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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO - UFPE

CENTRO DE ARTES E COMUNICAÇÃO


DEPARTAMENTO DE ARQUITETURA E URBANISMO
CURSO DE ARQUITETURA E URBANISMO

CAMILA SOARES DE MACEDO SILVA

A DINÂMICA ESPACIAL DO MERCADO IMOBILIÁRIO DE ALUGUEL


COMERCIAL EM ÁREAS HISTÓRICAS DOS BAIRROS DE SANTO ANTÔNIO E
SÃO JOSÉ (RECIFE).

Recife
2018
CAMILA SOARES DE MACEDO SILVA

A DINÂMICA ESPACIAL DO MERCADO IMOBILIÁRIO DE ALUGUEL


COMERCIAL EM ÁREAS HISTÓRICAS DOS BAIRROS DE SANTO ANTÔNIO E
SÃO JOSÉ (RECIFE).

Trabalho de Conclusão do Curso entregue à Universidade


Federal de Pernambuco (UFPE) como pré-requisito à
obtenção do título de bacharel em Arquitetura e
Urbanismo.

Orientador (a): Prof.ª Dra. Norma Lacerda


Coorientador (a): Prof.ª Dra. Priscila Vasconcelos

Recife
2018
AGRADECIMENTOS

Agradeço primeiramente a Deus, que me guiou durante toda esta caminhada. Agradeço a minha
família, especialmente aos meus pais, por todos os ensinamentos e por sempre acreditarem na
minha capacidade, me incentivando a buscar, acima de tudo, o melhor para mim.

A minha orientadora, Norma Lacerda, pela confiança e acolhimento desde os anos de atuação
como voluntária na pesquisa do GEMFI e na iniciação científica. Agradeço pelos incontáveis
ensinamentos, pelo incentivo à busca pelo conhecimento, que sempre foi presente tanto em suas
aulas como no dia a dia da pesquisa, e pela gentileza e atenção durante o processo de criação
deste trabalho. Sua dedicação e suas contribuições foram essenciais para que este estudo fosse
realizado da melhor forma possível.

A minha coorientadora Priscila Vasconcelos, que também esteve presente em cada etapa do
desenvolvimento do trabalho, auxiliando desde a metodologia às entrevistas, mostrando sempre
uma sensibilidade enorme em relação às questões do espaço. Agradeço pelo apoio, pelas
conversas e por se mostrar sempre disposta a auxiliar quando necessário.

Aos colegas do GEMFI, que desde o começo me proporcionaram acolhimento e novos


questionamentos, tendo um papel fundamental na elaboração da temática deste trabalho. Em
especial, agradeço a Rafaela Teti, que me auxiliou durante as visitas de campo, e a Kainara dos
Anjos, que desde o começo desta caminhada esteve presente, incentivando e auxiliando sempre
de maneira muito gentil e atenciosa.

A cada um dos amigos que me apoiaram durante essa trajetória. Em especial, aos que dividiram
comigo os obstáculos destes anos de curso. Agradeço aos amigos do grupo de estudo que
estiveram presentes em cada dia de aula, em cada noite de trabalho, me fazendo, acima de tudo,
valorizar as atividades em conjunto. Agradeço especialmente às pessoas que deixaram esta
graduação mais leve. A Helena, por estar sempre ao meu lado desde o começo do curso, sendo
parceira para todas as horas e a Wilson, pelos momentos de descontração e por ser um exemplo
de otimismo.

A Luanancy, companheira de curso, de sala e de GEMFI. Obrigada pelo auxílio dentro e fora
da pesquisa, pelas visitas de campo, pelos questionamentos e pela colaboração sempre que eu
precisava.
Agradeço a Lucas, meu companheiro e amigo, que esteve presente em cada etapa desta
trajetória, nos bons e maus momentos, tanto durante a graduação, quanto durante a confecção
deste trabalho. Obrigada pela companhia nas visitas de campo e por ouvir minhas inúmeras
indagações sobre o assunto. Agradeço, sobretudo, por me levantar quando estava pra baixo e
por me fazer acreditar que eu conseguiria.

Aos meus professores, que sem dúvida me ensinaram mais do que arquitetura e urbanismo.
Levarei comigo cada ensinamento e cada palavra.

Por fim, não poderia deixar de agradecer aos comerciantes dos bairros de Santo Antônio e São
José que, desde 2014, me proporcionam conhecer a área através de outro ponto de vista. Aos
entrevistados, agradeço a generosidade, a confiança e as sábias palavras que despertaram ainda
mais meu interesse pela pesquisa nesta área da cidade.
RESUMO

O trabalho tem como temática o mercado imobiliário nos Centros Históricos, mais
especificamente, no que se refere aos bairros de Santo Antônio e São José, em Recife. Tal tema
surge a partir da indicação da existência significativa de um mercado de locação comercial, nos
supramencionados bairros, e pelo interesse em conhecer como este mercado interfere em uma
área de preservação histórica. Diante disto, o objetivo do trabalho é investigar a dinâmica
espacial do mercado imobiliário de aluguel comercial em áreas históricas dos bairros de Santo
Antônio e São José. Para tanto, foi abordada primeiramente a evolução urbana dos bairros,
assim como suas modificações ao longo dos anos, com o intuito de identificar a construção da
dinâmica do mercado de aluguel na área e sua transformação em centro comercial e histórico.
Para uma análise aprofundada sobre o mercado de locação de imóveis que abrigam atividades
mercantis, foi realizada uma investigação das características morfotipológicas da área, que
resultou na delimitação de um recorte espacial. Neste recorte foi realizado um levantamento
das unidades comerciais disponíveis para aluguel. Através dessa metodologia foi possível
identificar uma série de fatores que são responsáveis pela determinação dos preços na área,
sendo que alguns se sobressaem mais que outros. Identificou-se assim a grande influência das
características situacionais para a formação dos preços e um mercado que prioriza a função
comercial, gerando impacto na conservação dos edifícios e na dinâmica atual da área.
Palavras-chave: Aluguel, Centro Histórico do Recife, Comércio, Mercado Imobiliário.
ABSTRACT

This paper has the thematic of the real estate market in Historical Centers, specifically in what
concerns to the historical areas in the neighborhoods of Santo Antônio and São José, in Recife.
This theme arises from the indication of a meaningful existence of a rental market of trade in
the mentioned neighborhoods and from an interest in knowing how this rental market interferes
in a historical protection area. Hence, as a result, the main goal of this research is to investigate
the rental market of trade’s spatial dynamic in historical areas of the neighborhoods of Santo
Antônio and São José. Thus, the urban evolution was firstly discussed in those areas, as well as
changes throughout the time, to identify the construction of rental market’s dynamic and it
transformations in a commercial and historical center. To analyse the rental market of
commercial properties, an investigation about the morphological and typological characteristics
of this area was made, and it resulted in a delimitation of a spatial cutout. At this area was
developed a survey of the commercial units available for rent. With this methodology it was
possible to identify factors responsible for determine the prices in the area, where some factors
stand out more than others. Thus, it was identified the considerable influence of the situational
factors to price formation and a market which prioritizes the commercial function, generating
impact in the building conservation and in the current dynamic in area.
Keywords: Rental, Historical Center of Recife, Trade, Real estate of market.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 - Localização do Centro Histórico do Recife (CHR)....................................................12


Figura 2 - Zoneamento do CHR e delimitação da área de estudo...............................................14
Figura 3 - Cidade Maurícia, 1639..............................................................................................20
Figura 4 - Recorte da Planta da Cidade do Recife e seus arrabaldes, 1875.................................25
Figura 5 - Recorte do Mapa de Recife (1906): linhas de bonde (verde) e estradas de ferro
(vermelho)..............................................................................................................26
Figura 6 - Vista aérea mostrando intervenções viárias nos bairros de Santo Antônio e São
José.........................................................................................................................28
Figura 7 - Travessa do Carmo, atual Avenida Nossa Senhora do Carmo (1955)........................29
Figura 8 - Fragmentos de jornal: anúncios de aluguel e venda da década de 1930...................30
Figura 9 - Recorte dos bairros de Santo Antônio e São José: divisão em macro parcelas
(quadras).................................................................................................................42
Figura 10 - Recorte dos bairros de Santo Antônio e São José: divisão das quadras em lotes......42
Figura 11 - Recorte dos bairros de Santo Antônio e São José: tipologias edilícias.....................44
Figura 12 – Padrões de ocupação (lote mais tipologia)..............................................................44
Figura 13 - Pátio do Livramento................................................................................................46
Figura 14 - Pátio de São José do Ribamar..................................................................................46
Figura 15 – Recorte de Santo Antônio e São José: classificação das vias, segundo sua
hierarquia..................................................................................................................................48
Figura 16 - Recorte da área de estudo.........................................................................................53
Figura 17 - Rua Direita, bairro de Santo Antônio.......................................................................54
Figura 18 - Rua das Calçadas, bairro de São José.......................................................................54
Figura 19 - Usos na área de estudo.............................................................................................56
Figura 20 - Descarregamento de produtos em depósito na rua Vidal de Negreiros....................58
Figura 21 - Ruas de comércio especializado na área..................................................................61
Figura 22 - Fluxos de pessoas na área........................................................................................63
Figura 23 - Imóveis comerciais transacionados mediante compra e venda (2008 – 2013).........73
Figura 24 - Imóveis habitacionais no Setor de Preservação Rigorosa de São José (2010)..........76
Figura 25 - Imóveis habitacionais no Setor de Preservação Rigorosa de São José (2016)..........76
Figura 26 - Área de estudo: lotes ocupados por comércio chinês em 2015.................................90
Figura 27 - Área de estudo: lotes ocupados por comércio chinês em 2017.................................90
Figura 28 - Exemplos de placas de aluguel na área de estudo.....................................................92
Figura 29 - Imóveis disponíveis para aluguel.............................................................................93
Figura 30 - Imóveis ofertados conforme sua tipologia...............................................................95
Figura 31 - Imóveis ofertados conforme os tipos de unidades comerciais disponíveis...............97
Figura 32 - Bom.........................................................................................................................98
Figura 33 - Regular....................................................................................................................98
Figura 34 - Precário...................................................................................................................98
Figura 35 - Imóveis ofertados conforme seu estado de conservação..........................................99
Figura 36 - Sobrado na Rua do Rangel.....................................................................................100
Figura 37 - Placa de aluguel.....................................................................................................100
Figura 38 - Cruzamento de dados: fluxos x preços/m².............................................................104
Figura 39 - Cruzamento de dados: comércio especializado x preços/m²..................................106
Figura 40 - Cruzamento de dados: estado de conservação x preços/m²....................................108
Figura 41 - Cruzamento de dados: ano de construção x preços/m²...........................................110
Figura 42 - Cruzamento de dados: tipologia x preços/m².........................................................112
Figura 43 - Cruzamento de dados: unidades comerciais x preços/m².......................................114
Figura 44 - Unidade comercial (box) ofertada na Rua das Águas Verdes................................115
Quadro 1 - Bens Tombados pelo IPHAN nos bairros de Santo Antônio e São José................35

LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1 - Média diária de passageiros no metrô na RMR, em dia útil, por estação e linha.......51
Gráfico 2 - Situação dos imóveis transacionados no CHR, 2008-2014......................................70
Gráfico 3 - Uso dos imóveis transacionados no CHR, 2008-2014.............................................70
Gráfico 4 - Imóveis transacionados entre 2008 e 2014 na amostra do bairro de São José...........74
Gráfico 5 - Uso dos imóveis transacionados entre 2008 e 2014 na amostra do bairro de Santo
Antônio...................................................................................................................75
Gráfico 6 - Uso dos imóveis transacionados entre 2008 e 2014 nas amostras do bairro de São
José.........................................................................................................................75
Gráfico 7 - Proprietários dos imóveis em Santo Antônio e São José..........................................80
Gráfico 8 - Proprietários dos imóveis na área de estudo.............................................................80
Gráfico 9 - Período de aluguel do imóvel nos bairros de Santo Antônio e São José...................84
Gráfico 10 - Motivação em alugar imóveis no Centro da Cidade (inquilinos dos bairros de Santo
Antônio e São José)................................................................................................85
Gráfico 11 - Vontade de mudar o ponto para outra área da cidade (inquilinos dos bairros de
Santo Antônio e São José)....................................................................................86
Gráfico 12 - Responsável pela negociação do imóvel (bairros de Santo Antônio e São José)....86
Gráfico 13 - Preços/m² dos imóveis ofertados na área de estudo..............................................101
Gráfico 14 - Comparação das médias de preços/m² em ruas comerciais de outros bairros do
Recife.................................................................................................................102

LISTA DE TABELAS

Tabela 1 - Linhas de ônibus em circulação em Santo Antônio e São José..................................50


Tabela 2 - Ruas especializadas de acordo com a predominância de determinado ramo..............59
Tabela 3 - Contagem de Pedestres em vias do bairro de São José...............................................65
Tabela 4 - Transações imobiliárias realizadas no CHR no período de 2008 a 2014....................70
Tabela 5 - Universo do Centro Histórico do Recife (CHR) x Transações de Compra e Venda –
ITBI Recife (2008 – 2013)........................................................................................72
Tabela 6 - Proprietários dos imóveis de Santo Antônio, São José e da área de estudo................79
SUMÁRIO

Introdução................................................................................................................................11

1. Construção de um Centro Histórico e Urbano: os bairros de Santo Antônio e São


José.......................................................................................................................................17

1.1 Nas entre ilhas: formação econômica e territorial da Ilha de Antônio Vaz.....................17
1.2 O ‘Centro da Cidade’: transformação em Centro Urbano Comercial.............................22
1.3 O despertar para o tempo histórico: o Centro se torna patrimônio..................................32
1.4 O Centro Histórico Urbano-Comercial no século XXI..................................................36
1.5 Considerações sobre o capítulo......................................................................................38

2. Leitura urbana dos bairros de Santo Antônio e São José: análise dos atributos
morfotipológicos e dos caminhos para delimitação de um recorte empírico..................39
2.1 O que indicam as formas? Análise da estrutura física.....................................................39
2.2 Os caminhos convergem para o centro...........................................................................46
2.3 Entre bairros e história: o recorte espacial......................................................................52
2.4 Comércio, especialização e sua atuação no espaço........................................................55
2.5 Considerações sobre o capítulo......................................................................................66

3. Dinâmica espacial do mercado imobiliário no Centro Histórico Urbano-Comercial do


Recife....................................................................................................................................67
3.1 Mercado imobiliário e seus bens....................................................................................67
3.2 Mercado de aluguel e comércio/serviços no CHR..........................................................69
3.3 Agentes imobiliários em Santo Antônio e São José.......................................................77
3.4 Produtos ofertados no mercado imobiliário...................................................................91
3.5 Fatores determinantes dos preços................................................................................101
3.6 Considerações sobre o capítulo....................................................................................117

Considerações finais..............................................................................................................119
Referências Bibliográficas....................................................................................................123

APÊNDICE A........................................................................................................................126
APÊNDICE B........................................................................................................................127
APÊNDICE C........................................................................................................................128
APÊNDICE D........................................................................................................................129
ANEXO A...............................................................................................................................133
ANEXO B...............................................................................................................................134
11

Introdução

O presente trabalho está inserido na pesquisa “Funcionamento do mercado imobiliário


nos centros históricos das cidades brasileiras”, que vem sendo desenvolvida pelo Grupo de
Estudos sobre o Mercado Fundiário e Imobiliário (GEMFI) e coordenado pela professora
Norma Lacerda. A pesquisa tem como objeto empírico de análise os centros históricos de
Olinda (PE), Recife (PE), São Luís (MA) e Belém (PA). Foi desenvolvida a partir da percepção
de uma ausência de estudos sobre o funcionamento do mercado imobiliário nos Centros
Históricos das cidades brasileiras. Apesar da relevância desse tema, praticamente inexistem
estudos sobre ele. Dito de outra forma, há uma carência de conhecimento sobre como os
mercados de compra e venda e de locação atuam nas áreas históricas.

Os Centros Históricos são denominados dessa forma por representarem áreas que
abrigam diversos tempos e, portanto, valores relativos à memória e ao passado de um povo,
valores que podem ser transmitidos às gerações futuras por meio da permanência do traçado
urbano e das construções antigas. Diante disto, a preservação dessa memória se faz presente
através da conservação dessas áreas da cidade. Não sem razão, são tratadas fisicamente de
maneira diferenciada, existindo leis que regulam o tratamento dos imóveis existentes nesses
espaços.

Na América Latina, até pouco tempo, esse tratamento diferenciado em relação aos
centros históricos tem sido visto como um freio para o desenvolvimento urbano, o progresso
ou novo (CARRION, 2001), o que fez com que ocorresse uma negação desse espaço como
lugar de investimentos. A presença de uma certa contradição entre o avanço da cidade e o
abandono do centro histórico repercutiu na conservação do patrimônio.

É a partir dos anos 1990 que se observa, no Brasil, a inclusão de novos elementos e usos
contemporâneos nos centros históricos, interferindo nas transações de compra e aluguel de
imóveis. Percebe-se, nesses casos, a presença de uma nova dinâmica do mercado imobiliário,
como será analisado no estudo do Centro Histórico do Recife (CHR) (Figura 1).
12

Figura 1: Localização do Centro Histórico do Recife (CHR).

Fonte: ESIG/GEMFI, 2017. Elaboração própria.

No caso do mercado imobiliário deste Centro, conseguiu-se observar, até o momento,


que não se trata de um mercado espacialmente homogêneo, e sim, formado a partir de algumas
porções territoriais (LACERDA, N.; ANJOS, K.L.D., 2014). Deste modo, foi constatado que
funciona a partir de submercados que, grosso modo, correspondem aos bairros do Recife, da
Boa Vista, de Santo Antônio e de São José. Cada um deles é marcado por suas singularidades
e dinamismo próprio.

O bairro do Recife, por exemplo, apresenta hoje um submercado de compra e venda e


de locação de imóveis mais voltado para as atividades de Tecnologia da Informação e
Comunicação (TIC) e para as atividades ligadas ao turismo e lazer. Ganharam destaque,
respectivamente, através das iniciativas do Projeto Porto Digital e do Projeto Porto Novo. Este
submercado imobiliário conheceu um grande dinamismo nos últimos 20 anos, devido,
principalmente, aos investimentos do setor público em infraestruturas e, também, aos incentivos
fiscais (isenção parcial do Imposto Sobre Serviço), que facilitaram a implantação das atividades
de TIC.

Já na Boa Vista, o submercado habitacional é expressivo em relação aos demais bairros.


Abriga 78,36% do total de domicílios particulares permanentes do Centro Histórico do Recife,
13

de acordo com o Censo de 2010. Apesar do grande número de habitações, o bairro ainda conta
com a participação de atividades de comércio e serviços.

O bairro de Santo Antônio é conhecido pela grande presença de funções institucionais,


abrigando edifícios como o Palácio do Governo, o Palácio da Justiça e a sede dos Correios. A
partir da segunda metade dos anos 2000, seu submercado imobiliário vem sendo fortemente
dinamizado por atividades educacionais. Grandes empresas da área de educação investem na
recuperação dos imóveis do bairro, principalmente nos que estão localizados na Avenida
Guararapes. Além disso, Santo Antônio se destaca ainda pelo abrigo de atividades de comércio
e serviços, atividades muito presentes também no bairro de São José.

Em São José – de acordo com o estudo de iniciação científica, realizado em 2016, pela
autora deste trabalho –, nota-se que o uso habitacional é escasso. De 2010 a 2016, houve uma
diminuição de 35,92% do número de domicílios particulares permanentes no Setor de
Preservação Rigorosa (SPR) desse bairro. Paralelamente, percebe-se na área um cenário
marcado, sobretudo, pelo comércio popular, inserido em ruas que apresentam especialidades e
muito movimento, principalmente próximo à fronteira com o bairro de Santo Antônio.

Isso posto, a análise realizada no presente trabalho terá como foco a área que
corresponde a trechos dos bairros de São José e Santo Antônio, localizados no centro do Recife
(ver Figura 2). Nesse recorte, vem ocorrendo uma dinâmica de mercado imobiliário diferente
do que se pode encontrar nos outros bairros do CHR. Essa porção territorial encontra-se
afastada dos investimentos públicos, concentrados no bairro do Recife, e dos investimentos
privados do polo educacional.
14

Figura 2: Zoneamento do CHR e delimitação da área de estudo.

Fonte: Zoneamento LUOS (Lei nº 16.176/1996). Elaboração própria.

A área apresenta características distintas, quando comparada ao restante do CHR, com


uma forte dinâmica do comércio popular, que vem crescendo ao longo dos anos. Afinal, essa
atividade atrai pessoas de diversos lugares da Região Metropolitana do Recife e, até mesmo, do
Estado de Pernambuco. Trata-se de compradores de artigos diversos vendidos tanto em varejo
quanto em atacado.
15

A escolha desse recorte espacial foi definida por se tratar de uma área praticamente
homogênea no que diz respeito, não apenas à dinâmica comercial, mas também, em relação à
morfologia urbana e ao seu padrão de ocupação, heranças, em sua maioria, do povoamento da
Ilha de Antônio Vaz, no século XVII. Além disso, algumas intervenções viárias como a abertura
da Avenida Dantas Barreto e da Avenida Nossa Senhora do Carmo, na primeira metade do
século XX, acabaram delimitando e distinguindo a área do resto dos bairros de São José e de
Santo Antônio. Desse modo, as características do trecho de Santo Antônio são muito
semelhantes às características e ao traçado que se encontram na área de São José, o que contribui
para um dinamismo específico, relacionado ao comércio popular encontrado na área.

O recorte temporal começa no ano de 20081 e se estende até os dias atuais. Todavia,
remonta-se ao século XVII, buscando compreender como o povoamento do espaço e sua
mudança ao longo do tempo influenciaram no modo de atuação do mercado imobiliário de
aluguel para comércio e serviços.

A escolha do mercado de aluguel explica-se pela predominância desse tipo de transação


imobiliária, detectada pela pesquisa direta realizada pelos integrantes do GEMFI. Mediante a
sistematização dos dados dessa pesquisa, Lacerda (2017) conclui que mais de 90% das
negociações imobiliárias ocorridas no CHR, no período de 2008 a 2014, referiam-se a aluguel,
notadamente de imóveis destinados a comércio e serviços.

É a partir dessa dinâmica que algumas questões surgiram para entender o funcionamento
desse mercado: Como a formação territorial da área selecionada no Centro Histórico do Recife
influencia na dinâmica espacial do seu mercado imobiliário? Como os setores especializados
de comercialização, o tamanho dos imóveis, sua localização e seu grau de conservação
interferem nos preços praticados no mercado imobiliário?

Diante das questões formuladas, este trabalho tem como objetivo geral investigar a
dinâmica espacial do mercado imobiliário de aluguel comercial em áreas históricas dos bairros
de Santo Antônio e São José. Tem como objetivos específicos: (i) entender a construção desse
centro histórico a partir de sua origem no século XVII até a atualidade; (ii) compreender o
mercado imobiliário em Santo Antônio e São José, por meio da identificação dos predicados
dos bens transacionados e dos agentes que nele atuam; e (iii) verificar a dinâmica espacial da

1
A mencionada pesquisa em rede considerou o período de 2008 a 2013. Foi no ano de 2008 que a crise do
setor imobiliário nos Estados Unidos se originou. O governo brasileiro, para se resguardar dessa crise, lançou
neste ano programas habitacionais, o que provocou uma forte valorização imobiliária, que se estendeu até
2013, quando a economia brasileira entrou em crise.
16

área de estudo a partir de fatores que influenciam os preços de aluguel praticados no mercado.
Para tanto, o trabalho foi estruturado em três capítulos.

O primeiro capítulo trata do processo de formação e estruturação espacial do Centro


Histórico do Recife (CHR), remontando ao século XVII para compreender como as referências
do passado influenciaram e influenciam até hoje na dinâmica da área. Oferece uma análise mais
detalhada sobre a então Ilha de Antônio Vaz, buscando desvendar seu mercado imobiliário e
sua evolução, assim como a transformação do espaço em um centro urbano comercial popular
e em um Centro Histórico no século XX. O capítulo aborda também as legislações
protecionistas e o simbolismo dessa área, edificado ao longo do tempo.

No segundo capítulo, as características espaciais dos bairros de Santo Antônio e São


José são evidenciadas a partir da leitura urbana da área, análise essencial para o estudo, uma
vez que revela um espaço formado por épocas distintas. São apresentadas ainda outras
características específicas da área e da sua dinâmica. A partir dessas temáticas, é definido o
recorte espacial para que o estudo do funcionamento do mercado imobiliário seja devidamente
aprofundado.

O terceiro capítulo trata da questão da dinâmica espacial do mercado imobiliário na área


em pauta. São apresentados referenciais analíticos sobre mercado imobiliário, mais
especificamente no que se refere ao mercado imobiliário de aluguel e comércio e serviços. Os
agentes imobiliários também serão identificados, assim como sua visão e influência nas
negociações. Por fim, através de cruzamentos de dados, evidenciam-se fatores decisivos para a
determinação dos preços praticados na área, como usos, fluxos de pessoas, localização e estado
de conservação das edificações.
17

1. Construção de um Centro Histórico e Urbano: os bairros de Santo Antônio


e São José

O presente capítulo discorre sobre a história dos bairros de Santo Antônio e São José,
mostrando como eles foram se conformando e consolidando, assim, o uso comercial com
implicações no mercado de aluguel. Mostra ainda a construção da ideia de Centro Histórico e
como as características desses bairros foram importantes para tal denominação.

Para isso, o capítulo se divide em quatro partes. Na primeira, denominada Nas entre
ilhas: formação econômica e territorial da Ilha de Antônio Vaz, aborda-se o seu
desenvolvimento a partir do século XVII, quando os bairros de Santo Antônio e São José
agrupavam-se sob essa denominação. Na segunda parte, intitulada O ‘Centro da Cidade’:
transformação em Centro Urbano Comercial, são feitas considerações sobre a situação desses
bairros no século XIX, enfatizando as reformas urbanas e uma série de fatores que contribuíram
para a transformação desses espaços. Na terceira parte, nomeada O despertar para o tempo
histórico: o Centro se torna patrimônio, são apresentadas reflexões a respeito da área,
considerando o seu título de Centro Histórico. Por fim, na parte denominada O Centro Histórico
Comercial no século XXI, são abordadas reflexões sobre como, na atualidade, essa
espacialidade se insere no contexto recifense.

1.1 Nas entre ilhas: formação econômica e territorial da Ilha de Antônio Vaz

A colonização da Capitania de Pernambuco ocorreu no século XVI, sendo uma das


primeiras áreas a serem ocupadas pelos conquistadores portugueses. A Vila de Olinda, nomeada
dessa forma em 1537, foi o local escolhido para a instalação do donatário Duarte Coelho. Essa
Vila, devido às benfeitorias realizadas em seu território, conseguiu prosperar e enriquecer.
Ademais, enquanto Olinda era muito bem vista pelos nobres lusitanos que habitavam a
Capitania, o Recife era apenas um burgo triste e abandonado, de marinheiros e de gente ligada
ao porto (MELLO, 2001).

Naquela época, Olinda era o centro urbano da Capitania, enquanto o Recife era o núcleo
portuário, tratando da exportação de produtos como o açúcar. O Bairro do Porto – atual Ilha do
Recife – acabou tendo um desenvolvimento modesto que dependia do seu mercado externo
(LUBAMBO, 1991). Da mesma forma, a Ilha de Antônio Vaz – que atualmente abriga os
bairros de Santo Antônio e São José – não apresentava muitas construções, mas era de extrema
18

importância para o fornecimento de água que abastecia os navios ancorados no porto do Recife
(MENEZES, J.L.M., 2015).

Em 1630, as naus holandesas adentram a Capitania e o Recife começou a ganhar


notoriedade. O sucesso da Capitania de Pernambuco em decorrência da produção de açúcar e
de sua exportação chama a atenção dos flamengos. A área era uma tentação pela prosperidade
e pelas riquezas que abrigava. A partir daí, ocorreu uma mudança no tratamento de Recife e
Olinda, que passou a influenciar no desenvolvimento urbano de ambas.

Após a conquista de parte do território da Capitania e com a instalação em Olinda, os


holandeses encontraram dificuldade em manter esta Vila segura. A impossibilidade de fortificar
os morros contra os ataques lusitanos, a existência de casas dispersas e a grande distância em
relação ao porto foram vistos como um empecilho para o estabelecimento nessa localidade.
Houve então a decisão de se concentrarem na Ilha do Recife (hoje bairro do Recife) e na Ilha
de Antônio Vaz que, segundo o coronel Van Els, “são lugares próprios para, com oportunidade,
fundar-se uma cidade” (apud MELLO, 2001, p. 50). Em 1631, Olinda foi incendiada pelos
holandeses. Estes passaram a residir no Recife.

A partir desse momento, inicia-se a adaptação do Recife aos novos habitantes. O


aumento da população fez com que houvesse a construção de muitas casas e edificações,
resultando no rápido povoamento da Ilha do Recife. Antônio Vaz, no entanto, não cresceu no
mesmo ritmo que essa Ilha. Antes da chegada do Conde Maurício de Nassau, não existia em
Antônio Vaz “senão três ou quatro armazéns e um Convento” (MELLO, 2001, p. 56). O
conselheiro de Nassau, Johan Guijselin, já havia estado no Recife anteriormente e, em 1637, já
descrevia o cenário encontrado no momento de seu retorno.

Encontro aqui no Recife, desde a minha partida, uma mudança extraordinária em casas
de comerciantes, nos negócios e construções que diariamente se iniciam em grande
número, tão belas como na pátria, de modo que dificilmente há lugar para nos
alojarmos e muito menos para construir, já estando ocupados os melhores pontos;
alguns portugueses já moram aqui. (apud MELLO, 2001, p. 62)

Percebe-se que o conselheiro já mencionava a grande quantidade de construções na Vila


do Recife, destinadas também às atividades comerciais. Não havia, neste caso, espaço para a
instalação e moradia dos colonos que chegavam diariamente, estando os melhores lotes já
ocupados e apresentando preços muito altos devido à grande demanda. Todavia, a Ilha de
Antônio Vaz possuía vários terrenos e uma localização estratégica, central. Deste modo, a
ausência de lotes vagos na Ilha do Recife, juntamente com as vantagens de Antônio Vaz, foram
19

os principais fatores que levaram à sua ocupação naquele momento. Segundo Menezes (2015,
p. 70) “Nassau, ao tomar conhecimento da dificuldade de expansão da área habitável da aldeia,
sem que se fizessem grandes aterros, passou a ter maior interesse pela Ilha de Antônio Vaz
[...]”. Em 1637, com a presença do então governador, João Maurício de Nassau, a Ilha de
Antônio Vaz começou a conhecer intervenções urbanísticas que, até hoje, repercutem na sua
estruturação espacial.

Com o intuito de estender a área fortificada existente na Ilha de Antônio Vaz e ocupá-
la de modo mais intensivo, em 1639, Nassau decidiu realizar um projeto de ampliação. Este
projeto foi atribuído ao engenheiro Pieter Post e pode ser considerado um marco para a
organização urbana no Recife. O governador tratou então da organização urbana da Ilha,
habitada naquele momento por pouco mais de cento e cinquenta casas, e cuidou da criação de
serviços públicos e da ocupação dos mangues, aterrados segundo a necessidade de expansão e
de novas habitações (MENEZES, J.L.M, 2004). Providenciou ainda o projeto de uma ponte que
interligaria a vila do Recife à Antônio Vaz. Havia a intenção de construir ali uma grande cidade,
a capital do domínio holandês no Brasil.

Na Figura 3, observa-se o traçado geometrizado utilizado no plano de Pieter Post,


mostrando a presença de vias retilíneas, canais e duas fortificações que cuidariam da proteção
da Ilha de Antônio Vaz. Os holandeses não apresentaram tanta dificuldade em ocupar este
espaço, a princípio, pela experiência deles em áreas alagadas, enquanto os portugueses tinham
a tradição de construir em áreas de colinas. Nota-se ainda a distinção de dois núcleos, separados
por um canal, um ao norte e outro ao sul da Ilha. O primeiro correspondia a parte mais antiga
do povoamento, onde já haviam algumas construções como o Convento de Santo Antônio e o
antigo Groot Kwartier, que com a ampliação seria transformado em uma praça das armas,
abrigando o uso comercial. A outra área, localizada entre o antigo quarteirão e a Fortaleza das
Cinco Pontas (ao sul da Ilha), foi denominada Nova Maurícia e previa um parcelamento
específico, abrigando ainda uma praça destinada ao comércio de peixe.
20

Figura 3: Cidade Maurícia, 1639.

Fonte: Atlas de J. Vingboons do Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico Pernambucano,


Recife, 1639.
A ocupação da Nova Maurícia foi, desta forma, destinada ao atendimento da demanda
habitacional de colonos com menor renda que chegavam na Ilha a partir de 1639. Por essa razão,
seus lotes e casas apresentavam dimensões reduzidas em comparação com o bairro do Recife,
por exemplo (MENEZES, J.L.M., 2015). Esse fato é importante para analisar a malha urbana
que se formou na época, e que, em sua maioria, permanece atualmente. As ruas estreitas, os
lotes pequenos e o adensamento encontrados hoje na área foram pensados em uma época de
expansão e ocupação, onde o espaço deveria ser aproveitado da melhor maneira possível para
uma população com renda mais baixa. Havia, portanto, a clara intensão de povoar essa área, e
assim, resolver o problema da habitação no bairro do Recife.

Nota-se já nessa época a preocupação em não apenas ocupar Antônio Vaz, mas também
em setorizar sua área de acordo com o perfil socioeconômico dos seus usuários. Após a saída
dos holandeses da Capitania em 1654, o plano de ampliação de Pieter Post sofre algumas
alterações no seu traçado e em sua geometria, entretanto ainda consegue manter suas principais
diretrizes, ajustadas às condições estabelecidas pelos lusitanos (REYNALDO, 2017). A
21

urbanização realizada pelos portugueses determina, assim, a configuração que se encontra


atualmente na área.

Outro elemento destacável da organização urbana de Santo Antônio, na segunda


metade do século XVII, é a manutenção da proposta de distribuição das atividades
residenciais no extremo sul, comerciais no núcleo central e político-administrativas
no extremo norte, enquanto a presença da igreja católica constitui o elemento
estruturador do crescimento urbano de Santo Antônio e São José a partir de 1654.
(REYNALDO, 2017, p. 71)

Dessa forma, a urbanização holandesa foi fundamental para trazer, naquele momento,
as primeiras noções de ordenamento do espaço. Entretanto, a nova urbanização ignorou alguns
elementos próprios da cultura flamenga, inserindo em seu traçado elementos da cultura luso-
brasileira. Os canais previstos no plano, por exemplo, foram aterrados pelos portugueses e seus
terrenos passaram a abrigar ruas ou largos de igrejas (MENEZES, J.L.M., 2015). A partir desse
período até meados do século XIX há ainda o surgimento de becos ou travessas, atrelados à
característica de transversalidade, sendo vias estreitas que faziam a ligação entre as ruas
principais (MACIEL; VASCONCELOS, 2017).

Com a saída dos holandeses, o casario foi entregue aos antigos proprietários lusitanos,
entretanto haviam algumas edificações construídas durante o período da ocupação flamenga.
Estas foram entregues aos donos de chão, passando a ser exploradas através do aluguel ou
vendidas (MENEZES, J.L.M., 2015). O Inventário dos prédios edificados ou reparados pelos
holandeses na cidade do Recife até 1654 aborda essa problemática. Nele há uma descrição de
uma determinada quantidade de pessoas que surgem a partir de 1654 para reivindicar o direito
de chão de algumas casas já construídas pelos holandeses. Eram poucos proprietários, mas
donos de uma grande quantidade de terras. A reivindicação, na maior parte das vezes, era
aprovada com a condição de que fossem pagas ao provedor as benfeitorias realizadas pelos
flamengos, ou seja, haveria o pagamento pelas construções realizadas nos terrenos.

Em Antônio Vaz nota-se ainda, a partir do inventário, a presença mais intensa de


imóveis em duas situações: alugados ou aquartelando militares. A presença do mercado de
aluguel nesse momento mostra indícios de que, naquela época, a posse do chão era tão
valorizada que era difícil haver sua venda. As edificações encontradas na área eram, em sua
maioria, fabricadas pelos flamengos, entretanto muitas delas foram mencionadas no inventário
como danificadas, algumas caindo pouco tempo depois. As casas holandesas apresentaram
pouca durabilidade e, dessa forma, foram sendo gradativamente substituídas pelas construções
22

portuguesas. Os sobrados e as residências térreas tornaram-se as tipologias mais encontradas


após esse período. Outras construções que seriam muito encontradas com o retorno dos
lusitanos seriam as igrejas. Com a chegada dos antigos donos de chão, alguns terrenos foram
doados para o estabelecimento de construções religiosas, que se tornariam cada vez mais
presentes, principalmente em Antônio Vaz.

O Recife acabou perdendo muito a amplitude de suas exportações a partir do século


XVII, entretanto ainda despontava como um importante núcleo portuário do país (LUBAMBO,
1991). Essa dinâmica presente junto ao porto, no povoado do Recife, também acarretou a
instalação de diversos estabelecimentos comerciais – agora pertencentes aos portugueses – na
área. O povoado de Santo Antônio continuaria com as áreas delimitadas do plano de 1639, onde
ao norte estaria distribuído o setor político-administrativo e ao sul, a área residencial. O
comércio estaria localizado ao centro, na praça comercial da organização holandesa, atual Praça
da Independência.

Em 1787, entretanto, essas atividades começaram a obter maior dinâmica em outras


áreas da Ilha. A partir do estabelecimento de feiras de gêneros alimentícios em 62 casinhas de
alpendre corrido e em 128 bancos, fazia-se o comércio de alimentos na chamada Ribeira de São
José, localizada na atual Praça da Penha (GALVÃO, S. V.; SILVA, L. D, 2006). A praça, antes
destinada ao comércio de peixe, passa a obter um novo patamar. O potencial das atividades
mercantis na área é colocado à prova a partir daquele momento, havendo a divisão do núcleo
comercial do povoado de Santo Antônio que gradativamente passaria a receber uma nova
dinâmica. Essa dinâmica será essencial mais adiante para a construção da identidade comercial
da área, que começa a se transformar e ter cada vez mais destaque na cidade.

1.2 O ‘Centro da Cidade’: transformação em Centro Urbano Comercial

O século XIX surge como um marco nas transformações mundiais. Diversos avanços
no campo da ciência e da tecnologia fizeram com que houvesse o crescimento da população e
sua consequente expansão. As cidades cresciam em um ritmo acelerado, de modo que fossem
capazes de acompanhar tal expansão populacional.

A década de 1840 marca o início da história moderna do Recife, porque se registra a


primeira intenção de modernizar e expandir a antiga cidade colonial, com o objetivo
de adaptá-la às necessidades do notável crescimento demográfico e econômico [...].
(REYNALDO, 2017, p. 84)
23

No Recife, após a lei provincial nº 133 de 1844, tamanha foi a expansão da Freguesia
de Santo Antônio que houve seu desmembramento, dando origem à Freguesia de São José, ao
sul da Ilha. São José permanece, então, com a maior parte de seu território abrigando a função
habitacional, estabelecida desde o parcelamento do solo da Nova Maurícia. Percebe-se esse fato
a partir do momento que a Freguesia de São José seria caracterizada como a menos comercial
em comparação com as freguesias do Recife, de Santo Antônio e da Boa Vista. Entretanto,
ainda se encontrava movimento mercantil em algumas de suas ruas como a Marcílio Dias (rua
Direita), o largo do Terço, o largo do Mercado, a rua Marquês do Herval (rua da Concórdia), o
largo das Cinco Pontas (rua Vidal de Negreiros) e a rua Oitenta e Nove (GALVÃO, S. V.;
SILVA, L. D, 2006).

A partir da segunda metade do século os investimentos em infraestrutura urbana também


foram atribuídos à nova fase do país, que presenciava a crescente expansão do capitalismo. No
Recife, a base da economia naquele momento era advinda dos lucros relativos à atividade
comercial e da renda gerada pela instalação das primeiras indústrias na cidade, que acarretou
uma alta concentração populacional (LUBAMBO, 1991). Essa série de fatores atingiu o Recife,
havendo, então, a necessidade de intervir na cidade visando seu desenvolvimento urbano.

Desse modo, muitos equipamentos públicos foram implantados naquela época pela
Repartição de Obras Públicas, impulsionando a modernização da cidade e estabelecendo
melhorias em diversos campos, como na mobilidade urbana. Exemplos dessas intervenções
podem ser visualizadas na construção das pontes Buarque de Macedo (1856) e Princesa Isabel
(1863), que interligam Santo Antônio à Vila do Recife e à Boa Vista, respectivamente.
Juntamente com essas obras, a construção da Estação Central (1885), em São José, foi
fundamental para facilitar a articulação com seus arredores e com outras cidades no interior do
Estado. Outras obras como a construção do Liceu de Artes e Ofícios (1880), da Casa de
Detenção (1848), da Biblioteca Pública (1852) e do Mercado de São José (1875) foram
importantes para equipar e dinamizar a Ilha de Antônio Vaz, também conhecida como Ilha de
Santo Antônio.

O Mercado de São José pode ser considerado não apenas um marco para a arquitetura
da época, mas também um símbolo do comércio popular que começava a se formar em seu
entorno. O edifício em ferro foi projetado com inspiração no Mercado Público de Grenelle, em
Paris, e surgiu no lugar do antigo Largo da Ribeira do Peixe, local de comercialização de frutas
e verduras. Essa edificação tornou-se um referencial de comércio, convergindo esse tipo de
atividades para um ponto central, local da antiga praça da Nova Maurícia. Com base nas
24

aproximações de Lynch (1999), percebe-se que a singularidade, o contraste em relação ao seu


entorno, sua localização e a atividade associada à esta obra fazem com que ela seja considerada
um marco na paisagem. Este fato é essencial para entender o futuro rebatimento desse símbolo
nos elementos que se encontram em suas proximidades e na valorização imobiliária dos
edifícios que estão em condição de adjacência ao mercado. A influência do plano dos
holandeses, assim como da administração da área pelos lusitanos, pode ser observada a partir
da formação desse referencial, que pode ser contemplado até o presente momento.

As atuações urbanísticas e as intervenções realizadas no século XIX impactaram de


forma diferente nos espaços da cidade. No caso da Ilha de Santo Antônio há uma
potencialização de seu caráter central devido ao estabelecimento de três importantes núcleos de
convergência, relacionados à comunicação (as estações de trem de São José), à cultura (o Liceu,
o teatro e a biblioteca pública) e ao aspecto político-administrativo (o Palácio do Governo,
implantado no extremo norte da ilha) (REYNALDO,2017). Esses elementos fizeram com que
a antiga Ilha de Antônio Vaz assumisse um papel fundamental na cidade, responsabilizando-se
pela função de centralidade urbana, juntamente com o bairro do Recife. Ao observar a imagem
da Planta da Cidade do Recife de 1875 (Figura 4), podemos entender a dimensão espacial das
intenções urbanísticas realizadas no século XIX.
25

Figura 4: Recorte da Planta da Cidade do Recife e seus arrabaldes, 1875.

Fonte: Coleção Benedicto Ottoni, 1875. Edições da autora. Disponível em:


<http://objdigital.bn.br/objdigital2/acervo_digital/div_cartografia/cart529229/index.htm>
No século XX, com o prosseguimento da expansão urbana, foram surgindo novas
tecnologias, responsáveis pela criação de uma infraestrutura capaz de amparar este crescimento.
O plano de saneamento do Recife, elaborado por Saturnino de Brito, é um exemplo dessa
infraestrutura. O Plano de Esgotos previa uma grande rede de saneamento que se ajustasse ao
traçado antigo existente, demonstrando deste modo que é possível construir uma nova
organização urbana sem uma transformação drástica, respeitando a cidade tradicional
(REYNALDO, 2017). No entanto, sua participação acabou propagando os princípios do
higienismo, com a ideia de que era necessário o alargamento de vielas, assim como a demolição
de casas e sobrados para atender às questões de saúde pública (MENEZES, L. R. D., 2015).

O surgimento do bonde elétrico em Recife também foi importante para tal expansão
urbana, substituindo os veículos de tração animal e o trem urbano. Seu funcionamento no início
do século XX permitiu a extensão do serviço de transporte coletivo, atingindo mais áreas da
cidade de maneira mais rápida e eficiente. Entretanto, foi responsável também por um
reordenamento das funções do espaço urbano, onde diversas residências se deslocavam para
áreas mais periféricas, acentuando a concentração de atividades não residenciais nos bairros do
Recife, Santo Antônio e São José (REYNALDO, 2017). No Mapa de 1906 (Figura 5) pode-se
observar a presença das linhas de bonde (verdes) e das linhas de trem (vermelhas), que
26

conectavam a área com os demais bairros e com outras cidades. Nota-se ainda a presença de
duas importantes estações de trem – Estação das Cinco Pontas e Estação Central –, que
contribuíram para convergir a população para essa área da cidade, fortalecendo seu papel de
centralidade.

Figura 5: Recorte do Mapa de Recife (1906): linhas de bonde (verde) e estradas de ferro (vermelho).

Fonte: Sir Douglas Fox e Sócios e H. Michell Whitley, 1906. Disponível em:
<https://www.labtopope.com.br/cartografia-historica/>

Ademais, com o desenvolvimento desses novos meios de transporte – maxambombas e


bondes – juntamente com as posturas higienistas modernistas da época, muitos moradores das
áreas centrais passaram a escolher como local de moradia áreas fora do centro e distantes do
local de trabalho (BERNARDINO, I. L.; LACERDA, N. 2015). As ideias higienistas foram
amplamente difundidas a partir da grande manifestação de epidemias nas cidades, sendo essas
enfermidades atribuídas ao traçado antigo e às condições das casas térreas e sobrados,
considerados insalubres. Com a melhoria da mobilidade urbana, parte da população de maior
renda passou a se localizar fora do núcleo original, já que novas centralidades seriam formadas
nas áreas de expansão. Essa nova dinâmica urbana fez com que o centro fosse ocupado por uma
27

população com baixos rendimentos. Isso ocasionou a propagação de residências e de comércios


mais populares, embora naquela época ainda concentrasse um comércio e serviços sofisticados.

No Guia prático, histórico e sentimental da cidade do Recife, Freyre (2005) descreve o


caráter presente nesses espaços em 1934, identificando as principais diferenças entre os bairros.

As ruas principaes do bairro de Sto. Antonio - as ruas do commercio elegante, das


modistas, das perfumarias, das confeitarias, das joalherias, as ruas cívicas – do Palácio
do Governo, do Palacio da Justiça, do Theatro Santa Isabel – são predominantemente
européas, porem sem a gravidade masculina das do Recife; com uma graça feminina.
Cheiros também femininos [...]. Já para os lados de S. José o Recife como que se
orientaliza; a vida que as ruas refletem é a da pequena burguesia, mais sociavel que a
grande; gente que de noite vem conversar, sentada em cadeiras de vime e
espreguiçadeiras de lona, à calçada, à porta da casa [...] É o bairro do commercio mais
barato. Das lojas e armarinhos com nomes sentimentaes [...] de ruas que cheiram a
comida e a café se torrando; a temperos; a coentro; a incenso que vem de dentro de
igrejas que dão para a rua. (FREYRE, 2005)

Paralelamente, a cidade modificava-se constantemente e, com o passar dos anos, as


ideias do urbanismo modernista, símbolo do progresso, atingem o Recife. Segundo Pontual
(2003, p. 4), “de 1920 a 1940, a modernização do Recife permaneceu como sinônimo de
destruição do tecido colonial, expressando influências e traduções do urbanismo modernista”.
Planos de reforma surgem para modificar esse tecido, sendo as transformações justificadas pela
melhoria de salubridade e higiene da cidade. Aos poucos, o tecido colonial foi entrando em
contato com uma malha mais moderna, com ruas mais largas e novas construções. Nos bairros
de Santo Antônio e São José foram elaborados oito planos: Domingos Ferreira (1926 e 1927),
Nestor de Figueiredo (1930, 1932 e 1934), Atílio Corrêa Lima (1936), Comissão do Plano da
Cidade (CPC, 1938) e Ulhôa Cintra (1943). Esses planos foram sendo aperfeiçoados e, ao final,
houve uma série de intervenções de caráter modernizador na área.

A primeira intervenção, no entanto, só ocorreu em 1938, na Avenida Dez de Novembro


(atual Avenida Guararapes). O projeto previa não apenas o alargamento da via, mas também a
criação da volumetria que estaria presente em seu entorno, apresentando novas formas e escalas,
diferentes das encontradas na área. A obra foi concluída na década de 1940 e, nessa mesma
época, os bairros presenciariam outra grande intervenção: a abertura da Avenida Dantas
Barreto. Essa obra de caráter viário rasgou o tecido histórico dos bairros de Santo Antônio e
São José, causando uma série de demolições que impactaram na morfologia dos bairros (Figura
6).
28

Figura 6: Vista aérea mostrando intervenções viárias nos bairros de Santo Antônio e São José.

Foto: Alcir Lacerda, década de 1970. Edições da autora. Disponível em: <mapio.net/pic/p-3190553/>

A atual avenida Nossa Senhora do Carmo também surgiu a partir da Avenida Dantas
Barreto, como parte de uma rede de mobilidade que auxiliaria no percurso dos carros até a zona
sul da cidade (Figura 7). A abertura de novas vias trouxe uma série de destruições – como
ocorreu com as Igrejas do Paraíso e dos Martírios, o Pátio do Carmo e uma grande quantidade
de edifícios – assim como contribuiu na delimitação de áreas, que ficariam mais afastadas do
resto dos bairros de Santo Antônio e São José. A dimensão das novas vias, não condizentes
com o traçado antigo, acabaram funcionando como barreiras, não só pela sua proporção, mas
também pela quantidade de veículos que passaram a transitar na área. A continuidade
estabelecida pelo antigo traçado foi quebrada e um novo fluxo foi inserido nos bairros.
29

Figura 7: Travessa do Carmo, atual Avenida Nossa Senhora do Carmo (1955).

Fonte: Marcel Gautherot. Acervo Instituto Moreira Salles, 1955. Disponível


em:<http://fotografia.ims.com.br/IMS/dynamiclink.jspx?query=MarcelGautherot&encoding=utf-
8#1524360839630_54>

Desse modo, através dessas modificações na conformação do espaço, com a intensa


ocupação e o surgimento dos edifícios em altura em um trecho da Avenida Dantas Barreto,
houve a necessidade de criar um instrumento regulador. Em 1965 foi criado o Plano de
Gabaritos, um elemento definidor da altura de edifícios localizados no entorno de edificações
históricas ou tombadas dos bairros de Santo Antônio e São José. Essa intervenção foi necessária
para estabelecer parâmetros, não apenas para os imóveis históricos, mas também para os que
surgiam devido à mudança do traçado urbano. Foi o primeiro instrumento municipal de efetiva
proteção patrimonial (PONTUAL; PEREIRA, 2011).

Logo, o conjunto de intervenções urbanísticas de caráter modernizador realizadas no


começo do século XX, influenciou não apenas na delimitação de espaços, mas também na
valorização imobiliária do Centro Histórico do Recife (LACERDA; ANJOS, 2014). Pode-se
observar isso em um trecho do romance Seu Candinho da Farmácia, obra dos anos 1930 que
retrata o cotidiano do bairro de São José, no qual uma das personagens reclama do imóvel que
habita: “Moramos numa casinha do Largo de São José, um ovo! Pagava 100$000; agora o
proprietário botou saneamento e quer 150$000. Imagine! ” (SETTE, 2006, p. 42). Apesar de
ser uma obra ficcional, o trecho aborda o pensamento da época e a realidade dos moradores da
área, que sentiram o impacto das transformações urbanas em suas residências. Outro trecho que
revela esse novo ideal da população, onde tudo era pensado com o intuito de modernizar a
cidade, pode ser observado quando um dos personagens menciona: “[...]precisamos
30

economizar; temos que reformar a frente deste prédio. Fazê-lo moderno, elegante…” (SETTE,
2006, p. 211). A imagem do edifício moderno como sinônimo de elegância seria um
pensamento bastante difundido na época.

Essa influência pode ser visualizada ainda em alguns anúncios de aluguel de imóveis na
área, onde o fato do imóvel ser moderno ou apresentar saneamento e instalações elétricas era
utilizado como estratégia de divulgação no mercado imobiliário de aluguel (Figura 8). Esses
elementos faziam parte do conceito de morar moderno, procurado por muitas pessoas na época.

Figura 8: Fragmentos de jornal: anúncios de aluguel e venda da década de 1930.

Fonte: Pequenos anúncios do Diário da Manhã, edições de 1º de janeiro de 1930 a 1933. Edições da
autora. Disponível em: < http://www.acervocepe.com.br/diario-da-manha.html>

Paralelamente, as atividades comerciais já ganhavam notoriedade. Embora ainda


existisse um caráter residencial na área, haviam imóveis comerciais ou de uso misto, com a
separação entre atividades comerciais e habitação. Deste modo, muitos imóveis já se
destacavam pelo ponto comercial e pelo atendimento a determinado tipo de comércio,
utilizando essa adequação do imóvel e a localização especial do ponto, geralmente em
localidades com caráter mais comercial, como atrativo para as negociações.

Importa ressaltar que, na metade do século XX, foi iniciada a ideologia da casa própria,
difundida a partir de políticas como a Lei do Inquilinato em 1942. Essa política criou uma
situação extremamente desfavorável ao investimento de moradias de aluguel, fazendo com que
este, antes atraente, deixasse de ser rentável (BONDUKI, 1994).
31

Outra situação que impulsionou a ideologia da casa própria foi a criação do Banco
Nacional de Habitação (BNH), em 1964, voltado ao financiamento habitacional. Ocorreu assim
o aumento da procura por imóveis novos que, em sua maioria, estavam localizados afastados
da região central das cidades. O Centro Histórico foi poupado da ideologia da casa própria,
entretanto perdeu muitos habitantes. Estes – atraídos pelas ideias higienistas, pela melhoria da
mobilidade urbana e pela criação de programas de incentivo à casa própria – se encaminhariam
para áreas mais periféricas.

Esses fatores acabaram provocando o movimento de saída de alguns habitantes do


centro histórico, que passaram a ceder espaço para outras atividades não residenciais. Assim, o
centro passou a concentrar ainda mais atividades de comércio e serviços, impulsionado pela
condição de localização privilegiada, centralizada e conhecida pela população. Segundo
Nascimento (2004), citado por Menezes (2015, p.87), a distribuição de usos no Centro Histórico
do Recife em 1970 e 1971 pode ser observada da seguinte forma:

[...]no bairro do Recife permaneciam as atividades portuárias conjuntamente com


órgãos públicos; bancos; firmas de importação/exportação; comércio; além de bares,
restaurantes e condomínios destinados, na maioria, à prostituição. Em Santo Antônio,
estavam localizadas instituições públicas e culturais; escritórios; bancos; comércio e
os principais bares, restaurantes e lanchonetes do centro. Em São José, destacava-se
o comércio; bares, restaurantes, lanchonetes etc.; e mais ao sul, uma grande
concentração residencial. Na Boa Vista, estavam localizados órgãos da administração
pública; bancos; escritórios; comércio e serviços; estabelecimentos de ensino,
hospitalares e culturais; hotéis, bares, restaurantes e lanchonetes, além da maior
concentração, na área central, de apartamentos residenciais. (MENEZES, L. R. D.,
2015, p. 87)

Dessa forma, as transformações ocorridas nos séculos XIX e XX, incentivaram o


desenvolvimento urbano do Recife e sua expansão, definindo novas funções para o seu Centro.
No caso da antiga Ilha de Antônio Vaz, agora formada pelos bairros de Santo Antônio e São
José, houve a acentuação de seu caráter de centralidade, que logo seria ampliado através da
cultura preservacionista e da conformação do espaço como Centro Histórico, passando então
por novas transformações.
32

1.3 O despertar para o tempo histórico: o Centro se torna patrimônio

Com a expansão das cidades e com a presença de novos padrões de ocupação em seu
território, há uma acentuação do valor histórico de áreas mais antigas. A construção da ideia de
patrimônio vai sendo aprimorada, principalmente a noção de patrimônio urbano, refletindo em
diversas áreas que apresentam em sua morfologia e tipologia características que representam e
mostram o desenvolvimento de uma sociedade. É a partir deste contexto que o Centro ganha
uma nova identidade: a de Centro Histórico. De acordo com o Coloquio sobre la preservación
de los centros históricos ante el crecimiento de las ciudades contemporáneas, realizado em
Quito no ano de 1977 pela UNESCO e pelo PNUD, os Centros Históricos são definidos da
seguinte maneira:

Todos aqueles assentamentos humanos vivos, fortemente condicionados por uma


estrutura física proveniente do passado, reconhecidos como representativos da
evolução de um povo. Como tais, se compreendem tanto assentamentos que se
mantém íntegros desde aldeias a cidades, como aqueles que, devido ao seu
crescimento, constituem hoje parte de uma estrutura maior. Os Centros Históricos,
por si mesmos e pelo acervo monumental que contêm, representam não somente um
inquestionável valor cultural, mas também econômico e social. Os Centros Históricos
não são apenas patrimônios culturais da humanidade, mas pertencem de forma
particular a todos aqueles setores sociais que os habitam. (UNESCO/PNUD, 1977,
tradução nossa)

Os Centros Históricos apresentam características importantes que mostram o


desenvolvimento de um povo e de uma cidade. O conjunto de valores que ele agrega, sobretudo
o valor histórico – relativo ao passado, culturalmente construído – faz com que o centro urbano
adquira um status de patrimônio, status referente à sua herança e à memória social (LACERDA,
2012). Essa memória é formada através da passagem de tempo e das diversas transformações
que vão nele ocorrendo. Dessa forma, não há como delimitar um padrão ou considerar os
centros históricos como realidades únicas e homogêneas, já que cada um apresenta uma
diversidade de situações e particularidades (CARRION, 2002).

Diante disso, na segunda metade do século XX, um novo pensamento surgiu, mostrando
um maior interesse do país pela proteção do patrimônio como forma de desenvolvimento
econômico, por meio do incremento do turismo. Esta atividade emergiu como uma alternativa,
promovendo a preservação dos centros históricos e, ao mesmo tempo, contribuindo para
movimentar a economia do Brasil. Paralelamente, a ideia da conservação, não apenas do
33

monumento em si, mas dos conjuntos históricos começou a ganhar força internacional,
principalmente através dos conceitos colocados na Carta de Veneza (1964).

A partir desse contexto, foi criado no Brasil, em 1973, o Programa de Cidades Históricas
(PCH), com o intuito de intervir em áreas históricas e destiná-las, assim, à fins turísticos. O
programa perdurou até 1987, executando um total de 1.337 ações de diferentes naturezas,
podendo ser citada como exemplo no Recife, a criação da Casa de Cultura e Centro de
Artesanato na Casa de Detenção (BONDUKI, 2012). Essas intervenções acabaram servindo
para introduzir novas perspectivas na política de preservação no país.

Em 1978, o Plano de Preservação dos Sítios Históricos (PPSH) da Região Metropolitana


do Recife representou esse novo pensamento, tendo um caráter regional. O Plano tinha como
objetivo realizar o inventário das zonas urbanas de valor notável dessa região para assegurar a
sua proteção. Para isso, estabeleceu parâmetros de ocupação e delimitação de Zonas Especiais
de Preservação (ZEP), subdivididas em: Zona de Preservação Rigorosa e Zona de Preservação
Ambiental. A Prefeitura do Recife decidiu implementar a normativa nas áreas históricas dessa
cidade e, em 1979, foi aprovada a lei nº 13.957. O PPSH-Recife passou a incorporar a
classificação presente na normativa metropolitana e estabeleceu normas gerais de proteção.
Através da explicação de Reynaldo (2017), é possível entender as recomendações essenciais
para essas zonas.

Para as Zonas de Proteção Rigorosa ou área de conservação, determina a manutenção


das características essenciais do conjunto quanto a ocupação, altura e forma. A
intervenção na área objetiva a recuperação e a consolidação das características
tipológicas de cada edifício, pelo projeto de restauração. As Zonas da Proteção
Ambiental ou área de renovação têm como regras o controle da ocupação do solo (taxa
de ocupação) e da altura máxima, assim como a utilização e/ou repetição de elementos
da composição formal predominante no conjunto, como, por exemplo, a forma e o
revestimento da coberta, sendo obrigatório o emprego da telha cerâmica como
revestimento das cobertas dos prédios até seis pavimentos. (REYNALDO, 2017, p.
362)

A Lei de Uso e Ocupação do Solo (LUOS) de 1983 (Lei nº 14.511/1983) também seria
influenciada pelo PPSH, introduzindo as ZEPs, classificadas como Setor de Preservação
Rigorosa (SPR) e Setor de Preservação Ambiental (SPA). Atualmente, de acordo com a LUOS
de 1996 (Lei nº16.176), as Zonas Especiais de Preservação do Patrimônio Histórico-Cultural
(ZEPH) são definidas como as “áreas formadas por sítios, ruínas e conjuntos antigos de
relevante expressão arquitetônica, histórica, cultural e paisagística, cuja manutenção seja
34

necessária à preservação do patrimônio histórico-cultural do Município”. Essa lei ainda


apresenta a classificação de SPR e SPA. Os bairros de Santo Antônio e parte de São José estão
inseridos na ZEPH-10, criada em 1981. Foram reconhecidos como patrimônio por sua história
vinculada ao século XVII e por ainda conservar parte do seu traçado urbano primitivo.

Dessa forma, o reconhecimento da ZEPH-10 foi possível por incorporar um conjunto


urbano de importante valor para a população recifense, que, além da malha urbana, engloba
ainda seu conjunto edificado. Os edifícios encontrados na área são diversos, apresentando
distintos estilos arquitetônicos, muitos deles tombados pelo IPHAN (ver Quadro 1). A maioria
desses bens tombados são imóveis singulares que desempenham funções religiosas. Esse tipo
de edificação pode ser considerado símbolo das áreas de Santo Antônio e São José, abrigando
a partir do século XVII, 17 igrejas e 4 conventos, que atuaram como elementos estruturadores
do crescimento desses bairros (REYNALDO, 2017). Além de participar impulsionando a
ocupação portuguesa, a maior parte das edificações religiosas permanece até os dias atuais
como construções de elevado valor para a memória da população recifense.
35

Quadro 1: Bens Tombados pelo IPHAN nos bairros de Santo Antônio e São José.
Bens Tombados pelo IPHAN nos bairros de Santo Antônio e São José (Recife-PE)
Classificação
Bairro (relacionada à forma Nome atribuído
de proteção)
Santo Conjunto
Antônio Arquitetônico Capela Dourada, claustro e Igreja da Ordem Terceira de São Francisco
Santo
Antônio Edificação e acervo Igreja Matriz de Santo Antônio
Santo Conjunto Igreja de São Pedro dos Clérigos e Pátio de São Pedro: conjunto
Antônio Arquitetônico arquitetônico
Santo
Antônio Edificação e acervo Igreja da Ordem Terceira de Nossa Senhora do Carmo
Santo
Antônio Edificação e acervo Convento e Igreja de Santo Antônio
Santo Casa Paroquial anexa à Igreja de Santo Antônio na Praça da
Antônio Edificação Independência
Santo Conjunto
Antônio Arquitetônico Conjunto Arquitetônico e Paisagístico da Praça da República
Santo
Antônio Edificação e acervo Convento e Igreja do Carmo do Recife
Santo
Antônio Edificação e acervo Igreja da Ordem Terceira do Carmo de Santa Teresa
Santo
Antônio Edificação Teatro Santa Isabel
Santo
Antônio Edificação e acervo Igreja do Divino Espírito Santo
São José Edificação Forte das Cinco Pontas
São José Edificação e acervo Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos
São José Edificação Mercado de São José
São José Edificação e acervo Igreja de Nossa Senhora do Terço
São José Edificação e acervo Igreja de São José do Ribamar
Fonte: IPHAN, novembro de 2017. Elaboração própria.

Apesar da predominância de edificações religiosas, outros edifícios são emblemáticos


na área. Em Santo Antônio destacam-se edifícios simbólicos como o Palácio do Campo das
Princesas, o Teatro de Santa Isabel e o Palácio da Justiça. Estes três equipamentos compõem o
conjunto da Praça da República, espaço também tombado pelo IPHAN. Em São José destacam-
se edifícios como o Forte das Cinco Pontas, o Mercado de São José e a Casa da Cultura,
representantes da história do bairro.

A partir daí, observa-se a construção de uma mentalidade voltada para a preservação da


área. No caso dos bairros de Santo Antônio e São José, o PPSH foi essencial para aumentar a
área de proteção, definida pelo antigo Plano de Gabaritos de 1965. Esse Plano e as legislações
que formalizavam áreas históricas foram fundamentais para o estabelecimento de uma política
local de preservação e para a delimitação de um zoneamento específico para o Centro Histórico
do Recife, a partir da criação da ZEPH-10 e outras.
36

Por outro lado, a mudança de usos na área, ocasionada pelas políticas habitacionais de
incentivo à casa própria, foi fortalecida com a formalização das ZEPHs. O novo padrão
habitacional encontrado – a edificação isolada no lote e cada vez mais verticalizada – foi um
dos responsáveis pela estagnação do centro como local de moradia, onde não é possível alcançar
esse padrão pelas limitações do zoneamento (MENEZES, L. R. D., 2015). O surgimento do
BNH, juntamente com a posterior presença de restrições vinculadas à legislação, foram
importantes fatores que contribuíram para delimitar as funções predominantes que essa parte
do Centro abrigaria: o comércio e os serviços.

1.4 O Centro Histórico Urbano-Comercial no século XXI

O novo padrão de moradia acabou trazendo uma outra dinâmica espacial para o Recife.
Ocorreu um deslocamento de atividades comerciais e de serviço de prestígio, que antes se
localizavam no centro, para as novas áreas verticalizadas, inclusive para Shoppings Centers.
Essa nova dinâmica, a partir da década de 1980, acabou interferindo nas atividades de comércio
e serviços do centro, que passaram a concorrer com os novos centros comerciais. As lojas de
caráter mais nobre, localizadas em sua maior parte em Santo Antônio e no Bairro do Recife,
logo foram transferidas. O centro passou a abrigar um comércio mais popular, mas ainda
mantendo ramos de comércio especializado em algumas ruas. A área próxima ao Mercado de
São José acabou sendo fortalecida por já abrigar esse tipo de comércio, que ganharia cada vez
mais espaço.

Ademais, a cidade do Recife, na década de 1990, ou seja, no contexto da inserção do


Brasil na economia globalizada, começou a se inserir no mercado do turismo. A cidade buscou,
através do fortalecimento das singularidades locais, atrair essa atividade e assim, alavancar a
economia, oferecendo um produto diferenciado. O Plano de Revitalização do Bairro do Recife,
em 1992, seria, portanto, a medida mais marcante desse caráter global que a cidade buscava.
Como explica Lacerda (2007, p. 626), o Plano previa a transformação do bairro em “um centro
regional de serviços modernos, de comércio, de lazer e de cultura para a população da cidade,
e centro de atração turística nacional e internacional”. Entretanto, ao final, esse Plano, que
perdurou até o fim dos anos 1990, foi importante para a recuperação de infraestruturas e de
imóveis da área, embora tenha contribuindo para o processo de gentrificação do bairro. De
qualquer maneira, ele abriu o caminho para outra importante iniciativa, resultante da ação
concertada de agentes públicos, empresas e universidade: o Projeto Porto Digital (2000),
37

direcionado às atividades de Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC). Este Projeto,


além de melhorias nas infraestruturas, tem significado a recuperação de parte considerável de
imóveis no referido bairro. Acresce-se o Projeto Porto Novo (2012), voltado para a recuperação
dos antigos armazéns do porto através de investimentos públicos e parcerias público-privadas,
tendo como objetivo inserir uma série de novos equipamentos de lazer, cultura e comércio na
área. Este projeto, junto com as outras iniciativas expostas anteriormente, reflete na valorização
imobiliária no bairro, que passa a apresentar uma dinâmica diferente da encontrada em outras
áreas.

Enquanto isso, os outros bairros do Centro Histórico não foram tão atingidos por
intervenções urbanas realizadas pelo poder público. A noroeste do bairro de Santo Antônio,
mais precisamente na Avenida Guararapes, o que ocorreu, recentemente, foi o investimento
privado em seus edifícios para o abrigo de atividades educacionais. Tal investimento foi
impulsionado pelos incentivos direcionados à ampliação do ensino superior, a exemplo do IES
e PROUNI, na década passada e no início da presente década. Fora isso, as intervenções que
ocorreram no CHR foram mais pontuais, visando a preservação de monumentos e não do
conjunto urbano em si. Os bairros de Santo Antônio e São José, entretanto veem os efeitos do
caráter global da economia brasileira por meio da migração de comerciantes de outros países
para os bairros, principalmente os de origem chinesa. O conhecimento sobre o Recife para
investimento comercial, com relativamente pouca concorrência quando comparado ao contexto
encontrado em São Paulo, fez com que muitos chineses migrassem da região paulistana para
Pernambuco (SILVA, J.M.A, 2016), cujo comércio varejista vinha sendo fortemente
estimulado pelas políticas sociais.

Implementadas desde o início do século XXI até o início da presente década, essas
políticas estimularam o crescimento da renda das famílias, e elevaram também o poder de
consumo dos segmentos populares, gerando impactos em regiões menos desenvolvidas como o
Nordeste. Essa região teve entre 2005 e 2012 um crescimento nas vendas de varejo que
ultrapassou a média nacional (ARAÚJO, 2014). Assim, as políticas macroeconômicas
acabaram influenciando áreas como Santo Antônio e São José, no Recife, que se tornaram muito
valorizadas para abrigar atividades comerciais por conta da alta demanda que se formou,
reforçando o seu status de centro comercial consolidado.
38

1.5 Considerações sobre o capítulo

As funções de um centro histórico e urbano exercidas pelos bairros de Santo Antônio e


São José estão diretamente atreladas à sua formação. As transformações urbanas propostas
neste momento pelos holandeses e, mais tarde, reorganizadas pelos lusitanos, são fundamentais
para apreender não apenas o atual traçado urbano, mas também a funcionalidade de cada espaço
da Ilha de Antônio Vaz. Posteriormente, a partir do século XVIII, com a inserção de
infraestruturas urbanas e de equipamentos públicos na área, os bairros de Santo Antônio e São
José passariam a assumir o papel de centralidade urbana, junto ao bairro do Recife.

Já no século XX, as transformações de caráter higienista e modernista realizadas na área


central da cidade podem ser consideradas uma tentativa de atrair inquilinos e compradores de
imóveis para aquela área e acabaram acarretando em sua valorização imobiliária. Todavia, essas
transformações não foram suficientes para manter seus habitantes, principalmente os de mais
alta renda. Estes, atraídos por imóveis mais recentes e pela ideologia da casa própria, respaldada
por políticas habitacionais, como a do BNH, acabaram saindo do centro e procurando imóveis
geralmente em áreas mais afastadas.

Não obstante, o reconhecimento de Santo Antônio e São José como parte do Centro
Histórico e, consequentemente, sua subordinação a planos de zoneamento foram essenciais para
o surgimento de uma prática de preservação do patrimônio. Por outro lado, a entrada do Brasil
na economia globalizada acabou intensificando as atividades comerciais nessas duas
localidades, sem, no entanto, dotá-las de infraestruturas, como aconteceu no bairro do Recife,
onde o poder público vem investindo em infraestruturas desde o final do século XX, através de
processos de recuperação da área, como os que ocorreram no Plano de Revitalização e nos
Projetos Porto Digital e Porto Novo.

Essa série de fatores foi responsável pela dinâmica atual do mercado imobiliário que se
encontra atualmente nos bairros de Santo Antônio e São José. A presença inquestionável do
comércio e suas implicações no mercado de aluguel podem ser identificadas a partir das
transformações do espaço da antiga Ilha de Antônio Vaz e pelas próprias mudanças da
sociedade e do seu modo de pensar e agir em relação à cidade contemporânea.
39

2. Leitura urbana dos bairros de Santo Antônio e São José: análise dos
atributos morfotipológicos e dos caminhos para delimitação de um recorte
empírico

Este capítulo analisa, através de uma leitura urbana, algumas características


morfotipológicas dos bairros de Santo Antônio e São José, bem como os caminhos de acesso a
estes bairros. Tal estudo torna-se necessário para o conhecimento da dinâmica espacial desses
bairros, revelando fatores que levaram à escolha da delimitação do recorte da área de estudo,
localidade que gradativamente se transformará em foco do presente trabalho. O capítulo se
divide em quatro partes.

Na primeira parte, denominada O que indicam as formas? Análise da estrutura física


são identificados os padrões de ocupação desses dois bairros, a partir da leitura urbana das
quadras, lotes e tipologias construtivas. Na segunda parte, intitulada Os caminhos convergem
para o centro são abordadas a estrutura viária e os transportes públicos que circulam nessa
porção territorial. Na parte intitulada Entre bairros e história: o recorte espacial, será
apresentado o recorte utilizado para aprofundar o estudo sobre o funcionamento do mercado
imobiliário nos mencionados bairros. Por fim, na última parte, nomeada Comércio,
especialização e sua atuação no espaço é abordada a dinâmica das atividades comerciais no
recorte, isto é, o movimento ocasionado por essa dinâmica.

2.1 O que indicam as formas? Análise da estrutura física

Como foi observado anteriormente, a história dos bairros de Santo Antônio e São José
remete a várias práticas urbanizadoras, que transformaram e transformam o espaço desde sua
formação. Há áreas que passaram por reformas urbanas no século XX e outras que preservam
seu traçado original dos séculos XVII e XVIII. O que pode ser encontrado atualmente é um
espaço com padrões de ocupação distintos, relativos a épocas divergentes. Como Santos (1982,
p.60) ressalta, “O espaço construído que daí resulta é variegado. Formas de idades diferentes
com finalidades e funções múltiplas são organizadas e dispostas de múltiplas maneiras”.

Desta forma, para o estudo da dinâmica espacial do mercado imobiliário nos bairros de
Santo Antônio e São José, é imprescindível conhecer, através da leitura urbana, as
características e especificidades do espaço urbano. Através de um estudo morfotipológico é
possível investigar os diferentes padrões de ocupação na área, o que inclui considerar o tamanho
40

das quadras, a divisão em microparcelas (lotes) e as tipologias. O estudo desses padrões e a


integração entre eles permitirão assimilar o espaço como um todo, possibilitando o
entendimento de outras temáticas relativas ao mercado imobiliário e ao movimento na área, que
estão estritamente ligadas a essas características espaciais. Tais atributos são responsáveis ainda
por agregar valor monetário ao bem transacionado, com rebatimento direto nos preços
praticados.

Analisando as formas do espaço que corresponde às áreas históricas de Santo Antônio


e São José, ou seja, o perímetro desses bairros incluídos no CHR, a partir do tamanho e do
formato de suas quadras (Anexo A), nota-se que a maior parte delas são retangulares e pequenas
(Figura 9). Observa-se ainda uma clara diferenciação entre três partes desse espaço: norte,
sudeste e sudoeste.

Na parte norte podem ser encontradas quadras menores e com formas trapezoidais e
quadrangulares. Os tipos quadrangulares estão muito ligados aos edifícios mais modernos e por
essa razão se concentram ao norte de Santo Antônio, onde houve intervenções de caráter
modernista, como nas proximidades da Avenida Guararapes, por exemplo. Na parte sudeste (à
direita da Av. Dantas Barreto) encontram-se, em sua maior parte, quadras retangulares e os
tipos triangulares, que não aparecem em outras áreas. Esse padrão se justifica por esta ser a área
onde o traçado é mais antigo, tendo formas menos retilíneas e geométricas. Já na parte sudoeste
(à esquerda da Av. Dantas Barreto) podem ser encontradas quadras muito maiores do que as
presentes em outros espaços, de formatos quadrangulares e trapezoidais.

É importante ressaltar ainda que a disposição e o tamanho das quadras podem estar
relacionados ao fluxo que ocorrerá nessas vias. Áreas com quadras pequenas, por exemplo,
possibilitam uma maior quantidade de caminhos e consequentemente a dispersão de pessoas
nas ruas. Essa diferenciação de tamanhos e formas das quadras possibilita ainda o entendimento
do traçado dos espaços públicos e a disposição e o formato das microparcelas.

A partir do parcelamento das quadras também se identificam certos tipos (Anexo A) que
aparecem mais do que outros (Figura 10). No geral observa-se a predominância de quatro
padrões de lotes. No extremo norte da Ilha, são encontrados lotes irregulares, médios e grandes,
que abrigam tipologias notáveis, como se verá mais adiante. Logo abaixo dessa área são
encontrados majoritariamente lotes mais quadrangulares, seguindo o padrão de suas quadras.
No sudoeste, percebe-se uma concentração de lotes maiores, quadrangulares e irregulares,
criados para o abrigo de grandes equipamentos. Por fim, na área mais central pode-se observar
41

que a maior parte dos lotes é pequena, divergindo dos formatos já mencionados. Nota-se
também que apresentam um formato retangular, com a predominância do lote retangular
alongado pequeno, que também aparece em outras áreas do Centro Histórico do Recife. A
disposição desses lotes no terreno, como já mencionado anteriormente, foi pensada para o
melhor aproveitamento do espaço na época e, por essa razão, tal tipo de lote, estreito e
comprido, era o mais utilizado no momento da ocupação da Ilha de Antônio Vaz. Sendo assim,
é justificável que este seja o formato que predomina nas áreas históricas de Santo Antônio e
São José.
42
Figura 9: Recorte dos bairros de Santo Antônio e São José: divisão em macro parcelas (quadras) Figura 10: Recorte dos bairros de Santo Antônio e São José: divisão das quadras em lotes
Legenda N Legenda N
LIMITE DOS BAIRROS LIMITE DOS BAIRROS
ÁREA DE ESTUDO ÁREA DE ESTUDO
QUADRAS LOTES
IRREGULAR MÉDIA IRREGULAR GRANDE
IRREGULAR MUITO PEQUENA IRREGULAR MÉDIO
QUADRANGULAR GRANDE IRREGULAR PEQUENO
QUADRANGULAR MÉDIA QUADRANGULAR/RETANGULAR/TRAPEZOIDAL
QUADRANGULAR MUITO PEQUENA MUITO GRANDE
E PEQUENA QUADRANGULAR/RETANGULAR/TRAPEZOIDAL
GRANDE
RETANGULAR MÉDIA QUADRANGULAR/RETANGULAR/TRAPEZOIDAL
RETANGULAR PEQUENA MÉDIO
RETANGULAR MUITO PEQUENA QUADRANGULAR/RETANGULAR/TRAPEZOIDAL
PEQUENO
TRAPEZOIDAL MEDIA QUADRANGULAR/RETANGULAR/TRAPEZOIDAL
TRAPEZOIDAL PEQUENA MUITO PEQUENO
TRAPEZOIDAL MUITO PEQUENA RETANGULAR ALONGADO GRANDE
TRIANGULAR MUITO PEQUENA RETANGULAR ALONGADO

SANTO ANTÔNIO SANTO ANTÔNIO

SÃO JOSÉ
SÃO JOSÉ

100 0 100 200 300 m 100 0 100 200 300 m

Fonte: GEMFI/MICH, 2018 Fonte: GEMFI/MICH, 2018


43

Desse modo, os tipos de parcelamento encontrados dão indícios das tipologias utilizadas
na área (Figura 11). As tipologias voltadas para as atividades comerciais são as predominantes
nos dois bairros, a diferença, entretanto, se encontra no gabarito dessas tipologias: ao norte
encontram-se edifícios comerciais e de serviços mais altos, enquanto ao sul há lojas com poucos
pavimentos. Há ainda a grande incidência de tipologias próprias de uma área histórica, como
os sobrados e as casas históricas geminadas, que estão dispostos, em sua maior parte, no centro
da área, bem como as edificações históricas especiais, que se encontram espalhadas. Pela grande
concentração de edificações religiosas no perímetro, foi criada ainda uma legenda específica
para as igrejas, que têm destaque tanto em Santo Antônio, quanto em São José.

Mesmo que as tipologias comerciais e de serviços sejam as predominantes, outros tipos


também merecem destaque. Nas bordas sudeste e sudoeste da área há a presença notável de
galpões e ainda alguns terrenos vazios ou estacionamentos. Apesar disso, no geral pode-se
observar a existência de uma grande quantidade de edifícios de pequeno porte, geminados e
com poucos pavimentos no centro e no sul da área. Esse padrão será encontrado em diversas
áreas de formação mais antiga e que não sofreram com a destruição de edifícios para o abrigo
de novas tipologias, como aconteceu em diversas áreas mais ao norte. Percebe-se a existência
de alguns padrões de ocupação nesses bairros a partir de uma síntese dos seus atributos
morfológicos e tipológicos.

A partir da análise desenvolvida a partir das Figuras 10 e 11, observou-se a presença de


porções territoriais nos bairros de Santo Antônio e São José que se assemelham quanto às
características dos lotes e das tipologias (Figura 12). Esses fragmentos revelam padrões de
ocupação distintos, apresentando particularidades próprias.
44
Figura 11: Recorte dos bairros de Santo Antônio e São José: tipologias edilícias Figura 12: Padrões de ocupação (lote mais tipologia)
Legenda N Legenda N
LIMITE DOS BAIRROS LIMITE DOS BAIRROS
ÁREA DE ESTUDO ÁREA DE ESTUDO
TIPOLOGIAS PADRÕES DE OCUPAÇÃO
CASA COLADA EM TODOS LOTE MUITO PEQUENO/ALONGADO
OS LADOS DO LOTE COM CASA HISTÓRICA COLADA
CASA COM RECUO FRONTAL E/OU E COMÉRCIO/SERVIÇO
LATERAL/SOLTA NO LOTE
LOTE MÉDIO/GRANDE COM GALPÃO
CASA HISTÓRICA COLADA
LOTE PEQUENO/ALONGADO
SOBRADO COM GALPÃO
COMERCIAL/SERVIÇOS COLADO LOTE MUITO PEQUENO/ALONGADO
< 3 PAV. COM SOBRADO
COMERCIAL/SERVIÇOS COLADO LOTE PEQUENO/MÉDIO COM
> 3 PAV. EDIFÍCIO COMERCIAL/SERVIÇO
EMPRESARIAL > 8 PAV. EQUIPAMENTOS ESPECIAIS
HABITACIONAL 5 - 10 PAV.
EDIFÍCIO MISTO
GALPÃO
MÚLTIPLAS TIPOLOGIAS
POSTO DE GASOLINA
EDIFÍCIO GARAGEM
TERRENO/ESTACIONAMENTO SANTO ANTÔNIO SANTO ANTÔNIO
IGREJA
EQUIPAMENTOS ESPECIAIS

SÃO JOSÉ SÃO JOSÉ

100 0 100 200 300 m 100 0 100 200 300 m

Fonte: GEMFI/MICH, 2018 Fonte: GEMFI/MICH, 2018


45

Foi possível identificar cinco padrões de ocupação na área, padrões que não são
determinados ou atrelados ao limite dos bairros. Percebe-se, portanto, uma diferença entre a
área norte e a área sul de Santo Antônio. Ao norte há a predominância de edifícios comerciais
em lotes pequenos e médios, enquanto ao sul é encontrado um padrão que abriga casas
históricas coladas e comércio/serviço em lotes pequenos ou alongados. Sendo assim, a área sul
de Santo Antônio parece se assemelhar mais ao caráter encontrado na área de São José. Essa
semelhança de atributos espaciais será importante posteriormente para a definição de um recorte
que permita uma comparação entre os produtos ofertados no mercado imobiliário na área.

A partir da leitura urbana é possível abordar ainda as características dos espaços


públicos, sendo a presença deles um importante elemento para entender a conformação do
espaço. A partir da observação do traçado viário, nota-se que grande parte das ruas segue
características próprias de um tecido urbano colonial, principalmente as vias localizadas na
parte sudeste. A criação dessas vias foi pensada de forma espontânea, atentando às
circunstâncias locais, diferente do traçado moderno – também encontrado em outras partes da
área – que priorizava vias mais retilíneas. Ademais, nota-se a diferença entre o traçado antigo
e o novo a partir da observação das dimensões das vias. No caso do tecido antigo, suas
dimensões são menores, sendo vias muito mais estreitas do que as encontradas em áreas mais
recentes.

Há ainda a existência de becos, também denominados travessas, que no geral,


apresentam dimensões menores do que as ruas da área de estudo e que são associados ao tecido
urbano mais antigo. Apesar da largura, os becos ou travessas passam a ser importantes, visto
que são usados como caminhos alternativos, liberando o fluxo das ruas principais. Segundo
Vasconcelos e Maciel (2016), os becos, que antes eram considerados espaços das pessoas
marginalizadas da sociedade, passam a se consolidar como passagens e atalhos, possibilitando
o fluxo intenso de pessoas entre as ruas principais. Exemplos desses tipos na área são a Travessa
do Mercado, o beco do Sirigado, o beco do Marroquim e a Travessa dos Martírios.

As ruas e becos são interrompidos, muitas vezes, por espaços mais amplos como os
pátios, muito frequentes na área, ganhando destaque pela sua incorporação ao conjunto urbano.
Muitos dos pátios existentes estão relacionados às igrejas, formando um único conjunto
arquitetônico, assim como poucas igrejas se encontram isoladas, sem diálogo com outros
edifícios. Para Camillo Sitte (1992), a antiga disposição da igreja com a praça seria muito
relevante para as construções que buscavam notoriedade, já que desse modo o edifício estaria
em evidência e teria melhor efeito quando visualizado a uma distância adequada, em uma praça
46

não exageradamente grande. Dessa forma, nota-se a partir das construções religiosas de Santo
Antônio e São José essa mesma postura, sendo a praça substituída por pátios e o traçado urbano
voltado para essas edificações de destaque. Reynaldo (2017) identifica ainda, de acordo com
dados de 1906 e 1907, a presença de edificações mais altas próximas aos edifícios religiosos e
seus respectivos pátios, impulsionando a urbanização e transformando essas áreas nas mais
destacadas da cidade. Esse fato pode ter resultado em um rebatimento no preço do imóvel já
naquela época, constatando-se a valorização dessas áreas e dos seus conjuntos arquitetônicos.
O pátio do Livramento, do Terço, de São Pedro, de São José do Ribamar e do Carmo são
exemplos que valorizam a ideia do conjunto arquitetônico e que foram essenciais para a
configuração da malha urbana e das tipologias encontradas na área (Figuras 13 e 14).

Figuras 13: Pátio do Livramento. Figura 14: Pátio de São José do Ribamar.

Fonte: Acervo pessoal, 2018.

Desse modo, as características morfológicas e tipológicas apresentadas mostram o


padrão de ocupação dos bairros de Santo Antônio e São José, onde tecidos de diversas idades
são sobrepostos. Todavia, outras análises devem ser realizadas, discutindo não apenas as
características físicas, mas também a influência delas na dinâmica atual da área e em sua
estrutura de mobilidade.

2.2 Os caminhos convergem para o centro

A análise das características espaciais da área é necessária para entender outros


atributos, nesse caso, relacionados a estruturas e sistemas não inertes que compõem a área. A
presença de agentes que circulam no espaço urbano, assim como a análise dos espaços públicos
lineares, sua acessibilidade e fluxos predominantes indicam uma outra estrutura que interfere
47

na dinâmica da área. Desse modo, aqueles que usufruem e transitam no espaço também
definirão as características daquela localidade.

Como já mencionado, os bairros de Santo Antônio e São José se destacam pelo caráter
central e, por sua localização, dispõem de uma grande quantidade de meios de circulação, que
permitem sua conexão a diversas áreas da cidade. O sistema de transporte viário – tanto o
transporte público quanto o particular – é um desses meios de acessibilidade. Desse modo, a
classificação das vias urbanas pode ser realizada para entender melhor a estrutura de mobilidade
presente na cidade (Figura 15).
48

Figura 15: Recorte de Santo Antônio e São José: classificação das vias, segundo sua hierarquia.

Fonte: Plano de mobilidade urbana do Recife. Elaboração própria.

Através da observação da classificação das vias, nota-se que as de maior importância se


dispõem nas extremidades dos bairros. A Avenida Sul e a Avenida Engenheiro José Estelita,
vias arteriais secundárias, são as vias que se conectam aos sistemas arteriais principais e, por
essa razão, são os principais acessos aos bairros, de onde vem um grande fluxo de veículos.
49

Outros exemplos de vias que se destacam na área e que também são responsáveis por um fluxo
considerável do transporte viário são a Avenida Dantas Barreto, a Avenida Guararapes, a
Avenida Martins de Barros, a Rua Imperial e a Floriano Peixoto. Não sem razão, esses são
alguns dos principais corredores de transporte público na área.

A grande maioria das vias dos bairros de Santo Antônio e São José, entretanto, são de
caráter local, justamente por sua morfologia estruturada em outra época. Por se tratar de um
tecido histórico, onde as vias são estreitas e, mais tarde, por causa do comércio voltado ao
pedestre, o acesso a algumas dessas vias era realizado principalmente pelos transeuntes. Esse
fato é essencial para entender a inserção da última categoria de classificação disposta na Figura
16. Uma peculiaridade da área é a presença de ruas pedestrianizadas, vias exclusivas para o
fluxo de pedestres, algumas delas implantadas na segunda metade do século XX através do
Programa de Circulação Urbana. As vias exclusivas para pedestres chamam atenção
principalmente no bairro de Santo Antônio e, embora haja a classificação oficial delas, ainda
existem muitas vias que não são registradas como pedestrianizadas, mas que apresentam esse
caráter, quase não havendo a circulação de veículos.

Dentre os meios de circulação, o transporte público é um dos mais importantes de acesso


aos bairros de Santo Antônio e São José, ganhando notoriedade a partir do século XX e se
estabelecendo com o tempo, a partir de novas tecnologias e do aumento de áreas contempladas.
Esse acesso é realizado principalmente através dos ônibus, havendo atualmente uma grande
quantidade de linhas em circulação na área (Tabela 1).
50

Tabela 1: Linhas de ônibus em circulação em Santo Antônio e São José.

Linhas de ônibus[1] por logradouro - Santo Antônio e São José[2]

Bairro Logradouro Número de linhas


Santo Antônio Av. Nossa Senhora do Carmo 68
Santo Antônio Av. Guararapes 115
Santo Antônio Rua Siqueira Campos 36
Santo Antônio Praça da Independência 54
Santo Antônio Rua Primeiro de Março 80
Santo Antônio Praça da República 51
Santo Antônio Rua do Sol 83
Santo Antônio/São José Av. Martins de Barros 108
Santo Antônio/São José Av. Dantas Barreto[3] 132
São José Rua Floriano Peixoto 29
São José Rua da Concórdia 5
São José Rua do Peixoto 33
São José Praça das 5 Pontas 30
São José Travessa do Forte 11
São José Rua Tobias Barreto 5
São José Rua Barão da Vitória 5

Total 845
Fonte: Grande Recife, 2018. Tabulação própria.
[1] Incluindo linhas de ‘bacurau’;
[2] Trecho incluído dentro do perímetro do CHR;
[3] Incluindo a pista principal, pista leste e pista oeste.

Nota-se, a partir da tabela, que as vias onde há um maior número de linhas de ônibus
em circulação são a Avenida Dantas Barreto, a Guararapes, a Martins de Barros, a rua do Sol e
a Primeiro de Março, importantes vias coletoras dos bairros. Existem ainda, nas duas primeiras
vias citadas, estações de BRT, um novo modal de ônibus. Além dessas vias, que são os
principais corredores de transporte público da região, há ainda a presença de dois terminais na
área: o de Santa Rita e o Terminal do Recife. O terminal de Santa Rita se localiza no cais de
mesmo nome, na área leste do bairro de São José. Abriga 91 linhas de ônibus, tendo um
movimento intenso em diversos horários, inclusive de madrugada. Apesar de exercer função de
51

destaque, o Terminal de Santa Rita é o único do munícipio de Recife que não faz parte do
Sistema Estrutural Integrado (SEI)2, ao contrário do outro terminal presente na área.
O Terminal Integrado do Recife está localizado na Rua Floriano Peixoto, na área oeste
de São José. Apresenta 5 linhas de ônibus, que se integram ao sistema de metrô do terminal. A
Estação Recife é a estação central do sistema de transporte metroviário, sendo terminal da Linha
Centro e da Linha Sul e fazendo a conexão entre os passageiros dessas duas linhas. Por essa
razão, a Estação Recife se confirma como principal ponto de integração com outras linhas da
cidade, sendo ainda o terminal que abriga o maior número de passageiros (Gráfico 1).

Gráfico 1: Média diária de passageiros no metrô na RMR, em dia útil, por estação e linha.

Fonte: CBTU, maio de 2015 (apud Plano de Mobilidade Urbana do Recife).

Esses sistemas permitem o fluxo de diversas pessoas diariamente em Santo Antônio e


São José, seja ele de passagem ou de maior permanência nos bairros. Dessa forma, ambos os

2
Segundo o Grande Recife Consórcio de Transporte, o SEI é “uma rede de transporte público composta de
linhas de ônibus e metrô. Todas estas linhas são integradas através de terminais especialmente construídos, o
que possibilita uma multiplicidade de ligações de origem-destino, através de viagens modais ou multi-modais. ”
52

bairros são centrais, conhecidos e vivenciados por grande parte da população recifense e da
região metropolitana.

A disposição de atributos físicos, juntamente com a estrutura de mobilidade dos bairros


influenciam ainda as atividades exercidas na área. Por ser uma área central, com diversos meios
de acesso, e pela estrutura morfológica voltada em sua maior parte para o pedestre, a função
comercial é favorecida, principalmente o comércio voltado para o consumidor que anda a pé
ou de transporte público. Esse comércio, popular e de especialidade, será dessa forma o grande
protagonista nos bairros, que, como mostrado anteriormente, ganhou destaque a partir de uma
série de fatores que refletiram na concentração dessa atividade na área.

2.3 Entre bairros e história: o recorte espacial

A caracterização dos bairros de Santo Antônio e São José foi essencial para
circunscrever a área de estudo. O recorte a ser escolhido deveria manter boa parte de suas
características originais e conter o mesmo padrão de ocupação, além de revelar um dinamismo
comercial, visto que o trabalho em questão trata do mercado de aluguel referente a esse uso.
Tal uso, como abordado anteriormente, foi responsável por transformar a área em questão em
um Centro Urbano Comercial Popular. A partir disso, foi determinada a área que, a grosso
modo, tem como limites a Avenida Dantas Barreto à esquerda, a rua São João abaixo, as ruas
de Santa Rita e da Praia à direita e a Avenida Nossa Senhora do Carmo acima (Figura 16). Esse
recorte se destaca ainda por corresponder a uma das áreas mais antigas do Centro Histórico do
Recife. Apresenta ruas muito conhecidas pela população não só do Recife, mas também de
outros lugares do Estado, que vem à procura da variedade de produtos e de preços mais baratos.
53

Figura 16: Recorte da área de estudo.

SANTO ANTÔNIO

SÃO JOSÉ

Fonte: ESIG. Elaboração própria.


54

Deste modo, priorizou-se na escolha da área de estudo os espaços que apresentam maior
movimento mercantil, que são reconhecidos pelos recifenses pela sua longa história e, portanto,
pela sua identificação com as características espaciais da área (Figuras 17 e 18). Como visto,
através da leitura urbana (ver Figura 12), as características morfológicas e tipológicas da parte
sudeste da área histórica dos bairros apresentam, muito mais, o caráter antigo, representando a
porção territorial que conserva melhor o traçado urbano e o padrão de ocupação de uma época
mais distante. Abriga, portanto, partes dos dois bairros: ao norte, Santo Antônio e ao sul, São
José.

Figura 17: Rua Direita, bairro de Santo Antônio. Figura 18: Rua das Calçadas, bairro de São José.

Fonte: Acervo pessoal, 2017. Fonte: Priscila Batista, 2016.

A maior parte das edificações do recorte são geminadas, não apresentando recuos e
tendo sua fachada no limite do lote, característica muito observada nos centros históricos. Essa
configuração das edificações e dos lotes acaba favorecendo a atividade comercial, visto que há
um contato direto do imóvel com a rua, possibilitando uma conexão maior, atrelada ao fluxo de
pessoas, entre consumidor e loja (NÓBREGA, 2013). Outra grande vantagem da área em
relação ao uso comercial é que seus imóveis apresentam uma testada estreita e são edificações
geminadas. Tais características fazem com que as vias tenham uma grande quantidade de lojas
e acessos, influenciando diretamente no percurso e no fluxo de pessoas, que se sentem
confortáveis em continuar o caminho quando há a presença de mais lojas, incentivando a
visualização de outros comércios ao longo da rua. Dessa forma, pode-se observar que o padrão
de ocupação encontrado na área responde de forma favorável às atividades comerciais. A
identificação dessas características e do já mencionado caráter central da área ressaltam o
porquê da intensa dinâmica comercial encontrada do recorte de estudo.
55

Vale salientar que áreas como o Pátio de São Pedro, a rua Padre Muniz e outras ruas que
apresentavam padrões de ocupação similares ao recorte não foram considerados em sua
delimitação por apresentarem uma dinâmica diferente da encontrada no resto do perímetro, não
apresentando, atualmente, tanto movimento comercial. Entretanto, a área que abriga o Pátio do
Livramento, por mais que apresente um outro padrão tipológico, ainda mantém o padrão de
lotes pequenos ou alongados, dando continuidade ao movimento comercial encontrado na área.
O traçado das vias nessa porção territorial corresponde a um período onde as
caraterísticas do terreno, assim como a disposição dos principais edifícios, como as igrejas,
eram levadas em consideração para a conformação da malha urbana. Entretanto, a alteração
dessa malha, através das reformas urbanas realizadas no início do século XX, ocasionou a
inserção de novas vias e novas tipologias, diferentes do tecido urbano e das tipologias originais.
A Avenida Dantas Barreto e a Avenida Nossa Senhora do Carmo são exemplos desses novos
modais, que acabaram servindo como elemento de separação pela falta de compatibilidade com
as vias existentes, quebrando a ideia de continuidade do tecido original. Observa-se que essas
vias delimitam a área de estudo que, mesmo após as reformas urbanas, ainda manteve parte de
suas características originais.

Dessa forma, o recorte de estudo prioriza áreas com características históricas e físicas
semelhantes, assim como acolhe ruas muito conhecidas pelo seu comércio. As atividades
comerciais nele encontradas apresentam peculiaridades, assim como um movimento e fluxos
distintos das demais áreas dos bairros de Santo Antônio e São José. O aprofundamento desse
dinamismo comercial será essencial para concluir a análise das estruturas físicas e ativas 3
presentes na área.

2.4 Comércio, especialização e sua atuação no espaço

As funções exercidas na cidade são responsáveis pela construção de seu caráter, o que
influencia na quantidade de pessoas que frequentam e usufruem dos seus espaços, criando
localidades com dinamismos singulares. O uso comercial é o que concede a tônica ao espaço
em questão. Para entender a sua dinâmica, mais especificamente dentro do recorte adotado,
houve a necessidade de circular por cada uma de suas ruas para o levantamento das funções
dispostas, atualmente, nos pavimentos térreos da área (Figura 19).

3
Entende-se por estrutura ativa de uma área o conjunto de atividades nela desenvolvidas, bem como os
serviços ofertados.
56

Figura 19: Usos na área de estudo.

SANTO ANTÔNIO

SÃO JOSÉ

Fonte: Pesquisa de campo (dezembro de 2016 a julho de 2017).


57

A partir da observação da Figura 19, percebe-se a grande concentração de imóveis de


uso comercial na área, principalmente na parte central. Vias como as ruas das Calçadas, Direita,
Santa Rita, do Livramento e das Águas Verdes apresentam o predomínio de imóveis comercias.
Os imóveis com uso exclusivo habitacional, por outro lado, foram poucos, estando dispostos
apenas em ruas localizadas nas bordas da área de estudo como é o caso da rua Frei Henrique e
da rua do Forte. Apesar de ainda serem destinados a esse uso, observa-se que muitos imóveis
localizados nessas ruas estão desocupados, dando indícios da falta de dinâmica do uso
habitacional e da falta de pessoas que optam por morar nessa área da cidade. É oportuno chamar
atenção ainda para a quantidade de estacionamentos no recorte, que também se torna relevante
por ser um uso destinado a atender às necessidades das atividades comerciais. Pela alta demanda
de estacionamento, esses espaços acabam apresentando grandes dimensões, resultado da junção
de vários lotes.

Percebe-se ainda a dinâmica de certas áreas baseada na presença ou não de imóveis


desocupados. No momento do levantamento, uma grande quantidade de imóveis desocupados
foi identificada nas ruas do Rangel, Floriano Peixoto, dos Pescadores, Vidal de Negreiros, Frei
Henrique e do Forte. Ademais, a partir da identificação de uma notável concentração de imóveis
que abrigavam exclusivamente depósitos, foi necessário criar uma legenda específica no mapa
para melhor analisar a dinâmica desse tipo de uso, que também está atrelado às atividades de
comércio. Esses imóveis não são abertos ao público e geralmente funcionam como anexos para
o abrigo de mercadorias de lojas localizadas no entorno, que não dispõem de espaço suficiente
para abrigar seu estoque. Vale ressaltar, entretanto, que só foram marcados nessa categoria os
imóveis que tinham esse uso confirmado, sendo possível observar o que havia dentro do imóvel.
Por essa razão não há confirmação de que os imóveis que foram marcados como desocupados
estavam todos realmente fechados e sem uso ou se abrigavam depósitos, já que seus
proprietários deixam os imóveis fechados, só precisando abri-los para a retirada de mercadorias
ou para seu abastecimento (Figura 20).
58

Figura 20: Descarregamento de produtos em depósito na rua Vidal de Negreiros.

Fonte: Acervo pessoal, 2017

No entanto, o uso do depósito não se restringe apenas ao térreo da edificação. A grande


maioria dos edifícios comerciais da área utiliza seus pavimentos superiores para o abrigo de
mercadorias, já que muitos comerciantes alugam o prédio todo e não apenas o térreo. Enquanto
há uma dinâmica fortemente comercial no pavimento térreo, nos andares superiores geralmente
são encontrados espaços destinados ao estoque de produtos, ou, em poucos casos, áreas
comerciais e de serviços de difícil acesso do público e que não são tão visadas. Esse fato
ocasiona, muitas vezes, a falta de cuidado e de manutenção dos pavimentos superiores e por
essa razão, eles não são tão valorizados quanto o térreo.

Percebe-se desta forma que a grande concentração do uso comercial na área acaba
influenciando a presença de outros usos, atrelados a este. O poder simbólico da utilização
comercial passa a delimitar os usos presentes no recorte e em seu entorno. Segundo Jaramillo
(2009, p. 158, tradução nossa) “haverá certos lugares aos quais a convenção coletiva designará
seu uso: os compradores reconhecerão essas seções do espaço construído como os lugares onde
certas práticas se desenvolvem e os privilegiarão para executar esta atividade”. Por essa razão,
pode-se entender muito do espaço e da sua utilização através do que ocorre atualmente, sendo
a área do recorte muito associada ao seu simbolismo como centro comercial.
59

A atração desse espaço pelo comércio popular no século XX gerou uma concorrência
pelo espaço, iniciando um processo onde os usos mais lucrativos passaram a expulsar os menos
lucrativos. Para Jacobs (2011, p.271), “a reprodução do uso mais lucrativo abala a base da
atratividade, como costuma ocorrer nas cidades com a reprodução e o excesso de um mesmo
uso”. Esse processo acaba fazendo com que essa área seja ignorada por pessoas com outros
propósitos, trazendo também outras consequências em relação à distribuição e a circulação de
pessoas durante o dia. A falta de diversidade de uso gera espaços que funcionam muito bem em
determinados períodos do dia, mas que são ociosos em outros horários.

Essa repetição de uso em alguns espaços ou ruas gera ainda outro fenômeno, relacionado
à repetição do ramo do comércio. O reconhecimento de uma certa divisão do espaço em relação
ao que as lojas comercializam também é um elemento que pode ser encontrado na área de
estudo, sendo o comércio especializado identificado em certas vias que abrigam lojas de ramos
equivalentes. Essa setorização atualmente é muito assimilada, não apenas pelos comerciantes,
mas pelos usuários do espaço, já que a divisão torna a procura por determinado produto mais
fácil.

Pode-se identificar no recorte algumas ruas que apresentam especialização do comércio.


Através da observação dos imóveis comerciais, foi possível perceber que certos tipos de lojas
eram recorrentes em algumas ruas. Para identificar essas vias de comércio especializado foram
adotados dois procedimentos. O primeiro foi através da observação da quantidade de imóveis
de um único ramo na mesma rua. Assim, observando a predominância de determinado uso,
estabeleceu-se que as ruas que apresentassem mais de 30% do total de seus imóveis
correspondendo a um único ramo seriam consideradas como vias de comércio especializado
(Tabela 2).

Tabela 2: Ruas especializadas de acordo com a predominância de determinado ramo.

Bairro Rua Tipo de comércio %


Farmácias e distribuidoras de
São José Rua Coração de Maria medicamentos 50,00
Santo Antônio Rua do Livramento Cama/mesa/banho e tecidos 33,30
São José Rua das Águas Verdes Roupas populares 60,43
São José Rua das Calçadas Artigos de Festa 31,25
São José/Santo
Antônio Rua Direita Tecidos 35,45
São José Rua Santa Rita Variedades 34,50
Fonte: Pesquisa de Campo, 2016 e 2017. Tabulação própria.
60

O segundo procedimento para identificar essas ruas foi relacionado não à quantidade,
mas sim a exclusividade de certo produto nas vias. Ruas como a rua Santa Rita, por exemplo,
apresentam lojas especializadas em materiais para artesanato. A rua da Praia apresenta lojas
especializadas em artigos de pesca e essências e o entorno do Mercado de São José dispõe de
ervanários. Essas lojas, por mais que não signifiquem uma quantidade expressiva em
comparação com o total de imóveis presente nas vias, possuem produtos que são muito difíceis
de encontrar em qualquer outra área. Por essa razão, estar em determinada rua já faz com que
esta seja conhecida pela população justamente pela presença de tal produto. Assim, a partir
dessa investigação foi possível espacializar essa distribuição de modo a visualizar a dinâmica
das vias especializadas dispostas no recorte (Figura 21).
61

Figura 21: Ruas de comércio especializado na área.

SANTO ANTÔNIO

SÃO JOSÉ

Fonte: Pesquisa de campo, 2016 e 2017.


62

A disposição dessas ruas mostra que o recorte apresenta uma setorização de seu
comércio. Esse fato é importante para a identificação de uma certa competitividade, que
consequentemente pode influenciar no valor de aluguel do imóvel.

Segundo Harvey (2006, p. 224), “para a renda monopolista se materializar, é preciso


encontrar algum modo de conservar únicos e particulares as mercadorias ou os lugares,
mantendo a vantagem monopolista numa economia mercantil e, frequentemente, muito
competitiva”. O que acontece é que os imóveis do centro histórico apresentam diversas
vantagens justamente por se diferenciar não apenas fisicamente, mas, sobretudo, em termos de
localização dos edifícios. Essa localização e sua centralidade em relação à rede de comunicação
e transportes, ainda segundo o autor, fazem com que o comerciante se disponha a pagar não só
pelos atributos físicos, mas pela acessibilidade do terreno.

No caso da área de estudo, nota-se a importância da localização em determinado


logradouro e também em determinado pavimento. Os comerciantes que se localizam em um
lugar privilegiado vão atrair um número maior de clientes, tendo uma rotação do capital muito
maior do que a de seus competidores, aumentando sua taxa de lucro (JARAMILLO, 2009).
Esses lugares privilegiados podem ser evidenciados por diversos elementos, no entanto, na área
de estudo foi possível identificar que um importante fator relacionado à valorização era a
intensidade do fluxo de pessoas.

Por essa razão, houve a necessidade de identificar quais as vias que abrigavam um maior
número de pessoas dentro do recorte estudado. Essa delimitação foi realizada a partir da
experiência que foi presenciada nas inúmeras visitas de campo realizadas nos bairros de Santo
Antônio e São José4. A partir dessa experiência e da observação da quantidade de pessoas que
circulavam em cada rua foi possível realizar um mapa com tais impressões sobre o fluxo de
pessoas (Figura 22).

4
A área de estudo já vem sendo observada e acompanhada pela autora desde 2014, quando aplicou questionários
na área. O reconhecimento deste espaço através da dinâmica e da circulação de pessoas foi, desta forma, analisado
a partir daquele momento. Mais recentemente, no ano de 2017, a área também foi visitada diversas vezes, em
horários da manhã (9h às 12h) e da tarde (13h às 17h), podendo identificar nesse período as ruas que tinham maior
e menor movimento de acordo com essa percepção.
63

Figura 22: Fluxos de pessoas na área.

SANTO ANTÔNIO

SÃO JOSÉ

Fonte: Pesquisa de campo, 2017.


64

Percebe-se que as ruas onde há um fluxo mais intenso de pessoas e, por consequência,
um número maior de possíveis consumidores são as ruas Direita, das Calçadas, da Penha,
Tobias Barreto, Travessa do Sirigado e Praça Dom Vital. Nota-se, dessa forma, a grande
vitalidade das ruas que se localizam na parte central do recorte. Outras ruas que também
apresentam um fluxo intenso são as ruas Santa Rita e das Águas Verdes. Por outro lado, as que
apresentam o fluxo mais baixo de pessoas são as ruas do Jardim, rua do Forte e rua Frei
Henrique. Tais vias estão localizadas na parte sul do recorte, espaço onde foi identificada grande
parte dos depósitos e dos imóveis desocupados.

Esse movimento observado na área, entretanto, só é encontrado nos horários comerciais.


O fato de não existir uma diversidade de usos, já que existem poucos imóveis voltados para
moradia, entretenimento e escritórios, por exemplo, faz da função de compras a predominante.
Esse fato influencia no movimento de pessoas nessa área à noite ou nos finais de semana, onde
pode-se encontrar um cenário praticamente deserto. Por essa razão, vale ressaltar que a Figura
22 é referente ao fluxo de pessoas em horário comercial, sendo muito diferente em outros
momentos do dia.

Através de um estudo realizado por Nóbrega (2008), pode-se perceber uma certa
semelhança entre a hierarquia de fluxos que foram observados pela autora e a hierarquia
presenciada atualmente. A autora usa como base para análise do número de consumidores que
transitam nas ruas do centro do Recife, um levantamento de fluxo de pedestres realizado a partir
de dados coletados pela Prefeitura do Recife para o desenvolvimento do Plano Diretor de
Circulação do Recife (2000)5. Nota-se uma continuidade de alguns fluxos, entretanto há a
diferença de outros (Tabela 3).

5
Segundo o Plano Diretor de Circulação do Recife (Recife, 2000), “os levantamentos foram efetuados de forma
manual, com pesquisadores postados estrategicamente nos passeios da via, utilizando contadores manuais presos
a uma prancheta, na qual estava também a folha de campo segundo modelo específico. Esta folha de campo contém
os campos a serem preenchidos, a localização do posto e identificação do fluxo a ser registrado. Ao final de cada
15 minutos o registro do contador era anotado na folha de campo, mantendo os contadores com a numeração
acumulada. Cada contador responsabilizava-se por um único fluxo e quando da sua impossibilidade, devido aos
grandes volumes ou dificuldades relacionadas com a visibilidade, o mesmo era dividido em dois ou mais fluxos
para fins de levantamento”.
65

Tabela 3: Contagem de pedestres por dia em vias dos bairros de Santo Antônio e São José.
Quantidade de
Ponto Localização
pedestres por dia

P17 Travessa do Mercado 8.849


P18 Rua do Porão 12.300
P19 Rua do Marroquim 7.702
Pontos da área de estudo

P20 Rua da Praia 20.093


P21 Rua do Rangel 28.365
P22 Rua da Penha 26.807
P23 Rua Direita 79.461
P25 Rua Tobias Barreto 43.302
P27 Rua Passo da Pátria 13.952
P28 Rua do Forte 1.887
P29 Rua do Jardim 2.665
P30 Rua das Calçadas 2.811
P31 Rua de Santa Rita 3.306
P13 Av. Dantas Barreto 21.518
P14 Rua do Imperador D. Pedro II 13.830
P16 Rua Cais de Santa Rita 1.470
Pontos fora da área de estudo

P24 Rua de São Pedro (entrada do pátio de S. Pedro) 28.091


P26 Rua Barão da Vitória 4.414
P32 Rua São João 3.872
P33 Rua Barão da Vitória 4.634
P34 Rua Tobias Barreto 19.567
P35 Rua Marquês do Herval 15.515
P36 Rua Floriano Peixoto 27.658
P37 Rua da Concórdia 23.660
P38 Rua da Palma 37.172
P39 Rua João Souto Maior 30.907
P40 Rua Camboa do Carmo 18.936
Total 502.744
Fonte: Plano Diretor de Circulação do Recife, 2000 (apud Nóbrega, 2008, p. 165). Tabulação própria.

De acordo com o levantamento, a rua Direita foi a que apresentou o maior fluxo de
pessoas por dia (79.461), fluxo bem maior que outras ruas dentro e fora da área. Percebe-se que
essa dinâmica permanece, sendo atualmente a rua com maior movimento da área de estudo.
Outra rua que se destacou no ano de 2000 e que mantém sua dinâmica é a rua Tobias Barreto.
Esse movimento de pedestres na via pode estar associado a um importante fluxo que ocorre da
Estação Recife à área de estudo. Como já mencionado, o transporte metroviário tem muita
relevância na área e por essa razão o fluxo de pessoas que transita nas ruas que ligam a estação
às áreas comerciais é muito alto.
66

Entretanto, outras ruas como a Rua Santa Rita e a Rua das Calçadas, apresentam
diferenças se comparar o estudo de 2000 com as percepções atuais. A rua das Calçadas, por
exemplo, no estudo realizado pela Prefeitura, em 2000, apresentava um movimento mais baixo.
O número de pedestres por dia dessa via era muito menor do que o encontrado nas ruas Direita,
Tobias Barreto, da Praia e do Rangel. Observa-se que, atualmente, a rua das Calçadas tem um
movimento tão grande que suas calçadas se tornam pequenas para abrigar a quantidade de
pessoas que transitam na rua, sendo os pedestres obrigados a transitar também pela pista de
veículos. O movimento observado nessa rua atualmente pode até ser comparado, em suas
devidas proporções, com o encontrado na rua Direita.

Dessa forma, a adoção do uso comercial na área é favorecida por outros fatores mais
específicos, como os usos atrelados a ele, a especialização das ruas e o número de pessoas que
transitam diariamente por elas. Esses fatores serão utilizados mais adiante para a análise do
funcionamento dessa área, juntamente com outros elementos que podem interferir no valor dos
imóveis.

2.5 Considerações sobre o capítulo

A leitura das características espaciais e dos caminhos de acesso às áreas históricas de


Santo Antônio e São José foram consideradas para a definição da área de estudo. A localização
central desses bairros, a presença de construções marcantes na paisagem e o traçado que remete
a outras épocas, promovem o seu reconhecimento pela população recifense como localidades
plenas de significação. Isto justifica a preservação dessas áreas. Através da leitura
morfotipológica foi identificado o recorte espacial do presente estudo, que contempla partes
dos mencionados bairros, apresentando um padrão de ocupação propício ao abrigo do comércio.

A presença marcante dessa atividade, assim como a existência de um comércio


especializado, mostra indícios de competitividade pelos espaços edificados nessa área. Quanto
maior o fluxo, maior a competitividade.

Desta forma, o conhecimento das características espaciais da área, bem como do


movimento de pessoas encontrado foi o primeiro passo para desvendar a dinâmica do mercado
imobiliário. No entanto, outras características mais específicas do recorte de estudo
relacionadas a esse mercado e seus bens, assim como o conhecimento dos agentes que nele
atuam são decisivos para uma análise coerente e uma comparação mais eficiente dos preços dos
imóveis ofertados na área.
67

3. Dinâmica espacial do mercado imobiliário no Centro Histórico Urbano-


Comercial do Recife

O capítulo a seguir apresenta considerações a respeito do mercado imobiliário, tendo


como base a análise de um trecho que abrange áreas históricas dos bairros de Santo Antônio e
São José. Através da presente análise serão discutidas algumas peculiaridades desse mercado,
assim como serão comentados alguns fatores que serão importantes para entender seu
funcionamento e os preços dos imóveis ofertados.

O capítulo será dividido em cinco partes, tendo início com a parte intitulada Mercado
imobiliário e seus bens, onde são introduzidas algumas noções sobre o funcionamento do
mercado imobiliário. Na segunda parte, denominada Mercado de aluguel de comércio/serviços
no CHR, será abordada a relevância desse tipo de mercado no Centro Histórico do Recife,
comparando com a situação encontrada nos bairros de Santo Antônio e São José. Na terceira
parte, denominada Agentes imobiliários em Santo Antônio e São José, serão identificados os
principais atores envolvidos nas transações imobiliárias, bem como seu papel nesse mercado.
Na parte intitulada Produtos ofertados no mercado imobiliário, a análise será realizada através
da identificação dos produtos ofertados na área atualmente. Por fim, na parte denominada
Fatores determinantes dos preços, serão comentados alguns elementos e sua influência na
formação dos preços. A partir da análise dos diversos pontos abordados durante o trabalho,
objetiva-se entender melhor a dinâmica espacial do mercado imobiliário em áreas históricas dos
bairros de Santo Antônio e São José.

3.1 Mercado imobiliário e seus bens

Para uma análise sobre o mercado imobiliário, uma série de elementos devem ser
considerados, sendo um dos mais importantes a situação espacial dos bens imobiliários a serem
transacionados. Esta passa a ser um importante elemento que integra o preço desses bens.
Discorrendo sobre o solo urbano, Paes Barreto (2012, p. 27) afirma que “é a localização do
terreno na estrutura urbana que vai definir as possibilidades de uso do imóvel. Portanto, o solo
urbano deve ser visto como elemento do processo de valorização do capital”.

Não se pode afirmar que os mercados fundiário e imobiliário se inserem no modelo de


concorrência perfeita, onde os bens guardam certa semelhança. A heterogeneidade de seus
produtos – tanto no que se refere ao solo e sua localização quanto ao que se refere ao imóvel e
68

suas características – transforma a mercadoria em um bem irreprodutível, onde os preços serão


definidos de acordo com as especificidades de cada situação. Esses mercados passam, assim, a
se inserir no modelo de concorrência monopolística, visto que o produto ofertado nunca será o
mesmo (PAES BARRETO, 2012).

Nos centros históricos, observa-se que os produtos ofertados são diversos e distintos.
Também são mais antigos em comparação com as edificações de outras áreas da cidade. Nota-
se então, uma competição entre os imóveis antigos e os novos, pensados de acordo com a
realidade contemporânea. Desse modo, os imóveis históricos acabam apresentando
desvantagens, já que se incorporam no mercado imobiliário passando por uma série de
depreciações e obsolescências. Estas são ocasionadas pelo consumo recorrente do bem
imobiliário, fazendo com que, com o tempo, o imóvel perca gradativamente seu valor. Por outro
lado, o valor da terra não sofre com as depreciações do tempo, podendo variar apenas de acordo
com as mudanças nas condições socioespaciais da cidade (JARAMILLO, 2009). Outro fator
que acaba desfavorecendo esses imóveis são as normas urbanísticas restritivas que incidem nos
centros históricos, diferentes das aplicadas em outras áreas. Apesar disso, seus imóveis são
favorecidos pela localização central, sendo as construções, muitas vezes, de qualidade,
duradouras, que apresentam materiais simples e espaços amplos, características que agregam
um conjunto de valores essenciais para a preservação da memória da cidade.

As características físicas dos bens são importantes para a análise do seu preço,
entretanto, não são os únicos fatores determinantes. Segundo Lacerda (1993, p. 37), “o valor,
seja da terra, seja do imóvel, depende largamente do investimento imaginário que os homens
lhes conferem e não unicamente de sua realidade física e material”. A existência de outros
fatores de feições mais simbólicas atrelados a esses bens, segundo a autora, acabam interferindo
nos preços praticados no mercado.

O entendimento dos produtos imobiliários a partir de suas características físicas e


simbólicas – características do imóvel e da morfologia urbana do espaço onde este está situado
– mostra a complexidade para a determinação de seus preços. Nos centros históricos, essas
características ainda estão atreladas a momentos históricos distintos, apresentando uma
heterogeneidade e um simbolismo ainda mais evidentes, já que revelam a história por trás de
diversas práticas urbanizadoras. Deste modo, o conhecimento dessas características através,
não apenas da leitura do espaço, mas também da investigação dos seus processos de circulação
(venda ou aluguel), fortemente dependentes de suas respectivas situações (estado de
69

conservação, tipologia, qualidade do espaço público...), é essencial para a contextualização da


dinâmica do mercado imobiliário em áreas históricas.

3.2 Mercado de aluguel e comércio/serviços no CHR

Como já mencionado, o estudo em questão está inserido na pesquisa “Funcionamento


do mercado imobiliário nos centros históricos das cidades brasileiras”. Tal estudo aborda os
submercados de compra e venda e o de locação nos centros históricos de Recife, Olinda, Belém
e São Luís. A análise conta com dados dos Censos Demográficos de 1991, 2000 e 2010, dados
do ITBI (Imposto de Transmissão de Bens Imóveis) referentes ao período de 2008 a 2013 e
dados do Cadastro Nacional de Endereços para Fins Estatísticos (CNEFE) do IBGE, além da
coleta de dados primários, através de visitas in loco entre os anos de 2013 e 2014.

As características do mercado imobiliário do Centro Histórico do Recife puderam ser


melhor observadas através dos dados coletados durante a pesquisa de campo. A coleta de dados
primários realizadas a partir da aplicação de questionários em uma amostra estatística de
imóveis desse Centro Histórico, entre os anos de 2013 e 2014, foi necessária para uma primeira
investigação da dinâmica do mercado imobiliário nesse Centro. Importa registrar que foram
aplicados dois tipos de questionários durante a pesquisa: um mais simplificado, e, conforme o
caso, um mais detalhado. Isso permitiu que houvesse uma divisão dos formulários de acordo
com os submercados de locação e compra e venda e de acordo com o uso do imóvel (habitação
ou comércio e serviço).

O Centro Histórico do Recife foi definido a partir das Zonas Especiais de Preservação
do Patrimônio Histórico (ZEPHs), contemplando, dessa forma, os bairros do Recife, Santo
Antônio e partes de São José e da Boa Vista, como já observado na Figura 2. A amostra
estatística foi de 337 endereços, de um universo de 11.549 endereços, existentes nesse Centro
Histórico em 2010 (CNEFE), sendo definida de maneira aleatória (Tabela 4). Importava saber
a partir desse estudo quais dos imóveis da amostra foram transacionados entre os anos de 2008
e 2013. Os dados revelaram que 49,86% (equivalente a 168 endereços) dos endereços foram
negociados nesse período. Desses 49,86%, 92% (equivalente a 154 endereços) referiam-se à
aluguel (Gráfico 2). Através da sistematização desses dados foi possível identificar a
predominância de um mercado de locação no CHR no período de 2008 a 2013. A partir da
análise da tabela, nota-se ainda uma predominância de endereços relativos a imóveis de uso
comercial ou de serviços, revelando a forte presença do mercado de locação referentes a esses
70

usos. Observa-se que, dos imóveis negociados nesse período, 63% (equivalente a 101
endereços) deles estavam sendo destinados a atividades de comércio e serviços (Gráfico 3).

Tabela 4: Transações imobiliárias realizadas no CHR no período de 2008 a 2014.


CHR
Usos Situação dos imóveis São Santo Boa
Recife Total
José Antônio Vista
V. Abs. 0 1 4 48 53
Alugado
% 0,00 1,54 7,84 23,88 15,73
V. Abs. 0 1 0 9 10
HABITACIONAL

Comprado
% 0,00 1,54 0,00 4,48 2,97
V. Abs. 0 8 2 61 71
Próprio há +7 anos
% 0,00 12,31 3,92 30,35 21,07
V. Abs. 0 5 2 23 30
Desocupado
% 0,00 2,49 3,92 11,44 8,90
V. Abs. 0 0 0 2 2
Cedido
% 0,00 0,00 0,00 1,00 0,59
V. Abs. 13 30 24 34 101
Alugado
% 65,00 46,15 47,06 16,92 29,97
COMÉRCIO/SERVIÇO

V. Abs. 0 1 0 3 4
Comprado
% 0,00 1,54 0,00 1,49 1,19
V. Abs. 0 13 15 17 45
Próprios há +7 anos
% 0,00 20,00 29,41 8,46 13,35
V. Abs. 6 5 4 4 19
Desocupado
% 30,00 2,49 7,84 1,99 5,64
V. Abs. 1 1 0 0 2
Cedido
% 5,00 0,50 0,00 0,00 0,59
V. Abs. 20 65 51 201 337
Total
% 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00
Fonte: Pesquisa de campo GEMFI/MICH, 2014.

Gráfico 2: Situação dos imóveis transacionados Gráfico 3: Uso dos imóveis transacionados no
no CHR, 2008-2014. CHR, 2008-2014.

Fonte: GEMFI/MICH, 2014 Fonte: GEMFI/MICH, 2014


71

Os resultados mostram o Centro Histórico do Recife como um espaço onde predominam


as transações imobiliárias de aluguel, notadamente, no que diz respeito às atividades comerciais
e de serviço. Nota-se através desse tipo de transação que existem muitos consumidores que
preferem, ao invés de comprar o imóvel, fragmentar seu valor através do aluguel. Esse tipo de
transação se torna interessante para consumidores cujos planos não coincidem com o longo
tempo de duração dos imóveis, estando interessados na utilização deste por um período de
tempo mais curto (JARAMILLO, 2009). No entanto, o aluguel não pode ser considerado
sinônimo de transitoriedade, como será observado adiante através da análise dos agentes dos
bairros de Santo Antônio e São José. Este tipo de transação também pode expressar um
comportamento histórico de uma parcela da população proprietária de bens nesta área histórica
que utiliza a locação do imóvel como fonte de renda, assim, vender o imóvel não é o melhor
negócio.

Ademais, o mercado de locação não é o único presente no CHR. Apesar de não aparecer
com tanta notoriedade, a compra e venda de imóveis também ocorre, sendo esse mercado
essencial para descobrir como anda a dinâmica de determinadas áreas. Vale ressaltar que os
imóveis muitas vezes são comprados para que possam ser alugados a outras pessoas, por essa
razão pode-se identificar uma relação entre os mercados de compra e venda e o mercado de
locação, estando eles intimamente ligados. A partir disso, a análise dos dados do Imposto de
Transmissão de Bens Imóveis (ITBI) é importante para revelar indícios do dinamismo do
mercado imobiliário.

Lacerda e Anjos (2014) apresentam esses dados, identificando os imóveis


transacionados mediante compra e venda no Centro Histórico do Recife entre 2008 e 2013. A
partir da relação entre o número total de endereços em cada bairro do CHR e a quantidade de
transações de compra e venda (Tabela 5) foi possível identificar que a maior quantidade de
transações ocorreu no bairro de Santo Antônio. Segundo as autoras, no período entre 2008 e
2013, foram adquiridos 32,79% (equivalente a 482 endereços) dos imóveis existentes nesse
bairro, valor bem superior à relação de endereços encontrada nos demais bairros do Centro
Histórico.
72

Tabela 5: Universo do Centro Histórico do Recife (CHR) x Transações de Compra e Venda – ITBI
Recife (2008 – 2013) [1]

TOTAL Residencial Comercial/Serviços

Compra e Compra e Nº Ender. Compra e


Área de Estudo Nº Ender. [2] Nº Ender. [2]
Venda Venda [2] Venda

Abs. % Abs. % Abs. % Abs. % Abs. % Abs. %


Recife 660 100 56 8,48 218 100 1 0,46 442 100 55 12,44
São José [3] 2556 100 197 7,71 978 100 96 9,82 1578 100 101 6,4
Santo Antônio 1470 100 482 32,79 245 100 13 5,31 1225 100 469 38,29
Boa Vista [3] 6812 100 924 13,56 5090 100 508 9,98 1722 100 416 24,16
Total 11498 100 1659 14,43 6531 100 618 9,46 4967 100 1041 20,96
Fonte: Cadastro Nacional de Endereços para Fins Estatísticos – CNEFE (IBGE, 2010); Transações de
Compra e Venda ITBI/PCR (apud Lacerda; Anjos, 2014, p. 15).
[1] Dados referentes aos imóveis com ITBI regularizado entre janeiro de 2008 e outubro de 2013.
[2] Foram excluídas do universo de endereços as edificações caracterizadas como “em construção”.
[3] Trecho incluído dentro do perímetro da ZEPH.

Por outro lado, no bairro de São José, apesar de existir um mercado de compra e venda
de imóveis, este apresenta menor dinamismo quando comparado aos outros bairros do CHR
(LACERDA, N.; ANJOS, K.L.D., 2014). Os dados apresentados, portanto, comprovam a baixa
notoriedade desse submercado no bairro de São José. De acordo com as autoras, a relação entre
a quantidade de endereços existentes no bairro (na área incluída na ZEPH) e o total de
transações de compra realizadas foi de apenas 7,71% (equivalente a 197 endereços). Esse valor
reforça a importância das transações de aluguel na área.

Os dados apresentados, como visto, mostram uma situação distinta. Os bairros de Santo
Antônio e São José, apesar de estarem em situação de território contíguos, apresentam uma
dinâmica oposta em relação aos dados de compra e venda. Diante deste fato e para entender
melhor como esse mercado funciona, houve a necessidade de espacializar as informações
coletadas a partir do ITBI. Para isso, foram utilizados os dados das transações de compra e
venda de imóveis de uso comercial, foco do presente trabalho, durante o período de 2008 a
2013, período utilizado pelas autoras. É importante mencionar que a amostra gerada se refere
ao perímetro incluído no CHR e representa todas as transações realizadas nesse período. As
transações efetuadas nos bairros de Santo Antônio e São José podem ser, deste modo,
visualizadas na figura a seguir.
73

Figura 23: Imóveis comerciais transacionados mediante compra e venda (2008 – 2013).

Fonte: ITBI 2008-2013. Elaboração própria.

A grande quantidade de transações de compra e venda ocorridas no bairro de Santo


Antônio concentra-se, em sua maior parte, na área norte. Nota-se uma grande concentração de
imóveis comprados no entorno da Avenida Guararapes e na Praça da Independência. Essa
concentração pode ser justificada pelo dinamismo ocasionado pela instalação de atividades
educacionais e da consequente valorização dessa área. Vale ressaltar que a presença de
tipologias mais verticalizadas bem como a presença de diversas unidades no mesmo edifício,
acaba possibilitando o acúmulo de transações no mesmo lote.
74

Já no bairro de São José as transações se encontram mais dispersas, ocasionadas pela


menor quantidade de edifícios verticalizados. Entretanto, apesar desse fato, percebe-se um
dinamismo maior na área localizada à direita da Avenida Dantas Barreto. Observa-se deste
modo, um dinamismo maior em algumas áreas de Santo Antônio.

Em contrapartida, o mercado de locação de ambos os bairros se destaca. Indícios da sua


presença podem ser encontrados através dos dados obtidos pela supramencionada pesquisa 6.
Percebe-se nesses bairros uma dinâmica semelhante à encontrada no Centro Histórico do Recife
como um todo, visto que foi observada, através das entrevistas, a predominância de imóveis
alugados. Na amostra relativa a São José, 94% dos imóveis transacionados no período de 2008
a 2014 referiam-se a aluguel (Gráfico 4). Enquanto isso, na amostra de Santo Antônio não foram
contemplados imóveis comprados entre 2008 e 2014, revelando que a totalidade da amostra
estava em situação de aluguel.

Gráfico 4: Imóveis transacionados entre 2008 e 2014 na amostra do bairro de São José.

Fonte: GEMFI/MICH 2014.

O bairro de São José também não apresentou um percentual muito significativo (6%) de
imóveis comprados. Esse fato evidencia que as compras de imóveis que foram observadas no
ITBI podem ter sido destinadas à locação e não ao uso exclusivo do proprietário. Ademais, os
dados apresentados indicam a falta de força do mercado de compra e venda nesses bairros,
seguindo a tendência encontrada no CHR.

A utilização do espaço é um ponto crucial para o desenvolvimento da análise do


mercado imobiliário. Para Harvey (2006, p. 222) “não se comercializa a terra, o recurso natural
ou o local de qualidade singular, mas a mercadoria ou serviço produzido por meio do seu uso”.
A partir disso, nota-se a importância do uso do imóvel, que pode ser decisivo para determinar

6
É de conhecimento da autora que a amostra da pesquisa MICH não tem como objetivo analisar os dados de
forma desagregada, entretanto, para obter alguns indícios da atuação desses mercados nos bairros, foi
necessário aprofundar essa investigação.
75

a rotação do capital que ocorre no espaço, deste modo, sendo algumas vezes mais lucrativo
optar por certos usos em detrimento de outros.

Dessa forma, é isso que ocorre nos bairros de Santo Antônio e São José. Os usos dos
imóveis encontrados na amostra indicam a predominância de um uso sobre outro, também
seguindo o padrão encontrado no Centro Histórico do Recife. De acordo com os dados relativos
aos imóveis transacionados entre 2008 e 2014, 86% dos imóveis transacionados de Santo
Antônio e 94% dos de São José correspondiam a imóveis de uso comercial ou de serviços. A
situação encontrada revela que esta é a atividade predominante nessas áreas (Gráficos 5 e 6).

Gráficos 5 e 6: Uso dos imóveis transacionados entre 2008 e 2014 nas amostras dos bairros de Santo
Antônio e São José.

Fonte: GEMFI/MICH, 2014.

A partir desses dados, pode-se ter indícios de que o uso habitacional atualmente é
escasso nos dois bairros e vem reduzindo com o passar do tempo. Em Santo Antônio, a falta de
expressividade do uso habitacional revelada pelos dados dos Censos de 1991 e 2010 indica que
tal mercado praticamente inexiste (LACERDA, N.; ANJOS, K.L.D., 2014). São José, por outro
lado, ocupava uma posição de destaque junto ao bairro da Boa Vista pela quantidade de
domicílios, observados através desses Censos. Entretanto, a partir de informações obtidas
durante o estudo de iniciação científica, onde foram comparados dados do Cadastro Nacional
de Endereços para Fins Estatísticos (CNEFE) de 2010 e da pesquisa de campo de 2016, observa-
se que a situação mudou. Os resultados mostraram que dos 103 endereços classificados como
domicílios particulares permanentes, em 2010 (Figura 24), apenas 66 mantiveram seu uso em
2016 (Figura 25), o que corresponde a uma diminuição de 35,92% do número de domicílios
localizados no Setor de Preservação Rigorosa (SPR) do bairro de São José. Vale salientar ainda
que a maior parte dos imóveis que restaram eram de uso misto, sendo uma minoria abrigando
exclusivamente o uso habitacional. Esse fato demonstra que São José segue o mesmo caminho
do que ocorreu em Santo Antônio, sendo a evasão habitacional o traço comum entre eles.
76

Figura 24: Imóveis habitacionais no Setor de Preservação Rigorosa de São José (2010).

SANTO ANTÔNIO

SÃO JOSÉ

Fonte: CNEFE, 2010. Elaboração própria.

Figura 25: Imóveis habitacionais no Setor de Preservação Rigorosa de São José (2016).

SANTO ANTÔNIO

SÃO JOSÉ

Fonte: Pesquisa de campo, junho de 2016. Elaboração própria.


77

Pelo exposto, conclui-se que o mercado de locação de imóveis comerciais, presente ao


longo da história da área, é mais dinâmico no período analisado quando comparado ao de
compra e venda. Nota-se ainda, com fundamento na pesquisa de 2014, o desenvolvimento desse
mercado significando a expansão do uso comercial em detrimento do habitacional,
comprovada, no caso de Santo Antônio, pela análise dos Censos e, no caso de São José, pela
pesquisa de campo realizada em 2016.

Esse panorama sobre o mercado imobiliário no CHR foi essencial para a delimitação da
temática apresentada no presente trabalho. O intenso crescimento tanto do mercado de aluguel,
quanto das atividades comerciais nesse Centro e, particularmente, nos bairros mencionados
mostra a necessidade de um estudo mais aprofundado sobre os elementos que determinam tal
dinâmica.

3.3 Agentes imobiliários em Santo Antônio e São José

O espaço urbano é composto por atores sociais que participam da dinâmica encontrada
na cidade. Assim como existem diversos atores participando no âmbito mais geral da
organização urbana, no mercado imobiliário pode-se encontrar atores mais específicos. No caso
do mercado de locação no Centro Histórico do Recife, os principais agentes que atuam são os
locadores e os inquilinos.

O locador é o proprietário do imóvel, podendo delegar a negociação a um corretor


autônomo ou a uma empresa especializada em locação, que passa a administrar o imóvel. No
Centro Histórico do Recife, como já observado, as transações de aluguel predominam. Por essa
razão, torna-se muito complicado encontrar os proprietários dos imóveis, já que em sua maioria,
estes estão ocupados pelos inquilinos. Uma das alternativas encontradas para começar a
entender um pouco dessa relação entre locador e inquilino foi realizar uma entrevista com uma
empresa especializada na locação de imóveis que atuasse no Centro Histórico. Desta forma,
uma das imobiliárias que atua na área foi entrevistada para discutir sobre a visão da empresa,
tendo como base assuntos que se referem ao mercado de aluguel na área (Apêndice A).

Um dos corretores da empresa se dispôs a mostrar alguns vestígios sobre os agentes que
procuram a empresa. No caso dos inquilinos, em sua maioria, são clientes com foco no mercado
comercial. Sobre os proprietários, há a presença de clientes com apenas um imóvel, muitos
imóveis – como por exemplo a Santa Casa de Misericórdia –, e até de pessoas que moram fora
78

do país. Ademais, ele também constatou que “o valor do imóvel comercial é diferente do valor
do imóvel residencial”, já que há uma série de taxas, licenças e o IPTU, que deixam o valor do
imóvel comercial cerca de 30% mais caro do que o residencial.

Quando perguntado sobre as áreas mais valorizadas do CHR, o entrevistado fez questão
de mencionar que, no caso do comércio, “cada rua tem um valor comercial, o termômetro é a
quantidade de pessoas que passam na rua”. Segundo ele, no caso do Bairro do Recife, a área
mais valorizada é o Marco Zero e seu entorno (os imóveis que estão a cerca de 500m dele). No
caso do bairro de São José, a área mais valorizada é o entorno do Mercado de São José (os
imóveis que estão a cerca de 1km dele ou até a Avenida Dantas Barreto). Apesar disso, é muito
complexo avaliar o preço de mercado de uma área, já que existem diversos fatores necessários
para seu entendimento. Alguns desses fatores foram citados pelo entrevistado, sendo os mais
importantes a localização do imóvel, seu estado de conservação, o valor sentimental agregado
a ele e o número de vagas de estacionamento.

Diante dessa afirmação e de acordo com o entrevistado, a localização se torna


importante a partir do momento que é definida pelo fluxo de pessoas, sendo o valor comercial
medido a partir dele. O estado de conservação do imóvel, por outro lado, também é essencial
neste caso, já que os imóveis, por serem antigos, passam por depreciações e tornam-se menos
requisitados por conta da necessidade constante de manutenção. Além disso, segundo o
entrevistado, se o imóvel for tombado o valor comercial é 30% menor, já que para realizar
intervenções no edifício deve haver a aprovação do IPHAN e da Prefeitura do Recife. Dessa
forma, a limitação da legislação preservacionista também interfere no preço do imóvel. Outro
fator muito importante para a definição do preço é o valor sentimental, ou seja, a relação que o
proprietário tem com seu imóvel. Chegar em um preço mercadológico no CHR é muito mais
complexo por causa desse fator, já que existem proprietários que são mais apegados aos imóveis
– moraram muito tempo na casa ou até mesmo nasceram ali. Há casos em que o entrevistado
perdeu o aluguel do imóvel porque o inquilino precisava derrubar algumas paredes do edifício,
mas o proprietário não queria. Já as vagas de estacionamentos tornam-se importantes nas
negociações e no preço do imóvel dependendo do tipo de comércio que for instalado no edifício,
já que algumas atividades necessitam de espaço físico para o abrigo de veículos.

Além desse primeiro contato com um dos locadores que atua na área e da identificação
de algumas características de seus clientes, foi possível ter indícios do perfil dos proprietários
dos imóveis do recorte de estudo a partir da análise do cadastro imobiliário do ano de 2000. Por
79

mais que sejam dados de 20007, o baixo número de transações de compra e venda constatado
anteriormente na área, mostra que a grande maioria dos proprietários continua a mesma. Dessa
forma, os resultados encontrados nos bairros de Santo Antônio e São José como um todo e os
observados dentro do recorte de estudo podem ser verificados abaixo (Tabela 6).

Tabela 6: Proprietários dos imóveis de Santo Antônio, São José e da área de estudo.

Pessoa Jurídica
Pessoa Física Ordens Órgãos Total
Bairros Religiosas Públicos Empresas Total

Valor Valor Valor Valor Valor Valor


Abs. % Abs. % Abs. % Abs. % Abs. % Abs. %
São José [1] 3291 78,15 99 2,35 32 0,76 789 18,74 920 21,85 4211 100
Santo Antônio 3677 62,58 308 5,24 28 0,48 1863 31,71 2199 37,42 5876 100
Área de
estudo [2] 1353 78,94 109 6,36 5 0,29 247 14,41 361 21,06 1714 100
Fonte: CADIMO, 2000 (disponibilizado pelo GEMFI). Tabulação própria.

[1] Trecho incluído dentro do perímetro da ZEPH.


[2] Polígono delimitado na Figura 16.

Os proprietários identificados puderam ser divididos em dois grupos: pessoas físicas e


pessoas jurídicas. Nos bairros de Santo Antônio e São José foi observada a predominância dos
proprietários que se encaixavam na categoria de pessoa física, sendo que o trecho do bairro de
São José apresentava um maior percentual (78,15%) comparado com Santo Antônio (62,58%).
Desse modo, em relação aos proprietários que se encaixavam na categoria de pessoa jurídica,
Santo Antônio (37,42%) apresentou maior destaque que São José (21,85%), sendo que a maior
parte dos proprietários dessa categoria eram empresas. Se destacam ainda as ordens religiosas,
que apresentam uma quantidade significativa de imóveis nos dois bairros, obtendo em ambos,
percentuais maiores do que os relativos aos imóveis de órgãos públicos, por exemplo (Gráfico
7).

7
A Prefeitura do Recife não disponibilizou o atual Cadastro Imobiliário.
80

Gráfico 7: Proprietários dos imóveis em Santo Antônio e São José.

Pessoa Física % Pessoa Jurídica (Ordens Religiosas) %


Pessoa Jurídica (Orgãos Públicos) % Pessoa Jurídica (Empresas) %

78,15

62,58

31,71
18,74

5,24
2,35

0,76

0,48
SÃO JOSÉ SANTO ANTÔNIO

Fonte: CADIMO, 2000.

No caso da área de estudo, que abriga trechos dos dois bairros, percebe-se também a
predominância das pessoas físicas, com quase 79% dos proprietários dos imóveis da área
estando nessa categoria (Gráfico 8). Dentre os 21% que corresponderam à categoria de pessoas
jurídicas, percebe-se que há mais empresas (14,41%), seguido pelas ordens religiosas (6,36%).
Estas ordens também apresentam um percentual de destaque, não muito inferior ao número de
empresas, mostrando a influência das instituições religiosas no recorte. Através de uma análise
desses dados, pode-se inferir que, por mais que a área abrigue uma grande quantidade de
imóveis comerciais e de serviços, não quer dizer que seus proprietários sejam empresas. Esses
valores comprovam que apenas uma pequena quantidade de empresas vê o local como próprio
para se estabelecer através da compra do imóvel, podendo ser mais vantajoso para elas a
negociação de aluguel.

Gráfico 8: Proprietários dos imóveis na área de estudo.

Fonte: CADIMO, 2000.


81

Por outro lado, existem mais pessoas físicas que possuem imóveis, entretanto, através
dos dados apresentados relativos ao número de transações de aluguel nos dois bairros, percebe-
se que essas pessoas não se encontram na área. Ao invés disso, elas preferem, majoritariamente,
alugar os imóveis para comerciantes – os inquilinos –, como foi observado a partir da grande
quantidade do uso comercial encontrado na área. Esse fato dificultou o contato com tais
proprietários, entretanto, algumas dessas pessoas físicas proprietárias permanecem na área
como comerciantes.

Assim, para ter indícios mais aprofundados do perfil dos proprietários de imóveis
localizados no recorte, foram realizadas algumas entrevistas semiestruturadas com o auxílio de
um roteiro (Apêndice B). Através dessas entrevistas foi possível registrar as principais
impressões dos proprietários sobre o comércio, os imóveis da área e outros assuntos pertinentes
de acordo com a visão desses agentes. Os quatro proprietários entrevistados apresentam um
elemento em comum: são proprietários dos imóveis há bastante tempo, há pelo menos 30 anos.
Ademais, foi possível separá-los em dois grupos: o primeiro grupo com os proprietários que
também locavam imóveis na área para outras pessoas – que serão denominados proprietários
locadores – e o segundo com os proprietários que não tinham outros imóveis além do que
ocupavam, trabalhando nesses espaços – que serão denominados proprietários comerciantes.

Um dos proprietários do primeiro grupo era uma ordem religiosa, a Santa Casa de
Misericórdia. Em conversa com o Superintendente Geral, Fernando Luiz Costa, foi constatado
que a Santa Casa de Misericórdia é uma grande proprietária de imóveis na área, já que essa
quantidade é justificada pelas doações de imóveis para que o lucro fosse revertido em caridade.
Segundo ele, “o objetivo da doação desses imóveis é que atendam à assistência de pessoas”.
Por essa razão, a Santa Casa, como ordem religiosa, é atualmente uma das principais locadoras
da área, contando com 93 endereços alugados nos bairros de Santo Antônio e São José, segundo
informações do estudo realizado por Primavera (2017).

O outro proprietário que está inserido no primeiro grupo é comerciante e herdeiro de


uma loja muito tradicional da área, sendo adquirida por seu avô no início do século XX. Possui
mais de um imóvel, estes sendo destinados para a locação. De acordo com o entrevistado, o
perfil dos seus inquilinos é muito semelhante, sendo todos comerciantes. A relação com os
inquilinos é boa e apesar de haver uma ligação sentimental com o imóvel que ocupa, esta relação
não foi identificada com os outros imóveis que possui, já que segundo ele os preços de aluguel
são definidos a partir dos critérios utilizados pelo mercado. Quanto à dificuldade de alugar
82

imóveis no centro, o proprietário foi muito enfático. Para ele, “não é difícil alugar esses imóveis,
pelo contrário”. Hoje a maioria dos imóveis que aluga é para estoque de mercadorias ou firmas.

Os entrevistados desse grupo têm em comum o fato de estarem representando pessoas


jurídicas. Enquanto um deles representa uma ordem religiosa o outro representa uma empresa
muito conhecida na área.

Os agentes do segundo grupo, por outro lado, são pessoas físicas e possuem apenas um
imóvel na área, espaço onde realizam suas atividades comerciais. A obtenção desses imóveis
começou no século XX. Um dos entrevistados herdou a loja que pertencia a um parente e o
outro entrevistado começou seu comércio e adquiriu o imóvel sozinho. Nota-se a partir desse
caráter que tais proprietários entrevistados possuem uma certa ligação sentimental com seus
imóveis, bem como com a área que eles estão inseridos. É possível visualizar esse fato e a
importância da localização do imóvel a partir da fala de um dos proprietários comerciantes: “O
valor pra mim é muito diferente pois estou aqui há 107 anos. (A loja) Muda de ramo mas
permanece no mesmo lugar”.

Ademais, pelo tempo que se encontram na área, esses agentes conhecem muito bem as
particularidades e a dinâmica do comércio. Como a entrevista foi semiestruturada, existia uma
certa liberdade para que os proprietários falassem mais abertamente sobre assuntos que não
estavam necessariamente no roteiro. Dessa forma, os entrevistados que pertenciam ao grupo
dos proprietários comerciantes falaram um pouco sobre o comércio de antigamente. Um deles
mencionou que, na década de 1960, o comércio na área era muito valorizado. Segundo ele, que
trabalhava na época com 9 funcionários e hoje trabalha sozinho, “era uma loucura, era muito
movimento”. Outro entrevistado também comentou esse fato, falando que “em 1969 Recife
tinha muitas lojas, acabou-se tudo”. Ele ainda citou a quantidade de lojas que existiam na área,
muitas delas com nomes de famílias tradicionais, como por exemplo as lojas Nova Aurora,
Armazém do Povo, Lívio Lima, B. Asfora, Geraldo Araújo, Armazém Vitória, Fortunato Russo,
Casa Cardoso, Armazém Cardoso, Jurandir Pires, Armazém Nordeste, Dias Júnior, Armazém
Popular, dentre outras. Nota-se a partir dos relatos a grandiosidade do comércio praticado na
área assim como o caráter familiar e local dessas atividades.

Quanto aos imóveis, os quatro proprietários falaram sobre a conservação na área. O fato
de existir restrições e as reformas que fizeram para adequar o imóvel à realidade contemporânea
também foram mencionados. Foi possível perceber ainda que eles se orgulham dos resultados
que alcançaram a partir da reforma e manutenção do imóvel, entretanto muitas vezes não há
83

recursos para que essa manutenção seja realizada frequentemente. Segundo um dos
proprietários, “o prédio era acabado, escuro, reformulei todo. [...] Fiz essa reforma ‘na tora’,
porque era na parte interna. Na frente não pode mexer nada por causa da relação com a igreja.
Mas está tudo igual, não mexi em nada, o que eu mexi foram as portas”. Outro proprietário
mencionou o problema da manutenção dos imóveis do Centro Histórico: “o comércio daqui é
um comércio pobre, você tem que ajudar. A conservação é cara”. Para o superintendente da
Santa Casa “o grande problema é a recuperação dos imóveis”. Percebe-se um interesse por parte
desses proprietários em conservar seus imóveis, mas ao mesmo tempo pode-se observar que se
trata de um processo difícil para realizar atualmente sem apoio.

Nota-se a partir do relato dos proprietários entrevistados que, atualmente, é muito


complicado encontrar os donos dos imóveis na área. Um dos proprietários citou essa
dificuldade: “No meu ramo só tem eu mesmo como proprietário, os outros são alugados”. A
partir disso, percebe-se que, com o tempo, a presença dessa forma de negociação foi crescendo
tanto na área que passou a ser uma tendência. Atualmente é extremamente raro encontrar
imóveis para vender na área.

Dessa forma, o inquilino tem um papel essencial na atual dinâmica da área. Ele participa
do processo de negociação sendo o agente que ocupa um imóvel que não lhe pertence, mas paga
uma quantia pelo período de utilização. O primeiro contato com esses agentes foi presenciado
a partir da aplicação de questionários na área no ano de 2014 (Anexo B). Através dos
questionários foi possível conversar com esses inquilinos e obter alguns indícios sobre suas
impressões, relativas a assuntos pertinentes ao mercado imobiliário. Como já constatado
anteriormente, a grande maioria dos inquilinos da área são comerciantes, e através dos dados
obtidos pela pesquisa, nota-se que, tanto no bairro de São José quanto no bairro de Santo
Antônio, a maior parte dos inquilinos entrevistados aluga o mesmo imóvel há um período de
tempo de 11 a 20 anos, tempo considerável de negociação (Gráfico 9).
84

Gráfico 9: Período de aluguel do imóvel nos bairros de Santo Antônio e São José.

10
9
9
8 8
8
7
6
6
5
5
4
4
3 3 3
3
2
1 1
1
0
0
Até 1 ano De 2 a 5 anos De 6 a 10 anos De 11 a 20 Mais de 20 NR
anos anos

Santo Antônio São José

Fonte: Pesquisa de campo GEMFI/MICH, 2014.

A partir desse fato, é possível perceber que um imóvel alugado por tanto tempo deve
satisfazer os inquilinos que nele se estabeleceram. Em relação à motivação que levou esses
inquilinos a alugar tais imóveis, percebe-se de acordo com as respostas o que já havia sido
enfatizado ao longo do estudo: que a proximidade de outros comércios e serviços e o grande
fluxo e acessibilidade de consumidores são os fatores mais considerados no momento da
negociação (Gráfico 10). O fato da área ser o centro urbano-comercial popular mais importante
do Recife e da região metropolitana, como observado anteriormente, é um fator considerável
para o estabelecimento desses inquilinos. Nas entrevistas, esse elemento foi ainda mais notável
no bairro de São José, que apresenta um caráter comercial mais forte e mais simbólico do
comércio popular do que em Santo Antônio.
85

Gráfico 10: Motivação em alugar imóveis no Centro da Cidade (inquilinos dos bairros de Santo
Antônio e São José).

12 11
10 10
10
8
8

6
4 4
4
2
2 1 1
0
0
Herança Proximidade de Grande Outra NR
outros comércios e fluxo/acessibilidade
serviços dos consumidores

Santo Antônio São José

Fonte: Pesquisa de campo GEMFI/MICH, 2014.

Desse modo, o fato da área apresentar características que acabam atendendo às


demandas dos inquilinos, mais especificamente dos inquilinos comerciantes que buscam
visibilidade para suas lojas, é importante para entender porque a grande maioria desses agentes
de Santo Antônio e São José não sentem vontade de mudar seu ponto comercial para outro lugar
da cidade (Gráfico 11). Esses fatores são importantes para mostrar a satisfação dos comerciantes
em estarem em uma área conhecida por seu caráter comercial e bem situada no centro da cidade,
ideal para inquilinos comerciantes. Por essa razão não há o interesse em abandonar uma área
que hoje apresenta tanto potencial para abrigar esse tipo de uso.
86

Gráfico 11: Vontade de mudar o ponto para outra área da cidade (inquilinos dos bairros de Santo
Antônio e São José).

25 23
22

20

15

10

5 3
1 1 1
0
sim não NS/NR

Santo Antônio São José

Fonte: Pesquisa de campo GEMFI/MICH, 2014.

Outro elemento importante identificado a partir do relato dos inquilinos foi que a
maioria das negociações se realizou diretamente com o proprietário do imóvel, não havendo
muito espaço para intermediários como corretores ou imobiliárias. Esse fato mostra que a
presença de corretores e imobiliárias na área não é tão significativa como em outras áreas da
cidade e que os proprietários participam ativamente das negociações, mesmo não se localizando
na área.

Gráfico 12: Responsável pela negociação do imóvel (bairros de Santo Antônio e São José).

20 19 19
18
16
14
12
10
8
6
4 3 3 3
2 2
2
0
0
Corretor Direto com o Imobiliária Outro
independente proprietário

Santo Antônio São José

Fonte: Pesquisa de campo GEMFI/MICH, 2014.


87

Por fim, através de uma pergunta aberta, foi possível entender porque os entrevistados
preferem alugar o imóvel e não o comprar. Nota-se que a maioria das respostas demonstraram
que às vezes há um interesse em comprar, mas o proprietário não tem interesse em vender ou
os preços são muito altos para os inquilinos pagarem. Outras respostas que chamaram atenção
mencionavam que não vale a pena adquirir o imóvel por ser um investimento muito grande,
sendo o aluguel visto como um meio “para não ficar preso ao imóvel”, já que muitos acreditam
que ao comprar há muitas obrigações, impostos, além dos cuidados e manutenção dos edifícios.

Dessa forma, a partir desse primeiro contato pode-se obter alguns indícios do perfil dos
inquilinos. Eles já estão na área há um tempo considerável, não sendo inquilinos tão recentes,
as motivações que os levaram a alugar imóveis no centro tem relação com a densidade
econômica urbana, comercial e histórica da área, a qual tem uma profunda capacidade de manter
um fluxo convergente de capital e pessoas para o espaço em questão. Estar nesse espaço é um
privilégio locacional e, com razão, não há interesse por parte desses inquilinos de deixar a área.
Além disso, as negociações realizadas são feitas diretamente com o proprietário, mostrando a
estrita relação entre proprietários e inquilinos.

Ademais, a partir de recentes idas à área de estudo, realizadas em 2017, foi possível
identificar alguns elementos importantes em entrevistas realizadas com inquilinos (Apêndice
C). Através de um questionário semiestruturado foram apreendidas impressões sobre assuntos
mais específicos, de forma a abordar a visão desses inquilinos de modo mais qualitativo.

Quando perguntados se a unidade alugada atendia às expectativas que o atual uso


propõe, a grande maioria afirmou que sim. Houve apenas um entrevistado que negou,
explicando que precisa de outro estabelecimento para atender a demanda, ou seja, o espaço
físico do imóvel não é suficiente para abrigar todo o estoque da loja. Essa questão sobre o abrigo
para estoque de produtos das lojas foi observada anteriormente no mapa de usos, a partir da
percepção da concentração de imóveis destinados a esse fim nas áreas periféricas do recorte.

Outra questão abordada diz respeito à valorização ou não da unidade alugada de acordo
com a rua em que está inserida. As respostas para essa pergunta tinham um elemento em
comum: todas elas afirmavam que a rua, ou seja, a localização em determinada rua é um
importante fator que determina a valorização de um imóvel. Por outro lado, outros entrevistados
estabelecidos em ruas não tão bem localizadas citaram esse fato como prejudicial à valorização
da unidade, como podemos observar quando um dos inquilinos menciona: “A rua (Padre
Floriano) é escondida. Se fosse na Rua das Calçadas valorizava”. Outro entrevistado afirma que
88

a rua não é valorizada porque “é longe do circuito do comércio”. Outro fator observado na fala
dos entrevistados foi a especialização funcional por rua. Um dos entrevistados afirma que a rua
ajuda a valorizar a unidade já que “é uma rua especializada em tecidos. Setorização é bom”.
Outro entrevistado também mencionou que a valorização da rua se dava pela existência de um
“ponto comercial para atacados e tecidos”. Essa questão é importante para identificar que os
fatores que determinam a valorização no caso do comércio vão muito além do movimento e
fluxo de pessoas, entrando em questões de reconhecimento de uma setorização espacial e
histórica.

Quando perguntados se o fato de a unidade estar localizada numa área histórica


valorizava ou desvalorizava a unidade, os entrevistados se dividiram. Alguns falaram da
valorização, mas não pelas características dos imóveis, mas sim por ser uma área conhecida
pela população e por ser um local turístico. Já os entrevistados que afirmaram que esse fato não
valoriza a unidade citaram as políticas de preservação da Prefeitura como fator negativo e outro
entrevistado mencionou que “desvaloriza porque os imóveis são inadequados para o comércio”.
Além dessas respostas, houve entrevistados que acham que esse é um fato irrelevante, que
“tanto faz” estar localizado ou não em uma área histórica.

A influência de novos comerciantes na área também foi observada a partir do


questionário. Muitos citaram que os novos comerciantes, em especial, os comerciantes chineses
influenciam de forma negativa em algumas áreas do recorte. As queixas dos inquilinos se
referem ao fato de que os chineses prejudicam o preço dos imóveis e afastam os clientes. Um
dos entrevistados citou ainda um caso mais específico da rua onde se localiza: “tem poucas
lojas abertas na rua (Vidal de Negreiros). A maioria das fechadas são depósitos de chineses”.
Vale ressaltar, entretanto, que nem todos os entrevistados sentiram a influência dos
comerciantes chineses por se localizarem em áreas onde esse tipo de comércio não se
estabeleceu ainda. Dessa forma, esses novos inquilinos, além de transformarem o comércio de
parte da área, também contribuem com as mudanças referentes ao uso do espaço.

A partir desse ponto, a presença dos comerciantes chineses como inquilinos, e às vezes
proprietários, nos bairros Santo Antônio e São José pode ser observada atualmente, sendo
considerada uma importante peculiaridade do mercado imobiliário da área. A partir das visitas
e das entrevistas com os agentes da área, percebe-se como esse comércio vem crescendo e
ganhando notoriedade. Esses novos inquilinos passam a competir com os comerciantes locais,
tanto por causa dos produtos comercializados, que tem um preço de mercado muito inferior,
89

quanto pelos imóveis da área. Um dos proprietários entrevistados mencionou essa


competitividade: “O ‘boom’ dos chineses na área foi entre 2010 e 2013. Eles pagavam em
dinheiro e era um valor muito acima. Se alguém quisesse pagar R$300.000 no imóvel eles
faziam proposta de 1 milhão. Os preços subiram nessa época. Muitas lojas fecharam, ficaram
aqueles mais fortes”. Como mencionado anteriormente, a presença dos comerciantes chineses
na área provavelmente foi reforçada a partir do aumento do poder de consumo da população no
início do século XXI, resultado das políticas macroeconômicas que atraíram novos
comerciantes.

A partir desse relato e de outros que indicam uma mudança na dinâmica do mercado
imobiliário na área, ocasionado pela presença desses novos comerciantes, foi necessário
quantificar sua área de atuação. Desse modo, através de um primeiro estudo realizado por
SILVA, J. M. A. (2016), que contabilizou as lojas chinesas no ano de 2015 (Figura 26), foi
possível comparar os dados apresentados por ela com informações coletadas no ano de 2017
(Figura 27) no recorte de estudo. Vale salientar que essa quantificação foi realizada seguindo
os procedimentos metodológicos da autora, tendo como foco as lojas chinesas. Sendo assim, os
depósitos por eles ocupados não foram contabilizados, também pela dificuldade em sua
identificação.
90

Figura 26: Área de estudo: lotes ocupados por comércio chinês em 2015.

SANTO ANTÔNIO

SÃO JOSÉ

Fonte: SILVA, J. M., 2016. Elaboração própria.


Figura 27: Área de estudo: lotes ocupados por comércio chinês em 2017.

SANTO ANTÔNIO

SÃO JOSÉ

Fonte: Pesquisa de campo, 2017. Elaboração própria.


91

A partir desses dados foi possível perceber que a quantidade de lotes ocupados pelos
chineses no período de quase 2 anos sofreu um acréscimo. Em novembro de 2015 foram
identificados 115 lotes e em setembro de 2017 foram identificados 136 lotes ocupados por
comércio chinês. Por mais que não tenha sido um aumento tão significativo, percebe-se a partir
do mapeamento a expansão desses comerciantes para outras ruas. Ruas que quase não
abrigavam esse tipo de comércio como a Rua Vidal de Negreiros, a rua da Praia e a rua do
Livramento passam a apresentar uma maior concentração desse comércio. Nota-se que, mesmo
que alguns lotes, de 2015 a 2017, tenham deixado de ser lojas chinesas, outros foram surgindo
em novas áreas.

Desse modo, os comerciantes chineses não estão se concentrando em apenas algumas


ruas, mas expandindo suas lojas para áreas que apresentam menor concorrência. A dinâmica
por trás dessa mudança revela uma nova setorização, com ainda mais lojas desse tipo dispostas
no Setor de Preservação Rigorosa da área. As consequências dessa expansão podem ser
visualizadas nos imóveis que abrigam esses comércios, cada vez mais descaracterizados e
passando a seguir uma certa padronização no seu interior. Essa ocupação influencia ainda no
aumento da competitividade, provocando a expulsão dos comerciantes locais e a provável
valorização dos imóveis da área.

A importância da identificação dos agentes que atuam no mercado imobiliário de


aluguel na área é reforçada a partir de sua influência no funcionamento deste mercado. O perfil
dos proprietários e inquilinos, assim como os usos e a forma de negociação estabelecida, fazem
com que o recorte espacial em questão seja atrativo para novos comerciantes, inquilinos mais
recentes, o que provoca consequências na dinâmica e nos preços desse mercado.

3.4 Produtos ofertados no mercado imobiliário

Além das características do espaço em que se inserem, as características físicas do


produto em questão devem ser ponderadas. Levando em consideração que os produtos ofertados
no caso do presente estudo são imóveis localizados no Centro Histórico, nota-se que haverá
uma série de particularidades. São objetos distintos, de diversas épocas e que passaram ou não
por modificações.

Para analisar de forma mais aprofundada a dinâmica do mercado no recorte espacial, foi
necessário observar melhor os preços ofertados na área. Para isso, a metodologia utilizada
92

procurou primeiramente identificar e mapear as ofertas de imóveis no recorte, de modo a


entender onde se localizam, assim como observar os preços estimados dessas ofertas. Optou-
se, dessa forma, pela escolha de uma amostra que contemplasse não todos os imóveis da área,
mas sim aqueles que, no momento da pesquisa, estivessem sendo ofertados para aluguel. Vale
ressaltar, entretanto, que os preços estimados são diferentes dos preços praticados na área, já
que os preços dos imóveis disponíveis para aluguel ainda passarão por um processo de
negociação no momento da transação, podendo estar supervalorizados.

O procedimento metodológico utilizado para realizar esse levantamento foi a partir de


visitas na área, observando as placas de imóveis para alugar dentro do recorte estudado e
anotando os números de telefone para obter maiores informações (Figura 28). Através dessas
ligações, outros dados foram obtidos como a localização, o uso do imóvel, o preço e seu
tamanho. O levantamento foi realizado nos meses de agosto e setembro de 2017 e, ao final,
foram encontrados na área 31 imóveis disponíveis para aluguel (Figura 29).

Figura 28: Exemplos de placas de aluguel na área de estudo.

Fonte: Acervo pessoal, 2017.


93

Figura 29: Imóveis disponíveis para aluguel.

SANTO ANTÔNIO

SÃO JOSÉ

Fonte: Pesquisa de campo, agosto de 2017.

A partir da espacialização das unidades ofertadas foi possível tirar algumas conclusões
quanto à localização desses imóveis. A maior parte deles se encontra no Setor de Preservação
Rigorosa (23), enquanto o Setor de Preservação Ambiental incorpora 8 dos imóveis ofertados.
Nota-se ainda que a maior parte das unidades está disposta nas quadras da extremidade sul,
94

próximos ao Forte das Cinco Pontas. Nota-se a partir da Figura 29, a ausência de anúncios de
aluguel no centro da área de estudo, locus de intenso comércio, em ruas como a das Calçadas e
no entorno do Mercado de São José. Outras vias, como as ruas do Livramento, Santa Rita e
Direita não apresentaram muitos imóveis disponíveis para aluguel. Por essa razão, pode-se
inferir que há uma dinâmica e uma demanda tão fortes nessas áreas que seus imóveis raramente
são desocupados, e quando desocupam não demoram muito tempo para serem alugados
novamente.

Os edifícios encontrados no recorte são diversos, mas sua grande maioria passou por
processos de transformação. A partir do sobrado ou da casa térrea original, diversos tipos
arquitetônicos foram criados com o passar dos anos, cada um atendendo a demanda, geralmente
do comércio, que neles se instalaram (NÓBREGA, 2013). O resultado dessa transformação são
vários tipos descaracterizados, muitos com alterações na fachada, nas esquadrias e na coberta.
Outros apresentando ainda uma junção interna de edificações para a expansão do ponto
comercial. Essas alterações acabam tornando ainda mais difícil o reconhecimento dessas
edificações como exemplares históricos.

Dessa forma, através do levantamento das tipologias da área apresentado anteriormente,


foi possível identificar os tipos de imóveis que estavam disponíveis para aluguel (Figura 30). A
tipologia comercial/serviços foi a que teve maior destaque, sendo as edificações que
apresentavam até três pavimentos as mais encontradas no recorte. Dos 31 imóveis, como
destacado na Figura 30, 25 eram tipologias comerciais/serviços, enquanto as tipologias de casa
histórica, sobrado e galpão estavam presentes em 2 imóveis, cada.
95

Figura 30: Imóveis ofertados conforme sua tipologia.

SANTO ANTÔNIO

SÃO JOSÉ

Fonte: Pesquisa de campo, 2017.


96

Identificou-se ainda neste levantamento, imóveis que serviam como passagem, as


galerias, tendo acessos em duas ruas e ao mesmo tempo abrigando pequenas lojas em seu
interior. Por essa razão houve a necessidade de criar uma legenda mais específica, que não
apareceu na análise anterior por não se destacar diante da grande quantidade de outras tipologias
nos bairros de Santo Antônio e São José. Nesse caso, entretanto, observar a existência desse
tipo, tão marcante atualmente na área de estudo, é essencial para melhor conhecer as diferentes
unidades de comércio ofertadas para aluguel.

Através desses imóveis encontrados na área, foi possível perceber uma diversidade de
unidades comerciais para aluguel (Figura 31). Enquanto haviam alguns casos em que a
edificação inteira estava disponível para aluguel, haviam outros casos em que partes desses
imóveis eram alugadas. Por essa razão, em alguns casos, há mais de um ponto comercial
identificado no mesmo lote. A partir disso, nota-se que dos 31 imóveis ofertados, 21
correspondiam ao aluguel do prédio inteiro, sendo que sua área variava de caso a caso, já que
alguns edifícios tinham 1 ou 2 pavimentos e outros 7, por exemplo. O restante dos imóveis
ofertados (10) correspondia ao aluguel de uma parte do edifício, podendo ser salas ou boxes,
localizadas no térreo ou nos pavimentos superiores. Dessa forma, há uma diversidade de tipos
de unidades comerciais disponíveis.
97

Figura 31: Imóveis ofertados conforme os tipos de unidades comerciais disponíveis.

SANTO ANTÔNIO

SÃO JOSÉ

Fonte: Pesquisa de campo, 2017.


98

Através da constatação de que a quantidade de salas/box nos pavimentos superiores é


maior do que a quantidade dessa mesma unidade no térreo, observa-se que não há uma
competição tão grande para alugar essas unidades, fortalecendo a ideia de que os pavimentos
superiores não são tão valorizados na lógica do mercado comercial quanto os inferiores. Nas
galerias internas, que tinham o mesmo tipo de unidade comercial nos pavimentos inferior e
superior, só havia, entretanto, a possibilidade de alugar uma sala/box nos pavimentos
superiores. Esse fato mostra indícios da grande demanda encontrada nos pavimentos térreos
dessa tipologia, já que nos dois casos de galeria encontrados não havia unidades disponíveis
para aluguel nesse pavimento da edificação.

Outro fator observado, que diz respeito ao cuidado e à manutenção dos edifícios, foi o
estado de conservação8 destes. Importa ressaltar que a análise foi realizada levando em
consideração, prioritariamente, a conservação da parte externa do edifício. Os imóveis seriam
então divididos em três estados, conforme exemplificado nas figuras 32, 33 e 34: bom (Rua
Santa Cecília, 59), regular (Rua dos Pescadores, 62) e precário (Av. Dantas Barreto, 1079).

Figura 32: Bom Figura 33: Regular Figura 34: Precário

Fonte: Acervo pessoal, 2017

Em relação ao estado de conservação dos imóveis que abrigam essas unidades, foi
possível perceber que a maior parte deles apresentava um estado regular. Do total de imóveis,
8 apresentavam bom estado de conservação, 20 apresentavam um estado regular e 3 um estado

8
Para o levantamento do estado de conservação dos imóveis foram analisadas as imagens dispostas no
Apêndice D.
99

precário. Para melhor entendimento do contexto de localização desses imóveis, os dados foram
espacializados, podendo ser visualizados a seguir.

Figura 35: Imóveis ofertados conforme seu estado de conservação.

SANTO ANTÔNIO

SÃO JOSÉ

Fonte: Pesquisa de campo, 2017.


100

A quantidade de imóveis em estado de conservação regular revela que, mesmo que o


edifício não apresente um alto grau de degradação, ele também não está em estado satisfatório,
necessitando de manutenção. Pode-se deduzir ainda que a maior parte dos responsáveis pela
conservação do edifício não se dispõem a deixar o prédio em seu melhor estado, mas também
não permitem que ele sofra um processo muito grande de desgaste.

De acordo com a disposição desses imóveis e observando suas respectivas tipologias, é


possível perceber alguns elementos. Dos quatro edifícios que ainda conservam as tipologias
originais do centro histórico, os sobrados e as casas históricas coladas, três deles estão em
situação precária. Esse fato é um importante sinal de alerta, já que demonstra um certo descaso
com as tipologias mais antigas que, pouco a pouco, vão desaparecendo, não apenas pela
descaracterização da edificação, mas também pela falta de manutenção.

Essa situação de descaso foi encontrada ainda em um imóvel localizado na Rua do


Rangel, que apesar de apresentar uma placa de aluguel, não foi considerado no universo de
imóveis ofertados por não haver condições de visualizar o telefone inserido na placa, que estava
rasgada (Figuras 36 e 37). Embora não participe da amostra, esse edifício é um exemplo de
imóveis de tipologia mais antiga e que, nesse caso, não foi descaracterizado para se adequar a
um novo uso. Talvez por essa razão, entretanto, se encontre neste estado, fazendo parte dos
edifícios que ainda lutam para se manter na paisagem do centro.

Figura 36: Sobrado na Rua do Rangel. Figura 37: Placa de aluguel.

Fonte: Acervo pessoal, 2017.


101

Desse modo, identifica-se na área de estudo a presença de vários produtos com


características singulares. As características dessas unidades comerciais ofertadas serão
importantes no caso do mercado imobiliário de locação comercial para analisar a influência das
características dos bens ofertados na construção dos preços em uma área tão comercial e que
necessita de imóveis adequados para essa utilização.

3.5 Fatores determinantes dos preços

Como já abordado no início do capítulo, o entendimento do mercado imobiliário está


atrelado ao conhecimento das características dos bens, bem como das características que
envolvem sua localização, já que esses atributos serão refletidos nos preços. Ao longo do
trabalho foram identificados diversos elementos relacionados às peculiaridades dos imóveis, do
local e até mesmo dos agentes, que mostravam indícios dos fatores que contribuíram para a
formação dos preços. Entretanto, nota-se que a ordem de importância desses fatores que
delimitam o valor mercadológico do imóvel varia de acordo com cada caso.

Percebe-se isso a partir da análise do levantamento de preços estimados no recorte, onde


uma série de fatores são considerados pelos proprietários e locadores da área, indicando quais
destes são priorizados. Desta forma, para aprofundar o estudo, foram calculados os preços por
metro quadrado através das informações coletadas sobre o valor do aluguel e o tamanho da
unidade que seria negociada. O resultado obtido pode ser observado abaixo.

Gráfico 13: Preços/m² dos imóveis ofertados na área de estudo.

Fonte: Pesquisa de campo, 2017.

Nota-se, a partir das 31 unidades comerciais ofertadas, que a maior parte dos preços está
na faixa entre R$10,00 a R$20,00, sendo também significativa a faixa entre R$20,00 a R$30,00.
102

Juntas, essas duas faixas compreendem mais da metade do total de unidades, fato que indica
serem esses os preços predominantes no mercado de locação na área de estudo. Importa
ressaltar ainda que os imóveis que apresentaram os maiores preços de aluguel se localizavam
na rua São José do Ribamar e na rua das Águas Verdes.

Através dessa análise e a partir de um levantamento9 em outros bairros do Recife, foi


possível realizar uma comparação para melhor conhecer como esse valor mercadológico está
inserido em um contexto mais amplo. Desse modo, através de dados encontrados em um site
de locação de imóveis foi realizada uma média dos preços por metro quadrado obtidos por
logradouro, revelando uma média estimada de preços por rua. Considerando que os outros
bairros, tanto do Centro Histórico quanto fora dele10, apresentam características distintas das
encontradas na área de estudo, optou-se por fazer a comparação apenas com algumas ruas que
apresentam um caráter mais comercial, apresentando certa similaridade pelo menos em relação
aos usos (Gráfico 14).

Gráfico 14: Comparação das médias de preços/m² em ruas comerciais de outros bairros do Recife.

42,85

19,78 18,76

Fonte: ZAP Imóveis, 2017.

Observa-se que as ruas localizadas no centro histórico (Av. Marquês de Olinda e Av.
Manoel Borba) apresentam um preço por metro quadrado semelhante à faixa de preço mais

9
O levantamento em questão foi obtido através do acompanhamento de preços de aluguel dos imóveis
comerciais ofertados para aluguel em um site especializado, o ZAP Imóveis. Foram levados em consideração os
preços estimados em ruas dos bairros do Recife, São José e Boa Vista, no período entre outubro de 2016 e julho
de 2017.
10
É de conhecimento da autora que não se deve realizar uma comparação direta entre os preços dos imóveis do
CHR e de outros bairros pela diferença física entre seus bens. Entretanto, a inserção desse tipo de dado no
trabalho tem como objetivo apenas dar um indicativo da diferença do mercado no centro histórico e fora dele.
103

encontrada no recorte de estudo, revelando uma certa equivalência entre os preços dos imóveis
do CHR. A média encontrada na Av. Conselheiro Aguiar, entretanto, mostra um preço acima
da média, mas justificado por estar atrelado à imóveis mais novos do que os encontrados nos
bairros históricos, dando apenas indícios dos preços dos imóveis ofertados fora do CHR.

A partir disso, como explicar os preços estimados dos imóveis ofertados no recorte de
estudo? Através de todas as considerações feitas ao longo do trabalho foi possível perceber
alguns fatores que se destacam em certos casos, e em outros nem tanto. Cada imóvel apresenta
peculiaridades e o responsável pela sua locação tentará ressaltar algumas dessas qualidades
através dos preços. Ao longo do estudo foi possível identificar fatores relacionados às
características do próprio imóvel e fatores relacionados às características da área em que eles
se inserem. A partir dessas duas situações foram identificados os elementos que serão
analisados adiante. Desse modo, para uma aproximação dessa análise, foi necessário realizar o
cruzamento de dados, tendo como objetivo entender o preço dos imóveis ofertados, ao menos
em alguns casos.

Primeiramente, optou-se pela investigação das características do espaço onde as


unidades ofertadas se inserem. Entretanto, vale ressaltar novamente que esse preço não é
ocasionado por apenas um fator isolado, mas sim, pela junção de diversos fatores que serão
analisados adiante. Isto exposto, o primeiro elemento a ser investigado é o fluxo de pessoas nas
vias do recorte. A figura a seguir expressa o cruzamento de dados da intensidade do fluxo de
pedestres com o preço de cada unidade ofertada.
104

Figura 38: Cruzamento de dados: fluxos x preços/m².

SANTO ANTÔNIO

SÃO JOSÉ

Fonte: Pesquisa de campo, 2017.


105

Observa-se que as ruas que apresentam fluxos mais intensos não dispõem de muitas
unidades comerciais ofertadas para aluguel devido à grande demanda por imóveis em vias
movimentadas. Por essa razão e a partir da análise do levantamento é perceptível que há uma
relação entre a acessibilidade de consumidores e a formação dos preços. Observa-se através da
figura que as unidades ofertadas mais caras se localizam em ruas que apresentam fluxo mais
intenso, como as ruas Direita, de Santa Rita, das Águas Verdes e da Praia. Da mesma forma, as
ruas que apresentam menor circulação de pessoas – principalmente as ruas do sudoeste do
recorte e a rua do Rangel – são as que abrigam unidades mais baratas em comparação com os
outros imóveis da amostra.

Essa relação entre os fluxos e a construção dos preços na área de estudo já era esperada
a partir do momento que o objeto de estudo são os imóveis comerciais, que necessitam da
circulação de consumidores para que possam sobreviver no mercado. Outro indicativo esteve
presente tanto através das entrevistas com os inquilinos, quanto a partir da conversa com os
locadores dos imóveis da área. Através de uma das ligações realizadas, um dos locadores
afirmou que a escolha, não apenas de um imóvel, mas de um ‘ponto comercial’ é tudo. Segundo
ele, “é melhor pagar R$8.000,00 em uma rua movimentada do que R$2.000,00 em uma rua sem
fluxo", enfatizando, desta forma, a importância da localização para o retorno financeiro
esperado pelos comerciantes.

A partir dessa lógica, outro fator está diretamente relacionado a esse fluxo de
consumidores: o comércio especializado. Em algumas ruas, esse comércio é capaz de atrair
pessoas através de sua setorização, apresentando, deste modo, indícios de que também
influencia no mercado imobiliário da área. A seguir, a intercepção dos dados sobre
especialização por rua e preços das unidades.
106

Figura 39: Cruzamento de dados: comércio especializado x preços/m².

SANTO ANTÔNIO

SÃO JOSÉ

Fonte: Pesquisa de campo, 2017.


107

Observa-se que apenas algumas unidades foram ofertadas nessas ruas, revelando a
grande concorrência por espaço nessas vias. O levantamento apresentou unidades localizadas
nas ruas das Águas Verdes, de Santa Rita, Direita, da Praia, além da Praça Dom Vital. As duas
primeiras exibem explicitamente a concorrência relativa à sua setorização através de seus altos
preços, superiores a R$40,00 por metro quadrado, entretanto, a rua Direita, a rua da Praia e a
Praça Dom Vital apresentam a maior parte de suas unidades ofertadas com valores
mercadológicos não tão altos quanto nas ruas das Águas Verdes e de Santa Rita. Esse fato será
comentado mais adiante, com uma caracterização de outros elementos que vão justificar tais
valores em vias tão representativas do comércio na área.

A partir disso, nota-se a importância da localização dos bens dentro do recorte de estudo.
Todavia, para uma análise mais detalhada dos produtos ofertados deve-se analisar as
características físicas de cada unidade comercial. Desse modo, o primeiro ponto a ser discutido
é o estado de conservação do imóvel, mencionado através da entrevista com os agentes. A figura
a seguir mostra o cruzamento dos dados referentes ao estado de conservação do imóvel e ao
preço médio das unidades ofertadas por rua11.

11
Vale mencionar que, nas unidades que possuíam acessos em duas ruas distintas, ambas as ruas foram
destacadas com o preço desta unidade. Essa situação foi encontrada em alguns edifícios de esquina e nas
galerias-passagem.
108

Figura 40: Cruzamento de dados: estado de conservação x preços/m².

SANTO ANTÔNIO

SÃO JOSÉ
109

Fonte: Pesquisa de campo, 2017.

Através da observação dos dados, percebe-se que os imóveis com estado de conservação
precário, apesar da péssima condição de manutenção, não são os que apresentam os preços mais
baixos. Os imóveis nesse estado de conservação se inserem na faixa de preço entre R$10,00 a
R$20,00 que, apesar de não ser um valor tão alto, é a faixa de preço que mais aparece no recorte
e em outras áreas do Centro Histórico. Por outro lado, os imóveis com um estado de
conservação bom se inseriam na faixa de preço entre R$20,00 a R$30,00 – com exceção do
imóvel da Rua São José do Ribamar, que apresentou um preço mais alto – indicando que há
uma relação entre o estado do imóvel e o preço. Entretanto, a partir dos dados referentes aos
imóveis precários e de entrevistas com os comerciantes da área, esse estado muitas vezes não é
um fator tão significativo.

Por serem imóveis comerciais, prioriza-se a manutenção do que está à vista do


consumidor, ou seja, o térreo do imóvel e seu interior. Os pavimentos superiores, por sua vez,
são deixados de lado, ocasionando uma falta de estrutura para que estes abriguem usos mais
ativos do que depósitos, por exemplo. Por essa razão, para os inquilinos comerciantes, não há
necessidade de achar um imóvel em perfeito estado de conservação, mas sim, um térreo em
bom estado, que possa abrigar seu uso comercial. Dessa forma, observa-se que a conservação
do edifício como um todo geralmente não é um fator essencial no momento da transação, como
o que ocorre em outras áreas. O bairro do Recife, por exemplo, se distingue do recorte de estudo
neste aspecto já que sua função principal é abrigar atividades de TIC e turísticas, atividades que
se estabelecem através de seus edifícios históricos, necessitando da total conservação de suas
fachadas. Na área de estudo, devido à sua função principal, outros fatores prevalecem na
construção dos preços, como o fluxo de consumidores de produtos populares.

Outro fator que surgiu, neste caso, através da fala de um dos proprietários, foi a
influência do ano de construção do imóvel na formação dos preços. Um dos locadores fez
questão de ressaltar que o imóvel que estava sendo ofertado era um dos mais novos daquela
região. Este fator, juntamente com sua boa localização, foi utilizado pelo locador como
justificativa para o alto preço desta unidade, localizada na Rua São José do Ribamar. A partir
disso, houve a necessidade de identificar se em outros imóveis, a questão do ano de construção
também seria relevante (Figura 41).
110

Figura 41: Cruzamento de dados: ano de construção x preços/m².

SANTO ANTÔNIO

SÃO JOSÉ

Fonte: Pesquisa de campo, 2017.


111

Através da Figura 41, observa-se que, em muitos casos, os edifícios mais recentes (a
partir da segunda metade do século XX) apresentam preços mais altos do que os mais antigos.
Ressalta-se, entretanto, que nem todos os casos apresentam esse padrão, revelando apenas
indícios de que em alguns imóveis o preço é formado por uma série de fatores, dentre eles, o
ano de construção da edificação.

As ruas que apresentam uma alta concentração de imóveis mais recentes – no caso, as
ruas das Águas Verdes, São José do Ribamar e da Praia – destacam-se pela oscilação de preços,
sendo os imóveis das duas primeiras vias caracterizados por exibirem preços mais altos, ainda
que o imóvel mais novo do levantamento não se localize nas referentes ruas. Essa oscilação
pode ser justificada por diversos fatores, mas se concretiza, principalmente, pelo fato de, nas
ruas mencionadas e em seu entorno, a grande maioria dos imóveis ser mais antigo. Neste caso,
nota-se que quando comparados aos imóveis adjacentes, os bens ofertados nas ruas das Águas
Verdes e de São José do Ribamar, tornam-se produtos diferenciados e, por tal razão, apresentam
uma diferenciação de custo. Por outro lado, os imóveis da rua da Praia e os localizados em suas
proximidades, no geral, são mais recentes, uma vez que parte de seu território se encontra
localizado fora do Setor de Preservação Rigorosa (SPR). Esse fato possibilita entender a razão
pela qual os imóveis da rua da Praia não podem ser considerados produtos tão diferenciados
quanto os das demais ruas citadas, refletindo diretamente no preço.

Desse modo, observando a influência do ano de construção em alguns casos, optou-se


por identificar se esta influência também estava presente através do estudo das tipologias
(Figura 42). A análise de seus preços foi realizada com o intuito de entender se há alguma
relação entre as tipologias, tão marcantes do Centro Histórico, e os preços ofertados.
112

Figura 42: Cruzamento de dados: tipologia x preços/m².

SANTO ANTÔNIO

SÃO JOSÉ

Fonte: Pesquisa de campo, 2017.


113

A partir da análise da figura não foi possível identificar um padrão de tipos


arquitetônicos relacionados aos preços. Há tipos comerciais com preços muito altos e outros
com preços baixos. As casas históricas também apresentam custos de aluguel diferentes entre
si, assim como os galpões e as galerias. Os únicos preços que se aproximam são os relativos
aos sobrados, mas como se trata de apenas dois imóveis, essa relação pode estar associada a
outro fator.

Outro indicativo da falta de expressividade dos tipos arquitetônicos na formação dos


preços é o fato de que em nenhuma entrevista com os agentes esse elemento foi citado, já que
o ponto principal para os inquilinos é se o imóvel atende ao uso comercial. Como a maior parte
dos edifícios da área são comerciais ou são modificados para se adequar ao comércio, com a
abertura de vãos no lugar das esquadrias originais, seu tipo arquitetônico pouco importa.
Interessa mencionar ainda que, no universo de imóveis ofertados, nem todas as transações se
referiam ao aluguel do edifício como um todo. Dessa forma, nem sempre os inquilinos
procuram uma tipologia específica, mas sim uma unidade comercial que comporte sua
atividade. O que importa neste caso é o tamanho e a localização das unidades comerciais
ofertadas, já que algumas se encontram no térreo, outras nos pavimentos superiores e algumas
se referiam ao edifício inteiro. A partir dessa constatação, a análise da localização e do tipo das
unidades comerciais foi relacionado ao preço para tentar identificar se existe, de fato, uma
conexão entre tais elementos (Figura 43).
114

Figura 43: Cruzamento de dados: unidades comerciais x preços/m².

SANTO ANTÔNIO

SÃO JOSÉ

Fonte: Pesquisa de campo, 2017.


115

A partir da análise das unidades comerciais ofertadas percebe-se alguns indicativos. O


primeiro é que as salas/box localizados no térreo das edificações apresentam preços mais
elevados. Esse fato se confirma através da observação crescente na área de imóveis que abrigam
galerias, não apenas as galerias-passagens observadas anteriormente, mas também imóveis
onde ocorre uma sublocação e uma divisão informal do espaço (Figura 44). Em uma única
bancada vários comerciantes autônomos dividem espaço para vender roupas, situação
presenciada em diversas edificações da rua das Águas Verdes, por exemplo. Há tanta demanda
por espaços pequenos, mas bem localizados, que o aumento do custo do aluguel torna-se
inevitável.

Figura 44: Unidade comercial (box) ofertada na Rua das Águas Verdes.

Fonte: Acervo pessoal, 2017.

Desse modo, a localização da unidade no edifício torna-se determinante a partir da


identificação de uma diminuição dos preços quando a unidade se encontra nos pavimentos
superiores, fora do nível do pedestre. É o que ocorre em algumas unidades localizadas na Rua
Direita e na Praça Dom Vital, vias de grande circulação de pedestres e representantes de um
comércio especializado. Por se encontrarem nos pavimentos superiores, não tão visados pelos
pedestres e pouco acessíveis, essas unidades apresentam um valor que não representa o preço
das unidades térreas. Esse fato faz com que, na análise, essas ruas pareçam apresentar um preço
inferior ao que realmente é encontrado nas suas unidades térreas, que dispõem de características
situacionais únicas. Pelo conjunto desses fatores, o preço dessas unidades destoa do que seria
se fossem considerados apenas o fluxo de pedestres na rua e seu comércio especializado.
116

Assim, pode-se considerar a localização – tanto do imóvel no meio urbano, quanto a


localização da unidade dentro do imóvel – como o principal fator determinante dos preços do
mercado de aluguel comercial na área de estudo. Esse fato é comprovado ainda por uma prática
comum nesse tipo de mercado: a cobrança de luvas. Essa cobrança é realizada em áreas de
intensa atividade comercial, onde encontra-se uma disputa pela locação de imóveis comerciais.
Essa prática, entretanto, não costuma ser muito divulgada, nunca estando descrita nos anúncios
e placas. Apenas a partir do contato com os locadores foi possível identificar que, além do valor
de locação do bem, cobrava-se uma quantia a mais pelo ponto comercial.

Essa cobrança foi observada, primeiramente, de acordo com a localização do imóvel em


vias bem movimentadas e com grande fluxo de consumidores. Nos imóveis ofertados, uma das
unidades – estabelecida em uma esquina movimentada do recorte – cobrava a elevada quantia
de um milhão de reais pelo ponto comercial. Entretanto, foram encontradas outras situações
onde essa arrecadação não era realizada apenas a partir da localização do imóvel no espaço,
mas também de acordo com a localização da unidade comercial dentro da edificação. Nos boxes
ofertados no primeiro andar de uma das galerias do levantamento não havia a prática da luva,
todavia, no pavimento térreo essa prática era comum, sendo cobrado R$40.000,00 pelo ponto.
Do mesmo modo, nos espaços onde há uma divisão informal de boxes, encontrados na rua das
Águas Verdes, até a disposição desses boxes resulta nessa arrecadação. Nos boxes localizados
mais próximos da entrada e, consequentemente, mais visíveis, o preço do aluguel é mais caro e
há a cobrança de luva, enquanto nos boxes do fundo da loja o aluguel era mais barato e não era
exigida luva.

Deste modo, é possível entender melhor a lógica do mercado imobiliário na área a partir
dos temas e fatores expostos. Apesar de geralmente apresentar preços mais baixos do que em
outras áreas da cidade, o mercado imobiliário do recorte de estudo apresenta uma lógica
comercial equivalente a outras áreas, tendo em alguns casos preços aproximados ou superiores
a estes. O fato de existir todo um aparato voltado à implantação de atividades comerciais na
área faz com que esse uso seja ainda mais vantajoso, todavia, torna-se um problema à medida
que os bens da área são diferenciados e necessitam de um tratamento específico.

Este é um dilema da gestão contemporânea dos patrimônios: se o patrimônio não


dispõe de um estatuto à parte, se ele se torna uma mercadoria como as outras (os bens
culturais), perderá seu poder simbólico. É necessário que, de alguma maneira, o
patrimônio seja excluído do circuito dos valores mercadológicos, para salvar seu
próprio valor simbólico (JEUDY, 2005, p. 20).
117

A partir do momento que o edifício passa a ser apenas mercadoria, outros valores
perdem sua importância. A inserção dos imóveis históricos da área de estudo no mercado
imobiliário vem comprometendo seu valor histórico. O imóvel se sobressai muito mais pelo seu
valor econômico, relacionado a sua localização e seu uso. Estes passam a ser mais importantes
do que outros fatores, como o tipo arquitetônico e a história do edifício. A partir do momento
em que os edifícios passam a ser vistos apenas como imóveis para uso comercial – como muitos
outros que vemos pela cidade – e não como patrimônio, o valor histórico vai sendo
comprometido pelas adaptações a esse uso. Entretanto, o tratamento desses bens em uma área
histórica é um processo complexo, devendo-se reconhecer os limites entre atuação e
conservação nesses espaços.

A reutilização, que consiste em reintegrar um edifício desativado a um uso normal,


subtraí-lo a um destino de museu é certamente a forma mais paradoxal, audaciosa e
difícil da valorização do patrimônio. Como o mostraram repetidas vezes,
sucessivamente, Riegl e Giovannoni, o monumento é assim poupado aos riscos do
desuso para ser exposto ao desgaste e usurpações do uso: dar-lhe uma nova destinação
é uma operação difícil e complexa, que não deve se basear apenas em uma homologia
com sua destinação original. (CHOAY, 2006, p. 219)

O que ocorre é que há uma linha tênue entre o uso e a falta de utilização do patrimônio.
Por um lado, a área apresenta a maior parte de seus imóveis ocupados, entretanto essa ocupação
do comércio em imóveis históricos muitas vezes acarreta em sua descaracterização, trazendo
danos irreversíveis ao patrimônio. Por outro lado, as práticas comerciais realizadas atualmente
nesse centro histórico, que se consolidaram no século XX e tiveram sua gênese a partir do
século XVII, levam a crer que deixar o imóvel sem as alterações necessárias para seu uso atual
desvalorizam o mesmo, que passa a renunciar o potencial comercial da área. Nota-se que os
imóveis que não conseguiram competir com o uso comercial passam por um processo de
obsolescência. Por essa razão, deve haver um equilíbrio entre a ação dos usos dispostos na área.

3.6 Considerações sobre o capítulo

Nota-se que o estudo sobre o mercado imobiliário exige a verificação da relação entre
as características construtivas dos imóveis e do espaço onde se inserem. No caso do recorte
territorial em questão, vem ocorrendo uma depreciação física dos seus bens imobiliários.
Mesmo assim apresentam, além de um valor simbólico, um valor econômico ao se prestar para
a exploração de atividades notadamente comerciais ao gozar de uma excepcional centralidade.
118

A partir dessa constatação, buscou-se conhecer no Centro Histórico do Recife, processos


de circulação dos imóveis (compra e venda e aluguel). Essa primeira abordagem mostrou uma
predominância da locação de imóveis que abrigam atividades comerciais e de serviços, essas
mesmas notadamente nos bairros de Santo Antônio e São José. Esses bairros se destacam pelo
intenso movimento comercial em suas ruas e pela ausência praticamente total de moradias. O
elevado volume de transações no mercado de aluguel de imóveis comerciais foi um dos fatores
que contribuiu para a delimitação da temática do trabalho, assim como para a definição do seu
recorte espacial.

A identificação dos agentes e seu comportamento diante das negociações revelam


indícios importantes dos fatores considerados na formação do valor mercadológico dos
imóveis. Esses relatos indicam a grande importância das características situacionais, mais
registradas pelos agentes do que as características específicas do bem. Através dos imóveis
ofertados na área, foi possível observar sua condição, seu estado de conservação, seu tipo
arquitetônico, seu ano de construção e o tipo de unidade comercial, esta última também
relacionada com a disposição do comércio na edificação.

A partir da análise desses fatores relacionados com os preços ofertados, foi possível
observar como o conjunto de fatores, e não um fator isolado, é responsável pela determinação
dos preços. Nota-se ainda que o uso comercial apresenta maiores vantagens na área, por seus
imóveis se localizarem em uma área central e de fluxo intenso, sendo esta localização (fruto de
um tempo histórico longo em termos da produção da cidade do Recife) um dos fatores
principais para o entendimento do atual dinamismo do recorte.
119

Considerações Finais

Através do presente trabalho foi possível observar a dinâmica espacial do mercado


imobiliário de aluguel comercial em áreas históricas de Santo Antônio e São José. Percebe-se
que a atual dinâmica do mercado de aluguel nesses bairros está diretamente relacionada a sua
formação. Desde o século XVII já haviam muitos casos de imóveis em situação de aluguel,
aumentando com o passar dos anos através de mudanças políticas e sociais. Esse fato acabou
determinando atualmente a predominância da lógica rentista no Centro Histórico do Recife. Por
outro lado, a dinâmica do mercado comercial na área só se consolidou no século XX. É
compreensível que o uso adotado em determinada área depende do padrão de ocupação desta,
entretanto, as diversas mudanças do espaço e das políticas adotadas foram responsáveis, no
caso de Santo Antônio e São José, por definir seu uso predominante: o comércio.

É a partir dessas duas temáticas, o mercado de aluguel e a função comercial, que o


recorte de estudo foi definido, sendo possível observar áreas de dois bairros distintos,
apresentando características morfotipológicas semelhantes assim como uma dinâmica
comercial equivalente. Importa destacar que Lacerda e Anjos (2014) identificaram dois
submercados distintos, entretanto, nota-se a partir do estudo que devido à similaridade de seus
atributos é como se o submercado de Santo Antônio adentrasse o de São José. Através dessa
situação de equivalência das características das estruturas físicas e ativas, assim como as
características dos produtos no recorte de estudo, a formação dos preços estará baseada e
relacionada a três elementos: as características de localização do imóvel, suas características
físicas e sua condição de circulação.

No mercado comercial, percebe-se através das análises desenvolvidas, que as


características situacionais do espaço urbano são essenciais para a formação dos preços. A
morfologia urbana, as intervenções realizadas no sistema viário e a construção de marcos
históricos e comerciais – edifícios representativos na paisagem – foram capazes de definir a
dinâmica encontrada atualmente na área, refletindo na localização dos imóveis. Devido a essa
conformação do espaço e através do valor simbólico incorporado a ela, pode-se entender a razão
pela qual algumas ruas apresentam um maior fluxo de pessoas ou se destacam mais que outras.
Através das análises no presente estudo, observa-se que a situação em determinada rua ou
próximo a algum edifício marcante valoriza o imóvel assim como a situação de uma unidade
comercial em pavimentos superiores do edifício o desvaloriza. A localização da área de estudo
120

na cidade, do edifício na área de estudo e da unidade comercial no edifício configura uma


importante lógica do mercado imobiliário na área, a lógica do imóvel situado, mais importante
até do que as características físicas dos bens ofertados.

Através da formação histórica da área de estudo, pode-se entender a distinção dos bens
ofertados no mercado imobiliário, imóveis antigos e com tipologias próprias. Entretanto, a
inserção na economia globalizada ocasionou uma série de mudanças, principalmente nos
imóveis comerciais, uma vez que no mercado globalizado os espaços são cada vez mais
homogêneos, repercutindo nos imóveis e resultando em sua descaracterização. Através da
análise dos imóveis da área, foi possível observar esse fato já que a dinâmica mais comercial
acabou gerando alguns impactos em sua estrutura física. A adequação de alguns
estabelecimentos às necessidades contemporâneas trouxe mudanças aos edifícios. A alteração
das esquadrias, assim como dos revestimentos originais da fachada, são práticas muito
frequentes atualmente. Essas modificações em uma área de interesse histórico trazem novos
padrões construtivos, com a colocação de novos elementos nos edifícios, chegando até mesmo
a uma nova conformação tipológica na área. A geminação de lotes, o aumento do número de
pavimentos para a expansão dos pontos comerciais e a transformação de edifícios em galerias-
passagem, com pequenos boxes, são exemplos dessas modificações. Observa-se através da
pesquisa que há uma demanda cada vez maior por essas unidades de pequeno porte (salas e
boxes), demanda esta refletida nos preços.

A partir dessa série de fatores pode-se entender a desconsideração do tipo arquitetônico


na construção dos preços e, consequentemente, no pensamento da população. As entrevistas
realizadas revelaram que a área não apresenta um simbolismo tão grande por ser um Centro
Histórico, mas sim, por ser um Centro Comercial Popular. Esse fato gera um sinal de alerta na
área, onde há uma inversão de valores, prevalecendo o valor econômico do imóvel. Por essa
razão, a área é muito explorada atualmente pelo mercado de locação, já que o interesse das
pessoas que pretendem ali investir é puramente o de aproveitar o potencial comercial e não o
potencial da edificação. Suas características históricas vão sendo deixadas de lado em favor do
mercado comercial.

Ademais, pressupõe-se por meio das entrevistas, que não vale a pena comprar imóveis
na área pela ausência de investimento do poder público – seja através de projetos ou
intervenções de requalificação urbana – e pela consequente falta de valorização do seu espaço
urbano. Diferentemente do que ocorre em outras áreas do CHR, como no bairro do Recife, na
área de estudo o que atrai os inquilinos é o potencial comercial.
121

Dessa forma, percebe-se as consequências geradas pela excepcional presença de


atividades comerciais no recorte. O fortalecimento desse uso é tão significativo na área de
estudo, que se observa a valorização dos imóveis comerciais em detrimento dos habitacionais.
Esse fato se deve pela relação entre o imóvel e seu uso. Como a área e algumas de suas ruas
apresentam um grande valor simbólico pelo seu comércio, os preços são atrelados a esse uso,
tornando-se esta, uma localidade valorizada para os imóveis comerciais. A habitação, por outro
lado, além de ser desconsiderada pelo setor privado não recebe incentivo do poder público. Este
poder, de forma geral, não prioriza a questão da habitação, fazendo com que esta função seja
cada vez mais escassa, subutilizando os edifícios, deixando-os vazios ou com usos não ativos,
como o de depósitos. O resultado é uma situação de degradação da área e falta de uso fora dos
horários comerciais, situação recorrente em outros centros históricos brasileiros. Por isso, a
importância da diversidade de usos e a permanência do uso habitacional na área, sendo esse uso
vocação primordial para a sua conservação. A presença de moradores nas proximidades e de
outros usos, voltados aos serviços e lazer, além de promover uma maior conservação do
patrimônio, confere maior movimento às ruas fora dos horários comerciais, gerando maior
segurança.

Apesar da indiscutível presença de edificações de notável valor histórico e cultural e do


tombamento de diversos bens nesses bairros, ainda pode-se encontrar na área um certo descaso,
assim como edificações em estado precário. Nota-se que, por mais que haja uma legislação de
proteção, não há uma proteção efetiva do conjunto edificado, e sim de apenas alguns exemplares
de caráter monumental, abrindo brechas para a degradação e o desaparecimento dos bens mais
simples. Desse modo, para a conservação dos imóveis da área deve haver incentivos fiscais e
uma assistência técnica por parte do poder público, já que a manutenção e as normas para
realizá-la são complexas e onerosas. A parceria entre o poder público e os proprietários na
restauração dos imóveis é uma saída para solucionar a dificuldade encontrada em recuperar o
patrimônio da área.

Por fim, observou-se a intensa atividade do mercado imobiliário de aluguel comercial


na área de estudo. Essa dinâmica, por sua vez, pode causar efeitos nocivos ao patrimônio
encontrado na área, que sofre constantes modificações para atender à demanda do uso
comercial. A observação desse fato traz uma série de medidas relativas à manutenção e
revitalização de uma área esquecida pelas instancias públicas, mas que devem ser retomadas
para resgatar as riquezas do Centro da cidade. Deste modo, o conhecimento da dinâmica
122

espacial do seu mercado imobiliário torna-se essencial para auxiliar na gestão do patrimônio,
herança símbolo da história e da memória da população recifense.
123

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Janeiro-Junho.
126

APÊNDICE A – Roteiro da entrevista com locador (Imobiliária Âncora)

Pesquisa: Mercado Imobiliário em Centros das Cidades Brasileiras


Formulário: Locador (Imobiliária Âncora)

Coordenação: Profª Norma Lacerda


UFPE. Departamento de Arquitetura e Urbanismo

Esta pesquisa tem finalidade estritamente acadêmica. Sua participação é voluntária, mas muito
importante para que os resultados sejam de boa qualidade. Todas as informações individuais
prestadas para esta pesquisa têm caráter confidencial e só serão utilizadas para fins estatísticos.
Entrevistado: Bairro: Cidade: UF:
Endereço: Email:
Entrevistador (a): Data: Nº Foto: _____

1. Quando a imobiliária começou a atuar no Centro do Recife?


1.1 Quais outras imobiliárias atuam no centro há muito tempo?
2. Como é o perfil dos seus clientes nessa área da cidade em relação do perfil de
clientes (proprietários) de outros bairros da cidade?
2.1 Vocês possuem clientes com muitos imóveis nesta área?
3. Como é a relação da Âncora, no papel de administradora desses imóveis, com os
clientes, proprietários dos imóveis, no centro do Recife?
4. Como e quando a Âncora se tornou administradora dos imóveis da Santa Casa de
Misericórdia do Recife?
5. Como são definidos os preços do aluguel?
5.1 Quais as ruas/áreas mais valorizadas?
5.2 Qual a influência da quantidade de m² para definição desses preços? Há uma média
do valor do m² nessas áreas?
5.3 Os imóveis da SCMR possuem aluguéis mais baratos?
6. E os clientes em busca do aluguel, inquilinos, quais as áreas do centro que mais
procuram?
6.1 Há uma lista de interessados em fila de espera para cada imóvel?
6.2 É difícil alugar imóvel neste centro? Como é a rotatividade de inquilinos na área?
7. Existe uma demanda específica por imóveis que são da Santa Casa de Misericórdia do
Recife?
8. Em relação a manutenção dos imóveis quem é o responsável?
8.1 E no caso da SCMR, como esta instituição de caridade, consegue manter seus
imóveis nesta área da cidade?
127

APÊNDICE B – Roteiro da entrevista com proprietários (uso


comercial/serviços)

Pesquisa: Mercado Imobiliário em Centros das Cidades Brasileiras


Formulário: Proprietário

Coordenação: Profª Norma Lacerda


UFPE. Departamento de Arquitetura e Urbanismo

Esta pesquisa tem finalidade estritamente acadêmica. Sua participação é voluntária, mas muito
importante para que os resultados sejam de boa qualidade. Todas as informações individuais
prestadas para esta pesquisa têm caráter confidencial e só serão utilizadas para fins estatísticos.
Entrevistado: Bairro: Cidade: UF:
Endereço: Email:
Entrevistador (a): Data: Nº Foto: _____

1. Quando o(a) Sr.(a) começou a adquirir imóveis no centro da cidade? Como é sua
história no bairro?
2. O fato do seu imóvel estar localizado em uma área histórica valoriza ou desvaloriza o
mesmo?
3. Quais as ruas/áreas mais valorizadas?
4. O fato de estar localizado nessa rua interfere no preço?
5. Qual a influência da presença dos comerciantes chineses na área?
6. Conhece outros proprietários de imóveis nessa área?
7. Tem imóveis alugados nessa área da cidade?

Se sim, responder as perguntas 8 a 13.

8. Como é o perfil dos seus clientes (inquilinos) nessa área da cidade?


9. Como é a relação com os inquilinos ou proprietários?
10. É difícil alugar imóveis no centro? Como é a rotatividade?
11. Quem é responsável pela manutenção do imóvel?
12. Como é feito o anúncio de aluguel do imóvel?
13. Como são definidos os preços de aluguel?
128

APÊNDICE C – Roteiro da entrevista com inquilinos (uso


comercial/serviços)

Pesquisa: Mercado Imobiliário em Centros das Cidades Brasileiras


Formulário: Inquilinos

Coordenação: Profª Norma Lacerda


UFPE. Departamento de Arquitetura e Urbanismo

Esta pesquisa tem finalidade estritamente acadêmica. Sua participação é voluntária, mas muito
importante para que os resultados sejam de boa qualidade. Todas as informações individuais
prestadas para esta pesquisa têm caráter confidencial e só serão utilizadas para fins estatísticos.
Entrevistado: Bairro: Cidade: UF:
Endereço: Email:
Entrevistador (a): Data: Nº Foto: _____

1. A unidade alugada atende às expectativas que o uso atual propõe?


( ) Sim. Por quê?
( ) Não. Por quê?
2. A rua na qual o imóvel está inserido ajuda a valorizar a unidade alugada?
3. O fato de a unidade estar localizada em uma área histórica:
( ) Valoriza a unidade. Por quê?
( ) Desvaloriza a unidade. Por quê?
4. Qual a influência da presença de novos comerciantes e dos comerciantes chineses
no bairro?
129

APÊNDICE D – Imóveis ofertados para locação na área de estudo

RUA DIREITA/ PRAÇA DOM VITAL, 60 RUA DOS PESCADORES, 25 RUA VIDAL DE NEGREIROS, 80

RUA SÃO JOSÉ DO RIBAMAR/ RUA SANTA CECÍLIA, 59 TRAVESSA DO FORTE, 36


RUA SANTA CECÍLIA, 58

RUA DOS PESCADORES, 16 RUA DOS PESCADORES, 43 RUA DOS PESCADORES, 61


130

RUA DOS PESCADORES, 62 RUA SANTA RITA, 185 RUA DOS PESCADORES, 94

RUA SÃO JOSÉ DO RIBAMAR, 202 RUA DIREITA/RUA DAS ÁGUAS VERDES, 242 RUA DAS ÁGUAS VERDES, 859

AVENIDA DANTAS BARRETO/ RUA DO RANGEL, 119 RUA DO RANGEL/RUA DA PRAIA, 108
RUA SÃO JOÃO, 1113
131

RUA DO RANGEL, 140 RUA DA PRAIA, 86 RUA DA PRAIA/


RUA DA CARIOCA, 72

AVENIDA DANTAS BARRETO, 1063 AVENIDA DANTAS BARRETO, 1079 RUA DA PRAIA, 76

RUA DIREITA, 276 RUA SANTA RITA, 5


132

PRAÇA DAS CINCO PONTAS, 104 RUA DA PRAIA/ AV. NOSSA SENHORA DO CARMO, 2

RUA DO FORTE, SN
133

ANEXO A – Definição das quadras e lotes por tamanhos

Definição das quadras e lotes por tamanho

TIPO DA QUADRA DIMENSÃO (M²)

MUITO PEQUENA ATÉ 250M²


PEQUENA > 250M² ≤ 1.000M²
MÉDIA > 1.000M² ≤ 4.000M²
GRANDE > 4.000M² ≤ 20.000M²

TIPO DO LOTE DIMENSÃO (M²)

MUITO PEQUENO ATÉ 3.000M²


PEQUENO > 3.000M² ≤ 10.000M²
MÉDIO > 10.000M² ≤ 30.000M²
GRANDE > 30.000M² ≤ 80.000M²
MUITO GRANDE > 80.000M² ≤ 150.000M²
Fonte: GEMFI/MICH, 2017.
134

ANEXO B – Questionário aluguel/inquilino (uso comercial/serviço)


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