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Observação:
Prefácio
Apresentação 4
Aproximando do tema 10
1. Definindo saneamento 10
2. Antecedentes históricos 19
3. As primeiras explicações científicas 25
Parte I
As ações de saneamento e o setor saúde no Brasil 33
As primeiras organizações de saúde no Brasil - Colônia e Império 34
A organização dos serviços de saúde e a ação sobre o espaço urbano -
início século XX 36
A expansão nacional dos serviços das ações de saúde - décadas de 20 e 30 43
A Fundação Serviços de Saúde Pública - Fsesp 50
O Departamento Nacional de Endemias Rurais - DNERu 61
O declínio do setor saneamento no setor saúde - décadas de 70 e 80 66
As ações de saneamento no Sistema Único de Saúde 69
Parte II
O setor saneamento no Brasil 71
Introdução 72
Água vai! - O saneamento no Brasil colônia 75
Os primeiros serviços de saneamento - as concessões
privadas no Brasil Imperial 79
O Estado assume diretamente os serviços - fins do século XIX até
década de 40 88
Departamento Nacional de Obras de Saneamento (DNOS) 101
Autarquias - a busca da autonomia nos serviços
de saneamento - década de 50 109
O Plano de Financiamento de Serviços Municipais de Abastecimento
de Água 116
As sociedades de economia mista - década de 60 123
2
Apresentação
pelo setor saúde e as relações entre estes dois setores, na medida em que entendemos as
sua evolução histórica, procurando mostrar como o Estado se estruturou para atender à
dimensão de processo.
abastecimento de água, coleta e destino dos dejetos, drenagem, controle de vetores, etc. As
ações relativas a coleta, transporte e destino final do lixo e as de drenagem urbana, bem
como a organização desses serviços não foram abordadas, na medida em que essas ações
Para melhor situar o ‘estado da arte’ no século passado, fazemos uma rápida
nenhum trabalho que aborde o processo histórico das ações e das políticas de saneamento
de forma global, em sua dimensão nacional e ao longo de toda sua história. Os trabalhos
que existem sobre a história do saneamento, em geral, são oriundos dos serviços de
viés na análise, pois dão preferência à promoção, ao feito, ao realizado, mesmo quando se
pontos de vista contrários e as demandas não atendidas. Este viés privilegia uma história de
específicos, sem que haja no entanto, a dimensão da evolução histórica. A maioria desses
insuficiente para explicar o atual estágio alcançado no setor saneamento e suas relações
com a saúde pública. O Planasa não se explica em si mesmo. Há razões históricas bem
anteriores, que nos fazem compreender melhor esse plano. A literatura, porém, quase
sempre situa o Planasa como algo que surgiu a partir apenas da macro-política do pós-64,
história das instituições do setor e discutem o plano como se todas as suas variáveis, seja a
período militar. Havia no entanto, aspectos que já estavam presentes nas políticas do setor
estruturação.
geral, é feita nas Escolas de Saúde Pública, e mesmo assim, nas áreas que lidam com
corporativas.
para a prestação dos serviços de saneamento no Brasil, as etapas pelas quais passou e os
suas vivências e visões de mundo distintas, representam uma memória viva do saneamento
ações de saneamento, diz respeito às ações que foram desenvolvidas pelo setor saúde. Este
setor tem uma vasta produção acadêmica abordando sua evolução histórica e os
mortalidade por doenças infecto-parasitárias e até mesmo por doenças não infecciosas. No
explicações para tais razões não têm se pautado por uma análise histórica, o que
saneamento realizado por este setor sofreu transformações e perda de importância, dado o
seu caráter preventivo. Além disso, as diferentes concepções do processo saúde / doença,
passando por gestões autônomas dos municípios e diversos tipos de organizações estaduais
e federais. A organização administrativa dos serviços públicos de saneamento por sua vez,
estado, em todo o território nacional, ou mesmo uma região metropolitana, além daqueles
que atuaram nos estados de uma região do país e mesmo em uma bacia hidrográfica. As
serviços apenas construíam sistemas, outros só operavam, enquanto havia também aqueles
hegemonia exercida pelas classes dominantes através do Estado. No entanto, como política
setorial, tem peculiaridades próprias que devem ser conhecidas e que perpassam inclusive
as macro-políticas.
objeto do estudo, definindo o saneamento e a sua relação histórica com a saúde pública e a
partir daí, podermos discorrer sobre as diversas fases por que passou o setor, seguindo uma
ordem cronológica.
pessoas tiveram participações importantes, que é importante registrar, sem as quais este
produto não teria sido possível. E além das pessoas, a instituição que possibilitou esta
leituras exaustivas e críticas sempre pertinentes e pelo empenho e incentivo para esta
publicação, sem os quais não teria sido viabilizada. Ao Carlos Henrique de Melo, pelas
José Carlos de Melo, José Roberto do Rego Monteiro e Rodolfo Costa e Silva. Que com
pesquisa.
Aproximando do tema
1. Definindo saneamento
população, refletindo diretamente na qualidade de vida das pessoas. Interage assim, com as
saúde pública.
emprego, lazer, liberdade, acesso e posse da terra e acesso a serviços de saúde. Afirma
ainda que "o pleno exercício do direito à saúde implica em garantir: ... moradia higiênica e
Brasil, propondo a criação do Sistema Único de Saúde que teria dentre suas atribuições
Essa discussão, por sua vez, não era nova. A Conferência Mundial sobre
Cuidados Primários de Saúde, realizada pela OMS e Unicef em Alma Ata, em 1978,
definiu o saneamento como uma atenção primária à saúde, quando afirmou que "os
cuidados primários de saúde: incluem ... provisão adequada de água de boa qualidade e
nível individual ou coletivo - executadas pelo Estado - de uma forma bastante abrangente
interfaces com outros setores, mas na sua essência é parte das ações de saúde. A sua
subordinação administrativa varia de País para País e mesmo no Brasil, de estado para
estado. Pode estar ligado à área da saúde, interior, viação e obras, municipalidades,
(Cynamon, 1975). Atualmente, as principais áreas com as quais o saneamento tem uma
destacando-se como hegemônico o setor de viação e obras públicas ao qual vários órgãos
estiveram vinculados até a consolidação do setor saneamento a partir da década de 70, com
o Planasa. As ações implementadas pelos outros setores citados não tiveram muita
da época exata do surgimento deste termo é, a contada por Rodolfo Costa e Silva (1990:
muito restritos, e se tinha que estabelecer o que era ‘básico’ para interferir no ambiente e
obter os melhores resultados. Ficou estabelecido que o ‘básico’ era água potável e
disposição ordenada dos excrementos”. Esse autor refere que a expressão foi criada no
décadas de 70 e 80, essa expressão ganhou força, pois os financiamentos foram dirigidos
basicamente para água e esgotos, além de uma pequena parte para drenagem urbana.
Porém a partir de meados da década de 80, devido aos graves problemas sanitários e
ambientais das cidades brasileiras e às críticas mais contundentes que passaram a ser feitas
12
de barreiras interpostas entre sistemas e ambiente. Barreiras que são colocadas à saída de
Com o propósito de defender os Sistemas contra danos que lhe possam trazer elementos
nocivos do Ambiente" (1975: 03). No entanto, terão que ser observados, "além dos
esgotos, p.e.), pode não ocorrer a autodepuração natural em tempo hábil. Tornando-se
detalhes mínimos como: "posicionamento das torneiras das pias para se evitar que dêem
antes de seu uso, evitando danos à população; recontaminação das águas tratadas pelo mau
social mais elevado. Os riscos a que esta mesma população se expõe se devem à perda da
saneamento. Enquanto que a população carente mantém-se em contato com esses agentes,
adquirindo resistência natural. À medida em que ocorre um contato social entre ambas as
parcelas da população (escola, trabalho, lazer, etc.), a que estava supostamente protegida se
expõe com um risco e gravidades maiores. São citados casos como epidemias de hepatite
quando se leva água em quantidade e qualidade razoáveis. Por outro lado, há exemplos
como da esquistossomose e amebíase onde a prevalência não cai rapidamente, caso não se
São muitas as doenças que podem ser evitadas com medidas de saneamento.
formas de controle.
adequado dos esgotos estão dentre as medidas com maior impacto na redução nas taxas de
quadro 1).
(op.cit.) identifica estudos que mostram redução dos índices de morbidade por diarréias
variando de 40 a 76%.
para o trabalho.
16
Quadro 1
Classificação de Doenças Infecto-Parasitárias Cujos Mecanismos de Controle Estão Diretamente
Relacionados ao Saneamento
continua
17
Continuação
2. Antecedentes históricos
pois eles se mudavam de acordo com suas provisões de água e alimentos. A própria
natureza era responsável pela depuração de seus resíduos, não causando-lhes mal à saúde e
ao seu conforto.
dessa relação se dar de uma forma mais racional. A própria casa foi um instrumento de
saneamento, pois protegia o homem das intempéries e dos inimigos naturais. O avanço do
antiguidade, várias citações a esse respeito, muito embora bastante fragmentadas ao longo
da história. Entretanto, como em outras áreas do saber, foi no século passado que ocorreu
irrigação (na Mesopotâmia 4.000 a.C.); ao afastamento hidráulico dos excretas humanos
19
água e drenagem no Vale do Hindus, 3.200 a.C.). Estão registrados ainda o uso de tubos de
cobre em 2.750 a.C., no palácio real do faraó Cheóps e o uso do sulfato de alumínio para
clarificação da água pelos egípcios em 2.000 a.C. (Azevedo Netto, 1959 e 1984).
deve ter com a água para beber datam de 2.000 anos a.C. e aconselhavam guardar a água
em vasos de cobre, expô-la ao sol e filtrá-la através do carvão. Ou ainda, que "a água deve
ser purificada por meio de fervura ao fogo, ou aquecimento ao sol, ou mergulhando-se uma
barra de ferro aquecida, ou por meio de filtração através de arreia e cascalho grosso, e em
seguida resfriada" (Azevedo Netto, 1984 e Wolman, 1959: 93). Os egípcios, há pelo menos
1.500 anos a.C., já utilizavam a decantação como técnica para a purificação da água
(Mendiola, 1944; Sallovitz e Sallovitz, 1951; Nace, 1969 e Rondiere, 1971 apud Dal
Fabbro, 1984).
Azevedo Netto (1959 e 1984), cita ainda várias obras que merecem registro
história, como o do rio Kosr, para abastecimento de Ninive, com 48 Km de extensão (700
principal para esgotamento das águas servidas, ao longo de Tell-Asmar, nas proximidades
de Bagdá e a construção da cloaca máxima de Roma, conduto livre executado com pedras,
Fórum e que se tornou seu coletor tronco em 514 a.C., entre outros (Azevedo Neto, 1959).
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conduziam água através de perfurações em rocha para abastecer cidades e fortalezas, assim
bócio e o abastecimento de água e ainda em seus conselhos sobre o tratamento das águas
Ainda segundo Dal Fabbro (1984: 43), o legado cultural romano também no
Tarquínio, o Soberbo, no séc. VI a.C., no uso de drenos subterrâneos até hoje existentes
para secar os pântanos entre os Montes Palatino e Aventino, onde se construía o Fórum
(Leal, 1957 apud op. cit.). Esses canais, cujo coletor tronco era a famosa "cloaca máxima",
funcionavam ao mesmo tempo como drenos para as águas de infiltração e como coletores
para os esgotos, recebendo por aberturas nas vias públicas, chamadas "meatus", as
imundícies provenientes das habitações. Algumas casas tinham ramais indo ao canal e as
desde cedo a correlação existente entre essas regiões e certas doenças. O mais célebre
desses esforços dos governantes para drenagem de pântanos se deu nas Paludes Pontinas,
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ocupando 1.200 Km2, no século IV a.C., quando o Censor Appius Claudius, construiu
canais e diques para dessecá-las ao longo das 350 milhas da Via Appia. Esse pântano foi
alvo ainda de estudos de Leonardo da Vinci, preocupações dos papas Sixto V, Clemente
XIII e Pio VI, só tendo sido vencido totalmente em 1932 (Leal, 1957 apud op. cit.).
havia dizimado do Lácio populações inteiras, quando Varro no século I a.C., escreveu que
"talvez vivam nos lugares pantanosos pequenos animais que não possam ser percebidos
pelos olhos e penetram no corpo pela boca e pelas narinas e causam graves desordens"
paludismo. É nessa época que Catão, o Censor, fez freqüentes referências a esse binômio.
sua obra, Dos ares, águas e lugares, de 400 a.C., fez interessante descrição da caquexia
ferver a água para assegurar a saúde. Heródoto, Platão e Aristóteles apregoavam o uso da
água em abundância e de boa qualidade para manter a saúde dos aglomerados humanos
adutoras e distribuídas em fontes públicas e nas casas de banho. Roma chegou a ser
abastecida por um complexo de onze aquedutos, num total de 422 Km de extensão, tendo o
mais longo cerca de 91 Km. Nesse período, Roma contava com uma distribuição de água
humano.
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se deu de uma forma linear. Houve períodos de avanços, seguidos de outros de recuo.
Povos muito antigos como os hebreus, gregos, egípcios, astecas e romanos, possuíam
fazer parte do saber do povo, visto que os conhecimentos de engenharia eram restritos a
certos grupos, e por vezes de forma até clandestina (como por exemplo é a origem da
maçonaria), a dominação desses povos e a subjugação de sua elite cultural levou a períodos
de retrocesso.
nas grandes cidades da Europa, o que representa uma situação de calamidade (Menezes,
1984). Neste período houve um retrocesso enorme do ponto de vista sanitário, tanto no que
ainda que empírico e mesmo intuitivo, foi fortalecido no fim da idade média. Em 1388, foi
sentido de controlar a poluição dos rios que serviam ao abastecimento público. Em 1717,
Lancisi fez surgir, a noção de vetor, pois atribuía aos mosquitos o papel de transmitir a
rural para as cidades, levando ao surgimento de numerosos aglomerados urbanos, nos quais
de salubridade nas moradias, cuja ausência levou a ocorrência com freqüência, de inúmeras
epidemias.
Estas ações tinha como espaço o ambiente natural e o construído. Estas ações se deram no
explicação hegemônica sobre o processo saúde-doença era a teoria dos miasmas, segundo a
qual as doenças eram transmitidas pelos ares oriundos dos alagados e pântanos. A ação
Brasil, discutiam a teoria dos miasmas, dentre os quais podemos citar os de França (1850),
Guimarães (1856) e Freire (1866). Este último ao fazer uma revisão da literatura sobre a
Influência dos Pântanos sobre o Homem, apresenta uma visão histórica das principais
Média, a forma de contágio era concebida através dos astros. Sylvio de Le Bóe, atribuía
atribuía a estes mesmos vapores a capacidade de coagular o sangue. A outros autores, era
imputado a teoria segundo a qual as doenças seriam transmitidas através dos gases
exalados da putrefação dos líquidos animais e à Lancisi, a putrefação dos insetos. Bailly,
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rejeitou esta hipótese alegando observação na qual gafanhotos teriam diminuído a febre.
ares, enxofre, arsênico. Sua associação correta com os pântanos, era equivocada na
período de maior intervenção do Estado. Em 1823, ao ser nomeado para a Comissão Real
Inglesa, esse advogado foi encarregado de pesquisar as condições de aplicação da Lei dos
Pobres. Em 1846, publicou seu famoso trabalho The Sanitary Condition of the Laboring
pantanosas. A partir de então, o Estado passou a intervir no meio, nas cidades, seja através
controlar enfermidades.
realizado e escrito por John Snow em 1854, Sobre a Maneira de Transmissão do Cólera,
"marca o início de uma nova era na análise das condições de saúde e doença dos grupos
John Snow com este estudo combate a teoria dos miasmas como explicação para as
uma década à teoria dos germes formulada por Pasteur e em três décadas à identificação do
em 1854 e demonstrou que a maioria das vítimas haviam utilizado água de uma bomba da
Rua Broad (Snow, 1990 e McJunkin, 1986). E ainda, que a rede de esgotos adjacente ao
poço utilizado estava com vazamentos e que transportava as imundícies da casa em que
havia ocorrido o caso original de cólera. A partir daí, passou a investigar os casos ocorridos
de 1849 a 1854 e as redes de distribuição de água de Londres, que naquela época era
servida por mais de uma companhia particular. Constatou que a Cia. Southwark-Vauxhall
e a Lambeth, captavam suas águas no Tâmisa, poluído por esgotos. A descoberta de que a
Cia. Lambeth em 1852, havia mudado o local de captação, além de ter introduzido
instrumentos metodológicos pioneiros, "o arcabouço que corrobora sua hipótese, baseando-
Koch isolar o vibrião das águas do Rio Elba. Hamburgo e Altona se abasteciam com água
desse rio e eliminavam seus esgotos em vários pontos do mesmo. A água consumida em
Altona era captada à jusante de Hamburgo, sendo portanto, mais contaminada. Essa cidade,
utilizava água filtrada enquanto Hamburgo não realizava a filtração. Em poucas semanas,
8.000 mortes foram registradas em Hamburgo com uma taxa de mortalidade de 13,4 por
cada 1.000 habitantes, enquanto em Altona esta mesma taxa era de 2,3, sendo que, quase
1986).
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de transmissão das doenças. As ações de saneamento continuaram a ser uma medida eficaz
controle das doenças infecciosas, inclusive para o sucesso de suas empresas comerciais.
países da América Latina. A partir dessa perspectiva, em 1902 foi constituída a Oficina
trazendo na pauta de discussão dos chefes de Estado das Américas o controle das doenças
atribuiu para cada doença, um agente patógeno, fortalecendo uma preocupação voltada
descoberta dos mecanismos para controlá-las. Em fins do século XIX e princípios deste, as
enfermidades transmitidas pela água eram predominantes nos EUA e vários países
1986). Várias descobertas, ocorridas nesse período, contribuíram entre outras coisas, para
relevantes introduzidas a partir de então podem ser citadas (Azevedo Netto, 1984: 107):
um hiato muito longo em relação às suas descobertas na Europa, como o uso de estação de
tratamento de água, em Campos, com seis filtros de pressão, em 1880, e o uso de filtros
sanitária e saneamento do ambiente urbano" (Costa, 1986: 24 e 25). Segundo este autor, as
determinada por um único fator, ou seja, o agente patógeno. Esta teoria desviou as ações de
paciente, ou com o uso de substâncias químicas (biocidas) para o controle de vetores. Além
infecções. Dessa forma, essas teorias, apesar de levantar o tema do componente ambiental,
inseridos num contexto de welfare state. Estudos científicos que avaliem a eficácia das
surgimento de uma nova escola: a chamada epidemiologia social. Nos seus momentos
mais austeros, baseados em fortes princípios marxistas, essa corrente chegou a priorizar a
saúde, a discussão da história natural das doenças, iniciada pelo modelo multicausal, o
preventivas, coletivas.
interesses do setor privado muitas vezes definiu as prioridades do Estado, tanto a nível do
em garantir a exploração dos insumos extraídos da colônia. As cidades não tinham ainda
uma densidade capaz de propiciar grandes epidemias, o que vem a ocorrer em meados do
século passado.
cuidados com a limpeza da cidade predominou. O mecanismo mais eficaz de controle das
podendo-se afirmar mesmo, que as primeiras medidas sanitárias em nossas cidades foram
limpeza das ruas e casas, construção de canteiros e purificação do ar, medidas que
reproduziam o saber da época. No século XIX, as ações de saúde eram voltadas para o
espaço urbano, preocupadas com a boa circulação do ar e da água, para não serem
de D. João VI, com a criação de um cargo, que após várias transformações ocorridas,
Junta de Higiene Pública, que visava unificar os serviços sanitários do Império (Barreto,
Em 1886, foi realizada uma reforma para dar mais autonomia às repartições
de saúde. Foi efetivada a divisão dos serviços sanitários, na qual os terrestres ficaram
Saúde dos Portos. Ainda em 1886, foi instituído um Conselho Superior de Saúde Pública
(Barreto, 1945).
passa a ser dos estados, a quem cabia genericamente a administração pública local, ficando
acordos entre vários estados e a União, cabendo a esta a orientação técnica, a direção e a
contribuição com recursos financeiros. Esses acordos perduraram até a Revolução de 30,
grande parte dos serviços sanitários e foi extinta a Inspetoria Geral de Higiene1. Foram
criados órgãos distintos para a execução e administração dos serviços. Para executar, criou-
35
a Diretoria-Geral de Saúde Pública, que perduraria até 1920, quando seria transformada em
Departamento Nacional de Saúde pública, com uma ampliação das ações para todo o
território nacional.
1. Lei Nº 85 de 20.09.1892.
2. Decr. Nº 1.172 de 17.12.1892.
36
ocorreu no início deste século, com Oswaldo Cruz. O desenvolvimento das pesquisas no
outras, foram patrocinadas principalmente pelo Instituto Oswaldo Cruz, a partir de 1908
(Costa, 1986).
política social. A saúde passaria a ser definida como medicina das epidemias, na qual os
planalto paulista com o deslocamento da produção do café para esta região, o Rio de
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exploração de estradas de ferro, bondes urbanos, dos portos, dos sistemas de água e
condições básicas nas cidades portuárias, atuando contra enfermidades específicas (como a
peste, varíola e febre amarela) e intervindo sobre o espaço urbano e o dia-a-dia de seus
vigilância sobre os modos e usos da cidade (Costa, 1986). Data desse período inclusive, a
a atracar em seu porto, com repercursões para a economia do país. O Presidente Rodrigues
Alves então, concedeu plenos poderes a Oswaldo Cruz para que fizesse o que julgasse
Reforma Passos, pelo Prefeito do Distrito Federal Pereira Passos, na qual foram demolidas
diversas casas e cortiços para serem abertas avenidas, entre outras coisas, a fim de tornar a
exploração da força de trabalho. No Rio de Janeiro, dois outros motivos revelavam-se mais
importantes:
regulavam o comércio, etc. Criou também o serviço de turmas que percorriam as ruas da
domiciliares a todas as habitações, removendo tudo que fosse encontrado no seu interior e
grave problema sanitário e a febre amarela grassava na região. No início do século, foi
constituída a Comissão de Saneamento de Santos que, em 1905, tinha como chefe o ilustre
Saturnino, sendo reconhecida como sua maior obra, que entre outras coisas contou com a
saúde e saneamento. Blount (apud Costa, 1986) afirma que em meados da década de 1890,
o Estado de São Paulo criou o mais completo serviço de higiene e saúde pública no Brasil
- 1892: 46 %;
- 1896: 40 %;
40
- 1898: 28 %;
- 1901: 15 %;
- 1907: 20 %;
- 1910: 15 %;
- 1918: 15 % e
- 1920: 8 %.
Recife em janeiro de 1910, quando era Governador Herculano Bandeira. O Recife era
considerada no início deste século, a capital mais doentia do Brasil, onde mais se morria. E
São Paulo, Salvador e Rio de Janeiro, encontramos de 14 a 15 óbitos para cada mil
• esgotagem das matérias cloacais, das águas servidas e das águas de chuva;
que viviam nos mocambos e cortiços, Saturnino propõe um controle rigoroso sobre as
41
(1994: 112):
setor passaram por diversas fases ao longo da história. Inicialmente, foram desenvolvidas
Federal, com a reestruturação da Diretoria Geral de Saúde Pública, em 1904, quando foram
Sanitária. Oswaldo Cruz havia assumido a direção em 1903, cujo primeiro objetivo foi o
campanha de Oswaldo Cruz representou mais uma intervenção sobre o ambiente urbano,
dificultando ainda mais a moradia para os segmentos populares, visto que estas não se
com o intuito de controle da febre amarela, em 1903, com uma população de 738.549
ações de vigilância sanitária. O serviço de polícia sanitária marítimo foi expandido para
condições higiênicas, asseio, conservação e estado de saúde dos moradores. Além disso,
bueiros, etc. Nessa época foi instituída a notificação compulsória de várias doenças
transmissíveis.
custo de vida, agravada muitas vezes pela escassez de gêneros no mercado interno,
ganhava força também no meio médico-sanitarista, sobretudo a partir da denúncia feita por
interior do Brasil. Esta denúncia foi realizada a partir da divulgação em 1916, do relatório
da expedição científica do IOC à vários estados do Nordeste e a Goiás, sob a chefia dos
médicos Artur Neiva e Belisário Pena. Nesta época a proteção à saúde era exclusiva ao
meio urbano e no entanto, a maioria da população brasileira era rural. Em 1912, com o
Nordeste flagelado pela seca, a Inspetoria de Obras Contra as Secas (Iocs), patrocinou a
expedição para o Nordeste, cujo relatório foi publicado em 1916 e apresentou grande
no qual a defesa de um saneamento rural atuou como um dos canais mais importantes para
incorporação dos sertões a base de uma nova ordem social, onde caberia à ciência o papel
serviço, que deixou de ser subordinado à Diretoria Geral de Saúde Pública (DGSP),
qual a DGSP estava vinculada. O SPR tinha como objetivos controlar as três grandes
estados pois, constitucionalmente este nível de poder era o responsável pela saúde.
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desenvolvidas até então estiveram muito vinculadas ao controle da febre amarela e da peste
nas áreas urbanas, por suas sérias implicações econômicas. Com a criação do DNSP, as
profilaxia rural no Distrito Federal, nos estados e no território do Acre, o controle sobre a
reunia os intelectuais da área da saúde que haviam se articulado em torno da Liga Pró-
que viria a acontecer ainda mais quatro vezes nessa década. A SBH e os congressos por ela
segundo Costa (1986), como "uma verdadeira linha auxiliar" do DNSP, onde a presidência
os setores saúde e saneamento, comprovada através da análise dos Anais dos Congressos
Brasileiros de Higiene, que em sua primeira edição continha uma quantidade muito grande
CBH, dos 52 trabalhos apresentados, 27 eram relacionados a esses temas3. Nos congressos
CBH (1924), apenas 2 trabalhos referentes ao saneamento; no CBH seguinte, dois anos
Segundo Lima Sobrinho (1981), Costa (1986), Costa e Silva (1990) e Britto
Adotou-se já naquela década, uma nova postura influenciada pela formação de novos
3. Inclusive nesse Congresso, o grande Engº Saturnino de Brito, apresentou um de seus excelentes trabalhos, "Como melhorar o
systema de esgotos do Rio de Janeiro" (pag. 35).
4. Os Anais do IV e VIII CBH, não foram encontrados.
5. A realização deste último congresso ocorreu após a introdução desses agentes químicos (sobretudo DDT), que representaram uma
mudança na forma de atuar no processo saúde-doença, no qual a terapia foi reforçada em detrimento da profilaxia.
48
nos EUA (Lima Sobrinho, 1981). A nova postura assumida por estes sanitaristas supunha
que apenas com o aumento per capita dos recursos investidos no setor saúde, faria o Brasil
culturais. Essa linha de pensamento dominou o setor por muito tempo, tendo à frente o
Pois a Inspetoria de Esgotos desta cidade, criada em 1915, até então subordinada ao
Ministério da Indústria, Viação e Obras Públicas (Mivop), foi transferida para o Ministério
Saúde Pública. A função desse órgão era a de fiscalização da The Rio de Janeiro City
esgotos do Rio de Janeiro desde 1863. Enquanto a Repartição de Águas e Obras Públicas,
Porém seis anos depois, a IAE foi transferida do Mivop para o Ministério da
Educação e Saúde Pública (Mesp)8, recém criado - mas regulamentado apenas em 1934. A
IAE, ficou subordinada à Diretoria de Defesa Sanitária, onde estavam situadas as ações de
saúde pública (Barreto, 1945). Em 1937, a IAE muda de nome passando a se chamar
Mesp.
Diretoria dos Serviços Sanitários nos Estados. Na Diretoria de Defesa Sanitária, ficaram as
por vezes a chefiá-los. Até o início dos anos 40, o Departamento Nacional de Saúde (DNS)
(criado em 1937 em nova reformulação no setor saúde), teve ação direta em 19 estados da
federação.
sanitária pois, para Barros Barreto (1937), para a implantação de uma organização estadual
saúde no Distrito Federal, com a criação dos Centros de Saúde (CS), a partir da experiência
bem sucedida do primeiro Centro de Saúde em Inhaúma (Lima Sobrinho, 1981). Foram
criados 12 CS’s, espalhados nas diversas regiões do Rio de Janeiro, que englobaram os
através dos CS’s, que incluíam os Serviços de Saneamento e Polícia Sanitária (Fontenelle,
1937). Essas ações eram de caráter normativo, fiscalizador, mas já perdia sua capacidade
executiva.
remoção dos resíduos e dejetos e ao controle de moscas, ratos e mosquitos. Eram ações
(DOS), responsável pela saúde pública, a qual continha a Seção de Engenharia Sanitária.
Esta Seção tinha como alçada todas as ações de saneamento que não eram realizadas pelo
com competência para atuar em todo o território nacional. No entanto, foram bastante
limitadas, sobretudo do ponto de vista da construção de sistemas, pois não foi criada uma
serviço do Distrito Federal, mas ainda assim foram realizados inúmeros projetos para
nacional. Dois anos depois o Sfae foi transformado em Departamento de Água e Esgotos
inclusive a Rio de Janeiro City Improvements Company Limite., após 84 anos de concessão
afirma:
atuação a nível nacional não estava sendo possível naquele momento pelos encargos da
Ministro e não ao DNS, como poderia se esperar. O Sesp desenvolvia principalmente ações
introdução de cuidados primários, medidas de saneamento e educação para saúde não era
priorizada. No entanto, como veremos a seguir, sua introdução foi estratégica para
econômico.
(Sesp), foi criada em 1942 com o intuito de dar condições de salubridade a regiões
depois na Bacia do Rio Doce, com o objetivo de apenas atender aos interesses norte-
53
(FNS).
de sanear a Amazônia. No final de 1940, quando da visita de Vargas a esta região, decidiu-
Nacional de Saúde (DNS) / Ministério da Educação e Saúde (MES). Para tanto foi
instituída uma comissão para estudar sua implementação, chefiada por Barros Barreto. Os
seriam os órgãos responsáveis pela execução do plano, com os quais foram assinados
Água e Esgotos (Sfae), cujas atribuições foram ampliadas do Distrito Federal para todo o
Inspetorias de Engenharia Sanitária dos DES. O Sfae chegou a realizar 27 estudos nos
saneamento das Repúblicas Sul-americanas, que contaria com auxílio técnico e financeiro
estanho, quinino, fibras e outras matérias-primas, pelo bloco alemão, agravou ainda mais a
primas indispensáveis aos esforços de guerra, o que justificou a ação na Amazônia. Para a
serviço de cooperação com aquele país. O contrato, denominado de Convênio Básico, era
Saúde Pública (Sesp)14, criado em julho do mesmo ano como unidade administrativa
diretamente ao Ministro da Educação e Saúde. Esse contrato com vigência até 31.12.1943,
previa ainda que o Serviço deveria ser dirigido por um médico do IAIA (Bastos, 1993).
cooperação técnica com os EUA, entre 1942 / 1943. A política do IAIA se entrelaçava com
apenas restritos à guerra - tais como: cobre, estanho, zinco, tungstênio, chumbo, mercúrio
e outros, sisal, madeiras, nitrato, óleo vegetal, ferro, berilo, manganês, lã, couro, peles,
mosquito transmissor da malária, que havia sido introduzido nesta região15. Incorporaram-
se também ao Sesp, os que atuaram no combate à febre amarela nas regiões Norte,
15. O Serviço de Malária do Nordeste foi criado em outubro de 1938 pelo DNS e a partir de fevereiro de 1939, passou a contar com a
colaboração da Fundação Rockefeller. Em 30.06.1942, foi extinto o SMN, depois de erradicado o A. gambiae do Brasil (Barreto,
1943).
56
1. multiplicidade de objetivos;
16. Os demais Programas criados pelo Sesp, foram em 1943: Migração, que cuidava da população nordestina que imigrava para a
Amazônia para a extração da borracha; em 1949: Bahia, o do Nordeste, que incluía Pernambuco e Paraíba e o do São Francisco. Ainda
em 1949, é encerrado o do Vale do Rio Doce e em 1952, o do São Francisco.
17. Contrato assinado em 10.02.1943, Decreto. Nº 5.592, como previsto no acordo original.
57
fase inicial, que vai de 1942 a 1949, a fase nacional, de 1950 a 1960 e a fase atual, a partir
de sua transformação em fundação até meados da década de 70, período de seu estudo, mas
ações das organizações estaduais de saúde (BA, PE e PB). Foi a fase da diversificação de
Comissão Vale do Rio São Francisco, com subsídios de novos convênios entre os EUA e
(Pinheiro, 1992).
Sesp revela:
IAIA permitiu que o acordo dos EUA com o Brasil fosse mantido até 1960.
jurisprudência em todo o Brasil, passou oficialmente a ter caráter permanente, após quase
(Brasil, 1960)
devido a sua principal fonte de recursos ter passado a ser o orçamento do Ministério da
Saúde (MS), além dos convênios com órgãos de desenvolvimento regional e estadual. Não
contando mais com recursos externos, o governo brasileiro não tinha mais a obrigação das
prefeituras.
dos recursos orçamentários pelo MS, foram extintos vários convênios e acordos com os
inúmeros serviços.
Nacional de Obras de Saneamento, faria convergir para o DNOS a maior parte dos recursos
Desta forma, a Fsesp deixou de dar as diretrizes das políticas de saneamento no Brasil,
Fsesp, foi a disputa corporativa entre médicos e engenheiros no Ministério da Saúde, onde
Ministério do Interior, haviam seis representantes do MS, dos quais nenhum era
engenheiro. O aspecto corporativo parece ter sido relevante naquele momento, segundo
especialistas uma saída coletiva do setor de saneamento da Fsesp. Segundo Rodolfo Costa
61
e Silva20 , este grupo defendia a unificação de todo o saneamento básico a nível federal no
conseqüentemente o saneamento.
desenvolvidas por este órgão, coerente com sua própria gênese. Freitas et allii (1990),
Pernambuco, descreve uma ação conjunta de saúde e saneamento rural. Milanez (1958),
doenças, demonstra com gráficos a redução da mortalidade infantil após ações de saúde e
20. Entrevista concedida pelo Engenheiro Rodolfo J. da Costa e Silva, ex-engenheiro da Fsesp, em fevereiro de 1994, no Rio de
Janeiro.
62
saneamento do Sesp em algumas cidades no Brasil. Podemos citar ainda, Cynamon (1959),
que estabelece as condições epidemiológicas locais como base de prioridade para ações de
histórico e também a partir de uma concepção dos processos de saúde / doença. Contudo,
nem todas as ações desenvolvidas pela Fsesp se deram a partir do perfil epidemiológico,
1993):
• Melhoria da habitação;
• Saúde ocupacional;
• Emergências e calamidades;
• Controle de vetores;
(DNERu, 1962: 65). Sendo as ações desta Seção referentes a projetos e execução de
(DNERu, 1962).
entanto, origem mais remota no antigo Serviço Nacional de Malária (SNM)22. Neste
dragagens, etc.
Para se ter uma idéia das ações de saneamento desenvolvidas pelo SNM,
• Cursos d'
água retificados 12.856 m
• Aterro 1.984.710 m3
esgotamento sanitário nas cidades em que eram realizadas ações para o controle da
malária, foi dada prioridade a estas ações, em detrimento às realizadas para o controle
dessa endemia.
população não tinha sequer provimento de água para beber. Este aspecto levou a que esse
dos demais. Assim, foram construídos alguns sistemas no estado do Ceará e em outros
estados.
23. Entrevista concedida pelo Engenheiro Clarismundo Chapadeiro, ex-chefe da Seção de Engenharia Sanitária do DNERu, em julho
de 1993, no Rio de Janeiro.
66
Juscelino, convidou Chapadeiro para criar no DNERu, uma seção para desenvolver ações
de saneamento.
não mais utilizar medidas de saneamento. Parece ter havido uma transformação na forma
combate aos anofelinos. Esta opção reflete a forte pressão existente para o uso do DDT nos
programas de malária.
endêmicas, com o surgimento dos biocidas após a II Guerra Mundial - em que as ações de
combate à malária:
erradicação da malária, com uso exclusivo e maciço de DDT. O Gtem se constituiu num
Com a criação do DNERu, este órgão ficou com as ações mais executivas,
normativo. Este fato gerou conflitos com o DNS, que naturalmente perdeu poder com a
criação do DNERu como órgão paralelo (o que já havia ocorrido com a criação do Sesp).
sua Seção de Engenharia Sanitária não tinha estrutura suficiente para desenvolver todas
saneamento, acabava por desenvolver atividades que não estavam definidas dentro de suas
do inquérito realizado por Pellon / Teixeira, em 1949, no qual foi estudada a prevalência de
DNERu dentro da estrutura do órgão, que iam desde a falta de recursos financeiros à
maioria dos sistemas em pouco tempo tornavam-se ineficientes, diante da incapacidade dos
municípios em operá-los, visto que o DNERu não tinha estrutura para prestar-lhes
assistência técnica. Isto fazia com que apenas os sistemas menos complexos funcionassem
a partir do momento em que o BNH assumiu a coordenação das políticas para o setor
O DNERu teve uma atuação que buscava intervir de forma integrada entre
operacional.
empresarial adotado pelo BNH / Planasa, que atuava quase exclusivamente utilizando
recursos retornáveis do FGTS, e não mais com recursos retornáveis e, que não atuava em
não era articulado sistematicamente com a Sucam para controle de Endemias. A Fsesp teve
(Pece), conduzido pela Sucam a partir de 1978. Foram construídos alguns sistemas de
abastecimento de água e melhorias sanitárias, mas a principal ação era a construção das
órgão, continuava a se dar de forma estanque, por endemia, sem interação entre as ações
formulador da Política Nacional de Saúde, através do Decreto Nº 200 / 67, perdeu poder
• 1949 - 87%
• 1965 - 64%
• 1969 - 41%
• 1975 - 30%
• 1982 - 15%
apresentados acima.
ocorreu na gestão Francisco de Paula da Rocha Lagoa, no MS, onde houve a transferência
recém criada Divisão Nacional de Engenharia Sanitária do MS26. Tencionava com esta
medida, trazer para o MS a execução direta ou mesmo indireta das principais atividades de
engenharia sanitária. No entanto, com a saída do Ministro, a proposta não foi concretizada,
entre eles Joinville, Blumenau, Parnaíba, Ilhéus, Feira de Santana, Umuarama e Ponta
Grossa. Com este acordo, a Fsesp perdia não só a gestão dos Saae’s, como ficava
própria Fsesp, que teve sua atuação restrita às pequenas cidades e à área rural.
de destaque que havia alcançado, nos anos 50 e 60. Desse modo, o significado econômico
como órgão normatizador, pois até mesmo sua capacidade de órgão fiscalizador, através da
financeiros.
Rural - PNSR, todos com ações muito limitadas em saneamento. Este fato levou a um
73
• No art. 3º, afirma que "a saúde tem como fatores determinantes e
condicionantes, entre outros, a alimentação, a moradia, o saneamento
básico, o meio ambiente, ...";
básico devem estar integradas às ações de saúde, dado o seu caráter preventivo, devendo
recursos. Porém, no capítulo que trata do financiamento, determina que os recursos para as
75
ações de saneamento devem originar-se de outras fontes que não as do SUS. Condiciona,
na prática, a uma integração com os demais órgãos que atuam junto ao setor saneamento. O
Com relação às ações do Governo Federal nos anos 90, relacionando saúde
através da ex-Sucam e a partir de 1991 com a Fundação Nacional de Saúde (FNS), que
do Nordeste (Pcden). Este Programa basicamente também centrou-se no uso dos fármacos
chagas.
pela Escola Nacional de Saúde Pública e realizada por instituições de pesquisa nos estados,
que teve como conclusão, que apesar de ter havido redução nos patamares de prevalência
80% das localidades trabalhadas, prevalência menor que 5%. Os resultados ficaram longe
Solidária. São cerca de 900 municípios que poderão ter acesso a estes recursos. Do ponto
76
Ministério da Saúde também é uma ótima iniciativa. No entanto, em 1996, poucos recursos
SUS, inclusive no que se refere ao controle de endemias. O nível estadual está assumindo
executor das ações. Na medida em que a titularidade pelos serviços de saneamento é dos
municípios, abre-se espaço para que haja uma intervenção mais articulada do poder
1. Introdução
aos modelos de gestão adotados. Estas fases não tiveram, necessariamente, uma nítida
dos serviços e das políticas adotadas, mas com claros arranjos institucionais que as
dos serviços, não implicando necessariamente que a forma anterior deixou de existir, mas
que este novo mecanismo se insere como um novo paradigma para o setor.
Podemos identificar sete fases por que passou o setor saneamento brasileiro
era a quase ausência do Estado com relação às ações de saneamento. Neste período as
era incipiente, quase todo individual diretamente nos mananciais, e através de algumas
à iniciativa privada. Esta fase é iniciada em meados do século passado, se estendendo até
o início deste século. Neste período, os municípios ainda não estão consolidados
serviços prestados pela iniciativa privada. Esta experiência não obteve resultados
sistemas em diversas cidades, mas a população atendida se restringiu aos núcleos centrais.
79
pelas empresas privadas estava gerando grandes manifestações, levando à encampação das
mesmas, que ocorrem majoritariamente até o início dos anos 10. O Estado neste momento
já está mais apto a administrar diretamente seus próprios serviços, sendo constituídas
construção de diversos sistemas de água e esgotos no Brasil, assim como de diversas outras
único, são criados os serviços autônomos de água e esgotos pelo Serviço Especial de Saúde
Nesta fase foi criado também o primeiro mecanismo para financiamento do setor
60. As exigências para empréstimos efetuadas pelo BID e pela Sudene, além da criação do
sistema financeiro do saneamento, via BNH, foram determinantes nesta direção. Buscou-se
(Planasa), em 1971 e se estende até 1990. Sem dúvidas, um divisor de águas no setor, o
Planasa incorporou os valores que estavam se consolidando desde a década de 50, como a
serviços de água e esgotos na década de 90. Um aspecto relevante deste período também é
concessões privadas. Este último período tem como marco a primeira concessão completa
dos serviços de água e esgoto para uma empresa privada, no município de Limeira, em
1994. No entanto, esta fase não está consolidada. Aponta claramente para uma tendência
81
de ampliação das concessões, no entanto, ainda não está definida que forma, que amplitude
abastecimento de água e locais para destino dos resíduos, viabilizava a solução individual
transporte manual ou em lombo de animais, nos córregos ou rios mais próximos, nas
fontes, ou ainda, em poços escavados. Naquela época, a distância das residências às fontes
não eram intransponíveis nas áreas urbanas mas, à medida que as cidades iam crescendo,
As águas servidas eram lançadas nas ruas, assim como o lixo. Não haviam
banheiros nas residências mas, geralmente, um quarto nos fundos das casas, chamados de
quarto das bilhas ou quarto dos potes, onde se localizavam os tonéis ou barris destinados
Rio de Janeiro - chegaram a emitir atos obrigando as pessoas a gritarem a expressão água
83
vai!, antes de lançarem os dejetos pela janela para não atingirem aos desavisados (Silva,
1988b)! Este fato mostra bem a noção de higiene vigente naquele período.
transporte das imundícies das casas através de barris carregados sobre a cabeça, para jogá-
las no mar ou em local ermo. Estes escravos eram chamados de tigres. Em outros casos,
havia serviços informais ou pessoas pagas para fazer o transporte dos dejetos (Silva,
1988b). Portanto, os que nada tinham, se desfaziam dos resíduos nas proximidades de suas
moradias, estando mais sujeitos a riscos. Com relação aos trabalhos dos tigres, Freitas
distantes até pontos que permitissem o acesso da população à água. Então foram
construídos aquedutos com a distribuição em chafarizes públicos nas regiões mais centrais
sanitária no Brasil datam do século XVII, não foram realizadas pela Coroa portuguesa e
de água atribuição exclusiva de cada vila. Nas atividades econômicas cuja produção
necessitava água, como no caso do açúcar, era criada infra-estrutura específica, como por
Brasil, 1991).
atual Largo da Carioca. Nessa mesma cidade, foram construídos vários outros chafarizes
até a construção de rede para abastecimento domiciliar. Esta obra foi autorizada pela
garantir o abastecimento de água aos cidadãos (Silva, 1988a e Azevedo Netto, 1984 e
1986).
1744. A obra foi realizada pelos franciscanos, com financiamento parcial através de
convento e outro externo para o público (Sabesp, 1988). Vários chafarizes foram
1800, havia cerca de 16 chafarizes, número bastante significativo para o tamanho da cidade
construção de duas fontes em 1779, a partir de decisão da Câmara Municipal. Até meados
vereadores. Neste período, não havia prefeitos e sim intendentes municipais nomeados
municípios eram mal delimitadas, fazendo com que estes ficassem submetidos ao papel de
Nessas, a autoridade maior era o juiz de fora, sendo os juízes ordinários e vereadores (de 3
ilustra bem a situação, no último quartel do século XVIII, revelando seu poder sobre a
domiciliar, a água era levada dos chafarizes ou diretamente dos mananciais para as casas,
em potes, cântaros e barricas, carregadas pelos escravos. E ainda era vendida em pipas
supriam suas necessidades sem empreender muito esforço, visto que os chafarizes eram
construídos nas regiões centrais, além do que os escravos faziam o transporte ou mesmo
comprava-se a água dos pipeiros na porta de casa. A população mais carente, a medida em
que cresciam as cidades, tinha que empreender deslocamentos cada vez maiores para se
abastecer, seja por falta de chafarizes próximos ou porque a água destes, em alguns casos
do século XIX, é que começaram a ser constituídos os primeiros serviços para a adução e
abastecimento de água como serviço público foi a lei aprovada pela Assembléia
explorou esses serviços até 1904, quando foi encampada pela Intendência Municipal
(Dacach, 1990).
pessoas que formassem uma companhia. Como podemos atestar em Menezes et allii (1991:
14-16):
1. Lei Nº 48 de 14.06.1837.
88
A iniciativa vem ser dos senhores Bento José Fernandes Barros, Manoel
Coelho Cintra e Francisco Sérgio de Mattos.
Garantia-se com tais chafarizes uma água potável, isenta de prejuízos para a
saúde do usuário.
transferido o manancial para o riacho Prata, no qual foi construído um açude, localizado
89
em Dois Irmãos, e que ainda hoje é utilizado como manancial de abastecimento público
pela Compesa.
manancial do Açude do Prata, adução por gravidade e distribuição em doze chafarizes, nos
serviços foram autorizadas pelas Assembléias Legislativas Provinciais e não pelo poder
local, visto que estes permaneciam tutelados pelas Províncias, cujos presidentes eram
cidades e vilas, às quais competia a administração do governo municipal (art. 167). A Lei
Independência".
90
(Faoro, 1976).
distribuição domiciliar:
para água, quanto para esgotos. "Em todos os países o abastecimento de água e serviços de
sistema de esgotos moderno, em 1864. Londres, em 1815, foi a primeira cidade a coletar
seus esgotos, quando foi permitida a destinação das imundícies domésticas na rede de
esgotos de Paris foram planejados e iniciados em 1824, mas só com a construção do grande
coletor de Asniers, iniciado em 1857, foi que a rede começou a receber as fezes, o que só
veio a ocorrer em 1880. Outras cidades que tiveram redes de esgotos no século passado:
Hamburgo (1842), Providência (1869), Berlim (1874), Filadélfia (1875), Buenos Aires
(1877), Roma (1879), Viena (1883), Marselha (1891) e Nápoles (1983) (Telles, 1984 e
bastante com a utilização da tubulação de ferro fundido, que foi empregada pela primeira
vez no Brasil, no Rio de Janeiro, em 18763. Podemos citar algumas cidades cujos sistemas
de água por distribuição domiciliar foram implantados no século passado: Paris (1854),
Santos (1870), Montevidéu (1871), Bogotá (1888) e Amsterdam (1896) (Azevedo Netto,
1993).
Cavalcanti (1987: 104), "os sistemas e serviços de saneamento no Brasil emergem como
dos transportes urbanos. O saneamento reflete nesta fase o avanço da divisão do trabalho
trabalho assalariado.
agrário (para produção de alimentos exportáveis e alimentos para consumo interno) e seu
105).
92
principalmente as inglesas.
Vários fatores contribuíram para opção por essa forma de gestão adotada.
Um fator relevante era a incipiência do aparelho estatal naquela época. Os governos das
no Brasil, bem como viabilizar o crescimento dos centros urbanos, cuja densidade
pelo Estado à iniciativa privada no Brasil diz respeito às estradas de ferro. Foi em 1835,
uma ou mais companhias que fizessem estradas de ferro, do Rio de Janeiro para Minas
Gerais, Rio Grande do Sul e Bahia" (apud Cavalcanti, 1987: 185). Esse instrumento legal
3. Essa tubulação já havia sido utilizada na França, no Palácio de Versalhes em 1664, e introduzida na Inglaterra desde 1746.
4. Decr. Nº 100 de 31.10.1835.
93
viabilizou a construção das primeiras estradas de ferro no Brasil: Rio-São Paulo (1840),
concessões de diversos serviços de infra-estrutura urbana como água, esgotos, luz, bondes,
telefones, etc. Exemplos desses serviços foram as concessões de energia, a Light & Power
e a Bond & Share; em telefonia, a ITT; em ferrovia, a São Paulo Railway, a Great Western
de São Luís, a Draynage Company do Recife, a City do Rio de Janeiro, etc., todas de
Segundo Rodolfo Costa e Silva (1990: 12), "os ingleses não construíram
esses sistemas porque queriam fazer saneamento. Os ingleses precisavam se apoiar para
esgoto das águas pluviais, com João Frederico Russel ou qualquer outro"6. No entanto, não
foi assinado contrato naquele momento. Dois anos depois, forçados pela epidemia de
cólera iniciada em 1855, o projeto foi retomado. Neste mesmo ano foi realizada
1857, foi então assinado contrato com Russel e outro sócio para a execução da rede de
obras até que, em maio de 1863, transferiram o contrato para a The Rio de Janeiro City
suas primeiras obras inauguradas em 1864, adotando o sistema misto inglês7. Essa
concessão durou até 1947, tendo sido a mais duradoura concessão à iniciativa privada de
da cidade e ao fato do sistema ser o ‘misto inglês’, que drenava parte da vazão pluvial,
tenha ocorrido o inverso. Foi contratado o Engº Antônio Gabrielli para a construção da
rede de distribuição, concluída em 1878, e que contava com 8.334 prédios ligados à rede -
6. Observe-se a peculiaridade da lei em indicar nominalmente a quem o poder público deveria contratar para realizar os serviços.
Além disso, é importante assinalar que esses indivíduos assumiram os contratos "pro forme", pois ao que nos foi possível perceber,
objetivavam realmente repassá-los às companhias estrangeiras, atuando na verdade como ‘testas-de-ferro’.
7. Na era moderna, as galerias de águas pluviais precederam as redes de esgotos sanitários. Como conseqüência do incremento no
consumo de água, passou a ser sentida a necessidade de se coletar e afastar os dejetos. Londres já contava com galerias de água
pluviais no final do século XVIII. Segundo Azevedo Netto (1959), os sistemas dinâmicos somente puderam surgir após a invenção da
bacia sanitária, em 1778, na Inglaterra. Poucos anos após, em 1815, autorizava-se em Londres o despejo dos efluentes domésticos nas
galerias de águas pluviais. A primeira rede de esgotos sanitários foi construída pelos ingleses em meados do século passado, em 1848.
Dessa forma surgiu pela primeira vez o sistema unitário de esgotamento, e em pouco tempo esta concepção se espalhou pelo mundo
civilizado. Ainda segundo Azevedo Netto (1983), as características das cidades que adotaram o sistema unitário, eram o baixo índice
pluviométrico e o nível econômico elevado.
No Brasil os ingleses fizeram uma adaptação, devidos aos elevados custos que teria este sistema e a impossibilidade do repasse às
tarifas para os usuários. Foi então implantado o sistema separador parcial ou misto inglês. A concepção do sistema separador absoluto
ocorreu nos EUA, na cidade de Memphis, em 1879, que naquela época era uma cidade pobre. No Brasil, Saturnino de Brito teve
grande influência para a adoção do sistema separador absoluto, quando foi contratado pelo governo de São Paulo para estudar os
esgotos de Santos em 1905. A capital paulista utilizou o separador parcial até 1912, quando passou a substituí-lo pelo separador
absoluto (Azevedo Netto, 1983).
95
em 1878, pela concessionária inglesa Companhia Cantareira. Esta Companhia também era
responsável pelo sistema de esgotos de São Paulo, que só a partir de 1883 passou a contar
Recife foi a segunda cidade do país a contar com uma rede de esgotos
Company, constituída em 1870. A rede de esgotos só foi implantada em área muito restrita
e além disso, estavam previstos serviços de limpeza urbana, que não foram efetivados. Em
abastecimento que antes era temporário passou a ser permanente, mas em 1884, atendia a
apenas 500 prédios para uma população de 120 mil habitantes (Cosanpa, 1984).
geral, restrita à parte central das cidades, área em que o retorno financeiro seria mais
dos ingleses pelos serviços de infra-estrutura urbana indicava uma nítida concepção da
e não como direito do indivíduo. Segundo Costa e Silva (1990), onde havia
geral.
reclamações eram muitas, havendo constantes reivindicações para o aumento da oferta dos
se pelos demais setores. A mudança no modelo de gestão foi fruto de um processo social,
foi a instância que realizou as concessões, pois os municípios naquela época não tinham
investimentos a serem realizados pelas empresas privadas, devido aos prazos de concessão.
definiam que ao seu término o patrimônio seria incorporado ao concedente sem ônus.
98
iniciativa privada até o final do século passado foi considerável. Mas na virada do século, o
número de cidades com redes de água e redes de esgotos era ainda muito pequeno, como se
Ano Cidades com rede de água Cidades com rede de esgotos
1900 57 16
1910 186 48
Neste mesmo período, pelo menos duas capitais de estado, Paraíba (atual
estado de São Paulo, em 1903, haviam 25 cidades com redes de água em operação, quatro
Brito, que atuou no saneamento brasileiro de 1893 a 1929, quando veio a falecer.
99
contribuições neste campo estavam sendo implementadas por engenheiros ingleses. Era um
que se pode chamar de uma escola nacional de Engenharia Sanitária, com a invenção de
projetos pioneiros.
críticas quanto aos serviços prestados por essa empresa. Saturnino aliás, se posicionava
discurso de 1913:
concessão dos serviços de saneamento a empresas privadas. Para Baeta Neves, águas e
esgotos deveriam ser municipais, pois o lucro não era compatível com os aspectos
que a concessão só deveria ser feita a empresas particulares, quando as cidades não
sistema unitário e misto inglês como era hábito utilizar. Quando foi contratado pelo
Governo paulista para estudar o saneamento de Santos, Saturnino optou pelo sistema
separador absoluto como sendo o mais adequado para os nossos índices pluviométricos e
para nossa realidade econômica. Seu posicionamento foi decisivo para a mudança na
9 O sistema separador absoluto consiste em redes exlusivas para o esgoto sanitário e outras para águas pluviais. O unitário, em uma
única rede para esgotos e para águas pluviais. E o misto inglês, em uma rede para o esgoto e as águas pluviais dos terrenos
domiciliares e outra rede para as águas pluviais das demais áreas.
101
Uma outra polêmica travada por Saturnino de Brito foi em relação à teoria
das bacias protegidas e a do tratamento físico e químico da água potável. Como podemos
Uma das características deste período foi a execução das obras sempre em
caráter emergencial. Não havia planejamento adequado, nem recursos disponíveis nos
onde já criticava esta situação. Ele queixava-se das mazelas da realidade brasileira,
insistindo para que "as obras sejam executadas segundo programas bem estabelecidos, sem
adiar iniciativas necessárias, não proceder a estudos completos, até chegarem a ser
consideradas ‘de emergência’, para inauguração a curto prazo, sendo mal estudadas e
10. Inclusive a primeira estação de tratamento de água que utilizou tratamento químico no Brasil foi construída sob orientação de
Saturnino de Brito, em Recife, em 1919.
102
autonomia financeira, houve grande avanço da Engenharia Sanitária brasileira. Entre 1890
10 vezes no número de cidades com abastecimento de água, num processo marcado pelo
como se deu a encampação dos serviços de saneamento variou no tempo, de acordo com o
passado e início deste (Caldeira, 1977). Algumas concessões continuaram até meados do
desses serviços como tendo se desenvolvido em torno dos anos 30. Esse autor considera
Mundial, entre 1914 e 1918. Explicou que "as relações de comércio entre as economias
capitalistas sofreram sérias modificações. Refletindo sobretudo na elevação dos preços dos
104
insatisfação com a prestação dos serviços de transportes, energia elétrica, saneamento, etc".
cedo, Caldeira (1977: 13) afirma que "foram criadas no fim do século XIX e início do
1891 não delimitava com clareza a competência do município quanto aos serviços
públicos, apenas refere-se que a organização dos estados deve assegurar "a autonomia dos
período.
1893, após a encampação da Cia. Cantareira em 189212, foi o primeiro serviço público a se
constituir no Estado de São Paulo (Costa e Silva, 1990). A RAE, segundo Caldeira (1977),
foi assumida pelo estado, em virtude da municipalidade não dispor de recursos para
Company, que funcionou a partir de 1899, sem quase nada fazer, sendo extinta em 1906.
Posteriormente foi criado por orientação de Saturnino de Brito - que havia projetado o
Draynage Company também houve a encampação no início do século. Freitas (1925: 141),
saneamento do Recife desde 1910, e que era contrário a este tipo de serviço ser prestado
pela iniciativa privada, envidou esforços no sentido da criação de um órgão público para a
12. O Governo do Estado de São Paulo foi autorizado pela Lei Nº 62 de 17.08.1892 a rescindir contrato com a Cia. Cantareira. E criou
através do Decreto Nº 152-A de 31.01.1893 a RAE (Pegoraro, 1986).
106
prestação dos serviços. Assim, a Recife Draynage Company, criada em 1873, foi extinta
águas à iniciativa privada, apenas contratadas as obras para a construção dos sistemas,
sendo estes administrados por sucessivas repartições de obras públicas. Em 1910, foi
pela City desde 1863, continuaram até 1947 com esta concessionária. Porém, com a
redução gradativa da abrangência dos serviços prestados pela City, em 1934, o Serviço de
Águas e Esgotos (SAE) da Capital Federal foi autorizado a construir rede coletora nas
Outra concessionária que teve vida longa foi a City of Santos, que assumiu
bondes e gás, desde 1889, permanecendo com a concessão até 1953, isto é, por mais de 55
pelos municípios. Algumas exceções, por exemplo podem ser citadas como Porto Alegre,
onde o serviço era municipal e Rio de Janeiro, que por ser capital federal, o serviço
A década de 30, segundo Caldeira (1977: 13), "trouxe para alguns estados,
Estado de São Paulo (DM), responsável por ações de saneamento no interior do estado.
Uma característica deste órgão foi a de apenas construir os sistemas, repassando-os para a
administração municipal.
variação muito grande neste período. Existiam serviços estaduais que apenas atuavam em
responsáveis pela ação no interior, como a Divisão de Organização Sanitária (DOS). Este
órgão tinha sob sua administração três serviços na Baixada Santista que atuavam em mais
Santos e os Serviços Públicos do Guarujá, que atuava tanto em água como em esgotos em
Guarujá e Vicente de Carvalho. No estado de São Paulo, até a primeira metade do século,
ações dos órgãos. O Serviço de Águas e Esgotos (SAE), do Distrito Federal, vinculado ao
108
e Esgotos (Sfae). Este órgão, tinha competência para atuar em todo o território nacional,
O Sfae, teve atuação a nível federal até 1945, tendo uma ação administrativa, entretanto,
apenas no Rio de Janeiro, quando foi transferido para a Prefeitura do Distrito Federal. O
Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (Dnocs), apesar de não ser um órgão
para administrá-los.
saneamento, foi o Código de Águas13, criado em 1934. Segundo Costa e Silva (1990: 13):
O avanço da energia elétrica com a Light em São Paulo, com a Bond and
Share no interior de São Paulo, e com a Light no Rio de Janeiro, foi por
força do trabalho do velho Saturnino de Brito, que indicou naquela ocasião
o prof. Valadão para os trabalhos do Código de Águas, que ele vinha
estudando desde 1908. Valadão foi um grande advogado que terminou
sendo o homem que criou as bases que levaram ao Código de Águas. A
Revolução de 30 levou a que as concessões de energia fossem
regulamentadas como proteção para o país. Esse Código de Águas de 1934
vige até hoje, com uma série de leis adicionais.
Este Código tinha como objetivos gerais, estabelecer regras para que o
Governo Federal, pudesse controlar o aproveitamento dos recursos hídricos com fins
de controle do uso dos recursos hídricos no Brasil, que é a base para a gestão pública do
1987).
Um outro ato legal muito importante para o setor saneamento foi definido
pela Constituição de 1934 (Brasil, 1934). Pela primeira vez, foi concedida competência
municipal para a organização dos serviços de caráter local (artigo 13). Contudo, não foram
aos estados, União ou iniciativa privada, não foram encontrados referências a eles. Apesar
gestão dos serviços, pelo menos para a maioria deles14. A Constituição de 1937 confirmou
a autonomia municipal para a "organização dos serviços públicos de caráter local" (art. 26,
comissões podiam ter um caráter consultivo, emitindo pareceres, mas em muitos casos,
Paulo, em 1903, dirigida inicialmente pelo Eng.º José P. Rebouças e em 1905, por
Saturnino de Brito, que ali realizou seu maior trabalho (Azevedo Netto, 1990).
Em 1925, também em São Paulo foi constituída outra comissão, desta vez
apesar da existência da Repartição de Água e Esgotos (RAE), para contornar a grave crise
14. Excessão parece ser a concessão dos serviços de abastecimento de água pela Prefeitura de Salvador ao Governo do Estado da
Bahia em 1929, por tempo indeterminado.
110
Uma das comissões que mais resultados trouxe foi a do Rio Grande do Sul,
constituída pelo Governo do Estado e chefiada pelo grande Engº Antônio Siqueira, que
contratou Saturnino de Brito para realizar os projetos de várias cidades gaúchas, como
vimos acima. "Em 1917, foi criada a Comissão de Saneamento do Estado, que passou a
águas e esgotos em Rio Grande e Bagé" (Hirano, 1990: 32). Esta comissão teve vida longa
perdurando até 1936, quando foi substituída pela Diretoria de Saneamento e Urbanismo do
capitais privados e a assunção crescente pelo Estado do ônus pela construção, operação e
navegação, nas regiões e cidades mais promissoras e importantes (Costa e Silva e Sevalho,
1955a).
recursos estaduais e federais nestes órgãos. Para os municípios que administravam seus
ações de saneamento. Isto ocorreu para as áreas do Nordeste e Amazônia, a partir das
Constituições de 1934 e 1946. Também foi constituído um fundo em 1920, para ações
Fluminense, para controle de enchentes e drenagem das áreas alagadas, com o intuito de
A Baixada, até a década de 30, era uma extensa área pantanosa, totalmente
desenvolvimento econômico.
Desde o século passado haviam sido criadas várias comissões para estudar e
atuar na Baixada Fluminense, inclusive empresas privadas foram contratadas para este fim.
Mas foi em 05.07.1933, após a rescisão do contrato (assinado em 1921) com a Empresa de
principais problemas dessa região. Nesta data foi criada a Comissão de Saneamento da
pântano, com uma prevalência muito grande de malária, com vastas áreas inundadas,
Os resultados dessas ações foram muito bons, entre eles a correção de rios,
(DNOS, 1970). Neste mesmo ano, foi criado o Departamento Nacional de Obras de
objetivos:
inclusive para ações de saneamento básico (água e esgotos, que já era realizada em
Apesar de ter sido apenas em 1962 que o DNOS passou a ter competência
legal para atuar em energia e saneamento básico, estas atividades já eram desenvolvidas
água já haviam sido construídos e também o DNOS já havia tido participação, desde 1944,
na construção de várias hidrelétricas no Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, Minas
básico - ações em água e esgotos - era das mais variadas. Ia do projeto, à construção de
sistemas, passando por implantações, ampliações e mesmo doações de materiais, para que
diversos tipos de instituições responsáveis pelos serviços. Algumas vezes a relação se dava
mista. Outras vezes ainda, com entidades federais como a Fsesp, a Superintendência do
subsidiária da Sudene - cuja área de atuação era regional (Nordeste). No entanto, o DNOS
não administrava os sistemas (ou partes destes) que construía, os repassava aos órgãos
1962 a 1967, quando foi o órgão responsável pela implementação da política nacional de
assume os compromissos do DNOS com relação aos empréstimos externos captados junto
à Usaid, foi diminuída sua importância política, bem como o ritmo de construção de
115
sistemas de água por falta de dotação orçamentaria. A partir de então o DNOS passou a
grandes cidades do país, como Recife. As suas ações foram diversificadas após sua
caráter industrial, como são os serviços de água e esgotos, através de repartições públicas
arrecadação própria, pois toda a receita compõe o caixa único do tesouro. E a dependência
tarifária inadequada (fixada pelo executivo), gerando déficit, falta de flexibilidade para
meados da década de 40, mas é na década de 50 que tomam impulso. Segundo Whitaker
esteve a cargo de uma firma contratada até 1962, quando o Governo do Estado assumiu a
autarquia.
No Rio Grande do Norte, foi criado o DSE22 em 1952, que também contratou uma firma
foi criado o DSE, como órgão da administração direta, que em 1951, foi transformado em
serviços de saneamento desenvolvida pelo setor, foi a criação dos Serviços Autônomos de
Águas e Esgotos (Saae’s), pelo Serviço Especial de Saúde Pública (Sesp), em 1952, no
simples quanto possíveis, de modo a facilitar a operação dos sistemas pelas respectivas
prefeituras" (Roedel, 1954: 457). E isto foi realizado na Amazônia, com a utilização de
Colatina, Aimorés, Conselheiro Pena e Baixo Guandu, havia necessidade de sistemas mais
tempo após os sistemas terem sido repassados às prefeituras, a qualidade dos mesmos
(Roedel, 1954). Chegou-se até a considerar a hipótese da criação de um único órgão para
idéia por uma forte reação dos municípios maiores, por haver cidades de diferentes estados
e ainda considerou-se a idéia de que não seria uma boa política retirar da administração
Governador Valadares, Conselheiro Pena e Baixo Guandu, ainda em 1952. Roedel (1954)
defendia como solução para a operação dos serviços, órgãos autônomos, administrativa e
serviços que criava, mantendo vínculo com os Saae’s através de convênio com as
prefeituras para administração dos mesmos ou para prestação de assistência técnica. Dessa
O fato da Fsesp não haver repassado a gestão dos serviços diretamente aos
Segundo Bastos (1993), outros motivos para o repasse dos serviços aos
municípios não ter ocorrido foram injuções políticas locais, tarifas inadequadas,
funcionários, evasão de pessoal treinado e sua substituição por pessoal não habilitado,
para não ter havido os repasses previstos do serviços, como o que poderia se chamar de
manutenção dos serviços representava poder. A entrega dos serviços, por outro lado
assessoria. No entanto, esta estratégia estagnou a Fsesp, restringindo-a aos serviços que já
administrava. Caso houvesse repasses dos serviços e a construção de novos, poderia ter
havido uma maior dinâmica, inclusive contribuindo para sua viabilização institucional.
Água
havia uma multiplicidade de órgãos e uma total falta de política global para o setor. Foi
neste contexto que formulou-se o primeiro plano em saneamento para o Brasil, em 1953.
Sanitária e Ambiental (ABES) (1988: 112), "em alguns estados, desde a década dos
princípio de que o retorno dos investimentos se daria via tarifa. A noção da auto-
sustentação por mecanismo tarifário já era, portanto, aplicada neste período (Pereira,
1968).
Para se ter uma idéia do montante dos recursos financiados pela Caixa
Econômica Estadual de São Paulo, para o período de 1957 / 1969, foram implementados
1.081 contratos, totalizando cerca de US$ 90 milhões, em dólares de 1968 (Pereira, 1968).
compra pelos municípios de títulos da dívida pública estadual. As obras eram construídas
Pereira (1968), o regime inflacionário observado no Brasil entre as décadas de 40 a 60, fez
de Saneamento do Interior, constituído por 5% das rendas tributárias do Estado e 10% dos
plano estadual para o interior do estado, para ser aplicado em 6 anos, que previa a
população superior a 5.000 habitantes. Para tanto, foi realizado empréstimo junto ao Banco
Sevalho, 1955a).
para ações de saneamento, ainda na década de 40. Obtiveram empréstimos 200 municípios,
de 13 estados e do Distrito Federal, com taxas de juros de 7 a 12% ao ano, num montante
Alimentação, Transportes e Energia), que apesar de não ter sido implementado, chamou a
As bases para este plano foram lançadas pelo próprio Vargas, em outubro
construir as linhas gerais de um plano nacional de saneamento. E neste mesmo ano foi
cujas prioridades foram definidas em primeiro lugar para os municípios que não possuíam
sistemas de abastecimento de água e numa segunda etapa, para as ampliações dos sistemas
50.000 habitantes no curso do ano 1950. Este foi o primeiro plano de financiamento para
organização já existente no município. Nos locais onde atuava o Sesp, seria dado reforço
financeiro a este órgão. Onde havia departamentos estaduais, estes fariam os projetos. Nos
locais em que não havia nada, as obras seriam contratadas, ou a cargo dos departamentos
Econômico (BNDE) - Cr$ 100 milhões, Tesouro Nacional, via BNDE - Cr$ 300 milhões e
Companhias de Seguros Privados e Capitalização, via BNDE - Cr$ 200 milhões (Ferreira,
seriam entregues pelas prefeituras, 50% das respectivas quotas-partes do imposto sobre a
Outro fato importante deste Plano, foi a preocupação com o aspecto técnico
e sanitário dos projetos, onde o Sesp era o órgão responsável pela avaliação dos projetos,
exigindo uma análise sanitária dos mesmos. Isto fez com que "80% dos projetos
(Sanches, 1955). Este autor relatava ainda, aspectos limitadores para a viabilização do
Além disso os recursos previstos não foram aplicados totalmente, pois não
foi possível reuni-los entre os órgãos financiadores. Sanches (1955: 429), considera que
"um exame das soluções já propostas revela, de início, que a maior dificuldade consiste em
elementos que o caracterizavam como um plano global para o país. Pois, continha em sua
financiamento, sendo três para a Amazônia, Polígono das Secas e São Francisco, áreas com
23. Entrevista realizada com o ex-Engº da Fsesp e consultor Rodolfo J. Costa e Silva, realizada no Rio de Janeiro, em fevereiro de
1994.
125
milhões, que seriam amortizadas por 50 % da quota do imposto sobre a renda devida aos
Valorização), a estas caberia o controle do Plano. Para as demais, seria indicado um órgão
plano e a criação de um fundo rotativo para financiamento de sistemas de água. Este plano
foi instituído pelo Decr. Nº 41.446, de 03.05.1957, que regulamentando o art. 32 da Lei Nº
"Entretanto, a baixa renda municipal que seria oferecida como garantia do empréstimo,
etc.). Esta lei previa que as Caixas Econômicas Federais deveriam reservar 30% de seus
cada estado, com a finalidade de financiar os serviços previstos na lei. No entanto, segundo
comprometidos e os Institutos pouco poderiam fornecer aos municípios dos estados mais
pobres. Desta forma a lei foi inviabilizada.Em 54, a lei dos deputados Oswaldo Trigueiro e
Paulo Sarasate, sobre concessão de auxílios aos municípios do Polígono das Secas, define
Abastecimento de Água, "embora a medida proposta vise dar aos recursos previstos no
artigo 198 da Constituição Federal destinação consentânea com as suas finalidades, ela
representa uma solução parcial para um problema de ordem geral, que se projeta por todo o
que deveriam nortear as políticas e os planos de governo para o saneamento, quais sejam:
meados da década de 50. No entanto, já haviam instrumentos técnicos e analíticos para que
concepção vários elementos que lhe davam uma dimensão importante, tais como agentes
financeiros, órgão técnico, etc., mas no entanto, teve sua intervenção limitada. Além da
auto-sustentação tarifária.
salvo exceções, era relegada a um plano secundário, apesar de sua importância para a
qualidade dos serviços. As tarifas (na verdade, eram mais utilizadas as taxas) eram
geralmente insuficientes para o custeio da operação e manutenção, seja por uso político,
128
por desvio para cobrir outros setores dos municípios ou para viabilizar o acesso das
imobiliárias beneficiadas com a implantação dos sistemas, até hoje utilizadas (Costa e
Manaus e Belém, onde os serviços foram construídos pelos ingleses, também adotou-se
este critério. Esta prática induz a gastos excessivos, supérfluos e favorece o consumo
industrial. No Brasil, com uma oferta de água sempre aquém da demanda, segundo Costa e
Silva e Sevalho (1955a), deve-se adotar o critério inverso, ou seja, taxas progressivas com
o aumento do consumo.
excessivos para obras de reforço nos sistemas; ii) a necessidade de medidas repressivas ao
os Saae’s administrados pela Fsesp, e mesmo outros serviços autônomos no estado de São
Paulo, como São José dos Campos. Estes municípios com a utilização da taxa progressiva
as seguintes recomendações:
• taxa mínima para que as classes mais pobres possam utilizar a água
suficiente para a higiene e nutrição
Podemos perceber que até meados deste século, tivemos uma grande
diversidade de órgãos atuando sob as mais diferentes formas no Brasil. Mas algumas
década de 50. As principais características são: a busca pela autonomia dos serviços, o que
principal fonte de recursos para o setor continuava a ser recursos orçamentários federais e
130
Introdução
indireta. Este seria o novo modelo de organização jurídica que começava a se incorporar ao
foi criado ainda na década de 50 - Campina Grande S.A. (Sanesa)25 - e teve sua criação
autorizada sua constituição por lei municipal em 1955, ficando vinculada à Prefeitura. No
entanto, este órgão só veio a constituir-se em 1959 (Arruda26 e Coutinho e Ribeiro, 1965).
Ataulpho Coutinho (1965), em visita a esta cidade, teceu elogios gerais quanto a
Governo Federal a partir de 1965 - inicialmente via DNOS e depois via BNH - que tomou
regional que tinha se iniciado em 1952 com a criação do Banco do Nordeste do Brasil
(BNB)30.
26. Entrevista realizada com o Engenheiro da Sudene Alfredo Arruda, que participou da constituição da Caene e de sua primeira
diretoria, realizada em Recife, em setembro de 1993.
27. Lei Nº 3.692, de 15.12.1959.
28 No Governo Juscelino, em 1956, foi criado28 o Grupo de Trabalho para o Desenvolvimento do Nordeste (GTDN), com o intuito de
dar uma abordagem de desenvolvimento à região.Os instrumentos adotados para o combate à seca foram duramente questionados
naquele momento, passando-se a tratar a problemática dentro de um planejamento global. O GTDN formula propostas sob o ponto de
vista do desenvolvimento econômico do país. Em 1959, este grupo de trabalho é transformado em Conselho de Desenvolvimento do
Nordeste - Codeno28 , sob o comando de Celso Furtado.
29. Lei Nº 3.692 de 15.12.1959.
30. Lei Nº 1.649 de 19.07.1952.
132
uma economia no Nordeste, segundo a qual " ... o próprio título de ‘obras contra as secas’
federal a fazê-lo - e foi através de seu primeiro Plano Diretor31 lançado em fins de 1961,
Desta forma, a Sudene fomentou uma nova concepção para o setor que iria
seu controle e ao mesmo tempo o incentivo aos estados a criarem companhias estaduais de
saneamento básico.
recursos apenas para os serviços constituídos sob forma de sociedade de economia mista,
porque naquele momento só havia um serviço constituído sob esta forma, o Sanesa de
estaduais de saneamento básico (Cesb). Ainda em 1962, foi criada a primeira Cesb no
utilização dos recursos a serem aplicados em sistemas de águas e esgotos nos municípios,
atuando como concessionária destes. A Caene era uma sociedade de economia mista, da
esfera federal, com ação regional, e ainda, atuava apenas na administração dos serviços, no
10º e 11º do 1º Plano, abrindo o acesso aos recursos, para os municípios e órgãos estaduais
exigir que o repasse dos recursos fossem feitos exclusivamente às sociedades de economia
época, era a de que os municípios não tinham capacidade de administrar os serviços. Daí, a
preferência pelos órgãos estaduais ou pela concessão diretamente à Caene. Por este motivo,
a Caene não atuou como órgão de assistência técnica, pois avaliou-se que os municípios
não conseguiriam administrar os serviços a contento, mesmo com apoio técnico. Daí este
Esta diretriz reduziu o raio de ação da Caene, pois se este órgão tivesse
demais órgãos que atuavam no Nordeste, para tanto realizou vários convênios com o
objetivo de repassar os sistemas construídos. Órgãos estaduais, a Fsesp (em alguns casos),
chegou a operar mais de 100 municípios. Com a constituição das Cesb’s, a Sudene passou
saneamento, a partir de 1967, a Caene passou a transferir para as Cesb’s os serviços sob
sua administração (Tavares, 1977). Com o advento do Planasa em 1971, a Caene teve suas
33. Ibid.
34. Ibid.
135
Perfuração (Conesp), ainda hoje existente. Os objetivos deste órgão eram a perfuração de
poços e a construção de chafarizes públicos para os povoados e vilas. Esses sistemas eram
construídos e entregues às prefeituras para sua administração. Estas mesmas ações também
entanto, para se ter uma idéia da incapacidade administrativa das prefeituras, dos 1.730
poços construídos pela Conesp até 1977, 60% desses estavam inoperantes, devido à
DNOS que passou a ter uma atuação mais consistente no financiamento. A União captou
Abastecimento de Água (GEF), em 1965. Desta forma o DNOS influenciou não só para a
adotadas pelos organismos supracitados. Vários órgãos foram criados / transformados para
serviços. Desta forma, contribuiu para a introdução, em paralelo com a Sudene, de novos
empréstimos, além do estudo de viabilidade econômica que previa a amortização destes via
tarifas. As exigências levaram a que alguns órgãos transformassem sua forma jurídica, para
estarem aptos a acessarem estes empréstimos. O maior exemplo deste fato, foi a
informações sobre os órgãos que reivindicavam esses recursos, tais como a descrição das
de água e esgoto.
Até a década de 60, a gestão dos serviços de águas e esgotos não se deu
apenas no através do nível municipal, como muito se tem dito, na verdade, ocorria uma
multiplicidade de formas de ação, nas várias etapas de um sistema de águas e/ou esgotos.
Vários órgãos atuavam num mesmo sistema, em suas várias etapas. Como por exemplo o
• Comissão de Fronteiras
• Plano do Carvão
• Sudam
Dos órgãos supracitados, apenas a Fsesp tinha uma ação em todas as etapas
dos sistemas, desde o projeto até a operação, isto levava a uma situação precária de
Este último era defendido por especialistas do setor desde a década de 40.
1947, já defendia a gestão dos serviços a nível estadual, apontando os aspectos técnicos e
138
econômicos como os principais, como argumentos para a gestão nesta esfera de governo.
Ainda em 1950, no VIII Congresso Brasileiro de Higiene (CBH), Lima e Guimarães, além
Sul, Minas Gerais, São Paulo e Pernambuco. Nas recomendações do XI CBH, também foi
Federal e dos fundos de previdência. Mais uma vez, Sanches em 1954, defende o modelo
do BNH, através dos financiamentos com recursos do FGTS, e visando adequar-se às suas
seguintes companhias estaduais no Nordeste: Caema (MA), Agespisa (PI), Cagepa (PB),
Sanecap (PB), Sanepe (PE), Saner (PE) e Casal (AL). Além disto, antigos departamentos
(São Luiz), Saagec (CE), DAE (RN), Deso (SE), Saer (BA) e Seseb (BA) (Almeida e
Silva, 1969).
municipal ou uma empresa de economia mista. A criação da Sanepar, por sua vez, não
atuação como entidade autárquica. A ação da Sanepar se deu tanto na administração dos
mesmos. Segundo Chapadeiro36, este era o modelo ideal de órgão estadual no fomento ao
saneamento básico, e que foi sugerido ao GEF, a fim de ser incentivado aos outros estados.
Corsan. Em 1968, foi constituído o FAE e neste mesmo ano a Corsan já administrava 103
dos 112 serviços de abastecimento de água existentes no estado (Maggi, 1968 e Maggi,
administração dos serviços, sendo pequena sua ação a nível de assistência, o que aliás,
financiamento a partir dos incentivos via BNH. Criou-se o Fundo Estadual de Saneamento
Básico (Fesb), em 1968, com o objetivo de atuar no interior do estado, exceto a Baixada
36. Entrevista realizada com o ex-Engº do DNERu e DNOS, Clarismundo Chapadeiro, realizada no Rio de Janeiro, em junho de 1993.
37. Lei Nº 5.167 de 21.12.1965.
140
companhias para atuar com abrangências e competências variadas, como podemos ver
coleta de esgotos. Dois outros órgãos - Sanevale e SBS - com abrangência de uma bacia
partir de diretrizes da Sudene e do SFS, criando os seguintes órgãos (Viana, 1977 e Abes,
1973):
UF Nome Data Criação Observação
RR Caer 1969
AP Caesa 1969
AM Cosama 1970
PA Cosanpa 21.12.1970
RO Caerd 1969
AC Sanacre 1971
TO Saneatins 1990 Após criação do Estado.
1988; Paula, 1990: 29; Fiszon, 1990: 36 e Magalhães, 1993: 1) que a gestão dos serviços
de saneamento básico no Brasil, no período que precede o Planasa, não se deu apenas no
constituição das primeiras Cesb’s, apenas quatro estados não dispunham deste tipo de
órgão antes de 1971, quando da criação do Planasa (AC, BA, MT e SC). Em 10 estados,
(MA, PI, PB, AL, GO, MG, ES, Guanabara, PR e RS), enquanto em outros 13 estados
tivemos estes órgãos constituídos entre 1968 e 1970 (RR, AP, AM, PA, RO, CE, RN, PE,
SE, BA, DF, RJ e SP), caracterizando a influência do BNH nas políticas do setor.
(OMS), a fim de se conhecer melhor alguns aspectos quantitativos dos sistemas de águas e
esgotos existentes nos municípios brasileiros e a população atendida pelos serviços. Nesta
pesquisa foi incluída como variável o tipo de concessionária dos serviços nos municípios:
população residente nos municípios por tipo de prestador de serviço e os números destes
39. O critério adotado pelo IBGE no Censo de 1960, para população urbana, compreendia os núcleos urbanos e suburbanos das
cidades e vilas. A população urbana, não incluída neste estudo (das vilas), representava, em 1967, 11 %.
145
abastecida era de 53%, a população abastecida residente nas sedes era de 69% e a
Os dados abaixo mostram que 12% das sedes municipais que tinham
representavam 37% da população residente nestes municípios. Enquanto que 76% dos
brasileira.
146
POP. x 1.000
TOTAL FEDERAL ESTADUAL MUNICIPAL PRIVADO
UF
Nº POP. Nº POP. Nº POP. Nº POP. Nº POP.
BR 1.969 62.904 112 2.791 241 23.189 1.504 34.188 112 2.736
RO 2 107 1 77 - - 1 30 - -
AC 1 68 - - 1 68 - - - -
AM 17 583 2 45 1 242 13 290 1 6
RR 2 39 - - - - 2 39 - -
PA 33 1.268 9 116 1 546 23 606 - -
AP 4 48 1 69 - - 3 29 - -
MT 40 826 1 20 1 82 38 724 - -
GO 36 990 - - 5 431 31 559 - -
DF 1 348 - - - - 1 348 - -
FONTE: Ministério da Saúde / Organização Panamericana de Saúde / Organização Mundial de Saúde (1970).
OBS.: 1. Considerou-se como sistema público de abastecimento de água, rede pública e chafariz.
2. A diferença existente entre o total de domicílios para o Brasil e por UF, por tipo de concessão,
é decorrente do fato de ter havido duplicidade de órgãos explorando os serviços num mesmo município.
147
Esta pesquisa também nos mostra que das capitais brasileiras, apenas 5
na pesquisa do MS / OPS / OMS. Havia também municípios com gestão mista, com
Brito, até a década de 50. E Santos teve seus serviços de águas explorados pela City até
1953.
O financiamento na década de 60
Federal havia cerca de 17 órgãos que investiam em saneamento recursos quase sempre sem
retorno. A crítica a este mecanismo é oriundo pelo menos desde a década de 40, pois
levava à restrição do atendimento à demanda. Estas críticas foram reforçadas mesmo por
a Sudene e o BID.
abastecimento de água.
primeiro para a cidade de Arequipa no Peru, no valor de US$ 4 milhões. No Brasil, estes
maior empréstimo para saneamento no Brasil na década de 60. Foram realizados quatro
adutora de Guandu e outro de US$ 11 milhões para esgotamento sanitário na zona norte do
mudou-se toda a sua estrutura, passando a cobrar tarifa que cobrisse os custos reais, de tal
Ainda em 1962, foi realizado empréstimo para a Sudene, via BNB, no valor
Em julho de 1966, foi firmado acordo entre o BID e a Fsesp, num valor
total de US$ 27 milhões, no qual US$ 12,5 milhões foram do banco e o restante
Este financiamento foi inteiramente pago com recursos tarifários dos serviços. Portanto, a
pequenas comunidades, como as atendidas por este financiamento do BID. Este modelo
Cesb’s.
1964 / 1966, já havia por parte do Governo Federal orientação expressa dirigida a
expansão dos sistemas de água e esgotos no Brasil. O Paeg propôs para as cidades com
urbanas, as cidades foram agrupadas em grandes, médias e pequenas. Como média foi
em 1967, para 66% em 1976. E com relação ao esgotamento sanitário, elevar de 33% em
150
de 1967, estabeleciam:
propunham:
40. O Conselho Nacional de Saneamento foi criado pela Lei Nº 5.318 de 26.08.1967.
41. O Fundo de Reinvestimento não foi criado, mas segundo Almeida (1977), parece ter fundamentado a criação em 1968 dos FAEs.
151
(MVO), coordenado pelo DNOS, com o objetivo de criar um projeto de financiamento por
presidente, era que pelo alcance social e econômico do abastecimento de água, "estas
Joinville. Ao todo 21 municípios acessaram recursos via GEF, além de duas Cesb’s,
pela UPC, sendo adotado no BNH posteriormente, após a criação do Fundo para
vimos, foi criado o Fundo Estadual de Águas e Esgotos (FAE), administrado pela própria
A ótica desta nova concepção adotada em Minas Gerais era do saneamento atuar como
torno de 40 a 50 mil economias). Atingido este valor, a Comag daria pouca ênfase ao seu
1969).
No Rio Grande do Sul, foi criado o FAE em abril de 1968, atuando ainda no
04.02.1966), como órgão operacional; o Banco do Estado do Rio Grande do Sul (Bergs),
como agente financeiro e o BNH, como agente promotor. Atuou ainda o DNOS, como
Saneamento Básico (Fesb)44, que absorveu a Copae (Pereira, 1969 e Victoretti, 1971).
previsto na Constituição Estadual de 1967, cujo art. 71 se referia a este tipo de serviço:
Através do Fisane, sob o ponto de vista do BNH, "os usuários dos serviços
passam a pagar o preço justo do benefício que usufruem ou, em outras palavras, o
demais órgãos que atuavam no setor: DNERu, Fsesp e DNOS. Para se ter uma idéia do
só a Fsesp tinha cerca de 200 engenheiros sanitaristas, grande parte com cursos de
1977).
deram origem a criação dos Fundos de Financiamento para Água e Esgotos (FAE), a nível
SFS. Com isto o financiamento do setor saneamento ganhava uma fonte de recursos com
um vigor até então inédito, que possibilitaria a consecução dos planos e programas, o que
para financiar ações específicas, sendo os dois principais: em 1968, o Refinag, para ações
sanitário.
planejamento global do Governo Federal. Portanto, fica claro que o Planasa, mais do que
uma proposta tecnocrática, foi uma política de governo, contradizendo a pretensa postura
apolítica, característica dos técnicos do setor. Alguns dos pontos do "Metas e Bases"
49. Os demais subprogramas foram sendo criados paulatinamente: Efisan - Estímulo ao Sistema Financeiro de Saneamento (para
integralização do FAE pelos Governos de Estados de Menor renda); Fisag - Financiamento Suplementar para Abastecimento de Água
(para integralização do FAE, caso a participação do governo estadual viesse a ultrapassar 5% de sua receita tributária); Ficon -
Financiamento Suplementar para Controle de Poluição das Águas ( para casos semelhantes ao Fisag); Fidren - Financiamento de
Sistemas de Drenagem visando ao Controle de Inundações; Sanat - de Apoio Técnico ao SFS (treinamento e assistência técnica) e
Finest - Financiamento aos Estados (para integralização dos FAEs pelos governos estaduais caso não complementassem as
contrapartidas) (Almeida, 1977: 19).
157
vários municípios, como o que ocorreu no Estado de São Paulo em que diversos órgãos
Sudene. Os financiamentos executados por estes órgãos eram direcionados para entidades
dar via tarifa. As tarifas, ou na maioria das vezes a taxa, não eram capazes de cobrir os
cobrir não só os custos, como também amortizar estes empréstimos. A idéia das tarifas
autarquias. Ainda na década de 60, através do GEF e depois já no BNH, esta concepção
de muitos dos serviços através das tarifas, eram reclamados empréstimos que fossem
portanto estavam consolidadas com a criação do BNH, ainda em 64, que seria o órgão
gestor; do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), em 66, que viria a ser a fonte
caminhar com as próprias pernas, ficando à mercê das benesses do Governo Federal.
as novas proposições do Planasa, feitas pelo seu principal idealizador, Rego Monteiro
50. Neste item veremos as características mais gerais sobre o Planasa, não detalhando muito a análise, pois já há uma boa literatura a
respeito. Ver mais sobre este Plano nos bons estudos listados a seguir: as dissertações de mestrado de Fiszon (1990), Najar (1991),
159
• O clientelismo;
passaria a implementar as metas estabelecidas pelo plano de Metas e Bases para a Ação de
municípios tiveram que conceder seus serviços às companhias dos respectivos estados, na
grande maioria já existentes, como vimos anteriormente. Como a titularidade dos serviços
era - e ainda é - dos municípios, estas concessões tiveram que ser aprovadas pelas
Paula (1989), Cavalcanti (1987), Coelho (1987) e Rezende (1995); a tese de doutorado de Dal Fabbro (1984); e os artigos de Costa
(1991) e Melo (1990).
160
os órgãos estaduais, quanto os serviços municipais. Havia uma flexibilidade nas relações
161
caso de existência, dos vários órgãos estaduais em uma única Cesb. Com estas medidas, os
1966, foram forçados a aderir a este plano, passando paulatinamente a conceder os serviços
às companhias estaduais.
decisório sobre prioridades para alocação de recursos, definição de tarifas, etc. Nesse
período, pode-se afirmar que as adesões ao Planasa, não se deram sempre de forma
espontânea. A simples exclusão do acesso aos recursos do SFS, era por si só uma ação
recursos do SFS, por parte do BNH, foi segundo Rego Monteiro51, a viabilização
tarifária. Ou seja, as tarifas deveriam ser suficientes para cobrir os custos de operação,
51. Entrevista concedida pelo Engº José Roberto do Rego Monteiro, principal idealizador do Planasa e ex-diretor do BNH, em
dezembro de 1992, no Rio de janeiro.
162
que grande parcela dos municípios não teriam capacidade financeira para serem auto-
suficientes via tarifa, enquanto outros seriam, com superávit capaz de cobrir os custos
daqueles. Este mecanismo foi chamado de subsídio cruzado e as tarifas cobradas neste
municipais do acesso aos recursos do SFS, para tornar o sistema viável. Caso contrário,
de amortizá-los.
dentre os quais podemos citar os de Fiszon (1990) e Paula (1990), que a auto-sustentação
tarifária baseada no lucro, provocou a marginalização dos setores mais carentes do acesso à
década de 50. E que nesta década, ganharam significativo espaço com a constituição dos
Saae’s, pela Fsesp, e com a criação de várias autarquias estaduais. A Sudene e o BID, a
saneamento. A utilização de tarifas progressivas ainda na década de 50, são provas dessa
premissa.
exclusivamente pelo Planasa, e sim por um espectro de setores com concepções de mundo
bastante diversos.
municípios mais ricos teriam de subsidiar os menores, por serem estes inviáveis, tem
oposição no modelo adotado pela Fsesp. Segundo este modelo, a auto-sustentação dos
serviços, tem que ser buscada a nível municipal. Para tanto concorre o uso de tecnologia
adequada à realidade local e o uso de tarifas progressivas. A estrutura tarifária desta forma,
municipais?
Durante a década de 60, existiram companhias estaduais, que mantinham variadas formas
de relação com os municípios, de acordo com as demandas locais. Havia casos em que
ocorria apenas assistência técnica, outros em que ocorria apenas o financiamento, e ainda
os casos em que as companhias estaduais eram as concessionárias dos serviços. Nas várias
financiamento.
com o SFS, "engessou" o modelo. Esta limitação, baseada na cultura autoritária que foi a
164
municípios e estados. O reflexo dessa concepção pode ser verificada hoje nos limites em
estruturou. Estas bases diziam respeito tanto aos aspectos organizacionais, quanto ao
financiamento. No entanto, são inegáveis os alcances que teve, seja do ponto de vista
relação ao abastecimento de água, e sobretudo pelo fato de ter sido um plano pensado para
enorme acervo técnico existente nos demais órgãos federais. Apenas na Fsesp, existiam
a ampliação do sistema foi de 54,4% para 76% dos domicílios atendidos, não pode ser
(Melo, 1987). Com relação ao esgotamento sanitário, as metas não foram atingidas, pois a
165
cobertura da rede de esgotos passou de uma cobertura de 22,3% para 36% dos domicílios
atendidos, para o mesmo período. Este quadro contribuiu para a produção do grave quadro
patamares de 0,15% do PIB, em 1970, para um pico de 0,55% em 81, até atingir uma
passaram em 1990 para 94%. Em termos absolutos significou uma elevação destes
(Costa,1991: 34)
80, quando o plano "começa a fazer água". A partir daí, são articuladas, mais
52. Para uma análise detalhada dos investimentos realizados pelo Planasa, ver Fiszon (1990), Paula (1990) e Najar (1991).
166
consistentemente as várias críticas a este modelo, inclusive por seus ideólogos, como Rego
• Os encargos financeiros
• Custos operacionais
De uma forma geral, as críticas mais globais a este plano, são (Fiszon, 1991
e Souza, 1990):
suas atribuições e pessoal incorporado pela Caixa Econômica Federal. O setor foi
subordinadas a um mesmo órgão, mas a partir do fim do BNH passou a ocorrer uma
entanto, esta crise institucional não se refletiu no montante de recursos alocados neste
período, a CEF continuou a alocar recursos compatíveis com os períodos de maior inversão
financeira do Planasa.
168
O Planasa teve a sua estrutura básica mantida até 1990, quando no Governo
inclusive o acesso dos municípios autônomos aos recursos do SFS e foram aplicados
recursos a fundo perdido em áreas carentes. No entanto, estas mudanças não se fazem
sentir, tanto do ponto de vista do volume de recursos investidos, como pela estrutura
operacional do sistema que não foi reformulada, ou seja, o papel das concessionárias
estaduais, bem como sua relação com o poder concedente permaneceram inalteradas.
um aspecto importante é o fato de que as Cesb’s têm a concessão (ou operam sem tê-la)
dos serviços de abastecimento de água de cerca de 75% dos municípios, mas no entanto,
saneamento, correspondem a cerca de 900, sendo que entre estes, metade se constituem
como autarquias, em sua maioria municípios de médio porte, metade como departamentos
economia mista, em geral grandes municípios. Uma outra característica deste mesmo
conjunto é que 267 destes serviços são administrados pela Fundação Nacional de Saúde
Saneamento (Assemae) e Fundação Nacional de Saúde (FNS), em 1995, além dos dados
acima, foi identificado ainda, um terceiro grupo de municípios, cerca de 400 que têm a
forma de organização desconhecida, isto é não foram incorporados pelas Cesb’s e também
não são identificados como municípios que têm departamentos ou autarquias dedicadas à
169
desde o início do Planasa, não tinha valores relevantes. No entanto, estes recursos foram
destinados através das emendas ao orçamento, pelo Congresso Nacional, e não teve
devem mudar a história, não apenas do setor, mais também do gasto público federal e
particularmente das políticas sociais. A agena política é ditada pelo FMI e pelo Consenso
de Whashington e tem na redução do Estado para a provisão dos serviços, atuando apenas
conforme recomendação das agências multilaterais, pode ser constatada através da análise
dos gastos sociais (saúde, educação, previdência, etc.), gastos mínimos (defesa, segurança
fez Rezende (1996). Pode-se constatar que os países analisados, entre os quais o Brasil,
acentua no início da década de 90. Enquanto que este mesmo discurso não é aplicado para
170
os países desenvolvidos, cuja distribuição dos gastos públicos permanece sem maiores
desenvolvimento’, para a abertura desses mercados, não sendo aplicável para os que ditam
as regras. Ou seja, apesar do que se fala o Estado de Bem-Estar Social na Europa e nos
EUA, ainda não foi desmontado, levando Rezende (1996) a afirmar que “os Leviatãs estão
fora de lugar.
Projeto de Modernização do Setor Saneamento (PMSS), que vem sendo conduzido pelo
Mundial.
dos serviços de saneamento, fomentado pelo Banco Mundial. Nesse sentido, foi proposto
US$ 500 milhões, sendo metade em contrapartida e a outra metade de recursos oriundos do
Bird. Desse total US$ 492 milhões são destinados ao desenvolvimento operacional das
se os desembolsos.
53 Para uma análise mais detalhada sobre o FGTS, enquanto fonte de financiamento para o saneamento ver os trabalhos de Zamboni
171
a esses recursos. Foi reivindicado pela Associação nacional dos Serviços Municipais de
mais ampla dos diversos setores. Esta solicitação foi atendida apenas parcialmente com a
oficializada a partir de junho de 1994. No entanto, o debate não foi estendido à sociedade,
nem aos demais órgãos do governo, e tendo como fóruns de discussões do PMSS
demandado, não tiveram acesso aos recursos para também promoverem a formulação de
propostas. Esse aspecto é importante ser destacado, pois uma das características do setor
Neste sentido, os estudos realizados54 foram utilizados pelo PMSS num processo de
presidencial ao Projeto de Lei 199. Durante o período de 1989 a 1994, técnicos do setor,
instrumentos. O projeto foi vetado por Fernando Henrique no quarto dia de seu mandato e
uma perspectiva de integração com outras áreas como saúde, meio ambiente etc. Além
provavelmente por não coincidir exatamente com as propostas que estavam sendo
discutidas pela nova equipe de governo, especialmente nos pontos que se referem ao papel
54 Ver a Série Modernização do Setor Saneamento, Vol. 1 a 8 (Acqua-Plan; Aliança Pesquisa e Desenvolvimento; Escola Brasileira de
Administração Pública; Faria; Instituto de Economia do Setor Público; Instituto Sociedade, População e Natureza; Núcleo de Estudos
em Informações Urbanas e NH Consultoria e Planejamento, 1995).
55 Entendido como o conjunto de ações sócio-econômicas que tem por objetivo alcançar níveis crsscentes de
salubridade ambiental, por meio de abastecimento de água potável, coleta e disposição sanitária de resíduos
sólidos e gasosos, promoção de disciplina sanitária do uso e ocupação do solo, drenagem urbana, controle de
vetores e focos de doenças transmissíveis, e demais serviços de obras especializadas, com a finalidade de
proteger e melhorar as condições de vida tanto nos centros urbanos, quanto nas comunidades e propriedades
rurais mais carentes. Ver Braga, J.C., Médici, A.C., Arreetche, M. , Novos Horizontes para a regulação do
Sistema de Saneamento no Brasil, RAP, Rio de Janeiro 29(1): 115-48, JAN.MAR..1995.
56 Estado de higidez em que vivem as apopulações urbana e rural, tanto no que se refere a sua capacidade de
inibir, previnir ou impedir a ocorrência de endemias e epidemias veiculadas pelo meio ambiente, como no
173
então, não tem havido maior participação da sociedade na formulação das políticas de
Uma outra medida que causará muito impacto ao setor saneamento será a
artigo 175 da Constituição Federal. Esta lei tem como principal objetivo a transferência à
titular dos serviços, responsável portanto, por sua prestação, mas a execução pode ser
tocante ao seu potencial de promover o aperfeiçoamento de comdições nosológicas favoráveis ao pleno govo
da saúde e do bem-estar.
57 A análise sobre as propostas do PMSS para o reordenamento institucional e par o financiamento do setor estão baseadas nas
publicações que compõem a Série Modernização do Setor Saneamento, publicada pelo PMSS.
174
uma política setorial. Quem garante que a criação de um aparato regulador terá eficácia,
quando vemos exemplos de privatização em países cujos Estados têm longa experiência
em controlar as concessões. E assim se deu com relação às CESBs, que em quase todos os
casos devido à sua grande estrutura, não se submeteram à regulação, quer do poder
concedente, quer dos órgãos da administração direta aos quais estão subordinadas. As
mais, o que estiver acima deste patamar estará sujeito ao mercado. Estes parâmetros foram
definidos no início do século pelo saudoso Saturnino de Brito, e não foram realizados
novos estudos neste sentido. Será que este valor seria suficiente atualmente?
dos serviços (Estado, prestadores de serviço, usuários e outros) é outro conceito básico
58 Ver estudo sobre as concessões privadas no Brasil e no esterior, Concessões Privadas: Diagnóstico de um Equívoco, publicado pela
Assemae e pela Federação Nacional dos Urbanitários (1996), em que são analisados os problemas políticos, de corrupção, tarifários e
operacionais dessas experiências.
175
adotado nas proposições, devendo-se destacar o papel do Estado como agente princiapl das
transformações propostas.
envolvam interesses supralocais. Na flexibilização, a prestação dos serviços pode ser feita
por qualquer agente, na medida em que o papel de regulação é realizado pelo Estado. Neste
possa haver o transpasse de titularidade entre poderes, o que parece ser um absurdo
constitucional. Na interpretação do Art. 23, item IX, que estabelece a titularidade comum à
das competências para regular a prestação de serviços. Essa flexibilização prevê a relação
dos serviços pelos municípios. As situações que caracterizam deficiência municipal para
exercer a regulação, prestação e controle dos serviços são: a incapacidade técnica e/ou
financeira ou ainda, a dinâmica regional. Estes casos são definidos pelo PMSS, como
Além do mais, essa interpretação do texto legal possibilita que o nível estadual possa
entende que a competência dos serviços de saneamento nestes casos é estadual. Assuntos
de interesse supra-municipal podem ser abrigados nos níveis de deliberação das Câmaras
acordado entre o município e o estado a prestação de serviços de natureza similar como por
entende que estes referem-se exclusivamente àqueles que correspondem a sua relação final
comerciais e a produção das capacidades básicas dos serviços. Esse entendimento é a base
para o estabelecimento da ação complementar pelos estados. Não tem sentido a exclusão
dos grandes consumidores da competência municipal, visto que não há extrapolação desta
177
atividade a outros municípios e que esta é uma atividade fim. Outro aspecto importante é
bem como as formas de cooperação entre as esferas de governo, inclusive com propostas
de projetos-de-lei.
executivas.
Podemos dizer inclusive que, em última análise, o ponto de vista de toda a formulação foi
nos seus estudos E mesmo o pressuposto de que é esta a instância que precisa ser
fortalecida.
em caráter supletivo, sobre aquelas que embora de interesse local se vejam obrigados a
ou seja, a titularidade dos serviços, parece haver um esforço dos formuladores do PMSS,
município, e como o município ficou alijado de todo processo decisório nos últimos 25/30
anos, uma formulação de políticas deveria ter como núcleo central a descentralização.
foi incorporadas por alguns setores, como principalmente o da saúde, através do SUS, e na
setoriais. Um novo modelo de saneamento deve ter como eixo o município, resguardando-
companhias estaduais em sua relação com os municípios, como já ocorreu em alguns casos
concessionárias, quanto na prestação de assistência técnica aos municípios que não são
financiamentos. Estes serviços deveriam ser inclusive pagos pelos municípios às CESBs,
não onerando estes órgãos. Desta forma seria viável a capacitação crescente dos
municípios.
179
da auto-sustentação tarifária do setor. A partir daí, é feita uma análise a respeito das
recursos externos.
para esta conclusão. Pois é sabido por especialists do setor e, a própria Assemae defende
isto, que os custos praticados pelas Cesb’s, são extremamente altos, devendo haver uma
medida em que não seja possível a auto-sustentação tarifária dos serviços, e pode ocorrer
nível de consumo e categoria de uso, sendo o estudo de viabilidade global realizado para a
tarifas mas no entanto, não têm desempenhado este papel. A atual Lei de Concessões,
estabelece que a tarifa deve ser definida na licitação, ficando os reajustes e aumentos
econômico-financeira das empresas de saneamento parece ser factível, mas não suficiente
subsídios.
suficiente para cobrir os custos, segundo o PMSS, o governo terá que participar, seja
não estão definidos pelo Governo Federal, indicando porém que o poder concedente, nível
estadual ou município, dependendo da legislação a ser aprovada, arcará com este ônus.
que pode ser plenamente justificável o subsídio direto à inicativa privada em alguns
primeira concessão privada, integral, dos serviços de água e esgotos no Brasil, na cidade de
Limeira-SP, 156 anos após a primeira concessão do Brasil, no Império, ocorrida em Recife.
fase de 100% de prestação pública dos serviços - para a iniciativa privada se deu de forma
traumática. Este processo está sendo investigado pela Promotoria Pública do Estado de São
realizados, ou estão em andamento, seja de forma integral dos serviços de água e esgoto,
de um Equívoco, 1996).
Este processo está tendo todo o empenho do Governo Federal, seja do ponto
Governo Federal tem restringido o acesso dos municípios e estados aos recursos do FGTS,
através de uma grande malha burocrática, com intuitos claros de empurrá-los para a
MPO, afirmou em recente encontro do setor, que o problema do setor em 1996, não era
capitação dos recursos pelo setor. E de fato, até agosto de 96, apenas 17% dos recursos
dos recursos da CEF, tem dois objetivos: viabilizar o auxílio da CEF no sistema
Equívoco, 1996).
Por outro lado, o BNDES reabriu uma linha de crédito, depois de encerrada
mecanismo.
Conclusões
institucional, possibilitou uma reflexão sobre os atuais modelos de gestão do país, que até
então careciam de elementos históricos. A literatura acadêmica e técnica do setor ainda não
havia trazido uma análise histórica que abrangesse o país como um todo e por um período
análise. Mas por outro, possibilitou a introdução de elementos que podem vir a contribuir
para resgatar a memória do saneamento nacional. Além do que, havia algumas análises que
concepção do processo saúde-doença e pelo papel assumido pelo Estado para estas
políticas.
transmissíveis, está a teoria dos miasmas. Essas ações eram identificadas como
do controle das doenças, de uma intervenção sobre o meio para uma intervenção
E as ações de saneamento realizadas por este setor refletiram este caráter, regulamentando
populações carentes.
social, e não mais pelo setor saúde, este se vê esvaziado de recursos e poder. Neste
essas ações. O caminho parece ser a ação executiva através do setor saneamento, utilizando
Estado nunca teve caráter universal, ficando parcelas significativas da população excluídas
do acesso aos serviços. Historicamente, como para as demais políticas sociais, as parcelas
favorecidas sempre foram as mais abastadas, com os demais segmentos sociais sendo
planejamento adequado, sendo estas ações na maioria das vezes, respostas à situações de
passou o setor indica esta tendência: inicialmente concedidos à iniciativa privada, depois
com a assunção direta pelo Estado, foram criadas as autarquias, sendo sucedidas por
serviços, apesar da escassez de literatura disponível, pode-se afirmar que de fato, não foi
de água e esgotos e ações de média e macro drenagem. A União, seja por repasses
orçamentários ou por ação direta através de vários orgãos, também foi responsável por
187
década de 50, se fortaleceram na década de 60, com as ações do BID, Sudene, GEF e BNH.
principal fonte de recursos para o setor. No entanto, este modelo implantado de forma
autoritária, durante o período militar, excluiu do acesso a estes recursos, os municípios que
sustentação via tarifas, que previa a equalização financeira ao nível do órgão gestor
estadual e não ao nível municipal. Este modelo não adotou uma concepção de saneamento
mais ampla, restringindo-se à ações de água e esgotos, excluindo portanto, ações de lixo,
O Planasa, contudo, teve muitos méritos que precisam ser a este plano
de cidades que passaram a ter acesso a este tipo de serviço também foram significativos. A
relação custo-benefício, no entanto, precisa ser melhor avaliada para todo o período do
plano, para se ter idéia de sua efetividade. A ampliação dos sitemas de esgotos não
população, não têm nenhuma participação no decisório, nem mesmo acesso a informações
papel de poder concedente, é um passo importante para a transparência das políticas. Esta
PMSS
setores que já criaram mecanismos de participação da sociedade, como nas áreas da saúde
e meio ambiente, pode-se afirmar que o setor de saneamento ainda não se democratizou.
189
Impasses e perspectivas
repensar o modelo herdado do Planasa. Os déficits já são crônicos, a estrutura das Cesb’s é
novos mecanismos de financiamento, precisa-se ter clareza a respeito deste aspecto, para
que se possa inclusive definir o que deve ou não ser financiado a fundo perdido.
básico no Brasil, a partir sobretudo das décadas de 50 e 60, e que precisa ser melhor
economia mista; e ainda os serviços autônomos de água e esgotos, em que a Fsesp / FNS,
Para cada tipo de gestão acima descrita, há questões que não têm sido
mesmo na administração financeira, havendo caso de Cesb que participa com sua receita
Quanto à autonomia financeira via tarifa, que sempre foi buscada pelos
órgãos, a análise é mais complexa. No entanto, alguns pontos são importantes salientar,
necessárias e algumas perguntas ficarão ainda sem resposta na reflexão sobre autonomia
pagamento da população, mas, em tese, esses seriam itens a serem cobertos via tarifa. E foi
centralização no Governo Federal imposta a partir de 1975, para a definição das tarifas,
Dessa forma, não se tem uma idéia da viabilidade econômica das Cesb’s
devido ao artifício do subsídio cruzado, vigente até hoje. As dívidas contraídas pelas
companhias através dos empréstimos tomados junto ao BNH / CEF ao longo de 20 anos
são enormes e são verdadeiras caixas pretas. Não se tem dimensão de seus montantes e
não há estudos analisando-os. Rodolfo Costa e Silva1 chega a afirmar que estes
dívidas.
desenvolvimento implementado pelo regime militar, que definia a gestão dos serviços
públicos de caráter industrial, através de modelo empresarial. Alguns autores, como Paula
Por mais que se questione o artifício do subsídio cruzado, tem-se que aceitar
seu valor como instrumento de uma possível viabilização do modelo. Esta foi a maneira
É plenamente questionável, mas trazia em si, pela primeira vez, uma proposta de
equacionamento do problema como um todo. Por outro lado, o seu relativo sucesso ocorreu
sociais do acesso aos serviços, é achar que a universalização teria ocorrido com a
foi exatamente o que levou ao grande déficit existente na década de 60, e o motivo que
que sempre os segmentos que são contemplados inicialmente são os mais abastados, e que
mais pobres. Assim foi com a saúde, a educação, habitação, etc., e com saneamento!
1. Idem.
192
autônomos, o argumento empregado para que se restringisse o acesso aos recursos do SFS
caso contrário, o sistema seria inviável. Segundo Rego Monteiro2, a adesão das capitais e
grandes cidades seria determinante para a cobertura dos municípios deficitários. Como
exemplo, pelo fato da cidade de Porto Alegre e outras cidades de médio porte do Rio
Grande do Sul não terem concedido seus serviços à Corsan, a tarifa dessa companhia
estabelecido outros níveis de relação com os concedentes dos serviços. No entanto, sua
vista legal os municípios tinham condições de interferir neste processo. Porém a relação
2. Entrevista realizada com o Engº José R. do Rego Monteiro, idealizador do Planasa e ex-diretor do BNH, em dezembro de 1992, no
Rio de Janeiro.
193
que se estabelece entre poder concedente e concessionária é política, e como esta relação
foi constituída sob um regime autoritário, o que ocorreu no Planasa foi reflexo da
Com relação aos serviços geridos pelos próprios municípios, muito pouca
informação se tem disponível. Não sabe-se com que recursos foram realizados os
superavitários, mas não se tem uma dimensão real de cerca de 700 desses municípios.
modelos diz respeito tanto do ponto de vista econômico, quanto do ponto de vista da
autonomia municipal. Neste aspecto, reside seu maior mérito - mesmo que esta autonomia
não tenha sido alcançada como prevista - pois respeita o poder concedente dos municípios.
atendido. Uma consequência direta desta premissa é a opção pelo uso de tecnologias
comunidade, levando a que suas tarifas fossem sempre mais elevadas do que a dos Saae’s.
órgão de saneamento básico que contribuiu bastante para a construção de uma identidade
dos Saae’s com as prefeituras. Mas, também não se tem informações mais precisas a cerca
provêm da União, via Fsesp / FNS. A participação das prefeituras, seja com recursos ou
com equipamentos e mão-de-obra não é suficiente conhecida, mas é muito provável que
concedente. Outros estudos se fazem necessário para avaliar se esse modelo funciona
simplesmente como uma concessão a um órgão federal, dado que o município não
de transformação dos modelos atuais, tendo em vista que o poder decisório deve
interesse local, que diz respeito à salubridade do meio e portanto, condicionante do nível
Estado e direito dos cidadãos e esses serviços como de competência do município. O poder
195
quanto a sua qualidade, política tarifária e garantia dos direitos dos usuários, que segundo a
Constituição devem ser regulamentados por lei (o que ainda não ocorreu).
prestados à população e, para tanto, devem desempenhar seu papel de poder concedente,
romper as concessões, caso estas não estejam atendendo aos interesses da população. Para
tanto, é necessário a mínima capacitação dos municípios para atuarem como poder
simplesmente passarem a definir tarifas sobre os custos reais de seus serviços, mudará
de municípios conurbados.
de saenamento, situação até 1994, para um estado regulador da prestação privada ainda
196
está incipiente, mas sugere ser crescente. A universalização do acesso ainda está distante e
Como disse Saturnino de Brito em 1913, a prestação dos serviços pela inicativa privada é
Apêndice
Inúmeras secas assolaram àquela região desde os tempos coloniais, tendo-se informações
de secas datando de 1583, seguindo-se periodicamente outras em 1603, 1614, 1645, 1652, 1692, 1721, 1777,
1793; no séc. XIX, ocorreram sete grandes secas nos anos de: 1845, 1877 até 1879, chamada de ‘a grande
seca’, causando uma mortandade de 500.000 habitantes do estado do Ceará (cerca de 50 % da população
daquele estado). Neste século, as grandes secas foram as de 1900, 1915, 1919, 1920, 1932, 1942, 1958 e
entre 1979 e 1983 (Andrade, 1985 e Carneiro, 1981).
A primeira preocupação do governo federal com as secas, se deu em 1859 com o envio de
uma comissão ao Ceará, com um caráter mais científico de exploração, tendo, no entanto, resultados
insatisfatórios. Durante a grande seca de 1877, D. Pedro II, constituiu uma comissão de engenheiros para
atuar no Ceará, a fim de estudar o problema. Em 1881, outra comissão para o estudo de obras, teve como
orientações para solução do problema, a açudagem, e como conseqüência em 1884 foi iniciado a construção
do Açude do Cedro (ex-Quixadá), só concluído em 1906.
3. O conceito de seca utilizado por Carneiro (1981), diz respeito à duração e distribuição no espaço das precipitações, e não aos dados
pluviométricos do Nordeste de modo geral, pois não podem ser considerados baixos.
198
A Ação da Iocs foi bastante ampla, não só visando obras de açudagem e irrigação, mas
também estradas de rodagem, de ferro, estudos meteorológicos, geológicos, topográficos, estações
pluviométricas, conservação e reconstituição de florestas, etc. Esta ação refletia uma visão mais ampla do
problema defendida pelo primeiro Inspetor da Iocs, Arrojado Lisboa, mas que foi perdida posteriormente ao
longo do tempo:
Seca, no rigor léxico, significa estiagem, falta de umidade. Da chuva provém a água
necessária à vida na terra. O problema das secas, assim encarado, seria simplesmente o
problema da água, isto é, de seu suprimento. Mas a palavra seca, referida a uma porção do
território habitado pelo homem, tem significação mais complexa. Com efeito, o fenômeno
físico da escassez da chuva influi no homem pela alteração profunda que dela decorre para
as condições econômicas da região, que por sua vez se reflete na ordem social. Assim
encarada, a seca é um fenômeno muito vasto de natureza tanto física, como econômica e
social, é portanto, um problema múltiplo. Verdadeiramente não há um problema, há
problemas.
Com o objetivo de implementar tais atividades de pesquisa, foram importados técnicos que
contribuíram para importantíssimos estudos nas áreas de meteorologia, geologia, hidrologia, botânica e
topografia. Sendo a principal contribuição deste período, os estudos e a coleta de dados sobre vazão através
da instalação de inúmeras estações (Araújo, 1974).
Este período foi o de maior volume de recursos e de obras realizadas para o combate a
seca, no qual foram construídos muitos e grandes açudes, como o de Orós p.ex., rodovias, ferrovias e
portuárias, sendo contratadas firmas estrangeiras para a execução, devido à dimensão e complexidade das
obras e equipamentos.
Mas logo no Governo Arthur Bernardes, em 1923, foram reduzidos os aportes de recursos,
e em 1924 foi extinta a Caixa. Especial, voltando estas obras novamente à depender da alocação de recursos
orçamentários, sendo todas as obras paralizadas no ano seguinte.
Ocorreu uma nova dotação orçamentária específica para ser utilizada pela Ifocs, apenas
através de dispositivo na Constituição de 19347. A dotação constitucional possibilita, em tese, alguma
programação em ritmo adequado, sem tantas oscilações com a dependência política de alocações. Mais no
entanto, na Constituição de 1937, esta dotação é extinta, perdendo-se de vista esta perspectiva (Brasil, 1937).
Andrade (1985), divide as fases da ação do Estado no controle das secas em:
7. O art. 177 desta constituição previa que a União despenderia 4 % de sua receita tributária sem aplicação especial, com obras e
serviços de assistência, sendo 1/4 deste montante recolhido em ‘Caixa’ para atendimento às populações em situações de calamidade. E
os estados e municípios também estariam obrigados a aplicar 4 % de seus recursos tributários sem aplicação especial, na assistência
econômica às populações assoladas pela seca (Brasil, 1934).
8. Decreto-Lei Nº 8.486 de 28.12.1945.
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