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1ª EDIÇÃO

ANAP
Tupã/SP
2020
2

EDITORA ANAP
Associação Amigos da Natureza da Alta Paulista
Pessoa de Direito Privado Sem Fins Lucrativos, fundada em 14 de setembro de 2003.
Rua Bolívia, nº. 88, Jardim América, Cidade de Tupã, São Paulo. CEP 17.605-310.
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Foto de Capa - Paulo Cangussu Burgo


Revisão final e layout - Ananda Soares Rosa

Ficha Catalográfica

N712b Bauru em temas urbanos / Nilson Ghirardello. 1 ed.


– Tupã: ANAP, 2020.

353 p; il.; 21 x 29,7 cm

Requisitos do Sistema: Adobe Acrobat Reader


ISBN 978-65-86753-04-2

1.Bauru (SP). 2. História. 3. Urbanismo.


I. Título.

CDD: 710
CDU: 710/49
BAURU EM TEMAS URBANOS 3

Para Giovanna, filha e colega


de profissão, que de maneira sinuosa, mas
serena como água de remanso, suscitou
este livro.
4
BAURU EM TEMAS URBANOS 5



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6
BAURU EM TEMAS URBANOS 7


Com muito orgulho, faço a apresentação do livro Bauru em temas urbanos do
colega Prof. Dr. Nilson Ghirardello, Arquiteto e Urbanista, contemporâneo de uma
trajetória que ultrapassa três décadas entre Prefeitura Municipal de Bauru e Faculdade
de Arquitetura, Artes e Comunicação da Unesp - Bauru.
Sua dissertação de Mestrado Aspectos do direcionamento urbano de Bauru
(1992), onde analisa a formação da cidade até os anos 40, é referência obrigatória a
todos os pesquisadores que se debruçam sobre a história de Bauru.
Na atual publicação, estende sua pesquisa até os dias atuais, preenchendo
uma lacuna na história mais contemporânea, fazendo um registro temporal com a
técnica de pesquisador cuidadoso e a sensibilidade e memória afetiva de morador.
Tendo vivido aqui grande parte da sua vida, muito do que é relatado, foi
vivenciado.
Junta fatos descritos nos jornais da época com fotos garimpadas nos museus
e textos sobre Bauru, subsidiando comentários muito pertinentes que ajudam o leitor,
seja ele um interessado na história da cidade ou pesquisador, a ter um novo olhar
sobre o nosso passado e entender as transformações por que passamos.
Os Capítulos têm autonomia, podem ser apreciados independentemente, mas
ao final se completam dando um panorama da formação da urbe, da expansão
horizontal e vertical, da legislação que induziu algumas características peculiares,
concluindo com a análise do patrimônio arquitetônico como registro desta história.

As lembranças têm assento nas pedras da cidade que enquanto


permanecem, sustentam a memória. Quando os lugares
desaparecem, são substituídos, renovados, esta ligação se desarticula
mas permanece em nós como carência (Ecléa Bosi, 1983).

Maria Helena Carvalho Rigitano


Arquiteta e Urbanista
8
BAURU EM TEMAS URBANOS 9


Prof. Dr. Nilson Ghirardello1

Quando se inicia uma pesquisa sempre tentamos entender o que nos move a
empreendê-la e o porquê da escolha de determinado tema. Como docentes
universitários, quase sempre buscamos respostas cerebrais, voltadas a nossa
atuação dentro da instituição e aos interesses acadêmicos. Contudo, não se pode
deixar de invocar o lado emocional nesse processo, que é bastante poderoso. Sendo
"da terra", e ao se trabalhar com o tema Bauru, sobrepõe-se um peso maior do que
imaginávamos: fala forte o lado sentimental, as raízes no espaço da cidade e as
lembranças de uma vida inteira. Nesse aspecto, o processo de leitura urbana se une
e se confunde, inevitavelmente, com as memórias afetivas.
Não foram poucas as vezes que recordações urbanas da adolescência e até
mesmo da infância, meio adormecidas, foram reavivadas a partir da escrita deste texto
e das imagens buscadas para guiá-lo. No processo despertaram-se as longas e
preguiçosas conversas com as avós, vizinhos e conhecidos, que se não integralmente
confiáveis, ao menos nos dão pistas a respeito de episódios e situações que deveriam
ser checadas. Voltam à mente paisagens, construções, espaços verdes e,
certamente, pessoas que por eles passavam. Escrevê-lo foi um processo que uniu a
racionalidade e rigores da produção acadêmica com as lembranças armazenadas no
âmbito pessoal.
Este livro é associado e consequência do nosso mestrado defendido em 1992
na antiga Escola de Engenharia de São Carlos da USP, atualmente denominado
Instituto de Arquitetura e Urbanismo, IAU/USP. A dissertação chama-se Aspectos do
Direcionamento Urbano de Bauru, e nela tentamos entender o processo de formação
urbana da cidade iniciado no século XIX, finalizando o arco temporal por volta dos
meados de 1940, ao término do Estado Novo, fechando-se um ciclo, portanto.
A pesquisa nunca foi editada integralmente, apenas sob forma de artigos
esparsos e, mesmo assim, para nossa felicidade, é referência utilizada pelos

1Docente do Departamento de Arquitetura, Urbanismo e Paisagismo da Faculdade de Arquitetura,


Artes e Comunicação da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (FAAC-
UNESP/Bauru).
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estudantes nos trabalhos de Iniciação Científica, de finalização de cursos, de


mestrados e doutorados.
Naquele contexto não adentramos mais no tempo além dos anos 1940 devido
às dificuldades de pesquisas em fontes primárias num momento em que a internet
ainda engatinhava. Fora isso havia a inevitável necessidade do cumprimento dos
prazos exigidos para o término do mestrado, não sendo assim possível que o estudo
se prolongasse em direção às décadas seguintes.
Avaliar o tempo presente também é bastante complexo e, por vezes, não há
a devida distância para que o juízo seja mais isento e preciso. No entanto, dar
prosseguimento ao trabalho, mesmo que em outras bases, era, também, cobrança
pessoal. Um belo dia veio a coragem e depois de alguns meses, finalizados por uma
longa e forçada quarentena doméstica em virtude da Covid-19, aqui está o resultado.
Aponto que a pesquisa atual não é como a anterior, na qual a urbanização da
cidade era tratada no todo, de forma sequencial. Agora preferimos desenvolver a partir
de temas urbanos específicos e com certa independência entre eles, buscando
conteúdos que nos parecem importantes para a cidade. Frisamos que o trabalho se
dá a partir do olhar do arquiteto/urbanista, da história urbana e, portanto, precisa ser
entendido dessa maneira.
Em cada um dos assuntos tentamos criar cronologia própria como forma de
facilitar o entendimento e o desdobrar dos fatos. Elegemos algumas matérias ligadas
ao urbano da cidade, e sabemos que sobraram várias lacunas. Entretanto, aquelas
que mais nos interessavam por considerarmos importantes aí estão. Não tivemos a
mínima intenção de esgotar os temas e nem seria possível, pois cada um deles teria
condições de ganhar autonomia no sentido de poder ser uma longa pesquisa –
exclusiva – de mestrado ou doutorado.
Vários elementos de análise perpassam os tópicos e de certa forma os ligam,
já que se trata de uma estrutura urbana única; todavia não queríamos repetir
seguidamente os mesmos dados para os variados assuntos. Talvez informações
gerais ausentes em determinado capítulo estejam em outro, exigindo do leitor ir além
daquele para uma compreensão mais abrangente e completa.
Para podermos dar referencial sobre os princípios da cidade iniciamos o
trabalho com a Formação até os anos 1930 e o aforamento das terras, que explora
como foi a ocupação da região e o seu processo de formação urbana. Este capítulo
esclarece de onde vieram os “chãos” de Bauru enquanto produto do aforamento de
BAURU EM TEMAS URBANOS 11

terras de um patrimônio religioso2; trata das bases legais para o arruamento da cidade
e o traçado produzido pelo arruador. Mostramos, após um período inicial de
expectativa, como chegaram as ferrovias e com elas as radicais transformações
físicas e humanas ocorridas no solo urbano. Esse capítulo é o que está mais vinculado
à pesquisa de mestrado e, de certa maneira, faz resumo da criação do traçado urbano,
tratado com mais detalhes na pesquisa anterior.
O capítulo A Praça Rui Barbosa e os três templos versa sobre a formação
desse importante espaço urbano; de sua passagem de um largo voltado quase
exclusivamente às atividades religiosas, para a praça laica republicana, sendo
finalizado com a reforma que a descaracterizou no final do século XX. Trata, também,
das três construções religiosas católicas daquele espaço: a capela primitiva, a antiga
matriz e a atual catedral, descritas e analisadas arquitetonicamente a partir das
poucas imagens fotográficas e relatos que dispomos, com exceção da última que ali
está para ser vista.
Primeiros parcelamentos e ocupações fora do Patrimônio busca estudar a
expansão inicial da cidade além de seus limites representados pela área do
aforamento inicial. Elenca quais são e de que maneira se implantam os primeiros
parcelamentos ao redor do Patrimônio logo nas primeiras décadas do século XX.
Ainda, diferencia aqueles que tiveram que transpor córregos e trilhos, daqueles junto
à área foreira.
A Zona Sul tenta entender como e por que essa região da cidade se tornou a
área nobre e disputada pelas camadas mais favorecidas da população e, após essa
primeira ocupação, os motivos dos setores de serviços e comércio para lá se dirigirem
a partir do centro urbano.
Falcão e Bela Vista trata das características principais de dois antigos e
importantes bairros populares da cidade, formados a partir de diversos loteamentos.
Buscam-se elementos que os aproximam e também os particularizam do momento de
formação inicial de total isolamento, até quando se ligam ao centro da cidade através
dos grandes viadutos de concreto.
A verticalização aborda o início da construção dos prédios no centro da
cidade, suas tipologias iniciais, o ingresso na arquitetura modernista e como e por

2 Desenvolveremos a questão mais adiante, contudo, para maior aprofundamento sugerimos nosso
trabalho: GHIRARDELLO, N. A formação dos patrimônios religiosos no processo de expansão
urbana paulista (1850-1900). São Paulo: Editora UNESP, 2010.
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onde se deu a expansão desse tipo de edificação na cidade no final do século XX e


início do presente século.
Avenida Rodrigues Alves cuida da formação dessa via, não existente no
desenho inicial da cidade, e criada logo após a chegada das ferrovias, os sucessivos
prolongamentos de seu traçado, o seu relevo como eixo de expansão e os
parcelamentos ao seu redor, chegando até seu estado atual.
O centro comercial mostra como a economia citadina voltada ao comércio e
serviços já no início do século XX cria um espaço urbano comercial relevante, com
reflexos locais, junto aos municípios da região e em direção à zona noroeste paulista.
Elucida o quanto tal atividade deixou suas marcas profundas na parte central da
cidade. Por fim, busca entender as drásticas transformações ocorridas no centro com
o passar dos anos e a dispersão do comércio na virada do século XX para o XXI.
Legislações Urbanas e Planos Diretores levanta as leis que ajudaram a definir
a cidade, bem como seus Planos Diretores, apontando de que modo eles atuaram ou
deixaram de atuar para a expansão e o desenho da cidade.
Condomínios e Loteamentos com controle de Acesso aponta os primeiros
empreendimentos dessa natureza na cidade, como e onde se implantam, as
características principais e sua multiplicação a partir do raiar do século XXI,
comparando-os com os condomínios verticais formados por grupos de prédios.
Avenida Nações Unidas historia a formação daquela que é a via “cartão
postal” da cidade, desde o primeiro trecho construído até o último deles composto pela
Nações Norte, mostrando que, dependendo do segmento e de sua inserção no
entorno, apresenta-se com características específicas dentro dos seus quase 10
quilômetros de extensão.
Praça da Paz trata dessa praça situada junto à Avenida Nações Unidas;
detalha seu projeto e os motivos de sua construção.
Habitação Social aborda a formação dos conjuntos habitacionais e
residenciais populares a partir dos primeiros deles, ainda nos anos 1960, tentando
entender a lógica das implantações e sua relação com o urbano.
Patrimônio histórico e natural finaliza o trabalho apontando o rico patrimônio
da cidade, pouco cuidado e valorizado, mas que poderia representar grande
diferencial para o futuro de Bauru.
BAURU EM TEMAS URBANOS 13

Interessa-nos, sobretudo, saber como a cidade se desenhou, para onde


parece ir e quais os processos que envolvem tais caminhos. Dessa forma, o ponto
central da pesquisa é descortinar o "desenho" do espaço sob a luz da história urbana.
Para chegarmos a bom termo nos valemos de trabalhos de pesquisa dos
colegas docentes da UNESP e os de mestrado, especialmente aqueles defendidos no
Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da FAAC-UNESP de
Bauru, onde lecionamos. Isso mostra que muitos de nossos ex-alunos conseguem
estabelecer novos parâmetros de pesquisa para a cidade e região.
Recorremos à literatura urbana específica, trabalhos de memorialistas e
também buscamos pesquisar em fontes primárias, tais como: atas de câmara,
documentos esparsos, Códigos de Posturas, Planos Diretores, legislações
municipais, estaduais, federais, etc. Nesse processo merecem destaque os diversos
jornais locais, alguns de vida curta, outros nem tanto, muito úteis para se verificar
inúmeros aspectos urbanos. Também foram importantes os mapas, plantas e
fotografias da cidade em diversos períodos históricos que nos ajudaram a datar obras,
compreender a arquitetura original, comprovar determinadas situações, bem como
confirmar hipóteses levantadas.
Muitas vezes, ainda, nos socorremos do "velho" mestrado para complementar
os temas tratados. Contudo, tal pesquisa mantém sua autonomia e, certamente, um
trabalho não substitui o outro.
Necessário apontar e agradecer a colaboração que tivemos de um grupo de
pessoas ligadas a órgãos públicos, universidades e empresas privadas que nos
ajudaram com material para a pesquisa. Entre eles frisamos os profissionais ligados
aos Museus e Biblioteca Municipal de Bauru, em particular a Cynthia Bombini do
Museu Ferroviário Regional de Bauru, pela paciência na busca de materiais
importantes para a pesquisa, particularmente na extensa coleção de jornais locais ali
depositados. Agradeço, ainda, o Jornal da Cidade (JC) em nome da jornalista Gisele
Hilário, por permitir o acesso à coleção completa do Bauru Ilustrado, bem como a do
próprio JC, ali arquivada. Ao professor Roger Marcelo Martins Gomes e aos discentes
de História da UNISAGRADO pelo acesso ao Núcleo de Pesquisa Histórica (NUPHIS)
e auxílio na coleta de documentos. Aos funcionários da Secretaria de Planejamento
da Prefeitura Municipal de Bauru, em nome da arquiteta Natasha Lamônica e de
Franciluz Mariano da Malta. Agradecimentos especiais ao arquiteto Claudinei Lima e
a arquiteta e colega docente Maria Helena Carvalho Rigitano pela atenta leitura,
14

sugestões ao texto e pela Apresentação do trabalho. Ainda, obrigado ao professor e


arquiteto Paulo Cangussu Burgo, pela linda foto da capa e a minha orientanda
arquiteta e mestre Ananda Soares Rosa pela cuidadosa revisão final e layout do
trabalho.
Por fim, deixamos claro que é um olhar pessoal do urbano de Bauru, sem
necessariamente aprofundar em demasia determinadas questões, o que não é
objetivo do trabalho. Cada um dos temas apresentados seriam, por si só, pesquisas
muito extensas se desenvolvidas de forma única e com foco específico. Antes de tudo,
é apresentação preliminar e introdutória de cada um dos aspectos estudados. Outras
visões podem se somar a essa, ou mesmo, certamente, irem para outros caminhos e
enfoques.
BAURU EM TEMAS URBANOS 15






A formação urbana de Bauru acompanha o processo de grande parte das


cidades criadas no centro oeste da Província, depois Estado de São Paulo, entre os
meados do século XIX e início do século XX.
Após a promulgação da Lei de Terras de 1850 acorrem à região, situada na
margem esquerda do Rio Tietê, muitos mineiros fugidos da decadência das lavras e
da miséria3 que imperava em sua Província natal, a mais populosa do país. Tomarão
imensas áreas de terras pertencentes ao Estado, devolutas, portanto, através de
apossamentos e documentação nem sempre legais.
Para a definição dos limites dos latifúndios se valiam dos cursos d’água, de
preferência os rios e ribeirões mais caudalosos. Caso os cursos de maior caudal não
fossem possíveis, lançavam mão dos córregos, chamados “rios de canoa”. As divisas
secas eram formadas pelos espigões, elementos facilmente identificáveis na
paisagem natural. Grosso modo, uma fazenda era delimitada pelos córregos que
desembocavam em rios nas barras e as linhas de cimo dos espigões. Quanto às
características das terras, formadas apenas por florestas, se encontram nas escrituras
lavradas nas paróquias da região, termos como “campos e matas de criar”, “matas de
cultura” e “terras lavradias”. As designações descreviam, portanto, a paisagem real
dos locais ou mesmo o potencial da terra para cultivo futuro.
Os primeiros ocupantes não plantarão nada, apenas dividirão as glebas e as
venderão, nas décadas seguintes, a interessados, boa parte deles também mineiros
que permanecerão na região, pessoalmente ou através de parentes, vivendo em
ranchos improvisados.

3 MONBEIG, P. Pioneiros e fazendeiros de São Paulo. São Paulo: HUCITEC-POLIS, 1984, p. 133.
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Sylvio de Vasconcellos (1997) assim trata aquele que seria o rancho primitivo
do mineiro, certamente transplantado para essas bandas. Acreditamos que a tipologia
descrita tanto serviria para as propriedades rurais como para as primeiras moradias
nos precários povoados nascentes,

Quatro esteios de pau roliço, quatro frechais e uma cumeeira ao alto;


roliços também os caibros que receberão as fibras vegetais da
cobertura: sapé, folhas de palmeira, etc. Paus com casca e tudo, sem
qualquer desbaste que os beneficiasse. De princípio simples telheiros
que acolhem o homem e seus trastes, seus animais, suas
ferramentas; depois fechando-se, na periferia, com tramas ainda de
paus roliços e varas, esqueleto que serviria para sustentação do barro
com que se acabam4.

A produção agrícola não se dava em escala, sendo apenas para subsistência


e o excedente poderia ser vendido na vila mais próxima. Também criavam porcos e
vacas para consumo próprio, conservando a mata original praticamente intocada. A
distância do porto, a falta de estradas permanentes e ausência de capitais não
permitirão plantio em quantidade.
As tribos indígenas, principalmente Caingangues, chamados pelos brancos
de Coroados devido ao corte de cabelo em forma de coroa, legítimos habitantes
desses lugares, tentam defender seu território e aldeias. Com a paulatina tomada das
terras pelos brancos os conflitos tornam-se cada vez mais frequentes. As mortes dos
novos ocupantes são reverberadas repetidamente na imprensa regional e estadual,
ao contrário das indígenas, criando-se, deliberadamente, uma imagem extremamente
negativa desses povos.
Os embates com os novos moradores brancos, ainda no século XIX; o
assassinato do missionário Monsenhor Claro Monteiro, em 1901; as contendas com a
Comissão Geográfica, em 1905; e os ataques às obras e as estações da CEFNOB,
isoladas em meio à mata, servirão de pretexto para a aniquilação dessa e de outras
nações indígenas. Para garantir maior eficiência no processo, são criados grupos de
“bugreiros” por fazendeiros e pela companhia ferroviária, no sentido do extermínio das
tribos e liberação das terras. Os bugreiros eram constituídos por grupos de perigosos
fora-da-lei que haviam fugido para o “sertão” com o fim de escaparem de suas penas.
Aliavam-se aos poderosos que lhes davam proteção e em troca eliminavam os

4VASCONCELLOS, S. de. A arquitetura colonial mineira. In: ÁVILA, A. Barroco: Teoria e Análise. São
Paulo: Perspectiva, 1997. p.11.
BAURU EM TEMAS URBANOS 17

indígenas. Mesmo tidos como temidos guerreiros, devido à disparidade de


armamentos, os Caingangues são dizimados ou fogem, adentrando ainda mais o
território em direção ao extremo oeste paulista.
A presença indígena vai ser tratada anos depois, pela imprensa local, como
um mal a ser combatido e extirpado. Em 03 de março de 1911, com os Caingangues
mortos ou afastados do município, é exposta de forma retrospectiva pelo Jornal A
Comarca de Bauru, a sensação de alívio pela sua destruição,

Bauru há bem pouco tempo era uma villa e a sua fama não se
desdobrava em conceitos de animação, de paz e de ordem; e só o
falar-se neste pedaço de terra, hoje tão procurado e cheio de tanta
vida, era o suficiente para causar em certos espíritos mal informados,
o receio e o terror.
Historias pavorosas, de bugres, echoavam por toda a parte e só
aquelles mais ousados, na sêde da fortuna, demandavam para esta
paragem e seguiam sertão em fora em trabalhos da “Noroeste do
Brasil”, e por esses antros de feras e de homens incultos o que sofriam
proclamavam como dotes de Bauru5.

Nesse período, 1911, os indígenas já haviam sido praticamente extintos na


região próxima à cidade de Bauru, no entanto ainda estavam sendo mortos durante o
apossamento das terras devolutas e com a construção da CEFNOB, em direção ao
Rio Paraná6. Para tanto, continuarão atuando os “bugreiros” com seus métodos de
total destruição7.
O plantio do café avançava rapidamente em São Paulo acompanhado de
perto pelas companhias ferroviárias que o transportava. Ocupa, antes dos meados do
século XIX, o Vale do Paraíba; após a fundação da São Paulo Railway, em 1867,
penetra o interior a partir da região de Campinas e Jundiaí, galgando o norte da
Província e a margem direita do Tietê. Por volta de 1870, transpõe esse rio.
O surgimento da Vila de Bauru se dará em uma linha de ocupação urbana, na
margem esquerda do Tietê, em direção ao centro oeste, estabelecida a partir de
Botucatu, cidade desmembrada de Itapetininga no ano de 1855. Lençóis, por sua vez,
se torna sede de município em 1865, quando se desanexa de Botucatu; Espírito Santo

5 Jornal A Comarca de Bauru. 03 mar. 1911. Arquivo do Museu Municipal de Bauru.


6 GHIRARDELLO, N. À beira da linha: formações urbanas da Noroeste Paulista. São Paulo: Editora
UNESP, 2002.
7 Para tanto ver: LIMA, J. T. A ocupação e a destruição dos índios na região de Bauru. 1978.

Dissertação (Mestrado) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São


Paulo. São Paulo (SP), 1978.
18

de Fortaleza, no ano de 1889, ao se separar de Lençóis. A Vila de Bauru, portanto,


com esse processo, estará submetida, em um primeiro momento, à Lençóis e depois
à Fortaleza.
Esse é um período de criação de dezenas de cidades, pois até 1879 a
Província contava com 100 municípios e só nas últimas duas décadas do século XIX,
somam-se mais 61. Esse processo de incremento do número de cidades paulistas foi
amparado, entre outros motivos, pela imigração massiva, pela produção extensiva do
café e pela ferrovia.
Antes da constituição da Vila, forma-se o Bairro do Bauru ou Bairro de
Bahuruz, como grafado em velhos documentos. Não se tratava de um aglomerado
urbano, mas se caracterizava por diversas propriedades rurais na região do Ribeirão
Bauru, curso d’água que tem início junto à área atual da cidade e sua foz no Rio
Grande, perto do município de Pederneiras, com percurso de, mais ou menos, 40
quilômetros. Note-se que, diante da mata fechada e da falta de melhores referenciais,
era novamente escolhido um elemento da paisagem natural para identificar o “Bairro”
no espaço, nesse caso o Ribeirão Bauru. O “Bairro” ainda não se configurava como
povoação, sendo apenas a designação de uma zona nas imediações do ribeirão, que
possuía identidade própria e problemas comuns8. Ligando os sítios e fazendas havia
rede de caminhos, bastante precários.
A manutenção das modestas estradas era garantida pelos Inspetores de
Caminhos, moradores das vizinhanças que faziam esse trabalho a mando da Câmara
de Lençóis. Seus habitantes, vivendo relativamente isolados, deveriam se encontrar
em algumas oportunidades como as compras nas vilas próximas, missas,
casamentos, nascimentos e mortes. Por volta de 1880, cidadãos do Bairro do Bauru
já estão inscritos nos Quarteirões Eleitorais9.
Os moradores, entretanto, sentiam-se solitários e inseguros, e assim
clamavam pela criação de uma Freguesia, onde pudessem contar com capela curada
para suas orações e as demais atividades de sua alçada. Apontamos que a Igreja,
como braço do Estado, conforme a Constituição do Império, era responsável pelos
registros de propriedades, de nascimento, casamento e óbito. Sua presença, portanto,
extrapolava a esfera religiosa passando para aquela dos interesses atualmente

8 Sobre o assunto ver: QUEIROZ, M. I. P. de. Bairros rurais paulistas. São Paulo: Duas cidades,
1973.
9 FERNANDES, J. As origens da cidade de Bauru. Jornal Correio Paulistano, 1945.
BAURU EM TEMAS URBANOS 19

considerados civis. E, só mesmo com a presença do “Sagrado”, haveria um campo


santo para enterrar os mortos, levados para cemitérios distantes em penosas viagens.
A fundação de vila era expediente fundamental para se atrair uma estrada de
ferro que valorizaria as terras da região e permitiria o escoamento de eventual
produção agrícola. Um núcleo, ainda, traria novos habitantes e conferiria maior
segurança a todos. Entretanto, era necessário darem-se as bases espaciais e legais
para a constituição do povoado.
O estabelecimento dos "chãos" das vilas, conforme definição de Murillo
Marx10, ocorria a partir de doação de Patrimônio Religioso à Igreja Católica. Pode-se
dizer que o processo de ocupação territorial paulista, durante o século XIX, foi
viabilizado pela formação sistemática de povoados. Todos, ou a imensa maioria,
ocorreram através de Patrimônios Religiosos doados por proprietários rurais.
Sob o prisma eclesiástico, Capela era o mesmo que Povoado, onde um padre
passaria eventualmente para suas atividades. A partir do momento que a Capela
possuísse um padre ou cura permanente, seria Capela Curada ou Paróquia. Nesse
ensejo a vila teria condições para receber o termo de Freguesia. No entanto, para o
início de todo processo, era necessário haver um Patrimônio Religioso.
A formação do Patrimônio de Bauru ocorreu pelas mãos de dois fazendeiros
em momentos diferentes, sendo que a primeira cessão de terras foi em 1884, através
de Antônio Teixeira do Espírito Santo. A doação, como de praxe, foi ofertada para o
santo de devoção do concessor, no caso a São Sebastião e também ao Divino Espírito
Santo11. Entretanto, como havia muitas doações para esse santo, para distingui-la se
uniria ao seu nome o do Bairro, já associado a elemento geográfico, no caso o
Ribeirão Bauru. Dessa forma o povoado seria formado em glória a “São Sebastião do
Bauru”.
Será uma gleba de 57 hectares e 25 ares de terras em formato de forquilha
definida por dois cursos d'água, o Córrego das Flores e o Ribeirão Bauru, que se
uniam no vértice desse desenho triangular, onde o córrego desaguava no ribeirão. O
fechamento da área será uma extensa linha reta, tirada a partir do local onde o
Córrego da Grama desemboca no Ribeirão Bauru, hoje Rua Primeiro de Agosto.

10MARX, M. Nosso chão: Do Sagrado ao Profano. São Paulo: EDUSP, 1989.


11GHIRARDELLO, N. Aspectos do Direcionamento urbano de Bauru. 1992. 196 f. Dissertação
(Mestrado em Arquitetura) – Escola de Engenharia de São Carlos, Universidade de São Paulo. São
Carlos (SP), 1992, p. 51.
20

A topografia é ascendente a partir dos cursos d’água formando leve encosta.


O espaço, além disso, apresentava drenagem satisfatória e ventilação generosa
devido à altitude, o que, junto com a água em fartura, dava ao lugar boas condições
para a formação do povoado.

Figura 1: Mapa com a reconstituição do sítio natural de Bauru, por volta de 1850, e os
prováveis caminhos do local onde seria implantada a cidade

Fonte: GHIRARDELLO (1992, p. 41).

Dado importante é a presença de solo arenoso sujeito a erosões onde havia


anteriormente floresta primária, queimada e desmatada para dar lugar à vila. Warren
Dean (1996) aponta que a queima da floresta era o ponto inicial para o plantio do café.
O mesmo processo, acrescentamos nós, ocorre para a formação das vilas:

O terreno assim preparado pela mão purificadora do homem


assemelhava-se um pouco a um moderno campo de batalha,
enegrecido, fumegante e desolado. Muitas árvores tombadas tinham
BAURU EM TEMAS URBANOS 21

sido apenas parcialmente incineradas; eram deixadas a apodrecer


com seus tocos ainda enraizados e os troncos caídos ao longo da linha
da encosta12.

Nessa gleba se dará o primeiro arruamento sob as ordens da Câmara de


Lençóis, à época “dona” do território onde estava situada a povoação de Bauru. O
arruador, Vicente Ferreira de Farias, indicado no ano de 1888 para fazer o traçado
urbano, tomará por base a estrada que ligava o sertão a Agudos, Fortaleza e Lençóis,
atual Rua Araújo Leite, longa reta ortogonal que contava com alguma ocupação
precedente, e a divisa do Patrimônio ao sul, a Rua Primeiro de Agosto. A partir de sua
intersecção dividirá o patrimônio em forma de xadrez.

Figura 2: Mapa com a reconstituição da primeira doação foreira para Bauru, de 1884,
destinada a formação dos "chãos" da cidade

Fonte: GHIRARDELLO (1992, p. 55).

A orientação geral da cidade será norte-sul, contudo, não de forma exata e


sim com alguns graus de deflexão. Acreditamos que a antiga estrada, somada aos

12DEAN, W. A ferro e fogo, a história e a devastação da Mata Atlântica brasileira. São Paulo:
Companhia das Letras, 1996, p. 199-200.
22

limites do Patrimônio ao sul, formando uma perpendicular, foram os elementos


definidores do arruamento. Suplantou-se a orientação abstrata dos pontos cardeais,
utilizado para o traçado das cidades desde os gregos e romanos13, ou seja, as teorias
hipodâmicas14 deixarão de ser prioritárias em prol dos elementos do espaço real.
O traçado reticulado será constituído por quadras de 88x88 metros que
contavam, a princípio, com oito datas de 22x44 metros cada uma delas, voltadas
apenas a duas de suas faces. Com o tempo, as amplas datas serão desmembradas,
formando-se outras abertas para as demais vias do entorno da quadra, tornando seu
desenho variado e bastante heterogêneo. As ruas possuirão pouco menos de 20
metros de largura, no sentido norte/sul, e de 14 metros, em direção leste/oeste,
medidas totais considerando-se até os limites frontais das datas.
O arruamento em xadrez em solo arenoso e desmatado trará como
consequência constantes problemas de erosão e voçorocas. No período de chuvas
as extensas vias retilíneas receberão imensa carga de água em busca das cotas mais
baixas e à procura dos cursos d'água, seus condutores naturais, resultando em
estragos expressivos nas ruas e construções. Nesse processo espontâneo, reforçado
pelo desenho urbano reticulado, os pontos inferiores eram os que mais sofriam. O
calçamento, pois, torna-se uma das primeiras e mais importantes benfeitorias a serem
alcançadas para amenizar – mas não sanar – a questão.
O desenho em quadrícula será utilizado durante a expansão cafeeira do
século XIX e XX na maioria das cidades situadas no planalto ocidental paulista, de
relevo predominantemente regular. Era fácil de ser aplicado, não dependia de
conhecimentos sofisticados dos seus autores, os quais geralmente eram
agrimensores práticos. Por fim, a quadrícula era previsível e permitia, em tese,
expansão infinita.
A partir de quadras regulares geravam-se datas ou lotes, de desenho também
regular e fáceis de serem negociados, transmitidos e escriturados. Em que pese
possuírem forma simplificada e apta à contabilização mercantil, estavam submetidos
às velhas relações pré-capitalistas de aforamento, intrínsecas ao Patrimônio
Religioso15, em contraste às liberalidades mercantis do capitalismo. As datas aforadas

13 Na cidade romana as duas principais vias eram o cardo e o decumanus, com essa orientação.
14 MUNFORD, L. A cidade na história, suas origens, transformações e perspectivas. São Paulo:
Martins Fontes, 1982.
15 GHIRARDELLO, N. A formação dos patrimônios religiosos no processo de expansão urbana

paulista. São Paulo: Editora UNESP, 2010.


BAURU EM TEMAS URBANOS 23

não eram propriedade privada, competindo a quem as aforava, chamado de enfiteuta,


apenas o seu uso e gozo. A propriedade permanecia com o senhorio das mesmas, no
caso a Igreja16. Essa situação era similar ao que ocorria antes da promulgação da Lei
de Terras de 1850, com as Sesmarias, que também não eram propriedades privadas,
mas pertenciam à Coroa.
No arruamento não havia definição de espaços públicos ou qualquer outro
elemento que pudesse dar ao meio urbano característica própria; era praticamente
uma imensa “toalha xadrez” sobre a encosta doada17. Constituía-se, sobretudo, em
imposição humana e racional ao território natural.
A ocupação se daria prioritariamente junto aos caminhos, nas cotas mais altas
do Patrimônio. As zonas de baixada, junto aos cursos d’água, consideradas pouco
sadias, serão utilizadas apenas para equipamentos industriais, pela ferrovia e por
aqueles muito pobres que não tivessem lugar melhor para ir. Eram áreas julgadas
doentias que geravam emanações passíveis de transmissão de moléstias, “os
miasmas”.
A exigência da Igreja Católica, desde o início do século XVIII, era para que
seus templos estivessem em locais altos, distantes da umidade e afastados de lugares
sujos. Tal condição tem relação direta com a questão sanitária gerada pelos ventos
mal cheirosos, exalações das baixadas e águas paradas.
Sylvio de Vasconcellos (1997) transcreve uma “reza” recolhida em uma das
muitas viagens do Visconde de Taunay (1843-1899), que revela o temor pelos ares e
suas impurezas, em tese, responsáveis por doenças. O mesmo autor aponta que,
conforme a crença da época, os miasmas atacavam os incautos ou os adormecidos e
que os ares noturnos sempre eram os piores. A reza antes do sono ajudaria a afastá-
los,

Em nome de Deus Padre


Em nome do Deus Filho e do Espirito Santo.
Ar vivo, ar de estupor, ar de perlezias.
Ar arrenegado, ar excomungado.

16Idem, p. 76.
17 GHIRARDELLO, N. Aspectos do Direcionamento urbano de Bauru. 1992. 196 f. Dissertação
(Mestrado em Arquitetura) – Escola de Engenharia de São Carlos, Universidade de São Paulo. São
Carlos (SP), 1992, p. 54.
24

Eu te arrenego em nome da SS. Trindade que saias do corpo desta


criatura (ou animal) e vás parar no mar sagrado para que viva são e
aliviado18.

Por mais que a ciência no final do século XIX já estivesse adiantada e a teoria
microbiana fosse uma realidade, a crença nos miasmas permanecerá nos Códigos de
Posturas que indicavam o afastamento dos presídios, cemitérios, matadouros e
hospitais do perímetro urbano.
As frequentes epidemias que grassavam na região e continuarão a grassar
durante boa parte do século XX, mesmo com suporte científico da medicina moderna,
seguirão contraindicando as margens dos córregos e águas paradas devido aos
vetores de transmissão, entre os quais, os mosquitos. Dessa forma as áreas de
baixada serão evitadas, ao menos, por aqueles que tivessem condições de fazê-lo.
As diretrizes básicas para o traçado de Bauru vieram do Código de Posturas
de Lençóis que, assim como tantos outros na Província, passou a contar com
orientações ligadas à regularidade e direitura das vias, buscando maior higiene do
ambiente urbano, questão profusamente difundida e discutida a partir dos meados dos
oitocentos. Os Códigos previam dimensões relativamente rígidas de vias e quadras,
que acabavam por ser adaptadas ao sítio e a alguma preexistência, como foi o caso
de Bauru e de tantas outras cidades paulistas. Em tese, os arruamentos deveriam ser
de quadrícula perfeita, na prática, se mostraram muito adaptáveis às situações postas.
Em São Paulo, a Assembleia Provincial trabalhou de forma sistemática no
sentido de que os Códigos de Posturas absorvessem tais medidas de regularidade,
pois todos, embora elaborados pelas Câmaras Municipais, obrigatoriamente deveriam
ser aprovados pela Assembleia, resultando em diretrizes semelhantes e forma
análoga para as novas vilas criadas dentro do território dos municípios paulistas nos
oitocentos.
Certamente a doação da gleba para a formação urbana não foi o início do
povoamento de Bauru, ele já vinha ocorrendo ao menos um pouco antes de sua oferta,
no referido caminho, atual Rua Araújo Leite, onde se estabeleceram as primeiras
edificações da futura cidade. Essas, muito modestas, se aproveitavam da situação
favorável junto à estrada para abrigarem o comércio básico e servirem de pousada.

18VASCONCELLOS, S. de. A arquitetura colonial mineira. In: ÁVILA, A. Barroco: Teoria e Análise.
São Paulo: Perspectiva, 1997, p.13.
BAURU EM TEMAS URBANOS 25

Atendiam aos viajantes e davam algum suporte à ocupação urbana e rural que se
estabelecia nas redondezas.
Em 1888, a Diocese, através da Câmara Eclesiástica de São Paulo, a qual a
vila de Bauru era subordinada, em única provisão, cria a Capela do povoado19 e funda
um cemitério,

Prov. de fundação de cemitério no referido bairro de Baurú. D. Lino D.


Aos que esta Nossa Provisão virem saúde e Benção em o Senhor.
Attendendo aos que Nos representam o me.mo Parocho da
Freguezia do Divino Espirito Santo da Fortaleza deste Bispado.
Havemos por bem pela presente conceder faculdade para que o bairro
denominado Baurú na dita Parochia se posa erigir e fundar um
cemitério, o qual estando competentemente cercado de muros, com
cruz alta no centro, e apto para o serviço das inhumações em
conformidade de com as Leis da Igreja e praxe adotada na Diocese.
O mesmo parocho o benzerá na forma de Ritual Romano, reservando
porem em benção uma quadra para enterramentos de catholicos a
qual ficará separada do resto do cemitério por meio das divisas claras
e precisas; o que feita concedemos que no mesmo cemitério possão
ser sepultados os cadáveres dos fiéis, ficando em tudo salvos os
direito parochiaes, devendo o administrador ou zelador do cemitério
sempre que se faz qualquer enterramento, ministrar fielmente ao
mesmo Parocho os esclarecimentos de óbitos, especialmente os de
filhos livres e mulheres escravas, na hipótese de os haver para serem
lançados no livro da parochia. O mesmo Parocho registrará esta
integralmente no livro do Tombo da Matriz para a todo tempo constar
e comunicar a Câmara Eclesiástica desta imperial Cidade de São
Paulo, sob o Nosso Signal e Sello das Nossas Armas aos 15 de março
de 1888. Eu o Conego João Evangelista Braga, Escrivão da Câmara
Eclesiástica a subscrever com a rubrica de Sua. Exma. Revma20.

Como se vê pelo documento, o cemitério do Bairro do Bauru seria construído


pela Igreja Católica, e estaria sob seus cuidados, atestado pelo cruzeiro situado ao
centro. Como medida sanitária deveria ser fechado por muros, principalmente para
que os animais não invadissem o espaço e vasculhassem as covas, fato bastante
corriqueiro. Seria construído e dedicado, principalmente, aos fiéis católicos, mas
também abrigaria funerais de outros credos religiosos, desde que as sepulturas
estivessem separadas em área identificável. Apontamos que o documento era de
março de 1888, ainda do período imperial, onde Igreja e Estado estavam irmanados
a partir da Constituição de 1824. Dessa forma não se deve estranhar o fato de a Igreja,

19Assunto a ser trabalhado em capítulo próximo.


20Livro de Registro de Provisões 1887-1889. Cota 9-1-6. São Paulo: Arquidiocese de São Paulo,
1887-1889, p. 89, 15 mar. 1888. Pesquisa realizada pelo mestrando Fabrício Forganes Santos.
26

como braço do Estado, fundar uma necrópole e não a Câmara Municipal competente,
no caso, a de Lençóis. Outro dado interessante apontado no raro documento é a
necessidade de se registrarem esclarecimentos sobre os óbitos dos filhos das
escravas, provavelmente devido à Lei do Ventre Livre, de 1871. A abolição se daria
apenas alguns meses adiante.
A criação do cemitério viria a resolver um problema grave, que seria onde se
enterrariam os defuntos do povoado e redondezas, os quais tinham os corpos levados
à distância para sepultamento em campo santo. Com a inauguração do Cemitério da
Saudade em 1908, a primeira necrópole deixou de existir, havendo exumação dos
restos mortais e a transferência das lápides, sendo a área posteriormente loteada.
Devido ao seu desaparecimento, a localização original não é muito precisa, ficava fora
do Patrimônio Religioso, ao que parece em uma região entre a Vila Antárctica e o atual
Cemitério da Saudade. Alguns memorialistas, ainda, apontam que o primeiro cemitério
era na região do bairro de Aymorés, e que esse próximo à Vila Antarctica foi um
segundo campo santo; não há, contudo, comprovação do fato.
Em relação às construções do povoado, é possível serem visualizadas a partir
das imagens iniciais da Rua Araújo Leite. A tipologia construtiva era de base
vernacular, trazida pelos mineiros, os primeiros ocupantes da cidade, e se tratava de
modestas casas de "porta e janela" e sem porão. A estrutura principal era formada por
elementos de madeira nobre no baldrame, esteios e frechal. Era um pequeno passo
adiante do “rancho” rural, dispondo internamente de ambientes diferenciados de
acordo com suas limitadas funções: estar, dormir e cozinhar21.
Devido ao surgimento das primeiras olarias na cidade, as edificações já
contavam com telhas de barro do tipo capa e canal, mas muitas delas continuavam
com os panos de vedação em taipa de mão, pois o custo do tijolo o restringia para
poucos. As varas na qual o barro era fixado vinha das palmeiras do tipo Jerivá,
abundante na região, que eram fatiadas em tiras longitudinais para serem trançadas
e depois receberem a massa de barro. A mesma planta era utilizada, também, para a
estrutura do telhado.
Percebe-se pela imagem de 1908, que as construções parecem não se
adaptar bem às largas datas da vila, pois eram advindas da velha cidade colonial
composta por terrenos estreitos. As edificações afiguram-se "perdidas" na ampla

21VASCONCELLOS, S. de. A arquitetura colonial mineira. In: ÁVILA, A. Barroco: Teoria e Análise.
São Paulo: Perspectiva, 1997, p.11.
BAURU EM TEMAS URBANOS 27

testada dos lotes, diferentemente da situação que as originou, onde os recuos laterais
não existiam e as casas se uniam umas às outras. Esse aspecto pode ser constatado
na fotografia, em que os flancos das moradias não possuem aberturas devido à
tradição que as “colava” às suas vizinhas.
Sobre as cidades e a casa colonial urbana brasileira, assim aponta Nestor
Goulart Reis Filho (1976): “As vilas e cidades apresentavam ruas de aspecto uniforme,
com casas térreas e sobrados construídos sobre o alinhamento das vias públicas e
sobre os limites laterais dos terrenos”22.

Figura 3: Rua Araújo Leite em foto de 1908. A primeira rua ocupada da cidade e sua edificação
tradicional, nada adaptada às largas datas urbanas

Fonte: Museu Ferroviário Regional de Bauru.

Uma segunda doação complementar à primeira área, agora de 134,8


hectares, ocorrerá em 1893 pelas mãos de Veríssimo Antônio Pereira, no sentido de
ampliar-se a área da vila e como forma de conseguir-se o Distrito de Paz. A gleba será
contígua à primeira, em direção ao sul e também confinada entre os dois cursos
d'água, fechando-se, em linha reta, pouco acima da atual Rua Quinze de Novembro.
O Patrimônio Religioso de Bauru, pertencente à Igreja Católica, será formado
a partir das duas doações. Note-se que todas as áreas ocupadas deveriam estar sob
“enfiteuse”, palavra que significa o mesmo que aforamento, entre elas àquelas
destinadas à Câmara, Governo do Estado, Companhias Ferroviárias, incluindo-se
ruas e eventuais praças; condição plenamente aceita pelas leis do período. Nesse

22 REIS FILHO, N. G. Quadro da arquitetura no Brasil. São Paulo: Perspectiva, 1976, p.21.
28

setor, as datas urbanas serão aforadas pela Fábrica da Igreja aos interessados e não
vendidas. A Fábrica, por sua vez, era a instituição que cuidava dos bens da igreja e
que, em tese, tinha como objetivo final conseguir recursos para a construção,
aformoseamento e manutenção da matriz.
Em 1892, outro passo é dado no sentido da autonomia de Bauru: a criação do
Distrito Policial; com ele a vila poderia contar com um subdelegado, quem, por
intermédio dos inspetores de quarteirão, também zelaria pela zona rural. No ano
seguinte é estabelecido o Distrito de Paz pela Lei n°. 209, de 30 de agosto de 1893.
O Distrito garantiria a figura de um Juiz de Paz eleito, que resolveria algumas questões
básicas de ordem legal.
Também no ano de 1892 Lençóis deixa de ser sede municipal da vila de
Bauru, assumindo o encargo Espirito Santo de Fortaleza, cidade situada mais
próxima. Contudo, Fortaleza possuía população reduzida, havendo, até mesmo,
dificuldade de se encontrar moradores idôneos para ocupar os cargos públicos.
Somado a isso, ocorria imensa rivalidade política entre os dois núcleos23.
Na eleição municipal de 1895, a vila, que já possuía mais habitantes que a
cidade mãe, elege a maioria dos vereadores da Câmara de Espirito Santo de
Fortaleza. Como não poderia deixar de ser, na primeira sessão da nova legislatura,
em 07 de Janeiro de 1896, é aprovada a transferência da sede da municipalidade para
Bauru24. De forma totalmente irregular, os livros de atas e demais apetrechos da
Câmara de Fortaleza são transferidos à força para Bauru, que se tornará sede
municipal oficialmente, apenas com a aprovação do Governo do Estado, em 01 de
Agosto de 1896. Interessante observar que não houve a criação de novo município e
sim a transferência de sede que abandona o Patrimônio do Espírito Santo de
Fortaleza.
A Lei n°. 428, assinada pelo Presidente do Estado, Campos Salles é bastante
curta: “Artigo 1.º - O municipio do Espirito Santo da Fortaleza passa a denominar-se
Bahurú, mudando-se a sua séde para esta ultima povoação”25.

23 FERNANDES, J. As origens da cidade de Bauru. Jornal Correio Paulistano, 1945.


24 Não foi criado um novo município, o que talvez fosse o normal, e sim transferida a sede de Fortaleza,
que se rebaixa à vila, a favor de Bauru.
25 SÃO PAULO (Estado). Lei nº. 428, de 1 de agosto de 1896. Muda a sede do municipio do Espirito

Santo da Fortaleza para a povoação do Bahurú, com a denominação desta ultima localidade.
Legislação do Estado de São Paulo, São Paulo, 1º ago. 1896. Disponível em:
<https://www.al.sp.gov.br/repositorio/legislacao/lei/1896/lei-428-01.08.1896.html>.
BAURU EM TEMAS URBANOS 29

Com a força das lideranças locais, Bauru ganha o status de cidade e pode
administrar-se de forma direta, através do mandonismo dos coronéis, conforme a
ordem política estabelecida na Primeira República. Dominavam na cidade o poderoso
fazendeiro Coronel Araújo Leite e seu genro, Azarias Leite, chegados à cidade em
1889. Eram ligados a José Ferreira de Figueiredo, o Coronel Figueiredo, proprietário
da Fazenda Val de Palmas, primeiro grande latifundiário da região.
Pode-se dizer que esses anos iniciais da jovem cidade são de crescimento
das lavouras de café no extensíssimo município que chegava até as divisas do Estado
do Mato Grosso e de espera pela vinda de uma companhia ferroviária que
possibilitaria alavancar o crescimento urbano. Seriam tempos de expectativa, com
inversão de poucos recursos privados em solo citadino, afinal, não se sabia ao certo
se a nova cidade “vingaria”. Tal fato podia ser visto claramente em relação ao vizinho
Patrimônio do Espírito Santo de Fortaleza, antiga sede de Bauru, que se
desestruturava aos olhos de todos, perdendo sucessivamente seus moradores,
transformando-se em um “povoado fantasma” com o nome de Piatã e finalmente,
vindo a desaparecer no século XX26. Mais Patrimônios da região também teriam o
mesmo destino, como Santa Cruz dos Inocentes, criado em 1895 ao lado de
Piratininga, também não mais existente. Alguns com sorte um pouco melhor se
transformaram em sedes distritais orbitando ao redor de uma cidade maior.
O futuro de Bauru era alvissareiro, pois o Decreto nº. 374, de 15 de julho de
1896, da Assembleia Legislativa do Estado, concedia à Companhia União Sorocabana
e Ituana, como era denominada no período, licença para linha de Lençóis para
Bauru27. No ano seguinte, outro Decreto, o de nº. 493, seguido pelo de nº. 504, de 18
de dezembro de 1897, já aprovava os estudos definitivos referentes à vinda da
Companhia Paulista, de Dois Córregos para Bauru, sinal que as ferrovias brevemente
chegariam28.

26 Sobre esse e outros povoados fantasmas ver: GHIRARDELLO, N. Povoados fantasmas. In:
BENINCASA, V; SALCEDO, R. F. B.; GOMES, S. H. T. Arquitetura, Urbanismo e Paisagismo: Novos
Contextos e Desafios. Bauru: Cultura Acadêmica, 2019.
27 BRASIL. Decreto nº. 374, de 15 de julho de 1896. CONCEDE À COMPANHIA UNIÃO

SOROCABANA E ITUANA, LICENÇA PARA CONSTRUIR, USAR E GOZAR UMA LINHA FÉRREA DA
CIDADE DE LENÇÓIS A POPULAÇÃO DO BAURU, EM PROLONGAMENTO DA CONCEDIDA POR
DECRETO Nº 319, DE 29 DE NOVEMBRO ULTIMO. Diário Oficial da União. 02 ago. 1896. p. 17557.
28 BRASIL. Decreto nº. 504, de 18 de dezembro de 1897. APROVA OS ESTUDOS DEFINITIVOS

REFERENTES AOS 20 QUILÔMETROS DA LINHA FÉRREA EM PROLONGAMENTO DA DE DOIS


CÓRREGOS, A RIBEIROS, A BAURU DA COMPANHIA PAULISTA DE VIAS FÉRREAS E FLUVIAIS.
Diário Oficial da União. 21 dez. 1897. p. 22421.
30

Não existia um plano geral para as ferrovias no Estado de São Paulo29, as


companhias dentro de sua zona de atuação lançavam os trilhos, através de troncos e
ramais, para onde houvesse produção cafeeira. Rumariam para onde encontrassem
cultivo em escala compensadora para ser transportado, motivo por que muitas ficaram
conhecidas como linhas “cata café”. Nesse processo de expansão, a influência dos
coronéis da região e dos latifundiários tinha grande peso.

Figura 4: Mapa com a reconstituição da segunda doação foreira de Bauru, de 1893, para a
formação dos "chãos" da cidade

Fonte: GHIRARDELLO (1992, p. 55).

Os decretos e a proximidade das companhias aceleraram a abertura de novas


fazendas no município; ao mesmo tempo é período de intenso enfrentamento com os
indígenas e sua destruição final na região. A criação de grandes fazendas viabilizadas
por vastos capitais demandará que seja tocado fogo à mata nativa para a cultura. Se
antes, com a produção de subsistência, a paisagem natural praticamente não se

29PINTO, A. A. História da viação pública em São Paulo; introdução e notas de Célio Debes. São
Paulo: Governo do Estado de São Paulo, 1977, p.85.
BAURU EM TEMAS URBANOS 31

desfigurava a partir do plantio em escala do café, a floresta será destruída


ocasionando o aniquilamento do meio natural, do espaço de circulação e de vida dos
Caingangues, bem como de suas aldeias.
Podem ser citadas duas imensas propriedades, a Val de Palmas, com 12 mil
alqueires paulistas, iniciada em 1895 pelo Coronel José Ferreira de Figueiredo, e a
Fazenda da Faca, pertencente ao influente Coronel Joaquim de Toledo Piza e
Almeida, na região do Rio Feio. Ambos os cafeicultores já eram donos de terras em
outras regiões do Estado e quando ingressaram no município possuíam recursos
suficientes para a abertura de extensas plantações de forma imediata. Aponte-se que
a mão-de-obra dessas propriedades era, em sua grande maioria, de imigrantes
italianos que formaram a primeira leva de estrangeiros a chegar ao município. Vinham
a partir da estação da Paulista, em Jaú e se encaminhavam às colônias onde viveriam,
dentro dessas fazendas, viajando em carros de boi30.
Obedecendo ao Decreto Estadual, em 1905, a Sorocabana se instala na
cidade, que naquele momento teria por volta de 600 habitantes31. Certamente tal
notícia chegou com antecedência e após diversos pleitos privados e da Câmara junto
à Companhia. Pode-se dizer que esse foi tempo divisor de águas para a cidade,
menos pela vinda da Sorocabana em si, que também se implantou em diversos
municípios no período, mas pelo fato de que nesse momento se discutia na Capital
Federal, o local de onde partiria uma grande ferrovia de características estratégicas,
com destino ao Mato Grosso, Estado bastante isolado e inacessível.
O Relatório da Companhia Sorocabana de 1905, assim trata a questão,

Durante o ano de 1905 foi augmentada a extensão da linha em trafego


de Kilometros 11,087, extensão do trecho comprehendido entre a
estação de Conceição e a de Baurú na linha Tronco, entregue ao
trafego provisorio em 22 de Abril, e ao definitivo em 1°de Julho de
1905. Neste ponto teve inicio a E.F. Noroeste do Brasil, de concessão
Federal, a qual tem por directriz o Tieté, enquanto em território de São
Paulo, e por objectivo final Cuyabá, capital do Estado de Matto-
Grosso32.

30 GHIRARDELLO, N; ALMENDROS, F. Espaço rural e urbano: as transformações da fazenda Val de


Palmas e os reflexos na cidade de Bauru (1890-1930.) In: II Seminário de Patrimônio Agroindustrial -
Lugares da Memória, 2010, São Carlos. Anais do II Seminário de Patrimônio Agroindustrial -
Lugares da Memória. São Carlos, 2010.
31 Plano Diretor de Bauru de 1996, p. 17.
32Estações Ferroviárias do Brasil. 2020. Disponível em:
<https://www.estacoesferroviarias.com.br/b/bauru-efs.htm>.
32

Em outubro de 1904 o Club de Engenharia do Rio de Janeiro define que a


nova estrada de ferro deveria se iniciar no ponto onde a ferrovia estivesse mais
adentrada no Estado de São Paulo. Poderia ser Agudos ou Bauru33. Bauru foi o local
escolhido, e para tanto, o coronel Azarias Leite teve papel decisivo.
Seguramente, foi o momento mais importante de toda história da cidade até
nossos dias. Significou que de Bauru partiria uma ferrovia que se tornaria indutora do
crescimento local e meio de ocupação de toda zona noroeste paulista, território até
então não urbanizado. A cidade se tornaria ponta de linha e sua relevância seria
multiplicada em função do nó ferroviário.
A Companhia Estrada de Ferro Noroeste do Brasil (CEFNOB)34 inicia suas
obras a partir de Bauru no final de 1905 e terá seus primeiros 100 quilômetros
inaugurados em 1906. Sequencialmente, os trilhos são estendidos e, em 1908, a
cidade recebe o Presidente da República Afonso Pena para inaugurar mais uma
etapa. A vinda de personagem tão importante demonstra que, devido à ferrovia, a
pequena cidade do "sertão" paulista ganhava destaque e papel significativo em escala
nacional.
Após o seu percurso ser alterado, deixando de cruzar o Tietê e dirigindo-se
agora para Corumbá e não mais Cuiabá, em 1910 a CEFNOB atingirá a divisa do
Estado, no Rio Paraná. Será finalizada em 1914 com uma série de cidades formadas
ao longo de seus trilhos, originadas a partir do inicialmente vasto município de Bauru.
Ao mesmo tempo, será estabelecida uma extensa área de plantio de café, formada
em terras devolutas do Estado e já em início de produção. O custo ambiental e
humano será altíssimo, a floresta será arrasada, operários serão mortos devido às
doenças e à precariedade das obras, assim como boa parte da população indígena
nativa35.
O significado da Companhia Estrada de Ferro Noroeste do Brasil, dois anos
depois de sua chegada à jovem cidade, fica expresso no Jornal O Bauru, através de
comentário autocelebrativo do Diretor Superintendente da Companhia, o engenheiro
francês Eugenio Lafon:

33 Conforme CUNHA, E. A margem da história. São Paulo: Editora da UNESP, 2019, p.195.
34 Denominação da ferrovia até 1917, quando é encampada pela União quando recebe a denominação
de oficial de Estrada de Ferro Noroeste do Brasil (NOB), mas tratada geralmente de Noroeste do Brasil
ou apenas Noroeste.
35 GHIRARDELLO, N. À beira da linha: formações urbanas da Noroeste Paulista. São Paulo: Editora

UNESP, 2002.
BAURU EM TEMAS URBANOS 33

Este municipio (porque não dize-lo agora), atravessava a dous annos


atraz uma phase de aphatia e paralysação que o ia anesthisiando -
quando inopinadamente surge como um novo sol, a noroeste que,
insuflando-lhe no organismo uma pujante seiva (cujos resultados ahi
estão palpáveis e a desafiar a inveja de outras localidades), o tornou
forte e prospero36.

Em 1906 já se percebe que as duas ferrovias aportadas na cidade haviam


transformado sua vida pacata, bem como aumentado os preços dos alugueis dos
imóveis, conforme aponta o Jornal O Bauru:

A chegada dos trilhos da Sorocabana a Bauru, no ano passado, e o


inicio pouco depois, da construção da Noroeste, imprimiram à nossa
futurosa Vila um extraordinário impulso de progresso.
A ele se deve o fato – que aliás não merece a nossa aprovação
– da alta incrível que se verifica nos alugueis: casas que há apenas
um ano rendiam 5$000 por mês, são agora alugadas por 60$000 ou
mais!37.

Aspecto que parece chamar atenção é a chegada em grande escala de


pessoas de toda parte à procura de novas oportunidades de vida, muitos com espírito
aventureiro em busca de dinheiro fácil. Bauru era, antes de tudo, símbolo do
“Eldorado” no “sertão” paulista, lugar onde se imaginava que fortunas poderiam ser
feitas em pouco tempo. A presença constante de forasteiros se tornará uma das
características mais marcantes da cidade, bem definida como “Chão de Passagem”38
em importante trabalho acadêmico. Muitos vinham para trabalhar nas obras da
CEFNOB, alguns apenas utilizavam as estações como ponto de baldeação, outros
buscavam a vida na cidade que crescia rapidamente, “A verdade inconcussa é que
todos os dias aportam à nossa terra elementos novos, das mais variadas profissões e
atividades. Aqui desejam fixar-se com suas famílias...”39.
Alojar um grande número de pessoas seria um problema para a cidade. Muitos
moradores improvisavam pensões em suas casas e em outros espaços não
construídos para isso, oferecendo condições de higiene sofríveis. Serão edificados
muitos hotéis, um pouco mais preparados para receber os viajantes, nas proximidades
das estações e ainda, por costume, na Rua Araújo Leite.

36 Jornal O Bauru. 16 dez. 1907.


37 Jornal O Bauru. Ano de 1906, reprodução na Revista Realce, fevereiro de 1970.
38 SANT’AGOSTINHO, L. H. Bauru, chão de passagem: entreposto de valores na rota Atlântico-

Pacífico. 1995. Tese (Doutorado) – Universidade de São Paulo. São Paulo, 1995.
39 Idem.
34

Chegará o que pode ser chamada de segunda leva de imigrantes, agora mais
envolvidos com as atividades urbanas; alguns vindos diretamente de seus países para
a cidade, outros que desistiram da lida nas lavouras para tentar a sorte com as
profissões citadinas.
Junto com imigrantes virão moradores de outros cantos do país no sentido de
conseguirem trabalho na ferrovia, entretanto, devido ao perigo das atividades, às
doenças, à má fama dos indígenas e às centenas de mortes nas obras da CEFNOB,
haverá dificuldade de se conseguir a quantidade necessária de operários. Para tanto
os empreiteiros lançarão mão de prisioneiros que trarão mais violência ao processo
de ocupação da zona,

Os Deportados
Com uma pontualidade extraordinária continua a remessa, duas
ou três vezes por semana, das turmas dos deportados para a Zona
Noroeste considerada, pela segurança publica da capital a Sibéria do
Estado de São Paulo40.

Muitos desses homens, vindos para “a Sibéria paulista”, formarão os


esquadrões de bugreiros que matarão e expulsarão os Caingangues da noroeste.
Atrás dos operários, caixeiros viajantes, vendedores e dos muitos homens
desacompanhados que na cidade estarão para o trabalho e construção das ferrovias,
virão as prostitutas que se estabelecerão com suas “pensões” e cabarés ainda na
primeira década. O “chão de passagem” se constituiria em local mais que adequado
para suas atividades que gozarão de grande fama em toda zona noroeste paulista a
partir da década de 192041.
Profissionais que atuarão com destaque na cidade serão os engenheiros
trazidos pelas estradas de ferro. Eles representarão a ciência, a técnica e a
racionalidade. Terão imenso prestígio em um período no qual a ciência era profissão
de fé e o domínio da natureza obrigação do homem civilizado; pressupostos
plenamente apoiados pelo meio político republicano positivista.
Vários engenheiros serão estrangeiros, como os franceses que lideraram as
obras da CEFNOB; outros, brasileiros formados no exterior; e, ainda, alguns já eram
preparados pelas primeiras escolas do Brasil. Parte desses profissionais executam

40 Jornal O Bauru. 23 mar. 2013.


41 Ver Capítulo 8: O centro comercial.
BAURU EM TEMAS URBANOS 35

seus encargos e permanecem pouco tempo em Bauru, outros se estabelecem


definitivamente e acompanham o crescimento da cidade.
Foi a partir de decisões alicerçadas por esses especialistas e de seu clube no
Rio de Janeiro, que a CEFNOB chegou a Bauru. Com base em suas definições que
serão implantadas as estações em solo urbano. Indicarão a criação de novas
avenidas, implantarão infraestrutura básica, erguerão as construções mais
importantes, projetarão a Praça Municipal e lotearão diversos bairros. Terão papel
relevante, em particular nas décadas iniciais de infraestruturação da cidade.
Entretanto, mesmo que por vezes não estabelecessem as melhores diretrizes, mesmo
que não se tratassem dos projetos mais adequados, mesmo que justificassem
escolhas com vieses apenas econômicos e objetivos privados tacanhos, em nome do
pretenso saber técnico, raramente terão suas determinações contestadas.
O próximo passo que representaria símbolo de prestígio e crescimento urbano
para Bauru seria conseguir a sede da Comarca. A circunscrição judiciária era instância
onde se tratava assunto delicadíssimo e presente na vida de quase todos da elite
local: as discriminações e decisões sobre a posse definitiva das terras devolutas da
região, bem como seu registro definitivo. A viabilização da Comarca teve como custo
o assassinato do Coronel Azarias Leite em 1910, um de seus maiores defensores, em
momento onde as disputas eleitorais entre hermistas e civilistas se mostravam
tórridas42.
Agudos era sede de Comarca e temia perder tal jurisdição para Bauru, pois a
mesma havia sido transferida anteriormente por seus coronéis da cidade de Lençóis43.
Receavam que fato semelhante acontecesse com a sua Comarca. Para piorar a
situação, os bauruenses alegavam "a boca pequena" que juízes daquela Comarca
cobravam porcentagem sobre as partilhas territoriais, acirrando a disputa pela
proeminência do mando em toda a região.
A tentativa de se resolver o problema pela bala de pouco adiantou. A morte
do influente coronel se transformou em escândalo estadual e acelerou a criação da
Comarca em Bauru no mesmo ano de 1910, sem que Agudos perdesse a sua.
O Jornal Correio da Noroeste, na comemoração dos 21 anos da Comarca,
assim resume os momentos anteriores a sua criação:

42 SILVA, A. Roteiro histórico: Uma cidade e uma instituição. Bauru: Tipografia Comercial, 1957, p.89.
43 PELEGRINA, G. R.; BASTOS, I. A. Bauru: Origens históricas. Bauru: Canal 6, 2015.
36

A 1° de março de 1910, em plena secção eleitoral, no cartório de paz,


à rua Araújo Leite, então o coração da cidade, trava-se serio conflito,
em que se disparam mais de mil tiros; o prefeito e um chefe politico
esbordoam-se até cahir; a “Cidade de Bauru”, jornal hermista, é
empastelado; todos os lampeões da iluminação publica inutilizados;
dias depois, o chefe hermista, Azarias Leite; escapa de um atentado;
em outubro, porém, morre numa tocaia44.

O Jornal Diário Popular, da capital, assim comenta o fato da morte de Azarias


Leite:

Continuam por esse interior a fora os crimes de assassinato por


causas políticas. Bem a contra gosto o dizemos, mas é imperdoável
que a política situacionista não aconselhe aos seus adeptos do interior
mais humano processo contra adversários.
É uma política de extermínio a que se aconselha ou permite que
se pratique em nossas cidades e vilas: já não dizemos que se deixe
de empregar a vingança, mas, sequer, que se poupe a vida dos que
pensam como nós45.

A matéria, inacreditavelmente, até aceita a vingança, mas não o assassinato,


entretanto nunca ficam explícitos os motivos "políticos" que estariam por trás de tais
mortes, cuja base habitualmente era a disputa pelos recursos financeiros que
pudessem ser extraídos dos municípios aos quais os coronéis eram vinculados.
A Comarca de Bauru inicialmente atingia área imensa do Estado, num total
de 24.445 quilômetros quadrados46 de intensa ebulição, devido à ocupação urbana e
rural ocorrerem concomitantemente ao período de sua criação. Vilas estavam sendo
formadas, terras devolutas tomadas, povos indígenas massacrados, tudo a um só
tempo e regado a muita violência.
No trabalho intitulado O Estado de São Paulo e seus municípios, de 1913,
Bauru era tratada como o centro e a capital da zona ocidental do Estado, “Sendo
Baurú a ultima comarca daquela zona, poderá estender-se por vastas regiões,
formando assim o sector mas próprio para a colonisação, encontrando ahi productivo
trabalho os que souberem rasgar o seio da terra ubérrima que encerra tantas
riquezas”47.

44 Jornal Correio da Noroeste. 11 mar. 1932. Museu Municipal de Bauru.


45 SILVA, A. Roteiro histórico: Uma cidade e uma instituição. Bauru: Tipografia Comercial, 1957, p.91.
46 Idem, p. 100.
47 CAPRI, R. O Estado de São Paulo e seus municípios. São Paulo: Typographia Pocai & Weiss,

1913.
BAURU EM TEMAS URBANOS 37

Na mesma monografia, também se apontavam as extensíssimas divisas do


município de Bauru, formado pelos limites com as cidades de Jaú, Agudos, São José
do Rio Preto, Ibitinga, Campos Novos do Paranapanema e também com o Estado do
Mato Grosso.
A partir de Bauru, cabeça de linha da Zona Noroeste, se comercializavam as
terras, como pode ser visto em propaganda do jornal local O Munícipio de 09 de
agosto de 1915,

Fazendeiros!...
Todos Podem Ser
Fernando Milanez, autorizado de pessoas competentes para
effectuar a venda de mais DUZENTOS MIL ALQUEIRES de terras, de
PRIMEIRA QUALIDADE, em diferentes pontos das Estações da E.
FERRO NOROESTE DO BRAZIL, no Estado de São Paulo, Continua
A VENDER POR PREÇOS BARATOS LOTES DE TERRAS DE 10,
20, 50, 100 E MAIS ALQUEIRES, Á VONTADE.
Temos terras, á venda, a partir do Rio Feio (Presidente Alves)
até á barranca do Rio Paraná48.

O endereço de venda, onde se poderiam conseguir informações e plantas


gratuitas era na Rua Batista de Carvalho, centro da cidade. Com o anúncio se percebe
a extensão da área pertencente ao município de Bauru, de Presidente Alves ao Rio
Paraná, e a quantidade imensa de terras que estavam sendo colocadas no mercado,
duzentos mil alqueires, e isso por apenas por um corretor!
Particulares de forma isolada e empresas de loteamento rural atuaram no
mesmo período na zona, como a The San Paulo Land, Lumber & Colonization
Company, na região de Penápolis. A empresa tinha como um dos seus sócios o
Coronel Manoel Bento da Cruz que seria prefeito de Bauru. Todas, sem exceção,
comercializavam terras em áreas devolutas, pertencentes originalmente ao Estado e
aos povos indígenas.
Em 18 de fevereiro de 1910, aporta a Companhia Paulista, terceira ferrovia da
cidade. É a única das estradas de ferro que foge das margens dos cursos d’água,
cortando diversas ruas de ocupação mais densa ao norte do Patrimônio. Para tanto,
a empresa envia ofício à Câmara Municipal, em março de 1910, após a sua
inauguração, solicitando permissão para fechar diversas vias, pois, “não prejudica a
cidade, porquanto a comunicação com a pequena parte situada entre a linha e o

48 Jornal O Município. Bauru, 09 ago. 1915. Cópia do Museu Municipal de Bauru.


38

Ribeirão Bauru, se poderia fazer pelas Ruas Araújo Leite e Antônio Alves, que são as
únicas edificadas e continuarão abertas ao tranzito publico”49.
Em reunião do dia 16 de Abril de 1910, a Câmara acata a solicitação de forma
integral, ressalvando que deveria haver passagem livre de pedestres e veículos sobre
uma ponte na Rua Araújo Leite e porteiras de controle na Rua Antônio Alves, a rigor,
os mesmos indicativos constantes no ofício da Companhia Paulista50. Sua aceitação
se dava, até mesmo, porque as obras já estavam finalizadas.
Essa ponte, ainda existente, será a primeira alta e de grande porte executada
na cidade. Juntamente com os trilhos da ferrovia, demarcará e segregará um setor do
extremo norte do Patrimônio, atravessado, a partir daí, apenas pelas duas vias
indicadas acima. Entendemos que a Câmara já dava como certo que outro setor da
cidade, em direção ao leste e no rumo das estações ferroviárias, estava se
desenvolvendo e que a zona triangular da baixada, não faria maior diferença.
Em cinco anos o cenário da cidade muda completamente. Forma-se um dos
maiores entroncamentos ferroviários do país, sendo que Bauru, geograficamente
central no Estado, vê suas perspectivas de crescimento expandirem-se
exponencialmente. A população salta para 10 mil habitantes51.
Recursos da iniciativa privada passam a afluir à cidade desde a chegada da
primeira estação e solidificam-se durante as décadas seguintes do século XX. As
ferrovias Sorocabana, CEFNOB e Paulista, implantadas no espaço urbano, dariam a
Bauru todas as condições necessárias para se desenvolver. Os investimentos
particulares poderiam ter retorno garantido nos vários ramos da construção civil, com
a exploração da infraestrutura, passando-se pelo comércio e serviços. A cidade seria
vista como base real e viável de aplicação dos lucros do café. E tudo havia para ser
feito!
São criadas as atuais avenidas Rodrigues Alves e Pedro de Toledo, ambas
relacionadas às ferrovias52. Também é instalada a telefonia, é construído o Cemitério
da Saudade e o prédio da Câmara, ambos projetados pelo engenheiro João Argenta,
de Lençóis Paulista53. Na década seguinte são implantadas as infraestruturas básicas

49 Oficio enviado à Câmara Municipal pela Companhia Paulista de Vias Férreas e Fluviais. 10 mar.
1910. Arquivo da Câmara Municipal de Bauru.
50 Ata da Câmara Municipal de Bauru. 16 abr. 1910. Arquivo da Câmara Municipal de Bauru.
51 Plano Diretor de Bauru de 1996, p. 17.
52 Ver Capítulo 7: Avenida Rodrigues Alves.
53 NEVES, C. das. No velho Bauru (Crônicas do Bauru antigo). Bauru: Tipografia Comercial, 1961,

p. 106.
BAURU EM TEMAS URBANOS 39

sob concessão pública, como a rede de água, de esgoto e luz elétrica. É estruturada
a Praça Rui Barbosa54 e erguido o primeiro Grupo Escolar. As construções privadas
crescem exponencialmente, assim como os negócios ligados ao comércio e serviços.
A velha tipologia vernacular e com ela a técnica do pau-a-pique somem da zona
urbana e novas edificações ecléticas de tijolos sobre porões são construídas por
mestres de obras, principalmente italianos.
No campo da saúde cria-se a Santa Casa de Misericórdia, em 1911 e a
Beneficência Portuguesa, em 1914, ambas as entidades implantadas em prédios
provisórios. A Santa Casa, sob forma de irmandade, deveria atender aos mais pobres
e particularmente, aos trabalhadores da CEFNOB que sofriam acidentes e contraíam
malária e leishmaniose na construção da ferrovia. De início, a companhia tenta
resolver a situação improvisando hospital de emergência, mas sem conseguir dar
conta do número altíssimo de casos, repassa o problema para o município resolver.
O coronelismo dará as cartas durante a Velha República em todo Brasil e, é
certo, também, na cidade de Bauru. As disputas entre coronéis não diziam respeito,
necessariamente, à nobre arte da política. Poderia até passar por ela, mas o que
estava em jogo era prioritariamente dinheiro. Todas as novas cidades paulistas,
criadas na esteira de imensos cafezais, propiciarão fartos recursos que desaguarão
no espaço urbano. A infraestrutura urbana precisava ser criada, tudo estava por se
fazer. O coronel e seu grupo serão os intermediários no processo, administrarão
diretamente as concessionárias dos serviços ou mesmo através de seus "laranjas".
Atuará na aprovação dos loteamentos, das construções, de novas Posturas, das
arrecadações de impostos e empréstimos municipais. O poder era imenso e o controle
externo quase nenhum. Brigas, empastelamentos de jornais rivais e mortes nessas
cidades acontecerão com frequência, conforme fica expresso nas matérias do Correio
da Noroeste e do Diário Popular, devido aos grandes interesses econômicos aí
envolvidos.
Conseguir o estabelecimento da sede da Comarca, palco onde as disputas
políticas, mortes e principalmente a luta pela usurpação da terra devoluta do Estado
serão definidas, será dos passos cruciais entre as atividades do coronel e de seu
grupo, e praticamente troféu que poucos conseguiriam, como vimos em Bauru. Outro
aspecto relevante era o fato de a Comarca trazer um pouco mais de paz para a região,

54 Assunto a ser tratado no próximo capítulo.


40

moldada sob a força da violência e da bala. Todavia, tal instância era habitualmente
cooptada pelos poderes locais e ficavam longe da necessária imparcialidade atribuída
à justiça, favorecendo grupos de interesse.
O grande fluxo de novos moradores vindos para a construção das ferrovias,
em particular da CEFNOB, encontrará uma cidade com terrenos extremamente caros,
pois, mesmo sob aforamento e sem propriedade plena, era necessário pagar-se uma
joia para sua ocupação, além das demais taxas exigidas pela Fábrica da Igreja. A área
foreira, portanto, era destinada para classes mais altas, comerciantes e profissionais
liberais, única zona a dispor de infraestrutura básica e mesmo assim bastante
precária.
Na década de 1920, em situação muito peculiar, os direitos sobre o
aforamento e todas as relações deles advindas são repassados pela Igreja e sua
Fábrica à empresa privada da cidade denominada Cintra & Cia, pertencente a Antônio
de Almeida Cintra. Em 1942, o comprador da enfiteuse, assim apresenta os motivos
da Fábrica em vender o aforamento na Revista do Instituto Histórico e Geográfico de
São Paulo:

Com a construção quase simultânea das estradas de ferro:


Sorocabana, Paulista e Noroeste do Brasil, enorme surto teve a cidade
de Bauru, que se fez do dia para a noite, tendo sido invadida por uma
chusma de ádvenas, que se foram apoderando dos terrenos da
Paróquia, o que igualmente havia sido feito pelas três Companhias de
estradas de ferro.
A Paróquia de Bauru proprietária dos referidos terrenos, deles
não podia dispor; pois, se bem que houvesse entrado em
entendimento com as Companhias Noroeste do Brasil e Paulista, que
adquiriram os terrenos por ela ocupados, não encontrou essa mesma
boa vontade no governo e nos demais usurpadores de tais terrenos.
Assim, estando a paróquia necessitada de numerário para construir a
Igreja Matriz e o edifício do Centro Católico, alienou os direitos sobre
os mencionados ao autor dessas linhas, que imediatamente intentou
contra o governo do estado e foi julgada procedente; havendo o
governo do estado pago o valor equivalente ao terreno ocupado.
Com os demais ocupantes, após o vencimento das causas
reivindicatórias, organizei a sociedade civil "Cintra & Cia", da qual
fazem parte somente meus filhos; tendo esta sociedade feito contrato
de aforamento sobre os referidos terrenos com os vencidos.
Estes terrenos estão hoje quase todos edificados, excedendo a
mais de três mil o número de foreiros dessa sociedade, pois a cidade
de Bauru tem crescido extraordinariamente55.

55CINTRA. A. de A. Bauru. Um documento interessante - A primeira escritura de doação de terrenos


sobre as quais foi fundada a cidade de Bauru. Revista do Instituto Histórico e Geográfico de São
Paulo. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado, v. XI, 1942, p. 312.
BAURU EM TEMAS URBANOS 41

Figura 5: Vistas da cidade de Bauru no ano de 1918. Essas imagens, feitas pela Companhia
Paulista de Estradas de Ferro em um álbum comemorativo onde foca as cidades por onde
passavam seus trilhos, mostram o "melhor" da cidade no período, incluindo-se as estações
ferroviárias da Paulista, Noroeste e Sorocabana

Fonte: PEREZ (1918, n.p.).

Dessa forma, a cidade se tornou uma das poucas a possuir aforamento de


particulares e não mais da Fábrica da Igreja, passando, a partir daí, os aforados a
serem cobrados de maneira mais efetiva. De imediato os valores são reajustados para
os novos aforamentos passando de 5$000 para 50$000 ao ano56.
Tal medida ao menos reduziu a pressão da comunidade sobre a Igreja vista
muitas vezes como empresa "imobiliária" que aforava terras do Patrimônio, resultando
em excelentes lucros junto à esfera temporal, mas acarretando evidentes prejuízos
para o âmbito espiritual.
Ao serem comunicados da mudança de mãos da área sob enfiteuse, seus
ocupantes formaram imediatamente a Associação dos Proprietários e Comerciantes
que se mobilizou junto às lideranças políticas locais no sentido de intercederem em
relação aos valores, além de terem ingressado com ação na justiça contra a mudança.

56 BASTOS, I. A. A violência na história de Bauru. Bauru: EDUSC, 1996, p.54.


42

As rusgas se elevaram a tal ponto que ocorre o assassinato do advogado Quartin de


Moraes devido às questões possessórias vinculadas à área foreira57, sem resultar em
qualquer alteração em relação aos novos proprietários.
O crack da bolsa de Nova York em 1929, acompanhado do final da Velha
República, colherá Bauru de forma menos dramática do que outros centros urbanos
exclusivamente dependentes do café. Desde a conversão da cidade em nó ferroviário
de relevo, o comércio e serviços haviam paulatinamente se tornados a força
econômica local. A produção cafeeira ao final dos anos 1920 já não possuía o mesmo
peso inicial. Fatores que explicam a situação foram a redução constante da área do
município com a formação das novas cidades da Zona Noroeste e a má qualidade da
terra arenosa no que restara de seu pequeno território.
Um jornalista viajante que por Bauru passa em 1924 assim descreve o pulsar
da cidade e sua intrínseca ligação com a ferrovia:

Esse movimento de ruas, que encanta, se deve não só ao povo do


logar como á população fluctuante. Setenta hoteis de toda ordem
esperam os dez trens que os abarrotam de 500 a 800 hóspedes por
dia: - 4 da Paulista; 2 ou 3 da Sorocabana (com o nocturno); e 2 ou 3
da Noroeste (com o nocturno). Essa multidão vem de todas as
procedencias: de São Paulo e do Rio, da entrançada rede ferrea da
Paulista, da zonas de Barretos e Franca, do Paraná e
obrigatoriamente, da Noroeste e de Mato Grosso58.

Em apenas cinco anos (1905-1910), com a vinda das ferrovias, serão


estabelecidos os elementos cruciais que ensejarão as bases econômicas da cidade
voltadas ao comércio e serviços, expandidos nas décadas seguintes e que irão
perdurar até nossos dias.

57 Idem p.76.
58 FERRAZ, B. Cidades Vivas. São Paulo: Monteiro Lobato Comp. Editores, 1924. p.53.
BAURU EM TEMAS URBANOS 43





A Praça Rui Barbosa, anteriormente conhecida como Praça Municipal e antes


ainda, Largo da Capela, é o espaço urbano onde se manifesta, em nosso entender, o
processo por que atravessaram muitas das cidades formadas a partir de aforamentos
religiosos. Em Bauru, a praça será o palco principal em que se expressam as
transformações nas relações entre Igreja e Estado e seus arcaicos vínculos, bem
como os processos imemoriais ligados à posse da terra urbana, dos seus “chãos”. As
reformas ali ocorridas espelharão a passagem para a nova ordem laica, republicana
e capitalista. Dessa forma e com essa luz, que analisaremos as transformações desse
importante espaço urbano de Bauru, praticamente destruído, ao final do século XX.
A praça começa a se formar com o erguimento do cruzeiro em 188660, um ano
antes da vila se tornar sede de Paróquia. Demarcaria o local onde a Igreja, dona do
Patrimônio Religioso, construiria em 1894, a primitiva capela, abençoada em 30 de
dezembro do mesmo ano61.
A provisão para fundação da capela, emanada da Câmara Episcopal da
Imperial Cidade de São Paulo, aos 15 de março de 1888, era a seguinte:

Prov. para fundação da Capella do Espirito Santo, no bairro do Baurú,


districto da freguezia da Fortaleza. D. Lino D. Aos que esta Nossa
Provisão virem saúde e Benção no Senhor. Attendendo ao que nos
representam o Comen.dor. Antonio Borges Rodrigues, havemos por
bem pela presente conceder licença para que no bairro denominado
Baurú na Parochia do Espirito Santo da Fortaleza, se possa erigir e
fundar uma Capella dedicada ao Divino Espirito Santo, com tanto que
seja um lugar alto, livre de humidade, e desviado quanto for possivel

59 Parcialmente baseado no artigo publicado na Revista Mimesis da USC, v.15, n.1, p.69/85, 1994.
60 SILVA, A. Roteiro histórico: Uma cidade e uma instituição. Bauru: Tipografia Comercial, 1957, p.53.
61 PAIVA, C. F. de. Narrativas sintéticas dos fatos que motivaram a fundação de Bauru. Bauru:

Conselho Municipal de Educação de Bauru, 1975, p.67.


44

de lugares inmundos e de casas particulares, e que tenha âmbito em


roda para andarem procissões, sendo o local para tal fundação
designado pelo Revmo. Parocho respectivo, a quem autorizamos para
Benzer a primeira pedra do edifício na forma do Ritual Romano.

A situação física da capela seguirá as velhas exigências canônicas, que no


Brasil se iniciaram com as Constituições do Arcebispado da Bahia, editadas no início
do século XVIII, transcritas quase literalmente na provisão para Bauru. Destacaríamos
a relevância do local alto, salubre e com espaço livre ao redor. Prosseguindo-se o
documento:

Na mesma Capella não se poderão celebrar os officios divinos sem


nova Provisão Nossa, para cuja aquisição precederá informação
parochial a respeito de sua capacidade e decência, e bem assim se
está provida de paramentos, alfaias precisas e habilitada com o
competente Patrimonio. Esta será apresentada ao me.moparocho que
a registrará integralmente no livro de Tombo da matriz para a todo
tempo constar. Dada e passada na Câmara Episcopal desta imperial
Cidade de São Paulo, sob Nosso Signal e Sello das Nossas Armas,
aos 15 de março de 1888. Eu o Conego João Evangelista Braga,
Escrivão da Câmara Eclesiástica, a subscrevi com a rubrica de S.
Exma. Rema62.

Por último, exigia a Câmara Episcopal de São Paulo, que a capela tivesse
condições litúrgicas mínimas para que funcionasse, entre as quais as alfaias e
paramentos. Seria a partir dos recursos advindos do Patrimônio Religioso que se
ergueria a capela e se efetuaria a compra dos muitos itens em metal nobre,
necessários aos cultos, como o crucifixo, castiçais, ostensório, turibulo, cálice, cibório,
teca eucarística, carrilhão, patena, galhetas, lavabo, sacrário, naveta e as muitas
alfaias de tecido. Isso sem falar do altar propriamente dito e das imagens dos santos.
A posição pretendida estava de acordo com os preceitos da Igreja, no ponto
mais alto da primeira doação para formação do Patrimônio, até aquele momento a
única a ter sido ofertada, justamente na divisa de águas do Ribeirão Bauru e Córrego
das Flores. Vale observar que a primeira capela e seu largo são considerados
liturgicamente o espaço e o local de nascimento da cidade, onde futuramente se
estabeleceria a “Matriz ou Igreja Mãe”. Não estavam ao centro do traçado urbano, pois
o procedimento definido pela Igreja havia sido determinado “em lugar alto”, situação

62Livro de Registro de Provisões 1887-1889. Cota 9-1-6. São Paulo: Arquidiocese de São Paulo,
1887-1889, p. 88 e verso, 15 mar. 1888. Pesquisa realizada pelo mestrando Fabrício Forganes Santos.
BAURU EM TEMAS URBANOS 45

que não coincidia com o centro geométrico do Patrimônio. Ao redor do largo da capela
e do templo se dariam as construções mais importantes, como pode ser visto na
tradição colonial portuguesa e brasileira.
É, sobretudo, definição muito diferente daquela relativa à formação da cidade
romana, como exemplo, cujo centro urbano caracterizado pelo “Fórum” se dava no
entroncamento das vias norte/sul e leste/oeste (cardo-decumanus), de forma
independente à topografia. Tampouco possui semelhança com a cidade hispânica
implantada na América, onde havia a Plaza Mayor ao centro do traçado.
Nesse momento a praça não existia conforme nossa concepção atual, era um
largo, grande descampado arenoso, tratado pela população jocosamente de "Saara".
Nele era possível a permanência, com folga, de todos moradores da vila estimados
em 500 pessoas. A Igreja o utilizava para as procissões, quermesses e demais
atividades religiosas. Entretanto, a capela não foi alocada ao centro do largo e sim no
alinhamento daquela que se tornaria importante via comercial, a Rua Batista de
Carvalho, ainda sem ocupação.
Quando o engenheiro da Comissão Geográfica e Geológica, Cornélio Schmidt
passa por Bauru, assim descreve a cidade que consistia basicamente da Rua Araújo
Leite, ocupada há mais tempo devido ter sido uma estrada anteriormente, e o largo
em formação: “Bauru está numa lombada, de espigão comprido, e é só areia. Tem
uma só rua no rumo norte-sul e agora está se formando um pátio perto da Igreja
situada no lado oeste”63.
Schmidt também identifica a característica de solo, que outrora possuía vasta
cobertura vegetal, destruída para a ocupação urbana e plantações ao redor, deixando
nua sua superfície de textura arenosa e facilmente erosiva. Esse será problema de
difícil resolução na cidade até nossos dias, devido à rápida formação de voçorocas na
área urbana. Nos primeiros momentos do Patrimônio, a destruição provocada pelas
águas da chuva buscava ser contida a partir de colocação de sarjetas, no sentido de
reduzir a sua velocidade e preservar as estruturas construídas. As primeiras sarjetas,
inclusive, eram de madeira64.

63 SCHMIDT, C. Diário de uma viagem pelo sertão de São Paulo, realizada em 1914. Anais do Museu
Paulista, São Paulo, v.15, p.337/55, 1961.
64 Relatório da Administração do Município durante o anno de 1917 sendo Prefeito Municipal o

Dr. Luiz Vicente Figueira de Mello. São Paulo: Sessão de obras de O Estado de São Paulo, 1917,
p.64.
46

São muito raras as imagens da capelinha, contudo, a partir de uma fotografia


da praça em obras, outra do dia do enterro de Azarias Leite e alguns poucos relatos,
é possível entender como a mesma foi erigida. Sua representação física “primitiva”,
quase “caipira”, se liga indelevelmente aos ritos do Catolicismo Popular, onde os
Santos possuíam importância vital e a religiosidade estava embrenhada nos ritos
comunitários, tanto que a Capela será erigida com a ajuda de todos.
A Capela erguida nas terras doadas por Antônio Teixeira do Espírito Santo
levará seu sobrenome e será em graças ao "Divino Espírito Santo", tendo como
padroeiro "São Sebastião", conforme os termos de doação. Foi construída dentro de
padrões vernaculares, assim como as primeiras residências, a partir de uma tradição
trazida de Minas Gerais, junto com os primeiros moradores da vila. Alguns
memorialistas apontavam que a capela era construída em taipa de pilão, com o que
não concordamos, pois tal técnica é totalmente autoportante a partir de paredes de
sessenta centímetros ou mais. Dessa forma, a taipa de pilão não necessita, para sua
estrutura, de esteios e madre de madeira, elementos que aparecem claramente em
uma das fotos da capela.
Portanto, a obra com a técnica de taipa de mão foi erguida a partir de uma
“gaiola” formada de várias peças grandes de madeira que a estruturava. O conjunto,
em geral de aroeira, possuía como base um baldrame onde eram ancorados os vários
esteios na posição vertical. Na horizontal, além do baldrame e devido ao alto pé direito,
havia peça intermediária designada madre e ainda outra junto ao frechal, onde se
apoia a estrutura do telhado, que ajudava a sustentar e estabilizar o conjunto. A partir
da montagem dessa estrutura principal, era feito, entre as suas partes, painéis. Os
painéis continham as varas formadas por entrelaçamento de bambus ou lascas de
troncos de coqueiros, com desenho em xadrez, amarradas por corda ou cipó. Após,
os vão eram preenchidos com barro junto a misturas variadas. Tudo era feito à mão,
pelo lado interno e externo, de onde também vêm as denominações de “taipa de mão
ou de sopapo”.
A construção era de nave única com sacristia ao fundo, coberta em duas
águas por telhas capa e canal. O beiral do telhado possuía um detalhe bastante
tradicional da arquitetura colonial que é o galbo, curvatura junto ao beiral executada
através de elementos de madeira no telhado denominados contrafeitos. Esse tipo de
beiral além de auferir certa graça à obra permite que as chuvas provenientes do
BAURU EM TEMAS URBANOS 47

telhado sejam jogadas para longe das paredes de barro, que por causa do material,
devem evitar o contato direto com a água.
A fachada frontal era composta apenas pela porta de acesso em duas folhas
com verga em arco abatido tipicamente colonial e duas aberturas retangulares ao alto,
logo acima da peça de madeira do frechal, de onde se supõe que não haveria forro
interno. Essas aberturas não são comuns nas capelas brasileiras; estas geralmente
possuem janelas duplas sobre a porta principal, formando, com essa, desenho em
“V”, inexistentes no exemplar bauruense. Todo conjunto seria branco, pintado à cal,
como de praxe, e os caixilhos de madeira em cor viva.
Na cumeeira a cruz deixa clara a função religiosa da obra. Não dispunha de
campanário, substituído por modesta estrutura de madeira independente da
construção, em seu lado esquerdo.
A obra do pequeno templo havia sido trabalho conjunto da comunidade, onde
o congraçamento e união coletiva tiveram papel relevante, possuindo sentido
simbólico importante, muito embora fosse edificação visivelmente provisória.
Até hoje não se encontraram imagens internas, mas a julgar-se pela
simplicidade do externo, as suposições apontam total singeleza.
48

Figuras 6 e 7: Fotografia superior, a Praça Rui Barbosa ainda sem seu ajardinamento com a
velha Capela. À esquerda do templo a Casa Paroquial e ao fundo, à direita, já se vê o primeiro
Grupo Escolar da cidade situado na Avenida Rodrigues Alves e inaugurado em 1913. Abaixo,
em detalhe, a antiga Capela do Divino Espírito Santo de Bauru e sua tipologia vernacular. Não
há identificação de autor ou mesmo data, contudo a foto é anterior a agosto de 1913 quando
o templo é demolido

Fonte: Museu Ferroviário Regional de Bauru.


BAURU EM TEMAS URBANOS 49

Figura 8: Imagem do enterro de Azarias Leite, tendo ao fundo a Capela, onde provavelmente
o corpo foi velado

Fonte: Bauru. Edição Histórica. Prefeitura Municipal de Bauru. Administração Oswaldo


Sbeghen. São Paulo: Editorial Focus, S/D.

A respeito do espaço interior encontramos apenas um recibo datado de 31 de


março de 189565, assinado por terceiro, devido ao interessado, Alfredo Benedito
Gomes, não saber ler ou escrever, referente ao pagamento de serviços prestados
como oficial de carapina no altar da capela do “Espirito Santo do Baurú”. Oficial de
carapina era a antiga designação de carpinteiro e o pagamento devia ter se dado pela
execução do altar em madeira.
Com a vinda das ferrovias, nos meados da primeira década do século XX, o
crescimento urbano se desloca para o sentido oeste, alterando a tendência original e
inicial da cidade que se estabelecera no sentido norte-sul. A Rua Batista de Carvalho,
denominada inicialmente de Rua da Estação, será importante eixo de ligação em
direção às sedes da Sorocabana e Noroeste, atraindo o comércio e serviços antes
exclusivos da antiga estrada Sertão-Fortaleza, hoje Araújo Leite.

65
Recibo datado de 31 de março de 1895. Arquivo Metropolitano de São Paulo, pesquisado pelo
mestrando Fabrício Forganes Santos.
50

O ganho de importância da Batista de Carvalho no contexto urbano pode ser


destacado pelo sarjeteamento e iluminação concretizados logo após a Rua Araújo
Leite. De certa forma, é sentido pelos ocupantes e comerciantes da Rua Araújo Leite
sua inevitável decadência após a instalação das estações. O poder público, como
forma de contê-la, faz grandes investimentos nesta via, local de moradia e negócios
dos homens mais importantes do lugar até aquele momento. Além do arruamento,
abaulamento, sarjeteamento e iluminação, é criado o canteiro central, onde são
plantadas árvores exóticas para seu embelezamento.
Porém, aos poucos, devido à inevitabilidade de sua decadência, ao menos
enquanto via comercial, novos rumos são dados aos investimentos imobiliários, agora
em direção ao largo da Capela onde frontalmente se instala a Câmara 66 em seu novo
prédio neoclássico e se inicia a construção da nova Matriz. O local se impõe como
centro de comércio e moradia dos mais ricos tendo como sequência natural a Rua
Batista de Carvalho, acesso às estações. Símbolo da migração do comércio da Araújo
Leite para a Batista de Carvalho é a “Casa Lusitana”, prestigiosa loja da cidade que
se transfere para uma posição chave: esquina da Praça Rui Barbosa com a Batista
de Carvalho.
A perda do relevo da Araújo Leite, antigo caminho para Lençóis e Botucatu,
analisada em um contexto amplo, representa o término da influência dessas cidades
para Bauru. Se antes qualquer solicitação voltada ao governo necessitava do aval
delas, as ferrovias deslocam para a cidade o eixo de gravidade econômica e política
da região. O antigo caminho norte-sul perde importância, a cidade volta seu
crescimento em direção às ferrovias, que se dirigirão à capital, sede do poder
estadual, agora sem necessidade de intermediações.
Nessa época são definidas pela Câmara as praças Washington Luiz, D. Pedro
II e Municipal onde estava assentada a Capela. Estarão unidas às ruas mais
importantes como forma de reforçar seu valor imobiliário: Praça Washington Luiz junto
à Rua Araújo Leite; a futura Praça Municipal, ou Largo da Capela, junto à Batista de
Carvalho; Praça D. Pedro II faceando à Avenida Rodrigues Alves, à época
denominada Alfredo Maia. Em contrapartida, ao mesmo tempo, começa um processo
comum às cidades brasileiras: a doação de praças, ou parte delas, para a ocupação
de prédios públicos e, em alguns casos, privados.

66 A pedra fundamental do edifício foi lançada em 15/11/1907, conforme Jornal O Bauru, 17 nov. 1907.
BAURU EM TEMAS URBANOS 51

O entendimento entre Câmara e Igreja se deteriora na medida em que os


interesses de ambas se chocam em relação ao espaço da cidade. A chegada das
empresas ferroviárias em Bauru alterará, sobremaneira, a dinâmica urbana,
aumentando drasticamente o valor e o interesse das terras do Patrimônio. Embora a
Câmara dispusesse dos poderes legais para intervenção no solo público, tinha muitos
de seus atos cerceados pela Igreja, real proprietária do Patrimônio. E isso incluía ruas,
largos e praças.
A Igreja Católica, com a nova Constituição Republicana de 1891, é desligada
do Estado, deixando de ser seu braço. O Brasil torna-se oficialmente laico. Antes dela,
iria vigorar o Decreto n°. 119-A, de 07 de janeiro de 1890, que proibia a intervenção
da autoridade federal dos Estados em matéria religiosa, consagraria a plena liberdade
de cultos e extinguiria o padroado67. O regime de padroado havia sido trazido de
Portugal para o Brasil ainda durante a Colônia e se constituía em parceria de
interesses entre a Coroa e a Igreja, garantindo recursos dos cofres públicos para os
padres e bispos em suas atividades. Com seu fim, desaparecem outros tipos de
subsídios indiretos oferecidos pelo Império brasileiro, como a concessão oficial de
loterias, destinadas à construção de capelas e igrejas matrizes. A partir daí a Igreja
Católica precisaria recorrer a outras fontes para se manter. Uma das saídas seria o
dízimo, entretanto, não era prática dos fiéis que apenas forneciam donativos de baixo
valor nos ofertórios das missas. Solução mais imediata será voltar-se ao seu vasto
patrimônio imobiliário, até então nem sempre cuidado com a devida atenção. As áreas
aforadas dos Patrimônios Religiosos das cidades paulistas em formação estarão,
nesse momento, entre as primeiras fontes visadas para se extrair recursos para suas
atividades eclesiásticas.
Como vimos, quem cuidará do patrimônio imobiliário da Igreja será a Fábrica,
instituição ligada a ela que tratará do aforamento e cobranças. Tal nome, do período
medieval, advém do “fabrico”, da construção do templo e compra de suas alfaias, para
onde, ao menos em tese, deveriam convergir os recursos auferidos.
A atividade de Fabriqueiro, embora lucrativa, era exercida com certa
dificuldade devido ao sentimento contrário da comunidade e aos enfrentamentos

67BRASIL. Decreto nº. 119-A, de 7 de janeiro de 1890. Prohibe a intervenção da autoridade federal
e dos Estados federados em materia religiosa, consagra a plena liberdade de cultos, extingue o
padroado e estabelece outras providencias. Diário Oficial da União. 07 jan. 1890.
52

públicos constantes. Mesmo com a separação formal entre Igreja e Fábrica, para o
cuidado com as questões temporais, o vínculo entre ambas era óbvio.
Irineu Bastos (1996) cita alguns Fabriqueiros, todos indicados e de absoluta
confiança do bispo: Francisco Gomes dos Santos (1905); Nelson de Noronha Gustavo
(1907); Manoel Antônio Gandra (1915); André José de Prince (1919) e Padre
Francisco Van der Mass (1921)68.
Deffontaines (1944) assim comenta sobre os padres Fabriqueiros:

O padre que era chamado para administrar o patrimônio não era


sempre unicamente um homem de igreja, ele participava dos
benefícios e era muitas vezes um excelente negocio ser cura fundador
de cidades; certos padres italianos eram muito especializados na
criação dos patrimônios69.

O relacionamento entre Igreja, representada pela Fábrica da Matriz do Divino


Espírito Santo, proprietária do Patrimônio, e Câmara torna-se bastante difícil devido
às diversas desapropriações ordenadas pela Câmara para a implantação dos pátios
ferroviários, além de outras feitas à revelia como aquelas necessárias para a
construção do prédio do Paço, do Grupo Escolar e da Cadeia. O período presenciará
acaloradas discussões através dos órgãos de imprensa local, entre a Intendência e a
Igreja, a qual exige indenização não só pelos imóveis construídos em seus terrenos,
como também pelo uso das ruas e praças.
O documento que descreve a gestão das terras pertencentes ao Patrimônio
Religioso de Bauru, datado de agosto de 1904, encontra-se arquivado no Arquivo
Metropolitano de São Paulo. Trata-se de oficio dirigido ao Arcebispado pelo Pároco
local, Cônego Antônio Pereira Reimão. Nele ficam expostas as negociações feitas
entre o Fabriqueiro e os interessados na compra de datas locais. Percebe-se, ainda,
que o pároco, ao menos nesse momento, não possuía qualquer relação com a
administração da Fábrica, ao contrário, se indispunha severamente com ela. No texto,
descreve inúmeras situações que indicavam especulação imobiliária irregular e desvio
de recursos da instituição.
O pároco, sem citar o nome do Fabriqueiro, começa registrando que a Fábrica
da Matriz possuía vasta posse, mais de 40 alqueires de terras, resultado da doação

68 BASTOS, I. A. A violência na história de Bauru. Bauru: EDUSC, 1996, p.48.


69 DEFFONTAINES, P. Como se constitui no Brasil a rede de cidades. Boletim Geográfico, São Paulo,
v. 14, p. 141-148, v. 15, p. 302, 1944.
BAURU EM TEMAS URBANOS 53

de parte das fazendas “Flores” e “Água Parada-Bauru-Batalha”. Aponta que, se bem


geridas, poderiam manter as despesas de culto, deixando ainda grande saldo;
contudo, não era isso que se passava,

Não sei em que applica o Fabriqueiro ditos rendimentos, sendo certo


que, alem de alguns concertos no telhado do edifício da Matriz feitos
por conta da Fábrica há cerca de um anno; delles não ache um real
sequer para despesas do culto ou obras materiais da Igreja, isso há
mais de três annos que exerço aqui o parochiato.

Um pouco mais adiante, deixa claro que o Fabriqueiro possuía inúmeras datas
para negócio próprio e que ainda dava preferência a determinados compradores, que
se assenhoreavam de muitas delas com o consentimento do mesmo,

Não se estabelece a concorrencia para a concessão de ditas datas,


sendo preferidas certas pessoas com detrimento de outras, constando
mesmo de algumas que se dizem foreiras de algumas dezenas dellas,
e até mesmo o Fabriqueiro se faz foreiro para alienar ditas datas com
grande lucro.

Em outro trecho, já se percebe que toda a zona onde seria instalada a


estação, o que ocorreria um ano após, já se encontrava reservada para especulação,
“Os terrenos onde, consta, vai ser edificada a estação da via férrea já estão
monopolizados para rendosos negócios, segundo estou informado”70.
O oficio, de 1904, expõe claramente as relações negociais estabelecidas pela
Fábrica da Matriz, os desvios de recursos e os lucros gerados pelo comércio de terras
urbanas, que só iriam piorar com a chegada das três estações ferroviárias e a
estupenda valorização imobiliária trazida por elas.
No Jornal O Bauru, de 11 de setembro de 1910, escancara-se os sentimentos
da comunidade no sentido de que a Igreja havia se tornado comerciante de datas:

Bauru infelizmente possue um Patrimônio, e sobre este Patrimônio o


sr. bispo volveu toa a sua attenção, a ponto de quere extrahir d'elle
uma fortuna para o seu óbulo, ou para óbulo dos ausentes. Com este
Patrimônio fez-se S. Excia. negociante de terrenos: a principio as
datas custavam 5$000 cada uma; depois 25$000; mais tarde 50$000;

70Oficio encaminhado ao Arcebispado de São Paulo pelo Pároco Cônego Antonio Pereira
Reimão, em 20 de Agosto de 1904. Pasta Bauru II, do Arquivo Metropolitano de São Paulo,
pesquisado pelo mestrando Fabrício Forganes Santos.
54

passando um certo tempo 100$000 e hoje com a chegada da


Companhia Paulista o valor de uma data de terreno é 200$00071.

Tal matéria mostra a rápida valorização das datas urbanas e sua relação com
a chegada das ferrovias e mais ainda, o quanto a Igreja era vista como especuladora
imobiliária de terrenos.
Anos depois, no Correio de Bauru de 23 de setembro de 1917 é possível ler
o seguinte anúncio da Fábrica, assinado por seu Fabriqueiro Manuel Antonio Gandra:

Tendo sciencia de que diversos dos Srs. Foreiros tem feito


transferência de seus direitos sobre dominio útil das datas aforadas,
sem obedecer as prescripções dos respectivos titulos de aforamentos,
declaro que perante a Fábrica não tem o menor valor semelhantes
transferências, protestando a mesma valer seus direitos em tempo
oportuno72.

Tais demandas sistemáticas da Igreja, visando o pagamento do aforamento e


a transferência irregular dos direitos sem o pagamento do laudêmio, conduziam a
Igreja para uma esfera da vida terrena que não condizia com seu papel religioso,
causando consideráveis danos às suas atividades espirituais na cidade. Abria, ainda,
caminho para outros credos religiosos como as Igrejas Protestantes e até mesmo a
doutrina Espírita, que se expandiam no Brasil, em particular nas zonas de ocupação
recente.
A Igreja, ciente da legislação que a amparava, bem como de todo o arcabouço
legal que regia o Patrimônio Religioso e o aforamento de terras, sempre se sentiu
segura em relação às várias alterações na trama urbana, ou mesmo as seguidas
ocupações de seus terrenos pelos edifícios públicos. A questão era, basicamente, o
quanto seria pago pelas desapropriações.
No período estava sendo discutido o novo Código Civil Brasileiro, que seria
aprovado apenas em 1916, e até esse momento valiam as disposições do Império.
Os debates eram intensos e muitos propunham o fim da enfiteuse, considerada
instituto anacrônico; para alicerçar tal medida se baseavam no Código Napoleônico
que não contemplava tal figura jurídica. O novo Código Civil, a rigor, pouco altera a
enfiteuse, particularmente em relação aquelas já estabelecidas antes da lei. As novas

71 GHIRARDELLO, N. Aspectos do Direcionamento urbano de Bauru. 1992. 196 f. Dissertação


(Mestrado em Arquitetura) – Escola de Engenharia de São Carlos, Universidade de São Paulo. São
Carlos (SP), 1992, p. 106.
72 Jornal Correio de Bauru. 23 set. 1917, número 79.
BAURU EM TEMAS URBANOS 55

contariam com dispositivo de "resgate", mesmo assim, possível apenas após vinte
anos depois de constituídas.
Há que se apontar também que os líderes nacionais da República Velha eram
majoritariamente membros da maçonaria, com forte tendência anticlerical. Bancarão
a nova Constituição de 1891, na qual a Igreja, depois de séculos, se separa do Estado.
Eram assumidamente anticlericais embora fossem quase sempre católicos. Tinham
embates frequentes com o clero tradicional, de base popular, considerado corrupto,
enriquecido por meios nada transparentes e pouco devotados às determinações
morais da Igreja, entre as quais o celibato.
Na cidade, a presença da maçonaria data de 1889, através da Loja Arquitetos,
vindo posteriormente a Loja Ormuz em 191773, e sua força era significativa na política
e entre políticos.
Em Bauru e na região escândalos sucessivos envolviam o clero, pois alguns
padres tinham amantes e filhos e muitos se enriqueciam, particularmente através dos
aforamentos urbanos. A própria Igreja tinha ciência de fatos dessa natureza a partir
da tentativa forçada de romanização do clero no início do século XX. Visava com isso
disciplinar suas atividades e torná-la menos livre e independente da autoridade da
Santa Sé.
Conforme Aquino (2012, p. 104), até 1908, São Paulo, que era a única sede
de bispado do Estado, cria mais cinco em direção ao interior do Estado em um
processo que o autor chama de “diocesanização”. São elas: Botucatu, Campinas,
Ribeirão Preto, São Carlos e Taubaté.
Botucatu cuidaria de toda zona esquerda do Tietê, praticamente metade do
Estado de São Paulo. Eram múltiplas as intenções da Sede da Província Eclesiástica
com a criação da Diocese. Entre eles a necessidade de cuidar melhor dos bens da
Igreja, particularmente dos Patrimônios Religiosos de cidades que enriqueciam a
olhos vistos, úteis após a Igreja perder o Padroado. Temia-se, também, o crescimento
de outros credos religiosos, como se deu durante a formação das cidades da zona
noroeste a partir da ferrovia, onde as Igrejas Protestantes tiveram papel mais
relevante que a católica74. A catequização dos povos indígenas também seria questão

73 PAIVA, C. F. de. Complemento as Narrativas sintéticas dos fatos que motivaram a fundação de
Bauru. Bauru: Conselho Municipal de Educação de Bauru, 1977, p.63-65.
74
GHIRARDELLO, N. À beira da linha: formações urbanas da Noroeste Paulista. São Paulo: Editora
UNESP, 2002.
56

a ser enfrentada, por ser essa área de ocupação ainda em andamento pelo homem
branco. Não menos importante, era forçar que os párocos e fiéis do “sertão” se
enquadrassem às regras do catolicismo romanizado. Para tanto, é indicado como
primeiro Bispo de Botucatu o ultramontano D. Lucio Antunes de Souza.
Mauricio de Aquino, em seu trabalho sobre o Bispado de Botucatu, informa
que em 1915, D. Lucio escreve carta ao núncio apostólico do Brasil, D. Giuseppe
Aversa, mostrando os problemas relativos ao comportamento inadequado de diversos
padres da região. As situações envolviam amasiamento, quebra do celibato e
participação na política partidária. Dedicou especial destaque ao pároco de Bauru,
Francisco Elias Vartolo,

Pe. Francisco Elias Vartolo – Foi maçon, diz ter renunciado à seita;
vive longos annos amasiado com uma senhora, que faleceu em
companhia dele há cerca de 3 annos (...) Padre Vartolo, in, articolo
mortis, casou-se civilmente no dia 20 de novembro de 1914. Foi
suspenso de ordens e todavia continua a celebrar missas, mas, afinal,
mercê de Deus, submeteu-se as suspensão de ordens75.

Embora seu comportamento fugisse completamente dos regulamentos da


Igreja Católica, Vartolo surpreendentemente tinha apoio da comunidade, era amigo
de todos, incluindo os maçons anticlericais, certamente por ter participado da
maçonaria também. Foi sucedido por José Messias de Aquino, escolhido pelo Bispo
de Botucatu. A comunidade, em desagrado pela troca, no sentido de provocar quem
o indicou para o posto, chegou a denunciá-lo por manter suposto relacionamento
homossexual com um sacristão76.
Primolan (1993) também aponta o conflituoso processo de romanização do
clero em Bauru, a partir da criação da Diocese de Botucatu 77, a qual a paróquia local
era ligada, acentuando-se mais ainda com a vinda dos Missionários do Sagrado
Coração de Jesus, por volta de 1916, constituído por grupo de padres holandeses 78.

75 AQUINO, M. de. Modernidade republicana e diocesanização do catolicismo no Brasil: a


construção do bispado de Botucatu no sertão paulista (1890-1923). Tese (Doutorado) – Faculdade de
Ciências e Letras de Assis, Universidade Estadual “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP), Assis, 2012, p.
208-209.
76 Idem, rodapé da p. 209.
77 Histórico da Arquidiocese. Arquidiocese de Sant’Ana de Botucatu. Disponível em:
<http://arquidiocesebotucatu.org.br/historico>.
78 PRIMOLAN, E. D. A romanização do catolicismo na paróquia de Bauru (1909-1937). Dissertação

(Mestrado) – Faculdade de Ciências e Letras de Assis, Universidade Estadual “Júlio de Mesquita Filho”
(UNESP). Assis (SP), 1992, p. 9.
BAURU EM TEMAS URBANOS 57

Desde 1907 já se aventava a construção de nova Matriz que substituísse a


acanhada capela. Em dezembro de 1907 o Padre Francisco Elias Vartolo encaminha
ofício ao Vigário Geral do Bispado de São Paulo, solicitando, novamente, a aprovação
da comissão para as suas obras, ainda não oficializadas, segundo o autor da carta,
devido ao seu nome não constar como presidente do grupo. Aponta que o presidente
da comissão era o Engenheiro Eugenio Lafon, Diretor da Companhia Estrada de Ferro
Noroeste do Brasil e o vice Coronel Gerson França, intendente do município, além de
outros nomes de peso na cidade. Insiste no nome de Lafon como presidente graças a
seus sentimentos religiosos e importância pessoal, tanto assim que na ocasião da
eleição da comissão foram arrecadados quatro contos de reis79.
A tentativa de romanização, após a instalação da Diocese de Botucatu, ao
invés de facilitar a solução para a construção da nova Matriz, tornou as negociações
com a Câmara mais rígidas e difíceis ainda. As várias propostas feitas pela edilidade
para desapropriação das ruas e praças da cidade pertencentes à Fábrica da Matriz
do Divino Espírito Santo são sistematicamente rejeitadas, consideradas muito baixas.
O bispado exigia quinze contos de reis, a Câmara chega a doze.
As discussões mais ferozes giravam em torno do terreiro onde estava
assentada a capela. Há muito a edilidade queria transformar o largo descampado em
praça pública, sempre considerados os espaços mais nobres e bem cuidados dessas
pequenas cidades do interior. A comissão de obras da Igreja, finalmente instalada, já
havia iniciado as fundações da nova Matriz, no ano de 1909, em área frontal e fora do
largo. A Câmara sugeria a demolição imediata da capela para o embelezamento da
praça. Entretanto, o desacerto entre as partes quanto à quantia a ser paga faz a Igreja
paralisar as obras80 como forma de pressionar a Câmara a pagar a indenização
solicitada. Os recursos angariados para a construção da Matriz, dentre os quais
aqueles advindos dos aforamentos, são revertidos na construção da Casa Paroquial,
o que deixa a população da cidade furiosa.
O entorno da praça, devido à valorização da região, transformava-se,
abrigando a sede do poder municipal, as maiores residências e o comércio. Aos
poucos, atraía para si as atividades culturais, políticas e sociais e as religiosas eram

79 Oficio encaminhado ao Vigário Geral do Bispado de São Paulo, pelo Pároco Francisco Elias
Vartolo, datado de 10 de Dezembro de 1907. Acervo do Arquivo Metropolitano de São Paulo,
pesquisado pelo mestrando Fabrício Forganes Santos.
80 A justificativa formal para tal fato era a construção da casa paroquial contigua. Jornal O Bauru. 08

mar. 1910.
58

deixadas cada vez mais de lado. A posição da capela no importante espaço público
paulatinamente perdia sentido, ainda mais por interromper aquela que se transformara
na principal rua comercial, acesso às estações.
A mudança de vocação dessa fração urbana relaciona-se como a
transposição do espaço sacro, o “Largo da Igreja”, para o espaço laico, a “Praça
Municipal”81. Se antes, na cidade colonial e mesmo durante o Império, o largo continha
as igrejas do clero ou das ordens religiosas, com o advento da República, as agora
denominadas Praças Municipais tornam-se espaços ajardinados, frequentemente
ostentando edifícios públicos da nova ordem política e social: estação, grupo escolar,
fórum, delegacia, correio, etc.
Sem entendimento entre as partes, a capela e seu terreno são declarados de
utilidade pública e em 13 de agosto de 1913, o templo é posto abaixo à força pela
Câmara Municipal. Significativamente entre os vários argumentos utilizados pela
edilidade para o desmonte consta o cumprimento das Posturas Municipais, em função
de problemas estruturais na edificação, habitualmente relegadas pela própria Câmara,
porém útil em situações como esta.
O vigário à época, Frei Felicíssimo, assim descreve o fato no Livro de Tombo
da Paróquia:

Às duas horas da madrugada, homens ímpios, por brechas praticadas


nas paredes, penetraram na Igreja e mão sacrílega, com um golpe de
picareta, arrombou o Sacrário espalhando as Sagradas Formas sobre
o altar, e pior teriam feito se o vigário da Paróquia, com perigo da
própria vida, não acudisse a tempo de recolhe-las, levando-as para
casa onde imediatamente as consumiu."
Às onze e meia horas, apesar dos protestos pessoais da
autoridade diocesana, o Sr. Prefeito Municipal acompanhado de
alguns vereadores e vários operários municipais invadiram a Igreja,
retiraram por sua própria conta as Imagens e mobiliários e começaram
a demolir o templo e às trez horas da madrugada a Igreja estava
arrazada82.

A Diocese de Botucatu reage imediatamente após a demolição da capela a


partir de um Edital que exigia para toda diocese um “Tríduo de Desagravo a Jesus
Sacramentado” e no último dos três dias “uma Solemne Communhão Geral dos fiéis”,
além de promover a Interdição Canônica da Paróquia de Bauru, que interromperia as

81 MARX, M. Nosso chão: Do Sagrado ao Profano. São Paulo: EDUSP, 1989.


82 SILVA, A. Roteiro histórico: Uma cidade e uma instituição. Bauru: Tipografia Comercial, 1957, p.59.
BAURU EM TEMAS URBANOS 59

“celebrações de batizados e casamentos, de crismas, primeiras comunhões e rituais


fúnebres, suspendeu boa parte dos ritos de sociabilidade da cidade à época”83.
Parte da imprensa, contrária à Igreja, divulgou que toda a cidade havia sido
excomungada, fato inverídico, havendo apenas a Interdição Canônica, o que na
verdade também não era pouco. Ressalte-se que a Interdição dos ritos em Bauru foi
generalizada até mesmo para aqueles que estavam favoráveis às ações do Bispo. O
Tríduo de Desagravo a ser celebrado em todos os templos da Diocese, para reparação
dos pecados ocorridos devido à destruição da capela, expunha a cidade à execração
da zona e humilhava parcela considerável de seus habitantes.
A gravidade da destruição desse espaço simbólico, a primeira capela da
cidade e a tomada de todo seu largo pela Câmara, só poderia ser aceito pela
população majoritariamente católica se a praça fosse uma grande obra, incontestável.
O Prefeito à época, o poderoso Coronel Manuel Bento da Cruz, de grande influência
em toda zona noroeste, bancará um espaço sem igual na cidade. Sob projeto e
direção do engenheiro formado pela Escola de Engenharia do Exército 84, Heitor de
Andrada Campos, à época prestando serviços para a Intendência, é projetado o novo
jardim considerado por muitas décadas a principal obra pública de Bauru.
Valendo-se de fartos recursos econômicos e técnicos levantados pela
Câmara, Andrada Campos cria uma praça de linhas românticas e pitorescas com as
características das novas áreas públicas da Capital Federal e de São Paulo, onde se
destacavam o Jardim da Luz e a Praça da República. Essas eram de certa forma,
tributárias ao Parc Des Buttes-Chaumont, construído em 1869, em Paris, pelo
arquiteto Gabriel Davioud, dentro de um padrão conhecido hoje como “jardim
paisagístico francês moderno”, direcionado exclusivamente ao ambiente urbano.
A nova praça colocava a cidade em sintonia com o que havia de mais recente,
trazia pela primeira vez ao sertão do Estado contemporaneidade que se destacava
em toda paisagem urbana. Sem poupar dinheiro, pela primeira vez, uma série de
empresas contratadas trabalha para a efetivação de um projeto local. A firma Andrade

83 AQUINO, M. de. Modernidade republicana e diocesanização do catolicismo no Brasil: a


construção do bispado de Botucatu no sertão paulista (1890-1923). Tese (Doutorado) – Faculdade de
Ciências e Letras de Assis, Universidade Estadual “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP), Assis, 2012, p.
215-216.
84 SILVA (1957) informa que Andrada Campos era descendente de Caetano de Campos e era formado

na Escola de Engenharia do Exército (SILVA, 1957, p. 57).


60

& Oliveira de São Paulo executa o coreto; o lago, bem como o paisagismo, ficam a
cargo da Manzo & Casadio, também de São Paulo85.
A nova praça municipal, inaugurada em 1914, ainda na gestão do prefeito
Manoel Bento da Cruz, é destinada, basicamente, pela sua forma e equipamentos, à
eventos mundanos em detrimento das atividades religiosas. Sua concepção segue
padrões formais corretíssimos para a época e a sofisticação de todo projeto contrasta
com a pobreza arquitetônica do entorno e de Bauru. Mesmo os elementos em ferro
fundido, como coreto e bancos jamais serão igualados em qualquer outro espaço
público da cidade.
A iluminação era fornecida a partir de altos e elaborados postes ornamentais
em ferro fundido, possuindo, cada um deles, três lâmpadas a arco voltaico, em
quantidade maior que qualquer outro ponto local. Todo equipamento que os fazia
funcionar era importado, assim como as luminárias e lâmpadas. Os postes decorativos
eram nacionais, fabricados pela Companhia de Fundição do Rio de Janeiro; estes, até
o ano de 1917, mesmo com notificação judicial, não tinham sido pagos pela Câmara,
devido a seu custo elevado86. São similares aos utilizados na Avenida Central do Rio
de Janeiro, cuja iluminação foi inaugurada em 1905 e também aos da Avenida Beira
Mar, aberta um pouco depois, que também contavam com tecnologia estrangeira para
o funcionamento87.
O grande lago com capacidade para 337.000 litros era maior que o
reservatório para fornecimento de água à população. Possuía desenho orgânico e
tentava imitar um lago natural com seu desenho sinuoso, bordas arredondadas e
pedras falsas em concreto. Sobre ele estavam dispostas duas pontes também em
concreto armado, que utilizavam uma técnica de ornamentação rústica comum nos
jardins da época, onde a estrutura e, particularmente, os guarda-corpos, imitavam
troncos e galhos de árvore. As alamedas eram pavimentadas com asfalto e pó de
pedra, sendo os únicos passeios públicos a possuírem calçamento em Bauru.
A vegetação implantada formada por plátanos, alfeneiros, magnólias, buxos e
roseiras se constituía, em grande maioria, de espécies exóticas e criava,

85 Jornal O Bauru, 14 set. 1913. Originalmente no Núcleo de Pesquisa História da USC, pertencente
a coleção Gabriel Ruiz Pelegrina.
86 Relatório da Administração do Municipio durante o anno de 1917 sendo Prefeito Municipal o

Dr. Luiz Vicente Figueira de Mello. São Paulo: Sessão de obras de O Estado de São Paulo, 1917,
p.45.
87 História da iluminação no Rio de Janeiro, A modernização da metrópole. Revista Iluminação Brasil,

Rio de Janeiro, Ano 03, n°. 14, Capitulo IV, mar./abr. 1989, p.47.
BAURU EM TEMAS URBANOS 61

intencionalmente, forte contraste com as matas nativas existentes e ainda visíveis ao


redor da cidade.
Nesse momento, acreditamos que um espaço dessa ordem, ao invés de trazer
a natureza para o urbano, como se buscava nos grandes centros europeus e mesmo
nas capitais do Brasil, deveria oferecer a civilização. A natureza representada pela
mata nativa estava muito próxima e logo teria um fim, como ocorreu em todo Estado,
entretanto, essa era apinhada de animais selvagens, insetos, doenças palustres,
vegetação sem controle e indígenas com suas armas. A nova Praça Municipal, em
contraste, representava a chegada da civilização. Era um paradoxo: a natureza
domada, podada e previsível nada mais seria que a presença do "não natural" na
cidade.
Todo esse esforço é feito para impressionar, a fim de se obterem dividendos
políticos. A inversão de altas somas em áreas nobres com intuito de valorizá-las ainda
mais, mesmo que em detrimento de outras necessidades fundamentais, será prática
usual desta e de várias administrações municipais.
Não se pode deixar de relacionar todos os acontecimentos geradores do novo
espaço público com a perda sistemática do poder religioso em prol do laico,
representado pela própria constituição física da praça. A expulsão da Capela do local
original assim o demonstra, principalmente em uma cidade onde as disputas com a
Igreja, donas das terras, eram constantes, e onde o bispado era visto como o maior
especulador imobiliário. Cristalizado em uma pequena cidade – "boca de sertão" –
ficavam claras as dramáticas transformações estruturais ocorridas com o país nos
finais do século XIX.
A nova Matriz, cujas fundações haviam sido iniciadas em 1909, é inaugurada
em 1915, fora da praça, em um dos terrenos situados entre a Rua Batista de Carvalho
e Avenida Rodrigues Alves, sem destaque, junto aos demais lotes da quadra. Ela se
enquadrará ao entorno como um dos poderes locais, aos moldes da Câmara, das
moradias elegantes e do comércio.
O projeto, conforme o Jornal O Commercio de Bauru88, era de João Batista
Vasques; de acordo com o Jornal O Bauru, era do desenhista e empreiteiro de obras
de Jaú Guido Padovani, encomendado pelo bispo diocesano, de tamanho regular e
orçado em 70 contos de réis "o que para Bauru não seria grande despeza" 89. Muito

88 A Nova Matriz. Jornal O Commercio de Bauru. 24 dez. 1915. Acervo do NUPHIS.


89 Jornal O Bauru. 31 jul. 1910.
62

embora a autoria da arquitetura seja incerta, é sabido que Guido Padovani realmente
ergueu a Igreja Matriz como mestre de obras.
A Matriz, assim como a imensa maioria das novas Igrejas Católicas
construídas no país entre o final do século XIX e início do XX, seguirá a vertente
determinada pela Igreja Romanizada, buscará inspiração na idade média,

A arquitetura, portanto, seguirá o novo momento, será europeizada


como era a nova forma de professar a religião, e a Idade Média ou, ao
menos a imagem superficial e o “senso comum” desse período
histórico será a opção para as igrejas. Torres ou, em boa parte das
vezes, apenas uma torre central, ameias, coruchéus, arcos ogivais e
trilobados, rosáceas, clerestórios, abside, falsos arcobotantes e
contrafortes edificados em tijolos e amarrados por vergalhões
reforçavam o maior símbolo local. Toda construção deveria ser alta,
vertical, não pela raridade do espaço como nas cidades medievais,
mas em razão da importância e do poder que a altura pretendia
passar90.

Assim como a primitiva Capela, não existem muitas imagens onde a antiga
Matriz do Divino Espírito Santo possa ser vista em detalhes, em quase todas o templo
está presente como parte da Praça Rui Barbosa e raramente é protagonista. O fato é
bastante curioso porque nas cidades do interior a Matriz era alvo frequente de
fotografias e cartões postais. Em Bauru, a Praça parece ter cumprido esse papel,
eternizada em diversos ângulos, sendo grande parte deles voltados ao imponente
Automóvel Club e, muitos, a partir da torre da Matriz.
Acreditamos que os conflitos gerados pelo aforamento, e sendo o templo sua
representação física, gerava certa restrição à Igreja Católica na cidade; também é
válido apontar que a pouca imponência da edificação contribuísse para que a mesma
estivesse ausente como foco da maioria das imagens. Mesmo assim, a partir de um
grupo de fotografias da Praça, da Batista de Carvalho e da Rodrigues Alves,
analisaremos a sua arquitetura.
Não fosse pela torre, a estrutura neogótica da Igreja passaria despercebida
no conjunto da quadra. Se comparada com outros templos das cidades ao redor, como
Jaú, por exemplo, a nova igreja deixava a desejar para uma urbe que crescia de forma
expressiva e se impunha como centro regional.

90GHIRARDELLO, N. A formação dos patrimônios religiosos no processo de expansão urbana


paulista (1850-1900). São Paulo: Editora UNESP, 2010, p. 218.
BAURU EM TEMAS URBANOS 63

O conjunto era acanhado, possuía recuos laterais e frontal, onde era disposta
a escadaria principal; junto ao passeio havia mureta com gradil fechando o terreno da
igreja. A entrada se dava pelo centro da fachada do edifício em um nicho em forma
de tímpano, abaixo do corpo da torre. Essa era baixa, meio atarracada, impressão
ampliada devido aos falsos contrafortes dispostos ao seu redor. Nas laterais da torre
dois corpos simétricos proeminentes de três faces fechavam o conjunto de
ornamentação neogótica bastante discreta. Todas as aberturas possuíam arco ogival,
além de ao menos três pequenas aberturas circulares. A torre, dividida em quatro
sessões horizontais, era arrematada por estrutura piramidal octogonal coberta por
metal e encimada pela cruz.

Figura 9: Praça Rui Barbosa. Parte do Jardim Público em imagem poucos anos depois de
encerradas as obras. Foto de 01/01/1916, Fotografo Tognetti. Anos depois os postes da praça
irão para a Machado de Mello

Fonte: Museu Ferroviário Regional de Bauru.


64

Figura 10: Praça Rui Barbosa, vista da torre da matriz. Em primeiro plano a Praça Rui
Barbosa, ao fundo o Automóvel Club e a antiga Câmara Municipal, a sua direita. Foto,
provavelmente, da década de 1940

Fonte: Bauru Ilustrado, jul. 1999.


BAURU EM TEMAS URBANOS 65

A planta era em cruz latina com transepto, tendo a ábside, também facetada,
voltada para a Avenida Rodrigues Alves. Sua pequena dimensão e capacidade farão
com que, passados alguns anos, se cogite em reformas e ampliações, sendo
finalmente demolida quarenta anos depois.
Não conseguimos fotos internas, mas acreditamos que a matriz possuísse
nave única intuída a partir do telhado simples em duas águas. Não havia cúpula ou
mesmo forro de estuque em abóbada de cruzaria, como era típico nesse tipo de
edificação.
A nova Praça Municipal reforçará a importância da Rua Batista de Carvalho
que passará a abrigar o comércio de relevo à custa da perda de interesse da Araújo
Leite. Mesmo os hotéis, inicialmente localizados nessa via, se transferem para a
região da nova Praça Machado de Mello, outro grande areão vazio criado como área
livre para carga/descarga e embarque/desembarque em frente à estação da NOB.
66

Figura 11: Fotografia da antiga Matriz do Divino Espírito Santo, em linguagem neogótica, vista
a partir da Praça Rui Barbosa. Foto sem data especificada

Fonte: Museu Ferroviário Regional de Bauru.


BAURU EM TEMAS URBANOS 67

Como não poderia deixar de ser, a demolição da capela leva a Igreja a acionar
medidas judiciais91 que resultariam na obrigatoriedade do pagamento, por parte do
município, dos almejados quinze contos de reis exigidos como indenização pela
Capela, praças e ruas da cidade92, condição a contragosto, ratificada pela Lei
Municipal nº. 85 de 12/08/2014.
A partir de então, o jardim público da Praça Municipal torna-se um espaço de
especial cuidado, como se verifica no Relatório da Administração do Município de
1917, a vegetação era zelada pelo jardineiro Victorino Cardoso que tratava da
adubação e da rega das “plantas mais delicadas”. No período, reparos foram
realizados no coreto, os postes foram pintados e, embora os caminhos precisassem
de algum reparo em seu recobrimento, devido ao alto custo do pixe, o serviço estava
à espera de “uma baixa de preços”93. No mesmo Relatório aponta-se que a Praça
possuía custeio próprio no valor de 600$000 e que a cidade toda contava com 275
lâmpadas para iluminação pública e só o Jardim dispunha de 32 dessas94.
Em 1923, logo após a morte de Rui Barbosa, um dos autores da nova
Constituição de 1891, a praça receberá seu nome, mantido até os dias atuais,
reforçando a identidade republicana do espaço95.
Desde a inauguração o lugar torna-se o centro de convivência social local,
ponto de encontros após as missas, das retretas das bandas musicais no coreto, dos
corsos carnavalescos, quermesses beneficentes e dos passeios com as crianças que
se entretinham com os peixes e, muito depois, com os jacarés do lago. Era um espaço
para ver e ser visto, livremente aberto e sem grades, relativamente acessível, pois
aceitava a quase todos desde que estivessem "decentemente vestidos" 96 e tivessem
comportamento adequado dentro das regras sociais do período. As exceções,
conforme o Código de Posturas de 1928 ficavam por conta dos “mendigos” e
“ciganos”97. Esses, logo ao chegar à cidade e quando descobertos, eram rapidamente

91 BAURU. Processo nº. 245, de 19 de agosto de 2013. Autos de embargo de obra nova, fábrica da
matriz do Divino Espírito Santo de Bauru x Câmara Municipal de Bauru. Cartório do Primeiro Oficio
de Bauru.
92 BAURU. Atas da Câmara Municipal de Bauru, 30 de julho de 2014, pertencentes ao seu arquivo.

Câmara Municipal de Bauru.


93 Relatório da Administração do Município durante o anno de 1917 sendo Prefeito Municipal o

Dr. Luiz Vicente Figueira de Mello. São Paulo: Sessão de obras de O Estado de São Paulo, 1917.
94 Idem, p. 78.
95 Serão bastante comuns, em muitas cidades, as denominações de praças centrais ligadas ao novo

regime como Praça da República, XV de Novembro, Marechal Deodoro, etc.


96 Código de Posturas de Bauru de 1928. Capitulo I, Dos Costumes, p. 65.
97 Idem, p.66 e 67.
68

“convencidos” a retornar para os trens, sendo despachados para outras cidades,


método bastante comum no interior, fazendo com que famílias inteiras de migrantes,
andarilhos, mendigos e outros tipos, considerados socialmente inconvenientes,
circulassem de urbe em urbe até que encontrassem um lugar que os aceitasse.
Acreditamos que os clubes, principalmente a partir da década de 1930, serão
espaços sociais urbanos efetivamente de segregação: Automóvel Club, Bauru Tênis
Club e Sociedade Hípica abrigarão as elites que, para serem aceitas, precisavam ter
seu nome aprovado pelo Conselho, pagar joias, e claro, contribuir mensalmente. Os
títulos eram bens de alto valor pecuniário. Os muitos clubes destinados aos vários
estratos sociais, das elites aos mais populares, serão os centros do lazer, da vida
social e esportiva indoor das cidades do interior nos decênios seguintes, período que
se encerra com o fechamento ou redução drástica de suas atividades na década de
1980/90.
Na década de 1920, como vimos no capítulo anterior, os direitos sobre o
aforamento da cidade são repassados para a sociedade civil bauruense Cintra & Cia,
reduzindo-se as demandas sobre a Igreja Católica, relativas ao aforamento na cidade.
Dessa forma ela poderia deixar de ser apontada como agente imobiliário e começar a
voltar-se agora, de forma exclusiva, às questões espirituais.
É necessário reconhecer, que esse difícil começo da cidade e sua relação
extremamente conturbada com a Igreja e a Diocese deixaram marcas profundas na
comunidade. Nos litígios pela terra do Patrimônio e seu aforamento ficaram expostos
publicamente situações constrangedoras de âmbito interno da Igreja, utilizadas como
arma de contenda e difamação. Por sua vez, a Igreja e a Fábrica se colocaram em
disputas imobiliárias que fugiam de sua função primária de pregar o Evangelho e
administrar os Sacramentos. Por mais que se tentasse separar as atividades da
Fábrica daquelas da Paróquia, era óbvio para todos que se tratava de apenas uma
entidade. Perdeu a instituição, perdeu a cidade.
Impossível estimar se as memórias desse processo doloroso chegaram até
nossos dias. Arriscaríamos dizer que é bastante provável, a julgarmos pelos
elementos arquitetônicos e o discurso que embasou a reforma da Praça Rui Barbosa
na década de 1990, como veremos adiante.
BAURU EM TEMAS URBANOS 69

Em 1925, a praça ganha pequena remodelação98 e em 1926 os grandes


postes são trocados devido à vegetação que os encobria e deixava o local escuro a
noite. São substituídos por menores, também em ferro fundido, contudo mais simples.
Ficarão abaixo da copa das árvores e possuirão lâmpadas mais modernas e
eficientes, cobertas por globos ornamentados brancos leitosos. Os antigos postes
ornamentais seguirão para a Praça Machado de Mello e ali ficarão por muitos anos 99.
A Rui Barbosa ainda ganhará um chafariz em seu lago, tornando-se uma das
principais atrações do espaço.
O entorno da Rui Barbosa ganha, em 1939, o imponente Automóvel Club,
projeto neoclássico do engenheiro arquiteto bauruense João Cacciola 100 edificado
pela Construtora Raphaelle Mercadante, e ainda ali preservado. Na esquina da Batista
de Carvalho com Gustavo Maciel passa a funcionar, transferido da Rua Araújo Leite,
aquele que seria o magazine mais importante da região, a Casa Lusitana, em
significativo prédio art déco, bem como a conceituada e eclética Casa Savastano, na
esquina das ruas Primeiro de Agosto com Antônio Alves. Ali também estavam
dispostos os Correios em prédio ainda existente na Batista de Carvalho com Antônio
Alves, a Farmácia Popular na Rua Primeiro de Agosto com Gustavo Maciel, a Câmara
Municipal e diversas residências elegantes. Décadas depois a praça terá seus
contornos curvilíneos retificados e receberá novo piso em ladrilho hidráulico, sua
iluminação novamente será mudada e sofrerá alteração na composição dos canteiros.
A Rui Barbosa será escolhida para o centro das festas do cinquentenário da
cidade em 1946, quando foi plantada uma perobeira pelo morador mais antigo e
inaugurado um obelisco em granito em homenagem a Bauru.
A Praça era o centro das atividades de lazer ao ar livre, aos domingos e
feriados era ali que acontecia o footing com os jovens rodando ao redor da praça,
rapazes e moças separadamente e em sentido contrário. Os bancos eram
disputadíssimos. No coreto se apresentavam as bandas musicais mais importantes,
como a do 4º Batalhão dos Caçadores e a Corporação Musical São José101.

98 Jornal Diário da Noroeste. 02 ago. 1925.


99 Jornal Diário da Noroeste. 19 jan. 1926.
100 Conforme Jornal Folha do Povo de 15/01/1938.
101 PELEDRINA, G. R. O ciclo das bandas de música na Praça (XI). Jornal da Cidade. Bauru, 06 jan.

1991.
70

Em 07 de maio de 1955, o Jornal Diário de Bauru publica matéria onde informa


que a Matriz estava sendo demolida em favor da construção de uma nova 102. Aponta
que há alguns anos havia sido cogitada a reforma do velho templo e sua ampliação,
mas que se entendeu que mesmo com tais providências ali não comportaria o número
de fiéis pretendido. Dessa forma, nessa data, a torre da igreja já estava sendo
desmanchada e as missas haviam sido transferidas para o salão paroquial em frente
à Avenida Rodrigues Alves, ao seu lado, sendo a última missa realizada na Matriz em
01 de maio de 1955103.

Figura 12: Prédio da Agência do Correio, ainda existente, em foto sem data, provavelmente
dos anos 1930

Fonte: Museu Ferroviário Regional de Bauru.

Na mesma matéria se noticia que os alicerces da nova igreja seriam abertos


dali a poucas semanas, pois a pedra fundamental havia sido lançada em 1953.
Todavia, as obras se iniciam apenas no ano de 1957. O projeto modernista foi

102 A velha matriz está sendo demolida!. Jornal Diário de Bauru. 07 mai. 1955.
103 É difícil construir uma catedral. Jornal Correio da Noroeste. 27 ago. 1967.
BAURU EM TEMAS URBANOS 71

baseado em estudo de Joaquim Bezerra da Silva, refeito pelo engenheiro Oswaldo


Bueno, de São Paulo, no ano de 1952104. No entanto, havia situação física que
dificultaria a criação de um grande templo, a pouca profundidade do lote de 44x44
metros. Criar-se uma igreja dentro de padrões convencionais, ou seja, de nave mais
profunda que larga, em forma de retângulo, exigiria a ocupação de apenas parte do
terreno. Dessa forma o engenheiro define a construção do novo templo no mesmo
terreno onde estava o antigo. Ao seu lado direito, e não ao fundo devido à falta de
espaço, concebe a sacristia e instalações anexas. O lote quadrado seria dividido ao
meio e a nova Matriz ocuparia metade de sua área e também da testada.
Era situação inusual para um templo tão importante, onde a elevação frontal
da igreja “concorre” com setores que poderiam estar dispostos em outro local, de
forma menos visível se houvesse área para tanto, ou se o projeto tivesse buscado
outras bases formais e conceituais. Em momento futuro, a situação plástica do
conjunto pioraria, quando frontalmente às instalações anexas recuadas serão
construídas garagens para uso privativo da igreja. A fachada da Matriz, que depois se
tornaria Catedral, disputaria espaço com um abrigo de veículos! Por esse e outros
motivos a Igreja de Santa Therezinha se colocaria, desde a década de 1930, como o
principal templo Católico do centro da cidade.
A nova Matriz possui torre única à esquerda de sua face frontal, com
aproximadamente 60 metros de altura, visualizada facilmente, ao menos naquele
momento, por toda a cidade. O corpo principal é de duas águas e a entrada se dá por
escadaria a partir de uma espécie de galilé bastante alta, suportada por quatro pilares
construídos a partir de doação das comunidades de imigrantes da cidade. Não há
recuo lateral, nem aos fundos.
A igreja é de nave única, retangular, sem pilares. Percebe-se que houve
esforço em buscar o máximo possível de área livre a partir da forma estabelecida. O
altar é disposto em nicho central e o pé direito é bastante elevado, formado por laje
em duas águas suportadas por grandes vigas de concreto que lhe proporcionam
algum ritmo. O altar mor atinge os limites do passeio da Avenida Rodrigues Alves. A
iluminação natural se dá pela face da Rodrigues sobre o altar rebaixado e nas duas
laterais do templo.

104 Idem.
72

O desenho geral, que poderia representar inovação formal relevante devido à


raridade de templos modernistas na época, era, e ainda é, insosso e pouco inspirado.
A opinião do bispo parecia ser outra, conforme longa matéria do Correio da Noroeste
no ano de 1967 sobre a construção da catedral. Nela D. Vicente Marchetti Zione diz
que a aprovação do projeto havia sido dada pelo arcebispo de Botucatu, D. Henrique
Golland Trindade no ano de 1952, antes de Bauru se tornar sede de bispado, o que
ocorre em 1964 e que, ao tomar posse, encontrou a obra iniciada. A matriz, no seu
entender, era equilibrada “em estilo leve e funcional, nem pesado e carregado como
os templos antigos, nem arrojado e avançado como certas igrejas que estão surgindo
por ai”105.

Figura 13: Estrutura em concreto armado da futura Catedral do Divino Espírito Santo. Na
imagem ainda se vê parte do muro frontal da antiga Matriz neogótica

Fonte: Bauru Estudantil. Órgão Oficial da Federação Bauruense Estudantina. Edição


Comemorativa ao 61º Aniversário da Fundação do Município de Bauru 1896-1957. Bauru, Ano
II, nº. 12, p.66, ago. 1957.

105 Idem.
BAURU EM TEMAS URBANOS 73

O Jornal, por sua vez, observa que:

O estilo arquitetônico escolhido valoriza as linhas retas, em função da


busca de ampla visibilidade por parte dos fieis. A luz também foi
considerada, procurando-se a luminosidade vinda por trás do altar, e
junto do teto, sem, no entanto, trazer-se à nave a incidência direta do
sol106.

A construção durou muitos anos, houve tentativa de se realizar missas com o


templo em obras no ano de 1966, contudo partes da laje ameaçavam cair e novamente
as celebrações foram transferidas para a capela do Colégio São José, nas
proximidades107. A nova Matriz, agora Catedral devido à Bauru se tornar sede de
Bispado, só será inaugurada no final dos anos 1960, restando ainda toda a
ornamentação a ser feita.
Em 1963, na administração de Irineu Bastos108, a praça ganha banheiros ao
nível do solo, substituindo os pequenos subterrâneos, a proposta sofreu muitas
críticas da comunidade, que em parte preferia a reforma daqueles sob o solo.
Contudo, os banheiros foram edificados.
Ocorreram com o tempo, algumas intervenções nem sempre adequadas na
Rui Barbosa, como a troca das luminárias, dos bancos, a substituição do piso original
por ladrilho hidráulico e a redução de alguns canteiros, aumentando o espaço livre
junto ao coreto. A vegetação original também foi parcialmente alterada, tendo em vista
a morte de algumas espécies e o costume de não se seguir um plano paisagístico
original, deixando as decisões sobre as plantas a cargo do jardineiro do momento.
Entretanto, em linhas gerais, a praça permanecerá a mesma, com seu lago, coreto e
o aspecto geral.
Após a inauguração do Parque Vitória Regia, do Bosque da Comunidade e do
Parque Zoológico, entre o final dos anos 1970 e início de 1980, outras áreas de lazer
se colocam para os bauruenses e aos poucos a velha praça voltada apenas ao lazer
passivo e contemplativo vai sendo deixada de lado e perdendo a preferência dos
cidadãos.

106 Idem.
107 Idem.
108 BASTOS, I. A. Falcão/Independência, Nossa gente e nossa história. Bauru: Document Center

Xerox-USC, 2002, p.208.


74

A partir dos anos 1980, acompanhando a saturação e o mau cuidado com o


centro da cidade, a Rui Barbosa sofre com a falta de manutenção e de vigilância, o
que torna o espaço inseguro. A vegetação de médio porte criava zonas muito fechadas
na praça. O espaço começa a ser abandonado pelos moradores da cidade que não
mais a visitam, a diversidade social do seu público é reduzida e aos poucos vai sendo
ocupada por prostitutas, drogados e ambulantes irregulares.
Em 1991, como parte do projeto ainda em andamento do calçadão, a Rui
Barbosa foi totalmente reformada, em nome de uma alegada restauração que jamais
houve. O projeto da nova praça de autoria do Arquiteto Jurandyr Bueno Filho exigia o
corte das árvores maiores e a alegação se amparava na necessidade biológica,
ocorrido após a consulta e laudo de técnicos da área. Dizia, ainda, que o lago tinha
que ser desmanchado devido a sua destruição causada pelas raízes das mesmas
árvores109. Uma comissão de memorialistas foi formada para avaliar as intervenções,
no entanto seu papel acabou por ser o de avalizar um projeto que estava pronto e
que, a rigor, poucos entendiam. Ao redor da praça foi erguido um tapume e sobre os
trabalhos que ali estavam sendo realizados apenas alguns tiveram conhecimento.
Quando pronta, o resultado deixou a comunidade assombrada devido a
tamanha transformação e falta de vegetação. De seu conjunto original, restou apenas
o antigo e constrangido coreto perdido em meio a extensas áreas de pavimentação,
ampliadas pelo fechamento da Rua Batista de Carvalho, vegetação rala e um novo e
imenso lago com chafariz.
Um piso de mosaico em forma de passadeira esforçava-se em ligar o prédio
do Automóvel Club à Catedral, passando-se por um arco com neon, em uma tentativa
de restabelecer-se a paz perdida entre os poderes civil e religioso e as ameaças de
excomunhão coletiva, quando da destruição da primitiva capela. Membros do alto
clero e uma descendente do antigo prefeito à época da demolição foram convidados
para participar da inauguração da nova praça, no sentido de pacificar o conturbado
passado da cidade e do espaço. Contudo, qualquer exercício retórico ou teatral a fim
de justificar o resultado apresentado seria insuficiente para fundamentar a destruição

109 FERNANDES, M. M. da C. A praça matriz do desuso ao uso - Espaços públicos urbanos


dialógicos. 2013. Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo) – Faculdade de Arquitetura,
Artes e Comunicação, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP). Bauru (SP),
2013, p. 95.
BAURU EM TEMAS URBANOS 75

de um espaço que tinha todas as condições de ser restaurado e preservado conforme


suas características originais.
A memória afetiva de toda uma comunidade e seu passado tinham sido
desconsiderados, substituídos sem qualquer justificativa mais razoável, por algo de
desenho contemporâneo.
Certamente a restauração, buscando-se seu desenho original, mesmo que
por fotografias, teria sido um caminho mais razoável, bonito, barato e respeitoso para
com a comunidade bauruense que tanto amava o espaço.

Figuras 14 e 15: À esquerda, nota encontrada no Diário de Bauru em 23 de fevereiro de 1967,


junto com pequeno esboço do novo templo, apontando que na catedral deve aparecer "a
concórdia interna das mentes entre rebanho e pastor". À direita, foto atual da Catedral
mostrando o tapete de mosaico resultante da reforma da praça em 1991, e a relação entre o
templo e sua garagem na lateral

Fonte: Diário de Bauru, fev. 1967. Acervo pessoal do autor.


76

Figura 16: A nova Praça Rui Barbosa tendo ao fundo o coreto e a Catedral

Fonte: Museu Ferroviário Regional de Bauru.

O projeto implantado foi a resposta do governo municipal para corrigir


costumes considerados inadequados, que se tornavam predominantes para o espaço.
Embora a área precisasse de cuidados urgentes não seria sua completa destruição
que traria um novo uso e vigor para a praça. Certamente a questão é muito mais
complexa a exigir medidas para o entorno imediato, para o centro como um todo e na
própria praça. Outras providências estariam muito distantes do alcance de um projeto
arquitetônico ou paisagístico. São questões de ordem econômica, social e política.
Tais medidas de força e outras ligadas à demolição de obras arquitetônicas
importantes da cidade no período, ao menos tiveram como ponto positivo a criação
do CODEPAC, Conselho de Defesa do Patrimônio Cultural de Bauru, nos meados da
década de 1990110, que tentaria elencar uma série de bens históricos, arquitetônicos
e de viés cultural para preservação.

110 Assunto que será tratado a frente, em capítulo específico.


BAURU EM TEMAS URBANOS 77

A Praça Rui Barbosa, depois de terminada, ainda passou por pequenas


reformas, entre as quais uma que retirou uma parte do piso e ampliou a área de
vegetação, devido às reclamações de ausência de verde e de sombra. Contudo, o
espaço prosseguiu com os mesmos problemas anteriores, senão piores, e a cidade,
por sua vez, perdeu o seu mais emblemático espaço histórico.
78
BAURU EM TEMAS URBANOS 79

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O redor imediato do Patrimônio Religioso, constituído como limite do


perímetro urbano inicial, será o espaço ocupado pelos primeiros parcelamentos, pela
proximidade com o centro da cidade. Serão efetivados a partir dos caminhos
existentes que se dirigiam a outras cidades, fazendas e sítios, ocorrendo em todos os
quadrantes de forma radial. O impulso para essa expansão foi dado pelo aumento da
população, o alto custo para se viver na área foreira e a busca por relações diretas de
compra e venda com a transferência integral do domínio dos terrenos. Por sua vez,
os loteamentos foram lançados pelos vários empreendedores buscando compradores
de diferentes níveis sociais, conforme sua posição física em relação ao arruamento
inicial.
O Patrimônio teve sua gleba arruada de forma integral em toda a extensão,
pois seu proprietário era um só: a Igreja Católica. Já as vilas ao redor serão parceladas
pela iniciativa privada, a partir de inúmeras propriedades individuais fracionadas. Essa
é uma das características de Bauru e de tantas outras cidades formadas por
Patrimônios, o contraste entre a área inicial da cidade, de grade regular e contínua, e
as demais zonas loteadas privadamente, a posterior, que formam miríade quase
aleatória de quadrículas pouco conectadas.
Tal condicionamento também diz respeito à paisagem fluvial central da
cidade, destacando-se o Ribeirão Bauru, que recebe vários afluentes formando
discretos vales, tanto em relação à área urbana inicial, quanto naquela expandida
pelos anos: Água da Ressaca, Água da Forquilha, Águas do Sobrado, Córrego da
Grama, Córrego do Castelo, Córrego Barreirinho e Córrego Vargem Limpa pela
80

margem esquerda. Ribeirão das Flores, Córrego Água Comprida e Vargem Limpa, à
direita do Ribeirão Bauru111.
Com o tempo, nas encostas serão estabelecidos loteamentos entre os cursos
d’água. Tais vilas, formadas a partir de pequenos sítios e chácaras, geravam espaços
desconexos entre si tendo em vista a inexistência de parâmetros urbanísticos
municipais que apontassem sua agregação. Cada uma das encostas onde se
formarão as vilas possuirá relativa independência das demais, em função da ausência
de ligações físicas para a transposição dos córregos. Quando existiam passagens,
eram precárias e direcionadas ao centro da cidade, sendo que em muitas situações a
ferrovia reforçará tais barreiras naturais. Em um segundo momento, somar-se-á às
barreiras naturais e às da ferrovia, aquelas das rodovias.
Em relação ao relevo, as diferenças entre as cotas de nível na área urbana
não são expressivas, saindo dos 500 metros na região do Ribeirão Bauru e chegando
a uma máxima de 615 metros no local onde funcionará o Aero Club em trajeto de
quase quatro quilômetros em linha reta.
A primeira implantação pela Câmara, em caráter oficial, fora do Patrimônio e
dos limites urbanos, ocorre em 1908, quando é inaugurado o Cemitério da Saudade.
A obra se efetivou graças à doação da gleba por João Henrique Dix, que de forma
triste e curiosa, após se matar, acabou por ser seu primeiro ocupante. A edilidade
fechará o cemitério construído pela Igreja anteriormente à emancipação política,
considerado espaço precário que nunca chegou a receber um muro de fechamento,
apenas cerca. Agora haveria outro, laico, gerido pela Câmara Municipal, onde todos
poderiam ser enterrados sem as restrições religiosas do campo santo anterior.
A exigência de sua posição além dos limites urbanos estava expressa nos
Códigos de Posturas do período, que atendiam ao primeiro Código Sanitário Paulista
do final do século XIX. Tais determinações ainda se pautavam pela Teoria dos
Miasmas, popular a partir do século XVII, onde se acreditava que a putrefação exalava
odores fétidos que causariam doenças, por isso a distância da cidade.
Para acesso ao Cemitério da Saudade, a Rua Primeiro de Agôsto será
estendida até seu portão principal. A partir da expansão, junto à via, ocorre rápida
ocupação, não caracterizada como parcelamento, fato que, pelo visto, se sobrepôs
aos temidos e superados princípios miasmáticos. Esse talvez seja o primeiro exemplo

111 Plano Diretor de Bauru de 1996, p.10.


BAURU EM TEMAS URBANOS 81

de implantações junto às passagens abertas pela prefeitura, sem necessariamente


um plano de loteamento. Tal fato será bastante comum na cidade junto às ruas e
avenidas que se dirigirão a prédios e setores públicos relevantes, bem como a alguns
particulares também, situados à distância.
Por volta de 1918, oficializa-se a primeira vila organizada além do Patrimônio,
a Vila Falcão, em direção oeste. Essa é data de ordem legal, pois se sabe que bem
antes havia ocupação no que seria considerado o futuro bairro da Falcão.
Conforme relata Irineu Bastos a partir de dados encontrados na edição
comemorativa do Jornal Correio da Noroeste na época do cinquentenário de Bauru, a
Vila Falcão foi assim historiada:

Os terrenos em que assentava Vila Falcão, o mais populoso bairro


bauruense, eram cobertos até 1918 mais ou menos, por extenso
campo, cortado pelas estradas que conduziam à vizinha cidade de
Piratininga, à Fazenda Val de Palmas, à Fazenda Boa Vista e Santa
Luzia do Serrote ou Mirante e a chácara do Sr. Quaggio112.

Comprovação de que a ocupação da vila se deu anteriormente é a matéria do


Jornal O Bauru, de 13 de novembro de 1915, que trata da mesma, quando grupo de
moradores se manifesta contra a instalação de um curtume em suas imediações113.
A vila foi loteada por Maria Falcão Machado, após ter sido anteriormente
recebida pelo agrimensor Ismael Marinho Falcão "em pagamento dos trabalhos de
engenharia nas divisões de terras em que se figurava como técnico" 114.
O veloz crescimento da vila se deu em virtude da sede da CEFNOB ter sido
transferida da Capital Federal para Bauru, após a encampação da Companhia pela
União no ano de 1917, trazendo muitos funcionários para a cidade. Nesse momento
sua denominação será alterada para Estrada de Ferro Noroeste do Brasil, ou apenas
NOB, como será tratada daqui em diante. Aliás, a localização da base da ferrovia na
Capital Federal era incompreensível e injustificável devido ao seu quilômetro zero
situar-se na cidade de Bauru.
Diferentemente da área foreira, que possuía em seu início datas de 22x44
metros, os novos loteamentos contarão com terrenos menores, como forma de facilitar

112 BASTOS, I. A. Falcão/Independência, Nossa gente e nossa história. Bauru: Document Center
Xerox-USC, 2002, p.14.
113 Jornal O Bauru. 13 nov. 1915.
114 Idem, p. 14.
82

a venda tendo em vista a redução do custo total. As medidas também eram modulares
no sentido de perfazerem quadra de 88x88 metros e geralmente possuíam dimensões
de 11x22, 11x33 e 11x44 metros. Tais parâmetros serão utilizados na maioria dos
novos parcelamentos, buscando ampliar abrangência de compradores. Fato que se
manterá é a valorização do lote de esquina, devido à situação favorável para eventual
uso comercial.

Figura 17: Planta cadastral de Bauru, organizada por ordem da Prefeitura, 1924. Nela já se
veem fora da área do patrimônio inicial, à direita, a Vila Falcão, e à esquerda, a Vila Antárctica,
bem como o Cemitério da Saudade no prolongamento da Rua Primeiro de Agosto

Fonte: GHIRARDELLO (1992, p. 139).

Esse novo grupo de pessoas que acorre a Bauru com a mudança da sede da
NOB, chega a mudar o panorama da cidade, até mesmo em seu aspecto cultural,
fazendo da década de 1920 momento único na vida artística local.
A Vila Falcão, como novidade, possuía o fato de as terras poderem ser
compradas livremente de sua proprietária sem a interveniência da Igreja. Dessa forma
inauguram-se, com ela, as relações abertamente capitalistas na ocupação urbana de
Bauru, fato que se dará em todos os outros parcelamentos seguintes. Sua localização
será além dos cursos d'água e ferrovias, o que tornava seus lotes baratos para os
mais pobres. Contudo, mesmo ela, por causa do crescimento da cidade nos anos
BAURU EM TEMAS URBANOS 83

1920, também tem seus preços elevados: “Com o encarecimento dos terrenos e
habitações, a Villa Falcão, perto das Officinas da Noroeste, toma impulso, subindo a
dois, tres contos o valor de uma data de terra”115.
A proximidade das companhias ferroviárias fazia com que a Falcão fosse
escolhida como local de moradia para os funcionários menos qualificados das
empresas. Embora a NOB, Paulista e Sorocabana dispusessem de vilas ferroviárias
próprias, elas de forma alguma darão conta de atender ao número crescente de
funcionários. Ali residiriam apenas os mais qualificados e próximos às políticas
internas das empresas.
Com a construção das grandes oficinas da NOB, formada por vários galpões
industriais para a construção de vagões de madeira, no início da década de 1920,
outros loteamentos surgirão junto e ao redor da Vila Falcão, como a Vila Souto, para
abrigar a grande massa de operários, dessa que pode ser considerada a maior
unidade fabril da cidade até nossos dias.
Desde a implantação das ferrovias, uma característica da geografia local é
reforçada. Devido à situação dos trilhos em baixada, junto aos cursos d'água, as novas
áreas parceladas, localizadas em direção ao norte, oeste e parcialmente a leste terão
que transpor as esplanadas, os trilhos de ferro e a água, situação que por si só
desvalorizaria todos esses novos setores urbanos.
Deve-se frisar que as esplanadas das ferrovias em Bauru, especialmente a da
NOB, junto às várzeas, terá proporção maior do que em qualquer cidade do interior,
devido ao porte da Companhia. A área será sucessivamente ampliada, em particular
quando as três empresas, Sorocabana, Paulista e NOB ocuparem o mesmo prédio
central pertencente à NOB, em 1939 e todas as composições dali passarem a sair e
chegar.

115 FERRAZ, B. Cidades Vivas. São Paulo: Monteiro Lobato & Comp. Editores, 1924, p.53.
84

Figura 18: Parte das Oficinas da NOB em Bauru, imagem sem data definida

Fonte: AZEVEDO (1950, p. 241).

Os problemas de transposição de tais espaços já aparecem relatados nas


atas de Câmara no ano de 1908, quando os construtores da ponte da Rua Jorge
Tibiriçá, sobre o Córrego das Flores em direção à futura Vila Antárctica, pedem a
suplementação dos recursos para a conclusão da mesma116.
Os jornais também são meios de reclamação habituais a partir da segunda
década do século XX, onde ficam estampadas as reivindicações dos moradores em
relação à inexistência de conexões ou a respeito das péssimas passagens por pontes
improvisadas de madeira, as chamadas "pinguelas", muito inseguras e repetidamente
levadas pelas chuvas fortes.
O segundo parcelamento formado além do Patrimônio será a Vila Antárctica,
em direção ao leste, formado entre os anos 1919 e 1922, às margens dos trilhos da
Paulista. Tornar-se-á a primeira zona industrial da cidade, de forma paulatina nas
próximas décadas, reforço dado pela lei de 1916 que isenta as empresas de impostos
municipais por cinco anos117. A proximidade da água e da ferrovia, que eventualmente

116
Atas de Câmara de Bauru. 19 set. 1908.
117GHIRARDELLO, N. Aspectos do Direcionamento urbano de Bauru. 1992. 196 f. Dissertação
(Mestrado em Arquitetura) – Escola de Engenharia de São Carlos, Universidade de São Paulo. São
Carlos (SP), 1992, p. 120.
BAURU EM TEMAS URBANOS 85

criava pequenos ramais até a área de produção das unidades fabris, e terras de baixo
custo, favorecerão as grandes construções industriais.
O nome do bairro vem justamente da primeira fábrica ali instalada na década
de 1920. Posteriormente são estabelecidas as Indústrias Reunidas Francisco
Matarazzo, depois a Anderson Clayton, na década de 1930 e, por último, a Tilibra. A
partir da Antárctica outras vilas se formarão seguindo-se a estrada para Pederneiras
como indução, entre as quais Vila Cardia, das Flores e Santo Antônio.
A ligação da Vila Antárctica com o Patrimônio se fazia pela antiga Rua Tupy,
atual Marcondes Salgado, que transpondo o Córrego das Flores, daria acesso a esse
setor manufatureiro e fabril. Tal via era caminho para Pederneiras e talvez por esse
motivo tenha recebido rápida ocupação.
Também na região seria implantado, no ano de 1927, o Quarto Batalhão de
Polícia Militar do Interior, na época denominado de Quarto Batalhão de Caçadores. O
agrupamento cuidaria da manutenção da ordem na cidade e em toda a região
Noroeste e Central do Estado, se defrontando, principalmente, com problemas
voltados às disputas pela terra e grilagem.
Com usos assemelhados ao da Vila Antárctica, se encontrará o setor do
Patrimônio situado entre a linha da Companhia Paulista, Córrego das Flores e o
Ribeirão Bauru, área segregada pela empresa que fechou diversas vias com seus
trilhos118. A zona, que forma um desenho triangular, situada em baixada e sujeita a
alagamento, conterá datas a preços módicos e se prestará à construção de galpões
de beneficiamento e manufaturas. A única via que fugirá desse tipo de ocupação será
a Rua Araújo Leite, em função do pontilhão ali implantado pela Paulista, que a
manteve como eixo de relevo.
A Villa Bella, em direção ao norte, possui referências desde 1925 quando
podem ser vistas no Diário da Noroeste propagandas de seu lançamento. Os pontos
de destaque do anúncio diziam respeito ao fato de estar próxima às oficinas da
Noroeste119, bem como possuir lotes que poderiam ser pagos à prestação.
Também a Vila Seabra, ao norte, na baixada onde a Rua Araújo Leite se
iniciou, já havia sido criada pelo coronel Alves Seabra. No ano de 1927, contava com
trinta e cinco habitações, estando cinco em construção120.

118 Tal assunto foi trabalhado no Capítulo 1.


119 Jornal Diário da Noroeste. 02 ago. 1925.
120 Jornal Diário da Noroeste. 20 fev. 1927.
86

No mesmo período, encontram-se anúncios da Villa Souto, nas proximidades


da Vila Falcão, propriedade do senhor Antônio Silva Souto, apontando que o preço a
ser pago mensalmente estava "ao alcance de todos os operários podendo desde já
edificar a vontade"121 e lembrando que o bairro é cortado pela estrada de automóvel.
Ao sul do Patrimônio, a Villa Santa Clara é anunciada em 1927122 e
considerada pelos seus loteadores como situada no melhor ponto da cidade, ao lado
do novo e definitivo prédio da Santa Casa de Misericórdia, inaugurado em 1913, a
partir de doação de três alqueires de terras pelo agrimensor Luiz Gonzaga Falcão123.
No mesmo setor, forma-se a Villa Santa Thereza registrada em 1938, embora
com lotes vendidos a partir de 1925124; nas suas proximidades também será
construída a sede definitiva da Beneficência Portuguesa, inaugurada em 1928. O
parcelamento da Villa Santa Thereza ainda contará com terrenos de dimensões
aproximadas às do Patrimônio Religioso, como informa a Certidão de Registro:

Figura 19: Planta de Bauru, 1930. Nele já se encontram vários bairros ao redor do núcleo
formador da cidade

Fonte: GHIRARDELLO (1992, p. 162).

121 Jornal Diário da Noroeste. 03 abr. 1927.


122 Idem.
123 PAIVA, C. F. de. Complemento as Narrativas sintéticas dos fatos que motivaram a fundação

de Bauru. Bauru: Conselho Municipal de Educação de Bauru, 1977, p. 112.


124 Sobre tal assunto ver Capítulo 4: A Zona Sul.
BAURU EM TEMAS URBANOS 87

Os lotes, também chamados datas de terrenos, são normalmente, de


22 metros de frente, por 44 metros da frente aos fundos, havendo
ainda lotes com aquela frente por 33 metros da frente aos fundos, e
isso para dividir o quarteirão em dez lotes, oito com essa metragem e
dois com a metragem antiga o normal125.

Esse será um dos loteamentos aonde seu proprietário irá, futuramente, fazer
reloteamento de quadras no sentido de dispor terrenos de dimensões menores,
variadas e voltados a todas as ruas ao redor, no sentido de facilitar a venda.
Pode-se dizer que antigas estradas que iam para as cidades vizinhas foram
fatores de indução na criação de novos bairros, como ocorreu em relação à Vila
Antárctica. Constantino (2008)126 nos esclarece sobre estradas que se tornaram vias
urbanas, como a Rua Floresta, antigo caminho para Iacanga; Rua Salvador Filardi que
se dirigia para Duartina e Avenida Elias Miguel Maluf no rumo da Fazenda Val de
Palmas.
Nesse momento, as estradas de terra, longe de representarem obstáculo à
expansão urbana, agregavam às suas margens algum tipo de comércio e serviços
esparsos que, com o passar do tempo, se integrariam aos loteamentos lançados em
suas cercanias. Ou seja, de início eram fatores de atração e de indução de
crescimento. Sua preexistência se manifesta nos novos parcelamentos sob forma de
vias que fogem ao traçado reticulado, por vezes cortando-o com um desenho diverso.
Com isso pode-se deduzir que nesses caminhos já havia algum tipo de construção
precedente, absorvida pelo novo parcelamento devido aos interesses ali já
estabelecidos.

125 BAURU. Certidão de Registro da Villa Santa Thereza. Secretaria de Planejamento (SEPLAN).
Prefeitura Municipal de Bauru.
126 CONSTANTINO, N. R. T. A construção da paisagem dos fundos de vale em Bauru. In: FONTES, S.

G. C.; GHIRARDELLO, N. Olhares sobre Bauru. Bauru: Canal 6, 2008, p.25.


88

Figura 20: Os primeiros loteamentos fora do Patrimônio Religioso, particularmente aqueles


destinados à população de maior poder aquisitivo também dispunham de apenas oito datas
voltadas para duas vias. Contudo, aos poucos, passarão a contar com outro desenho, tendo
a quadra lotes com dimensões variadas, para todos os gostos e bolsos. Detalhe do
Reloteamento da quadra 27 da Vila Santa Thereza

Fonte: Certidão de Registro da Villa Santa Thereza. Arquivo SEPLAN, Prefeitura Municipal de
Bauru.

O Jornal Correio da Noroeste do ano de 1936, traz reclamações a respeito da


estreita ponte da rua Araújo Leite em direção ao norte da cidade, sugerindo sua
duplicação. A matéria nos oferece duas condições importantes que devemos
considerar para a ocupação das áreas além do Patrimônio: a relevância do dispositivo
de passagem sobre os trilhos e cursos d'água e as velhas estradas que saíam da
cidade, depois transformadas em vias principais dos novos loteamentos. No Jornal é
informado que a referida ponte é passagem obrigatória do "auto-omnibus" para
Iacanga, Quilombo, Avai, Val de Palmas, além de caminhões e automóveis que vão
BAURU EM TEMAS URBANOS 89

para a Zona Noroeste Paulista: “Por ali transitam dia e noite, os moradores das duas
villas situadas além do córrego "Bauru" a Villa Seabra e a Villa Formosa”127.
A infraestrutura de água, esgoto, energia elétrica e telefone da cidade,
bastante deficiente, obviamente não acompanhava tamanha expansão. O processo
se inicia a partir de capitais locais que formam empresas amadoras, sem qualquer
condição técnica e raramente prestarão serviços condignos. Eram viabilizadas apenas
para lucrar rapidamente e, sem exceção, recebiam reclamações da população. As
empresas rapidamente mudavam de mãos, seja devido à troca do poder político, seja
por conta de pressões devido aos maus serviços ou mesmo por “quebrarem”. Aos
poucos são formadas empresas maiores, um pouco mais profissionais, que absorvem
as pequenas das diversas cidades, possibilitando integração dos sistemas, em
particular quanto à energia elétrica.
Ainda no início da década de 1920, a empresa de eletricidade local, chamada
Empresa de Eletricidade de Bauru, será comprada pela Companhia Paulista de Força
e Luz surgida em 1912, e adquirida em 1927 pela American & Foreign Power (Amforp)
até 1964, quando passa para o sistema Eletrobrás128.
Os telefones, desde 1910, quando se iniciam os serviços na cidade, estavam
a cargo da Empreza Telephonica Bauruense que, após alguns anos, é incorporada
pela Cia. de Eletricidade de Bauru, saindo a posterior da esfera das pequenas
sociedades municipais para a Companhia Telefônica Brasileira, originalmente
Brazilian Telephone Company, de capital canadense, em processo de concentração
das outrora pequenas empresas transformadas em gigantes de seu ramo.
A partir do início dos anos 1920 os serviços de água e esgoto, implantados na
década anterior pelo Engenheiro Saint Martin da NOB, através da Companhia Água e
Esgotos de Bauru, são arrendados à Empresa Barros, Oliva e Cia. Ltda., que também
geria o sistema em Corumbá, no atual Mato Grosso do Sul. Entretanto, os trabalhos
continuam tão deficientes quanto antes e recebem repetidos protestos da população.
Em 1927, a Câmara Municipal autoriza a Prefeitura a encampar os serviços 129, porém,
faltavam os recursos para tanto. Foi apenas na gestão de Ernesto Monte que vieram

127 Jornal Correio da Noroeste. 20 set. 1936.


128 Quem somos. CPFL energia, 2020. Disponível em: <https://www.cpfl.com.br/institucional/quem-
somos/nossa-historia/Paginas/default.aspx>.
129 GULINELLI, E. L. O saneamento e as águas de Bauru: Uma perspectiva histórica (1896-1940).

Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo) – Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação,


Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP). Bauru (SP), 2016, p. 139.
90

fundos do governo de Ademar de Barros para gerir o sistema pela municipalidade e


permitir a captação junto ao Rio Batalha, abandonando a anterior no Córrego da
Vargem Limpa. Nesse momento, em 1942, é inaugurada a grande Estação de
Tratamento de Água (ETA), no final da Avenida das Mangueiras, atual Avenida
Comendador da Silva Martha130, melhorando sensivelmente a distribuição e a
qualidade da água local, mas sem atingir todos os setores da cidade.
Em 1962 os serviços de água e esgoto passam para o Departamento de Água
e Esgoto (DAE)131, que inicialmente é apenas um setor da Prefeitura e, mais adiante,
torna-se definitivamente autarquia. O DAE iniciará o processo de exploração de poços
profundos no final da década de 1960, aproveitando-se do Aquífero Guarani, sendo
atualmente computados 34 deles na cidade. No início dos anos 1970 é inaugurada a
nova Estação de Captação e Tratamento de Água do Rio Batalha, que funciona até
hoje e atende 38% dos moradores de Bauru132.
A falta de água potável será grande problema local, por muitos anos a cidade
será servida por particulares que venderão água trazida das nascentes pelas ruas de
Bauru. Utilizavam carreta puxada por burros, dotada de grande pipa e torneira, onde
o líquido era vendido por litro ou lata. A mais procurada ficou conhecida como “Águas
da Fonte Santa Lila”. Por ser bom negócio, outras apareceram como a “Fonte de Santa
Terezinha” e “Fonte de Santa Cecília”133. Devido à persistência de sua escassez,
poços artesianos são abertos pela Prefeitura e também por empresas e clubes. Foram
famosas as fontes de água potável disponibilizadas pelo Bauru Atlético Clube; Esporte
Clube Noroeste; Anderson Clayton; Faculdade de Odontologia; Universidade do
Sagrado Coração, etc.
Elemento fundamental que teve também como consequência dar rumo ao
crescimento urbano em Bauru, foi à linha ferroviária, melhor seria dizer, as linhas
ferroviárias. Não obstante os trilhos e também os pátios dividirem marcadamente
setores urbanos, o fato é que muitos parcelamentos foram criados às suas margens,
mesmo com a sabida dificuldade e improbabilidade de agregarem-se loteamentos em
bordas opostas.

130 Idem, p. 158 a 160.


131 BAURU. Lei 1.006, de 24 de Dezembro de 1962, regulamentada por Decreto 760 de 13 de Março
de 1963.
132 História do Abastecimento de Água de Bauru. Dae Bauru, 2020. Disponível em:
<http://www.daebauru.sp.gov.br/2014/empresa/empresa.php?secao=historia&pagina=8>.
133 PAIVA, C. F. Complemento as narrativas sintéticas dos fatos que motivaram a fundação de

Bauru. Bauru: Conselho Municipal de Educação de Bauru, 1977, p. 56 e 57.


BAURU EM TEMAS URBANOS 91

Se analisarmos a planta urbana da Cidade de Bauru de 1940 perceberemos


claramente como isso é um fato, pois boa parte dos loteamentos populares estará
situada ao longo dos trilhos e podemos afirmar, encontram-se separados por eles.
A partir dos meados dos anos 1930, acham-se matérias nos jornais
reconhecendo o contínuo e visível processo de "esgarçamento" do tecido urbano.
Ocorre que as notícias não vão ao sentido de apontar a situação como problema em
si, mas de assinalar que a solução para acesso aos bairros distantes seria o transporte
público:

Todavia, dada a não pequena população da cidade e a circunstancia


de ser ella espalhada, por muitas e populosas villas situadas além do
perímetro urbano, villas essas que, dia-a-dia, se vão distendendo mais
e mais, quer-nos dizer que uma linha de auto-omnibus dentro da
cidade e arrabaldes não daria prejuizo134.

O processo de parcelamento urbano indiscriminado em Bauru inicia-se muito


precocemente por efeito de algumas condições como a baixa qualidade da terra
arenosa para plantio, o crescimento populacional, o alto custo das datas no Patrimônio
e a liberalidade das leis que permitiam os loteamentos "apenas no papel".
Os litígios envolvendo as propriedades rurais no entorno da cidade também
atuarão no sentido do rápido parcelamento urbano. As disputas judiciais em uma área
do Estado onde as escrituras haviam sido registradas nas Capelas, parte das vezes
com documentação de difícil comprovação, transformaram a zona em palco de
demandas relativas à terra. Não era rara a situação onde um dos demandantes
parcelava a área, em tese de sua propriedade, no sentido de auferir ganhos, antes
mesmo da decisão judicial que poderia não ser favorável. A gleba era dividida e
vendida em lotes para ocupação urbana. O processo era correlato ao que ocorria na
divisão de propriedades rurais para colonato, em terras também irregulares, a partir
da venda e do assentamento de centenas de famílias. Qualquer decisão judicial, de
direito, não teria mais qualquer sentido, tornando-se a situação dada em situação, de
fato, sem condições de reversão. Nos loteamentos urbanos se dava metodologia
semelhante.
Percebe-se pela documentação que os parcelamentos iam sendo lançados
conforme os interesses dos proprietários das glebas e a demanda do mercado.

134 Jornal Correio da Noroeste. 22 set. 1936.


92

Entretanto, sua anexação à área urbana ocorria quando a ocupação das vilas
alcançasse número significativo de pessoas. É o que sucede com as Vilas Seabra,
Jardim Bela Vista, Camargo, Santa Thereza Vieira, Gimenez, Ascensão, Bom Jesus,
Bela, Formosa, Chácara das Flores e Chácara Noroeste que possuíam moradores já
no final dos anos 1920, contudo são incorporadas ao Patrimônio apenas com a Lei
Municipal n°. 74, de 1937135. Interessante observar que a lei aponta, em seu Artigo 1°,
que a anexação ocorria ao mesmo tempo em que ficavam “aprovadas as plantas” das
vilas, o que significa que a autorização municipal para sua comercialização não havia
ocorrido anteriormente, mesmo que já estivessem parcialmente povoadas.
A ausência de exigências legais relativas às contrapartidas de infraestrutura
mínima impulsionou a conversão dos alqueires de fazendas, sítios e chácaras em
metros quadrados de loteamentos, tornando-o negócio bastante rentável. Frise-se que
tais parcelamentos não precisavam estar situados, necessariamente, dentro do
perímetro urbano. Poderiam ser estabelecidos fora de tais limites com todas as
características e dimensões de quadras e lotes urbanos, pois não havia lei que
impedisse tal situação.
Também era desnecessária a implantação de equipamentos urbanos,
comunitários ou espaços livres de uso público, como se exige atualmente. Quando
muito as vias eram consideradas "áreas de doação". Por vezes uma praça constava
de projeto, no sentido de valorizar o parcelamento, contudo, ao menos até 1947, como
veremos adiante, sob livre arbítrio do loteador.
Bastava um engenheiro ou topógrafo desenhar o bairro que seria formado por
ruas, quadras e lotes para o mesmo poder ser vendido. Nem sempre o registro em
cartório era no mesmo período, conforme se pode observar na Vila Antárctica,
registrada apenas no ano de 1938136 e considerada existente desde o final da segunda
década do século XX.
O impacto ambiental das implantações era fator totalmente desconsiderado:
a mata original era derrubada, especialmente em parcelamentos mais próximos ao
Patrimônio. Se a gleba estivesse às margens de cursos d’água, os traçados dos
loteamentos chegariam até seus limites. Aspecto absolutamente desconsiderado era
o das várias nascentes, ou olhos d’água, que em sua somatória formavam os

135 BAURU. Lei n°. 74 de 23 de junho de 1937, anexando ao patrimônio municipal as ruas de diversas
Villas.
136 Registro da Vila Antárctica. Cópia arquivada na DEPLAN.
BAURU EM TEMAS URBANOS 93

córregos, nunca demarcadas pelos empreendedores e também loteadas, ficando


correntemente dentro de terrenos. Tal situação nem sempre era percebida na
aquisição, pois não se encontram apenas fontes perenes, as mesmas podem ser
também intermitentes ou temporárias. No momento de construir os adquirentes
constatavam o solo encharcado e como medida para se “resolver” a questão de forma
barata, as minas costumavam ser aterradas, ou quando muito, tubuladas até a rua,
causando problemas pontuais para a obra e gerais para a rede hídrica da cidade, com
reflexos até nossos dias.
Pode-se dizer que era um processo de negação das águas urbanas,
consideradas incômodo à cidade e a seus moradores, mesmo que todos precisem
dela para sobreviver. Não se trata, certamente, de procedimento do século XX, mas
advindo de um passado colonial onde os lotes davam fundos para os cursos d’água.
Apenas rios maiores e que devido a sua dimensão se impunham, inegavelmente, ao
sitio da urbe, eram respeitados e, mesmo assim, parcialmente.
Para elaborarem-se as plantas dos parcelamentos a topografia raramente era
considerada, optando-se pela retícula mesmo em áreas com desníveis mais
relevantes, quando poderia ser buscado desenho mais coerente com o sítio.
O traçado habitualmente atendia aos interesses do proprietário e a quadrícula
obedecia a uma das poucas exigências das Posturas Municipais, entretanto, o
direcionamento das ruas dizia respeito apenas à gleba a se lotear. O entorno, estando
loteado ou não, raramente era considerado, e o parcelamento era visto apenas a partir
de seu próprio prisma buscando aproveitamento máximo da área. O resultado
seguidamente ia ao sentido da desconexão entre as várias vilas criadas e seus
vizinhos imediatos.
Em seu trabalho sobre a construção da paisagem de fundos de vale na cidade
de Bauru, Norma Constantino (2005) nos fala sobre alguns aspectos relevantes dos
parcelamentos da cidade, todos advindos das antigas fazendas iniciais:

A principal característica observado é a de que cada fragmento da


gleba maior,terá seu desenho em malha de xadrez justaposto ao
existente. Nos mapas pode-se observar que os loteamentos
acontecem em glebas não contiguas, havendo um acerto entre
ângulos e traçados, tendo engenheiros ou agrimensores como
responsáveis técnicos. Foi constatado também que o poder público
94

municipal não teve controle sobre esta expansão, por serem


submetidos à aprovação após estarem implantados137.

A autora constata algo importante, também, que é o fato de os loteamentos


serem implantados, ou melhor, vendidos, e só após aprovados. Acrescentaríamos
que, ao menos até o final da década de 1930, os registros em cartório serão mais
tardios ainda. Quando comparamos às notícias de jornais que tratam dos lançamentos
de parcelamentos, vemos que as datas não coincidem com a documentação de
registro, sempre posteriores.
O Plano Diretor elaborado pelo CPEU/USP em 1967 aponta claramente essa
e outras questões:

Os loteamentos de Bauru, contornando toda cidade, comprometem a


paisagem provocando erosões e, sobretudo a futura utilização do solo
segundo as necessidades do desenvolvimento da cidade. O seu
caótico traçado (veja-se os arredores da Bela Vista) não respeita
sequer as curvas de nível do terreno quanto mais uma possibilidade
de extensão racional dos serviços públicos no futuro138.

137 CONSTANTINO, N. R. T. A construção da paisagem de fundos de vale: o caso de Bauru. 2005.


Tese (Doutorado em Arquitetura e Urbanismo) – Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade
de São Paulo. São Paulo (SP), 2005, p.31.
138 Plano Diretor de Bauru de 1967, elaborado pelo CEPEU/USP, p. II.30.
BAURU EM TEMAS URBANOS 95

Figura 21: Vista aérea de Bauru, provavelmente do final da década de 1940. À direita parte
do Jardim Bela Vista e ao fundo a baixada da Vila Falcão. A região com maior número de
construções é o centro da cidade e em direção ao alto da imagem a ocupação ao sul, os Altos
da Cidade

Fonte: AZEVEDO (1950, p. 144) (Imagem atribuída pelo autor ao Diretório Regional de
Geografia de São Paulo).

Em muitas ocasiões, loteava-se parcela da área disponível, a mais distante,


como forma de valorizar-se aquela mais próxima da região ocupada anteriormente.
Vias de acesso que seriam obrigatoriamente criadas pela Prefeitura, linhas de ônibus
e toda uma nova infraestrutura implantada, sempre pelo poder público, viriam a
valorizar a área deixada como estoque. Tais parcelamentos seriam ocupados aos
poucos resultando em densidade rarefeita.
Novamente, o mesmo Plano do CPEU/USP de 1967 levanta a questão:

Isto se constitui no grande desafio ao poder publico bauruense, não


só pela enorme área como pelo oneroso processo de ocupação que
impõe. A ocupação desordenada e de baixa densidade se evidencia
no grande numero de quadras contando apenas com até 5 residências
96

que os serviços públicos devem atender onde quer que se


encontrem139.

Os interessados compravam o lote através da planta do loteamento que nem


sempre era aberto fisicamente quando distante. Entretanto, alguns parcelamentos
eram implantados no sítio a partir do corte da mata onde seriam traçadas as vias de
terra, sendo os lotes demarcados por estacas. Contudo, situações assim
permaneciam por pouco tempo durante o lançamento e a venda inicial do
empreendimento. Em áreas remotas, a mata logo crescia, as estacas se perdiam e
rapidamente a paisagem natural anterior se reconstituía.
Para eventualmente erguer a construção da moradia, o adquirente, como
forma de poupar recursos financeiros, salvava seu dinheiro da inflação deixando-o à
espera de futura valorização imobiliária, que, certamente, com o passar do tempo,
ocorreria. O fato de boa parte dos loteamentos situarem-se fora da zona urbana não
trazia nem despesas de IPTU aos seus compradores.
Nesse processo, deve-se frisar que o Decreto Lei nº. 4.598 de 20 de agosto
de 1942, popularmente conhecido como “Lei do Inquilinato" e as normas sucessivas
sobre o assunto, de profundo caráter populista, foram fatores importantes para a
expansão dos loteamentos urbanos. Durante a Segunda Guerra Mundial,
vislumbrando a possibilidade de redução drástica na produção privada de unidades
para aluguel, o governo cria a lei no sentido de controlar e evitar o despejo e o aumento
abusivo de preços na locação. Teve efeito positivo para aqueles que já possuíam
contrato em vigor, mas desacelerou o interesse dos proprietários rentistas que tiveram
seu retorno financeiro reduzido, além de criar inúmeros obstáculos e dificuldade para
eventuais desocupações. O resultado foi a escassez de unidades para locação e alta
de preços para aqueles que procuravam imóveis.

139 Idem, p. II.30.


BAURU EM TEMAS URBANOS 97

Figura 22: Mapa de Bauru, 1940. Notar a relação entre linhas ferroviárias e parcelamentos

Fonte: GHIRARDELLO (1992, p. 173).


98

A resposta dos investidores em Bauru foi a inversão dos capitais antes


destinados às atividades rentistas no parcelamento da terra urbana feita de forma
praticamente livre, ao contrário das excessivamente regulamentada Lei de Inquilinato.
O lançamento em escala e de forma indiscriminada de loteamentos rebaixaria o preço
dos terrenos para os eventuais compradores. Esses poderiam sonhar com a
construção, mesmo que futura, da casa própria, em contraste com os valores em
elevação dos imóveis de aluguel, cada vez mais raros e caros.
Nesse aspecto, a compra do terreno e a autoconstrução também tiveram seu
importante papel, conforme mostra Raquel Rolnik em relação à cidade de São Paulo,
“O impulso da autoconstrução na periferia no pós-guerra ganhou mais vigor com o
estabelecimento, pelo governo federal, em 1942, de uma nova lei do inquilinato”140.
A autora também aponta que a Lei do Inquilinato, além de reduzir
consideravelmente a construção para aluguel, propiciou o aparecimento das primeiras
favelas na capital paulista.
Em Bauru, guardadas as escalas, o processo não foi diferente, optando o
trabalhador pela compra do terreno distante e a construção paulatina e, por muitas
vezes, por ele próprio, de sua moradia. Se antes alugava imóvel em área mais central,
passará a viver distante. Ganhará dependência do deficiente transporte público
iniciado em Bauru, em 1939, pela Empresa de Alexandre Quaggio. Deve-se ressaltar
que o crescimento populacional do Município, entre as décadas de 1940 a 1990, foi
de 4,7 vezes, ao passo que a população rural diminuiu 3,96 vezes e a urbana cresceu
7,79 vezes141, representando imensa demanda sobre a moradia na cidade.
Dez anos após a criação da Empresa Circular da Cidade de Bauru, de
Alexandre Quaggio, já havia cinco itinerários de ônibus circulares que tentavam atingir
os setores mais povoados, sem, entretanto, dar conta da grande dispersão
populacional. Um deles servindo basicamente à área central; outro em direção ao sul
com destino aos Altos da Cidade, chegando até a Avenida Duque de Caxias; outro
para a Vila Cardia, à leste; um com rota para a Vila Falcão, à oeste e; outro para a
Bela Vista e Seabra, ao norte. Todos com trajeto radial do centro da cidade para os
bairros e circulação principiada por volta das 6 horas da manhã até às 23 horas142.

140 ROLNIK, R. A cidade e a lei: legislação, política urbana e territórios na cidade de São Paulo. São
Paulo: Nobel, FAPESP, 2003, p. 203.
141 Plano Diretor de Bauru de 1996, p.17.
142 Guia Bauruense. Publicação Anual, Setembro de 1949, p. 70 e 71, Acervo do NUPHIS.
BAURU EM TEMAS URBANOS 99

Em 1953, durante o aniversário da cidade, nova alcunha vai ser dada para
Bauru "Cidade Sem Limites", que passou a substituir a "Capital da Terra Branca".
Conforme Losnak (2004), ela foi criada pelo jornalista Euzébio de Carvalho em poema
publicado no Diário de Bauru. Seu autor, depois de muitos anos, relatou que o
cognome surgiu em função do “crescimento desordenado dos núcleos populares, pois
Bauru possuía muitas vilas nos lugares mais extremos da cidade"143. O epíteto, assim
como o anterior, refletia claramente a situação real observada por todos os moradores
independentemente de sua formação.
Para as classes menos privilegiadas, ou mesmo investidores, serão criados
diversos loteamentos populares em áreas sem qualquer infraestrutura urbana e
voltadas à investimentos a médio e longo prazo. É o caso do Parque Bauru e do
Jardim Carolina, vendidos pela Morato Investimentos Imobiliários e lançados nos anos
1950. Entre as dezenas de adquirentes do Loteamento Parque Bauru, por exemplo,
divulgada juntamente com a propaganda dos bairros no jornal Folha do Povo, grande
parte é formada por moradores de São Paulo e outras localidades do interior 144,
atestando que a compra de terrenos na cidade era também investimento para
preservação de capital diante da inflação e não para construção imediata.
Dessa maneira, nos dias atuais, ainda existem no solo urbano áreas loteadas
nos anos 1950 que estão sendo ocupadas, mais de 70 anos depois, como as Vilas
Aviação A e B, Jardim Santos Dumont, Jardim Mary, na zona sul da cidade. O Plano
Diretor de 1996 apontava o mesmo em relação a parcelamentos como: Santa
Edwirges, Parque Jaraguá, Jardim Carolina, Parque Bauru, Vila Santa Rosa, Parque
Vista Alegre, Parque Giansante, Vila São Paulo145 e outros. Vários deles só serão
abrangidos pelo perímetro urbano muito posteriormente a sua criação, com a Lei nº.
2.118/79146.
A rigor, percebe-se que os parcelamentos em direção ao Norte, Noroeste e
Sudoeste ocorreram de forma livre após a travessia dos cursos d'água e ferrovias e
se contiveram apenas onde as declividades do terreno começam a se acentuar.
Ocorre que a grande totalidade da área urbana da cidade está situada em declividades
que vão de 0 a 12%, consideradas relativamente planas, conforme a Carta Geotécnica

143 LOSNAK, C. J. Polifonia Urbana. Bauru: EDUSC, 2004, p.71.


144 Jornal Folha do Povo. 30 jan. 1955. Museu Ferroviário Regional de Bauru.
145 Plano Diretor de Bauru de 1996, p. 32.
146 Idem, p. 32.
100

de Bauru elaborada pelo IPT147. Contudo, nas zonas apontadas acima até os limites
do município, as inclinações sobem para 20% ou mais, sendo também bastante
erosivo, o que ajuda a explicar, em parte, a ausência de parcelamentos nesses
setores. Por outro lado, as regiões nordeste, leste, sudoeste e sul, até às divisas com
as cidades vizinhas, conservam extensas áreas fora dos limites urbanos com
declividade de 0 a 12%.
Outro aspecto a se considerar é a ocupação radial da cidade, sempre a partir
do centro em direção aos bairros. O desenho do sistema de transportes públicos
reflete essa situação, com a passagem obrigatória de quase todos os itinerários pela
Avenida Rodrigues Alves. A criação das novas vias se deu do centro em direção às
ocupações urbanas ao redor do Patrimônio inicial a cidade. A ligação entre os bairros,
por sua vez, tornou-se um problema secundário a ser resolvido posteriormente.
Certamente a urbanização "livre e espontânea” da cidade, definida pelo mercado de
terras e sua evolução a partir do relevo e das antigas estradas que iam para as cidades
e fazendas vizinhas, ajudam a explicar seu desenho radial.
Salienta-se que o processo de parcelamento pelo mercado está longe de ser
apenas local, ocorreu na maioria das cidades brasileiras e em cada uma delas com
suas características próprias em função do relevo, desenho urbano, ferrovias,
rodovias e outras características locais, mas, particularmente, devido à frouxidão ou à
inexistência de leis específicas sobre a divisão do solo urbano. Tais normas
começarão a aparecer apenas no final da década de 1970, como a Lei Federal nº.
6.766 de dezembro de 1979, que trata do parcelamento do solo urbano e define
porcentagem de áreas públicas, infraestrutura mínima a ser implantado pelo loteador,
preceito conhecido como Lei Lehmann. Esta logo será acompanhada em Bauru pela
Lei Municipal 2.339/82 - Normas para Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo, que
passou a exigir algumas contrapartidas dos loteadores148.
A legislação mais severa relativa aos parcelamentos urbanos, a partir da
década de 1980, melhorou as condições de habitabilidade e retirou do poder público
parte do ônus que recaía sobre ele na implantação da infraestrutura. Entretanto, todos
os serviços implantados pela iniciativa privada tinham o custo repassado
inevitavelmente ao comprador. Dessa forma, paradoxalmente, os preços dos terrenos
dos novos loteamentos, mesmo aqueles em regiões menos valorizadas, cresceram

147 Idem, p. 135 e seguintes.


148 Sobre tal assunto ver Capítulo 9: Legislações Urbanas e Planos Diretores.
BAURU EM TEMAS URBANOS 101

de forma exponencial retirando da população de baixa renda a possibilidade de


adquirir um lote.
A saída para os mais pobres foi a compra da moradia financiada em conjuntos
habitacionais, ou mais recentemente das edificações erguidas e financiadas pelo
Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV). A aquisição de terreno para construção
tem ficado cada vez mais cara e muitos tentam se valer do estoque de terras loteadas
décadas atrás, sem qualquer infraestrutura.
102
BAURU EM TEMAS URBANOS 103





A Zona Sul foi o único setor que não possuiu qualquer obstáculo relacionado
à paisagem natural para a sua expansão ilimitada, a partir do Patrimônio Religioso
que constituiu o início da cidade. Não havia cursos d'água, topografia acidentada,
trilhos ferroviários ou qualquer outro impedimento físico, o qual ocorrerá apenas
muitos anos depois e em situação longínqua, com a Rodovia Bauru-Ipaussu (SP-225).
Diante de topografia levemente ascendente em continuidade com a do centro,
se desenvolverão os parcelamentos destinados às classes mais altas da cidade.
Ainda devido a essa continuidade, a maioria dos novos loteamentos possuirá o
mesmo tipo de malha do centro urbano, seguindo o traçado da área inicial do
Patrimônio.
Esse é o motivo principal que explica historicamente a valorização imobiliária
do sul de Bauru e não como se supõe, de forma geral e equivocada, que "o sul", por
si só, é fator de atração para as zonas nobres das cidades em geral. Tal situação é
explicada pela história, usos, topografia e características de cada um dos espaços
urbanos e não condição posta e determinante, como frequentemente se ouve.
Os investimentos, tanto os privados como os públicos, ocorrerão a partir dos
anos 1920 e de forma sequencial, levando para o sul as construções mais importantes,
públicas e privadas, aproveitando-se ainda da situação mais alta, ventilada e salubre
da região, naturalmente mais desejada e valorizada.
Nessa zona será construída a Beneficência Portuguesa, com projeto
neocolonial de Ricardo Severo, em 1925; o Externato e depois Colégio São José
destinado às filhas das elites na década de 1920; o Colégio Guedes de Azevedo,
criado em 1925 na Batista de Carvalho, que transfere sua sede para grande prédio na
Rua Antônio Alves.
104

Ainda nos Altos da Cidade, será desapropriada pela municipalidade uma


quadra para ser destinada à praça, para tanto a Câmara formou comissão no ano de
1923, no sentido de buscar espaço para a nova área verde. Suas conclusões sobre o
local escolhido, uma quadra de 88x88 metros, entre as ruas Treze de Maio, Sete de
Setembro, Piratininga (atual Virgílio Malta) e Quinze de Novembro, onde havia uma
única edificação, foram aprovadas no mesmo dia da manifestação,

considerando que a Praça Rui Barbosa, atualmente o único logradouro


publico já é insuficiente para a população crescente da cidade,
considerando que a população exige mais uma praça e esta deve ser
escolhida de modo a atender os reclames dos moradores da parte alta
da cidade, cujo desenvolvimento e população são notáveis149.

A Praça é efetivada legalmente a partir de escritura datada de 1927,


entretanto, não tardará para que o local seja doado à Igreja Católica que ali erguerá o
maior templo da cidade, a Igreja Santa Terezinha, inaugurada em 1934. Um ano
depois, a Praça Rodrigues de Abreu, ao seu redor, será ajardinada.
Da mesma forma outra área de propriedade da prefeitura, na esquina da Rua
Antônio Alves com Sete de Setembro será doada para aquele que se transformaria
no clube das elites, o Bauru Tênis Club (BTC), fundado em 1926. Na mesma quadra,
na esquina da Rua Antônio Alves com Cussy Junior, também funcionava a primeira
caixa d’água da cidade.
Outro grande terreno pertencente à municipalidade, a partir de doação de
loteadores, será entregue para a criação do prestigioso Ginásio Ernesto Monte,
inaugurado em 1939.
Verifica-se, a partir das doações e transmissões de áreas públicas, como a
municipalidade atuou no sentido de dotar os Altos da Cidade de construções
relevantes a partir da distribuição dos espaços, que em tese seriam comuns aos
moradores da cidade. Há uma clara escolha no sentido de optar-se por determinados
grupos sociais para as concessões, bem como para definições de usos considerados
compatíveis com o setor, tido como zona nobre da cidade.
Devido aos parcelamentos dessa região possuírem traçados generalistas em
quadrícula que se prolongam do centro e, portanto, não observarem características
formais próprias, foram genericamente denominados de "Altos da Cidade", mesmo

149 Ata da Câmara Municipal de Bauru. 15 out. 1923.


BAURU EM TEMAS URBANOS 105

que constituídos por diversos e pequenos loteamentos individuais como Vila Noemy,
Vila Santa Thereza, Vila Mesquita, Vila Regis, etc.
Altos da Cidade certamente era um título considerado adequado visto à cota
de altitude mais elevada, mas também em virtude dos costumes vigentes. Contrastava
deliberadamente com as áreas de baixada da cidade, em relação às características
topográficas, mas, sobretudo, morais. Deve-se apontar que o posicionamento da
antiga zona do meretrício era próximo à estação da Paulista e ao Ribeirão Bauru.
Na poesia Bauru criada na década de 1920, Rodrigues de Abreu (1897-1927)
assim apresenta a diferenciação entre os bairros da cidade, incluindo-se a beleza
emanada dos bairros nobres e a diversão "proibida" na zona boêmia:

Cidade de espantos!
Eu canto a estesia suave dos teus bairros chics,
as chispas e os ruídos do bairro industrial,
a febre do lucro que move os teus homens nas ruas do centro,
e a pecaminosa alegria dos teus bairros baixos
(...)
Recebe o meu canto, cidade moderna!150

Em 1925, a Villa Santa Thereza, loteada por Tiburcio Villaça e registrada


apenas no ano de 1938151, já é anunciada para venda na imprensa, dando-se ênfase
no pagamento parcelado dos lotes e no fato de estar situada na "parte alta da
cidade"152. Outros aspectos lembrados pela propaganda são a distância de apenas
500 metros da Praça Rui Barbosa, a presença no loteamento do grande reservatório
de água da cidade, e o fato de os postes da Companhia Paulista de Força e Luz virem
a atravessar a vila. E talvez como dado principal, o "Domínio Direto", lembrando que
não se trata de aforamento, situação que os compradores queriam evitar a todo custo,
mas sim do direito de propriedade de maneira plena e efetiva.
Com a definição desses novos loteamentos que formarão parte dos Altos da
Cidade, é criada uma segunda avenida paralela e acima da Rodrigues Alves, ao sul,
com largura semelhante à primeira bauruense. Será a terceira avenida da cidade se
considerarmos a Pedro de Toledo e Rodrigues Alves como precedentes. Acha-se
claramente presente na planta da “Cidade de Bauru” de 1940 e prevista na “Planta de

150 Poemas Rodrigues de Abreu. Portal São Francisco, 2020. Disponível em:
<https://www.portalsaofrancisco.com.br/obras-literarias/poemas-rodrigues-de-abreu#16>.
151 Certidão de Registro de Imóveis. DEPLAN, Prefeitura Municipal de Bauru.
152 Jornal Diário da Noroeste, 10 nov. 1925.
106

Bauru” de 1930 (ver figuras). Sua gênese fica expressa quando se verifica o desenho
do loteamento da Vila Santa Thereza, onde se veem demarcadas três de suas
quadras. Nele, até mesmo a denominação "Avenida Duque de Caxias", já se encontra
grafada. Não conseguimos dados sobre quem determinou a criação da via, pois não
foram encontrados documentos a respeito. Acreditamos que tenha sido uma decisão
da Prefeitura, contudo não há como afirmar. O certo é que na aprovação dos
loteamentos seguintes em direção a leste e oeste, a via continuou sendo exigida e a
somatória geral resultou na Avenida Duque de Caxias que conhecemos.
A Avenida Duque de Caxias, com o passar do tempo, se ombreará, ao sul,
com a Rodrigues Alves em termos de importância. Receberá, em um primeiro
momento, residências de alto padrão, sendo via considerada bastante nobre e
elegante nas décadas de 1950 e 1960. Acompanhando o status para a "Duque" como
é tratada, foram transferidos muitos dos desfiles que se faziam na Rodrigues Alves,
particularmente, quando essa última ganha importância como via arterial.
O Diário de Bauru, em matéria de 1955 sobre desapropriações na cidade,
trata da necessidade da expansão da artéria, pois o calçamento já havia sido feito,
sendo que duas casas de madeira travavam o prolongamento "da aristocrática
avenida", no sentido oeste, como forma de dar a ela,

um aspecto condizente com o desenvolvimento da parte alta da


cidade, onde a valorização imobiliária só encontra paralelo na Capital
do Estado.
A desapropriação da área onde se localizam as duas casas de
madeira, com o consequente asfaltamento do quarteirão, a Avenida
Duque de Caxias terminaria justamente defronte ao majestoso e
moderno Hospital Regional, cuja área fronteiriça já está ajardinada153.

O Hospital Regional Fernando Costa, ao qual a matéria se refere, havia sido


inaugurado em 1951, na gestão de Adhemar de Barros. Situa-se na gleba pertencente
à antiga Santa Casa de Misericórdia, sendo um prédio de proporções monumentais
para a cidade e, como o próprio nome sugeria, atendia toda a região.
Além das casas de madeira que bloqueavam a Duque de Caxias, após a Rua
Monsenhor Claro, na lateral do hospital, havia a Rua Lisboa Junior que também
necessitava ser alargada para dar continuidade à avenida. A expansão será

153Duas casas de madeira entravam a expansão da aristocrática Avenida Duque de Caxias. Jornal
Diário de Bauru. 20 abr. 1955.
BAURU EM TEMAS URBANOS 107

executada futuramente, devido ao obstáculo representado pelo campo do Esporte


Clube Noroeste mais adiante. Colabora para a solução, o incêndio de sua
arquibancada de madeira, em 23 de novembro de 1958, durante jogo entre os times
do Noroeste e São Paulo. O acidente, felizmente sem vítimas, motivará a mudança
do clube para a Vila Pacífico junto à Falcão. A transferência liberaria a área para
expansão da avenida e o alargamento da Rua José Aiello, mais abaixo, permitindo a
transposição por elevado do vale do Ribeirão Bauru.
Assim como a Avenida Rodrigues Alves, com os sucessivos prolongamentos
e construção de viadutos que transporão avenidas, rodovias 154, ferrovia e os cursos
d’água, a Duque ganhará a escala da cidade servindo como segundo eixo de ligação
entre as zonas oeste, em 1981, e leste nos meados dos anos 1980. Com tais
transformações, teve seu uso residencial paulatinamente alterado para o comercial e
de serviços. A rigor, o histórico dessa avenida segue o da Rodrigues Alves, incluindo-
se a retirada de estacionamento de veículos junto ao passeio para proporcionar maior
vazão, passagem de grande número de linhas de ônibus e o aumento da velocidade.
Contudo, diferentemente da Rodrigues, atualmente bastante degradada, a Duque
ainda se mantém relativamente conservada, mas provavelmente, a caminhar a
situação atual, não por muito tempo.
Ainda, no extremo do setor sul, em meio à mata, na cota de 615 metros, a
mais alta da cidade, foi construído o Aero Club de Bauru. Inaugurado no final dos anos
1930, foi dos pioneiros do interior paulista, que se aproveitava das boas condições
climáticas da região para os voos à vela. Devido a sua grande distância do centro
urbano, o conjunto formado por hangares, torre, salas de comando e embarque exigirá
acessos viabilizados a partir dos caminhos ramificados que se dirigiam à antiga
estrada para Agudos.
O Aero Club também funcionou como campo de aviação até 2006, quando foi
inaugurado o Aeroporto Estadual Bauru-Arealva, fazendo parte da história da cidade.
Embora tanto o meio de transporte aeroviário como o esporte do voo à vela fossem
usufruídos por parcela ínfima da população, o local se tornará indutor de crescimento
para a região mais alta da cidade. A associação entre o sonho de voar e a conquista
do status que isso representaria para muitos, estaria diretamente relacionada com o
espaço onde a atividade se dava e também a zona da cidade onde se situava. Não se

154Jornal Diário de Bauru, de 27 de julho de 1985 noticia a abertura de concorrência pública para o
viaduto da avenida Duque de Caxias sobre a rodovia Marechal Rondon, (SP-300).
108

deve desprezar ainda, o prazer em assistir pousos e decolagens dos voos de carreira
e dos aeroplanos como passatempo divertido para os bauruenses e moradores da
região. Situação que também ocorria na capital, certamente em outras proporções,
com o aeroporto de Congonhas, inaugurado apenas três anos antes do Aero Club de
Bauru.
O Parque Jardim Europa, parte da Fazenda Campo Redondo, registrado em
1952, mas vendido a partir de 1949, conforme as propagandas inseridas no Jornal
Diário de Bauru, é prova inconteste de como o Aero Club teve papel relevante na
ocupação do sul da cidade. O parcelamento possui como divisas a Vila Aviação,
Jardim América, gleba de Ângelo Franciscato, Ribeirão Bauru e Aero Club155. Em um
de seus anúncios de vendas é apontado que a compra pode se dar a partir de entrada
de 20% e prestações sem juros e que, “Está situado na parte alta da cidade, a 610
metros de altitude, dispondo de água, luz e telefone. Urbanização moderna e no
prolongamento da Rua Rio Branco por onde já passam 18 ônibus diários. Em frente
ao Aeroporto, em redor do qual a cidade cresce”156.
O imenso loteamento de propriedade de Augusto João Costa, contava com
1069 lotes, 5 praças, 50 quadras, 03 avenidas e 19 ruas, com área de 1.069.838 m².
Seu projeto tentava se adequar à topografia e aos parcelamentos mais antigos ao
redor. A proposta cria pequenas praças centrais, cruzadas por vias, hoje parcialmente
anexadas, ocupadas pela Igreja São Cristóvão e por creche municipal. Estabelece a
ligação da antiga Avenida Santos Dumont, atual Nossa Senhora de Fátima, com a
Avenida Aviação, atual Getúlio Vargas e determina a Avenida Odilon Braga na
cabeceira do Aero Club. Como curiosidade, devido à localização, suas vias possuíam
nomes de aviadores, como o próprio Santos Dumont, Sacadura Cabral, Edu Chaves,
Charles Lindenberg, etc.
Importante frisar que o acesso para o Aero Club, ou Aeroporto, para essa
fração da zona sul onde estava situado o Jardim Europa, dava-se através da Rua Rio
Branco, como fica exposto no anúncio. Mais ainda, era ao seu "redor" que a cidade
se expandia, mesmo que fosse local distante e tivesse que ser acessado por ônibus,

155Certidão de Registro de Imóveis do Parque Jardim Europa, arquivado na DEPLAN da Prefeitura


Municipal.
156 Anúncio encontrado na Revista Bauru. Monografia editada sob os auspícios da Prefeitura

Municipal. Revista Bauru. São Paulo: Editora Habitat Editora Limitada, 1952. Original Acervo do Museu
Ferroviário Regional.
BAURU EM TEMAS URBANOS 109

contudo a situação rapidamente se transformaria com a proliferação dos veículos


privados.
Norma Constantino (2005) aponta diversos loteamentos aprovados na zona
sob forma de xadrez além do Jardim Europa; Jardim Paulista, de 1947 e Jardim
Aeroporto, de 1952. Conforme a autora, todos obedecendo ao Decreto Municipal nº
25, de 03 de junho de 1947157 que impõe regras relativas à doação de áreas verdes,
dimensão de quadras e vias, segundo se observa em relação ao Parque Jardim
Europa158.

Figura 23: Loteamento Parque Jardim Europa, um dos maiores loteamentos implantados na
zona sul da cidade

Fonte: Diário de Bauru, 31 jul. 1949.

A partir dos anos 1950, e com ênfase na década de 1960, o transporte


individual motorizado gradativamente se impõe, inicialmente para os mais ricos e,
após, para as classes médias. O uso do veículo próprio em larga escala refletirá

157 CONSTANTINO, N. R. T. A construção da paisagem de fundos de vale: o caso de Bauru. 2005.


Tese (Doutorado em Arquitetura e Urbanismo) – Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade
de São Paulo. São Paulo (SP), 2005, p.54-55.
158 Sobre tal assunto ver Capítulo 9: Legislações Urbanas e Planos Diretores.
110

claramente no território de nossas cidades colaborando para expandir de forma quase


infinita suas divisas urbanas. É justamente nesse período que o título alegórico de
Bauru passa de "Capital da Terra Branca" para "Cidade sem Limites".
Em 1954, é lançada a pedra fundamental da grandiosa obra do Paço
Municipal, nos Altos da Cidade, projeto do arquiteto modernista Zenon Lotufo,
inaugurado em 1965159, juntamente com a sua bem cuidada praça frontal. Outra obra
modernista de relevo é o SENAI, inaugurado em 1960, projeto do arquiteto Roberto
Goulart Tibau160. O Paço Municipal, que deixaria o centro da cidade, demonstra, pelo
lado do poder público, que a zona nobre da cidade continuava sendo o lado sul. O
SENAI, uma instituição privada de interesse público, também assim o fez. Da mesma
forma o BTC, com sua nova e majestosa sede social, do início da década de 1960,
alcunhada de “Transatlântico de Concreto”, de belíssima arquitetura modernista de
Ícaro de Castro Melo, similarmente indicava.
É período onde a arquitetura brasileira gozava de grande notoriedade
internacional e obras executadas por profissionais de prestígio davam simbolismo
especial aos seus contratantes, fossem empresas privadas, associações ou o poder
público. Agregado às belas construções somava-se a identidade de modernidade,
contemporaneidade e status cultural. A circunstância de três expressivos projetos
arquitetônicos, divulgados nas principais revistas de arquitetura nacional, estarem
nesse setor da cidade aumentava ainda mais a magnitude e o conceito da zona sul
perante os moradores de Bauru.
O entorno do Paço Municipal e do BTC será, em parte, ocupado por
residências da alta classe média em linguagem modernista, construídas por arquitetos
da cidade e de fora. A Rua Antônio Alves, atrás do BTC, será a região escolhida para
a edificação de grupo de residências de alto padrão, também modernistas, projetadas
pelo arquiteto Alberto A. Nasralla e financiadas pelo Banco Hipotecário Lar
Brasileiro161 nos meados dos anos 1950, assim como o interessante Edifício São José,
de 1966162. Isso revela o quanto a arquitetura das grandes obras conseguia inspirar
maior arrojo nos projetos menores e do cotidiano, em período político onde tudo

159 BASTOS, I. A. Falcão/Independência, Nossa gente e nossa história. Bauru: Document Center
Xerox-USC, 2002, p.355.
160 Escola SENAI em Bauru. Revista Acrópole. Ano XXII, nº. 258, abril de 1960, p. 130-133.
161 Jornal Diário de Bauru. 12 jun. 1955. Conforme o anúncio, projetadas pelo arquiteto Alberto A.

Nassralla.
162 Ver Capítulo 6: A verticalização.
BAURU EM TEMAS URBANOS 111

parecia ser possível, incluindo-se a construção de uma nova capital em meio ao


planalto central do Brasil.

Figura 24: Propaganda do Banco Hipotecário Lar Brasileiro S/A e seu empreendimento na
Rua Antônio Alves com 7 de Setembro

Fonte: Diário de Bauru, 19 jun. 1955.

A Construtora Martha & Pinho, com financiamento do Banco Hipotecário Lar


Brasileiro, também erguerá, em 1959, vinte habitações unifamiliares modernistas na
quadra formada pelas ruas Gustavo Maciel, Capitão Gomes Duarte, Joaquim da Silva
Martha e Antônio Alves, todas projetadas pelo Arquiteto Fernando Pinho163.
Aos poucos o "morar perto do trabalho" se relativiza devido ao veículo
automotor. É momento que muitos comerciantes do centro deixam de habitar os
fundos de seus negócios, ou, nos casos mais bem sucedidos, o andar superior, hábito
presente desde a virada do século XX.

163CAPELOZZA, A. C. A. Os bairros Jardim Estoril: A atuação das empresas Martha no setor sul de
Bauru-SP (1957-2008). Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo) – Instituto de Arquitetura
e Urbanismo, Universidade de São Paulo. São Paulo (SP), 2016, p. 56-57.
112

O carro viabiliza a construção de moradias mais afastadas da zona central e


o mercado imobiliário atenderá prontamente tais desejos. A configuração urbana de
Bauru, em quadrícula, com vias relativamente largas e sem grandes desníveis
topográficos, incentivará ainda mais o uso do veículo automotor individual.
Pode-se dizer que a montagem de veículos no Brasil existia desde o início do
século, a General Motors assim fazia com os carros “Ford Bigode” desde 1925 e a
também americana International Harvester, com caminhões a partir de 1926, sempre
em pequena escala e a partir de veículos trazidos integralmente prontos e
desmontados para o país164.
Durante o Governo de Getúlio Vargas serão dadas condições importantes
para que a produção se transforme, entre elas a criação da Companhia Siderúrgica
Nacional (CSN), que confeccionará chapas de aço, e da Petrobrás, que garantirá os
derivados de petróleo. A proibição inicial de importação de peças automotivas,
substituídas por uma recém criada indústria nacional de auto peças e depois, o
impedimento da importação de veículos, atuou nesse sentido. Durante o Governo JK
(1956-1961), e a sua agressiva política de industrialização, várias montadoras se
implantam no Brasil iniciando produção em larga escala. Tanto é assim que, em 1964,
o país era o nono produtor mundial de veículos, com total de 183.721 unidades165.
O reflexo da produção de veículos e o acesso cada vez mais fácil a ele logo
se refletirá no urbano com a alta classe média optando por se afastar da área central
para moradia. Na arquitetura residencial, a garagem torna-se parte integrante do
corpo da casa. Até então, quando existia, figurava em construção anexa e
independente, cuja origem remonta às velhas cavalariças. Será a arquitetura
modernista que a inserirá ao conjunto da edificação, sendo dos primeiros exemplos
no Brasil a residência do Arquiteto Rino Levi, de 1944, na cidade de São Paulo.
Paradigmático nesse aspecto será o lançamento, em 1963, do Jardim Estoril,
aprovado em 1957 nas franjas ocupadas até aquele momento da zona sul, destinado
às camadas privilegiadas da população e situado em área considerada bastante
afastada do centro. O comprador poderia adquirir lotes nus de 360 metros quadrados,
ou também construir casas projetadas pelo Arquiteto Fernando Pinho, a partir de
financiamento do Banco Hipotecário Lar Brasileiro, mantendo a exitosa parceria

164 A pré-história da Indústria Automobilística no Brasil. Quatro Rodas Abril, 2020. Disponível em:
<https://quatrorodas.abril.com.br/noticias/a-pre-historia-da-industria-automobilistica-no-brasil/>.
165 Idem.
BAURU EM TEMAS URBANOS 113

ocorrida com as 20 casas da quadra isolada nos altos da cidade. O traço do arquiteto
garantiria a manutenção da qualidade arquitetônica das unidades, bem como o
cumprimento rigoroso das diretrizes do loteamento.
As casas planejadas por Fernando Pinho, mais de quarenta, perfazendo duas
quadras, eram elaboradas exclusivamente para seus interessados, conforme suas
necessidades, não havendo reprodução de projetos. Possuem como características
inovadoras: volumes mais soltos no terreno em busca da criação de jardins laterais e
internos, evitando-se corredores regulares e operativos ao redor da edificação; a
ausência da tradicional edícula, mesmo que o recuo de fundo não fosse obrigatório
pelo loteamento; a presença de áreas de serviço agregadas ao corpo da casa e, em
alguns exemplares, junto à fachada166. E certamente todas as moradias ostentavam
o símbolo máximo de status do período: a garagem frontal e incorporada à edificação,
onde poderia ser exibido, com orgulho, o veículo da família.
O empreendimento, de grande êxito, dará início a outros bairros de mesmo
nome seguidos de numeral. Nas décadas seguintes, será praticamente grife e atributo
de loteamentos de alto padrão em Bauru, sucesso como negócio imobiliário e símbolo
de posição social elevada para seus moradores. Na planta do Jardim Estoril,
elaborada no ano de 1963, já se esboça o que seria sua continuidade, a partir do
Jardim Estoril II, loteado em 1977 e que estará situado após Avenida das Mangueiras.
Em um dos anúncios publicitários do Jardim Estoril, são apontados aspectos
bastante sedutores para a efetivação da compra de lote, para aqueles que
dispusessem de recursos,

Jardim Estoril é um bairro planejado para defender seus moradores


contra os inconvenientes do crescimento da cidade.
Lá sua paz e tranquilidade nunca serão roubadas.
Tudo foi planejado pensando no dia de hoje e de amanhã.
Suas construções terão que respeitar um mínimo de recuo e um limite
de pavimentos.
Nenhuma casa pode dar de cara para a calçada e nem roubar a vista
do horizonte. Você nunca terá fabricas por perto, nem prédios altos
tapando o seu Sol.
Mas terá avenidas largas, ruas bem traçadas, árvores nos passeios,
praças e jardins.
Viver assim não é o mesmo que morar simplesmente. É um estilo de
vida167.

166 GHIRARDELLO, G. O Bairro Estoril I: Imã de crescimento da zona sul de Bauru (SP). Trabalho de
Iniciação Cientifica, UNIP, 2013, p.32 e 33.
167 Informativo publicitário do Residencial Estoril V. Jornal da Cidade. Novembro de 2008, p. 5.

Reprodução de propaganda de época do Jardim Estoril.


114

Figura 25: Reprodução de folheto publicitário do ano de 1966, o qual mostra duas realizações
importantes da Martha & Pinho: o Edifício Brasil Portugal e o Jardim Estoril e as casas
projetadas pelo Arquiteto Fernando Pinho

Fonte: Informativo publicitário do Residencial Estoril V. Jornal da Cidade, nov. 2008, p. 3.


BAURU EM TEMAS URBANOS 115

O discurso da propaganda passa por princípios caros a muitos consumidores


das classes mais altas, como a exclusividade residencial, as rígidas regras
urbanísticas e edilícias que mantinham elevado o padrão das construções, o sossego
a partir do afastamento da “cidade”, a presença do verde e o acesso de veículos por
vias largas. Os elementos acima representavam mais que a possibilidade de uma
nova habitação, iam no sentido de oferecer padrão de vida seletivo para seus
compradores.
Tais loteamentos terão determinados em escritura uma série de exigências
específicas de posse e uso como forma de se manter alto padrão na ocupação.
Ressalte-se que, em uma cidade onde não havia Lei de Zoneamento, as imposições
que davam exclusividade unifamiliar e regras edilícias rígidas possuíam expressivo
poder de atração para as elites.
Como exemplo, para o Jardim Estoril (o primeiro deles), exigia-se a
construção de apenas uma moradia por lote; recuo frontal de 4,5 metros e laterais de
1,5 metros. As dependências externas não deveriam ocupar mais que 1/10 do lote;
fechos da rua de no máximo 1,5 metros sobre mureta de até 0,5 metros; ligações
externas de energia elétrica, telefone e campainha subterrânea e outras
recomendações168. Eram determinações totalmente desconhecidas para os
loteamentos da cidade e adiantam, em décadas, requisitos que só se tornarão mais
comuns a partir da Lei de Zoneamento em 1982.
Acreditamos que se tentava criar espaços aos moldes dos bairros jardins
paulistanos. Aliás, essa talvez fosse a pretensão do Jardim Estoril, embora, devido à
topografia plana, seu desenho se mostrasse relativamente comum: quadras
alongadas de 150 metros de comprimento e 60 metros de profundidade, definida a
partir da dimensão dos lotes de 12x30 metros. Não é traçado orgânico 169 e foge
bastante do desenho urbano de bairros jardins como o Jardim América, Pacaembu e

168 Jardim Estoril, Compromisso de Compra e Venda p. 0050/0109. In: CAPELOZZA, A. C. A. Os


bairros Jardim Estoril: A atuação das empresas Martha no setor sul de Bauru-SP (1957-2008).
Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo) – Instituto de Arquitetura e Urbanismo,
Universidade de São Paulo. São Paulo (SP), 2016, p. 56-57.
169 Em Bauru o bairro que mais se aproxima dessas características é o Jardim Vista Alegre, loteado

no final dos anos 1940, localizado em área topograficamente acidentada e que adota vias curvilíneas
e interessante desenho urbano. O empreendimento foi executado em terras de Joaquim R. Madureira
e urbanizado pelo Escritório Técnico de Engenharia Reis & Siqueira de Bauru. Fonte: Revista
BRASILITAS. Revista Cultural de Bauru, Ano 1, nº. 3, setembro de 1948, n.p. (trata-se de uma
propaganda na revista em página que antecede o corpo da mesma).
116

Alto de Pinheiros, por exemplo, projetados pela Companhia City 170 em São Paulo.
Todavia, são muitos os méritos do projeto do Jardim Estoril elaborado pelo Arquiteto
Fernando Pinho e o Engenheiro José da Silva Martha Filho, entre os quais, fazer a
delicada e precisa continuidade física com os loteamentos vizinhos Vila Samaritana e
Vila Santa Clara a partir do paralelismo com a Avenida das Mangueiras. Ou seja, o
Jardim Estoril não ignora os parcelamentos vizinhos e se “costura” de forma precisa a
eles.
No memorial descritivo do loteamento o Engenheiro José da Silva Martha
Filho confirma o procedimento:

O arruamento obedece ao traçado da cidade em concordância com a


“Avenida das Mangueiras”, já existente, com uma orientação mais
apropriada ao clima da cidade e à topografia do terreno. As ruas
obedecem, em largura, às da cidade, e as restantes contam com o
mínimo de 14 metros171.

No documento, elaborado pelo engenheiro, parece haver intenção de manter-


se o traçado tradicional de Bauru, contudo buscando-se paralelismo com a Avenida
das Mangueiras, uma pré-existência do lugar. Entretanto, fugiria do padrão da cidade
o desenho alongado das quadras. A nova orientação, além de melhorar a questão do
conforto ambiental para os lotes, se amoldava à topografia do sítio. As palavras do
engenheiro demonstram senso de realidade e a busca por qualidades racionais no
desenho do parcelamento e não necessariamente a procura pelo formalismo
urbanístico dos bairros jardim de origem inglesa.
A aproximação com os bairros jardim da Companhia City, em nosso entender,
se dá muito mais pelas regras edilícias e de uso estabelecidas, além da previsão de
equipamentos como pequeno comércio de bairro, lazer, praças e igreja. Embora as
calçadas possuam áreas de gramado laterais ao concreto do passeio e muitas árvores
tenham sido plantadas, também não é determinante no Jardim Estoril, a presença dos
espaços verdes públicos. O “verde” existente no loteamento vem muito mais da

170 Ver: ANDRADE, C. R. M de. Barry Parker um arquiteto inglês na cidade de São Paulo. Tese
(Doutorado em Arquitetura e Urbanismo) – Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de
São Paulo. São Paulo (SP), 1998.
171 CAPELOZZA, A. C. A. Os bairros Jardim Estoril: A atuação das empresas Martha no setor sul de

Bauru-SP (1957-2008). Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo) – Instituto de Arquitetura


e Urbanismo, Universidade de São Paulo. São Paulo (SP), 2016, p. 56-57.
BAURU EM TEMAS URBANOS 117

vegetação nas calçadas e nos recuos frontais obrigatórios de 4,5 metros das
residências.

Figura 26: Projeto de 1963 do Jardim Estoril

Fonte: CAPELOZZA (2016, p. 79).


118

Figura 27: Vista do Jardim Estoril (ao fundo), a Avenida das Mangueiras e em construção o
Santuário Nossa Senhora de Fátima (à direita)

Fonte: Informativo publicitário do Residencial Estoril V. Jornal da Cidade, nov. 2008, p. 14.

Figura 28: Mapa da cidade focando parte da Vila Falcão, Independência, Centro e os Altos da
Cidade, elaborado a lápis sobre cartão, provavelmente da década de 1940

Fonte: Museu Histórico de Bauru.


BAURU EM TEMAS URBANOS 119

Sua localização pode ser explicada devido à área pertencente à família de


José da Silva Martha, antiga fazenda Grande, Água Parada, Bauru, Batalha, que fora
cortada por longa avenida denominada inicialmente Avenida das Mangueiras, em
função da existência de muitas dessas árvores nos canteiros centrais e laterais. Esta
se dirige a sudoeste ultrapassando os trilhos da Sorocabana até a Estação de
Tratamento de Água da cidade, inaugurada em 1942. No mesmo percurso situavam-
se ainda, o Recinto de Exposições Mello de Moraes, de 1946, e a Sociedade Hípica
de Bauru, do ano de 1953, todos construídos em terras doadas por Plínio Ferraz 172.
Essa avenida era um dos acessos à estrada de rodagem que se dirigia para
Piratininga, cidade ligada a Bauru por ferrovia apenas em 1937, e se consolidou como
via urbana no transcorrer dos anos. Com a construção da Estação de Tratamento de
Água em 1942, próxima ao Rio Batalha, a avenida passa a ser utilizada como caminho
para a rede de abastecimento, momento em que ela é conhecida como avenida "Das
Mangueiras" ou "Da Adutora". Atualmente é denominada Comendador José da Silva
Martha.
É bom exemplo de estrada que modela toda uma região da cidade. Sua
posição diagonal à quadrícula advinda do centro da cidade, força a alteração de
desenho para os loteamentos acima dela, mais ao sul. Bairros como os Jardins
América, Amália, Aeroporto, Europa possuirão traçado baseado no paralelismo com
a Avenida das Mangueiras e não mais obedecendo a orientação vinda da zona central
da cidade.
A Avenida Aviação, depois denominada Getúlio Vargas, que em boa parte se
limita com a gleba do Aero Club, é outra trilha que inicialmente servia de acesso à
estrada para a cidade de Agudos e com o tempo foi se transformando em via pública.
A Getúlio Vargas, da mesma forma que a Avenida das Mangueiras, induzirá e
colaborará para a ocupação urbana e o desenho dos parcelamentos da região, entre
os quais aqueles citados acima. A via, ainda, a partir de 1963, será o principal destino
para a famosa Casa da Eny, que se muda do centro da cidade para a zona sul, em
uma área de 12 mil metros quadrados, com direito a 40 quartos, restaurante, piscina,
sauna e jardim173 no trevo da Rodovia Marechal Rondon com a Bauru-Ipaussu. O
estabelecimento de prostituição, em seus anos de glória, receberá fazendeiros,

172 Rua 1 – Plínio Ferraz. Jardim Shangrilá, 2020. Disponível em:


<http://www.jardimshangrila.com.br/rua-1-plinio-ferraz>.
173 MELLO, L. Eny e o grande bordel brasileiro. Rio de Janeiro: Objetiva, 2002, p.262.
120

industriais, políticos e artistas de todo Brasil e funcionará até 1983 quando é fechado
em virtude de dívidas, da liberalização sexual e pela concorrência com os motéis 174.
Outro caminho no setor sul, que vai modelar todo uma zona, contudo em
menor escala, é a Alameda Otávio Pinheiro Brisola, inicialmente tratada de Alameda
Universitária. Está igualmente disposta em ângulo a partir da Vila Perroca, nas
proximidades da Avenida Duque de Caxias e foge ao desenho das vias originais da
cidade. Era vereda de acesso para o Aero Clube e para a estrada que seguia em
direção a Agudos. Da mesma forma que as anteriores, sua precedência, importância
na circulação e ocupações estabelecidas às suas margens ensejarão novo desenho
para os loteamentos lançados posteriormente no seu entorno.
Na região, como parte da Vila Samaritana, registrada no ano de 1941 175, de
propriedade do Comendador José da Silva Martha, será projetada ampla praça
denominada Praça Portugal. De início o espaço contará com obelisco dedicado à
colônia portuguesa ao centro de rotatória que defletirá o trânsito para o entorno,
formado por importantes vias como, Avenida Getúlio Vargas e Avenida das
Mangueiras (Comendador José da Silva Martha).
Junto à rotatória funcionaria, desde a década de 1950, a “Refrigerantes Bauru
S/A”, fabricante da Crush, que anos após produziria a Coca-Cola, ponto de referência
na região. O papel da Praça Portugal vai além da reserva do espaço verde e acaba
por ser um elemento urbano articulador entre a quadrícula norte-sul advinda da cidade
e as avenidas Getúlio Vargas e das Mangueiras, que estavam posicionadas com outra
angulação.
Em 1973, a Praça Portugal é integralmente urbanizada e ajardinada com a
configuração próxima da atual. A rotatória situada originalmente um pouco acima é
trazida para junto ao alinhamento da Avenida das Mangueiras (Comendador da Silva
Martha) com seu monumento, ficando na posição presente. O trecho da Avenida
Getúlio Vargas, que se iniciava na Rua Rio Branco e cruzava a praça, é fechado.
A Praça Portugal, com sua extensa área de desenho triangular, não obstante
seja espaço verde importante para a zona sul, é prejudicada em sua integridade física

174 Conforme Lucius de Mello, Eny dizia antes de cerrar as portas de seu estabelecimento que: “Está
na hora de fechar. Nunca vi profissional perder para amador”. Idem, p.242.
175 Certidão de Registro da Vila Samaritana, arquivo da DEPLAN, Prefeitura Municipal. Na Planta da

Vila Samaritana preservada na SEPLAN o Comendador José da Silva Martha consta como o
proprietário, contudo, no registro, aparecem como proprietários o Sr. Evaristo Gonçalves da Silva e
esposa.
BAURU EM TEMAS URBANOS 121

pelo fracionamento carreado por inúmeras vias. Resultam em pedaços de jardins


relativamente desconexos, tendo a rotatória e o obelisco como o centro visual do
conjunto176 e eixo de perspectiva pela Rua Rio Branco. O espaço, para ser mais bem
aproveitado, dependeria de rigoroso estudo viário de toda região, no sentido de se
eliminar algumas passagens de veículos com a finalidade de conectarem-se partes
da Praça.
Toda região do Estoril terá grande influência da família Martha. Em 1962, com
a liderança de seu patriarca Comendador José da Silva Martha e a colaboração da
colônia portuguesa, é criada a Associação Luso Brasileira de Bauru, também nas
proximidades, considerado um dos clubes preferidos pelas elites locais. A mesma
família doará a área e construirá o Santuário Nossa Senhora de Fátima com belíssimo
projeto modernista do arquiteto Fernando Pinho, templo previsto juntamente com o
loteamento do Jardim Estoril. Sua pedra fundamental foi lançada em 1963 e o templo
inaugurado em 1973. Até nossos dias é considerado o lugar mais elegante e disputado
para as cerimônias católicas de casamento.

Figura 29: Primeiro projeto para a Praça Portugal. Note-se que a rotatória se encontra acima
da posição atual, no desenho ainda está demarcado o acesso para a Avenida Getúlio Vargas
(ou Avenida Aviação), atualmente fechado

Fonte: Desenho extraído de detalhe da planta da Vila Samaritana. Arquivo pertencente à


SEPLAN da Prefeitura Municipal de Bauru.

176 Jornal Diário de Bauru. 26 jan. 1973.


122

Figura 30: A Praça Portugal nos anos 1960, vista da primeira rotatória onde estava o
Monumento construído em homenagem à Colônia Portuguesa. À esquerda encontra-se a
fábrica “Refrigerantes Bauru”, na esquina da continuação da Rua Rio Branco

Fonte: Informativo publicitário do Residencial Estoril V. Jornal da Cidade, nov. 2008.

Como mostra da importância da zona, no ano de 1973 é inaugurado o hiper


mercado Santo Antonio Estoril177, daquela que era a maior rede de supermercados da
cidade, ao lado do Estoril I. O lançamento estava em todos os jornais e era
considerado "o gigante do Estoril e o primeiro hiper mercado do interior" 178 devido ao
grande porte de suas instalações. Será o primeiro supermercado a sair da zona central
da cidade com destino às camadas de alta renda179.
No final da década de 1970, a zona sul ganha o primeiro bosque municipal
localizado em zona nobre, em parte pertencente à Vila Guedes de Azevedo,
perfazendo aproximadamente duas quadras. Nele será disposta a antiga “Maria
Fumaça” da NOB que, a princípio, será o centro das atenções. Na pequena gleba
deixada originalmente como área verde de dois loteamentos, não havia qualquer
vegetação, muito menos projeto paisagístico, sendo construído pela prefeitura apenas
um caminho de concreto que percorria todo espaço.

177 Atualmente Supermercado Pão de Açúcar Estoril.


178 Jornal Diário de Bauru. 08 mar. 1973.
179 Atualmente no local funciona o supermercado Pão de Açúcar Estoril.
BAURU EM TEMAS URBANOS 123

O prefeito da época, Oswaldo Sbeghen, em iniciativa bastante arguta,


convocou a população para que levasse ao novo bosque mudas de árvores, pedido
prontamente atendido por centenas de cidadãos. O plantio ocorreu de forma aleatória
e com a participação de todos, resultando, depois de muitos anos, no aspecto de mata
natural, em que pese existirem ali espécies nativas e exóticas. Em uma cidade onde
a temperatura é muito alta no verão, a cobertura vegetal fechada em muito contribui
para que se criasse micro clima muito agradável no bosque. Por fim, acreditamos que
a participação da população em sua criação tenha resultado na forma de tratamento
atual, com nome oficial de “José Guedes de Azevedo”, é conhecido por todos como
“Bosque da Comunidade”.
Nas décadas de 1980/90, a zona sul será a região que mais se adensará na
cidade, conforme aponta o Plano Diretor de 1996, e os loteamentos que merecem
destaque serão: Jardim Aeroporto, Jardim América, Jardim Estoril, Vila Cidade
Universitária, Jardim Dona Sarah e Jardim Panorama180, todos destinados às classes
mais altas, sendo os três últimos claramente impulsionados pela construção da
Avenida Nações Unidas. Pode-se dizer que a construção dessa avenida passa a
centralizar nova zona de crescimento de alto valor imobiliário que se estende da
Alameda Otávio Pinheiro Brisola, onde estão os bairros Cidade Universitária, Vila
Cidade Universitária, Vila Regina e Infante Don Henrique. E da Nações Unidas em
direção à Rodovia Marechal Rondon (SP-300), onde se situam o Jardim Brasil, Jardim
Panorama e Vila Maracy.
A partir da década de 1990 e início do século XXI, as ruas sentido norte-sul,
ou genericamente os Altos da Cidade, com especial ênfase à Avenida Getúlio Vargas,
tornam-se o foco dos investimentos imobiliários destinados ao comércio e serviços.
Villaça (2001) aponta situação semelhante nas metrópoles por ele estudadas: Rio,
São Paulo, Porto Alegre, Recife e Salvador, onde o poder público, o mercado
imobiliário e a população de alta renda conduzem os eixos de valorização amparados
na topografia, na infra e conjuntos edificados relevantes para a cidade181.
A zona, que possuía como característica principal o sossego, alta densidade
de arborização e casas térreas, começa a receber edifícios comerciais, residenciais e
galerias, perdendo seu perfil inicial.

180 Plano Diretor de Bauru de 1996, p.41.


181 VILLAÇA, F. Espaço Intra-urbano no Brasil. São Paulo: Nobel/Fapesp, 2001.
124

Desde a década de 1970, aumentam-se os esforços dos sucessivos governos


municipais no sentido de expandir a arborização urbana, especialmente junto às
calçadas, devido ao calor da cidade. A Sibipiruna, árvore nativa da mata atlântica de
grande floração e do gênero Caesalpinia, havia sido escolhida de forma preferencial
para cultivo. Conforme a justificativa do poder público, a definição da espécie havia se
dado pelo fato de não perder folhas nas estações do ano e se manter sempre verde,
proporcionando proteção do sol182. A Prefeitura criava as mudas em seu viveiro e,
para serem plantadas, bastaria ao interessado dispor de grade de proteção;
servidores públicos fariam o plantio gratuitamente. Atualmente, a espécie é
considerada inadequada devido ao seu porte e raízes, contudo a comunidade
"comprou a ideia" e particularmente o Altos da Cidade foi das regiões da cidade onde
mais se plantou árvores, tornando-se bastante verde e arborizada.
Com a mudança de uso das edificações a primeira medida dos novos usuários
foi o corte das árvores das calçadas no sentido de os estabelecimentos serem
visualizados, ou para que se liberassem vagas de estacionamento nos antigos jardins
das residências. Ainda nos anos 1970 os paralelepípedos das vias, com
características mais permeáveis e que, a princípio, foram implantados para conter as
erosões das ruas, são sequencialmente substituídos pelo asfalto, como forma de
priorizar rápida circulação de veículos.
O trânsito pesado, confuso, os engarrafamentos e a falta de vagas para
estacionamento se dilataram do centro para a jovem zona comercial. A Prefeitura
reconhece o problema e estende o estacionamento rotativo da “área azul” para a
região.
Muitos de seus antigos moradores, com a valorização dos imóveis, se
aventuram para os apartamentos nas redondezas ou para mais longe ainda, com
destino aos loteamentos com controle de acesso.
Fato curioso é que, diferentemente da Vila Falcão e Bela Vista, que formaram
seus centros de bairro ao menos até o lançamento dos grandes viadutos de concreto
– que de certa forma os esvaziou –, os Altos da Cidade jamais tiveram "um centro".
Entendemos que, devido aos "Altos" serem considerados extensão residencial da
zona central, esta sempre foi utilizada por seus moradores, prescindindo de algo do
gênero. A ligação direta, sem qualquer obstáculo físico e a curta distância contribuíram

182 Jornal Diário de Bauru de agosto de 1973 anuncia a doação de mudas de Sibipirunas.
BAURU EM TEMAS URBANOS 125

para o fato de haver dependência da "cidade". Da mesma forma, pode-se dizer que
os "Altos da Cidade" contavam também um sentido de “bairro”, assim como a Vila
Falcão e Jardim Bela Vista, contudo, nesses dois últimos a personalidade do lugar se
dava mais devido às bases culturais, sociais e de apropriação do espaço, enquanto
com relação aos “Altos”, imperava a homogeneidade da posição econômica.
A partir da década de 1980 e 1990, o Altos da Cidade atraem para si a parte
mais nobre do comércio do centro, tornando-se ele próprio o "novo centro".
A ocupação dessa zona prossegue em destino à rodovia Bauru-Ipaussu (SP-
225), onde se encontram muitos loteamentos com controle de acesso. Também são
erguidos edifícios de apartamento em áreas loteadas ainda nos meados do século
XX, como a Vila Aviação. Duas avenidas importantes têm sido vetores de crescimento:
Getúlio Vargas e Nossa Senhora de Fátima, essa última com menor expressão.
Durante os anos e devido sua ocupação cada vez mais nobre, a Avenida
Getúlio Vargas foi sendo estendida e tratada cosmeticamente com a criação de
canteiros, a construção da Praça da Copaíba e rotatórias. Em suas margens, junto às
calçadas do Aero Club, se institui a primeira e mais famosa área de caminhada da
cidade, disputada durante todo o dia e mais nos finais de semana. Faltava seu
prolongamento até a rodovia Marechal Rondon (SP-300), que se deu através da
Avenida Mario Mattozinho, transformando a Getúlio na primeira via de acesso à Bauru,
para aqueles que vêm da Capital, potencializando sua importância para a zona e a
cidade.
Aos poucos, e dependendo do momento econômico do país, toda região no
entorno do Aero Club vai sendo ocupada. No ano de 2019, a Prefeitura propôs acordo
com a Associação do Aero Club em virtude de ação de usucapião movida por esta
contra o poder público em 2006. A disputa versava sobre a propriedade da área de
mais de 461 mil metros quadrados, onde funcionava o antigo aeroporto, na zona mais
nobre e valiosa da cidade. O trato fechado entre as partes define que o Aero Club
ficará com as áreas construídas e seu entorno, entre as quais os hangares, conjunto
tombado pelo CODEPAC. A pista de pouso, decolagem e área de segurança ficará
para o município, mas deverá ser considerada de "uso especial" para se manter
permanentemente a finalidade pela qual foi criada, devendo ser tombada pelo
CODEPAC. O Município ainda deterá áreas ao redor da gleba entre as quais as de
126

borda com a Avenida Getúlio Vargas, podendo fazer exploração econômica, desde
que ao menos 50% dela sejam destinadas a uso público183.
O acordo firmado é bom para o Aero Club e para a municipalidade resolvendo-
se um impasse de muitos anos. O fato de o Aero Club poder manter suas tradicionais
atividades é, a nosso ver, ponto de destaque da proposta, pois a entidade possui
história importante no vôo à vela nacional e o espaço também integra a memória
afetiva da cidade. Cabe a Prefeitura fazer bom uso de sua extensa fração, de forma
que se estabeleça um entorno entre a área densa da Getúlio Vargas e a superfície
livre do Aero Club, em um intermédio gradual.
Nos próximos anos veremos a maneira com que será feita a ocupação das
margens do Aero Club pela prefeitura e esperamos que a pura especulação imobiliária
não dê as cartas sozinha. Trata-se de um patrimônio importantíssimo para a
população da cidade e de grande valor comercial, que precisa ter um destino voltado
ao interesse público. Boas diretrizes poderão possibilitar melhor acesso à região do
Bauru Shopping e à marginal da Rondon (SP-300) em construção, dependendo de
como forem estabelecidos os parâmetros para seu uso.

183Gazzeta propõe acordo e põe fim a litígio entre Prefeitura e Aeroclube de Bauru. Prefeitura de
Bauru, Cidade em Movimento, 2019. Disponível em:
<http://www2.bauru.sp.gov.br/materia.aspx?n=35450>.
BAURU EM TEMAS URBANOS 127





Os dois bairros serão os mais populosos da cidade e donos de expressiva


identidade. Sua precedência na formação urbana184 e relativo isolamento por décadas
talvez explique sua personalidade, resultando no fato que todo um setor formado por
muitos loteamentos recebesse a denominação dos mais conhecidos: Vila Falcão e
Jardim Bela Vista. Apontamos que o termo “bairro” aqui define um espaço urbano com
caráter específico, onde seus moradores se consideram membros de um coletivo,
dentro de uma porção de território da cidade e não os limites exatos do parcelamento
original.
Geograficamente estão próximos, contudo separados por várzea onde se
encontra o Córrego da Grama, que deságua no Ribeirão Bauru, e os trilhos da NOB.
Topograficamente a Falcão se eleva a partir do vale do Ribeirão Bauru e Córrego da
Grama formando discreta colina delimitada pelo Córrego do Sobrado e pelas oficinas
da NOB. O mesmo ocorre no Bela Vista, contudo esse forma elevação de cota mais
pronunciada que a Falcão, sendo cerceada em seus limites mais estendidos pelo
Córrego do Castelo. O termo "Bela Vista" advêm da cota elevada e dos visuais livres
em direção ao centro da cidade.
O insulamento dado pela paisagem natural e intervenções humanas, acedidos
por décadas apenas através de pontes improvisadas e frágeis, talvez explique a
criação de valores próprios e certo reconhecimento de identidade de bairro. Esses
dois importantes setores de Bauru, tomados a partir de vilas justapostas, serão os
primeiros a abrigar pequenos centros de bairro, dando margem à vida com certa
independência do centro da cidade.

184 Assunto trabalhado no Capítulo 3: Primeiros parcelamentos e ocupações fora do Patrimônio.


128

Embora aqui tratados conjuntamente devido seu isolamento da "cidade”185,


porte e forma de ocupação, Falcão e Bela Vista possuem personalidades diferentes a
começar pelos seus moradores iniciais, no primeiro, de perfil mais popular e operário
e no segundo, mais voltado à classe média.
Fica expressa a importância da Vila Falcão ao conseguir se transformar em
Distrito de Paz, aprovado pela Assembleia Legislativa no ano de 1936186. Logo após,
em 1938187, o bairro ganha seu Distrito Policial na mesma área compreendida pelo
Distrito de Paz. A Falcão ainda receberá o primeiro posto dos Correios após a sede
do centro da cidade. Nas décadas de 1930/40 e até meados da década de 1950, o
bairro era considerado do porte de uma pequena cidade, como tantas outras que havia
na região.
O Jardim Bela Vista é lançado oficialmente no início da década de 1930 e, a
julgar pela pretensão da propaganda do Jornal Correio da Noroeste, deveria se
destinar à classe média:

Ao Povo
Villa Jardim Bella Vista
Vendemos lotes em módicas prestações sem juros.
A Villa Jardim Bella Vista está localisada na parte mais alta da
cidade.
Com lindo panorama, luz electrica, telephone, construcções
modernas188.

185 Termo utilizado popularmente para designar o centro da cidade.


186 BRASIL. Lei nº. 2.623 de 14/01/1936. CRIA, NO MUNICÍPIO E COMARCA DE BAURÚ, O DISTRITO
DE PAZ DE VILA FALCÃO. Diário Oficial da União. 15 jan. 1936, p.6.
187 BRASIL. Lei nº. 9.088 de 08/04/1938. Cria, no município de Bauru, o distrito policial de Vila Falcão,

com as mesmas divisas com que o foi o distrito de paz de igual nome, estabelecido pela Lei n. 2.623,
de 14 de janeiro de 1936. Diário Oficial da União. 09 abr. 1938, p.1.
188 Jornal Correio da Noroeste. 21 jun. 1931.
BAURU EM TEMAS URBANOS 129

Figuras 31 e 32: Acima mapa do Distrito de Paz da Villa Falcão, datado de 1938. Abaixo
detalhe do mapa mostrando a Vila Falcão à esquerda, além dos trilhos e o restante da cidade
de Bauru

Fonte: Núcleo de Pesquisas Históricas (NUPHIS) da UNISAGRADO.


130

A situação elevada do bairro com vista para o centro da cidade era real, mas
o ingresso tornou-se grande problema para os moradores, o que talvez tenha feito
dele bairro destinado a público um pouco mais popular do que o inicialmente
imaginado pelos loteadores que, tentando dar conotação mais nobre, o chamaram de
"Jardim".

Figura 33: Em primeiro plano, beneficiadoras de algodão junto à linha da Paulista, tendo ao
fundo da parte baixa do Jardim Bela Vista no final da década de 1930. A imagem mostra
pequenos bangalôs e a total ausência de infraestrutura, entre as quais guias e sarjetas

Fonte: Museu Ferroviário Regional de Bauru.

Em relação ao padrão das moradias e sua tipologia, dominará aquela


originada na Índia e levada à Europa pelos ingleses que a transformaram, adaptando-
a aos locais onde se instalavam: os Bungalows189. Os dois bairros possuirão dezenas,
talvez centenas de bungalows, depois aportuguesados para bangalôs, edificações
residenciais típicas dos anos 1920/1930 e possivelmente trazidas ao Brasil pelas

189SANTOS, K. G. D. O. Bangalôs em Bauru: Uma Nova Forma de Morar para o Século XX. 2016.
Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo) – Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação,
Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP). Bauru (SP), 2016.
BAURU EM TEMAS URBANOS 131

ferrovias inglesas. Eram destinadas às classes médias, em todo seu espectro,


incluindo-se a classe média baixa, conforme o material de sua construção.
Bauru, como cidade essencialmente ferroviária, possuirá quantidade
apreciável de tais edificações, sendo que o Código de Posturas de 1928 fazia
considerações em alguns artigos tentando adaptar as determinações das construções
ecléticas (pés direitos, alturas de janelas, gabarito) para as especificidades dos
bangalôs.
Foram muitos os bangalôs de madeira edificados na Vila Falcão e Jardim Bela
Vista, hoje raros, construídos pelos carpinteiros e marceneiros que trabalhavam nas
oficinas da NOB montando vagões de madeira.
As classes médias os construíam em alvenaria, e estes eram mais frequentes
no Jardim Bela Vista e possuíam características comuns: recuos em todas as faces
do lote, telhado de várias águas, varanda frontal de acesso. Devido ao arco
ornamental em sua composição, algumas dessas varandas eram pejorativamente
chamadas de "boca de forno" pela população. Em geral, contavam com dois quartos,
sala, cozinha e banheiro. Os ambientes internos, normalmente de três metros de pé
direito, eram mais baixos que as casas ecléticas do período190. Sua ornamentação de
fachada era singela, indo do art déco, ao eclético, passando pelo neocolonial, mas
sempre muito comedidas e discretas. Atualmente restam poucos bangalôs, pois foram
descaracterizados e ampliados, outros demolidos, mas eram parte integrante da
arquitetura desses dois bairros.
A linguagem era tão popular que na mesma propaganda de venda de terrenos
do Jardim Bela Vista, se anunciava que haveria sorteio entre os compradores de um
bungalow:

Importante: Aos nossos prestamistas offerecemos todos os mezes,


inteiramente grátis, uma confortável casa estylo: "Bungalow".
Procure informações na Casa Moreira191.

A vida comunitária de tais bairros, assim como a do centro da cidade, girava


em torno de suas Capelas, depois Igrejas, situadas em pontos altos, conforme as
determinações da Cúria e voltadas para o centro da cidade, para a Matriz. Como toda
edificação desse tipo deveria possuir espaço ao redor para organização de procissões

190 Idem.
191 Jornal Correio da Noroeste. 21 jun. 1931.
132

e de quermesses, unindo-se, nesse momento histórico, à praça de características


seculares com o templo religioso, muito embora o edifício sagrado fosse de franco
domínio visual no espaço.

Figura 34: Grupo de carpinteiros que construíram o primeiro vagão da NOB. Foto
provavelmente do início da década de 1920 quando as Oficinas são inauguradas

Fonte: Museu Ferroviário Regional de Bauru.


BAURU EM TEMAS URBANOS 133

Figura 35: Vagão restaurante construído na NOB, mostra da qualidade e da competência


técnica dos marceneiros e carpinteiros da ferrovia na cidade

Fonte: Museu Ferroviário Regional de Bauru.


134

Figura 36: Um antigo bangalô de madeira, ainda praticamente original, encontrado na Vila
Falcão

Fonte: Acervo pessoal do autor.


BAURU EM TEMAS URBANOS 135

Figura 37: Bangalô em alvenaria, exemplo de tipologia arquitetônica residencial típica da


cidade de Bauru

Fonte: Museu Ferroviário Regional de Bauru.

A paróquia da Vila Falcão inicia-se com uma Capela de madeira erguida em


área doada pela loteadora do bairro, Maria Falcão Machado. Sua construção ocorreu
a partir de trabalho conjunto de irmãos afrodescendentes. O santo para escolha de
devoção é São Benedito, figura de grande tradição entre os negros brasileiros, devido
suas raízes africanas e passado de escravidão.
Será formada a Irmandade de São Benedito, que além da religiosidade e da
fé, buscava proteção mútua em situações de morte, trabalho, doenças, desamparo
etc. As Irmandades ainda representavam a fraternidade entre iguais no sentido de
poderem, inclusive, resguardar antigos rituais africanos a partir de liturgias Católicas.
Isso foi bastante comum no Brasil Colonial, Imperial e pode-se dizer, também, após a
libertação dos escravos, durante a Primeira República, o que nos parece ter sido o
caso.
Ocorre que a Irmandade, que é entidade leiga Católica, parece ter
desaparecido em favor de um espaço religioso da Igreja Católica Regular, devido às
136

pressões para que o Catolicismo deixasse de ser o popular e fosse Romanizado, pois,
em 1929, uma nova Capela de alvenaria é concluída, sendo a antiga demolida em
1930192.

Liderados pelo Sr. Fioravante Ranieri, um grupo de pessoas, já não


aqueles descendentes de escravos, negros em sua maioria, que com
o tempo foram perdendo influência na comunidade, resolveu construir
nova capela193.

Acreditamos que a influência negra no bairro não foi amesquinhada, devido a


outras situações futuras onde sua presença é poderosa, mas é certo que em relação
à Igreja, por motivos que acreditamos passaram pela Romanização do clero, aparenta
ter havido mudanças.
Irineu Azevedo Bastos em seu trabalho sobre as Vilas Falcão e Independência
ressalta a importância das fortes relações interpessoais dos moradores da Falcão,
devido ao grande contingente de funcionários da ferrovia ali vivendo e o seu
envolvimento com as questões voltadas à estrada de ferro, em particular à NOB. As
greves, demissões, os vários incêndios por que passaram as oficinas gerais e,
particularmente, os muitos acidentes ocorridos nas linhas calavam fortemente na alma
da cidade, em especial do bairro. Bastos descreve um deles, acontecido em 11 de
julho de 1949, onde o maquinista, o foguista, o graxeiro, o fiscal de tráfego e o
jornaleiro faleceram, além de muitos terem ficado feridos. Com exceção de um dos
trabalhadores, que era de outra cidade, os demais foram velados em suas casas,
havendo, no dia seguinte, missa de corpo presente na Igreja de São Benedito na Vila
Falcão e sepultamento em meio à forte comoção coletiva194.
Em 1934 é inaugurada a Praça Epitácio Pessoa ao redor da Capela. O Jornal
Correio da Noroeste do dia 13 de abril de 1934, faz uma matéria com o saboroso título
Vila Falcão alinda-se, onde comenta a importância do novo espaço para a “vila-
cidade” de Bauru, “VILA FALCÃO, 12 - Esta vila terá, muito breve o seu jardim grande
e bonito. Será o ponto chic da vila-cidade”.

192 Paróquia São Benedito de Bauru, 2019. Disponível em:


<https://www.paroquiasaobeneditobauru.org.br/sbenedito.php?id=1>.
193 Idem.
194 BASTOS, I. A. Falcão/Independência, Nossa gente e nossa história. Bauru: Document Center

Xerox-USC, 2002, p.53-54.


BAURU EM TEMAS URBANOS 137

Entretanto, os moradores, bastante unidos, queriam mais: dotar o jardim da


“vila-cidade” de elemento que alicerçaria sobremaneira o entretenimento e o lazer da
comunidade, além de representar símbolo de elegância para o bairro: um coreto. Para
tanto se formou comissão local que o incluiu ao projeto da praça a partir de
colaborações dos moradores da Falcão. O coreto, projetado pelo engenheiro da
Prefeitura, teria que situar-se ao lado direito do templo, “porque a comissão só
apareceu depois de feitos os estudos do ajardinamento”195.
No ano de 1942, com a praça já se constituindo o coração do bairro, o templo
ganha sua torre. Ao seu lado é construído o salão paroquial que, junto do espaço
ajardinado ao seu redor, torna-se um centro de atividades para o bairro. Em 1944 é
criada a Paróquia de São Benedito a partir do desmembramento da Paróquia do
Divino Espírito Santo196.
No Jardim Bela Vista o processo é semelhante, embora mais tardio devido ao
loteamento ter se dado posteriormente. Em 1937 acontecem as primeiras doações de
terras para a construção da Capela que contou com a pedra fundamental lançada no
mesmo ano e inaugurada em 1940197. Às terças, padres Missionários vinham da
Paróquia de São Benedito da Falcão para celebrar missa em honra a Santo Antônio198,
o que mostra alguma relação entre os dois bairros. Em 1955 a Paróquia de Santo
Antônio é criada a partir de seu desmembramento da de São Benedito e da de Nossa
Senhora Aparecida.
Os templos dos dois bairros ganharão novos e grandiosos projetos
arquitetônicos modernistas de autoria do arquiteto Fernando Pinho, no início dos anos
1960. As obras, publicadas na principal revista de arquitetura da época, a Acrópole,
foram tocadas aos poucos pelas comunidades e valorizarão mais ainda a paisagem
dos respectivos bairros, bem como os esforços das comunidades199.
No campo do lazer pode ser apontado o Cine Bela Vista, de 1954, no bairro
do mesmo nome, e o Cine São Raphael, de 1949, na Falcão, que oferecia autonomia
aos seus moradores quanto à diversão em relação ao centro da cidade. Foram,
sobretudo, exemplos de cinemas de bairro, voltados à sua comunidade, espaços de

195 Jornal Correio da Noroeste. 13 abr. 1934.


196 Idem.
197 Paróquia São Benedito de Bauru, 2019. Disponível em:
<https://www.paroquiasaobeneditobauru.org.br/sbenedito.php?id=1>.
198 Idem.
199 PUPIM, R. G. Arquitetura moderna em Bauru, a obra do arquiteto Fernando Pinho. Revista Risco,

Bauru, nº. 06, 2007.


138

evasão da lida diária, de diversão, encontros e namoros. O Cine São Raphael estava
situado na Avenida Alfredo Maia, na entrada da Vila Falcão, por onde eram acessadas
as oficinas da NOB. Longe de ser um bom local era área de frequentes alagamentos
que ocorrem até nossos dias.
Parte do lazer se concentrava nas proximidades das praças Epitácio Pessoa,
na Falcão, e Dos Expedicionários, na Bela Vista. O terreno dessa última praça foi
desapropriado e ajardinado na década de 1950, a partir da solicitação do vereador
Horácio Alves Cunha, sendo a área da praça constituída de apenas meia quadra. Ao
seu redor se posicionava a Radio PRG-8, o comércio e o Cine Bela Vista. Não havia
relação entre o espaço do jardim público e a Igreja Santo Antônio, situada em rua mais
acima.
Os espaços públicos tentavam reproduzir, da melhor forma possível, a Praça
Rui Barbosa, com vegetação bem cuidada, bancos, pérgulas, luminárias e até mesmo
coreto. Nelas circulavam as moças dos bairros, vigiadas atentamente pelos rapazes
das respectivas vilas, que raramente aceitavam os jovens forasteiros da “cidade”.
Nas proximidades o comércio também se fez relevante, com pequenos
negócios, destacando-se os mercadinhos, alfaiatarias, açougues, sapatarias,
serrarias, bares, vendas, padarias e farmácias.
Ainda, como amostragem da importância desses bairros, alguns exemplos:
A Bauru Rádio Club, PRG-8, situada no Jardim Bela Vista, criada em 1934,
foi a primeira emissora de rádio da cidade e a segunda do interior paulista. Inicialmente
funcionou no centro e em 1946 inaugura o novo prédio em ponto alto do bairro. Seus
equipamentos e instalações eram moderníssimos para a época, possuía estúdio-palco
com auditório para 300 pessoas, estúdio para apresentações privadas, bar, sala de
controle, discoteca com milhares de gravações, salas para escritório comercial,
direção artística de ensaio e uma torre de 67 metros de altura. Seu idealizador foi o
arrojado empreendedor João Simonetti, quem construiu o belo prédio ainda existente
em frente à Praça dos Expedicionários. A rádio chegou a receber muitas estrelas
musicais do período como Silvio Caldas, Orlando Silva e Francisco Alves. As
apresentações desses grandes nomes atraíam para os estúdios do Jardim Bela Vista
centenas de pessoas para verem de perto seus ídolos.
No mesmo local, e pelo mesmo Simonetti, no ano de 1960, será fundada a
primeira e pioneira emissora de televisão do interior brasileiro, a TV Bauru - Canal 2.
BAURU EM TEMAS URBANOS 139

Sua sede atualmente é ocupada pela TV TEM, rede que abrange hoje quase 100
cidades do interior de São Paulo, ligada ao sistema Globo de Televisão.
O bairro abrigou, também, o Sanatório Salles Gomes, com 200 leitos, criado
pela NOB na década de 1940, posteriormente transformado em Hospital Psiquiátrico
privado e por último demolido para dar lugar a um Condomínio Residencial Vertical de
pequenos prédios da MRV.
Nos limites do bairro e bem próximo do centro da cidade, foi instalado o Fórum
no ano de 1972, a partir de diretrizes emanadas do primeiro Plano Diretor da Cidade
do CPEU/USP, e reelaboradas pelo Plano Diretor de Bauru logo após, sendo
posteriormente construída a Secretaria Estadual da Fazenda ao seu lado 200.

Figura 38: Ao centro o conjunto poliesportivo do Noroeste, ainda em construção, bem como a
vasta área ao redor sendo ainda ocupada. Foto provavelmente da década de 1960

Fonte: Museu Ferroviário Regional de Bauru.

A Vila Falcão, por sua vez, sedia o Club Noroeste, criado em 1910 pelos
ferroviários da NOB. Com o incêndio de seu estádio em 1958, transferiu-se para o
bairro, em terras doadas por Daniel Pacífico. O novo complexo, formado por piscinas

200 Sobre o assunto checar Capítulo 9: Legislações Urbanas e Planos Diretores.


140

e estádio de futebol, hoje parcialmente remanescente, possuía belíssimo


agrupamento arquitetônico construído a partir de plano de Ícaro de Castro Mello, o
mesmo profissional que projetou os edifícios do Conjunto Desportivo do Ibirapuera em
São Paulo. O ginásio coberto, chamado de Panela de Pressão e ainda em uso, é a
obra mais relevante com capacidade para 4.000 espectadores e cúpula de 52 metros
de diâmetro apoiada em estrutura laminada de madeira e chapas de alumínio201.
O Bairro ainda abriga a sede local da Companhia Paulista de Força e Luz
(CPFL), bem como sedia o Hospital Manoel de Abreu, fundado em 1951, como
Sanatório para Tratamento da Tuberculose, e transformado em hospital em 1988202.
Os dois bairros também, devido sua distância e dimensões, foram os
primeiros a contar com linha de ônibus circular iniciada pela Empresa Quaggio, no ano
de 1939203. Foi a solução encontrada pela municipalidade para dar alcançabilidade
aos bairros, longínquos em demasia para serem atingidos a pé por muitos moradores.
Tal organização, depois denominada Empresa Circular Cidade de Bauru- ECCB,
ganhará seguidamente as licitações de concessão pública para explorar o transporte
circular na cidade e se manteve como única firma de transporte coletivo até o início
do século XX.
Em um território urbano cortado por cursos d'água, trilhos e pátios ferroviários
em direção a vários quadrantes, os viadutos em concreto armado, e não mais as
frágeis pontes de madeira, terão papel especial. Eles representarão facilidade e
segurança de acesso a setores outrora "desligados" ou precariamente ligados à área
central. Como exemplo, as pontes sobre o Ribeirão Bauru, que permitem ingresso ao
Jardim Bela Vista, Vila Falcão e adjacências.
A Vila Falcão será dos primeiros espaços urbanos fora do Patrimônio a contar
com ponte um pouco melhor estruturada, mas ainda em madeira, no ano de 1932 204.
Estava longe de ser totalmente confiável, pois sendo pequena e baixa era encoberta
pelas águas do Ribeirão Bauru em toda chuva mais forte.
O prefeito Nuno de Assis inaugura, em 1963, o segundo grande viaduto da
cidade, se considerarmos como primeiro o da Companhia Paulista, na Rua Araújo

201 Ginásio da EFNB. Revista Acrópole. Ano XIX, nº. 223, Maio de 1957, p. 239-241.
202 Hospital Manoel de Abreu: 63 anos de história, 6 de renovação. FAMESP, 2020. Disponível em:
<https://www.famesp.org.br/noticias.php?ID=0000115>.
203 BASTOS, I. A. Falcão/Independência, Nossa gente e nossa história. Bauru: Document Center

Xerox-USC, 2002, p.281.


204 Idem, p. 26.
BAURU EM TEMAS URBANOS 141

Leite. Será o Mauá, de concreto armado e construído em cota bastante elevada sobre
a passagem dos trens da Sorocabana e do curso d'água. Fará a ligação do centro
com a Vila Falcão e as instalações da NOB. A obra foi iniciada ainda no final dos anos
1950205, na gestão do prefeito Octavio Pinheiro Brisolla, com ajuda da ferrovia, que
precisava de acesso mais confiável para suas grandes oficinas. Outro viaduto, o Nuno
de Assis, junto e paralelo ao Mauá será inaugurado em 1971, no sentido de duplicar
a capacidade de vazão.
Em 1981, na administração Oswaldo Sbeghen, outra grande obra de arte
ampliará o acesso para a Falcão e também para a Vila Independência a partir da
continuidade da Avenida Duque de Caxias: o extenso Viaduto Antônio Eufrásio de
Toledo, com 300 metros, alcunhado de “Gigante do Vale”, viabilizado a partir de
verbas federais.
Em direção ao Jardim Bela Vista houve (e ainda há totalmente assoreada)
passagem sob os trilhos da Companhia Paulista, no prolongamento da Rua Azarias
Leite, que devido sua cota baixa inundava em todas as chuvas mais fortes.
Para substituir a passagem precária, na administração de Nicola Avallone
Junior entre 1956 e 1959, um primeiro viaduto alto e em concreto foi construído, em
continuidade à Rua Azarias Leite, sobre a velha passagem e denominado Juscelino
Kubitschek (JK).
Em 1973, é erguido outro viaduto, com um braço para acesso à nova Avenida
Nuno de Assis, marginal do Ribeirão Bauru, chamado João Simonetti, no
prolongamento da Rua 13 de Maio.
Os dois viadutos do Jardim Bela Vista deveriam garantir ingresso e
viabilização da construção do Centro Cívico, que seria edificado no bairro conforme o
Plano Diretor de Bauru do ano de 1967.
Tais obras de arte atuarão no sentido de o mercado imobiliário valorizar essas
zonas da cidade, fazendo com que as mesmas passassem a comportar, não só o
operariado, como parcela da classe média, em que pese o processo de gentrificação
daí decorrente, em especial na Vila Falcão. Novos loteamentos serão viabilizados
bairro adentro e as zonas mais próximas ao centro comportarão moradores de classe
média.

205 Idem, p. 263-264.


142

Interessante observar que os grandes viadutos foram muito relevantes para


esses dois bairros, e deram importância redobrada às vias que continuavam seu
percurso dentro deles, porém, reduziu a potência do comércio local, pois a
acessibilidade foi facilitada para o centro da cidade. Os viadutos os aproximam do
centro e os fazem mais dependentes das atividades do coração da cidade.
Acreditamos que, antes dos viadutos, os bairros se configuraram radialmente
a partir de um centro local com praça e igreja, limitando-se fisicamente aos vales e
trilhos de seu perímetro, aos moldes de uma pequena cidade. Com os grandes
viadutos, além da efetiva ligação com o centro, ocorre estiramento a partir de certas
ruas que levarão a novos setores além do bairro original. Ou seja, Falcão e Bela Vista
se tornam passagem para outras expansões ainda mais adiante. Ao mesmo tempo as
pontes reduzem o tempo e a distância para se chegar aos novos parcelamentos que,
necessariamente, ocorrerão em suas franjas.
A Vila Falcão também pode ser considerada o primeiro bairro universitário da
cidade, ao menos por um período específico, pois a partir dos anos 1960 duas
importantes instituições de ensino funcionaram lado a lado, a Instituição Toledo de
Ensino (ITE) e a Fundação Educacional de Bauru, que comportavam milhares de
estudantes.
Essas entidades educacionais, que também se estabeleceram em terras
doadas por Daniel Pacifico, um dos loteadores dos bairros contíguos a Falcão, no
caso a Vila Pacífico, deram a região grande impulso e colorido especial trazido pelos
discentes que ali viviam em suas repúblicas. Entretanto, nos meados dos anos 1980,
a Fundação, já Universidade de Bauru (UB), desloca-se completamente para o novo
campus universitário em parcela de uma grande fazenda doada pela Prefeitura,
afastada da cidade e distante de tudo, esvaziando consideravelmente o bairro de sua
função estudantil206.
Também na Falcão, no final dos anos 1960, será criada pela comunidade
negra a base daquela que viria a ser a primeira escola de samba da cidade, a

206Embora a mudança da UB para o novo campus tenha sido feita de forma gradual, sendo o IPMET
o primeiro setor a ser transferido devido às características de seu equipamento, ainda na década de
1970, ocorre que, com a encampação da UB pela UNESP em 1988, toda estrutura para lá se transfere.
O novo campus, ainda nos nossos dias, será uma área apartada da cidade, em que pese alguns novos
bairros que se formaram ao redor. Relação com a cidade bastante similar a outros tantos campi
universitários implantados no país a partir dos anos 1940.
BAURU EM TEMAS URBANOS 143

Mocidade Independente da Vila Falcão, oficialmente fundada em 1975 207. Certamente


a Falcão será o bairro da comunidade negra, por excelência, isso se pode ver
historicamente.

Figura 39: Vila Falcão universitária: em primeiro plano a antiga Fundação Educacional de
Bauru e logo acima a Instituição Toledo de Ensino

Fonte: Bauru, Cidade Sem Limites. Álbum Fotorevista Municipal Focaliza. Núcleo de
Pesquisas Históricas (NUPHIS) da UNISAGRADO.

Nos jornais do início do século encontram-se muitas menções às práticas de


capoeira e cultos de matriz africana, combatidos pela polícia da época, onde se
depreende que no bairro havia muitos negros também208.
Como exemplo da forte presença afro descendente no bairro, reproduzimos
matéria do Diário da Noroeste do ano de 1926, assim intitulada:

O 13 de Maio da Villa Falcão

207 BASTOS, I. A. Falcão/Independência, Nossa gente e nossa história. Bauru: Document Center
Xerox-USC, 2002, p.130/31.
208 A Igreja do bairro terá como padroeiro São Benedito, um santo negro.
144

Sabemos que se preparam, na Villa Falcão, festas populares -


aliás da tradicção d'aquele bairro para commemorar a passagem do
anniversário da abolição. Entre outros números, haverá batuque rijo,
e um grande baile familiar209.

Alguns dias depois o mesmo jornal fala da festa, porém, com tom crítico:

Algazarras nas ruas.


A "farra" de hontem, commemorativa de 13 de maio, foi
abundante. Villa Falcão, onde imperou o batuque e o quentão rolou,
teve uma animação extraordinária, ao que nos dizem210.

Interessante observar que os batuques dos anos 1920, tratados com desprezo
pela imprensa da época, acabarão por gerar a primeira escola de samba, que se
tornou orgulho da cidade, no final do mesmo século.
As duas regiões de Bauru, formadas pelos bairros Vila Falcão e Jardim Bela
Vista, embora situadas uma ao lado da outra, só obterão ligação física na década de
1970 com a construção das avenidas Daniel Pacifico e Waldemar G. Ferreira as quais
transporão os trilhos da NOB e o Córrego da Grama. Obra com tal propósito de junção,
realizada entre os dois populosos setores urbanos, é necessário que se concretize em
outros tantos territórios da cidade, também cindidos pela ferrovia, cursos d'água e
rodovias.
Embora, atualmente, as igrejas católicas mantenham papel relevante junto às
suas comunidades, outras religiões agregam a sua volta novas coletividades, em
particular as evangélicas, que se instalam em espaços diversificados e muitas vezes
improvisados.
O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) indicou em seu Censo
de 2010 que havia um aumento de 61% de evangélicos na população brasileira em
apenas 10 anos211. Isso tem alterado significativamente a paisagem urbana
reconfigurando os bairros e seus "centros" que giravam antes quase exclusivamente
ao redor do santuário católico. A facilidade de abertura de templos pentecostais e
neopentecostais, alojados em espaços mínimos, pequenas garagens ou salões
minúsculos onde iniciam as pregações junto às comunidades pobres e favelas nas

209 Jornal Diário da Noroeste. 06 mai. 1926.


210 Jornal Diário da Noroeste. 14 mai. 1926.
211 CHAVES, L. R. Pregador evangélico lê a bíblia em voz alta em frente à Catedral da Sé, em São

Paulo. Revista Pesquisa FAPESP, 2019. Disponível em: <https://revistapesquisa.fapesp.br/fe-


publica/>.
BAURU EM TEMAS URBANOS 145

franjas dos bairros, garante sua extrema capilaridade, o que tem alterado as noções
anteriores de centralidade de bairro.
Nos dias atuais o comércio de bairro mantém-se bastante vivo na Vila Falcão,
onde se pode perceber um centro junto ao Supermercado Confiança, grande rede
supermercadista que iniciou suas atividades na Falcão com a denominação de Casa
Confiança. Ao seu redor, agências bancárias, lojas de roupas, postos de combustíveis
mostram força e vitalidade. Os novos parcelamentos mais adiante também abrigam
seus pequenos comércios de bairro como àqueles das Vilas Pacífico, Industrial e
Rocha.
O mesmo não ocorre no Jardim Bela Vista cujo "centro" junto à Praça dos
Expedicionários sofreu certo esvaziamento em favor do comércio espalhado pelas
ruas principais do bairro, em direção ao Santa Edwiges, Jaraguá, Alto Alegre.
Mantem-se junto à Praça algumas agências bancárias, a TV TEM e um mercado.
Serviços públicos de relevância como a Unidade de Pronto Atendimento
(UPA) do Bela Vista também parece trazer para seu redor uma série de serviços e
comércios. Dando-se o mesmo às margens da Avenida Nuno de Assis, pelo porte da
avenida e devido à maior proximidade desse eixo com o centro da cidade.
146
BAURU EM TEMAS URBANOS 147





Até 1930 Bauru possuía basicamente construções térreas e assobradadas. A


verticalização da cidade se inicia ao final dessa década, após a passagem dos
momentos mais difíceis do crack de 1929. Constituir-se-ão de pequenos prédios com
poucos pavimentos destinados a aluguel. Serão erguidos no centro e possuirão uso
misto: térreo para comércio ou serviços e pisos superiores destinados à moradia. Viver
no centro era sinal de status, local onde se dispunha toda infraestrutura urbana
disponível em Bauru.
Os prédios estarão concentrados nas vias comerciais devido à valorização
dos terrenos nesse setor da cidade o que admitia, quando necessário, a demolição de
velhas construções, substituídas por obras em andares. Em geral, ocupavam lotes de
residências unifamiliares, ou de uso misto, que ali estavam implantadas
anteriormente. Tal situação é possível de ser percebida a partir da Planta Cadastral
de Bauru do ano de 1924212, quando se verifica que a Rua Batista de Carvalho já
estava praticamente ocupada e no período ainda não existiam prédios na cidade.
Dessa forma, boa parte dos que aí serão construídos nas décadas seguintes, se darão
a partir de arrasamentos de edificações precedentes.

212Planta Cadastral de Bauru de 1924, organizada por ordem da Prefeitura. Original no Museu
Histórico de Bauru.
148

Figura 40: Rara foto aérea de Bauru, sem data ou autor, mas provavelmente do final da
década de 1930. Nela ainda não se veem prédios, contudo a estação da NOB já aparece, não
é possível saber se em obras ou já inaugurada. Ao fundo encontra-se o Jardim Bela Vista

Fonte: Museu Ferroviário Regional de Bauru.

Nestor Goulart Reis Filho (1978) indica que em São Paulo os primeiros prédios
também empregaram terrenos residenciais:

Ocupando-se novamente dois ou três dos limites laterais dos terrenos,


sobravam as áreas internas como soluções para arejamento e
iluminação dos vários compartimentos afastados da rua. Agora,
contudo, as dimensões de áreas livres, que haviam bastando para
iluminar um residência térrea, não poderiam, senão de modo precário
atender as novas condições213.

Como abrangiam a totalidade da área dos terrenos, suas extensas empenas


cegas habitualmente coincidiam com as divisas dos lotes. Tais empenas serão
utilizadas nas décadas seguintes como imensos outdoors para anúncios dos mais
variados produtos, como se vê nas imagens fotográficas da cidade, sendo que o
mesmo ocorria nas capitais, entre as quais São Paulo, onde a prática tornava a
paisagem urbana extremamente poluída.

213 REIS FILHO. N. G. Quadro da arquitetura no Brasil. São Paulo: Perspectiva, 1978, p.79.
BAURU EM TEMAS URBANOS 149

Como apontado por Nestor Goulart Reis Filho, os projetos resolviam, ou


tentavam resolver, a claridade e ventilação dos ambientes através de acanhados
poços de iluminação centrais ou laterais. Poderiam até oferecer luz suficiente aos
andares superiores, mas essa se escasseava nos níveis mais baixos.
Os prédios possuíam hall de entrada diretamente no passeio, acessado a
partir de curto lance de escadas em nicho. Como marca de identidade sempre havia
uma grande porta em ferro, em geral de duas folhas, com serralheria apurada e vidro
transparente. Ao seu lado, ou sobre a porta, o nome do imóvel, tratado por prédio ou
edifício, em letras metálicas. Inicialmente não dispunham de elevadores, os quais
serão mais comuns na cidade após os anos 1950, em empreendimentos de mais
andares.
O acesso direto à calçada e o uso misto com comércio no nível do térreo era
algo bastante positivo e dava vida diversificada ao espaço central; tais parâmetros,
abandonados no final do século XX, hoje voltam a ser perseguidos para nossas
cidades dentro do conceito da fachada ativa 214. Interessante observar que tais
construções, sempre no alinhamento do passeio, contavam com largas marquises de
contorno em concreto, que de certa forma protegiam os passantes e as vitrines do sol
inclemente e das chuvas torrenciais – uma gentileza urbana, detalhe arquitetônico
infelizmente quase desaparecido em nossos dias.
O crescimento da verticalização na década de 1930 também se explica devido
ao Decreto Federal 5.481, de 25 de junho de 1928, que dispõe sobre a alienação
parcial dos edifícios de mais de cinco andares, questão bastante confusa até então.
Possuía como novidade o fato de autorizar a venda individual de um apartamento ou
escritório, desde que seguisse condições. São elas: o prédio deveria dispor de mais
de cinco andares, ser construído em “cimento armado”, as unidades deveriam conter
mais de três peças e totalmente independentes. Tal lei foi bastante revolucionária,
apontando o terreno onde o prédio estivesse erguido e as áreas externas às unidades
como de uso comum e possibilitando o rateio das despesas condominiais. Também
vedava qualquer alteração nas fachadas ou mesmo nas paredes internas.
A lei incentivou a verticalização por dar a possibilidade de comercialização
das unidades isoladamente e não apenas o prédio como um todo. Certamente abrem-
se novas possibilidades para a negociação e maior popularização do “produto”

214 GEHL, J. Cidades para Pessoas. São Paulo: Perspectiva, 2013.


150

apartamento, ou mesmo do escritório em andares. A viabilidade dos apartamentos


possuírem apenas três peças dava margem às construções de unidades pequenas
do tipo sala, quarto, cozinha e banheiro, ou até mesmo da quitinete ou conjugado,
formado por sala-quarto, cozinha e banheiro. A partir daí muitas construtoras
começam a se especializar nesse tipo de obra, em particular na capital do Estado.
O Código de Posturas de Bauru do ano de 1928, nada trata de forma
específica das construções em vários andares, apenas dá indícios de sua
possibilidade junto às determinações construtivas gerais, como por exemplo, no artigo
62 que se ocupa das Alturas dos pés direito, quando aponta:

A altura mínima dos pés direitos no interior dos prédios, será de 4


metros e meio no mínimo para o primeiro pavimento; de 4 metros, no
mínimo, para o segundo e 3 metros e 50 centímetros, no mínimo, para
o terceiro, variando dahi por diante em relação à altura do prédio,
sem que, todavia seja permittida a altura do pé direito inferior a 3
metros215.

Também no Artigo 99, quando trata de Corredores e Escadas indica:

Parágrafo 3º - Nos prédios de diversos andares deverão haver


escadas secundárias, além da escada principal216.

Tal medida, que parece prefigurar a possibilidade de escada de incêndio, na


realidade diz respeito às escadas destinadas ao serviço, em uma sociedade
preconceituosa que apartava a força de trabalho doméstica.
Carlos Lemos (1976) assim aponta as passagens internas dos primeiros
edifícios de São Paulo:

Os edifícios deveriam ter "entradas nobres" e entradas de serviços. O


acesso à rua poderia ser um só, mas dentro, logo no térreo, as
circulações passariam a ser diferenciadas217.

Mesmo tal medida não parece ter sido cumprida em Bauru, pois, no período,
são raros os edifícios dotados de escadas secundárias.
São poucas as pistas que a Lei nos dá a respeito da presença de prédios na
cidade. Tal fato denota o quanto, ainda no final da década de 1920, a legislação local

215 Código de Posturas de 1928, p.19, grifo nosso.


216 Idem, p. 26.
217 LEMOS, C. Cozinhas, etc. São Paulo: Perspectiva, 1976, p.162
BAURU EM TEMAS URBANOS 151

estava pouco preparada para normatizar os arranha-céus ao permitir edificações mais


altas em qualquer tipo de terreno ou lugar, sem dar, por conseguinte, definições
específicas quanto às dimensões e posicionamento das partes comuns, como
acessos, escadas, elevadores, circulações, entre outros.
A década de 1930 será de crescimento local, em contraste com as regiões e
cidades dependentes exclusivamente do café. A cultura do algodão se impõe para o
espaço rural, mas, a rigor, Bauru já possuía suas bases assentadas no comércio e
serviços. O crack da bolsa de Nova York não abalará tão expressivamente a economia
citadina, que ao final da década estará muito ativa.
No campo industrial de transformação a Anderson Clayton, Indústrias
Matarazzo e a Sociedade Algodoeira do Nordeste Brasileiro (SANBRA), se instalam
na cidade nessa década para o beneficiamento da produção algodoeira da região.
Prado Jr. (1994) aponta o decênio como de crise para o país, mas ao mesmo tempo
de nacionalização da economia em virtude da dificuldade e altos custos de importação
e desvalorização da moeda.

A grave crise que sofria seu sistema tradicional de fornecedor de


matérias primas e gêneros tropicais, resultava no progresso de sua
nova economia voltada para necessidades próprias218.

A presença de elementos nacionais na construção civil se dará através da


linguagem art déco, menos rebuscada e privada de componentes importados,
diferentemente do ecletismo. A obra poderia ser resolvida quase inteiramente no
canteiro com poucos recursos aplicados. A caixilharia metálica, os mármores, granitos
e granilites, muito frequentes na linguagem, eram todos encontrados e elaborados no
país.
A expressiva presença do déco na cidade, ainda possível de ser verificada na
paisagem central a partir de seus remanescentes, rende óbvio tributo à estação da
NOB, inaugurada em 1939 na linguagem e assinada pelo Engenheiro Arquiteto José
Hugo Speche. Com três pisos, foi o primeiro prédio a possuir elevadores na cidade,
dispostos nas duas alas principais. A obra foi construída depois de outros projetos de
estação serem elaborados e rejeitados por motivos variados.

218 PRADO JR., C. História econômica do Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1994, p.292.
152

Houve um desenho inicial, criado em 1905 pelos franceses, e outro


monumental, elaborado na década de 1920, todos majestosamente ecléticos.
Contudo, é o de linguagem déco, em uma segunda versão, que se mostrará viável em
período onde o aço e o concreto passam a ser valorizados enquanto produto nacional,
durante o Estado Novo. Momento em que a ferrovia ganha nova dimensão na política
externa brasileira, ligando-se a dois países vizinhos: Bolívia e Paraguai219. O prédio
da NOB de Bauru disporá da primeira gare do país, integralmente em estrutura de
concreto armado, abandonando as habituais armações metálicas importadas. Ainda
não era, mas apontava no sentido da nova arquitetura modernista brasileira, que se
exibiria ao mundo menos de uma década depois com Pampulha, onde esse material
seria basilar.
O porte imenso da estação se explica devido ao Decreto Lei n°. 2.013, de
fevereiro de 1940, assinado por Getúlio Vargas, que autoriza a NOB a firmar termo de
acordo, por quarenta anos, com a Estrada de Ferro Sorocabana e a Companhia
Paulista de Estradas de Ferro, para uso comum da nova estação 220. Ainda que não
tenha sido o primeiro na linguagem déco na cidade, a impressão de “modernidade”
atuará decisivamente no sentido do art déco se firmar solidamente em Bauru.
A juventude da urbe e a completa ausência de um passado tradicionalista
baseado na aristocracia do café221 atuavam no sentido de se mostrar ao centro e oeste
do Estado como exemplo de contemporaneidade. E por mais que o déco fosse
discutível em termos de modernidade para os eruditos, para o homem médio do
período era a representação plena do vindouro, tanto que a linguagem também era
tratada popularmente de "futurista".
Sobre a linguagem aponta Luiz Paulo Conde:

A modernidade art déco, ademais, se apresentava como uma proposta


indissociável dos avanços tecnológicos da época: o rádio, o cinema, a
gravação elétrica (disco), automóveis, aviões, transatlânticos, arranha
céus. Daí podermos definir seu caráter como intrinsecamente
cosmopolitas222.

219 A primeira visita de Getúlio Vargas ao Estado de São Paulo, enquanto presidente inicia-se por Bauru,
em 20 de julho de 1938. O governante visitará as obras da estação, o que demonstra a relevância
estratégica da NOB nesse momento.
220 BAURU. Decreto Lei n°. 2.013, de fevereiro de 1940. Cópia do autor.
221 Como Jaú, São Carlos, Araraquara e outras cidades um pouco mais velhas onde a atividade cafeeira

ditou os rumos econômicos por muitas décadas.


222 CONDE, L. P. F. Art déco: a modernidade antes do movimento moderno. In: Art déco na América

Latina. Centro de arquitetura e urbanismo - I Seminário Internacional. Rio de Janeiro, PUC/RJ,


1997, p.70.
BAURU EM TEMAS URBANOS 153

Figura 41: Fachada Principal do Projeto para a Estação da NOB, em Bauru, datado de 1922.
Obra não executada

Fonte: Museu Ferroviário Regional de Bauru.

Figura 42: O monumental edifício art déco da NOB construído em Bauru e inaugurado em
1939, que concentrará as três ferrovias da cidade. Perspectiva do projeto executivo

Fonte: Museu Ferroviário Regional de Bauru.

Entre os vários prédios déco destaca-se aquele considerado o primeiro com


três andares da cidade, inaugurado no ano de 1938, o Prédio Orsolini, na esquina da
Batista de Carvalho com Azarias Leite, atualmente bastante alterado. O Jornal Correio
da Noroeste faz uma matéria sobre a significativa “conquista” para a rua onde está o
grande comércio da cidade comemorando o fato, se denomina Um edifício de três
pavimentos na rua central da cidade. Comenta que seria um primeiro passo para as
mudanças no padrão das edificações da Rua Batista de Carvalho, "sendo tal mutação
154

mais espontânea que oficial"223, o que entendemos querer dizer sobre as mudanças
ocorrerem a partir de investimentos privados.

Figura 43: Emes Hotel e posto de gasolina no térreo. Belo exemplar do art déco na cidade. O
prédio ainda é existente com algumas modificações

Fonte: Bauru Ilustrado, jan. 1988.

Outro prédio, construído pela Construtora Técnica Figueiredo Ltda, também


muito interessante com três andares é aquele situado na esquina da Rodrigues Alves
com 13 de Maio, que abrigou, em parte de seu térreo, posto de gasolina e, nos
andares superiores, o Emes Hotel, combinação de usos impensável em nossos dias.
Dentro da mesma tipologia arquitetônica se inscreve o Edifício Abelha, aprovado em
1939224, na quadra seis da Rua Primeiro de Agosto, que inicialmente possuía dois
andares, ganhando um terceiro muitos anos atrás. Tal edificação tombada pelo
CODEPAC tem sido paulatinamente alterada.

223
Jornal Correio da Noroeste. 18 dez. 1938.
224
Conforme tabela com a "Relação dos Edifícios Aprovados" fornecidos pela SEPLAN, Prefeitura
Municipal de Bauru.
BAURU EM TEMAS URBANOS 155

Um exemplar muito peculiar de arquitetura e verticalidade é o Edifício


Sampieri, construído pela Raffaele Mercadante Ltda.225, aprovado em 1946, na quadra
quatro da Rua Primeiro de Agosto, com quatro pisos. Não é déco nem moderno.
Inscreve-se numa tipologia intermediária e particular que merece estudo mais
aprofundado, algo que não é o objetivo desse trabalho. Suas curvas e contracurvas,
e certa organicidade formal, ao menos de fachada, o inscrevem como um outsider,
verdadeira joia do centro da cidade.
Os primeiros prédios foram construídos para servirem de renda aos seus
proprietários, ou edificados integralmente para uso comercial e de serviços como no
caso do Emes Hotel. Todos ainda possuem menos de cinco andares e, portanto, não
se enquadravam no Decreto Federal de 1928, de onde se supõe que o objetivo fosse
de aluguel, dispensando a separação dos registros e a individualização formal das
unidades.
Ao menos até a Lei de Inquilinato de 1942, a construção para aluguel será
atividade importante para a economia nacional e para a cidade também. Era forma de
se manter um patrimônio, preservar o capital da inflação e lucrar com o investimento.
A facilidade na retomada do imóvel locado, devido à desregulamentação dos alugueis
até 1942, ainda era fator que incentivava a atividade rentista. Não resta dúvida que
grande parte dos primeiros prédios cumpria esse objetivo de investimento das classes
mais favorecidas. Como a prática era regular entre aqueles que dispunham de capital,
a oferta de imóveis de aluguel mantinha seus valores a nível aceitável, permitindo a
moradia de muitos no centro da cidade enquanto inquilinos. A situação mudará a
partir da Lei de Inquilinato quando os investimentos em construção passarão a ser,
em sua maioria, destinados à venda de unidades individualizadas.
Durante a Segunda Guerra Mundial, as construções em andares parecem ter
se desacelerado. Ao seu final a cidade contava com 56.600 habitantes e com 6.852
edificações residenciais e 129 edificações comerciais226, em sua imensa maioria
térreas.
A partir dos anos 1950 o panorama se altera com a cidade comportando
edificações de mais andares e maior imponência. Continuarão no centro e de uso

225 Revista BRASILITAS. Revista Cultural de Bauru. Ano XIV, nº. 5, 1950. Conforme propaganda da
construtora inserida na revista.
226 BASTOS, I. A. Falcão/Independência, Nossa gente e nossa história. Bauru: Document Center

Xerox-USC, 2002, p.174.


156

misto, mantendo-se o comércio junto ao térreo com pé direito mais alto e, por vezes,
dotado de sobreloja, sempre abaixo de uma marquise que os fronteava. São edifícios
que podem ser considerados modernistas227. Longe de seus projetistas escolherem e
aderirem aos cinco pontos da arquitetura moderna, de tentarem mostrar inovação e
peripécias estruturais ou arroubos plásticos, são sim de tipologia moderna. Entre eles
apontamos o Edifício Santa Maria, aprovado em 1951, na quadra seis da Batista de
Carvalho, de seis pisos, com suas extensas varandas e limpeza plástica. Ou o Edifício
Caetano Sampieri, aprovado em 1957, na quadra sete da Rodrigues Alves, também
de seis pisos, cuja fachada é formada por composição racional de vigas e pilares e
alternância na posição das aberturas, onde tenta expor a modulação dos ambientes
internos.
Nos meados da década de 1950 a Rodrigues é ampliada para o leste em
direção à Vila Cardia e o trecho entre a Rua Antônio Alves e a Nações Unidas recebe
dois exemplares importantes de arranha-céus de uso residencial dispondo de térreo
comercial. São os edifícios Terra Branca e Bauru, que a partir de sua designação
fazem homenagem a própria cidade. Diferentemente dos pequenos prédios
anteriores, esses serão construídos para venda de unidades individualizadas e não
para locação de suas unidades, comercializados através do sistema de condomínio,
como apontava o Diário de Bauru.
O Edifício Terra Branca, aprovado em 1952, com nove andares foi erguido
pela conceituada e muito ativa Construtora Raffaele Mercadante e está situado na
esquina da Rodrigues Alves com Antônio Alves. Possui 36 apartamentos de dois
dormitórios, sala, vestíbulo, cozinha e dependências sanitárias “todos perfeitamente
claros e banhados pelo sol”228. Outro aspecto realçado era o fato de o edifício contar
com duas caixas d’água de 15 e 20 mil litros, dispositivos que atenderiam a todos os
condôminos em uma cidade onde a falta desse precioso líquido era constante. Sua
planta em “L” com fachadas para as duas vias com apartamentos voltados para elas
e para os pátios internos garantiam, realmente, boa iluminação e ventilação às

227 FERRAZ (2003), investiga as marcas do moderno na década de 50 concebidas pelos arquitetos
Zenon Lotufo, Ícaro de Castro Mello, Roberto José Goulart Tibau e Oswaldo Corrêa Gonçalves, e
apresenta o redesenho dos projetos originais bem como o levantamento iconográfico e fotográfico.
Analisa a trajetória de seus atores, as principais atuações e realizações que identificam suas
referências teóricas e projetuais, tecendo um capítulo para cada arquiteto e respectivos projetos
idealizados para a cidade. Aborda a visão do desenvolvimento arquitetônico que antecedeu este
período e se estendeu até 1970, destacando obras de outros arquitetos como João Cacciola e
Fernando Ferreira de Pinho.
228 Edifício Terra Branca. Jornal Diário de Bauru. 10 abr. 1955.
BAURU EM TEMAS URBANOS 157

unidades. Plasticamente sua composição é simples se baseando no jogo das


pequenas sacadas.
Um pouco mais à frente da avenida é construído o Edifício Bauru, aprovado
em 1953, em lote pouco profundo situado em estreito quarteirão, com duas fachadas,
uma principal para a Rodrigues, e outra para a Rua André Padilha. Possui oito
andares, 22 apartamentos de dois dormitórios, sala, cozinha e instalações
sanitárias229. Foi construído pela Sociedade Civil Progresso de Bauru de propriedade
de Antônio dos Reis e a Construtora Técnica Figueiredo Ltda. Suas fachadas são
compostas por longas e estreitas varandas, com o mesmo tratamento para as duas
vias.
Os dois edifícios possuirão tipologia modernista, serão considerados bastante
avançados pelos moradores da cidade, entretanto, se comparados com as
experiências vanguardistas que se davam no Brasil, podem ser vistos como
relativamente simplificados e pouco inspirados. São sóbrios, meio pesados, possuem
limpeza plástica, caixilhos e ferragens racionalizadas, volumes retilíneos e ausência
de ornamentação. Elemento que os liga fortemente ao passado é a estrutura de
telhado em madeira recoberta por telhas de barro, assim como qualquer casa térrea
da época. Plasticamente não possuem qualquer característica especial que os
destacasse; pode-se dizer que deveriam ser classificados em uma categoria de
modernismo mais comercial.

229Edifício Bauru. Jornal Diário de Bauru. 18 abr. 1955. Outro expressivo testemunho de progresso
da cidade.
158

Figura 44: Edifício Santa Maria, situado na quadra 06 da Rua Batista de Carvalho, aprovado
em 1951

Fonte: Museu Ferroviário Regional de Bauru.


BAURU EM TEMAS URBANOS 159

A altura de ambos será demonstrativa do crescimento da cidade nos anos


1950. A Avenida Rodrigues Alves, vista da baixada do Córrego das Flores onde se
situará a Nações Unidas em direção às ferrovias, será tema de diversas fotografias e
cartões postais do período. A situação dos edifícios nas margens da larga avenida
com canteiro central mostrava a vitalidade da economia local. A partir de tal ângulo
tais prédios aparentavam serem maiores do que na realidade o são, o que indicava o
quanto sua presença contribuirá para a imagem de “progresso” de Bauru, em
momento onde a “conquista” de edifícios desse porte representava pujança para as
cidades do interior, sendo motivo de inveja para as outras de mesmo porte. Tanto é
fato que o Diário de Bauru elabora algumas reportagens mostrando os primeiros
arranha-céus da cidade denominando a série Bauru também cresce no Espaço e
classificando uma das construções desse porte como “testemunho de progresso da
cidade”230.
Outros três exemplares modernistas dignos de nota que vão além dos
anteriores na plasticidade, composição, estrutura e injustamente pouco lembrados
como precursores da linguagem, são o Edifício Pagani, o Ester Sebastião e o Júlio
Maringoni.
O Edifício Pagani foi aprovado em 1948 para uso misto, comercial e
residencial, está situado na esquina da Batista de Carvalho com Virgílio Malta, com
cinco andares. Sua arquitetura é composta formalmente por longos brises horizontais,
acompanhados por extensa caixilharia recortada por pilares que lhe dão aspecto
aerodinâmico, valorizado sobremaneira pela posição de esquina. Lembra alguns
outros edifícios de esquina que estavam sendo erguidos em São Paulo no período,
entre os quais o Edifício XI de Agosto, de 12 andares, ao lado da Praça da Sé, onde
os panos de vidro são maiores e os pilares estão recuados. É bastante provável que
o Pagani seja o primeiro prédio modernista construído em Bauru, e pode-se dizer com
características muito elegantes.
Outro arquitetonicamente bastante interessante, formado por volumes
centrais de varandas moduladas, é o prédio de quatro andares localizado na esquina
da Rua Primeiro de Agosto com Agenor Meira, aprovado em 1954, denominado Ester

230 Idem.
160

Sebastião, com projeto do engenheiro Murillo Villaça Maringoni, construído para o


Hotel Cidade de Bauru, que ainda hoje o ocupa, juntamente com lojas no térreo231.
O terceiro edifício modernista relevante desse período é o Edifício Júlio
Maringoni, na esquina da Rua Batista de Carvalho com Rua Treze de Maio, aprovado
em 1953, também projeto do engenheiro Murillo Villaça Maringoni, considerado pouco
comum pelos moradores da cidade devido ter sido “erguido de viés” junto à face da
Treze de Maio. O engenheiro, em matéria do Diário de Bauru, explica que o recurso
foi utilizado devido à necessidade de os ambientes receberem melhor incidência solar,
virtude não conseguida se o prédio fosse mantido paralelo à via.
O conjunto de quatro andares e loja junto ao térreo foi construído com fins de
locação para comércio e serviços nos pisos superiores. Cada andar contava com 20
salas, algumas com sanitários próprios e uma solução bastante inovadora para época:
em todos os pisos haveria sala de espera coletiva mobiliada e dotada de banheiros
comuns. No entendimento dos construtores tal situação evitaria maiores gastos com
pessoal por parte dos inquilinos, ou mesmo necessidade de aluguel de outra unidade
para servir de área de espera232. Infelizmente nos dias atuais esse pequeno prédio se
encontra bastante descaracterizado.
A construção de tais edifícios acompanha a crescente industrialização do país
no pós-guerra. Entre 1956 e 1961 desenrola-se o governo Juscelino Kubitschek e com
ele o Plano de Metas, que visava substituir importações a partir da produção local.
Brasília se concretiza como sonho em meio ao planalto central e a arquitetura
moderna brasileira torna-se reconhecida a nível internacional. Tais elementos
favoráveis atuarão decisivamente no espaço urbano da cidade que já era um pólo
regional de muita relevância.
Durante a década de 1960, até ao menos o início da década de 1970, haverá
financiamento do Banco Nacional da Habitação (BNH) na produção da moradia. De
início era autarquia ligada ao Ministério da Fazenda, após os anos 1970 233 torna-se
empresa pública na forma de Banco, fornecendo crédito imobiliário e gerindo o FGTS.
Nesse período, parte dos recursos passará a ser destinado à classe média e ao

231 Conforme propaganda inserida na Monografia editada sob os auspícios da Prefeitura Municipal. São
Paulo, Editora Habitat Editora Limitada, Abril de 1952. Original Acervo do Museu Ferroviário Regional.
232 Em pleno centro da cidade uma homenagem a um pioneiro de Bauru. Jornal Diário de Bauru. 16

abr. 1955.
233 BAURU. Lei nº. 5.762, de 14 de dezembro de 1971.
BAURU EM TEMAS URBANOS 161

financiamento da construção de edifícios residenciais. Entre 1970 e 1974 os


tomadores dos financiamentos na faixa média significavam 63% do total234.

Figura 45: Edifício Pagani elegante construção modernista de 1948, situado na esquina da
Rua Batista de Carvalho com Virgílio Malta

Fonte: Monografia editada sob os auspícios da Prefeitura Municipal. São Paulo: Editora
Habitat/Editora Limitada, abr. 1952. Museu Ferroviário Regional de Bauru.

234
AZEVEDO, S. de; ANDRADE, L. A. G. Habitação e Poder: Da Fundação da Casa Popular ao Banco
Nacional de Habitação. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1982, p.91.
162

Figura 46: Edifício Ester Sebastião com projeto do engenheiro Murillo Villaça Maringoni, na
esquina da rua Primeiro de Agosto com Agenor Meira, meados dos anos 1950, construído
para o Hotel Cidade de Bauru

Fonte: Monografia editada sob os auspícios da Prefeitura Municipal. São Paulo: Editora
Habitat/Editora Limitada, abr. 1952. Museu Ferroviário Regional de Bauru.
BAURU EM TEMAS URBANOS 163

Figura 47: À esquerda da fotografia Edifício Julio Maringoni, localizado na esquina da Rua 13
de Maio com Batista de Carvalho, imagem sem data

Fonte: Museu Ferroviário Regional de Bauru.


164

Figura 48: Construções consideradas relevantes para Bauru na década de 1950, no sentido
horário: Edifício Terra Branca, Hospital Regional, Anderson Clayton, Edifício Bauru, ao centro,
Estação da NOB e a Panela de Pressão. Imagens do fascículo Sinopse Estatística do
Município de Bauru, editadas pela Prefeitura Municipal de Bauru, 1955

Fonte: Núcleo de Pesquisas Históricas (NUPHIS) da UNISAGRADO.

No campo da formação profissional das áreas da construção, no final dos anos


1960 a cidade passa a contar com a Fundação Educacional de Bauru (FEB), semente
da atual UNESP, e nela começam a se formar engenheiros mecânicos, civis e elétricos
que se ocuparão de projetos e construções na cidade e região, elevando
sobremaneira a qualidade das obras e inovando as técnicas construtivas. Tais
profissionais de alto gabarito, nos anos 1970, durante o "milagre econômico", também
se encarregarão de importantes obras civis no interior paulista, em particular na
BAURU EM TEMAS URBANOS 165

construção de hidrelétricas da CESP, das subestações de energia em todo Estado,


das pontes, trevos, viadutos e das novas autoestradas.
Em 1963, será inaugurado o Edifício Brasil Portugal, primeiro prédio
exclusivamente residencial da cidade, projeto modernista do arquiteto Fernando
Ferreira de Pinho. Sua localização ainda é centralizada, mas pode-se dizer, às bordas
do centro, no cruzamento da Rodrigues Alves com a Avenida Nações Unidas,
finalizada até ali. A posição, privilegiadíssima, permitia a seus moradores extensa
vista da cidade e para aqueles que passavam perspectiva livre e majestosa do prédio.
Estabelece uma situação de exclusividade residencial inédita na cidade, que
se repetirá de forma frequente nas décadas seguintes. Será o novo modelo de
edificação para as classes médias, tanto devido ao padrão arquitetônico requintado
como seu perfil de uso, visando exclusivamente à moradia. O projeto deixa expresso
para todos que ali não haveria uso misto a partir de recuos e jardim frontal. Isso se
torna patente em função da posição diagonal de implantação ao lote, buscando a
melhor insolação, com a lâmina modulada da edificação afastada do passeio.
Destaca-se sua piazzeta ajardinada frontal, circular e privativa, mas aberta
visualmente à cidade, felizmente até nossos dias, devido seu tombamento pelo
CODEPAC. Também traz como novidade a presença de 18 garagens privativas e
individualizadas para alguns apartamentos, dos primeiros a dispor desse luxo. Ao todo
o prédio conta com 48 apartamentos, sendo 12 deles de três quartos, 12 de dois
quartos e 24 de com um dormitório.
Não é a entrada da cidade na arquitetura moderna verticalizada como vimos
anteriormente, contudo o exemplar do arquiteto Fernando Pinho, sofisticado, erudito,
internacionalizado e artisticamente bem resolvido, eleva o nível da linguagem a outro
patamar. Mais ainda, estabelece novo paradigma para a moradia multifamiliar que se
tornará o padrão e o sonho de consumo para as classes médias superiores nas
décadas seguintes: torre isolada no lote, garagem privativa e uso exclusivamente
residencial.
O mesmo arquiteto será o responsável por outro projeto de arranha-céu no
início da década de 1970, precursor na sua posição espacial na cidade e que passa a
indicar para onde iria a verticalização residencial. Trata-se do Edifício Vila Real,
aprovado em 1969, formado por dois blocos com nove pavimentos interligados por
elegante passarela transparente. Um dos blocos, o frontal à Praça Portugal, disporá
de apartamentos de grandes dimensões, com área de 180 m², e àquele voltado para
166

as ruas Rio Branco e Júlio Maringoni, unidades de três dormitórios, com área útil de
90 m². Essa foi a primeira experiência na cidade no sentido de “convencer” a alta
classe média a trocar uma casa de boa dimensão por apartamento, devido aos
espaços amplos, generosos e a sofisticação arquitetônica. Até então, na cidade e
mesmo no Brasil Portugal, os apartamentos eram de padrão apenas mediano.
O Edifício Vila Real estará situado junto à Praça Portugal, antes de a mesma
ter sido ajardinada, bastante distante do centro e na zona sul. De uso misto, com nove
lojas no térreo, será junto com o Brasil-Portugal ícone modernista da cidade235. É
provável que o espaço disposto no térreo seja explicado pela situação frontal à praça
de vocação comercial, ou até mesmo a proximidade do Jardim Estoril, que carecia de
serviços de vizinhança dessa natureza.
Interessante verificar que o arquiteto Fernando Pinho, com suas duas obras,
aponta em direção a caminhos relevantes para as construções residenciais
multifamiliares em Bauru: torre solta no lote, garagens e uso exclusivamente
residencial, a partir do Brasil Portugal e a nova zona de direcionamento vertical da
cidade com o Vila Real.
Realmente, veremos que, a partir do final da década de 1970 e
particularmente na década de 1980, a classe média desejará morar nas torres
residenciais em situação de isolamento no lote, situadas na zona sul da cidade, mas
rechaçará o comércio junto à mesma. Preferia-se, assim, o uso exclusivamente
residencial do edifício.
Uma nova legislação urbanística implantada na cidade nos anos 1980, como
veremos a seguir, acompanhará as diretrizes precoces e modernistas do Brasil
Portugal, resultando em tipologia que se tornará dominante em Bauru e em boa parte
das cidades brasileiras.
Na década de 1960 vemos alguns prédios residenciais de vários pisos serem
erguidos fora das vias comerciais de Bauru, rumo ao sul, mas ainda assim
considerados centrais, como o Edifício Tokyo, aprovado em 1967, ao lado da Igreja
Santa Terezinha, acompanhado depois pelo Edifício São Francisco, aprovado em
1972, ao redor do mesmo templo. Contudo, outros ainda eram edificados no centro
como o Edifício Carmem, aprovado em 1965, de 13 andares, na esquina da Rua
Ezequiel Ramos com Agenor Meira; o Edifício Cristina, aprovado em 1960, em frente

235Sobre a obra de Fernando Pinho ver: PUPIM, R. G. Arquitetura moderna em Bauru, a obra do
arquiteto Fernando Pinho. Revista Risco, nº. 06, 2007.
BAURU EM TEMAS URBANOS 167

à Praça Rui Barbosa e o edifício residencial onde funcionou, no térreo, a Caixa


Econômica Federal, localizado na quadra nove da Rua Antônio Alves, aprovado em
1962. Serão mais altos do que seus predecessores, mas dispostos no terreno ainda
de forma semelhante, ocupando praticamente todo o lote e sem recuos.
Entre esses edifícios altos há que se destacar a arquitetura de um pequeno
prédio residencial localizado na Rua Antônio Alves quarteirão 14, atrás do antigo BTC,
denominado Edifício São José, de apenas dois pisos, recuado da via com projeto do
engenheiro arquiteto João Cacciola. Foi aprovado em 1966 e possui interessante
tipologia modernista, com direito a original marquise inclinada de acesso, elementos
vazados de proteção visual e solar, bem como apurada caixilharia de madeira.
Com relação aos prédios comerciais, podem ser citados os Edifícios Pioneiro,
aprovado em 1959, com 12 pisos; Comercial, aprovado em 1966 com 17 pisos;
Caravelas, aprovado em 1967 com 17 pisos e São Lucas, aprovado em 1965; como
predecessores e considerados muito modernos na época de sua inauguração.
De todos eles, será o São Lucas, na esquina da Avenida Rodrigues Alves com
Agenor Meira, onde antes funcionou o Instituto Dramático Musical contendo térreo,
sobreloja e mais oito andares voltados a consultórios médicos e dentários, aquele
arquitetonicamente mais elaborado. É caracterizado por volumetria refinada e
elaborada implantação que aproveita o pequeno desnível do térreo. As marquises,
acabamentos e recuos das duas faces do térreo e sobreloja dão embasamento
adequado ao prédio, evitando, como de praxe, a impressão de desconexão em
relação ao restante dos andares tipo. Como elemento de originalidade os consultórios
são dotados de varanda, de maneira a protegê-los da insolação.
Tais prédios e outros tantos construídos na zona central, contudo, possuem
rígida divisão de espaço entre as salas, ausência de estacionamento, perigosas
escadas helicoidais de ingresso aos andares, inexistência de acessibilidade universal
e muitos não possibilitam as novas demandas de instalações prediais
contemporâneas sem custosas intervenções para revitalização, ou na linguagem do
mercado imobiliário, um retrofit.
Entre as décadas de 1970 e 1980, e com a popularização do uso do veículo
privado, nos edifícios destinados às classes mais elevadas, começa a haver
necessidade de se atribuir ao menos uma vaga de garagem para cada unidade e não
apenas algumas poucas junto ao térreo. Visto que os terrenos nem sempre eram
grandes para comportá-las, foi necessário lançar-se mão da tecnologia da construção
168

a fim de criarem-se vagas de garagem subterrâneas. O Edifício Bandeirantes,


aprovado em 1970, localizado na rua de mesmo nome esquina com Rua 13 de Maio,
no centro da cidade, é exemplo de transição com vagas no subsolo e outras fora dele.
Deve-se frisar que pavimentos em subsolo não eram espaços novos, pois os
primeiros prédios a contarem com eles desde o final dos anos 1940 foram os bancos
localizados na área central da cidade. Entretanto, tais ambientes eram destinados ao
cofre forte. Um deles é a sede do Banco do Estado de São Paulo, de três pisos, na
esquina da Rua 13 de Maio com Primeiro de Agosto, aprovada em 1946 e inaugurada
em 1948.
BAURU EM TEMAS URBANOS 169

Figura 49: Edifício São José localizado na Rua Antônio Alves atrás do antigo BTC. Pequeno
e interessante exemplar modernista pouco lembrado

Fonte: Acervo pessoal do autor.

A promulgação das Leis n°. 2.339/82 - Normas para Parcelamento, Uso e


Ocupação do Solo (Lei de Zoneamento) e Lei n°. 2.371/82 - Normas para Edificações
170

(Código de Obras) afetará decisivamente a verticalização na cidade. A criação de


taxas de ocupação e coeficientes de aproveitamento, conforme a zona onde estaria
situado o edifício mudará de forma radical a maneira de implantação dos arranha céus
na cidade. Se antes eles se constituíam em volumes densos, um pouco mais baixos
e sem afastamentos, como aqueles existentes no centro da cidade, tornar-se-ão
esguios, altos e afastados da rua. Para os novos edifícios desaparecerá a relação
direta com a calçada, as marquises frontais ou de contorno sobre as calçadas e a
junção com a vizinhança. A obrigatoriedade de recuos e as taxas de ocupação
exigidas na lei, de certa forma definiram a silhueta dos novos prédios a partir daí.
Ressalte-se que essa não era característica apenas local, basta ver regiões
nobres da cidade de São Paulo, como a dos Jardins, para se verificar as diversas
quadras com edifícios "soltos" no terreno a partir de legislação do início da década de
1960, muito diversa daquela que guiou anteriormente as construções das zonas
centrais.
Tais pressupostos se inspiravam nas diretrizes que vinham do início do século
XX voltadas à cidade modernista com edifícios desembaraçados sobre solo público e
circulação livre pelo pedestre. Ocorre que em nossas cidades, resguardadas
raríssimas situações, como em Brasília ou as do prédio do Ministério da Educação e
Saúde, no Rio de Janeiro, os térreos das novas torres servirão de acesso as mesmas
e as suas áreas comuns, totalmente fechadas ao uso público.
Outro ponto que também vem das preocupações dos primeiros modernistas,
entre os quais se destaca Le Corbusier, é a necessidade de melhor higiene do
ambiente construído a partir da livre ventilação e insolação dos espaços das
construções, como já pode ser visto no projeto para uma Ville Contemporaine, de
1922, ou no Plano Voisin, de 1925236, e seus edifícios imersos no verde. As "ruas
corredores" e a própria cidade tradicional eram consideradas inadequadas para os
novos tempos industriais, bem como sua arquitetura ultrapassada e não seriada, cujo
conforto lumínico e térmico era garantido, em parte, através de modestos poços
internos de iluminação e ventilação.
Em Bauru, principalmente a partir das novas Leis, veremos o irrompimento de
edifícios recuados em todas as faces e centralizados no lote, cuja inspiração técnica
e também formal vem do período heroico da arquitetura modernista, mas devido ao

236 BENEVOLO. L. História da arquitetura moderna. São Paulo: Perspectiva, 1976, p. 426-431.
BAURU EM TEMAS URBANOS 171

domínio privado da terra, ao desenho da cidade e ao parcelamento das quadras e


lotes, resultou em apropriação diversa do solo.
Os dados do Plano Diretor de 1996 nos informam que na década de 1950
havia 07 edifícios residenciais na cidade, nos anos 1960 somam-se mais 12 e na
década de 1970 mais 06, multiplicando-se em muitas vezes na década de 1980,
chegando ao decênio com 201 novas unidades237.
A verticalização de caráter comercial na década de 1970 estará presente no
centro, ressalvando-se apenas o edifício da TELESP, aprovado em 1974, situado na
Avenida Duque de Caxias. A residencial se encaminhará, em grande maioria, para a
direção sul da cidade seguindo as camadas de maior poder aquisitivo e para os
loteamentos criados, ou impulsionados, pela Avenida Nações Unidas, como Vila
Universitária, Jardim Aeroporto e Jardim Panorama. A partir dos anos 1980 também
os edifícios de uso comercial deixam de ser construídos na zona central.
Alguns empreendimentos importantes foram vetores para esse tipo de uso,
como é o caso do Bauru Shopping e também o Wall Mart, situados no Jardim Infante
Dom Henrique, área inicialmente ocupada por vegetação nativa. Os arredores dos
empreendimentos tiveram, e ainda tem, o entorno ocupado por edifícios de vários
andares.
Outro eixo que poderia ter sido mais relevante para a verticalização é o da
Praça Portugal e adjacências, contudo essa área possui restrições devido ao cone de
aproximação do Aero Club. O primeiro empreendimento de porte a se submeter a ele
foi o Edifício Vila Real, que possuiria inicialmente doze pavimentos e foi reduzido em
sua altura. Entretanto, nas faixas paralelas à pista, chamada de "área de transição",
há maior liberdade para verticalização, como se constata atualmente na Avenida
Getúlio Vargas.
Apenas no término do século XX prédios residenciais começam a se espalhar
para outras zonas da cidade, além da sul. Geralmente são mais baixos, muitos deles
em condomínios verticais formados por mais de um bloco de apartamentos, todos sem
elevadores, cujos precedentes são o Jardim Camélias e Flamboyant.
Uma das características das torres dos edifícios na cidade é o fato de
raramente estarem no nível do passeio em decorrência da liberalidade da lei de uso
de solo local que permite a execução de garagens, as quais deveriam ser totalmente

237 Plano Diretor de Bauru de 1996, p.44.


172

no subsolo, situarem-se acima da calçada. Mesmo que a torre esteja isolada ao centro
do lote, geralmente se encontra em cota elevada. A situação transforma os edifícios,
a maioria deles ao menos, em espaços amuralhados devido aos fechamentos dos
pisos das garagens que afloram à superfície. Sem dúvida alguma, a elevação, mesmo
que parcial, do subsolo oferece custo de construção muito mais atrativo, ao invés de
mantê-lo totalmente encravado no solo, fato que impede ou pouco incentiva o prédio
ao nível do passeio.
As exigências de acessibilidade universal, a partir da Lei Federal nº. 10.098,
de 19/12/2000, têm feito os empreendedores repensarem a questão devido à
necessidade de criação de rampas imensas para se atingir o térreo da torre, além de
extensas escadarias já encontradas nos exemplares anteriores. Alguns
empreendimentos têm lançado mão de elevadores para essa mesma função, contudo
é um processo ainda em andamento que pode vir a mudar a posição acima da calçada
dos estacionamentos.
Até a última década do século XX os edifícios erguidos na cidade e suas
unidades visavam correntemente às classes médias, eram dotados de razoável área
interna, mas dimensões ainda modestas. O Edifício Vila Real, como vimos, possuía
as unidades voltadas à Praça Portugal com boa área interna, entretanto a mescla de
apartamentos com tamanhos variados, o uso misto residencial e comercial, as novas
necessidades voltadas ao esporte e lazer, bem como o número reduzido de vagas de
garagem, conduziu a outro tipo de proposta para os mais ricos.
O primeiro condomínio vertical multifamiliar que simboliza as aspirações das
classes altas, indo ao encontro do seu desejo de substituir uma grande residência
térrea por apartamento, é o Condomínio Edifício Francisco de Assis Moura. Buscou
pressuposto de exclusividade de uso e homogeneidade no padrão das unidades para
todos os seus condôminos de alta renda. Idealizado nos anos 1990, situa-se em uma
região nobre da cidade, próximo à Avenida Nossa Senhora de Fátima. Dispõe de
grande terreno onde se implanta uma série de espaços livres e de lazer como jardins,
quadras, piscinas, salão de festas, etc. É formado por três torres conjugadas e
independentes, dispõe de um apartamento por andar em cada uma delas, com cerca
de 400 m² e 04 vagas de garagem. Foi construído sob forma de condomínio,
mobilizando a alta sociedade local sob a liderança de conhecido delegado da cidade
que dá nome ao empreendimento. A partir dele, outros tantos edifícios de alto padrão
foram lançados por construtoras, visando um grupo social de maior exigência e renda.
BAURU EM TEMAS URBANOS 173

Importante frisar que esse é um período onde os clubes sociais, que


concentravam o lazer nas décadas anteriores, começam a entrar em decadência.
Parte do entretenimento usufruído nos clubes se transfere para a esfera privada, áreas
de lazer com piscina passam a ser mais comuns nas residências de melhor padrão.
Tais demandas também migrarão para os novos lançamentos multifamiliares, de início
apenas naqueles de luxo em torre única. Mais adiante, em um segundo momento, tais
equipamentos aparecerão nos lançamentos mais simples que contarão com diversos
blocos ou torres, no sentido de dividirem, assim, os altos custos de manutenção
desses aparatos de lazer.
Serão poucas as zonas da cidade com restrição total à verticalização, como
os loteamentos com controle de acesso e os Jardim Estoril I, II, III e IV; em todos eles
as vedações partem das escrituras dos loteamentos. Mesmo diante dos interesses do
mercado em passar por cima dos termos constantes de escritura, outros loteamentos
de alto padrão conseguiram manter o impedimento de edifícios. É o caso do Jardim
Dona Sarah, onde seus moradores tiveram ação vigorosa nesse sentido, contudo
essas são sempre situações bastante precárias.
Em Bauru, encontram-se grandes empreendimentos de conjuntos mistos
formados por prédios residenciais, comércio e serviços. Algumas construtoras têm
optado nesse sentido, aproveitando-se ao máximo as taxas de ocupação e o
coeficiente de aproveitamento dos terrenos. São complexos onde as torres ficam
sobre laje, em nível elevado com toda sorte de infraestrutura de lazer, dotadas de
entrada independente. Junto ao passeio se estabelecem galerias de lojas e piso
superior para uso de serviços, também com entrada independente. Ao redor do Bauru
Shopping, e mesmo em outros setores da cidade, pode-se verificar tais
empreendimentos e usos. Atualmente muitos urbanistas defendem propostas
congêneres em determinados locais das cidades, particularmente nas metrópoles, no
sentido de adensarem-se alguns bairros e vias com disponibilidade de transporte
público. Em Bauru tal fato não ocorre, sendo tais experiências mais voltadas aos
interesses dos empreendedores. A tipologia mista ainda padece de certo preconceito
quando se destina às camadas de renda mais alta que, no geral, não aceitam usos
diversificados pelo fato de considerarem que o valor do imóvel se torna menor pela
perda da exclusividade.
Na segunda década do século XXI, reforçam-se os lançamentos de edifícios
residenciais multifamiliares sob forma de condomínio de torres. É maneira de
174

ampliarem-se os equipamentos comuns dos empreendimentos e reduzirem-se as


taxas de manutenção, cada vez mais altas nos prédios isolados e com poucas
unidades. Ao mesmo tempo são financeiramente mais compensadores para as
incorporadoras. Essas buscarão, para tais fins, zonas mais distantes onde são
disponíveis glebas e nas imediações dos condomínios horizontais238.
Os condomínios de torres para as classes mais altas e de pequenos prédios
sem elevadores de caráter mais popular tem se irradiado de forma constante na
cidade. Certamente situam-se em zonas diferentes devido ao custo da terra. Os
condomínios mais populares, embora de arquitetura banal e apenas operativa, tem
como ponto positivo a inserção em áreas urbanizadas. Aspecto a se destacar é que,
devido às exigências de contrapartidas municipais, tem havido expansão das
melhorias públicas em seu entorno. Outro ponto positivo é o impacto menor na
vizinhança em função da pouca altura das construções, embora se constituam em
pólos geradores de tráfego, o que sobrecarrega as vias das regiões onde estão
dispostos.
Também nos Altos da Cidade e adjacências têm surgido grandes torres de
uso exclusivamente comercial e de serviços. Essas, por suas características, estão
posicionadas próximas ao alinhamento do passeio e possuem diversos níveis
inferiores de garagem. Junto ao térreo é comum a destinação para lojas e os andares
superiores para consultórios, escritórios, etc. Muitas são vendidas a partir da laje de
andar integral, possuindo flexibilidade para permitir a subdivisão em unidades
menores.
As novas torres, além de estarem situadas fora do centro comercial, buscam
melhor posicionamento no mercado através de grande número de vagas de garagem,
recuos com jardins, fontes, halls monumentais, poucos pilares nos andares, fachadas
cortina, sistemas de lógica, previsão de ar condicionado, etc.; elementos que trazem
aspecto de grandiosidade e valor aos empreendimentos, muitos destinados às
corporações ou grandes empresas.

238 Ver Capítulo 10: Condomínios e Loteamentos com Controle de Acesso.


BAURU EM TEMAS URBANOS 175





A Avenida Rodrigues Alves, inicialmente denominada Alfredo Maia em


homenagem ao superintendente da Empresa Sorocabana, devido a sua posição
central e porte tornou-se, com o passar do tempo, eixo de indução no sentido leste-
oeste. Sua existência possui ligação direta com a chegada da ferrovia em um lugarejo
pobre do “sertão paulista”.
A Sorocabana chega à cidade no ano de 1905, com os trilhos margeando o
Ribeirão Bauru a partir do sul e implanta a estação às suas margens. Se compararmos
a outras estações da mesma empresa nas cidades paulistas, sua posição é bastante
insólita, junto ao vale do Ribeirão Bauru, em cota baixa e com expressivo aclive em
direção ao patrimônio situado às suas margens. Acreditamos que sua disposição pode
estar relacionada ao barateamento da construção da linha que não necessitaria de
cortes ou aterros, buscando-se o terreno natural. Entretanto, é das piores locações
que já encontramos entre as principais companhias ferroviárias paulistas. A futura
avenida, e sua posição, estarão intimamente relacionadas a essa estação, bem como
a sua localização.
Não havia possibilidade de se criar uma praça frontal à estação devido ao
desnível natural, e nem mesmo via contígua em seu nível, por não haver espaço para
tanto sem muito movimento de terra. A Empresa Sorocabana sugere então a criação
de avenida em cota elevada que se denominará Avenida Sorocabana, atual Pedro de
Toledo, e aponta que a mesma ao longo do pátio terá "grande proveito para essa
localidade"239. Contudo, o acesso à estação sempre foi feito a partir de um grande

239GHIRARDELLO, N. Aspectos do Direcionamento urbano de Bauru. 1992. 196 f. Dissertação


(Mestrado em Arquitetura) – Escola de Engenharia de São Carlos, Universidade de São Paulo. São
Carlos (SP), 1992, p. 86.
176

portão ainda hoje existente, no início da atual Rodrigues Alves. Ou seja, a estação
ficava em nível baixo em relação à Avenida Sorocabana e não possuía acesso direto,
apenas através do portão lateral, distante mais ou menos 150 metros. A péssima
implantação, que pode ser vista até os dias atuais, talvez aponte no sentido de que a
construção seria provisória, mas, mesmo assim, é difícil entender tamanha imperícia
em sua situação.
A estação da NOB em Bauru, também construída no final do ano de 1905,
estará locada a mais ou menos 150 metros daquela da Sorocabana e em mesma cota,
pois seriam complementares em seus serviços. Será uma pequena estação provisória
erguida em alvenaria, sucessivamente ampliada em madeira, que deveria ser
substituída assim que possível. Ao seu lado foram erguidos galpões, também
temporários, para servirem como oficinas de máquinas e depósito de carros.
A entrada para as duas estações se dará a partir do grande portão da
Rodrigues Alves. Em relação à NOB tal situação permanece até 1917, quando área
de terreno triangular será doada à Prefeitura, criando-se um largo à frente da estação.
Na ocasião, 18 de outubro de 1917240, inaugura-se um busto em homenagem a
Machado de Mello, que dará seu nome ao novo espaço público. A partir de então a
estação da Noroeste passa a ter acesso pela Batista de Carvalho, através da Praça
Machado de Mello, contudo o ingresso à Sorocabana se mantém pelo grande portão
da Rodrigues.
Da mesma forma que a Companhia Sorocabana sugeriu a Avenida
Sorocabana, em função da entrada se dar pelo grande portão, recomendará uma
grande via que se chamará Avenida Alfredo Maia, em homenagem ao superintendente
da empresa à época. Tais situações mostram bem o quanto a ferrovia era fundamental
para a jovem cidade, pois, além de exigir a construção de duas avenidas, as nomeia
com referências a si mesma: Sorocabana e Alfredo Maia.

240 SOBREIRA, M. R. N. A praça Machado de Mello. Blog Nossa Bauru, 2020. Disponível em:
<http://nossabauru.blogspot.com/2012/01/praca-machado-de-mello.html>.
BAURU EM TEMAS URBANOS 177

Figura 50: Foto tirada provavelmente no ano de 1938, período da construção da nova estação
da NOB. Nela é possível ver a relação da Avenida Rodrigues Alves com o portão que dava
acesso às estações da NOB e Sorocabana, o que motivou a construção da larga via. Ainda é
possível observar a antiga estação da Noroeste, à esquerda, que logo seria demolida para
dar lugar à nova gare e plataforma de concreto armado. A estação da Sorocabana, que está
situada à direita, não aparece na imagem

Fonte: E. F. Noroeste do Brasil (1906-1975) RFFSA (1975-1996). Estações Ferroviárias do


Brasil. Disponível em: <http://www.estacoesferroviarias.com.br/b/bauru.htm>. (Imagem
atribuída à Illustração Brasileira de 02/1947).

A Avenida Alfredo Maia, depois nomeada Rodrigues Alves, foi aberta a partir
de via projetada no arruamento inicial do Patrimônio, que teve sua largura mais que
dobrada a partir da desapropriação e corte das quadras entre ela e a Rua Batista de
Carvalho. Os quarteirões entre as duas importantes vias centrais são reduzidos de
tamanho para o espaço ser destinado à nova avenida. A via, que originalmente deveria
ter 14 metros de dimensão total, passa a mais de 26 metros de largura e por volta de
900 metros de extensão, tendo ponto inicial o portão da Companhia Sorocabana e
NOB.
Ocorre que, devido às desapropriações das quadras da Rua Batista para o
alargamento da Rodrigues Alves, o arruamento da cidade se desloca em toda
extensão da avenida, que ia até a Rua Antônio Alves naquele momento. A parcela do
Patrimônio além da Rua Araújo Leite não foi alterada permanecendo na situação
178

original, o que pode ser constatado até nossos dias com o desencontro das vias leste-
oeste, a partir desse ponto.
O traçado em quadrícula, como se pode perceber por Bauru, mostrou-se
desenho de simples implantação, sem caráter e bastante maleável para eventuais
reformas, podendo, com alguns cortes, ampliações e remembramentos, ganhar,
suprimir, ou ampliar vias e quadras, ao sabor dos interesses do momento. A falta de
maior personalidade do desenho permitia mudanças de oportunidade sem maiores
problemas, desde, como foi o caso na cidade, que não houvesse ocupação anterior.

Figura 51: Mapa da cidade por volta de 1911, com as três ferrovias no solo urbano e as
mudanças realizadas no traçado para a criação da Avenida Rodrigues Alves

Fonte: GHIRARDELLO (1992, p. 94).

Entendemos tais intervenções de grande porte, como a primeira reforma


urbana da cidade, aplicada sobre arruamento muito regular, e que através de
alargamentos possibilitou a formação de duas grandes e espaçosas avenidas, com
destaque para a Rodrigues Alves.
BAURU EM TEMAS URBANOS 179

É certo que a cidade ainda era muito pequena e nessa região não deveria
haver quase nenhuma ocupação, mesmo assim as referências relativas a essa grande
reforma urbana são quase inexistentes nos documentos e atas do poder público.
Apenas duas citações, ambas em cessões da Câmara Municipal, uma delas no dia 17
de março de 1905 no sentido de “mandar proceder o alinhamento das ruas e avenidas
que estavam sendo abertas”241. E, em 31 de dezembro do mesmo ano, quando a
Noroeste já estava em solo urbano novamente é citada a Avenida Alfredo Maia “em
projeto, que saindo do centro urbano, ia ter até o local onde deverá ser levantado o
ponto terminal dos trilhos daquela via férrea”242.

Figura 52: A larga Avenida Rodrigues Alves em foto, provavelmente, da década de 1920, ao
fundo vê-se as novas Oficinas da NOB inauguradas em 1921

Fonte: Museu Ferroviário Regional de Bauru.

A criação dessas vias grandiosas estava bastante voltada ao espírito de seu


tempo, pois, ao final do século XIX, novos bairros e grandes avenidas, que almejavam

241 PAIVA, C. F. de. Narrativas sintéticas dos fatos que motivaram a fundação de Bauru. Bauru:
Conselho Municipal de Educação de Bauru, 1975, p.61.
242 Idem, p. 61.
180

ser boulevares, são abertos em São Paulo, como as avenidas Angélica e Higienópolis,
no bairro de mesmo nome, e também a Paulista. O Rio de Janeiro havia acabado de
passar por extensa reforma urbana, sendo o seu elemento mais marcante a Avenida
Central, inaugurada em 1905, com seus espantosos 33 metros de largura após muitos
arrasamentos.
Tais inovações chegaram a Bauru na esteira da modernidade trazida pelas
ferrovias, beneficiado pela circunstância de que na cidade o alargamento de vias era
algo fácil de ser realizado devido ao traçado reticulado e à baixa densidade na região
onde se implantaram as estações, pois a concentração de edificações se dava no
entorno da Rua Araújo Leite, sentido norte-sul.
Também, diferentemente do Rio de Janeiro que abriu vias a partir de um casco
urbano colonial, densamente apropriado e irregular, seu rasgo em uma cidade em
quadricula seria menos complexo, próximo do desenho original e, sobretudo, barato.
Aspecto que não pode ser desprezado em uma reforma urbana na escala da
que ocorreu em Bauru é o fato da presença da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil
(NOB)243 e, com ela, seu grupo de engenheiros franceses que para esta cidade se
dirigiram para construir a nova ferrovia que se dirigiria ao Mato Grosso.
Muitos desses profissionais se envolverão na implantação dos serviços
públicos locais e, devido à reputada formação técnica, suas determinações serão
muito respeitadas. É o caso do engenheiro Charles Pittet, da NOB, que propôs à
Câmara Municipal, em 1906, criar os serviços de água, luz e telefone à cidade244. Obra
executada apenas em 1912 por outro Engenheiro da NOB, Sylvio Saint Martin, que
projetará e executará o sistema de abastecimento de águas e esgotamento sanitário
de Bauru. Outro engenheiro de grande poder foi o superintendente da ferrovia durante
sua implantação, Eugenio Lafon, francês, nascido em Limóges, que naturalmente,
devido ao cargo, teve atuação ativa nas questões locais e grande prestígio na região.
É interessante imaginar como deve ter se comportado a pequena população diante
de estrangeiros, considerados muito ilustrados, sendo que no período vigorava forte
etnocentrismo em relação aos hábitos, a técnica e a cultura francesa.

243A rigor nesse momento a ferrovia se chamava Companhia Estrada de Ferro Noroeste do Brasil.
244GULINELLI, E. L. O saneamento e as águas de Bauru: Uma perspectiva histórica (1896-1940).
Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo) – Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação,
Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP). Bauru (SP), 2016, p. 114.
BAURU EM TEMAS URBANOS 181

É bastante provável que os engenheiros franceses tenham participado da


criação da Rodrigues Alves, pois o acesso à estação da NOB, ao menos até 1917, se
fazia também pelo grande portão da Rodrigues Alves, portanto, havia interesse direto
da Companhia na grande avenida. Deve-se destacar, ainda, que boa parte dos planos
de reformas urbanas executadas em diversas partes do mundo, e em particular na
América do Sul, inspirou-se nas obras de Haussmann e na ação dos profissionais da
Escola Politécnica francesa, para as melhorias de Paris, a partir dos meados do século
XIX.
O porte da via, um pouco menos larga que a Avenida Central da Capital
Federal, e a busca quase obsessiva por um eixo de perspectiva que reenquadrava o
portão de acesso às estações da Sorocabana e à Noroeste, foi demanda tão vital que
obrigou a mudança de grande parte do traçado original da cidade. Tal esforço nos
evocam diretrizes e ordenações caras à tradição urbanística francesa, como os eixos
e a regularidade barroca, somado à visão técnica e sanitarista do século XIX.
Leonardo Benévolo (1976) aponta em seu clássico trabalho, História da Arquitetura
Moderna, as várias reformas menores ocorridas nas cidades europeias do final do
século XIX, sob a influência das obras de Haussmann em Paris, boa parte delas dizia
respeito, justamente, à criação de vias que ligarão o centro à estação ferroviária245.
Embora não tenhamos encontrado documentos, a nova via também deve ter
sido demandada pela NOB, situada ao lado da Estação da Sorocabana e com o
mesmo acesso. Não é improvável que os engenheiros franceses tenham colaborado
com o projeto que buscava se aproximar de um largo boulevard. Quem sabe a
Rodrigues, ao menos em sua raiz, tenha um toque, um Jene sais pás quoi gaulês.
Em 18 de janeiro de 1919, a Câmara Municipal se reúne e, a partir do
comunicado da morte do presidente Rodrigues Alves ocorrida em 16 de janeiro,
alteram o nome da Avenida Alfredo Maia para Rodrigues Alves.
Em direção ao oeste, a Avenida Rodrigues Alves prosseguia através da
Avenida Pedro de Toledo no rumo da Vila Falcão, o bairro mais populoso da cidade,
após transposto o Ribeirão Bauru e os trilhos da Sorocabana. A passagem se deu,
inicialmente, por ponte improvisada e, posteriormente, pelo primeiro viaduto em
concreto, o Mauá246. Em direção ao leste houve maior demora em possibilitar
continuidade com a avenida encerrando-se, por muitos anos, na Rua Antônio Alves.

245 BENEVOLO. L. História da arquitetura moderna. São Paulo: Perspectiva, 1976, p. 114.
246 Se necessário, retomar Capítulo 5: Falcão e Bela Vista.
182

Em uma cidade onde as chuvas de verão eram torrenciais e o solo é arenoso,


das primeiras providências da Câmara Municipal devem ser o sargeteamento e o
calçamento das vias com paralelepípedos. Entretanto, tais processos demorarão a
ocorrer, iniciando-se pelo sargeteamento provisório, com madeira, e depois com
pedras de granito, que possibilitava a construção pelos proprietários lindeiros de
passeios em frente às suas residências. Quem fazia a marcação dos mesmos, assim
como das edificações novas, era o arruador, funcionário da Câmara, agrimensor ou
engenheiro municipal, que demarcava o alinhamento da cidade, bem como a
declividade dos passeios evitando degraus e desníveis abruptos. O arruador tentava,
na medida do possível, manter o desenho inicial da cidade, sendo a regularidade e o
alinhamento metas a serem incessantemente perseguidas e detalhadamente
apontadas nos Códigos de Posturas.
O calçamento das vias será processo longo e contínuo, contado em décadas
e, certamente, beneficiando inicialmente as partes nobres e centrais da cidade.
Quanto aos passeios públicos, no Relatório da Administração do Município durante
1917, aponta-se que na cidade a largura terá 2,80 metros, com exceção da Avenida
Alfredo Maia, aumentada para 6,00 metros,

Tal largura parece a primeira vista excessiva, mas como metade, ou


sejam três metros, destina-se a um grammado, segue-se que, não
somente ficará agradável o aspecto da Avenida, como despeza
excessiva não terão os proprietários dos prédios nelle situados247.

A determinação da municipalidade vai ao sentido de a avenida ganhar um


aspecto elegante e ajardinado, o que nesse momento, onde seu percurso perfazia por
volta de um quilômetro como via local, tinha coerência.
Junto às primeiras quadras da Rodrigues Alves, próximos às estações da
NOB e Sorocabana, serão construídos hotéis como o Progresso, Cariane, Estoril e
Milanez, que hospedarão figuras ilustres no começo do século. O pernoite era
praticamente obrigatório para aqueles que faziam o transbordo de companhias, em
função das diferenças de horários de saída e chegada dos trens das três empresas.
Foi nessa avenida onde se inaugurou a segunda praça do centro da cidade,
a D. Pedro II, que também recebeu cuidadoso tratamento paisagístico, chafariz e

247Relatório da Administração do Municipio durante o anno de 1917 sendo Prefeito Municipal o


Dr. Luiz Vicente Figueira de Mello. São Paulo: Sessão de obras de O Estado de São Paulo, 1917,
p.59.
BAURU EM TEMAS URBANOS 183

pérgula no ano de 1933, em que pese na esquina, junto à Rua Bandeirantes, já haver,
desde 1913, a Delegacia de Polícia e, na confluência da Avenida Rodrigues Alves, em
1930, ter sido construído o prédio do Fórum da cidade. A praça inaugura, com a
construção da Delegacia e do Fórum, a prática corrente de lotearem-se áreas da
comunidade para destiná-las a edificações públicas, e, por vezes, privadas,
reduzindo-se sobremaneira os raros espaços verdes na cidade248.
Nessa via bastante larga, dotada de canteiro central e duas mãos de direção,
foi construído o imponente palacete do Coronel Figueiredo, dono da Fazenda Val de
Palmas; anos depois tal palacete se transformaria em casa de saúde. A partir dele,
outras obras residenciais nobres foram erguidas dando à Rodrigues prestígio só
igualado ao entorno da Praça Rui Barbosa.
Também na Rodrigues será implantado o primeiro Grupo Escolar da Cidade,
em 1913, a maior obra executada pelo Governo Estadual em Bauru no período, e que
tomava metade de uma quadra. Em 1939, o Grupo recebeu a denominação de
Rodrigues de Abreu, em homenagem ao poeta que na cidade viveu e produziu grande
parte de seus versos modernistas. Na década de 1950, para a criação da Faculdade
de Filosofia, Ciências e Letras o prédio foi permutado com o Estado pelas Irmãs do
Sagrado Coração, por outro situado na Avenida Duque de Caxias com a Rua Virgílio
Malta249.
Na via, também funcionou, em grande casarão de esquina, o conhecido
Instituto Dramático Musical, que se transformou em espaço cultural de relevo na
cidade. Em sua quadra inicial, no ano de 1931, foi inaugurado o primeiro posto de
serviços para autos, e em 1937, o comerciante José Salmen, abre uma grande
concessionária de veículos da Ford, na esquina com a Rua Virgilio Malta 250.

248 Essa mesma praça virá a comportar a Câmara Municipal e os Correios, restando, nos dias atuais,
uma modesta faixa de área verde ao redor do prédio da Câmara.
249 PAIVA, C. F. Narrativas sintéticas dos fatos que motivaram a fundação de Bauru. Bauru:

Conselho Municipal de Educação, 1975, p. 75.


250 PELEGRINA, G. R. Avenida Rodrigues Alves (XI). Notas Históricas. Jornal da Cidade. 06 set. 1992.
184

Figura 53: A Rodrigues Alves e sua paisagem ainda bucólica na década de 1950. Foto Giaxa

Fonte: Museu Ferroviário Regional de Bauru.

Em 07 de fevereiro de 1934, na administração José Guedes de Azevedo, a


Rodrigues Alves recebe nova iluminação pública implantada nos dois lados da via,
pela Companhia Paulista de Força e Luz, luxo inexistente em outra avenida local,

A Avenida, visitadíssima até tarde, apresenta agora um lindo aspecto.


A distribuição de luz é magnífica. Os postes, embora sem luxo, são
estéticos, são bem lançados (...). Vista de um ponto alto, aquela via
publica ressalta agora, aos olhos do observador, como duas paralelas
de luz. Um lindo efeito. Um esplêndido efeito251.

As atividades políticas ali diziam presentes devido à capacidade de abrigar


milhares de pessoas. Na mesma artéria, durante os períodos pré-eleitorais, os
comícios se realizavam em palanques montados na esquina da Rua Rio Branco.
Todos os desfiles, tanto os cívicos militares como os de carnaval, aí se darão por
muitas décadas. O fim da Segunda Guerra Mundial ali foi comemorado, assim como
a recepção dos “Pracinhas” bauruenses. Também no canteiro central da Rodrigues
se localizava o monumento comemorativo da Revolução Constitucionalista de 1932,
inaugurado em 1936, a partir da concepção do engenheiro Heitor de Andrada
Campos, o mesmo projetista da Praça Rui Barbosa e erguido com a colaboração de

251 Jornal Correio da Noroeste. 08 fev. 1934.


BAURU EM TEMAS URBANOS 185

toda comunidade. Após mudança para outro local da avenida, devido à demolição do
canteiro central, anos depois foi desmontado e levado para a lateral do Cemitério da
Saudade e por último, para o pátio do Batalhão da Policia Militar.
O memorialista Gabriel Ruiz Pelegrina transcreve o jornalista e historiador
José Fernandes em um de seus textos sobre a Avenida Rodrigues Alves. Fernandes
aponta as paulatinas melhorias efetuadas na via:

Na administração Sebastião Lins recebe o calçamento, pleiteado pelos


moradores. Na gestão Silveira Prado a arborização lhe dá um novo e
belo impulso. Prédios de indiscutível bom gosto arquitetônico, belos e
caros sobrados, vai sendo estimulado o surgimento como forma
através da qual se manifesta a compreensão e o espírito de
cooperação da iniciativa particular diante da vontade construtiva do
pode publico. Entra depois a administração Ernesto Monte (...)
fazendo revestir com o chamado mosaico português os canteiros
centrais, dotando-os de bancos de granito252.

De início, como foi visto, a extensão da Rodrigues Alves ia do portão da


Sorocabana e NOB, na quadra 01 até a Rua Antônio Alves. Na administração de
Ernesto Monte (1938/47), no ano de 1942253, ocorreu um primeiro prolongamento em
direção à leste, a partir do Decreto Lei nº. 22, de 24 de Dezembro de 1941 254, que
desapropriava a Igreja Presbiteriana Independente, construída entre 1921/22, e
localizada na Rua Antônio Alves e que, até então, impedia a expansão da via.
Mais adiante, o prefeito Rafael Oberdan de Nicola (1947-48), no ano de 1947,
iniciou o prolongamento da avenida, atravessando o bairro do Higienópolis em direção
à Vila Cardia. Avallone Junior (1956-59) transpôs a baixada a partir da canalização do
Córrego das Flores255, por onde passaria a futura Avenida Nações Unidas.
As obras deram à Avenida outra dimensão no espaço urbano, que se tornou
um novo estirão para a zona leste da cidade, e a transformou em eixo viário, até então
parcialmente efetivado. Em 1963 inaugura-se o viaduto Mauá em direção à Vila
Falcão, cujas obras demoraram muitos anos para serem entregues. Desse momento
em diante, a Rodrigues passou a se constituir na principal artéria da cidade, possuindo

252 PELEGRINA, G. R. Avenida Rodrigues Alves (VI). Notas Históricas. Jornal da Cidade. 17 mai.
1992.
253 Idem.
254 PELEGRINA, G. R. Avenida Rodrigues Alves (V). Notas históricas. Jornal da Cidade.
255 PELEGRINA, G. R. Avenida Rodrigues Alves. Notas históricas. Jornal da Cidade.
186

continuidade como estrada em direção a Pederneiras e Jaú, à leste, e a partir da


avenida Pedro de Toledo, em direção ao oeste da cidade.
A medida será sentida rapidamente na paisagem a partir da construção de
casas elegantes e de dois edifícios importantes, justamente no trecho ampliado, entre
a Rua Antônio Alves e a futura Avenida Nações Unidas. São eles os Edifícios Terra
Branca e Bauru, tratados de forma mais detalhada no capítulo sobre a verticalização.
Na Rodrigues, ainda, durante os meados da década de 1950, um pouco
abaixo do Cemitério da Saudade e ao mesmo tempo em que se estabelece o Jardim
Higienópolis, destinado à classe média, é construído um grupo de residências
modernistas projetadas pelo arquiteto Salvador Candia e financiadas pelo Banco
Hipotecário Lar Brasileiro S.A.256. A região se desenvolve rapidamente, e pouco
acima, em área mais plana, é formado o loteamento Alto Higienópolis, entre a Avenida
Rodrigues Alves, Vila Cardia, Vila Santo Antonio e Jardim Higienópolis, aprovado em
setembro de 1960257, destinado à alta classe média.
Acreditamos que esse primeiro prolongamento da Rodrigues, em direção a
leste, e o viaduto Mauá, em direção a oeste, a transformará de maneira inexorável,
fazendo-a se converter de via de importância restrita ao centro para a escala da
cidade. Até mesmo seu caráter pacato e de característica residencial, com muitas
árvores frondosas, é paulatinamente alterado, predominando o uso para negócios.
Um eixo arterial por excelência.
A partir dessa desapropriação, na área central, a avenida pode ser ampliada
gradualmente passando cada um de seus trechos subsequentes de estrada para via
urbana, conforme a expansão da cidade em direção a leste. Esse longo eixo de alguns
quilômetros passa pela lateral do Cemitério da Saudade, cruza a Rondon, estrada que
se dirige para São Paulo (atual SP-300), e fronteia o antigo Horto Florestal da
Companhia Paulista, estabelecido desde a década de 1920, dando sequência para
Jaú.

256 Conforme propaganda do Diário de Bauru de 12 de junho de 1955.


257 Certidão de Registro de Imóveis. Cópia da DEPLAN. Prefeitura Municipal de Bauru.
BAURU EM TEMAS URBANOS 187

Figura 54: O novo trecho da Avenida Rodrigues Alves aberto no início da década de 1940. De
imediato torna-se setor nobre onde dois edifícios modernistas terão grande presença visual,
Edifícios Terra Branca e Bauru. Foto, provavelmente, do final da década de 1950

Fonte: Museu Ferroviário Regional de Bauru.

Nas proximidades do Horto, foi construído em 1950, pela Prefeitura, o novo


Matadouro, situado precariamente desde os anos 1910 na Vila Antárctica. Sua nova
localização indicava que essa vila já não comportava tal uso devido ao crescimento
do número de indústrias e residências. Apontava, ainda, que esse setor onde se
implantava o novo Matadouro era considerado bastante distante em virtude das
características envolvidas no abate de animais como o odor, ruídos e movimentação
de veículos.
188

Figura 55: Mais uma vista da Avenida Rodrigues Alves, vendo-se em destaque o Edifício Terra
Branca. Na quadra seguinte, à direita, é possível ver o transepto da Matriz em fase de
demolição. Nota-se ainda o canteiro central da avenida com seus “fícus Benjamin”,
caprichosamente podados. Foto, provavelmente, dos meados da década de 1950

Fonte: Museu Ferroviário Regional de Bauru.


BAURU EM TEMAS URBANOS 189

Figura 56: Vista aérea de Bauru, tendo ao centro a Avenida Rodrigues Alves e muitos de seus
primeiros prédios, situados nessa via e na Batista de Carvalho, entre os quais o Bauru e o
Terra Branca. É possível visualizar as duas primeiras quadras da Avenida Nações Unidas na
confluência com a Rodrigues Alves, o novo prédio modernista do SENAC e, ainda, a ausência
do Edifício Brasil Portugal. Foto provavelmente do final da década de 1950. Foto Postal
Colombo

Fonte: Museu Ferroviário Regional de Bauru.

Na mesma região, e às margens da Rodrigues Alves, no ano de 1961258, será


aberto o primeiro Distrito Industrial com área de aproximadamente 1.200.000 metros
quadrados na perspectiva de industrialização da cidade. Seria espaço planejado pela
Prefeitura que cederia grandes terrenos, infraestrutura e forneceria incentivos fiscais
no sentido de atrair para Bauru, pouco industrializada, esse importante setor da
economia259.
Sua situação espacial é contínua, porém, desmembrada da Vila Antárctica,
que poderia ser considerada, a rigor, o primeiro bairro industrial da cidade. A
localização estabelecida para o DI I é, portanto, prosseguimento do uso, após o pátio
ferroviário de Triagem e o Horto, situado também, às margens da antiga Companhia
Paulista, encampada pela FEPASA, no ano de 1971.
Nas proximidades, será erguido o Jardim Redentor, o primeiro núcleo
habitacional popular da cidade. A posição do bairro, é claro, estava diretamente

258 BAURU. Lei nº. 905 de 15 de junho de 1961.


259 LOSNAK, C. J. Polifonia Urbana. Bauru: EDUSC, 2004, p. 126-127.
190

relacionada ao Distrito Industrial ao seu lado, prevalecendo à lógica que a força de


trabalho deveria residir ao redor das indústrias, assemelhando-se conceitualmente às
vilas industriais do início do século XX.
Nessa estreita faixa entre Rodrigues Alves e os trilhos, outros loteamentos
populares serão lançados como a Vila Aimorés e o Parque Baurulândia e, pela
COHAB, o Conjunto Habitacional Octávio Rasi, em 1983. Na outra margem da
Avenida Rodrigues Alves, uma série enorme de parcelamentos, como Vila Carolina,
Jardim alvorada, Parque Hipódromo e Jardim Olímpico, entre outros, será
estabelecida formando uma colcha de retalhos, cuja ligação entre si, até hoje, é
bastante dificultosa. Para essa mesma área, considerada muito distante, será
transferida do centro da cidade, no ano de 1963, a zona do meretrício, que se
estabelece no Jardim das Orquídeas.
A avenida também abriga dois importantes prédios comerciais modernistas no
centro, o Edifício Pioneiro, na quadra 07, aprovado em 1959, obra do arquiteto
Fernando Pinho, que conta com 12 andares e 72 salas comerciais260. Esse arranha
céu, o mais alto já construído na cidade, bem como sua denominação, demarca
claramente a entrada da avenida à sua nova escala urbana. Após, viria o Edifício São
Lucas, na quadra 08, aprovado em 1965.
A Rodrigues Alves em seu trecho central, como foi visto, já possuiu canteiros
com mais de cinco metros de largura, dotados de bancos de granilite e fícus Benjamin
frondosos podados em forma de topiaria. Foram cortados com a alegação que
hospedavam insetos, chamados de "lacerdinhas", que entravam nos olhos dos
passantes e daqueles que descansavam à sua sombra.
Com o tempo e o aumento do uso dos veículos motorizados, o amplo canteiro
central foi sendo reduzido para alargamento do espaço carroçável. O aspecto
aprazível foi sendo deixado de lado ao mesmo tempo em que as moradias foram
desaparecendo em favor dos serviços e comércio. Ganhou “tartarugas”, “picolés de
concreto”, chegando-se à barreira atual, formada por jardineiras altas de
aproximadamente um metro de largura. Tiveram mais sorte as calçadas largas, de
mais de cinco metros, raríssimas na cidade, sempre cobiçadas pelas diversas
administrações públicas no sentido do alargamento da faixa carroçável.

260CAPELOZZA, A. C. A. Os bairros Jardim Estoril: A atuação das empresas Martha no setor sul de
Bauru-SP (1957-2008). Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo) – Instituto de Arquitetura
e Urbanismo, Universidade de São Paulo. São Paulo (SP), 2016, p. 57.
BAURU EM TEMAS URBANOS 191

Milagrosamente ainda hoje estão integras, mas infelizmente mal cuidadas. A falta de
arborização e a ausência de sombra tornam a circulação a pé, pelos passeios da
avenida, tarefa mais difícil ainda.
Na administração de Octavio Pinheiro Brisolla (1948-51), a rota da maioria dos
ônibus circulares é transferida para a avenida261. A partir dos anos 1970, com a
construção do viaduto João Coube sobre a Rodovia Rondon, a via se fortaleceu ainda
mais como eixo leste-oeste e passou a receber a totalidade das linhas de ônibus
circulares da cidade. Isso praticamente a transformou em terminal linear a céu aberto.
A largura das calçadas na zona central permitiu o estabelecimento de pontos
de ônibus sem a obstrução integral do passeio, e para tanto, foi suprimido de forma
total o estacionamento de veículos junto aos passeios. A via, que recebia trânsito
menos veloz devido, justamente, ao estacionamento a meio fio e seu consequente
estreitamento, com a maior fluidez passa a permitir aumento da velocidade dos
veículos privados e ônibus circulares.
A medida resultou na saída paulatina de muitos negócios ali implantados
devido à dificuldade de estacionamento, pois eram prédios antigos e não dispunham
de vagas próprias. O movimento rápido e elevado de veículos, o asfalto deformado, a
poluição sonora, visual e ambiental, além da proibição de estacionamento degradam
sobremaneira a Rodrigues, que passa a dispor de muitos prédios sem ocupação.
Atualmente o início da Rodrigues conta com comércio popular, lojas de
móveis usados, velhos hotéis, sendo alguns abandonados, estacionamentos e
brechós. Também ao longo da via se encontram serviços ligados à saúde, em especial
muitos consultórios dentários a preços acessíveis. Fazem-se presentes cabeleireiros,
escolas para cabeleireiros, bares, lanchonetes, óticas e lojas de 1,99. Parte dos
negócios ali instalados, particularmente os pequenos, é efêmero; se transformam
alterando de ramo rapidamente. Contudo, uma peculiaridade não muda: os melhores
pontos comerciais sempre são aqueles junto às paradas de ônibus, o que demonstra
a simbiose entre o transporte público e o comprador/usuário dos serviços de toda
região.
O futuro da Rodrigues Alves, como parte do centro comercial262, depende das
medidas de revitalização a serem tomadas para ele; não há como desligá-los. Mas é

261 PELEGRINA, G. R. Avenida Rodrigues Alves (XI). Notas históricas. Jornal da Cidade. 06 set. 1992.
262 Assunto a ser tratado no Capítulo a seguir, com este nome.
192

certo que qualquer plano para a zona central deve, necessária e obrigatoriamente,
passar pela Avenida.
BAURU EM TEMAS URBANOS 193

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O comércio de Bauru iniciou-se antes mesmo da sede municipal ser


estabelecida. O jornalista e historiador José Fernandes, Diretor do Correio da
Noroeste, aponta em artigo sobre a história de Bauru que os primeiros que pagaram
taxas para exercer a atividade comercial no povoado, foram Antônio Prudente para
seu “negócio de molhados, aguardente e armarinhos”, José Lopes de Souza visando
“negócio de aguardente e gêneros da terra” e Manuel Jacinto Bastos com artigos
similares, todos no ano de 1889. Em outro texto, Fernandes aponta mais 34
comerciantes licenciados posteriormente, voltados a atividades semelhantes. A
grande maioria seguia o caminho da venda “de tudo um pouco”, como era a prática
da época. Raros da lista apontavam que iriam lidar com outras áreas, como os poucos
que trabalhariam com “mascateamento de joias”, “olaria”, “hotel”, “padaria” e “folhas
de cobre”263.
Não se registra a situação física dos estabelecimentos, entretanto, como o
arruamento da cidade ainda estava se constituindo, a estrada em direção à Fortaleza,
atual Rua Araújo Leite, era, provavelmente, o local dos negócios. Até os meados da
primeira década do século XX, a rua foi o eixo comercial da jovem cidade, que
aguardava ansiosamente a chegada dos trilhos. A ferrovia, por sua vez, significará a
decadência da via para os negócios.
Com a vinda da Sorocabana, implantada no extremo oeste do Patrimônio, se
define uma nova zona de crescimento urbano, reforçado logo após, pela proximidade
da estação da Noroeste. O eixo comercial norte-sul da Rua Araújo Leite
inevitavelmente se desloca para o leste-oeste. Dirigiu-se, primeiramente, para a Rua

263
FERNANDES, J. As origens da cidade de Bauru. Jornal Correio Paulistano. 1945. Arquivo do
Museu Municipal de Bauru.
194

Batista de Carvalho, expandiu-se para a Rua Primeiro de Agosto e, até certo modo,
para a Avenida Rodrigues Alves, em um quadrilátero, não absolutamente preciso, que
vai da estação da NOB até a Rua Antônio Alves. Nele se avultou durante décadas,
um comércio vibrante que fez da chamada "Capital da Terra Branca" centro regional
importante. Com a formação das cidades "à beira da linha" da noroeste 264, teria
impacto até as divisas com o Estado de Mato Grosso.
No quadrilátero central as vias principais tinham características próprias.
Pode-se dizer que havia gradação de uso que passava pela topografia e pelas
correlações morais. A Avenida Rodrigues Alves, em cota mais alta, abrigaria
residências importantes que, com o tempo, se transformariam em prédios, algum
comércio e os primeiros postos de combustíveis; talvez fosse a seu início a via mais
nobre e aristocrática da cidade.
A Rua Batista de Carvalho disporá do grande comércio, fato que persiste até
nossos dias com o calçadão. A Rua Primeiro de Agosto será mais voltada ao lazer,
com bares, restaurantes, hotéis, bancos e os principais cinemas como o pioneiro Bijou
Theatre, de 1922. Depois veio o Cine Bauru, inaugurado em 1938, em belo prédio art
déco projetado pelo arquiteto João Caciolla, o Cine São Paulo e o Cine Capri, sendo
o setor tratado como a “Cinelândia” de Bauru. Era via de negócios e também de
diversão e que, de certa forma, prenunciava e antecedia as ruas paralelas e abaixo,
destinadas aos cabarés e a prostituição.
O nome da rua, Batista de Carvalho, homenageia de forma justa um
comerciante pioneiro que possuía estabelecimento na via. Lenda urbana local afirma
que Batista de Carvalho colocou uma placa em frente ao seu comércio tratando-a por
“Rua dos Esquecidos” devido a mesma não ter sido denominada em momento em que
as ruas da cidade ganhavam tratamento próprio. Na realidade, por um período, a rua
era identificada como “Rua da Estação” por destinar-se a elas, fato que pode ser
constatado nos anúncios das lojas encontrados nos jornais da época. Afinal, mesmo
considerando-se os rudimentares princípios de marketing da época, tratá-la por “Rua
dos Esquecidos”, seria péssima ideia para o comércio ali estabelecido. Após a morte
do pioneiro, a Câmara Municipal a denominou definitivamente de Rua Batista de
Carvalho em 31/11/1904265. Contudo, a denominação parece não ter "pegado" de

264 GHIRARDELLO, N. À beira da linha: formações urbanas da Noroeste Paulista. São Paulo: Editora
UNESP, 2002.
265 Atas de Câmara. 31 nov. 104, p.51.
BAURU EM TEMAS URBANOS 195

pronto, pois, em anúncio da Casa Vermelha no ano de 1911, constava que a loja
estava situada na Rua Batista de Carvalho, “antiga da Estação”266.
As ferrovias, mais que tudo, trarão à cidade acessibilidade fácil,
transformando a pequena urbe no maior entroncamento férreo do interior do país em
apenas cinco anos, de 1905 a 1910. A acessibilidade do lugar, o fato de estar situada
em região central do Estado e também ser entrada para nova e vasta zona em
expansão, concederam à Bauru primazia em relação a outras cidades da região. Tais
fatos, somados à condição natural do solo arenoso de baixa produtividade para as
atividades agrícolas, conduziram a economia local com certa naturalidade ao
comércio e serviços. Nesse processo, e garantidores de sua viabilização, há que se
destacar a presença dos imigrantes que aqui também chegaram junto com as
ferrovias, sendo que muitos deles visavam as atividades urbanas como meta primeira,
entre as quais o comércio e não a lavoura.
Após a demolição da pequena Capela do Divino Espírito Santo, em agosto de
1913, e o imediato ajardinamento da Praça Rui Barbosa, se estabelece o mais nobre
eixo da cidade, através da Rua Batista de Carvalho, em direção às estações da
Sorocabana e Noroeste. Em 1917, durante o período de encampação da NOB pela
União, Machado de Mello doa o terreno triangular e frontal à estação que ganhará seu
nome, fazendo o eixo ir de uma praça a outra.
O Engenheiro Joaquim Machado de Mello foi o proprietário da empresa que
construiu a ferrovia, dono de glebas e áreas de Bauru a Três Lagoas267, no atual Mato
Grosso do Sul. Consta que adquiriu a bela propriedade erguida pelo Engenheiro da
NOB, José Praxedes, um grande casarão assobradado e avarandado ao centro de
um belo jardim. Situava-se na esquina daquela que viria a ser a Praça Machado de
Mello, em frente à estação da NOB, e foi considerada por muito tempo a maior e mais
rica residência da cidade. Nessa morada se deram as festividades de inauguração da
estrada de ferro e outras tantas comemorações importantes ligadas à ferrovia.

Do Sr. Dr. Joaquim Machado de Mello recebeu a Câmara Municipal,


no anno passado, a valiosa doação do terreno de propriedade do
mesmo, situado entre as ruas Sorocabana, Piatam e Baptista de

266Jornal o Tempo. Ano I, número 138, de 29 out. 1911. Acervo do Museu Municipal.
267ROSA, A. S. A formação urbana de Três Lagoas (MS): o ideário de uma “Cidade Portal” e os
conflitos da terra. 2020. 305 f. Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo) – Faculdade de
Arquitetura Artes e Comunicação, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”
(FAAC/UNESP). Bauru (SP), 2020.
196

Carvalho, no principio desta ultima. Este terreno, triangular, com 3.782


m. de superfície, constitue actualmente a praça Machado de Mello,
nome este dado em homenagem ao doador e no seu centro se ergue
o busto do Dr. Machado de Mello, oferecido pelos funcionários da
Estrada de Ferro Noroeste, que com este gesto bem significativo,
quizeram demonstrar ao se estimado chefe, distincto presidente da
Companhia Noroeste, a consideração em que o têm268.

O texto extremamente adulatório, tratava da doação de área, provavelmente


de sua posse, desde quando a NOB se implanta na cidade, e os terrenos ali pouco
valiam. Sua “generosidade” será compensada com a denominação do espaço público
e a criação do primeiro monumento erigido na cidade em homenagem a uma
personalidade. Apenas por pouco tempo, na década de 1930, o espaço teve o nome
alterado para Praça Antônio Prado, logo depois revertido.
Com a criação da Praça Machado de Mello, no limite oeste do eixo, o acesso
à estação da NOB passa a se dar através da Batista, e não mais pelo portão da
Rodrigues. Os comerciantes das primeiras quadras da Avenida Rodrigues Alves,
particularmente os proprietários de hotéis que ali tinham seus interesses
estabelecidos, chegaram a enviar oficio à Câmara reclamando da mudança que
poderia prejudicar seus negócios. A falta de argumentos fica revelada na missiva que
aponta o acúmulo das chuvas no local, o percurso mais longo a ser feito pelos veículos
de carga e descarga e questões estéticas; evidentemente, a carta não surte qualquer
efeito prático269.
A Praça Machado de Mello não receberá ajardinamento, pois era conveniente
que seu espaço permanecesse no areão, como um estacionamento voltado à estação
da NOB. Era local usado para o movimento de carga e descarga, embarque e
desembarque, e parada dos chamados "carros de praça"270, além de ponto de
carroças, charretes, posteriormente táxis e veículos automotores. Mais adiante, ao
seu redor, também pararão as jardineiras intermunicipais, substituídas pelos ônibus,

268 Relatório da Administração do Municipio durante o anno de 1917 sendo Prefeito Municipal o
Dr. Luiz Vicente Figueira de Mello. São Paulo: Sessão de obras de O Estado de São Paulo, 1917,
p.71.
269 PELEGRINA, G. R. Avenida Rodrigues Alves. Notas Históricas. Jornal da Cidade. 23 set. 1992.
270 “Um veiculo de quatro rodas, raios de madeira trabalhado por marceneiro, com assento atrás para

duas ou três pessoas e a boleia na frente para o cocheiro, coberto com capa de couro ou lona
resistentes à inclemência atmosférica, tirados por juntas de cavalos, uma ou duas parelhas, domados
para o mister”. Conforme: PAIVA, C. F. de. Complemento as Narrativas sintéticas dos fatos que
motivaram a fundação de Bauru. Bauru: Conselho Municipal de Educação de Bauru, 1977, p. 39.
BAURU EM TEMAS URBANOS 197

e o espaço persistirá como uma cada vez maior rodoviária improvisada, até o início
da década de 1980, quando é inaugurado o atual terminal rodoviário.
A Machado de Mello nunca se constituiu como acesso digno e condizente com
a cidade, sempre foi, sobretudo, espaço operacional vinculado à ferrovia. Era breve
transposição descampada destinada ao eixo nobre e principal de Bauru, constituído
pela Rua Batista de Carvalho, essa sim, com a Praça Rui Barbosa ao final, o
verdadeiro “cartão postal” da urbe.
A primitiva estação da NOB, como vimos, teve sua entrada transferida em
1917 para posição frontal a Batista, sendo a praça apenas passagem obrigatória.
Entretanto, a nova e monumental estação art déco, inaugurada em 1939, com quase
150 metros de fachada, encerra completamente um dos lados do triângulo que
compõe a Praça Machado de Mello. Com isso, a área livre ganha relevo, não como
acesso nobre à cidade, por se manter como improvisado estacionamento, mas sob
forma de espaço vazio destinado ao enquadramento e visualização do prédio
imponente. A ausência de vegetação e a implantação da estação em cota ligeiramente
mais baixa que a esquina da Rua Batista, oferecia posicionamento visual perfeito para
aquele que seria o “edifício símbolo” da cidade. São inúmeras as imagens fotográficas
a partir desse ângulo, nas quais se percebe o quanto era conveniente existir uma área
livre sem qualquer elemento que pudesse concorrer com o prédio e “distrair” o olhar.
A praça continuava a serviço da NOB.
A Machado de Mello receberá paisagismo somente na primeira administração
de Nuno de Assis (1952-1956), quando se estabelecem os canteiros, caminhos em
mosaico português, postes decorativos e são plantadas árvores ao redor, mantendo-
se o monumento dedicado ao seu doador ao centro. Na reforma são retirados os belos
postes de ferro fundido que lembravam os da Avenida Central do Rio de Janeiro,
“herdados” da Praça Rui Barbosa. Com o crescimento da vegetação, paulatinamente,
a grandiosa perspectiva do prédio da NOB vai sendo encoberta e se perdendo.
Antes mesmo do ajardinamento da praça e talvez preparando o caminho para
sua urbanização, os caminhões e carroças que ali faziam ponto são transferidos para
outros setores nas proximidades, como a Praça das Bandeiras, Rua Júlio Prestes,
Avenida Pedro de Toledo, etc. Era o que exigia a Lei nº. 178 da Câmara Municipal,
divulgada pelo Diário de Bauru no dia 24 de fevereiro de 1950, que estabelecia
também, diversas disposições ligadas ao sistema viário. Ficaram ali, ao redor da praça
ajardinada, apenas os táxis, os ônibus circulares e os intermunicipais. Como não havia
198

estrutura adequada, as passagens da improvisada rodoviária de Bauru eram vendidas


nos bares ao redor. O grande destaque comercial do entorno da praça era o
Atacadista Dias Martins, situado na esquina da Rua Primeiro de Agosto. Foi criado no
ano de 1966 e atraía grande número de consumidores da cidade e região, vendendo
principalmente alimentos. Sua situação era estratégica pela proximidade da ferrovia e
dos ônibus.

Figura 57: Praça Machado de Mello vendo-se o eixo da Rua Monsenhor Claro. Espaço livre
vinculado a NOB. Na foto, ainda, se veem os bonitos postes "herdados" da Praça Rui Barbosa
e o bebedouro para animais, tendo ao centro o monumento e busto de Machado de Mello.
Foto provavelmente dos meados da década 1930 devido às obras da nova estação já estarem
em andamento (à direita)

Fonte: Museu Ferroviário Regional de Bauru.


BAURU EM TEMAS URBANOS 199

Figura 58: Vista aérea da cidade com destaque para o imenso prédio da NOB. Na imagem é
possível ver claramente a importância do espaço frontal formado pela Praça Machado de
Mello no sentido de se descortinar o edifício. Como curiosidade, na imagem ainda é possível
ser visto o casarão construído por Machado de Mello envolto em denso jardim, na esquina da
praça com a Rua Primeiro de Agosto

Fonte: AZEVEDO (1950, p. 184).

A ferrovia coloca Bauru em posição de destaque, e com ela seu comércio, que
começava a ir além dos limites da cidade. Tal fato fica manifesto no Relatório da
Administração Municipal do Prefeito Dr. Luiz Vicente Figueira de Mello (1915-18),
referente ao ano de 1917:

Goza Baurú, para o commercio, da mesma posição privilegiada, centro


como é de convergência de três estradas de ferro. No nosso município
já se estão estabelecendo casas atacadistas e mais tarde uma parte
do commercio tomará essa feição, promovendo intercambio em
grande escala até para zonas longínquas. (...) temos 64 armazéns de
bebidas cereais e venda de fumo, 2 casas especialistas de calçados,
50 casas de fazendas e armarinho, 2 casas de ferragens, 1 casa de
espelhos e quadros, 3 joalherias e relojoarias, 10pharmacias das
quaes algumas tem uma drogaria, além de outros pequenos
estabelecimentos de menor escala271.

271Relatório da Administração do Município durante o anno de 1917 sendo Prefeito Municipal o


Dr. Luiz Vicente Figueira de Mello. São Paulo: Sessão de obras de O Estado de São Paulo, 1917,
p.136.
200

Demonstrativo que o comércio florescia é a chegada da principal rede de lojas


do Brasil em sua época, a Casas Pernambucanas, que se instala na cidade no ano
de 1916, atrás das boas perspectivas locais e bastante cedo, considerando-se que foi
fundada em 1908 no Recife e teve inaugurada sua primeira loja em São Paulo no ano
de 1910272. No período havia uma frase que mostrava bem a importância da chegada
da loja nas cidades, desejo solicitado à matriz da empresa até mesmo pelos prefeitos:
"Para ser um município tinha que ter uma igreja, um banco e uma Pernambucanas"273.
Como o eixo da Batista de Carvalho era nevrálgico para a cidade, durante o
ano de 1924, será ali assentado o primeiro paralelepípedo, iniciando-se o calçamento
das vias urbanas, o que em localidade de solo arenoso representava grande passo
para a melhoria do trânsito e a manutenção das estruturas das edificações, que
sofriam com as chuvas de verão. Os maiores cuidados e investimentos da
administração pública estarão voltados ao polígono compreendido entre as duas
praças, Rui Barbosa e Machado de Mello, e as vias Rodrigues Alves e Primeiro de
Agosto. No entanto, certamente, a Rua Batista de Carvalho, devido aos altos
interesses econômicos ali estabelecidos, será sempre a mais favorecida.
Os comerciários, junto com os ferroviários, tornam-se grande força política na
cidade. Sua presença vai ser sentida constantemente a partir da segunda década do
século XX. Em Maio de 1917, foi promulgada a Lei Municipal n°. 124 a partir de
demanda da “classe caixeiral”, determinando o fechamento das portas das casas
comerciais nos domingos e feriados à uma hora da tarde e não mais às três horas274.
No ano de 1925, os empregados do comércio enviam à Câmara Municipal um
abaixo assinado no sentido de reduzir a jornada de trabalho em duas horas e para
que as portas pudessem ser cerradas às 18 horas. No documento é feita comparação
entre o serviço do funcionalismo público e mesmo dos operários, que possuíam
legislação específica para seu amparo. Apontam, ainda, que o comércio de Bauru não
dispunha de “sociedade alguma organizada” para protegê-los. Apelam no sentido de

272 Pernambucanas. Wikipedia, 2020. Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Pernambucanas>.


273 Sobre nós. Pernambucanas, 2020. Disponível em: < https://www.pernambucanas.com.br/sobre-
nos>.
274 Relatório da Administração do Município durante o anno de 1917 sendo Prefeito Municipal o

Dr. Luiz Vicente Figueira de Mello. São Paulo: Sessão de obras de O Estado de São Paulo, 1917,
p.127.
BAURU EM TEMAS URBANOS 201

que as duas horas retiradas da jornada diária de 11 horas, poderia ser utilizada para
o estudo do empregado do comércio275.
Os comerciantes, mesmo individualmente muito poderosos, juntaram suas
forças e fundaram em 1931, a Associação Comercial de Bauru (ACIB), de grande peso
político e social, atuando decisivamente a favor de seus interesses enquanto
proprietários de estabelecimentos comerciais e no sentido de solidificar a cidade como
centro comercial de relevo. A data é significativa, pois traz com ela novo momento
político para o país e período de crescimento para a cidade, que rapidamente se
urbanizava. A ACIB trabalhará por muitas causas no sentido de conquistar melhorias
para a localidade tornando-se centro político de relevo que atuou em questões tão
diversificadas como a construção da Rodovia São Paulo-Mato Grosso, atual Marechal
Rondon, a obtenção da bitola larga da Companhia Paulista e a vinda de órgãos
estaduais para o Município, como a Regional do Departamento Estadual do
Trabalho276.
Em relação aos temas voltados diretamente ao comércio, trabalhará
vigorosamente para que o setor estivesse na vanguarda do Estado, buscando
experiências bem sucedidas da capital para serem aplicadas na cidade. Como
exemplo temos o concurso patrocinado pelo Jornal Correio da Noroeste, com apoio
da ACIB, com chamadas publicadas em várias de suas edições de julho de 1931 277,
no sentido de que o comércio local participasse da “Semana das Vitrines e
Exposições”, que ocorreria juntamente com o período de aniversário da cidade no
início de agosto. Tais promoções que visavam aumentar as vendas e atrair novos
consumidores serão bastante frequentes em toda a história do comércio local.
Poucos anos depois, em 1° de janeiro de 1934 é fundado o Sindicato dos
Empregados do Comércio, presidido pelo empresário Mario Ramos Monteiro278, e em
1948 se estabelece o Sindicato dos Empregados no Comércio de Bauru.
Em 25 de junho de 1944 é criada outra entidade patronal, a Associação
Profissional do Comércio Varejista de Bauru, que atua nas relações trabalhistas de

275 Oficio dos empregados do comércio de Bauru, com data de encaminhamento para a Comissão
de Justiça da Câmara, em 22 de outubro de 1925. Arquivo da Câmara Municipal de Bauru.
276 Bauru Ilustrado. Setembro de 2000, p. 03-04.
277 Jornal Correio da Noroeste. 28 jul. 1931.
278 PIRES, L. Primeiros tempos da nossa Bauru. Fascículo publicado pela Prefeitura Municipal de

Bauru. Sem data.


202

empresas e comerciários, atual Sincomércio, reconhecida em 1957 pelo Ministério do


Trabalho279.
A vocação bauruense para o comércio e serviços se solidificará nos anos
seguintes, dando à cidade caráter fortemente urbano, com participação limitada do
mundo rural. Parcela dos filhos dos imigrantes chegados durante o início do século:
portugueses, italianos, espanhóis, japoneses, libaneses e sírios serão a nova elite
urbana local constituída por comerciantes, construtores, médicos, advogados e
engenheiros que moldarão o espaço da cidade e dominarão a política durante o
Estado Novo e também nas décadas posteriores.
Muitos trabalhadores entre os quais filhos de imigrantes, também
desempenharão papel importante como ambulantes, vendendo seus produtos de
porta-em-porta em carrinhos de mão ou tabuleiros. Outros comercializarão com
carrocinhas levando a população água potável, pães, leite, miúdos, verduras, peixes,
etc. Na ausência de um mercado público municipal, esse tipo de comércio ambulante
e as feiras livres no centro e bairros se tornarão ramo importante do comércio local,
distribuindo hortifrutigranjeiros produzidos pelas pequenas propriedades rurais da
região.
Os ferroviários terão papel relevante em uma cidade onde os trilhos eram
elementos imprescindíveis. A voz dos trabalhadores, mesmo a contragosto, se fará
ouvir desde o início do século com a construção dos trilhos da NOB, ocorrida a partir
de condições sub-humanas, amplificada pelos órgãos de imprensa ligados ao
operariado na capital e em Bauru.
A cidade chegou a possuir jornais voltados exclusivamente aos trabalhadores
entre os quais O Trabalho, nele fica claro o relevo das entidades associadas às
ferrovias, em particular a NOB. Na trova abaixo, de 1925, o autor indica que as
concorridas eleições da Cooperativa da NOB, disputadas entre trabalhadores
indicados pela diretoria da ferrovia e representantes das entidades dos ferroviários,
sobrepujavam em importância às da Câmara Municipal,

Continua fria a
Opinião Publica a
respeito das eleições
municipaes enquanto que
a da Cooperativa da Noroeste

279 Sincomercio Bauru e Região, 2020. Disponível em: <http://sincomerciobauru.com.br/>.


BAURU EM TEMAS URBANOS 203

está animadíssima.
(VOX POPOLE)280.

Os ferroviários, os comerciários e também o funcionalismo público um pouco


mais adiante, tiveram papel expressivo na construção da cidade, e na elaboração de
uma identidade local, frequentemente em contraponto à elite.
O jornalista Bruno Ferraz, em curso pelo interior paulista, passando pela
cidade em 1924, assim descreve a presença do operariado da ferrovia:

É domingo e mal se pode andar: gente de todos os feitios trança a rua


principal em vae-vens confusos, sobre o areal fundo de palmo e os
maus passeios em ala.
Desnorteia. As três estações, que são tres grandes
acampamentos, impressionam como uma só officina. Trabalha-se
como trabalham mineiros em sua mina: machinistas, foguistas e
mecânicos, carregadores, carroceiros e operários diversos não
descansam. Deve ser assim uma das clássicas cidades industriais281.

São esses trabalhadores, que farão a engrenagem da cidade funcionar,


mesmo vivendo nos bairros mais distantes, e em condições muito aquém daquelas
das áreas onde estavam implantadas as estações ferroviárias. Era grande a
magnitude das ferrovias e especialmente da NOB para a economia da cidade, em
decorrência do número expressivo de bauruenses ali empregados. Dia de pagamento
da Noroeste era garantia de movimento na Rua Batista de Carvalho e boas vendas
para os comerciantes. Em contraponto, as greves e paralisações dos ferroviários
também refletiam fortemente na cidade. A presença de um atuante sindicato de
ferroviários, criado em 1933, correntemente teve efeito poderoso no trabalho e na
política partidária de Bauru282.
Como vimos anteriormente, o eixo formado a partir da estação da NOB que
concentrará em um único edifício todas as Companhias em Bauru a partir de 1939283,

280 Jornal O Trabalho. Ano II, n°. 91, de 26 de novembro de 1925. Acervo do Museu Municipal de
Bauru.
281 FERRAZ, B. Cidades Vivas. São Paulo: Monteiro Lobato & Companhia Editores, 1924.
282 A presença da NOB era tão importante que antes mesmo da formação do Sindicato dos Ferroviários

foram criadas sociedades beneficentes e mutualistas em prol dos trabalhadores da Noroeste, como a
Sociedade Beneficente dos Empregados da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil, de 1909, e a
Sociedade Beneficente 19 de Junho de 1927. Histórico. Sindicato dos Trabalhadores em Empresas
Ferroviárias de Bauru e Mato Grosso do Sul, 2020. Disponível em:
<http://www.sindferroviariosbauru.com.br/historico.php>.
283 Com a construção do novo prédio da NOB todas as ferrovias aportadas na cidade, ali passam se

concentrar, cada uma delas ocupando área especifica do edifício. Para tanto houve permissão do
Presidente Getúlio Vargas, através de Decreto Federal.
204

constituído pela Rua Batista de Carvalho até a Praça Rui Barbosa, será o local mais
bem cuidado, recebendo fartos investimentos públicos e privados durante várias
décadas. Era o coração da cidade.
Nos versos modernistas da poesia Bauru do poeta Rodrigues de Abreu (1897-
1927), capivariense radicado na cidade, a Batista de Carvalho era também o centro
dos negócios e local por onde circulavam os muitos forasteiros que por Bauru
passavam:

Rua Batista de Carvalho!


O sol da manhã incendeia ferozmente a gasolina que existe na
alma dos homens.
Febre...Negócios...Cartórios, Fazendas....Café...
Mil forasteiros chegaram com os trens da manhã, e vão, de
passagem, tocados da pressa para o El-Dorado real da zona
noroeste!284.

Esse quadrilátero central fisicamente se encerrava ao norte pelas linhas da


ferrovia e cursos d’água, mas, moralmente, seus limites estavam situados antes, logo
abaixo da Rua Primeiro de Agosto, pois nas ruas paralelas abaixo funcionou a zona
de prostituição da cidade. A "zona" estabeleceu-se a partir dos anos 1920 na área e
se expandiu com o fim do embarque e desembarque de passageiros na estação da
Paulista, transferidos para o prédio da NOB em 1939. A partir daí a região fica, quase
exclusivamente para esse fim.
A rua mais famosa da zona do meretrício era a Costa Ribeiro, local do famoso
Cabaré Maxim, do Bataclan e outras pensões menos conhecidas. Ali perto, na quadra
05 da Rua Rio Branco, perpendicular à Costa Ribeiro também foi a raiz da Casa da
Eny, que se tornaria, nas décadas seguintes, sinônimo de prostituição de luxo na
cidade e no país. Além da prostituição, o setor era conhecido pela jogatina, que
campeava em seus cabarés e pensões, bem como pelo uso de drogas, tolerado não
se sabe sob quais circunstâncias, pela polícia local. A posição da “zona” junto ao
centro sempre foi alvo de críticas da imprensa, particularmente do Jornal O Bauru, da
Igreja, das famílias mais conservadoras e dos proprietários de imóveis da região. Sua
manutenção em área próxima à Batista de Carvalho e a Matriz por quase sessenta
anos é fato curioso que pode vir a demostrar que esse era um setor de serviços - mais

284 Poemas Rodrigues de Abreu. Portal São Francisco, 2020. Disponível em:
<https://www.portalsaofrancisco.com.br/obras-literarias/poemas-rodrigues-de-abreu#16>.
BAURU EM TEMAS URBANOS 205

um- importante para a economia local. Parece-nos, ainda, que a questão principal
não era necessariamente, a existência dos bordéis, mas sua presença escancarada,
aos olhos de todos em área nobre.

Figura 59: O movimentado eixo da Rua Batista de Carvalho a partir da Praça Machado de
Mello

Fonte: Revista Ouro Verde, Revista Mensal da Zona Noroeste, Bauru, Ano 1, nº. II, jul. 1931.
Museu Ferroviário Regional de Bauru.

No ano de 1963, por exigência da Prefeitura, amparada pelo Judiciário, a zona


do meretrício é transferida do centro da cidade para o Jardim das Orquídeas, bairro
muito distante no extremo leste da cidade. Com isso, previa-se rápida valorização dos
imóveis da região. Entretanto, a barreira moral representada pelo espaço foi tão real
que, mesmo com a saída da “zona” do centro e a quase imediata substituição do nome
da Rua Costa Ribeiro para Presidente Kennedy no sentido de se “apagar” o passado,
a memória do lugar parece ter sobrevivido. A região nunca atingiu seu real potencial
de ocupação, permanecendo estigmatizada até nossos dias285.

285A prefeitura indicou uma área no Jardim das Orquídeas, zona afastada e popular no extremo leste
da cidade, para abrigar a zona de prostituição, alcunhada de “Formigueiro”. A exceção se dá apenas
para a Casa da Eny que se transfere para um grande complexo situado no trevo da Rodovia Marechal
Rondon com a Bauru-Ipaussu, ao sul da cidade, momento em que ganha projeção nacional. Sobre o
assunto ver: MELLO, L. Eny e o grande bordel brasileiro. Rio de Janeiro: Objetiva, 2002.
206

A zona central era espaço a ser preservado de pessoas não desejadas, entre
elas os mendigos, andarilhos e os muitos doentes que perambulavam pelas cidades
da Zona Noroeste pela ferrovia. Havia grande esforço das autoridades em afastá-los
das áreas mais nobres. Entretanto, só mesmo através da força eles eram escondidos
dos olhos de todos, já que as estações situavam-se nas áreas centrais. Dos problemas
mais graves era a lepra, doença infectocontagiosa que até aquele momento não
possuía cura. Seus portadores eram desprezados e humilhados em todas as cidades
por onde passavam. Os municípios da zona formaram, em 1927, o “Convênio das
Municipalidades”, com o objetivo de arrecadar fundos para a criação de um grande
asilo286. Em 1933 foi estabelecido em Bauru o Asilo Colônia Aymorés para tratamento
da hanseníase, amparado por medidas jurídicas do Estado e com o apoio do meio
cientifico da época. Constituía-se, praticamente em outra cidade, afastada do centro
urbano, dotada de inúmeras instalações como casino, cinema, igreja, praça, coreto,
correio, quadras, cemitério, carviles, residências para famílias, parlatório, áreas de
produção agrícola, etc. Era local de isolamento compulsório, quase uma prisão. Com
sua exclusão forçada e obrigatória do cenário urbano, e a constituição de uma “cidade
paralela”, o problema da hanseníase será “resolvido” na região, afastando-se aqueles
antes considerados inconvenientes das áreas nobres e centrais.
Assim como a demanda do Asilo Colônia, de forma frequente Bauru
capitaneará os interesses da Região Noroeste frente às inúmeras reinvindicações
junto ao Governo do Estado, entre as quais aquelas que diziam respeito às estradas
de rodagem que as ligasse entre si e em direção a capital. Dessa forma, a estrada
para veículos já começa a mostrar sua importância para a economia da região 287
expresso claramente no Congresso Regional da Noroeste no ano de 1926288.

286 Histórico. Instituto Lauro de Souza Lima (ILSL), 2020. Disponível em:
<http://www.ilsl.br/museu/museu2.php>.
287 Tal situação começa a ocorrer de forma mais constante a partir da construção das ferrovias que se

destinavam ao extremo oeste do Estado, durante o início do século XX, como a Alta Sorocabana, Alta
Paulista e Noroeste. Essas vão possuir privilégio de zona, podendo explorar sem concorrência os
trechos entre os cursos d’água praticamente paralelos, que deságuam no Rio Paraná. Alta Sorocabana,
entre Rio Paranapanema e Peixe; Alta Paulista, entre Peixe e Rio Aguapei; e Noroeste do Brasil, entre
Aguapei e Rio Tietê. Apenas as cidades por onde passavam os trilhos das empresas serão beneficiadas
pela ferrovia, ficando todo o restante das respectivas zonas entre os rios, dependente de outras formas
de transporte. Caminhões, jardineiras e automóveis particulares seriam a solução, desde que houvesse
estradas de rodagem com qualidade mínima.
288 Em 23 de março de 1926, o Diário da Noroeste divulga o Congresso Regional da Noroeste onde

participariam as urbes e povoações da zona e pelo texto percebe-se a ansiedade geral para que vias
e estradas chegassem até o "pé da linha" com destino às cidades e propriedades rurais não atingidas
pela ferrovia. Enfatizam as dificuldades em se escoar os produtos plantados nos sítios e fazendas
devido à precariedade dos caminhos vicinais. Jornal Diário da Noroeste. 23 mar. 1926.
BAURU EM TEMAS URBANOS 207

No período, ainda, Bauru, em nome da região, clamava por ligação telefônica


com a capital, conseguido durante o ano de 1926, o que demonstrava que a cidade
se tornava cada vez mais pólo interiorano de relevo289.
Tal centralidade física e política dava grande vitalidade ao comércio e
serviços. No final da década de 1930, os comerciantes bauruenses enriquecidos
devido a seus prósperos negócios, ampliam ou constroem novas lojas, muitas ainda
de tipologia eclética, com andar superior destinado à moradia. Destacam-se duas na
Batista de Carvalho: o Palacete Pagani e o Palacete Gebara, erguidos na esquina,
junto à Rua Virgílio Malta. O Palacete Pagani é imóvel tombado pelo município e
encontra-se conservado, infelizmente o Palacete Gebara foi descaracterizado durante
o início dos anos 1990, mas ainda guarda certa elegância. Ambas as obras,
aproveitavam a disposição privilegiada de confluência entre duas ruas, sempre a
situação mais nobre para o comércio.
Os exemplares sofisticados das capitais terão como arremate superior, junto
aos cruzamentos, grandes torreões cobertos de metal ou ardósia. Entretanto, mesmo
em localidades menores como Bauru, será nas esquinas chanfradas, que os imóveis
ostentarão os mais elaborados elementos ornamentais de acabamento, incluindo-se
cartelas com as iniciais de seus proprietários, mascarões, volutas, festões, guirlandas,
estátuas e a data da edificação. A carregada decoração possuiria peso simbólico,
demonstrativo da riqueza e prosperidade de seus possuidores. Esses dois
exemplares, assim como aquele ao lado da Casa Lusitana e pertencente ao próprio
comerciante, hoje totalmente reformado, representarão a arquitetura eclética em seus
estertores finais, bem como a tradicional forma de morar junto ao negócio, no centro
da cidade, situação abandonada décadas depois em favor dos bairros nobres.
A nova arquitetura que se impunha fortemente para os negócios era o art
déco, símbolo de modernidade e vanguarda290, utilizado de forma plena e abundante
pelo comércio local e cujo exemplar mais elaborado será a Casa Lusitana.
Durante os decênios de 1940 e 1950, Bauru reforça-se como centro regional
e passa a abrigar uma série de repartições públicas federais, estaduais e autarquias.
Além das três ferrovias, encontram-se na cidade a Delegacia Regional da Fazenda,
Delegacia Seccional de Imposto de Renda, Delegacia Regional de Ensino, Delegacia
Regional de Polícia, Divisão Regional do Trabalho, Divisão Regional do DER, 4º

289 Jornal Diário da Noroeste. 04 mai. 1926.


290 Ver Capítulo 6: A verticalização.
208

Batalhão da Força Pública do Estado, Diretoria Regional do Departamento dos


Correios e Telégrafos, Asilo Colônia Aimorés, Inspetoria Regional do Departamento
de Profilaxia da Lepra, Escola Prática de Agricultura, Inspetoria Regional do Serviço
de Profilaxia da Malária, Centro de Saúde, Dispensário de Tuberculose, e outras291.

Figura 60: Rua Batista de Carvalho provavelmente na década de 1950. Nesse momento
reúnem-se na via exemplares da arquitetura eclética, art déco e moderna

Fonte: Museu Ferroviário Regional de Bauru.

A situação geográfica da cidade, no centro de São Paulo, a coloca em posição


estratégica para reunião das linhas de transmissão de energia, oriundas de diversas
usinas hidrelétricas do Estado. Bauru também foi escolhida como local para a
implantação da subestação de energia, proveniente de Urubupungá, concentrando
todo processo de distribuição regional, tanto da CPFL, como da CESP. A última

291BAURU ESTUDANTIL. Órgão Oficial da Federação Bauruense Estudantina. Edição Comemorativa


ao 61º Aniversário da Fundação do Município de Bauru 1896-1957. Bauru, Agosto de 1957, número
12, Ano II, p.23.
BAURU EM TEMAS URBANOS 209

empresa, inclusive, passou a contar com Diretoria Regional em Bauru, ainda nos anos
1960.
Tais órgãos acolhiam milhares de funcionários públicos que davam à cidade
perfil de classe média, atendida exclusivamente pelo comércio e serviços locais,
ajudando-os a tornarem-se mais fortes e dinâmicos.
A boa acessibilidade por estradas de rodagem, ferrovias e até mesmo por
aerovia favorecia os negócios, àqueles direcionados à Zona Noroeste e ao Estado do
Mato Grosso. A presença dos "caixeiros viajantes", "mascates", "mercadores
ambulantes" e "vendedores de porta a porta", era constante, garantindo, já no ano de
1926, a ocupação dos 24 hotéis e 12 pensões292, do centro comercial.
A quantidade de hotéis é surpreendente, visto que no Plano Diretor de 1996
é apontado que, passados quase quarenta anos e a cidade ter crescido muito, havia
31 hotéis em Bauru293. Frise-se que, nesse computo de 1926, certamente não estão
consideradas as dezenas de “pensões” ligadas às atividades de prostituição,
consideradas “não familiares”. Essas eram listadas em categoria a parte, tendo em
tese, sob controle da polícia local, os livros de registro dos hóspedes.
Os hotéis eram serviços importantes em uma cidade cuja centralidade e
acessibilidade eram qualidades fundamentais, tanto é assim que serão altos os
investimentos nesse tipo de negócio. Durante as primeiras décadas eles se
concentrarão junto à estação da Sorocabana e NOB, como os Hotéis Cariane, Estoril,
Milanese, Progresso e outros tantos menores. A partir dos anos 1940, passam a
ocupar as quadras acima em direção à leste, como na esquina da Rodrigues Alves
com 13 de Maio, onde será erguido o grande e luxuoso Emes Hotel, em estilo art déco.
Também um dos primeiros prédios modernistas, inaugurado em 1954, será o hotel
Cidade de Bauru, localizado ainda hoje na esquina da Rua Primeiro de Agosto com
Agenor Meira, secundado pelo Alvorada Palace Hotel, também na Primeiro de Agosto,
e o Hotel Colonial junto à praça Rui Barbosa, todos um pouco posteriores. Outros
existiram e já foram demolidos, como o Hotel Central, porém, em novas áreas do
centro que não nas imediações das estações.
O comércio inicial, muito generalista, com o tempo ganha maior
especialização em ramos diversificados, para atender a clientela que se tornava mais

292 Idem, p. 23.


293 Plano Diretor de Bauru, p. 53.
210

exigente: relojoarias, papelarias, joalherias, lojas de tecidos, de calçados, alimentos,


roupas prontas, de eletrodomésticos, e também as persistentes de secos e molhados.
São muitos os estabelecimentos e ramos comerciais que poderiam ser citados
em mais de um século de negócios no centro da cidade, como as Casas Lusitana,
Casas Ribeiro, Casa Savastano, Tilibra, A Tropical, Capristor, A Paulistana, Loja Síria,
Casa Cecy, Relojoaria Tâmbara e Apréia, Louca Calçados, Yara, Casas Carvalho, A
Regional, Casa Rasi, Casa Burgo, Móveis Zatz, Casa Pagani, e tantas outras de
capital local somado àquelas vindas de fora, como a onipresente Casas
Pernambucas, Lojas Americanas, Lojas Arapuã, Lojas Clipper, Drogasil, e as atuais
Magazine Luiza, Casas Bahia, Lojas Cem, etc.
A importância da Rua Batista de Carvalho a transformou em verbo, “batistar”,
que significa passear pela via, ver o comércio, as vitrines, paquerar, comprar ou
simplesmente passar o tempo entre as lojas.
Antes do prolongamento da Avenida Rodrigues Alves, no final dos anos 1940,
pode-se dizer a Rua Batista de Carvalho era via importante na circulação viária da
cidade, como exemplo, os ônibus circulares possuíam seus pontos iniciais em suas
proximidades, ou na própria rua, e daí se direcionavam aos bairros294. Só mesmo com
a continuação da Rodrigues, que a Batista perde parte de seu relevo no tráfego urbano
e para o transporte coletivo, substituída pela avenida.
Em 04 de agosto de 1949295, a imprensa local noticia a elaboração de
anteprojeto, com maquete, de rodoviária para Bauru, localizada no centro da cidade,
que ficariam expostos no Automóvel Club. A rodoviária era velho sonho local, não
viabilizado até aquele momento. O patrocínio da empreitada, surpreendentemente,
conforme aponta a matéria, foi do Superintendente da NOB, Coronel José de Lima
Figueiredo.

294 Guia Bauruense. Publicação Anual, Setembro de 1949, p. 70 e 71. Acervo do NUPHIS.
295 Jornal Diário de Bauru. 04 ago. 1949.
BAURU EM TEMAS URBANOS 211

Figura 61: Propaganda da Loja Pagani situada na Batista de Carvalho, essa será a primeira
sede da loja transferida para o Palacete Pagani no final dos anos 1930

Fonte: Revista Ouro Verde, Revista Mensal da Zona Noroeste, Bauru, Ano 1, nº. II, jul. 1931.
Museu Ferroviário Regional de Bauru.

O fato é que, aos poucos, as jardineiras vão se impondo para transporte das
pessoas às cidades vizinhas que não dispunham de acesso por trem. A partir dos
212

anos 1920, as demandas nesse sentido são bastante comuns para a Câmara da
cidade, como aquela que chegou à sessão de 23/10/1922 que solicita a organização
de, “transporte de passageiros e cargas, por meio de auto-band, auto-ominibus,
jardineiras e outros vehiculos permanentes com motor a gazolina, pelas estradas
deste municipio”296.
Na sessão de 11/11/1922 a Câmara Municipal acata a concessão de um
serviço de ônibus de Bauru a Piratininga a ser realizado pelo senhor Eugenio
Paulucci297. Contudo, pedidos semelhantes não eram raridade e são encontrados nas
atas durante toda década e destinados a cidades variadas como Cabrália, Agudos,
etc.
As rodovias, por sua vez, melhoravam de qualidade e o transporte individual,
ainda um luxo, conquistava as famílias endinheiradas. Os caminhões também eram
vistos frequentemente nas atividades laborais da cidade. Dessa forma os veículos
automotores privados se colocavam como opção de futuro e os planos de rodoviária
no centro da cidade e, de preferência ao lado da estação da NOB, era desejo até
mesmo de seu Superintendente. Frise-se que o uso da Praça Machado de Mello como
local de carga e descarga, embarque e desembarque e estacionamento de veículos
para a estação, somados à improvisada e cada vez mais demandada rodoviária,
causava transtornos frequentes ao setor. Deslocar a rodoviária para a lateral da NOB
poderia ser uma solução bastante razoável.
O anteprojeto modernista da Rodoviária para Bauru era do Arquiteto
bauruense João Cacciolla, através da Construtora Módulo S/A, da capital do Estado,
na qual também faziam parte o Arquiteto Ariosto Mila e o Engenheiro também
bauruense, Murilo Vilaça Maringoni. Deveria se localizar na quadra 01 da Rua
Primeiro de Agosto previa a demolição dos antigos escritórios da Noroeste,
construídos em 1905 e, da Vila de seus funcionários denominada Machado de Mello;
ao lado, duas quadras que formavam um desenho triangular, contíguo à grande
estação.
A proposta se constituía de espaços abertos, com quatro marquises de
concreto alinhadas para parada dos ônibus entre dois edifícios modernistas de dez
pisos. As marquises lembram muito as plataformas construídas no prolongamento da

296 Atas da Câmara Municipal. 23 out. 1922.


297 Atas da Câmara Municipal. 11 nov. 1922.
BAURU EM TEMAS URBANOS 213

gare da NOB para parada de trens, bastante elegantes e com apoio central, também
projetadas e calculadas pelo Engenheiro Murilo Vilaça Maringoni.
Os prédios seriam dotados de comércio no térreo e os andares superiores
destinados a hotel, residências dos funcionários da NOB e escritórios da ferrovia
realocados devido à demolição do conjunto existente, indicada pelos arquitetos. Era
um projeto grandioso e multiuso, em sintonia com a sua localização central. Se
construídos, a um custo estimado de 15 milhões de cruzeiros, seriam os primeiros
arranha-céus modernistas da cidade e a rodoviária, uma das maiores do interior do
Estado.
Assim é descrita a nova estação pelo Diário de Bauru:

A parte térrea será ocupada com uma serie de salões para lojas e
casas comerciais, e nos pavimentos superiores, em numero de dez,
serão feitas acomodações para escritórios da Estrada, residências de
empregados, apartamentos de um grande hotel, com salões para
festas e recepções298.

Figura 62: Projeto para rodoviária de Bauru, no centro da cidade, no local onde hoje funcionam
o Museu Ferroviário Regional e a Vila da Noroeste, ao lado da gare da NOB. Interessante
notar a arquitetura modernista bastante inovadora para a cidade

Fonte: Diário de Bauru, 04 ago. 1949.

298 Jornal Diário de Bauru. 04 ago. 1949.


214

A rodoviária e seus prédios nunca saíram do papel, mas demonstram as


mudanças de rumo pelas quais passava o país e a paulatina transformação dos
modais, acelerada no governo de Juscelino Kubitschek, que definitivamente fez opção
pelo rodoviário299. Tal reflexo, é claro, já se apresentava até mesmo na cidade onde a
ferrovia tinha importância mais que especial e certamente incidirá em seu centro
comercial.
Outra rodoviária, no mesmo local, será proposta pelo ambicioso Plano Diretor
de Bauru produzido pelo CPEU/USP no ano de 1967, como parte integrante do Centro
Cívico da Cidade, mas também não será executada300.
Pode-se dizer que as décadas de 1960 e 1970 constituem-se no período
áureo do centro comercial e da Rua Batista de Carvalho em particular.
A década de 1960 trará uma série de instituições de ensino superior para
Bauru e, com elas, universitários que darão nova vida e também certo ar transgressor
à paisagem local. A Instituição Toledo de Ensino, a Faculdade de Ciências e Letras,
a Faculdade de Odontologia da USP e a Fundação Educacional de Bauru (semente
da UNESP), inundarão a cidade com estudantes, muitos vindos de fora. Soma-se o
Centro de Formação Profissional da NOB, que educará os futuros quadros para a
ferrovia através de seus jovens aprendizes, parte integrante da vida urbana. Ainda,
entre 1968 e 1973, foram criados ao menos de 10 ginásios estaduais nos bairros,
agora separados dos grupos escolares301, revelando o aumento populacional e
também a faixa etária que se torna predominante na cena da cidade.
Em crônica denominada Rua Batista de Carvalho, uma rua de personalidade
(ou a Augusta bauruense), um escritor não identificado mostra claramente o espírito
da época e os personagens diversos que acorriam à Batista; compara-a à Rua
Augusta, símbolo de juventude e status na capital, contudo “talvez mais pela
variedade de tipos que pelo luxo dos estabelecimentos”:

299 Na realidade, todo processo de opção pelo rodoviário começa antes no Estado, com a formação do
Departamento de Estradas de Rodagem DER, em 1934. Em 1946, torna-se autarquia e, em 1948,
forma as cinco primeiras Divisões Regionais, entre as quais a de Bauru. No segundo mandato de
Ademar de Barros (1963-1966) inicia-se a construção das "super-autoestradas", como eram tratadas,
e justamente pela rodovia Castelo Branco, que se destinava até o oeste paulista. Seria o início de malha
que hoje conta com 35 mil quilômetros de vias pavimentadas e duro golpe nas ferrovias do Estado.
Memória do DER. Departamento de Estradas de Rodagem (DER), 2019. Disponível em:
<www.der.sp.gov.br/WebSite/Institucional/MemoriaTransporte.aspx>.
300 Ver sub-capítulo referente à legislação municipal.
301 LOSNAK, C. J. Polifonia Urbana. Bauru: EDUSC, 2004, p. 201.
BAURU EM TEMAS URBANOS 215

Os turistas, isto é os da região que vem fazer suas compras facilmente


identificáveis pela juventude da terra; as mini-saias e os cabeludos,
não são atrações pitorescas, sim parte da fisionomia nas calçadas,
examinada atentamente pelos rapazes estacionados nas portas, tão
enfeitados quanto as vitrinas, desagradando aos comerciantes, pelas
vitrinas escondidas.

Ainda sobre a diversidade dos transeuntes, fala dos universitários, dos


comerciantes de várias nacionalidades ali estabelecidos e também, de forma
preconceituosa, dos nordestinos que chegavam à cidade:

Figura 63: Rua Batista de Carvalho, esquina com a Rua Azarias Leite, em foto provavelmente
dos anos 1950. Foto Giaxa

Fonte: CARDOSO, R. A história do comércio de Bauru, do calçadão até os shoppings. Social


Bauru. Disponível em: <https://www.socialbauru.com.br/2015/11/10/historia-do-comercio-de-
bauru-do-calcadao-ate-os-shoppings/>.

Os blusões dos universitários espalham um ar de cultura nas manhãs,


uma feição de carnaval nas peruadas e trotes, e com os uniformes dos
ginásios, um aspecto desconcertante junto dos nordestinos que
esmolam, quando o trem despeja na estação as levas ociosas, que na
Praça Machado de Mello vão subindo às famílias até a Rui Barbosa.
Passam perto do dono judeu da loja de roupas do sírio da casa de
calçados, que conversa com o italiano da pizzaria, depois com o
português rico, com o espanhol, com o japonês do bar302.

302
Rua Batista de Carvalho, uma rua de personalidade (ou a Augusta bauruense). Jornal Diário de
Bauru. 01 ago. 1967.
216

São, ainda, os universitários que criam a mais famosa boate do período.


Depois de passar por outros dois locais anteriormente, estabeleceu-se definitivamente
na Rua Agenor Meira, em pleno centro, o CIENTE, aberto na década de 1970 por
estudantes da Faculdade de Engenharia da Fundação Educacional de Bauru e onde
pulsou a vida noturna jovem durante o período das discotecas.
A vinda de estudantes de várias regiões do Estado, o estilo de vida mais liberal
e rebelde típico dos anos sessenta e uma ferrovia que se destinava à Bolívia, grande
produtora de cocaína, e outra para São Paulo, farão o tráfico e o consumo de drogas
explodirem. Também nessa situação o grande entroncamento ferroviário dará mostras
de sua força e alcance. A presença de drogas não era fato novo na cidade,
consumidas desde o início do século em seus cabarés, conforme os versos de
Rodrigues de Abreu: “Eu já tomei cocaína em teus bairros baixos, onde há Milonguitas
de pálpebras murchas e de olhos brilhantes”. Também eram matéria dos jornais da
época, como aquela do Diário da Noroeste, do ano de 1926, com o título O Commercio
dos tóxicos303. Entretanto, a escala e abrangência passará a ser outra, evidenciada
pelas frequentes apreensões noticiadas na imprensa do final dos anos 1960 e início
dos anos 1970.
O Plano Diretor de Bauru do início da década de 1970 já trata a zona central
como "deteriorada"304 e, antes desse, o Plano Diretor do CPEU/USP, também a
qualifica dessa forma, inclusive propondo demolição de extensa zona que ia da
estação ferroviária até a Rua Virgílio Malta com a finalidade de criação de Centro
Cívico para a cidade305. Certamente não concordamos com a definição nesse
momento histórico, que parece muito mais voltada a "vender" a ideia do Centro Cívico
a ser estabelecido sobre área densamente ocupada, do que a real situação de
decadência do centro urbano.
A década de 1970 ainda trará para o centro da cidade grandes investimentos
privados e públicos, devem ser destacados o prédio dos Correios situado na Praça D.
Pedro II, aprovado em 1972 e inaugurado em 1973; a bela sede do INPS na cabeceira
do Viaduto JK de 1973306; o novo prédio do Banco do Brasil na rua Primeiro de Agosto;

303 O commercio dos tóxicos. Jornal Diário da Noroeste. 24 fev. 1926.


304 Plano Diretor de Bauru, p. 2.
305 Sobre isso ver capítulo próximo: Capítulo 9: Legislações urbanas e Planos Diretores.
306 Edifício tombado pelo Conselho de Preservação local, CODEPAC, como uma das obras modernistas

importantes da cidade, contudo, tem sido reformado sistematicamente.


BAURU EM TEMAS URBANOS 217

a agência do Bradesco, além dos edifícios destinados a salas comerciais comentados


no capítulo sobre a verticalização307.
Pode-se dizer que será a última década onde a zona central será o principal
palco dos investimentos comerciais, rareando-se sobremaneira da década de 1980
em diante, com um ou outro empreendimento, como a criação do Cine Bauru 2, na
esquina da rua 13 de Maio com Cussy Junior em 1980, que funcionou até 2008
quando foi demolido; o prédio para uso próprio das Lojas Riachuelo, na Batista de
Carvalho, aprovado em 1986, e na mesma quadra o das Lojas Pernambucanas em
data um pouco adiante.
O aumento constante de veículos, o conflito entre eles e o próprio crescimento
urbano obriga a Prefeitura a contar com auxilio técnico mais profissionalizado para as
questões viárias, tratadas até então por funcionários leigos.
Em 1973 são contratados profissionais do Departamento Estadual de Trânsito
(DETRAN), para remodelar o trânsito central que previa diversas mudanças, sendo
algumas bastante drásticas. A nova sinalização e as muitas alterações viárias foram
implantadas com pompa e festividades e anunciadas por toda a imprensa local. Seja
por conta do fato de tirar toda comunidade de sua “zona de conforto”, seja por conta
do desprezo técnico pelas características e idiossincrasias locais, menos de dez dias
depois grande parte do projeto foi refeito pela Prefeitura, voltando à situação anterior
por não ter sido bem aceito pela população308.
A partir do final dos anos 1960, as viagens por trem se tornam cada vez menos
procuradas e desejáveis, acentuando-se o processo na década de 1970. O acesso
dos ônibus à Praça Machado de Mello, local da improvisada "rodoviária" da cidade,
era complicado devido à distância das rodovias, ausência de avenidas de ligação e a
posição da praça, no coração congestionado da cidade.
Na década de 1980, devido a real e efetiva decadência da ferrovia, sua
proximidade deixa de ser relevante, aliás, ao contrário, passa a repelir a transitória
rodoviária. Como consequência, amplo e moderno terminal rodoviário é construído
junto às novas Avenidas Nações Unidas e Nuno de Assis, com projeto do Arquiteto
Jurandyr Bueno Filho e inaugurado em agosto de 1980. Ou seja, a ferrovia, situada
na Machado de Mello, se esvazia e a rodoviária improvisada muda de lugar. Péssimo
cenário para o centro da cidade.

307 Capítulo 6: A verticalização.


308 Jornal Diário de Bauru. Matérias dos dias 14 de abril de 1973 e 23 de abril de 1973.
218

Uma das pontas do eixo e sua grande força desde o início do século, se
extingue definitivamente no ano de 1996 com a concessão privada da ferrovia que se
volta apenas ao transporte de cargas, dando as costas à cidade e abandonando as
edificações principais. O transporte de passageiros deixa definitivamente de existir,
muito embora já estivesse precário e decadente há pelo menos duas décadas, sendo
seu encerramento apenas a última gota do agonizante processo.
O reflexo logo é sentido nas primeiras quadras da Batista, que começa a
abrigar comércio mais popular. Os hotéis da região que recebiam os viajantes da
ferrovia reduzem o padrão de clientela para sobreviver e anos depois muitos estarão
fechados.
Na década de 1980, é construído um pequeno posto policial na Praça
Machado de Mello, paulatinamente ampliado, sendo mais um exemplo de interferência
espúria no espaço público. No aniversário de 100 anos da cidade, em 1996, quando
parte do comércio ao redor já estava fechado e as construções do entorno em fase de
abandono, a Praça foi totalmente remodelada sem qualquer ganho maior para ela ou
para a vizinhança.
Na outra extremidade, a Praça Rui Barbosa sofre com o abandono e
descuido309 a partir dos anos 1980, perdendo a força de atração primordial para a
cidade, mesmo com a reforma de 1991.
Aos poucos o eixo comercial leste-oeste deixa de ser relevante e é retomada
a histórica vocação da cidade, no destino norte-sul, como já havia sido nos tempos da
Araújo Leite, a partir do redirecionamento dos negócios para os Altos da Cidade.
Se as ruas relativamente largas do centro por decênios comportaram de forma
eficiente o movimento comercial e com ele o de veículos, por volta dos anos 1980 a
estrutura viária da região parecia ter chegado ao seu limite. O trânsito de veículos no
centro tornar-se-á congestionado e as dificuldades de estacionamento se faziam
sentir, acabando por prejudicar a acessibilidade ao comércio. Para tentar minorar o
problema, o revezamento do estacionamento público é implantado com experiências
que vão da zona azul até os parquímetros, voltando-se novamente para a área azul,
ou verde.
Tal situação facultou com que algumas vias direcionadas aos bairros mais
ricos, ao sul da cidade, como Rio Branco e Gustavo Maciel, prenunciassem novo

309 Ver Capítulo 2: A Praça Rui Barbosa e os três templos.


BAURU EM TEMAS URBANOS 219

direcionamento do comércio e serviços destinados ao público de poder de compra


mais elevado que ali teria acesso fácil. Aos poucos as grandes residências dessa área
se transformaram em espaços comerciais e de serviços, inicialmente a partir de
pequenas adaptações e depois com demolições completas e projetos específicos para
os novos usos.
Nesse setor surgiram paulatinamente galerias de lojas e muitos salões
comerciais. Tais obras eram, e ainda são, muito vantajosas para os investidores. O
alto custo dos imóveis é compensado pelo valor relativamente baixo da construção de
um salão com pé direito duplo, que poderia comportar usos diversos. Quase sempre
são caixas estruturadas em concreto, fechadas com alvenaria, dotadas de fachadas
bem cuidadas e envidraçadas que ocupam a área máxima permitida do terreno,
possibilitando o estacionamento dos clientes à frente. As vagas privadas, e quanto
maior o seu número melhor, são dispostas onde possível para conseguir-se boa
locação. Parte das vezes o acabamento será finalizado pelo inquilino. Os aluguéis
compensariam o investimento.
A década de 1980 será crucial para o velho centro e a mesma será encerrada
com a inauguração do primeiro shopping center da cidade, o Bauru Shopping.
Localizado junto à Nações Unidas e à Rodovia Marechal Rondon (SP 300), terá área
de 30 mil metros quadrados, com 110 lojas, duas salas de cinema, escadas rolantes,
elevadores, ar condicionado e 6 mil vagas de estacionamento 310. Para muitos
bauruenses era a entrada da cidade na "modernidade", devido ao simbolismo de um
centro de compras nesses moldes e pelo fato de “aproximar” Bauru à capital, sendo,
ainda, poucas as cidades no interior a dispor de tais empreendimentos.
O lançamento festivo ocorre em 1985. A reação imediata na cidade era
ambígua, havia certa incredulidade que as obras fossem adiante devido à crise por
que passava o país, naquela que ficou conhecida como a “década perdida”. Muitos
acreditavam que shopping era espaço para as elites e que Bauru não teria público
com dinheiro para tanto. Os comerciantes da cidade esperavam igualdade de
condições sem favorecimento fiscal ou de taxas municipais. Apontavam como
aspectos positivos que a novidade continuaria a atrair e incentivar a vinda de
moradores da região para Bauru e que a chegada de grandes lojas de departamentos

310 Lançado oficialmente o Projeto do nosso shopping. Jornal Diário de Bauru. 05 set. 1985.
220

prometidas pelo shopping poderia trazer boas novidades e ensinamentos ao comércio


local.
Entretanto, o período comportava grandes incertezas econômicas e más
experiências. Outro avultado empreendimento, localizado nos Altos da Cidade em
uma quadra onde funcionou o Colégio Guedes de Azevedo, entre as ruas Antônio
Alves, Araújo Leite, Capitão João Antônio e Manoel Bento Cruz, é iniciado e paralisado
nas fundações no ano de 1989. O negócio se denominaria Maksoud Plaza Hotel e
Shopping Center, pertencia ao Grupo Maksoud e, como aponta seu nome, era
destinado a shopping e hotel de luxo. A situação só trouxe mais descrença e frustração
em relação a investimentos com essas características e desse porte na cidade311.
O centro sofria com problemas advindos do trânsito de veículos, da circulação
de pedestres e poluição visual. A acessibilidade à zona central estava bastante
comprometida, os congestionamentos eram comuns, assim como a falta de
estacionamentos e conflitos entre veículos e pedestres. As calçadas da Batista, com
grande frequência ficavam lotadas obrigando os consumidores a andarem pela via.
Para se destacarem e esconderem os elementos arquitetônicos antigos das
construções, considerados ultrapassados, as lojas recobriam suas fachadas com
estruturas metálicas de mau gosto e elementos de propaganda. Esses disputavam
espaço entre si, sobrepondo as calçadas e até mesmo a via, sem maior controle da
municipalidade.
O uso constante e cada vez mais popularizado do automóvel transfere a
acessibilidade aos que chegam à cidade – garantida por décadas pelas estações
ferroviárias centrais – para as rodovias. As bordas dessas autoestradas, e em
particular as avenidas de entrada, onde a Nações Unidas se destaca, se tornarão
espaços para os novos investimentos destinados ao grande comércio e serviços. O
Bauru Shopping, assim como centenas de outros centros de compras no país 312,
buscou a acessibilidade fácil e imediata das rodovias que se transformaram, após o
fim das ferrovias, nas entradas quase que exclusivas das cidades. Para Bauru, que
possui característica de pólo regional, centro de zona administrativa que conta com
39 outras cidades, tal localização teria significado ainda maior.

311
Tal empreendimento encontra-se paralisado até nossos dias.
312
Não só os shoppings buscaram posição como essa, em Bauru a Loja Havan, ocupará área frontal à
Rondon, no local onde estava situado o "Auto Cine Pop Top".
BAURU EM TEMAS URBANOS 221

A partir da inauguração em 1989 e do sucesso do Bauru Shopping, o comércio


central passou a considerar o empreendimento grave ameaça, em que pese muitas
das lojas da Batista também estarem ali estabelecidas com suas filiais. A chegada do
shopping colocou o centro, sempre muito empreendedor e dinâmico, pela primeira
vez, a reboque das inovações. Entretanto, a crise nas vendas de rua foi motivada por
uma série de fatores, e não apenas um, muito embora o novo centro de compras tenha
se tornado, naquele momento, alvo mais fácil.
A resposta da Prefeitura, com o apoio dos comerciantes da zona central e
Sindicato do Comércio foi a execução de um calçadão na Batista de Carvalho,
inaugurado em agosto de 1992. Seu percurso seria da Praça Machado de Mello até a
Praça Rui Barbosa, reinaugurada no ano anterior.
A ideia de via de pedestres começa com o fechamento para veículos da
Batista nos finais de semana, datas comerciais relevantes, e claro, o Natal, ainda
durante a década de 1970. As calçadas já não comportavam o volume de pessoas
que nelas se espremiam nessas épocas de grandes vendas. O fechamento da Batista
serviu como teste para o comércio por muitos anos. Durante as festas de final de ano,
toda uma elaborada decoração alusiva ao Natal era implantada na rua, sendo ela
própria atração que estimulava a vinda de consumidores de toda região. Ao mesmo
tempo, o trânsito se tornava congestionado e não havia vagas de estacionamento
suficientes para todos, o que deixava os comerciantes muito preocupados com o
eventual, fechamento definitivo da via como calçadão.
Em 1983 foi apresentado um projeto de alargamento de passeios projetado
por esse arquiteto a partir de seu TFG, defendido em 1982 na PUCCAMP, e
seguidamente apresentado à comunidade bauruense. A partir daí, e por longo tempo,
o Projeto de alargamento de passeio na rua Batista de Carvalho e reestruturação das
Praças foi por nós desenvolvido na EMTURB, atual EMDURB, a nível de projeto
executivo, onde se previa a passagem de veículos na rua Batista de Carvalho, a
eliminação de estacionamento e o alargamento das suas calçadas. A proposta, a rigor,
desde o início, tinha muitas opiniões contrárias por ser medida menos tradicional e
mais arriscada.
A concepção foi descartada pelo governo do prefeito Izzo Filho (1989/92) e
um projeto de calçadão de maneira mais tradicional, totalmente fechado aos veículos,
222

ou seja, calçadão pleno313, com ênfase total na pedestrianização, foi construído e


inaugurado em 1992. A obra contou com apoio, temeroso e parcial, dos comerciantes
que tinham dúvidas se o calçadão iria melhorar ou piorar as atividades comerciais e
receavam, ainda, que a via tornasse espaço para ocupação de vendedores
ambulantes. Para preservar o sentido do espaço, cuidar e zelar do calçadão que
inevitavelmente viria, foi montada uma associação de lojistas do calçadão.
Característica simbólica o particularizaria em relação a tantos outros: os arcos
em metal. Esses, inicialmente, deveriam suportar cobertura contínua no centro de toda
a via, formando espécie de túnel coberto por telhas transparentes. Entre os estudos
para a cobertura encontra-se um com apoios centrais e contínuos, bastante elegante,
que não chegou a ser desenvolvido314.
A primeira proposta partia de uma via abrigada das intempéries aos moldes
da "Rua 24 horas de Curitiba"315. Entretanto, reclamações vieram no sentido de que
tal situação acarretaria problemas de acessibilidade e visualização da identidade do
comércio. Os bombeiros deram a palavra final afirmando que sua pequena altura
prejudicaria ações emergenciais da corporação. Dessa forma a cobertura foi retirada
entre muitos dos arcos que ficaram esparsos na via, alguns cobertos outros totalmente
descobertos, mas sempre contornados por neon azul.
Em que pese sua absoluta inutilidade prática e certo ar kitsch devido à
iluminação em neon316, os arcos acabaram por ser a marca registrada do calçadão de
Bauru e elemento que o identifica e o personaliza, tornando-o reconhecível de pronto
se comparado a outras tantas ruas de pedestres do país, sempre tão semelhantes.
Muitos os ligam formalmente à estrutura da gare da estação da NOB, outros ao arco
em concreto da Praça Rui Barbosa, o fato é que passou a ser elemento identitário
local.

313 Ver: BRAMBILLA, R.; LONGO, G. For Pedestrians Only: Planning, Design and Management of
Traffic-Free Zones. New York: Witney Library of Design, 1977.
314 BONI, D. M. S. Paisagem cultural da rua para pedestres em centro urbano consolidado. 2018.

Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo) – Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação,


Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP). Bauru (SP), 2018, p. 68.
315 Prefeito diz que fará calçadão porque periferia esta atendida. Jornal Diário de Bauru. 29 mar. 1992.
316 Hoje raros arcos ostentam a iluminação original.
BAURU EM TEMAS URBANOS 223

Figura 64: O calçadão de Bauru e seu característico arco com cobertura

Fonte: Acervo pessoal do autor.

O calçadão de Bauru o qual, inspirado no de Curitiba, criado em 1972, e no


de São Paulo, de 1976, teve seu projeto elaborado pela Secretaria de Planejamento
da Prefeitura (SEPLAN), foi boa e breve novidade. Deixou a Rua Batista de Carvalho
224

mais bonita, tranquila, sem a poluição sonora e do ar que havia antes e ainda
possibilitou maior liberdade de acesso às lojas pelos consumidores. A obra dotou a
via de novo piso, escoamento de águas pluviais por grelhas e a equipou de mobiliário
urbano trazendo mais conforto ao usuário. Nova iluminação mais baixa foi executada,
mas os antigos postes de concreto padrão CPFL permaneceram e sua fiação
continuou exposta, devido ao alto custo em torná-la subterrânea.
O calçadão não acabou com o conflito total entre o trânsito motorizado e os
pedestres, ao menos nas esquinas das transversais, que possuem livre fluxo de
veículos. Com o tempo, semáforos foram instalados nos cruzamentos na tentativa de
disciplinar a passagem das pessoas e dos automotores.
No ano de 1999, a Prefeitura Municipal trouxe a arquiteta Regina Meyer,
coordenadora do Viva o Centro de São Paulo, para discutir, em workshop organizado
pela Unesp, Prefeitura e Sincomércio, o Centro de Bauru. Várias medidas foram
elencadas, dentre as quais, a revitalização de fachadas317.
Foi criado incentivo fiscal a partir de Lei Municipal, onde o valor gasto nas
reformas dos exteriores das lojas poderia ser abatido no IPTU dos anos 2003 e 2004.
Muitos comerciantes se animaram a remodelar seus estabelecimentos, voltando-se à
arquitetura original a partir da retirada das estruturas metálicas e dos luminosos
desproporcionais318. Diversas construções históricas foram "redescobertas" e
valorizadas nesse momento pelo fato de estarem escondidas há muitos anos. Houve,
ainda, maior controle dos elementos visuais em razão destes "brigarem" e interferirem
nas coberturas dos arcos da via. Infelizmente, tais medidas, muito adequadas, foram
sazonais e não se mantiveram à posterior.
O calçadão, mesmo com as sucessivas reformas cosméticas feitas nele nos
anos seguintes, não conseguiu deter o processo de transferência do comércio e
serviços para outros setores da cidade. É bem possível que tenha acelerado seu
andamento devido à ausência de medidas complementares que precisam ser
previstas em projetos dessa ordem. Entre as quais, aquelas no sentido de se resolver
questões como a inacessibilidade e insegurança noturna, redução de vagas de
estacionamento, a preservação do patrimônio histórico e o abandono paulatino do
centro como área de moradia. A falta de vida a noite é fator preocupante para região,

317 RIGITANO, M. H. C.; ANANIAN, P. Intervenções urbanas em áreas centrais, o caso de Bauru.
Bauru: Workshop organizado pela Unesp, Prefeitura e Sincomércio, 1999.
318 Idem.
BAURU EM TEMAS URBANOS 225

pois, como aponta Jane Jacobs (2000) em seu clássico livro Morte e Vida de Grandes
Cidades, “uma rua movimentada consegue garantir a segurança; uma rua deserta,
não..." pois, "devem existir olhos para a rua, os olhos daqueles que podem chamar de
proprietários naturais da rua”319.
A ênfase dada ao projeto de calçadão foi àquela relativa aos fatores
econômicos relacionados com a perda de lojas que saíam do centro para outras zonas
e shopping, concentrando-se quase exclusivamente na questão do fechamento e
tratamento da via. Faltaram diretrizes que abordassem o centro e seus problemas
como conjunto.
A bem da verdade, atribuir unicamente à rua de pedestres todas as mazelas
posteriores do centro seria injusto, pois parte delas já havia ocorrendo há mais tempo
em processo multifatorial.
O calçadão, juntamente com a reforma equivocada da Praça Rui Barbosa,
que ao invés de apontar pela preservação, indicava o descompromisso com a história
local, somado à ausência de providências complementares que pudessem tratar o
centro como um todo e não apenas a Batista de Carvalho, concorreram para criar
novos problemas na área. As obras do centro e a descaracterização do principal
espaço público da cidade, serviram de aval e incentivo para a destruição ou mutilação
de diversas construções privadas centrais de interesse histórico.
Após as obras, e a partir da década de 1990, não se veem maiores
investimentos na zona central, tanto da iniciativa privada como do poder público. As
construções verticais que inicialmente estavam ali concentradas, da mesma forma que
parte do comércio, buscaram outras regiões consideradas mais nobres. Tal processo
não ocorreu apenas com os prédios comerciais; migraram os novos edifícios
residenciais que também estrearam na cidade pelo centro. Dessa forma, a região
deixa de ser interessante como locus do investimento privado para a construção
multifamiliar colaborando para sua monofuncionalidade atual. Os imóveis residenciais
em andares ali existentes permanecem, mas, assim como seus antigos moradores,
envelhecem.
Os edifícios históricos continuam padecendo do pouco caso habitual. As
estruturas construídas dessa região têm sofrido com o tempo e a falta de conservação.
Apenas pequenas obras e reformas de superfície tem ocorrido, principalmente devido

319 JACOBS, J. Morte e Vida de Grandes Cidades. São Paulo: Martins Fontes, 2000, p.35.
226

à mudança de uso na propriedade dos estabelecimentos comerciais, contudo sem


investimentos substanciosos que possam ser considerados promissores para a zona
como um todo.
Ao percorrerem-se as principais vias do centro, tais como Rodrigues, Batista,
Primeiro de Agosto e transversais, percebe-se a permanência de construções
arcaicas (e não históricas), que dão conta de demonstrar o baixo grau de renovação
urbana na zona.
Com a premissa de oferecer as tão necessárias vagas de veículos para o
centro da cidade – um dos inconvenientes ampliados pelo calçadão –, em 1992 grande
edifício garagem foi lançado pela iniciativa privada nas esquinas da Rua Bandeirantes
e 13 de Maio. Denominado Bauru Park, aprovado em 1991, sendo o primeiro com tal
uso na cidade, possuiria 756 unidades de garagem, vendidas individualmente para
uso ou investimento, através de pool de locação, além de lojas formando um pequeno
shopping. O empreendimento prometia resolver o estacionamento da área central320.
Contudo, o prédio-garagem jamais foi utilizado.
Em 2012, inaugura-se novo shopping na cidade, o Boulevard Shopping Bauru,
em área próxima ao centro, mas não central, no antigo bairro da Vila Antárctica, nas
imediações das Avenidas Nações Unidas e Nuno de Assis e relativamente próximo à
rodovia Marechal Rondon. O grande investimento mudou drasticamente o seu entorno
imediato; infelizmente foi pouco capaz, devido à distância, de revitalizar a área do
comércio central.
A facilidade de acesso por transporte público através da Rodrigues Alves, um
terminal coletivo a céu aberto, ainda preserva a vitalidade do centro para boa parcela
da população. Contudo, ao invés de atender toda cidade de maneira geral, como era
até os anos 1980, tem, como meio de sobrevivência, se especializado em público de
menor poder aquisitivo, o que certamente causa mutações no tipo de comércio e até
mesmo no cuidado quanto aos espaços e estruturas destinadas a ele. A acessibilidade
farta explica a opção de muitas igrejas neopentecostais ocuparem grandes salões no
centro da cidade, ou até mesmo construírem seus imensos templos, como é o caso
da Igreja Universal, na esquina da Rodrigues Alves com Praça D. Pedro II.
Conforme o site Vivendo Bauru, as sete quadras do calçadão possuíam em
2017, "130 lojas e o comércio movimentando milhões de reais por ano. O metro

320 Jornal Diário de Bauru. 15 mar. 1992. Matéria publicitária de uma página.
BAURU EM TEMAS URBANOS 227

quadrado lá chega a custar até R$4,5 mil. Boa parte do dinheiro que circula em Bauru
passa por essa rua"321. Isso denota que a via ainda possui muita força, e os imóveis
ali existentes, alto valor enquanto propriedade.
Curioso apontar que, paulatinamente, o nome Batista de Carvalho vai sendo
deixado de lado a favor do termo Calçadão, que o tem substituído nos últimos tempos.
Dessa forma a rua que já foi Da Estação, para alguns Dos Esquecidos, e durante
dezenas de anos Rua Batista de Carvalho, vai adquirindo, no dia-a-dia, outra
denominação.
Os bancos, embora tenham aberto filiais nos novos setores de serviços da
cidade, ainda mantém suas principais agências no centro, todavia, as revoluções
tecnológicas conduzem à necessidade cada vez menor de atendimento físico, o que
certamente acarretará mutações nesses espaços também.
A livre acessibilidade provocada pelos veículos privados, somados a outros
fatores, descentralizou os negócios, atualmente espalhados pelas principais avenidas
arteriais e a zona sul em particular. A mudança desse modelo está muito além das
questões locais, e não há como desprezá-las. Cabe aos comerciantes mais
inovadores do centro e seus órgãos de representação, a partir da realidade brasileira
e local, ambicionar outros conceitos.
Incorreto seria dizer que o centro se exauriu com o passar do tempo.
Acreditamos que essa é falsa premissa, e, por vezes, carregada de preconceito, mas
certamente teve mudado o perfil de sua clientela, tornando-se mais popular.
Apresenta grande vitalidade a partir da gama variada de pessoas que o frequenta. O
ambiente é plural, não obstante os problemas com a população em situação de rua e
drogados, mais visíveis no centro, mas não privilégio dessa zona. A diversidade e a
heterogeneidade humana, somada a de grupos como ONG’s, artistas de rua,
cooperativas, etc., podem vir a ser um ganho para a região e não sua ruína.
A recuperação e revitalização do centro ainda dependem da busca de outras
formas de atração, além daquelas patrocinadas naturalmente pelo comércio e
serviços. Novos parâmetros precisam ser buscados para que o comércio central tenha
condições de rivalizar, e de outra forma, com espaços climatizados, limpos, seguros
e com os imensos estacionamentos como os dos shoppings centers.

321 O Calçadão da Batista. Vivendo Bauru.com.br, 2020. Disponível em:


<http://www.vivendobauru.com.br/o-calcadao-da-batista>.
228

Cabe à zona central e seus líderes sempre tão atuantes buscarem outras
referências a se somar a seus valores, passando, a nosso ver, necessariamente pela
preservação e restauração de seu patrimônio histórico e o cuidado com os espaços
livres. Diferentemente do que muitos creem ser problema, o tombamento de bens
públicos e privados, em grande parte situados no centro, podem vir a ser fator
fundamental para o início da requalificação da área. É o que pode distingui-la de outras
zonas mais novas e vulgares; é o que pode vir a reforçar a sua identidade e a atrair
novos olhares àquela região.
Grande erro seria sanear o centro da cidade e despossuí-lo de sua nova
identidade, mais popular e heterogênea, de seus novos comerciantes imigrantes
coreanos e chineses. Não há mais como retomar o centro aos moldes anteriores, onde
havia consumo mais elitizado. Não há a mais remota chance para o saudosismo. O
que pode ser buscado é outra configuração para a zona, a partir da forma com que
ela hoje se apresenta, intensificando-se o uso para a população de maneira geral ao
mesmo tempo em que ocorrem intervenções na paisagem com algum controle. Ou
seja, não há como se voltar no tempo e buscar-se retomar a velha identidade do
centro, há que se buscar outra a partir dos elementos hoje ali dispostos alicerçados
em suas memórias entre as quais a arquitetônica.
Propostas voltadas à construção de um novo centro direcionado ao turismo,
requalificando-o totalmente, a simples limpeza das estruturas no sentido de criar-se
cenário falso, maquiado e a higienização social seriam completos desastres, desses
que se encontram em cidades turísticas – fake – de alguns países. Tais diretrizes,
além de fantasiosas, seriam irreais, desumanas e despropositadas.
A habitação popular pode ser caminho em busca de emprego ainda mais
intenso e socialmente justo para a área central, em particular para a intensificação de
uso nos horários noturnos. As ruas abaixo da Ezequiel Ramos até a ferrovia e as
primeiras quadras da Quinze de Novembro, Sete de Setembro, Cussy Junior,
Bandeirantes e Avenida Pedro de Toledo poderiam abrigar conjuntos de prédios
populares a partir de aprovação de legislação menos restritiva e algum impulso
através de isenções.
O Plano Diretor de 2008, percebendo a questão, em seu Artigo 25 reconhece
o "esvaziamento" da área central e aponta algumas diretrizes:

I - requalificação das áreas públicas;


BAURU EM TEMAS URBANOS 229

II - melhoria do sistema viário, da iluminação, da arborização e


do mobiliário urbano;
III - incentivos à moradia e comércio noturno;
IV - incentivos à recuperação e valorização de prédios tombados
e de interesse histórico–cultural;
V - incentivo à ocupação dos imóveis ao longo da orla ferroviária;
VI - incentivo à instalação de serviços públicos;
VII - utilização de operação urbana consorciada ou consórcio
municipal;
VIII - utilização da transferência do direito de construir322.

A Lei também prevê o aumento do Coeficiente de Aproveitamento para a zona


e a outorga onerosa. Entretanto, passados mais de uma década da vigência do Plano
Diretor e, mesmo com algum incentivo dado por ele para a ocupação do centro por
habitação social, isso não ocorreu. A alegação usual dos empreendedores é que a
região possui terrenos pequenos e em mãos de muitos proprietários, dificultando a
aquisição devido ao preço final e, sobretudo, a unificação dos lotes para se atingir
área razoável para condomínios verticais.
Também, o retorno das atividades públicas para a zona central seria
fundamental. A volta da Prefeitura Municipal para o coração da cidade e a manutenção
da Câmara Municipal na Praça D. Pedro II, são medidas fundamentais para que a
zona não se esvazie também dos poderes constituídos. Tanto é assim que até, em
nossos dias, as principais manifestações políticas são realizadas no centro da cidade,
sendo o calçadão palco das principais. Infelizmente existem planos para o Fórum sair
do Jardim Bela Vista e migrar para a Nações Unidas, próximo ao Hospital Regional e
para nova sede do legislativo se transferir para junto da Nações Norte. Tais situações,
se concretizadas, trariam mais desocupação e abandono para a zona central.
O centro da cidade depende, também, de muitas outras diretrizes que
garantam seu dinamismo. As medidas terão que ser multifatoriais e necessariamente
envolverão recursos do poder público e da iniciativa privada. Passam por mais
mudanças nas legislações afetas à região, a melhoria das condições das Avenidas
Rodrigues Alves e Pedro de Toledo, a proibição completa da publicidade exterior, a
modernização dos transportes públicos substituídos por opções mais inteligentes e
menos poluentes e o oferecimento de vagas de estacionamento.
Entretanto, acreditamos que o foco deva se dar principalmente na
preservação, restauração e no oferecimento de novos usos ao Complexo Ferroviário

322 Plano Diretor de 2008. Lei 5.631 de 22 de agosto de 2008, p.9.


230

da cidade tombado pelo CONDEPHAAT, incluindo-se as esplanadas, que poderão vir


a trazer, novamente, força e qualidade para a zona central. Também ao longo de vias
como a Batista de Carvalho, Primeiro de Agosto, Rodrigues Alves e transversais,
ainda resta expressivo conjunto art déco e eclético, boa parte deles particulares, que
deveriam restaurados para fazer parte da renovação do centro.
Providências modestas, embora sempre bem vindas e com a melhor das
intenções, de nada adiantarão frente aos múltiplos problemas acumulados pelo
centro. Medidas de zeladoria, modernização da iluminação, segurança, manutenção
constante das coberturas em arco, dos pisos, jardineiras e lixeiras são relevantes, mas
de forma alguma conseguirão trazer o centro urbano e seu calçadão a novo patamar
de uso e interesse geral.
Por fim, quando hoje se verifica o deslocamento das principais atividades
concernentes ao centro comercial para outras áreas da cidade devido a fatores
variados, deve-se ter em vista que tal processo está longe de ser atual. Começou
ainda no início do século XX a partir da implantação das estações ferroviárias e o
abandono da Rua Araújo Leite como eixo comercial vital, sendo sua subsequente
migração, não algo obrigatório e nem sempre desejável, mas parte do processo de
urbanização capitalista.
BAURU EM TEMAS URBANOS 231





Os Códigos de Posturas eram as leis que regiam o organismo urbano das


cidades brasileiras, principalmente a partir do século XIX, quando a Constituição do
Império passa a exigir tal dispositivo. Sua elaboração era de responsabilidade das
Câmaras, mas tinham que ser obrigatoriamente aprovadas pelas Assembleias
Provinciais, na época denominados Conselhos Gerais, conforme ordenava a Lei de
Primeiro de Outubro de 1828323. Os Códigos de Posturas deveriam fornecer todas as
determinações no campo urbano e edilício para as cidades, não havendo outro
documento com finalidade similar.
Percebe-se que, na prática, tais códigos em seu início dizem respeito a
questões mais ligadas ao meio rural, ou no limiar entre o mundo urbano e rural. Com
o transcorrer do século XIX, mais ao seu final e a partir do crescimento das cidades,
novos códigos são elaborados e ampliados, tornando-se cada vez mais detalhados,
particularmente no que diz respeito às preocupações com medidas relativas à
regularidade das vias, à saúde pública e ao cuidado com as edificações, ou seja,
voltam-se prioritariamente ao meio urbano tido como essencial.
Bauru foi traçada tendo como base o Código de Posturas de Lençóis, pois
naquele momento, em 1888, estava hierarquicamente submetida a essa cidade.
Posteriormente, passa ao comando de Espírito Santo de Fortaleza e, com a
transferência da sede do Município para Bauru, em 1896, a cidade "herda" o seu
Código de Posturas.
O Código de Fortaleza, elaborado em 1892, era bastante sucinto em relação
a como deveria ser o desenho da cidade ou dos novos bairros, mas pode-se dizer que

323
Lei de Primeiro de Outubro de 1828, criando em cada cidade e vila do Império Câmaras Municipais.
Sobre os Códigos de Posturas ver artigos 71, 72 e 73.
232

indicava sutilmente o desenho reticulado: “Art. 1º Todas as ruas e travessas que forem
abertas nesta Villa terão 13 metros e 20 centímetros de largura, e as praças e largos
serão quadrados, sempre que ao terreno o permitir”324.
O artigo que tratava do arruamento, devido à importância, era sempre o
primeiro nos Códigos de Posturas e no geral se pareciam muito, com termos
semelhantes, fato que ajuda a explicar os repetidos desenhos em xadrez das cidades
paulistas do período325. A Assembleia Provincial parece conduzir tais documentos a
um "modelo" de cidade com vias amplas e de largura semelhante e também com
desenho similar, como pode ser observado pelo centro urbano das cidades do interior
criadas nesse tempo.
Será apenas em 19/02/1906, com a vinda de duas das mais importantes
ferrovias, que a Câmara Municipal de Bauru elaborará um Código de Posturas próprio.
Em 1914 foi editado novo Código de Posturas, Lei nº. 56, de 24/01/1914326, e
seu foco dizia respeito à manutenção da limpeza pública e doméstica, devido às
doenças que graçavam no espaço urbano. Outro aspecto que se tornou praticamente
obsessão para as administrações públicas nessas cidades era a regularização das
vias e seu alinhamento, fato que se refletia nos artigos da lei.
Em Bauru isso fica expresso na matéria do Jornal O Dilúculo em 20/08/1916,
que apontava tal medida para as duas principais ruas do eixo central e também a
avenida que depois se chamaria Rodrigues Alves: “

Soubemos que é intenção do Sr. Dr. L.V. Figueira de Mello muito digno
e zeloso Prefeito Municipal, mandar alinhar as guias dos passeios das
ruas 1º De Agosto, Baptista de Carvalho e Avenida Alfredo Maia, em
uma largura de 3m327.

Tal preocupação com alinhamento e também de embelezamento urbano,


focava o eixo que perfazia das estações ferroviárias à praça municipal, sempre tratado
com esmero e cuidado, como vitrine da cidade e da própria administração pública.
Contudo, o mesmo jamais poderia ser dito em relação ao restante do corpo urbano e,
particularmente, nos loteamentos fora da área foreira.

324 Código de Posturas Municipal da Villa de Espírito Santo da Fortaleza. 05 nov. 1892.
325 GHIRARDELLO, N. A formação dos patrimônios religiosos no processo de expansão urbana
paulista (1850-1900). São Paulo: Editora UNESP, 2010.
326 Código de Posturas de 1914 encontrado parcialmente reproduzido no Jornal A Gazeta de Bauru.

Ano 1, nº. 1, de 01 de Fevereiro de 1914 e em seu número 14, de 14 de Junho de 1914.


327 Jornal O Dilúculo. 20 ago. 2016, NUPHIS.
BAURU EM TEMAS URBANOS 233

Devido à constante divisão das grandes datas do patrimônio, inicialmente de


22x44 e novas construções surgirem entre as já existentes, havia a necessidade de
utilizarem-se letras para a identificação das mais recentes, o que causava dificuldades
para se encontrar os endereços.
No ano de 1925, a Câmara aprova a mudança da numeração da cidade, a
partir de proposta interessante e original, utilizada até nossos dias328. Para resolver o
confuso sistema existente até então a firma Massucci, Petracco & Nicoli oferece à
municipalidade um método bastante engenhoso que consistia de vários
procedimentos simples. O fato de a cidade ser em forma de quadrícula facilitava ainda
mais a propositura.
Iniciava por se estipular numeração ascendente para todas as ruas e
avenidas. Cada quarteirão possuiria número único e sequencial que seria separado
daquele da edificação. Este seria estabelecido a partir da distância em metros da
esquina, de forma arredondada. Dessa maneira, mesmo que outra construção fosse
erguida a posterior, novo número poderia ser atribuído, também a partir da esquina.
As edificações do lado direito seriam sempre pares e as do lado esquerdo ímpar.
Como exemplo, se uma residência estivesse no segundo quarteirão da rua receberia
o número 2, caso ela estivesse do lado direito e a vinte metros da esquina, receberia
o número 2-20, se estivesse à esquerda e na mesma distância de 20 metros da
esquina, por ser lado ímpar receberia o número 2-21. Tal dispositivo, que tem como
base a separação do número do quarteirão daquele das edificações, facilitou
sobremaneira a busca pelos imóveis na cidade, tornando-a uma das poucas do país
a utilizá-lo.
Em 1928, acompanhando o crescimento da cidade, novo e extenso Código
de Posturas foi aprovado com mais de 100 páginas e por volta de 530 artigos 329.
Quanto ao urbano, rezava em seu primeiro artigo que as vias deveriam ter no mínimo
17,60 metros de largura, as avenidas 20 metros e os quarteirões 88x88 metros,
mantendo parte das determinações que vinham se seguindo na cidade.
Seu artigo segundo apresentava uma tentativa no sentido de organizar o
espaço urbano, dando algumas normas para os projetos de parcelamentos, exigindo,

328Ata da Câmara Municipal de Bauru. 31 jan. 1925.


329Edição impressa do Código de Posturas de Bauru de 1928. Prefeito José Gomes Duarte, Sala
das Sessões, 21/01/28. Coleção do autor.
234

para se conseguir a licença da prefeitura, a apresentação de planta e perfis do


loteamento proposto,

que será recusada, si as ruas, avenidas e praças apresentarem


ângulos inconvenientes em seus alinhamentos, não estiverem nas
condições do artigo anterior, ou as oppuserem, ao plano geral de
arruamento organisado pela Municipalidade330.

Não sabemos se o "plano geral de arruamento" apontado acima existiu, mas


o que pode se depreender vendo-se os parcelamentos criados na época é que, em
especial, o segundo artigo parece ter sido letra morta.
Pode-se dizer que tais documentos extremamente detalhados, em seus vários
aspectos, eram parcialmente atendidos, em especial nos pontos menos conflitivos,
sendo os demais pouco acolhidos e outros solenemente ignorados. Aliás, prática que
se conserva até nossos dias.
Em 1936, o prefeito João Bráulio Ferraz institui a Lei nº. 18 que dá gabaritos
e determina usos de solo no centro da cidade: Batista de Carvalho, Primeiro de
Agosto, Rodrigues Alves e Praças Machado de Melo e Rui Barbosa. Em um dos seus
artigos havia a proibição de construções com mais de dois andares e vetava usos
inadequados como indústrias, serrarias, oficinas, hospitais, etc.331 Claro que a lei não
teve cumprimento efetivo, ao menos no quesito relacionado ao gabarito, mas foi a
primeira e tímida tentativa de se conseguir controle do zoneamento e ocupação em
área sensível da cidade.
Em 1937, os loteamentos passam a ser regulamentados pelo Decreto Lei
Federal nº. 58, que Dispõe sobre o loteamento e a venda de terrenos para pagamento
em prestações:

Art.1º Os proprietários ou co-proprietários de terras rurais ou terrenos


urbanos, que pretendam vendê-los, divididos em lotes e por oferta
pública, mediante pagamento do preço a prazo em prestações
sucessivas e periódicas, são obrigados, antes de anunciar a venda, a
depositar no cartório do registro de imóveis da circunscrição
respectiva:
I- um memorial por êles assinado ou por procuradores com
poderes especiais, contendo:

330
Código de Posturas de Bauru de 1928, p.5.
331GHIRARDELLO, N. Aspectos do Direcionamento urbano de Bauru. 1992. 196 f. Dissertação
(Mestrado em Arquitetura) – Escola de Engenharia de São Carlos, Universidade de São Paulo. São
Carlos (SP), 1992, p. 163.
BAURU EM TEMAS URBANOS 235

a) denominação, área, limites, situação e outros característicos


do imóvel;
c) plano de loteamento, de que conste o programa de
desenvolvimento urbano, ou de aproveitamento industrial ou agrícola;
nesta última hipótese, informações sôbre a qualidade das terras,
águas, servidões ativas e passivas, estradas e caminhos, distância de
sede do município e das estações de transporte de acesso mais fácil;
II- planta do imóvel, assinada também pelo engenheiro que haja
efetuado a mediação e o loteamento e com todos os requisitos
técnicos e legais; indicadas a situação, as dimensões e a numeração
dos lotes, as dimensões e a nomenclatura das vias de comunicação e
espaços livres, as construções e bem feitorias, e as vias públicas de
comunicação.

A lei não foi criada para regular os loteamentos em si, contudo, ao tratar da
venda de lotes em prestações, sua finalidade primeira acabou por fornecer algumas
diretrizes quanto às exigências de aprovação local.
Em 1965, através da Lei Federal nº. 4.778 é acrescentado um parágrafo novo
na Lei:

§ 1º Tratando-se de propriedade urbana, o plano e a planta de


loteamento devem ser prèviamente aprovados pela Prefeitura
Municipal, ouvidas, quanto ao que lhes disser respeito, as autoridades
sanitárias, militares e, desde que se trata de área total ou parcialmente
florestada as autoridades florestais332.

Para atender o Decreto Federal n°. 58 a Prefeitura de Bauru vai criar o Decreto
nº. 25 muitos anos depois, em 03 de junho de 1947. Na lei são expostos alguns
motivos para sua criação, entre os quais:

a necessidade de regulamentar o crescimento da cidade, que vem se


processando de maneira desordenada, com um critério de arruamento
e loteamento para cada Vila;
(...)
o quanto já tem sido sacrificado do erário municipal com
desapropriação, para corrigir defeitos de arruamentos que ser
tornariam completamente desnecessário, se as administrações
anteriores tivessem feito respeitar as disposições das Posturas
Municipais333.

332 BAURU. Lei nº. 4.778, de 22 de Setembro de 1965. Dispõe sobre a obrigatoriedade de serem
ouvidas as autoridades florestais na aprovação de plantas e planos de loteamento para venda de
terrenos em prestações.
333 CONSTANTINO, N. R. T. A construção da paisagem de fundos de vale: O caso de Bauru.

Caderno de trabalhos programados. Curso de pós-graduação Estruturas Ambientais Urbanas,


FAU/USP, 2004, Anexo, n.p.
236

Contudo, além das exigências já propugnadas pelo Decreto Lei Federal,


muitas de ordem mais burocrática que urbanística, vai acrescentar, em seu Artigo 4º:

O projeto de arruamento será estudado de modo que se obtenha a


melhor disposição, quanto as vias públicas, tendo-se em mira as
necessidades essenciais a todo o meio urbanos, como sejam,
circulação, insolação e ventilação, meios de transportes, instalação de
serviços públicos de água, luz, esgotos sanitários e pluviais,
edificações.

No Artigo 5º: “Não poderão ser arruados os terrenos baixos, alagadiços e


sujeitos a inundações”. Entretanto, no Artigo 8º ocorrem diretivas claras e importantes,
em nosso entender:

Quando o terreno a lotear tiver superfície igual ou superior a 10.000


metros quadrados, o espaço ocupado por vias de comunicação (ruas,
avenidas, etc.) não poderá ser inferior a vinte e cinco por cento (25%)
da superfície total do terreno, deverá além disso, ser deixado para
espaços livres (praças, jardins, etc.) de domínio do município, uma
área correspondente pelo menos a:
a) cinco por cento de área total, na zona urbana;
b) Sete por cento da área total, até 1000 metros, na zona rural,
além do limite do perímetro da cidade.
c) Dez por cento da área total, na zona rural.
Parágrafo único - As áreas das vias oficiais existentes que
contem ou limitem o terreno a arruar, serão computados no calculo da
percentagem para as vias de comunicação334.

Embora a nova legislação fosse importante para a cidade, em relação ao


Artigo 4º era bastante vaga e as medidas poderiam ser atendidas ou não, a critério de
quem estivesse aprovando o parcelamento. Quanto ao Artigo 5º, um pouco mais claro
enquanto demanda pública, restava a dúvida de até aonde iriam as áreas
consideradas alagadiças.
Contudo, o Artigo 8º traz questões muito relevantes, exigindo a definição de
áreas para as vias e praças, não de forma genérica e vaga, mas a partir de cálculos
claros e racionais. O mesmo pode-se dizer em relação às porcentagens de áreas livres
em cada um dos perímetros do município, aumentando-se quanto mais distante
estivesse do centro urbano.
Outras determinações do Decreto nº. 25, de 1947, referem-se às larguras das
vias: avenidas deveriam ser 18 metros; vias principais com 15 a 17 metros e ruas

334 Idem.
BAURU EM TEMAS URBANOS 237

secundárias de 12 a 14 metros. As quadras continuariam com a dimensão de 88x88


metros.
Embora o Decreto traga inovações, a rigor não ocorrem grandes mudanças
em relação à situação anterior definida por grande parte dos Códigos de Posturas,
pois a aprovação municipal sempre fora exigida, bem como dados em planta
elaborada por engenheiro ou agrimensor.
A aprovação ficava ao sabor dos interesses econômicos e políticos dos
administradores do momento, com largas margens para o não acatamento integral da
lei. Permanecia o poder público como responsável pela infraestrutura geral335. No
entanto, o que podemos apontar concretamente com o novo Decreto Municipal, além
do que já era estabelecido nos antigos Códigos de Posturas, como a dimensão das
quadras, é que em relação a reserva de áreas verdes a situação na cidade melhorou
sensivelmente.
Quanto à cobrança de imposto predial e territorial nos municípios, na primeira
Constituição Republicana se definiu que arrecadar tais contribuições seria de
competência do Estado, conforme o parágrafo segundo do Artigo 9º. Dessa forma,
pode-se dizer que tal exigência não existiu enquanto a Carta vigorou, devido à
dificuldade de o Estado cobrar o tributo no espaço das cidades.
Na Constituição seguinte, de 1934, são criados dois impostos distintos, o
predial e o territorial, que passam para a esfera municipal. A Constituição de 1937
reafirma tais determinações. Em 1946 os dois impostos são unidos em um só, quando
surge o Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) sob alçada municipal, mantido na
última Constituição Brasileira de 1988.
O Código Tributário Nacional de 1966, vigente até nossos dias, em seus
artigos 32 a 34 aponta que o IPTU tem como fato gerador “a propriedade, o domínio
útil ou a posse do bem imóvel por natureza ou acessão física”, localizado na zona
urbana do município, observando-se para sua cobrança que o bem a ser taxado
contivesse ao menos dois atributos:

-Meio fio ou calçamento, com canalização de aguas pluviais;


-Abastecimento de agua;
-Sistema de esgotos sanitários;

335 BRASIL. Decreto-lei nº. 58, de 10 de Dezembro de 1937. Dispôe sôbre o loteamento e a venda de
terrenos para pagamento em prestações. Diário Oficial da União. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/1937-1946/Del058.htm>.
238

-Rede de iluminação pública, com ou sem posteamento para


distribuição domiciliar;
-Escola primária ou posto de saúde a uma distancia máxima de
3 (três) quilômetros do imóvel considerado336.

É possível perceber que os muitos parcelamentos efetivados em Bauru ao


longo do século XX, mesmo dispondo de lotes para uso residencial, situavam-se fora
do perímetro urbano como forma de escapar da necessidade de pagamento do IPTU.
Durante os muitos anos que demoraria a se implantar a infraestrutura básica, sempre
custeada pelo poder público, o mesmo poderia servir de reserva de valor. Ou seja, a
compra de lote não incorria em maiores gastos além daqueles destinados à sua
aquisição.
Mesmo com o Código Tributário Nacional as coisas não mudam
significativamente em virtude da dificuldade de os antigos loteamentos disporem de
duas infraestruturas, conforme aponta a lei.
A década de 1960 será pródiga nas discussões ligadas ao urbano, devido ao
agigantamento das cidades brasileiras em função das migrações e êxodo rural,
particularmente, das capitais. O Serviço Federal de Habitação e Urbanismo
(SERFHAU) é criado no início da ditadura militar, pela Lei nº. 4.380 de agosto de 1964,
tendo como meta ser o serviço elaborador e coordenador da política nacional no
campo de planejamento integrado para as cidades brasileiras. Eram várias as
atribuições do SERFHAU, entre as quais repassar as tarefas executivas a outros
órgãos que poderiam operar sob sua fiscalização e responsabilidade337.
Será a partir de convênio com o Centro de Pesquisas e Estudos Urbanísticos
(CPEU), da FAU/USP, que será elaborado o primeiro Plano Diretor de Bauru no ano
de 1967, durante o Governo de Nuno de Assis338. De certa maneira, os Planos
Diretores nesse momento se transformaram em obrigações devido a Lei Orgânica dos
Municípios do Estado de São Paulo, Lei nº. 9.025 de 28/12/1965, que os exigia para
obterem-se recursos estaduais. Devido a isso, parte dos Planos Diretores é

336 BRASIL. Lei nº. 5.172, de 25 de Outubro de 1966. Denominado Código Tributário Nacional.
337 BRASIL. Decreto nº. 59.917, de 30 de dezembro de 1996. Regulamenta o SERFHAU - Serviço
Federal de Habitação e Urbanismo, estabelece suas finalidades e modo de operação, cria o Fundo de
Financiamento de Planos de Desenvolvimento Local Integrado, e dá outras providências. Diário Oficial
da União. Seção 1 de 9 de Janeiro de 1967, p. 310. Disponível em:
<https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1960-1969/decreto-59917-30-dezembro-1966-400520-
publicacaooriginal-1-pe.html>.
338 Plano Diretor de Bauru de 1996, p.01.
BAURU EM TEMAS URBANOS 239

encomendada de maneira formal e transformada em “letra morta”, com pouca


serventia prática para as cidades.
A participação da população em sua elaboração foi quase nula, havendo
apenas uma reunião com a Comissão do Plano Diretor do Município e o Conselho
Consultivo, formado por 48 representantes de órgãos públicos, associações e clubes
de serviço339. Talvez por esse mesmo motivo as propostas finais pareciam se
caracterizar por exercícios acadêmicos pouco viáveis, em que pese a alta qualidade
técnica de suas investigações sobre a urbe.
O Plano Diretor elaborado pelo CPEU/USP é composto por volume de
grandes dimensões, centenas de páginas e dezenas de mapas que cuidavam dos
níveis regional, municipal e urbano. Possui diagnóstico sobre a cidade da melhor
qualidade, a partir de minucioso estudo das condições locais.
A investigação da equipe do CPEU/USP apontava a ineficiência do sistema
viário da cidade considerado basicamente unidimensional; apontava que Bauru era
setorizada em três partes principais (Centro, Bela Vista e Falcão) devido às ferrovias
e fundos de vale; verificava a paulatina incorporação das rodovias na malha urbana;
a fragmentação dos vários setores não conectados; a distância dos loteamentos e a
baixa taxa de ocupação dos mesmos.
Resumidamente, a proposta caracterizava-se por:
- Propor a criação de um Centro Cívico, que seria o coração da cidade, com
a missão de unir a fragmentação urbana detectada;
- Criar um novo sistema viário complexo a partir do centro;
- Indicar a setorização habitacional a ser dividida em quatro faixas de
densidade com limitação de áreas para as construções;
- Aproveitar os fundos de vale para áreas verdes e uso de recreação;
- Preconizar um zoneamento rígido de maneira que “usos idênticos, análogos
e compatíveis entre si”340, permitissem o funcionamento adequado de cada um deles
e o desenvolvimento racional da cidade.
A proposta urbana ambiciosa e praticamente irrealizável a partir das
condições dispostas pela Prefeitura partia de uma malha hierarquizada que sairia do

339 RIGITANO, M. H. C. Consulta à comunidade: princípios, métodos e avaliação da experiência dos


planos diretores do município de Bauru-SP. Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo) –
Universidade Federal de São Carlos (UFSCAR). São Carlos (SP), 2009, p. 174.
340 Plano Diretor de Bauru de 1967 elaborado pelo CPEU/USP, p. V.1.
240

centro, unindo os vários setores da cidade. O complexo seria dotado de viadutos e


trevos que transporiam as rodovias, fundos de vale e pátios ferroviários. As vias
existentes seriam parcialmente utilizadas, a partir de seu alargamento, para trânsito
rápido e outras tantas empregadas apenas para uso local com o estabelecimento de
bloqueios nas esquinas. O projeto dependeria de centenas de desapropriações
integrais e parciais para o alargamento e criação de vias, assim como para a formação
do Centro Cívico.
O Centro Cívico, que era a alma do Plano Diretor, estaria situado em parte do
centro da cidade, transpassando a linha férrea na baixada do Jardim Bela Vista e teria
como missão "amarrar" os dois setores urbanos. Seria contornado por amplas
avenidas criadas a partir de ruas mais estreitas ou ampliadas, como no caso da
Avenida Rodrigues Alves. Dentro do Centro Cívico não circulariam veículos, apenas
pedestres, sendo permitido, entretanto, o acesso dos ônibus para a futura rodoviária.
BAURU EM TEMAS URBANOS 241

Figura 65: Capa do Plano Diretor de Bauru elaborado pelo CPEU/USP

Fonte: Arquivo do DEPLAN, Prefeitura Municipal de Bauru.

O polígono compreendido pelo Centro Cívico abrangeria as primeiras quadras


da Avenida Rodrigues Alves até a Rua Virgílio Malta, extenso viaduto projetado a partir
da quadra 01 da avenida que passaria sobre o pátio ferroviário, diversas quadras da
242

baixada do Jardim Bela Vista até as imediações da atual Rua 12 de Outubro,


fechando-se a partir de mais um viaduto a ser construído sobre o pátio ferroviário no
prolongamento da Rua Virgílio Malta transformada em larga avenida.
Contíguo ao centro da cidade, na região da Estação da NOB, estariam
edificações da administração municipal, biblioteca, museu, espaço para feiras e
exposições, centro de comunicações (rádio, televisão, correios e telégrafos), a
estação rodoviária ao lado da ferroviária, tudo gravitando ao redor de ampla praça
cívica.
Com exceção da estação ferroviária, todas as edificações existentes dessa
extensa zona do centro da cidade seriam demolidas a favor de novas construções
modernistas, conforme se percebe pelos cortes esboçados.
Para se atingir o outro lado do vale do Ribeirão Bauru e a ferrovia, seria
utilizado o viaduto JK exclusivamente como passagem de pedestres. Ao lado do
Jardim Bela Vista estavam estabelecidas as construções da administração regional,
estadual e federal em área que comportava originalmente ocupação residencial,
também a ser desapropriada.
Apenas as manchas e as posições de cada uma das edificações do Centro
Cívico ficam demarcadas em planta, sem detalhamento, na forma de plano de
massas. As perspectivas apresentadas nos cortes apresentam edifícios escultóricos
e muito elaborados buscando identidade modernista para o centro.
O Plano Diretor, sem dúvidas, refletia o VIII CIAM Congresso Internacional da
Arquitetura Moderna, realizado em 1951 na cidade de Hoddesdon, nas imediações da
capital inglesa, quando este tratou do "Coração da Cidade", reflexo ainda de uma
Europa arrasada pela Segunda Guerra. Nesse momento os arquitetos são bastante
divergentes sobre como agir frente às áreas iniciais e históricas das cidades. Algumas
das propostas apresentadas seguem certa ortodoxia racionalista para uma
reconstrução e um refazer moderno, e outras começam a se voltar no sentido de se
recapturar a tradição perdida buscando o retorno da identidade das cidades341. Ao
final do CIAM, Gideon elabora a conclusão do Congresso na qual aponta que as
cidades deveriam ter apenas um coração.

341LAMAS, J. M. R. G. Morfologia urbana e desenho da cidade. Lisboa: Fundação Calouste


Gulbenkian, 1992, p. 421.
BAURU EM TEMAS URBANOS 243

Angela Martins Napoleão Braz e Silva, em seu trabalho sobre o VIII CIAM,
indica que a concepção espacial do Centro Cívico deveria possuir três características
básicas:

Um núcleo espacial como local propício a prática social.


Uma monumentalidade como representação da identidade, da
imagem e história da estrutura social e,
Uma interação da arquitetura com as artes para refletir os
valores e desejos da sociedade contemporânea342.

A proposta para Bauru, que passava por grandes construções modernistas,


seguia tais diretrizes.
Nos Estados Unidos, a ideia de um centro onde fossem reunidos os setores
administrativos e culturais também foi marcante e se estabelece antes mesmo que na
Europa. No Brasil, Affonso Reidy já havia elaborado, em 1948, o plano de Centro
Cívico para o Rio de Janeiro, na área onde ficava o Morro de Santo Antônio, logo
depois de arrasado pela Prefeitura, no que parece ter sido das primeiras propostas
nesse sentido.
O coração da cidade, proposto pelo VIII CIAM, assim como aquele sugerido
como Centro Cívico para Bauru, tinha como um dos pressupostos fundamentais o
espaço livre de carros. Eles deveriam chegar até ele, mas jamais atravessá-lo, apenas
estacionar nas imediações343.
Embora o Centro Cívico fosse de uso exclusivo do pedestre, a circulação
viária na cidade era a base do Plano Diretor do CPEU/USP, mesmo que concebida
com graduações e escalas,

Um único principio poderia ensejar a solução desses problemas de


acesso e meio ambiente: a hierarquização gradual dentro da cidade
de áreas nas quais as condições de vida fossem primordiais (áreas
ambientais) e tivessem precedência sobre a circulação de veículos344.

Essas diretrizes viárias estão presentes nas propostas modernistas, como a


Ville Radieuse (1930), de Le Corbusier, e Brasília, de Lucio Costa, que apresentam

342 BRAZ E SILVA, A. M. N. 8º CIAM: Ideias antigas e uma nova atitude para o planejamento urbano.
Cadernos de Arquitetura e Urbanismo, vol. 17, nº. 20, 2010, p. 71.
343 Publicação de "El Corazón de La Ciudad - VIII CIAM". Cronologia do Pensamento Urbanístico,

2019. Disponível em: < http://cronologiadourbanismo.ufba.br/apresentacao.php?idVerbete=1550>.


344 Plano Diretor de 1967, elaborado pelo CPEU/USP, V.1.
244

hierarquia nos acessos dos carros. A expansão da indústria automobilística no país,


aceita de forma generalizada e pouco crítica pela maioria dos urbanistas do período,
reforça ainda mais esse aspecto viário prioritário.
O zoneamento rígido também se inspira nos projetos modernistas, com
setores urbanos destinados a usos preliminarmente definidos, como aqueles
apontados para o comércio, a saúde, a recreação, os serviços públicos municipais,
regionais e estaduais.
Sobre a memória ou a preservação de elementos arquitetônicos urbanos, o
Plano não se manifesta, embora a destruição de toda área histórica ao redor da
estação ferroviária indique sua total desconsideração com a matéria.
Lamas (1992) aborda sobre como o movimento moderno encarava as áreas
históricas,

o Movimento Moderno nunca equacionou definitivamente a questão


dos centros históricos, hesitando entre a sua destruição-renovação
total e a conservação parcial e limitada aos monumentos e fragmentos
urbanos mais significativos. Atitude consagrada na Carta de Atenas345.

O Centro Cívico proposto, que preserva apenas a estação da NOB, mantida


como "fragmento urbano significativo", e todas as desapropriações necessárias para
a viabilização do Plano Diretor do CPEU/USP falam muito a respeito do sentido de
memória de parte dos arquitetos e urbanistas do período.
A proposta do Centro Cívico, caso executada, talvez conseguisse "atar" o
centro da cidade ao Jardim Bela Vista, duas das áreas urbanas relevantes apontadas
pelo Plano Diretor do CEPEU/USP, todavia ficava de fora o outro setor primordial,
formado pela Vila Falcão, que aparenta ter sido solenemente esquecido.
De certa forma, o primeiro Plano Diretor representa o espírito de seu tempo,
no sentido de se inspirar em propostas majestosas e extremamente dispendiosas.
Parece haver certo descompromisso com a realidade local na busca de projeto
grandioso e de viabilidade prática improvável, solução genérica possível de ser
aplicável também a outros organismos urbanos, em que pese o elaboradíssimo
diagnóstico apresentado.

345LAMAS, J. M. R. G. Morfologia urbana e desenho da cidade. Lisboa: Fundação Calouste


Gulbenkian, 1992, p. 420.
BAURU EM TEMAS URBANOS 245

Figura 66: O Plano Diretor do CPEU/USP e o Centro Cívico de Bauru

Fonte: Arquivo da SEPLAN, Prefeitura Municipal de Bauru.


246

Figura 67: Maquete volumétrica do Centro Cívico de Bauru, proposto pelo Plano Diretor do
CPEU/USP

Fonte: Arquivo da SEPLAN, Prefeitura Municipal de Bauru.

Lança-se luz, no entanto, para uma série de questões importantes como a


preocupação com a proteção e preservação dos fundos de vale transformados em
áreas verdes de lazer e a necessidade de "amarrarem-se" setores urbanos
fragmentados.
Ao final do extenso documento, como orientação básica para a implantação
do Plano Diretor do CPEU/USP, é recomendado seu detalhamento e aprofundamento
local a partir da criação de Escritório de Planejamento ligado à Prefeitura346.
A Lei Municipal n°. 1.289, de 13 de janeiro de 1967, cria o Escritório de
Planejamento, batizado de Escritório Técnico da Prefeitura, efetivado apenas no ano
de 1969, que iniciará (um) processo ainda incipiente de controle das atividades
urbanas pelo poder público e de revisão do Plano Diretor do CEPEU/USP.
Esse setor, comandado pelo Arquiteto Jurandyr Bueno Filho, que também
participou da elaboração do Plano Diretor do CPEU/USP de 1967, mais adiante
produz outro documento bastante resumido, tomando parcialmente como base o

346 Plano Diretor de Bauru de 1967, elaborado pelo CEPEU/USP, p. XIV.1.


BAURU EM TEMAS URBANOS 247

trabalho elaborado pelo CPEU. Seu nome será "Plano Diretor de Bauru", forma como
será tratado para distingui-lo do "Plano Diretor do CPEU/USP".
Na publicação Bauru, Cidade Sem Limites, que se ocupa da administração do
prefeito Alcides Franciscato, encontramos a explicação de Bueno Filho para esse
novo plano, em um artigo intitulado O Plano Diretriz de Desenvolvimento de Bauru,
onde dizia que, em sua opinião, era inviável se elaborar Plano Diretor nos moldes
clássicos para Bauru. Contudo, seria necessária a realização de “ideias” para orientar
os programas e orçamentos municipais evitando-se o desperdício de recursos, mas
com a necessária “visão de conjunto”: “Assim, foi abandonada a ambiciosa idéia de
um “Plano Diretor Formal”, nos moldes dos países desenvolvidos e se procurou (...)
chegar a um conjunto de diretrizes básicas”347.
O novo documento denominado "Plano Diretor de Bauru", bastante sintético,
faz análise e diagnóstico abreviado dos principais problemas locais, que em parte
coincidem com aquelas apresentadas no Plano do CPEU/USP:
1) a setorização da cidade em três partes: Falcão, Bela Vista e "Cidade";
2) rodovias e tributários do Rio Bauru completando a cisão;
3) duas vilas (Bela Vista e Falcão) com 2/3 da população e maior crescimento
demográfico;
4) o centro encontra-se deteriorado;
5) o comércio central é polarizado e o dos bairros disperso;
6) sistema de abastecimento local concentrado em feiras livres e
supermercados;
7) quase inexistência de áreas verdes;
8) indústrias maiores ao longo dos eixos ferroviários e as menores junto as
áreas comerciais e habitações;
9) o traçado viário é homogêneo, sem hierarquização, ineficiente no centro e
excessivo nos bairros;
10) as rodovias devido a expansão urbana estão sendo incorporadas pela
área urbana, setores urbanos ainda não estão ligados entre si;
11) loteamentos são excessivos e dispersos trazendo para a prefeitura a
responsabilidade de implantação de infraestrutura348.

347
Bauru, Cidade Sem Limites. Administração Alcides Franciscato, 1971. Fascículo do Museu
Ferroviário Regional de Bauru.
348 O Plano Diretor de Bauru. Documento resumido da proposta. Arquivo da SEPLAN. p. 2 e 3.
248

A partir do diagnóstico acima, eram lançadas as seguintes propostas:


A) integração dos três setores da cidade a partir de um sistema viário;
B) a expansão da área central que transporá a ferrovia criando-se um Centro
Cívico;
C) sistema viário organizado a partir do centro em forma de malha para
conexão dos setores;
D) setorização dos setores habitacionais em quatro faixas de densidade e
limitação de área de construção para habitações;
E) aproveitamento dos fundos de vale para áreas verdes e recreação;
F) proposta de um zoneamento a partir de agrupamento de usos análogos 349.
Como se percebe, o diagnóstico e mesmo as propostas do Plano Diretor de
Bauru, seguem, de maneira bastante fiel, aquelas apontadas pelo CPEU/USP,
contudo, atenuam sobremaneira as orientações, deixando-as muito mais factíveis e
concernentes à realidade local. Os alargamentos de vias, as novas avenidas centrais
e as vias locais desaparecem completamente da nova proposta.
Mantém-se o Centro Cívico, mas prescindindo de qualquer desapropriação
inicial; a ligação entre setor central e o Jardim Bela Vista se daria pelo viaduto JK.
Toda área deveria contar com 14 hectares onde estariam dispostos usos
administrativos e institucionais como: Prefeitura, Administrações Municipais, Câmara,
Órgãos Federais, Órgãos Estaduais e Administrações Regionais, Fórum, Segurança
Pública, Correios e Telégrafos. Tais funções estariam junto com outras recreativas e
culturais. A estação rodoferroviária agora havia sido trazida para área na baixada do
Jardim Bela Vista às margens da futura Avenida Nuno de Assis, saindo da zona central
da cidade e da proximidade da sede da estação ferroviária 350.

349 Idem, p.4.


350 Idem, p.16-17.
BAURU EM TEMAS URBANOS 249

Figura 68: Capa de O Plano Diretor de Bauru. Documento elaborado pelo Escritório Técnico
da Prefeitura Municipal de Bauru tomando como base o Plano Diretor do CEPEU/USP

Fonte: Arquivo da DEPLAN, Prefeitura Municipal de Bauru.

Nas pranchas não fica claro onde estariam situados cada um dos prédios
apontados para o Centro Cívico, nem suas massas. A área é apenas delimitada como
250

um todo. Seu polígono fica bem menor que na proposta original, passa a ser
circunscrito pelas primeiras quadras da Avenida Rodrigues Alves, até a Rua Azarias
Leite, um grande viaduto projetado sobre o pátio ferroviário a partir da quadra 01 dessa
avenida, toda a baixada do Jardim Bela Vista, fechando-se com o Viaduto JK e a Rua
Azarias Leite. Não se define área exclusiva para pedestres, ou mesmo passarelas
privativas para transeuntes ligando os dois setores cortados pelo Ribeirão Bauru e
ferrovia, ao contrário, a circulação se daria por vias convencionais utilizando-se o
veículo automotor.
Com o passar dos anos alguns dos edifícios imaginados para o Centro Cívico
de Bauru foram erguidos nas duas extremidades do viaduto JK, como o Fórum, a
Secretaria da Fazenda do Estado, o INSS e a Delegacia Regional de Polícia. Contudo,
à exceção do Fórum e Secretaria da Fazenda, um ao lado do outro, o pretenso
conjunto é disperso e desagregado, de forma alguma lembrando um Centro Cívico.
Soma-se o desnível topográfico existente entre o centro da cidade e o Jardim Bela
Vista que concorre, ainda mais, para falta de coesão do que poderia vir a ser um pólo
político/cultural/administrativo. A amarração pretendida jamais se deu e a
denominação de "Centro Cívico" para o setor ficou muito mais como uma “herança
formal” do primeiro Plano do CPEU USP, do que situação física real.
O Plano Diretor de Bauru ainda apontava as obras em execução pela
prefeitura, elaboradas a partir do Escritório Técnico. Entre elas figuravam a
canalização de parte do Ribeirão Bauru; o projeto de trevo ligando a Marginal do
Ribeirão Bauru à Bela Vista (não efetivado); Avenida Nações Unidas, trecho
Rodrigues Alves até a Marechal Rondon (nesse momento efetivado até a Rua Aviador
Gomes Ribeiro); a duplicação do viaduto Mauá em direção à Vila Falcão; a
remodelação da Pedro de Toledo; construção da Avenida Daniel Pacifico unindo Bela
Vista e Falcão; a construção do viaduto João Coube na Rodrigues Alves sobre a
Rodovia Marechal Rondon (SP-300), duplicada pelo DER; construção de prédios
escolares; dois estádios distritais; um novo distrito industrial às margens da Bauru-
Ipaussu, próximo do prolongamento da Avenida Rodrigues Alves e diversas praças
públicas, entre elas: República do Líbano, Espanha, Luiz Zuiani, Portugal, Santos
Dumont, Alemanha, Da Bíblia, Pioneiros e Carlos Cariani.
Para os quatro anos seguintes de administração as obras deveriam avançar
focadas nas conclusões dos serviços acima, particularmente o prosseguimento da
Avenida Nações Unidas e da Nuno de Assis.
BAURU EM TEMAS URBANOS 251

A proposta de se erguer um terminal rodoferroviário junto ao centro cívico


onde estava sendo implantada a marginal ao Ribeirão Bauru, atual Avenida Nuno de
Assis, não seguirá adiante, devido à visível redução da importância da estrada de ferro
nesses anos. Na década de 1980, o terminal, agora apenas rodoviário, é construído
junto à Nuno de Assis, mas deslocado para a confluência da Avenida Nações Unidas.
O Plano Diretor de Bauru ainda propõe zoneamento para a cidade, organizado
conforme seu Artigo 6º, a partir dos seguintes usos: residenciais, comerciais e
serviços, industriais, áreas verdes, equipamentos sociais
(educação/cultura/administração/usos institucionais), saúde e higiene, culto,
assistência social, circulação e transportes e usos especiais351.
O zoneamento não será implantado nesse momento, demorando mais de uma
década para proposta similar ser aprovada e realmente efetivada. As ações do
Escritório Técnico acabarão por ficar mais concentradas nos projetos de arquitetura e
naqueles relacionados à expansão do sistema viário. Tais ações voltadas às
melhorias das vias eram apoiadas pela maioria da população que utilizava cada dia
mais o veículo privado, além de ser menos afetas às difíceis relações da coisa pública
com o mercado imobiliário, em momento delicado da política nacional às vésperas do
AI-5.
O Plano Diretor de Bauru, entretanto, possui diretrizes fundamentais relativas
ao sistema viário que foram seguidas nas muitas administrações posteriores. Na
prancha referente ao Sistema Viário já se desenha toda a Avenida Nações Unidas
com o Parque Vitoria Regia e a Nações Norte. Em relação ao seu traçado, o único
diferencial expressivo é seu término ao leste, que se daria junto ao atual Campus da
UNESP, e não na rodovia Bauru-Ipaussu como é hoje. Era delineado o prolongamento
da Rodrigues Alves para além do Distrito Industrial I; da Avenida Duque de Caxias no
sentido da Vila Falcão através de um grande viaduto e em direção a Marechal Rondon
(SP-300); da Nuno de Assis rumo ao atual Conjunto Habitacional Mary Dota; da
Avenida Cruzeiro do Sul, em direção ao Jardim Redentor; entre outras, sempre no
sentido radial a partir do centro da cidade e algumas (poucas) ligações entre bairros.
É surpreendente que tais diretrizes tenham sobrevivido por tanto tempo,
sendo, em grande parte, executadas nas décadas seguintes, em um país onde, por

351 O Plano Diretor de Bauru. Documento resumido da proposta. Arquivo da SEPLAN. p. 10 a 13.
252

costume, uma gestão desconsidera a anterior. Seria necessário pesquisar melhor os


motivos que fizeram com que as diretivas permanecessem.
Apontamos como uma das possibilidades a forte presença do arquiteto
bauruense Jurandyr Bueno Filho (1942-2009), personagem carismático e muito
respeitado profissionalmente na cidade. Atuou desde a concepção do Plano Diretor
de 1967 pelo CPEU/USP, como estudante da FAU/USP e, depois de formado, como
primeiro Diretor do Escritório Técnico. Mesmo com intervalos fora da Prefeitura,
Jurandyr se tornou, por diversas vezes, assessor da Secretaria de Planejamento.
Também ocupou os cargos de vice-prefeito e vereador.

Figura 69: Prancha do Sistema Viário do Plano Diretor de Bauru, onde, entre outras novas
vias e extensões, encontra-se o traçado da Avenida Nações Unidas quase por completo,
incluindo-se o setor norte sem o parque

Fonte: Arquivo da SEPLAN, Prefeitura Municipal de Bauru.


BAURU EM TEMAS URBANOS 253

Figura 70: Prancha do Sistema Viário do Plano Diretor de Bauru, detalhe da região onde
estaria situado o Centro Cívico, área compreendida entre: Avenida Rodrigues Alves, um novo
viaduto sobre a ferrovia, a atual Avenida Nuno de Assis e Rua 13 de Maio

Fonte: Arquivo da SEPLAN, Prefeitura Municipal de Bauru.

A Avenida Nações Unidas e o Parque Vitória Regia que se transformaram no


cartão postal da cidade, serviram como grande vitrine do arquiteto. Certamente seu
talento e prestígio pessoal, somado a certo jogo de cintura para mudar os planos
diante de dificuldades financeiras, políticas e frente ao mercado imobiliário, além da
atuação constante na Prefeitura, concorreram para que boa parte das ideias, mesmo
que revisadas, fossem efetivadas.
Outras figuras pertencentes ao corpo técnico da Prefeitura a serem
destacadas são o técnico Adelmo Bertussi, quem desenvolveu de forma exemplar os
projetos de avenidas, alças, rotatórias e de boa parte do sistema viário planejado; bem
254

como a Arquiteta Maria Helena Carvalho Rigitano e o Engenheiro Carlos Roberto


Vieira da Costa, funcionários de carreira que também contribuíram para que rumo
constante perdurasse na Secretaria de Planejamento, mesmo com as seguidas
mudanças de administração.
Em 1979, é aprovada a Lei Federal nº. 6.766 que regula os meios necessários
para o parcelamento do solo para fins urbanos, velha aspiração daqueles que viam a
necessidade de regras mínimas para a expansão da cidade. A partir de então, passa
a ser exigida ao menos infraestrutura básica para os loteamentos. Com o tempo a lei
foi sendo alterada mudando-se sua redação no sentido de aprimorar o processo de
parcelamento nas cidades.
Na esteira da nova norma Federal e com o início da abertura política por que
passava o país, no começo dos anos 1980, serão promulgadas importantes leis
municipais, a Leis nº. 2.339/82 - Normas para Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo
(Lei de Zoneamento) e Lei nº. 2.371/82 - Normas para Edificações (Código de Obras)
que afetariam sobremaneira os interesses imobiliários constituídos.
A primeira, em particular, teve grande importância, principalmente por impedir
usos inadequados e incompatíveis junto às áreas residenciais, por exemplo. A Lei cria
o Conselho de Zoneamento, formado por representantes de entidades relevantes da
cidade, que ajudaram a defender a nova proposta e ao mesmo tempo transformá-la,
adaptando-a com o passar do tempo352.
O Conselho, que funcionou até 1991, talvez tenha sido uma das primeiras
experiências nas quais profissionais da comunidade e de vários ramos se reuniam
para discutir problemas urbanos. As visões eram díspares, ligadas à formação, classe
social e econômica dos participantes, mas devido ao peso das entidades envolvidas
e também de seus representantes, o processo teve como grande virtude pacificar o
entendimento no sentido de que o poder público deveria administrar e liderar o
processo de desenvolvimento urbano da cidade.
Pela Lei de Zoneamento, indústrias, galpões, serralherias, oficinas, etc., foram
permitidos apenas em áreas especificas da cidade ou em grandes avenidas de acesso
que se tornaram vias comerciais relevantes, como Castelo Branco, Elias Miguel Maluf,
Pinheiro Machado, Cruzeiro do Sul, etc., evitando conflitos de usos muito diversos.
Certamente, tais definições ajudaram a desenhar o uso do solo local, levando para as

352 Plano Diretor de Bauru de 1996, p.03.


BAURU EM TEMAS URBANOS 255

vias principais certos empregos que até então se instalavam onde bem entendiam.
Tal procedimento reforça as avenidas, já naturalmente relevantes, para comércio e
serviços, como áreas de prestígio e valor.
Contudo, o excessivo detalhamento dos usos, a proibição de alguns
considerados totalmente inofensivos à vizinhança e a inexistência de muitos deles na
Lei de Zoneamento, que apareceram a posterior, fizeram com que a lei fosse revista
diversas vezes, trazendo, com as retificações, maiores benefícios aos interesses
imobiliários.
A norma tinha clara influência do urbanismo modernista que apontava para
um rigoroso e excessivo zoneamento da cidade, desnecessariamente complexo,
ainda sob luzes da Carta de Atenas, reverberados pelos indicativos do Plano Diretor
do CPEU/USP de 1967. Muito embora seu efeito tenha sido bastante salutar para o
corpo urbano de Bauru, o descomedido da lei justificou alterações em seu texto. Com
o passar dos anos e devido às demandas, especialmente de vereadores, vários
dispositivos foram sucessivamente alterados de forma pontual e relativamente
aleatória, atendendo reinvindicações e pressões específicas de grupos, com reflexos
danosos para a cidade.
A definição de taxas de ocupação e coeficiente de aproveitamento, de acordo
com as áreas do zoneamento urbano, foram medidas essenciais para Bauru, que
passou a dispor de construções e particularmente, de edifícios, com áreas construídas
mais equilibradas em relação aos seus terrenos. Tais medidas, ainda, dariam maior
possibilidade de planejamento em relação a expansão da infraestrutura urbana e para
a cidade como um todo.
Outra questão que se coloca com a criação das Leis para Parcelamento, Uso
e Ocupação do Solo (Lei de Zoneamento) e Normas para Edificações (Código de
Obras), foi o aumento do que pode ser considerado como "cidade ilegal", que está
fora dos códigos municipais e por um motivo ou outro não consegue se submeter a
eles. É fundamental afirmar que situações de ilegalidade já existiam antes das
referidas leis, não obstante, acentuam-se mais a partir delas, seja devido à ausência
de fiscalização, má fé e falta de recursos do cidadão no sentido de poder atendê-las.
A Lei Municipal nº. 3.089/89 transforma o Escritório Técnico em Secretaria
Municipal de Planejamento, dando a ele novas e amplas atribuições353. Ao mesmo

353 Plano Diretor de Bauru de 1996, p.4.


256

tempo, se discutia a possibilidade de se criar um instituto que pudesse vir a estudar,


planejar e fazer propostas à cidade.
Pode-se dizer que, muito embora o Escritório Técnico tenha galgado outro
grau de importância, perdeu muito da sua capacidade de planejar a cidade e passou
a ter que administrar questões corriqueiras. Uma área exclusiva de projetos e
planejamento como essa, infelizmente, até nossos dias, nunca mais foi restabelecida
pela Administração Pública.
A Empresa Municipal de Transportes Urbanos de Bauru (EMTURB), criada
em 1979 para administrar o terminal rodoviário, o sistema viário e os transportes
urbanos da cidade, foi uma tentativa de viabilizar essa ideia, voltada ao planejamento
da cidade. No ano de 1986 a empresa recebeu novo nome e outras designações,
tornou-se a Empresa Municipal de Desenvolvimento Urbano e Rural de Bauru
(EMDURB), ampliando suas funções.
Por diversas administrações, chegou a ser cogitada para abrigar uma espécie
de Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba (IPPUC), criado em
meados da década de 1960, no Paraná, e que ajudou a transformar a cidade de
Curitiba, particularmente nas administrações do prefeito e arquiteto Jayme Lerner.
Em 1993 o Estatuto da EMDURB é alterado, aumentando sua abrangência
em relação ao desenvolvimento urbano e uso do solo do município:

a. supervisionar, gerenciar e executar a política de transportes do


Município;
b. supervisionar, gerenciar e executar a política de
desenvolvimento urbano e rural do Município;
c. promover, supervisionar, gerenciar e executar a política de
limpeza pública, destinação e tratamento do lixo;
d. supervisionar, gerenciar e executar a política de uso e
ocupação de solo do Município;
e. supervisionar, gerenciar e administrar o serviço funerário e os
cemitérios do Município, bem como fiscalizar os cemitérios
particulares;
f. supervisionar, gerenciar e executar outros serviços públicos
que lhe forem atribuídos pelo Município e serviços públicos ou
privados, que venha a contratar com outros Municípios ou com
particulares354.

354 História. Empresa Municipal de Desenvolvimento Urbano de Bauru (EMDURB), 2019.


Disponível em: < https://www.emdurb.com.br/institucional/historia>.
BAURU EM TEMAS URBANOS 257

A EMDURB está aberta, estatutariamente, a papel maior na política de


desenvolvimento urbano de Bauru, entretanto, mesmo com as extensões das suas
atribuições, a empresa nunca chegou a cumprir todas as diretivas previstas.
No ano de 1981 é elaborado o Programa de Ação Imediata de Tráfego e Plano
Diretor de Tráfego (PAIT-PDT), por intermédio de convênio da Prefeitura com a
Empresa Brasileira de Transporte Urbano (EBTU) e a Empresa Brasileira de
Planejamento de Transportes (GEIPOTI), que propõe uma série de intervenções no
sistema viário da cidade, adequando-o e ampliando-o no sentido de se fazer um anel
viário e ligações entre setores relevantes355. As metas, relativamente ambiciosas,
reafirmaram as propostas do Plano Diretor do CPEU/USP e do Plano Diretor de Bauru,
no sentido de serem efetivamente cumpridas. Destacam-se o prolongamento da
Avenida Duque de Caxias até a Castelo Branco, prolongamentos da Nuno de Assis
até a Rondon, e da Nações Unidas até a Nuno de Assis. Tais diretrizes conseguiram
agregar bairros desmembrados e também dar acesso ao novo Terminal Rodoviário.

355 Plano Diretor de Bauru de 1996, p. 86.


258

Figura 71: Avenida Nuno de Assis, ainda em construção, margeando o Ribeirão Bauru. Na
imagem a via está finalizada até a Avenida Nações Unidas e sendo construída em direção a
Marechal Rondon SP-300. Abaixo, à esquerda, o novo Terminal Rodoviário da cidade. Foto
provavelmente do início da década de 1980

Fonte: Museu Ferroviário Regional de Bauru.

A Constituição de 1988 aponta nos artigos 24, 182 e 183 o Plano Diretor
Municipal como parte do Direito Urbanístico para que a função social da propriedade
fosse cumprida. Dessa forma, todas as cidades com mais de vinte mil habitantes
deveriam obrigatoriamente possuir um Plano Diretor. A Constituição Estadual Paulista
de 1989 reafirma a obrigatoriedade da Lei Maior, incluindo as zonas rurais nos Planos.
A Lei Orgânica do Município de Bauru, de 05/04/1990, estende ao Município
a norma da Constituição Estadual de 1989356 relativas à questão urbana (artigos 180
a 183) e a obrigatoriedade de criação de Plano Diretor local. A Secretaria de

356SÃO PAULO (Estado). Constituição Estadual de 05 de Outubro de 1989. Legislação do Estado


de São Paulo, São Paulo, 1989. Disponível em:
<https://www.al.sp.gov.br/repositorio/legislacao/constituicao/1989/compilacao-constituicao-0-
05.10.1989.html>.
BAURU EM TEMAS URBANOS 259

Planejamento inicia os trabalhos para o desenvolvimento do novo Plano que, depois


de muitos debates e discussões públicas, é transformado em Lei no ano de 1996.
O Plano Diretor, Lei nº. 4.126/1996, contém exaustivo diagnóstico da situação
urbana de Bauru, dos melhores já feitos até os dias atuais. Contudo, também é forçoso
dizer que, assim como em relação à maioria dos Planos Diretores das cidades
brasileiras, mesmo tendo como base excelente investigação do espaço urbano levada
a cabo por profissionais competentes, pouco avança em medidas concretas
inovadoras devido, particularmente, às condições políticas.
O Plano acaba por ser um arrolamento de boas intenções e indicações
relevantes para se discutir a cidade, mas com pouco poder concreto de ação. Entre
os artigos da Lei 4.126/96 é possível encontrar frequentemente palavras como
"poderá", "deverá", "buscará", as quais apontam diretrizes que acabam por ser
eletivas dependendo dos interesses dos grupos dominantes.
Em meio às determinações significativas reafirma o plano de avenidas e
ligações de bairros definido desde os anos 1967, reforçado em 1981 e ampliado nos
anos seguintes, em virtude da expansão urbana patrocinada pelo mercado imobiliário
e os conjuntos habitacionais.
O fato de o Plano ser Lei Municipal dava argumentos sólidos aos técnicos da
prefeitura, e mesmo aos políticos, no sentido de obrigar o seu cumprimento pelo
mercado imobiliário. As diretrizes do Plano de 1996 passarão a ser consideradas de
maneira mais efetiva pelos empreendedores, que, por sua vez, também as utilizarão
em seus projetos.
Exemplo pode ser dado a partir do plano de avenidas constante na Lei, para
o novo acesso ao Jardim Mary Dota, a partir do Jardim Flórida. O projeto incentivou o
adensamento da região com a criação do Núcleo Nobuji Nagasawa, pela COHAB, e
do Jardim Silvestre I e II, por particulares, que construíram partes da avenida
projetada. É um dos casos onde vias idealizadas pelo Plano Diretor fomentarão novos
parcelamentos em vazios urbanos.
No campo do meio ambiente institui as Áreas de Proteção Ambiental (APAS).
No sentido de proteger os mananciais é criado a APA-1, entre as rodovias Bauru-
Marília (SP-294) e Bauru-Ipassu (SP-225) visando salvaguardar o Rio Batalha, de
onde vem parte do abastecimento de água da cidade. É também estabelecida a APA-
2, a qual prevê a proteção de áreas nativas de cerrado, formada em parte pelo campus
da UNESP; Zoológico e Jardim Botânico da Prefeitura Municipal e aquela pertencente
260

à Sociedade Enéas Carvalho de Aguiar (Lauro de Souza Lima), o que tornaria tais
glebas vizinhas um parque de dimensões imensas. A APA-3, por sua vez, na nascente
do Córrego da Água Parada, é reservada como futuro e eventual manancial de
abastecimento. Por fim, define a área que viria a ser a Avenida Nações Norte, e seu
parque como de interesse de preservação. Em relação aos fundos de vale urbanos
cria as SECs, Setores Especiais de Conservação de Fundo de Vale, reconhecendo
esses espaços como significativos para a cidade, contudo, ainda amparados de forma
relativamente precária357.
O terceiro Plano Diretor, Lei nº. 5.631, de 22 de agosto de 2008, denomina-
se oficialmente Plano Diretor Participativo do Município de Bauru, se dá durante a
segunda administração Tuga Angerami, prefeito de tendência mais à esquerda.
Assenta-se na Lei Federal nº. 10.257/2001, conhecida como Estatuto da Cidade, que
garante o uso social da terra urbana e teve como destaque a participação social em
sua elaboração. Propõe fornecer diretrizes ao Município como um todo, incluindo-se
a zona rural e não apenas a área urbana.
Entender como os diagnósticos dos grupos de trabalho de transformaram no
produto apresentado é um dos problemas de quem analisa tais documentos sem ter
participado diretamente do processo de elaboração dos mesmos. Tais pesquisas não
aparecem no site da Prefeitura, ao passo que há forte ênfase política em mostrar que
ocorreu efetiva participação popular, todavia, não é possível saber, ao menos pelo
endereço eletrônico citado, qual o produto intermediário gerado por ela, que resultou
na proposta final.
A proposta apresentada através de cartografia se vale de todo arsenal
indicado pelo Estatuto da Cidade. Como instrumentos de indução do desenvolvimento
urbano apontam: parcelamento, edificação ou utilização compulsória, outorga onerosa
do direito de construir, direito de superfície e transferência do direito de construir 358.
Também assinala instrumentos de Regularização Fundiária como: usucapião especial
de imóvel urbano e zonas especiais de interesse social.
O resultado apresentado na cartografia de Bauru bidimensionaliza os
instrumentos elencados acima359. São definidos no primeiro dos mapas os

357 Plano Diretor de Bauru de 1996, p. 127-128.


358 Página inicial. Plano Diretor Participativo, 2020. Disponível em:
<http://sites.bauru.sp.gov.br/planodiretor/estatuto_cidade.aspx?n=2>.
359 Mapas. Plano Diretor Participativo, 2020. Disponível em:
<http://sites.bauru.sp.gov.br/planodiretor/cartografia.aspx>.
BAURU EM TEMAS URBANOS 261

parcelamentos, edificações e utilizações compulsórias. No segundo, os direitos de


preempção e as operações urbanas consorciadas. Em um terceiro, os setores de
planejamento incluindo a zona rural. No quarto mapa, a rede viária rural. No quinto,
as áreas de interesse ambiental que incluem, nos limites urbanos, os fundos de vale,
as áreas de cerrado da UNESP/Prefeitura/Lauro de Souza Lima, e áreas urbanas de
relevante interesse ecológico. Ainda nesse mapa ficam estabelecidas uma série de
APA's ao redor de todo perímetro urbano. No mapa seis de macrozoneamento são
feitas definições que correspondem ao uso efetivo desde a Lei de Zoneamento, mas
inova criando uma zona de indústria, comércio e serviços junto a Bauru-Ipaussu (SP-
225). No sétimo, cria áreas de interesse social. No oitavo, aponta o sistema viário
básico e as vias projetadas que dão continuidade ao plano elaborado ainda nos anos
1980 e ampliado seguidamente. E no nono, estabelece um sistema cicloviário em
consonância com as discussões sobre mobilidade urbana que ganhavam vulto no
país.
No Projeto de Lei, o Plano Diretor indicava para a cidade como um todo, sob
forma de macrozoneamento, o coeficiente de aproveitamento de 1,5, sem outorga
onerosa, podendo-se chegar a índices maiores em áreas com interesse social de
ocupação, como o centro da cidade. Em outras zonas, como a sul, devido a problemas
de drenagem e abastecimento de água, se indicava densidade mais baixa. As
construções chegariam a coeficiente de aproveitamento de 2,5, mas apenas a partir
de outorga onerosa. Contudo, tal proposta foi vetada pela Câmara Municipal a partir
de pressões do mercado imobiliário.
Também fez excelente trabalho em relação a estudos e projetos de macro
drenagem, prevendo piscinões e barragens para conter as águas das chuvas. Além
disso, criou as ZEIS, Zona Especial de Interesse Social, no sentido de regularizar
algumas das favelas da cidade ou indicar espaços para ocupação por habitação de
interesse social.
No que tange às definições do rural, teve como mérito definir que a
manutenção das estradas rurais só seria feita pela prefeitura a partir do benefício de
três propriedades, sendo que anteriormente não havia número mínimo para tal
prerrogativa.
A aplicação do Estatuto da Cidade dependeria de uma série de
regulamentações ainda não efetivadas pelas administrações seguintes. Tais diretrizes
necessitariam ser levadas a cabo por contínuas gestões, com os mesmos princípios
262

político-ideológicos, e que, mesmo assim, teriam que enfrentar interesses econômicos


poderosos. Atualmente estão regulamentados o Imposto Progressivo, Lei Municipal
nº. 6.131/2011, alterado pela Lei nº. 6.915/2017 e o Usucapião Especial, que versa
sobre os imóveis abandonados no Município, Lei nº. 6.391 de 18 de julho de 2013.
Ao mesmo tempo em que o Plano Diretor acertadamente define
expressamente as áreas urbanas de fundo de vale como Parques Lineares, para
garantir sua proteção, foi descomedido em suas preocupações ambientais, a ponto
de rodear a cidade por APA's, deixando poucas perspectivas para sua expansão.
Governos futuros tratarão de mudar tais determinações no sentido de "destravar", no
léxico habitualmente utilizado, o crescimento da cidade.
Outra questão em nosso entender equivocada, e também ligada à
preservação ambiental foi a demarcação de grandes glebas definidas como "áreas
urbanas de relevante interesse ecológico". Mesmo reconhecendo a importância da
preservação da mata de cerrado, pode-se dizer que a cidade é privilegiada nesse
aspecto, pois conta com a grande reserva formada pelas glebas públicas da
UNESP/Prefeitura/Lauro de Souza Lima. Inacreditavelmente, a pouco mais de 400
metros dessa reserva, foi criada uma "floresta urbana" sobre área privada, cuja conta
pela desapropriação, por volta de dez milhões de dólares, chegou apenas no final da
segunda década do século XXI. Definições como essa, que a princípio parecem não
ter custo algum, bastando para sua determinação apenas boa vontade e generosidade
coletiva, tem seu alto importe social, mesmo que a fatura chegue anos depois. É justo,
porém, que se aponte que de início havia a previsão no Plano Diretor da Transferência
do Direito de Construir para situações como essas, contudo, a mesma também não
foi efetivada.
O resultado do Plano Diretor, agora passados mais de 10 anos, é que parte
de suas intenções ficaram no papel. A Lei nº. 5.631, de 22 de agosto de 2008, que
estabelece o Plano, possui excessivo detalhamento, chegando a minúcias
desnecessárias, buscando dar conta de todas as situações que envolvessem os
problemas urbanos da cidade. Dessa forma repete em grau mais abrangente o mesmo
que ocorreu com a Lei 2.339/82, de Zoneamento, em suas minúcias que em tese
tentariam resolver todas as questões abordadas, mas nada mais fazem que deixar a
lei confusa, complexa, quase inaplicável e judicialmente discutível.
No momento, inicia-se a discussão sobre um novo Plano Diretor para Bauru,
denominado Participação, Democracia e Desenvolvimento Sustentável, principiando-
BAURU EM TEMAS URBANOS 263

se pelas audiências públicas. Seu cronograma divide-se em três etapas:


Planejamento do processo; A cidade que temos a cidade que queremos; e Como
construir a cidade que queremos. A previsão inicial de térmico seria para os meados
de 2020360, no entanto, pode ser que atrase devido ao período de pandemia do novo
Covid-19, talvez ficando para a próxima gestão municipal.

360Novo Plano Diretor – Participação, democracia e desenvolvimento sustentável. PDBAURU 2019,


2020. Disponível em: <https://pdbauru2019.webflow.io/>.
264
BAURU EM TEMAS URBANOS 265






O século XXI vai iniciar com forte orientação a negócios imobiliários sob forma
de grupo de edifícios em condomínios, loteamentos fechados ou residenciais
fechados, tanto na cidade de Bauru como em muitas do interior paulista. São
amparados pela Lei Federal nº 4.591-64 e em diversos artigos do Código Civil
Brasileiro, que entre tantas questões trata da obrigatoriedade de cobrança de taxas
de manutenção, nas incorporações horizontais ou verticais.
A Lei Federal nº 13.465 de julho de 2017 veio solidificar o entendimento e
ampliar a concepção de Condomínio a partir do seu Capítulo VI que trata do
Condomínio de Lotes e do Capitulo VIII que trata do Condomínio Urbano Simples 361,
como veremos adiante.
O condomínio é termo jurídico que regula a copropriedade e ordena a
convivência entre pessoas que habitam o mesmo espaço. Surgiu como noção na

361BRASIL. Lei nº. 13.465, de 11 de julho de 2017. Dispõe sobre a regularização fundiária rural e
urbana, sobre a liquidação de créditos concedidos aos assentados da reforma agrária e sobre a
regularização fundiária no âmbito da Amazônia Legal; institui mecanismos para aprimorar a eficiência
dos procedimentos de alienação de imóveis da União; altera as Leis n os 8.629, de 25 de fevereiro de
1993 , 13.001, de 20 de junho de 2014 , 11.952, de 25 de junho de 2009, 13.340, de 28 de setembro
de 2016, 8.666, de 21 de junho de 1993, 6.015, de 31 de dezembro de 1973, 12.512, de 14 de outubro
de 2011 , 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de
Processo Civil), 11.977, de 7 de julho de 2009, 9.514, de 20 de novembro de 1997, 11.124, de 16 de
junho de 2005, 6.766, de 19 de dezembro de 1979, 10.257, de 10 de julho de 2001, 12.651, de 25 de
maio de 2012, 13.240, de 30 de dezembro de 2015, 9.636, de 15 de maio de 1998, 8.036, de 11 de
maio de 1990, 13.139, de 26 de junho de 2015, 11.483, de 31 de maio de 2007, e a 12.712, de 30 de
agosto de 2012, a Medida Provisória nº 2.220, de 4 de setembro de 2001, e os Decretos-Leis n º 2.398,
de 21 de dezembro de 1987, 1.876, de 15 de julho de 1981, 9.760, de 5 de setembro de 1946, e 3.365,
de 21 de junho de 1941; revoga dispositivos da Lei Complementar nº 76, de 6 de julho de 1993, e da
Lei nº 13.347, de 10 de outubro de 2016; e dá outras providências. Diário Oficial da União. 6 set. 2017.
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2017/Lei/L13465.htm>.
266

Grécia antiga, sendo que a palavra vem do latim DOMUS, o mesmo que "casa", e seu
proprietário, quem comandava era chamado de DOMINIUS362. No século XIX com o
crescimento das cidades e o início da verticalização, novas regras de uso e
convivência comum precisavam ser estabelecidas. Havia necessidade, ainda, de se
definir o que era propriedade de cada um dos moradores e o que pertencia ao domínio
comum.

ao falarmos do condomínio estamos falando de um processo


permanente de relacionamento entre pessoas e que se ordena e se
institucionaliza para atingir determinados objetivos de interesse
comum363.

No Brasil, os condomínios iniciaram-se enquanto aplicação de conceito


relativo“ à posse ou o direito simultâneo, por duas ou mais pessoas, sobre um mesmo
objeto, ou sua copropriedade"364, com os edifícios verticais isolados. De início, eram
fechados ao urbano, mas a partir das propostas vanguardistas dos arquitetos
modernistas foram sendo implantados de forma mais aberta e generosa à cidade,
como em Bauru, o Edifício Brasil Portugal, projeto de Fernando Pinho. Outros tantos
existiram na capital sendo famosos os do bairro do Higienópolis, construídos nos anos
1940/50, cujo exemplar máximo talvez seja o Edifício Louveira, do Arquiteto Vilanova
Artigas, acompanhado de outros como o Prudência, do Arquiteto Rino Levi; Piauí e
Cinderela do Incorporador Artaxo Jurado, só para citarmos alguns. São poucos
aqueles que permanecem como foram criados, caso do Louveira, ainda aberto à
calçada e à praça que o confronta.
Entretanto, alguns deles, com o tempo, e a maioria dos outros tantos
construídos a posterior, passaram a dispor de algum tipo de "segurança". Começaram
com grades frontais baixas e portarias distantes, abaixo do prédio, após os jardins
generosos. O porteiro, em muitos casos era o zelador que vivia no próprio edifício com
sua família.

362 CONDOMÍNIO EDILÍCIO: ENTENDA O CONCEITO E COMO SURGIU. Sindicato de Habitação


(SECOVI RS), 2020. Disponível em: <https://www.secovirsagademi.com.br/informa/conexao-
condominio/conceito-condominio-edilicio>.
363 MEDINA, C. A. de. Uma questão que nos interessa o condomínio. In: VALLADRES, L. (org).

Habitação em questão. Rio de Janeiro: Zahar, 1981, p. 155-192.


364 Condomínio. Dicionário do Google, 2020. Disponível em:
<https://www.google.com/search?client=firefox-b-d&q=o+que+%C3%A9+condominio>.
BAURU EM TEMAS URBANOS 267

Com o passar dos anos ganharam "arsenais de defesa" como guaritas junto
às calçadas, grades mais altas, muros, câmeras, gaiolas, concertinas, cercas elétricas
no sentido de se proteger do entorno e da cidade, e pode-se dizer, seguramente, com
similar desejo de exclusão e segregação, que os residenciais horizontais fechados ou
loteamentos com controle de acesso. Nesse processo crescem as empresas de
segurança especializadas na proteção desses espaços, bem como aquelas de
terceirização de mão de obra que cuidam do conjunto de serviços voltados à
administração dos condomínios (jardinagem, portaria, contabilidade, assessoria
jurídica, cobranças, etc).
Atualmente, parte expressiva dos condomínios verticais é formada por
conjuntos de prédios construídos sobre gleba ou inúmeros terrenos anexados, devido
à escala de construção ser mais lucrativa. Iniciaram-se na cidade nos anos 1990,
através de financiamento do INOCOOP com os Conjuntos Camélias e Flamboyant,
seguidos de outros como Vila Inglesa, Monte Verde Residencial, Sábias e Andorinhas,
sendo todos prédios pequenos com poucos andares, garagens no nível do solo e sem
elevadores.
A MRV, considerada a maior construtora do país, tem sido a líder nos
lançamentos desse tipo de imóvel abrangendo praticamente todos os setores da
cidade como Higienópolis, Jardim Bela Vista, Jardim Estrela Dalva, Jardim Samburá,
Parque Bauru, Parque Roosevelt, Geisel, Shangri-lá, Região do Tívoli, Região do Vila
Serrão e Terra Branca365, financiados pela Caixa Econômica Federal a partir do
Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV).
Para as classes mais abastadas, conjuntos de torres sofisticadas tem sido
praxe. Plantas flexíveis, ao menos duas vagas na garagem sob laje, cozinha
americana, varanda gourmet e suítes constituem-se no programa de necessidades do
momento. Possuem amplas áreas comuns e todos os elementos de moda para atrair
sua clientela, formando o que é chamado pelo mercado imobiliário e pelo marketing
do setor de "condomínio clube", ou nomenclatura similar, sempre em inglês. Deve-se
notar que tais grupos de edifícios possuem grau de impacto na vizinhança muito
semelhante, ou talvez maior, que os residenciais fechados devido ao sombreamento,
túneis de vento, etc. Parte das vezes, inclusive, situam-se ao lado dos residenciais

365 Imóveis. MRV, 2020. Disponível em: <https://www.mrv.com.br/imoveis/sao-


paulo/bauru?gclid=EAIaIQobChMI6_Kmxbmk5wIVChGRCh3cWACtEAAYASAAEgKxE_D_BwE>.
268

fechados como forma de garantir as suas vistas livres para o horizonte, mas também
para seus vizinhos imediatos.
A vida em condomínio parece ser situação irreversível, particularmente nas
cidades grandes e médias. O último Censo Demográfico de 2010, aponta que um em
cada dez brasileiros vivia em condomínio. Matéria do Jornal Estado de São Paulo, do
ano de 2014 indicava que um terço dos moradores da capital paulista vivia nos 21 mil
condomínios da cidade366, que a força de trabalho empregada em empreendimentos
desse tipo chegava a seis mil pessoas, movimentando R$ 13,2 bilhões ao ano, mais
que o orçamento de capitais como Curitiba e Porto Alegre367.
Em relação aos residenciais fechados, ou loteamentos com controle de
acesso, o Alphaville é considerado o primeiro do Brasil. Foi lançado na grande São
Paulo a partir do início dos anos 1970, viabilizado pela Empresa Albuquerque
Takaoka, com projeto urbano dos arquitetos José de Almeida Pinto e Reinaldo
Pestana. De início, o empreendimento deveria atender a demanda dos executivos das
empresas que se implantavam na região de Barueri e por algum tempo, antes de
totalmente viabilizado, o uso oscilou entre moradias definitivas e de final de
semana368. A proposta tinha inspiração nos bairros de subúrbio americanos, afastados
dos centros urbanos e destinados às classes médias que ali chegariam a partir do
veículo privado. Embora também existentes nos EUA, apenas pequena porcentagem
possui fechamento. No Brasil, invariavelmente, ganharam muros, segurança privada
e portaria.
A experiência não demora a chegar a Bauru através do Parque Residencial
Paineiras, aprovado pela Prefeitura em 13/11/1972 a partir de um reloteamento da
Vila Aviação A, registrada por James Russel em 1947.
Em 07/10/1976 é aprovado o Jardim Shangrilá, a sudoeste da cidade, no
término da Avenida Comendador da Silva Martha, com grandes lotes inicialmente
destinados para Chácaras de Recreio369 quando ainda em área rural. Sofreu da
mesma experiência do Alphaville em São Paulo, unindo em seu começo, vocação de

366 Mapa dos Condomínios de São Paulo. Lello Condomínios, 2020. Disponível em:
<https://www.lellocondominios.com.br/wp-content/uploads/2016/12/Indicadores.pdf>.
367 21 mil trocam casa por prédio em 5 anos e 1/3 de São Paulo vive em condomínio. Estadão Notícias.

Disponível em: <https://sao-paulo.estadao.com.br/noticias/geral,210-mil-pessoas-trocam-casa-por-


predio-em-5-anos-e-13-de-sp-vive-em-condominio,1534756>.
368 Alphaville (bairro de Barueri e Santana de Parnaíba). Wikipedia, 2019. Disponível em:

<https://pt.wikipedia.org/wiki/Alphaville_(bairro_de_Barueri_e_Santana_de_Parna%C3%ADba)>.
369 Rua 1 – Plínio Ferraz. Jardim Shangrilá, 2020. Disponível em:
<http://www.jardimshangrila.com.br/rua-1-plinio-ferraz>.
BAURU EM TEMAS URBANOS 269

uso para final de semana e moradia definitiva, até que a última situação aos poucos
se define, em especial quando se torna área urbana.
Após, vem o Jardim Samambaia, loteado pela Indústria Granolplast e vizinho
do Paineiras, sendo ambos localizados nos limites finais da Avenida Getúlio Vargas,
sua aprovação se deu em 31/08/1979.
Todos foram parcelados em área de cerrado e dotados de amplos lotes com
guias, sarjetas, asfalto em sua parcialidade e água a partir de poços artesianos
próprios, mas sem serviço de esgoto substituído, durante décadas pelas fossas. Os
lotes variam de 560 ou 1000 metros quadrados no Samambaia; 2.500 metros
quadrados, ou fração, no Paineiras e 8.500 metros quadrados, ou fração, no
Shangrilá. Foram concebidos como verdadeiras chácaras urbanas, inicialmente
distantes do centro e destinados às classes altas com algum espírito de aventura
devido à dificuldade de acesso em seu início. Dada a lonjura e isolamento os valores
iniciais dos lotes, considerando-se por metro quadrado, eram baixos.
Tais empreendimentos são loteamentos "horizontais fechados", "residenciais
fechados" ou mais corretamente "loteamentos com controle de acesso", muito embora
comumente e erroneamente tratados como "condomínios fechados", com muros ou
cercas e restrição de acesso por portaria. Foram regidos pela Lei Federal nº 6.766\79,
assim como todos os abertos, à exceção dos condomínios de fato, até 1982 quando
o governo municipal promulga a Lei nº 2339/82. A diferença está que, no caso dos
condomínios, a área comum pertence aos moradores enquanto fração ideal e nos
loteamentos/residenciais fechados/loteamentos com controle de acesso, isso não
ocorre, sendo apenas o lote individual de propriedade privada.
Após muitas discussões judiciais, os loteamentos com controle de acesso
puderam se manter como tal, em que pese a questão das áreas comuns serem
tratadas como públicas, mas, usualmente conservadas por associação de bairro
formada pelos seus residentes. As prefeituras também tendem a aceitar a situação
dos loteamentos fechados, através de atos administrativos de comodato, permitindo
a restrição de acesso através de portarias, contudo, em caráter não definitivo, é o caso
da Prefeitura de Bauru, que possui lei específica que regulamenta tais loteamentos.
Em Bauru ainda não são muitos os condomínios fechados horizontais, ou
"condomínios deitados", em geral pequenos, onde todos os proprietários possuem a
fração ideal das áreas comuns. Em parte, lançamentos dessa natureza sofriam
resistência das incorporadoras e compradores devido às dúvidas referentes à unidade
270

autônoma individual, entregue pronta ao comprador, e por alguns entendida como não
passível de ser alterada ou ampliada, da mesma forma que um apartamento em um
edifício. Tal fato provocava problemas quanto ao registro do bem, caso houvesse
alguma intervenção externa, mesmo que dentro do lote individual, situação atualmente
"pacificada".
A Lei Federal 13.465\2017 veio tratar de diversas questões urbanísticas entre
as quais, às relativas ao projeto de regularização fundiária urbana (REURB); direito
real da laje; uso comum de lotes e mesmo edificações. Entre as suas diversas
providências no capitulo VI, cria o condomínio de lotes onde:

§ 1º A fração ideal de cada condômino poderá ser proporcional à área


do solo de cada unidade autônoma, ao respectivo potencial construtivo
ou a outros critérios indicados no ato de instituição370.

Nessa situação, o proprietário pode erguer o imóvel que quiser em seu lote e
possuir a fração ideal das áreas comuns o que transforma o conjunto em condomínio
real.
A lei também cria o condomínio urbano simples:

Art. 61. Quando um mesmo imóvel contiver construções de casas ou


cômodos, poderá ser instituído, inclusive para fins de Reurb,
condomínio urbano simples, respeitados os parâmetros urbanísticos
locais, e serão discriminadas, na matrícula, a parte do terreno ocupada
pelas edificações, as partes de utilização exclusiva e as áreas que
constituem passagem para as vias públicas ou para as unidades entre
si371.

370 BRASIL. Lei nº. 13.465, de 11 de julho de 2017. Dispõe sobre a regularização fundiária rural e
urbana, sobre a liquidação de créditos concedidos aos assentados da reforma agrária e sobre a
regularização fundiária no âmbito da Amazônia Legal; institui mecanismos para aprimorar a eficiência
dos procedimentos de alienação de imóveis da União; altera as Leis n os 8.629, de 25 de fevereiro de
1993 , 13.001, de 20 de junho de 2014 , 11.952, de 25 de junho de 2009, 13.340, de 28 de setembro
de 2016, 8.666, de 21 de junho de 1993, 6.015, de 31 de dezembro de 1973, 12.512, de 14 de outubro
de 2011 , 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de
Processo Civil), 11.977, de 7 de julho de 2009, 9.514, de 20 de novembro de 1997, 11.124, de 16 de
junho de 2005, 6.766, de 19 de dezembro de 1979, 10.257, de 10 de julho de 2001, 12.651, de 25 de
maio de 2012, 13.240, de 30 de dezembro de 2015, 9.636, de 15 de maio de 1998, 8.036, de 11 de
maio de 1990, 13.139, de 26 de junho de 2015, 11.483, de 31 de maio de 2007, e a 12.712, de 30 de
agosto de 2012, a Medida Provisória nº 2.220, de 4 de setembro de 2001, e os Decretos-Leis n º 2.398,
de 21 de dezembro de 1987, 1.876, de 15 de julho de 1981, 9.760, de 5 de setembro de 1946, e 3.365,
de 21 de junho de 1941; revoga dispositivos da Lei Complementar nº 76, de 6 de julho de 1993, e da
Lei nº 13.347, de 10 de outubro de 2016; e dá outras providências. Diário Oficial da União. 6 set. 2017.
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2017/Lei/L13465.htm>.
371 Idem.
BAURU EM TEMAS URBANOS 271

Dessa forma, questões antes consideradas nebulosas, ligadas ao


compartilhamento dos espaços passam a ser definidas pela lei federal.

Figura 72: Propaganda com lançamento de condomínio fechado para população de renda
média na cidade de Bauru

Fonte: Jornal da Cidade, 08 fev. 2020.


272

Novos loteamentos com controle de acesso são lançados cada vez mais longe
do centro urbano de Bauru, principalmente na zona sul da cidade, destinados as
classes sociais mais altas: Estoril V; Ilha de Capri; Villaggio I, II e III; Spazio Verde
Residencial; Cidade Jardim, etc. Atualmente, às margens da Bauru-Ipassu (SP 225)
tem sido o eixo preferencial para os residenciais fechados através de liberações
constantes, por parte da Câmara, de extensões do perímetro urbano. São eles:
Alphaville, Lago Sul, Cyrela Estoril, Tamboré, etc.
Tais empreendimentos, geralmente demonizados pelos urbanistas e
acadêmicos, embora campo fértil de trabalho para os escritórios de arquitetura, tentam
ser resposta a virtual violência urbana, nem sempre manifesta intensamente em
cidades do interior. Buscam, também, por ambiente de exclusividade e status sem
admissão de outras classes sociais, a não ser para os trabalhos domésticos, ou em
suas obras.
Além da segregação social, os loteamentos com controle de acesso utilizam
de forma privada espaços públicos, como ruas, praças e demais áreas verdes dentro
de seus muros. A entrada também é controlada por portaria, acedida apenas pelos
moradores ou, funcionários e visitantes autorizados.
Outra crítica comum é que, devido à sua dimensão, isolam grandes setores
da cidade, não permitindo a transposição livre para outros loteamentos adiante.
Seus moradores podem contar com parques, salões de festas, jardins, lagos
e equipamentos esportivos de uso comum. As residências não podem receber muros
frontais ou grades em suas fachadas, os recuos são obrigatórios, bem como se
submetem a exigências severas de coeficiente de aproveitamento e taxa de ocupação
e aprovação prévia de uma comissão do bairro. Alarmes, grades, câmeras e outros
dispositivos de segurança são deslocados para a portaria e junto aos muros ao redor
do residencial, que invariavelmente possui corpo de segurança privado em circulação
permanente.
Certamente, essa não é das melhores formas de convivência urbana, quando
determinados grupos sociais se isolam em espaços bloqueados, transformando a
cidade em peças de um quebra cabeças, por vezes sem conexão. Embora não
desejável, nos parece que tais diretrizes de crescimento e ocupação urbana não vão
deixar de existir tão cedo. Ao contrário, pois o interesse em sua permanência está nas
duas pontas, no mercado ávido por lançamentos desse tipo e também no poder
público.
BAURU EM TEMAS URBANOS 273

O fato dos moradores, a partir das associações dos bairros, arcarem com
todas as despesas internas, como o recolhimento do lixo, cuidado com os jardins,
passeios, iluminação das vias, asfaltamento, recapeamento e manutenção geral, faz
com que as prefeituras considerem esses empreendimentos áreas urbanas de
baixíssima exigência quanto aos serviços a serem prestados. Em contraste, geram
alta arrecadação de IPTU. Podendo ser feita comparação com os loteamentos abertos
destinados às classes altas, onde serviços semelhantes são arcados exclusivamente
pelo poder público, com arrecadação de impostos igual ou menor.
Os loteamentos com controle de acesso são, portanto, empreendimentos auto
gerenciáveis, preocupação a menos para a administração da cidade e fonte de
arrecadação certa e privilegiada. Por outro lado, seus moradores vivem em situação
de isolamento e contraste, não apenas no aspecto da segregação social, como
naqueles voltados às rotineiras mazelas urbanas de nossas cidades (má qualidade da
pavimentação, áreas verdes mal cuidadas, iluminação pública deficiente, estruturas
pichadas, falta de segurança, etc), de uma forma ou de outra, resolvidas privadamente
dentro do espaço fechado.
Ainda, por estarem claramente demarcados na cidade, fornecem elevados
recursos de ITBI - Imposto de Bens Imóveis Inter-vivos, de esfera municipal, que incide
sobre transmissão de bens imóveis e de direitos relativos a ele.
Tais diretivas de fechamento, por sinal, se alastram seguidamente para
bairros mais populares por trazerem igual simbolismo que, para as classes médias e
altas, mesmo que implantados em zonas menos valorizadas, dispondo de lotes
menores, mais baratos e edificações não tão luxuosas. Afinal, o fechamento em
relação ao entorno cria situação interna que o desprende de qualquer zona urbana
específica. Os muros passam a representar os limites do residencial e o que está fora
se torna distante. Certamente, se situado em zonas de prestígio seu valor de mercado
será maior, mas caso não seja a situação, o fechamento em si e o sistema de
segurança garantirá seu "ilhamento" do entorno imediato372.
Aspecto relativo à aprovação de empreendimentos dessa natureza que
necessita ser corrigido é que, parte dos loteamentos com controle de acesso, não
apresentam as desejáveis vias internas que deveriam contornar seu perímetro,
resultando com que muitos lotes possuam seus limites de fundo nos muros do próprio

372 Não são poucos os residenciais fechados situados próximos de áreas de favelas.
274

empreendimento, convertendo em paisagem bastante desagradável, residual e


desordenada quando vista das ruas externas. As vias perimetrais, ainda, poderiam
eventualmente em algum momento futuro, ajudar a reagrupar os condomínios ao
restante da cidade.
Uma das características desse tipo de empreendimento, a distância do centro
urbano devido à necessidade de grandes glebas e o obrigatório acesso por veículos
privados, tem levado os loteamentos com controle de acesso a desconsiderarem os
limites municipais, buscando áreas nas cidades circunvizinhas desde que acessadas
por boas estradas ou mesmo às suas margens. De certa forma, foi o que ocorreu no
lançamento precursor, o Alphaville, que conta com a população majoritariamente
advinda da cidade de São Paulo, embora esteja localizado em Barueri e Santana de
Parnaíba.
No interior o processo tem se repetido. As pequenas cidades vizinhas têm
abrigado com regularidade tais empreendimentos. A migração possui relação direta
com o custo da terra, em geral menor nessas cidades e principalmente devido às
restrições urbanas, edilícias e particularmente ambientais mais severas nas cidades
médias e liberais nas pequenas.
Em Bauru, isso já ocorre na estrada Bauru-Ipassu (SP -225), denominada pelo
mercado imobiliário de "Rodovia do Luxo", onde os loteamentos com controle de
acesso de alto padrão tem se instalado. A rodovia cruza a divisa da cidade com o
Município de Piratininga, delimitado pelo Rio Batalha que percorre mais de 160
quilômetros até o Rio Tiete, onde deságua e possui 11,6 mil hectares de bacia373. Em
Bauru, são grandes as restrições ambientais junto à APA do Rio Batalha, devido ao
curso d'água abastecer 37% da área urbana. Mas, a cidade detém apenas 1,6 mil
hectares de toda bacia, ao passo que Piratininga conta com 6 mil hectares e Agudos
4 mil hectares374. As duas cidades que fazem divisa com Bauru não possuem maiores
limitações de ocupação nas imediações do Rio Batalha. Dessa forma, esses
empreendimentos têm saltado as divisas municipais e buscado terras nos municípios
vizinhos e muitas vezes na mesma bacia. Talvez a definição futura da região de Bauru
como “Aglomeração Urbana- AU”, conforme lei estadual, venha a possibilitar o
tratamento de questões como essas, que afetam e inter-relacionam as várias cidades
circunvizinhas, de forma mais geral e abrangente.

373 Chegou a hora de Bauru, Piratininga e Agudos se somarem. Jornal da Cidade. 29 jan. 2020.
374 Idem.
BAURU EM TEMAS URBANOS 275

Mesmo muito criticados pelos especialistas, a possibilidade dos loteamentos


com controle de acesso diminuir em quantidade com o tempo parecem remotas; ao
contrário, cada vez menos são lançados parcelamentos "abertos", especialmente os
destinados às classes mais abastadas. Pode-se dizer que empreendimentos desse
tipo se deram em Bauru até a última década do século XX, estancando-se
definitivamente a partir daí, a favor dos loteamentos com controle de acesso. Mesmo
bairros antigos considerados nobres, atualmente passam por dificuldades para a
comercialização de seus lotes e de muitas de suas antigas residências de luxo. Com
raras exceções, a escolha daqueles que tem recursos passa por condomínio vertical,
horizontal ou loteamentos com controle de acesso.
Sintomático nesse sentido é a série de loteamentos de alto padrão Estoril
efetivados nas áreas pertencentes à família Martha. Após quatro lançamentos de
muito sucesso, sendo o primeiro no ano de 1963, (ver capítulo sobre a zona sul), o
segundo em 1977, o terceiro em 1986 e o quarto em 1981, no ano de 2006 é
inaugurado o Residencial Estoril V, com projeto urbanístico do Arquiteto Jurandyr
Bueno Filho375. Esse possui como diferencial em relação aos demais, o fechamento
para a cidade. A escolha por loteamento com controle de acesso, depois dos
anteriores abertos, vai em direção a demanda do mercado imobiliário para
empreendimentos dessa natureza. É bastante provável que, caso fosse mais um
loteamento convencional, não teria alcançado o sucesso comercial que logrou.
A Lei Federal nº 13.465\2017, embora criticada por muitos especialistas,
particularmente nas questões voltadas a regularização fundiária, veio colocar ordem
e desembaraçar pontos vagos que ainda travavam os negócios voltados a
condomínios, o que tende a aumentar tais empreendimentos para todos os
estamentos sociais. Parece ser caminho aparentemente sem volta. Certamente, esse
não é o desejo do urbanista, que deve aspirar por uma cidade mais aberta, livre e
democrática, mas é realidade que não pode ser ignorada.

375 Informativo promocional do Residencial Jardim Estoril V. Jornal da Cidade. Nov. 2008.
276
BAURU EM TEMAS URBANOS 277





A Avenida Nações Unidas, a mais conhecida, importante e emblemática via


estrutural da cidade, iniciou sua história ainda na gestão de Nicola Avallone Júnior
(1956/59). Seu início se deu com um pequeno trecho entre a Rua Primeiro de Agosto
e a Avenida Rodrigues Alves, no mesmo período em que essa última via é ampliada
em direção à Vila Cardia376. No princípio da década de 1960, outra etapa contínua se
agrega à antecessora, indo da Rua Primeiro de Agosto até a Marcondes Salgado,
durante a gestão de Irineu Bastos (1960/64)377. No início da década de 1970, com o
Prefeito Alcides Franciscato (1969/73), é concluído o trecho entre Avenida Rodrigues
Alves e Avenida Duque de Caxias. Mais adiante, entre 1973/77, na administração Luiz
Edmundo Carrijo Coube, se estabelece a parte entre a Duque de Caxias e Rodovia
Marechal Rondon. Nos anos 1977/83 durante a administração Oswaldo Sbeghen, a
Nações Unidas se estende entre a Rondon e a Rodovia Bauru-Ipaussu (SP-225). Na
mesma administração, foi construído o pequeno trecho de acesso ao recém-
inaugurado Terminal Rodoviário, que passa sob o viaduto da antiga Paulista, em
direção à Avenida Nuno de Assis. Por fim, o lado norte da Avenida Nações Unidas foi
iniciado em 2009 e concluído em 2011, na primeira gestão de Rodrigo Agostinho,
chegando até a rodovia Bauru-Marília (SP-294).
O início do projeto daquela que seria a Nações Unidas ocorreu devido a
questões que envolviam os cursos d’água urbanos. As baixadas do Ribeirão Bauru e
Córrego das Flores sofriam enchentes com frequência, particularmente, onde
desembocava o Córrego das Flores, trazendo prejuízos para os moradores das

376 BASTOS, I. A. Falcão/Independência, Nossa gente e nossa história. Bauru: Document Center
Xerox-USC, 2002, p.190.
377 Idem p.190.
278

proximidades. As águas ainda destruíam as pontes, como aquela da continuidade da


Rua Araújo Leite em direção à Vila Formosa e inundava a passagem sob os trilhos da
Paulista com destino ao Jardim Bela Vista, isolando áreas inteiras da cidade.
Em 10 de dezembro de 1941, o Jornal Correio da Noroeste assim descreve
os estragos das chuvas, “Das pontes que dão acesso aos bairros apenas ficou de pé
a da Vila Falcão. (...). As pontes da Vila Seabra, Vila Camargo e da rua Ezequiel
Ramos foram igualmente carregadas”.
Em relação à passagem sob os trilhos da Companhia Paulista, “viaduto
recentemente construído” com destino ao Jardim Bela Vista, a matéria assim se refere,
“Toda terra depositou-se na parte inferior destinada aos pedestres, que agora
alcançam com as mãos o próprio teto da obra”378.
No início da década de 1950 se clamava pelo desassoreamento através de
dragagem e retificação do Ribeirão Bauru, como forma de conter a situação. Em
contrapartida, em nenhum momento houve discussão sobre os problemas em sua
raiz: a ocupação próxima às margens do Ribeirão jamais deveria ter se dado; as
pontes sobre os cursos d’água eram pequenas, precárias e inviáveis para períodos
de chuva; e a passagem sob os trilhos da Companhia Paulista situava-se em cota
inferior ao próprio Rio Bauru, o que obviamente era situação de risco anunciado.
Conforme comentado em capítulo anterior, o tratamento dado aos rios fazia
parte de um processo de rejeição e negação das águas urbanas, tidas como
obstáculos a serem vencidos. Os problemas decorrentes dos parcelamentos e
ocupações se estenderem até suas margens, acabando com as várzeas, onde
naturalmente havia inundações durante as épocas de chuvas, não eram questões a
serem discutidas, mesmo nos meados do século XX. Tratava-se de tentar controlar o
fluxo das águas em espaço mínimo, seja enterrando-a sob o solo, seja aprisionando-
a de forma aberta entre arrimos de concreto.
Novamente apontamos que o desprezo pelas águas urbanas não é
procedimento exclusivo do século XX, resulta de um passado colonial onde os lotes
davam fundos para os eflúvios e com eles a própria cidade379. Tanto é fato que as
pessoas mais ricas, embora possuíssem casas nas vilas, terão habitação cotidiana

378Idem, p. 193.
379Nesse aspecto, na história da urbanização do país, se salva a cidade de Petrópolis, como exemplo
raro e relevante de preservação das águas e da natureza, projetada pelo major alemão Julio Frederic
Koeler em 1843, a mando de D. Pedro II.
BAURU EM TEMAS URBANOS 279

nas fazendas ou nas chácaras aos arredores das povoações, locais considerados
mais salubres.
Nas zonas rurais onde vivia a maioria dos habitantes do país, ocorria maior
integração entre os cursos d’água e os moradores. A pesca, a navegação e até
mesmo o lazer, tinham o rio como foco principal. As águas atraiam os animais para
caça e serviam como demarcação de propriedades rurais. Nelas a roda d’água era
peça fundamental para a moagem do milho, do trigo e da cana, para o resfriamento
dos alambiques e dar de beber aos animais380.
No século XX, pode-se dizer que o rio e, em particular suas águas, começam
a ser vistos como bens de consumo. O bombeamento das águas dos cursos d’água,
seu transporte por tubos, a reservação em caixas d’água municipais e a oferta do
líquido nas torneiras, se constituíam na mais básica exigência coletiva em relação à
infraestrutura urbana. Apesar disso, surpreendentemente, parecia não haver relação
entre tal necessidade e a preservação das nascentes e dos cursos d’água. Se nas
centúrias antecedentes ocorria inegável aproximação entre os homens e os rios no
espaço rural, a partir do século XX, com o processo acelerado de urbanização e o
distanciamento da natureza, há o afastamento das águas,

Morre a memória a respeito do rio, das bicas de água pura, da fauna


e flora associadas a esse meio. As ruas são construídas sobre riachos
e córregos canalizados, as avenidas se estendem ao largo dos rios
maiores. As bicas naturais se escondem atrás dos canos que levam
as águas as caixas de distribuição381.

Parte do desprezo pelos cursos d’água urbanos em Bauru também pode ser
explicado a partir da mudança, em 1942, dos serviços de captação e tratamento de
água do Córrego Vargem Limpa, em área mais central, para o Rio Batalha, distante e
nos limites do município. Tal fato pode ter significado sinal verde para que os rios
situados dentro do perímetro da cidade pudessem ser tratados com total indiferença.
Afinal não eram mais “úteis”, serviriam apenas para levar os esgotos.
Fator que contribuía para estigmatizar as águas fluviais da cidade era que
suas margens se constituíam em locais de reprodução de mosquitos. Os insetos eram
responsáveis pela transmissão de doenças, como febre amarela (erradicada nas

380 CORRÊA, D. S.; ALVIM, Z. M. F. A água no olhar da historia. São Paulo: Secretaria do Meio
Ambiente, 2000, p.13-14.
381 Idem, p. 18.
280

cidades apenas na década de 1940), malária, febre oropouche, elefantíase, etc. Não
estavam longínquos na memória coletiva os motivos que guiaram a criação da Santa
Casa de Misericórdia de Bauru no início do século, entidade destinada a atender
especialmente os trabalhadores da ferrovia infectados por essas enfermidades na
cidade e em toda zona noroeste.
No Relatório da Administração do Município, durante o ano de 1917, durante
a gestão do Dr. Luiz Vicente Figueira de Mello, é demonstrada a preocupação com os
açudes e barragens que provocavam epidemias em certas épocas do ano. Aponta
que, como medida profilática, chegou a arrombar um açude urbano, “situado no
Córrego da Grama, açude este que determinava todos os anos uma epidemia local,
com casos de morte no bairro do mesmo nome”382.
Figueira de Mello atribui também, ao Rio Batalha, outro foco da Malária: “Um
rio temos, que atravessa o nosso município em diagonal, e que nos causa os maiores
males em relação ao paludismo – é o Batalha, em cuja zona a malária é endêmica”383.
Dessa forma, desde o início da ocupação urbana, os rios e suas margens são
considerados áreas insalubres passíveis de serem “resgatados” por intervenções
civis, através de canais, assim como já havia ocorrido nas reformas urbanas das
cidades do Rio de Janeiro e Santos, conduzidas respectivamente, por Pereira Passos
e Saturnino de Brito.
Apenas os rios urbanos de maior porte seriam, a contragosto, respeitados.
Devido à dimensão, se impunham inegavelmente a paisagem, como elemento de
incontornável convivência, mesmo que fossem esgotos a céu aberto, como o Rio Tietê
ou Pinheiros, em São Paulo. O tamanho e a grande vazão dos mesmos impediram
sua completa canalização há mais tempo.
Retificar e canalizar eram consideradas manifestações de progresso urbano.
E o mesmo procedimento ocorrerá em grande parte das cidades brasileiras dessa
época. O primeiro trecho da Marginal Tietê foi inaugurado em 1957, no mesmo ano
em que se iniciam as obras da Avenida Nações Unidas em Bauru, e a Marginal
Pinheiros foi implantada em 1970.

382 Relatório da Administração do Município durante o anno de 1917 sendo Prefeito Municipal o
Dr. Luiz Vicente Figueira de Mello. São Paulo: Sessão de obras de O Estado de São Paulo, 1917,
p.102-103.
383 Idem, p. 103.
BAURU EM TEMAS URBANOS 281

Em relação à cidade, o Ribeirão Bauru embora de escala muito menor que os


rios acima citados, nos anos 1960 já se tornara poluído devido às descargas
domesticas. Entretanto para a cidade, o custo de seu tamponamento seria proibitivo,
restando como opção sua retificação e o tratamento sob forma de canal, com leito
aberto. Ao seu lado, contará com inevitável avenida em área desapropriada, a futura
Avenida Nuno de Assis. O Córrego das Flores, pequeno e acanhado, terá como
destino o enterramento por tubos, tendo sobre ele outra avenida.
Fato que também impulsionava esse tipo de obra viária era a possibilidade de
aproveitamento das áreas brejosas não ocupadas, às suas margens. A canalização e
retificação dos rios farão com que zonas lamacentas, praticamente inservíveis,
possam ser utilizadas para construção de avenidas. Para os proprietários dos terrenos
fronteiriços, correntemente restarão áreas a serem apropriadas. E muitos dos
desvalorizados lotes que davam fundo para os cursos d’água embolsarão ganhos a
partir do investimento público, auferindo outra frontalidade, junto às novas avenidas.
Mesmo que os problemas com as enchentes e de interrupção de passagens
urbanas estivessem mais concentrados no Ribeirão Bauru, devido essa área ser de
menor interesse imobiliário, a retificação começará pelo Córrego das Flores, mais
próxima ao centro da cidade, onde se estabelece a Avenida Marginal, futura Nações
Unidas.
A Avenida Nações Unidas, devido sua dimensão – mais de 10 quilômetros –,
e por cruzar a cidade em toda sua extensão, em nosso entender pode ser dividida em
quatro partes, com características próprias.
A primeira parte da avenida, conforme nossa classificação, é formada pelos
seus dois trechos mais antigos, situados entre a Avenida Rodrigues Alves e Rua
Marcondes Salgado. Foi construída em momento em que os rios, no caso específico,
o Córrego das Flores, tornava-se contaminado pelos efluentes domésticos e o esgoto
das fábricas.
Em impresso comemorativo ao segundo ano da gestão de Nicola Avallone,
encontramos entre suas realizações o nascer das Nações em seu trecho mais estreito,
situado entre duas quadras compreendidas pela Rodrigues Alves e Primeiro de
Agosto. O texto aponta que até o final de 1957 estavam tubulados 183 metros da
futura Avenida Marginal:
282

2 - Tubulação do Córrego das Flores


A administração deu inicio à tubulação do Córrego das
Flores, tendo em vista a construção da futura “avenida marginal”, que
além de solucionar problema considerado insolvente, dará um novo
aspecto a Bauru naquele setor, saneando completamente aquela
vastíssima e extensa zona de terra cortada pelo velho ribeirão384.

O problema considerado “insolvente” era justamente o das enchentes durante


os verões, mas a ideia de sanear a região e com isso valorizá-la no aspecto imobiliário,
era parte fundamental do plano.
Vale observar que o trecho inicial das Nações valoriza sensivelmente o que
pode ser considerado o centro expandido, levando a construção de duas obras
modernistas relevantes, o edifício Brasil Portugal, na confluência da Rodrigues Alves
com Nações, inaugurado em 1963, e o SENAC, projeto premiado do arquiteto
Oswaldo Correia Gonçalves, situado em lote na esquina das Ruas Saint Martin,
Primeiro de Agosto e Nações, inaugurado em 1958.
Ambas as obras, de certa forma, colaboram para dar impulso à linguagem na
cidade, o Brasil-Portugal, pelas mãos de arquiteto residente em Bauru385 e o SENAC,
por encomenda do sistema "S", responsável por introduzir o modernismo
arquitetônico, ao menos aquele mais conceitual e intelectualizado, em diversas
cidades do interior paulista, todas assinadas por profissionais de renome nacional.
De início, algumas partes do Córrego das Flores, especialmente aquela ao
lado da antiga Companhia Antárctica, não eram cobertas como em nossos dias, seu
leito havia sido retificado e muros de arrimo foram construídos às suas margens, em
solução clássica a céu aberto. O mesmo expediente vai ser utilizado, mas de forma
permanente, durante as décadas de 1960/70 na Avenida Nuno de Assis, que ladeia o
Ribeirão Bauru retificado, ou seja, avenidas às margens do curso d'água, iniciado com
um primeiro trecho entre o viaduto Juscelino Kubitschek e a Rua Araújo Leite386. Tal
situação felizmente é proibida em nossos dias, em virtude de ocupar áreas nas
margens imediatas dos cursos d'água, exigindo-se afastamentos regulados pela
legislação de acordo com a largura do flúmen 387. Entretanto, o curso de água aberto

384 Bauru Cidade Sem Limites. Segundo ano do governo Avallone Jr., 1957, p.17. Arquivo do Museu
Ferroviário Regional de Bauru.
385 Retomar Capítulo 6: A verticalização.
386 Plano Diretor de Bauru de 1996, p.85.
387 A Lei nº. 7.803 de 18 de julho de 1889, altera a redação da Lei nº. 4771 de 15/09/1965 e revoga as

Leis nº. 6.535 de 15/06/1978 e nº. 7.511 de 07/07/1986. Nela se define a largura dos rios e o espaço a
ser deixado livre até ele, no caso do ribeirão Bauru que está entre 10 a 50 metros de largura a distância
até uma via deveria ser de 50 metros.
BAURU EM TEMAS URBANOS 283

acaba por ser melhor, ou menos pior, que a canalização subterrânea, devido ao rio
ainda estar presente na paisagem e em caso de enchentes o mesmo voltar
naturalmente ao seu leito com danos menores ao entorno.

Figura 73 e 74: Trecho da Nações Unidas ao lado da antiga fábrica da Antárctica, em dois
momentos. À esquerda, o Córrego das Flores canalizado e à direita, em obras para seu
tamponamento. Vê-se, ao fundo, o pontilhão da antiga Paulista, local de transposição, onde
atualmente ocorrem frequentes inundações e à esquerda o atual Poupatempo. Sem data

Fonte: Museu Ferroviário Regional de Bauru.

No momento do início da avenida, as projeções a seu respeito eram bem mais


modestas, no sentido da retificação do Córrego das Flores em toda sua extensão, ou
seja, da região onde hoje se situa o Parque Vitória Régia, local onde o curso d’água
possui sua nascente, até o Ribeirão Bauru, onde desemboca.
No início da década de 1960, constrói-se o trecho da Rua Primeiro de Agosto
até Marcondes Salgado; tinha por objetivo reduzir as enchentes na área e dar melhor
aspecto ao seu entorno, uma várzea recorrentemente inundável, o que pode ter
efetivamente ocorrido nesse início devido à pouca extensão das obras e da via.
No segmento será erguido o Mercado Municipal, construído pela Prefeitura e
inaugurado no ano de 1971 entre a Rua Presidente Kennedy e Ezequiel Ramos. Era
demanda antiga, espaço público comum e vital na maioria das cidades através de
construção direta pela municipalidade ou concessão, mas jamais concretizada em
Bauru, até então. Funcionou por pouco tempo. Infelizmente, por razões que vão do
projeto inadequado em dois pisos, passando pela administração amadora, nunca foi
espaço representativo e de atração para a cidade. Logo mudou de uso e foi
transformado em “Palácio dos Esportes” durante a administração de Luiz Edmundo
Coube (1973-77). Depois do seu quase abandono, a partir de grande e demorada
reforma finalizada no ano 2000, todo conjunto foi adaptado para comportar o Centro
284

Cultural Carlos Fernandes de Paiva, composto do Teatro Municipal Celina Lourdes


Alves Neves, biblioteca, salas de dança e a sede da Secretaria da Cultura de Bauru.
Atualmente, pouco mais à frente na avenida, se dá uma passagem sob os
trilhos da antiga Companhia Paulista, em situação semelhante ao velho acesso para
o Jardim Bela Vista, anterior à década de 1950. Localizava-se também abaixo dos
trilhos, um pouco mais adiante e foi desativado com a construção do viaduto em
concreto. Contudo, como a relembrar e insistir nos erros do passado, a mesma
situação é reservada para essa transposição, situada também em cota muito baixa,
ocasionando inundações frequentes, prejuízos gerais e mortes eventuais.
O Plano Diretor de Bauru de Bauru de 1967, em seu texto e na prancha de
Sistema Viário388, amplia o que seria a proposta inicial da Nações Unidas a partir de
esboço da avenida, próximo de como a conhecemos hoje. O projeto concebido vai
muito além das limitadas pretensões iniciais em relação à extensão total da via, sua
inserção urbana e também no aspecto paisagístico.
No Plano já estão demarcados o Parque Vitória Regia, o trecho além da SP-
300 e a Nações Norte, antecedência que garantiu a preservação das áreas urbanas
por onde a mesma futuramente passaria, evitando-se a ocupação para outras
destinações. O parque junto à Nações Norte não aparece no estudo, mas o mesmo
vai ser previsto e ter sua área reservada a partir da Lei Municipal nº. 2.339/82
(Zoneamento) e do Plano Diretor de 1996.
A segunda parte da Avenida Nações Unidas, segundo nossa classificação, foi
construída na década de 1970, a partir do Plano Diretor de Bauru e vai da Rodrigues
Alves até a Rodovia Marechal Rondon (SP-300). O seu maior idealizador foi o
arquiteto Jurandyr Bueno Filho, profissional de grande influência e prestígio na
comunidade. Foi momento especial para a cidade porque se uniram os planos de um
arquiteto capaz, com a força de seu poder político, enquanto vice-prefeito. Jurandyr
contou, também, com a colaboração de competentes técnicos da prefeitura como
Adelmo Bertussi, quem esboçou e desenvolveu amplo conjunto de avenidas em
Bauru, entre as quais a Nações Unidas.
Mesmo rarefeitas, havia moradias na baixada do Córrego das Flores, entre a
Rodrigues e a Duque de Caxias. Os loteamentos já eram consolidados à leste, como
Vila Bonfim e Santos Pinto, no chamado baixo Higienópolis, o Alto Higienópolis

388 Ver Capítulo 9: Legislações Urbanas e Planos Diretores.


BAURU EM TEMAS URBANOS 285

também já havia sido lançado. No mesmo lado, além da Avenida Duque de Caxias,
se formava o Jardim Brasil, outro bairro de alta classe média.
Na baixada do Córrego das Flores, e um pouco ao seu longo, próximo à
Avenida Rodrigues Alves, dava-se ocupação irregular, considerada por muitos como
uma feira livre permanente, por outros como a raiz de uma favela. Os moradores dos
bairros próximos, assim como o poder público, entendiam que esse não era uso
adequado e condizente com a zona central e, ao mesmo tempo, a entrada principal
da cidade. A nova avenida cumpriria a função de despejá-los em momento político
onde não seriam toleradas maiores contestações por parte dos ocupantes. A proposta
da Prefeitura era que as barracas fossem transferidas para o novo Mercado Municipal,
em finalização de obras, porém seu uso não seria gratuito e muitos não tinham como
arcar com as despesas de manutenção do novo espaço.
O projeto da avenida tenta unir o traçado do baixo Higienópolis com aquele
do centro, tendo como recurso a criação de pequenas praças triangulares, a partir de
"sobras" da Avenida Nações Unidas, em áreas que pertenciam à várzea do Córrego
das Flores, situação nem sempre resolvida a contento. Essas pequenas praças,
fazendo jus à denominação da avenida, deveriam ganhar nome de países como a
aquela na confluência da Rodrigues Alves, denominada Praça do Líbano.
O trecho acima da Duque situava-se em parte da cidade com ocupação
bastante rarefeita, sendo as obras públicas mais conhecidas da região a Faculdade
de Odontologia da USP, do início da década de 1960, voltada para a Alameda Otávio
Pinheiro Brizola; o Tiro de Guerra, de 1947; e o Ginásio Silvério São João 389. Outro
espaço de destaque, esse privado e mais recente, foi o Auto Cine Pop Top 390,
inaugurado em 1973 que contava com quinze mil metros quadrados de área asfaltada,
capacidade para 240 automóveis e cujo acesso se dava pela Avenida Otávio Pinheiro
Brisola, chamada inicialmente de Alameda Universitária, conforme aponta o mapa da
propaganda de inauguração.
Nessa seção da Avenida Nações Unidas, a presença paisagística ganha
relevo, em particular, com a construção do Parque Vitória Régia, com 57 mil metros
quadrados e considerado o primeiro parque público de Bauru 391. Sua viabilização se

389 A FOB-USP ocupou o prédio do Silvério São João entre 1962 e 1965 antes de construir sua sede
própria.
390 No local hoje funciona a Loja Havan.
391 Junto à Estação de Tratamento de Água, inaugurada em 1942, se falou da criação de um Parque

Municipal, contudo, não é sabido se a proposta foi adiante.


286

deu, justamente, devido à baixa ocupação da área e a possibilidade de contar-se com


glebas vazias. No local havia grande erosão que desvalorizava sobremaneira a terra;
e a construção de um parque aproveitando a topografia acidentada era medida
racional, somado à possibilidade de desapropriação baseada em poucos recursos.
A partir do represamento do córrego, cuja nascente fica nas imediações, foi
possível criar grande lago curvilíneo em meio a amplo espaço verde. Como foco de
atenção do espaço haveria um anfiteatro em concreto. A arena, com sua
arquibancada situada em área de aterro, possui capacidade para duas mil pessoas.
O palco no centro do lago inspira-se, como diz o próprio nome, na grande folha circular
da vitória régia, tendo suas flores como anteparos acústicos em concreto. No espaço
livre que antecedia o anfiteatro havia previsão de ser construído o Teatro Municipal392
que possuiria ligação subterrânea com o palco "flutuante".
A forma escultural, inovadora e facilmente legível transforma o conjunto
rapidamente no símbolo da cidade. Somando-se ao complexo, vias com desenhos
sinuosos e largos canteiros centrais que possibilitaram o plantio de vegetação de
porte, em tratamento bastante inovador para uma avenida marginal. As vias
projetadas junto ao parque chegaram a se desviar de grandes árvores nativas,
algumas existentes até hoje, para que fossem preservadas, em momento que tais
diretrizes eram bastante raras.
É importante frisar que a construção foi realizada em uma década onde as
grandes e estéreis marginais se espalhavam pelas cidades do país, cobrindo os rios
ou ladeando-os, sem qualquer preocupação paisagística. Nesse aspecto a Nações
Unidas, ainda que tamponando o Córrego das Flores, possui qualidade estética e de
ambiência muito superior às suas congêneres.
Mesmo com o acertado tratamento paisagístico, esse trecho constituído de
vias expressas e marginais, concorre de forma clara, devido sua grande largura e
trânsito veloz, para distanciar suas margens.
A Nações é aí, antes de tudo, "via barreira" que divide setores importantes da
cidade, muitos deles rapidamente loteados após a valorização brutal patrocinada pela
construção da mesma. Talvez pensando nisso o projeto original previsse duas
transposições sobre a avenida que, a nosso ver, felizmente não foram construídas,
tendo o poder público que resolver posteriormente os acessos ao nível do solo.

392 Como vimos o Teatro Municipal acabou sendo construído no primeiro trecho da avenida.
BAURU EM TEMAS URBANOS 287

Embora tais viadutos pudessem vir a facilitar a comunicação entre as bordas opostas
da Nações, comprometeriam sobremaneira a qualidade ambiental do espaço e
reforçariam ainda mais a avenida como via expressa de alta velocidade.
Esse trecho da avenida será aquele mais valorizado, tornar-se-á a entrada
"oficial" da cidade e, de certa forma, a sua imagem. O próprio arquiteto Jurandyr
Bueno conceberá obras relevantes às suas margens, como o Sindicato do Comércio,
o Centrinho da USP, a OAB, Ordem dos Advogados do Brasil (bastante
descaracterizada) e a COHAB. Grandes redes de fast food, lojas, hotéis, bares,
restaurantes e supermercados para ali acorrerão em busca de um público local, mas
também de passagem. A fácil acessibilidade e os grandes estacionamentos das redes
permitirão consumo rápido e retorno imediato para a rodovia próxima. À noite, a
avenida transforma-se em espaço de lazer e diversão com foco nos bares e
restaurantes atingindo fregueses da cidade e região.
Aspecto para o qual gostaríamos de chamar atenção é que, pela segunda vez,
se tomarmos a Avenida Rodrigues Alves como precedente393, a municipalidade
ordena o espaço urbano em ampla região da cidade. De forma geral, sempre coube à
Prefeitura a extensão de vias, elaboração de praças ou modestas intervenções
pontuais. A Nações será em outra escala, pois procurou-se um desenho que fugisse
do lugar comum dos prolongamentos retilíneos ou do traçado em quadrícula. Para
Bauru, que tinha, desde o início, seu arruamento alicerçado sob as diretrizes das
linhas retas, duras e ortogonais, uma via que parecia se submeter aos caprichos da
natureza, livre, curvilínea e solta em meio ao verde era algo espantoso e muito
inovador. Um respiro no espaço urbano.
Em cidade desenhada pela iniciativa privada, essa foi das poucas vezes onde
o poder público se colocou de forma mais solta e original. Todavia, tal manifestação
só vai se dar porque a mesma, até então, era área de pouco interesse do mercado de
terras, um fundo de vale brejoso considerado economicamente pouco atrativo na sua
configuração original. Essa também passa a ser uma das características das
intervenções públicas em áreas junto aos cursos d’água, que buscam sanear o espaço
e, dessa forma, valorizar o entorno para os investimentos privados.
Sobre esse trecho da Nações Unidas assim se refere Losnak (2004):

393 Retomar Capítulo 7: Avenida Rodrigues Alves.


288

a construção da Avenida Nações Unidas direcionou a ocupação de


parte da região considerada nobre da cidade, tendo como suporte
investimentos públicos tais como praças, asfaltos, rede de água,
esgoto, de eletricidade, de telefonia e, mais tarde, até um bosque394.

Pode-se dizer que a cidade é território particular, apenas com suas dobras, os
fundos de vale, ainda livres para intervenções públicas, mesmo que, para tanto, em
alguns momentos, haja necessidade de se remover os ocupantes desse espaço,
sempre gente pobre e despossuída.

Figura 75: Nações Unidas executada até pouco antes do viaduto da Avenida Duque de
Caxias. No centro da foto é possível ver a extensa área erodida que será tomada pelo Parque
Vitória Regia e a rala ocupação do setor. Foto sem data

Fonte: Museu Ferroviário Regional de Bauru.

394 LOSNAK, C. J. Polifonia Urbana. Bauru: EDUSC, 2004, p. 177.


BAURU EM TEMAS URBANOS 289

Figura 76: A preservação de algumas árvores antigas junto aos canteiros da Avenida Nações
Unidas, durante suas obras. Foto sem data

Fonte: Museu Ferroviário Regional de Bauru.

A Lei Estadual nº. 9.866, de Proteção dos Mananciais, aprovada em 1997,


vem reforçar a salvaguarda desses cursos d'água e, ao mesmo tempo, confirmar
esses espaços como disponíveis para a ação pública, ao menos nas cidades onde
eles não tenham sido anteriormente transformados em avenidas ou totalmente
ocupados de forma irregular por edificações. As intervenções a partir da lei teriam que
obedecer a recuos mínimos dos cursos d'água que não poderiam mais ser fechados.
Terminado esse novo trecho da Avenida Nações Unidas, como era esperado
houve grande valorização imobiliária do entorno imediato e a formação de novos
loteamentos em sua bacia, tornando-se, nas décadas seguintes, dos setores mais
visados para a verticalização e abertura de negócios na cidade.
Como consequência ocorreu a impermeabilização do solo, possibilitando que
as águas da bacia fluíssem com maior velocidade para a antiga calha do curso d’água.
Com isso, verificou-se rapidamente que a capacidade de vazão da tubulação do
Córrego das Flores estava bem aquém das necessidades. Toda chuva mais forte
representava e representa ainda hoje, a destruição parcial do trecho da avenida sobre
o córrego, devido ao perigoso transbordamento de suas galerias. O resultado se
constitui em perdas materiais constantes e, por vezes, mortes.
290

Diversas administrações municipais têm discutido formas de se resolver o


problema, ou ao menos minorá-lo, sendo que as soluções passam por macro e micro
drenagens, através de piscinões, barragens junto ao lago do Vitória Régia, abertura
do canal substituindo os canteiros centrais, a renaturalização do córrego e outras
propostas semelhantes, contudo, nada foi feito e os problemas permanecem.
A inauguração desse trecho, em 13 de agosto de 1976, fazia parte das
comemorações do aniversário da cidade, quando o prefeito era Luiz Edmundo Coube.
Contou com a presença do Presidente da República, Ernesto Geisel, o Governador
Paulo Egydio Martins, além de várias figuras importantes ligadas ao governo militar.
Como fato inusitado ocorre que um caminhão tanque carregado de combustível tomba
na Avenida Otavio Pinheiro Brisola e o líquido inflamável escorre pela tubulação de
águas pluviais. Ao chegar até a baixada da Avenida Nações Unidas, tamponada, há
grande explosão destruindo completamente a avenida em seu trecho próximo da
Avenida Rodrigues Alves e com o fogo se alastrando pelo curso d’água em direção à
região da fábrica da Antárctica, onde o córrego era canalizado, mas ainda aberto.
De início, o Serviço Nacional de Informações (SNI), cogitou atentado contra o
presidente, contudo, posteriormente verificou tratar-se apenas de lamentável
incidente, felizmente sem vítimas fatais. Os fatos ocorreram após a inauguração
oficial, quando as autoridades não se encontravam mais na cidade, mas somaram-se,
definitivamente, às curiosidades da história local. Como forma de reparar os prejuízos,
os governos federal e estadual liberam recursos para reconstrução da parte afetada
da avenida, reinaugurada um ano após.
A terceira parte da Avenida Nações Unidas, segundo nossa classificação, se
constitui do trecho situado entre a Rodovia Marechal Rondon e a SP-225, que também
comporta tráfego de alta velocidade e encontra-se, ainda, em processo de ocupação.
Cruza zona que poderá abrigar grande população de classe média, não só, mas em
sua maioria, condomínios de prédios de pequena altura sem elevadores. Os
precursores foram os Conjuntos Camélias, com 720 unidades, e Flamboyant, com 640
unidades que, somados, são considerados os maiores condomínios verticais da
cidade. Foram construídos nos anos 1990 pelo INOCOOP e destinados à classe
média, abrigando população estimada em três mil pessoas. Depois desses, outros
empreendimentos foram lançados na região com muito sucesso, como Vila Verde,
Vila Grená, Residencial Jardim dos Duques, Condomínios Verticais Campo Belo,
Campo Limpo, Bela Europa, Bela América, e outros.
BAURU EM TEMAS URBANOS 291

A região cruzada pela Avenida Nações Unidas tem, ainda, como perspectiva
futura, a viabilização do Parque da Água Comprida, onde se encontra o sambódromo,
e o prolongamento da Avenida Jorge Zaidem, às suas margens, projetada com
intenção de se ligar às Avenidas Cruzeiro do Sul, Rodrigues Alves e posteriormente
chegar ao Núcleo Habitacional Mary Dota.
Um dos pontos mais importantes dessa fração da Nações é a Companhia de
Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo (CEAGESP), situada em gleba de 100
mil metros quadrados, com quase 7.500 metros quadrados de construção, inaugurada
na década de 1980, em um processo de descentralização da empresa em direção ao
interior do Estado395.
No final desse trecho da Avenida também se reservou área de 30 mil metros
quadrados, doados pela Prefeitura, para a "Cidade Judiciária", onde se concentrariam
as atividades do Poder Judiciário Estadual, Federal e do Trabalho em Bauru. Sua
localização será ao lado do Hospital Estadual de Bauru, outra grande obra de alcance
regional inaugurada no ano de 2002 e considerado atualmente o maior hospital da
cidade396.
A quarta e última etapa da avenida é conhecida como Nações Norte, com 3,5
km de extensão. Foi construída de uma só vez, a partir de investimento previamente
estimado em 47 milhões de reais397, pagos pelo Governo Estadual. Finalizou-se ao
custo de 58,6 milhões de reais. O município ainda dispendeu 17 milhões para as
desapropriações, parte da iluminação, rede de interceptores, água e esgoto 398. Fecha
a última etapa da longa via que foge do fundo do vale, mas que, devido ao relevo e
ao solo, é zona propícia a processos erosivos. Corre parcialmente paralela a pequeno
curso d’água denominado Água do Castelo, também tributário ao Ribeirão Bauru.
A avenida nesse trecho possui aclive em direção à rodovia Bauru-Marilia (SP-
294) e ao novo Distrito Industrial III. O acesso para a área onde hoje se encontra a

395 Histórico. Ceagesp, 2020. Disponível em: <http://www.ceagesp.gov.br/a-


ceagesp/institucional/historico>.
396 A eventual continuidade da Nações, além da SP-225, é impossível e nada desejável em virtude da

necessária preservação da reserva de cerrado pertencente ao Parque Zoológico Municipal de Bauru e


Jardim Botânico.
397 Construção da avenida Nações Unidas Norte, em Bauru. Assembleia Legislativa do Estado de

São Paulo, 2019. Disponível em: <https://al-sp.jusbrasil.com.br/noticias/1900964/construcao-da-


avenida-nacoes-unidas-norte-em-bauru>.
398 Prefeito recebe Governador para inauguração da Avenida Nações Norte. Prefeitura Municipal de

Bauru, 2019. Disponível em: <http://www2.bauru.sp.gov.br/Materia.aspx?n=4709>.


292

Nações Norte era bastante difícil, sendo a única opção a Avenida Coronel Alves
Seabra, o que ajuda a explicar, em parte, a baixa densidade da região.
Outros fatores que limitaram a ocupação foram a Lei de Zoneamento da
década de 1980 e o Plano Diretor de 1996, que restringiram o parcelamento na área
em função do projeto de continuidade da avenida e do parque. O espaço verde,
inicialmente, seria denominado Parque do Castelo devido ao córrego de mesmo
nome. Na planta do Sistema Viário Básico constante do Plano Diretor de 1996, a
Nações Norte já aparece com desenho próximo ao atual, incluindo-se o novo parque.
Sendo que a partir de então todos os parcelamentos aprovados ao seu redor pela
Prefeitura tiveram suas áreas verdes inscritas dentro do parque, no sentido de ampliar
sua dimensão.
Assim como o trecho da Nações construído a partir da Avenida Rodrigues
Alves na década de 1970, para obras também será necessário remover uma favela
próxima à baixada do Silvino, no início de seu percurso, chamada "Maria Célia",
constituída por 34 barracos, cujas famílias foram inscritas no Minha Casa Minha
Vida399. A mesma favela havia sido transferida anteriormente por estar situada em
área de risco, contudo voltou, em parte devido a seus moradores não se acostumarem
a mudanças para regiões distantes400.
Por ter sido viabilizada a partir de recursos do Estado, com licitação elaborada
pelo Departamento Estadual de Estradas de Rodagem (DER), a avenida possui
parâmetros rodoviários e realmente se assemelha a uma autoestrada, com direito a
guard rail, defensas e barreiras de proteção em concreto. A ausência de intersecções
e a presença de retornos e acessos controlados fazem dela uma “rodovia urbana”.
Tais dispositivos incentivam a alta velocidade dos veículos.
Possui trechos com aterros altos e outros com cortes profundos junto às suas
marginais, o que poderá significar difícil ligação com as margens imediatas. É o trecho
onde a avenida mais fortemente segrega dois setores urbanos, possuindo
transponibilidade difícil devido à largura, desníveis com o entorno e o número de faixas
de rolamento.
Em função de ser considerada via expressa, seus acessos são hierarquizados
e estão assim localizados: "através de ruas lindeiras em 06 pontos da via expressa à

399Jornal da Cidade. 21 jan. 2010.


400 FORTEZZA, L. L. Favelas de Bauru serão mapeadas. JCNET.com.br, 2008. Disponível em:
<https://www.jcnet.com.br/noticias/bairros/2008/02/617645-favelas-de-bauru-serao-mapeadas.html>.
BAURU EM TEMAS URBANOS 293

marginal, 05 pontos da marginal à via expressa, 08 retornos e 12 pontos de bairros à


marginal"401. Ou seja, há verdadeiro isolamento das pistas centrais em favor da alta
velocidade e do trânsito de veículos, tornando a via um “corte” na zona.
Mesmo assim, a construção da avenida foi conquista para a região e
significará passo importante para ocupação de todo o setor norte da cidade, mas sua
característica de via expressa, dura e inóspita, de alguma forma terá que ser,
necessariamente, amenizada no futuro. Ponto positivo de seu projeto e obra é o fato
de ser a segunda via, após a Avenida Luiz Edmundo Coube, a contar com ciclovias
totalmente segregadas do tráfego de veículos, que contrastam com os estreitos
passeios para pedestres.
Espaço que pode vir a amenizar a condição "rodoviária" da Nações Norte, é
a extensa área que deverá abrigar parque público de 246 mil metros quadrados,
muitas vezes maior que o Vitória Régia, e que deverá levar o nome de Jurandyr Bueno
Filho, no lugar de Parque do Castelo como havia sido proposto de início.
A topografia variada e irregular do espaço reservado poderá receber projeto
paisagístico que usufrua dessas qualidades naturais, raras na cidade. É local de
grande potencial paisagístico esperando um bom projeto. A área, cerca de seis vezes
e meia menor que o Parque do Ibirapuera, tem sua cota topográfica situada a mais de
cinquenta metros acima do centro de Bauru, dispõe de belíssima vista para a cidade
e guarda condições para receber grande lago a partir do represamento do Córrego
Água do Castelo onde a cidade possa se ver refletida; corpo d’água que, em nosso
entendimento, sempre faltou à paisagem da cidade.

401
Prefeito recebe Governador para inauguração da Avenida Nações Norte. Prefeitura Municipal de
Bauru, 2019. Disponível em: <http://www2.bauru.sp.gov.br/Materia.aspx?n=4709>.
294

Figura 77: Avenida Nações Norte e seu aspecto rodoviário. À esquerda da imagem o espaço
destinado ao novo Parque Municipal

Fonte: Acervo pessoal do autor (2020).

Será também área de lazer importante para Bauru como um todo, mas em
especial para uma zona carente, formada por diversos loteamentos populares, todos
baseados na lógica especulativa da desconexão física e da imersão em amplos vazios
urbanos. É também setor de possível e desejável adensamento para uso de moradias
populares e de classe média.
A Nações Norte, somada à Avenida Moussa Nakhl Tobias, anteriormente
denominada Avenida Jânio da Silva Quadros, que se liga ao trevo da Bauru-Iacanga
(SP-321) a partir da rotatória/praça Ricardo Jazon Nogueira, representam eixos
importantes para esse setor da cidade que, de todos os quadrantes, sempre
apresentou quantidade elevada de vazios urbanos, resultando no índice populacional
rarefeito. O Distrito Industrial III, na rodovia Bauru-Marília (SP-294), ao final da Nações
Norte, consiste em mais um eixo indutor para o crescimento da zona. Reforça a
necessidade de adensamento o fato de a região norte da cidade estar na direção onde
BAURU EM TEMAS URBANOS 295

o Município é mais extenso, não obstante sua topografia mais acidentada e solo
sujeito a erosões.
296
BAURU EM TEMAS URBANOS 297





Sobre esse espaço urbano, situado junto à marginal da Avenida Nações


Unidas, nas proximidades do trevo da Marechal Rondon (SP-300), podemos narrar de
forma direta, pois tivemos a honra de elaborar seu projeto arquitetônico quando
funcionário da Secretaria de Planejamento da Prefeitura Municipal.
A praça foi inaugurada festivamente em 1988 e sua obra decorreu de
solicitação do prefeito Tuga Angerami. O processo começou quando o prefeito nos
mostrou, em seu gabinete, uma pequena escultura em bronze que estava sobre sua
mesa, de autoria do artista e professor da UNESP José dos Santos Laranjeira. Era a
representação de uma pomba, figura "universal que representa a paz", entretanto,
com a asa esquerda quebrada, que na concepção do escultor significa "o ideário
socialista na América Latina e no Brasil", fazendo "alusão a tortura e o
desaparecimento daqueles que lutaram por uma sociedade mais justa"402.
O desejo do prefeito, que havia se encantado pela peça, era que a escultura,
em escala muito maior, estivesse em praça pública para que todos pudessem apreciá-
la. O local já estava definido, era uma quadra descampada onde se instalavam circos
e outras atrações transitórias junto à marginal das Nações nas proximidades do trevo
da rodovia Marechal Rondon, área nobre da cidade, muito valorizada com a
construção da Avenida Nações Unidas. Sua proximidade com o trevo da SP-300 fazia
o espaço ser preâmbulo importante para a entrada da cidade.
Havia, também, um esboço bem simples para o local. Tratavam-se de
caminhos em forma de "X" com a pomba ao centro. Era algo muito elementar e nem

402
Entrevista com o professor Laranjeira sobre duas de suas esculturas, a Pomba da Paz e o Leão da
Nações elaborado para o Lions Club. [Bauru 119] A pomba da Paz e o leão das Nações. Repórter
Unesp, 2015. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=L33lzaNoofU>.
298

o prefeito, psicólogo, havia gostado. Como os trabalhos na Secretaria de


Planejamento eram divididos entre os engenheiros e arquitetos, Tuga nos encarregou,
juntamente com o colaborador arquiteto Hedivaldo Canho, para a concepção do novo
projeto.
A responsabilidade para um jovem arquiteto era grande, devido ao local nobre
e próximo do Vitória Regia, o maior parque da cidade e já considerado símbolo para
a cidade. Conforme indicação expressa do prefeito, ela deveria ser espaço que
pudesse receber solenemente autoridades que visitassem Bauru. Dessa forma, a
princípio, três elementos norteadores já deveriam ser considerados: o local, a
escultura e a necessidade de um espaço formal.
A quadra era de desenho regular, de 88x88 metros, como tantas outras na
cidade, circundada pelas vias Nicolau de Assis, Marginal da Nações Unidas, Alípio
dos Santos e Júlio de Mesquita Filho. Entre a rua que passa em sua cota superior, a
Nicolau de Assis e a Marginal das Nações há desnível de mais ou menos três metros.
Esse foi outro ponto relevante para a concepção do projeto que deveria ser de "duas
praças em uma". Para estacionamento foram criadas baías recuadas nas duas vias
menos importantes: Alípio dos Santos e Júlio de Mesquita Filho.
Como achávamos que deixar toda área para eventos cívicos, que pressupõe
visualização plena do espaço e pisos livres, seria excessivo em uma cidade tão
quente, a ideia foi criar uma praça cívica na extensão da Marginal e outra de uso local
e mais "intimista" junto à Nicolau de Assis. Uma imponente e formal para a cidade e
outra vegetada para uso da vizinhança.
A partir daí o projeto, elaborado em setembro de 1988, previu o aterro da parte
superior criando-se um muro de arrimo ao centro, que seria o pano de fundo para a
escultura. Tal ideia foi "emprestada" da Piazza Del Campidoglio, de Roma, projeto do
século XVI do genial Michelangelo. Nela, o arquiteto posiciona a estátua equestre de
Marco Aurélio ao centro da praça, tendo como fundo a grande parede e escadaria de
pedra pertencente ao Palácio Senatório.
Em nosso caso não houvesse o muro de arrimo ao fundo, por maior que fosse
a escultura do mestre Laranjeira ela se perderia completamente no espaço. Com ele,
sua escala ficaria contida dando o desejado aspecto monumental, lição aprendida
através da obra de Michelangelo.
A partir da definição do muro de arrimo, que seria curvo, estabeleceu-se
passagem em rampa na posição de mais ou menos um terço do espaço para unir os
BAURU EM TEMAS URBANOS 299

dois níveis na extremidade direita vista frontalmente. Ainda à direita, na praça inferior,
seria implantado renque com trinta e cinco palmeiras imperiais criando-se um volume
com a vegetação, outra ideia "emprestada", essa de Lucio Costa, que criou conjunto
de palmeiras similar ao lado do Congresso Nacional em Brasília.

Figura 78: Praça da Paz, a pomba sobre o espelho d’água e seus canteiros geométricos

Fonte: Acervo pessoal do autor (início da década de 1990).

Tais exemplos de "empréstimos" de ideias, porém, utilizados de outra forma


e circunstâncias nos mostram como é importante o estudo e o conhecimento da
história da arquitetura e do urbanismo, que podem sempre nos inspirar a partir de
obras e exemplares dos grandes mestres.
A pomba ficaria num pedestal em concreto no ângulo de 45 graus, dentro de
extenso espelho d'água para que pudesse ser refletida e mantida à distância do toque.
Ainda sobre o mesmo, acessado por patamar, haveria uma plataforma em concreto,
ou palanque, em balanço sobre as águas, onde estariam três mastros de bandeiras a
serem hasteadas nos eventos solenes. Ao fundo desse conjunto, seria disposto
espelho d’agua e pequena cascata que sairia de um mirante ou tribuna, com acesso
pela praça "de cima".
300

Figura 79: Praça da Paz vista da Marginal da Avenida Nações Unidas, vendo-se a escultura
da pomba e o palanque com os mastros das bandeiras, atualmente não mais existentes

Fonte: Acervo pessoal do autor (início da década de 1990).

No nível superior o espaço deveria receber vegetação variada e de porte a


partir de canteiros altos e de desenho regular para garantir sombreamento. Visava-se
estabelecer aí local de permanência e um play ground em tanque de areia e, ao
mesmo tempo, ser contraste com a praça inferior, excessivamente ensolarada e bem
mais árida.
Toda obra, relativamente simples, foi executada pelo pessoal da prefeitura,
assim como os cálculos das estruturas de concreto e do muro de arrimo, levadas a
cabo pela Secretaria de Obras. A escolha da vegetação foi definida pelos engenheiros
agrônomos da Secretaria do Meio Ambiente.
A pomba, de mais de cinco metros de altura e seis de largura, foi executada
nas oficinas da UNESP, dentro da escala e modelo daquela oferecida ao prefeito.
Todo trabalho foi supervisionado pelo professor Laranjeira. Sua grande estrutura
interna é metálica recoberta por folhas de cobre, daí seu tom dourado, que se ilumina
com o lindo pôr-do-sol de Bauru.
Logo depois de inaugurada, em 29 de dezembro de 1988, a praça tornou-se
um grande sucesso, talvez devido aos poucos locais atrativos similares na cidade,
sendo que a ênfase de uso se dava no horário noturno. O piso da praça frontal, liso e
BAURU EM TEMAS URBANOS 301

plano, possibilitava a brincadeira das crianças de forma livre, o trânsito dos carrinhos
de bebê, assim como o uso pelos skatistas. Como à época não havia outra área para
os praticantes do skate, a prática de looping's no muro curvo se tornava conflituoso
com os demais usuários e bancos em concreto acabaram sendo dispostos em sua
base.
Aos poucos, o espaço frontal tornou-se espécie de praça de alimentação
aberta e pública com os trailer's estacionados ao seu redor, vendendo churros,
cachorros quentes, hamburgueres, espetinhos, etc., dispondo mesas para seus
fregueses. Entretanto, com o tempo e até nossos dias, tais veículos se tornaram
imóveis e permanentes, cercando todo espaço e não apenas as áreas das baías,
causando grande prejuízo estético. O espaço carece de urgente regulação de uso
como forma de manter livre, ao menos, a vista da praça, a partir da marginal da
Avenida Nações Unidas.
As palmeiras imperiais nunca chegaram à dimensão pretendida sendo que
muitas morreram, resultando em falhas no volume planejado inicialmente. Os mastros
metálicos das bandeiras rapidamente desapareceram. O espelho d'água, que possuía
revestimento em cerâmica bege, foi pintado de azul piscina, a cascata deixou de
funcionar e perdeu a iluminação subaquática, o muro de arrimo foi parcialmente
pintado e a vegetação encontra-se mal cuidada.
A rigor, nada muito diferente do descaso que ocorre nos demais espaços
públicos da cidade.
302
BAURU EM TEMAS URBANOS 303





A moradia do trabalhador passa ser tema frequente especialmente nos países


europeus a partir dos meados do século XIX, em função do crescimento das cidades,
provocado pela revolução industrial. Algumas propostas iniciais para o abrigo do
operário eram de cunho coletivista como as de Robert Owen (1771-1859) ou de
Charles Fourier (1772-1837), entre outros403. A iniciativa privada também atuará no
sentido da criação de bairros extensivos e massificados para os trabalhadores em
Londres, a partir da regulamentação inglesa de 1875404. Durante o século XX, a
moradia do operário foi mote de inúmeros projetos dos arquitetos modernistas, sendo
as propostas urbanísticas e arquitetônicas de Le Corbusier, muito influentes no Brasil.
O tema, também se tornou matéria de, ao menos, dois encontros do CIAM, o de 1929
e o de 1930.
No país, de início, temos as vilas operárias, construídas pela iniciativa privada
nas proximidades das indústrias, particularmente têxteis. As companhias ferroviárias
também erguerão centenas de vilas. Devido às características específicas do serviço,
a estrada de ferro terá que contar com vilas para seus funcionários junto às estações
e no transcurso das linhas. Isso permitia a presença constante e a qualquer horário,
do trabalhador para a manutenção e socorro a eventuais acidentes nos trechos não
urbanos.
No interior do Estado quase toda cidade que recebeu uma estação contava
com vila ferroviária. Em Bauru, são diversas as vilas estabelecidas desde a chegada
da Sorocabana na cidade em 1905, muitas sob forma de “casas de turma”. A NOB
construiu uma primeira vila denominada “Vila Machado” ao lado da estação, no ano

403 BENEVOLO, L. História da cidade. São Paulo: Editora Perspectiva,1983, p.567-570.


404 Idem, p.577.
304

de 1905, nome que homenageia o engenheiro proprietário da Construtora Machado


de Mello. Inicialmente dispunha de pequenas casas geminadas para funcionários de
menor posição funcional, nas décadas seguintes foram erguidas, ao lado, seis
residências de porte destinadas aos Chefes de Divisão, Mestre de Linha e uma maior
ao Diretor da NOB405, em interessante mescla hierárquica.
A Paulista também erguerá pequenas casas de alvenaria e outras de madeira,
alinhadas à sua sede da Rua Agenor Meira, bem como a morada do chefe da estação,
na Rua Rio Branco, no ano de 1910. A posterior será viabilizada a Vila Ferroviária
junto à estação de Triagem, à leste da cidade, com mais de 70 casas.
A NOB criará a Vila Presidente Dutra (Curuça), em 1940, com 130 residências
para seus funcionários. Ainda nesse período a Caixa de Aposentadoria da NOB
financiará a construção de dezenas de bangalôs de padrão médio nos altos da cidade,
próximos à antiga Santa Casa406, denominada Vila Santa Isabel. A Caixa ainda criará
outros grupos esparsos de residências aos funcionários da companhia em diversos
setores da cidade, entre os quais a Vila Bela. Interessante observar que as Caixas de
Aposentadorias e Pensões são criadas a partir da Lei Eloy Chaves, de 1923, Decreto
nº. 4.682, voltadas exclusivamente para a categoria dos ferroviários. Para alguns
estudiosos será a gênese da Lei de Previdência brasileira que abrangerá todos os
trabalhadores. A lei exigia a constituição pelas companhias ferroviárias da Caixa em
favor de seus empregados, para o recolhimento da contribuição patronal e dos
funcionários, destinados ao pagamento dos benefícios futuros407.
A partir dos meados dos anos 1940 as Caixas estenderam suas atuações nas
áreas de saúde, alimentação e moradia, quando na cidade são executadas diversas
obras civis para os funcionários da NOB.
Os Institutos de Aposentadorias e Pensões (IAP's), atuaram no país nas
décadas de 1940 e 1950 erguendo importantes conjuntos habitacionais408, chegaram
a produzir obras de alta qualidade arquitetônica nas grandes cidades, como o

405 Conforme Planta da Esplanada de Bauru da EFNOB, datada de 21 de setembro de 1934.


406 Sobre o assunto ver: BIERNATH, K. G. Vilas Ferroviárias a essência de uma cidade. Trabalho
Final de Graduação do Curso de Arquitetura e Urbanismo da FAAC-UNESP, 2010.
407 BRASIL. Decreto nº. 4.682, de 24 de Janeiro de 1923. Crea, em cada uma das emprezas de estradas

de ferro existentes no paiz, uma caixa de aposentadoria e pensões para os respectivos ernpregados.
Diário Oficial da União. Seção 1, 13 abr. 1923, p. 10859. Disponível em:
<https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1920-1929/decreto-4682-24-janeiro-1923-538815-
publicacaooriginal-90368-pl.html>.
408 BONDUKI, N. G. Origens da habitação social no Brasil. Arquitetura moderna, Lei do Inquilinato e

difusão da casa própria. São Paulo: Estação Liberdade, FAPESP, 1998.


BAURU EM TEMAS URBANOS 305

Conjunto Pedregulho, projeto do arquiteto Affonso Eduardo Reidy, datado de 1956,


no Rio de Janeiro e o Conjunto Japurá, de 1955, projetado por Eduardo Kneese de
Mello, em São Paulo, entre outros. Tais inovações não parecem ter ocorrido nas
cidades menores. Em Bauru, as construções foram unifamiliares, convencionais e
direcionadas apenas a categoria ferroviária.
Contudo, a ampliação de funções dos IAP’S,

não foi acompanhada da necessária reformulação da sua gestão


financeira, o que acarretou sérios problemas posteriormente. A falta
de um planejamento central foi também responsável por graves
disparidades na qualidade do atendimento oferecido às diversas
categorias profissionais409.

No ano de 1966, os Institutos de Aposentadorias e Pensões desaparecem,


sendo unificadas no Instituto Nacional de Previdência Social (INPS).
Nas cidades médias, e particularmente em Bauru, a moradia popular
construída e financiada pelo Estado de maneira abrangente e não por categoria
profissional, só começará a se viabilizar em escala com a formação da COHAB.
A COHAB Bauru foi criada por iniciativa do Prefeito Nuno de Assis, pela Lei
nº. 1.222 de 1º de Abril de 1966, sob forma de sociedade de economia mista, como
agente financeiro e promotor do Banco Nacional de Habitação (BNH) 410. De seu início
e até nossos dias a empresa produziu 17.720 moradias nos núcleos habitacionais da
cidade411.
O primeiro dos Conjuntos Habitacionais412 Populares foi o Jardim Redentor I,
de 1968, construído ao lado do Distrito Industrial I, viabilizado pelo acesso da Avenida
Rodrigues Alves413. O interessante projeto urbano é formado por grupos de quatro
pequenas quadras retangulares centralizadas por praças de vizinhança, formando um
sistema próprio de áreas verdes. Sua proposta, peculiar, nunca mais seria igualada
em termos de originalidade e ambiência pelos outros que viriam a posterior.
O bairro, construído por 650 trabalhadores, ocupa área de 130 mil metros
quadrados em sua primeira fase. Conta com 500 residências, entregues com água

409 Institutos de Aposentadoria E Pensões. FGV CPDOC, 2020. Disponível em:


<https://cpdoc.fgv.br/producao/dossies/AEraVargas1/anos30-37/PoliticaSocial/IAP>.
410 Banco extinto no ano de 1986.
411 COHAB BAURU, 2020. Disponível em: <http://www.cohabbauru.com.br/>.
412 Conforme o Plano Diretor de 1996, o primeiro Núcleo Habitacional foi o Jardim Santana, em 1966,

contudo, suas características são voltadas para a classe média, p.43.


413 Ver Capítulo 7: Avenida Rodrigues Alves.
306

encanada e esgoto, instalados pelo Departamento de Água e Esgoto de Bauru (DAE)


e energia elétrica pela Companhia Paulista de Força e Luz414. Foi inaugurado com 900
árvores, metade delas frutíferas, plantadas nos quintais das casas 415. Prometia-se
ainda que após a conclusão deveria ser construído centro de compras, grupo escolar,
parque infantil e centro social comunitário416, erguidos somente anos depois. Houve
empenho para se mostrar qualidade nessa primeira obra da COHAB, devido às
possibilidades de serem feitas construções de núcleos similares em outras localidades
do interior de São Paulo. O Redentor acabou por ser “cartão de visitas” para a
empresa. Cidades como Marília, Dracena, Rio Pardo, Reginópolis se interessaram
pelo projeto e mandavam seus representantes para visitarem o conjunto 417. Foi o
ponto inicial para série de núcleos construídos pela COHAB fora de Bauru, chegando
a nossos dias com um número de 174 núcleos habitacionais em 84 outros
municípios418.
Em 1973 há extensão do bairro com o lançamento do Jardim Redentor II, que
ainda guarda algumas características do primeiro. Em 1980 é inaugurado o Jardim
Redentor III, também ao lado, com desenho e proposta mais simplificada ainda.
Nas décadas de 1970, 1980 e início de1990, por volta de 40 núcleos
habitacionais de interesse social e conjuntos populares são construídos,
majoritariamente, pela Companhia de Habitacional de Bauru (COHAB) 419 e
financiados pelo Sistema Financeiro da Habitação (SFH). O Instituto de Orientação as
Cooperativas Habitacionais (INOCOOP) e o FICAM também possuem alguma
participação nesse processo, porém, bem menos expressiva que a COHAB420.

Para a execução dos programas do setor público nos estados e


municípios, se instituiu – com a criação do BNH (Lei Federal nº 4.830,
de 21 de agosto de 1964) – uma rede de agências responsáveis pela
operacionalização da política, as Companhias Habitacionais (Cohabs
ou assemelhadas). Com recursos abundantes do FGTS, as Cohabs
financiavam até 100% do valor da moradia ao mutuário. As Cohabs
desempenhavam o papel de agentes financeiros e promotores,
estabelecendo-se na qualidade de sociedades de economia mista,

414 Jornal Correio da Noroeste. 13 fev. 1968.


415 Jornal Correio da Noroeste. 10 jan. 1968.
416 Jornal da Cidade.19 ago. 1967.
417 Idem.
418 COHAB BAURU, 2020. Disponível em: <http://www.cohabbauru.com.br/>.
419 Plano Diretor de Bauru de 1996, p.43.
420 O Plano Diretor de 1996 aponta que INOCOOP e FICAM contabilizam apenas 20% do total. p. 34.
BAURU EM TEMAS URBANOS 307

com capital procedente majoritariamente, por recursos do poder


público421.

Ocorre que a implantação de grande parte dos conjuntos deu-se de forma


semelhante aos parcelamentos da iniciativa privada, em áreas distantes e desconexas
da cidade. Tais empreendimentos serviram de justificativa para que os limites urbanos
fossem estendidos de forma aleatória e no seu reboque a possibilidade da localização
cada vez mais remota dos parcelamentos privados.
Uma das diferenças entre os dois procedimentos, o privado e o público, era
que no primeiro caso os loteamentos eram estabelecidos sem as construções e o
processo de ocupação era demorado levando, por vezes, anos, o que tornava as
demandas dos seus futuros moradores prorrogáveis e bastante pontuais. Os núcleos
habitacionais, diferentemente, eram entregues com as residências, resultando no
assentamento de milhares de pessoas, de uma hora para outra, em zona urbana sem
condições adequadas para recebê-las. As reivindicações de seus habitantes, frente à
carência geral de diversos melhoramentos, chegariam com a mesma rapidez ao poder
público.
Entretanto, como os conjuntos habitacionais eram de interesse político dos
governantes municipais instalavam-se onde fosse, sob a égide e pleno aceite do poder
público. Os núcleos significavam ganho eleitoral para o prefeito da ocasião e seu
grupo que poderia vir a contar com os votos dos beneficiados e, sobretudo, atuar no
sentido de controlar as recém criadas associações de bairro através de seu círculo
político.
Os núcleos necessitarão da implantação de todo um sistema de
equipamentos comunitários e espaços livres de uso público, deixado para mais
adiante, para o próximo administrador que teria que atender as inevitáveis demandas.
A partir do final da década de 1960 e seguintes, é possível verificar nos jornais locais
as muitas solicitações vindas dos moradores dos conjuntos habitacionais que
tentavam pressionar o poder público através da imprensa. Creches, escolas
estaduais, água de forma permanente, pavimentação e postos policiais eram
reivindicações constantes. Embora quase todos contassem de imediato com

421CARMO, E. C. do. A Política Habitacional no Brasil pós Plano Real (1995-2002) - Diretrizes,
Princípios, Produção e Financiamento: uma análise centrada na Caixa Econômica Federal. Tese
(Doutorado em Concentração e Economia Social do Trabalho) – UNICAMP. Campinas (SP), 2006, p.
30-31.
308

infraestrutura básica como água, esgoto e energia elétrica, os serviços eram


habitualmente precários. As vias eram cobertas de fina camada de asfalto de má
qualidade e os acessos imediatos entre a rodovia e o conjunto eram deixados para
serem resolvidos a posterior, reforçando o isolamento em relação ao restante da
cidade.
Dos aspectos que mais chama atenção na implantação dos conjuntos é a
aparente aleatoriedade física dentro da área urbana. Tal arbitrariedade parece não ter
ocorrido com o primeiro conjunto habitacional popular de Bauru, o Jardim Redentor,
implantado ao lado do Distrito Industrial I. Mesmo distante, parecia haver razão clara
e razoável para sua localização: a proximidade com o trabalho oferecido pelas
indústrias. Nos demais tal lógica aparentemente deixou de existir.
Não parece ter havido um plano para implantações sistemáticas dos núcleos
seguintes, resultando nas inserções mais díspares, em direção a todos os quadrantes
da cidade, com exceção do sul. É possível intuir apenas dois motivos “técnicos” de
escolha: a dimensão das glebas disponíveis e o acesso via rodovia.
Resta o total desconhecimento da lógica que selecionava cada uma das
áreas, sendo a que parece mais relevante aquela dos preços das glebas rurais,
transformadas em zonas urbanas posteriormente. A falta de metodologia e
direcionamento urbanístico claro podem ter conduzido à definições unicamente
norteadas ao negócio imobiliário, permitindo especulações sobre os critérios de
preferência e a probidade e lisura nas escolhas por cada uma delas.
Deve-se deixar claro que a ausência de plano para implantação dos núcleos
era tanto por parte da Prefeitura como da COHAB, que embora fosse sociedade de
economia mista ligada à municipalidade, sempre pareceu ter vida própria e
independente, além de muito poder político.
Em 2020, após grave e escandalosa denúncia de corrupção na COHAB,
descoberta pelo Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado, o
GAECO, do Ministério Público Estadual, diante de dividas milionárias junto ao FGTS,
a Caixa Econômica e Construtoras, e passados mais de 19 anos da construção de
seu último núcleo, a Vila Tecnológica em Bauru, no ano de 2001, a COHAB tende a
ser fechada422.

422Extinção da Cohab após investigação que apreendeu R$ 1,6 milhão será feita em 4 etapas. G1
Globo, 2019. Disponível em: <https://g1.globo.com/sp/bauru-marilia/noticia/2019/12/23/extincao-da-
cohab-apos-investigacao-que-apreendeu-r-16-milhao-sera-feita-em-4-etapas.ghtml>.
BAURU EM TEMAS URBANOS 309

O crescimento da população urbana é bastante expressivo a partir da década


de 1940 até o final dos anos 1960. Nos anos 1940 a cidade contava com 33.891
habitantes, nos anos 1950 foi para 52.557, no início da década de 1960 dá um salto
para 85.881 e em 1967, chega a 115.000 habitantes423.
A década de 1960 traz com ela o êxodo rural. A cidade como pólo regional
atraiu grande número de pessoas devido à maior oferta de emprego, gerando
demandas expressivas de moradia, especialmente junto aos bairros de periferia. A
multiplicação dos conjuntos tem relação direta com a expansão da população citadina,
que continua crescente após os anos 1970, atingindo na década de 1990, 90,64% de
moradores na área urbana424 e deve-se considerar também, o avanço migratório do
período.
Na década de 1960 foram quatro os conjuntos habitacionais construídos em
Bauru; nos anos 1970 foram nove; a década de 1980, a mais prodiga em realizações,
conta 22 lançamentos; na década de 1990 foram 12 os conjuntos425.
Ao mesmo tempo em que o carro conduzia a classe média, que fazia opção
pelo novo modal, restava aos mais pobres serem conduzidos pelo ônibus circular ou
caminhar a pé. Aos poucos as linhas circulares avançam com seus serviços precários
em distâncias cada vez maiores, passando praticamente a ser a única forma de
acesso aos bairros longínquos. Os circulares tornavam-se argumento "técnico" que
justificaria e motivaria maior expansão urbana, afinal sempre seria possível estender
uma linha pouco mais adiante, ou criarem-se novas linhas para outros destinos.
A falsa premissa de "mobilidade" ajudou a dar embasamento para que
praticamente todos os quadrantes da cidade, sem se importar com a distância,
contassem com grandes conjuntos habitacionais. A única exceção ficou por conta da
zona sul, devido ao alto custo da terra nessa direção.
Nos primeiros conjuntos pouca infraestrutura era oferecida sendo que a
população tinha que consegui-la através de pressões junto à Prefeitura e à Câmara
Municipal, resultando na divisão dos custos com toda comunidade. Naqueles
empreendimentos dos anos 1980 e 1990, equipamentos urbanos básicos serão

423 Plano Diretor de Bauru, Prefeitura Municipal, CEPEU/USP, 1967, p. II.16.


424 Plano Diretor de Bauru de 1996, p. 15.
425 ALVES, S. A. Habitação social na cidade de Bauru, In: FONTES, S. G. C.; GHIRARDELLO, N.

Olhares sobre Bauru. Bauru: Canal 6, 2008.


310

estabelecidos, mesmo que ainda de forma precária, além de alguns equipamentos


urbanos e comunitários.
Nos anos 1950 a cidade já de muito havia cruzado as fronteiras do Patrimônio
inicial, contudo, outras barreiras são estabelecidas ou reforçadas, especialmente as
constituídas pelas rodovias que aos poucos são asfaltadas e passam a comportar
tráfego de alta velocidade, se consistindo em importante problema para transposição.
O processo de ocupação do território, no final do século XX, se acelera a partir
da perda da vitalidade do centro urbano e de seu abandono como área para moradia.
Novas ramificações da cidade são estendidas para as classes altas, através dos
condomínios de prédios e residenciais fechados, ao sul. Para os mais pobres, o
processo se dá através dos parcelamentos privados muito distantes, via conjuntos
habitacionais e, atualmente, através de grupos de prédios em condomínio, em todos
os demais quadrantes urbanos. O que iguala as situações é o fato de estarem sempre
nas franjas da cidade, entre vazios urbanos. Os moradores dos residenciais fechados
ou loteamentos com controle de acesso resolvem a circulação exclusivamente a partir
dos veículos privados, aqueles dos núcleos habitacionais, por meio do transporte
coletivo e, atualmente, cada vez mais, também de forma particular.
Se a princípio as ruas representavam áreas de fixação da população, a partir
da década de 1970-1980, tornam-se meios de se chegar a um ponto, seja residencial,
seja conjunto habitacional. As vias para comportarem o intenso tráfego tornam-se
avenidas, as avenidas são substituídas pelas rodovias ao redor de toda cidade.
A Rodovia Marechal Rondon (SP 300) será das primeiras a se tornar
"obstáculo" para as ocupações além de seus limites, parcialmente resolvido com sua
duplicação e rebaixamento em alguns segmentos na década de 1990. Contudo, outras
cumprirão o mesmo papel como a Bauru-Ipaussu (SP-225), a Bauru-Marília (SP-224)
e a Bauru-Iacanga (SP-321). Tais rodovias representarão marcos e fronteiras
significativas após as ferrovias terem sido vencidas décadas atrás.
Para muitos arquitetos e urbanistas, tais elementos são salutares no sentido
de darem um limite ao "estiramento" da mancha urbana, para outros, no entanto, e
também para a especulação imobiliária, tais linhas deveriam ser continuamente e
indefinidamente superadas.
O acesso à boa parte dos grandes conjuntos habitacionais cruza tais barreiras
rodoviárias. Alguns ainda pior, devido à inacessibilidade, se valem exclusivamente
delas para ingresso. A rodovia exceção nesse processo é a Bauru-Ipaussu (SP-225),
BAURU EM TEMAS URBANOS 311

no trecho entre a Rondon e a divisa com Piratininga em área nobre da zona sul onde
estão sendo implantados loteamentos com controle de acesso de alto padrão, como
apontado anteriormente.
Paulatinamente as rodovias que circundam a cidade têm recebido marginais
para redução do uso das estradas pelo trânsito citadino. Fato positivo é que o
transporte de carga vindo pelas autoestradas pode se valer de tais vias para não entrar
na cidade. Tal melhoria já ocorreu junto a Bauru-Iacanga (SP-321) durante a
duplicação para acesso ao novo Aeroporto Bauru-Arealva, tornando mais seguro o
trânsito de moradores de diversos bairros populares da zona, como Colina Verde,
Pagani, Pousada da Esperança e Vila São Paulo.
A partir de 2017, inicia-se pela atual Concessionária ViaRondon a criação de
marginais junto à Marechal Rondon no perímetro urbano de Bauru. A obra foi encetada
em virtude da rodovia ter se tornado extensão das avenidas locais, levando
insegurança para o tráfego no anel viário de Bauru, resultando em muitos acidentes e
engavetamentos. Uma sequência de dispositivos está sendo criado, como rotatórias
e fechamentos de acessos os quais poderão mudar o entorno e trazer novos usos
para tais setores rapidamente. Com grande certeza, as vias marginais rapidamente
contarão com novos negócios e usos relativos a esse tipo de perímetro urbano como
aqueles voltados à galpões logísticos que alterarão a dinâmica dos bairros por onde
tais vias passarão.
Como as residências dos Núcleos Habitacionais eram reservadas às famílias
com renda a partir de cinco salários mínimos, ficavam de fora todas aquelas que não
chegavam a esse patamar. Dessa forma tentou-se a experiência de mutirões
habitacionais, com gerenciamento da COHAB. Para sua viabilização as terras não
eram compradas de particulares, mas doadas pela Prefeitura, sendo parte delas áreas
verdes de outros empreendimentos. Citam-se o Severina Sbeghen (1981), 9 de Julho
(1982), Luiz Edmundo Coube (1983), Darcy Cesar Improta (1984), Primavera (1988),
e Leão XII (1991). Os mutirões eram destinados a moradores com baixíssima renda.
As unidades eram produzidas a menor custo devido à terra ser ofertada pela
municipalidade e a mão de obra pertencer aos seus futuros ocupantes. Estes
edificavam todas as casas igualitariamente, que depois seriam sorteadas entre os
mesmos. Algumas favelas, principalmente aquelas situadas em zonas de risco, foram
extintas a partir dos mutirões. Talvez, o maior problema dos mutirões habitacionais na
cidade tenha sido a ocupação de algumas áreas verdes, retiradas do domínio público,
312

ou desafetadas, em seu termo técnico, e entregues à COHAB para os


empreendimentos. A situação privou as comunidades lindeiras desses espaços, que
poderiam receber uso comum, contudo, beneficiou uma população extremamente
carente.
Em termos projetuais, os Conjuntos Habitacionais sempre foram propostas
banais estabelecidas a partir da definição dos lotes em sua maioria de 10x20 metros
e das quadras por eles formados, entremeados por ruas e travessas. Ou seja, dois
lotes definiam uma quadra que teria 40 metros de profundidade por quantos fossem
os lotes na largura, gerando quarteirões extensos e estreitos que chegam a quase 300
metros. Outro fato característico é que as travessas, além de distantes entre si,
contém apenas as laterais dos terrenos, nunca suas frentes, tendo como efeito
extensas vias amuralhadas e sem vida. Longe de serem projetos urbanísticos, eram
processos contábeis tridimensionalizados, de trivialidade triste e vergonhosa, aceitas
devido à perspectiva limitada sobre o que poderia vir a ser um bom projeto de
habitação social e a carência de moradia social a preço razoável.
A quadra dos conjuntos habitacionais foge do xadrez típico da cidade, com
dimensão de 88x88 metros. Tal fato não é recente, pois no processo histórico de
ocupação de Bauru alguns loteamentos privados utilizaram formas e dimensões
diversas de quarteirões, no sentido de adaptá-los ao terreno, ou criar-se algum tipo
de diferenciação formal. O exemplo mais evidente é o Parque Vista Alegre, que
buscou desenho com vias e quadras curvilíneas ajustadas ao sítio. Podem ser citados
outros também, como o Jardim Santa Edwirges e o Jardim Shangri-lá.
Entretanto, as extensas quadras dos núcleos, devido serem predeterminadas
a partir de certo número de lotes, têm como inconveniente não assentarem-se
adequadamente a relevos mais pronunciados, necessitando que cada lote possua
cota específica, no sentido de acomodar-se à topografia. As casas, boa parte das
vezes, são estabelecidas em "degraus", a partir de cortes e aterros, resultando em
custos maiores para cada uma das unidades. As bordas de baixada nos núcleos são
os locais correntes de erosões, aceleradas pelas fortes chuvas e a má qualidade do
asfalto.
Devido ao afastamento da zona urbana, e as características da cidade como
centro energético do Estado, repetidamente torres de alta tensão rasgam tais
conjuntos habitacionais, ocasionando imensos vazios descampados sem
possibilidade de uso, centralizados por avenidas sempre mal conservadas.
BAURU EM TEMAS URBANOS 313

As pequenas moradas são inicialmente todas uniformes, redundando em


espaços urbanos sem peculiaridade ou qualquer sensibilidade formal. Das primeiras
medidas dos moradores, assim que podem, é a construção de muros, a inserção de
elementos próprios e cores, que deem o mínimo de personalidade aos seus lares,
imersos em quarteirões de dimensão quase infinita.
As casas sofrem da mesma insignificância do urbanismo, centralizadas no lote
e recuadas em todas as suas faces, vagamente lembram os velhos bangalôs, sem a
varanda frontal e o elaborado jogo de telhados. Porém, tal simplicidade pode ser
considerada salutar, pois a moradia é quase "uma tela em branco" que pode (e
certamente será) alterada pelo futuro morador. O fato de a residência possuir recuos
em toda volta, facilita as intervenções que se permitem múltiplas, atendendo às
particularidades de cada família. A casa, se a considerarmos como embrião, tem
salvação, no entanto o mesmo não se pode dizer do urbanismo do bairro em si.
O primeiro dos grandes conjuntos Habitacionais da cidade foi o Núcleo
Presidente Geisel, ao leste, ao lado do córrego da Água Comprida, construído no final
da década de 1970, e que somou um total de 2.222 unidades em suas três etapas426.
Marca a definitiva dispersão desses empreendimentos além das rodovias e a
transposição da segunda linha de barreiras da cidade após as ferrovias.
O Núcleo Edson Bastos Gasparini, as margens da SP-300, inaugurado em
1984 com 1.228 casas, pode ser considerado dos primeiros a contar com
equipamentos públicos de forma mais robusta, como Centro Comunitário, Creche,
Centro Médico Odontológico, Posto Policial, Escola de 1º e 2º graus, pavimentação
asfáltica e iluminação pública. Tais melhorias foram previstas devido ao isolamento e
distância do bairro, a nova norma Federal de 1979 e a promulgação das Leis nº.
2.339/82 - Normas para Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo (Lei de Zoneamento)
e Lei nº. 2.371/82 - Normas para Edificações (Código de Obras) a nível municipal.
O melhor e maior exemplo do processo de espalhamento de núcleos
habitacionais contando com 3.638 habitações e considerado na época o maior do
país, é o Conjunto Mary Dota (Bauru 18), inaugurado em 1990, à nordeste, junto ao
Frigorífico Mondelli. Resultou na mudança imediata de milhares de pessoas e
centenas de famílias, quase todas desconhecidas entre si, vindas de diversos pontos
para um único espaço da cidade, acarretando transformações em suas vidas e

426 Plano Diretor de Bauru de 1996, p.42.


314

também em Bauru. Mesmo sendo um bairro com milhares de moradores, estima-se


em 20 mil, maior que muitas pequenas cidades, o núcleo nunca contou com uma área
verde, sendo até nossos dias, com justiça, demandada por sua população.

Figura 80: Conjunto Habitacional Mary Dota, em construção as quadras alongadas, os vazios
urbanos e a cidade ao fundo. Março de 1989

Fonte: Museu Ferroviário Regional de Bauru.

Felizmente e independentemente do pouco compromisso com a qualidade


arquitetônica e urbanística desses espaços, aos poucos e pelos anos afora, laços
comunitários, o sentido de vizinhança e de proximidade, e por que não, as vidas das
pessoas, vão se entrelaçando e um espírito de comunidade "e de bairro" se forma. A
fisionomia dos conjuntos muda: vias comerciais, algum sistema de saúde básico,
mesmo que precário, escolas de ensino básico e de nível médio se estabelecem. As
moradias, com sacrifício de seus ocupantes, são reformadas, ampliadas, edículas são
construídas para outros membros da família, algumas casas são assobradadas,
outras recebem algum uso comercial, dando nova fisionomia e dinamismo aos
conjuntos habitacionais, tornando-os menos estéreis e homogêneos do que quando
concebidos inicialmente.
BAURU EM TEMAS URBANOS 315

As vias comerciais, quando não demarcadas a partir do projeto inicial dos


Núcleos, acontecem junto ao circuito do transporte coletivo, vias em geral mais largas,
ou mesmo avenidas projetadas. Devido à distância da cidade, pequenos negócios são
formados junto aos imóveis ampliados ou apenas reformados em todo quadrante do
bairro, sendo mais valorizados como ponto aqueles no circuito dos ônibus. Os
conjuntos maiores recebem filiais dos grandes supermercados que passam a contar
com público quase cativo. Nos bairros ainda são instaladas imobiliárias, pet shop's,
postos de combustível, lojas de materiais de construção, casas lotéricas, funilarias,
escolas de idiomas, etc., e, claro, muitas igrejas pentecostais.
Os Conjuntos Habitacionais menores e aqueles situados em zonas já
ocupadas em suas vizinhanças parecem ter sido experiências menos traumáticas
para os moradores e para a cidade, casos como os Jardim Guadalajara, Araruna,
entre outros. Estes serviam-se parcialmente da infraestrutura dos bairros vizinhos,
mesmo que as sobrecarregasse, entretanto, aqueles distantes e isolados não tinham
a quem recorrer.
Deve-se ressaltar que mesmo os Núcleos Habitacionais sendo propostos e
executados pelo governo seguem o pior da lógica privada no sentido de
aproveitamento máximo da terra e na desconexão da malha urbana, sem observar-se
o mínimo vínculo com o bairro ao lado, quando existente. Nessas situações não se
trata apenas da relação entre loteamentos privados e conjuntos da COHAB, mas
também entre os próprios núcleos, como é o caso, por exemplo, do Jardim Araruna e
Eldorado; Beija Flor e Mary Dota; ou Nobugi Nagasaka e Jardim Jamil. Como se
tratavam de obras sob controle do poder público, deveria ter havido maior cuidado em
seus projetos de implantação e na relação entre os bairros.
Outro atributo reforçado pelos núcleos foi a ampliação dos vazios urbanos que
cresceram em quantidade e dimensão. Aqui também o poder público pouco fez no
sentido de organizar e ordenar os vários conjuntos concebidos por ele mesmo. A
justificativa do "uso social" acabou por avalizar e justificar a má qualidade projetual,
tanto da edificação como do desenho urbano proposto, ou a rigor, sua total ausência.
A partir dos meados da década de 1990, grupos de prédios em condomínio,
em nova formatação de conjuntos habitacionais, são construídos pela iniciativa
privada, dirigidos inicialmente à classe média, como Parque Camélias, Flamboyant,
316

Monte Verde Residencial, Vila Inglesa427, e outros. Tais modelos de condomínios,


porém, arquitetonicamente ainda mais simplificados, se tornarão comuns para a
população de menor poder aquisitivo como os vários Residenciais Parque dos Sabiás,
Andorinhas e outros. O ponto favorável de tais lançamentos é que, por serem edifícios
multifamiliares ocupam áreas mais densas e vazios urbanos. Muitos deles situam-se
justamente ao lado de conjuntos habitacionais aproveitando-se de sua infraestrutura.
Em 2009, inicia-se o Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV), através da
Lei nº. 11.977, programa de cunho social do Governo Federal baseado na alocação
de recursos públicos do FGTS e da União. A ideia, conforme a lei era criar
mecanismos de incentivo à produção e aquisição de unidades habitacionais para
famílias com renda de até R$ 4.650,00, havendo faixas intermediárias e inferiores.
Para sua aplicação haveria um mapeamento das cidades e cada município se
encarregaria de cadastrar as famílias, sendo os projetos realizados pelas construtoras
que os encaminharia a Caixa Econômica para financiamento. As unidades poderiam
ser prédios de até quatro andares ou conjuntos de unidades unifamiliares. O programa
financiou milhões de moradias no país, aqueceu a economia, deixou algumas
construtoras muito mais ricas, mas não resolveu o problema de moradia popular no
país nem em Bauru.
O Programa acelerou o lançamento de dezenas de empreendimentos pelas
empresas da área, destacando-se, no processo, a maior construtora do país, a MRV
Engenharia. O MCMV pode ser dividido realmente em dois, devido à capacidade de
compra de cada um dos extratos sociais. Observa-se que os lançamentos para as
rendas mais altas ocupam melhores posições na malha urbana aproveitando-se de
forma salutar dos vazios.
Aqueles destinados às rendas baixas, em sua maioria, passam a ocupar as
bordas dos conjuntos habitacionais da COHAB, usufruindo da infraestrutura instalada
nesses bairros, o que pode ser considerado um passo adiante, se comparado à
dispersão urbana dos antigos núcleos habitacionais. Nesse processo deve ser
ressaltada a atuação do Conselho de Habitação de Bauru, criado no ano de 2007, que
orientou e aprovou a implantação de todos os conjuntos habitacionais do programa
Minha Casa Minha Vida, destinados às rendas de 0 a 3 salários mínimos. Fato que
também pode ter dado ensejo à ocupação de vazios urbanos é a inclusão no Plano

427 Plano Diretor de Bauru de 1996, p.43.


BAURU EM TEMAS URBANOS 317

Diretor de 2008 do parcelamento compulsório de glebas, que impulsionou seus


proprietários a comercializarem as áreas disponíveis.
Alguns conjuntos podem ser citados como o Buritis e o São João Ipiranga,
formados por casas unifamiliares destinadas ao desfavelamento parcial, o Jardim
Ivone, com a finalidade de desfavelamento total, o Parque dos Eucaliptos e o Monte
Verde I, constituídos por prédios de uso multifamiliar, além de outros.
Em relação aos projetos de arquitetura permaneceram bastante banais e,
muitos deles com pouca qualidade técnica e construtiva, particularmente os
destinados às famílias de renda mais baixa. Quando unifamiliares são parecidos com
aqueles da COHAB. Quando multifamiliares, constituem-se, quase sempre, de plantas
tipo em formato "H", que possibilita a iluminação das unidades em três de suas faces.
Outro modelo utilizado é a variação simples do primeiro, o duplo "H". Os blocos quase
sempre se encontram ao redor de um grande espaço livre dotado de alguma
infraestrutura pública social.
Em Bauru, são poucos os conjuntos habitacionais com casas unifamiliares
construídos e financiados pelo PMCMV, sendo a grande maioria formada por
pequenos prédios sem elevadores em área fechada, habitualmente tratados de
“Residenciais”:
No ano de 2014: Residencial Água da Grama, próximo à Avenida Pinheiro
Machado, com 560 apartamentos na Vila Nova Esperança; Residencial Três Américas
II, com 384 apartamentos no conjunto Edson Francisco Silva; Residencial Santana,
com 560 unidades no Jardim Chapadão.
Em 2015: Residencial Arvoredo com 496 apartamentos no Colina Verde;
Residencial Monte Verde II e Monte Verde III, com 496 unidades no Jardim Monte
Verde.
Em 2016: Residencial Jardim TV, com 192 apartamentos no Jardim TV;
Residencial Ipês, com 224 unidades no Núcleo Habitacional José Regino; Residencial
San Sebastian com 160 unidades no Jardim da Grama.
Em 2017: Residenciais Chácara das Flores I e Chácara das Flores II, com 352
apartamentos no Parque Roosevelt428.
O PMCMV operou de forma mais decisiva sobre a política de emprego,
fornecendo ocupação para a força de trabalho menos qualificada, atuando

428 História de moradores do Minha Casa Minha Vida em quatro livros. Jornal da Cidade. 07 fev. 2020.
318

decisivamente na economia do país e na das cidades, mas tem sido bastante


decepcionante como política habitacional de qualidade.
Fato novo em relação às décadas anteriores é o acesso aos novos bairros de
periferia, conseguido através do veículo automotor e motocicletas popularizadas no
século atual, facultando a mobilidade desses novos moradores de forma individual,
mas por outro lado, transformando o tráfego urbano já pesado, em um problema de
difícil resolução.
Será também no presente século que serão sentidos, sobremaneira, os
problemas relativos à mobilidade urbana e de transportes públicos coletivos,
baseados apenas no sistema de transportes por ônibus coletivos. A má qualidade
geral do sistema, o desconforto de veículos sem ar condicionado em uma cidade
quente e, sobretudo, o alto custo da passagem, principalmente para os que utilizam
diariamente, leva muitos a preferirem, por valores mensais semelhantes, o
financiamento de motocicleta de baixa cilindrada ou um carro mais antigo. Tal opção,
compreensivamente acaba por ser a de muitos habitantes da cidade que abandonam
o transporte público fazendo com que o número de passageiros decresça anualmente.
Os aplicativos de transporte privado urbano, onde se destaca o Uber, também
terminam por competir com o sistema público, embora em menor escala. Toda essa
situação precisaria ser urgentemente debatida no sentido de se conseguir uma nova
saída para a mobilidade urbana, onde possam interagir processos, incluindo-se os
não motorizados, modernizando e oferecendo novas alternativas ao sistema de ônibus
circulares atual, de base arcaica e poluidora, quem sabe, substituindo-os em seu
tronco principal por veículos leves sobre trilhos, os VLT'S.
BAURU EM TEMAS URBANOS 319





Bauru é uma cidade com patrimônio relevante no campo ferroviário, devido à


presença em seu solo das estruturas industriais de três ferrovias, sendo os
remanescentes da NOB – vasto legado construído durante décadas –, o maior e mais
significativo deles.
Todo complexo foi tombado pelo CONDEPHAAT no ano de 2018 após vinte
anos de estudos, idas e vindas429. É área imensa que contém edifícios de caráter
industrial, administrativos, estações, vilas operárias e espaços livres formados pelas
esplanadas das três ferrovias.
Tais glebas, precariamente conservadas, precisam ganhar uso como forma
de serem mantidas para o futuro. Talvez o conjunto mais degradado seja aquele
formado pelas antigas oficinas da NOB que se encontram semiabandonadas e
parcialmente descobertas. É espaço com extenso potencial de uso, por causa das
suas características industriais, com planta livre, que podem vir a abrigar empregos
diversos, de mercado público a áreas esportivas e culturais.
A cidade poderia concentrar suas atenções nesse conjunto e daí formar o que
poderia ser o mais relevante museu ferroviário do país, devido ao acervo existente
tanto de peças rodantes, como de máquinas, mobiliário, documentos, etc. O Museu
Ferroviário Regional de Bauru poderia ser ampliado com a possibilidade de expor as
grandes peças, mais interessantes para o público leigo, e claro, oferecer a experiência
de vivenciar passeios de "Maria Fumaça", atividade que acontecia até poucos anos
atrás.

429 CONSELHO DE DEFESA DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO, ARQUEOLÓGICO, ARTÍSTICO E


TURÍSTICO DO ESTADO, CONDEPHAAT. Processo nº. 30.367. Assunto: Solicita o Tombamento de
edifícios pertencentes à sede da Antiga Estrada de Ferro Noroeste do Brasil, situados em Bauru.
320

Tão importante quanto às edificações é o precioso sítio livre das esplanadas,


em particular o da antiga NOB, situados no coração da cidade. Seu uso operacional
pela concessionária na atualidade é mínimo, se comparado ao período áureo da
ferrovia. É um espaço que pode se tornar de uso público, de lazer, junto com a
recuperação e reutilização da grande estação e oficinas. Se concretizado, poderia
atrair e possibilitar o adensamento de seu entorno com prédios baixos para uso
popular em pleno centro urbano. Como a área é central, os benefícios seriam
expandidos para o comércio dessa zona e para toda cidade.
O Plano Diretor de 2008 trata o setor como Zona de Interesse Histórico-
Cultural, as diretrizes estabelecidas para ela em seu Artigo 35, são as seguintes:

I - programas de preservação, recuperação e manutenção do


patrimônio histórico–cultural;
II - intervenção na área e prédios do pátio ferroviário e programa
de revitalização do entorno, com possibilidade da utilização de
operação urbana consorciada;
III - fomento das atividades turísticas430.

Muitos dos trilhos de suas esplanadas, em função do desuso, poderão ser


retirados, mantendo-se apenas o pouco e essencial. Há que se tomar cuidado para
que, no futuro, a várzea onde estão as esplanadas não abrigue avenidas de alta
velocidade ou soluções congêneres.
A absurda proposta elaborada pela Construtora Camargo Correia em 1993,
que visava a construção de imensos viadutos sobre a área, iniciada e felizmente
paralisada por falta de recursos431, é totalmente injustificável devido ao restrito uso
operacional atual das esplanadas e aos males que poderia trazer para o nível inferior
do espaço. Passagens simples em nível ou medidas similares poderiam bem vir a
resolver a questão.
No mais, a cidade conta com o conjunto do antigo Leprosário Aymorés, criado
em 1933, pequena cidade de isolamento para pacientes, também tombada pelo
CONDEPHAAT, como parte da história do tratamento da hanseníase no Estado e
país. No local funciona atualmente o Instituto Lauro de Souza Lima que, dentro de
suas possibilidades, preserva e mantém o agrupamento histórico com uso parcial.

430 Plano Diretor de Bauru de 2008. Lei 5.631 de 22 de agosto de 2008, p.12.
431 Apenas um dos grandes viadutos foi finalizado, mesmo assim, depois de muitos anos de iniciado,
ligando a Vila Falcão ao Jardim Bela Vista.
BAURU EM TEMAS URBANOS 321

Outro conjunto de relevo é aquele do Aero Club de Bauru, que teve como um
dos fundadores o major do exército carioca Américo Marinho Lutz, que havia
assumido a superintendência da NOB, em Bauru, durante o Estado Novo. As obras
contarão com o suporte dos engenheiros e operários da ferrovia. O prédio principal,
torre e hangares foram inaugurados em 1939, com predominância da linguagem art
déco. Tem como destaque o hangar mais antigo, cuja estrutura primorosa de madeira,
erguida pelos carpinteiros da NOB, é exemplo da alta capacidade e da técnica desses
profissionais que trabalhavam para a estrada de ferro. O conjunto também possui
relevo histórico em virtude da importante Escola de Aviação, ao início precoce do
esporte do vôo a vela ali praticado e, aos diversos prêmios conquistados por seus
pilotos em certames nacionais e internacionais. Destaca-se, particularmente, a
atuação do alemão Hendrich Kurt incentivador do voo sem motor, que fabricou
diversos planadores no local432. O acordo efetivado entre o Aero Club e a Prefeitura
para divisão da área, em muito pode viabilizar o uso público e social para o entorno
do complexo, mantendo suas atividades quase centenárias.
No mais, Bauru possui construções isoladas de interesse mais local,
representativas de sua história, cuja abertura de tombamento, ou tombamento
definitivo, ficou por conta do Conselho de Defesa do Patrimônio Cultural de Bauru
(CODEPAC), criado no ano de 1992433 na esteira da malfadada reforma da Praça Rui
Barbosa, mas que se efetivou na prática a partir de sua constituição e primeira reunião
apenas em 1996434.
Em nossos anos de atuação junto ao CODEPAC como primeiro presidente,
vice presidente e membro, conseguimos verificar algumas situações típicas
relacionadas a preservação concernentes a Bauru e também a outras cidades do
mesmo porte:
A) A preservação do patrimônio sofre grandes pressões em cidades médias e
pequenas devido às políticas advindas dos proprietários de imóveis e construtoras

432 Kurt – O Eterno Paraninfo. Aeroclube de Bauru, 2020. Disponível em:


<http://www.aeroclubebauru.com.br/o-aeroclube/kurt-o-eterno-paraninfo/>.
433 BAURU. Lei Municipal nº. 3.486, de 24 de agosto de 1992, regulamentada pelo Decreto nº.

6.791 de 26 de novembro de 1993.


434 LOSNAK, S. R. Museus e Conselhos Participativos com mecanismos de preservação

ferroviária: as particularidades da política pública em Bauru/SP (980-2014). Dissertação (Mestrado em


Arquitetura e Urbanismo) – Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação, Universidade Estadual
Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP). Bauru (SP), 2018, p. 128.
322

que desqualificam e desvalorizam a atuação dos Conselhos de Preservação locais,


cujos participantes prestam serviços de forma altruísta;
B) Quanto maior a cidade mais pressões existirão no sentido de liberalizar-se
por completo os bens históricos no sentido de poderem ser reformados ou demolidos;
C) Para o governante municipal, a menos que seja pessoalmente ligado às
questões da preservação, e raríssimos o são, os tombamentos só trazem problemas
e poucos dividendos políticos;
D) Ainda vigora nos centros menores a noção de que o novo e o moderno são
sempre melhores, símbolos de crescimento, desenvolvimento e pujança;
E) Em algumas cidades, o Conselho de Preservação é criado apenas para
atender às pressões, mas tem atuação nula ou irrelevante, preservando, por exemplo,
apenas bens públicos;
F) Mesmo previsto constitucionalmente, o tombamento é encarado pelos mais
conservadores como intervenção inadmissível na propriedade privada e nos direitos
do cidadão;
G) O tombamento é mais uma das muitas leis que controla e dá uso social à
propriedade privada e as restringe, existem outras tantas como as taxas de ocupação,
coeficiente de aproveitamento, códigos de obras, etc.;
A definição para os bens a serem tombados na cidade poderiam possuir
princípios diversos, abrigando poucos ou centenas de exemplares. Seria impraticável
e, talvez descabido, fazer lista muito extensa. Para realizar, de início, uma que
contasse com cerca de 30 bens, foram utilizadas como embasamento as Cartas
Patrimoniais e muito da história urbana local.
As Cartas Patrimoniais Brasileiras existentes até então eram: Petrópolis
(1987), Cabo Frio (1989), Declaração de São Paulo I (1989), Carta de Brasília (1995),
Declaração de São Paulo II (1996).
Seria difícil abranger todas as possíveis leituras da história de Bauru e a ideia
foi ser o mais plural na representação dos segmentos sociais. Como a preservação
era dentro do contexto local, os bens deveriam guardar as características particulares
da cidade; teriam, na medida do possível, que possuir identidade própria.
Os Parâmetros utilizados pelo CODEPAC foram os de representatividade e
unicidade, sob aspectos de importância: Histórica, Arquitetônica e Cultural, dotados
de bom grau de integridade, permitindo sua recuperação.
BAURU EM TEMAS URBANOS 323

A preservação deveria garantir ao cidadão seus referenciais locais. O morador


teria que se ver através da preservação e os bens precisariam refletir o cotidiano, o
trabalho, o lazer, as religiões, dos cidadãos e dos antepassados.
O Conselho, desde o início, colocou-se aberto ao "não aprisionamento" da
história local num determinado período temporal. Exemplares representativos do
patrimônio urbano moderno foram avaliados e elencados.
Boa parcela dos bens tombados refere-se a imóveis, devido à premência de
sua preservação frente à especulação imobiliária e às renovações arquitetônicas,
sendo que habitualmente o tombamento se deu em relação aos aspectos externos
dos mesmos, fachadas e cobertura.
Os templos são tombados integralmente em razão da permanência de suas
funções, e com o fim de manter-se a ambiência, ornamentação e detalhes como os
altares, alfaias e mobiliário.
Não só os exemplares pertencentes às elites deveriam ser preservados, mas
também a pequena casa de porta e janela, com técnicas construtivas arcaicas trazidas
pelos primeiros moradores, as vilas operárias das ferrovias, etc. Ambos padrões de
construções são testemunho da história local. Tal iniciativa pretendia valorizar a
presença do migrante sertanejo na formação urbana e deveria ser contraponto à visão
oficial sobre o mito dos “coronéis”, através da preservação de “monumentos” como
culto ao passado.
Na lista inicial encontra-se desde uma das primeiras fazendas da região, a Val
de Palmas, os hotéis importantes ao lado da estação da NOB, alguns antigos
estabelecimentos comerciais da Rua Batista de Carvalho e Praça Rui Barbosa,
templos de diversos credos religiosos incluindo-se a sede nacional da Tenrikyo, igreja
de origem japonesa.
Soma-se, ainda, poucas residências particulares, o antigo Grupo Escolar, a
Beneficência Portuguesa, (projeto de Ricardo Severo) e determinadas obras
modernistas, incluindo-se o Paço Municipal e o Edifício Brasil Portugal. Também foi
feito o tombamento do antigo Conjunto Matarazzo na Vila Antárctica, lastimavelmente
"destombado" por um prefeito na sua passagem pelo Paço das Cerejeiras.
Por fim, acreditamos que a preservação do patrimônio arquitetônico, histórico,
artístico e cultural:
-Não é “preciosismo cultural” ou “saudosismo”;
324

-Deveria se dar de forma menos quixotesca e com o pleno apoio da


administração pública municipal;
-Necessitaria de atuação mais integrada em relação às diversas secretarias
da administração municipal;
-Requer menor dependência das vontades do prefeito e secretários, em
mandato;
-Precisaria ser considerada medida de potencial econômico relevante para a
cidade.
No campo do patrimônio natural, que não é objeto do CODEPAC, Bauru
possui extensa área formada de cerrado que felizmente pertence aos poderes
públicos estaduais e municipais. Trata-se do que é classificado no último Plano Diretor
como APA do Campo Novo, onde se encontra o Parque Ecológico Tenri, local do Zôo
e do Jardim Botânico, que somadas às glebas da UNESP e do Instituto Lauro de
Souza Lima, garantiriam extensa superfície de preservação da mata nativa.
Outros patrimônios naturais dispersos e ainda existentes na cidade, contudo
sempre ameaçados, são os inúmeros fundos de vale que em boa parte, e
milagrosamente, encontram-se parcialmente livres e com pouca ocupação irregular.
São, desde o Plano Diretor do CPEU-USP de 1967, apontados como áreas a serem
preservadas para o lazer da cidade, retificadas no Plano Diretor de 1996, onde foram
consideradas Setores Especiais de Conservação de Fundo de Vale (SEC)435, e
elevadas a parques lineares no Plano Diretor de 2008.
Embora muitos fundos de vale sofram com a vegetação degradada, cursos
d'água poluídos e assoreamento, são áreas de imenso potencial futuro para criação
de parques lineares que poderiam criar um sistema integrado de áreas verdes na
cidade. Tais espaços, por bordearem os córregos, estariam dispostos junto à boa
parte dos bairros, ou ao seu alcance facilmente. Ainda cumpririam a sua função
primária como áreas de várzea, absorvendo as águas durante as chuvas mais
intensas e também servindo como corredores ecológicos para a fauna urbana. É
urgente que o poder público tome posse definitiva desses sítios e principalmente de
suas nascentes.
Sua preservação, manutenção dos limites, garantindo que não sejam
invadidos, e o replantio de espécies nativas em sua mata ciliar seria imensa conquista

435 Plano Diretor de Bauru de 1996, Prancha Unidades de Conservação Ambiental, s/p.
BAURU EM TEMAS URBANOS 325

para todos os cidadãos, mesmo que a princípio não se façam os projetos dos parques.
Tais espaços garantiriam que as várzeas desses vales não fossem ocupadas,
reduzindo-se as chances de enchentes nesses setores, ou mesmo possibilitando a
criação de dispositivos para controle de enchentes em forma de lagos ou mini
represas.
Os emissários direcionados à futura Estação de Tratamento de Esgoto (ETE)
já estão prontos. A Estação, em si, às margens do Ribeirão Bauru e próximo ao Distrito
Industrial I, permanece em obras. Sua inauguração poderá vir a melhorar
significativamente a qualidade das águas desses pequenos córregos que cruzam a
cidade e também a do Ribeirão Bauru, colaborando ainda mais para que no futuro se
tornem importantes espaços públicos.
326
BAURU EM TEMAS URBANOS 327



Hoje, conforme o IBGE, Bauru é a décima oitava cidade mais populosa do


Estado com mais de 370 mil habitantes, o vigésimo IDH e seu PIB é o décimo oitavo
de São Paulo. O setor terciário, cujas bases foram lançadas no início do século XX,
se mantém como o mais relevante de sua economia. Dessa forma, estudar essa
grande cidade constitui-se em trabalho fundamental, que traz luz sobre um espaço
urbano criado a partir de determinadas condições históricas em região central do
Estado.
Esperamos, com esse trabalho, ter possibilitado uma melhor compreensão a
respeito da configuração da cidade a partir de alguns temas fundamentais. Como
apontado na introdução, não houve qualquer pretensão no sentido de cobrir todos os
assuntos relacionados à Bauru e nem mesmo tratá-los com a profundidade que alguns
poderiam vir a merecer. A intenção foi apresentar questões, dados históricos e fatos
que foram buscados com afinco em documentos primários, raramente disponibilizados
ao pesquisador.
Devido aos muitos assuntos tratados, voltados à diversos campos do urbano,
não há como detalhá-los em demasia, ao menos que o trabalho tomasse centenas de
páginas – e essa nunca foi a intenção da presente pesquisa.
A simples datação de obras públicas, loteamentos e elementos da paisagem
da cidade é algo bastante complexo e que necessita de grande pesquisa para que se
chegue a bom termo. Dados controversos, alguns repassados indefinidamente sem a
devida comprovação, fazem parte da história oral (e por vezes escrita) da cidade e
não resistem à simples checagem, mas mesmo esse tipo de operação toma tempo e
necessita ser feita de forma detida e cuidadosa.
Desejamos que o material produzido possa ser utilizado por estudantes da
graduação e pós graduação como elemento de pesquisa inicial os quais podem e
devem ser aprimoradas com maior profundidade em trabalhos de iniciação cientifica,
dissertações de mestrado ou teses de doutorado.
Julgamos que entre nossos vários papéis como professor universitário de
instituição pública de qualidade, dos mais significativos seja justamente esse: a
produção e divulgação do conhecimento a amplo e variado grupo de pessoas.
328
BAURU EM TEMAS URBANOS 329

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Jornal Correio da Noroeste. Acervo do Museu Ferroviário Regional de Bauru.

Jornal da Cidade. Acervo do Museu Ferroviário Regional de Bauru.

Jornal Correio de Bauru. Acervo do Museu Ferroviário Regional de Bauru.

Jornal Diário de Bauru. Acervo do Museu Ferroviário Regional de Bauru.

Jornal Diário da Noroeste. Acervo do Museu Ferroviário Regional de Bauru.

Jornal O Bauru. Acervo do NUPHIS da UNISAGRADO.

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PELEGRINA, G. R. Avenida Rodrigues Alves (V). Notas históricas. Jornal da Cidade.

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Cidade. 06 set. 1992.

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
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15 de setembro de 1965 e revoga as Leis nº. 6.535 de 15 de junho de 1978 e nº. 7.511
de 7 de julho de 1986.

BAURU. Lei n°. 74 de 23 de junho de 1937, anexando ao patrimônio municipal as


ruas de diversas Villas.

BAURU. Lei 1.006, de 24 de Dezembro de 1962, regulamentada por Decreto 760 de


13 de Março de 1963.

BAURU. Lei nº. 4.778, de 22 de Setembro de 1965. Dispõe sobre a obrigatoriedade


de serem ouvidas as autoridades florestais na aprovação de plantas e planos de
loteamento para venda de terrenos em prestações.

BAURU. Lei nº. 5.762, de 14 de dezembro de 1971.

BAURU. Lei Municipal nº. 3.486, de 24 de agosto de 1992, regulamentada pelo


Decreto nº. 6.791 de 26 de novembro de 1993.

BRASIL. Lei de Primeiro de Outubro de 1828, criando em cada cidade e vila do


Império, Câmaras Municipais.

BRASIL. Decreto nº. 119-A, de 7 de janeiro de 1890. Prohibe a intervenção da


autoridade federal e dos Estados federados em materia religiosa, consagra a plena
liberdade de cultos, extingue o padroado e estabelece outras providencias. Diário
Oficial da União. 07 jan. 1890.

BRASIL. Decreto nº. 374, de 15 de julho de 1896. CONCEDE À COMPANHIA UNIÃO


SOROCABANA E ITUANA, LICENÇA PARA CONSTRUIR, USAR E GOZAR UMA
LINHA FÉRREA DA CIDADE DE LENÇÓIS A POPULAÇÃO DO BAURU, EM
PROLONGAMENTO DA CONCEDIDA POR DECRETO Nº 319, DE 29 DE
NOVEMBRO ULTIMO. Diário Oficial da União. 02 ago. 1896. p.17557.

BRASIL. Decreto nº. 504, de 18 de dezembro de 1897. APROVA OS ESTUDOS


DEFINITIVOS REFERENTES AOS 20 QUILÔMETROS DA LINHA FÉRREA EM
PROLONGAMENTO DA DE DOIS CÓRREGOS, A RIBEIROS, A BAURU DA
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BRASIL. Decreto nº. 4.682, de 24 de Janeiro de 1923. Crea, em cada uma das
emprezas de estradas de ferro existentes no paiz, uma caixa de aposentadoria e
pensões para os respectivos ernpregados. Diário Oficial da União. Seção 1, 13 abr.
1923, p. 10859. Disponível em: <https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1920-
1929/decreto-4682-24-janeiro-1923-538815-publicacaooriginal-90368-pl.html>.

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e a venda de terrenos para pagamento em prestações. Diário Oficial da União.
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/1937-
1946/Del058.htm>.

BRASIL. Lei nº. 2.623 de 14/01/1936. CRIA, NO MUNICÍPIO E COMARCA DE


BAURÚ, O DISTRITO DE PAZ DE VILA FALCÃO. Diário Oficial da União. 15 jan.
1936, p.6.

BRASIL. Lei nº. 9.088 de 08/04/1938. Cria, no município de Bauru, o distrito policial
de Vila Falcão, com as mesmas divisas com que o foi o distrito de paz de igual nome,
estabelecido pela Lei n. 2.623, de 14 de janeiro de 1936. Diário Oficial da União. 09
abr. 1938, p.1.

BRASIL. Lei nº. 5.172, de 25 de Outubro de 1966. Denominado Código Tributário


Nacional.

BRASIL. Decreto nº. 59.917, de 30 de dezembro de 1996. Regulamenta o SERFHAU


- Serviço Federal de Habitação e Urbanismo, estabelece suas finalidades e modo de
operação, cria o Fundo de Financiamento de Planos de Desenvolvimento Local
Integrado, e dá outras providências. Diário Oficial da União. Seção 1 de 9 de Janeiro
de 1967, p. 310. Disponível em: <https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1960-
1969/decreto-59917-30-dezembro-1966-400520-publicacaooriginal-1-pe.html>.

BRASIL. Lei nº. 13.465, de 11 de julho de 2017. Dispõe sobre a regularização fundiária
rural e urbana, sobre a liquidação de créditos concedidos aos assentados da reforma
agrária e sobre a regularização fundiária no âmbito da Amazônia Legal; institui
mecanismos para aprimorar a eficiência dos procedimentos de alienação de imóveis
da União; altera as Leis n os 8.629, de 25 de fevereiro de 1993 , 13.001, de 20 de
344

junho de 2014 , 11.952, de 25 de junho de 2009, 13.340, de 28 de setembro de 2016,


8.666, de 21 de junho de 1993, 6.015, de 31 de dezembro de 1973, 12.512, de 14 de
outubro de 2011 , 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), 13.105, de 16 de
março de 2015 (Código de Processo Civil), 11.977, de 7 de julho de 2009, 9.514, de
20 de novembro de 1997, 11.124, de 16 de junho de 2005, 6.766, de 19 de dezembro
de 1979, 10.257, de 10 de julho de 2001, 12.651, de 25 de maio de 2012, 13.240, de
30 de dezembro de 2015, 9.636, de 15 de maio de 1998, 8.036, de 11 de maio de
1990, 13.139, de 26 de junho de 2015, 11.483, de 31 de maio de 2007, e a 12.712, de
30 de agosto de 2012, a Medida Provisória nº 2.220, de 4 de setembro de 2001, e os
Decretos-Leis n º 2.398, de 21 de dezembro de 1987, 1.876, de 15 de julho de 1981,
9.760, de 5 de setembro de 1946, e 3.365, de 21 de junho de 1941; revoga dispositivos
da Lei Complementar nº 76, de 6 de julho de 1993, e da Lei nº 13.347, de 10 de
outubro de 2016; e dá outras providências. Diário Oficial da União. 6 set. 2017.
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-
2018/2017/Lei/L13465.htm>.

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Código de Posturas Municipal da Villa de Espírito Santo da Fortaleza de 5 nov.


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Código de Posturas de 1914 encontrado parcialmente reproduzido no Jornal A


Gazeta de Bauru. Ano 1, nº. 1, de 01 fev. 1914 e em seu número 14, de 14 jun. 1914.

Plano Diretor de Bauru de 1967. Elaborado pelo CEPEU/USP, acervo da Secretaria


de Planejamento de Bauru.

Plano Diretor de Bauru de 1996. Caderno de dados. Volume da Biblioteca da


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Plano Diretor de Bauru de 2008. Lei nº. 5.631 de 22 de agosto de 2008.

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SÃO PAULO (Estado). Lei nº. 428, de 1 de agosto de 1896. Muda a sede do
municipio do Espirito Santo da Fortaleza para a povoação do Bahurú, com a
denominação desta ultima localidade. Legislação do Estado de São Paulo, São Paulo,
1º ago. 1896. Disponível em:
<https://www.al.sp.gov.br/repositorio/legislacao/lei/1896/lei-428-01.08.1896.html>.

SÃO PAULO (Estado). Decreto nº. 374, de 15/07/1896. CONCEDE À COMPANHIA


UNIÃO SOROCABANA E ITUANA, LICENÇA PARA CONSTRUIR, USAR E GOZAR
UMA LINHA FÉRREA DA CIDADE DE LENÇÓIS A POPULAÇÃO DO BAURU, EM
PROLONGAMENTO DA CONCEDIDA POR DECRETO Nº 319, DE 29 DE
NOVEMBRO ULTIMO. Legislação do Estado de São Paulo, São Paulo, 1896.
Disponível em: <https://www.al.sp.gov.br/norma/?id=137246>.

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BAURU. Atas da Câmara Municipal de Bauru. 19 set. 1908. Acervo da Câmara


Municipal de Bauru.

BAURU. Atas da Câmara Municipal de Bauru. 16 abr. 1910. Acervo da Câmara


Municipal de Bauru.

BAURU. Atas da Câmara Municipal de Bauru. 23 out. 1922. Acervo da Câmara


Municipal de Bauru.

BAURU. Atas da Câmara Municipal de Bauru. 11 nov. 1922. Acervo da Câmara


Municipal de Bauru.

BAURU. Atas da Câmara Municipal de Bauru. 15 out. 1923. Acervo da Câmara


Municipal de Bauru.

BAURU. Atas da Câmara Municipal de Bauru. 31 jan. 1925. Acervo da Câmara


Municipal de Bauru.
346

BAURU. Atas da Câmara Municipal de Bauru. 30 jul. 2014. Pertencentes ao acervo


da Câmara Municipal de Bauru.

BAURU. Autos de embargo de obra nova, fábrica da matriz do Divino Espírito Santo
de Bauru x Câmara Municipal de Bauru. Cartório do Primeiro Oficio de Bauru,
processo nº. 245 de 19/08/2013.

BAURU. Certidão de Registro da Vila Samaritana. Arquivo da DEPLAN. Prefeitura


Municipal.

BAURU. Certidão de Registro da Villa Santa Thereza. Secretaria de Planejamento


(SEPLAN). Prefeitura Municipal de Bauru.

BAURU. Certidão de Registro de Imóveis. DEPLAN. Prefeitura Municipal de Bauru.

BAURU. Certidão de Registro de Imóveis do Parque Jardim Europa. Arquivado na


DEPLAN da Prefeitura Municipal.

BAURU. Processo nº. 245, de 19 de agosto de 2013. Autos de embargo de obra nova,
fábrica da matriz do Divino Espírito Santo de Bauru x Câmara Municipal de Bauru.
Cartório do Primeiro Oficio de Bauru.

BAURU. Registro da Vila Antárctica. Cópia arquivada na DEPLAN. Prefeitura


Municipal de Bauru.

CONSELHO DE DEFESA DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO, ARQUEOLÓGICO,


ARTÍSTICO E TURÍSTICO DO ESTADO, CONDEPHAAT. Processo nº. 30.367.
Assunto: Solicita o Tombamento de edifícios pertencentes à sede da Antiga Estrada
de Ferro Noroeste do Brasil, situados em Bauru.

Livro de Registro de Provisões 1887-1889. Cota 9-1-6. São Paulo: Arquidiocese de


São Paulo, 1887-1889, p. 89, 15 mar. 1888. Pesquisa realizada pelo mestrando
Fabrício Forganes Santos.

Oficio encaminhado ao Arcebispado de São Paulo pelo Pároco Cônego Antonio


Pereira Reimão, em 20 de Agosto de 1904. Pasta Bauru II, do Arquivo Metropolitano
de São Paulo, pesquisado pelo mestrando Fabrício Forganes Santos.
BAURU EM TEMAS URBANOS 347

Oficio encaminhado ao Vigário Geral do Bispado de São Paulo, pelo Pároco


Francisco Elias Vartolo. 10 dez. 1907. Acervo do Arquivo Metropolitano de São
Paulo, pesquisado pelo mestrando Fabrício Forganes Santos.

Oficio dos empregados do comércio de Bauru, com data de encaminhamento para


a Comissão de Justiça da Câmara, em 22 de outubro de 1925. Arquivo da Câmara
Municipal de Bauru.

Oficio enviado à Câmara Municipal pela Companhia Paulista de Vias Férreas e


Fluviais. 10 mar. 1910. Arquivo da Câmara Municipal de Bauru.

Planta Cadastral de Bauru de 1924, organizada por ordem da Prefeitura. Original no


Museu Histórico de Bauru.

Planta da Esplanada de Bauru da EFNOB, datada de 21 de setembro de 1934.

Recibo datado de 31 de março de 1895. Arquivo Metropolitano de São Paulo,


pesquisado pelo mestrando Fabrício Forganes Santos.
348
BAURU EM TEMAS URBANOS 349



 Avenida Duque de Caxias, 98, 106,


120, 141, 171, 183, 251, 257, 277,
Aero Club, 80, 100, 107, 108, 119, 120, 285, 288
123, 125, 126, 147, 173, 321 Avenida Getúlio Vargas, 120, 121, 123,
aforamento, 10, 11, 22, 27, 40, 41, 43, 125, 126, 171, 269,
51, 54, 55, 57, 62, 68, 105 Avenida Nações Unidas, 12, 123, 165,
Alameda Otávio Pinheiro Brisolla, 120, 171, 185, 186, 189, 250, 251, 252,
123, 285 253, 258, 277, 280, 281, 284, 285,
Altos da Cidade, 95, 98, 104, 105, 110, 286, 288, 289, 290, 291, 297, 300,
113, 118, 123, 124, 125, 174, 218, 301
220, 304 Avenida Nuno de Assis, 141, 145, 248,
área foreira, 11, 40, 42, 79, 81, 232 251, 253, 258, 277, 281, 282
Arquiteto Fernando Pinho, 111, 112, Avenida Pedro de Toledo, 181, 186,
114, 116, 121, 137, 165, 166, 190 197, 228
arquitetura modernista, 11, 110, 112, Avenida Rodrigues Alves, 12, 48, 50,
152, 170, 213 61, 65, 70, 71, 100, 107, 159, 167,
arruador, 11, 21, 182 175, 177, 178, 179, 181, 183, 185,
arruamento 11, 21, 22, 23, 24, 50, 79, 186, 187, 188, 189, 190, 194, 196,
116, 177, 178, 193, 232, 234, 235, 210, 240, 241, 250, 253, 277, 281,
287 285, 287, 290, 292, 305
art déco, 69, 131, 151, 152, 153, 154,


194, 197, 207, 208, 209, 230, 321,
Automóvel Club, 62, 64, 68, 68, 74, 210
Avenida Comendador da Silva Martha, bangalô, 130, 131, 134, 135, 304, 313,
90, 268 Bauru Tênis Club, 68, 104
Avenida das Mangueiras, 90, 113, 116, boca de sertão, 61
118, 119, 120,
350

 desenho urbano, 22, 100, 115, 315


dispersão, 12, 98
caingangue, 16, 17, 31, 34
calçadão, 215, 221, 222, 223, 224, 225,
226, 229, 230


catedral, 72, 73, 75
CEFNOB, 32, 35, 38, 39, 81
cemitério, 25, 26, 38, 80, 82, 184, 186 edificação, 12, 27, 47, 62, 110, 131,
Centro Cívico, 141, 214, 216, 239, 240, 154, 314, 316, 154, 165, 260, 315
241, 242, 243, 244, 245, 246, 248, Edifício Bauru, 157, 164
249, 250, 251, 253 Edifício Brasil Portugal, 114, 165, 189,
centro comercial, 12, 174, 191, 201, 266, 282, 323
209, 214 Edifício Terra Branca, 156, 164, 188
chãos, 10, 19, 21, 30, 43 Edifício Vila Real, 165, 166, 171, 172
CIAM, 242 EMDURB, 256, 257
CODEPAC, 70, 125, 150, 154, 165, Eny, 119, 204
321, 322, 324, espaço urbano, 11, 12, 38, 39, 43, 127,
Código de Obras, 170, 254, 255, 313 160, 185, 232, 233, 259, 287, 297,
Código de Posturas, 24, 67, 131, 150, 327
231, 232, 233 estrada de ferro, 19, 32, 57, 81, 136,
COHAB, 305, 306, 308, 312 152, 180, 195, 196, 251, 303, 321,
Comarca, 17, 35, 36, 39 Estrada de Ferro Noroeste do Brasil,
CONDEPHAAT, 229, 319, 320, 32, 57, 81, 180,
condomínio fechado, 271 expansão urbana, 87, 247, 259, 309
conjuntos habitacionais, 12, 101, 259,
304, 305, 307, 309, 310, 312, 313,
314, 315, 316, 317

coronelismo, 39 ferrovias, 11, 12, 29, 30, 33, 34, 38, 40,
CPEU, 94, 95, 139, 214, 216, 238, 239, 42, 49, 50, 54, 82, 83, 99, 100, 131,
241, 243, 244, 245, 246, 247, 248, 153, 159, 178, 180, 195, 202, 203,
250, 252, 255, 257, 324 207, 209, 220, 232, 239, 310, 313,
 319, 323,


BAURU EM TEMAS URBANOS 351

 
habitação social, 12, 229, 312 Martha & Pinho, 111, 114
Mary Dota, 251, 259, 291, 313, 314,
315

 Matriz do Divino Espirito Santo, 52, 57,


62, 66
indústria, 85, 112, 151, 187, 190, 234, memorialista, 13, 26, 46, 74, 185
244, 247, 254, 261, 269, 303, 308


 nave, 46, 65, 71, 73, 279
Jardim Bela Vista, 92, 95, 125, 127, núcleos habitacionais, 305, 306, 307,
128, 130, 131, 138, 140, 141, 144, 145, 310, 311, 313, 315, 316
148, 229, 240, 242, 244, 248, 250, 267,


278, 284
Jardim Estoril, 112, 113, 114, 115, 116,
117, 118, 121, 123, 166, 173 patrimônio histórico, 12, 224, 227, 320
Jardim Europa, 108, 109 patrimônio religioso, 11, 19, 22, 26, 27,
Jardim Redentor, 189, 251, 305, 306, 43, 44, 52, 54, 79, 86, 88, 103
308 Plano Diretor de Bauru, 31, 38, 80, 94,
Jurandyr Bueno Filho, 74, 217, 246, 98, 99, 123, 139, 141, 171, 209, 214,
252, 275, 284, 293 216, 238, 239, 241, 246, 247, 248,
249, 250, 251, 252, 253, 254, 255,

 257, 260, 282, 284


PMCMV, 101, 267, 316, 317
laico, 51, 58, 61, 80 Praça D. Pedro II, 50, 216, 226, 229
largo, 11, 43, 44, 45, 50, 51, 57, 58, 59, Praça da Paz, 12, 299, 300
176, 181, 232, 279 Praça Machado de Mello, 65, 69, 176,
legislações urbanas, 12 195, 196, 197, 198, 199, 205, 212,
loteamentos com controle de acesso, 215, 217, 218, 221
12, 124, 125, 173, 267, 268, 269, praça municipal, 35, 43, 50, 58, 60, 61,
272, 273, 274, 275, 310 65, 67, 232
352

Praça Portugal, 120, 121, 122, 165, 177, 193, 194, 195, 197, 200, 203,
166, 171, 172 204, 205, 208, 210, 214, 215, 221,
Praça Rui Barbosa, 11, 39, 43, 48, 50, 223, 227, 323
62, 63, 64, 66, 68, 76, 77, 104, 105, Rua Primeiro de Agosto, 19, 21, 69, 82,
138, 167, 183, 184, 195, 197, 198, 154, 155, 159, 162, 194, 197, 199,
204, 209, 218, 221, 222, 225, 321, 204, 209, 212, 216, 277, 283
323


 shopping center, 219, 220
quadricula, 22, 24, 79, 93, 104, 112, sistema viário,197, 228, 239, 248, 251,
119, 120, 178, 233, 287 252, 253, 256, 257, 261, 284, 292
Sorocabana, 29, 31, 33, 42, 49, 83, 119,

 141, 152, 175, 176, 177, 181, 185,


195, 209, 303
relevo, 12, 22, 42, 50, 65, 80, 85, 100,


110, 183, 197, 201, 202, 207, 210,
285, 291, 312, 321
República, 29, 32, 39, 42, 55, 58, 59, taipa de mão, 26, 46
67, 135, 142, 250, 290 tombamento, 165, 228, 319, 321, 322,
republicano, 34 323
Ribeirão Bauru, 18, 19, 38, 44, 79, 80, traçado, 11, 12, 21, 22, 24, 44, 45, 87,
85, 105, 107, 108, 127, 140, 141, 92, 93, 94, 103, 104, 115, 116, 119,
175, 181, 242, 250, 251, 258, 277, 178, 180, 181, 247, 251, 252, 285,
278, 281, 282, 283, 291, 325 287
Ribeirão das Flores, 80 trilhos, 11, 30, 32, 33, 38, 41, 83, 84, 85,
Rua Antônio Alves, 38, 103, 104, 110, 88, 90, 91, 103, 119, 127, 129, 140,
111, 156, 167, 169, 177, 181, 185, 141, 142, 144, 175, 179, 181, 190,
186, 194 193, 202, 206, 278, 284, 318, 320
Rua Araújo Leite, 21, 24, 26, 27, 33, 36,
38, 45, 50, 69, 85, 88, 140, 141, 177,
180, 193, 230, 278, 282

Rua Batista de Carvalho, 37, 45, 49, 50, UNESP, 7, 13, 142, 297, 324
61, 65, 74, 147, 153, 158, 160, 161,
BAURU EM TEMAS URBANOS 353

Urbanismo, 9, 13, 29, 152, 238, 255,


304, 313


verticalização, 11, 147, 149, 165, 170,
171, 289
Viaduto JK, 216, 242, 248, 250
Viaduto Mauá, 185, 250
Vila Antarctica, 26
Vila Falcão, 81, 124, 125, 127, 128,
129, 131, 135, 136, 140, 141, 142,
143, 144, 251, 320
Vila Santa Clara, 116
Vila Seabra, 85, 278


zona central, 112, 119, 122, 191, 192,
206, 216, 217, 220, 221, 227, 229,
248, 285
zona noroeste, 12, 32, 34, 42, 55, 89,
206, 209
zona sul, 11, 99, 103, 108, 109, 110,
113, 122, 123, 166, 227, 272, 311
zoneamento, 115, 234, 239, 244, 248,
251, 255, 261, 292
354

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