFEITURA DE ARACAJU, 2016a).

Figura 02: Implantação Atual de Equipamentos

Fonte: Adaptado de Google Earth, 2017.

Arquitetura e cidade: ensaios projetuais, análises urbanas e caminhos percorridos na Universidade Federal de Sergipe
52

no Parque5) e a falta de estrutura para abrigar Ademais, grande parte do seu terreno é inu-
estes eventos transformaram o parque em uma tilizada, o parque encontra-se depreciado. Foi
extensão das áreas de lazer dos condomínios possível observar que os muros do parque es-
luxuosos que o circundam, ou seja, a relação tão danificados, assim como parte de seus mobi-
do parque com a cidade retrocedeu às origens liários e de seus sanitários. O campo de futebol
destes espaços urbanos no Brasil, perdendo, está com o gramado irregular e falhado. Existem
assim, sua função de integrador social. poucos brinquedos para as crianças e alguns en-
O terreno possui uma forma poligonal que contram-se enferrujados. Além disso, o parque
remete a um quadrilátero. Abrange uma área não possui áreas adequadas destinadas à práti-
de 396.019m² e sua estrutura atual (Figura 02) ca de atividades físicas, como treinos funcionais,
apresenta dois lagos, uma quadra poliesportiva, capoeira, assim as pessoas acabam utilizando a
campo de futebol, academia ao ar livre, pista para pista de patins. Os caminhos do parque não se
caminhada, quiosques, sanitários. Ainda no par- cruzam e exploram toda extensão do jardim públi-
que, encontram-se algumas instalações como: co, como também, a arborização apesar da varie-
Planetário, Horto, Farmácia viva, Posto da Guar- dade, atestada pela Administração, encontra-se
da Municipal e EMSURB (ARACAJU, 2016). distribuída de maneira dispersa, com gramíneas
secas em diversas áreas. Outra questão relevan-
5. O projeto Atividade Física no Parque tem a finalidade te é a carência de sinalização e iluminação, que
de atrair frequentadores, através da disponibilização de dificulta a localização de seus equipamentos e
professores para realizar aulas gratuitas ao ar livre, assim
como o Domingo no Parque, teve início no ano de 2007 seu uso à noite, além de gerar no público uma
(PREFEITURA DE ARACAJU, 2016a). sensação de insegurança (Figuras 03 e 04).

Figura 03: Vegetação Predominante e Infraestrutura Atuais. a) Área subutilizada e arborização escassa; b) Sanitário
existente; c) Mobiliário existente degradado

A B C

Arquitetura e cidade: ensaios projetuais, análises urbanas e caminhos percorridos na Universidade Federal de Sergipe
53

Figura 04: Situação dos Equipamentos Atuais. a) Muro com grades quebradas; b) Equipamentos de ginástica enfer-
rujados; c) Estrutura de palco existente

A B C

Fonte: Silva, 2017

De acordo com as entrevistas, a frequência nação influenciar no sentimento de segurança


dos usuários se fez anualmente e mensalmen- das pessoas (apesar de não haver muitos re-
te e o percentual de público que o frequentava latos de violência no parque). Posteriormente,
diariamente era moderado. Para 74% dos en- relacionaram-se a arborização do parque com o
trevistados, os muros não têm influência positi- horário em que ele é frequentado. Trinta e cinco
va em relação à segurança. Dos entrevistados, por cento classificaram a arborização como boa
66% opinaram que o parque não possui estrutu- e ótima, no entanto, ao analisar o horário que
ra eficiente para prática de esportes, e apenas estas pessoas frequentam o parque, observou-
46% acreditam que o parque possui estrutura -se que 57% utilizam o parque em horários de
que suporte eventos, porém destes, 47% nunca menor incidência de radiação solar.
frequentaram eventos no parque, ou seja, não
possuem conhecimento de causa. 3 Requalificação Espacial
Para melhor entendimento dos resultados do Parque Augusto Franco
relacionados à estrutura existente no parque,
foram relacionados os dados a respeito da
arborização, da segurança e iluminação. Pri- Após estudar o Parque Augusto Franco, sua
meiramente, relacionaram-se os dados de se- configuração atual e os equipamentos existen-
gurança e iluminação e percebeu-se que, das tes, foi desenvolvida uma proposta que almeja
pessoas que classificaram a segurança como recuperar e propor qualidades espaciais para
ruim, 41% avaliaram a iluminação como regu- o parque, através da adequação dos espaços
lar e 29%, como ruim, podendo assim a ilumi- existentes às atuais necessidades de usos e

Arquitetura e cidade: ensaios projetuais, análises urbanas e caminhos percorridos na Universidade Federal de Sergipe
54

equipamentos. O conceito proposto foi identida- estão danificadas, muitos usuários entram no
de, do seu significado mais direto ao mais am- parque sem passar pelas guaritas. Assim, foi
plo sentido. Assim, pretendeu-se que o parque proposta a retirada das grades e dos muros exis-
resgate sua identidade local através de aspec- tentes, tornando o espaço público convidativo
tos conceituais de fauna, flora e costumes. Essa para a população que ali transita. Nessa identi-
identidade se materializou através da setoriza- dade aplicada à setorização do parque, as áreas
ção do parque, com ênfase em quatro áreas criadas ganharam quatro estradas “simbólicas”:
caracterizadas distintamente pelas cores da pe- Estrada das Araras; Estrada dos Cajus; Estrada
nugem da arara (ave representativa da cidade), dos Cocos; Estrada das Águas (Figura 05). Cada
pela organicidade das águas (a cidade é corta- uma delas possui um acesso principal identifica-
da por rios e banhada pelo oceano), pela plas- do através de pórticos personalizados nomea-
ticidade do caju (fruta típica local) e pela mate- dos e com marca. Seus caminhos percorrem o
rialidade do coco (origem do parque). Além das parque no sentido da periferia para o seu centro,
quatro áreas, a proposta de setorização definiu área que abriga a praça de eventos, dividida em
uma quinta área destinada a eventos culturais e quatro edificações (centro cultural, banheiros,
artísticos, com o intuito de valorizar e retomar a anfiteatro, apoio da área para palcos) e repre-
identidade de Sergipe, através dos seus folclo- sentou o “coração” do projeto de requalificação.
re, folguedos e artistas locais. A proposta de requalificação espacial buscou
Atualmente, o parque não possui uma seto- reviver as funções cultural, social, esportiva, am-
rização definida, grande parte de seus acessos biental e de lazer e propôs uma distribuição de
ficam trancados e, como as grades dos muros funções que evitasse o conflito de usos. Em sua

Figura 05: Setori-


zação da Propos-
ta de Requalifica-
ção

Fonte: Silva, 2017

Arquitetura e cidade: ensaios projetuais, análises urbanas e caminhos percorridos na Universidade Federal de Sergipe
55

implantação (Figura 06), observam-se quadras de nos eixos Norte-Sul e Leste-Oeste, cujas dimen-
esportes, pistas de skates e patins, parques infan- sões são de 6 metros de largura cada uma, pois
tis, academia ao ar livre, jardins temáticos, lagos desta maneira permite-se a circulação de veícu-
artificiais, espelhos d’água, banheiros, quiosques, los de emergência, como ambulâncias e carros de
ciclovia, pista de bicicross, centro cultural, oásis bombeiro. Além disso, foi implantada uma ciclovia
aquático (Figura 07), apoio para palco, anfiteatro, de mão dupla, no sentido Leste-Oeste, e Sul, in-
pistas de corrida e de caminhada sombreadas e tegrada à ciclovia existente na Avenida Beira Mar,
ao sol. Foram criadas duas circulações principais, através do acesso da Estrada das Águas (Leste).

Figura 06: Implantação da Proposta de Requalificação

Fonte: Silva, 2017.

Arquitetura e cidade: ensaios projetuais, análises urbanas e caminhos percorridos na Universidade Federal de Sergipe
56

Figura 07: Oásis Aquático.

Fonte: Silva, 2017.

Os elementos que nomeiam as estradas foram variadas, a madeira, por ser uma matéria natural,
utilizados como referência na escolha das cores foi adotada predominantemente nos mobiliários e
da pavimentação e das formas, cores e materiais fachadas das edificações do parque. Contudo, foi
utilizados nos bancos (Figura 08), quiosques, li- proposto o emprego de produtos (impermeabili-
xeiras e pórtico de cada estrada. O emprego de zantes, seladores e vernizes) que aumentassem
cores e formas variadas permite orientação espa- a durabilidade do material ao longo do tempo.
cial no parque pelos usuários, identificação das Com a criação dos novos caminhos e im-
áreas, além de facilitar a localização dos equipa- plantação dos novos usos, foi preciso retirar
mentos, tornando o espaço mais inclusivo e di- e ou replantar algumas vegetações da famí-
minuindo a dependência de placas de sinaliza- lia das Arecaceae, palmeiras e coqueiros que
ções textuais. Apesar do uso de cores e formas eram encontrados em grande quantidade no

Figura 08: Propostas para os Bancos, da Esquerda para a Direita: Araras, Caju, Coco e Água Fonte: Silva, 2017

Arquitetura e cidade: ensaios projetuais, análises urbanas e caminhos percorridos na Universidade Federal de Sergipe
57

parque e não proporcionavam áreas sombrea- Foram escolhidas espécies arbustivas, com o
das. Daquelas que não foram replantadas, fo- intuito de trazer vitalidade aos caminhos e equi-
ram inteiramente reaproveitados seus troncos pamentos do parque, que foram organizadas
na criação dos mobiliários e pergolados; já suas através de composições decorativas.
folhas, utilizadas nos quiosques, bancos e lixei- No tocante à iluminação, foram propostas para
ras da estrada dos Cocos. Para compor os es- o parque três tipologias. Primeiramente, demar-
paços do parque foram especificadas, além das cou-se uma iluminação geral com postes de 30
existentes, 17 espécies de árvores, 4 espécies metros de altura, objetivando que o cone luminoso
de palmeiras e 12 espécies de arbustos. Toda não se restringisse aos caminhos e atingisse áreas
vegetação escolhida é propícia ao clima de Ara- maiores do parque. A segunda tipologia se confi-
caju e resistente à incidência solar. gurou através da distribuição de postes de 4 me-
Foram analisados também a densidade, al- tros de altura ao longo dos caminhos, propiciando
tura e tamanho de suas copas na proposta de iluminação aos usuários, mesmo sob arborização.
sua implantação, pois uma copa muito densa e Já a terceira, com função cênica e pontual, utili-
baixa prejudica a passagem de ventilação para zada para valorizar formas de espécies vegetais,
os frequentadores do parque. A arborização foi elementos arquitetônicos e corpos de água.
composta em maciços, ao longo do parque, nos A criação de uma marca que se relacione
caminhos e próximo às edificações, prioritaria- com as características do parque é bastante im-
mente na fachada oeste. As espécies de palmei- portante para que ele possua uma identidade
ras foram implantadas para compor algumas fa- visual e uma identificação imagética pelos usuá-
chadas, ornamentar e afirmar alguns caminhos. rios (Figuras 09). Para a elaboração da marca,

Figura 09: Esboço e Marca Final do Parque da Sementeira, da Esquerda para a Direita. Fonte: Silva, 2017

Arquitetura e cidade: ensaios projetuais, análises urbanas e caminhos percorridos na Universidade Federal de Sergipe
58

foram considerados o nome popular, Parque da As sinalizações de identificação são os pórticos


Sementeira, e sua história. O Guia Brasileiro de e os letreiros. Os pórticos foram modelados de
Sinalização Turística (GBST) (IPHAN, 2001) foi modo personalizado, contemplando o elemento
adotado como base para criação da proposta, principal de cada estrada do parque (Figura 10).
identificando visualmente a marca com a his- O material utilizado foi concreto na parte inferior
tória de origem do parque. O desenho remete e madeira na parte mais elevada, tanto para se
ao processo de germinação de uma semente integrar aos mobiliários e edificações do parque
de coco, pois conforme citado anteriormente, quanto pela facilidade de entalhe do material
antes da criação do parque, o terreno era utili- em seguir a plasticidade da proposta. A criação
zado como uma sementeira de cocos. A marca dos textos no pórtico obedeceu ao intuito de
foi aplicada nas sinalizações de identificação: destacar a marca, locando-a em primeiro plano
pórticos, letreiros, e indicações de orientação. de maneira central, à sua direita, o nome da es-
De acordo com os processos criativos do trada referente a cada pórtico e à sua esquerda,
design de Munari (2001), Chamma e Pastorelo em uma dimensão menor, o nome oficial do par-
(2007), foram criados para o parque dois tipos que, Parque Governador Augusto Franco.
de sinalização: de identificação e de orientação. Figura 10: Pórtico Estrada das Araras.

Fonte: Silva, 2017

Arquitetura e cidade: ensaios projetuais, análises urbanas e caminhos percorridos na Universidade Federal de Sergipe
59

A sinalização de orientação faz referência à foram o concreto na parte cinza, devido à sua re-
marca e, por isso, sua forma remete a uma folha sistência e durabilidade, e madeira na parte colo-
integrada à um coco (Figura 11). As sinalizações rida; além do emprego de adesivos, próprios para
possuem o mesmo formato para todas as estra- áreas externas – proteção contra umidade e radia-
das, porém utilizaram-se as cores referentes à pa- ção ultravioleta, na marca d’água e nos textos.
leta de cada uma delas. Os materiais empregados Figura 11: Sinalização de Orientação: Cajus e Araras

Por último, foi elaborado o projeto de um piso Figura 12: Proposta de Piso para Quiosques.
que une todos os elementos que representam a
setorização do parque e nomeiam as estradas
(Figura 12). Este foi empregado em todos os
quiosques do parque. É composto de concre-
to, com relevos que aumentam sua aderência,
evitando acidentes. Nas quatro extremidades
foram criadas gravuras que simulam uma ave
voando e as asas desta remetem às folhas de
coqueiros. Já o elemento central é uma com-
posição criada com quatro cajus e suas inter-
secções remetendo, intencionalmente, à forma
de um coco. As linhas foram traçadas de forma
orgânica e trazendo ondulações de modo a re-
ferenciar o movimento das águas. Fonte: Silva, 2017

Arquitetura e cidade: ensaios projetuais, análises urbanas e caminhos percorridos na Universidade Federal de Sergipe
60

Considerações Finais

Os parques urbanos possuem considerá- Jardins, Aracaju/SE, e, a partir disso, criar uma
vel importância para o desenvolvimento de proposta de requalificação, ou seja, oferecer
uma cidade. Ambientalmente, sua cobertura qualidade a esse espaço público de lazer, para
vegetal torna o clima mais ameno, aumenta a que pudesse ser utilizado amplamente e com
permeabilidade do solo, diminuindo o risco de todo o seu potencial.
enchentes, reduz os ruídos e a poluição do ar.
Além disso, no âmbito social, os parques são Referências
equipamentos públicos importantes para a ma-
nutenção da vida de um ser humano, pois pro-
porciona espaços de lazer, descanso, propicia ARACAJU. Prefeitura Municipal. Diagnóstico
o contato do homem com a natureza e promove do Plano Diretor de Aracaju – Capítulo V. Dis-
integração social. ponível em:<http://aracaju.se.gov.br/userfiles/
É importante realizar avaliações de pós-ocu- plano-diretor-vpreliminiar-jul2015/CAPITULO-
pação em áreas destinadas a parques já implan- -V-TURISMO.pdf>. Acesso em: out. 2016.
tados, pois essa metodologia atende aos diag- BARRETO, D. C. M.; SALES, K. S.; SANTOS, M.
nósticos para locais em uso, apontando novos C.; CRUZ, M. V.; LOBÃO, N. A. Parque Augus-
recursos a serem implantados para acompanhar to Franco – Aracaju/SE: As diferentes formas de
a dinâmica das cidades e seus usos, de acordo apropriação dos espaços públicos. In: 1º Semi-
com as novas gerações que o frequentam. As- nário Turismo e Geografia. Abordagens teóri-
sim, é preciso analisar se suas atividades e equi- co-metodológicas interdisciplinares. São Cris-
pamentos estão adequados à população e se tóvão: Universidade Federal de Sergipe, 2010.
evoluíram de acordo com a dinâmica do entorno.
CHAMMA, Norberto; PASTORELO, Pedro
Para tanto, esses espaços necessitam atender D. Marcas & Sinalização: práticas em design
tanto as pessoas que vivem em suas proximida- corporativo. Aracaju: Senac, 2007.
des, atividades cotidianas como também atrair
INSTITUTO DE GEOGRAFICA E ESTATISTICA
um público mais distante e turístico para ativida-
(IBGE). Dados da cidade de Aracaju. Disponí-
des mais esporádicas ou de fins de semana.
vel em: <http://cidades.ibge.gov.br/xtras/perfil.
Baseado nessa necessidade, o presente tra-
php?lang=&codmun=280030&search=sergi-
balho, através da avaliação de pós-ocupação,
pe|aracaju>. Acesso em: out. 2016.
realizou um levantamento de dados, buscou
identificar os pontos negativos e positivos do INSTITUTO DO PATRIMONIO HISTORICO E AR-
Parque Augusto Franco, localizado no bairro TISTICO NACIONAL (IPHAN). Guia Brasileiro

Arquitetura e cidade: ensaios projetuais, análises urbanas e caminhos percorridos na Universidade Federal de Sergipe
61

de Sinalização Turística. Disponível em: <http:// br/servicos_urbanos/?act=fixo&materia=parque_


portal.iphan.gov.br/files/Guia_Embratur/conteudo/ da_sementeira>. Acesso em: ago. 2016a.
Cap5/projeto2new.html>. Acesso em: out. 2016.
SCALISE, W. Parques Urbanos – evolução,
LIMA, A. M. L. P. et al. Problemas de utilização projeto, funções e uso. Revista Assentamen-
na conceituação de termos como espaços li- tos Humanos. Marília, v. 4, n. 1, p.17-24, 2002.
vres, áreas verdes e correlatos. In: ANAIS do 2º
SILVA, J. B; PASQUALETTO, A. O Caminho
Congresso Brasileiro de Arborização Urba-
dos Parques Urbanos Brasileiros: da Origem
na. São Luiz: EMATER/MA, p. 539-553, 1994.
ao Século XXI. Estudos. Goiânia, v. 40, n. 3, p.
MINISTÉRIO DO TURISMO. Guia Brasileiro 287-298, 2013.
de Sinalização Turística. EMBRATUR; IPHAN;
SILVA, T. G. A. Requalificação Espacial do
DENATRAN. Brasília-DF, 2001.
Parque Augusto Franco. 2017. Trabalho de
MUNARI, Bruno. Design e comunicação vi- Conclusão de Curso – Universidade Federal
sual: contribuição para uma metodologia di- de Sergipe, Departamento de Arquitetura e Ur-
dática. São Paulo: Martins Fontes, 2001. banismo da, Laranjeiras, 2017. Disponível em:
PREFEITURA DE ARACAJU. Parque da Semen- <https://www.ri.ufs.br/handle/riufs/7017>. Aces-
teira. Disponível em:<http://www.aracaju.se.gov. so em: 25 fev. 2018.

Arquitetura e cidade: ensaios projetuais, análises urbanas e caminhos percorridos na Universidade Federal de Sergipe
62

4
Antônio Francisco dos Santos Neto
Ana Maria de Souza Martins Farias

Introdução

Aracaju, sede do estado de Sergipe, tem pas- vazios urbanos ainda não ocupados pelo mercado

PARQUE DO POXIM
sado por intensas transformações urbanas e so- imobiliário devido a suas diretrizes de ocupação.
ciais nas suas últimas décadas. Com pouco mais Assim, é de suma importância entender a rela-

EM ARACAJU/
de 160 anos, desde sua fundação como capital, ção do processo de produção do capital com os
foi gradativamente crescendo, como resultado de aspectos do bairro, que assim como outros bair-

SE: PROPOSTA
investimentos do poder público e do capital priva- ros de Aracaju, apresenta áreas de fragilidade am-
do, cruciais para a estruturação da logística e da biental que precisam ser protegidas da ameaça

URBANÍSTICA
morfologia da cidade e suas relações sociais. de ocupação desenfreada pelo setor imobiliário, e
Localizado na zona sul, o bairro Farolândia é um pensar como a elaboração de um projeto de in-

PARA UMA ÁREA


grande exemplo da ação de diferentes agentes mo- tervenção urbana para uma dessas áreas poderia
deladores do espaço, conforme Corrêa (2005) deno- corroborar esse ideal.

DE FRAGILIDADE
mina em sua obra, responsáveis pela implantação Em vista disso, esta pesquisa apresenta uma pro-
progressiva da infraestrutura no bairro para acom- posta de ocupação que visa otimizar o crescimento

AMBIENTAL1
panhar o progresso da capital. Em 1982, o Estado, do bairro, numa ótica que promova a preservação do
através do financiamento oriundo do BNH (Banco meio ambiente e valorize aspectos históricos, am-
Nacional de Habitação), construiu o Conjunto Go- bientais e sociais locais, no planejamento de um es-
vernador Augusto Franco, considerado o maior con- paço que proporcione bem-estar para sua população
junto habitacional aracajuano. Posteriormente, em e fortaleça seu sentimento de comunidade.
1997, a implantação da Universidade Tiradentes se Assim, alguns procedimentos práticos e teóri-
constituiu num elemento propulsor para o desen- cos foram adotados, como a pesquisa e leitura de
volvimento do bairro, em função dos investimentos referências bibliográficas, levantamento de dados,
privados, em especial do mercado imobiliário, resul- informações e mapas em órgãos oficiais como
1. Artigo produzido com base no Trabalho de
Conclusão de Curso intitulado “O Parque do
tando num forte adensamento de empreendimen- a Prefeitura Municipal e o Instituto Brasileiro de
Poxim, uma intervenção urbana e paisagística tos residenciais fechados (FRANÇA, 2016). Geografia e Estatística (IBGE). Para apresentar a
no Bairro Farolândia em Aracaju/SE”, elabora-
Em contrapartida, o bairro destaca-se também proposta de projeto, foram organizadas pranchas
do por Antônio Francisco dos Santos Neto sob
orientação da profa. Dra. Ana Maria de Souza pela presença de elementos ambientais, que se com mapas, plantas baixas, cortes e imagens que
Martins Farias, apresentado e aprovado em abril constituem em áreas de preservação respaldadas na tornam possível a compreensão do projeto, além
de 2017, no Departamento de Arquitetura e Ur-
banismo da Universidade Federal de Sergipe. legislação municipal, sendo responsáveis por deixar de perspectivas renderizadas da maquete digital.

Arquitetura e cidade: ensaios projetuais, análises urbanas e caminhos percorridos na Universidade Federal de Sergipe
63

1 O crescimento de Aracaju rumo à zona Figura 1: Localização do Bairro Farolândia.

sul: o bairro Farolândia, um símbolo da


heterogeneidade socioespacial

Fundada em 1855, como a nova capital do


estado de Sergipe, Aracaju nasceu para aten-
der as necessidades comerciais da época por
estar nas proximidades dos rios e do mar e em
meio ao vislumbre da prosperidade da nova ca-
pital. Rapidamente sua população cresceu com
as migrações advindas do interior de Sergipe e
de estados vizinhos (SECRETARIA DE ESTA-
DO DO PLANEJAMENTO - SEPLAN, 1983).
Após mais de um século de desenvolvimento,
Aracaju teve sua ocupação direcionada para zo- Fonte: Google Maps, 2017; Imagem de satélite, PMA, 2013; Adaptada
nas norte e sul, com forte condução do Estado, por Antônio Neto, 2016.

através da inserção de conjuntos habitacionais Figura 2: Produção habitacional BNH, Bairro Farolândia.
financiados pelo Banco Nacional de Habitação
(BNH). Este foi criado pelo poder público para o
financiamento de moradias, a fim de reduzir o défi-
cit habitacional no país, ampliado devido à chega-
da de um grande contingente populacional para as
cidades, em virtude do desenvolvimento do setor
industrial e da mecanização da agricultura naquele
momento (FRANÇA, 1999 p.83) (Figura 1).
Nesse sentido, destaca-se a implantação,
em 1982, do conjunto habitacional Gov. Augusto
Franco, no bairro Farolândia, localizado na zona
sul, numa área ainda bastante afastada da ma-
lha consolidada na época, destacando-se como
uma estratégia de ocupação fragmentada indu-
zida pelo próprio Estado, que incentivou a valo-
rização de outros vazios no entorno, por se be-
neficiarem da infraestrutura implementada nas
proximidades (FRANÇA, 1999 p.82) (Figura 2). Fonte: França, 2016; Adaptada por Antônio Neto, 2016.

Arquitetura e cidade: ensaios projetuais, análises urbanas e caminhos percorridos na Universidade Federal de Sergipe
64

Com todos os benefícios advindos desse con- tantes (SECRETARIA MUNICIPAL DO PLANEJA-
junto, que contava com equipamentos de saúde, MENTO, ORÇAMENTO E GESTÃO - SEPLOG,
educação, tipologias verticais e horizontais, e a 2015). Tudo isso ampliou o acesso a novas áreas
sistematização viária, o bairro se favoreceu, ao do bairro, que se beneficiaram diante de todas as
longo dos anos, de diversos investimentos poste- melhorias que ali chegaram, intensificando o pro-
riores da iniciativa privada. A chegada da Univer- cesso de adensamento da Farolândia, tornando-a
sidade Tiradentes (UNIT), em 1997, se constituiu uma área de interesse do mercado imobiliário local.
um marco de transformações recentes no bairro,
que o tornou foco da construção de condomínios
2 Reconhecimento do bairro Farolândia
verticais, oriundos do Estado, através do Progra-
e fatores de relevância projetual
ma de Arrendamento Residencial (PAR), e tam-
bém da iniciativa privada (FRANÇA, 2016).
Ao longo dos anos, notou-se uma mudança no Para uma intervenção de qualidade, primeiro
perfil das tipologias edilícias do bairro, cada vez é preciso compreender as relações do bairro em
mais diversificadas, variando de conjuntos habi- estudo, neste caso, a Farolândia, onde a inter-
tacionais, que abrigam famílias de 0 a 3 salários venção foi proposta. Nesse âmbito, faz-se neces-
mínimos, a empreendimentos fechados verticais sário estudar fatores que influenciaram a dinâmi-
voltados para a classe média, e até condomínios ca do bairro, e, também, levantar necessidades
horizontais, voltados para um público de poder locais para agregar ao projeto desenvolvido.
aquisitivo mais elevado. Ou seja, verifica-se que, Desta forma, a partir da realização de visitas
em meio à inúmeras outras transformações, o para levantamento de informações, possibilitou-
bairro se valorizou velozmente com a intervenção -se a análise do uso do solo, apontando a exis-
do mercado imobiliário, destacando uma forte he- tência de grandes vazios na porção norte e oes-
terogeneidade espacial em meio à diversidade te do bairro (Figura 3). Além disso, foi possível
do seu perfil populacional (FRANÇA, 2016). notar diferentes tipologias edilícias, com desta-
Desta forma, ampliaram-se também os investi- que para concentração de empreendimentos
mentos do poder público, visto a importância que verticais com gabarito superior a 6 pavimentos
o bairro tomou para o contexto da capital, a fim de na porção leste, próxima ao Parque Governa-
melhorar a infraestrutura, através da realização de dor Antônio Carlos Valadares e à Universidade
obras em espaços públicos de lazer, esgotamento Tiradentes (UNIT) (Figura 4). Notou-se, por fim,
sanitário e sistema viário. Isso resultou num acrés- a grande quantidade de equipamentos urbanos,
cimo populacional de 27.211 habitantes no ano de principalmente, de instituições educacionais e
2000, para 38.257 em 2010, tornando-o o mais religiosas, dentro do perímetro do conjunto Au-
populoso da capital, com 6,7% da população ara- gusto Franco, e de restaurantes nas proximida-
cajuana que em 2010 contava com 571.149 habi- des dos condomínios já citados (Figura 5).

Arquitetura e cidade: ensaios projetuais, análises urbanas e caminhos percorridos na Universidade Federal de Sergipe
65

Fonte: Imagem de satélite, PMA 2013; Base cartográfica, PMA/SE- Fonte: Imagem de satélite, PMA 2013. Adaptada por Antônio Neto, 2016.
PLOG. Adaptada por Antônio Neto, 2016.

Figura 3: Uso do solo,


bairro Farolândia, 2014

Figura 4: Tipologias edi-


lícias, bairro Farolândia

Figura 5: Distribuição
de equipamentos urba-
nos, bairro Farolândia.

Fonte: Imagem de satélite,


PMA 2013. Adaptada por
Antônio Neto, 2016.

Arquitetura e cidade: ensaios projetuais, análises urbanas e caminhos percorridos na Universidade Federal de Sergipe
66

A descrição também possibilitou apontar os Evidencia-se, assim, a importância de uma al-


vazios e entender o contexto da área de inter- ternativa para a utilização do terreno, de forma que
venção, conhecida popularmente como “Toca o preserve de prejuízos urbanos, pois há iminente
da Raposa”. Porém, com base nos estudos do perigo de uma ocupação que agrave a visível fra-
Plano Diretor vigente (Lei n. 42/2000), obser- gilidade ambiental, podendo acarretar consequên-
vou-se que parte desta área está inserida numa cias sérias para o ecossistema local e à população
Área de Interesse Ambiental (AIA), denominada que ali se inserir. Dessa forma, a proposta almeja a
como “Parque Ecológico do Poxim”, localizado criação do Parque do Poxim, como um parque ur-
na extensão do Rio Poxim e marcado pela pre- bano, para que a área se transforme num espaço
sença de manguezais em suas margens, sal- de bem-estar coletivo, como forma de preservação
vaguardados também pelo Código de Proteção e valorização do meio ambiente e de fortalecimen-
Ambiental, Lei n.1789, de 1992 (Figura 6). to das relações sociais com o bairro (Figura 7).
Figura 6: Áreas de Interesse Ambiental, bairro Farolândia. Figura 7: Área de intervenção, bairro Farolândia.

Fonte: Imagem de satélite, PMA 2013. PDDU, 2000. Adaptada por An- Fonte: Imagem de satélite, PMA 2013. Adaptada por Antônio Neto, 2016.
tônio Neto, 2016.

Arquitetura e cidade: ensaios projetuais, análises urbanas e caminhos percorridos na Universidade Federal de Sergipe
67

3 A proposta de intervenção urbana


para o entorno do Parque Poxim

As pesquisas ainda revelaram, a presença de Diante dos estudos e pesquisas que subsi-
assentamentos precários e sem urbanização (defi- diaram a proposta de intervenção do Parque do
nidos pela proposta de lei do Plano Diretor de 2015 Poxim foi possível compreender os aspectos
como Área Especial de Interesse Social, AEIS), a serem considerados e seguir para as etapas
frutos de ocupações irregulares, e diante também posteriores de concepção do projeto.
do déficit habitacional do município, que até 2010 Inicialmente, toda a área foi dividida de acor-
havia crescido 1,8%, mesmo com as políticas ha- do com características do terreno, possibili-
bitacionais do Programa de Arrendamento Resi- dades de ocupação, além das consequências
dencial (PAR) e do Programa Minha Casa Minha para o meio ambiente local. Dessa forma, foram
Vida (PMCMV), salienta-se a importância da cria- elencados quatro tipos de usos (Figura 8):
ção de novas áreas no bairro, com qualidade de 1. Uso comum: área bastante antropizada,
moradia, infraestrutura e serviços básicos de edu- não localizada na AIA, e sem restrições espe-
cação, saúde, segurança e transporte (Tabela 1). ciais para a ocupação, respeitando as diretrizes
Tabela 1: Déficit Habitacional de Aracaju.
do PDDU;
2. Uso extensivo: área antropizada, que se
Déficit Déficit localiza na AIA, destinada a receber interven-
Ano Habitacional Habitacional
Quantitativo Relativo (%) ção voltada para o interesse público;
3. Uso semiextensivo: área de acesso
2007* 20.851 12,6
controlado, destinada à recuperação ambien-
2010** 24.481 14,4
tal, suscetível a alagamentos em alguns perío-
Fonte:*Plano Local de Habitação de Interesse Social, SEPLAN, 2010; ** dos de chuva, além de apresentar espécies do
Déficit habitacional municipal no Brasil, 2013.
ecossistema do manguezal; e
Diante disso, torna-se de extremo valor esta 4. Uso restrito: área de mata fechada, que
proposta, pois além de conceber um parque urba- abriga todo o resto da AIA do Poxim e deve per-
no na área de intervenção, com a criação de uma manecer intocada, e mesmo não estando no
vasta área de vida coletiva e valorização da AIA perímetro da área de intervenção, desempenha
limítrofe, também acirra a relação entre natureza e importante papel para o contexto da proposta.
ser humano. Evidenciando a importância do meio A partir dessas premissas, determinou-se o
ambiente, o projeto definirá áreas para habitação e zoneamento da área, com a definição de equi-
equipamentos que sustentem o espaço nas suas pamentos urbanos que darão suporte à área da
necessidades básicas, integrando-o também a intervenção e às suas imediações no tocante a
ocupação existente no restante do bairro. alguns serviços, ficando assim (Figura 9):

Arquitetura e cidade: ensaios projetuais, análises urbanas e caminhos percorridos na Universidade Federal de Sergipe
68

• H
‌ abitação: Vasta área loteada dentro da • Educação: localiza-se integrada ao par-
Área de Uso Comum; que, de forma a incitar a aproximação da
• Feira (comércio e serviços): espaço para comunidade ao meio ambiente, como um
o comércio de artigos de consumo coti- exercício de conscientização sobre a im-
diano e de interação social da população, portância do ecossistema local, desde a
justaposto, estrategicamente numa área infância, com uma creche, até a adoles-
de grande visibilidade para atrair também cência, com uma escola; e
as vizinhanças do projeto; • Praça (lazer): área justaposta à porção
• Parque (lazer): localiza-se na área de uso central do loteamento, objetivando ser
extensivo, oferecendo lazer e bem-estar uma ligação entre as partes deste com o
coletivo, a fim de preservar o espaço da entorno e com a área do parque.
ação do mercado imobiliário, que avan- No tocante ao sistema viário, observou-se o
çam sobre essas áreas non aedificandi; trânsito no entorno e, assim, a nova malha viá-
Figura 8: Proposta de Zoneamento Figura 9: Tipos de Uso

Fonte: Imagem de satélite, PMA, 2013; base cartográfica, Fonte: Imagem de satélite, PMA, 2013; base cartográfica,
PMA/SEPLOG, 2016. Elaborada por Antônio Neto, 2017. PMA/SEPLOG, 2016. Elaborada por Antônio Neto, 2017.

Arquitetura e cidade: ensaios projetuais, análises urbanas e caminhos percorridos na Universidade Federal de Sergipe
69

ria foi proposta para proporcionar o fácil acesso veículos a transitarem em baixa velocidade, in-
a todas as áreas do projeto, articulando-o à ma- centivando a apropriação da rua pelos pedes-
lha viária existente. Dessa forma, as vias foram tres como uma extensão de suas próprias casas
dimensionadas a fim de valorizar o transeun- (Figura 10). Além disso, para uma melhor circu-
te num espaço acessível, implantando-se vias lação das pessoas na área do projeto, grandes
pedonais em alguns locais, com largura menor lombofaixas cortam o sistema viário projetado,
e no mesmo nível da calçada, seguindo a hie- a avenida circundante existente e, também, seu
rarquização de fluxos e acessos. Estas ainda entorno, tornando-o um convidativo a sua vizi-
receberam material diferenciado, para forçar os nhança (Figura 11).
Figura 10 e Figura 11: Perspectiva da via compartilhada (à esquerda); Lombofaixa e Lombopraça (à direita).

Figura 12: Tipologia de quadra, perspectiva superior; Fonte: Maquete eletrônica elaborada por Antônio Neto, 2017.

No quesito habitação, partindo dos pressu-


postos estabelecidos pelo zoneamento e sis-
tema viário, criaram-se macroquadras que, de
maneira geral, se subdividem em três micro-
quadras que são ligadas pelas vias pedonais
(Figura 12). A microquadra central abriga a tipo-
logia habitacional vertical, com prédios de qua-
tro pavimentos, e as microquadras das extremi-
dades destinaram-se às unidades residenciais
horizontais (Figura 13 e Figura 14).
É importante ressaltar que as tipologias verti-
cais foram posicionadas sem que as áreas sociais
e íntimas de um bloco ficassem de frente para o
Fonte: Maquete eletrônica elaborada por Antônio Neto, 2017. outro para que não perdessem a privacidade.

Arquitetura e cidade: ensaios projetuais, análises urbanas e caminhos percorridos na Universidade Federal de Sergipe
70

Figura 13: Tipologia residencial vertical ; Figura 14: Tipologia residencial horizontal.

Fonte: Maquete eletrônica elaborada por Antônio Neto, 2017.


Além disso, os blocos apresentam planta do tér-
Figura 15: Plantas baixas – Tipologia Residencial Vertical.
reo diferenciada, com dois apartamentos acessí-
veis, dimensionados de acordo com a NBR 90502,
que normatiza a acessibilidade de deficientes físi-
cos. Nesse pavimento, destacam-se duas salas
de acesso externo ao prédio, para que possam
ser utilizadas para o comércio e serviços, como
estimulo à diversificação de usos (Figura 15).
Já a tipologia horizontal apresenta-se como
casas geminadas de dois pavimentos, e dois
espaços para a expansão da residência: um no
pavimento térreo, com a projeção do piso do pri-
meiro pavimento, e outro no pavimento superior,
com a laje da cobertura do pavimento térreo, que
possibilita que o proprietário crie novos espaços,
ajustando às suas necessidades individuais e
imprima sua identidade à moradia (Figura 16).
Para a concepção do parque, definiu-se o pro-
grama de necessidades que gerou o agencia-
mento dos caminhos e dos equipamentos. Disso
2. ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS.
NBR 9050: Acessibilidade a edificações, mobiliário, espaços Fonte: Elaborada por Antônio Neto, 2017.
e equipamentos urbanos. 3ª ed. Rio de Janeiro: NBR, 2015.

Arquitetura e cidade: ensaios projetuais, análises urbanas e caminhos percorridos na Universidade Federal de Sergipe
71

Figura 16: Plantas baixas – Tipologia Residencial Horizontal. Figura 17: Zoneamento do parque.

Fonte: Elaborada por Antônio Neto, 2017.

resultaram quatro tipos de setores do parque, de


acordo com suas funções (Figura 17 e Figura 18):
Lazer contemplativo (cor roxa): localiza-se
ao norte, permitindo a apreciação do Rio Poxim
e seus manguezais.
Lazer de permanência (amarelo): localiza-se
na porção oeste, com um vasto espaço arbo-
rizado, permitindo a permanência das pessoas
com variadas funções;
Lazer esportivo (cor vermelha): com espaços
para vários tipos de esportes, concentrada a
leste do terreno.
Técnico (azul): formado pelo estacionamento
ao sul do parque e a administração.
Assim, para conectar os setores, o agencia-
mento partiu do conceito das raízes dos man-
guezais tão característicos do local, que se
ramificam, para se apoiar e sobreviver, consti-
tuindo-se, também, como lócus de ecossistemas.
Então, de maneira análoga, o parque deve ser
tratado como um recinto de vida cujos caminhos
Fonte: Elaborada por Antônio Neto, 2017.

Arquitetura e cidade: ensaios projetuais, análises urbanas e caminhos percorridos na Universidade Federal de Sergipe
72

foram projetados para que haja uma dispersão,


tal como a estrutura das espécies, conduzindo
as pessoas para as diversas áreas do parque,
sustentando, assim, a vitalidade do seu todo.
Por fim, a última etapa do projeto aborda as-
pectos referentes ao paisagismo, e reafirma a
integração da área antropizada e degradada
com seu entorno de teor ambiental tão eviden-
te e de fundamental preservação. Foram usa-
das diversas espécies, observando intenções
e diretrizes projetuais precedentes. Dessa for-
ma, as praças e toda a área do parque, prin-
cipalmente no setor de lazer de permanência,
que conta com pergolados e amplos canteiros,
abrigam grupos de espécies arbóreas para a
criação de áreas de sombra, que proporcionam
conforto térmico para a apropriação do espaço
pelas pessoas e desenvolvimento de suas di-
versas atividades. É válido destacar a presença
de espécies arbustivas e palmeiras no corredor
central do parque, que faz do espaço dos per-
golados uma centralidade (Figura 19).
Nas quadras residenciais e nos canteiros das
avenidas, foram utilizadas espécies cujas raí-
zes não agridem o calçamento, evitando custos
de manutenções posteriores. Além disso, elas
dispõem de folhagem colorida para enriquecer
o ambiente urbano e, torná-lo expressivo e atra-
tivo à população (Figura 20).
Assim, à vista de cada detalhe entre a
perspectiva de ocupar, preservar e valorizar
uma área, a implantação final da proposta de
intervenção constitui uma ressignificação espa-
cial dos aspectos locais e o estreitamento da re-
Figura 18: Implantação final. lação entre comunidade e ambiente construído.
Fonte: Elaborada por Antônio Neto, 2017.

Arquitetura e cidade: ensaios projetuais, análises urbanas e caminhos percorridos na Universidade Federal de Sergipe
73

Figura 19: Corredor central do parque. Fonte: Maquete eletrônica elaborada por Antônio Neto, 2017.

Considerações Finais

Diante disso, o projeto do Parque do Poxim


considerou uma gama de aspectos que se susten-
tam nas formas de desenvolver espaços de valori-
zação da vida coletiva e preservação de uma área
de fragilidade ambiental, ameaçada pelo avanço
da atuação do mercado imobiliário. Ao examinar o
contexto da ocupação de Aracaju, compreendeu-
-se a formação do bairro Farolândia e os agentes
que ali atuaram, identificando de que forma os in-
vestimentos públicos e privados influenciaram nas
transformações socioespaciais.
A compreensão do contexto das relações es-
tabelecidas se deu através da vivência no lo-
cal, do mapeamento dos usos e tipologias edi-
Figura 20: Espécie na calçada. lícias, que permitiu entender a distribuição dos
Fonte: Maquete eletrônica elaborada por Antônio Neto, 2017.
diferentes perfis socioeconômicos e as neces-

Arquitetura e cidade: ensaios projetuais, análises urbanas e caminhos percorridos na Universidade Federal de Sergipe
74

Referências

sidades que suscitam nas diferentes áreas do ARACAJU. SECRETARIA DE ESTADO DO PLANE-
bairro. Além disso, compreender a área objeto JAMENTO (SEPLAN). Série monografias munici-
do projeto e a intensa fragilidade ambiental, ge- pais, 1. Instituto de Economia e Pesquisas (INEP);
rada pela proximidade de uma vizinhança com Aracaju: Departamento de Informática e Documenta-
o Parque Ecológico do Poxim, foi de suma rele- ção (DID), Secretaria de Comunicação Social, 1983.
vância para delimitação da proposta.
ARACAJU. SECRETARIA MUNICIPAL DO PLA-
Por fim, foi exposta a proposta projetual do Par-
NEJAMENTO, ORÇAMENTO E GESTÃO (SE-
que do Poxim e seus destaques, etapas e instru-
PLOG). Minuta do Projeto de Lei da Revisão do
mentos, como zoneamento, distribuição dos equi-
Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano de
pamentos e demais áreas, sistematização viária,
Aracaju: Aracaju: PMA/SEPLOG, 2015
definição de tipologias habitacionais de modo a
alcançar as diferentes necessidades dos perfis da ARACAJU, PREFEITURA MUNICIPAL. Plano
população, bem como o estudo do paisagismo. Local de Habitação de Interesse Social. Araca-
Dessa forma, o estudo alcança a meta de ela- ju: PMA/SEPLAN, 2010.
borar uma proposta de projeto para uma área, CORRÊA, Roberto Lobato. O espaço Urbano.
contendo a especulação imobiliária iminente e 4aed. São Paulo: Editora Ática, 1999.
criando um espaço de identidade para a comu-
FRANÇA, Vera Lúcia Alves. Aracaju: Estado &
nidade, por meio de estratégias projetuais que
Metropolização. São Cristóvão: UFS, 1999.
perpassam a apropriação do indivíduo da sua
unidade residencial, para com todo o contexto FRANÇA, Sarah Lúcia Alves. Estado e Mercado na
em que está inserido. Isso foi possível por meio Produção Contemporânea da Habitação em Araca-
de uma ocupação criteriosa, delimitando espa- ju-SE. 2016. Tese (Doutorado em Arquitetura e Urbanis-
ços para valorização do pedestre e conduzindo mo) - Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2016.
a grandiosidade das diferentes áreas do Parque SANTOS NETO, Antônio Francisco. O parque do
do Poxim. A ideia era de que esses aspectos Poxim, uma intervenção urbana e paisagísti-
permitissem aos possíveis usuários entender a ca no Bairro Farolândia em Aracaju/SE. 2017.
importância da área e zelar por ela. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em
Contudo, dentro das reflexões aqui apresen- Arquitetura e Urbanismo) – Universidade Federal
tadas, espera-se a compreensão da população de Sergipe, Laranjeiras, 2017.
e do poder público sobre o planejamento urba-
SERGIPE. Lei 1.789 de 17 de janeiro de 1992:
no e ambiental integrado que pode beneficiar a
Código de Proteção Ambiental do Município
população e o meio ambiente natural de manei-
de Aracaju e dá providências correlatas. Araca-
ra simbiótica, incentivando a compreensão de
ju: Prefeitura Municipal de Aracaju, 1992.
que as pessoas são parte da cidade.

Arquitetura e cidade: ensaios projetuais, análises urbanas e caminhos percorridos na Universidade Federal de Sergipe
75

5
Lenise Rafaella Hora Costa
Carolina Marques Chaves Galvão

Introdução

O tema abordado neste trabalho são as potencia- leis ambientais aliada à pressão urbana que vem

PARQUE URBANO
lidades de um parque urbano para a conservação de ocorrendo no Bairro Industrial, onde se localiza.
uma Área de Proteção Ambiental (APA), tendo como Assim, através deste trabalho, busca-se (1)

COMO ESTRATÉGIA
objetos de estudo o Parque da Cidade e a APA Morro estudar o papel dos parques como equipamento
do Urubu. Este trabalho é derivado de uma pesquisa urbano público e sua potencialidade como instru-

DE CONSERVAÇÃO:
maior e mais bem detalhada, desenvolvida enquanto mento de conservação ambiental; (2) compreen-
monografia para a conclusão do curso de Arquitetura der os processos de degradação que a APA Morro

CASO DO PARQUE
e Urbanismo da Universidade Federal de Sergipe. O do Urubu vem sofrendo ao longo dos anos e sua
que se apresenta aqui é uma síntese da análise das condição ambiental; (3) analisar o grau de legibili-

DA CIDADE E APA
problemáticas existentes no objeto de estudo e su- dade do Parque da Cidade pela população de Ara-
gestões de ações remediadoras. caju e o perfil de seus usuários; (4) elaborar um

MORRO DO URUBU1
O presente trabalho aborda um tema relaciona- diagnóstico da situação de uso e manutenção do
do tanto à preservação de recursos naturais quanto Parque da Cidade; (5) contribuir para a redefinição
à reestruturação de um importante parque urbano da imagem do Parque da Cidade como importan-
para a cultura de uma cidade. O Parque da cida- te ferramenta de inclusão social e conscientização
de, localizado no município de Aracaju/SE, se inse- ambiental; e por fim, (6) dispor sugestões para
re nesses dois contextos, pois, apesar de ter como reestruturação deste parque urbano, fazendo com
seu objetivo principal resguardar o remanescente que cresça o interesse e a conscientização sobre
de Mata Atlântica, contido na Área de Proteção Am- a preservação dos recursos naturais presentes
1. Artigo produzido com base no Trabalho de
Conclusão de Curso intitulado “Parque urbano biental Morro do Urubu, sua área é vítima do desca- nele e para que atenda às necessidades de lazer
como estratégia de conservação: Projeto de so, da péssima gestão do poder público e da falta da população. Assim, o Parque da Cidade poderá
reestruturação do parque da cidade – Aracaju/
SE”, elaborado por Lenise Rafaella Hora Costa de conscientização da população sobre a importân- se estabelecer como área verde de lazer na cultu-
sob orientação da Profa. M.a. Carolina Marques cia do lugar, o que acarreta em constante degra- ra urbana e, principalmente, como um importante
Chaves Galvão, apresentado e aprovado em
abril de 2017, no Departamento de Arquitetura e dação e poluição. Além disso, a APA sofre as con- instrumento para a conservação do remanescente
Urbanismo da Universidade Federal de Sergipe. sequências da ausência da aplicação regular das de Mata Atlântica presente no local.

Arquitetura e cidade: ensaios projetuais, análises urbanas e caminhos percorridos na Universidade Federal de Sergipe
76

1 Parque urbano como estratégia


de conservação no Brasil

As discussões ambientais intensas, a partir O Parque Nacional tem como objetivo


dos anos 1980, fazem com que os locais de básico a preservação de ecossistemas
naturais (...), possibilitando a realização
apelo ecológico sejam valorizados na criação de de pesquisas científicas e o desenvolvi-
espaços livres. Como consequência, na Cons- mento de atividades de educação (...)
tituição Federal é criado um capítulo específico ambiental, de recreação em contato
com a natureza e de turismo ecológico.
sobre o meio ambiente, em que todos os bio-
mas são declarados como patrimônio nacional.
Segundo Macedo (2012), o aproveitamento
2 Parque da cidade
dos remanescentes ambientais dentro dos limites
e APA Morro do Urubu
urbanos para a constituição de parques urbanos
se intensifica ao final do século XX. A partir daí,
essas áreas se tornam objetos alvos de projetos O Parque da Cidade entra no cenário urbano
de parques urbanos com o papel socioambiental, de Aracaju no final de 1970, sendo o primeiro par-
que valorizam os aspectos da paisagem e bem- que urbano da cidade. Implantado no bairro Indus-
-estar proporcionados por esses ambientes. trial (Figura 01), Zona Norte da cidade, foi idealiza-
Já consolidado como peça chave para o do como forma de resguardar parte do Morro do
funcionamento das interações sociais na ma- Urubu, uma área de grande importância ambiental
lha urbana, o parque urbano se torna um equi- por ser o maior remanescente de Mata Atlântica
pamento indispensável e presente na grande
Figura 01: Localização da APA Morro do Urubu.
maioria das cidades brasileiras dos anos 1990,
assumindo também a função de instrumento
para conservação de áreas verdes nos centros
urbanos brasileiros.
Garantindo a proteção dessas áreas verdes
mencionadas acima, foram estabelecidas as
Unidades de Conservação (UC) que são es-
paços territoriais com a função de assegurar e
preservar o patrimônio biológico brasileiro. Se-
gundo a Lei n. 9.985, do SNUC2

2. Sistema Nacional de Unidades de Conservação da


Fonte: Google Earth. Adaptada por Lenise Hora, 2016.
Natureza criado em 2000.

Arquitetura e cidade: ensaios projetuais, análises urbanas e caminhos percorridos na Universidade Federal de Sergipe
77

da cidade3, posteriormente, definida como Área de mento. Porém, na década de 1990, começa-
Proteção Ambiental (APA) em 1993. ram a surgir notícias sobre o estado caótico em
Nos anos 70, as atividades salineiras cresciam que se encontravam as instalações do parque
nas proximidades do morro, e em 1975 a Avenida e, principalmente, sobre mortes de animais do
Euclides Figueiredo foi construída, contornando o zoológico por maus tratos, devido ao descaso
Morro do Urubu. Além disso, agricultores explora- por parte do poder público que passou a não
vam as terras com cultivo para subsistência. Alia- realizar as devidas manutenções no parque.
do ao interesse em resguardar o Morro do Uru- Em 2002, uma pequena reforma procurou re-
bu4, a gestão da época viu como oportunidade cuperar as vias de circulação internas e os alo-
criar uma área pública de lazer ao ar livre, da qual jamentos dos animais. Em 2006, foi realizada
a cidade era carente (MELO; MODESTO, 2013, uma nova reforma no parque procurando rees-
p. 48 apud SILVA, 2004, p. 19-20). truturar a área e trazer novos atrativos.
Em 1979 é inaugurado o Parque José Rol- Mesmo assim, essas reformas não fizeram
lemberg Leite, conhecido popularmente como com que a estrutura funcionasse de maneira
Parque da Cidade, primeiro parque urbano de eficaz. Os antigos usos foram restaurados e as
Aracaju. Porém, o espaço não chegou a ser de- melhorias feitas e os novos usos implantados
vidamente utilizado pela população por conta não foram suficientes para que a população vol-
de fortes chuvas que danificaram a estrutura. tasse a frequentar o Parque da Cidade.
Em 25 de maio de 1985, o parque foi reinaugu- Em 1993, a área do Morro do Urubu, foi es-
rado com um grande evento. A nova área verde tabelecida como Área de Proteção Ambiental,
foi reestruturada, oferecendo serviços e equipa- compreendendo uma área de 213,8724 hectares
mentos de lazer. O parque também contava com de Mata Atlântica, e foi nomeada uma Comissão
um zoológico, o primeiro da cidade. Em 1991, o Coordenadora responsável pela elaboração do
Pelotão de Polícia Montada da PMSE teve sua plano de manejo5 da APA. Porém, mais de vinte
sede implantada nas instalações da Sociedade anos depois de sua implantação como Unidade
Hípica de Sergipe, localizada na área do Par- de Conservação, a APA continua sem um plano
que da Cidade (PLÁCIDO, 2005, p. 194). de manejo, o que dificulta a sua gestão, impossi-
Após a sua inauguração oficial em 1985, o bilitando um tratamento adequado da área.
Parque da Cidade seguiu em pleno funciona- Observa-se, deste modo, que a APA Morro do
Urubu se encontra sob uma gestão precária e que
3. De acordo com a SEMARH. Disponível para download
em: http://www.semarh.se.gov.br/biodiversidade/modu-
necessita que os órgãos responsáveis executem
les/wfdownloads/visit.php?cid=1&lid=11. Consultado em: 5. Segundo o Ministério Brasileiro do Meio Ambiente, pla-
17 de setembro de 2016. no de manejo é um documento que estabelece as normas,
4. Esta ação antecipa a criação posterior da APA. Os restrições para o uso, ações a serem desenvolvidas e ma-
gestores da época já notavam a área do Morro do Urubu nejo dos recursos naturais das Unidades de Conservação,
era ambientalmente frágil, por isso o parque surge como visando minimizar os impactos negativos sobre elas, ga-
intenção primária para resguardar a área. rantir a manutenção dos processos ecológicos e prevenir

Arquitetura e cidade: ensaios projetuais, análises urbanas e caminhos percorridos na Universidade Federal de Sergipe
78

ações de acordo com a legislação do Sistema além da possibilidade de estimular atividades


Nacional de Unidades de Conservação (SNUC), no âmbito socioambiental e educacional.
além do desenvolvimento de programas de edu- Apesar de ter um parque urbano implantado
cação ambiental e inclusão social, para que a em sua área e de ter sido instituída como APA,
área possa cumprir sua função de proteção. o Morro de Urubu vem sofrendo com a depre-
Os 70 hectares6 pertencentes ao Parque da dação e o descaso. Tais situações se agravam
Cidade, contidos na APA Morro do Urubu, estão pelo mau funcionamento do Parque da Cidade
sob a responsabilidade administrativa do De- que deveria ser suporte da área de interesse
partamento de Desenvolvimento Agropecuário ambiental. Estes problemas causam um afas-
de Sergipe. A administração da APA, por sua tamento da população que passa a frequentar
vez, é de responsabilidade da Administração cada vez menos o parque.
Estadual do Meio Ambiente (ADEMA). Além disso, a falta de conscientização da
Além disso, Aracaju conta hoje com um per- população, que poderia ser feita através de
centual de preservação de 11% de vegetação atividades de cunho ambiental, e a falha admi-
natural de Mata Atlântica em comparação com nistração por parte dos responsáveis também
a área original, percentual presente unicamente agravam a situação. Como exemplo disso, tem-
na APA Morro do Urubu. Deste modo, a função -se o lixo, deixado na área pelos visitantes, que
ambiental que deve ser desempenhada pelo não recebe tratamento adequado, sendo acu-
parque garante a vitalidade deste remanescen- mulado e queimado no próprio parque, o que
te. Aliado a este ideal de conservação, o parque compromete a conservação da mata.
se insere no contexto urbano de Aracaju bus- Essas ações impactantes afetam a qualida-
cando estreitar as relações da população com o de ambiental da área. Relatos de moradores
meio ambiente, conscientizando-a da importân- afirmam que o desmatamento é intensificado
cia ambiental desta área. pela retirada de lenha para consumo próprio e
O Parque da Cidade também possui um im- provável comercialização. Por outro lado, essas
portante papel social para a cidade, sendo um ações impactantes poderão ser minimizadas,
dos poucos espaços públicos de lazer da Zona caso haja um canal de diálogo entre o comitê
Norte de Aracaju. O espaço tem como público gestor e os órgãos públicos de governo, e de
principal os moradores dos bairros próximos que saiam ações conjuntas e sistêmicas que
que, em sua grande maioria, são áreas caren- envolvam toda sociedade (SANTOS; GOMES;
tes. Assim, o parque é relevante como uma área SANTANA, 2013, p. 06).
que incentiva a vida urbana e a interação social, Com a expansão do Bairro Industrial, inten-
a simplificação dos sistemas naturais. O plano de manejo sificada pela construção da Ponte Aracaju/Bar-
deve ser desenvolvido num prazo máximo de cinco anos
ra dos Coqueiros e pela futura inauguração do
após a implantação da Unidade de Conservação.
6. Área determinada pela Companhia Estadual de Habi- Aracaju Parque Shopping, a especulação imo-
tação e Obras Públicas (CEHOP). biliária na área aumentou.

Arquitetura e cidade: ensaios projetuais, análises urbanas e caminhos percorridos na Universidade Federal de Sergipe
79

Como a regulamentação dessas questões é co frequentador dos demais parques e áreas livres
dada pelo Plano Diretor, e a APA Morro do Uru- e do público frequentador do Parque da Cidade.
bu não consta como área de interesse ecológi- Este último, em sua maioria, é de classe menos
co no PDDU7 do Município de Aracaju, as leis abastada e residente na Zona Norte da cidade.
ambientais não garantem resguardo à APA. Além disso, notou-se que, entre todas as áreas de
Os impactos socioambientais existentes em lazer ao ar livre, o Parque da Cidade se encontra
toda a área da APA Morro do Urubu relacionam- na posição de menos visitada entre os entrevis-
-se com a má utilização do espaço público que tados. Tal posição é justificada quando, posterior-
é resultado da falta de fiscalização, infraestrutu- mente, analisam-se os problemas apontados pe-
ra adequada às atividades existentes, que de- los entrevistados, a distância de suas residências
notam abandono do poder público (CHAGAS, até o parque, os assaltos constantes que ocorrem
2009, p. 90). na área e a falta de atrativos.
Cada tipo diferente de uso de solo causa im- Nos dois tipos de questionários, foi perguntado
pactos socioambientais também diferentes, como aos entrevistados se eles reconheciam a existên-
erosão de áreas de encosta, despejo inadequado cia da APA Morro do Urubu, onde o Parque da Ci-
de resíduos sólidos, degradação da mata e riscos dade está localizado. A grande maioria não está
de deslizamentos das encostas do morro. ciente da importância ambiental representada por
esta área de proteção ambiental quem abriga os
3 Diagnósticos 11% restantes de Mata Atlântica do estado.
O não reconhecimento da existência da Área
de Proteção Ambiental no Morro do Urubu, lu-
Com a intenção de traçar os perfis dos frequen- gar onde está implantado o Parque da Cidade,
tadores do Parque da Cidade, dos frequentadores reforça o argumento da necessidade e função
dos outros parques e compreender qual a relação ambiental que deve ser representada pelo par-
da população em geral com as áreas de lazer ao que. Este se torna instrumento de conexão en-
ar livre, principalmente com o Parque da Cidade, tre os frequentadores e a APA.
foram aplicados um total de 363 questionários pre- Foi questionado aos entrevistados ainda sobre
senciais e online. Além disso, aplicaram-se dois a qualidade da estrutura do Parque da Cidade.
tipos diferentes de questionários: o Tipo 01 para Segundo a tabulação de dados e depoimentos
os demais locais e o Tipo 02, exclusivo para os dos entrevistados, o parque urbano se encontra
frequentadores do Parque da Cidade. com sua estrutura degradada e não oferece aos
Após a análise das informações, tabulação de visitantes atividades e espaços funcionais. Sem
dados e explanação de resultados através de grá- equipamentos e mobiliários urbanos, sem aces-
ficos, é possível notar a diferença do perfil do públi- sibilidade e, além disso, sem segurança, os fre-
7. Atualmente, o Plano Diretor de Aracaju está passando
por uma revisão em busca de melhorias.

Arquitetura e cidade: ensaios projetuais, análises urbanas e caminhos percorridos na Universidade Federal de Sergipe
80

quentadores sentem que nem todo o potencial duzidos. Os parques infantis com brinquedos
do parque está sendo aproveitado. quebrados e velhos e áreas de prática de es-
Foram diagnosticados vários problemas na porte sem manutenção, criando risco de aci-
estrutura do parque (Figura 02). As vias que dentes para os usuários e impedindo o uso efi-
cortam o parque possuem faixas apenas para ciente. Há também a carência de um espaço
veículos, o que dificulta a locomoção dos pe- onde o visitante possa obter informação sobre
destres e aumenta o risco de acidentes, os es- as atrações e atividades que podem ser reali-
tacionamentos são todos irregulares, a falta de zadas na área, além da falta de distribuição de
acessibilidade limita o acesso de pessoas com placas informativas.
necessidades especiais. Um dos grandes problemas do parque é o mau
Equipamentos e mobiliários urbanos, além funcionamento do zoológico, cuja administração
de poucos, estão degradados e impossibilita- recebeu denúncia do Ministério Público Fede-
dos de uso. Os banheiros são inexistentes e, ral, por acusações de irregularidades no aval de
nas áreas consideradas de lazer, os visitantes funcionamento e falta de prestação de contas ao
são obrigados a sentar no chão, onde também IBAMA sobre o manejo da fauna silvestre no lo-
é jogada a maioria dos resíduos sólidos pro- cal. Várias denúncias foram feitas por instituições
Figura 02: Estrutura precária do parque urbano. ambientais que além de alegarem maus tratos

Fonte: Lenise Hora, 2017.

Arquitetura e cidade: ensaios projetuais, análises urbanas e caminhos percorridos na Universidade Federal de Sergipe
81

aos animais, identificaram irregularidades nas maior número e uma maior diversidade de usuá-
instalações e recintos que abrigam os animais. rios que, por sua vez, trarão vitalidade à área, sus-
Outro problema grave presente no parque é a tentando o seu funcionamento com sucesso.
onda de assaltos que vêm ocorrendo. Em entre- As diretrizes utilizadas para sugestão de me-
vistas realizadas no local, a grande maioria dos lhorias baseiam-se em intervenções de baixo im-
visitantes relata a falta de segurança como um pacto, buscando simplicidade, acessibilidade e
dos motivos que desmotiva a visitação ao par- privilegiando a funcionalidade, criando um espaço
que. Mesmo com a sede do Esquadrão de Polícia de uso pleno. Propõem-se edificações de alvena-
Militar Montada de Sergipe presente na área, es- ria e madeira de reflorestamento, com linguagem
tes recorrentes acontecimentos não são atenua- rústica, também aplicada ao mobiliário urbano uti-
dos. Além disso, a sede da PMMSE se encontra lizado. Além de bancos, pérgolas e lixeiras, novas
degradada e com uma grande área em desuso. placas de sinalização são propostas paras ajudar
Área essa que poderia ser utilizada para instala- o visitante a circular com facilidade pela área.
ção de novos equipamentos para o parque. As vias existentes também receberão inter-
venções para que a circulação tanto de veículos
4 Possíveis ações Figura 03: Diagrama de elementos que compõem um
parque com vitalidade.

Um parque urbano, para que seja utilizado


pela população, inclui quatro elementos em seu
projeto. São eles: complexidade, centralidade,
insolação e delimitação espacial (Figura 03).
A complexidade consiste na multiplicidade de
motivos que as pessoas têm para frequentar o
parque. A centralidade é quando há um lugar
reconhecido por todos como sendo o centro do
parque. Já a insolação deve ser remediada por
intervenções projetuais, propiciando um cenário
feito para os visitantes que buscam um refúgio
nos dias quentes. Por fim, a delimitação espa-
cial refere-se ao fato de que os espaços públi-
cos sejam compostos por áreas úteis e espaços
bem definidos (JACOBS, 2000, p. 104).
Quanto mais usos e quão maior for a legibilida-
de proporcionada pelos parques, eles atrairão um Fonte: JACOBS, 2000. Adaptado por Lenise Hora, 2016

Arquitetura e cidade: ensaios projetuais, análises urbanas e caminhos percorridos na Universidade Federal de Sergipe
82

quanto de pedestres funcione de maneira mais para a conservação. Através deste estudo, foi pos-
efetiva. Ciclovias e passeio exclusivo para pe- sível identificar quais os impactos causados pela
destre, com adaptações para cadeirantes, irão instalação do parque urbano na área da APA e, as-
garantir uma maior segurança aos visitantes. sim, definir quais as ações remediadoras a serem
aplicadas para que o parque exerça seu papel de
5 Projetos referenciais, análise instrumento de conservação (Quadro 01).
de problemáticas e sugestão O segundo foi o Parque Urbano do Bolaxa, lo-
de ações remediadoras calizado no estado do Rio Grande do Sul. Sobre
ele, foi analisada a relação positiva que deve exis-
tir entre o parque urbano e as áreas de proteção
Foram escolhidos três projetos referenciais ambiental. Por meio da implantação de centros
para nortear a idealização deste projeto. Assim, de educação ambiental ligados à fauna e à flora
através da análise de cada um deles, foram de- pertencentes à biota que compõe a Mata Atlânti-
finidas soluções para algumas problemáticas ca, foi possível proporcionar conscientização da
existentes no Parque da Cidade. população sobre a importância da conservação
O primeiro foi a dissertação de mestrado da au- da área. Para efetividade desta ação, sugere-se
tora Danielle Chagas, que serviu de instrumento uma parceria do parque com a Universidade Fe-
para análise das áreas da APA, incluindo a área deral de Sergipe e os departamentos dos cursos
que comporta o Parque da Cidade, o grau dos im- ligados à área ambiental (Quadro 02).
pactos sofridos e as consequências desses impac- E por, último, o Parque Urbano Ecuador, loca-
tos, caso a APA não receba a atenção necessária lizado no Chile, primeiro parque urbano do país

Unidades de Paisagem da APA Morro do Urubu


Instalações
Impactos Socioambientais Ações Remediadoras
Existentes

-Determinação de áreas para reflorestamento


-Despejo inadequado de resíduos sólidos -Implantação de coleta seletiva em toda área
-Insegurança do parque
Parque
-Degradação da mata -Reestruturação da área para atrair mais visi-
da Cidade
-Deposição inadequada de esgoto no tantes e diminuir a insegurança
zoológico -Educação ambiental para valorização da biota
-Manutenção das edificações

-Reestruturação da área transformando os


Polícia Militar
-Grande área ociosa, sem utilização espaços em desuso em áreas para a utilização
Montada/SE
população

Quadro 01: Impactos causados pelo Parque da Cidade na APA Morro do Urubu.
Fonte: Chagas 2009. Adaptado por Lenise Hora, 2016.

Arquitetura e cidade: ensaios projetuais, análises urbanas e caminhos percorridos na Universidade Federal de Sergipe
83

Educação Ambiental
Instalações
Novas Instalações Cursos da UFS Relacionados
Existentes
-Ciências Biológicas
-Centro de Educação Ambiental para -Engenharia Florestal
Flora
Conservação da APA Morro do Urubu -Engenharia Ambiental
-Ecologia
-Ciências Biológicas
-Centro de Recuperação e Tratamen- -Zootecnia
Fauna
to dos Animais da Mata Atlântica -Medicina Veterinária
-Ecologia

Quadro 02: Educação ambiental no Parque da Cidade.


Fonte: elaborado por Lenise Hora, 2016.

a possuir um projeto de acessibilidade em todo da Cidade, foi analisado o capítulo 10 da NBR


seu desenho. Através da análise deste parque, 9050 (2015). “Nos locais onde as característi-
percebeu-se que para que um parque urbano cas ambientais sejam legalmente preservadas,
possua vivacidade, é preciso que ele atenda deve-se buscar o máximo grau de acessibilida-
às necedidades de todas as pessoas, sem res- de com mínima intervenção no meio ambiente”
trições, assim a inserção de acessibilidade se ( NBR 9050, 2015, p. 135).
torna essencial (Quadro 03). Para a proposta
de melhoria das vias e acessos para o Parque

Acessibilidade

Instalações Atuais Ações Remediadoras


-Inserção de faixa exclusiva para veículos
-Apenas a existência de -Inserção de faixa exclusiva para pedestres sem desnível com
faixa para veículos superfície regular identificada por pintura e símbolos
Vias -Inexistência de faixa ex- -Inserção de rampas em desníveis com declividade igual ou
clusiva para pedestre superior a 5%
-Inexistência de ciclovia -Inserção de piso tátil direcional e de alerta
-Inserçao de ciclovia
-Inserção de bolsões regulares de estacionamento com sinaliza-
Estacionamentos -Iregulares
ção de vagas exclusivas para idosos e deficientes
-Adaptação das edificações já existentes através de inserção de
Edificações -Sem acessibilidade rampas, áreas de circulação e manobra, barras de apoio e etc
-Inserção de novas edificaçõe devidamente adaptadas

Quadro 03: Intervenções para implantação da acessibilidade.


Fonte: Elaborado por Lenise, 2016.

Arquitetura e cidade: ensaios projetuais, análises urbanas e caminhos percorridos na Universidade Federal de Sergipe
84

Considerações Finais Referências

Através dos estudos e questionários realiza- BRASIL, Lei nº 9.985, de 18 de julho de 2000.
dos, a partir dos quais foram identificadas as Instituiu o Sistema de unidades de Conser-
problemáticas e as potencialidades tanto em vação da Natureza (SNUC) e estabelece cri-
escala de parque como em escala de Unidade térios e normas para a criação, implantação
de Conservação, chegou-se a um diagnóstico e gestão das unidades de conservação. Bra-
da área. Assim, foi possível a sugestão de pro- sília, 2000.
postas de melhorias e diretrizes de reestrutura- BRASIL. Constituição (1988). Constituição da
ção para as instalações do Parque da Cidade. República Federativa do Brasil. Brasília, DF:
Foram apresentadas sugestões de ações Senado Federal: Centro Gráfico, 1988. 292 p.
remediadoras para que o parque assumisse o
CHAGAS, Danielle Costa Oliveira. Indicadores
seu papel social, através da disposição de um
de qualidade ambiental como subsídio ao
espaço inclusivo e atrativo a todas as pessoas
planejamento da área de proteção ambiental
da cidade. Recuperando a sua vivacidade, os
Morro do Urubu (Aracaju, SE). 2009. Disser-
frequentadores encontrariam um parque urbano
tação (Mestrado em Desenvolvimento e Meio
que proporcionasse múltiplas atividades de estar
Ambiente) - Universidade Federal de Sergipe,
e lazer, aliadas às questões ambientais que en-
São Cristóvão.
volvem à conservação da APA Morro do Urubu.
Aliando uma área de lazer eficiente e acessí- COSTA, Lenise Rafaella Hora. Parque urbano
vel com práticas de educação ambiental e ativi- como estratégia de conservação: Projeto de
dades ligadas ao turismo ecológico, buscou-se reestruturação do parque da cidade – Ara-
a idealização de um parque urbano vivo, que caju/SE. 2017. Trabalho de Conclusão de Cur-
atrai a população da cidade e conscientiza so- so (Graduação em Arquitetura e Urbanismo) –
bre a importância ambiental da área, de modo Universidade Federal de Sergipe, Laranjeiras,
que se crie um vínculo entre os frequentadores 2017.
e o parque, e, por fim, este se consolide como JACOBS, Jane. Morte e vida de grandes cida-
parque urbano e instrumento de conservação des. 3. ed. São Paulo: Wmf Martins Fontes, 2011.
ambiental para a APA Morro do Urubu.
MACEDO, Silvio Soares. Paisagismo brasilei-
Dado o exposto, conclui-se que o presente
ro na virada do século: 1999-2010. São Pau-
estudo pode representar uma premissa para o
lo: Editora da Universidade de São Paulo, 2012.
desenvolvimento das discussões sobre a rees-
truturação do Parque da Cidade e a conserva- MELO, D. S.; MODESTO, M. A. Um Convite ao Tú-
ção da APA Morro do Urubu, para que se possa nel do Tempo: Retalhos Históricos do Parque José
aliar parque urbano à Unidade de Conservação. Rollemberg Leite e sua Importância para Práticas

Arquitetura e cidade: ensaios projetuais, análises urbanas e caminhos percorridos na Universidade Federal de Sergipe
85

de Educação Ambiental. In: Maria Inêz Oliveira biental Morro do Urubu, Aracaju – SE. Scien-
Araujo. (Org.). Da Construção do Conhecimento tia Plena, Aracaju, v. 9, n 10, out. 2013.
às ações em Educação Ambiental. 111ed. São
SERGIPE. Decreto nº 13.713, de 16 de junho
Cristóvão-SE: Editora UFS, 2013, p. 43-60.
de 1993. Instituiu a área de Proteção Am-
PLÁCIDO, D. Parque da cidade: potencial pai- biental do Morro do Urubu e dá outras provi-
sagístico preservado in: Falcón, L. de O. FRAN- dências. SERGIPE, 1993
CA, V.L.A. Aracaju: 150 anos de vida urbana.
SILVA, Janaína Barbosa; PASQUALETTO, An-
Aracaju: PMA/SEPLAN, 2005.
tônio. O caminho dos parques urbanos bra-
PREFEITURA MUNICIPAL DE ARACAJU. Pla- sileiros: da origem ao século XXI. Estudos,
no Diretor de Desenvolvimento Sustentável Goiânia, v. 40, n. 3, p.287-298, jul. 2013.
(PDDUS) do Município de Aracaju. Revisa a
SILVA, Luciene de J. M. da. Parques Urbanos:
Lei Complementar nº 042 de 2000. De 19 de
A Natureza na Cidade -uma análise da per-
novembro de 2010.
cepção dos atores urbanos. UnB-CDS, Mes-
SANTOS, L. I. da C.; GOMES, S. H. M.; GO- tre, Gestão e Política Ambiental. 2003. Disser-
MES, L. J.; SANTANA, L.L. Identificação das tação (Mestrado) – Centro de Desenvolvimento
ações impactantes na Área de Proteção Am- Sustentável, Universidade de Brasília.

Arquitetura e cidade: ensaios projetuais, análises urbanas e caminhos percorridos na Universidade Federal de Sergipe
86

6
Anna Paula Gonzaga dos Santos
Lygia Nunes Carvalho

Introdução

A relação entre homem e meio ambiente passou Faz fronteiras com outros bairros da capital e o
por fases não-lineares ao longo do tempo (MARTI- município de São Cristóvão. A maior parte da sua
ESPAÇOS LIVRES E NEZ & GONÇALVES, 2010, p. 109), passando por ocupação se concentra na parte central de seu ter-
períodos em que o homem tem seu próprio reco- ritório e teve início no final da década de 80, com
POPULAÇÃO: UMA nhecimento como parte na natureza, até o perío- a implantação de conjuntos habitacionais promo-
do mais atual de domínio sobre ela. Nesta última vidos pelos primeiros programas de habitação do
VISÃO SISTÊMICA fase, predomina a preocupação pelo incessante Governo Federal. A partir de 2001, o bairro se tor-
crescimento e modernização das cidades em de- nou alvo de implantação de condomínios fechados,
DAS RELAÇÕES trimento da perda de mananciais e biomas de im- trazendo um grande número de empreendimentos
portância para o ecossistema aberto, de que as e um crescimento de 76% da população local em
DIVERSAS cidades também fazem parte (MOTA, 1981, p. 15). 2010 relacionado ao de ano 2000 (IBGE, 2010).
O processo de urbanização das cidades, de O bairro constitui um exemplo prático de um ter-
EXISTENTES NO grande intensidade no cenário nacional, trouxe o ritório marcado por áreas ambientais protegidas e
crescimento rápido e desordenado das malhas ur- desprotegidas por legislação, além de um cenário
BAIRRO JABOTIANA banas, gerando infraestruturas que se sobrepõem recente de adensamento intenso e supressão de
à natureza (SANTOS, 1993) e causam agressões áreas ambientais importantes, o que afeta não só
EM ARACAJU/SE1 ambientais que afetam o bem-estar populacional. a qualidade ambiental do local como também as
Paralelamente, as legislações, que têm sido relações sociais estabelecidas entre os moradores
as soluções mais usadas pelo poder público para locais e as áreas livres.
proteger áreas ambientalmente sensíveis, enfren- Portanto, a proposta deste estudo reside em
tam dificuldades de execução eficaz. A realidade identificar o grau de relação social estabelecido
muitas vezes consiste em delimitações legais e entre os moradores do Jabotiana e suas grandes
estratégias que ficam encerradas no âmbito da áreas livres, que hoje ocupam parte do cenário co-
discussão e das documentações, sendo pouco tidiano de suas vidas, a partir de um método inter-
1. O presente artigo foi produzido com base no
conhecidas pela sociedade civil e, muitas vezes, disciplinar de análise e avaliação de espaços livres.
Trabalho de Conclusão de Curso intitulado “Bair-
ro Jabotiana: Princípios e Ações de Intervenção desrespeitadas com ocupações irregulares. Ao considerar o bairro como um sistema composto
Urbana Baseados nas Relações Sociais com as por pessoas, áreas ambientais e urbanizadas, pre-
Situado dentro da Zona Oeste de Aracaju, ca-
Áreas Livres”, elaborado por Anna Paula Gonza-
ga dos Santos sob orientação da Profa. M.a. Ly- pital do estado de Sergipe, o Jabotiana é o maior tende-se alcançar estratégias de intervenção sobre
gia Nunes Carvalho, apresentado e aprovado em bairro da cidade, ocupando uma área equivalente sua ordenação. Para isso, citam-se três pontos im-
abril de 2017, no Departamento de Arquitetura e
Urbanismo da Universidade Federal de Sergipe. a 11,7% do seu território (SEPLAN, 2010, p. 01). portantes como base de trabalho. São estes:

Arquitetura e cidade: ensaios projetuais, análises urbanas e caminhos percorridos na Universidade Federal de Sergipe
87

• O reforço da ideia de sistema em dos e informações teóricas que norteiam a


contraposição à intervenção pontual construção do pensamento e as ações de
nos espaços livres;
• O reconhecimento da natureza com- projeto apresentadas.
plexa dos espaços livres e da plural- A segunda etapa envolve a aplicação da car-
idade de seus respectivos atributos, tografia como método na presente pesquisa. As-
sejam biofísicos, perceptivos ou ur-
banos, entre outros, e; sim, realizam-se percursos de reconhecimento
• A ênfase na ordenação do sistema das diferentes áreas do bairro, a fim de regis-
tomando a complementaridade entre trar as principais percepções3. Aliada a isso,
o sistema de espaços livres e a con-
formação de seu entorno como uma também é realizada a observação das práticas
possível guia do projeto territorial locais das pessoas em relação às áreas livres
(TARDIN, 2008, p. 26). locais. Esta etapa conta ainda com a realização
Desta forma, a ordenação consiste em iden- de conversas informais e entrevistas com seg-
tificar e analisar as diferentes relações entre os mentos variados da população, desde líderes
espaços ou entre os espaços e as pessoas para, comunitários a usuários dos principais equipa-
por fim, sugerir princípios e ações de projeto so- mentos públicos, além de identificar eventuais
bre a área estudada, a fim “de (re)estruturar o necessidades de melhoria do ambiente cons-
crescimento e a qualidade do ambiente urbano” truído e natural que os cercam.
(TARDIN, 2010, p. 03). Tardin utiliza a metodolo- Vale frisar que a escolha dos grupos popu-
gia da cartografia2 em associação com o registro lacionais para amostragem não se pautou na
fotográfico, realização de entrevistas e visitas in abordagem quantitativa e, sim, qualitativa, o que
loco para alcançar suas análises e percepções, significa que dentro dos percursos e de conver-
de forma aproximada com a realidade local. sas com moradores, foram identificados outros
grupos e indivíduos que complementam a diver-
sidade de percepções sobre o objeto de estudo.
1 Metodologia aplicada
A terceira etapa do trabalho constitui a análi-
se dos dados obtidos nos percursos para espa-
As pesquisas bibliográfica, documental e cializar as realidades encontradas. Desta forma,
de legislação constituem a primeira etapa do há a elaboração de croquis e anotações, mapas
trabalho, e caracterizam-se pela coleta de da- com as primeiras identificações das potenciali-
dades e conflitos locais, bem como as primeiras
2. O termo cartografia aqui utilizado se refere às recen- análises do bairro sob uma visão sistêmica.
tes práticas advindas do campo da Psicologia apropria-
das em outros campos de conhecimento sob a forma de
método de estudo em pesquisas qualitativas. Neste caso, 3. As percepções se referem à identificação de atributos
a cartografia prioriza a experimentação como condutora positivos e negativos do local de estudo, que devam ser
dos caminhos de uma pesquisa, ao invés de seguir os levados em conta durante o processo de projeto, a fim
passos pré-determinados que conduziriam de forma rígi- de corrigi-los ou intensificá-los. São registradas em notas
da à análise final de uma pesquisa. nos mapas, croquis, registros fotográfico e de vídeo.

Arquitetura e cidade: ensaios projetuais, análises urbanas e caminhos percorridos na Universidade Federal de Sergipe
88

2 Percursos de reconhecimento
da área de estudo

Realizados entre janeiro e março de 2017, os agressões ambientais à lagoa e a identificação


percursos pretendiam abranger todas as áreas de mais um trecho de conflito entre ocupações
do bairro e foram feitos a pé durante manhã e fi- recentes – condomínios fechados – e ocupa-
nal da tarde. No decorrer deste processo, foram ções antigas, criando cenários de segregação.
realizados registros fotográficos, anotações das Figura 1: Mapa ilustrativo dos três percursos realizados
informações obtidas por observação e conver- no bairro Jabotiana.

sas com transeuntes e moradores locais – infor-


mantes principais da pesquisa. À medida que se
identificava a necessidade de revisitar um local
ou conhecer outros ainda não visitados, novos
percursos eram realizados. Foram realizados
três percursos em dias diferentes (Figura 1) que
englobaram caminhadas em direção a pontos
centrais periféricos do bairro.
O percurso 1 foi realizado no perímetro dos
conjuntos JK, Sol Nascente e Santa Lúcia, in-
cluindo as áreas adensadas mais recentes de
prédios. Pode-se dizer que este percurso con-
tém a maior diversidade de morfologia, tipolo-
gias edilícias e possibilidades de identificação
de conflitos e potencialidades pois, neste mo-
mento, foram visitados locais de supressão de
áreas ambientais e problemas de relação de al-
guns moradores no entorno de suas moradias.
O percurso 2 – demarcado em amarelo na
Figura 1 – abrangeu o trecho sul do conjunto
Santa Lúcia, passando pelo Loteamento das
Mangueiras, contíguo ao conjunto e outras ocu-
pações espontâneas, além das margens da La-
goa Doce. Neste trajeto, foi possível identificar
Fonte: Imagem de satélite, PMA 2013. Adaptado por Anna Paula
problemas referentes à infraestrutura urbana, Gonzaga, 2017.

Arquitetura e cidade: ensaios projetuais, análises urbanas e caminhos percorridos na Universidade Federal de Sergipe
89

O percurso 3 – indicado em Laranja na Figura com características definidas em termos de es-


1 – incluiu a visita a uma área de ocupação recen- trutura, morfologia e tipologia edilícia.
te, composta apenas por condomínios fechados
verticais. Neste trecho do bairro, evidenciou-se o 3.1 Espaços livres
desuso das ruas por pedestres e, consequente-
mente, a sensação de insegurança ao utilizá-las. A
conversa com a população local se mostrou mais Caracterizam-se por espaços desprovidos
difícil uma vez que havia poucas pessoas se des- de ocupação humana densa e que possuem ou
locando fora dos condomínios e, as que o faziam, não importância ambiental expressiva.
constantemente demonstravam desinteresse ou 1. Áreas de Preservação: Delimitadas pela
desconhecimento sobre as áreas livres e outros
legislação do Código Florestal, são áreas
aspectos do entorno de suas moradias.
protegidas e não passíveis de ocupação,
a fim de preservar os recursos naturais
3 Espaços livres e população: importantes para a manutenção do bem-
a diversidade das relações -estar social (Figura 2).
2. Áreas Livres não ocupadas / à espera de
A partir dos percursos realizados e das ex- ocupação: Caracterizam-se por terrenos
perimentações obtidas no local de estudo, op- privados ou públicos com vegetação de
tou-se por explicar o bairro Jabotiana de acordo pequena expressividade e que são passí-
com as características dos seus espaços livres veis de adensamento (Figura 3).
construídos e, também, da sua população. 3. Áreas Livres degradadas: Caracterizam-
No que diz respeito aos espaços, fica bas- se por apresentarem sinais de deterio-
tante evidente a presença de duas áreas ma- ração seja por ação natural (erosões,
joritárias: uma área livre de grande importância desabamentos) ou humana (poluição,
ambiental e outra área urbanizada, em cresci- desmatamento). Necessitam de recupera-
mento constante que possui dinâmica social va- ção ambiental, planejado e executado por
riada e que, por sua vez, divide-se em subáreas profissionais especializados (Figura 4).

2 3 4
Figuras 2, 3 e 4: Espaços livres, componentes da realida- Fonte: Anna Paula Gonzaga, 2017.
de do bairro Jabotiana.

Arquitetura e cidade: ensaios projetuais, análises urbanas e caminhos percorridos na Universidade Federal de Sergipe
90

3.2 Espaços urbanos consolidados

Estes espaços, dentro do Jabotiana, podem compreendem a implantação pioneira com


ser facilmente identificados por tipologia edilícia traçado ortogonal, tipologia edilícia variando
e inserção dentro da morfologia local. Tais ca- entre casas térreas e sobrados e centrali-
racterísticas se apresentam como influenciado- zação do comércio sobre praças e avenida
ras de comportamentos dos moradores. Assim, principal – Av. Cezartina Régis (Figura 6).
dividiram-se os espaços urbanos em três tipos: 3. Formação Recente Estruturada: Compos-
1. Formação Espontânea: Composta pelas co- ta por condomínios verticais ou horizontais
munidades Largo do Aparecida, Aloque e adensados em grandes glebas, vizinhos uns
pequenos trechos de ocupações à beira-rio aos outros e que, ao longo dos anos, aumen-
(Mapa 2). São marcados pela deficiência de taram o espraiamento do Jabotiana. Locali-
infraestrutura e conflitos na demarcação de zam-se em novas áreas de adensamento e
lotes. Sem áreas de lazer próximas estru- possuem infraestrutura precária – iluminação,
turadas e majoritariamente constituídas de pavimentação e diversidade de usos bastan-
residências térreas (Figura 5). te prejudicadas ou inexistentes (Figura 7).
2. Formação Planejada: De formação bastan- Figuras 5, 6 e 7: Os diferentes espaços urbanos presen-
te tradicional, os conjuntos habitacionais tes no bairro Jabotiana.

5 6

Fonte: Anna Paula Gonzaga, 2017.

Arquitetura e cidade: ensaios projetuais, análises urbanas e caminhos percorridos na Universidade Federal de Sergipe
91

3.3 Grupos populacionais residentes

É dentro dos espaços citados anteriormente frequência. Este grupo se destaca por
que reside a população do bairro. Durante as possuir práticas de vizinhança e relação
conversas e entrevistas, foi possível identificar social bastante solidificadas. Verificou-se
que o comportamento da população em relação a preocupação intensa com a preserva-
às práticas sociais varia de acordo com o tempo ção ambiental, especialmente aqueles
de residência e a tipologia edilícia em que se ha- atuantes na causa ambiental e que cui-
bita. Desta forma, agrupar a população por or- dam de praças, e áreas livres próximas
dem temporal de chegada para moradia tornou- de suas casas (Figura 8). Além disso,
-se a melhor forma de identificar o quanto este apropriam-se de áreas livres locais para
fato pode influenciar diretamente no grau de co- a prática de esportes e lazer (Figura 9),
nhecimento ambiental e engajamento de inicia- reforçando o hábito de uso de locais
tivas que ocorrem no bairro. Assim, divide-se: públicos. Um pequeno grupo de mora-
1. Residentes desde antes dos anos 2000: dores dos espaços de formação espon-
Compreende a maior parcela da popu- tânea são, ainda, pequenos produtores
lação que habita os espaços de forma- que cultivam frutas, criam gado ou vi-
ção Espontânea e Planejada. Possui o vem de pesca e comercializam seus pro-
hábito de se deslocar pelas ruas a pé e dutos nas ruas do bairro ou em feiras
utilizar os equipamentos públicos com livres locais.

8 9
Figuras 8 e 9: A apropriação e o uso das áreas livres dos residentes antes dos anos 2000.
Fonte: Anna Paula Gonzaga, 2017.

Arquitetura e cidade: ensaios projetuais, análises urbanas e caminhos percorridos na Universidade Federal de Sergipe
92

2. Residentes após os anos 2000: Com- esta parcela de habitantes do bairro, as


preende a população que hoje habita os áreas livres, sejam elas de preservação
espaços de formação recente estrutura- ou não, são delimitadas por barreiras fí-
da. Possuem lazer intramuros e a cone- sicas e, apesar da proximidade com as
xão com a rua é bastante prejudicada, de- edificações, pouco se conhece sobre as
vido às condições estruturais dessas. Não áreas de preservação. Diferentemente do
há comércios e serviços que supram suas grupo anterior, não são encontradas prá-
necessidades de baixa complexidade no ticas sociais relacionadas às áreas livres,
entorno dos prédios, tendo que fazer des- nem prática de esportes ao ar livre.
locamentos com carro. (Figura 10). Para
Figuras 10: Condomínios fechados, ruas vazias, barreiras e muros altos marcam os espaços dos residentes após
anos 2000 no bairro Jabotiana.

Fonte: Anna Paula Gonzaga, 2017.

4 A importância de instituições públicas


e representações sociais

Ao longo do processo de vivência, os trabalhos ciência que nasce das ações praticadas ao longo
exercidos pelas instituições públicas e também do tempo de trabalho, seja de forma individual ou
pelas representações sociais que existem no bair- coletiva. É importante ressaltar que as instituições
ro Jabotiana ganharam ampla visibilidade por sua se localizam nos núcleos dos conjuntos habitacio-
importância. Juntas, as entidades desta natureza, nais –espaços de formação planejada – e carac-
são responsáveis pela manutenção de uma cons- terizam-se por manter contato majoritário com os

Arquitetura e cidade: ensaios projetuais, análises urbanas e caminhos percorridos na Universidade Federal de Sergipe
93

grupos populacionais residentes nestas áreas e carentes afastadas da formação, tais como Vár-
nos locais de formação espontânea. zea Grande, Aloque, além de regiões vizinhas
pertencentes à cidade de São Cristóvão.
4.1 A Sociedade Jabotiana Viva Ambos os colégios possuem localização
muito próximas aos cursos d’água do Jabotia-
na: o riacho Grageru e o rio Poxim. Este fato é
Movimento ambientalista originário no bairro, causador de enchentes e complicações estrutu-
fundado em 2008, a Sociedade é formada por rais nos colégios, o que causa preocupação na
moradores sensibilizados com a questão am- esfera da preservação ambiental. Desta forma,
biental vivida no local. Em meio à realização de a conscientização é desenvolvida por meio de
excursões, divulgação de artigos sobre cons- estudos, ações, caminhadas e exposições eco-
cientização, incentivo à reciclagem e atuação lógicas desenvolvidas no ano letivo e também
na conservação das áreas públicas, a instituição atividades em parceria com o Projeto Cons-
exerce um trabalho, por vezes silencioso, que truindo uma Jabotiana Saudável.
reforça e estreita laços de conscientização dos
moradores com as áreas de preservação locais.
4.3 A Unidade de Saúde e o Projeto
Para a Sociedade, a expansão urbana de- Construindo uma Jabotiana Saudável
senfreada se mostra como principal problema
do bairro, cujas consequências vão desde a
agressão ambiental contra manguezais, rios e Focado nos temas preservação ambiental e
lagoas até o fenômeno da expulsão de morado- saúde, o projeto teve origem em 2001 na Unidade
res de áreas pobres a partir da chegada de con- de Saúde da Família Manoel de Souza Pereira,
domínios. Nota-se que o engajamento do grupo por meio de profissionais integrantes da equipe
constitui uma das atividades mais enriquecedo- que se mostraram preocupados com os dados
ras das práticas sociais locais. Em associação alarmantes de doenças relacionados ao meio am-
com as instituições de ensino e de saúde, o mo- biente no bairro. A partir de ações realizadas no
vimento ajuda a difundir o conceito de educação Jabotiana, a equipe identificou a necessidade de
ambiental aplicado ao ambiente de moradia. conscientização dos moradores, atuando na pre-
venção de doenças e nos cuidados com a saúde.
4.2 As Instituições Dentro de suas ações, têm destaques a agen-
de Ensino públicas locais da de discussão com a população sobre as pro-
blemáticas de degradação ambiental e acúmulo
de lixo e a realização de palestras. Além disso, a
Destinadas às pessoas que cursam ensino caminhada ecológica anual, que reúne as esco-
fundamental maior e ensino médio, as duas es- las públicas, particulares e moradores, foi a ação
colas abrangem moradores de comunidades que mais repercutiu no cenário local, renden-

Arquitetura e cidade: ensaios projetuais, análises urbanas e caminhos percorridos na Universidade Federal de Sergipe
94

do um prêmio nacional recebido em 2014, pela senta consciência bastante aguçada da impor-
equipe da Unidade de Saúde. Outros resultados tância da preservação, inclusive todos os casos
são perceptíveis, segundo os organizadores do de prática citados anteriormente estão direta-
projeto, com a melhoria da paisagem a partir mente ligados aos habitantes desta região.
da redução de lixo a céu aberto, maior adesão Somam-se a esse grupo, os habitantes das
populacional à coleta seletiva e diminuição de áreas de formação espontânea, pois muitos têm
doenças relacionadas à veiculação ambiental. modos de vida mais simples, além de poder
aquisitivo menor. Assim, desenvolvem consciên-
cia ambiental mais aguçada devido às práticas
4.4 Percepções diversas
de cultivo e pesca artesanal. Atualmente, am-
do bairro Jabotiana
bas as atividades se encontram reduzidas devi-
do, respectivamente, à perda gradual de sítios e
A partir da identificação populacional, perce- propriedades rurais para dar lugar às novas ocu-
beu-se que os moradores locais possuem diferen- pações e à escassez de animais típicos de man-
tes pontos de vista sobre as áreas livres e também guezais, causada pela poluição dos mananciais.
sobre a própria transformação urbana que o Jabo- A parcela da população do Jabotiana que
tiana tem passado nos últimos anos. Sempre com chegou a partir dos anos 2000 e que habita
boa recepção e interessados em discutir sobre a as novas áreas urbanas, em geral, reconhece
temática deste trabalho, os moradores narraram a existência de áreas de preservação próxi-
suas histórias no Jabotiana, desde a chegada no mas aos condomínios. Porém, sua participa-
local até as práticas que exercem hoje em dia. ção atuante em movimentos ambientalistas e,
Na parcela da população residente nos espa- até mesmo, a prática por iniciativa própria são
ços de formação planejada, conjuntos habitacio- quase inexistentes nesta região, tendo somente
nais, obteve-se contato com moradores locais como atributo positivo a consciência da impor-
residentes desde a implantação dos conjuntos, tância dos mananciais que a cerca. (Quadro 1).
com alunos das escolas públicas, presidentes Espacialmente, a compreensão se mostra
das associações de moradores e servidores de mais abrangente, uma vez que os grupos popu-
serviços públicos de saúde. Este grupo apre- lacionais mais engajados se mesclam aos me-

GRUPO POPULACIONAL ESPAÇO URBANO RELAÇÃO COM ÁREAS


RESIDENTE HABITADO LIVRES
Formação Espontânea ·Pesca artesanal e de subsistência;
Residentes desde antes os
·Movimentos ambientalistas
anos 2000
Formação Planejada ·Plantio | Manutenção de espécies vegetais
Residentes após os anos
Formação Recente Estruturada · Consciência ambiental
2000
Quadro 1: Síntese de relação estabelecida da população com áreas livres do Jabotiana.
Fonte: Elaborado por Anna Paula Gonzaga, 2017.

Arquitetura e cidade: ensaios projetuais, análises urbanas e caminhos percorridos na Universidade Federal de Sergipe
95

Mapas 1 e 2: Grupos Populacionais residentes e espa-


ços urbanos habitados.
Fonte: Imagem de satélite, PMA 2013. Alterações por Anna Paula Gon-
zaga, 2017.

nos engajados (Mapas 1 e 2). É importante des- truindo uma Jabotiana Saudável atingem a po-
tacar que os movimentos ambientais, tais como pulação de forma generalizada e não se limitam
a Sociedade Jabotiana Viva e o Projeto Cons- ao espaço urbano de formação planejada.

Arquitetura e cidade: ensaios projetuais, análises urbanas e caminhos percorridos na Universidade Federal de Sergipe
96

Considerações finais

Ao longo de um processo de conhecimen- Pode-se inferir desta pesquisa que a práti-


to aprofundado da comunidade e do bairro, a ca de estudos prévios de intervenção urbanís-
experiência e as percepções tornaram-se os tica deve ter caráter mais próximo ao conhe-
grandes norteadores dos resultados. O bairro cimento da população local e de seus hábitos
Jabotiana, visto de forma sistêmica, torna-se comunitários. É assim que surge, no pesqui-
um complexo formado por espaços físicos, sua sador, o despertar da percepção de que rela-
população e uma relação diversificada entre ções sociais positivas entre habitantes locais
eles, ora consolidada, ora muito fragilizada. e suas áreas públicas verdes ou urbanizadas
Foi possível compreender que a tipologia edilí- auxiliam nos processos de intervenção urba-
cia em que muitos habitam, juntamente com o na, conscientização, educação, recuperação e
tempo de moradia, influenciam nos usos da rua, manutenção ambiental, uma vez que tais ações
dos espaços públicos e no conhecimento das nasceram por iniciativa e interesse dos próprios
pessoas sobre entorno de suas moradias, seja moradores locais.
este composto por uma área de preservação ou Aliadas a isso, tais percepções, quando tra-
área urbana. balhadas como peça-chave dos projetos de
Enquanto a população mais antiga utiliza os intervenção, são responsáveis pelo fortaleci-
espaços públicos e possui dedicação ao meio mento e transformação de hábitos de parte da
ambiente, pautando-se, principalmente, em população que ainda apresenta relações so-
ações de preservação e educação, a popula- ciais fragilizadas com as áreas livres.
ção recém-chegada, ocupante de tipologias Pretende-se, assim, através desta pesquisa,
verticais, possui desconexão perceptível com abrir caminhos para propor o desenvolvimento
os espaços e equipamentos públicos e tam- de projetos regionais e urbanos que envolvam
bém menor prática social em relação ao grupo as análises técnicas com a colaboração social,
populacional anterior. como uma alternativa ao urbanismo distanciado
Algumas dificuldades de segurança e con- que se pratica atualmente na cidade de Araca-
flitos de terra impediram o conhecimento com- ju. Assim, este trabalho trouxe como principal
pleto da vasta área livre do bairro, havendo ne- preocupação a intenção de promover convívio
cessidade de basear-se em análises prévias da mais saudável da comunidade e aliá-lo ao bem-
Prefeitura Municipal de Aracaju. -estar social e desenvolvimento urbano.

Arquitetura e cidade: ensaios projetuais, análises urbanas e caminhos percorridos na Universidade Federal de Sergipe
97

Referências

ARACAJU. Plano Diretor de Desenvolvimen- SANTOS, Anna Paula Gonzaga dos. Bairro
to Urbano de Aracaju: Diário Oficial [do] Mu- Jabotiana: Princípios e Ações de Interven-
nicípio de Aracaju, Aracaju, 06 out. 2000. ção Urbana Baseados nas Relações Sociais
IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e com as Áreas Livres. 2017. Trabalho Final de
Estatística). Censo 2010. Disponível em: Conclusão de Curso (Graduação) - Departa-
<https://www.ibge.gov.br/geociencias-no- mento de Arquitetura e Urbanismo, Universida-
voportal/organizacao-do-territorio/estrutura-ter- de Federal de Sergipe, Laranjeiras, 2017.
ritorial/15761-areas-dos-municipios.html?t=des- SANTOS, Milton. A urbanização brasileira.
taques&c=2800308> Acesso em: 11 jan. 2017. São Paulo: Hucitec, 1993.
MARTINEZ, Joyde G.; GONÇALVES, Teresinha M. TARDIN, Raquel. Espaços livres: sistema
Natureza e qualidade de vida: Significados e possibi- e projeto territorial. Rio de Janeiro: 7letras.
lidades. In: GONÇALVES, T. M.; SANTOS, Róbson 2008.
dos. (Orgs.). Cidade e meio ambiente: estudos 113 TARDIN, Raquel. Ordenação Sistêmica da Pai-
interdisciplinares. Criciúma: Ed. UNESC, 2010. sagem. In: Encontro Nacional de Pesquisa e
MOTA, Suetônio. Planejamento urbano e preser- Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo,
vação ambiental. Fortaleza: Edições UFC, 1981. 1., 2010, Rio de Janeiro.

Arquitetura e cidade: ensaios projetuais, análises urbanas e caminhos percorridos na Universidade Federal de Sergipe
98

7
Sarah Lúcia Alves França
Allan Juliano da Rocha Santos
Antônio Francisco dos Santos Neto

Introdução

COMO VAI A ZONA Aracaju tem sido alvo de intervenções urbanís-


ticas que comprometem a qualidade do espaço,
mento documental, bem como a elaboração de ta-
belas e mapas, a fim de traduzir espacialmente o

DE EXPANSÃO URBANA conduzidas pela ação do governo através de in-


vestimentos públicos e pela valorização de terra,
referido processo.

DE ARACAJU/SE? induzida pela indústria da construção civil.


A Zona de Expansão Urbana (ZEU), definida
1 Ocupação Urbana e Produção
habitacional: antes e depois
PRODUÇÃO pelo Plano Diretor como Zona de Adensamento
Restrito (ZAR), abrange o litoral sul do município,
do Plano Diretor

HABITACIONAL, onde estão implantados conjuntos populares, con-


domínios horizontais e verticais, loteamentos fe- Definida pela Lei Municipal de no 873 de 1982,

LEGISLAÇÃO chados que dirigem para esta área o crescimento a Zona de Expansão Urbana (ZEU) compreende
fragmentado do espaço. a 40% do território de Aracaju. Está localizada na

URBANÍSTICA, A inserção dessas novas tipologias habitacionais porção sul e tem como limites o rio Vaza Barris ao
tem acentuado a degradação ambiental, somada sul, o Oceano Atlântico a leste, o canal e bairro

JUDICIALIZAÇÃO à precariedade de infraestrutura, em especial, dre- Santa Maria a oeste e, ao norte, com os bairros
nagem e esgotamento sanitário, provocando sé- Aeroporto e Atalaia.

DE CONFLITOS rios conflitos ambientais. Essas ações acarretam a Ao longo dos anos, a ZEU apresentou cres-
produção do solo regida por uma legislação con- cimento ao longo das rodovias Inácio Barbosa

E ESTRATÉGIAS traditória que permite um adensamento imobiliário e Náufragos. As antigas ocupações rurais foram
semelhante a outras zonas urbanizadas, com preca- sendo substituídas por poucos loteamentos a par-

POLÍTICAS. O CENÁRIO rização das condições de vida dos moradores, prin- tir de 1982, e edificações de alto padrão desde os
cipalmente aqueles mais carentes. Diante disso, os anos 90. A segregação e fragmentação do espaço

NOS ÚLTIMOS ANOS1 Ministérios Públicos Estadual e Federal têm atuado ganharam maior força a partir de 2000, especial-
a fim de garantir a tutela dos direitos coletivos e do mente na porção norte, com a implantação dos
cumprimento do direito à cidade e à moradia. conjuntos habitacionais do Programa de Arrenda-
Diante disso, esta pesquisa tem como objetivo mento Residencial (PAR).
analisar entraves da produção urbana capitalista Além disso, a promulgação do Plano Diretor
1. Artigo produzido com base com pesquisa elabo- na ZEU em Aracaju, nos últimos 18 anos, como em 2000 permitiu, por meio de índices flexíveis,
rada pelos autores para Consultoria Técnica realizada materialização da atuação do Estado e do capital uma ocupação acelerada, principalmente na por-
em 2015, sob coordenação da Profa. Dra. Sarah Lúcia
imobiliário. Para tanto, foram realizados levanta- ção norte, contrariando o macrozoneamento que
Alves França.

Arquitetura e cidade: ensaios projetuais, análises urbanas e caminhos percorridos na Universidade Federal de Sergipe
99

determina a área como Zona de Adensamento capital imobiliário inseriu, de forma dispersa, 37
Restrito (ZAR), por apresentar malha dispersa condomínios fechados, em menor escala que
e descontínua e acentuado déficit ou ausên- os empreendimentos implantados pela Prefei-
cia de infraestrutura. Atrelado a isso, somam- tura. Entretanto, a partir de 2010, foi registrada
-se intervenções públicas, como a abertura de uma queda de cerca de 1/3 do total no perío-
vias (OBA e Amarela), a construção das orlas do anterior. A atuação combinada desses dois
de Aruana e Mosqueiro, que valorizaram a área agentes, nos últimos 24 anos, resultou em 84
e trouxeram, a reboque, uma diversidade de ti- empreendimentos habitacionais e cerca de 10
pologias habitacionais, como conjuntos, lotea- mil unidades, correspondendo a cerca de 10%
mentos e condomínios. do total em Aracaju (Figura 1 e Tabela 1).
Na década de 90, o mercado produziu 15 Quanto às tipologias, a diversidade é uma ca-
empreendimentos fechados, com tipologia hori- racterística marcante, especialmente de níveis
zontal, sendo a maioria, loteamentos fechados, sociais. Condomínios horizontais e verticais se
localizados, principalmente, às margens da fai- sobrepõem em termos quantitativos aos de-
xa litorânea. A partir de 2001, o Estado financiou mais, especialmente na porção norte, totalizan-
conjuntos habitacionais (sendo 17 do PAR e 3 do 5.164 residências em 45 empreendimentos.
do PMCMV), na porção norte. Nesta década, o No caso da oferta habitacional do Estado, que
Tabela 1: Zona de Expansão Urbana Empreendimentos e unidades habitacionais, 1990 - 2014

Empreendimentos Unidades Habitacionais

Período Estado Mercado Período Estado Mercado

1990 - 1999 0 15 1990 - 1999 0 1.477

Total 15 Total 1.477

2000 - 2009 20 37 2000 - 2009 3.353 3.050

Total 57 Total 6.403

2010-2014 4 8 2010-2014 1.252 637

Total 12 Total 1.889

Total 1990-2014 84 Total 1990-2014 9.769

Total Aracaju 865 Total Aracaju 111.492

% 9,71 % 8,76

Fonte: Elaboração Sarah França, 2018. Dados coletados em pesquisa de campo e na Coordenadoria de Urbanismo da Empresa Municipal de
Obras e Urbanização (EMURB)/PMA, 2014, 2015; CARVALHO, 2013; FRANÇA, 2011; MAIA, 2004; DINIZ, 2003; CEHOP, 2003; FRANÇA, 1997;
Google Earth; acervo Vera França; Visita em campo e entrevistas.

Arquitetura e cidade: ensaios projetuais, análises urbanas e caminhos percorridos na Universidade Federal de Sergipe
100

Figura 1: Zona de Expansão Urbana de Aracaju, Produção Habitacional, 1990-2014.


Fonte: Elaboração Sarah França, 2018.

Arquitetura e cidade: ensaios projetuais, análises urbanas e caminhos percorridos na Universidade Federal de Sergipe
101

corresponde ao bairro 17 de Março (construído ses dados indicam um ganho de mais-valia de


para abrigar famílias de 0 a 3 salários mínimos), R$186.000,00 e um acréscimo de 2.091%. “Isso
somado aos loteamentos residenciais do PAR explica a razão da procura pelos detentores do
e condomínios verticais do PMCMV, totalizando capital, permitindo a aquisição de vários lotes
4.605 moradias, inferior à oferta do capital pri- que serão comercializadas por preços compa-
vado (Tabela 1). tíveis com as condições dos futuros clientes”
Essa mescla de tipologias habitacionais e de (ibid, p.84). Hoje, segundo pesquisas, em fun-
classes sociais foram, de fato, financiadas pelo ção das determinações do Ministério Público
Estado e articuladas, juntamente, com agentes Estadual, o valor declinou diante das reduzidas
imobiliários que contribuíram para a transformação possibilidades construtivas, consequentemente
espacial. Esse entrelaçamento remodela o tecido desinteressando o capital de atuar na ZEU.
urbano como uma “colcha de retalhos”, em que al- Nota-se que a ZEU é resultado de uma expan-
gumas áreas são “esquecidas”, para posterior va- são dispersa, sendo marcada por duas deman-
lorização através da implantação de infraestrutura. das: grandes extensões de terra desocupada,
O alto valor da terra em áreas urbanizadas é que só existem fora do núcleo urbano; e a aces-
um fator de dificuldade, a depender do produto sibilidade e serviços urbanos, balizadores do
imobiliário a ser trabalhado. Essa questão auxilia preço do lote: quanto mais fácil o deslocamento
na compreensão da escolha da localidade para às áreas centrais, maior é seu preço. Quanto
construção de empreendimentos que demandam maior a presença de infraestrutura e equipa-
dimensões maiores, como grandes conjuntos mentos públicos, mais sobe a valorização.
para moradia popular. Por outro lado, também
foram inseridos condomínios fechados, atenden-
2 O Plano Diretor e sua função
do famílias de renda mais elevada que buscam
de incentivador de expansão para ZEU
residência para veraneio e finais de semana, em
locais privilegiados, com a presença de ameni-
dades naturais no seu entorno (FRANÇA, 2016). Na Zona de Adensamento Restrito, ZAR (equi-
A variação do valor da terra na ZEU tem valente à grande parte da Zona de Expansão
acrescido nos últimos anos. França (2011) ava- Urbana, estabelecida pela Lei Municipal de De-
liou que, em 2004, o preço de um lote de 270 limitação de Bairros no 873/1982), cujo conceito
m2 no Portal do Atlântico, localizado às margens refere-se ao déficit de infraestrutura e presença
da Rodovia dos Náufragos, próximo à entrada de restrições ambientais, foram licenciados 67
do Povoado Areia Branca, era de R$8.900,00. empreendimentos (12% do total), quantidade
Em 2011, custava em média R$40.000,00 e, superior àquela da ZAB 1 e ZAP. O interesse
atualmente, o valor varia entre R$130.000,00 e do mercado imobiliário aumentou em função do
R$200.000,00 a depender da localização. Es- baixo valor da terra, comparado aos similares,

Arquitetura e cidade: ensaios projetuais, análises urbanas e caminhos percorridos na Universidade Federal de Sergipe
102

pela paisagem ambiental e proximidade aos ele- social da cidade. Esses índices são considera-
mentos naturais e às áreas mais valorizadas das dos muito altos para a realidade urbana, per-
zonas leste e sul, como os bairros 13 de Julho, mitindo cada vez mais a ocupação acirrada e
Jardins e Atalaia (Figura 2 e Tabela 2). o adensamento de áreas sem infraestrutura
O grande entrave da ZAR é o antagonismo (FRANÇA, 2016).
entre legislação urbana e realidade, em função Importante apontar que a legislação e as de-
dos índices urbanísticos elevados, que benefi- terminações judiciais têm grande papel na pro-
ciam os agentes produtores da moradia, des- dução do espaço urbano, em especial, na ZEU.
considerando a capacidade do saneamento Três momentos foram relevantes, no tocante
básico (esgotamento sanitário e especialmente ao licenciamento de empreendimentos. O pri-
da drenagem). A permissividade das normas meiro, foi um ápice que ocorreu em 2004, ano
para indução ao parcelamento do solo é signifi- que antecedeu o início das discussões partici-
cativa, tendo em vista o coeficiente de aprovei- pativas do processo de revisão do Plano Diretor
tamento máximo até 3,5, a taxa de permeabili- de Desenvolvimento Urbano. O segundo foi em
dade mínima 5% e taxa de ocupação máxima 2009, quando esta lei foi encaminhada para a
de 90% (FRANÇA, 2011). Câmara dos Vereadores, após as revisões no
A aplicação de tais índices interferiu decisi- Conselho Municipal de Desenvolvimento Urba-
vamente na configuração urbana atual, apon- no. Por fim, a partir de 2011, se observa uma
tando incentivos e restrições para ocupação do queda da oferta de unidades habitacionais, em
território e do uso do lote, traduzindo a função

Tabela 2: Aracaju, Produção Habitacional, Empreendimentos e Unidades Habitacionais por Zonas de Adensamento,
2000 - 2014

Área
% Empreendimentos %
(km2)

ZAB 1 21,81 13,34 37 7,13


ZAB
ZAB 2 53,06 32,46 365 70,32

ZAP 8,89 5,46 50 9,63

ZAR 79,67 48,74 67 12,92

Total 163,45 100 519 100

Fonte: Elaboração Sarah França, 2016. Dados coletados em pesquisa de campo e na Coordenadoria de Urbanismo da Empresa Municipal de
Obras e Urbanização (EMURB)/PMA, 2015; Prefeitura Municipal e Governo do Estado; Dados fornecidos pela CAIXA (2009; 2015).

Arquitetura e cidade: ensaios projetuais, análises urbanas e caminhos percorridos na Universidade Federal de Sergipe
103

Figura 2: Aracaju, Produção Habitacional X Macrozoneamento, 2000-2014.


Fonte: Elaboração Sarah França, 2016.

Arquitetura e cidade: ensaios projetuais, análises urbanas e caminhos percorridos na Universidade Federal de Sergipe
104

função da Ação Civil do Ministério Público, a ser Vereadores. Enquanto isso, em meio a tantas
abordada no item seguinte (Gráfico 1). idas e vindas desse processo que não teve um
A partir de 2014, a promulgação da Lei no fim, Aracaju continua fragilmente regida por
132, restringiu o gabarito de altura das edifica- uma combinação do Plano Diretor de 2000 de-
ções na ZEU para até dois pavimentos (térreo satualizado e ineficiente para garantia do direi-
mais um piso), diminuindo, o interesse do capi- to à cidade. Isso contribui, cada vez mais, para
tal em investir ali, desvalorizando seus terrenos, agravar a situação da cidade, em especial, da
segundo entrevista com um empresário incor- Zona de Expansão Urbana e para o distancia-
porador de terras. Assim, para os incorporado- mento da verdadeira qualidade de vida.
res, a estratégia da gestão municipal em organi- De fato, é pertinente afirmar que urbanização
zar o aparato legislativo resultou numa “perda” dispersa resultante da inserção fragmentada dos
no tocante às áreas apropriadas pelo mercado. empreendimentos, permitida pela legislação vi-
Em 2015, o Poder Executivo retomou as gente, tem trazido sérios transtornos à popula-
discussões da revisão do Plano Diretor, mas o ção. Verifica-se que a ineficácia do cumprimento
Projeto de Lei não foi entregue à Câmara dos efetivo do Plano Diretor, entre outras leis, tem
Zona de Expansão Urbana
Gráfico 1: Zona de Expansão, Unidades Habitacionais.
Unidades2000-2014.
Habitacionais
2000-2014
1600

1436
1400

1200 1159

1000 954

815
800
706 720

600
475
443
403 384
400
300
236
187
200
74
0
0
2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014

Fonte: Elaboração Sarah França, 2016. Dados coletados em pesquisa de campo e na Coordenadoria de Urbanismo da Empresa Municipal de
Obras e Urbanização (EMURB)/PMA, 2015.

Arquitetura e cidade: ensaios projetuais, análises urbanas e caminhos percorridos na Universidade Federal de Sergipe
105

prejudicado essa ocupação, devido a não imple- gem. Entretanto, por indisponibilidade de recur-
mentação de algumas diretrizes, sobretudo refe- sos, somente em 2007, mediante intervenção e
rente à macrodrenagem (FRANÇA, 2016). obrigatoriedade do Ministério Público Estadual,
foi contratado o Projeto Executivo de implan-
3 Conflitos ambientais e Judicialização tação do Sistema de Micro e Macrodrenagem
da ZEU: a força do Ministério Público da Zona de Expansão. Esse estudo apontou
a urgência para estruturação da macrodrena-
gem dos bairros Aeroporto, Atalaia e na área da
Os variados elementos naturais, em especial Aruana, no entorno dos canais Beira Mar e Cos-
dunas, faixa oceânica e lagoas de drenagem ta do Sol, com obras iniciadas no final de 2011,
(ao longo das margens da Rodovia dos Náufra- além da dragagem do canal Santa Maria (Etapa
gos de norte a sul), fazem parte do cenário e o 2). Aguarda-se a execução do projeto referente
valorizam de forma paradoxal. Entretanto, a de- à Etapa 3, que corresponde à porção sul.
gradação do ecossistema tem sido frequente, A questão do esgotamento sanitário e dre-
especialmente naquelas áreas com drenagem nagem foi alvo de outras discussões judiciais,
interrompida, em função dos aterramentos. Na na tentativa de garantir os direitos do cidadão
temporada de chuvas, as águas pluviais não quanto ao acesso aos serviços de forma iguali-
têm saída, inundando residências e provocando tária e equilibrada. Assim, a população da Zona
graves transtornos e danos à população. de Expansão buscou auxílio junto ao Ministério
De maneira fortemente acirrada, isto ocorre Público Estadual para resolver este problema,
na ZEU, devido à baixa saturação do solo, crian- o que ocasionou a assinatura de um Termo de
do áreas pantanosas e depressões encharca- Ajuste de Conduta (TAC) em 2006, junto à ADE-
das entre cordões arenosos, que se misturam MA, definindo critérios para licenciamento am-
aos dejetos sanitários e invadem ruas e casas biental na ZEU, o que não foi efetivado pelos
(FRANÇA, 2011). A necessidade de construção órgãos responsáveis (FRANÇA, 2011).
de canais superficiais por onde escoarão a dre- Após enchentes decorrentes das chuvas de
nagem das águas pluviais, garantirá manuten- 2009, sérios estragos foram vistos em diversos
ção das condições ambientais. Isso evidencia pontos da ZEU, principalmente nos mais adensa-
o delicado panorama ambiental e sinalizam a dos. Neste mesmo ano, o Ministério Público Fede-
necessidade de planejamento, controle do uso ral convocou empresas da construção civil, CAIXA,
do solo e apropriação da área, sobretudo que Prefeitura, Companhia Estadual de Saneamento
interfere no quesito drenagem. de Sergipe (DESO), Petrobrás, Estado de Sergipe
Em virtude desse cenário, desde 2002, a Pre- (ADEMA), e Procuradoria da União para intervir.
feitura iniciou discussões sobre a necessidade Segundo França (2011), a ADEMA não está
de elaborar um projeto para resolver a drena- autorizada a licenciar construções até que se esta-

Arquitetura e cidade: ensaios projetuais, análises urbanas e caminhos percorridos na Universidade Federal de Sergipe
106

beleça a adoção de uma solução compatível com laia, Coroa do Meio e Farolândia, voltados para
a futura macrodrenagem, pois o sistema de esgo- o segmento de renda média (FRANÇA, 2016).
tamento fossa-sumidouro adotado é incompatível Nos últimos anos, após acordos através do
com as características ambientais. À Prefeitura Termo de Ajustamento de Conduta (TACs), a Jus-
Municipal foi solicitado que se inicie imediatamen- tiça liberou alguns condomínios que obedeciam
te o plano de macrodrenagem geral de todas as às condicionantes ambientais (esgotamento sa-
bacias independentes da zona. À DESO foi re- nitário e drenagem) estabelecidas em função da
querida a realização do projeto de implantação de pressão do mercado imobiliário para construir.
esgotamento sanitário para a área, dando ênfase Roberto Santos afirma em seu blog que após
àquelas afetadas, e à CAIXA que não financie e essa deliberação3, verificou-se que as “constru-
nem inaugure novos empreendimentos do Pro- toras continuam fazendo obras na Zona de Ex-
grama de Arrendamento Residencial (PAR), antes pansão sem qualquer intervenção de saneamen-
de sanarem esses problemas. (JUSTIÇA FEDE- to básico, mobilidade urbana e invadindo as ruas
RAL DO ESTADO DE SERGIPE, 2009, p.9-10). do bairro que já são encurtadas”4. Entretanto,
Esse conflito atingiu “a saudável qualidade de os órgãos municipais e a Justiça Federal5 foram
vida, a saúde e o bem-estar dos moradores em responsáveis pelo licenciamento de doze em-
razão do desequilíbrio ambiental causado pela preendimentos, entre 2010 e 2014 (dentre eles,
ocupação mal planejada e pelo adensamento aqueles financiados pelo Programa Minha Casa
populacional” (JUSTIÇA FEDERAL DO ESTA- Minha Vida e os demais do capital privado), além
DO DE SERGIPE, 2009 apud FRANÇA, 2011, do recente anúncio de um shopping center.
p.158). De fato, a Ação Civil Pública (ACP2), as- Sobre a situação da ZEU, um morador escre-
sinada em junho de 2009, determinou bloqueio veu em um jornal local, declarando ser, ali, uma
temporário de licenciamento, construção e inau- zona de “negligência”, pois
guração (Habite-se) de quaisquer empreendi-
3. Esclarecendo a decisão liminar proferida, a pedido da Pre-
mentos na ZEU. feitura Municipal de Aracaju, foi decidido que: a) não podem ser
Com essa deliberação, o mercado buscou no- emitidos alvarás de construção ou outros atos administrativo para
uso e ocupação do solo relativos a nenhum novo empreendimen-
vos espaços, alterando a estrutura urbana, crian- to, ainda que esteja de acordo com as exigências contidas no
TAC, só podendo ser expedidos tais documentos em relação aos
do novos produtos imobiliários e conduzindo a
empreendimentos que já estivessem em andamento antes da
expansão para áreas mais consolidadas. Em concessão da liminar e desde que estivessem em observância
às exigências do TAC firmado com o MPF e o MP/SE, conside-
2011 e 2012, reduziu-se a escala dos empreen- rando-se novo empreendimento aquele cujo requerimento admi-
dimentos, aumentando o licenciamento de con- nistrativo de concessão de licença tenha sido protocolado junto
à EMURB após a decisão liminar proferida (12/06/2009). (Dispo-
domínios de casas duplex nos bairros Luzia, Ata- nível em <www.sergipenoticias.com/2014/11/zona-de-expansao-
-nota-de-esclarecimento.html> , Acessado em 24.jan.2015)

2. Processo no 2009.85.00.002637-9/ Ação Civil Pública 4. Disponível em http://eitacola.blogspot.com.br/2012_01_01_


(0002637-41.2009.4.05.8500) de autoria do Ministério Público archive.html, Acessado em 26.jan.2015
Federal. A Juíza Federal concede decisão e penalização aos 5. Conforme esclarecimentos da então diretora da COURB/
réus, em 12/06/2009. EMURB, a arquiteta Ana Lucy Catanhede Neri, em 2015.

Arquitetura e cidade: ensaios projetuais, análises urbanas e caminhos percorridos na Universidade Federal de Sergipe
107

Ibama, Adema, MPF, MPE e Prefeitura rodovia e da faixa oceânica onde estão os 43
de Aracaju erraram feiamente. Proibir bares, em área pertencente à União.
novos empreendimentos para o futuro
por ali, vá lá, é acertado, mas não corrige As barracas “se deterioraram e as condições de
o erro do passado. Tudo agora passa a saneamento ambiental eram mais que problemá-
ser muito mais caro para fazer as coisas ticas. Posteriormente, o Ministério Público exigiu a
dentro de um rigor de saneamento que
aquela zona necessita para, em vez de sua retirada, o que gerou polêmica por parte dos
expansão, ela não seja de negligência6 . donos de bares” (ibid., p.126). Esse entrave levou
a Prefeitura, por exigência de Ação Civil Pública
Na tentativa de equalizar os prejuízos, a ges- (ACP), a elaborar um projeto de grande complexi-
tão municipal foi obrigada, mediante cumpri- dade urbana e ambiental. Seguindo as determina-
mento da Ação Civil Pública (ACP), a adotar me- ções do Governo Federal quanto ao Projeto Orla,
didas emergenciais e paliativas para solucionar uma deliberação da Justiça, em 2009, obrigou “a
esses entraves, tendo que elaborar estudos e derrubada de toda ocupação fixada em área de
contratações para a construção do esgotamento proteção ambiental e que operara sob condições
sanitário (obra em andamento) da porção norte insalubres de esgotamento sanitário durante to-
da ZEU, beneficiando futuramente, milhares de dos esses anos” (ibid.). Inaugurado em 2010, o
moradores e, consequentemente, proprietários projeto contemplou a construção de 17 quiosques,
fundiários ao valorizar o solo (FRANÇA, 2011). estacionamento, ciclovia, esgotamento sanitário,
Assim, no tocante à infraestrutura, observa- “banho doce” e passarela de acesso à praia, re-
-se que a Prefeitura e o Governo do Estado de- sultando em um novo espaço de atratividade de
senvolveram obras utilizando recursos próprios lazer (FRANÇA, 2011; 2016).
e de convênios e empréstimos realizados junto
ao Governo Federal e de financiamentos exter-
4 Novas políticas para ZEU:
nos. Entretanto, o cenário ainda é de insuficiên-
gestão pública proporcionando o direito
cia e merece continuidade no planejamento para
à cidade ou norteando interesses privados
acesso de toda população a esses serviços.
Outro entrave judicial, resultou no projeto de
Reurbanização da Orla da Praia de Aruana7, na Atendendo ao pleito do planejamento e da
Rodovia Inácio Barbosa, que tinha o objetivo de garantia do direito a melhores condições de vida
interligar a Orla de Atalaia à região do Lotea- para os moradores da ZEU, a Prefeitura Muni-
mento Aruana, através da continuidade desta cipal, através da Empresa Municipal de Obras
6. Disponível em <www.infonet.com.br/cultura/ler.as-
e Urbanização (EMURB) , em 2013, contratou
p?id=86287>. Acessado em 25.jan.2015 o escritório Jaime Lerner Arquitetos Associados
7. A área foi objeto de um longo processo de ações e conflitos Ltda. para elaborar um estudo para a zona, de-
ambientais, a partir de 1999, com o Projeto de Urbanização e pros-
seguimento da SE-100, trecho Orla / José Sarney/ Praia de Aruana. nominado Diretrizes de Ocupação Urbana do

Arquitetura e cidade: ensaios projetuais, análises urbanas e caminhos percorridos na Universidade Federal de Sergipe
108

Mosqueiro. Este, por sua vez, traz propostas ur- gurança, iluminação, presença de mais turistas,
banísticas abordando aspectos como transpor- maior renda e, com esse espaço, poderei abrir
te coletivo e sistema viário, meio ambiente, uso o bar também de noite. Estou satisfeita. É uma
consciente do solo e macrodrenagem. boa iniciativa do Governo do Estado”9.
Vale ressaltar que esse estudo não envolveu É verdade que a realização de intervenções
a comunidade atendida, sem utilizar-se de reu- urbanísticas valoriza os terrenos do entorno
niões ou audiências públicas como instrumentos através do financiamento público, com recursos
de participação popular e democratização dos oriundos dos impostos pagos pela coletividade
planos e projetos na esfera da gestão pública. e expulsa as famílias de moradores com me-
Assim, é relevante apontar o gasto de recursos nor renda. Além disso, a população da ZEU é
públicos para elaboração de um plano que não posta em segundo plano, diante do ponto alvo
envolveu, nas discussões e decisões, a socie- do projeto ser o turista. Por fim, lamenta-se que
dade aracajuana e, em especial, os moradores nenhum desses projetos oriundas da gestão
da ZEU, que serão os mais atingidos. A vonta- municipal e estadual, tocam, efetivamente, nas
de política aqui se sobrepôs às determinações principais feridas da zona, que se constituem
da legislação federal (Estatuto da Cidade) e do em infraestrutura e fragilidade ambiental.
Plano Diretor que estabelecem a importância e
obrigatoriedade de interlocução da população Algumas breves considerações...
nas decisões a cerca dos problemas da cidade.
Outra intervenção em andamento é o Projeto
Orla Sul - Adequação urbanística e ambiental A produção do espaço da Zona de Expan-
das praias do Litoral Sul, capitaneado pelo Go- são, com sua localização privilegiada, se
verno do Estado e respaldado pelo Projeto Orla, caracterizou de forma fragmentada, resultando
do PRODETUR e financiamento do Banco In- uma série de entraves que a população tem vi-
ternacional de Desenvolvimento ( BID ), prome- venciado cotidianamente. As manchas isoladas
te “melhorar praias de Aracaju”, segundo infor- e interrompidas por grandes vazios têm trazido
mações da referida gestão8. A orla, com 17km problemas para deslocamentos, pois não dis-
de extensão, que está sendo alvo de estudos põem de acessibilidade capaz de atender as ne-
e propostas projetuais, prevê solucionar aspec- cessidades dos seus moradores de menor ren-
tos de acessibilidade, limpeza, iluminação, pai- da que ocupam os locais de mais difícil acesso.
sagismo, segurança, espaços de lazer e para Surgiram novas tipologias habitacionais fe-
turistas, adequação dos bares, renda etc. Uma chadas, afastadas do centro, cercadas, muitas
das beneficiadas assegura: “Teremos mais se- vezes, por áreas de preservação, e protegidas
por grandes muros, que interrompem o sistema
8. Disponível em <www.agencia.se.gov.br/noticias/gover-
no/prodetur-projeto-orla-sul-vai-melhorar-praias-de-aracaju>. 9. Disponível em <http://blogdomax.net/noticias/governo-vai-con-
Acessado em 31.março.2018 struir-nova-orla-em-aracaju>. Acessado em 31.março.2018

Arquitetura e cidade: ensaios projetuais, análises urbanas e caminhos percorridos na Universidade Federal de Sergipe
109

viário e segregam áreas de verdes e de lazer. A participativo, a ser considerado através da revi-
inclusão de um grande volume de empreendi- são da Lei do Plano Diretor. É do que mais os
mentos tem se tornado sinônimo do acirramen- aracajuanos precisam, no tocante à real garan-
to dos conflitos ambientais, como inundações tia do direito à cidade.
recorrentes. Embora extensa e com enormes
vazios, a área não apresenta possibilidades de
Referências
suportar a demanda, em virtude da deficiência
de infraestrutura e de saneamento básico.
De fato, a extensão territorial da ZEU e a sua
ARACAJU. Lei no 42 de 06 de outubro de 2000.
baixa densidade exigem volumosos recursos
Institui o Plano Diretor de Desenvolvimento
para dotação de infraestrutura, o que se cons-
Urbano de Aracaju e dá outras providências.
titui numa dificuldade para o Governo, que não
Aracaju, SE. 06 de outubro de 2000.
acompanha a dinâmica de expansão da cidade,
exigindo da população grandes deslocamentos BRASIL. JUSTIÇA FEDERAL DO ESTADO
e custos elevados para sobrevivência. DE SERGIPE. Sentença Judicial. Proc. n°
Entretanto, essa tendência de crescimento 2009.85.00.002637-9. Ação Civil Pública. Ara-
foi, nos últimos anos, escoltada pelo Plano Dire- caju, 12 jun. 2009a.
tor que, com seus instrumentos permissivos ao FRANÇA, Sarah Lúcia Alves. A produção do
adensamento, proporcionou a formação de um espaço na Zona de Expansão de Aracaju/SE:
espaço desigual. A denominação de Zona de dispersão urbana, condomínios fechados e
Adensamento Restrito (ZAR), no macrozonea- políticas públicas. 2011. Dissertação (Mestra-
mento, acompanhado de índices urbanísticos do em Arquitetura e Urbanismo) - Universidade
que não condizem com o real cenário da zona, Federal Fluminense. Niterói: 2011.
agravaram a relação entre ocupação, infraes-
_____________. Estado e Mercado na produ-
trutura, mobilidade e condições ambientais.
ção contemporânea de habitação de Araca-
De fato, a Zona de Expansão Urbana é re-
ju-SE. 2016. Tese (Doutorado em Arquitetura e
sultado de uma dinâmica conflitante, com for-
Urbanismo). Universidade Federal Fluminense.
te atuação do mercado imobiliário e do Esta-
Niterói: 2016.
do, que se reflete em sérios entraves para os
seus moradores, especialmente no tocante às PREFEITURA MUNICIPAL DE ARACAJU; FRAN-
condições impróprias de escoamento pluvial e ÇA, Sarah Lúcia Alves França. Diagnóstico de
ausência de macrodrenagem. Necessita-se, as- Ocupação da Zona de Expansão Urbana (ZEU)
sim, de um planejamento contínuo, integrado e de Aracaju/SE – Produto 1. Aracaju: PMA, 2015.

Arquitetura e cidade: ensaios projetuais, análises urbanas e caminhos percorridos na Universidade Federal de Sergipe
110

8
Érika Laíse de Santana Ramalho
Lygia Nunes Carvalho

Introdução

O tema a ser tratado neste capítulo são as trans- urbanismo, compreender a morfologia urbana da-
formações urbanas do Bairro América (Aracaju- quele espaço. O estudo morfológico de um espaço
SÍNTESE DAS -SE), a partir da teoria da morfologia urbana. Este analisa a configuração e a estrutura deste, relacio-
trabalho é derivado de uma pesquisa maior e mais nando-as com os eventos que lhe deram origem,
TRANSFORMAÇÕES detalhada. Desta forma, o que se apresenta aqui ajudando a explicar a paisagem e a forma urbana
é a síntese de um estudo mais amplo das transfor- existentes (LAMAS, 2004).
URBANAS NO mações urbanas ocorridas naquele espaço. Para este estudo, foi necessária a pesquisa em
Diante da expansão urbana aracajuana, a área es- livros, teses, jornais e fotografias que contassem
BAIRRO AMÉRICA tudada, embora faça parte do processo geral, quan- a história e contivessem informações sobre o bair-
do analisada mais cuidadosamente, apresenta suas ro América. Foram levantados, principalmente em
EM ARACAJU/ especificidades. Por isso decidiu-se elaborar uma órgãos públicos, dados, mapas, arquivos e foto-
análise, para melhor compreendê-la, e, a partir dis- grafias, que foram fundamentais para analisar as
SE: UM ESTUDO so, produzir material para estudos, intervenções e mudanças ocorridas, sendo, posteriormente, ava-
até mesmo para composição da memória urbana da liados e sintetizados, formando a análise deste pro-
MORFOLÓGICO1 cidade. O trabalho também pretende ajudar a com- cesso de urbanização. Este processo foi dividido
preender/visualizar um processo de desperiferização. em nove períodos de tempo, considerando acon-
A área escolhida se originou, enquanto espaço tecimentos relevantes e o avanço da ocupação.
urbano, numa área rural da periferia de Aracaju e A periodização se encerra com uma avaliação
é atualmente parte da malha consolidada do mu- da área no momento presente. Para isto, foram
nicípio. Assim, pergunta-se: de que forma se deu feitas visitas ao local, com diferentes percursos,
seu processo de desperiferização? De que manei- dias e horários, que permitiram observar, analisar
ra sua conformação aconteceu? e fotografar o bairro. Estes percursos foram fun-
A partir destes questionamentos, analisou-se damentais para a construção deste produto. Por
como se deram as ocupações em cada período e fim e a partir disto, foram criados textos, imagens,
espaço; observou-se quais foram seus agentes de mapas e outros produtos gráficos que explicam a
produção e foram demonstradas a relevância e a conformação do bairro.
1. Artigo produzido com base no Trabalho de influência das peculiaridades que tenham sido de- Uma síntese de todos esses períodos e trans-
Conclusão de Curso intitulado “Origem e Trans-
formações: Uma Análise da Morfologia Urbana finidoras de sua morfologia no momento de origem formações será apresentada em seguida. Ressal-
do Bairro América, Aracaju/SE”, elaborado por ou no decorrer de sua existência. va-se que o trabalho completo de monografia é
Érika Laíse de Santana Ramalho sob orientação
A metodologia de análise espacial foi escolhida composto por muito mais informações e imagens,
da Profa. M.a. Lygia Nunes Carvalho, apresen-
tado e aprovado em abril de 2017, no Departa- a partir da leitura de Del Rio (1990), já que perce- apresentando a urbanização desse bairro de ma-
mento de Arquitetura e Urbanismo da Universi- beu-se que seria produtivo, do ponto de vista do neira detalhada.
dade Federal de Sergipe.

Arquitetura e cidade: ensaios projetuais, análises urbanas e caminhos percorridos na Universidade Federal de Sergipe
111

1 Urbanização do Brasil:
Periferias e agentes de produção

Quando falamos no processo de urbaniza- de.” Algumas destas periferias receberam, com
ção, dois fatores se destacam como impulsio- o passar do tempo, infraestrutura e passaram
nadores: a crise no campo e a industrialização por regularização fundiária, ou seja, foram urba-
crescente. Até o fim do século XIX, era na zona nizadas. Este processo de desperiferização se
rural que parte significativa da população re- dá através de ações dos próprios moradores, ao
sidia, já que era lá que existiam as ofertas de melhorarem suas residências e oferecerem ser-
emprego. Apenas a partir do final do século XIX viços e comércio enquanto fonte de renda, ou
é que a urbanização começa a crescer no país, se através de pressão sobre o Estado para que a
consolidando após a Segunda Guerra Mundial. infraestrutura chegue ao local (CORREA, 1995).
A transição do Brasil de um país rural para O agente é o responsável pela ação, por gerar
um urbano deu-se de maneira rápida e intensa algo. Nesse caso, tratamos do espaço urbano,
(SANTOS, 1988, p. ...). Assim, mesmo quando ou seja, daquele que de alguma forma influen-
o Estado fez uso do planejamento urbano, es- ciou na formação e ou expansão da cidade. O
tas cidades, ou expansões delas, ou não foram resultado da intervenção do agente, somado à
construídas conforme o projeto, ou precisaram localização e ao período em que a urbanização
ser modificadas, logo após a sua construção. da área acontece, gera uma malha que carrega
A desigualdade socioespacial é característi- em si características relacionadas a estes fato-
ca do processo de urbanização brasileiro, que res (CORRÊA, 2011)3. Na sociedade capitalista,
gera espaços periféricos. Tomemos a definição o solo tem um valor, é tratado como mercado-
de Borges2 e Rocha (2014, p.383) para enfa- ria e utilizado como fonte de lucro. Assim, uns
tizar que a periferia é “tomada por uma cono- por não possuir capital suficiente e outros pela
tação tanto física quanto social, que se configura ambição do lucro máximo, de alguma, maneira
como um espaço degradado em um ambiente moldam a estrutura urbana.
que reflete uma inclusão perversa à urbanida-
2. BORGES, William Antônio; ROCHA, Marcio Mendes.
A compreensão do processo de periferizaçao urbana no 3. CORRêA, Roberto Lobato. Sobre agentes sociais, es-
Brasil por meio da mobilidade centrada no trabalho. Geo- cala e produção do espaço: Um texto para discussão. In:
grafia, Rios Claros, v. 3, n. 29, p.383-400, dez. 2004. CARLOS, Ana Fani Alessandri; SOUZA, Marcelo Lopes
Disponível em: <http://www.nemo.uem.br/artigos/a_com- de; SPOSITO, Maria Encarnação Beltrão (Org.). A produ-
preensao_do_processo_de_periferizacao_borges_e_ro- ção do espaço urbano: Agentes e processos, escalas
cha.pdf>. Acesso em: 11 set. 2016. e desafios. São Paulo: Contexto, 2011. Cap. 2. p. 41-51.

Arquitetura e cidade: ensaios projetuais, análises urbanas e caminhos percorridos na Universidade Federal de Sergipe
112

2 Morfologia urbana:
conceito e relevância

A morfologia urbana é, em geral, uma análi- passou a se desenvolver, guiada pelos seus di-
se da forma física dos espaços. Esses estudos versos agentes e interesses.
são instrumentos importantes tanto para en- Nos seus primeiros cinquenta anos, a capital
tender a produção de um espaço quanto para teve uma ocupação concentrada no quadrado
gerar diretrizes para o planejamento urbano. É de Pirro, ocupando aproximadamente trezentos
através da leitura e do cruzamento de diferen- metros para oeste. A população pobre, porém,
tes dados que se faz possível perceber a estru- cresceu em espaços fora desta delimitação
tura urbana e extrair disto explicações sobre a (LOUREIRO,1983).
área em questão. Nas três primeiras décadas do século XX, a
Dentro da morfologia urbana existe o concei- cidade recebeu vários serviços públicos (SOU-
to de ‘paisagem urbana’, que é a aparência ge- ZA, 2005), sendo que a maioria desses servi-
rada pelo conjunto dos elementos morfológicos, ços ficou restrito apenas à área central. Ocorreu
ou seja, é a imagem da morfologia urbana. “A ainda a implantação da ferrovia (1914) e de ou-
paisagem urbana registra um momento, e reve- tros equipamentos urbanos, dentre os quais, a
la [...]: o que é real, representativo e perceptível Penitenciária Modelo (1926), localizada no que
e que a desigualdade pode ser observada na viria ser o bairro América. Desde esse momen-
diferença de cores, no traçado das ruas e tam- to, Aracaju já possuía uma estrutura espraiada,
bém através do movimento de pessoas” (CAR- era muito extensa, mas com grandes vazios ur-
LOS, 2015, p. 35). banos que seriam ocupados apenas na década
de 1930 (RIBEIRO, 1984).
3 Urbanização de Aracaju: da origem à Por conta de fatores produtivos e com a ex-
ocupação do bairro América pansão das rodovias, ferrovias e das mudanças
no sistema de transporte, o porto de Aracaju en-
trou em decadência, assim, passou-se a ocupar
Sendo criada como nova capital para o esta- a cidade de maneira diferente; no sentido do
do de Sergipe, Aracaju nasceu nesse contexto novo eixo rodoviário, a oeste (RIBEIRO, 1984).
de mudanças econômicas e no qual também A partir da década de 50, os movimentos
surgiu a necessidade de um porto no litoral. A migratórios cresceram, e estas pessoas re-
cidade, que teve seu início projetado, também cém-chegadas fixaram-se principalmente nos
fugiu aos limites do planejamento, restrito e ex- bairros América, Cidade Nova, Palestina, Barro
tremamente despreparado para a expansão, Vermelho e Matadouro (NOGUEIRA, 2004).

Arquitetura e cidade: ensaios projetuais, análises urbanas e caminhos percorridos na Universidade Federal de Sergipe
113

4 Síntese das transformações


urbanas do bairro América

4.1 O entorno

O bairro América está localizado na zona sentido leste-oeste. No que se trata apenas desta
Oeste de Aracaju e seus limites (Figura 1) são: região, as ruas Acre e Rio Grande do Sul são de
ao norte, com o bairro Novo Paraíso; ao sul, grande fluxo e conexões. É nessas vias que se
com Ponto Novo; ao leste, com Siqueira Cam- distribuem os mais variados comércios e serviços.
pos e a oeste, com Capucho e Jabotiana. Dentro do seu perímetro, o bairro é cortado
Duas das vias de acesso para outros municí- por uma larga avenida, de amplo fluxo, o que
pios estão nas proximidades, como é o caso da acaba se tornando uma barreira entre os espa-
Av. Chanceler Osvaldo Aranha e da Av. Marechal ços que ela divide. A autora acredita que o espa-
Rondom. Além disso, o próprio limite do bairro é ço ao sul do bairro se tornou isolado do bairro,
a Avenida Trinta e um de Março, continuação da fazendo com que a parte norte se relacionasse
Avenida Tancredo Neves, que corta a cidade no de maneira comunitária com o Novo Paraíso. A

Figura 1: Localização do Bairro América


Fonte: Base Cartográfica, PMA/SEPLOG 2016. Elaborado por Érika Ramalho, 2018.

Arquitetura e cidade: ensaios projetuais, análises urbanas e caminhos percorridos na Universidade Federal de Sergipe
114

divisão entre os bairros não é concreta na reali- ro. Ao longo da ocupação, perceberemos como
dade e parece funcionar apenas nos mapas; na a topografia afetou diretamente na construção
leitura da população Aracajuana, o Novo Paraí- e formas de alguns edifícios, como influenciou,
so é parte do bairro América4. também, na determinação das funções de al-
No limite entre o Capucho e o América se in- guns espaços, e até como ela chegou a ser bar-
serem equipamentos essenciais para o estado, reira em alguns pontos. Em realidade, o bairro
como o Terminal Rodoviário Gov. José Rollem- é inteiramente cortado por diferentes níveis to-
berg Leite. Além disso, é intensa a presença de pográficos (Figura 2), o que faz com que a todo
órgãos públicos, como o Fórum Gumersindo momento se encontrem aclives e declives
Bessa. Esses equipamentos impactam no uso
do solo no local, trazendo a necessidade de 4.3 1925 até 1940: A penitenciária
construções de pousadas e de restaurantes. e as ocupações espontâneas
O Siqueira Campos cumpre papel de subcen-
tro, pois oferta diferentes tipos de lojas e servi-
ços, além da ampla área residencial. As ruas Em 1926, foi decretada a abertura da Peni-
Acre, Mariano Salmeron e Bahia, os arredores da tenciária Modelo no alto da Pindoíba. Além de
Praça Dom José Thomaz e as Avenidas Augusto ser a primeira construção a diferir dos sítios
Franco e São Paulo oferecem diversos tipos de existentes, foi, também, a primeira razão para o
empreendimentos, tais quais lojas, que vão des- deslocamento de pessoas para o local.
de roupas até móveis, passando por materiais de Caracterizou-se, assim, o início da ocupação
construção, supermercados (Gbarbosa e Bom urbana: espontânea e em terras alheias. Neste
Preço), escolas públicas e privadas, bancos, clí- ponto, não existiam vias internas, nem quadras.
nicas médicas, restaurantes, lanchonetes, etc. As descrições levam à visão de que continua
sendo uma área de sítios, porém, com peque-
nas residências.
4.2 1855-1925: A pré-existência
A penitenciária é um monumento, sendo me-
mória preservada de suas origens. A arquitetura
A área era de sítios com lagoas, brejos e ma- do edifício é marcante, lembrando um castelo
tagais. A topografia foi, desde o primeiro mo- medieval. Além disso, a topografia faz a edifica-
mento, elemento definidor da morfologia do bair- ção se destacar, podendo ser vista de fora do
bairro. O prédio trazia um forte estigma de vio-
4. Segundo o historiador Emanuel Rocha, o bairro Novo Pa- lência e a própria violência, sendo por isso mes-
raíso existe devido à vontade daquele povo de escapar do es-
tigma de bairro violento, pobre e de pessoas criminosas existen- mo fechada em 2007 e reaberta em 2012 como
tes no imaginário da capital. EGESP (Escola de Gestão Penitenciária).

Arquitetura e cidade: ensaios projetuais, análises urbanas e caminhos percorridos na Universidade Federal de Sergipe
115

4.4 Década de 1940: Início


do planejamento do espaço

Foi na quarta década do século XX que este mesmo foi ocupado por pessoas que não ti-
espaço começou a ser pensado, não de ma- nham outra opção.
neira integral, mas houve um primeiro desenho Expandiu-se o desenho do espaço com outra
intencional de espaços. Em 1944, a prefeitura aprovação de loteamento em 1956, sendo este
autorizou um loteamento, incluindo, nos anos localizado no limite norte, com a maior parte des-
seguintes, doação de terras para abertura de te estando no que hoje é o bairro Novo Paraíso.
ruas. Observando, percebeu-se que os lotes ti- Diferentemente do anterior, estas terras foram en-
nham dimensões frontais pequenas (entre 4 e 6 tregues a uma Sociedade Loteadora, e podemos
metros, e comprimentos entre 25 e 40), que em perceber regularidade no traçado (ruas perpendi-
geral são associados ao uso residencial. culares com lotes retangulares e mais homogê-
É importante reparar no traçado das ruas e neos). A medida utilizada para frente da maioria
nas quadras. Este loteamento não apresenta dos lotes foi de sete metros e os comprimentos
ruas perpendiculares e os formatos das qua- variaram entre vinte e oito e trinta e três metros.
dras variam. Embora a primeira expectativa Em algumas das quadras, embora estejam
seja relacionada à topografia, e ainda que em fora da área estudada, existiu a intenção de va-
alguns pontos os fins dos lotes pareçam coinci- zios no centro de algumas das quadras, sen-
dir com as curvas de níveis, isto não acontece do pensadas para vilas ou parque infantil. Há
frequentemente. aqui um novo desenho de praça, mais comum,
Destaca-se ainda o formato triangular da projetado nos limites do bairro (inexistentes
única praça prevista, a Franklin Roosevelt, naquela época).
construída somente na década de 1970. Ela
se encontra no centro do projeto e parece ser 4.6 Década de 1960:
geradora das linhas das quadras que a cercam. Serviços e Infraestrutura

4.5 Década de 1950:


A década de 1960 foi marcada pela chega-
A migração intensifica a ocupação
da do mínimo de infraestrutura, além de equi-
pamentos e agentes impulsionadores. Ocorreu
A ocupação avançou, como resultado do au- ainda a aprovação do último loteamento. Consi-
mento da migração campo-cidade em todo o dera-se ocupada toda a região do bairro em sua
estado. Sendo o bairro América uma área sem porção norte e leste, ou seja, nas suas proximi-
infraestrutura, oferecia terra barata, e por isso dades com o Siqueira Campos e Novo Paraíso.

Arquitetura e cidade: ensaios projetuais, análises urbanas e caminhos percorridos na Universidade Federal de Sergipe
116

Fotografias da época mostram que a ocupa- mais marcante devido ao amplo largo que se for-
ção foi caracterizada por residências térreas e mou em frente, de onde se tem uma vista panorâ-
de pequenas dimensões, sendo o restante do mica da cidade de Aracaju, e da praça Tancredo
lote ocupado por quintais com bastante vegeta- Neves. A posição da Igreja, no alto de um morro,
ção. É possível perceber nas imagens também permite que ela seja visualizada de vários pontos,
a simplicidade das fachadas, servindo apenas a dando um senso de localização, que agrupa na
sua função de acesso. imagem mental da população aracajuana, a igreja
O último loteamento era formado por ape- e o bairro como uma coisa só.
nas onze quadras, menos de trezentos lotes, e O prédio se destaca tanto por sua arquitetura
foi um prolongamento do primeiro, do de 1944. quanto pelo sentimento de religiosidade quem
As ruas seguiam o mesmo padrão de não or- envolve a comunidade e a cidade. A planta da
togonalidade, mas houve um maior esforço em Igreja é poligonal, sendo ressaltada pelo des-
manter o padrão no tamanho dos lotes, com nível do terreno; o diferencial é a cúpula hexa-
suas testadas variando entre seis e sete, e o gonal que nasce da nave central e é coroada
comprimento seguindo conforme o tamanho da por um telhado de várias águas, que marca o
quadra, entre trinta e quarenta e cinco metros. desenho das janelas.
É nesse momento que as ruas deixaram de O Mercado municipal é o centro comercial
ser “trilhas” e passaram a ter o desenho mais do bairro, ocupando toda uma quadra com lojas
próximo do que é hoje, sendo sua cobertura de voltadas tanto para o seu exterior quanto para
piçarra. A abertura das ruas ocorreu no início da o interior. A posição deste equipamento influen-
década, no mandato do Prefeito José Conrado cia no uso do solo da vizinhança. A implantação
de Araújo (proprietário do sítio Quendera, com desses dois equipamentos causou mudança no
terras no Capucho, São Cristóvão e possivel- desenho das quadras do loteamento de 1956.
mente dentro do limite do Bairro América).
Neste período, foram criados dois pontos es- 4.7 Década de 1970: a ocupação
truturantes do bairro: o Complexo de São Ju- é atraída aos equipamentos
das Tadeu, monumento referencial da cidade;
e o Mercado Municipal, com representatividade
apenas local. A ocupação do bairro estava quase comple-
A igreja faz parte, na verdade, de um complexo ta, e os espaços vazios anteriores, foram preen-
que ocupa todo o quarteirão; o local, mais conhe- chidos pela influência dos novos equipamentos.
cido como Capuchinhos, é composto ainda por Este espaço temporal ficou marcado pela che-
uma escola municipal, um convento, um salão de gada da sede da Petrobrás, pela implantação
festas e um subsolo onde se encontra a polícia do Terminal Rodoviário Gov. José Rollemberg
comunitária do bairro. A ocupação se tornou ainda Leite e pela construção da primeira praça, en-

Arquitetura e cidade: ensaios projetuais, análises urbanas e caminhos percorridos na Universidade Federal de Sergipe
117

quanto espaço pensado e não apenas vazio, a A praça Tancredo Neves foi fruto de uma ne-
Franklin Roosevelt. A ocupação avançou para o cessidade surgida por conta de um ‘barreiro’ que
outro lado da Av. Dr. José da Silva Ribeiro Filho, se formou em frente à Igreja de São Judas Ta-
e para oeste encontra a Av. Camilo Calazans. deu. Segundo historiadores, a retirada de barro
No que se refere à pavimentação das ruas, começava a ameaçar a estrutura da igreja, sendo
a primeira a ser coberta com paralelepípedo foi assim, implantaram uma praça com campo de fu-
a Haiti, o que ocorreu devido às ligações que tebol, concha acústica, arquibancadas, um con-
esta rua faz com um colégio, assim como as junto de banheiro e um banco em forma de flor5. A
ruas Cuba e Rio Grande do Sul (Novo Paraíso) praça é um espaço carente de mobiliário urbano.
que se ligam à Igreja e que foram pavimenta- Ainda nesta década, a avenida Brasil teve a
das em seguida. lagoa da coceira canalizada, e a rua asfaltada
A praça Franklin Roosevelt é a única que (na década seguinte), mudando totalmente a
consta em projeto original, sendo construída no imagem do espaço.
espaço destinado a ela. Possui formato triangu-
lar e passou por reforma na década passada, 4.9 1990-2017: Reestruturação
quando ganhou novos mobiliários, incluindo até e momento presente
rampa de skate. Conta ainda com árvores, ban-
ca de revista, bancos e parque infantil. Atual-
mente a praça é bastante arborizada e utilizada Estando todo o bairro já ocupado, com quadras
pela população, tanto pelas crianças quanto pe- e ruas definidas, neste tópico citamos a constru-
las pessoas mais velhas. ção da Praça da Liberdade e a obra de conten-
ção da encosta da Av. Dr. José da Silva Ribeiro
Filho. Em seguida, a análise dos dias atuais.
4.8 Década de 1980: Ocupação Total
A praça da Liberdade é recente. Inaugurada
em 2010, foi construída no morro do prédio em
Segundo diagnóstico realizado pela prefeitu- que funcionava a Penitenciária Modelo. O espa-
ra, o bairro estava todo ocupado em 1990. Este ço foi dotado de mobiliário, arborização e pen-
período é separado para enfatizar a completa sado como área de convivência para os mora-
ocupação do bairro e apresentar uma praça. dores daquele lado do bairro que não contavam
Nota-se ainda o crescimento da ocupação es- com nenhum espaço com esse fim.
pontânea existente e a construção de uma ou-
tra praça, no encontro entre as Avenidas Trinta 5. OLIVEIRA, Jorge Marcos de; BITTENCOURT JUNIOR,
Antonio. Memória do Bairro América. Aracaju: Funcaju, 1996.
e um de Março e Dr. José da Silva Ribeiro Filho. 44 p. (p. 19)

Arquitetura e cidade: ensaios projetuais, análises urbanas e caminhos percorridos na Universidade Federal de Sergipe
118

Na área de encosta, a ocupação era desorde- As mudanças no bairro também são visíveis
nada e o terreno, passível de desmoronamentos, nos mapas de uso e ocupação do solo, que in-
até o momento em que foi feita a obra de con- dicam a funcionalidade das edificações, a altura
tenção, pela prefeitura, em 2012. O espaço foi e o número de pavimentos (Figura 2).
reformulado e criou um ambiente mais seguro, Nas fotos antigas, recolhidas ao longo do
sendo acrescentada inclusive uma escada para trabalho, observa-se que a tipologia era predo-
a Av. Dr. José da Silva Ribeiro Filho, exatamente minante de casas térreas. Atualmente, o mapa
em frente a já implantada na década de 1970, na mostra que a maioria ainda é térrea (Figura 2),
Travessa José Zuckerman, que permite o acesso mas que há uma quantidade considerável de al-
livre aos dois morros diretamente pela avenida. turas maiores. As edificações de dois pavimen-
Embora tenha trazido melhorias e mais seguran- tos, em geral, estão associadas à ampliação
ça, a obra parece só ter sido realizada na parte das residências ou ao uso misto, assim como
mais visível do problema, na borda da avenida as de três e quatro pavimentos estão mais co-
principal. A autora considera que o espaço po- mumente ligadas a residências multifamiliares
deria ter sido melhor aproveitado, equipado com e/ou ao uso misto. Nota-se que os espaços va-
mobiliários urbanos que fossem além da coloca- zios se referem a praças, a área do viaduto e a
ção de um gradil, que é o que foi feito. terrenos isolados.
Além disso, neste período todas as ruas fo- Há ainda uma predominância do uso resi-
ram pavimentadas, seja com paralelepípedo dencial (Figura 2), mas também se nota o cres-
ou com asfalto (há uma exceção na ocupação cimento do número de edificações residenciais
espontânea próxima à penitenciária, na rua Ar- multifamiliares. A concentração de comércio e
gentina). Observa-se ainda que a arborização é serviços é clara nas ruas e espaços principais,
existente em quase todas as ruas, sendo mais como na rua Acre, nas proximidades do merca-
concentrada nas Praças e Avenidas. do municipal e nas Avenidas Dr. José da Silva
O desenho atual do bairro é reflexo de todas Ribeiro Filho e Trinta e um de março.
estas etapas. Ali, apresentam-se espaços que fo- Existe também uma quantidade significativa
ram projetados, e que, mesmo assim, se modifi- de edificações de uso misto, sendo a maior por-
caram para se adaptar ao tempo, a economia e centagem destas uma união entre o uso resi-
ao uso. Apresentam-se também espaços nunca dencial (uni ou multifamiliar) e algum comércio
pensados, apenas ocupados livremente, por ve- ou serviço. Este tipo de uso está bem distribuí-
zes seus ocupantes sendo removidos e insistindo do por toda a extensão do bairro, e por diversas
em reocupar (como nas proximidades do viaduto). vezes é caracterizado por ser um pequeno em-
No entanto, seu desenho se aprimorou, graças a preendimento que ocorre na frente do lote (ou
agentes exigentes de melhorias que se consolida- no térreo) enquanto o proprietário reside nos
ram conforme sua necessidade e possibilidades. fundos ou no pavimento superior.

Arquitetura e cidade: ensaios projetuais, análises urbanas e caminhos percorridos na Universidade Federal de Sergipe
119

Figura 2: Mapas resumo da análise.


Fonte: Base cartográfica, PMA/SEPLOG 2016. Adaptada por Érika Ramalho, 2017.

Arquitetura e cidade: ensaios projetuais, análises urbanas e caminhos percorridos na Universidade Federal de Sergipe
120

Por último, serão evidenciadas as mudanças a implantação de outros equipamentos, como a


nas fachadas dos edifícios. Além das transfor- Petrobras e a Fábrica de cimento. A ocupação
mações óbvias, vindas da troca da função da começou naquele local, e a história, enquanto
edificação. É possível observar como as facha- comunidade, também, mas o espaço regulari-
das não são simples quanto as que foram des- zado e ocupado legalmente está na outra me-
critas na década de 60. As frentes das casas tade do bairro (considerando a Av. Dr. José da
deixam de ser apenas funcionais e passam a ser Silva Ribeiro Filho enquanto ponto divisor).
também estéticas. Há uma clara mudança de re- A pesquisa explicita que estas trans-
vestimentos e desenhos criados; há uma inten- formações foram tanto fruto de ações
ção de mostrar diferenciação e individualidade, individuais quanto de ações coletivas, e as mu-
o que pode trazer a percepção de melhoria das danças vão gradualmente ocorrendo, devido a
condições financeiras dos habitantes. Além das fatores internos e externos. A área era comple-
questões apresentadas, a fachada demonstra tamente rural e ocupada somente desta forma,
também a maneira com que o privado se rela- até a chegada de um equipamento público, de
ciona com o coletivo, algumas casas continuam grande impacto, que atrai as primeiras ocupa-
simples, mas mudam no seu relacionamento ções diferenciadas deste espaço, mesmo que,
com o exterior: subiram-se os muros e acres- como foi visto, estas fossem pequenas e ilegais.
centaram-se grades, cresceu o afastamento.
Figura 3: Mapa síntese do avanço da ocupação

Considerações Finais

Conclui-se que o espaço estudado realmen-


te passou por grandes mudanças ao longo do
tempo. Com o passar das décadas, a área foi
sendo ocupada e modificada de acordo com as
necessidades da população e os desejos dos
agentes produtores de espaço. No mapa sínte-
se (Figura 3), vê-se que a ocupação se deu dos
limites com o Siqueira Campos e se direcionou
cada vez mais para oeste, o que faz sentido, de
acordo com o que foi visto da urbanização de
Aracaju. Percebeu-se, também, que as proximi-
dades da penitenciária parecem ter sido evita-
Fonte: Base cartográfica PMA/SEPLOG 2016. Elaborada por Érika
das, a não ser por ocupações espontâneas, até Ramalho, 2017.

Arquitetura e cidade: ensaios projetuais, análises urbanas e caminhos percorridos na Universidade Federal de Sergipe
121

Após isto, se passaram quase vinte anos gãos públicos não possuem, ou, ao menos não
para que realmente se fizesse algum esforço de de maneira organizada, material de consulta
transformar aquelas terras. Em 1944, a iniciati- suficiente para disponibilizar dados, datas, pro-
va individual de um homem criou uma grande jetos e/ou imagens que seriam importantes para
oferta de terrenos voltados para a habitação. esta análise. Desta forma, por diversas vezes,
Deste ponto até a década 1960, foi aponta- a autora se baseou em depoimentos da popula-
da a aprovação de outro loteamento, em espa- ção, livros de história, memória da comunidade
ço confrontante com o primeiro e partindo da e fotografias encontradas com dificuldade.
iniciativa privada, incorporadora. Tanto os de- A ausência de informações sobre abertura
senhos quanto os dados informam que havia de vias, ocupações e datas, criou imprecisão
uma demanda por terra barata para habitação em alguns pontos do trabalho, além de dificultar
naquela região da cidade, afinal, foi este o mo- uma visão mais consistente do todo. De qual-
mento em que a migração campo-cidade cres- quer maneira, os dados recolhidos foram ana-
ceu (NOGUEIRA, 2004). As décadas seguin- lisados e somados, de forma a caracterizar e
tes foram marcadas pela chegada de diversos explicar este processo.
equipamentos, muitas vezes agindo como A trajetória do bairro América é contada a
agentes, atraindo imigrantes, como foi o caso partir de vários ângulos, mas estes partem nor-
da fábrica de cimento. malmente da sociologia e história. A memória e
Foi neste período também que começaram os estudos urbanísticos da cidade de Aracaju
a ser instaladas mudanças na infraestrutura e parecem se resumir, em geral, aos bairros loca-
aumento no número de serviços disponíveis. lizados ao longo do Rio Sergipe. Recentemen-
Na década de 1980, mostrou-se a ocupação te, abriu-se para fora desta linha, para a zona
completa dos limites do bairro, marcando inclu- de expansão, com seu espraiamento e danos
sive uma nova área de ocupação espontânea, ambientais; e para o Jabotiana, com o seu in-
que se iniciou no morro e desceu para as pro- tenso adensamento e verticalização.
ximidades da rodoviária nova. Foi somente nas A partir deste estudo, abrem-se as possibili-
três últimas décadas, que as ruas foram todas dades de entender um outro lado de Aracaju e
asfaltadas/pavimentadas com paralelepípedos. perceber as diferenças entre as áreas de ocupa-
Além disto, nota-se, na paisagem urbana, que ção das elites e das classes menos favorecidas.
no campo social houve uma aparente melho- É uma análise das áreas do bairro, que mostra
ria nas condições de vida de algumas áreas do seus pontos fortes e seus pontos críticos, que
bairro, principalmente nas avenidas e proximi- não necessariamente precisam de interven-
dades dos equipamentos. ção, já que parecem funcionar satisfatoriamen-
O trabalho foi marcado pela ausência de in- te como estão, mas podem servir como base,
formações sobre estas transformações. Os ór- caso haja alguma necessidade de intervenção.

Arquitetura e cidade: ensaios projetuais, análises urbanas e caminhos percorridos na Universidade Federal de Sergipe
122

Enfim, notou-se que, embora tenha come- NOGUEIRA, Adriana Dantas. ANÁLISE SINTÁ-
çado como periferia, afastada de serviços, TICO-ESPACIAL DAS TRANSFORMAÇÕES
empregos e infraestrutura, Aracaju alcançou a URBANAS DE ARACAJU (1855 – 2003). 2004.
Penitenciária (LOUREIRO, 1983). O bairro ga- 365 f. Tese (Doutorado) - Curso de Arquitetura
nhou infraestrutura e foi bem servido de trans- e Urbanismo, Universidade Federal da Bahia,
porte público, além de ter em suas proximida- Salvador, 2004. Disponível em: <https://reposi-
des comércios, serviços e órgãos públicos. É torio.ufba.br/ri/bitstream/ri/12296/1/Tese Final.
notável, então, que ocorreu ali um processo pdf>. Acesso em: 6 ago. 2016.
de desperiferização. RAMALHO, Érika Laíse de Santana. Origem e
Transformações: Uma Análise da Morfologia
Referências Urbana do Bairro América, Aracaju/SE. 2017.
Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação
em Arquitetura e Urbanismo) – Universidade
CARLOS, Ana Fani Alessandri. A cidade. 9. ed. Federal de Sergipe, Laranjeiras, 2017.
São Paulo: Contexto, 2015. 92 p.
RIBEIRO, Neusa Maria Góis. Transformações
CORRÊA, Roberto Lobato. O espaço ur- Recentes do Espaço Urbano de Aracaju. 1984.
bano. São Paulo: Ática, 1995. 3ª. Edição. Dissertação (Mestrado) - Curso de Curso de
94 p. Mestrado em Geografia, Departamento de
DEL RIO, Vicente. Introdução ao desenho Ciências Geográficas, Universidade Federal
urbano no processo de planejamento. São de Pernambuco, Recife, 1984.
Paulo: Pini,1990. SANTOS, Carlos Nelson F. dos. A cidade como
LAMAS, José. Morfologia Urbana e desenho um jogo de cartas. São Paulo: Eduff, 1988.
da cidade. Ed. Fundação Calouste Gulbenkian. 192 p.
2004. Disponível em: <https://arqeurbpalmas.wor- SOUZA, Fernando Antônio Santos. Um olhar
dpress.com/2012/06/14/morfologia-urbana-e-de- sobre Aracaju em busca de um novo paradigma
senho-da-cidade-2/> . Acesso em: 10 ago. 2016 urbano. In: FRANÇA, Vera Lúcia Alves; FAL-
LOUREIRO, Kátia Afonso S. A trajetória urba- CON, Maria Lúcia de Oliveira. Aracaju: 150
na de Aracaju em tempo de interferir. Araca- anos de vida urbana. Aracaju: PMA/SEPLAN,
ju, INEP, 1983. 115 p. 2005, p. 41-52.

Arquitetura e cidade: ensaios projetuais, análises urbanas e caminhos percorridos na Universidade Federal de Sergipe
123

9
Ana Carolina de Sá Silva
Lina Martins de Carvalho
Rozana Rivas de Araújo

Introdução

Contrariamente às intervenções tradicionais, técnico do sistema de transportes, mas também

MOBILIDADE URBANA que tratam os temas urbanísticos de maneira iso-


lada e desconectada, as novas diretrizes urbanís-
sejam determinantes na estruturação e coesão do
espaço urbano.

EM ARACAJU/SE: ticas procuram relacionar os diversos aspectos


relativos ao espaço urbano a partir de uma leitura
Para tanto, a metodologia adotada divide-se em
duas frentes complementares de pesquisa, reali-

IMPLANTAÇÃO sistêmica da cidade. Em linhas gerais, as soluções


caminham na direção de uma abordagem parale-
zadas paralelamente. A primeira, inserida em uma
escala macro, tem como objeto de estudo a cida-

DE VLT ALIADA la aos aspectos técnicos e urbanísticos, afim de


ampliar o diálogo entre as infraestruturas a serem
de de Aracaju e engloba as etapas de definição
do percurso do sistema de VLT2 e sua inserção

À IDENTIFICAÇÃO implantadas e a cidade existente.


A infraestrutura de mobilidade, por sua vez, é
no sistema viário, assim como a identificação de
áreas potenciais para implantação de estações

DE HUBS1 vista como potencial articuladora dos setores des-


contínuos da cidade, em decorrência da sua ca-
intermodais. A segunda frente de pesquisa cor-
responde à análise em escala local da Área 1 –
pacidade de atuar simultaneamente em escala classificada como hub de mobilidade3 – a partir da
local e metropolitana. A coerente interpretação do aplicação da metodologia de análise desenvolvida
território possibilita a identificação de áreas privi- por Longo (2015).
legiadas para intervenção – também chamadas
hubs de mobilidade – as quais merecem atenção
especial dos planos urbanísticos e de mobilida-
2. Veículo Leve sobre Trilhos, também conhecido como Light
de. Da mesma forma, a escolha dos tipos de mo- Rail e Metrô Leve; versão contemporânea do antigo bonde.
1. Artigo produzido com base no Trabalho de dais a serem implantados e priorizados em uma 3. “Os hubs de mobilidade consistem nas estações inter-
Conclusão de Curso intitulado “Mobilidade Urba- modais principais e também nas áreas do seu entorno. Eles
na em Aracaju/SE: implantação de VLT aliada à cidade corresponde às decisões primordiais de desempenham uma função crítica no sistema de transpor-
identificação de HUBS”, elaborado por Ana Ca- planejamento urbano. te regional como origem, destino ou ponto de transferência
rolina de Sá Silva sob orientação da Profa. M.a. para uma significativa porção de viagens. Eles são lugares
Lina Martins de Carvalho e coorientação da Pro- Este trabalho tem como objetivo a proposição de conectividade onde diferentes modos de transporte – do
fa. Dra. Rozana Rivas de Araújo, apresentado e de diretrizes projetuais em escala metropolitana, caminhar até as redes de alta capacidade – se unem per-
aprovado em maio de 2017, no Departamento feitamente e onde existe uma intensa concentração de tra-
de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Fe-
que, de forma associada à escala local de proje- balho, moradia, comércio, serviços e lazer” (METROLINX,
deral de Sergipe. to, não apenas contribuam para o desempenho 2011, p. 04 apud LONGO, 2015, p. 60).

Arquitetura e cidade: ensaios projetuais, análises urbanas e caminhos percorridos na Universidade Federal de Sergipe
124

1 HUBS: associação entre infraestrutura


de mobilidade e projeto urbano

Pode-se analisar a escala de projeto urbano a sionar projetos urbanos em seu entorno, merecen-
partir de um elemento diretamente associado às do, portanto, atenção dos planos urbanísticos e de
escalas metropolitana e local: as redes de mobi- mobilidade. A intervenção sistêmica, no entanto,
lidade. Diante do cenário contemporâneo de dis- somente é viabilizada a partir da relação entre as
persão espacial e funcional, as redes de mobi- escalas de intervenção e análise urbana, “pois es-
lidade são vistas “como potenciais articuladores sencialmente deriva da ideia de articulação entre a
e organizadores de áreas definidas localmente, parte e o todo” (LONGO, 2015, p.49).
mas com abrangência funcional metropolitana” Como tentativa de solucionar os problemas
(LONGO, 2015, p.2), convertendo-se, dessa for- relacionados à dissociação entre análise e pro-
ma, em potenciais indutores do projeto urbano. jeto urbano, Longo (2015) propõe metodologia
Segundo Longo (2016, p. 3), “A expressão composta por nove categorias de análise: 1.
territorial das redes de mobilidade é determina- áreas de influência; 2. morfologia urbana e uso
da por sua infraestrutura, ou seja, seus percur- do solo; 3. tipologias; 4. meio ambiente; 5. po-
sos e estações”. As estações, por sua vez, con- pulação; 6. mobilidade; 7. planejamento urba-
sistem em áreas diretamente ligadas ao dia a no; 8. articulações territoriais; e 9. peças urba-
dia da cidade – escala local –, apresentando-se nas, produto final do estudo.
como pontos de fundamental importância para A metodologia parte da definição da área
o sustento da rede – escala metropolitana –, as ocupada (ou prevista) pela estação intermodal
quais podem ser classificadas como simples como o centro de três circunferências concên-
estações ou hubs de mobilidade. tricas (raios de 250m, 500m e 800m) que de-
Por definição básica, os hubs correspondem finem as zonas primária (Z1), secundária (Z2)
a tipos específicos de nós que desempenham o e terciária (Z3) (Figura 1). Tais circunferências
papel de distribuidores das linhas de transporte são utilizadas como referências iniciais para a
para as estações. Trata-se de “pontos estrategi- construção dos perímetros de intervenção que
camente posicionados de forma a reduzirem esse definirão as peças urbanas.
número de conexões diretas, concentrando em si Os perímetros das zonas, inicialmente de-
as linhas de menor hierarquia e estabelecendo finidos a partir do percurso do pedestre, são
um número limitado de arcos, mais potentes, com gradativamente deformados conforme a análise
os demais hubs da rede” (LONGO, 2015, p.58). em que cada categoria é realizada. Permitem
Deste modo, as estações convertem-se em a setorização da área de influência do hub de
áreas privilegiadas para intervenção urbana, trans- mobilidade, “baseando-se tanto na distância
formando-se em instrumentos capazes de impul- do percurso do pedestre quanto em uma pré-

Arquitetura e cidade: ensaios projetuais, análises urbanas e caminhos percorridos na Universidade Federal de Sergipe
125

Figura 1: Raios de influência (à esquerda); delimitação


de peças urbanas (à direita).

Fonte: Elaboração própria (2017), baseada em Longo (2015).

2 VLT: ferramenta de projeto urbano

-caracterização da vocação de cada área (...)” Nas últimas décadas, o VLT tem sido o modo
(LONGO, 2015, p. 164). Assim, cada zona apre- de transporte escolhido para ajudar a solucionar
senta características próprias, que devem ser os problemas de mobilidade nos mais diversos
consideradas no processo de distorção dos pe- contextos urbanos. Atualmente, a tecnologia
rímetros de influência (Quadro 1). VLT está em operação em mais de 400 cidades,
Os critérios utilizados na delimitação das pe- em fase de implantação em cerca de outras 60,
ças urbanas não podem ser considerados exa- e com projetos em desenvolvimento para apro-
tos, pois se trata de uma ação analítica e inter- ximadamente 200 centros urbanos, distribuídos
pretativa, sobre espaços dinâmicos e flexíveis. por todo o mundo. Na França, o VLT se caracte-
Infelizmente, essa dinamicidade não é conside- riza não apenas como uma opção de transporte
rada no atual sistema de zoneamento das polí- coletivo eficiente, mas também como uma fer-
ticas urbanas das cidades brasileiras, tornando ramenta estratégica de planejamento urbano.
inviável a sua conversão em projeto urbano. Mais do que uma simples definição de traçados

Arquitetura e cidade: ensaios projetuais, análises urbanas e caminhos percorridos na Universidade Federal de Sergipe
126

Quadro 1: Zonas de influência.

Fonte: Elaboração própria (2017) baseada em Longo (2015).

Arquitetura e cidade: ensaios projetuais, análises urbanas e caminhos percorridos na Universidade Federal de Sergipe
127

ou opção tecnológica, a reintrodução do bonde do planejamento integrado desenvolvido para a


nas cidades francesas proporcionou melhorias cidade, em que vários aspectos urbanos são
urbanísticas como “o embelezamento das vias pensados de maneira paralela ao planejamento
públicas, a revitalização dos centros, as novas da mobilidade, de forma que o VLT intervenha
operações imobiliárias, a renovação dos bairros como indutor da renovação urbana.
degradados, a pertinência de equipamentos pú-
blicos” (CASTRO, 2007, p. 43). 3 Proposta
Bordeaux, localizada no sudoeste da Fran-
ça, é um exemplo de cidade cujo sistema de
transporte público foi reestruturado a partir da Numa primeira etapa propositiva (tópico 3.1),
implantação do VLT. Resultado de uma revi- foram sugeridas para a cidade de Aracaju di-
são de planejamento urbano muito mais am- retrizes de reestruturação sistêmica da mobili-
pla, que não se restringiu ao âmbito do trans- dade pautadas nos critérios de multimodalidade
porte, mas levou em consideração a cidade em e intermodalidade e tendo o modal VLT como
sua totalidade. As periferias foram conectadas protagonista. Num segundo momento (tópico
à área central, promovendo sua revitalização 3.2) propõe-se a análise local de uma das áreas
turística. O êxito do projeto decorreu pelo de- identificadas como hub de mobilidade a partir
senvolvimento de uma rede intermodal, inte- de metodologia adotada.
grando-se, de modo geral, o VLT a uma rede
de carros, de ônibus e de aluguel de bicicletas. 3.1 Percurso do VLT proposto
(BRASILEIRO, 2016).
De fato, os sistemas de integração multi-
modais mostram-se muito mais eficientes em Com base nos mapas produzidos a partir dos
relação àqueles em que o investimento é di- dados e análises contidas no Relatório Final do
recionado para um único modo de transporte. Diagnóstico Aracaju (2014), percebe-se a neces-
Entretanto, embora se saiba hoje que o inves- sidade do prolongamento do percurso do VLT
timento em um único modal não corresponda a até as direções norte e sul da cidade (Figura 2).
uma medida viável para solucionar os proble- Por outro lado, entende-se que a rede de
mas de mobilidade da cidade contemporânea, VLT não deve – em uma primeira etapa de im-
“o VLT se mostra uma interessante forma de plantação – estender-se em direção aos muni-
integração com modais de hierarquias distintas” cípios vizinhos, em virtude dos altos custos de
(HIDALGO, 2015, p. 42). construção. Sugere-se, então, a implantação de
O exemplo de Bordeaux foi adotado como uma estação de VLT na extremidade oeste da
principal referencial para o desenvolvimento da Av. São Paulo para o atendimento dos fluxos
proposta apresentada neste trabalho em função provenientes de municípios vizinhos e das zo-

Arquitetura e cidade: ensaios projetuais, análises urbanas e caminhos percorridos na Universidade Federal de Sergipe
128

Figura 2: Percurso proposto para o VLT.


Fonte: Elaboração própria (2017) baseada em Aracaju (2014) e Aracaju (2015).

Arquitetura e cidade: ensaios projetuais, análises urbanas e caminhos percorridos na Universidade Federal de Sergipe
129

nas norte e oeste de Aracaju, onde estão loca- capacidade de promoção da intermodalidade
lizados bairros populosos e/ou com população e indução da renovação urbana, além do seu
crescente com baixo poder aquisitivo. O VLT inquestionável desempenho técnico e impacto
segue pela Av. Coelho e Campos e prolonga-se positivo sobre o meio ambiente – é importante
até a estação localizada no bairro Centro, visto ressaltar que a sua implantação não é aqui co-
que a maior parte da população proveniente de locada como uma solução única e isolada, mas,
outros municípios do estado tem como destino ao contrário, destaca-se o entendimento de que
a área central e suas adjacências, em virtude a multimodalidade se mostra uma estratégia
da concentração e diversidade de comércio e fundamental para o urbanismo contemporâneo.
serviço oferecidos nessa região. Paralelamente à proposição do percurso su-
Enquanto uma linha segue até o Centro, ou- gerido para implantação do VLT, foram identi-
tra é responsável por conduzir os fluxos prove- ficadas três áreas potenciais para implantação
nientes principalmente da parte norte da cida- de estações intermodais (Figura 3), sendo duas
de em direção ao sul, aproveitando o espaço delas configuradas como hubs de mobilidade:
ocupado pela linha férrea até o encontro da Av. ÁREA 1: Tendo em vista sua localização es-
Quirino com a Rua H, no Bairro Inácio Barbo- tratégica e o seu valor histórico-cultural, o ter-
sa, onde sofre um desvio para seguir pela Av. reno localizado no encontro das avenidas São
Heráclito Rollemberg. Seguindo por esta ave- Paulo, Coelho Campos e Augusto Franco, que
nida, o VLT perpassa os bairros São Conrado, abriga a antiga Estação Ferroviária, correspon-
Farolândia e Aeroporto, os quais figuram entre de a uma das três áreas propostas para implan-
os mais populosos, sendo que Farolândia e Ae- tação de estações intermodais. Esta área cor-
roporto também se encontram dentre os bairros responde ao hub escolhido para a aplicação da
que apresentaram maior crescimento relativo. metodologia adotada, a ser detalhada no próxi-
A avenida São Cristóvão, que dá continuidade mo tópico. ÁREA 2: Situada no Inácio Barbosa,
à Av. Heráclito Rollemberg na direção oeste, per- bairro que apresentou o crescimento populacio-
mite o acesso ao bairro Santa Maria, também iden- nal mais expressivo (79,9%) no último censo,
tificado dentre os mais populosos. Por fim, a linha localiza-se numa região privilegiada e estraté-
de VLT segue até o terminal Maracaju, facilitando gica da cidade, em virtude da sua centralidade
o acesso ao bairro Aeroporto e à Zona de Expan- em relação à malha urbana. Não por acaso, o
são, que também apresentam população crescen- Terminal de Integração do DIA (Distrito Indus-
te, podendo ser futuramente ampliada, conforme trial de Aracaju), responsável por receber fluxos
ocorra o crescimento da cidade na direção sul. provenientes de toda a cidade, está localizado
Conforme foi destacado no decorrer do tra- próximo à área em questão. De acordo com a
balho, embora o VLT desempenhe papel de proposta de BRT exposta no Plano de Mobili-
destaque na proposta – principalmente pela sua dade de Aracaju (2015), o terminal DIA deve

Arquitetura e cidade: ensaios projetuais, análises urbanas e caminhos percorridos na Universidade Federal de Sergipe
130

Figura 3: Integração das propostas de BRT e VLT.


Fonte: Elaboração própria (2017), baseada em Aracaju (2014) e Aracaju (2015).

Arquitetura e cidade: ensaios projetuais, análises urbanas e caminhos percorridos na Universidade Federal de Sergipe
131

ser reformado e ampliado para o atendimento le de São Paulo” (2015). A seguir serão apre-
da nova proposta. Aqui, no entanto, sugere-se sentados os mapas resultantes da aplicação
duas opções: que o terminal seja relocado para da metodologia em questão (Figuras 4, 5 e 6),
a Área 2, para que possa haver a integração en- evidenciando-se as alterações realizadas nos
tre os diferentes modos dentro do mesmo espa- perímetros das zonas de influência ao longo das
ço; ou, ainda, que a nova estação intermodal, de nove categorias de análise, sintetizadas abaixo:
alguma forma, funcione de maneira integrada ao Categoria 1 (Áreas de Influência): Apresen-
terminal existente. De uma maneira ou de outra, tação da área de estudo, identificação da área
funcionando juntas ou separadas, as estações ocupada pela estação intermodal e marcação
se configuram como hubs de mobilidade. ÁREA dos raios de 250, 500 e 800 metros.
3: O terceiro ponto estratégico identificado cor- Categoria 2 (Morfologia Urbana e Uso do
responde à rótula situada no bairro São Conra- Solo): Avaliação preliminar do grau de consoli-
do, onde está prevista a implantação do Termi- dação da área e da diversidade de atividades
nal Orlando Dantas, de acordo com a proposta instaladas; serve de base para a adaptação ter-
de BRT para cidade. Sugere-se que nesse mes- ritorial dos raios das três zonas.
mo espaço seja implantada a terceira estação Categoria 3 (Tipologias): Identificação da
intermodal da proposta de VLT, sendo esta de estruturação do espaço edificado e das áreas
menor abrangência em relação às outras duas. livres, evidenciando os trechos de maior disper-
No mapa (Figura 3), buscou-se, portanto, sinte- são ou diluição do tecido urbano.
tizar as diretrizes propostas neste trabalho eviden- Categoria 4 (Meio Ambiente): Análise do
ciando-se os dois pontos estratégicos identificados meio físico e dos principais recursos ambien-
como potenciais hubs de mobilidade e uma esta- tais; destaque para a hidrografia, topografia e
ção intermodal de menor alcance (terceira área áreas verdes.
indicada), ao mesmo tempo em que foi destacada Categoria 5 (População): Identificação de
a relação entre as linhas de BRT previstas na pro- áreas com baixa densidade populacional, para
posta do Plano Diretor de Mobilidade de Aracaju que sejam incorporadas às peças urbanas, so-
(2015) e o percurso de VLT aqui sugerido. bretudo nas zonas primária e secundária.
Categoria 6 (Mobilidade): Conexão entre as
3.2 Delimitação da Peça Urbana – Área 1 redes metropolitanas e os percursos locais.
Categoria 7 (Planejamento Urbano): Expor
as estratégias de intervenção já pensadas para
A Área 1 foi escolhida para a aplicação da a área e traduzidas por meio de instrumentos
metodologia desenvolvida por Marlon Rubio urbanísticos.
Longo em sua dissertação de mestrado – “HUB Categoria 8 (Articulações Territoriais):
de Mobilidade e Projeto Urbano: Ações Urbanís- Garantia da continuidade e coesão do tecido
ticas e Infraestrutura de Transporte na Metrópo- urbano em escala local e metropolitana.

Arquitetura e cidade: ensaios projetuais, análises urbanas e caminhos percorridos na Universidade Federal de Sergipe
132

Figura 4: Categorias
de análise para delimi-
tação da peça urbana.
Categoria 1 - áreas de
influência (quadrante
superior, à esquerda);
Categoria 2 - morfologia
urbana e uso do solo
(quadrante superior, à
direita). Categoria 3 -
tipologias (quadrante
inferior, à esquerda);
Categoria 4 – meio am-
biente (quadrante infe-
rior, à direita).
Fonte: Elaboração própria
(2017), baseada em Aracaju
(2014) e Aracaju (2015).

Arquitetura e cidade: ensaios projetuais, análises urbanas e caminhos percorridos na Universidade Federal de Sergipe
133

Figura 5: Categorias
de análise para delimi-
tação da peça urbana.
Categoria 5 - popula-
ção (quadrante supe-
rior, à esquerda); Ca-
tegoria 6 - mobilidade
(quadrante superior, à
direita). Categoria 7 –
planejamento urbano
(quadrante inferior, à
esquerda); Categoria
8 – articulações territo-
riais (quadrante inferior,
à direita).
Fonte: Elaboração própria
(2017), baseada em Aracaju
(2014) e Aracaju (2015).

Arquitetura e cidade: ensaios projetuais, análises urbanas e caminhos percorridos na Universidade Federal de Sergipe
134

Figura 6: Categoria 9 – peça ur-


bana.
Fonte: Elaboração própria (2017), basea-
da em Aracaju (2014) e Aracaju (2015).

Arquitetura e cidade: ensaios projetuais, análises urbanas e caminhos percorridos na Universidade Federal de Sergipe
135

Categoria 9 (Peça Urbana): Resultado das identificação de áreas privilegiadas para interven-
distorções realizadas nos perímetros inicias de ção, as diretrizes de implantação de VLT propos-
referência (raios de 250, 500 e 800m) a partir da tas para Aracaju são defendidas principalmente
análise das categorias pré-estabelecidas. em decorrência da eficácia do sistema enquanto
A aplicação da metodologia adotada demons- ferramenta de planejamento, indutor de transfor-
trou, na prática, a necessidade de análise de mações urbanas e promotor da intermodalidade,
pontos estratégicos da cidade em escala local, vindo a calhar com a premissa contemporânea
os quais devem receber atenção especial dos de análise sistêmica do território. Por fim, ressal-
planos urbanísticos, dada a sua influência em es- ta-se a importância da análise metodológica em
cala metropolitana. A análise de cada categoria, escala local realizada na Área 1, visto que a deli-
separadamente, facilitou a percepção dos prin- mitação de peças urbanas representa a materiali-
cipais pontos a serem considerados para a rea- zação dos diversos conceitos teóricos debatidos,
lização de intervenções na área em análise, ao passando a ganhar, a partir da metodologia apli-
mesmo tempo em que as distorções dos períme- cada, contornos específicos.
tros das zonas – realizadas de forma gradativa a
partir da análise de cada categoria – resultam em Referências
um desenho único, produto da análise conjunta
das categorias. Este desenho é, portanto, capaz
de subsidiar projetos urbanos de maneira muito FRANÇA, Vera Lúcia Alves. Diagnóstico da
mais assertiva, potencializando a influência do Cidade de Aracaju. Relatório Final. Etapa 03.
hub de mobilidade na escala da metrópole. Aracaju: PMA/SEPLAN, 2014.
ARACAJU. Prefeitura Municipal de Aracaju. Plano
Considerações finais Diretor de Mobilidade Urbana de Aracaju. 2015.
BRASILEIRO, Flávio Tavares. Plano de Mobi-
Ao longo do trabalho foi ressaltada a necessi- lidade Urbana: um modelo conceitual para o
dade de uma análise sistêmica da metrópole con- centro histórico de João Pessoa (PB). In: EN-
temporânea, na tentativa de relacionar as escalas CONTRO DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE
local e metropolitana a partir de pontos identifi- PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO EM ARQUI-
cados como estratégicos para a rede de mobili- TETURA E URBANISMO, 4., 2016, Porto Ale-
dade. Buscou-se demonstrar que o vínculo entre gre. Anais do IV ENANPARQ. Porto Alegre:
os planos de mobilidade e urbanização depende PROPAR/UFRGS, 2016. p.1-23.
fundamentalmente da implantação de uma rede LONGO, Marlon Rubio. HUB de Mobilidade
de transportes pensada em consonância à visão e Projeto Urbano: ações urbanísticas e in-
futura de cidade. Desenvolvida paralelamente à fraestrutura de transporte na metrópole de

Arquitetura e cidade: ensaios projetuais, análises urbanas e caminhos percorridos na Universidade Federal de Sergipe
136

São Paulo. 2015. Dissertação (Mestrado em HIDALGO, Patrícia de Amorim. O Veículo Leve
Arquitetura e Urbanismo) – Universidade de Sobre Trilhos (VLT) como instrumento de re-
São Paulo, São Paulo, 2015. qualificação urbana no âmbito do DOT: de-
LONGO, Marlon Rubio. São Paulo, Redes Pla- senvolvimento orientado pelo transporte.
nejadas e seus HUBS: estratégias para associar 2015. Dissertação (Mestrado em Arquitetura e
mobilidade e projeto urbano. In: 4 ENCONTRO Urbanismo) – Universidade Presbiteriana Mac-
DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PESQUISA kenzie, São Paulo, 2015.
E PÓS-GRADUAÇÃO EM ARQUITETURA E SILVA, Ana Carolina de Sá. Mobilidade Urba-
URBANISMO, Anais do IV ENANPARQ. Porto na em Aracaju: implantação de VLT Aliada
Alegre: PROPAR/UFRGS, 2016. p.1-30. à Identificação de HUBS. 2017. Trabalho de
CASTRO, Maria Beatriz de. O bonde na cida- Conclusão de Curso (Graduação em Arquitetu-
de: transportes públicos e desenvolvimento ra e Urbanismo) – Universidade Federal de Ser-
urbano. São Paulo: Annablume, 2007. gipe, Laranjeiras, 2017.

Arquitetura e cidade: ensaios projetuais, análises urbanas e caminhos percorridos na Universidade Federal de Sergipe
137

10
Maria Clara Ramos Melo
Rozana Rivas de Araújo

Introdução

Mobilidade urbana refere-se ao deslocamen- ônibus com melhorias na infraestrutura, veículos e


to de pessoas e mercadorias dentro da cidade, e medidas operacionais, visando uma melhor quali-
PLANO como todo deslocamento, consome tempo, espa- dade de serviço, proporcionando uma mobilidade
ço e recursos naturais que, quando demandados rápida, confortável e de custo acessível (ARIAS et
DE MOBILIDADE de forma exacerbada, podem desenvolver crise. al., 2008; BRASIL, 2009).
Esta, geralmente, caracterizada pela presença Apesar de existir no Brasil a Lei Federal
DE ARACAJU: O BUS de congestionamento, poluição e degradação do 12.587/2012, que define as diretrizes e os princí-
meio ambiente. Pode-se entender, também, que pios orientadores das Políticas Nacionais de Mobi-
RAPID TRANSIT (BRT) tal crise é causada pela ineficiência do transpor- lidade Urbana, tem-se ainda muito a ser feito para
te público, o qual atende de forma inadequada os colocar o que está na lei realmente em execução.
SOB HOLOFOTES!1 passageiros (REIS et al., 2013). Neste contexto, Diante disso, este trabalho teve como objeto de
o transporte motorizado individual também tem estudo a proposta de Plano Diretor de Mobilidade
participação, pois seu uso massivo provoca o con- Urbana (PDMU) da cidade de Aracaju, que propõe
gestionamento das vias, aumentando o tempo de o modal BRT no sistema atual. Esta proposta de
viagem, impactando o meio ambiente, prejudican- PDMU foi apresentada pela Prefeitura Municipal
do a saúde populacional e acarretando maiores de Aracaju para a população em 2016, por meio
custos. Custos estes energéticos e de infraestru- de audiências públicas. Neste contexto, este tra-
tura, os quais comprometem o desenvolvimento balho tem por objetivo verificar se a proposta apre-
sustentável das cidades (ARACAJU, 2015). Um sentada alcançará a eficiência proporcionada por
Plano de Mobilidade sustentável consiste em um esse tipo de sistema.
plano integrado que considera todos os modais de A proposta para o BRT de Aracaju é caracteriza-
transporte que proporcionem um meio urbano sus- da pelo transporte em massa de alto desempenho
tentável (MATTSSON, 2006). Torna-se cada vez executado pelo ônibus, em uma rede priorizada e
mais frequente a utilização de vários modais de hierárquica, com rápida implantação e baixo custo
forma integrada, como metrôs, veículo leve sobre de construção (ARACAJU, 2015; SMTT, 2016). Tal
1. Artigo produzido com base no Trabalho de trilho (VLT) e ônibus. Dentre os modais de trans- serviço é definido como tronco-alimentador distri-
Conclusão de Curso intitulado “Bus Rapid Tran- porte coletivo, o Bus Rapid Transit (BRT) pode ser buído em linhas troncais, interbairros, circulares,
sit (BRT): Análise do Sistema Proposto para Ara-
caju”, elaborado por Maria Clara Ramos Melo classificado como uma das alternativas de siste- integradas e alimentadoras (ARACAJU, 2015),
sob orientação da Profa. Dra. Rozana Rivas de ma mais viável, devido seu baixo custo e a rápida os quais serão executadas tanto na área urbana,
Araújo, apresentado e aprovado em novembro
de 2016, no Departamento de Arquitetura e Ur-
implantação (REIS et al., 2013). O BRT trata-se quanto na metropolitana. O projeto propõe um
banismo da Universidade Federal de Sergipe. de um sistema de transporte público que utiliza o sistema com 10 corredores, dispostos em 95,8

Arquitetura e cidade: ensaios projetuais, análises urbanas e caminhos percorridos na Universidade Federal de Sergipe
138

quilômetros, 9 terminais e 52 estações. Este Um sistema de ônibus para ser considerado


baseado em 4 elementos: os terminais de inte- BRT básico deve possuir infraestrutura segrega-
gração e estações, os veículos, a circulação e da com prioridade de passagem2, alinhamento
as tecnologias. Todos eles serão melhorados e das vias de ônibus3, cobrança de tarifa fora do
modernizados (ARACAJU, 2015; SMTT, 2016). ônibus, tratamento de intersecção4 e embarque
As etapas que se seguiram neste estudo fo- em nível do veículo. Logo, segue a análise de
ram: (i) verificação das características presen- cada corredor da proposta de Aracaju, para iden-
tes no projeto de BRT de Aracaju, a fim de iden- tificar e classificar de acordo com o BRT básico.
tificar a real classificação de cada corredor do Corredor Euclides Figueiredo: classificado
sistema; (ii) comparação dos corredores da pro- como faixa exclusiva (68,53%) e sistema con-
posta e que realmente foram identificados como vencional (31,47%). Observou-se a falta de es-
de BRT na etapa anterior, com ou de sistemas tações no corredor e a presença de pontos de
de BRT já implantados e de notoriedade de efi- ônibus convencionais, dessa forma, não apre-
ciência; (iii) análises simuladas dos possíveis sentando uma estrutura para pré-pagamento de
impactos se a proposta fosse implantada. tarifa e nivelamento com o veículo. Além de não
apresentar tratamento de interseções ou previ-
1 Analisando o Sistema de Aracaju são de tratamento semafórico.

2. A infraestrutura segregada é essencial, porém esta


não precisa necessariamente está localizada em todo
Afim de assegurar que na etapa seguinte, o percurso, pois, para tal classificação, é somente ne-
comparativa, fosse possível comparar o pro- cessário 4 de 8 pontos (ITDP, 2014). Logo, para atingir a
classificação, o corredor precisa apresentar “somente de-
jeto do sistema de BRT de Aracaju com o de lineadores ou pavimento colorizado, sem outras medidas
outras cidades, resolveu-se verificar se real- de fiscalização, instalados em mais de 75% da extensão
do corredor da via de ônibus” (ITDP, 2014, p. 16).
mente todos os corredores de BRT propostos
3. O alinhamento das vias de ônibus refere-se à loca-
poderiam ser classificados desta forma. Logo, lização das mesmas. Estas devem minimizar o conflito
utilizaram-se os dados obtidos na proposta do com outros tráfegos, assim sendo a melhor localização
das vias nas áreas centrais, por apresentar o menor nú-
Plano Diretor de Mobilidade Urbana de Araca- mero de veículos que mudam de direção. Assim, este
ju e de outras informações obtidas através de critério também para atingir a classificação precisa de 4
de 8 pontos, sendo 5 pontos referente a “vias de ônibus
entrevistas na Empresa Municipal de Obras e divididas em pares de vias de mão única, mas alinha-
Urbanização (EMURB) e na Superintendência das centralmente na via” (ITDP, 2014, p. 18) e 3 pontos a
“vias de ônibus divididas em pares de vias de mão única,
Municipal de Transporte e Trânsito (SMTT) e, mas alinhadas à calçada” (ITDP, 2014, p. 18), ficando as-
como parâmetro, os elementos necessários sim a média entre as duas pontuações.
para identificar um corredor em BRT básico, de 4. O tratamento de interseções busca aumentar o semá-
foro verde. Logo, estes tratamentos podendo ser “proibição
acordo com Institute for Transportation & Deve- de conversões através da via de ônibus e a minimização do
lopment Policy (ITDP). número de fases dos semáforos” (ITDP, 2014, p. 22).

Arquitetura e cidade: ensaios projetuais, análises urbanas e caminhos percorridos na Universidade Federal de Sergipe
139

Corredor Visconde de Maracaju: classifica- de extensão, pois uma parte dele não passará
do, inteiramente, como corredor BRT, por apre- por obras de construção, assim, este corredor
sentar todos os elementos necessários. Toda- apresenta efetivamente 7,5 quilômetros.
via, o mesmo não apresenta a extensão real Corredor Desembargador Maynard: apre-
de 7,6, mas de 5,8 quilômetros, pois 1,8 quilô- senta todos os elementos para um BRT, po-
metros de seu trecho não será mais construído rém, não é classificado como tal, pois a co-
(ARAGÃO, 2016). brança de tarifa fora do ônibus e o embarque
Corredor São Paulo: também classificado nivelado com o veículo são apenas utilizadas
como BRT, pois apresenta todos os elementos em um único ponto. Logo, havendo a necessi-
obrigatórios. Porém, o corredor apresenta uma dade de cobrador no interior dos ônibus e ni-
extensão total de 4,6 e não de 8,6 quilômetros. velamento das plataformas de embarque com
Corredor Osvaldo Arranha: classificado o ônibus na maior parte do corredor (79,25%).
como faixa exclusiva para ônibus, pois não Além disso, também apresenta apenas 20,75%
apresenta as estações de BRT, dessa forma, do percurso segregado do restante do tráfego,
não obtendo estrutura para pré-pagamento assim considerando-o neste percurso “faixa
de tarifa e embarque em nível com o veículo. exclusiva” e no restante, 79,25%, sistema de
Todavia, está segregado do tráfego misto em ônibus convencional.
todo percurso. Corredor Beira Mar: classificado como cor-
Corredor Jardins: classificado como faixa redor convencional, pois mesmo que apresente
exclusiva (29,73%) e sistema convencional de quase todos os elementos, a infraestrutura se-
ônibus (70,27%), pois não apresenta as esta- gregada não apresenta nenhuma extensão, ou
ções e, consequentemente, estruturas para seja, todo o percurso apresenta somente vias
pré-pagamento de tarifa e nivelamento com o compartilhadas. Além disso, a estação com co-
veículo. Apresenta apenas 29,73% (3,30 quilô- brança de tarifa e a área nivelado com o veículo
metros) de segregação do corredor, sendo ne- só é apresentada em um único ponto.
cessário mais de 40% para ser considerado BRT. Corredor Tancredo Neves: apresenta pon-
Corredor Augusto Franco: classifica- tos de ônibus em 25,48%, dessa forma, esta ex-
do como corredor BRT, pois apresenta to- tensão se classifica como faixa convencional e
das as características, porém não apresenta o restante (74,52%) de sua extensão como BRT.
a extensão de 8,35 e sim de 5,2 quilômetros, No decorrer da coleta de dados, também
aproximadamente. foram analisadas as demais características do
Corredor Hermes Fontes: classificado sistema e verificou-se que a faixa de ultrapas-
como BRT, pois apresenta todos os elementos sagem não se apresenta de forma padronizada,
necessários para tal classificação. Entretanto, como se verifica nos sistemas já implantados
este corredor não apresenta 10,2 quilômetros em outras cidades. No caso da proposta para

Arquitetura e cidade: ensaios projetuais, análises urbanas e caminhos percorridos na Universidade Federal de Sergipe
140

Aracaju, a faixa de ultrapassagem para os BRTs Dentre as cidades com alta qualidade do sis-
se configura apenas em uma baia disposta em tema BRT, foram escolhidas Curitiba, Quito, Bo-
frente a cada estação. A justificativa deve-se à gotá, Cidade do México e Medellín, sendo estas
falta de espaço nas vias e o alto custo na inde- cidades representantes de gerações do BRT:
nização das desapropriações para aumentar o Curitiba – 1°, Quito e Bogotá – 2°, Cidade do Mé-
espaço e incluir as vias de ultrapassagem (NO- xico – 3°, Medellín – 4°. Os sistemas de Curitiba
VARRO; JESUS, 2016). Portanto, levando em e Bogotá foram selecionados por apresentarem
consideração a análise, o “sistema revisado de a característica de um sistema “completo”, ou
BRT de Aracaju” apresenta uma extensão “real” seja, oferece serviços exemplares de transporte
de 23,1 quilômetros, com 4 corredores BRT e apresenta as características críticas do BRT
(Visconde de Maracaju, São Paulo, Augusto (ARIAS et al., 2008). O sistema de Quito, as-
Franco e Hermes Fontes), os quais se conec- sim como o da Cidade do México, apresenta as
tam aos terminais urbanos Mercado, Maracaju, mesmas características de melhorias ambien-
DIA e Orlando Dantas, não havendo conexão tais, saúde populacional e uma implantação de
com os terminais metropolitanos pelas mesmas custo reduzido (ARIAS et al., 2008; BONOTTO,
avenidas e aos demais terminais urbanos. Es- 2011; BRTDATA, 2016), além de ambos apre-
tes sendo apenas conectados pelas “faixas ex- sentarem modais integrados. Já a seleção do
clusivas” e linhas convencionais. Dessa forma, sistema de Medellín ocorreu por ser um sistema
conclui-se que dos 10 corredores propostos de alta qualidade, exemplo de integração com
como parte do sistema BRT, apenas 40% deles outros modais (teleférico e metrô) e acesso ao
podem ser classificados como tal. transporte público a partir de áreas periféricas e
altas da cidade (COLÔMBIA, 2014).
Os critérios utilizados para análise referem-se
2 Comparando com os referenciais
aos principais componentes para o desenvolvi-
mento de um sistema eficiente e de qualidade,
A análise comparativa entre os sistemas foi que proporcione um melhor deslocamento para
executada utilizando o estudo das característi- a população, igualdade social, qualidade de
cas de cada referencial para obtenção dos da- vida e melhorias ambientais. Logo, foram sele-
dos que fossem úteis para os critérios compa- cionados os critérios que com sua ausência ou
rativos. Vale observar que a tarifa foi analisada presença poderiam afetar a cidade, eficiência
utilizando valores de 2016 e, no caso de Araca- e qualidade do BRT, distribuídos em diferentes
ju, a tarifa do sistema convencional daquele ano, categorias: social, ambiental e de eficiência.
por não apresentar dados sobre a possível tarifa Os critérios sociais referem-se às caracte-
a ser cobrada, podendo haver ou não uma alte- rísticas que proporcionam a qualquer cidadão,
ração de seu valor. (NOVARRO; JESUS, 2016). principalmente, o de menor poder aquisitivo, a

Arquitetura e cidade: ensaios projetuais, análises urbanas e caminhos percorridos na Universidade Federal de Sergipe
141

equidade social e o direito ao uso do transporte R$: 0,90, Bogotá: R$: 2,50, Cidade do México:
público. São eles: existência de linhas do siste- R$: 1,28 e Medellín: R$: 2,20 (BRTDATA, 2016;
ma nas zonas de menor poder aquisitivo e co- ARACAJU, 2015). Logo, observa-se que a tarifa
nexão do sistema a outros modais, os quais se- referente a Aracaju é a segunda maior dentre
rão somente analisados no sistema de Aracaju; os sistemas, sendo somente menor que a de
e tarifa, único critério analisado na comparação Curitiba. Todavia, ao verificar o preço de uma
entre os sistemas. Os critérios ambientais são única passagem sobre o valor de salário míni-
caracterizados pela busca de solução para os mo de cada cidade, foi observado que o valor
problemas ambientais. Dessa forma, para esta da tarifa está entre a média de valores (0,35%),
pesquisa, o critério selecionado para este fim antes somente de Curitiba (0,42%) e da Cidade
refere-se ao combustível utilizado pelo veículo do México (0,39%), porém não atingindo Quito
do sistema, que pode ocasionar uma redução (0,07%), Medellín (0,26%) e Bogotá (0,30%).
ou não emissão de substâncias tóxicas no am-
biente. E, por fim, os critérios de eficiência, que 2.2 Critério Ambiental
são as características que promovem a melhor
qualidade e desempenho do próprio sistema:
tempo médio de parada em estações, estações Combustível: se apresenta em tipologias di-
niveladas com o veículo, presença de faixa de ferentes nos sistemas de BRT, pois os referen-
ultrapassagem, distância entre estações, posi- ciais variam entre biodiesel, diesel, gás natural
ção das faixas, tipos de vias, tipos de linhas e e eletricidade, sendo o diesel o combustível
densidade populacional são algumas das carac- predominante. Destacam-se como melhores
terísticas. Assim, a presente análise tem como fontes energéticas o biodiesel e o etanol, por
objetivo expor a situação do BRT de Aracaju, se tratarem de fontes renováveis com menor
diante de sistemas com excelentes padrões de emissão de gás carbônico; e a eletricidade,
qualidade, desenvolvendo, dessa forma, uma por ser uma fonte sustentável quando provinda
visão de como o sistema de Aracaju está diante da energia eólica, eletrovoltaica e hidroelétrica
dos demais. Segue-se a análise. (MELO, 2016). Analisando os referenciais, a
Rede Integrada de Transporte (Curitiba), o Me-
trobus-Q (Quito), o TransMilênio (Bogotá) e o
2.1 Critério Social
Metrobús (Cidade do México) são os sistemas
que utilizam como fonte energética o diesel em
Tarifa: critério que é parâmetro de acesso seus veículos e o Metroplús (Medellín), o gás
ao sistema por toda a população. São cobra- natural. Dessa forma, estes não apresentam
dos os seguintes valores nas cidades em análi- desempenho e sustentabilidade satisfatórios,
se: Aracaju: R$: 3,10, Curitiba: R$: 3,70, Quito: em termos de poluição ambiental e qualidade

Arquitetura e cidade: ensaios projetuais, análises urbanas e caminhos percorridos na Universidade Federal de Sergipe
142

de vida populacional. Já os sistemas de Curiti- dados do BRT (2016), o tempo médio entre os
ba e Quito utilizam o biodiesel e a eletricidade, referenciais variam de 20 a 25 segundos.
respectivamente, em parte dos seus sistemas, Velocidade Média: geralmente, não ultra-
desse modo, seu impacto na natureza, diante passa os 23 km/h, mas deve ser maior que o
dos demais, é menos prejudicial. O combus- sistema convencional de ônibus. Analisando as
tível do BRT de Aracaju não se apresenta de velocidades propostas para o BRT de Aracaju,
forma diferente da maioria dos mencionados, constatou-se que estas variam entre 20 a 30
pois nele será utilizado o diesel S-10 (NOVAR- km/h (NOVARO; JESUS, 2016), classificando-
RO; JESUS, 2016). Apesar de apresentar uma -se, assim, acima da média dos referenciais, os
quantidade menor de enxofre do que o diesel quais variam entre 16 a 26,2 km/h.
S-50, ainda assim tem uma quantidade rele- Nível de Embarque das Estações: trata-se da
vante de gás carbônico liberada na atmosfera, altura das estações, as quais têm como objetivo
bem como demais partículas durante sua quei- nivelar-se ao veículo do sistema. Observando o
ma (MELO, 2016). Dessa forma, o sistema de projeto para Aracaju e os referenciais, notou-se
Aracaju não apresenta a sustentabilidade nem que o BRT de Aracaju atende a este item, pois to-
menor emissão de poluentes. dos apresentam estações niveladas ao veículo.
Faixa de Ultrapassagem: é um elemento que
não é necessário para classificar um corredor
2.3 Critério de eficiência
como BRT básico, porém foi selecionado, pois
proporciona eficiência ao transporte. Todavia,
Tempo de Paradas nas Estações: refere-se este critério não pode ser comparado aos de-
ao tempo necessário para embarque e desem- mais referenciais, isso porque o sistema de Ara-
barque de passageiros. Tal tempo deve ser caju não apresenta este critério.
otimizado por meio dos elementos dos siste- Pré-pagamento de Tarifa: característica que
mas, como estações niveladas com o veículo influencia no aumento da velocidade do sistema,
e pré-pagamento de tarifa. Assim, ao analisar deve estar presente nas estações e terminais ao
os sistemas referenciais, observou-se que to- longo dos corredores e pode estar presente nas
dos apresentam os elementos que compõem linhas alimentadoras. Nos referenciais adotados,
tal característica. Ao analisar o tempo médio todos apresentam o elemento de forma parcial,
de paradas nas estações do projeto de Araca- exceto o Transmilênio (Bogotá), pois este apre-
ju e dos referenciais, observou-se que todos se senta a mesma em todo o sistema (BRTDATA,
assemelham, pois, a proposta para o sistema 2016). Assim, ao observar a proposta revisada
de Aracaju terá como tempo médio de parada, para Aracaju, notou-se que ela também diverge
nas estações, de 20 a 30 segundos (NOVARO; da maioria, isso por adotar o pré-pagamento de
JESUS, 2016), e, de acordo com o banco de tarifa em todos os corredores.

Arquitetura e cidade: ensaios projetuais, análises urbanas e caminhos percorridos na Universidade Federal de Sergipe
143

Distâncias entre Estações: elemento influen- sistema de Curitiba é a única exceção, já que,
ciador na velocidade e tempo de deslocamento. além das tipologias mencionadas, apresenta
Deve, de acordo com Institute for Transportation também as canaletas. Elas exercem um signifi-
& Development Policy (2014), apresentar uma cativo papel no desempenho operacional, prin-
distância entre 300 a 800 metros, pois consi- cipalmente, em ganho de velocidade. Similar a
dera-se um percurso confortável para os usuá- Curitiba, o BRT de Aracaju apresenta as mes-
rios e bom o suficiente para manter a eficiência mas tipologias, apesar de ter uma menor exten-
do sistema. Ao analisar as referências de BRT, são, destacando-se dos demais pelas mesmas
notou-se que todos apresentam distância maior características do BRT curitibano.
que 600 metros. Em contrapartida, analisando Tipos de Linhas: o tipo de linha consiste no
a mesma distância no projeto de Aracaju, fo- seu alcance no sistema, que são traçadas in-
ram obtidas distâncias que variam de 350 a 400 terligando toda a cidade, além de conectá-la
metros, a depender da localidade (ARAGÃO, a municípios vizinhos. Logo, diante dos dados
2016). Dessa forma, concluindo-se que este cri- do projeto proposto para Aracaju (2015), obser-
tério se aproxima da distância mínima proposta vou-se que o sistema apresenta linhas urbanas
para um bom padrão de qualidade do BRT, e e metropolitanas. Entretanto, ao observar os
bem menor que as distâncias dos referenciais detalhes de cada corredor do sistema forneci-
escolhidos (1,40 a 2,09 vezes menor). do pela SMTT (2016), concluiu-se que não ha-
Posição das Faixas: localiza-se nas posições via conexão com os Municípios, apresentando
laterais ou centrais. Todavia, o ideal é que tais apenas linhas urbanas. Todavia, ao analisar os
faixas sejam posicionadas no centro ou laterais referenciais, notou-se que a maioria conecta a
esquerdas, objetivando minimizar conflitos e cidade a áreas vizinhas. Metrobus-Q de Quito
acidentes. Analisando os referenciais, obser- e TransMilênio de Bogotá são os únicos exem-
vou-se que todos apresentam faixas posiciona- plos comuns a Aracaju. Entretanto, os corredo-
das nas laterais e centro, exceto no TransMilê- res de Aracaju integram apenas algumas áreas
nio, que apresenta faixas unicamente centrais. da cidade, concentrando-se no centro urbano e,
Assim, o BRT não se encaixado nessa exceção, diferentemente daqueles, não se conecta a ou-
pois apresenta faixas laterais e centrais, assim tro modal de transporte de massa
como os demais. Baseando-se na análise comparativa até
Tipos de Vias: divididas em canaletas, exclu- aqui explanada, é possível afirmar que os qua-
sivas ou compartilhadas, as quais em um mes- tro corredores da proposta de BRT para Aracaju
mo corredor podem se misturar de acordo com (classificados como BRT no presente trabalho),
a estrutura viária e/ou tráfego. Os sistemas re- assemelham-se, diante dos critérios seleciona-
ferenciais em sua maioria apresentam somen- dos, aos outros corredores dos referenciais de
te faixas exclusivas e compartilhadas, porém o sistemas eficientes e consolidados de BRT. No

Arquitetura e cidade: ensaios projetuais, análises urbanas e caminhos percorridos na Universidade Federal de Sergipe
144

critério social, está na média entre as tarifas; classe de menor poder aquisitivo e o atendimen-
no ambiental, utiliza o mesmo combustível da to pelos corredores às áreas mais densas.
maioria dos outros sistemas; e no de eficiência, O alcance das linhas do sistema BRT, no
apresenta-se da mesma forma que os demais. âmbito social, trata-se do atendimento às po-
pulações de menor poder aquisitivo. Como tal,
o sistema consiste em uma aparelhagem de
3 Analisando os Impactos
alta capacidade que deve atender e conectar
a maior área urbana possível. Lembrando que
A análise de impactos realizou-se baseando- a mobilidade urbana e o serviço de transporte
-se nos seguintes critérios: (i) critério social: al- público visam uma equidade social, então de-
cance do sistema à população de menor poder ve-se leva em consideração que o sistema tem
aquisitivo e às áreas de maior densidade popu- por obrigação atender a todos os bairros de for-
lacional; (ii) critério ambiental: busca soluções ma igualitária. A equidade social de mobilidade
para os problemas ambientais ocasionados à pode ser proporcionada pelas principais linhas
cidade e à população; (iii) critério de eficiên- de Bus Rapid Transit ou através de outros mo-
cia: características do sistema que promovem dais que se interligam a ele.
a melhor qualidade e desempenho do sistema. A partir da análise da média ponderada de
A análise de alcance do sistema à população de rendimento mensal por bairro, identificou-se os
menor poder aquisitivo foi executada com a uti- bairros predominantes de menor poder aquisiti-
lização do mapa dos corredores do BRT de Ara- vo e, constatou-se que estes estão localizados
caju, fornecidos pela SMTT e demais linhas de nas áreas Norte, Noroeste e Sudoeste. Assim,
ônibus; mapa de ciclovias da cidade e um mapa ao analisar os corredores diante desses bair-
de renda média por bairro, baseado nos dados ros, observou-se, inicialmente, que o alcance
do IBGE (censo de 2010). Já a análise do alcan- do sistema proposto para o revisado foi reduzi-
ce das linhas às áreas densas também utilizou do. Restando, assim, às populações das áreas
o mapa dos corredores do sistema e os dados de menor poder aquisitivo do Norte ser atendi-
do IBGE (censo de 2010) para formulação de da pelo corredor Visconde de Maracaju; a do
um mapa com áreas densamente povoadas. Noroeste, pelo corredor São Paulo e Augusto
A análise a seguir demostrará os impactos Franco; e a do Sudoeste, pelo corredor Hermes
proporcionados na cidade e na população com Fontes. Todavia, alguns bairros são diretamen-
a implantação do BRT (considerando apenas os te atendidos, enquanto outros necessitam de
corredores BRT classificados como tal na análise uma integração de linhas complementares.
do sistema do presente trabalho), dessa forma, O corredor Visconde de Maracaju atende a
estudando o alcance e o modo de atendimento à população do Norte, e seu alcance é expandido

Arquitetura e cidade: ensaios projetuais, análises urbanas e caminhos percorridos na Universidade Federal de Sergipe
145

através de linhas complementares. O terminal transferência os terminais DIA e Orlando Dan-


Maracaju, localizado entre os bairros Soledade tas, além de algumas estações ao seu longo. O
e Cidade Nova, atende ambos os bairros, além terminal DIA transfere os usuários para a área
de alcançar o Lamarão. Este corredor também Oeste e o Orlando Dantas para a área Sudoes-
se estende até a área oeste, que é principal- te. Entretanto, também há estações que enca-
mente atendida pelo corredor São Paulo e, de minham os mesmos as estas zonas, porém a
forma secundária, pelo corredor Augusto Fran- população para alcançar seu destino deve, as-
co. Já o terminal do Mercado atende apenas o sim como ocorre no corredor Visconde de Ma-
Porto Dantas. Somente o bairro Japãozinho não racaju, transferir-se para muitas linhas.
é atendido diretamente pelos terminais, mas se Contudo, em uma visão geral, todas as zo-
conecta ao sistema pelas estações existentes ao nas de menor poder aquisitivo se conectam ao
longo do corredor. O corredor São Paulo atende sistema de BRT, porém umas com mais linhas
a população de menor poder aquisitivo do Oeste e outras com menos. Logo, estas se comparado
de Aracaju. Todavia, diferentemente do anterior, aos bairros do centro da cidade pela quantida-
ele apresenta apenas um terminal, localizado no de de linhas, apresenta muito menos, assim, os
Leste, conectado a seu trecho, deixando a fun- bairros de menor poder aquisitivo apresentando
ção de atender a população desejada para a es- menos possibilidades de linhas para desloca-
tação da sua extremidade mais próxima da área. mento que outros bairros da cidade.
As linhas complementares que se destinam aos Para complementar o alcance do sistema as
bairros em destaque não excluem nenhum de- áreas, observa-se o modal não motorizado, a
les, porém, nem todas saem diretamente da es- bicicleta, a qual seu traçado existente apresen-
tação. Dessa forma, os usuários necessitarão ta-se principalmente no centro da cidade. Estas
de transferência para outras linhas. são conectadas com o BRT através dos paraci-
Desempenhando o papel de apoiar o corre- clos, localizados nos terminais. Todavia, obser-
dor São Paulo na área do Noroeste, o corredor va-se que elas não estão todas conectadas ao
Augusto Franco, que não se conecta à área di- sistema e as que estão estendem-se apenas as
retamente, apresenta algumas linhas comple- áreas centrais, pois conectam se apenas com
mentares que conectam os usuários ao corre- o terminal DIA, com algumas poucas exceções
dor, principalmente seus usuários ou os com que atinge os bairros do Noroeste e Sudeste de
destino ao bairro América. Já o corredor Her- Aracaju. Dessa forma, sendo as linhas comple-
mes Fontes, que se estende ao longo do centro mentares de ônibus o único modal viável para
da cidade, atende a população de menor poder estender o alcance do BRT à população de me-
aquisitivo do Sudoeste e Oeste de Aracaju, co- nor poder aquisitivo.
nectando tal população ao corredor São Pau- Outro impacto é o alcance do Bus Rapid
lo. O corredor utiliza como principais pontos de Transit às áreas mais densas de Aracaju. Es-

Arquitetura e cidade: ensaios projetuais, análises urbanas e caminhos percorridos na Universidade Federal de Sergipe
146

Considerações Finais

tas devem ser alcançadas a fim de proporcionar O sistema, com apenas os corredores Vis-
melhores desempenho do transporte público e conde de Maracaju, São Paulo, Augusto Franco
deslocamento, além de acesso à população, e Hermes Fontes, não desempenha a eficiência
podendo não apenas ser proporcionado pelo e alcance almejados pela proposta, pois há zo-
BRT, mas também por outros modais de alta ca- nas da cidade não alcançadas por eles e que
pacidade. No entanto, como já foi constatado, acabam sendo alcançadas pelas linhas com-
Aracaju não os apresenta e os corredores do plementares do sistema convencional, incluindo
sistema são os únicos em questão. as “faixas exclusivas” (demais corredores não
As áreas mais densas da cidade se encon- classificados). Dessa forma, se este sistema
tram no Oeste, Sul e Sudeste, devendo, assim, apresentasse todos os 10 corredores realmen-
receber a implantação dos corredores de BRT. te sendo BRT, poderia levar a qualidade do Bus
Quando analisados os quatro únicos corredo- Rapid Transit para outras áreas da cidade. Além
res do sistema revisado, observa-se que estes disso, o sistema poderia ser estendido para al-
atendem apenas uma pequena parte, a área cançar os três municípios adjacentes à capital,
central da cidade. Deixando, assim, toda a la- conforme proposto no projeto inicial, mas que se
teral Oeste e a parte Sudeste de Aracaju sem evidenciou não se tratarem de BRT os corredo-
este atendimento. O que nos diz que alguns res que fariam a conexão urbana-metropolitana.
bairros com altas densidades não apresen- Diante dos referenciais adotados, os quatro
tam alternativas de melhoria de desempenho corredores BRT apresentaram desempenho se-
e eficiência do transporte público. Portanto, melhante aos referenciais. A faixa de ultrapas-
as áreas atendidas, tanto as de menor poder sagem foi o único item a destacar, devido ao uso
aquisitivo quanto as dewnsas, com os corre- da baia em frente as estações, a qual não é ob-
dores classificados como BRT pelo sistema servada em nenhum referencial. Quanto ao im-
revisado são poucas, principalmente, pela pe- pacto da proposta, o sistema BRT se restringe,
quena extensão do sistema e este também apenas a quatro corredores e foi verificado que
não estando conectado a outro modal de alta não atende com eficiência as necessidades. A
capacidade, como ocorre em outros sistemas. população de menor poder aquisitivo, enfoque
Dessa forma, a posposta de BRT para Aracaju da análise, em alguns bairros não é alcançada
não atende as necessidades da própria cidade pelos corredores, mas é pelas linhas comple-
e de sua população, consequentemente, não mentares. Todavia, os usuários devendo mudar
proporciona o melhor impacto. de linha muitas vezes, gerando desconforto e

Arquitetura e cidade: ensaios projetuais, análises urbanas e caminhos percorridos na Universidade Federal de Sergipe
147

transtornos. O restante da população, mesmo com/2011/07/01/sistema-brt-traz-beneficios-a-ci-


não sendo o objetivo da análise, também deve dade-do-mexico/>. Acesso em: 13 maio 2016.
receber um atendimento de eficiência, pois des- BRASIL. Avaliação Comparativa das Modali-
sa forma pode-se proporcionar a toda a cidade dades de Transporte Público Urbano, Asso-
um bom sistema de transporte público. ciação Nacional das Empresas de Transportes
Em síntese, a proposta não atende de forma Urbanos, Curitiba, 2009.
equânime e eficaz toda a população aracajuana,
COLÔMBIA. Plan de Movilidad segura de Me-
devido à pequena extensão, quantidade de corre-
dores e traçados e distribuição do mesmo. Logo, dellín. Plano de Mobilidade, Alcaldía de Medel-
o projeto proposto precisa ser revisado para adi- lín, dez. 2014. 200 p.
cionar características classificatórias aos demais GLOBAL BRT DATA (BRTData). Plataforma de
corredores descartados no sistema revisado, por Dados do BRT. Centro de Excelência de desen-
não serem realmente Bus Rapid Transit. volvimento do BRT, Instituto de Políticas de Trans-
porte e Desenvolvimento (IPTD). Disponível em:
Referências <http://brtdata.org/>. Acesso em: 8 abr. 2016.
INSTITUTE FOR TRANSPORTATION & DEVE-
LOPMENT POLICY (ITDP). Padrão de Quali-
ARACAJU (Sergipe). Plano Diretor de Mobili- dade BRT. Institute for Transportation & Deve-
dade de Aracaju. Plano Diretor, Prefeitura Mu- lopment Policy. 2014. 56p. (BRT Standard).
nicipal, Aracaju, maio 2015. 176 p.
MATTSSON, Caroline. Sustainable Urban Mo-
ARACAJU (Sergipe). Plano Diretor de Mobili- bility Plan: A Comparison of the Implementa-
dade de Aracaju Anexos. Plano Diretor, Pre-
tion in Spain and Sweden. 2006. 80f. Disserta-
feitura Municipal, Aracaju, maio 2015. 375 p.
ção (Mestrado em Division of Architecture and
ARAGÃO, Décio Carvalho. Sistema de BRT Infrastructure) – Engenharia Civil, Lulea Univer-
de Aracaju: entrevista. [agosto, 2016]. Aracaju: sity of Technology, Suécia, 2006.
EMURB-SE.
MELO, Carlos R. M.Tipos de combustíveis: en-
ARIAS, César, et al. Manual de BRT: Guia de trevista. Aracaju, 2016. Entrevista concedida a
Planejamento. Brasília, D.F., Brasil: Ministério Maria Clara Ramos Melo
das Cidades, 2008.
MELO, Maria Clara Ramos. Bus Rapid Tran-
BONOTTO, Giancarlo. Sistema BRT Traz Bene- sit (BRT): Análise do Sistema Proposto
fícios à Cidade do México. The City Fix Brasil, 1, para Aracaju. 2016. Trabalho de Conclusão
jun. 2011. Disponível em: <http://thecityfixbrasil. de Curso (Graduação em Arquitetura e Urba-

Arquitetura e cidade: ensaios projetuais, análises urbanas e caminhos percorridos na Universidade Federal de Sergipe
148

nismo) – Universidade Federal de Sergipe, nology Innovation, São Paulo. v. 1, n. 1, set/dez.


Laranjeiras, 2016. 2013. p. 84-98.
NAVARRO, Francisco; JESUS, Nilson Pereira. SMTT (Superintendência Municipal de Trans-
Entrevista. Esclarecimentos sobre o BRT de porte e Trânsito). BRT de Aracaju. Slide de
Aracaju. SMTT-SE, Aracaju, ago. 2016. apresentação sobre o BRT. Aracaju, Sergipe:
REIS, João; LIMA, Jairo; MACHADO, Sivanilza; Prefeitura de Aracaju, 2016.
FORMIGONI, Alexandre. Bus Rapid Transit SMTT (Superintendência Municipal de Transpor-
(BRT) como Solução para o Transporte Pú- te e Trânsito). Novo Sistema de Transporte Pú-
blico de Passageiros na Cidade de São Pau- blico de Aracaju. Apresentação Consulta Públi-
lo. INOVAE – Journal of Engineering and Tech- ca. Aracaju, Sergipe: Prefeitura de Aracaju, 2016.

Arquitetura e cidade: ensaios projetuais, análises urbanas e caminhos percorridos na Universidade Federal de Sergipe
149

11
Vinícius Silva Rodrigues
Fernando Antônio S. de Souza

Introdução

A Globalização e a Revolução Tecnológica, ain- centro de efervescência das transformações recen-


da em curso, foram determinantes para a promo- tes em Nossa Senhora do Socorro, como também
AS TRANSFORMAÇÕES ção de grandes transformações no mundo, princi- consolidou a condição histórica de fragmentação
palmente no final do século XX. O desenvolvimento da malha urbana deste município, subdividido em
RECENTES da telemática permitiu a conexão de diversos ter- três grandes áreas: ao Norte está a sede municipal,
ritórios ao redor do mundo que, por sua vez, pas- estagnada e sem destaque no cenário político-eco-
NO ESPAÇO URBANO saram a ter relações espaciais particulares neste nômico; a Oeste, situam-se os loteamentos e con-
cenário globalizado. As transformações na econo- juntos menores, dos quais se destacam o Parque
DE NOSSA SENHORA mia mundial que emergiram neste momento tam- dos Faróis e o Conjunto Jardim; e a Leste, os con-
bém foram importantes para desencadear novos juntos que formam o Complexo Habitacional Taiço-
DO SOCORRO/SE: UMA processos e fenômenos no espaço urbano, princi- ca, implantados pelo Estado em 1980, e principal
palmente quando da reestruturação produtiva ve- área de dinamização recente do município.
DESCONCENTRAÇÃO rificada a partir da segunda metade do século XX. Atualmente, percebe-se a tentativa por parte
Tal reestruturação refletiu diretamente na pro- do Estado de desenvolver o Distrito Industrial do
METROPOLITANA1 dução e na configuração contemporânea das cida- Complexo Taiçoca, enquanto se verifica a conso-
des, inclusive em cidades-dormitórios localizadas lidação desse último frente aos investimentos re-
em pequenas regiões metropolitanas, como é o centes no território: a expansão da malha viária e
caso da Grande Aracaju, no litoral Sul de Sergipe. a construção de obras d’arte pelo poder público; a
Fazem parte dessa região, além de Nossa Senho- diversificação do comércio e dos serviços ofereci-
ra do Socorro, as cidades de Barra dos Coqueiros, dos naquele núcleo; a chegada de empreendimen-
Laranjeiras, Maruim, Santo Amaro das Brotas, São tos imobiliários ao Complexo Habitacional Taiçoca
Cristóvão e a capital, Aracaju. e o surgimento de novas formas de ocupação do
Com uma população de 160.827 habitantes e ex- território; a valorização dos imóveis no tecido ur-
tensão territorial de 155 km² (IBGE, 2010), Nossa bano; e a instalação de equipamentos urbanos de
Senhora do Socorro tem evidenciado, nos últimos médio e grande porte, como shopping center, ga-
1. Artigo produzido com base no Trabalho de Conclu- anos, alterações importantes na produção do espa- lerias comerciais, clínicas especializadas, institui-
são de Curso intitulado “As transformações recentes ço urbano, desenvolvendo-se sobretudo diante da ções financeiras, entre outros. A observação deste
no espaço urbano de Nossa Senhora do Socorro: uma
desconcentração metropolitana”, elaborado por Viní-
consolidação dos conjuntos habitacionais que for- cenário evidencia os importantes investimentos
cius Silva Rodrigues sob orientação do Prof. Dr. Fer- mam o Complexo Taiçoca e pela atração de serviços que vem recebendo o Complexo Taiçoca.
nando Antônio S. de Souza, apresentado e aprovado
e comércio para tal área. Este cenário não somente Diante dessas constatações, alguns questiona-
em abril de 2017 no Departamento de Arquitetura e Ur-
banismo da Universidade Federal de Sergipe. colaborou para tornar o Complexo Habitacional o mentos foram fundamentais para a construção e

Arquitetura e cidade: ensaios projetuais, análises urbanas e caminhos percorridos na Universidade Federal de Sergipe
150

a orientação das investigações desta pesquisa: O espaço metropolitano, assim, permanece


Quais foram as transformações recentes verifi- como o lugar onde se materializam os principais
cadas na economia mundial e qual sua repercus- interesses do modo de produção capitalista.
são na produção do espaço urbano, principal- Até 1970, a indústria era a atividade econô-
mente o metropolitano, em diferentes escalas? mica dominante e, para produzir em escala, fa-
Por que Nossa Senhora do Socorro teve um ziam-se necessárias economias de aglomera-
crescimento tão acelerado durante as últimas ção, consolidando as grandes cidades e suas
duas décadas? Qual o papel do Estado no to- regiões metropolitanas. A industrialização for-
cante ao desenvolvimento do município e qual dista, após um período de expansão, começou
foi sua atuação em relação às políticas públicas a sinalizar certo enfraquecimento. Especifica-
voltadas, principalmente, ao desenvolvimento mente em 1973, a crise do petróleo aprofundou
industrial e habitacional naquele território? Ex- o cenário de dificuldades que se desenhava
cetuando-se as ações estatais, quais foram os desde meados da década de 1960, com reper-
empreendimentos que dinamizaram e continuam cussões negativas no mercado de trabalho, que
a dinamizar a ocupação urbana em Nossa Se- passou, segundo Souza (2016, p. 128), por uma
nhora do Socorro? Por fim, especificamente, que radical reestruturação, com acordos de empre-
tipo de alteração repercutiu na dinâmica imobi- gos cada vez mais flexíveis.
liária deste município diante das transformações Atualmente, a reestruturação produtiva em
perceptíveis no uso e na ocupação do solo? curso, sobretudo com a precoce desindustriali-
zação brasileira, e a flexibilização da produção
implicam a constituição e o fortalecimento de no-
1 Transformações recentes na economia
vas centralidades urbanas no sentido de abrigar
mundial e seu rebatimento no espaço
uma economia baseada no consumo e susten-
urbano, especialmente o metropolitano
tada não mais pela produção industrial em mas-
sa, e sim pela financeirização econômica. Esse
As últimas duas décadas apresentam-se aspecto repercutiu diretamente na organização
como marcos temporais importantes para a do espaço das cidades, que cada vez mais pas-
transformação das cidades ao redor do mun- saram a estar subordinadas à estrutura econô-
do, notadamente com a organização do espa- mica local e mundial, permitindo sua reprodu-
ço a partir de novas formas de aglomeração e ção e consolidação no território globalizado.
concentração de diferentes funções urbanas. A propósito, Araújo (2000, p. 293-294) des-
Este cenário anuncia não somente um novo creve o fenômeno batizado por “globalização”
momento para a urbanização, como também como “a intensificação do secular movimento
uma relação cada vez mais particular e global de internacionalização dos mercados, dos flu-
entre os núcleos envolvidos nesse processo. xos e dos principais agentes econômicos”, da

Arquitetura e cidade: ensaios projetuais, análises urbanas e caminhos percorridos na Universidade Federal de Sergipe
151

qual se seguiu uma reestruturação produtiva e marcando um novo momento da urbanização bra-
uma crescente oportunidade de ampliação do sileira. É evidente, nesse cenário, o fortalecimen-
capital na esfera financeira. À reestruturação to das metrópoles e das grandes cidades como
do capitalismo também se seguiu uma lócus do desenvolvimento tecnológico, e a emer-
reestruturação urbana e regional dos territórios, gência de cidades de pequeno e médio porte com
que passaram a materializar no espaço a nova a função de elo entre os núcleos maiores e como
estruturação econômica mundial, a partir de uma via de distribuição e consumo da produção.
“lógica flexível” a que se refere Souza (2012, p. Desse modo, verifica-se o surgimento de um
1-2) para explicar a inserção de modo descon- novo padrão urbano metropolitano caracteriza-
centrado do capital no território, tendo no setor do, segundo Souza (2016, p. 132), pela descon-
de comércio e serviços seu maior expoente: centração em detrimento ao padrão metropoli-
tano concentrador comandado pela indústria
A financeirização da economia,
a flexibilização dos processos de nacional desenvolvimentista. O processo de
trabalho, dos produtos e padrões de concentração econômica resultante do incre-
consumo, a abertura dos mercados, a mento do setor de comércio e serviços é acom-
desindustrialização, entre outros, são
efeitos sustentados pela Revolução panhado de uma desconcentração espacial,
Tecnológica e Globalização em curso colaborando, de acordo com Sposito (2007, p.
que vêm acontecendo paralelamente a 46), para que os promotores imobiliários tives-
alterações importantes junto à forma, às
funções e estruturas das centralidades
sem importante papel dentro deste cenário de
urbanas. (idem) organização contemporânea do espaço, princi-
palmente o metropolitano, sendo eles os princi-
Para Branco (2007, p. 89), o processo de pais responsáveis pela implantação de diversos
urbanização contemporâneo, acentuado a espaços dentro das cidades que estimularam o
partir da década de 1980, é caracterizado, consumo de bens e serviços.
principalmente, pela concentração tanto da po- É dentro desse contexto que os municípios
pulação quanto das atividades no espaço urba- de Nossa Senhora do Socorro e Aracaju,
no. É esse espaço que passa a abrigar, segundo capital do estado de Sergipe, materializam,
Souza (2016, p. 130), diferentes transforma- de certo modo, o novo momento da economia
ções, convertendo-se em um ambiente privile- brasileira. A reestruturação produtiva pela
giado para a reprodução ampliada do capital por qual Nossa Senhora do Socorro foi alvo nos
meio da dinamização do mercado imobiliário, do últimos anos, especialmente comandada
setor de serviços e de incentivo ao consumo. pela desindustrialização, colocou este
No Brasil, as modificações desencadeadas município frente a uma importante posição
pela reestruturação econômica mundial começa- socioeconômica e espacial na região em que se
ram a ser notadas a partir da década de 1990,

Arquitetura e cidade: ensaios projetuais, análises urbanas e caminhos percorridos na Universidade Federal de Sergipe
152

insere, principalmente diante dos investimentos importantes modificações na configuração urba-


recentes no setor terciário (quase que exclusivos na da região em que se insere aquele município.
ao Complexo Habitacional Taiçoca), do fortale- A abertura da BR-101 e da BR-235 ampliou
cimento de sua relação com Aracaju e da orga- a malha viária de Nossa Senhora do Socorro,
nização do território cada vez mais subordinada permitiu a comunicação com outras áreas (prin-
à metropolização, ora em curso, da capital. cipalmente Aracaju, reforçando a interação com
a capital e sua consequente polarização) e o
2 A configuração urbana povoamento de determinadas partes do seu
historicamente fragmentada território. Neste momento, deu-se início a frag-
de Nossa Senhora do Socorro mentação urbana perceptível na configuração
espacial atual do município em relação à sua
sede, favorecendo o parcelamento das terras
Ao longo das décadas, Nossa Senhora do
(sobretudo a partir de 1970) e a intensificação
Socorro protagonizou sucessivos eventos que
do seu processo de ocupação, como aponta
intercalaram fases de avanços, como o cresci-
França (1999, p.91):
mento e a relevância de suas atividades eco-
nômicas ligadas ao setor primário por volta dos O asfaltamento da rodovia BR-101, ain-
da na década de sessenta, é o primeiro
séculos XVII e XVIII; e de declínios, quando foi
evento a desencadear o processo de
incorporada a outros territórios, como à Vila de valorização das terras rurais nos mu-
Laranjeiras, no século XIX (SANTOS, OLIVEI- nicípios limítrofes a Aracaju. A melhoria
RA e NUNES, 1994, p. 10; NOSSA SENHORA das condições de acessibilidade resulta
numa valorização da terra, acarretando
DO SOCORRO, s.d., p. 1). o parcelamento, passando de proprie-
Com a chegada do século XX, Nossa Senhora dades rurais, com atividades agrícolas,
do Socorro configurou-se como um município de para chácaras mais voltadas para o laz-
er ou como segunda residência para fins
economia estagnada e totalmente voltada ao se- de semana.
tor primário. A expansão da pecuária gerou uma
grande concentração de terra no município, for- Os loteamentos e o parcelamento da terra
mando uma zona rural caracterizada por peque- que se verificou em Nossa Senhora do Socorro
nos e inúmeros povoados, enquanto que a sede tiveram como resultado o espraiamento da ma-
municipal se restringia ao Centro-Norte do terri- lha urbana deste município. A ocupação disper-
tório, isolada e sem maiores destaques. A cons- sa, acentuada pela lógica de implantação dos
trução das estradas de ferro, num primeiro mo- conjuntos habitacionais, principalmente a partir
mento, e a abertura de rodovias, posteriormente, de 1980, tornou ainda mais forte o parcelamen-
foram os principais eventos que anunciaram as to da terra em Nossa Senhora do Socorro e a

Arquitetura e cidade: ensaios projetuais, análises urbanas e caminhos percorridos na Universidade Federal de Sergipe
153

sua ocupação pela população marginalizada a COHAB/SE. A construção e a implantação


que vinha de Aracaju. dos conjuntos através da COHAB/SE permiti-
Dentro deste cenário, a figura do Estado ram maior parcelamento da terra, fazendo sur-
fez-se de suma importância nas alterações gir vários loteamentos ao redor daqueles. Esse
das dinâmicas do aglomerado urbano do qual cenário colaborou para atrair grande parte dos
Nossa Senhora do Socorro faz parte, atuando migrantes que vinham do interior e se dirigiam a
como gestor na provisão do arcabouço neces- Aracaju, mas que se deparavam com situação
sário para a promoção da urbanização do ter- desfavorável na capital e acabaram migrando
ritório. Essa ação do poder público em escala para os loteamentos localizados no entorno dos
local foi capitaneada pelo plano macroeconô- conjuntos (FRANÇA, 1999, p. 84). Foi a partir
mico preconizado para o país, gestado ainda deste momento que os municípios limítrofes a
na década de 1950, que tinha a indústria como Aracaju, entre eles Nossa Senhora do Socorro,
carro-chefe da política de desenvolvimento passaram a ser objetos da expansão, coman-
econômico nacional. dada pela capital do estado.
Um dos ápices desse processo para Nos-
sa Senhora do Socorro, como também para a
3 O Estado e a criação
região em que se insere, foi a elaboração do
do Complexo Habitacional Taiçoca
Projeto Urbano Integrado de Desenvolvimen-
to da Área Metropolitana de Aracaju, realizado
O plano de desenvolvimento econômico e no final da década de 1970 e início de 1980.
social do país a partir da industrialização nacio- O projeto, que tinha como base espacial Nos-
nal repercutiu diretamente na organização e na sa Senhora do Socorro, associava a atividade
produção do espaço urbano em escalas regio- industrial à atividade habitacional, caracterizan-
nal e local. Em Nossa Senhora do Socorro, a do-se como um dos principais indutores no for-
marca incisiva deixada pelo Estado foi esboça- talecimento das relações entre os núcleos parti-
da a partir de um ambicioso projeto de desenvol- cipantes do aglomerado urbano (PEMAS, 2001,
vimento local que culminou com a implantação, p. 71). Ficou definida, assim, a implantação do
na década de 1980, do Complexo Habitacional Complexo Habitacional-Industrial Taiçoca.
Taiçoca e do Distrito Industrial associado a ele. O Estado assumiu uma posição relevante ao
O papel do poder público como agente no comandar ações públicas que subsidiaram a
processo de formação socioespacial do aglo- ocupação em direção ao Norte do território. Mes-
merado do qual faz parte Nossa Senhora do So- mo atraindo um contingente considerável para
corro e que tinha por núcleo principal a cidade seu território, as peculiaridades encontradas à
de Aracaju foi marcado a partir da criação, em época da implantação do Distrito Industrial e dos
1964, da Companhia de Habitação de Sergipe, conjuntos habitacionais em anexo exacerbaram

Arquitetura e cidade: ensaios projetuais, análises urbanas e caminhos percorridos na Universidade Federal de Sergipe
154

ainda mais os problemas encontrados em Nossa uma dinamização na produção do seu território
Senhora do Socorro, colaborando com a condi- (quase que exclusivo à porção que compreen-
ção de cidade polarizada por Aracaju. de o Complexo Habitacional Taiçoca) a partir da
A crise econômica que se instaurou em nível chegada de novas funções urbanas.
nacional na década de 1980 dificultou a instala-
ção do Distrito Industrial. Neste contexto, sem
4 Fragmentação e centralidade urbana:
condições de empregabilidade, a população ins-
as transformações recentes no território
talada em Nossa Senhora do Socorro precisou
de Nossa Senhora do Socorro
buscar condições de trabalho em Aracaju, abri-
gando uma reserva de mão de obra claramente
direcionada à capital e transformando-se em uma Com a estagnação do Distrito Industrial de
cidade-dormitório com deslocamentos pendula- Nossa Senhora do Socorro, a área onde se si-
res entre os municípios, facilitados, sobretudo, tua o Complexo Habitacional Taiçoca passou a
pela proximidade dos núcleos e pelo desenvol- experimentar mudanças significativas na sua
vimento dos meios de comunicação (SOUZA, centralidade, ampliando e consolidando a frag-
2016, p. 138). Mesmo diante do cenário de di- mentação territorial histórica do município. A
ficuldades na implantação do Distrito Industrial, reestruturação na produção econômica brasi-
o Governo do Estado continuou, na década de leira, a proximidade com a capital, a estrutura
1980, a implantação do Complexo, produzindo viária promovida pelo Estado e o rápido cres-
até o ano de 2002, através da COHAB/CEHOP, cimento demográfico favoreceram o avanço de
17.459 unidades habitacionais. Aracaju sobre o Complexo, com a dinamização
A construção dos conjuntos do Complexo do comércio, dos serviços e do setor imobiliá-
Habitacional Taiçoca, os loteamentos que sur- rio, ao mesmo tempo em que criou uma linha,
giram ao redor do mesmo e o projeto de ins- eixo comercial e de serviços, de segregação do
talação do Distrito Industrial no solo de Nossa Complexo Habitacional, separando uma popu-
Senhora do Socorro foram suficientes para lação de melhor poder aquisitivo do restante da
estabelecer este município como um grande pobreza, esta última localizada nas franjas ao
polo de pobreza, conforme atraiu correntes de Norte dos conjuntos.
migração da população pobre que se dirigia a A chegada de novos empreendimentos ao
Aracaju. Também promoveram maior fragmen- solo urbano do Complexo Habitacional Taiçoca,
tação da malha urbana daquele município, visto sobretudo pós anos 2000, significou, não so-
que não houve nenhuma preocupação do poder mente um incremento para o setor de comércio
público em investir e conectar as demais áreas e serviços de Nossa Senhora do Socorro, como
do seu território. Não obstante, este cenário também a indução de seu desenvolvimento e
também permitiu, com o advento do século XXI, a reconfiguração do seu espaço urbano atual,

Arquitetura e cidade: ensaios projetuais, análises urbanas e caminhos percorridos na Universidade Federal de Sergipe
155

destacadamente dos conjuntos habitacionais na to do shopping, a partir de dois instrumentos de


porção Leste do território. Nesse cenário, desta- coleta: o primeiro, destinado ao comportamen-
ca-se a implantação de grandes equipamentos to do público quanto à visitação e ao consumo
comerciais, como um shopping center; do Ter- (frequência de visita, motivo de visita, meio de
minal de Integração José Franklin de Oliveira transporte utilizado para chegar ao shopping,
Ribeiro, reforçando as ligações metropolitanas entre outros); o segundo, ao perfil socioeconô-
com a capital; e importantes investimentos pú- mico do visitante (sexo, faixa etária, local de re-
blicos em obras viárias, como a construção da sidência, profissão, renda mensal, entre outros).
Ponte José Rollemberg Leite. As entrevistas evidenciaram que o usuário
A ampliação da malha viária e os investimen- do Shopping Prêmio é predominantemente jo-
tos nos transportes permitiram alterações no vem adulto, posicionado na faixa etária entre
uso e na ocupação do solo urbano de Nossa 15 e 30 anos (58,96%), dos quais um pouco
Senhora do Socorro, sobretudo no Complexo mais da metade (53,18%) reside em Nossa
Habitacional Taiçoca, que passou a abrigar co- Senhora do Socorro, apesar de a parcela dos
mércio e serviços cada vez mais fortes, locali- residentes em Aracaju ser bastante eviden-
zados nos corredores dos principais acessos e te (39,88%). Os usuários utilizam o transporte
avenidas do município. A materialização deste público (ônibus) como o principal meio de loco-
momento para Nossa Senhora do Socorro ocor- moção (19,36%) e o visitam numa frequência
re com a implantação, em 2011, do Shopping semanal (18,21%). Para este perfil, o principal
Prêmio, um dos seus principais indutores de motivo de visita ao shopping são as compras
desenvolvimento e reconfiguração do espaço, (12,14%), evidenciando a atratividade que
criando novas centralidades urbanas e refor- este setor proporciona para o empreendimento
çando o caráter desses equipamentos como em detrimento do comércio local, que, ao
empreendimentos voltados para o consumo. que tudo indica, vem sendo enfraquecido
O estudo do Shopping Prêmio é de suma diante da incorporação e da propagação no
importância para entender a lógica de implan- espaço intraurbano de empresas maiores e de
tação deste tipo de empreendimento comercial capital internacional.
em Nossa Senhora do Socorro, como também No tocante ao consumo, o público volta-se,
aferir qual a dinâmica inerente a partir de sua principalmente, ao setor de alimentação através
instalação no tocante à oferta e consumo de das redes de fast-foods (21,39%), apesar de o
seus produtos e serviços, os fluxos decorren- setor de vestuário e acessórios também ser ex-
tes de sua implantação para o município e, de pressivo (17,34%), sendo este último o respon-
modo geral, sua área de polarização. sável pela intenção de frequência dos usuários
Foram realizadas 346 entrevistas com o públi- do shopping por produto/serviço (11,56%), além
co-consumidor nos três turnos de funcionamen- de cinema, eventos e/ou lazer (11,56%). A pro-

Arquitetura e cidade: ensaios projetuais, análises urbanas e caminhos percorridos na Universidade Federal de Sergipe
156

cura pelo Shopping Prêmio, de um modo geral, entre outros, pela valorização do solo urbano,
pode ser justificada pelos produtos e serviços pela chegada de novos usos em sua vizinhança
que o mesmo oferece (18,79%), caracterizan- e pela reconfiguração do espaço intraurbano,
do-o como um centro comercial de grande po- quase que exclusivo à dinâmica liderada pelo
der de atratividade atrelado ao consumo. Com Complexo Habitacional Taiçoca.
relação ao poder de compra, o público que o Neste momento, surgiram condomínios fe-
frequenta possui renda mensal familiar de até chados e a difusão desses espaços privatizados
03 salários mínimos (33,82%), com ensino mé- em Nossa Senhora do Socorro, direcionados,
dio completo (26,30%) e que é atraído pelas op- sobretudo, aos novos interesses de investimen-
ções de lazer que o mesmo oferece (13,29%). tos do mercado imobiliário numa área próxima a
A instalação deste equipamento estrategica- Aracaju. Durante a pesquisa, foram registrados
mente no Complexo Habitacional Taiçoca de- 15 empreendimentos imobiliários no Comple-
monstra a potencialidade deste núcleo como xo Habitacional Taiçoca, entre já implantados e
uma centralidade fundada na oferta de comér- alguns em fase de construção, sobretudo nos
cio e serviços. Este aspecto orienta não somen- conjuntos Marcos Freire II e Fernando Collor,
te o incremento da economia local para o setor e no anexo que compreende a Taiçoca de Fora
terciário, como também o interesse dos promo- (Figura 1).
tores imobiliários na incorporação de novas for- Esses condomínios foram responsáveis pelo
mas de ocupação do território e na obtenção do acréscimo de 3.748 unidades habitacionais à
lucro nas adjacências do empreendimento. O malha do Complexo Taiçoca, sendo em sua
Shopping Prêmio, assim, tem sido responsável, grande maioria, fruto do Programa Minha Casa,

Figura 1: Condomínios fechados no Conjunto Fernando Collor


Fonte: Vinícius Rodrigues, 2017

Arquitetura e cidade: ensaios projetuais, análises urbanas e caminhos percorridos na Universidade Federal de Sergipe
157

Minha Vida, do Governo Federal, destinada à A linha de dinamização voltada para a efer-
população com renda entre 03 e 05 salários vescência do setor terciário está localizada nas
mínimos, criando, a partir deste momento, um principais vias de circulação e acesso ao Com-
padrão específico de dinamização do mercado plexo Habitacional Taiçoca, interligando alguns
imobiliário no Complexo Habitacional Taiçoca. dos seus conjuntos e reforçando a comunica-
O levantamento desses imóveis também de- ção entre eles. Ao que tudo indica, foi justa-
monstrou o quanto Nossa Senhora do Socorro mente a continuidade da malha viária e a con-
vem se configurando como expansão territorial sequente comunicação entre Aracaju e Nossa
da capital Aracaju, sobretudo a área limitada Senhora do Socorro que favoreceram a forma-
ao Complexo Habitacional Taiçoca, valorizando ção desses eixos de dinamização econômica
o solo desta parte do território e dinamizando no Complexo Habitacional.
áreas anteriormente inertes e fora do alvo de Os conjuntos João Alves Filho, Marcos Frei-
investimentos. Houve, concomitantemente, o re I e Marcos Freire II se sobressaem como as
fortalecimento da movimentação imobiliária que principais áreas marcadas por essa efervescên-
parte do morador local, haja vista o possível lu- cia na oferta de comércio e serviços, não so-
cro diante da comercialização de seu imóvel, a mente para a população local, como também
partir dos investimentos e da urbanização pe- para as redondezas através da presença de
las quais o Complexo Habitacional Taiçoca vem equipamentos urbanos de grande atratividade.
sendo alvo nas últimas décadas. Além disso, é notório que as áreas que mar-
Tal dinamização também coloca em evidên- geiam tais eixos tornam-se cada vez mais ho-
cia como as alterações no uso do solo e a di- mogêneas e voltadas para o uso residencial, à
versificação do comércio e dos serviços foram medida em que se afastam desses corredores
de suma importância para as transformações re- de dinamização. Contudo, mesmo um pouco
centes no espaço de Nossa Senhora do Socorro, distantes das áreas de maior ebulição no Com-
destacadamente no Complexo Habitacional Tai- plexo, outros corredores de comércio e serviços
çoca. Apesar de fortemente caracterizada pelo também acabam sendo dinamizados, ainda que
uso residencial unifamiliar, esta área passou a em menor intensidade, a partir da movimen-
abrigar corredores de estabelecimentos comer- tação gerada pelos seus principais eixos de
ciais e de serviços que cada vez mais estimulam dinamização econômica.
a diversidade de usos e funções onde se situam, Os equipamentos urbanos instalados no
formando um importante eixo de dinamização Complexo Habitacional Taiçoca exercem tama-
econômica no espaço intraurbano do Comple- nha atratividade que acabam repercutindo nas
xo e uma linha de segregação socioespacial: na transformações do uso do solo nas adjacências
porção Norte, permanece a pobreza e na porção desses empreendimentos. Contudo, também
Sul, a área nobre de expansão de Aracaju. tornam perceptível a segregação socioespa-

Arquitetura e cidade: ensaios projetuais, análises urbanas e caminhos percorridos na Universidade Federal de Sergipe
158

cial a que o Complexo vem se submetendo nos habitacionais. As alterações verificadas na eco-
últimos anos, caracterizando esta linha de di- nomia a nível nacional, na década de 1990,
namização do território também como uma li- contudo, fortaleceram, por meio dos investi-
nha de separação entre a população de maior mentos, a dinamização do setor de comércio
poder aquisitivo, situada ao Sul do Complexo e serviços neste território, levando a uma nova
Habitacional Taiçoca, em áreas com melhores dinâmica metropolitana.
taxas de urbanização; e a população pobre, Fica evidente que há um direcionamento
marginalizada ao Norte do Complexo, ficando à cada vez maior da economia local para o setor
mercê dos investimentos recentes no território de serviços, refletindo diretamente na produção
e ampliando o processo histórico de exclusão do espaço intraurbano de Nossa Senhora do
socioespacial daquele município. Socorro, sobretudo no Complexo Habitacional
Taiçoca, como também das relações desen-
volvidas por este núcleo com suas adjacên-
Considerações Finais
cias, notadamente com Aracaju. Percebe-se a
emergência de uma nova linha de segregação
As transformações econômicas que vêm socioespacial da população pobre na periferia
ocorrendo em todo o mundo e a reestruturação de Nossa Senhora do Socorro que se forma a
produtiva brasileira comandada pela Globali- partir da consolidação de um eixo emergente
zação, pela financeirização e pela Revolução de dinamização econômica que passa a sepa-
Tecnológica em curso têm atraído o capital imo- rar a área conturbada, com melhores condições
biliário, comercial e de serviços na direção de urbanas de sobrevivência, do restante do Com-
Nossa Senhora do Socorro, apoiado pelo Esta- plexo Habitacional, que permanece sem maio-
do e alterando fortemente a configuração espa- res investimentos públicos, perpetuando sua
cial e territorial deste município, levando a uma histórica condição de exclusão social.
conurbação entre Nossa Senhora do Socorro e Destaca-se a atuação incisiva do Estado no
Aracaju, sem perda da polarização comandada desenvolvimento de Nossa Senhora do Socor-
pela última e da condição histórica de submis- ro, que, num primeiro momento, marcou um
são da primeira. ponto de ruptura com o histórico de estagnação
Tais transformações foram acompanhadas do município através da implantação do Com-
por mudanças que inviabilizaram, de certa for- plexo Habitacional-Industrial Taiçoca. Este pro-
ma, a dinamização do Distrito Industrial implan- cesso foi subsidiado, sobretudo, pelos investi-
tado junto ao Complexo Habitacional Taiçoca, mentos públicos que eram injetados tanto na
nucleação mais importante dentro da malha capital quanto em Nossa Senhora do Socorro,
urbana fragmentada de Nossa Senhora do So- concentrados, em sua maioria, na ampliação da
corro, consolidando tão somente os conjuntos malha viária e nos meios de comunicação entre

Arquitetura e cidade: ensaios projetuais, análises urbanas e caminhos percorridos na Universidade Federal de Sergipe
159

estes núcleos, na implantação dos conjuntos de equipamentos públicos que concedem certa
habitacionais e na tentativa de consolidação da centralidade urbana para Nossa Senhora do So-
atividade industrial neste município. corro, fortalecendo os corredores de comércio
Como vimos, a desconcentração da atividade e serviços a partir do prolongamento das vias
produtiva para centros de menor porte também pré-existentes no Complexo e permitindo, em
significou uma desconcentração da população contrapartida, a apropriação do mercado imo-
para as cidades de pequeno e médio porte, ain- biliário neste município, tornando-se o principal
da que tenha permanecida a primazia da metró- agente de dinamização recente do território. O
pole. O mesmo se verificou para Nossa Senhora empreendimento existe e atrai o capital financei-
do Socorro e Aracaju, quando da implantação do ro, descentralizando o investimento da metrópo-
Complexo Urbano-Industrial naquela e o conse- le para outras cidades em suas adjacências.
quente transbordamento dos limites político-ad- Por fim, reitera-se que, principalmente nos úl-
ministrativos da capital para aquele. timos anos, vem ocorrendo uma desconcentra-
Por outro lado, a proximidade de Nossa Se- ção metropolitana na direção de Nossa Senhora
nhora do Socorro com Aracaju, que garante a do Socorro, sobretudo a partir do incremento da
sua condição de participante da região metropoli- sua economia para o setor de comércio e ser-
tana, vem impedindo que a primeira se enquadre viços, colaborando para a formação de novas
na categoria de cidade de porte médio, concei- centralidades urbanas neste município, sem
to atrelado à centralidade e alcance regional de enfraquecer, no entanto, a polarização coman-
uma cidade. Nessa perspectiva, sem dúvida, há dada por Aracaju, que continua a concentrar
uma desconcentração metropolitana na direção funções metropolitanas. A capital avança sobre
de Nossa Senhora do Socorro com a sua conso- Nossa Senhora do Socorro e forma uma linha
lidação econômica junto ao Complexo Habitacio- de segregação socioespacial neste último mu-
nal Taiçoca, sem, no entanto, enfraquecer a po- nicípio, incorporando a parte Sul do Complexo
larização comandada por Aracaju, que, por sua Habitacional Taiçoca, mais elitizada e de maior
vez, permanece com funções metropolitanas. poder aquisitivo, enquanto que a porção ao Nor-
Este cenário torna-se evidente a partir da te, onde se situa a população pobre, é margi-
implantação de empreendimentos de médio e nalizada e deixada à mercê dos investimentos
grande porte em Nossa Senhora do Socorro, recentes no território. Essa condição, assim, evi-
como o Shopping Prêmio, além dos investimen- dencia o processo histórico de fragmentação ao
tos recentes oriundos do poder público, que ga- qual o município de Nossa Senhora do Socorro
rantiram a este município uma importante mu- sempre esteve submetido, permanecendo, por
dança na sua base econômica, voltando-se para conseguinte, como um dos entraves para a am-
uma economia de serviços. Neste momento, a pliação do desenvolvimento do seu território in-
atuação do Estado concentra-se na instalação tegrado como um todo no século XXI.

Arquitetura e cidade: ensaios projetuais, análises urbanas e caminhos percorridos na Universidade Federal de Sergipe
160

Referências

ARAÚJO, T. B. de. Ensaios sobre o desen- Socorro (SE): uma desconcentração metro-
volvimento brasileiro: heranças e urgências. politana. 2017. 130 f. Trabalho de Conclusão
Rio de Janeiro: Ed. Revan/Fase, 2000. 392 p. de Curso (Graduação em Arquitetura e Urbanis-
BRANCO, M. L. G. C. Algumas considerações mo) – Universidade Federal de Sergipe, Laran-
sobre a identificação de Cidades Médias. In: jeiras, 2017.
SPOSITO, Maria Encarnação Beltrão. Cidades SANTOS, A. L. R.; OLIVEIRA, W. R.; NUNES,
médias: espaços em transição. São Paulo: V. M. M (org.). Nossa Senhora do Socorro:
Expressão Popular, 2007. p. 89-111. Trajetória. Aracaju: UFS, 1994. 31 p.

FRANÇA, V. L. A. Aracaju: Estado e Metropoli- SOUZA, F. A. S. de. Acción del Estado y segre-
zação. São Cristóvão: Editora UFS, 1999. 253 p. gación socioespacial: el caso de Nossa Senhora
do Socorro en el Nordeste brasileño en Sergipe.
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
In: MANCILLA, Marcelo Rodríguez; ESPINOSA,
(IBGE). Censos Demográficos, 1940, 1950,
Jaime Erazo; ABRAMO, Pedro (Org.). Proces-
1960, 1970, 1980, 1990, 2000, 2010. Rio de Ja-
sos urbanos en acción: ¿Desarrollo de ciu-
neiro: IBGE.
dades para todos? Quito: Universidad Federal
NOSSA SENHORA DO SOCORRO (Município). de Río de Janeiro, 2016. p. 123-144.
Prefeitura de Nossa Senhora do Socorro.
SOUZA, F. A. S. de. Mudanças e crises do ca-
Histórico sobre Nossa Senhora do Socorro.
pitalismo mundial: o novo padrão urbano de
Nossa Senhora do Socorro: [s.d.], 2 p.
segregação socioespacial da população po-
__________. Prefeitura de Nossa Senhora do bre brasileira. UrbBA, [s. L.], p.1-11, nov. 2012.
Socorro. Plano Estratégico Municipal de As-
SPOSITO, M. E. B. et al. O estudo das cidades
sentamento Subnormais (PEMAS). Nossa
médias brasileiras: uma proposta metodológi-
Senhora do Socorro: 2001. 125 p.
ca. In: _________. Cidades médias: espaços
RODRIGUES, V. S. As transformações recen- em transição. São Paulo: Expressão Popular,
tes no espaço urbano de Nossa Senhora do 2007. p. 35-67.

Arquitetura e cidade: ensaios projetuais, análises urbanas e caminhos percorridos na Universidade Federal de Sergipe
161

12
Elder Hugo Tavares Teles
Márcio da Costa Pereira

Introdução

O nordeste brasileiro apresenta um histórico de mento das cidades sem planejamento, a falta de
destaque no país quando se trata da escassez de saneamento básico, o uso indiscriminado de agro-
PLANO água. Em 2013, a região viveu uma das piores se- tóxicos e as atividades voltadas ao lazer e turismo
cas em 50 anos, com mais de 1.400 municípios afe- de forma exploratória e sem controle têm gerado
ESTRATÉGICO DO tados, de acordo com a Organização das Nações impactos negativos em todo planeta.
Unidas2 (ONU). Contudo, esse evento não é isolado, Segundo o atual Código Florestal Brasileiro, a
PARQUE ECOLÓGICO visto que várias partes do país e do mundo também represa e suas margens são consideradas Áreas
sofrem com o aumento da temperatura e a falta de de Preservação Permanente (APP), que tem como
BARRAGEM DA chuvas. Aliados às razões climáticas, outros fatores objetivo evitar a degradação do ecossistema, pro-
agravam ainda mais a situação da redução d’água mover a conservação do ambiente natural e a ma-
RIBEIRA, CAMPO em todo o estado brasileiro, como por exemplo, a nutenção da qualidade de vida da população. No
má gestão dos recursos hídricos, o desperdício e a entanto, a Barragem da Ribeira se encontra em es-
DO BRITO/SE1 poluição. Diante desse cenário, fica evidenciada a tado progressivo de degradação devido às ativida-
importância de preservar e proteger tais recursos. des antrópicas e, principalmente, pela inexistência
A Barragem da Ribeira, localizada no município de fiscalização e interesse de proteção do local.
de Campo do Brito/SE, se insere nesse contexto, Este artigo tem como objetivo geral a elabora-
já que suas águas são utilizadas para irrigação de ção de um Plano Estratégico para implantação do
culturas agrícolas, abastecimento de alguns mu- Parque Ecológico Barragem da Ribeira em Campo
1. 1 Artigo produzido com base no Trabalho de nicípios da região, piscicultura, lazer e turismo. É do Brito/SE, levando em consideração as relações
Conclusão de Curso intitulado “Plano Estratégi- fato que todo tipo de atividade sobre o meio am- ambientais, socioeconômicas e culturais existen-
co do Parque Ecológico Barragem da Ribeira,
Campo do Brito/SE”, elaborado por Elder Hugo
biente gera alguma consequência e que o cresci- tes. Vale ressaltar, que o presente estudo é apenas
Tavares Teles sob orientação do prof. Dr. Márcio uma abordagem inicial, pois é evidente a comple-
da Costa Pereira, apresentado e aprovado em 2. Dado disponível em: https://nacoesunidas.org/pior-seca-
xidade do tema e, portanto, faz-se necessária a
maio de 2016, no Departamento de Arquitetura e -dos-ultimos-50-anos-no-nordeste-brasileiro-confirma-esta-
Urbanismo da Universidade Federal de Sergipe. tisticas-da-onu-sobre-escassez/ acesso 14/03/2018. participação de uma equipe multidisciplinar.

Arquitetura e cidade: ensaios projetuais, análises urbanas e caminhos percorridos na Universidade Federal de Sergipe
162

1 O Código Florestal Brasileiro

O Código Florestal Brasileiro foi modificado se adequar à realidade, mas claro, conside-
ao longo do tempo através de várias medidas rando as restrições imprescindíveis para sua
provisórias. Depois de 12 anos de muita polêmi- preservação ambiental.
ca e discussão envolvendo proprietários de terra O turismo representa uma possibilidade de
e ambientalistas, foi aprovado em maio de 2012 reação econômica das cidades que apresentam
o Novo Código Florestal, Lei 12.651/12. Dentre potencial paisagístico e histórico. Sabe-se que
outras mudanças, trouxe algumas significativas essa atividade é impactante, pois pode propor-
nos valores de áreas de Reserva Legal e tam- cionar as mais diversas mudanças no âmbito
bém nas distâncias mínimas das APPs. social, econômico, político e cultural do local.
Apesar dessas mudanças, que de alguma A exploração dos recursos oferecidos pelo
maneira deram maior flexibilidade a alguns usos meio ambiente é a essência dessa atividade,
em APPs, a legislação ambiental brasileira ainda que quando utilizada de forma predatória pode
continua proibitiva no que se refere ao aprovei- se tornar potencialmente degradante. O Turis-
tamento dessas áreas. Em outros países, como mo Sustentável se contrapõe a esse modelo
os EUA, Canadá, Finlândia, Suécia e Noruega, predatório, e é definido, segundo a Organiza-
são permitidos usos sustentáveis, consideran- ção Mundial do Turismo (OMT), como aquele
do que, dentro da área de proteção existe uma que em sua “gestão atende às necessidades
espécie de setorização que restringe os usos. econômicas e estéticas das paisagens, man-
No Brasil não faltam exemplos de como esse tendo a integridade cultural, os processos eco-
regime de proteção extremamente rígido, res- lógicos essenciais, a diversidade e o sistema de
tritivo e proibitivo, na qual a intocabilidade é a suporte à vida” (OMT,2009).
regra básica, é ineficaz. Na maioria dos casos, Para que a sustentabilidade turística real-
a falta de uso favorece a degradação por fal- mente aconteça é imprescindível que haja um
ta de uma fiscalização eficiente, resultando em bom e contínuo planejamento dos usos. O de-
desmatamentos ilegais, poluição, ocupação ir- senvolvimento deve ser voltado para a escala
regulares, principalmente por pessoas de baixa humana, buscando, prioritariamente, atender
renda, entre outros. às necessidades da população local, sem ter
É incoerente manter a Barragem da Ribei- como único objetivo o lucro. Ou seja, as ações
ra, em Campo do Brito/SE, intocada devido às devem ser pautadas não apenas no mercado,
características culturais, sociais e econômicas mas, principalmente, nos valores sociais, cultu-
já consolidadas. Cabe ao modelo de proteção rais e ambientais.

Arquitetura e cidade: ensaios projetuais, análises urbanas e caminhos percorridos na Universidade Federal de Sergipe
163

2 O município de Campo do Brito


e a Barragem da Ribeira

Campo do Brito é um município Sergipano lo- Campo do Brito está em uma área de Ten-
calizado na região do Agreste Central do estado e são Ecológica, apresentando uma vegetação
fica a uma distância de 64 km da capital, Aracaju. de contato. Ou seja, dentro do seu território são
Apresenta uma população de 16.749 habitantes, encontradas espécies vegetais tanto da Mata
sendo que 50,26% estão situados na Zona Rural Atlântica quanto da Caatinga.
e 49,75%, na Zona Urbana (IBGE, 2010). A Barragem da Ribeira está localizada na
Apesar de esquecida pelo poder público, a ci- Zona Rural de Campo do Brito, a, aproximada-
dade apresenta potencialidades turísticas. Des- mente, 6,3 km (em linha reta) da sede do mu-
tacam-se a Barragem da Ribeira, a Serra dos nicípio, já na divisa com Itabaiana (Figura 1).
Montes/ São José (turismo religioso) e a Serra O acesso se dá através de estradas vicinais
da Miaba, o terceiro ponto mais alto do Estado. de terra.

Figura 1: Mapa de Campo do Brito – SE, com destaque para a Barragem da Ribeira
Fonte: Google, 2018. Adaptado por Elder Teles, 2018.

Arquitetura e cidade: ensaios projetuais, análises urbanas e caminhos percorridos na Universidade Federal de Sergipe
164

O reservatório é alimentado pelo Rio das Com a finalidade de aprofundar o conhecimen-


Traíras e o Rio das Pedras (Bacia Hidrográfica to sobre a área estudada, optou-se pelo desen-
do Vaza-Barris). O lago de acumulação é parte volvimento de um diagnóstico da barragem e seu
de um projeto de irrigação pública estadual, sem entorno próximo, que foi elaborado através da
intervenção fundiária, chamado de Perímetro Ir- sobreposição de mapas extraídos do Atlas Digital
rigado Poção da Ribeira. Seu principal objeti- de Recursos Hídricos de Sergipe, fotos de satélite
vo era impedir o êxodo rural para os grandes atualizadas, cadastro da COHIDRO e visitas téc-
centros urbanos, por meio de práticas diversas nicas. O resultado foi a confecção de um mapa de
de culturas agrícolas e, consequentemente, a Uso da Terra e da Cobertura Vegetal (Figura 2).
fixação do homem no campo. A partir deste mapa, constatou-se o elevado
As atividades desenvolvidas às margens da nível de devastação da área. As margens da
barragem influenciam diretamente na qualidade represa são ocupadas principalmente por pas-
da água do reservatório. Por esse motivo, é ne- tagem e atividades agrícolas que utilizam indis-
cessário que os usos do solo nessas áreas sejam criminadamente agrotóxicos, representando um
disciplinados, a fim de evitar salinização e poluição grande risco de contaminação da água e uma
da água, tendo em vista que, segundo o Código ameaça à saúde da população que a utiliza.
Florestal Brasileiro, como explanado anteriormen- Há pequenos trechos onde ainda é detectada
te, essa área é considerada uma APP, e a prote- vegetação nativa preservada. Porém, a maior
ção da represa será através da adoção de uma parte da massa vegetal encontrada está em
faixa de preservação no entorno do reservatório. estágio de regeneração inicial e médio. Os rios
No cadastro da represa disponibilizado pela perenes que são responsáveis pelo acúmulo de
Companhia de Desenvolvimento de Recursos água das barragem Traíras e Pedras vêm apre-
Hídricos e Irrigação de Sergipe (COHIDRO) – sentando trechos sem mata ciliar. Já os intermi-
administradora estadual –, a planta apresenta tentes apresentam níveis de devastação eleva-
uma cerca de proteção projetada que envolve o da desse mesmo bioma. Além disso, também
lago de acumulação numa faixa de cem metros, foi possível identificar várias áreas de extração
pois essa era a distância mínima da faixa de mineral, como pedra e areia, mostrando alto ní-
proteção exigida pelo Código Florestal vigente vel de degradação e de exposição do solo.
na época do levantamento, em 2010. Porém, na Em pequenos trechos da margem oeste e
realidade, nenhuma ação é realizada para conter leste da barragem, foram identificadas ocupa-
as pressões das atividades antrópicas e a bar- ções através de bares, restaurantes e de resi-
ragem vem sofrendo uma progressiva degrada- dências de veraneio, apesar da COHIDRO in-
ção. Em suas margens são realizadas diversas dicar uma faixa de proteção. Assim, verifica-se
atividades que, ao longo do tempo, estabelece- que nada foi feito para conter os avanços das
ram fortes relações culturais, sociais e econômi- atividades antrópicas, acarretando numa pro-
cas entre a população local e a Barragem. gressiva degradação ambiental.

Arquitetura e cidade: ensaios projetuais, análises urbanas e caminhos percorridos na Universidade Federal de Sergipe
165

Figura 2: Mapa de Uso da Terra e Cobertura Vegetal


Elaboração Elder Teles, 2016. Fonte: Sobreposição de mapas de ma-
pas extraídos do Atlas Digital de Recursos Hídricos de Sergipe (versão
3 Plano estratégico – 11.2014), disponibilizado pela Secretaria do Meio Ambiente e de Re-
cursos Hídricos do Estado de Sergipe (SEMARH). Com Cadastro da
Parque Ecológico Barragem da Ribeira barragem COHIDRO, 2010. Visitas de Campo e Google Earth.

O simples fato de propor a regularização da criação de um Parque Ecológico cujos objetivos


Barragem da Ribeira de acordo com que esta- norteadores prezem pela garantia da dinâmica
belece o novo Código Florestal Brasileiro não dos ecossistemas, pela recuperação gradativa
resolveria, de fato, os problemas diagnosticados e manutenção da biodiversidade, pela promo-
no item anterior. Pelo contrário, criaria grandes ção da preservação do meio ambiente através
conflitos com a população que a utiliza e dela da educação ambiental formal e informal, pela
depende para seu sustento. proteção dos recursos hídricos, pelo estímulo
A partir desse estudo mais aprofundado da ao ecoturismo como propulsor do desenvolvi-
área, identificou-se um grande potencial para a mento local e pela adoção de práticas susten-

Arquitetura e cidade: ensaios projetuais, análises urbanas e caminhos percorridos na Universidade Federal de Sergipe
166

táveis. Tudo isso visa também coibir ações que Esse novo limite se baseia na crítica ao modelo
comprometam os recursos naturais e, conse- generalista adotado pelo Código Florestal Bra-
quentemente, além de criar um monitoramento sileiro que não considera as especificidades do
constante e eficaz da área. ecossistema.
A implantação seria uma oportunidade de pro- Delimitar ou decretar uma APP não significa
porcionar o contato direto da população com o que a preservação ambiental será garantida.
ambiente natural, envolvendo-a nas suas ações Por isso, propõe-se a implantação de um par-
de preservação e controle, como também pos- que ecológico na área demarcada, consideran-
sibilitaria o desenvolvimento socioeconômico do fatores pré-existentes e propondo a inserção
da região através de auxílios às atividades agrí- de novos usos para o desenvolvimento de prá-
colas, pesqueira e turística criando uma nova ticas sustentáveis.
dinâmica na economia local. A setorização do parque é resultado da aná-
O empreendimento consistiria em uma inicia- lise e da identificação das características de
tiva pública (sociedade, municípios envolvidos, cada trecho da Barragem, de suas dinâmicas
COHIDRO, EMBRAPA) e privada (Pedreiras, culturais, sociais e econômicas já consolidadas.
donos dos bares e restaurantes). Portanto, as intervenções que serão realizadas
A delimitação da área de implantação do par- e o tipo de atividade a serem desenvolvidas te-
que foi definida através da análise das caracte- rão como objetivo a não descaracterização do
rísticas físicas do entorno próximo da barragem. local, criando pontos de integração entre a po-
Primeiramente, foi estabelecido que o limite mí- pulação e os visitantes.
nimo do parque fosse a cerca projetada pela A proposta consiste na criação de seis seto-
COHIDRO em 2010 (100 m da margem), obede- res de acordo com o uso, tipo de atividade a ser
cendo ao Código Florestal em vigência na épo- desenvolvida e a fragilidade ambiental da área
ca. Em seguida, outros três fatores foram consi- (Figura 3). Porém, seus usos serão disciplina-
derados: o primeiro foi a identificação de pontos dos a partir de três Zonas:
de interesse de preservação, tais como áreas de Zona de Uso Intensivo: Estão incluídos
cobertura vegetal significativa, seja preservada nessa zona os setores A e B, pois apresentarão
ou em estado de regeneração e corpos d’água uma maior concentração de atividades recrea-
(riachos); o segundo fator foram as característi- tivas, educacionais, de práticas esportivas e
cas do relevo que permitiram a definição de uma contemplativas. Consequentemente terá maior
linha de cota para a delimitação da área; por últi- circulação e permanência de pessoas.
mo, o terceiro fator foram as estradas existentes. Zona de Uso Especial: Fazem parte dessa
A nova APP contará com 739,25 ha de área, zona os setores C, E e F, pois as atividades pro-
292,19 ha a mais que o sugerido pela COHIDRO postas para essas áreas são de caráter técnico-
e com um perímetro de 18,07Km de extensão. -científico, buscando assim o desenvolvimento

Arquitetura e cidade: ensaios projetuais, análises urbanas e caminhos percorridos na Universidade Federal de Sergipe
167

socioeconômico sustentável da população lo- à recuperação e preservação do ambiente na-


cal. Serão áreas de circulação e permanência tural. Caracterizar-se-á por ser uma área con-
média e de maior interação entre os visitantes e trolada com relação à circulação de pessoas,
a comunidade. sendo autorizadas somente ações de caráter
Zona de Uso Restrito: corresponde ao setor científico e as atividades contemplativas, inter-
D, pois contém maior concentração da cobertu- pretativas e educacionais guiadas.
ra vegetal significativa preservada. Nessa área A análise de cada trecho das margens da bar-
será permitido o manejo exclusivamente voltado ragem resultou na criação de seis setores que

Figura 3: Mapa dos Setores e das Propostas de vias e acessos.


Fonte: Elder Teles, 2015.

Arquitetura e cidade: ensaios projetuais, análises urbanas e caminhos percorridos na Universidade Federal de Sergipe
168

se diferem de acordo com o uso, o tipo de ativi- Algumas edificações e equipamentos serão
dade, e o fluxo e a permanência de visitantes. comuns a todos os setores do parque (Figura
A partir das estradas existentes foi possível a 4), tais como pórticos e guaritas, os quiosques
formação de um anel viário que circunda total- de apoio à visitantes, os blocos modelo (Ad-
mente o parque. Com relação à acessibilidade, ministração, Central de Segurança e Saúde,
são propostos dois acessos principais, em de- Escola de Esportes aquáticos, Associação de
corrência da grande concentração de serviços e Pescadores, Sede da EMBRAPA e a Central
tipos de atividades, e outras quatro entradas se- de Pesquisa e Monitoramento e de quiosques
cundárias para os demais setores, tendo como de apoio), blocos de sanitários, torres de obser-
objetivo cercar o parque, unificando as entradas vação, trilhas, cercas, píeres flutuantes, píeres,
por questão de segurança e maior controle. decks etc.

Figura 4: Edificações e Equipamentos Comuns a Todos os Setores


Fonte: Elder Teles, 2016.

Arquitetura e cidade: ensaios projetuais, análises urbanas e caminhos percorridos na Universidade Federal de Sergipe
169

O modelo de Gestão proposto parte da criação Prefeituras Municipais de Campo do Brito e Ita-
de um Conselho Consultivo Administrativo a partir baiana, e Instituições de Ensino e Pesquisa, tais
de um planejamento participativo dos envolvidos. como Instituto Federal de Sergipe (IFS), Univer-
Portanto, serão membros participantes do Conse- sidade Federal de Sergipe (UFS) e Empresa Bra-
lho a Secretaria do Meio Ambiente e de Recursos sileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA). Tal
Hídricos do Estado de Sergipe (SEMARH), Lide- comissão terá como função eleger um Presidente
ranças Comunitárias (A ssociações de Moradores, de 5 em 5 anos para gerenciar o Parque.
Comerciantes, Pescadores e Agricultores), Com- A figura 5 abaixo esquematiza a proposta de
panhia de Desenvolvimento de Recursos Hídricos estrutura administrativa e de responsabilida-
e Irrigação de Sergipe (COHIDRO), Companhia des do Parque Ecológico Barragem da Ribei-
de Saneamento de Sergipe (DESO), Iniciativa ra, baseado em Planos de Manejo de Unidades
Privada (Pedreiras, Comerciantes, empresários), de Conservação.

Figura 5: Estrutura e Responsabilidades


Fonte: ANDRADE,2000. Adaptada por Elder Teles, 2016.

Arquitetura e cidade: ensaios projetuais, análises urbanas e caminhos percorridos na Universidade Federal de Sergipe
170

O Programa de Visitação, trabalhando jun- com atribuições como elaborar Plano Diretor
to ao Programa de Pesquisa e Monitoramento, e respectivos cronogramas físico-financeiros
deve elaborar uma avaliação de Capacidade para instalação do Parque e ainda delegar com-
de Carga de Visitantes que cada setor do petência aos órgãos ambientais para análise e
Parque suportará. aprovação final dos trabalhos, dentre outras.
A Coordenação do Programa de Integração O Plano Diretor seria o documento norteador
com o Entorno terá como atribuição o desenvol- estabelecendo, então, diretrizes de zoneamen-
vimento de atividades que busquem a integração tos, projetuais e políticas a serem adotadas na
do Parque com as comunidades mais próximas. região de implantação do empreendimento, ou
A Coordenação Programa de Operacionali- seja, o parque e sua zona de amortecimento.
zação será responsável pelo funcionamento do Os passos seguintes seriam a criação e aprova-
Parque e suas atribuições serão a regularização ção de um modelo de gestão que apresentasse
fundiária das terras desapropriadas para dar lugar uma estrutura administrativa e as responsabili-
ao parque; o lançamento de concursos de proje- dades de cada parte envolvida. Por fim, dar-se-
tos para implantação dos equipamentos e edifica- -ia a criação do Parque Ecológico Estadual.
ções, conforme as diretrizes projetuais e programa
de necessidades que serão apresentados nesse
Considerações finais
plano; a contratação de funcionários e a implan-
tação das edificações propostas, de acordo com
a ordem de prioridade que será estabelecida pelo A má gestão dos recursos hídricos, agravada
Centro de Pesquisa e, posteriormente, aprovada pelo desperdício e pela poluição, é um grave pro-
pelo Conselho administrativo do Parque. blema da atualidade, sendo uma das principais
A Coordenação do Programa de Pesquisa e causas da crise hídrica no Brasil. A Barragem da
Monitoramento está relacionada aos estudos, Ribeira não difere desta realidade, já que suas
pesquisas e programa de supervisão ambiental margens são palco de atividades descontroladas
do Parque. resultantes de uma ocupação deficiente, o que
A criação do parque partiria, primeiramente, acaba gerando a poluição das águas da repre-
da elaboração de um plano de estudos mais sa. Baseando-se em tais aspectos, propõe-se a
aprofundado por parte dos interessados, pois criação de um Parque Ecológico, com o objetivo
sabe-se que o tema necessita de uma equipe de tratar, conter e impedir a degradação através
multidisciplinar, não sendo, portanto, objeto de do monitoramento, da educação ambiental, do
estudo deste trabalho. incentivo de práticas sustentáveis e da implanta-
Posteriormente seria criada uma Comissão ção de novos usos, vislumbrando a participação
de Coordenação para Implantação do Sistema da comunidade local para o desenvolvimento
de Proteção aos Recursos Naturais da Área, social, econômico e cultural da região.

Arquitetura e cidade: ensaios projetuais, análises urbanas e caminhos percorridos na Universidade Federal de Sergipe
171

O desenvolvimento da atividade turística se- www.planalto.gov.br/ccivil03/leis/L4771.htm>.


ria outra estratégia da proposta, que na realida- Acesso em 12 de julho de 2015.
de seria uma parte de um Plano Ecoturístico da BRASIL. Resolução CONAMA nº 302, de 20
Região do Agreste Central Sergipano, diante da de março de 2002. Disponível em:<http://www.
real potencialidade ainda inexplorada da região. mma.gov.br/port/ conama/legiabre.cfm?codle-
Sabe-se que a elaboração de um Plano Es-
gi=298>. Acesso em 27 de setembro de 2015.
tratégico para Implantação de um Parque Eco-
lógico é um trabalho que exige uma equipe mul- BRASIL. Resolução CONAMA nº 369, de 28
tidisciplinar composta por biólogos, geógrafos, de março de 2006. Disponível em:<http://www.
sociólogos, geólogos, engenheiros, arquitetos, mma.gov.br/port/conama/legiabre.cfm?codle-
dentre outros profissionais que possam contri- gi=489>. Acesso em 27 de setembro de 2015.
buir para o desenvolvimento de tal tema. CASASOLA, Luís. Turismo e Ambiente. São
Deste modo, o presente trabalho realizou um Paulo: Roca, 2003.
diagnóstico que identificou problemas e poten-
FONSECA, Adalberto. História de Campo do
cialidades da área trabalhada. Conseguiu-se,
Brito. Curitiba: Unificado, 1989.
ainda, propor um plano estratégico definindo
delimitações, zoneamentos e gestão. Por fim, FRANCO, Maria de Assunção Ribeiro. Dese-
mostraram-se os trâmites do processo legal ne- nho ambiental. Uma introdução à arquitetu-
cessários para criação do parque. ra da paisagem com o paradigma ecológico.
Portanto, o presente trabalho representa um São Paulo, Annablume: FAPESP, 2003.
ponto de partida na busca de soluções susten- GALANTE, Maria Luiza Vicente; BESERRA, Mar-
táveis para a criação do Parque Ecológico Bar- garene Maria Lima; MENEZES, Edilene O. ROTEI-
ragem da Ribeira. RO METODOLÓGICO DE PLANEJAMENTO:
PARQUE NACIONAL, RESERVA BIOLÓGICA,
Referências ESTAÇÃO ECOLÓGICA. Brasília: IBAMA, 2002.
Disponível em: <http://www.icmbio.gov.br/portal/
images/stories/imgs- unidades-coservacao/rotei-
ANDRADE, Rui Otávio Bernardes de; TACHI- roparna.pdf>. Acesso em: 20 abr. 2016.
ZOUSA, Takeshy; DE CARVALHO, Ana Barrei- OLIVEIRA, Amanda de; CARVALHO, Márcia Eliane
ros. Gestão Ambiental – Enfoque Estratégico Silva. Barragem da Ribeira: possibilidades para
Aplicado ao Desenvolvimento Sustentável. o desenvolvimento local na região do municí-
São Paulo: Makron Books,2000. pio de Campo do Brito.VI Encontro de Recursos
BRASIL. Lei 4771/1965. Código Hídricos em Sergipe, Aracaju, p.1-4, 19-22 mar.
Florestal Brasileiro. Disponível em:<http:// 2013.Disponível em: <http://www.cpatc.embrapa.br/

Arquitetura e cidade: ensaios projetuais, análises urbanas e caminhos percorridos na Universidade Federal de Sergipe
172

publicacoes_2013/anais_vi_enrehse/Resumos_e riufs/7064/2/Elder_Hugo_Tavares_Teles.pdf>.
xpandidos/18 Barragem da Ribeira possibilidades Acesso em: 14 mar. 2018.
para o desenvolvimento local na região do município VIEIRA, João Francisco Leite. VOUCHER ÚNI-
de Campo do Brito.pdf>. Acesso em: 04 maio 2015. CO UM MODELO DE GESTÃO DA ATIVIDA-
TELES, Elder Hugo Tavares. PLANO ESTRA- DE TURÍSTICA EM BONITO - MS. 2013. 96 f.
TÉGICO DO PARQUE ECOLÓGICO BARRA- Dissertação (Mestrado em Geografia) - Univer-
GEM DA RIBEIRA, CAMPO DO BRITO-SE. sidade Católica Dom Bosco. Campo Grande,
2016. Trabalho de Conclusão de Curso (Gra- 2013. Disponível em:<http://site.ucdb.br/public/
duação em Arquitetura e Urbanismo) – Univer- md-dissertacoes/7911-voucher-unico-um-mo-
sidade Federal de Sergipe. Laranjeiras, 2016. delo-de-gestao-da-atividade-turistica- em-boni-
Disponível em: <https://ri.ufs.br/bitstream/ to-ms.pdf>. Acesso em: 07 dez. 2015.

Arquitetura e cidade: ensaios projetuais, análises urbanas e caminhos percorridos na Universidade Federal de Sergipe
173

13
Caio Guilherme de Gois Santos
Sarah Lúcia Alves França

Introdução

A Constituição Federal de 1988 concedeu auto- vam na cidade (IBGE, 2000). Ainda que, contando
nomia à gestão municipal para elaborar e conduzir com uma pequena população, evidenciam-se al-
10 ANOS DO PLANO sua política urbana, e, para isso, elegeu o Plano terações no espaço urbano, em função do cená-
Diretor como instrumento básico de controle de rio propício para o desenvolvimento da produção
DIRETOR DE NOSSA desenvolvimento e expansão urbana. Dessa for- habitacional, que fomentou o crescimento urbano.
ma, permitiu-se a construção da imagem do Plano Assim, o presente artigo tem como objetivo ana-
SENHORA DAS DORES/ Diretor como instrumento que viabilizaria a melho- lisar o Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano
ria da qualidade de vida nas cidades brasileiras e Ambiental de Nossa Senhora das Dores/SE
SE: DISTANCIAMENTOS (BURNETT, 2009). e seus reflexos no espaço urbano do município,
A legislação brasileira apresentou direcionamen- abrangendo o recorte temporal de 2006 a 2016.
E CONTRADIÇÕES ENTRE tos para a implementação do direito à cidade e à Para isso, foi realizada a coleta de dados nos ór-
moradia. Entretanto, fatores, tais como produção gãos públicos e levantamento de informações em
PLANEJAMENTO E capitalista do espaço urbano, deficiência da atua- campo, entrevistas, organizados em forma de car-
ção do Estado, superposição de interesses, impedi- togramas, a fim de facilitar a leitura das diretrizes
PRODUÇÃO DO ESPAÇO ram a sua plena efetivação. Destaca-se ainda, que do Plano Diretor e a espacialização das transfor-
a produção fragmentada do espaço urbano não é mações da cidade no período apontado.
URBANO1 exclusiva dos municípios de médio e grande por- Diante disso, em virtude da carência de estudos
te. Aqueles caracterizados como de pequeno porte no que tange a implementação do Plano Diretor
também apresentam tais problemas, apesar destes, em municípios de pequeno porte no estado de Ser-
1. Artigo produzido com base no Trabalho de Conclu-
são de Curso intitulado “10 anos do Plano Diretor de proporcionalmente, em termos de escala e intensi- gipe, tem-se o interesse de ampliar a discussão a
Nossa Sra. das Dores/SE: Entre a cidade planejada e dade, não serem tão marcantes (PINHEIRO, 2010). respeito do papel da legislação urbana como ins-
a cidade produzida”, elaborado por Caio Guilherme de
Gois Santos sob orientação da Profa. Dra. Sarah Lúcia Nossa Senhora das Dores, município localizado trumento de planejamento e efetivação do direito à
Alves França, apresentado e aprovado em março de no norte do estado de Sergipe, apresentava, em cidade em Nossa Senhora das Dores, frente às de-
2018, no Departamento de Arquitetura e Urbanismo da
Universidade Federal de Sergipe. 2000, 22.195 habitantes, dos quais 13.524 mora- mandas e realidades socioespaciais encontradas.

Arquitetura e cidade: ensaios projetuais, análises urbanas e caminhos percorridos na Universidade Federal de Sergipe
174

1 Planejamento Urbano
e Plano Diretor: instrumentos
de efetivação do direito à cidade

No Brasil, a luta pela democratização da cida- 2010). A partir da campanha, houve ênfase2 na
de se iniciou nos anos 1960 sob a bandeira do elaboração de Planos Diretores nos municípios
movimento pela reforma urbana. Porém, somen- integrantes de regiões metropolitanas, cidades
te com a inclusão do capítulo da Política Urbana com mais de 20.000 habitantes, e integrantes
na Constituição Federal de 1988 foi garantido a de áreas de especial interesse turístico.
todos os cidadãos o pleno desenvolvimento das Enfatiza-se que, de acordo com o Censo De-
funções sociais da cidade e o seu bem-estar. Isso mográfico do Instituto Brasileiro de Geografia e
seria alcançado a partir da obrigatoriedade da Estatística (IBGE), em 2013, foram contabiliza-
promulgação de Plano Diretor para cidades com dos 5.570 municípios e, destes, 80% apresen-
mais de vinte mil habitantes (PINHEIRO, 2010). tavam menos de 50 mil habitantes (ROLNIK,
Entretanto, Burnett (2009) salienta a falta de PINHEIRO, 2004). Ainda que tais municípios
estrutura político-administrativa da grande maioria correspondam à maior parte da amostragem,
dos municípios para instituir a lei, provocando sé- percebe-se um direcionamento para as políti-
rios entraves na dinâmica espacial. Dessa forma, cas de planejamento nas cidades de médio e
buscou-se regulamentar essa determinação atra- grande porte. Isso ocorre em razão da delicada
vés da promulgação da Lei Federal 10.257/2001, situação que os municípios de pequeno porte
denominada Estatuto da Cidade, que tinha por exibem: o menor aporte de recursos financeiros,
objetivo regular, mediante instrumentos urbanís- administrativos, técnicos, humanos e de contro-
ticos e fiscais, o uso da propriedade urbana em le fiscal; o que dificulta tanto a implementação
prol do bem coletivo (BRASIL, 2001). quanto a efetividade da lei (PINHEIRO, 2010).
Soma-se a esse contexto, a criação do Mi- Constata-se ainda, uma desconexão do de-
nistério das Cidades, em 2003, que incentivou a senho das políticas urbanas, que não conside-
construção de uma nova cultura de planejamen- ram as necessidades das cidades de pequeno
to urbano, especialmente, através de realização porte. Em geral, essas políticas apresentam
de campanha educativa Plano Diretor Participa- uma série de exigências e condicionalidades
tivo (PDT). Naquele momento, os municípios que somente são cumpridas pelos municípios
não estavam preparados para exercer a tarefa
2. Esse direcionamento é resultado da percepção do Mi-
de elaborar este instrumento, que deveria ser nistério das Cidades da fragilidade para elaboração das
fundamentado em três eixos: inclusão territorial, políticas públicas nessas cidades, dado as enormes discre-
pâncias no que se refere à capacidade institucional e admi-
justiça social e gestão democrática (SANTOS nistrativa dessas localidades (CONFEDERAÇÃO NACIO-
JÚNIOR, MONTANDON, 2011; PINHEIRO, NAL DOS MUNICÍPIOS, 2015).

Arquitetura e cidade: ensaios projetuais, análises urbanas e caminhos percorridos na Universidade Federal de Sergipe
175

de médio e grande porte, uma vez que existe igualitária dos benefícios sociais advindos com
um desconhecimento por parte da esfera federal a propriedade urbana.
para com a realidade dos pequenos municípios. Neste aspecto, enfatiza-se a promoção
Esse desconhecimento resulta em programas da comunicação entre o poder público e a
inadequados e pouco efetivos para melhorar a comunidade, viabilizando e assegurando a
qualidade de vida da população (CONFEDE- participação popular nas decisões da gestão.
RAÇÃO NACIONAL DOS MUNICÍPIOS, 2015). Assim, buscou-se essa participação na gestão
O município de Nossa Senhora das Dores/ da política urbana, através da elaboração, re-
SE está inserido nessa conjuntura, uma vez visão, implementação e acompanhamento do
que foi elaborado o primeiro Plano Diretor em Plano Diretor.
resposta à campanha nacional. Concretizou-se Entretanto, uma ressalva: não foi instituído o
assim, a outorga da referida lei, como mecanis- Conselho da Política Urbana, nem foram rea-
mo para democratização do espaço urbano. lizadas audiências públicas após a elaboração
do PDDUA. Diante disso, percebeu-se que não
houve devida atenção ao processo participa-
2 N. S. das Dores e o planejamento do
tivo, visto que as audiências se restringiram à
Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano
elaboração do Plano, que ocorreu em função
da necessidade do cumprimento de um requi-
O Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano sito legal, sem necessariamente garantir a par-
e Ambiental (PDDUA) de Nossa Senhora das ticipação popular, na forma restrita do conceito.
Dores, outorgado em outubro de 2006, estabe- Quanto ao planejamento territorial, o macro-
lece diretrizes e instrumentos de planejamento zoneamento divide o município em Área Rural,
territorial. Definem-se zoneamento, diretrizes Área Urbana e Área de Proteção Especial. A
para o parcelamento e utilização do solo urba- segunda foi subdividida em três áreas de urba-
no, além da indução de áreas específicas para nização: Área de Consolidação Urbana, Área
o desenvolvimento de atividades que fomentam de Urbanização Restrita e Área de Expansão
a economia. Urbana. Apesar disso, um entrave: a delimita-
Importante destacar a determinação da indu- ção das áreas urbanas nos mapas constantes
ção do crescimento para as áreas dotadas de nos anexos da Lei foi elaborada sob a forma de
infraestrutura, de modo a evitar ociosidade e manchas, sem precisão cartográfica, dificultan-
sobrecarga dos investimentos coletivos, e para do a implementação das normas.
a melhoria das condições habitacionais dos as- Foram delimitadas dez zonas de uso e uni-
sentamentos precários. Outro ponto importante dades de conservação do município, bem como
refere-se à preocupação de fortalecer a gestão a inclusão de incisos que demarcam e especifi-
democrática, possibilitando uma divisão mais cam as características de cada uma delas. To-

Arquitetura e cidade: ensaios projetuais, análises urbanas e caminhos percorridos na Universidade Federal de Sergipe
176

davia, apenas duas (Zona de Preservação do para a promoção de habitação, reurbanização e


Açude Público – ZPAP – e Zona Especial de In- regularização fundiária de áreas com moradias
teresse Social – ZEIS) incidem sobre o períme- precárias, localizadas na Área de Expansão Ur-
tro urbano, estando as demais zonas espalhas bana e na Área de Urbanização Restrita. Nota-
pelo município. Apesar da utilização do instru- se que essas áreas apresentam semelhanças,
mento do zoneamento, é marcante a deficiência como infraestrutura precária, ausência de ser-
quanto à delimitação das zonas e à definição viços e equipamentos públicos. Conforme San-
das diretrizes para uso e ocupação destas. tana (2018), a escolha desses locais visou à
Em todos os casos, não foram fixados crité- reserva de áreas para futura implantação de
rios de ocupação específicos por zonas, o que programas habitacionais, sendo, posteriormen-
permite a utilização dos índices e coeficientes te, realizados os serviços de urbanização.
urbanísticos, tais como coeficiente de aprovei- Foram definidos também instrumentos urba-
tamento máximo 4,5, taxa de ocupação de 50% nísticos, tais como Parcelamento, Edificação
e taxa de permeabilidade inexistente. Assim, ou Utilização Compulsórios, Imposto sobre a
compreende-se que a utilização desses parâme- Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU)
tros únicos para todo município assegura maior progressivo, Direito de Preempção, Operações
permissividade na ocupação e adensamento do Urbanas Consorciadas e Concessão Urbanís-
lote, podendo ocasionar graves problemas para tica. Cabe ressaltar a dificuldade de aplicação
a cidade, uma vez que existe a possibilidade de desses instrumentos em municípios de peque-
crescimento de áreas que não apresentam su- no porte, em razão da superficialidade da nor-
porte de infraestrutura adequada. matização, da ausência da demarcação das
O PDDUA buscou ainda incentivar a implan- áreas, da capacidade de fiscalização do poder
tação da rede de esgotamento sanitário e impe- municipal, da falta de vontade política, em vir-
dir a abertura de novos loteamentos em áreas tude de questões eleitorais, da escassez de re-
onde não está garantido formalmente o abas- cursos humanos e técnicos, dentre outros.
tecimento de água canalizada tratada. Frisa-se Nesse aspecto, compreende-se as deficiên-
a importância para o adensamento da Área de cias encontradas na elaboração do PDDUA,
Consolidação Urbana em detrimento das de- pois, segundo Santana (2018), o município
mais áreas, uma vez que essa área concentra não dispôs de recursos suficientes para ela-
parte expressiva do sistema de abastecimento boração, bem como não existe preocupação
de água da cidade. no desenvolvimento de uma política de
No tocante à habitação de interesse social, planejamento contínua3.
evidencia-se a implantação de programas de
habitação de interesse social e a definição de 3. Conforme Santana (2018) houve uma tentativa de atua-
lização do PDDUA, contudo em decorrência dos custos e da
seis Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS) falta de vontade política, os estudos foram interrompidos.

Arquitetura e cidade: ensaios projetuais, análises urbanas e caminhos percorridos na Universidade Federal de Sergipe
177

3 N. S. das Dores: do espaço planejado


ao espaço produzido

As modificações verificadas recentemente cidade. Somado a isso, observa-se o espraiamen-


no espaço urbano de Nossa Senhora das Dores to da mancha de ocupação e, consequentemen-
respondem ao processo natural de desenvolvi- te, aumento dos custos referentes à infraestrutura
mento e trazem, ainda, marcas das políticas pú- para atender às novas ocupações (Figura 1).
blicas realizadas nos últimos anos. É importante destacar a predominância do uso
Neste aspecto, a análise das alterações no habitacional, correspondendo à parte significati-
tecido urbano (produção de cidade, ênfase na va da mancha de ocupação. Constata-se ainda a
produção imobiliária) no tempo de vigência da lei existência de eixo marcante de adensamento das
(2006-2016), revela o reflexo das diretrizes e ins- habitações nas rodovias estaduais: SE-230, via
trumentos de planejamento com foco na aplicação de acesso aos municípios de Nossa Senhora da
do zoneamento, parcelamento uso e ocupação Glória no sentido norte e Aracaju no sentido sul;
do solo, bem como nas áreas desocupadas ou SE-339 que conecta a sede municipal aos muni-
subutilizadas, conforme levantamento em campo. cípios de Capela e Ribeirópolis, e ainda por algu-
Nossa Senhora das Dores, classificado como mas vias municipais que ligam aos povoados pró-
centro local, tem sua sede municipal como ponto ximos, tendo maior destaque o povoado Ascenso.
de convergência do fluxo de pessoas do muni- A área central da cidade, com predomi-
cípio, como também do entorno imediato a este. nância dos usos, como comércio, serviços,
A conformação espacial da área delimitada pelo institucionais e religioso, corresponde ao perí-
perímetro urbano apresenta características ad- metro inicial de formação da cidade e à área
vindas de sua formação inicial, com tendência consolidada, com infraestrutura e equipamen-
de urbanização predominantemente vicinal, tos comunitários. Aí está localizada a igreja
em que os lotes são dispostos às margens das matriz, o mercado, principais atividades comer-
vias que conectam aglomerados populacionais. ciais, serviços bancários e institucionais, usos
Nesse sentido, as principais vias de acesso se que dinamizam a cidade (Figura 1).
constituem verdadeiros vetores de crescimento Nossa Senhora das Dores apresenta duas
territorial, resultando no esgarçamento e frag- características espaciais: 1) área central con-
mentação socioespacial (Figura 1). solidada com infraestrutura e diversidade de
A partir da análise da evolução da mancha urba- usos e níveis sociais; e 2) áreas afastadas, sem
na, entre os anos de 2007 e 2015, compreende-se infraestrutura, com pouca disponibilidade de
o adensamento próximo a algumas vias em de- equipamentos comunitários, homogeneização
trimento da área central, nas áreas norte e sul da dos usos e concentração de população carente.

Arquitetura e cidade: ensaios projetuais, análises urbanas e caminhos percorridos na Universidade Federal de Sergipe
178

Figura 1: Mancha de Ocupação 2007 e 2015.


Fonte: Google Maps, 2007 e 2015; Lei Complementar 003/2006; Le-
vantamentos in loco. Elaborada por Caio de Gois, 2018.

Arquitetura e cidade: ensaios projetuais, análises urbanas e caminhos percorridos na Universidade Federal de Sergipe
179

A delimitação da sede, a partir do perímetro bano. É certo que esse zoneamento reafirmou o
urbano instituído pelo PDDUA, pode ser com- processo espontâneo de espraiamento urbano,
preendida com base na divisão das três áreas sem considerar a oferta de infraestrutura e servi-
urbanas: Área de Consolidação Urbana, Área ços, contrariando as diretrizes da própria lei.
de Urbanização Restrita e Área de Expan- Santana (2018) também alertou quanto a um
são Urbana. A primeira apresenta caracterís- agravante identificado na Área de Expansão Ur-
ticas tais como núcleo central de formação da bana, que ocorre quanto à cobrança do Imposto
aglomeração urbana, espaço atrativo de servi- Territorial Rural (ITR), persistindo ainda a tribu-
ços e comércio, e, por isso, do fluxo de pessoas tação sobre a propriedade rural, mesmo que tal
e que apresenta infraestrutura e de equipamen- área esteja dentro do perímetro urbano. Verifi-
tos comunitários. A segunda abarca uma área ca-se a contradição de determinações da orde-
que se pretende preservar, conservar e recu- nação urbana, visto que a cobrança do ITR não
perar, em função da presença de mananciais, é competência da Prefeitura. Esta se isenta da
paisagens naturais ou remanescentes de vege- cobrança do IPTU, uma vez que não há como
tação significativa. se reverter a arrecadação do ITR em benefícios
As áreas mais afastadas e que ainda estão para a área urbana do município. Diante disso,
no perímetro urbano são classificadas como de constata-se ainda que, ao invés de contribuir
Expansão Urbana, estando evidente a urbani- para o crescimento ordenado, o efeito foi con-
zação vicinal e a existência de grande quanti- trário, posto que a delimitação da porção sig-
dade de áreas desocupadas ou subutilizadas. nificativa de terras com tais características difi-
Entende-se o processo de ocupação a partir do cultou a ação do poder público quanto à oferta
afastamento, voluntário ou não, de parcela da de infraestrutura.
população do núcleo consolidado em busca de Quanto à produção habitacional, desde 2006,
terras com valores mais acessíveis. Esses mo- foram construídos dezessete novos loteamen-
radores se caracterizam por apresentar baixo tos e dois conjuntos habitacionais. Os lotea-
poder aquisitivo, ou buscar flexibilidade do par- mentos foram concebidos a partir da iniciativa
celamento do solo, ou que não moravam nessas privada e contaram, em sua maioria, com finan-
localidades e, que após a delimitação do perí- ciamento da CAIXA através de programas fede-
metro urbano, passaram a fazer parte da sede. rais, como o Minha Casa Minha Vida (PMCMV).
Neste aspecto, enfatiza-se a transição de terras Os conjuntos habitacionais foram construídos
rurais e urbanas, a partir da adição de áreas de pelo Estado, a partir do repasse de verbas fe-
povoados próximos. Santana (2018) afirma que derais e estaduais para a construção de casas
isso decorreu do entendimento de que futuramen- e urbanização de áreas precárias.
te a cidade expandiria nessa direção, devendo-se A partir de 2009-2010 houve um crescimento
prever tal crescimento, ampliando o perímetro ur- imobiliário devido às facilidades de financiamento

Arquitetura e cidade: ensaios projetuais, análises urbanas e caminhos percorridos na Universidade Federal de Sergipe
180

habitacional. Diversas moradias foram construí- mites das áreas de urbanização não se tocam,
das em pequenos loteamentos pulverizados, resultando na existência de faixas de terra en-
voltadas para segmento de menor porte. Apesar tre essas que não estão incluídas em nenhuma
disso, salienta-se que houve o direcionamento da zona. Ocorre ainda, a não delimitação de todo o
produção habitacional para a porção sul da cida- tecido urbano, uma vez que existem áreas que
de. Assim, dos 17 loteamentos construídos nes- não foram demarcadas e que já apontam par-
se período, 13 deles estão na Área de Expansão celamento. Isso enfraqueceu a efetividade do
Urbana. Tal inserção pode ser compreendida em zoneamento, visto que as áreas em evidência,
virtude da quantidade de áreas desocupadas e não seguem parâmetros urbanísticos.
da proximidade com a Área de Consolidação Ur- Apesar da deficiente regulação do ordena-
bana, que, por apresentar infraestrutura, oferta mento do espaço urbano, nas Áreas de Urba-
de serviços e equipamentos comunitários, torna- nização Restrita, em que o PDDUA estabelece
-se atrativa para construções e facilita a integra- como sendo lindeiras ao conjunto de açudes
ção com as demais áreas (Figura 2). públicos, há a ocorrência de grandes vazios.
Dessa forma, devido à proximidade do pe- Tal área que visa à preservação e proteção dos
rímetro consolidado, à facilidade de acesso, recursos hídricos tem, até o presente momen-
a Área de Expansão Urbana na região sul do to, cumprido as determinações legais, apesar
perímetro urbano torna-se muito valorizada. de existirem algumas áreas na divisa entre a
Verificou-se ainda que a falta de precisão do Área de Urbanização Restrita e de Consolida-
zoneamento facilitou o assentamento de em- ção Urbana, ocupadas por loteamentos. Pode-
preendimentos a baixo custo, ocasionando a -se entender ainda que essas áreas não foram
apropriação espacial pela iniciativa privada. Isso parceladas em decorrência da declividade e
ocorre em virtude da busca dos empreendedo- da instabilidade do solo, não sendo atrativa ao
res por terras que apresentem maior rentabili- segmento imobiliário, pois existiria a necessi-
dade e consequentes ganhos através da futura dade de movimentação de terras, elevando os
urbanização da área empreendida (Figura 2). custos para comercialização.
Destaca-se ainda que a ocupação da Área de Constatou-se também a prática de implanta-
Urbanização Restrita e Expansão Urbana ocorreu ção de loteamentos em áreas sem infraestrutu-
por não haver a efetivação das definições do Pla- ra e que não recebem os devidos investimentos
no, que previa, em dois artigos, (Art. 30 e Art. 54 – para a melhoria dessa condição. Enfatiza-se
Lei Complementar nº 003), o direcionamento para que a implantação de infraestrutura para ade-
o adensamento da Área de Consolidação Urbana, quação ao sistema existente é de obrigação do
que dispõe de serviços e infraestrutura. loteador, embora tal prática não seja fiscalizada
Outro agravante decorre da falta de precisão pelos órgãos competentes, resultando no não
na delimitação do zoneamento, posto que os li- cumprimento da exigência.

Arquitetura e cidade: ensaios projetuais, análises urbanas e caminhos percorridos na Universidade Federal de Sergipe
181

Figura 2: Diagrama Cidade Planejada X Cidade Produzida


Fonte: Google Maps, 2007 e 2015; Lei Complementar 003/2006; levantamentos in loco. Elaborada por Caio de Gois, 2018.

Arquitetura e cidade: ensaios projetuais, análises urbanas e caminhos percorridos na Universidade Federal de Sergipe
182

Partindo para a especificidade dos conjuntos em Lei, assim como aos recuos e afastamentos
habitacionais, que em relação aos loteamentos que não são especificados pelo PDDUA.
particulares foram poucos, compreendem uma
realidade socioeconômica da população de 0 a Algumas breves reflexões críticas
3 salários mínimos. Ao sobrepor o zoneamento
com a produção habitacional, os conjuntos estão
inseridos nas Zonas Especiais de Interesse So- Em Nossa Senhora das Dores, apontou-se
cial (ZEIS) ou em suas imediações, apresentan- a existência de descolamento entre o planeja-
do pouca ou nenhuma infraestrutura, ainda que mento e o desenvolvimento das políticas pú-
estejam integrados à malha urbana (Figura 2). blicas. O Plano Diretor de Desenvolvimento
Quanto às ZEIS, nota-se que a delimitação Urbano e Ambiental apresentou contexto e im-
destas ocorreu pela identificação de núcleos plantação problemáticos para sua difusão como
com residências de moradores carentes. Perce- instrumento condutor do direito à cidade.
beu-se que a falta de recursos técnicos e finan- Ao analisar o Plano Diretor, compreendeu-se
ceiros direcionou a definição e normatização que as limitações municipais, quanto à estrutu-
das ZEIS de forma precária. Essa prática desti- ra administrativa e disponibilidade de recursos,
nou a população de baixa renda para áreas dis- orientaram a elaboração da Lei sem critérios de
tantes do centro e dos postos de trabalho, sem adequação à realidade do município, visto que
infraestrutura e serviços públicos, contrariando os instrumentos não obtiveram êxito em função
a possibilidade de utilização dos vazios existen- da pouca relevância no contexto espacial da ci-
tes na área consolidada (Figura 2). dade. Tal condição se deu pelo distanciamento
Portanto, apesar do PDDUA contemplar seis existente entre a ocupação que se desenvolveu
ZEIS, não as especifica devidamente, tratan- de forma espraiada a partir das vias e do direcio-
do-as de forma genérica, sem traçar diretrizes namento da lei através da arbitrariedade dos pa-
para urbanização e instrumentos a serem apli- râmetros urbanísticos (ou melhor, da falta deles).
cados. Verificou-se, assim, que tais instrumen- Assim, foram identificados conflitos no tocan-
tos são carentes de definições que possibilitem te ao zoneamento, com a criação de zonas sem
sua plena efetivação no espaço urbano. a definição dos índices urbanísticos e critérios
Referente ao aspecto de uso e ocupação do para ocupação, além da deficiente delimitação
solo do Plano Diretor, percebe-se que a produ- das zonas e do perímetro urbano. Por conse-
ção habitacional não atendeu aos parâmetros guinte, verificou-se que tais problemas repercu-
urbanísticos da lei devido à ausência de suas tiram diretamente no uso e ocupação do solo,
especificidades. Constatou-se que não houve uma vez que a cidade cresceu à margem das
respeito à taxa de ocupação dos lotes prevista diretrizes contidas no Plano.

Arquitetura e cidade: ensaios projetuais, análises urbanas e caminhos percorridos na Universidade Federal de Sergipe
183

Constatou-se, portanto, que o zoneamento Senhora das Dores/SE foi construído de forma
não foi suficiente para garantir o ordenamento do tal que distanciou o processo de planejamento
solo urbano, em que se destaca o descaso laten- urbano da real efetivação do direito à cidade e à
te dos direcionamentos dados para o crescimen- moradia. A cidade se desenvolveu à margem do
to e consolidação da Área de Expansão Urba- Plano Diretor, tornando-o um instrumento sem
na. Esta abrange confrontantes, como grandes pertinência no tocante a seu papel disciplina-
áreas desocupadas, ocupação com característi- dor e ordenador, diante da sua não efetividade
cas predominantemente rurais, delimitação das quanto à democratização do espaço urbano.
Zonas Especiais de Interesse Social e ocupação
da população de baixa renda nas regiões sem
Referências
infraestrutura, inserção de empreendimentos
habitacionais da iniciativa privada nas melhores
áreas. Isso reafirma a pouca influência da lei na
BURNETT, Carlos Frederico Lago. Da tragédia ur-
regulação e ordenamento do solo urbano.
bana à farsa do urbanismo reformista: a Fetichi-
Outro grave aspecto é a deficiência da car-
zação dos Planos Diretores Participativos. 2009.
tografia realizada sem o devido critério técnico
Tese (Doutorado em Políticas Públicas) – Universi-
e atendimento às normativas do geoproces-
dade Federal do Maranhão, São Luís, 2009.
samento, negligenciando aspectos básicos de
representação e delimitação do zoneamento. BRASIL. Lei nº 10.257, de 10 de julho de 2001.
Soma-se a isso a ausência de parâmetros urba- Regulamenta os arts. 182 e 183 da Constitui-
nísticos específicos das áreas, ocasionando a ção Federal estabelece diretrizes gerais da po-
fragilidade da implementação da Lei, tornando lítica urbana e dá outras providências. Estatu-
as normatizações superficiais. to da Cidade. Brasília, DF. Disponível em: <http://
Verificou-se que, além dos instrumentos e nor- www.planalto.gov.br >. Acesso em: 10 ago. 2017.
matizações não se adequarem ao contexto so- Confederação Nacional de Municípios (CNM).
cioespacial do município, o Plano Diretor trouxe Planos Diretores para Municípios de peque-
princípios como justiça social, redução das desi- no porte: limites e perspectivas para a apli-
gualdades sociais e direito universal à cidade que cação dos instrumentos do Estatuto da Ci-
não lograram efetividade. Constata-se também dade. Brasília: CNM, 2015.
que tais aspectos ocorreram em função não so-
mente da deficiente normatização, como também BRASIL, IBGE. Censo Demográfico, 1970,
da baixa adesão popular quanto à discussão no 1980, 1991, 2000, 2010, 2013, 2014. Disponível
desenvolvimento e gestão das políticas urbanas. em: <www.ibge.gov.br>. Acesso em: 21 jan. 2018.
Conclui-se assim, que o Plano Diretor de De- NOSSSA SENHORA DAS DORES. Plano Di-
senvolvimento urbano e Ambiental de Nossa retor de Desenvolvimento Urbano e Ambien-

Arquitetura e cidade: ensaios projetuais, análises urbanas e caminhos percorridos na Universidade Federal de Sergipe
184

tal. Nossa Senhora das Dores, SE. Lei Com- ArquivosSNPU/Eventos/OficinaRagularizacao-


plementar nº 003, de 16 de outubro de 2006. Fundiaria/PlanoDir>. Acesso em: 10 ago. 2017.
Dispõe sobre o Plano Diretor de Desenvolvi- SANTANA, Gilberto Araújo. [12 jan. 2018]. Nos-
mento Urbano e Ambiental, cria o sistema de sa Senhora das Dores/SE. Entrevista concedi-
planejamento e gestão do Município de Nossa da a Caio Guilherme de Gois.
Senhora das Dores, e dá outras providências.
SANTOS JUNIOR, Orlando Alves; MONTANDON,
Nossa Senhora das Dores, 2006.
Daniel Todtmann (orgs.). Os planos diretores mu-
PINHEIRO, Otilie Macedo. Plano diretor e nicipais pós-estatuto da cidade: balanço crítico
gestão urbana. Florianópolis: Departamento e perspectivas. Rio de Janeiro: Letra Capital - Ob-
de Ciência da Administração/UFSC; [Brasília]: servatório das Cidades, IPPUR/UFRJ, 2011.
CAPES: UAB, 2010.
SANTOS, Caio Guilherme de Gois. 10 anos do
ROLNIK, Raquel; PINHEIRO, Otilie Macedo Plano Diretor de Nossa Sra. das Dores/SE:
(Org.). Plano Diretor Participativo: guia para a Entre a cidade planejada e a cidade produzi-
elaboração pelos municípios e cidadãos. Bra- da. 2017. Trabalho de Conclusão de Curso (Gra-
sília: Ministério das Cidades, 2004. 160 p. Disponí- duação em Arquitetura e Urbanismo) – Univer-
vel em:<http://www.cidades.gov.br/images/stories/ sidade Federal de Sergipe, Laranjeiras, 2017.

Arquitetura e cidade: ensaios projetuais, análises urbanas e caminhos percorridos na Universidade Federal de Sergipe
185

Sobre os
Allan Juliano da Rocha Santos Ana Carolina de Sá Silva
Arquiteto Urbanista, Doutorando em Arquitetura Arquiteta e Urbanista, graduada pela Universi-
e Urbanismo pela Universidade Federal da Bah- dade Federal de Sergipe (UFS) (2017), com Tra-

Autores
ia (UFBA). Foi professor substituto e voluntário no balho de Conclusão de Curso na área de Mobilida-
Departamento de Arquitetura e Urbanismo da Uni- de Urbana. Atua no desenvolvimento de projetos
versidade Federal de Sergipe (UFS). Condecora- arquitetônicos na empresa sergipana “Foco Arqui-
do com a medalha de Honra ao Mérito Cartográfi- tetura e Urbanismo” desde o ano de 2017. E-mail:
co no grau de Cavaleiro pela CONCAR (Comissão ana_carol1606@hotmail.com.
Nacional de Cartografia). Atualmente é assessor
especial da vice governadoria do estado de Sergi-
Anna Paula Gonzaga dos Santos
pe. E-mail: alanjulianor@gmail.com
Arquiteta e Urbanista formada pela Universida-
de Federal de Sergipe (UFS) (2017), pós-graduan-
Allyne Almeida Amaral
da em Educação ambiental e Sustentabilidade.
Graduada em Arquitetura e Urbanismo pela Uni- E-mail: annapaula.gonzaga@hotmail.com
versidade Federal de Sergipe (UFS) (2017), com
interesse nas áreas de conservação e patrimônio,
Antônio Francisco dos Santo Neto
e conforto ambiental. Atua no desenvolvimento de
projetos na empresa “AVAL Arquitetura”. E-mail: Arquiteto e Urbanista, graduado pela Universi-
allyne_2a@hotmail.com; dade Federal de Sergipe (UFS) (2017), mestrando
pelo Programa de Pós-Graduação em Urbanismo
(PROURB) da Universidade Federal do Rio de
Ana Maria de Souza Martins Farias
Janeiro (UFRJ). Membro do Centro de Estudos
Arquiteta e Urbanista pelo Instituto Metodista de Planejamento e Práticas Urbanas e Regionais
Bennett (1978), doutora em História Urbana pela (CEPUR) da UFS e do grupo de pesquisa Análise
Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) Espacial Intraurbana da UFRJ. E-mail: antonione-
(1997). Professora adjunta da Universidade Fe- toarqurb@gmail.com
deral da Paraíba (UFPB), lotada no Departamen-
to de Engenharia Civil da Universidade Federal
Caio Guilherme de Gois Santos
de Sergipe (UFS). Experiência em Planejamento
e Projetos da Edificação, atuando principalmente Graduado em Arquitetura e Urbanismo pela Uni-
nos temas: espaço público-privado, legislação, es- versidade Federal de Sergipe (UFS) (2018), com
paço urbano, patrimônio, modernidade, cidadania, Trabalho de Graduação Final na área de planeja-
tecnologia limpa, sustentabilidade, meio ambiente. mento urbano e regional. Voluntário do Escritório
E-mail: anmsmfarias@yahoo.com.br Modelo (EMAU/UFS) e estagiário da Prefeitura

Arquitetura e cidade: ensaios projetuais, análises urbanas e caminhos percorridos na Universidade Federal de Sergipe
186

Municipal de Laranjeiras, com atuação na área rado em Arquitetura pela Faculdade de Arqui-
de assistência técnica gratuita (2017). E-mail: tetura da Universidade de Lisboa (2015). Pro-
caiodegois@outlook.com fessor Associado 2 da Universidade Federal de
Sergipe (UFS). Tem experiência em História da
Arquitetura e Urbanismo e desenvolve projetos
Carla Fernanda Barbosa Teixeira
na área de Design, Mobiliário Urbano e Tec-
Arquiteta e Urbanista pela UNESP-Bauru, nologia da Conservação e Restauro. E-mail:
Doutora em Arquitetura, Tecnologia e Cidade eder@infonet.com.br
pela Universidade Estadual de Campinas (UNI-
CAMP). Professora Adjunta do Departamento
Elder Hugo Tavares Teles
de Arquitetura e Urbanismo da Universidade
Federal de Sergipe (UFS), e atua em Projetos Arquiteto e Urbanista pela Universidade Fe-
Arquitetônicos, Arquitetura Bioclimática, Con- deral de Sergipe (UFS). Hoje trabalha como
forto Ambiental, como também no Programa de autônomo nas áreas de projeto de arquitetura,
Pós-Graduação da Engenharia Civil da UFS em urbanismo, paisagístico, de interiores e realiza
Gestão e Meio Ambiente com ênfase em Sus- confecção de maquetes eletrônicas. E-mail: el-
tentabilidade. E-mail: cafbt@ufs.br derhugo.arquiteto@gmail.com

Carolina Marques Chaves Galvão Érika Laíse de Santana Ramalho


Arquiteta e Urbanista formada pela Univer- Arquiteta e Urbanista pela Universidade Fe-
sidade Federal da Paraíba (UFPB), mestre em deral de Sergipe (UFS) (2017). Hoje atua profis-
Teoria e História da Arquitetura e Urbanismo sionalmente na área de projetos de arquitetura e
pelo IAU-USP (São Carlos), professora assis- interiores. E-mail: laiseramalho.er@gmail.com
tente do Departamento de Arquitetura e Urbanis-
mo da Universidade Federal de Sergipe (UFS),
Fernando Antônio Santos de Souza
Vice-coordenadora do Laboratório de Pesquisa
Ensino e Memória (LaPEM), membro do Núcleo Arquiteto e Urbanista, doutor em Geogra-
Regional DOCOMOMO BA.SE (Bahia-Sergipe). fia pela Universidade Federal de Sergipe (UFS)
E-mail: carolinamchaves@gmail.com (2008), professor adjunto da Universidade Fede-
ral de Sergipe (UFS). Tem experiência em Plane-
jamento e Desenvolvimento Urabano e Regional,
Eder Donizette da Silva
Legislação e Gestão Local, Projetos de Edifica-
Arquiteto e Urbanista, Doutor em Arquitetura ção, atuando principalmente nos seguintes te-
e Urbanismo pela UFBA (2005) e Pós-Douto- mas: participação, controle e fiscalização urbana,

Arquitetura e cidade: ensaios projetuais, análises urbanas e caminhos percorridos na Universidade Federal de Sergipe
187

habitação de interesse social, ambiente construí- Márcio da Costa Pereira


do e paisagem. E-mail: fmvsouza@gmail.com
Arquiteto e Urbanista, Doutor em Arquitetu-
ra e Urbanismo pela Faculdade de Arquitetura
Lenise Rafaella Hora Costa e Urbanismo na Universidade de São Paulo
Arquiteta e Urbanista, graduada pela Uni- (FAU-USP) (2012). Professor adjunto no De-
versidade Federal de Sergipe (UFS) (2017), partamento de Arquitetura e Urbanismo da Uni-
com Trabalho de Conclusão de Curso na área versidade Federal de Sergipe (UFS) e Líder do
de Planejamento Urbano e Legislação Am- grupo de pesquisa Tecnologias em Arquitetura e
biental. Hoje, atua profissionalmente em es- Urbanismo (TAU) (criado em 2014). Desenvolve
critório na área de projeto de arquitetura, in- estudos e pesquisas sobre temas como habita-
teriores, planejamento e construção civil. ção de interesse social, habitabilidade e cidades
E-mail: lenisehora@yahoo.com.br inteligentes. E-mail: marcio.cp@terra.com.br

Lina Martins de Carvalho Maria Cecília Pereira Tavares


Arquiteta e Urbanista pela Universidade Fe- Arquiteta e Urbanista, doutora em Arquitetura
deral de Alagoas (UFAL) (2008). Mestre em Ar- e Urbanismo pelo Instituto de Arquitetura e Urba-
quitetura e Urbanismo pela UFAL (2012). Pro- nismo da Universidade de São Paulo (USP, São
fessora Efetiva do Departamento de Arquitetura Carlos) (2015). Professora adjunta no Departa-
e Urbanismo da Universidade Federal de Sergi- mento de Arquitetura e Urbanismo da Universi-
pe (UFS) e discente do Doutorado Cidades pela dade Federal de Sergipe (UFS) (2014). Pesqui-
UFAL. Atua principalmente nos seguintes temas: sadora nas áreas de micro políticas urbanas,
desenho/representação, projeto/planejamento placemaking e urbanismo tático,  como meios de
urbano. E-mail: linamartins_@hotmail.com construir trabalhos colaborativos em parcerias
com comunidades. E-mail: ceciliatavares@ufs.br

Lygia Nunes Carvalho


Maria Clara Ramos Melo
Arquiteta e Urbanista, Mestre em Planeja-
mento Urbano e Regional pela Universidade de Arquiteta e urbanista formada pela Univer-
São Paulo (USP). Foi professora substituta na sidade Federal de Sergipe (UFS) (2016), com
Universidade Federal de Sergipe. É professo- trabalho de conclusão de curso na área de mo-
ra de urbanismo na Universidade Tiradentes. bilidade urbana, focando na análise do sistema
E-mail: lygiacarvalhoarq@gmail.com de transporte público proposto para a cidade

Arquitetura e cidade: ensaios projetuais, análises urbanas e caminhos percorridos na Universidade Federal de Sergipe
188

de Aracaju. Realizou intercâmbio acadêmico Urbanismo da Universidade Federal Fluminen-


nos Estados Unidos (2014/2015) na Instiuição se (PPGAU/UFF) (2016). Professora adjunta
Temple University, pelo programa Ciências Sem do Departamento de Arquitetura e Urbanismo
Froneiras. E-mail: mcclararm@gmail.com da Universidade Federal de Sergipe (UFS).
Becária Tesista do Lincoln Institute of Land
Policy (2014), Líder do Centro de Estudos de
Mariane Cardoso de Santana
Planejamento e Práticas Urbanas e Regionais
Graduada pelo curso de Arquitetura e Urba- – CEPUR/DAU-UFS e membro da Rede Na-
nismo da Universidade Federal de Sergipe (UFS) cional Dispersão Urbana. Experiência em pro-
(2017). Mestranda em Teoria e História da Arqui- jetos de arquitetura e urbanismo, planejamento
tetura e do Urbanismo pelo Instituto de Arquite- urbano e regional, direito urbanístico, produ-
tura e Urbanismo da Universidade de São Paulo ção habitacional, mercado imobiliário. E-mail:
(IAU-USP, São Carlos), na área de Cidade, Arte sarahfranca@ig.com.br
e Cultura. E-mail: mariane.arq@hotmail.com
Tamyres Grazielle Almeida Silva
Rozana Rivas de Araújo Arquiteta e Urbanista pela Universidade Fe-
Arquiteta e urbanista - Universidade Federal do Rio deral de Sergipe (UFS) (2017). Sócia e proprie-
Grande do Sul (UFRGS); mestre e doutora em Pla- tária do escritório “Singular Arquitetura” desde
nejamento Urbano e Regional (PROPUR/UFRGS). 2017. Atua em autoria de projetos arquitetôni-
Pós doutorado na École Nationale Supérieure d’Ar- cos, paisagísticos, ambientação, além de acom-
chitecture de Strasbourg. Professora do curso de panhamento de obras, maquetes eletrônicas e
Arquitetura e Urbanismo na UNESC de 2006-2009; consultoria nos estados de Sergipe, Bahia e Ala-
desde 2009 professora do Departamento de Arquite- goas. E-mail: singulararquitetura@gmail.com
tura e Urbanismo – Universidade Federal de Sergipe
– UFS; professora colaboradora no Mestrado de Polí- Vinícius Silva Rodrigues
ticas Públicas - PROFIAP/UFS (2015-2019).
Líder do Grupo de Pesquisa Laboratório da Ci- Arquiteto e Urbanista, graduado pela Univer-
dade, temas de pesquisa: mobilidade urbana; mer- sidade Federal de Sergipe (UFS) (2017), com
cado imobiliário. E-mail rozanarivas@terra.com.br Trabalho Final de Graduação na área de Plane-
jamento Urbano e Regional. Hoje, atua profissio-
nalmente como empresário na área de projetos
Sarah Lúcia Alves França de arquitetura (residencial e comercial), arquite-
Arquiteta e Urbanista, Mestre e Doutora pelo tura de interiores, consultorias e construção civil.
Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e E-mail: arqviniciusrodrigues@gmail.com

Arquitetura e cidade: ensaios projetuais, análises urbanas e caminhos percorridos na Universidade Federal de Sergipe

Você também pode gostar