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Recife
2018
CAMILA SOARES DE MACEDO SILVA
Recife
2018
AGRADECIMENTOS
Agradeço primeiramente a Deus, que me guiou durante toda esta caminhada. Agradeço a minha
família, especialmente aos meus pais, por todos os ensinamentos e por sempre acreditarem na
minha capacidade, me incentivando a buscar, acima de tudo, o melhor para mim.
A minha orientadora, Norma Lacerda, pela confiança e acolhimento desde os anos de atuação
como voluntária na pesquisa do GEMFI e na iniciação científica. Agradeço pelos incontáveis
ensinamentos, pelo incentivo à busca pelo conhecimento, que sempre foi presente tanto em suas
aulas como no dia a dia da pesquisa, e pela gentileza e atenção durante o processo de criação
deste trabalho. Sua dedicação e suas contribuições foram essenciais para que este estudo fosse
realizado da melhor forma possível.
A minha coorientadora Priscila Vasconcelos, que também esteve presente em cada etapa do
desenvolvimento do trabalho, auxiliando desde a metodologia às entrevistas, mostrando sempre
uma sensibilidade enorme em relação às questões do espaço. Agradeço pelo apoio, pelas
conversas e por se mostrar sempre disposta a auxiliar quando necessário.
A cada um dos amigos que me apoiaram durante essa trajetória. Em especial, aos que dividiram
comigo os obstáculos destes anos de curso. Agradeço aos amigos do grupo de estudo que
estiveram presentes em cada dia de aula, em cada noite de trabalho, me fazendo, acima de tudo,
valorizar as atividades em conjunto. Agradeço especialmente às pessoas que deixaram esta
graduação mais leve. A Helena, por estar sempre ao meu lado desde o começo do curso, sendo
parceira para todas as horas e a Wilson, pelos momentos de descontração e por ser um exemplo
de otimismo.
A Luanancy, companheira de curso, de sala e de GEMFI. Obrigada pelo auxílio dentro e fora
da pesquisa, pelas visitas de campo, pelos questionamentos e pela colaboração sempre que eu
precisava.
Agradeço a Lucas, meu companheiro e amigo, que esteve presente em cada etapa desta
trajetória, nos bons e maus momentos, tanto durante a graduação, quanto durante a confecção
deste trabalho. Obrigada pela companhia nas visitas de campo e por ouvir minhas inúmeras
indagações sobre o assunto. Agradeço, sobretudo, por me levantar quando estava pra baixo e
por me fazer acreditar que eu conseguiria.
Aos meus professores, que sem dúvida me ensinaram mais do que arquitetura e urbanismo.
Levarei comigo cada ensinamento e cada palavra.
Por fim, não poderia deixar de agradecer aos comerciantes dos bairros de Santo Antônio e São
José que, desde 2014, me proporcionam conhecer a área através de outro ponto de vista. Aos
entrevistados, agradeço a generosidade, a confiança e as sábias palavras que despertaram ainda
mais meu interesse pela pesquisa nesta área da cidade.
RESUMO
O trabalho tem como temática o mercado imobiliário nos Centros Históricos, mais
especificamente, no que se refere aos bairros de Santo Antônio e São José, em Recife. Tal tema
surge a partir da indicação da existência significativa de um mercado de locação comercial, nos
supramencionados bairros, e pelo interesse em conhecer como este mercado interfere em uma
área de preservação histórica. Diante disto, o objetivo do trabalho é investigar a dinâmica
espacial do mercado imobiliário de aluguel comercial em áreas históricas dos bairros de Santo
Antônio e São José. Para tanto, foi abordada primeiramente a evolução urbana dos bairros,
assim como suas modificações ao longo dos anos, com o intuito de identificar a construção da
dinâmica do mercado de aluguel na área e sua transformação em centro comercial e histórico.
Para uma análise aprofundada sobre o mercado de locação de imóveis que abrigam atividades
mercantis, foi realizada uma investigação das características morfotipológicas da área, que
resultou na delimitação de um recorte espacial. Neste recorte foi realizado um levantamento
das unidades comerciais disponíveis para aluguel. Através dessa metodologia foi possível
identificar uma série de fatores que são responsáveis pela determinação dos preços na área,
sendo que alguns se sobressaem mais que outros. Identificou-se assim a grande influência das
características situacionais para a formação dos preços e um mercado que prioriza a função
comercial, gerando impacto na conservação dos edifícios e na dinâmica atual da área.
Palavras-chave: Aluguel, Centro Histórico do Recife, Comércio, Mercado Imobiliário.
ABSTRACT
This paper has the thematic of the real estate market in Historical Centers, specifically in what
concerns to the historical areas in the neighborhoods of Santo Antônio and São José, in Recife.
This theme arises from the indication of a meaningful existence of a rental market of trade in
the mentioned neighborhoods and from an interest in knowing how this rental market interferes
in a historical protection area. Hence, as a result, the main goal of this research is to investigate
the rental market of trade’s spatial dynamic in historical areas of the neighborhoods of Santo
Antônio and São José. Thus, the urban evolution was firstly discussed in those areas, as well as
changes throughout the time, to identify the construction of rental market’s dynamic and it
transformations in a commercial and historical center. To analyse the rental market of
commercial properties, an investigation about the morphological and typological characteristics
of this area was made, and it resulted in a delimitation of a spatial cutout. At this area was
developed a survey of the commercial units available for rent. With this methodology it was
possible to identify factors responsible for determine the prices in the area, where some factors
stand out more than others. Thus, it was identified the considerable influence of the situational
factors to price formation and a market which prioritizes the commercial function, generating
impact in the building conservation and in the current dynamic in area.
Keywords: Rental, Historical Center of Recife, Trade, Real estate of market.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 1 - Média diária de passageiros no metrô na RMR, em dia útil, por estação e linha.......51
Gráfico 2 - Situação dos imóveis transacionados no CHR, 2008-2014......................................70
Gráfico 3 - Uso dos imóveis transacionados no CHR, 2008-2014.............................................70
Gráfico 4 - Imóveis transacionados entre 2008 e 2014 na amostra do bairro de São José...........74
Gráfico 5 - Uso dos imóveis transacionados entre 2008 e 2014 na amostra do bairro de Santo
Antônio...................................................................................................................75
Gráfico 6 - Uso dos imóveis transacionados entre 2008 e 2014 nas amostras do bairro de São
José.........................................................................................................................75
Gráfico 7 - Proprietários dos imóveis em Santo Antônio e São José..........................................80
Gráfico 8 - Proprietários dos imóveis na área de estudo.............................................................80
Gráfico 9 - Período de aluguel do imóvel nos bairros de Santo Antônio e São José...................84
Gráfico 10 - Motivação em alugar imóveis no Centro da Cidade (inquilinos dos bairros de Santo
Antônio e São José)................................................................................................85
Gráfico 11 - Vontade de mudar o ponto para outra área da cidade (inquilinos dos bairros de
Santo Antônio e São José)....................................................................................86
Gráfico 12 - Responsável pela negociação do imóvel (bairros de Santo Antônio e São José)....86
Gráfico 13 - Preços/m² dos imóveis ofertados na área de estudo..............................................101
Gráfico 14 - Comparação das médias de preços/m² em ruas comerciais de outros bairros do
Recife.................................................................................................................102
LISTA DE TABELAS
Introdução................................................................................................................................11
1.1 Nas entre ilhas: formação econômica e territorial da Ilha de Antônio Vaz.....................17
1.2 O ‘Centro da Cidade’: transformação em Centro Urbano Comercial.............................22
1.3 O despertar para o tempo histórico: o Centro se torna patrimônio..................................32
1.4 O Centro Histórico Urbano-Comercial no século XXI..................................................36
1.5 Considerações sobre o capítulo......................................................................................38
2. Leitura urbana dos bairros de Santo Antônio e São José: análise dos atributos
morfotipológicos e dos caminhos para delimitação de um recorte empírico..................39
2.1 O que indicam as formas? Análise da estrutura física.....................................................39
2.2 Os caminhos convergem para o centro...........................................................................46
2.3 Entre bairros e história: o recorte espacial......................................................................52
2.4 Comércio, especialização e sua atuação no espaço........................................................55
2.5 Considerações sobre o capítulo......................................................................................66
Considerações finais..............................................................................................................119
Referências Bibliográficas....................................................................................................123
APÊNDICE A........................................................................................................................126
APÊNDICE B........................................................................................................................127
APÊNDICE C........................................................................................................................128
APÊNDICE D........................................................................................................................129
ANEXO A...............................................................................................................................133
ANEXO B...............................................................................................................................134
11
Introdução
Os Centros Históricos são denominados dessa forma por representarem áreas que
abrigam diversos tempos e, portanto, valores relativos à memória e ao passado de um povo,
valores que podem ser transmitidos às gerações futuras por meio da permanência do traçado
urbano e das construções antigas. Diante disto, a preservação dessa memória se faz presente
através da conservação dessas áreas da cidade. Não sem razão, são tratadas fisicamente de
maneira diferenciada, existindo leis que regulam o tratamento dos imóveis existentes nesses
espaços.
Na América Latina, até pouco tempo, esse tratamento diferenciado em relação aos
centros históricos tem sido visto como um freio para o desenvolvimento urbano, o progresso
ou novo (CARRION, 2001), o que fez com que ocorresse uma negação desse espaço como
lugar de investimentos. A presença de uma certa contradição entre o avanço da cidade e o
abandono do centro histórico repercutiu na conservação do patrimônio.
É a partir dos anos 1990 que se observa, no Brasil, a inclusão de novos elementos e usos
contemporâneos nos centros históricos, interferindo nas transações de compra e aluguel de
imóveis. Percebe-se, nesses casos, a presença de uma nova dinâmica do mercado imobiliário,
como será analisado no estudo do Centro Histórico do Recife (CHR) (Figura 1).
12
de acordo com o Censo de 2010. Apesar do grande número de habitações, o bairro ainda conta
com a participação de atividades de comércio e serviços.
Em São José – de acordo com o estudo de iniciação científica, realizado em 2016, pela
autora deste trabalho –, nota-se que o uso habitacional é escasso. De 2010 a 2016, houve uma
diminuição de 35,92% do número de domicílios particulares permanentes no Setor de
Preservação Rigorosa (SPR) desse bairro. Paralelamente, percebe-se na área um cenário
marcado, sobretudo, pelo comércio popular, inserido em ruas que apresentam especialidades e
muito movimento, principalmente próximo à fronteira com o bairro de Santo Antônio.
Isso posto, a análise realizada no presente trabalho terá como foco a área que
corresponde a trechos dos bairros de São José e Santo Antônio, localizados no centro do Recife
(ver Figura 2). Nesse recorte, vem ocorrendo uma dinâmica de mercado imobiliário diferente
do que se pode encontrar nos outros bairros do CHR. Essa porção territorial encontra-se
afastada dos investimentos públicos, concentrados no bairro do Recife, e dos investimentos
privados do polo educacional.
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A escolha desse recorte espacial foi definida por se tratar de uma área praticamente
homogênea no que diz respeito, não apenas à dinâmica comercial, mas também, em relação à
morfologia urbana e ao seu padrão de ocupação, heranças, em sua maioria, do povoamento da
Ilha de Antônio Vaz, no século XVII. Além disso, algumas intervenções viárias como a abertura
da Avenida Dantas Barreto e da Avenida Nossa Senhora do Carmo, na primeira metade do
século XX, acabaram delimitando e distinguindo a área do resto dos bairros de São José e de
Santo Antônio. Desse modo, as características do trecho de Santo Antônio são muito
semelhantes às características e ao traçado que se encontram na área de São José, o que contribui
para um dinamismo específico, relacionado ao comércio popular encontrado na área.
O recorte temporal começa no ano de 20081 e se estende até os dias atuais. Todavia,
remonta-se ao século XVII, buscando compreender como o povoamento do espaço e sua
mudança ao longo do tempo influenciaram no modo de atuação do mercado imobiliário de
aluguel para comércio e serviços.
É a partir dessa dinâmica que algumas questões surgiram para entender o funcionamento
desse mercado: Como a formação territorial da área selecionada no Centro Histórico do Recife
influencia na dinâmica espacial do seu mercado imobiliário? Como os setores especializados
de comercialização, o tamanho dos imóveis, sua localização e seu grau de conservação
interferem nos preços praticados no mercado imobiliário?
Diante das questões formuladas, este trabalho tem como objetivo geral investigar a
dinâmica espacial do mercado imobiliário de aluguel comercial em áreas históricas dos bairros
de Santo Antônio e São José. Tem como objetivos específicos: (i) entender a construção desse
centro histórico a partir de sua origem no século XVII até a atualidade; (ii) compreender o
mercado imobiliário em Santo Antônio e São José, por meio da identificação dos predicados
dos bens transacionados e dos agentes que nele atuam; e (iii) verificar a dinâmica espacial da
1
A mencionada pesquisa em rede considerou o período de 2008 a 2013. Foi no ano de 2008 que a crise do
setor imobiliário nos Estados Unidos se originou. O governo brasileiro, para se resguardar dessa crise, lançou
neste ano programas habitacionais, o que provocou uma forte valorização imobiliária, que se estendeu até
2013, quando a economia brasileira entrou em crise.
16
área de estudo a partir de fatores que influenciam os preços de aluguel praticados no mercado.
Para tanto, o trabalho foi estruturado em três capítulos.
O presente capítulo discorre sobre a história dos bairros de Santo Antônio e São José,
mostrando como eles foram se conformando e consolidando, assim, o uso comercial com
implicações no mercado de aluguel. Mostra ainda a construção da ideia de Centro Histórico e
como as características desses bairros foram importantes para tal denominação.
Para isso, o capítulo se divide em quatro partes. Na primeira, denominada Nas entre
ilhas: formação econômica e territorial da Ilha de Antônio Vaz, aborda-se o seu
desenvolvimento a partir do século XVII, quando os bairros de Santo Antônio e São José
agrupavam-se sob essa denominação. Na segunda parte, intitulada O ‘Centro da Cidade’:
transformação em Centro Urbano Comercial, são feitas considerações sobre a situação desses
bairros no século XIX, enfatizando as reformas urbanas e uma série de fatores que contribuíram
para a transformação desses espaços. Na terceira parte, nomeada O despertar para o tempo
histórico: o Centro se torna patrimônio, são apresentadas reflexões a respeito da área,
considerando o seu título de Centro Histórico. Por fim, na parte denominada O Centro Histórico
Comercial no século XXI, são abordadas reflexões sobre como, na atualidade, essa
espacialidade se insere no contexto recifense.
1.1 Nas entre ilhas: formação econômica e territorial da Ilha de Antônio Vaz
Naquela época, Olinda era o centro urbano da Capitania, enquanto o Recife era o núcleo
portuário, tratando da exportação de produtos como o açúcar. O Bairro do Porto – atual Ilha do
Recife – acabou tendo um desenvolvimento modesto que dependia do seu mercado externo
(LUBAMBO, 1991). Da mesma forma, a Ilha de Antônio Vaz – que atualmente abriga os
bairros de Santo Antônio e São José – não apresentava muitas construções, mas era de extrema
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importância para o fornecimento de água que abastecia os navios ancorados no porto do Recife
(MENEZES, J.L.M., 2015).
Encontro aqui no Recife, desde a minha partida, uma mudança extraordinária em casas
de comerciantes, nos negócios e construções que diariamente se iniciam em grande
número, tão belas como na pátria, de modo que dificilmente há lugar para nos
alojarmos e muito menos para construir, já estando ocupados os melhores pontos;
alguns portugueses já moram aqui. (apud MELLO, 2001, p. 62)
os principais fatores que levaram à sua ocupação naquele momento. Segundo Menezes (2015,
p. 70) “Nassau, ao tomar conhecimento da dificuldade de expansão da área habitável da aldeia,
sem que se fizessem grandes aterros, passou a ter maior interesse pela Ilha de Antônio Vaz
[...]”. Em 1637, com a presença do então governador, João Maurício de Nassau, a Ilha de
Antônio Vaz começou a conhecer intervenções urbanísticas que, até hoje, repercutem na sua
estruturação espacial.
Com o intuito de estender a área fortificada existente na Ilha de Antônio Vaz e ocupá-
la de modo mais intensivo, em 1639, Nassau decidiu realizar um projeto de ampliação. Este
projeto foi atribuído ao engenheiro Pieter Post e pode ser considerado um marco para a
organização urbana no Recife. O governador tratou então da organização urbana da Ilha,
habitada naquele momento por pouco mais de cento e cinquenta casas, e cuidou da criação de
serviços públicos e da ocupação dos mangues, aterrados segundo a necessidade de expansão e
de novas habitações (MENEZES, J.L.M, 2004). Providenciou ainda o projeto de uma ponte que
interligaria a vila do Recife à Antônio Vaz. Havia a intenção de construir ali uma grande cidade,
a capital do domínio holandês no Brasil.
Nota-se já nessa época a preocupação em não apenas ocupar Antônio Vaz, mas também
em setorizar sua área de acordo com o perfil socioeconômico dos seus usuários. Após a saída
dos holandeses da Capitania em 1654, o plano de ampliação de Pieter Post sofre algumas
alterações no seu traçado e em sua geometria, entretanto ainda consegue manter suas principais
diretrizes, ajustadas às condições estabelecidas pelos lusitanos (REYNALDO, 2017). A
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Dessa forma, a urbanização holandesa foi fundamental para trazer, naquele momento,
as primeiras noções de ordenamento do espaço. Entretanto, a nova urbanização ignorou alguns
elementos próprios da cultura flamenga, inserindo em seu traçado elementos da cultura luso-
brasileira. Os canais previstos no plano, por exemplo, foram aterrados pelos portugueses e seus
terrenos passaram a abrigar ruas ou largos de igrejas (MENEZES, J.L.M., 2015). A partir desse
período até meados do século XIX há ainda o surgimento de becos ou travessas, atrelados à
característica de transversalidade, sendo vias estreitas que faziam a ligação entre as ruas
principais (MACIEL; VASCONCELOS, 2017).
Com a saída dos holandeses, o casario foi entregue aos antigos proprietários lusitanos,
entretanto haviam algumas edificações construídas durante o período da ocupação flamenga.
Estas foram entregues aos donos de chão, passando a ser exploradas através do aluguel ou
vendidas (MENEZES, J.L.M., 2015). O Inventário dos prédios edificados ou reparados pelos
holandeses na cidade do Recife até 1654 aborda essa problemática. Nele há uma descrição de
uma determinada quantidade de pessoas que surgem a partir de 1654 para reivindicar o direito
de chão de algumas casas já construídas pelos holandeses. Eram poucos proprietários, mas
donos de uma grande quantidade de terras. A reivindicação, na maior parte das vezes, era
aprovada com a condição de que fossem pagas ao provedor as benfeitorias realizadas pelos
flamengos, ou seja, haveria o pagamento pelas construções realizadas nos terrenos.
O século XIX surge como um marco nas transformações mundiais. Diversos avanços
no campo da ciência e da tecnologia fizeram com que houvesse o crescimento da população e
sua consequente expansão. As cidades cresciam em um ritmo acelerado, de modo que fossem
capazes de acompanhar tal expansão populacional.
No Recife, após a lei provincial nº 133 de 1844, tamanha foi a expansão da Freguesia
de Santo Antônio que houve seu desmembramento, dando origem à Freguesia de São José, ao
sul da Ilha. São José permanece, então, com a maior parte de seu território abrigando a função
habitacional, estabelecida desde o parcelamento do solo da Nova Maurícia. Percebe-se esse fato
a partir do momento que a Freguesia de São José seria caracterizada como a menos comercial
em comparação com as freguesias do Recife, de Santo Antônio e da Boa Vista. Entretanto,
ainda se encontrava movimento mercantil em algumas de suas ruas como a Marcílio Dias (rua
Direita), o largo do Terço, o largo do Mercado, a rua Marquês do Herval (rua da Concórdia), o
largo das Cinco Pontas (rua Vidal de Negreiros) e a rua Oitenta e Nove (GALVÃO, S. V.;
SILVA, L. D, 2006).
Desse modo, muitos equipamentos públicos foram implantados naquela época pela
Repartição de Obras Públicas, impulsionando a modernização da cidade e estabelecendo
melhorias em diversos campos, como na mobilidade urbana. Exemplos dessas intervenções
podem ser visualizadas na construção das pontes Buarque de Macedo (1856) e Princesa Isabel
(1863), que interligam Santo Antônio à Vila do Recife e à Boa Vista, respectivamente.
Juntamente com essas obras, a construção da Estação Central (1885), em São José, foi
fundamental para facilitar a articulação com seus arredores e com outras cidades no interior do
Estado. Outras obras como a construção do Liceu de Artes e Ofícios (1880), da Casa de
Detenção (1848), da Biblioteca Pública (1852) e do Mercado de São José (1875) foram
importantes para equipar e dinamizar a Ilha de Antônio Vaz, também conhecida como Ilha de
Santo Antônio.
O Mercado de São José pode ser considerado não apenas um marco para a arquitetura
da época, mas também um símbolo do comércio popular que começava a se formar em seu
entorno. O edifício em ferro foi projetado com inspiração no Mercado Público de Grenelle, em
Paris, e surgiu no lugar do antigo Largo da Ribeira do Peixe, local de comercialização de frutas
e verduras. Essa edificação tornou-se um referencial de comércio, convergindo esse tipo de
atividades para um ponto central, local da antiga praça da Nova Maurícia. Com base nas
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O surgimento do bonde elétrico em Recife também foi importante para tal expansão
urbana, substituindo os veículos de tração animal e o trem urbano. Seu funcionamento no início
do século XX permitiu a extensão do serviço de transporte coletivo, atingindo mais áreas da
cidade de maneira mais rápida e eficiente. Entretanto, foi responsável também por um
reordenamento das funções do espaço urbano, onde diversas residências se deslocavam para
áreas mais periféricas, acentuando a concentração de atividades não residenciais nos bairros do
Recife, Santo Antônio e São José (REYNALDO, 2017). No Mapa de 1906 (Figura 5) pode-se
observar a presença das linhas de bonde (verdes) e das linhas de trem (vermelhas), que
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conectavam a área com os demais bairros e com outras cidades. Nota-se ainda a presença de
duas importantes estações de trem – Estação das Cinco Pontas e Estação Central –, que
contribuíram para convergir a população para essa área da cidade, fortalecendo seu papel de
centralidade.
Figura 5: Recorte do Mapa de Recife (1906): linhas de bonde (verde) e estradas de ferro (vermelho).
Fonte: Sir Douglas Fox e Sócios e H. Michell Whitley, 1906. Disponível em:
<https://www.labtopope.com.br/cartografia-historica/>
Figura 6: Vista aérea mostrando intervenções viárias nos bairros de Santo Antônio e São José.
Foto: Alcir Lacerda, década de 1970. Edições da autora. Disponível em: <mapio.net/pic/p-3190553/>
A atual avenida Nossa Senhora do Carmo também surgiu a partir da Avenida Dantas
Barreto, como parte de uma rede de mobilidade que auxiliaria no percurso dos carros até a zona
sul da cidade (Figura 7). A abertura de novas vias trouxe uma série de destruições – como
ocorreu com as Igrejas do Paraíso e dos Martírios, o Pátio do Carmo e uma grande quantidade
de edifícios – assim como contribuiu na delimitação de áreas, que ficariam mais afastadas do
resto dos bairros de Santo Antônio e São José. A dimensão das novas vias, não condizentes
com o traçado antigo, acabaram funcionando como barreiras, não só pela sua proporção, mas
também pela quantidade de veículos que passaram a transitar na área. A continuidade
estabelecida pelo antigo traçado foi quebrada e um novo fluxo foi inserido nos bairros.
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economizar; temos que reformar a frente deste prédio. Fazê-lo moderno, elegante…” (SETTE,
2006, p. 211). A imagem do edifício moderno como sinônimo de elegância seria um
pensamento bastante difundido na época.
Essa influência pode ser visualizada ainda em alguns anúncios de aluguel de imóveis na
área, onde o fato do imóvel ser moderno ou apresentar saneamento e instalações elétricas era
utilizado como estratégia de divulgação no mercado imobiliário de aluguel (Figura 8). Esses
elementos faziam parte do conceito de morar moderno, procurado por muitas pessoas na época.
Fonte: Pequenos anúncios do Diário da Manhã, edições de 1º de janeiro de 1930 a 1933. Edições da
autora. Disponível em: < http://www.acervocepe.com.br/diario-da-manha.html>
Importa ressaltar que, na metade do século XX, foi iniciada a ideologia da casa própria,
difundida a partir de políticas como a Lei do Inquilinato em 1942. Essa política criou uma
situação extremamente desfavorável ao investimento de moradias de aluguel, fazendo com que
este, antes atraente, deixasse de ser rentável (BONDUKI, 1994).
31
Outra situação que impulsionou a ideologia da casa própria foi a criação do Banco
Nacional de Habitação (BNH), em 1964, voltado ao financiamento habitacional. Ocorreu assim
o aumento da procura por imóveis novos que, em sua maioria, estavam localizados afastados
da região central das cidades. O Centro Histórico foi poupado da ideologia da casa própria,
entretanto perdeu muitos habitantes. Estes – atraídos pelas ideias higienistas, pela melhoria da
mobilidade urbana e pela criação de programas de incentivo à casa própria – se encaminhariam
para áreas mais periféricas.
Com a expansão das cidades e com a presença de novos padrões de ocupação em seu
território, há uma acentuação do valor histórico de áreas mais antigas. A construção da ideia de
patrimônio vai sendo aprimorada, principalmente a noção de patrimônio urbano, refletindo em
diversas áreas que apresentam em sua morfologia e tipologia características que representam e
mostram o desenvolvimento de uma sociedade. É a partir deste contexto que o Centro ganha
uma nova identidade: a de Centro Histórico. De acordo com o Coloquio sobre la preservación
de los centros históricos ante el crecimiento de las ciudades contemporáneas, realizado em
Quito no ano de 1977 pela UNESCO e pelo PNUD, os Centros Históricos são definidos da
seguinte maneira:
Diante disso, na segunda metade do século XX, um novo pensamento surgiu, mostrando
um maior interesse do país pela proteção do patrimônio como forma de desenvolvimento
econômico, por meio do incremento do turismo. Esta atividade emergiu como uma alternativa,
promovendo a preservação dos centros históricos e, ao mesmo tempo, contribuindo para
movimentar a economia do Brasil. Paralelamente, a ideia da conservação, não apenas do
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monumento em si, mas dos conjuntos históricos começou a ganhar força internacional,
principalmente através dos conceitos colocados na Carta de Veneza (1964).
A partir desse contexto, foi criado no Brasil, em 1973, o Programa de Cidades Históricas
(PCH), com o intuito de intervir em áreas históricas e destiná-las, assim, à fins turísticos. O
programa perdurou até 1987, executando um total de 1.337 ações de diferentes naturezas,
podendo ser citada como exemplo no Recife, a criação da Casa de Cultura e Centro de
Artesanato na Casa de Detenção (BONDUKI, 2012). Essas intervenções acabaram servindo
para introduzir novas perspectivas na política de preservação no país.
A Lei de Uso e Ocupação do Solo (LUOS) de 1983 (Lei nº 14.511/1983) também seria
influenciada pelo PPSH, introduzindo as ZEPs, classificadas como Setor de Preservação
Rigorosa (SPR) e Setor de Preservação Ambiental (SPA). Atualmente, de acordo com a LUOS
de 1996 (Lei nº16.176), as Zonas Especiais de Preservação do Patrimônio Histórico-Cultural
(ZEPH) são definidas como as “áreas formadas por sítios, ruínas e conjuntos antigos de
relevante expressão arquitetônica, histórica, cultural e paisagística, cuja manutenção seja
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Quadro 1: Bens Tombados pelo IPHAN nos bairros de Santo Antônio e São José.
Bens Tombados pelo IPHAN nos bairros de Santo Antônio e São José (Recife-PE)
Classificação
Bairro (relacionada à forma Nome atribuído
de proteção)
Santo Conjunto
Antônio Arquitetônico Capela Dourada, claustro e Igreja da Ordem Terceira de São Francisco
Santo
Antônio Edificação e acervo Igreja Matriz de Santo Antônio
Santo Conjunto Igreja de São Pedro dos Clérigos e Pátio de São Pedro: conjunto
Antônio Arquitetônico arquitetônico
Santo
Antônio Edificação e acervo Igreja da Ordem Terceira de Nossa Senhora do Carmo
Santo
Antônio Edificação e acervo Convento e Igreja de Santo Antônio
Santo Casa Paroquial anexa à Igreja de Santo Antônio na Praça da
Antônio Edificação Independência
Santo Conjunto
Antônio Arquitetônico Conjunto Arquitetônico e Paisagístico da Praça da República
Santo
Antônio Edificação e acervo Convento e Igreja do Carmo do Recife
Santo
Antônio Edificação e acervo Igreja da Ordem Terceira do Carmo de Santa Teresa
Santo
Antônio Edificação Teatro Santa Isabel
Santo
Antônio Edificação e acervo Igreja do Divino Espírito Santo
São José Edificação Forte das Cinco Pontas
São José Edificação e acervo Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos
São José Edificação Mercado de São José
São José Edificação e acervo Igreja de Nossa Senhora do Terço
São José Edificação e acervo Igreja de São José do Ribamar
Fonte: IPHAN, novembro de 2017. Elaboração própria.
Por outro lado, a mudança de usos na área, ocasionada pelas políticas habitacionais de
incentivo à casa própria, foi fortalecida com a formalização das ZEPHs. O novo padrão
habitacional encontrado – a edificação isolada no lote e cada vez mais verticalizada – foi um
dos responsáveis pela estagnação do centro como local de moradia, onde não é possível alcançar
esse padrão pelas limitações do zoneamento (MENEZES, L. R. D., 2015). O surgimento do
BNH, juntamente com a posterior presença de restrições vinculadas à legislação, foram
importantes fatores que contribuíram para delimitar as funções predominantes que essa parte
do Centro abrigaria: o comércio e os serviços.
O novo padrão de moradia acabou trazendo uma outra dinâmica espacial para o Recife.
Ocorreu um deslocamento de atividades comerciais e de serviço de prestígio, que antes se
localizavam no centro, para as novas áreas verticalizadas, inclusive para Shoppings Centers.
Essa nova dinâmica, a partir da década de 1980, acabou interferindo nas atividades de comércio
e serviços do centro, que passaram a concorrer com os novos centros comerciais. As lojas de
caráter mais nobre, localizadas em sua maior parte em Santo Antônio e no Bairro do Recife,
logo foram transferidas. O centro passou a abrigar um comércio mais popular, mas ainda
mantendo ramos de comércio especializado em algumas ruas. A área próxima ao Mercado de
São José acabou sendo fortalecida por já abrigar esse tipo de comércio, que ganharia cada vez
mais espaço.
Enquanto isso, os outros bairros do Centro Histórico não foram tão atingidos por
intervenções urbanas realizadas pelo poder público. A noroeste do bairro de Santo Antônio,
mais precisamente na Avenida Guararapes, o que ocorreu, recentemente, foi o investimento
privado em seus edifícios para o abrigo de atividades educacionais. Tal investimento foi
impulsionado pelos incentivos direcionados à ampliação do ensino superior, a exemplo do IES
e PROUNI, na década passada e no início da presente década. Fora isso, as intervenções que
ocorreram no CHR foram mais pontuais, visando a preservação de monumentos e não do
conjunto urbano em si. Os bairros de Santo Antônio e São José, entretanto veem os efeitos do
caráter global da economia brasileira por meio da migração de comerciantes de outros países
para os bairros, principalmente os de origem chinesa. O conhecimento sobre o Recife para
investimento comercial, com relativamente pouca concorrência quando comparado ao contexto
encontrado em São Paulo, fez com que muitos chineses migrassem da região paulistana para
Pernambuco (SILVA, J.M.A, 2016), cujo comércio varejista vinha sendo fortemente
estimulado pelas políticas sociais.
Implementadas desde o início do século XXI até o início da presente década, essas
políticas estimularam o crescimento da renda das famílias, e elevaram também o poder de
consumo dos segmentos populares, gerando impactos em regiões menos desenvolvidas como o
Nordeste. Essa região teve entre 2005 e 2012 um crescimento nas vendas de varejo que
ultrapassou a média nacional (ARAÚJO, 2014). Assim, as políticas macroeconômicas
acabaram influenciando áreas como Santo Antônio e São José, no Recife, que se tornaram muito
valorizadas para abrigar atividades comerciais por conta da alta demanda que se formou,
reforçando o seu status de centro comercial consolidado.
38
Não obstante, o reconhecimento de Santo Antônio e São José como parte do Centro
Histórico e, consequentemente, sua subordinação a planos de zoneamento foram essenciais para
o surgimento de uma prática de preservação do patrimônio. Por outro lado, a entrada do Brasil
na economia globalizada acabou intensificando as atividades comerciais nessas duas
localidades, sem, no entanto, dotá-las de infraestruturas, como aconteceu no bairro do Recife,
onde o poder público vem investindo em infraestruturas desde o final do século XX, através de
processos de recuperação da área, como os que ocorreram no Plano de Revitalização e nos
Projetos Porto Digital e Porto Novo.
Essa série de fatores foi responsável pela dinâmica atual do mercado imobiliário que se
encontra atualmente nos bairros de Santo Antônio e São José. A presença inquestionável do
comércio e suas implicações no mercado de aluguel podem ser identificadas a partir das
transformações do espaço da antiga Ilha de Antônio Vaz e pelas próprias mudanças da
sociedade e do seu modo de pensar e agir em relação à cidade contemporânea.
39
2. Leitura urbana dos bairros de Santo Antônio e São José: análise dos
atributos morfotipológicos e dos caminhos para delimitação de um recorte
empírico
Como foi observado anteriormente, a história dos bairros de Santo Antônio e São José
remete a várias práticas urbanizadoras, que transformaram e transformam o espaço desde sua
formação. Há áreas que passaram por reformas urbanas no século XX e outras que preservam
seu traçado original dos séculos XVII e XVIII. O que pode ser encontrado atualmente é um
espaço com padrões de ocupação distintos, relativos a épocas divergentes. Como Santos (1982,
p.60) ressalta, “O espaço construído que daí resulta é variegado. Formas de idades diferentes
com finalidades e funções múltiplas são organizadas e dispostas de múltiplas maneiras”.
Desta forma, para o estudo da dinâmica espacial do mercado imobiliário nos bairros de
Santo Antônio e São José, é imprescindível conhecer, através da leitura urbana, as
características e especificidades do espaço urbano. Através de um estudo morfotipológico é
possível investigar os diferentes padrões de ocupação na área, o que inclui considerar o tamanho
40
Na parte norte podem ser encontradas quadras menores e com formas trapezoidais e
quadrangulares. Os tipos quadrangulares estão muito ligados aos edifícios mais modernos e por
essa razão se concentram ao norte de Santo Antônio, onde houve intervenções de caráter
modernista, como nas proximidades da Avenida Guararapes, por exemplo. Na parte sudeste (à
direita da Av. Dantas Barreto) encontram-se, em sua maior parte, quadras retangulares e os
tipos triangulares, que não aparecem em outras áreas. Esse padrão se justifica por esta ser a área
onde o traçado é mais antigo, tendo formas menos retilíneas e geométricas. Já na parte sudoeste
(à esquerda da Av. Dantas Barreto) podem ser encontradas quadras muito maiores do que as
presentes em outros espaços, de formatos quadrangulares e trapezoidais.
É importante ressaltar ainda que a disposição e o tamanho das quadras podem estar
relacionados ao fluxo que ocorrerá nessas vias. Áreas com quadras pequenas, por exemplo,
possibilitam uma maior quantidade de caminhos e consequentemente a dispersão de pessoas
nas ruas. Essa diferenciação de tamanhos e formas das quadras possibilita ainda o entendimento
do traçado dos espaços públicos e a disposição e o formato das microparcelas.
A partir do parcelamento das quadras também se identificam certos tipos (Anexo A) que
aparecem mais do que outros (Figura 10). No geral observa-se a predominância de quatro
padrões de lotes. No extremo norte da Ilha, são encontrados lotes irregulares, médios e grandes,
que abrigam tipologias notáveis, como se verá mais adiante. Logo abaixo dessa área são
encontrados majoritariamente lotes mais quadrangulares, seguindo o padrão de suas quadras.
No sudoeste, percebe-se uma concentração de lotes maiores, quadrangulares e irregulares,
criados para o abrigo de grandes equipamentos. Por fim, na área mais central pode-se observar
41
que a maior parte dos lotes é pequena, divergindo dos formatos já mencionados. Nota-se
também que apresentam um formato retangular, com a predominância do lote retangular
alongado pequeno, que também aparece em outras áreas do Centro Histórico do Recife. A
disposição desses lotes no terreno, como já mencionado anteriormente, foi pensada para o
melhor aproveitamento do espaço na época e, por essa razão, tal tipo de lote, estreito e
comprido, era o mais utilizado no momento da ocupação da Ilha de Antônio Vaz. Sendo assim,
é justificável que este seja o formato que predomina nas áreas históricas de Santo Antônio e
São José.
42
Figura 9: Recorte dos bairros de Santo Antônio e São José: divisão em macro parcelas (quadras) Figura 10: Recorte dos bairros de Santo Antônio e São José: divisão das quadras em lotes
Legenda N Legenda N
LIMITE DOS BAIRROS LIMITE DOS BAIRROS
ÁREA DE ESTUDO ÁREA DE ESTUDO
QUADRAS LOTES
IRREGULAR MÉDIA IRREGULAR GRANDE
IRREGULAR MUITO PEQUENA IRREGULAR MÉDIO
QUADRANGULAR GRANDE IRREGULAR PEQUENO
QUADRANGULAR MÉDIA QUADRANGULAR/RETANGULAR/TRAPEZOIDAL
QUADRANGULAR MUITO PEQUENA MUITO GRANDE
E PEQUENA QUADRANGULAR/RETANGULAR/TRAPEZOIDAL
GRANDE
RETANGULAR MÉDIA QUADRANGULAR/RETANGULAR/TRAPEZOIDAL
RETANGULAR PEQUENA MÉDIO
RETANGULAR MUITO PEQUENA QUADRANGULAR/RETANGULAR/TRAPEZOIDAL
PEQUENO
TRAPEZOIDAL MEDIA QUADRANGULAR/RETANGULAR/TRAPEZOIDAL
TRAPEZOIDAL PEQUENA MUITO PEQUENO
TRAPEZOIDAL MUITO PEQUENA RETANGULAR ALONGADO GRANDE
TRIANGULAR MUITO PEQUENA RETANGULAR ALONGADO
SÃO JOSÉ
SÃO JOSÉ
Desse modo, os tipos de parcelamento encontrados dão indícios das tipologias utilizadas
na área (Figura 11). As tipologias voltadas para as atividades comerciais são as predominantes
nos dois bairros, a diferença, entretanto, se encontra no gabarito dessas tipologias: ao norte
encontram-se edifícios comerciais e de serviços mais altos, enquanto ao sul há lojas com poucos
pavimentos. Há ainda a grande incidência de tipologias próprias de uma área histórica, como
os sobrados e as casas históricas geminadas, que estão dispostos, em sua maior parte, no centro
da área, bem como as edificações históricas especiais, que se encontram espalhadas. Pela grande
concentração de edificações religiosas no perímetro, foi criada ainda uma legenda específica
para as igrejas, que têm destaque tanto em Santo Antônio, quanto em São José.
Foi possível identificar cinco padrões de ocupação na área, padrões que não são
determinados ou atrelados ao limite dos bairros. Percebe-se, portanto, uma diferença entre a
área norte e a área sul de Santo Antônio. Ao norte há a predominância de edifícios comerciais
em lotes pequenos e médios, enquanto ao sul é encontrado um padrão que abriga casas
históricas coladas e comércio/serviço em lotes pequenos ou alongados. Sendo assim, a área sul
de Santo Antônio parece se assemelhar mais ao caráter encontrado na área de São José. Essa
semelhança de atributos espaciais será importante posteriormente para a definição de um recorte
que permita uma comparação entre os produtos ofertados no mercado imobiliário na área.
As ruas e becos são interrompidos, muitas vezes, por espaços mais amplos como os
pátios, muito frequentes na área, ganhando destaque pela sua incorporação ao conjunto urbano.
Muitos dos pátios existentes estão relacionados às igrejas, formando um único conjunto
arquitetônico, assim como poucas igrejas se encontram isoladas, sem diálogo com outros
edifícios. Para Camillo Sitte (1992), a antiga disposição da igreja com a praça seria muito
relevante para as construções que buscavam notoriedade, já que desse modo o edifício estaria
em evidência e teria melhor efeito quando visualizado a uma distância adequada, em uma praça
46
não exageradamente grande. Dessa forma, nota-se a partir das construções religiosas de Santo
Antônio e São José essa mesma postura, sendo a praça substituída por pátios e o traçado urbano
voltado para essas edificações de destaque. Reynaldo (2017) identifica ainda, de acordo com
dados de 1906 e 1907, a presença de edificações mais altas próximas aos edifícios religiosos e
seus respectivos pátios, impulsionando a urbanização e transformando essas áreas nas mais
destacadas da cidade. Esse fato pode ter resultado em um rebatimento no preço do imóvel já
naquela época, constatando-se a valorização dessas áreas e dos seus conjuntos arquitetônicos.
O pátio do Livramento, do Terço, de São Pedro, de São José do Ribamar e do Carmo são
exemplos que valorizam a ideia do conjunto arquitetônico e que foram essenciais para a
configuração da malha urbana e das tipologias encontradas na área (Figuras 13 e 14).
Figuras 13: Pátio do Livramento. Figura 14: Pátio de São José do Ribamar.
na dinâmica da área. Desse modo, aqueles que usufruem e transitam no espaço também
definirão as características daquela localidade.
Como já mencionado, os bairros de Santo Antônio e São José se destacam pelo caráter
central e, por sua localização, dispõem de uma grande quantidade de meios de circulação, que
permitem sua conexão a diversas áreas da cidade. O sistema de transporte viário – tanto o
transporte público quanto o particular – é um desses meios de acessibilidade. Desse modo, a
classificação das vias urbanas pode ser realizada para entender melhor a estrutura de mobilidade
presente na cidade (Figura 15).
48
Figura 15: Recorte de Santo Antônio e São José: classificação das vias, segundo sua hierarquia.
Outros exemplos de vias que se destacam na área e que também são responsáveis por um fluxo
considerável do transporte viário são a Avenida Dantas Barreto, a Avenida Guararapes, a
Avenida Martins de Barros, a Rua Imperial e a Floriano Peixoto. Não sem razão, esses são
alguns dos principais corredores de transporte público na área.
A grande maioria das vias dos bairros de Santo Antônio e São José, entretanto, são de
caráter local, justamente por sua morfologia estruturada em outra época. Por se tratar de um
tecido histórico, onde as vias são estreitas e, mais tarde, por causa do comércio voltado ao
pedestre, o acesso a algumas dessas vias era realizado principalmente pelos transeuntes. Esse
fato é essencial para entender a inserção da última categoria de classificação disposta na Figura
16. Uma peculiaridade da área é a presença de ruas pedestrianizadas, vias exclusivas para o
fluxo de pedestres, algumas delas implantadas na segunda metade do século XX através do
Programa de Circulação Urbana. As vias exclusivas para pedestres chamam atenção
principalmente no bairro de Santo Antônio e, embora haja a classificação oficial delas, ainda
existem muitas vias que não são registradas como pedestrianizadas, mas que apresentam esse
caráter, quase não havendo a circulação de veículos.
Total 845
Fonte: Grande Recife, 2018. Tabulação própria.
[1] Incluindo linhas de ‘bacurau’;
[2] Trecho incluído dentro do perímetro do CHR;
[3] Incluindo a pista principal, pista leste e pista oeste.
Nota-se, a partir da tabela, que as vias onde há um maior número de linhas de ônibus
em circulação são a Avenida Dantas Barreto, a Guararapes, a Martins de Barros, a rua do Sol e
a Primeiro de Março, importantes vias coletoras dos bairros. Existem ainda, nas duas primeiras
vias citadas, estações de BRT, um novo modal de ônibus. Além dessas vias, que são os
principais corredores de transporte público da região, há ainda a presença de dois terminais na
área: o de Santa Rita e o Terminal do Recife. O terminal de Santa Rita se localiza no cais de
mesmo nome, na área leste do bairro de São José. Abriga 91 linhas de ônibus, tendo um
movimento intenso em diversos horários, inclusive de madrugada. Apesar de exercer função de
51
destaque, o Terminal de Santa Rita é o único do munícipio de Recife que não faz parte do
Sistema Estrutural Integrado (SEI)2, ao contrário do outro terminal presente na área.
O Terminal Integrado do Recife está localizado na Rua Floriano Peixoto, na área oeste
de São José. Apresenta 5 linhas de ônibus, que se integram ao sistema de metrô do terminal. A
Estação Recife é a estação central do sistema de transporte metroviário, sendo terminal da Linha
Centro e da Linha Sul e fazendo a conexão entre os passageiros dessas duas linhas. Por essa
razão, a Estação Recife se confirma como principal ponto de integração com outras linhas da
cidade, sendo ainda o terminal que abriga o maior número de passageiros (Gráfico 1).
Gráfico 1: Média diária de passageiros no metrô na RMR, em dia útil, por estação e linha.
2
Segundo o Grande Recife Consórcio de Transporte, o SEI é “uma rede de transporte público composta de
linhas de ônibus e metrô. Todas estas linhas são integradas através de terminais especialmente construídos, o
que possibilita uma multiplicidade de ligações de origem-destino, através de viagens modais ou multi-modais. ”
52
bairros são centrais, conhecidos e vivenciados por grande parte da população recifense e da
região metropolitana.
A caracterização dos bairros de Santo Antônio e São José foi essencial para
circunscrever a área de estudo. O recorte a ser escolhido deveria manter boa parte de suas
características originais e conter o mesmo padrão de ocupação, além de revelar um dinamismo
comercial, visto que o trabalho em questão trata do mercado de aluguel referente a esse uso.
Tal uso, como abordado anteriormente, foi responsável por transformar a área em questão em
um Centro Urbano Comercial Popular. A partir disso, foi determinada a área que, a grosso
modo, tem como limites a Avenida Dantas Barreto à esquerda, a rua São João abaixo, as ruas
de Santa Rita e da Praia à direita e a Avenida Nossa Senhora do Carmo acima (Figura 16). Esse
recorte se destaca ainda por corresponder a uma das áreas mais antigas do Centro Histórico do
Recife. Apresenta ruas muito conhecidas pela população não só do Recife, mas também de
outros lugares do Estado, que vem à procura da variedade de produtos e de preços mais baratos.
53
SANTO ANTÔNIO
SÃO JOSÉ
Deste modo, priorizou-se na escolha da área de estudo os espaços que apresentam maior
movimento mercantil, que são reconhecidos pelos recifenses pela sua longa história e, portanto,
pela sua identificação com as características espaciais da área (Figuras 17 e 18). Como visto,
através da leitura urbana (ver Figura 12), as características morfológicas e tipológicas da parte
sudeste da área histórica dos bairros apresentam, muito mais, o caráter antigo, representando a
porção territorial que conserva melhor o traçado urbano e o padrão de ocupação de uma época
mais distante. Abriga, portanto, partes dos dois bairros: ao norte, Santo Antônio e ao sul, São
José.
Figura 17: Rua Direita, bairro de Santo Antônio. Figura 18: Rua das Calçadas, bairro de São José.
A maior parte das edificações do recorte são geminadas, não apresentando recuos e
tendo sua fachada no limite do lote, característica muito observada nos centros históricos. Essa
configuração das edificações e dos lotes acaba favorecendo a atividade comercial, visto que há
um contato direto do imóvel com a rua, possibilitando uma conexão maior, atrelada ao fluxo de
pessoas, entre consumidor e loja (NÓBREGA, 2013). Outra grande vantagem da área em
relação ao uso comercial é que seus imóveis apresentam uma testada estreita e são edificações
geminadas. Tais características fazem com que as vias tenham uma grande quantidade de lojas
e acessos, influenciando diretamente no percurso e no fluxo de pessoas, que se sentem
confortáveis em continuar o caminho quando há a presença de mais lojas, incentivando a
visualização de outros comércios ao longo da rua. Dessa forma, pode-se observar que o padrão
de ocupação encontrado na área responde de forma favorável às atividades comerciais. A
identificação dessas características e do já mencionado caráter central da área ressaltam o
porquê da intensa dinâmica comercial encontrada do recorte de estudo.
55
Vale salientar que áreas como o Pátio de São Pedro, a rua Padre Muniz e outras ruas que
apresentavam padrões de ocupação similares ao recorte não foram considerados em sua
delimitação por apresentarem uma dinâmica diferente da encontrada no resto do perímetro, não
apresentando, atualmente, tanto movimento comercial. Entretanto, a área que abriga o Pátio do
Livramento, por mais que apresente um outro padrão tipológico, ainda mantém o padrão de
lotes pequenos ou alongados, dando continuidade ao movimento comercial encontrado na área.
O traçado das vias nessa porção territorial corresponde a um período onde as
caraterísticas do terreno, assim como a disposição dos principais edifícios, como as igrejas,
eram levadas em consideração para a conformação da malha urbana. Entretanto, a alteração
dessa malha, através das reformas urbanas realizadas no início do século XX, ocasionou a
inserção de novas vias e novas tipologias, diferentes do tecido urbano e das tipologias originais.
A Avenida Dantas Barreto e a Avenida Nossa Senhora do Carmo são exemplos desses novos
modais, que acabaram servindo como elemento de separação pela falta de compatibilidade com
as vias existentes, quebrando a ideia de continuidade do tecido original. Observa-se que essas
vias delimitam a área de estudo que, mesmo após as reformas urbanas, ainda manteve parte de
suas características originais.
Dessa forma, o recorte de estudo prioriza áreas com características históricas e físicas
semelhantes, assim como acolhe ruas muito conhecidas pelo seu comércio. As atividades
comerciais nele encontradas apresentam peculiaridades, assim como um movimento e fluxos
distintos das demais áreas dos bairros de Santo Antônio e São José. O aprofundamento desse
dinamismo comercial será essencial para concluir a análise das estruturas físicas e ativas 3
presentes na área.
As funções exercidas na cidade são responsáveis pela construção de seu caráter, o que
influencia na quantidade de pessoas que frequentam e usufruem dos seus espaços, criando
localidades com dinamismos singulares. O uso comercial é o que concede a tônica ao espaço
em questão. Para entender a sua dinâmica, mais especificamente dentro do recorte adotado,
houve a necessidade de circular por cada uma de suas ruas para o levantamento das funções
dispostas, atualmente, nos pavimentos térreos da área (Figura 19).
3
Entende-se por estrutura ativa de uma área o conjunto de atividades nela desenvolvidas, bem como os
serviços ofertados.
56
SANTO ANTÔNIO
SÃO JOSÉ
Percebe-se desta forma que a grande concentração do uso comercial na área acaba
influenciando a presença de outros usos, atrelados a este. O poder simbólico da utilização
comercial passa a delimitar os usos presentes no recorte e em seu entorno. Segundo Jaramillo
(2009, p. 158, tradução nossa) “haverá certos lugares aos quais a convenção coletiva designará
seu uso: os compradores reconhecerão essas seções do espaço construído como os lugares onde
certas práticas se desenvolvem e os privilegiarão para executar esta atividade”. Por essa razão,
pode-se entender muito do espaço e da sua utilização através do que ocorre atualmente, sendo
a área do recorte muito associada ao seu simbolismo como centro comercial.
59
A atração desse espaço pelo comércio popular no século XX gerou uma concorrência
pelo espaço, iniciando um processo onde os usos mais lucrativos passaram a expulsar os menos
lucrativos. Para Jacobs (2011, p.271), “a reprodução do uso mais lucrativo abala a base da
atratividade, como costuma ocorrer nas cidades com a reprodução e o excesso de um mesmo
uso”. Esse processo acaba fazendo com que essa área seja ignorada por pessoas com outros
propósitos, trazendo também outras consequências em relação à distribuição e a circulação de
pessoas durante o dia. A falta de diversidade de uso gera espaços que funcionam muito bem em
determinados períodos do dia, mas que são ociosos em outros horários.
Essa repetição de uso em alguns espaços ou ruas gera ainda outro fenômeno, relacionado
à repetição do ramo do comércio. O reconhecimento de uma certa divisão do espaço em relação
ao que as lojas comercializam também é um elemento que pode ser encontrado na área de
estudo, sendo o comércio especializado identificado em certas vias que abrigam lojas de ramos
equivalentes. Essa setorização atualmente é muito assimilada, não apenas pelos comerciantes,
mas pelos usuários do espaço, já que a divisão torna a procura por determinado produto mais
fácil.
O segundo procedimento para identificar essas ruas foi relacionado não à quantidade,
mas sim a exclusividade de certo produto nas vias. Ruas como a rua Santa Rita, por exemplo,
apresentam lojas especializadas em materiais para artesanato. A rua da Praia apresenta lojas
especializadas em artigos de pesca e essências e o entorno do Mercado de São José dispõe de
ervanários. Essas lojas, por mais que não signifiquem uma quantidade expressiva em
comparação com o total de imóveis presente nas vias, possuem produtos que são muito difíceis
de encontrar em qualquer outra área. Por essa razão, estar em determinada rua já faz com que
esta seja conhecida pela população justamente pela presença de tal produto. Assim, a partir
dessa investigação foi possível espacializar essa distribuição de modo a visualizar a dinâmica
das vias especializadas dispostas no recorte (Figura 21).
61
SANTO ANTÔNIO
SÃO JOSÉ
A disposição dessas ruas mostra que o recorte apresenta uma setorização de seu
comércio. Esse fato é importante para a identificação de uma certa competitividade, que
consequentemente pode influenciar no valor de aluguel do imóvel.
Por essa razão, houve a necessidade de identificar quais as vias que abrigavam um maior
número de pessoas dentro do recorte estudado. Essa delimitação foi realizada a partir da
experiência que foi presenciada nas inúmeras visitas de campo realizadas nos bairros de Santo
Antônio e São José4. A partir dessa experiência e da observação da quantidade de pessoas que
circulavam em cada rua foi possível realizar um mapa com tais impressões sobre o fluxo de
pessoas (Figura 22).
4
A área de estudo já vem sendo observada e acompanhada pela autora desde 2014, quando aplicou questionários
na área. O reconhecimento deste espaço através da dinâmica e da circulação de pessoas foi, desta forma, analisado
a partir daquele momento. Mais recentemente, no ano de 2017, a área também foi visitada diversas vezes, em
horários da manhã (9h às 12h) e da tarde (13h às 17h), podendo identificar nesse período as ruas que tinham maior
e menor movimento de acordo com essa percepção.
63
SANTO ANTÔNIO
SÃO JOSÉ
Percebe-se que as ruas onde há um fluxo mais intenso de pessoas e, por consequência,
um número maior de possíveis consumidores são as ruas Direita, das Calçadas, da Penha,
Tobias Barreto, Travessa do Sirigado e Praça Dom Vital. Nota-se, dessa forma, a grande
vitalidade das ruas que se localizam na parte central do recorte. Outras ruas que também
apresentam um fluxo intenso são as ruas Santa Rita e das Águas Verdes. Por outro lado, as que
apresentam o fluxo mais baixo de pessoas são as ruas do Jardim, rua do Forte e rua Frei
Henrique. Tais vias estão localizadas na parte sul do recorte, espaço onde foi identificada grande
parte dos depósitos e dos imóveis desocupados.
Através de um estudo realizado por Nóbrega (2008), pode-se perceber uma certa
semelhança entre a hierarquia de fluxos que foram observados pela autora e a hierarquia
presenciada atualmente. A autora usa como base para análise do número de consumidores que
transitam nas ruas do centro do Recife, um levantamento de fluxo de pedestres realizado a partir
de dados coletados pela Prefeitura do Recife para o desenvolvimento do Plano Diretor de
Circulação do Recife (2000)5. Nota-se uma continuidade de alguns fluxos, entretanto há a
diferença de outros (Tabela 3).
5
Segundo o Plano Diretor de Circulação do Recife (Recife, 2000), “os levantamentos foram efetuados de forma
manual, com pesquisadores postados estrategicamente nos passeios da via, utilizando contadores manuais presos
a uma prancheta, na qual estava também a folha de campo segundo modelo específico. Esta folha de campo contém
os campos a serem preenchidos, a localização do posto e identificação do fluxo a ser registrado. Ao final de cada
15 minutos o registro do contador era anotado na folha de campo, mantendo os contadores com a numeração
acumulada. Cada contador responsabilizava-se por um único fluxo e quando da sua impossibilidade, devido aos
grandes volumes ou dificuldades relacionadas com a visibilidade, o mesmo era dividido em dois ou mais fluxos
para fins de levantamento”.
65
Tabela 3: Contagem de pedestres por dia em vias dos bairros de Santo Antônio e São José.
Quantidade de
Ponto Localização
pedestres por dia
De acordo com o levantamento, a rua Direita foi a que apresentou o maior fluxo de
pessoas por dia (79.461), fluxo bem maior que outras ruas dentro e fora da área. Percebe-se que
essa dinâmica permanece, sendo atualmente a rua com maior movimento da área de estudo.
Outra rua que se destacou no ano de 2000 e que mantém sua dinâmica é a rua Tobias Barreto.
Esse movimento de pedestres na via pode estar associado a um importante fluxo que ocorre da
Estação Recife à área de estudo. Como já mencionado, o transporte metroviário tem muita
relevância na área e por essa razão o fluxo de pessoas que transita nas ruas que ligam a estação
às áreas comerciais é muito alto.
66
Entretanto, outras ruas como a Rua Santa Rita e a Rua das Calçadas, apresentam
diferenças se comparar o estudo de 2000 com as percepções atuais. A rua das Calçadas, por
exemplo, no estudo realizado pela Prefeitura, em 2000, apresentava um movimento mais baixo.
O número de pedestres por dia dessa via era muito menor do que o encontrado nas ruas Direita,
Tobias Barreto, da Praia e do Rangel. Observa-se que, atualmente, a rua das Calçadas tem um
movimento tão grande que suas calçadas se tornam pequenas para abrigar a quantidade de
pessoas que transitam na rua, sendo os pedestres obrigados a transitar também pela pista de
veículos. O movimento observado nessa rua atualmente pode até ser comparado, em suas
devidas proporções, com o encontrado na rua Direita.
Dessa forma, a adoção do uso comercial na área é favorecida por outros fatores mais
específicos, como os usos atrelados a ele, a especialização das ruas e o número de pessoas que
transitam diariamente por elas. Esses fatores serão utilizados mais adiante para a análise do
funcionamento dessa área, juntamente com outros elementos que podem interferir no valor dos
imóveis.
O capítulo será dividido em cinco partes, tendo início com a parte intitulada Mercado
imobiliário e seus bens, onde são introduzidas algumas noções sobre o funcionamento do
mercado imobiliário. Na segunda parte, denominada Mercado de aluguel de comércio/serviços
no CHR, será abordada a relevância desse tipo de mercado no Centro Histórico do Recife,
comparando com a situação encontrada nos bairros de Santo Antônio e São José. Na terceira
parte, denominada Agentes imobiliários em Santo Antônio e São José, serão identificados os
principais atores envolvidos nas transações imobiliárias, bem como seu papel nesse mercado.
Na parte intitulada Produtos ofertados no mercado imobiliário, a análise será realizada através
da identificação dos produtos ofertados na área atualmente. Por fim, na parte denominada
Fatores determinantes dos preços, serão comentados alguns elementos e sua influência na
formação dos preços. A partir da análise dos diversos pontos abordados durante o trabalho,
objetiva-se entender melhor a dinâmica espacial do mercado imobiliário em áreas históricas dos
bairros de Santo Antônio e São José.
Para uma análise sobre o mercado imobiliário, uma série de elementos devem ser
considerados, sendo um dos mais importantes a situação espacial dos bens imobiliários a serem
transacionados. Esta passa a ser um importante elemento que integra o preço desses bens.
Discorrendo sobre o solo urbano, Paes Barreto (2012, p. 27) afirma que “é a localização do
terreno na estrutura urbana que vai definir as possibilidades de uso do imóvel. Portanto, o solo
urbano deve ser visto como elemento do processo de valorização do capital”.
Nos centros históricos, observa-se que os produtos ofertados são diversos e distintos.
Também são mais antigos em comparação com as edificações de outras áreas da cidade. Nota-
se então, uma competição entre os imóveis antigos e os novos, pensados de acordo com a
realidade contemporânea. Desse modo, os imóveis históricos acabam apresentando
desvantagens, já que se incorporam no mercado imobiliário passando por uma série de
depreciações e obsolescências. Estas são ocasionadas pelo consumo recorrente do bem
imobiliário, fazendo com que, com o tempo, o imóvel perca gradativamente seu valor. Por outro
lado, o valor da terra não sofre com as depreciações do tempo, podendo variar apenas de acordo
com as mudanças nas condições socioespaciais da cidade (JARAMILLO, 2009). Outro fator
que acaba desfavorecendo esses imóveis são as normas urbanísticas restritivas que incidem nos
centros históricos, diferentes das aplicadas em outras áreas. Apesar disso, seus imóveis são
favorecidos pela localização central, sendo as construções, muitas vezes, de qualidade,
duradouras, que apresentam materiais simples e espaços amplos, características que agregam
um conjunto de valores essenciais para a preservação da memória da cidade.
As características físicas dos bens são importantes para a análise do seu preço,
entretanto, não são os únicos fatores determinantes. Segundo Lacerda (1993, p. 37), “o valor,
seja da terra, seja do imóvel, depende largamente do investimento imaginário que os homens
lhes conferem e não unicamente de sua realidade física e material”. A existência de outros
fatores de feições mais simbólicas atrelados a esses bens, segundo a autora, acabam interferindo
nos preços praticados no mercado.
O Centro Histórico do Recife foi definido a partir das Zonas Especiais de Preservação
do Patrimônio Histórico (ZEPHs), contemplando, dessa forma, os bairros do Recife, Santo
Antônio e partes de São José e da Boa Vista, como já observado na Figura 2. A amostra
estatística foi de 337 endereços, de um universo de 11.549 endereços, existentes nesse Centro
Histórico em 2010 (CNEFE), sendo definida de maneira aleatória (Tabela 4). Importava saber
a partir desse estudo quais dos imóveis da amostra foram transacionados entre os anos de 2008
e 2013. Os dados revelaram que 49,86% (equivalente a 168 endereços) dos endereços foram
negociados nesse período. Desses 49,86%, 92% (equivalente a 154 endereços) referiam-se à
aluguel (Gráfico 2). Através da sistematização desses dados foi possível identificar a
predominância de um mercado de locação no CHR no período de 2008 a 2013. A partir da
análise da tabela, nota-se ainda uma predominância de endereços relativos a imóveis de uso
comercial ou de serviços, revelando a forte presença do mercado de locação referentes a esses
70
usos. Observa-se que, dos imóveis negociados nesse período, 63% (equivalente a 101
endereços) deles estavam sendo destinados a atividades de comércio e serviços (Gráfico 3).
Comprado
% 0,00 1,54 0,00 4,48 2,97
V. Abs. 0 8 2 61 71
Próprio há +7 anos
% 0,00 12,31 3,92 30,35 21,07
V. Abs. 0 5 2 23 30
Desocupado
% 0,00 2,49 3,92 11,44 8,90
V. Abs. 0 0 0 2 2
Cedido
% 0,00 0,00 0,00 1,00 0,59
V. Abs. 13 30 24 34 101
Alugado
% 65,00 46,15 47,06 16,92 29,97
COMÉRCIO/SERVIÇO
V. Abs. 0 1 0 3 4
Comprado
% 0,00 1,54 0,00 1,49 1,19
V. Abs. 0 13 15 17 45
Próprios há +7 anos
% 0,00 20,00 29,41 8,46 13,35
V. Abs. 6 5 4 4 19
Desocupado
% 30,00 2,49 7,84 1,99 5,64
V. Abs. 1 1 0 0 2
Cedido
% 5,00 0,50 0,00 0,00 0,59
V. Abs. 20 65 51 201 337
Total
% 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00
Fonte: Pesquisa de campo GEMFI/MICH, 2014.
Gráfico 2: Situação dos imóveis transacionados Gráfico 3: Uso dos imóveis transacionados no
no CHR, 2008-2014. CHR, 2008-2014.
Ademais, o mercado de locação não é o único presente no CHR. Apesar de não aparecer
com tanta notoriedade, a compra e venda de imóveis também ocorre, sendo esse mercado
essencial para descobrir como anda a dinâmica de determinadas áreas. Vale ressaltar que os
imóveis muitas vezes são comprados para que possam ser alugados a outras pessoas, por essa
razão pode-se identificar uma relação entre os mercados de compra e venda e o mercado de
locação, estando eles intimamente ligados. A partir disso, a análise dos dados do Imposto de
Transmissão de Bens Imóveis (ITBI) é importante para revelar indícios do dinamismo do
mercado imobiliário.
Tabela 5: Universo do Centro Histórico do Recife (CHR) x Transações de Compra e Venda – ITBI
Recife (2008 – 2013) [1]
Por outro lado, no bairro de São José, apesar de existir um mercado de compra e venda
de imóveis, este apresenta menor dinamismo quando comparado aos outros bairros do CHR
(LACERDA, N.; ANJOS, K.L.D., 2014). Os dados apresentados, portanto, comprovam a baixa
notoriedade desse submercado no bairro de São José. De acordo com as autoras, a relação entre
a quantidade de endereços existentes no bairro (na área incluída na ZEPH) e o total de
transações de compra realizadas foi de apenas 7,71% (equivalente a 197 endereços). Esse valor
reforça a importância das transações de aluguel na área.
Os dados apresentados, como visto, mostram uma situação distinta. Os bairros de Santo
Antônio e São José, apesar de estarem em situação de território contíguos, apresentam uma
dinâmica oposta em relação aos dados de compra e venda. Diante deste fato e para entender
melhor como esse mercado funciona, houve a necessidade de espacializar as informações
coletadas a partir do ITBI. Para isso, foram utilizados os dados das transações de compra e
venda de imóveis de uso comercial, foco do presente trabalho, durante o período de 2008 a
2013, período utilizado pelas autoras. É importante mencionar que a amostra gerada se refere
ao perímetro incluído no CHR e representa todas as transações realizadas nesse período. As
transações efetuadas nos bairros de Santo Antônio e São José podem ser, deste modo,
visualizadas na figura a seguir.
73
Figura 23: Imóveis comerciais transacionados mediante compra e venda (2008 – 2013).
Gráfico 4: Imóveis transacionados entre 2008 e 2014 na amostra do bairro de São José.
O bairro de São José também não apresentou um percentual muito significativo (6%) de
imóveis comprados. Esse fato evidencia que as compras de imóveis que foram observadas no
ITBI podem ter sido destinadas à locação e não ao uso exclusivo do proprietário. Ademais, os
dados apresentados indicam a falta de força do mercado de compra e venda nesses bairros,
seguindo a tendência encontrada no CHR.
6
É de conhecimento da autora que a amostra da pesquisa MICH não tem como objetivo analisar os dados de
forma desagregada, entretanto, para obter alguns indícios da atuação desses mercados nos bairros, foi
necessário aprofundar essa investigação.
75
a rotação do capital que ocorre no espaço, deste modo, sendo algumas vezes mais lucrativo
optar por certos usos em detrimento de outros.
Dessa forma, é isso que ocorre nos bairros de Santo Antônio e São José. Os usos dos
imóveis encontrados na amostra indicam a predominância de um uso sobre outro, também
seguindo o padrão encontrado no Centro Histórico do Recife. De acordo com os dados relativos
aos imóveis transacionados entre 2008 e 2014, 86% dos imóveis transacionados de Santo
Antônio e 94% dos de São José correspondiam a imóveis de uso comercial ou de serviços. A
situação encontrada revela que esta é a atividade predominante nessas áreas (Gráficos 5 e 6).
Gráficos 5 e 6: Uso dos imóveis transacionados entre 2008 e 2014 nas amostras dos bairros de Santo
Antônio e São José.
A partir desses dados, pode-se ter indícios de que o uso habitacional atualmente é
escasso nos dois bairros e vem reduzindo com o passar do tempo. Em Santo Antônio, a falta de
expressividade do uso habitacional revelada pelos dados dos Censos de 1991 e 2010 indica que
tal mercado praticamente inexiste (LACERDA, N.; ANJOS, K.L.D., 2014). São José, por outro
lado, ocupava uma posição de destaque junto ao bairro da Boa Vista pela quantidade de
domicílios, observados através desses Censos. Entretanto, a partir de informações obtidas
durante o estudo de iniciação científica, onde foram comparados dados do Cadastro Nacional
de Endereços para Fins Estatísticos (CNEFE) de 2010 e da pesquisa de campo de 2016, observa-
se que a situação mudou. Os resultados mostraram que dos 103 endereços classificados como
domicílios particulares permanentes, em 2010 (Figura 24), apenas 66 mantiveram seu uso em
2016 (Figura 25), o que corresponde a uma diminuição de 35,92% do número de domicílios
localizados no Setor de Preservação Rigorosa (SPR) do bairro de São José. Vale salientar ainda
que a maior parte dos imóveis que restaram eram de uso misto, sendo uma minoria abrigando
exclusivamente o uso habitacional. Esse fato demonstra que São José segue o mesmo caminho
do que ocorreu em Santo Antônio, sendo a evasão habitacional o traço comum entre eles.
76
Figura 24: Imóveis habitacionais no Setor de Preservação Rigorosa de São José (2010).
SANTO ANTÔNIO
SÃO JOSÉ
Figura 25: Imóveis habitacionais no Setor de Preservação Rigorosa de São José (2016).
SANTO ANTÔNIO
SÃO JOSÉ
Esse panorama sobre o mercado imobiliário no CHR foi essencial para a delimitação da
temática apresentada no presente trabalho. O intenso crescimento tanto do mercado de aluguel,
quanto das atividades comerciais nesse Centro e, particularmente, nos bairros mencionados
mostra a necessidade de um estudo mais aprofundado sobre os elementos que determinam tal
dinâmica.
O espaço urbano é composto por atores sociais que participam da dinâmica encontrada
na cidade. Assim como existem diversos atores participando no âmbito mais geral da
organização urbana, no mercado imobiliário pode-se encontrar atores mais específicos. No caso
do mercado de locação no Centro Histórico do Recife, os principais agentes que atuam são os
locadores e os inquilinos.
Um dos corretores da empresa se dispôs a mostrar alguns vestígios sobre os agentes que
procuram a empresa. No caso dos inquilinos, em sua maioria, são clientes com foco no mercado
comercial. Sobre os proprietários, há a presença de clientes com apenas um imóvel, muitos
imóveis – como por exemplo a Santa Casa de Misericórdia –, e até de pessoas que moram fora
78
do país. Ademais, ele também constatou que “o valor do imóvel comercial é diferente do valor
do imóvel residencial”, já que há uma série de taxas, licenças e o IPTU, que deixam o valor do
imóvel comercial cerca de 30% mais caro do que o residencial.
Quando perguntado sobre as áreas mais valorizadas do CHR, o entrevistado fez questão
de mencionar que, no caso do comércio, “cada rua tem um valor comercial, o termômetro é a
quantidade de pessoas que passam na rua”. Segundo ele, no caso do Bairro do Recife, a área
mais valorizada é o Marco Zero e seu entorno (os imóveis que estão a cerca de 500m dele). No
caso do bairro de São José, a área mais valorizada é o entorno do Mercado de São José (os
imóveis que estão a cerca de 1km dele ou até a Avenida Dantas Barreto). Apesar disso, é muito
complexo avaliar o preço de mercado de uma área, já que existem diversos fatores necessários
para seu entendimento. Alguns desses fatores foram citados pelo entrevistado, sendo os mais
importantes a localização do imóvel, seu estado de conservação, o valor sentimental agregado
a ele e o número de vagas de estacionamento.
Além desse primeiro contato com um dos locadores que atua na área e da identificação
de algumas características de seus clientes, foi possível ter indícios do perfil dos proprietários
dos imóveis do recorte de estudo a partir da análise do cadastro imobiliário do ano de 2000. Por
79
mais que sejam dados de 20007, o baixo número de transações de compra e venda constatado
anteriormente na área, mostra que a grande maioria dos proprietários continua a mesma. Dessa
forma, os resultados encontrados nos bairros de Santo Antônio e São José como um todo e os
observados dentro do recorte de estudo podem ser verificados abaixo (Tabela 6).
Tabela 6: Proprietários dos imóveis de Santo Antônio, São José e da área de estudo.
Pessoa Jurídica
Pessoa Física Ordens Órgãos Total
Bairros Religiosas Públicos Empresas Total
7
A Prefeitura do Recife não disponibilizou o atual Cadastro Imobiliário.
80
78,15
62,58
31,71
18,74
5,24
2,35
0,76
0,48
SÃO JOSÉ SANTO ANTÔNIO
No caso da área de estudo, que abriga trechos dos dois bairros, percebe-se também a
predominância das pessoas físicas, com quase 79% dos proprietários dos imóveis da área
estando nessa categoria (Gráfico 8). Dentre os 21% que corresponderam à categoria de pessoas
jurídicas, percebe-se que há mais empresas (14,41%), seguido pelas ordens religiosas (6,36%).
Estas ordens também apresentam um percentual de destaque, não muito inferior ao número de
empresas, mostrando a influência das instituições religiosas no recorte. Através de uma análise
desses dados, pode-se inferir que, por mais que a área abrigue uma grande quantidade de
imóveis comerciais e de serviços, não quer dizer que seus proprietários sejam empresas. Esses
valores comprovam que apenas uma pequena quantidade de empresas vê o local como próprio
para se estabelecer através da compra do imóvel, podendo ser mais vantajoso para elas a
negociação de aluguel.
Por outro lado, existem mais pessoas físicas que possuem imóveis, entretanto, através
dos dados apresentados relativos ao número de transações de aluguel nos dois bairros, percebe-
se que essas pessoas não se encontram na área. Ao invés disso, elas preferem, majoritariamente,
alugar os imóveis para comerciantes – os inquilinos –, como foi observado a partir da grande
quantidade do uso comercial encontrado na área. Esse fato dificultou o contato com tais
proprietários, entretanto, algumas dessas pessoas físicas proprietárias permanecem na área
como comerciantes.
Assim, para ter indícios mais aprofundados do perfil dos proprietários de imóveis
localizados no recorte, foram realizadas algumas entrevistas semiestruturadas com o auxílio de
um roteiro (Apêndice B). Através dessas entrevistas foi possível registrar as principais
impressões dos proprietários sobre o comércio, os imóveis da área e outros assuntos pertinentes
de acordo com a visão desses agentes. Os quatro proprietários entrevistados apresentam um
elemento em comum: são proprietários dos imóveis há bastante tempo, há pelo menos 30 anos.
Ademais, foi possível separá-los em dois grupos: o primeiro grupo com os proprietários que
também locavam imóveis na área para outras pessoas – que serão denominados proprietários
locadores – e o segundo com os proprietários que não tinham outros imóveis além do que
ocupavam, trabalhando nesses espaços – que serão denominados proprietários comerciantes.
Um dos proprietários do primeiro grupo era uma ordem religiosa, a Santa Casa de
Misericórdia. Em conversa com o Superintendente Geral, Fernando Luiz Costa, foi constatado
que a Santa Casa de Misericórdia é uma grande proprietária de imóveis na área, já que essa
quantidade é justificada pelas doações de imóveis para que o lucro fosse revertido em caridade.
Segundo ele, “o objetivo da doação desses imóveis é que atendam à assistência de pessoas”.
Por essa razão, a Santa Casa, como ordem religiosa, é atualmente uma das principais locadoras
da área, contando com 93 endereços alugados nos bairros de Santo Antônio e São José, segundo
informações do estudo realizado por Primavera (2017).
imóveis no centro, o proprietário foi muito enfático. Para ele, “não é difícil alugar esses imóveis,
pelo contrário”. Hoje a maioria dos imóveis que aluga é para estoque de mercadorias ou firmas.
Os agentes do segundo grupo, por outro lado, são pessoas físicas e possuem apenas um
imóvel na área, espaço onde realizam suas atividades comerciais. A obtenção desses imóveis
começou no século XX. Um dos entrevistados herdou a loja que pertencia a um parente e o
outro entrevistado começou seu comércio e adquiriu o imóvel sozinho. Nota-se a partir desse
caráter que tais proprietários entrevistados possuem uma certa ligação sentimental com seus
imóveis, bem como com a área que eles estão inseridos. É possível visualizar esse fato e a
importância da localização do imóvel a partir da fala de um dos proprietários comerciantes: “O
valor pra mim é muito diferente pois estou aqui há 107 anos. (A loja) Muda de ramo mas
permanece no mesmo lugar”.
Ademais, pelo tempo que se encontram na área, esses agentes conhecem muito bem as
particularidades e a dinâmica do comércio. Como a entrevista foi semiestruturada, existia uma
certa liberdade para que os proprietários falassem mais abertamente sobre assuntos que não
estavam necessariamente no roteiro. Dessa forma, os entrevistados que pertenciam ao grupo
dos proprietários comerciantes falaram um pouco sobre o comércio de antigamente. Um deles
mencionou que, na década de 1960, o comércio na área era muito valorizado. Segundo ele, que
trabalhava na época com 9 funcionários e hoje trabalha sozinho, “era uma loucura, era muito
movimento”. Outro entrevistado também comentou esse fato, falando que “em 1969 Recife
tinha muitas lojas, acabou-se tudo”. Ele ainda citou a quantidade de lojas que existiam na área,
muitas delas com nomes de famílias tradicionais, como por exemplo as lojas Nova Aurora,
Armazém do Povo, Lívio Lima, B. Asfora, Geraldo Araújo, Armazém Vitória, Fortunato Russo,
Casa Cardoso, Armazém Cardoso, Jurandir Pires, Armazém Nordeste, Dias Júnior, Armazém
Popular, dentre outras. Nota-se a partir dos relatos a grandiosidade do comércio praticado na
área assim como o caráter familiar e local dessas atividades.
Quanto aos imóveis, os quatro proprietários falaram sobre a conservação na área. O fato
de existir restrições e as reformas que fizeram para adequar o imóvel à realidade contemporânea
também foram mencionados. Foi possível perceber ainda que eles se orgulham dos resultados
que alcançaram a partir da reforma e manutenção do imóvel, entretanto muitas vezes não há
83
recursos para que essa manutenção seja realizada frequentemente. Segundo um dos
proprietários, “o prédio era acabado, escuro, reformulei todo. [...] Fiz essa reforma ‘na tora’,
porque era na parte interna. Na frente não pode mexer nada por causa da relação com a igreja.
Mas está tudo igual, não mexi em nada, o que eu mexi foram as portas”. Outro proprietário
mencionou o problema da manutenção dos imóveis do Centro Histórico: “o comércio daqui é
um comércio pobre, você tem que ajudar. A conservação é cara”. Para o superintendente da
Santa Casa “o grande problema é a recuperação dos imóveis”. Percebe-se um interesse por parte
desses proprietários em conservar seus imóveis, mas ao mesmo tempo pode-se observar que se
trata de um processo difícil para realizar atualmente sem apoio.
Dessa forma, o inquilino tem um papel essencial na atual dinâmica da área. Ele participa
do processo de negociação sendo o agente que ocupa um imóvel que não lhe pertence, mas paga
uma quantia pelo período de utilização. O primeiro contato com esses agentes foi presenciado
a partir da aplicação de questionários na área no ano de 2014 (Anexo B). Através dos
questionários foi possível conversar com esses inquilinos e obter alguns indícios sobre suas
impressões, relativas a assuntos pertinentes ao mercado imobiliário. Como já constatado
anteriormente, a grande maioria dos inquilinos da área são comerciantes, e através dos dados
obtidos pela pesquisa, nota-se que, tanto no bairro de São José quanto no bairro de Santo
Antônio, a maior parte dos inquilinos entrevistados aluga o mesmo imóvel há um período de
tempo de 11 a 20 anos, tempo considerável de negociação (Gráfico 9).
84
Gráfico 9: Período de aluguel do imóvel nos bairros de Santo Antônio e São José.
10
9
9
8 8
8
7
6
6
5
5
4
4
3 3 3
3
2
1 1
1
0
0
Até 1 ano De 2 a 5 anos De 6 a 10 anos De 11 a 20 Mais de 20 NR
anos anos
A partir desse fato, é possível perceber que um imóvel alugado por tanto tempo deve
satisfazer os inquilinos que nele se estabeleceram. Em relação à motivação que levou esses
inquilinos a alugar tais imóveis, percebe-se de acordo com as respostas o que já havia sido
enfatizado ao longo do estudo: que a proximidade de outros comércios e serviços e o grande
fluxo e acessibilidade de consumidores são os fatores mais considerados no momento da
negociação (Gráfico 10). O fato da área ser o centro urbano-comercial popular mais importante
do Recife e da região metropolitana, como observado anteriormente, é um fator considerável
para o estabelecimento desses inquilinos. Nas entrevistas, esse elemento foi ainda mais notável
no bairro de São José, que apresenta um caráter comercial mais forte e mais simbólico do
comércio popular do que em Santo Antônio.
85
Gráfico 10: Motivação em alugar imóveis no Centro da Cidade (inquilinos dos bairros de Santo
Antônio e São José).
12 11
10 10
10
8
8
6
4 4
4
2
2 1 1
0
0
Herança Proximidade de Grande Outra NR
outros comércios e fluxo/acessibilidade
serviços dos consumidores
Gráfico 11: Vontade de mudar o ponto para outra área da cidade (inquilinos dos bairros de Santo
Antônio e São José).
25 23
22
20
15
10
5 3
1 1 1
0
sim não NS/NR
Outro elemento importante identificado a partir do relato dos inquilinos foi que a
maioria das negociações se realizou diretamente com o proprietário do imóvel, não havendo
muito espaço para intermediários como corretores ou imobiliárias. Esse fato mostra que a
presença de corretores e imobiliárias na área não é tão significativa como em outras áreas da
cidade e que os proprietários participam ativamente das negociações, mesmo não se localizando
na área.
Gráfico 12: Responsável pela negociação do imóvel (bairros de Santo Antônio e São José).
20 19 19
18
16
14
12
10
8
6
4 3 3 3
2 2
2
0
0
Corretor Direto com o Imobiliária Outro
independente proprietário
Por fim, através de uma pergunta aberta, foi possível entender porque os entrevistados
preferem alugar o imóvel e não o comprar. Nota-se que a maioria das respostas demonstraram
que às vezes há um interesse em comprar, mas o proprietário não tem interesse em vender ou
os preços são muito altos para os inquilinos pagarem. Outras respostas que chamaram atenção
mencionavam que não vale a pena adquirir o imóvel por ser um investimento muito grande,
sendo o aluguel visto como um meio “para não ficar preso ao imóvel”, já que muitos acreditam
que ao comprar há muitas obrigações, impostos, além dos cuidados e manutenção dos edifícios.
Dessa forma, a partir desse primeiro contato pode-se obter alguns indícios do perfil dos
inquilinos. Eles já estão na área há um tempo considerável, não sendo inquilinos tão recentes,
as motivações que os levaram a alugar imóveis no centro tem relação com a densidade
econômica urbana, comercial e histórica da área, a qual tem uma profunda capacidade de manter
um fluxo convergente de capital e pessoas para o espaço em questão. Estar nesse espaço é um
privilégio locacional e, com razão, não há interesse por parte desses inquilinos de deixar a área.
Além disso, as negociações realizadas são feitas diretamente com o proprietário, mostrando a
estrita relação entre proprietários e inquilinos.
Ademais, a partir de recentes idas à área de estudo, realizadas em 2017, foi possível
identificar alguns elementos importantes em entrevistas realizadas com inquilinos (Apêndice
C). Através de um questionário semiestruturado foram apreendidas impressões sobre assuntos
mais específicos, de forma a abordar a visão desses inquilinos de modo mais qualitativo.
Outra questão abordada diz respeito à valorização ou não da unidade alugada de acordo
com a rua em que está inserida. As respostas para essa pergunta tinham um elemento em
comum: todas elas afirmavam que a rua, ou seja, a localização em determinada rua é um
importante fator que determina a valorização de um imóvel. Por outro lado, outros entrevistados
estabelecidos em ruas não tão bem localizadas citaram esse fato como prejudicial à valorização
da unidade, como podemos observar quando um dos inquilinos menciona: “A rua (Padre
Floriano) é escondida. Se fosse na Rua das Calçadas valorizava”. Outro entrevistado afirma que
88
a rua não é valorizada porque “é longe do circuito do comércio”. Outro fator observado na fala
dos entrevistados foi a especialização funcional por rua. Um dos entrevistados afirma que a rua
ajuda a valorizar a unidade já que “é uma rua especializada em tecidos. Setorização é bom”.
Outro entrevistado também mencionou que a valorização da rua se dava pela existência de um
“ponto comercial para atacados e tecidos”. Essa questão é importante para identificar que os
fatores que determinam a valorização no caso do comércio vão muito além do movimento e
fluxo de pessoas, entrando em questões de reconhecimento de uma setorização espacial e
histórica.
A partir desse ponto, a presença dos comerciantes chineses como inquilinos, e às vezes
proprietários, nos bairros Santo Antônio e São José pode ser observada atualmente, sendo
considerada uma importante peculiaridade do mercado imobiliário da área. A partir das visitas
e das entrevistas com os agentes da área, percebe-se como esse comércio vem crescendo e
ganhando notoriedade. Esses novos inquilinos passam a competir com os comerciantes locais,
tanto por causa dos produtos comercializados, que tem um preço de mercado muito inferior,
89
A partir desse relato e de outros que indicam uma mudança na dinâmica do mercado
imobiliário na área, ocasionado pela presença desses novos comerciantes, foi necessário
quantificar sua área de atuação. Desse modo, através de um primeiro estudo realizado por
SILVA, J. M. A. (2016), que contabilizou as lojas chinesas no ano de 2015 (Figura 26), foi
possível comparar os dados apresentados por ela com informações coletadas no ano de 2017
(Figura 27) no recorte de estudo. Vale salientar que essa quantificação foi realizada seguindo
os procedimentos metodológicos da autora, tendo como foco as lojas chinesas. Sendo assim, os
depósitos por eles ocupados não foram contabilizados, também pela dificuldade em sua
identificação.
90
Figura 26: Área de estudo: lotes ocupados por comércio chinês em 2015.
SANTO ANTÔNIO
SÃO JOSÉ
SANTO ANTÔNIO
SÃO JOSÉ
A partir desses dados foi possível perceber que a quantidade de lotes ocupados pelos
chineses no período de quase 2 anos sofreu um acréscimo. Em novembro de 2015 foram
identificados 115 lotes e em setembro de 2017 foram identificados 136 lotes ocupados por
comércio chinês. Por mais que não tenha sido um aumento tão significativo, percebe-se a partir
do mapeamento a expansão desses comerciantes para outras ruas. Ruas que quase não
abrigavam esse tipo de comércio como a Rua Vidal de Negreiros, a rua da Praia e a rua do
Livramento passam a apresentar uma maior concentração desse comércio. Nota-se que, mesmo
que alguns lotes, de 2015 a 2017, tenham deixado de ser lojas chinesas, outros foram surgindo
em novas áreas.
Para analisar de forma mais aprofundada a dinâmica do mercado no recorte espacial, foi
necessário observar melhor os preços ofertados na área. Para isso, a metodologia utilizada
92
SANTO ANTÔNIO
SÃO JOSÉ
A partir da espacialização das unidades ofertadas foi possível tirar algumas conclusões
quanto à localização desses imóveis. A maior parte deles se encontra no Setor de Preservação
Rigorosa (23), enquanto o Setor de Preservação Ambiental incorpora 8 dos imóveis ofertados.
Nota-se ainda que a maior parte das unidades está disposta nas quadras da extremidade sul,
94
próximos ao Forte das Cinco Pontas. Nota-se a partir da Figura 29, a ausência de anúncios de
aluguel no centro da área de estudo, locus de intenso comércio, em ruas como a das Calçadas e
no entorno do Mercado de São José. Outras vias, como as ruas do Livramento, Santa Rita e
Direita não apresentaram muitos imóveis disponíveis para aluguel. Por essa razão, pode-se
inferir que há uma dinâmica e uma demanda tão fortes nessas áreas que seus imóveis raramente
são desocupados, e quando desocupam não demoram muito tempo para serem alugados
novamente.
Os edifícios encontrados no recorte são diversos, mas sua grande maioria passou por
processos de transformação. A partir do sobrado ou da casa térrea original, diversos tipos
arquitetônicos foram criados com o passar dos anos, cada um atendendo a demanda, geralmente
do comércio, que neles se instalaram (NÓBREGA, 2013). O resultado dessa transformação são
vários tipos descaracterizados, muitos com alterações na fachada, nas esquadrias e na coberta.
Outros apresentando ainda uma junção interna de edificações para a expansão do ponto
comercial. Essas alterações acabam tornando ainda mais difícil o reconhecimento dessas
edificações como exemplares históricos.
SANTO ANTÔNIO
SÃO JOSÉ
Através desses imóveis encontrados na área, foi possível perceber uma diversidade de
unidades comerciais para aluguel (Figura 31). Enquanto haviam alguns casos em que a
edificação inteira estava disponível para aluguel, haviam outros casos em que partes desses
imóveis eram alugadas. Por essa razão, em alguns casos, há mais de um ponto comercial
identificado no mesmo lote. A partir disso, nota-se que dos 31 imóveis ofertados, 21
correspondiam ao aluguel do prédio inteiro, sendo que sua área variava de caso a caso, já que
alguns edifícios tinham 1 ou 2 pavimentos e outros 7, por exemplo. O restante dos imóveis
ofertados (10) correspondia ao aluguel de uma parte do edifício, podendo ser salas ou boxes,
localizadas no térreo ou nos pavimentos superiores. Dessa forma, há uma diversidade de tipos
de unidades comerciais disponíveis.
97
SANTO ANTÔNIO
SÃO JOSÉ
Outro fator observado, que diz respeito ao cuidado e à manutenção dos edifícios, foi o
estado de conservação8 destes. Importa ressaltar que a análise foi realizada levando em
consideração, prioritariamente, a conservação da parte externa do edifício. Os imóveis seriam
então divididos em três estados, conforme exemplificado nas figuras 32, 33 e 34: bom (Rua
Santa Cecília, 59), regular (Rua dos Pescadores, 62) e precário (Av. Dantas Barreto, 1079).
Em relação ao estado de conservação dos imóveis que abrigam essas unidades, foi
possível perceber que a maior parte deles apresentava um estado regular. Do total de imóveis,
8 apresentavam bom estado de conservação, 20 apresentavam um estado regular e 3 um estado
8
Para o levantamento do estado de conservação dos imóveis foram analisadas as imagens dispostas no
Apêndice D.
99
precário. Para melhor entendimento do contexto de localização desses imóveis, os dados foram
espacializados, podendo ser visualizados a seguir.
SANTO ANTÔNIO
SÃO JOSÉ
Nota-se, a partir das 31 unidades comerciais ofertadas, que a maior parte dos preços está
na faixa entre R$10,00 a R$20,00, sendo também significativa a faixa entre R$20,00 a R$30,00.
102
Juntas, essas duas faixas compreendem mais da metade do total de unidades, fato que indica
serem esses os preços predominantes no mercado de locação na área de estudo. Importa
ressaltar ainda que os imóveis que apresentaram os maiores preços de aluguel se localizavam
na rua São José do Ribamar e na rua das Águas Verdes.
Gráfico 14: Comparação das médias de preços/m² em ruas comerciais de outros bairros do Recife.
42,85
19,78 18,76
Observa-se que as ruas localizadas no centro histórico (Av. Marquês de Olinda e Av.
Manoel Borba) apresentam um preço por metro quadrado semelhante à faixa de preço mais
9
O levantamento em questão foi obtido através do acompanhamento de preços de aluguel dos imóveis
comerciais ofertados para aluguel em um site especializado, o ZAP Imóveis. Foram levados em consideração os
preços estimados em ruas dos bairros do Recife, São José e Boa Vista, no período entre outubro de 2016 e julho
de 2017.
10
É de conhecimento da autora que não se deve realizar uma comparação direta entre os preços dos imóveis do
CHR e de outros bairros pela diferença física entre seus bens. Entretanto, a inserção desse tipo de dado no
trabalho tem como objetivo apenas dar um indicativo da diferença do mercado no centro histórico e fora dele.
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encontrada no recorte de estudo, revelando uma certa equivalência entre os preços dos imóveis
do CHR. A média encontrada na Av. Conselheiro Aguiar, entretanto, mostra um preço acima
da média, mas justificado por estar atrelado à imóveis mais novos do que os encontrados nos
bairros históricos, dando apenas indícios dos preços dos imóveis ofertados fora do CHR.
A partir disso, como explicar os preços estimados dos imóveis ofertados no recorte de
estudo? Através de todas as considerações feitas ao longo do trabalho foi possível perceber
alguns fatores que se destacam em certos casos, e em outros nem tanto. Cada imóvel apresenta
peculiaridades e o responsável pela sua locação tentará ressaltar algumas dessas qualidades
através dos preços. Ao longo do estudo foi possível identificar fatores relacionados às
características do próprio imóvel e fatores relacionados às características da área em que eles
se inserem. A partir dessas duas situações foram identificados os elementos que serão
analisados adiante. Desse modo, para uma aproximação dessa análise, foi necessário realizar o
cruzamento de dados, tendo como objetivo entender o preço dos imóveis ofertados, ao menos
em alguns casos.
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Observa-se que as ruas que apresentam fluxos mais intensos não dispõem de muitas
unidades comerciais ofertadas para aluguel devido à grande demanda por imóveis em vias
movimentadas. Por essa razão e a partir da análise do levantamento é perceptível que há uma
relação entre a acessibilidade de consumidores e a formação dos preços. Observa-se através da
figura que as unidades ofertadas mais caras se localizam em ruas que apresentam fluxo mais
intenso, como as ruas Direita, de Santa Rita, das Águas Verdes e da Praia. Da mesma forma, as
ruas que apresentam menor circulação de pessoas – principalmente as ruas do sudoeste do
recorte e a rua do Rangel – são as que abrigam unidades mais baratas em comparação com os
outros imóveis da amostra.
Essa relação entre os fluxos e a construção dos preços na área de estudo já era esperada
a partir do momento que o objeto de estudo são os imóveis comerciais, que necessitam da
circulação de consumidores para que possam sobreviver no mercado. Outro indicativo esteve
presente tanto através das entrevistas com os inquilinos, quanto a partir da conversa com os
locadores dos imóveis da área. Através de uma das ligações realizadas, um dos locadores
afirmou que a escolha, não apenas de um imóvel, mas de um ‘ponto comercial’ é tudo. Segundo
ele, “é melhor pagar R$8.000,00 em uma rua movimentada do que R$2.000,00 em uma rua sem
fluxo", enfatizando, desta forma, a importância da localização para o retorno financeiro
esperado pelos comerciantes.
A partir dessa lógica, outro fator está diretamente relacionado a esse fluxo de
consumidores: o comércio especializado. Em algumas ruas, esse comércio é capaz de atrair
pessoas através de sua setorização, apresentando, deste modo, indícios de que também
influencia no mercado imobiliário da área. A seguir, a intercepção dos dados sobre
especialização por rua e preços das unidades.
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Observa-se que apenas algumas unidades foram ofertadas nessas ruas, revelando a
grande concorrência por espaço nessas vias. O levantamento apresentou unidades localizadas
nas ruas das Águas Verdes, de Santa Rita, Direita, da Praia, além da Praça Dom Vital. As duas
primeiras exibem explicitamente a concorrência relativa à sua setorização através de seus altos
preços, superiores a R$40,00 por metro quadrado, entretanto, a rua Direita, a rua da Praia e a
Praça Dom Vital apresentam a maior parte de suas unidades ofertadas com valores
mercadológicos não tão altos quanto nas ruas das Águas Verdes e de Santa Rita. Esse fato será
comentado mais adiante, com uma caracterização de outros elementos que vão justificar tais
valores em vias tão representativas do comércio na área.
A partir disso, nota-se a importância da localização dos bens dentro do recorte de estudo.
Todavia, para uma análise mais detalhada dos produtos ofertados deve-se analisar as
características físicas de cada unidade comercial. Desse modo, o primeiro ponto a ser discutido
é o estado de conservação do imóvel, mencionado através da entrevista com os agentes. A figura
a seguir mostra o cruzamento dos dados referentes ao estado de conservação do imóvel e ao
preço médio das unidades ofertadas por rua11.
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Vale mencionar que, nas unidades que possuíam acessos em duas ruas distintas, ambas as ruas foram
destacadas com o preço desta unidade. Essa situação foi encontrada em alguns edifícios de esquina e nas
galerias-passagem.
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Através da observação dos dados, percebe-se que os imóveis com estado de conservação
precário, apesar da péssima condição de manutenção, não são os que apresentam os preços mais
baixos. Os imóveis nesse estado de conservação se inserem na faixa de preço entre R$10,00 a
R$20,00 que, apesar de não ser um valor tão alto, é a faixa de preço que mais aparece no recorte
e em outras áreas do Centro Histórico. Por outro lado, os imóveis com um estado de
conservação bom se inseriam na faixa de preço entre R$20,00 a R$30,00 – com exceção do
imóvel da Rua São José do Ribamar, que apresentou um preço mais alto – indicando que há
uma relação entre o estado do imóvel e o preço. Entretanto, a partir dos dados referentes aos
imóveis precários e de entrevistas com os comerciantes da área, esse estado muitas vezes não é
um fator tão significativo.
Outro fator que surgiu, neste caso, através da fala de um dos proprietários, foi a
influência do ano de construção do imóvel na formação dos preços. Um dos locadores fez
questão de ressaltar que o imóvel que estava sendo ofertado era um dos mais novos daquela
região. Este fator, juntamente com sua boa localização, foi utilizado pelo locador como
justificativa para o alto preço desta unidade, localizada na Rua São José do Ribamar. A partir
disso, houve a necessidade de identificar se em outros imóveis, a questão do ano de construção
também seria relevante (Figura 41).
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Através da Figura 41, observa-se que, em muitos casos, os edifícios mais recentes (a
partir da segunda metade do século XX) apresentam preços mais altos do que os mais antigos.
Ressalta-se, entretanto, que nem todos os casos apresentam esse padrão, revelando apenas
indícios de que em alguns imóveis o preço é formado por uma série de fatores, dentre eles, o
ano de construção da edificação.
As ruas que apresentam uma alta concentração de imóveis mais recentes – no caso, as
ruas das Águas Verdes, São José do Ribamar e da Praia – destacam-se pela oscilação de preços,
sendo os imóveis das duas primeiras vias caracterizados por exibirem preços mais altos, ainda
que o imóvel mais novo do levantamento não se localize nas referentes ruas. Essa oscilação
pode ser justificada por diversos fatores, mas se concretiza, principalmente, pelo fato de, nas
ruas mencionadas e em seu entorno, a grande maioria dos imóveis ser mais antigo. Neste caso,
nota-se que quando comparados aos imóveis adjacentes, os bens ofertados nas ruas das Águas
Verdes e de São José do Ribamar, tornam-se produtos diferenciados e, por tal razão, apresentam
uma diferenciação de custo. Por outro lado, os imóveis da rua da Praia e os localizados em suas
proximidades, no geral, são mais recentes, uma vez que parte de seu território se encontra
localizado fora do Setor de Preservação Rigorosa (SPR). Esse fato possibilita entender a razão
pela qual os imóveis da rua da Praia não podem ser considerados produtos tão diferenciados
quanto os das demais ruas citadas, refletindo diretamente no preço.
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Figura 44: Unidade comercial (box) ofertada na Rua das Águas Verdes.
Deste modo, é possível entender melhor a lógica do mercado imobiliário na área a partir
dos temas e fatores expostos. Apesar de geralmente apresentar preços mais baixos do que em
outras áreas da cidade, o mercado imobiliário do recorte de estudo apresenta uma lógica
comercial equivalente a outras áreas, tendo em alguns casos preços aproximados ou superiores
a estes. O fato de existir todo um aparato voltado à implantação de atividades comerciais na
área faz com que esse uso seja ainda mais vantajoso, todavia, torna-se um problema à medida
que os bens da área são diferenciados e necessitam de um tratamento específico.
A partir do momento que o edifício passa a ser apenas mercadoria, outros valores
perdem sua importância. A inserção dos imóveis históricos da área de estudo no mercado
imobiliário vem comprometendo seu valor histórico. O imóvel se sobressai muito mais pelo seu
valor econômico, relacionado a sua localização e seu uso. Estes passam a ser mais importantes
do que outros fatores, como o tipo arquitetônico e a história do edifício. A partir do momento
em que os edifícios passam a ser vistos apenas como imóveis para uso comercial – como muitos
outros que vemos pela cidade – e não como patrimônio, o valor histórico vai sendo
comprometido pelas adaptações a esse uso. Entretanto, o tratamento desses bens em uma área
histórica é um processo complexo, devendo-se reconhecer os limites entre atuação e
conservação nesses espaços.
O que ocorre é que há uma linha tênue entre o uso e a falta de utilização do patrimônio.
Por um lado, a área apresenta a maior parte de seus imóveis ocupados, entretanto essa ocupação
do comércio em imóveis históricos muitas vezes acarreta em sua descaracterização, trazendo
danos irreversíveis ao patrimônio. Por outro lado, as práticas comerciais realizadas atualmente
nesse centro histórico, que se consolidaram no século XX e tiveram sua gênese a partir do
século XVII, levam a crer que deixar o imóvel sem as alterações necessárias para seu uso atual
desvalorizam o mesmo, que passa a renunciar o potencial comercial da área. Nota-se que os
imóveis que não conseguiram competir com o uso comercial passam por um processo de
obsolescência. Por essa razão, deve haver um equilíbrio entre a ação dos usos dispostos na área.
Nota-se que o estudo sobre o mercado imobiliário exige a verificação da relação entre
as características construtivas dos imóveis e do espaço onde se inserem. No caso do recorte
territorial em questão, vem ocorrendo uma depreciação física dos seus bens imobiliários.
Mesmo assim apresentam, além de um valor simbólico, um valor econômico ao se prestar para
a exploração de atividades notadamente comerciais ao gozar de uma excepcional centralidade.
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A partir da análise desses fatores relacionados com os preços ofertados, foi possível
observar como o conjunto de fatores, e não um fator isolado, é responsável pela determinação
dos preços. Nota-se ainda que o uso comercial apresenta maiores vantagens na área, por seus
imóveis se localizarem em uma área central e de fluxo intenso, sendo esta localização (fruto de
um tempo histórico longo em termos da produção da cidade do Recife) um dos fatores
principais para o entendimento do atual dinamismo do recorte.
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Considerações Finais
Através da formação histórica da área de estudo, pode-se entender a distinção dos bens
ofertados no mercado imobiliário, imóveis antigos e com tipologias próprias. Entretanto, a
inserção na economia globalizada ocasionou uma série de mudanças, principalmente nos
imóveis comerciais, uma vez que no mercado globalizado os espaços são cada vez mais
homogêneos, repercutindo nos imóveis e resultando em sua descaracterização. Através da
análise dos imóveis da área, foi possível observar esse fato já que a dinâmica mais comercial
acabou gerando alguns impactos em sua estrutura física. A adequação de alguns
estabelecimentos às necessidades contemporâneas trouxe mudanças aos edifícios. A alteração
das esquadrias, assim como dos revestimentos originais da fachada, são práticas muito
frequentes atualmente. Essas modificações em uma área de interesse histórico trazem novos
padrões construtivos, com a colocação de novos elementos nos edifícios, chegando até mesmo
a uma nova conformação tipológica na área. A geminação de lotes, o aumento do número de
pavimentos para a expansão dos pontos comerciais e a transformação de edifícios em galerias-
passagem, com pequenos boxes, são exemplos dessas modificações. Observa-se através da
pesquisa que há uma demanda cada vez maior por essas unidades de pequeno porte (salas e
boxes), demanda esta refletida nos preços.
Ademais, pressupõe-se por meio das entrevistas, que não vale a pena comprar imóveis
na área pela ausência de investimento do poder público – seja através de projetos ou
intervenções de requalificação urbana – e pela consequente falta de valorização do seu espaço
urbano. Diferentemente do que ocorre em outras áreas do CHR, como no bairro do Recife, na
área de estudo o que atrai os inquilinos é o potencial comercial.
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espacial do seu mercado imobiliário torna-se essencial para auxiliar na gestão do patrimônio,
herança símbolo da história e da memória da população recifense.
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Referências Bibliográficas
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Sílvio Mendes (org). Gestão do Patrimônio Integrado. Recife: Universidade Federal de
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e Métodos. (Org.). Conc. 1ed.Recife: Centro de Estudos Avançados da Conservação Integrada,
2012, v. 1, p. 44-54
LACERDA, N.; ANJOS, K.L.D. Primazia do mercado de locação nos bairros degradados
dos centros históricos das cidades brasileiras: o caso do Recife. In: XIII SEMINÁRIO
INTERNACIONAL RII Anais. Salvador: Red Iberoamericana de Investigadores sobre
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http://www.rii.sei.ba.gov.br/anais_xiii/gt2/gt2_norma.pdf>. Acesso em: 24 abril. 2017.
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LYNCH, K. A imagem da cidade. São Paulo: Martins Fontes, 1999.
MELLO, J. A. G. Tempo dos flamengos: influência da ocupação holandesa na vida e na
cultura do norte do Brasil. Rio de Janeiro: Topbooks, 2001.
Esta pesquisa tem finalidade estritamente acadêmica. Sua participação é voluntária, mas muito
importante para que os resultados sejam de boa qualidade. Todas as informações individuais
prestadas para esta pesquisa têm caráter confidencial e só serão utilizadas para fins estatísticos.
Entrevistado: Bairro: Cidade: UF:
Endereço: Email:
Entrevistador (a): Data: Nº Foto: _____
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1. Quando o(a) Sr.(a) começou a adquirir imóveis no centro da cidade? Como é sua
história no bairro?
2. O fato do seu imóvel estar localizado em uma área histórica valoriza ou desvaloriza o
mesmo?
3. Quais as ruas/áreas mais valorizadas?
4. O fato de estar localizado nessa rua interfere no preço?
5. Qual a influência da presença dos comerciantes chineses na área?
6. Conhece outros proprietários de imóveis nessa área?
7. Tem imóveis alugados nessa área da cidade?
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RUA DIREITA/ PRAÇA DOM VITAL, 60 RUA DOS PESCADORES, 25 RUA VIDAL DE NEGREIROS, 80
RUA DOS PESCADORES, 62 RUA SANTA RITA, 185 RUA DOS PESCADORES, 94
RUA SÃO JOSÉ DO RIBAMAR, 202 RUA DIREITA/RUA DAS ÁGUAS VERDES, 242 RUA DAS ÁGUAS VERDES, 859
AVENIDA DANTAS BARRETO/ RUA DO RANGEL, 119 RUA DO RANGEL/RUA DA PRAIA, 108
RUA SÃO JOÃO, 1113
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AVENIDA DANTAS BARRETO, 1063 AVENIDA DANTAS BARRETO, 1079 RUA DA PRAIA, 76
PRAÇA DAS CINCO PONTAS, 104 RUA DA PRAIA/ AV. NOSSA SENHORA DO CARMO, 2
RUA DO FORTE, SN
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