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HISTÓRIA E ARQUITETURA

AUTORA:
ANA JULIA SCORTEGAGNA SOCAL

COAUTOR:
MARCELO RIBEIRO
AUTORA:
Ana Julia Scortegagna Socal

COAUTOR:
Marcelo Ribeiro

HISTÓRIA E ARQUITETURA
EXPEDIENTE

Projeto gráfico e diagramação: Aline Britto Fialho


Fotografia e edição de imagem: Paola Goulart
Desenho técnico arquitetônico: Ana Julia Scortegagna Socal
Capa: Paola Goulart

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Socal, Ana Julia Scortegagna


Vila Belga [livro eletrônico] : história e
arquitetura / Ana Julia Scortegagna Socal,
Marcelo Ribeiro. -- 1. ed. -- Santa Maria, RS :
Ed. dos Autores, 2023.
PDF

Bibliografia.
ISBN 978-65-00-73896-4

1. Arquitetura - Santa Maria (RS) - Fotografia


2. Ferrovias - História - Rio Grande do Sul (Estado)
3. Patrimônio arquitetônico - Santa Maria (RS)
4. Santa Maria (RS) - História I. Ribeiro,
Marcelo. II. Título.

23-163099 CDD-720.98165
Índices para catálogo sistemático:

1. Arquitetura : Santa Maria : Rio Grande do Sul :


História 720.98165

Aline Graziele Benitez - Bibliotecária - CRB-1/3129


APRESENTAÇÃO
A Vila Belga é um conjunto de edificações determinado padrão – construções de um
localizado na cidade de Santa Maria, Rio Grande pavimento alinhadas ao passeio público, sem
do Sul, que tem sua origem intrinsecamente recuo frontal –, a variação em termos de leiaute
relacionada com a chegada da ferrovia na cidade, e número de cômodos tinha como objetivo
no final do século XIX. Construída para abrigar facilitar modificações internas e a adaptação
os trabalhadores da Compagnie Auxiliaire de das residências para diferentes usuários. Além
Chemins de Fer au Brésil, empresa belga que foi disso, a diferenciação das fachadas era uma
arrendatária de grande parte da malha ferroviária estratégia a fim de fazer com que o morador
gaúcha, a Vila Belga foi o segundo conjunto também se sentisse individualizado.
habitacional do estado do Rio Grande do Sul
edificado com a finalidade de fornecer moradia a As características arquitetônicas da Vila Belga,
funcionários de uma empresa. somadas a sua participação na história de
Santa Maria, principalmente em função da
As 41 edificações geminadas e 80 unidades ferrovia, tornam o conjunto um importante
remanescentes destacam-se por sua patrimônio cultural da cidade. As edificações,
arquitetura, principalmente com relação ao distribuídas entre as ruas Manoel Ribas, Dr.
tratamento dado às fachadas. As diferentes Wauthier, Ernesto Beck e André Marques,
composições entre os elementos resultam em são testemunho material da época em que
edificações únicas, de forma que é possível a ferrovia cruzava a cidade e estimulava o
afirmar que não existem duas casas totalmente desenvolvimento em suas variadas formas:
iguais em todo o conjunto. Além disso, as social, econômico, cultural, etc.
residências estão divididas em tipologias, que
variam em termos de configuração de planta, A importância da Vila Belga foi chancelada
tamanho, número de quartos e, também, em com o reconhecimento do conjunto como
relação à composição das fachadas. patrimônio histórico e cultural de Santa Maria
em 1988. O tombamento municipal veio
Apesar de as edificações seguirem um cerca de uma década depois, em 1997. Já no
âmbito estadual, a Vila Belga foi considerada Vila Belga original, ou seja, como as residências
patrimônio no ano 2000, quando o conjunto do conjunto foram pensadas e divididas em
foi tombado juntamente com outras tipologias no momento da sua construção,
edificações relacionadas à ferrovia, incluindo a no início do século XX. Portanto, as eventuais
estação ferroviária. descaracterizações que ocorreram ao longo
dos anos foram desconsideradas e, quando
Considerando a relevância material e imaterial necessário, as residências foram representadas
da Vila Belga, este livro se propõe a investigar considerando os seus aspectos originais.
a história, o projeto e a construção do conjunto
habitacional, com foco nas diferentes tipologias Espera-se, com este trabalho, contribuir com a
identificadas e analisadas. Após o resgate difusão de conhecimentos acerca da Vila Belga,
histórico e a análise arquitetônica do conjunto, levando a públicos cada vez mais diversos as
cada uma das sete tipologias, mais as três informações sobre as particularidades de suas
variações, é apresentada. Para cada uma, edificações e a relevância do conjunto para a
são apresentadas as características, a planta história e desenvolvimento da cidade de Santa
baixa e as fachadas e fotografias de todas as Maria. É somente a partir do conhecimento
edificações pertencentes àquela tipologia. que é possível sensibilizar e estimular um maior
senso de preservação e de cuidado com esse
Cabe ressaltar que o foco deste trabalho é a patrimônio.

Ana Júlia Scortegagna Socal

Este trabalho é fruto da pesquisa realizada durante o mestrado profissional do Programa de Pós-Graduação em Patrimônio
Cultural da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), desenvolvido por Ana Júlia Scortegagna Socal e orientado pelo
professor Dr. Marcelo Ribeiro.
APRESENTAÇÃO 06

Capítulo 1: A Influência da Ferrovia na cidade de Santa Maria, RS 09


Capítulo 2: Vila Belga: O Conjunto 17
Capítulo 3: Vila Belga: A Arquitetura 32
Capítulo 4: Vila Belga: As Tipologias 47
Tipologia 1 58
Tipologia 2 64
Tipologia 3 70
Tipologia 3a 79
Tipologia 4 84
Tipologia 4a 92
Tipologia 5 95
Tipologia 6 101
Tipologia 7 106
Tipologia 7a 117
Capítulo 5: A Vila Belga além das Residências: Comércio, Serviços, Educação e Saúde 125
Capítulo 6: Patrimonialização e Preservação Da Vila Belga 143

GLOSSÁRIO 150
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 152

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[...] passa-se sempre
por Santa Maria. Aqui
cruzam o grande
sistema de trânsito
internacional de
norte e sul [...] com
o trânsito estadual
de leste para oeste
[...]. Eis porque esta
cidade é o centro
ferroviário do Estado.

HOFFMANN-HARNISCH
apud FLÔRES, 2007, p. 161
A INFLUÊNCIA DA FERROVIA NA CIDADE DE SANTA MARIA, RS 11

A INFLUÊNCIA
DA FERROVIA
NA CIDADE DE
SANTA MARIA, RS

O
município de Santa Maria, estadual. Ao contrário do que ocorreu em
localizado na região central outras regiões, onde o sistema ferroviário
do Rio Grande do Sul, teve normalmente era resultado da união ocasional
o seu desenvolvimento de trechos, a malha ferroviária do Rio Grande
particularmente influenciado pela chegada e do Sul foi desenvolvida de forma planejada e
implantação do sistema ferroviário no estado, estrategicamente estruturada, a partir de um
na segunda metade do século XIX. Assim plano de implementação.
como ocorreu em outros núcleos urbanos,
a ferrovia foi sinônimo de desenvolvimento, Em setembro de 1885, então, a ferrovia
melhorias em infraestrutura, crescimento chega a Santa Maria, com a conclusão do
populacional e prosperidade econômica, trecho entre o município e Cachoeira do
alavancando o progresso da cidade. Sul. A partir disso a cidade passa a estar
conectada com a capital gaúcha, trazendo
Em 1877 teve início a construção da linha Porto grandes transformações sociais e econômicas
Alegre – Uruguaiana, que cortava o estado do que representavam o progresso e o
Rio Grande do Sul de leste a oeste. Uma das desenvolvimento. Ganhando cada vez mais
primeiras linhas da rede férrea rio-grandense, ares de cidade grande, Santa Maria assume
a ferrovia era uma das quatro linhas principais posição de destaque no estado. Segundo
projetadas para estruturar a malha férrea Flôres (2007, p. 166), “O advento da ferrovia e
A INFLUÊNCIA DA FERROVIA NA CIDADE DE SANTA MARIA, RS 12

MARCELINO
RAMOS

Erechim

do trem viria a construir a alternativa que


faltava a essa comunidade interiorana Passo Fundo
Carazinho

para se projetar no cenário gaúcho,


CRUZ ALTA
rivalizando-a com outras cidades
Tupaciretã
Caxias
que se consideravam polos de Itaqui
Carlos Barbosa
do Sul

progresso regional”. Santa MONTENEGRO


URUGUAIANA Alegrete
Dilermando SANTA Cruz
de Aguiar Taquara
MARIA
Barreto Novo Hamburgo
Barra do CACEQUI São Leopoldo
A ferrovia conferiu Quaraí
Rosário
Cachoeira
do Sul
Rio
Pardo General PORTO ALEGRE
do Sul Câmara
São Gabriel
velocidade e melhorias
no transporte, tanto de Santana do São Sebastião
LIvramento
passageiros quanto de
BAGÉ
mercadorias, o que possibilitou HULHA NEGRA

Basílio Pelotas
a chegada de suprimentos à cidade. Nesse
PEDRAS
ALTAS
sentido, Flôres (2007, p. 161) afirma que, RIO GRANDE
Vila Siqueira

"Através do novo meio de transporte puderam


ser suprimidas as carências de consumo da
população, à época ainda muito dependente
de produtos alimentícios, maquinário e
vestuário, adquiridos em várias partes do Brasil
e até do exterior, bem como ficou facilitada MALHA FERROVIÁRIA DO
RIO GRANDE DO SUL NO INÍCIO
a venda da sua produção primária e das DO SÉCULO XX
pequenas fábricas e engenhos."
LEGENDA
Linha Porto Alegre - Uruguaiana
Linha Rio Grande - Bagé - Cacequi
Além de abastecer a cidade em si, a Linha Santa Maria - Marcelino Ramos
implantação da ferrovia em Santa Maria Linha Porto Alegre - Novo Hamburgo - Taquara
Linha Barra Do Quaraí - Itaqui - (Bgs)
favoreceu também os municípios vizinhos,
que, devido ao crescente número de
estabelecimentos comerciais, vislumbravam
na cidade uma alternativa de compras à
distante capital Porto Alegre.

Em 1889 foi autorizada a construção da linha


férrea que ligaria o Rio Grande do Sul a São Paulo,
A INFLUÊNCIA DA FERROVIA NA CIDADE DE SANTA MARIA, RS 13

a ferrovia Santa Maria-Itararé. Com a inauguração crescimento, principalmente pela vinda de


do primeiro trecho dessa linha, Santa Maria-Cruz muitos funcionários de nacionalidade belga e
Alta, em 1894, somado à inauguração da linha francesa que, acompanhados de suas famílias,
Cacequi-Rio Grande, em 1900 e à conclusão da aqui fixaram residência e contribuíram para
linha tronco Porto Alegre-Uruguaiana, Santa alavancar a vida social da cidade.
Maria consolida a sua presença no cenário
ferroviário gaúcho, tornando-se um importante “O período 1885-1905 é o de maior
entroncamento ferroviário da região sul do desenvolvimento em toda a história da cidade
Brasil, visto que todas as principais linhas férreas que multiplica por cinco sua população
gaúchas passavam por ela. e suas edificações” (LOPES, 2002, p. 106).
Esse período compreende desde a chegada
Localizada no centro da malha ferroviária, da ferrovia até a construção de todas as
Santa Maria passou a ser não só um local de instalações e infraestruturas necessárias para
passagem, mas também um local de parada. o bom funcionamento desse sistema. Assim,
Além dos viajantes que pernoitavam na cidade a cidade se desenvolve à medida que vão
para seguir viagem no dia seguinte, a região surgindo novos empreendimentos e novas
se tornou um local propício para negócios, construções, com a publicação de periódicos e
investimentos, oportunidades de trabalho, instalação de energia elétrica.
prestação de serviços e formação humana,
justamente pelo aumento na circulação de É notável, também, a contribuição da ferrovia
pessoas, o que imprimiu novos ritmos à cidade. para a configuração e estruturação urbana do
município.
Em junho de 1898 o governo do estado do
Rio Grande do Sul arrenda a linha Porto "Assim, ao redor da estação central,
Alegre-Uruguaiana à Compagnie Auxiliare configurou-se uma área especial,
de Chemins de Fer au Brésil, companhia caracterizada por sua importância cultural e
belga com sede em Bruxelas. A posição paisagística, e identificada pela concentração
estratégica que Santa Maria ocupava na de atividades relacionadas com a ferrovia -
malha ferroviária, ou seja, o fato de ser o ponto como a Vila Belga, a Escola Estadual Manoel
de convergência entre as principais linhas, Ribas, a Sede da Cooperativa de Consumo
fez com que a cidade fosse escolhida para dos Empregados da Viação Férrea do Rio
sediar a diretoria da Compagnie Auxiliaire. A Grande do Sul, o Clube dos Ferroviários, a
decisão de trazer a administração da empresa Escola Hugo Taylor e a própria Avenida Rio
para a cidade impulsionou ainda mais o seu Branco." (SCHLEE, 2001, p. 99-100).
A INFLUÊNCIA DA FERROVIA NA CIDADE DE SANTA MARIA, RS 14

NO INÍCIO DO SÉCULO XX, A AVENIDA RIO BRANCO


ERA A PRINCIPAL LIGAÇÃO ENTRE A ESTAÇÃO
FERROVIÁRIA E O CENTRO DA CIDADE
(PRAÇA SALDANHA MARINHO)

LEGENDA
Ferrovia
Estação Ferroviária
Av. Rio Branco
Praça Saldanha Marinho

Cabe pontuar que até o final do século XIX a Entre 1899 e 1900 foi concluída a segunda
estação ferroviária estava localizada em um estação de alvenaria, em local onde permanece
trecho atualmente extinto da rua Visconde até hoje. A localização da nova edificação foi
de Ferreira Pinto, próximo ao entroncamento condicionada pela topografia da região, que
das atuais ruas Comissário Justo e Ernesto influenciava o traçado da ferrovia, além de uma
Beck. Em um primeiro momento a estação preocupação em não criar obstáculo a um
funcionava em um chalé de madeira, construído possível prolongamento da Avenida Progresso,
provisoriamente no final de 1885, até que o atual Avenida Rio Branco, em direção ao
prédio de alvenaria, edificado contíguo ao chalé, norte. Por fim, existia ainda a necessidade de
fosse concluído e passasse a assumir a função que a estação ferroviária e o largo estivessem
de estação ferroviária. Tal edificação continuou a localizados em uma área extensa o suficiente
existir pelo menos até a década de 1940. para acomodar o grande fluxo de pessoas e
A INFLUÊNCIA DA FERROVIA NA CIDADE DE SANTA MARIA, RS 15

mercadorias. As duas estações funcionaram de desenvolvimento de comércio, serviços,


forma simultânea até a década de 1940. indústria e lazer, dada a maior procura por
esses setores. Segundo Padoin (2010, p. 329) “A
Com a construção da segunda estação, a indústria local vivia em função do comércio e,
Avenida Rio Branco tornou-se a principal esta atividade, se sustentava, principalmente,
via de ligação entre a estação ferroviária e com a Viação Férrea”.
o centro da cidade, configurando-se como
um ponto de referência onde fixaram-se as Além disso, a implantação da ferrovia e o
principais lojas, restaurantes, hotéis, fábricas, protagonismo da cidade no mapa ferroviário
além de residências e estabelecimentos do estado conferiu a Santa Maria o título de
culturais e religiosos, especialmente entre o “cidade ferroviária”. “Tal título não simbolizava
final do século XIX e início do século XX. Essa simplesmente a presença dos trilhos em
valorização ocorreu justamente pelo fato Santa Maria, mas o que estes representavam
de por ali circular uma grande quantidade na história da cidade e da região” (PADOIN,
de pessoas advindas do principal meio de 2010, p. 322).
transporte da época, induzindo o crescimento
e adensamento da região. A movimentação A construção dos trilhos e a posterior
econômica era tanta que o seu nome, à instalação dos escritórios administrativos e
época, era Avenida Progresso, pela associação oficinas da Compagnie Auxiliare de Chemins
do recorte urbano à modernidade e de Fer au Brésil fez surgir a necessidade de
desenvolvimento, vinculado à ferrovia. outras construções que complementassem
o panorama ferroviário, como moradia para
Assim, a ferrovia, e todo o sistema atrelado a os funcionários, escolas para os filhos desses
ela, incluindo comércio, serviços, residências funcionários e estabelecimentos comerciais
e edificações institucionais, fez a economia voltados à comunidade ferroviária, dando
prosperar. Havia uma maior circulação origem à diversos outros edifícios que hoje
de dinheiro na cidade em função do fazem parte do patrimônio santa-mariense.
A INFLUÊNCIA DA FERROVIA NA CIDADE DE SANTA MARIA, RS 16

MAPA DE SANTA MARIA EM 1902


Em azul, a localização aproximada da primeira estação ferroviária, na foto abaixo;
em amarelo a localização do segundo prédio, construído entre 1899 e 1900.
Fonte: (MARCHIORI; NOAL FILHO, 1997, p. 84 e 98)
VILA BELGA

Entre os montes se abre um sorriso,


Vila Belga, morada do trem...
És tão bela, tua imagem retrata
Doce lar, p’ra quem vai e quem vem!

Quatro ruas e seus quarteirões,


Construídos cem anos atrás...
Já foi centro de nossa cultura,
Simboliza o progresso e a paz.

Patrimônio da história gaúcha


Resguardado em Santa Maria...
Como a estrela que brilha na noite,
Como o sol que clareia o dia.

Casas cinza, de eclético estilo


Guardam marcas já tão legendárias...
É uma história de amor e pujança
Da maior estação ferroviária

Esta história vem dos ferroviários,


Bem pertinho dali da estação...
Alicerces de afeto e abrigo
Construídos em meu coração.
Letra: Salvador Lamberty
Música: Pedro Mauro
(CENTRO DE HISTÓRIA ORAL, 2002, p. 70)
VILA BELGA: O CONJUNTO 19

VILA BELGA:
O CONJUNTO

A
Vila Belga é um conjunto estado de leste a oeste. Posteriormente,
habitacional construído no em 1905, a Compagnie Auxiliaire firmou
início do século XX na cidade um novo contrato com o governo, quando
de Santa Maria, Rio Grande do expandiu o número de linhas sob sua
Sul. Localizadas nos arredores da antiga administração, tornando-se responsável
Estação Ferroviária da cidade, as 80 por grande parte da malha ferroviária
residências geminadas remanescentes gaúcha.
estão distribuídas em quatro ruas: Rua
Manoel Ribas, Rua Ernesto Beck, Rua Dr. Com o arrendamento da ferrovia, Santa
Wauthier e Rua André Marques. Maria passou a receber novos fluxos de
pessoas, oriundas de outras partes do
A origem da Vila Belga está Brasil e também de países como Bélgica
intrinsecamente relacionada à e França, que se estabeleceram na cidade,
implantação do sistema ferroviário no junto com suas famílias, para trabalhar
estado e ao arrendamento da ferrovia à para a empresa belga. Paralelamente, a
Compagnie Auxiliare de Chemins de Fer decisão da Compagnie Auxiliaire de sediar
au Brésil, empresa belga que em 1889 a diretoria da empresa na cidade, em
passou a administrar a linha Porto Alegre função da posição privilegiada de Santa
– Uruguaiana, importante linha tronco Maria, aumentou ainda mais o contingente
que passava por Santa Maria, cortando o populacional vinculado à ferrovia.
VILA BELGA: O CONJUNTO 20

"Junto com a diretoria e trabalhadores


da companhia, chegam seus familiares,
um contingente aproximado de duzentas
pessoas que, de repente, incrementam a
população local e demandam moradias que,
a princípio, são alugadas. Como nessa época
existe uma carência de imóveis para alugar,
os preços sobem o que leva a companhia a
mandar construir para os seus empregados
várias residências próximas à estação,
Parte do conjunto da
colaborando, assim, para o desenvolvimento Vila Belga no início do século XX.
material da cidade." (LOPES, 2002, p. 148). Fonte: (LOPES, 2002, p. 181).
VILA BELGA: O CONJUNTO 21

A grande demanda por moradias, associada turma, maquinistas, eletricistas, enfermeiros,


à escassez de opções e ao alto custo do operários com cargo de chefia, inspetores
aluguel dos imóveis disponíveis, motivou de linha, fiscais, etc. Esses trabalhadores
a Compagnie Auxiliaire a construir uma exerciam funções que demandavam uma
série de casas específicas para os seus aproximação constante com a estação,
trabalhadores: a Vila Belga. O nome é uma pois poderiam ser chamados para atender
referência à nacionalidade da empresa ocorrências a qualquer momento, inclusive
proprietária das edificações, bem como à acidentes ou outros sinistros. Como era
origem de seus primeiros ocupantes. desejável que estes pudessem chegar ao
local o mais rápido possível, a prioridade
As residências eram propriedade da na ocupação das casas foi dada a esses
Compagnie Auxiliaire, que controlava e cargos, visto que a Vila Belga foi construída
realizava a sua destinação. A distribuição das próxima à estação ferroviária. Além disso,
casas era realizada a partir de um processo situar os funcionários próximos ao seu local
seletivo, no qual os funcionários preenchiam de trabalho era uma forma de promover
um requerimento solicitando uma residência. um certo controle sobre estes e facilitar os
Com base nisso fazia-se uma triagem, deslocamentos residência-trabalho, típico
considerando critérios como número de das vilas operárias
filhos e cargo, visto que existiam diferentes
tamanhos de residências, com mais ou Assim, a localização escolhida para a
menos dormitórios, além de casas específicas implantação do conjunto foi em um
para determinadas funções. Quando havia terreno próximo à Estação Ferroviária,
a desocupação de uma casa, que ocorria de propriedade de Osvaldo Frederico
por motivos de desligamento do quadro Beck, que foi adquirido pela Compagnie
funcional ferroviário por aposentadoria, Auxiliaire em 9 de agosto de 1905. O jornal
demissão, falecimento ou ainda em O Estado, em 19 de julho daquele ano,
decorrência de uma remoção, essa residência já relatava a intenção da companhia em
era cedida a outro funcionário. A lista de construir casas para os empregados. Outro
espera por vezes era longa e um pouco artigo do mesmo jornal, de 2 de dezembro
demorada. de 1905, menciona que a companhia
solicitou a renovação do imposto urbano
A Vila Belga foi pensada para alojar os para as casas que pretendia construir e que
funcionários de segundo e terceiro escalões dentro das responsabilidades da empresa
da Compagnie Auxiliaire, ou seja, chefes de estaria a abertura de três ruas.
VILA BELGA: O CONJUNTO 22

Nota do jornal O Estado, 19 de julho


de 1905, sobre a compra de terreno
pela Compagnie Auxiliaire.
Fonte: acervo do Arquivo Histórico
Municipal de Santa Maria

[...] Deu a competente


auctorisação ao intendente para
resolver sobre o requerimento
em que a Compagnie Auxiliaire
de Chemins de Fer pede pelo
espaço de 4 annos, renovação
do imposto de decima urbana
para as casas que pretende
mandar construir, destinadas à
moradia de seus empregados.
Essas casas serão construídas
nas proximidades da estação da
estrada de ferro, obrigando-se
a Compagnie a abrir tres ruas e
preparai-as convenientemente
para o transito publico. [...]

Nota do jornal A Tribuna, Nota do jornal O Estado de 2 de


de 13 de abril de 1907. dezembro de 1905. Abaixo, a transcrição.
Fonte: acervo do Arquivo Histórico Fonte: acervo do Arquivo Histórico
de Santa Maria Municipal de Santa Maria
VILA BELGA: O CONJUNTO 23

A Vila Belga foi construída em etapas e por


diferentes empreiteiros, sendo que a primeira
parte ficou pronta em 1907. Um artigo
do jornal A Tribuna, de 13 de abril de 1907,
relata a comemoração dos operários pela
conclusão de uma dessas etapas, referente
às casas edificadas pelo empreiteiro Pedro
Serra. Documentos posteriores mostram
que a Compagnie Auxiliaire encaminhou
à Intendência Municipal pedidos de
alinhamento para a construção de novas
casas, um datado de 17 de junho de 1907, para
terrenos localizados na Rua André Marques,
e outro de 29 de novembro de 1909, para
terrenos na Rua Pinheiro Machado, atual Rua
Manoel Ribas, evidenciando a construção da
Gustave Vauthier
Vila Belga em etapas. Fonte: acervo do site Belgian Club1

Um dos grandes responsáveis pela construção


da Vila Belga foi o engenheiro Gustave
Vauthier. Nascido em 11 de janeiro de 1861,
em Bruxelas, na Bélgica, Vauthier já possuía
uma vasta experiência com a construção de
ferrovias quando veio para o Brasil no final
do século XIX para trabalhar na implantação
da linha Itararé (SP) – Marcelino Ramos (RS).
Posteriormente foi convidado pela Compagnie
Auxiliare de Chemins de Fer au Brésil para
trabalhar na construção da ferrovia entre Cruz
Alta e Santa Maria, momento em que vem
residir na cidade. Em Santa Maria o engenheiro
exerceu altos cargos, entre eles o de diretor,

1
Disponível em: http://www.belgianclub.com.br/pt-br/creator/vauthier-gustave-1861-1923. Acesso em 02 fev. 2023.
VILA BELGA: O CONJUNTO 24

cargo que assumiu em 18 de março de 1899


e permaneceu até 1911. Foi nessa época,
enquanto diretor da Compagnie Auxiliaire,
que Gustave Vauthier idealizou e construiu a
Vila Belga, considerado o segundo conjunto
habitacional do estado destinado a abrigar
trabalhadores de uma empresa.

Para o projeto da Vila Belga há indícios de


que Vauthier utilizou como base o Traité
d’Architecture, ou Tratado de Arquitetura,
de Louis Cloquet2. A obra, que já foi utilizada
como livro texto do curso de engenharia e
arquitetura da Escola Politécnica de São Paulo,
é composta por cinco volumes que contêm
uma série de princípios e recomendações
para projetos arquitetônicos. O volume IV
versa sobre os tipos de edifícios, incluindo
habitações privadas e coletivas, mercados e
matadouros, escolas, bibliotecas e museus,
prefeituras, hospitais, estações ferroviárias, etc.

É nesse volume, mais precisamente onde


o autor discorre sobre maisons ouvrière, ou
seja, ‘casa de trabalhadores’, que é possível
encontrar as referências existentes no projeto
da Vila Belga. Ao abordar as especificidades
das vilas operárias, Cloquet (1900) faz várias
recomendações considerando questões
como localização, salubridade, tipos de
unidade, programa e disposição dos cômodos, Volume IV do Traité d’Architecture de Cloquet,
localizado no acervo da Biblioteca Central da
Universidade Federal de Santa Maria

2
Arquiteto e engenheiro de pontes e estradas, nascido na Bélgica em 1849. Foi professor na Universidade de Gante e no Instituto
de Belas Artes de Antuérpia, na Bélgica, onde teve uma produção teórica significativa.
VILA BELGA: O CONJUNTO 25

possibilidades de agrupamento, diversidade e a Vila Belga está localizada a menos de um


identidade das residências, entre outros. quilômetro da Praça Saldanha Marinho, ponto
de convergência do centro de Santa Maria
Apesar de não ser possível afirmar com naquela época.
certeza que Vauthier se baseou na obra de
Cloquet, o fato desta ter sido publicada em Para Finger (2009, p. 126) “Ao adquirir
1898 e o projeto da Vila Belga datar do início glebas em meio a uma estrutura urbana já
do século XX, além da existência de um consolidada a Auxiliaire intencionava construir
volume do Traité nos arquivos do Liceu de apenas edifícios residenciais para atender a
Artes e Ofícios da Cooperativa dos Ferroviários alguns de seus funcionários, e não construir
de Santa Maria, possivelmente oriundo do uma vila autônoma isolada do restante da
acervo particular de Vauthier, dão margem ao cidade para abrigar toda sua equipe”. Com
entendimento de que o trabalho de Cloquet o passar dos anos e com o desenvolvimento
realmente influenciou o projeto da Vila Belga. da cidade, a Vila Belga foi se incorporando
cada vez mais à estrutura urbana, que foi se
Cloquet (1900), ao abordar a localização expandindo a sua volta.
das vilas operárias, aponta que há de se
ter cuidado com relação à escolha do Mesmo dentro dos núcleos urbanos, Cloquet
local de implantação. Para o autor, não é (1900) indica não vincular as vilas operárias
recomendado situar esses conjuntos em diretamente a importantes vias ou avenidas,
locais afastados das aglomerações urbanas mas sim em ruas menores que se ligam às
nem criar ‘bairros operários’ totalmente principais.
isolados, de forma a não segregar os
trabalhadores. Segundo o autor, isso "[...] os becos que ligam as grandes artérias
poderia criar locais de desordem ao suscitar permitem ao povo conviver com a burguesia
sentimentos hostis dos moradores em das ruas principais, partilhando as suas festas
relação à sociedade, fazendo-os se sentirem e associando-se às mesmas manifestações
mais expostos à exploração dos patrões. da vida pública, entrando no comércio, se não
na intimidade dos ricos; além disso, deixam
Nesse sentido, observa-se que a Vila Belga foi o trabalhador perto do seu trabalho, da
implantada de forma integrada à malha urbana escola onde vão os filhos, etc., da casa do rico
de Santa Maria, não havendo nenhum tipo de caridoso, disposto a visitar o pobre doente ou o
separação entre o conjunto e a cidade. Por mais desamparado sem recursos." (CLOQUET, 1900,
que esteja mais próxima à estação ferroviária, p. 98, tradução nossa)
VILA BELGA: O CONJUNTO 26

Mapa de Santa Maria


em 1922. Em amarelo,
a Vila Belga.
Fonte: adaptado de
(LANDÓ; LENGLER;
FRANCISCONI, 1967).

Vista aérea de Santa


Maria na década
de 1940. É possível
observar a integração
da Vila Belga (em
destaque) com a
malha urbana.
Fonte: adaptado
de (MARCHIORI;
MACHADO; NOAL,
2008, p. 46).
VILA BELGA: O CONJUNTO 27

A VILA BELGA,
localizada próxima
à estação ferroviária
e à Av. Rio Branco,
está distribuída
em quatro ruas:
Rua Manoel Ribas,
Rua Dr. Wauthier,
Rua Ernesto Beck e
Rua André Marques.

LEGENDA
1 Rua Manoel Ribas
2 Rua Dr. Wauthier
3 Rua Ernesto Beck
4 Rua André Marques

Vila Belga
Estação Ferroviária
Av. Rio Branco

A Vila Belga também cumpre esse requisito. Portanto, a decisão de construir a Vila
As residências estão distribuídas nas ruas Belga nessa região e não do outro lado dos
Manoel Ribas, Ernesto Beck, Dr. Wauthier e trilhos, caso a preocupação fosse somente
André Marques, todas vias locais, ou seja, de a proximidade com o local de trabalho,
menor importância na hierarquia urbana, mas considerando que aquela era uma área ainda
ainda assim próximas a uma das principais incipiente, denota que havia outras questões
avenidas da cidade, a Avenida Rio Branco. a serem consideradas, como a integração
Com a construção da ferrovia, no final do do morador com a malha urbana existente,
século XIX, a Avenida Rio Branco tornou-se tornando-o parte da cidade.
uma das principais vias de Santa Maria, pois
funcionava como um elo de ligação entre Segundo Blois Filho (2018, p. 140) “O tecido
a estação ferroviária e a Praça Saldanha proposto se integra ao tecido adjacente
Marinho, no centro da cidade. Por este motivo, criando várias possibilidades de acessibilidade,
concentrava grande parte do comércio e da significando a liberdade que o trabalhador
rede hoteleira, além de muitas residências de dispõe para ir e vir”. Ou seja, há uma fluidez
alto padrão e vários empreendimentos. entre a Vila Belga e o restante da malha
VILA BELGA: O CONJUNTO 28

urbana a partir da não existência de uma sentido longitudinal, de pedras irregulares


delimitação clara ou de acessos únicos para o que acompanhava todo o comprimento dos
conjunto, fazendo com que o morador não se quarteirões. Nas esquinas e no meio de cada
sinta segregado. quarteirão havia, ainda, uma faixa de cerca de
dois metros de largura, também de pedras
Além disso, não há uma hierarquia entre as irregulares, ligando uma calçada a outra.
ruas, que seguem um mesmo padrão de Dessa forma, possibilitava-se um percurso
largura. Essa característica, somada à fluidez seguro mesmo nos dias de mau tempo. O
dos acessos, possivelmente está relacionada restante das ruas era de chão batido, que
com o fato de a Vila Belga ter sido projetada periodicamente era restaurado e nivelado.
para abrigar funcionários de um mesmo
nível dentro da estrutura administrativa, A questão da salubridade é abordada por
que podiam usufruir de um certo grau de Cloquet (1900) tanto em relação à largura
autonomia e liberdade. das ruas, como também no que concerne
à infraestrutura das edificações. Para o
Para Cloquet (1900) havia ainda a autor, o abastecimento de água e o bom
preocupação com a salubridade dos funcionamento da rede de esgoto eram dois
conjuntos urbanos. Nesse sentido, pontos fundamentais a serem observados,
condenava as ruelas e becos estreitos, o que reforçava a importância de não situar
propondo que as ruas tivessem no mínimo as aglomerações operárias em regiões
dez metros entre os alinhamentos das suburbanas, que na maioria das vezes eram
edificações, ou a largura correspondente à desprovidas desses sistemas.
altura da edificação mais alta, justamente
para garantir a ventilação e iluminação A preocupação com a salubridade vinculada
adequadas. A Vila Belga, com ruas aos conjuntos operários, através de uma
relativamente largas, entre doze e quatorze infraestrutura de saneamento adequada,
metros, cumpre esse requisito. boa iluminação e ventilação, está presente
na Vila Belga. As casas contavam, desde sua
Tais ruas contavam, no início, com o chamado construção, com água encanada e esgoto,
‘meio-calçamento’, utilizado na época primeiramente por um sistema de fossas
como uma forma econômica de assegurar sépticas e posteriormente ligado ao esgoto
às pessoas um percurso a pé sem pisar na da rede geral. Cada casa possuía uma latrina,
lama ou na água. Ou seja, a partir do meio- localizada na parte posterior da residência,
fio existia uma faixa de um metro e meio, no junto ao pátio e geralmente separada do bloco
VILA BELGA: O CONJUNTO 29

principal da edificação. Além disso, o conjunto


de residências já contava com luz elétrica.

A umidade era outro fator a ser combatido


e, para isso, Cloquet (1900) afirma que as
paredes devem ser espessas e as edificações
cercadas por calçadas, de forma a evitar
qualquer infiltração. As paredes externas
das residências da Vila Belga, que possuem
entre 20 e 30 centímetros de espessura, e
a existência de calçadas, o que pode ser
observado desde as fotografias mais antigas
Foto da Vila Belga em 1914, na qual é
do conjunto, indicam que essas questões possível observar o ‘meio-calçamento’.
Fonte: acervo da Casa de
também foram consideradas. Memória Edmundo Cardoso
[...] na Vila Belga,
a diferenciação
entre as unidades
habitacionais não
ocorre apenas através
da diversidade
tipológica, mas
também através
de um inteligente
e expressivo
jogo de detalhes
arquitetônicos.
SCHLEE, 1996,
p. 7 apud LOPES, 2002, p. 184
VILA BELGA: A ARQUITETURA 34

VILA BELGA:
A ARQUITETURA

A
Vila Belga é composta por 41 teriam direito a residências semelhantes.
edificações com arquitetura
eclética, todas térreas e As edificações foram construídas todas com
geminadas, ou seja, agrupadas um pavimento, alinhadas à testada do lote,
duas a duas. A exceção fica por conta de ou seja, sem recuos frontais, e com pequenos
uma única unidade da tipologia 5, que segue recuos laterais. Essa característica está de
as mesmas características arquitetônicas acordo com o que era produzido em Santa
das outras edificações de mesma tipologia, Maria na época, quando as construções
porém se apresenta como uma residência eram regidas por ‘posturas municipais’, ou
isolada, sem a sua ‘dupla’ geminada. seja, por uma série de condicionantes e
parâmetros que visavam ordenar o espaço
A opção por edificar todo o conjunto urbano de forma a proporcionar um aspecto
seguindo um mesmo modelo – casas uniforme às ruas. Esse conjunto de regras
geminadas, ou chamadas de accolée por estabelecia a construção no alinhamento
Cloquet (1900) – pode ser explicada da das ruas, o que pode ser observado em
mesma forma que a não existência de uma diversas outras edificações da época. Além
hierarquia entre as ruas do conjunto. A disso, a configuração dos lotes da Vila Belga,
Vila Belga foi projetada para trabalhadores estreitos e longos, também segue um
de um mesmo nível dentro da estrutura padrão similar aos outros lotes da cidade
administrativa da empresa e que, portanto, nesse período.
VILA BELGA: A ARQUITETURA 35

As edificações geminadas, dispostas


lateralmente duas a duas e sem recuos
frontais, com o quintal localizado no fundo
do lote, permitem certo isolamento e
garantem privacidade aos moradores. Essas
características reforçam o papel da residência
como local de repouso, recuperação das
energias e vida familiar, típico das propostas
das vilas operárias. Nesse aspecto, Cloquet
(1900) afirmava que considerando o dia a dia
do trabalhador, a privacidade das residências
era necessária do ponto de vista moral, pois
o retorno para casa depois do trabalho era o
único momento do dia em que este poderia
desfrutar de tempo sozinho.

"É necessário, portanto, procurar evitar


contatos demasiado íntimos entre as várias
habitações dos trabalhadores, isolá-las
tanto quanto possível, afastando as portas
de entrada das habitações; separando as
avenidas; evitando corredores comuns;
interceptando vistas de uma habitação para
outra; evitar instalações e locais que sirvam
a dois domicílios, como lavatórios, bombas,
galpões, etc." (CLOQUET, 1900, p. 102,
Edificações
tradução nossa) construídas junto ao
alinhamento, sem
recuos frontais
Os jardins ou pátios, que devem ter no
mínimo a profundidade equivalente à altura
da casa, também são pontuados pelo autor
como imprescindíveis para garantir insolação
e ventilação adequadas (CLOQUET, 1900).
No caso da Vila Belga, o formato alongado
VILA BELGA: A ARQUITETURA 36

dos lotes faz com que esse requisito seja acordo com os materiais encontrados na região
cumprido, e que a profundidade permita ainda e as necessidades locais.
modificações e a expansão das unidades, de
acordo com a necessidade de seus moradores. Quanto à materialidade, as edificações
apresentam técnicas mistas. As paredes
Ainda para garantir uma ventilação adequada, externas, as de meação – que separam duas
Cloquet (1900) recomendava a utilização unidades geminadas – e algumas internas
de um pé direito mínimo de três metros. As foram construídas em alvenaria de tijolos
residências da Vila Belga, com pé direito entre maciços, rebocados com argamassa de cal
três e quatro metros, cumprem esse requisito. e areia. Outras divisórias internas eram de
madeira, de forma a facilitar a adaptação
De modo geral, as unidades são compostas por da residência às necessidades específicas
sala, cozinha, ‘varanda’ (sala de jantar), quarto(s) e de cada família, possibilitando a integração
latrina, esta geralmente em edificação separada, ou alteração no tamanho dos cômodos.
localizada aos fundos. A distribuição está em As fachadas externas possuíam todas uma
consonância com o que era recomendado por mesma cor, acabamento este que não é mais
Cloquet (1900), para o qual o programa de uma visível atualmente em função das reformas e
residência operária geralmente incluía: uma sala, pinturas ocorridas ao longo dos anos.
uma cozinha-lavanderia, quartos em número
de dois ou três, pátio e banheiro. O autor ainda Os forros e os pisos internos também eram,
ressalta que o ideal para uma família são três originalmente, de madeira. O piso era
quartos, “[...] um para os pais e outro para os filhos elevado a fim de controlar a umidade, outra
de cada um dos dois sexos” (CLOQUET, 1900, p. preocupação presente nas vilas operárias,
102, tradução nossa). associada à busca pela salubridade e boas
condições de habitabilidade das residências.
O conjunto possui arquitetura eclética, com
inspiração Art Nouveau, principalmente Em função da topografia dos lotes, em
nos elementos decorativos das aberturas, e algumas edificações essa altura entre o
utilização de técnicas construtivas tradicionais piso e o solo propiciou a criação de um vão
da época. Assim como outras edificações ao qual alguns autores se referem como
ligadas à ferrovia, o projeto da Vila Belga sofreu ‘porões’. Apesar do nome, esses espaços
influência do que era produzido na Europa, não se configuravam como um cômodo
em razão da nacionalidade da Compagnie propriamente dito, visto que sua altura não
Auxiliaire, porém contou com adaptações de permitia que uma pessoa ficasse em pé no
VILA BELGA: A ARQUITETURA 37

seu interior, além do fato de que o piso era de


terra batida, ou seja, sem acabamento. Para
a ventilação do vão desses ‘porões’, entre o
piso da edificação e o solo, fazia-se o uso de
‘gateiras’, ou seja, pequenas aberturas na
fachada fechadas com gradis para evitar a
entrada de animais.

As fundações são do tipo sapata corrida


em pedra gres, assentadas com argamassa
de cal e areia e rebocadas devido à grande
porosidade da pedra. As coberturas originais
eram de telhados em duas águas, com telhas
de barro , do tipo capa e canal, sobre estrutura
de madeira. Além disso, todas as unidades
possuem beiral com calha, sem platibanda,
o que confere um aspecto de uniformidade
ao conjunto. Outro elemento que se repete
em todas as unidades é a cimalha, arremate
localizado no alto da parede onde se assentam
os beirais do telhado.

Os materiais utilizados eram, em sua maioria,


locais. A pedra gres utilizada nas fundações,
por exemplo, era abundante em Santa Maria
devido às inúmeras pedreiras existentes em
atividade, resultando na utilização desse
material também em outras edificações,
como a Estação Ferroviária. A madeira
também era oriunda da região e chegava,
muitas vezes, através do trem. Já os tijolos e “Gateiras” na fachada,
utilizadas para ventilação
telhas eram produzidos nas olarias da cidade. do piso elevado
As portas das fachadas frontais possuem janelas
na parte superior, denominadas ‘bandeiras’.
VILA BELGA: A ARQUITETURA 38

Algumas são separadas, criando um novo


recorte na fachada, e outras são junto à porta.
As janelas originais são do tipo guilhotina, com
caixilharia de 8, 12 ou 24 vidros, protegidas
por postigos, ou seja, pequenas portas que se
abrem para o interior da residência.

Apesar de o conjunto seguir um padrão


volumétrico, com características que se
mantém em todas as unidades, como a
construção em um pavimento, alinhamento
ao passeio e telhados com beiral, é possível
identificar elementos que se diferem e, assim,
conferem um caráter único às edificações.

Para Cloquet (1900), a diversidade das moradias


nos conjuntos operários era fundamental.
O autor afirma que “A uniformidade das
acomodações de um conjunto operário é
um defeito. Gera banalidade de aspecto e
monotonia; imprime o caráter de uniformidade,
que é a negação do respeito à individualidade
humana e marca a abjeção do proletariado”
(CLOQUET, 1900, p. 101, tradução nossa). O
autor complementa afirmando que o operário,
como qualquer outra pessoa, tem seus gostos
pessoais e particulares, o que fará com que ele
se apegue à casa que satisfaça suas preferências
e, consequentemente, queira usufruí-la. A
Janela com caixilharia
utilização de um único padrão de residência, de 12 vidros, com
postigos internos
portanto, ignora a personalidade do indivíduo.
Os conjuntos operários bem planejados devem
conter moradias variadas em importância,
disposição dos cômodos e aparência.
VILA BELGA: A ARQUITETURA 39

“Bandeiras”
localizadas na
parte superior
das portas
VILA BELGA: A ARQUITETURA 40

“Bandeiras”
localizadas na
parte superior
das portas

Essa preocupação em garantir a diversidade relação ao acesso. Em algumas das casas o


das unidades pode ser observada na acesso à residência é pela fachada frontal,
Vila Belga, manifestada em diferentes em outras pela lateral e há, ainda, as que
aspectos do projeto. Primeiramente, as possuem acesso pelos fundos do bloco
unidades variam em relação ao tamanho e principal. As duas últimas são possibilidades
número de cômodos, de forma a acomodar que decorrem da escolha de Vauthier por
configurações familiares diversas. Em trabalhar com residências geminadas, nas
segundo lugar, há uma variação com quais o afastamento lateral permite essas
VILA BELGA: A ARQUITETURA 41

diferentes configurações, o que não seria A combinação entre esses elementos –


possível no caso de residências em fita, por tamanho, acesso e leiaute – resultou em
exemplo. Observa-se, também, a diferença diferentes tipologias de residências, que
em leiautes e partidos volumétricos, dividindo conferem ao conjunto um aspecto singular em
o conjunto em três configurações: planta relação a outras vilas ferroviárias. Mesmo dentro
baixa retangular, planta baixa em L ou planta de uma mesma tipologia, é possível constatar
baixa em C. soluções que diferenciam as unidades.

LEGENDA
Exemplo de edificação com
planta baixa retangular
Exemplo de edificação com
planta baixa em L
Exemplo de edificação com
planta baixa em C
VILA BELGA: A ARQUITETURA 42

DETALHES PRESENTES NAS


FACHADAS QUE VARIAM ENTRE
AS UNIDADES DO CONJUNTO

CUNHAL
Reforço do ângulo
externo formado
pelo encontro da
fachada frontal com PILASTRA
a lateral Espécie de pilar
aderido à parede
da edificação

ARREMATES
DAS ABERTURAS

SOCO
Base aparente
da parede da
fachada principal

Nesse sentido, destaca-se a estratégia adotada edificação. Dentre esse conjunto de detalhes
em relação ao tratamento das fachadas, destacam-se os cunhais, pilastras, socos e
nas quais se observa um “expressivo jogo arremates das aberturas.
de detalhes arquitetônicos” (SCHLEE, 1996,
p. 7 apud LOPES, 2002, p. 184), que variam Os cunhais, elementos que fazem a ligação
conforme a tipologia e, também, conforme a entre duas paredes, nesse caso entre
VILA BELGA: A ARQUITETURA 43

Alguns exemplos do
tratamento de cunhais
e pilastras nas fachadas

a fachada frontal e a fachada lateral das também apresentam elementos decorativos


edificações, estão presentes em praticamente diferenciados. Quando existentes, tendem a
todas as unidades do conjunto . Porém,4
seguir o mesmo desenho dos cunhais.
recebem tratamentos decorativos diferentes
de algumas unidades para outras; enquanto A linha de soco, ou seja, a base aparente da
algumas edificações possuem cunhais lisos e parede da fachada frontal, apresenta variações
sem ornamentação, em outras eles apresentam de forma a se adaptar à declividade dos lotes,
reentrâncias e saliências, criadas em argamassa. tanto no sentido transversal, acompanhando
As pilastras, uma espécie de pilar aderido à a inclinação da rua, quanto longitudinal, na
parede da edificação, empregada para imprimir relação frente-fundos do terreno. Enquanto
ritmo às fachadas e demarcar o intervalo dos em algumas edificações esse elemento está
vãos, são utilizadas em parte do conjunto e bem proeminente, em outras ele é inexistente

4
Somente em uma edificação, localizada na Rua Manoel Ribas, não foi identificada a presença de cunhal. Essa é uma das
edificações que apresenta descaracterização da fachada em relação à composição original.
VILA BELGA: A ARQUITETURA 44

ou quase imperceptível. Visto que esse é alegre e pitoresca; sendo a beleza pitoresca
um detalhe condicionado à topografia do a única que não é dispendiosa, não se pode
terreno, observa-se a existência de edificações privar dela os pobres” (CLOQUET, 1900, p.
pertencentes à mesma tipologia, porém 101, tradução nossa). Assim, percebe-se que
com linhas de soco e/ou tamanhos de base houve também a preocupação em projetar
diferentes, resultando em residências de o conjunto pensando em seus atributos
aparência distintas. estéticos – e não só na funcionalidade ou
economicidade – de forma a fornecer ao
Por fim, um dos elementos que mais confere morador uma residência bela, harmoniosa e
singularidade às edificações são os arremates visualmente agradável.
das aberturas, ou seja, os relevos em massa que
ornamentam as portas e janelas das fachadas O conjunto de características apresentadas
externas. Ora elaborados em formas curvas, com denota uma dualidade existente na Vila Belga
floreios e detalhes vazados que remetem ao entre as noções de uniformidade e diversidade.
estilo Art Nouveau, ora seguindo uma tendência “Ao percorrermos o conjunto podemos sentir a
retilínea, com linhas e formas simplificadas, tais peculiar impressão de unidade na diversidade
elementos se apresentam de formas diferentes, e ao mesmo tempo, diversidade na unidade”
imprimindo um caráter único para cada uma (LOMPA, 2001, p. 152).
das edificações. A partir da combinação entre
esses elementos, é possível afirmar, portanto, A construção das edificações, todas alinhadas
que não existem duas construções totalmente ao passeio e ocupando quase toda a testada
iguais em todo o conjunto. do lote, além da repetição de elementos, como
os telhados e cimalhas entre as unidades,
Visto que, originalmente, as edificações da Vila demonstra a intenção de preservar a ideia de
Belga eram todas da mesma cor, trabalhar a conjunto, promovendo uma identidade para a
fachada a partir da composição de diferentes vila ferroviária. Paralelamente, o cuidado com
elementos era uma forma de promover a a diferenciação das residências, em planta e
diferenciação das unidades conforme a sua volumetria, mas principalmente através do
aparência e enfatizar a individualidade entre tratamento de fachadas, revela a preocupação
as residências. Além disso, a ornamentação da em atender às diferentes necessidades das
fachada atende, ainda, a outro ponto exposto famílias e resguardar a sua individualidade. Ou
por Cloquet (1900), relativo à estética das seja, ao mesmo tempo em que era importante
edificações. Segundo o autor, “Serão feitos que o morador se sentisse parte do coletivo, este
esforços para dar à construção uma aparência também deveria sentir-se individualizado.
É desejável que
as moradias dos
trabalhadores sejam
variadas em razão da
diversidade das famílias,
seus costumes e suas
necessidades.
CLOQUET, 1900,
p. 99, tradução nossa

[...] grupos de casas


de trabalhadores
bem planejados
devem conter séries
de moradias variadas
em importância,
disposição dos
cômodos e aparência.
CLOQUET, 1900,
p. 101, tradução nossa
VILA BELGA: AS TIPOLOGIAS 49

VILA BELGA:
AS TIPOLOGIAS

S
eguindo os preceitos das vilas Um mapa datado de 27 de agosto de 1920,
operárias, e também dentro do que portanto mais de uma década depois da
era recomendado por Cloquet (1900), construção da Vila Belga, e que apresenta
as residências da Vila Belga foram um levantamento das edificações mostra 85
divididas em diferentes tipologias, de forma a unidades divididas em 9 tipologias, sendo que
acomodar perfis distintos de famílias. três delas apresentam variações (tipologias 3
e 3a, 4 e 4a, 7 e 7a). A legenda do mapa traz
As edificações não foram divididas por as informações acerca de quais unidades
importância ou classe, visto que o conjunto pertencem a cada uma das tipologias,
era direcionado para trabalhadores relacionando-as pelo número da residência.
pertencentes a um mesmo grupo, o
que levou à construção de todas as Das 9 tipologias elencadas, a demolição de
unidades dentro de uma mesma solução uma (tipologia 8) e o uso não residencial de
projetual (casas geminadas). Ao invés outra (tipologia 9) reduzem o conjunto para
disso, a preocupação com a diferenciação 7 tipologias. A única unidade da tipologia 8,
das residências, de forma a atender às localizada na esquina das Ruas Manoel Ribas
diferentes necessidades das famílias, e Dr. Wauthier, foi demolida, juntamente com
manifestou-se através da diversificação das uma unidade da tipologia 4, para dar lugar
unidades em planta baixa e em número de ao prédio da Associação dos Empregados da
cômodos. Viação Férrea do Rio Grande do Sul.
VILA BELGA: AS TIPOLOGIAS 50

Mapa da Vila Belga de 1920 mostra a divisão do conjunto em 9 tipologias. No detalhe aumentado,
a legenda do mapa, que identifica quais edificações pertencem a cada tipologia.
Fonte: Acervo pessoal de Caryl Eduardo Jovanovich Lopes, adaptado pela autora (2022).
VILA BELGA: AS TIPOLOGIAS 51

LOCALIZAÇÃO DAS EDIFICAÇÕES DAS TIPOLOGIAS 8 E 4,


QUE FORAM DEMOLIDAS, E DA TIPOLOGIA 9, NÃO RESIDENCIAL

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Rua M

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Rua D

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Rua E

LEGENDA
Tipologia 4 (demolida) Tipologia 3 (demolida) Tipologia 9 (demolida)

Uma fotografia panorâmica de Santa Maria da do antigo açougue, construído em 1920, e à


década de 1910 mostra as duas unidades antes esquerda, o Armazém Central, quando ainda
de serem demolidas. Em outra fotografia era uma edificação de esquina.
é possível visualizar a unidade da tipologia
8, na esquina das ruas Manoel Ribas e Dr. Já a tipologia 9 aparece na legenda do mapa
Wauthier. Estima-se que a fotografia seja da de 1920 como “Pharmácia”. Pela data do mapa,
década de 1920, pois foi tirada quando ainda e considerando que só em 1921 a farmácia da
existia a continuação da Rua Dr. Wauthier CCEVFRGS instalou-se em um prédio próprio
até a gare, no terreno onde, em 1933, seria da Cooperativa, é possível concluir que nesta
concluída a sede da Cooperativa de Consumo edificação estava localizada a farmácia que
dos Empregados da Viação Férrea do Rio fora instalada pela Compagnie Auxiliaire, que
Grande do Sul (CCEVFRGS). À direita é possível posteriormente passou a ser propriedade da
identificar uma pequena parcela do prédio CCEVFRGS e mudou de local.
VILA BELGA: AS TIPOLOGIAS 52

VISTA PANORÂMICA DE SANTA MARIA NA DÉCADA DE 1910.


A seta vermelha indica as duas unidades que foram demolidas para a construção do prédio da Associação
dos Empregados da Viação Férrea.Fonte: acervo da Casa de Memória Edmundo Cardoso.

Apesar de não terem sido encontrados registros Comparando com seu estado atual percebe-
da planta baixa dessa tipologia, conclui-se que se que a edificação foi descaracterizada ao
a edificação já foi construída com finalidade longo do tempo, principalmente com relação
não residencial. A análise da fachada suporta às esquadrias, que foram substituídas e
essa conclusão, ao observar-se que esta difere convertidas em quatro janelas, e à falta dos
das outras do conjunto, principalmente com arremates decorativos, que foram suprimidos.
relação às esquadrias e ornamentação. Apesar
de possuir alguns elementos similares a outras Portanto, das 85 unidades que constam no
unidades, a fachada dessa edificação não mapa, conclui-se que o conjunto residencial da
mantém o mesmo ritmo entre as aberturas, que Vila Belga era originalmente composto por 83
normalmente são igualmente espaçadas. Uma unidades. Com a demolição de duas unidades
fotografia da Vila Belga datada de 1914, na qual (tipologia 8 e uma unidade da tipologia 4) e a
é possível visualizar a edificação parcialmente, utilização conjunta de uma edificação da tipologia
revela que a fachada original era composta por 3a, o conjunto passou a contar com 7 tipologias
duas portas centrais e duas janelas, uma para residenciais, distribuídas em 41 edificações
cada lado. Além disso, observa-se o uso de e 80 unidades, número que se mantém
frisos e uma forma de ornamentação nas portas até hoje, apesar de algumas apresentarem
diferente do que se vê nas outras unidades. descaracterizações e mudanças de uso.
VILA BELGA: AS TIPOLOGIAS 53

A VILA BELGA NA DÉCADA DE 1920.


À direita, observa-se o primeiro açougue (edificação mais clara)
e a edificação da tipologia 8, na esquina das ruas Manoel Ribas
e Dr. Wauthier. À esquerda, o Armazém Central.Fonte: acervo da
Casa de Memória Edmundo Cardoso.
VILA BELGA: AS TIPOLOGIAS 54

MAPA DA VILA BELGA COM A LOCALIZAÇÃO DAS


7 TIPOLOGIAS E SUAS RESPECTIVAS EDIFICAÇÕES

Rua
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Rua M

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LEGENDA

Tipologia1 Tipologia 4a
Tipologia 2 Tipologia 5
Tipologia 3 Tipologia 6
Tipologia 3a Tipologia 7
Tipologia 4 Tipologia 7a

O cruzamento do mapa de 1920 com as fundos do bloco principal), ao número de


cópias das plantas baixas das edificações, quartos, à disposição das aberturas e à
datadas desta mesma década, possibilitou composição da fachada frontal.
a análise de quais aspectos diferenciam as
tipologias elencadas no mapa. Observa- Outra classificação, porém, apresenta um
se, portanto, que as 7 tipologias variam em número menor de variações. No processo
relação à configuração em planta baixa de tombamento da Vila Belga, em 1996, o
(retangular, em L ou em C), à localização arquiteto Andrey Rosenthal Schlee identificou
do acesso principal (frontal, lateral ou pelos 5 tipos de edificações. Essa categorização
VILA BELGA: AS TIPOLOGIAS 55

TIPOLOGIA 9, (a) em 1914 (primeira edificação à esquerda) e (b) atualmente.


Fonte: (a) Acervo da Casa de Memória Edmundo Cardoso
VILA BELGA: AS TIPOLOGIAS 56

TIPO 1
Morada geminada com acesso na fachada lateral,
caracterizada por apresentar quatro janelas de
guilhotina em sua fachada frontal e uma porta central
na fachada lateral.

TIPO 2
Morada geminada com acesso na fachada principal
(I), caracterizada por apresentar quatro janelas de
guilhotina separadas, duas a duas, pela união das duas
portas das unidades habitacionais.

TIPO 3
Morada geminada com acesso por recuo lateral,
caracterizada por apresentar quatro janelas de
guilhotina em sua fachada frontal, fachada lateral cega
e as portas das unidades nos fundos do bloco principal.

TIPO 4
Morada geminada com acesso na fachada principal (II),
caracterizada por apresentar seis janelas de guilhotina,
três por unidade, e duas portas afastadas uma da outra.

TIPO 5
Morada geminada com acesso na fachada principal
(III), caracterizada por apresentar quatro janelas de
guilhotina, duas por unidade e duas portas afastadas
uma da outra.

Fonte: adaptado de (SCHLEE, 1996 apud LOPES, 2002, p. 183)


VILA BELGA: AS TIPOLOGIAS 57

priorizou aspectos como os acessos a cada tipo 1, já que todas também possuem quatro
uma das edificações (frontal, lateral e pelos janelas na fachada frontal, mas acesso principal
fundos do bloco principal) e a conformação pela fachada lateral.
das esquadrias na fachada frontal. Portanto,
edificações que apresentam variação em Neste estudo optou-se por trabalhar com
planta (configuração ou número de quartos), as tipologias identificadas no mapa de 1920,
mas que são semelhantes em relação à considerando residências que possuem
fachada frontal ou ao acesso, foram agrupadas mesma fachada mas disposições de planta
no mesmo tipo. diferentes como tipologias distintas. Entende-
se que aspectos como as variações de planta
O quadro 1 mostra a relação entre as tipologias baixa e o número de quartos também são
discriminadas no mapa de 1920 e os tipos relevantes para a classificação das edificações,
identificados por Schlee (1996). As tipologias 1, visto que contribuem para promover a
2 e 3 (e a variação 3a) foram consideradas como diversificação do conjunto. Além disso, esses
um mesmo tipo (tipo 3) pelo fato de todas aspectos estão em consonância com o que era
apresentarem quatro janelas na fachada frontal recomendado para as vilas operárias, e o que
e acesso pelos fundos do bloco principal. Da dizia o Traité d’Architecture de Cloquet (1900),
mesma forma, as edificações da tipologia 4 e com relação à diferenciação de unidades
das variações 4a e 7a foram classificadas como conforme os tamanhos das famílias.

TIPOLOGIAS CONFORME O MAPA DE 1920 TIPOS IDENTIFICADAS POR SCHLEE (1996)


Tipologia 1 Tipo 3
Tipologia 2 Tipo 3
Tipologia 3 Tipo 3
Tipologia 3a Tipo 3
Tipologia 4 Tipo 1
Tipologia 4a Tipo 1
Tipologia 5 Tipo 5
Tipologia 6 Tipo 4
Tipologia 7 Tipo 2
Tipologia 7a Tipo 1

Quadro 1 – Relação entre as tipologias do mapa de 1920 e os tipos identificados por Andrey Schlee
VILA BELGA: AS TIPOLOGIAS 58

TIPOLOGIA 1

A tipologia 1 é configurada por uma


planta em L, com o acesso principal A tipologia 1 pode ser
localizado nos fundos do bloco observada em quatro
principal. A edificação conta com edificações do conjunto,
sala, varanda (sala de jantar), cozinha resultando em oito
e um quarto apenas, e a latrina fica residências, nos seguintes
localizada nos fundos, em uma endereços:
construção separada. Rua Ernesto Beck, nº 2102-
2112, nº 2116-2126, nº 2130-2140.
A fachada frontal é composta por Rua Dr. Wauthier, nº 32-42.
quatro janelas do tipo guilhotina com
caixilharia de doze vidros, sendo duas
janelas por unidade. Todas as unidades
apresentam pilastras na fachada.
VILA BELGA: AS TIPOLOGIAS 59

PLANTA BAIXA DA TIPOLOGIA 1

2 3 4
5 1. SALA
2. QUARTO
3. VARANDA
4. COZINHA
5 5. LATRINA
2 3 4 ACESSO

LOCALIZAÇÃO DAS EDIFICAÇÕES DA TIPOLOGIA 1

Ribas
anoel
Rua M
Rua
And
Rua D

ré M
r. Wa

arqu
es
uthie
r

k
o Bec
rnest
Rua E
Av
.R
io
B
ran
co
VILA BELGA: AS TIPOLOGIAS 60

TIPOLOGIA 1
Rua Dr. Wauthier nº 32-42
VILA BELGA: AS TIPOLOGIAS 61

TIPOLOGIA 1
Rua Ernesto Beck nº 2102-2112
VILA BELGA: AS TIPOLOGIAS 62

TIPOLOGIA 1
Rua Ernesto Beck nº 2116-2126
VILA BELGA: AS TIPOLOGIAS 63

TIPOLOGIA 1
Rua Ernesto Beck nº 2130-2140
VILA BELGA: AS TIPOLOGIAS 64

TIPOLOGIA 2

A tipologia 2 é similar à tipologia 1,


com planta em L e acesso principal Quatro edificações do
pelos fundos do bloco principal. conjunto possuem a tipologia
Porém, as edificações dessa 2, resultando em oito
tipologia contam com dois quartos, residências, localizadas nos
além de sala, varanda e cozinha. endereços:
Assim como na tipologia anterior, a Rua Ernesto Beck, nº 2131-
latrina fica localizadas nos fundos, 2141, nº 2145-2155.
em um bloco separado. Rua Dr. Wauthier, nº 04-14,
nº 18-28.
A fachada frontal é composta por
quatro janelas do tipo guilhotina com
caixilharia de doze vidros, sendo duas
janelas por unidade. Todas as unidades
apresentam pilastras na fachada.
VILA BELGA: AS TIPOLOGIAS 65

PLANTA BAIXA DA TIPOLOGIA 2

1
ACESSO

2 2 3 4
5 1. SALA
2. QUARTO
3. VARANDA
4. COZINHA
5 5. LATRINA
2 2 3 4

ACESSO
1

LOCALIZAÇÃO DAS EDIFICAÇÕES DA TIPOLOGIA 2

Ribas
anoel
Rua M
Rua
And
Rua D

ré M
r. Wa

arqu
es
uthie
r

k
o Bec
rnest
Rua E
Av
.R
io
Bran
co
VILA BELGA: AS TIPOLOGIAS 66

TIPOLOGIA 2
Rua Dr. Wauthier nº 04-14
VILA BELGA: AS TIPOLOGIAS 67

TIPOLOGIA 2
Rua Dr. Wauthier nº 18-28
VILA BELGA: AS TIPOLOGIAS 68

TIPOLOGIA 2
Rua Ernesto Beck nº 2131-2141
VILA BELGA: AS TIPOLOGIAS 69

TIPOLOGIA 2
Rua Ernesto Beck nº 2145-2155
VILA BELGA: AS TIPOLOGIAS 70

TIPOLOGIA 3

As edificações da tipologia 3
possuem planta em C, com acesso A tipologia 3 pode ser
pelos fundos do bloco principal. encontrada em sete
Cada residência contava edificações, totalizando
originalmente com sala, varanda quatorze residências. Essas
(sala de jantar), cozinha e três edificações estão localizadas
quartos, além da latrina, localizada nos seguintes endereços:
nos fundos e separada do bloco Rua Ernesto Beck nº 2045-
principal. 2055, nº 2059-2071, nº 2075-
2085, nº 2103-2113,
A fachada frontal da tipologia 3 é nº 2117-2127.
composta por quatro janelas do Rua Dr. Wauthier nº 140-
tipo guilhotina com caixilharia de 150, nº 141-151.
doze vidros, sendo duas janelas
por unidade.
VILA BELGA: AS TIPOLOGIAS 71

PLANTA BAIXA DA TIPOLOGIA 3

1 ACESSO
2

2 2 3 4 5
1. SALA
2. QUARTO
3. VARANDA
5 4. COZINHA
5. LATRINA
2 2 3 4

ACESSO
1 2

LOCALIZAÇÃO DAS EDIFICAÇÕES DA TIPOLOGIA 3

Ribas
anoel
Rua M
Rua
And
Rua D

ré M
r. Wa

arqu
es
uthie
r

k
o Bec
rnest
Rua E
Av
.R
io
B
ran
co
VILA BELGA: AS TIPOLOGIAS 72

TIPOLOGIA 3
Rua Dr. Wauthier nº 140-150
VILA BELGA: AS TIPOLOGIAS 73

TIPOLOGIA 3
Rua Dr. Wauthier nº 141-151
VILA BELGA: AS TIPOLOGIAS 74

TIPOLOGIA 3
Rua Ernesto Beck nº 2045-2055
VILA BELGA: AS TIPOLOGIAS 75

TIPOLOGIA 3
Rua Ernesto Beck nº 2059-2071
VILA BELGA: AS TIPOLOGIAS 76

TIPOLOGIA 3
Rua Ernesto Beck nº 2075-2085
VILA BELGA: AS TIPOLOGIAS 77

TIPOLOGIA 3
Rua Ernesto Beck nº 2103-2113
VILA BELGA: AS TIPOLOGIAS 78

TIPOLOGIA 3
Rua Ernesto Beck nº 2117-2127
VILA BELGA: AS TIPOLOGIAS 79

TIPOLOGIA 3a

A tipologia 3a se apresenta como


uma variação da tipologia 3. Em A tipologia 3a conta com
termos de leiaute, também possui três edificações, totalizando
planta em C e acesso pelos fundos cinco residências, todas
do bloco principal. As residências localizadas na Rua Manoel
contém sala, varanda (sala de Ribas nos endereços:
jantar), cozinha e três quartos, Rua Manoel Ribas nº 1924,
com a latrina também localizada nº 1928-1938, nº 1923-1935
em edificação separada, na parte
traseira do terreno.

As diferenças entre a tipologia


3 e a tipologia 3a aparecem,
principalmente, na fachada, na
qual é possível identificar quatro
janelas do tipo guilhotina, duas por
unidade, porém com caixilharia de
24 vidros. Outra diferença são as
pilastras na fachada, presentes na
tipologia 3 e ausentes na 3a.
VILA BELGA: AS TIPOLOGIAS 80

PLANTA BAIXA DA TIPOLOGIA 3a

1 ACESSO 2

2 2 3 4
5 1. SALA
2. QUARTO
3. VARANDA
5 4. COZINHA
2 2 3 4 5. LATRINA

1 ACESSO 2

LOCALIZAÇÃO DAS EDIFICAÇÕES DA TIPOLOGIA 3a

Ribas
anoel
Rua M
Rua
And
Rua D

ré M
r. Wa

arqu
es
uthie
r

k
o Bec
rnest
Rua E
Av
.R
io
B
ran
co
VILA BELGA: AS TIPOLOGIAS 81

TIPOLOGIA 3a
Rua Manoel Ribas nº 1923-1935
VILA BELGA: AS TIPOLOGIAS 82

TIPOLOGIA 3a
Rua Manoel Ribas nº 1924

RUA MANOEL RIBAS


VILA BELGA: AS TIPOLOGIAS 83

TIPOLOGIA 3a
Rua Manoel Ribas nº 1928-1938
VILA BELGA: AS TIPOLOGIAS 84

TIPOLOGIA 4

A tipologia 4 apresenta planta


retangular (bloco principal), com Seis edificações possuem a
acesso pela fachada lateral. As tipologia 4, resultando em
residências possuem sala, varanda doze residências. Todas elas
(sala de jantar) e dois quartos, estão localizadas na Rua
localizados no bloco principal. Manoel Ribas, nos seguintes
A cozinha e a latrina ficam em endereços:
blocos separados e independentes Rua Manoel Ribas
da edificação maior. A fachada nº 1907-1919, nº 1942-1954,
frontal é composta por quatro nº 1958-1972, nº 1976-1990,
janelas do tipo guilhotina com nº 1994-2008, nº 2009-2021.
caixilharia de doze ou 24 vidros,
sendo duas janelas por unidade.
VILA BELGA: AS TIPOLOGIAS 85

PLANTA BAIXA DA TIPOLOGIA 4

ACESSO

1 2

2 3 4 5 1. SALA
2. QUARTO
3. VARANDA
4. COZINHA
5 5. LATRINA
2 3 4

1 2

ACESSO

LOCALIZAÇÃO DAS EDIFICAÇÕES DA TIPOLOGIA 4

Ribas
anoel
Rua M
Rua
And
Rua D

ré M
r. Wa

arqu
es
uthie
r

k
o Bec
rnest
Rua E
Av
.R
io
B
ran
co
VILA BELGA: AS TIPOLOGIAS 86

TIPOLOGIA 4
Rua Manoel Ribas nº 1907-1919
VILA BELGA: AS TIPOLOGIAS 87

TIPOLOGIA 4
Rua Manoel Ribas nº 1942-1954
VILA BELGA: AS TIPOLOGIAS 88

TIPOLOGIA 4
Rua Manoel Ribas nº 1958-1972
VILA BELGA: AS TIPOLOGIAS 89

TIPOLOGIA 4
Rua Manoel Ribas nº 1976-1990
VILA BELGA: AS TIPOLOGIAS 90

TIPOLOGIA 4
Rua Manoel Ribas nº 1994-2008
VILA BELGA: AS TIPOLOGIAS 91

TIPOLOGIA 4
Rua Manoel Ribas nº 2009-2021
VILA BELGA: AS TIPOLOGIAS 92

TIPOLOGIA 4a

A tipologia 4a é uma variação Ao se manifestar em apenas uma


da tipologia 4, que se diferencia residência, localizada na Rua Manoel
principalmente com relação Ribas, nº 2005, a tipologia 4a ‘divide’
ao leiaute interno. Enquanto a a edificação com uma unidade da
anterior apresenta dois quartos, tipologia 7a, por isso, em planta
sala e varanda no bloco principal, a baixa, aparece somente a metade
tipologia 4a conta com três quartos da edificação. A fachada frontal é
e varanda (sala de jantar). A cozinha composta por quatro janelas do
e a latrina também se localizam em tipo guilhotina com caixilharia de
blocos independentes e afastados doze vidros, sendo duas janelas da
da edificação principal. Nos demais unidade da tipologia 4a e as outras
aspectos as tipologias 4 e 4a duas da unidade da tipologia 7a.
apresentam semelhança: planta A edificação se encontra preservada,
retangular (bloco principal) com sem descaracterização da fachada.
acesso pela fachada lateral.
VILA BELGA: AS TIPOLOGIAS 93

PLANTA BAIXA DA TIPOLOGIA 4a

ACESSO

1. SALA
2 2 2. QUARTO
3. VARANDA
4. COZINHA
5. LATRINA
5

2 3
4

LOCALIZAÇÃO DAS EDIFICAÇÕES DA TIPOLOGIA 4a

Ribas
anoel
Rua M
Rua
And
Rua D

ré M
r. Wa

arqu
es
uthie
r

k
o Bec
rnest
Rua E
Av
.R
io
B
ran
co

TIPOLOGIAS VILA BELGA


VILA BELGA: AS TIPOLOGIAS 94

TIPOLOGIA 4a
Rua Manoel Ribas nº 2005

RUA MANOEL RIBAS


VILA BELGA: AS TIPOLOGIAS 95

TIPOLOGIA 5

A tipologia 5 apresenta planta


retangular (bloco principal), com A tipologia 5 pode ser
acesso frontal. Cada unidade conta observada em quatro
com sala, varanda (sala de jantar) edificações do conjunto,
e dois quartos, no bloco principal; três delas geminadas e uma
cozinha e outro quarto, em um isolada, ou ‘meia-geminada’.
bloco separado; além da latrina, A volumetria desta última,
localizada nos fundos e também isolada, corresponde
em edificação independente. à metade de uma das
edificações geminadas,
A fachada frontal é composta por comportando apenas uma
quatro janelas do tipo guilhotina residência, ao invés de duas.
com caixilharia de doze ou 24 vidros, Dessa forma, sete unidades
sendo duas janelas por unidade, possuem a tipologia 5, todas
além de duas portas de acesso, localizadas na Rua André
uma por unidade. Marques nos seguintes
endereços:
Rua André Marques
nº 111-119, nº 129-137, nº 147-157,
nº 167.

VILA BELGA: HISTÓRIA E ARQUITETURA


VILA BELGA: AS TIPOLOGIAS 96

PLANTA BAIXA DA TIPOLOGIA 5

5 5

2 4 4 2
1. SALA
2. QUARTO
3. VARANDA
4. COZINHA
5. LATRINA

2 3 3 2

2 1 1 2

ACESSO ACESSO

LOCALIZAÇÃO DAS EDIFICAÇÕES DA TIPOLOGIA 5

Ribas
anoel
Rua M
Rua
And
Rua D

ré M
r. Wa

arqu
es
uthie
r

k
o Bec
rnest
Rua E
Av
.R
io
B
ran
co

TIPOLOGIAS VILA BELGA


VILA BELGA: AS TIPOLOGIAS 97

TIPOLOGIA 5
Rua André Marques nº 111-119
VILA BELGA: AS TIPOLOGIAS 98

TIPOLOGIA 5
Rua André Marques nº 129-137
VILA BELGA: AS TIPOLOGIAS 99

TIPOLOGIA 5
Rua André Marques nº 147-157
VILA BELGA: AS TIPOLOGIAS 100

TIPOLOGIA 5
Rua André Marques nº 167
VILA BELGA: AS TIPOLOGIAS 101

TIPOLOGIA 6

As edificações da tipologia 6
possuem planta retangular, com A tipologia 6 está presente
acesso pela fachada frontal. Cada em três edificações,
unidade conta com sala, três totalizando seis residências,
quartos, varanda (sala de jantar), todas localizadas na Rua
além da latrina, que, ao contrário André Marques, entre a
das tipologias anteriores, localiza-se Rua Manoel Ribas e a Rua
anexa ao bloco principal. Dr. Wauthier, nos seguintes
endereços:
A fachada frontal é composta por Rua André Marques nº
seis janelas do tipo guilhotina com 15-31, nº 45-61, nº 73-89.
caixilharia de doze vidros, sendo três
janelas por unidade, além de duas
portas de acesso, uma por unidade.
VILA BELGA: AS TIPOLOGIAS 102

PLANTA BAIXA DA TIPOLOGIA 6

1. SALA
2. QUARTO
3. VARANDA
4. COZINHA
5 5 5. LATRINA

2 3 4 4 3 2

1 2 2 2 2 1

ACESSO ACESSO

LOCALIZAÇÃO DAS EDIFICAÇÕES DA TIPOLOGIA 6

Ribas
anoel
Rua M
Rua
And
Rua D

ré M
r. Wa

arqu
es
uthie
r

k
o Bec
rnest
Rua E
Av
.R
io
B
ran
co
VILA BELGA: AS TIPOLOGIAS 103

TIPOLOGIA 6
Rua André Marques nº 15-31
VILA BELGA: AS TIPOLOGIAS 104

TIPOLOGIA 6
Rua André Marques nº 45-61
VILA BELGA: AS TIPOLOGIAS 105

TIPOLOGIA 6
Rua André Marques nº 73-89
VILA BELGA: AS TIPOLOGIAS 106

TIPOLOGIA 7

A tipologia 7 se configura por ter


planta em C, com acesso pela A tipologia 7 é a que
fachada frontal. As residências apresenta maior número
possuem quatro quartos, sala, de unidades, podendo ser
varanda e cozinha, além da latrina, observada em 9 edificações
a qual, assim como na tipologia 6, do conjunto, totalizando 18
não está localizada em um bloco residências. A tipologia 7
independente, mas sim junto à está localizada nos seguintes
edificação principal. endereços:
Rua Manoel Ribas
A fachada frontal é composta por nº 1943-1945, nº 1961-1963,
quatro janelas do tipo guilhotina nº 1979-1981.
com caixilharia de oito ou doze Rua Ernesto Beck
vidros, sendo duas janelas por nº 1990-1992, nº 2008-2010,
unidade, além de duas portas de nº 2024-2026, nº 2042-2046,
acesso, uma por unidade. nº 2060-2062, nº 2076-2078
VILA BELGA: AS TIPOLOGIAS 107

PLANTA BAIXA DA TIPOLOGIA 7

2 2 2
5
1 2
3 4 1. SALA
ACESSO
2. QUARTO
3. VARANDA
ACESSO 4. COZINHA
5. LATRINA
3 4
1 2
5
2
2 2

LOCALIZAÇÃO DAS EDIFICAÇÕES DA TIPOLOGIA 7

Ribas
anoel
Rua M
Rua
And
Rua D

ré M
r. Wa

arqu
es
uthie
r

k
o Bec
rnest
Rua E
Av
.R
io
Bran
co
VILA BELGA: AS TIPOLOGIAS 108

TIPOLOGIA 7
Rua Manoel Ribas nº 1943-1945
VILA BELGA: AS TIPOLOGIAS 109

TIPOLOGIA 7
Rua Manoel Ribas nº 1961-1963
VILA BELGA: AS TIPOLOGIAS 110

TIPOLOGIA 7
Rua Manoel Ribas nº 1979-1981
VILA BELGA: AS TIPOLOGIAS 111

TIPOLOGIA 7
Rua Ernesto Beck nº 1990-1992
VILA BELGA: AS TIPOLOGIAS 112

TIPOLOGIA 7
Rua Ernesto Beck nº 2008-2010
VILA BELGA: AS TIPOLOGIAS 113

TIPOLOGIA 7
Rua Ernesto Beck nº 2024-2026
VILA BELGA: AS TIPOLOGIAS 114

TIPOLOGIA 7
Rua Ernesto Beck nº 2042-2046
VILA BELGA: AS TIPOLOGIAS 115

TIPOLOGIA 7
Rua Ernesto Beck nº 2060-2062
VILA BELGA: AS TIPOLOGIAS 116

TIPOLOGIA 7
Rua Ernesto Beck nº 2076-2078
VILA BELGA: AS TIPOLOGIAS 117

TIPOLOGIA 7a

A tipologia 7a, uma variação da


tipologia 7, possui planta em C e
acesso pela fachada lateral. A única
unidade, localizada na Rua Manoel
Ribas, nº 1991, conta com quatro
quartos, varanda, saleta, cozinha e
latrina, localizada junto à edificação
principal.

A unidade da tipologia 7a ‘divide’


a edificação com a unidade da
tipologia 4a, ou seja, metade da
edificação corresponde a uma
tipologia e metade à outra. A fachada
frontal é composta por quatro janelas
do tipo guilhotina com caixilharia de
doze vidros, sendo duas janelas da
unidade da tipologia 4a e as outras
duas da unidade da tipologia 7a.
VILA BELGA: AS TIPOLOGIAS 118

PLANTA BAIXA DA TIPOLOGIA 7a

2 2 2 1. SALETA
5 2. QUARTO
6 3. VARANDA
4. COZINHA
5. LATRINA
2 3 4 6. AVARANDADO
1

ACESSO

LOCALIZAÇÃO DAS EDIFICAÇÕES DA TIPOLOGIA 7a

Ribas
anoel
Rua M
Rua
And
Rua D

ré M
r. Wa

arqu
es
uthie
r

k
o Bec
rnest
Rua E
Av
.R
io
B
ran
co
VILA BELGA: AS TIPOLOGIAS 119

TIPOLOGIA 7a
Rua Manoel Ribas nº 1991
VILA BELGA: AS TIPOLOGIAS 120

Um aspecto que pode ser observado após a análise prédio da Associação dos Ferroviários, na esquina
das tipologias, em conjunto com a planta baixa do da Rua Manoel Ribas com a Rua Dr. Wauthier, o
conjunto de 1920, é que possivelmente existia algu- acesso à passagem foi inviabilizado e fechado.
ma diferença da tipologia 7 (e a variação 7a) para as
demais em termos de hierarquia. Percebe-se que Observa-se que a ‘servidão’ existe somente nesta
no meio da quadra onde estão localizadas as edifi- quadra, mesmo que as outras também contas-
cações dessa tipologia, entre a Rua Pinheiro Macha- sem com dimensões suficientes para possibilitar a
do (atual Manoel Ribas) e a Rua Ernesto Beck, existia implantação dessa passagem. Considerando ainda
uma espécie de corredor, ou viela, que dava acesso que a tipologia 7 é a que possui maior número de
aos fundos dos lotes. Chamada de ‘servidão’, essa quartos (quatro), é possível que esta fosse destinada
passagem era acessada pela Rua Garibaldi (atual a famílias maiores ou funcionários com algum grau
Dr. Wauthier) e servia para que mantimentos como de diferenciação dentro do grupo-alvo ao qual as
carvão, lenha, leite, ovos, etc. fossem entregues às residências eram destinadas, que também teriam
residências. Posteriormente, com a construção do direito a usufruir da 'servidão'.

MAPA DE 1920
mostra que existia
uma "servidão" na
quadra onde estão
as residências da
tipologia 7 e 7a

Servidão
Tipologia 7
Tipologia 7a

Fonte: Acervo pessoal de Caryl Eduardo Jovanovich Lopes, adaptado pela autora (2023)
VILA BELGA: AS TIPOLOGIAS 121

QUADRO-RESUMO DAS TIPOLOGIAS

TIPOLOGIA PLANTA BAIXA FORMATO DE ACESSO Nº DE FACHADA PRINCIPAL


PLANTA BAIXA QUARTOS ABERTURAS PILASTRAS

Tip. 1 L Fundos 1 4 janelas com


do bloco (2 por pilastras
principal unidade)

Tip. 2 L Fundos 2 4 janelas com


do bloco (2 por pilastras
principal unidade)

Tip. 3 C Fundos 3 4 janelas com


do bloco (2 por pilastras
principal unidade)

Tip. 3a C Fundos 3 4 janelas sem


do bloco (2 por pilastras
principal unidade)

Tip. 4 Retangular Lateral 2 4 janelas sem


(bloco (2 por pilastras
principal) unidade)
VILA BELGA: AS TIPOLOGIAS 122

QUADRO-RESUMO DAS TIPOLOGIAS

TIPOLOGIA PLANTA BAIXA FORMATO DE ACESSO Nº DE FACHADA PRINCIPAL


PLANTA BAIXA QUARTOS ABERTURAS PILASTRAS

Tip. 4a Retangular Lateral 3 4 janelas (2 sem


(bloco pertencem à pilastras
principal) tipologia 7a)

Tip. 5 Retangular Frontal 3 4 janelas (2 sem


(bloco por unidade) pilastras
principal) e 2 portas (1
por unidade)

Tip. 6 Retangular Frontal 3 6 janelas (3 com


por unidade) pilastras
e 2 portas (1
por unidade)

Tip. 7 C Frontal 4 4 janelas (2 sem


por unidade) pilastras
e 2 portas (1
por unidade)

Tip. 7a C Lateral 4 4 janelas (2 sem


pertencem pilastras
à tipologia
4a)
VILA BELGA: ALÉM DAS RESIDÊNCIAS 126

A VILA BELGA
ALÉM DAS RESIDÊNCIAS:
COMÉRCIO, SERVIÇOS,
EDUCAÇÃO E SAÚDE

A
proximidade da Vila Belga com a 40% mais baratos do que aqueles praticados
estação férrea, além do perfil de pelo mercado. Denominada Economat,
seus moradores, em sua maioria a organização ocupava uma edificação
trabalhadores da ferrovia, foram localizada na esquina da Rua Pinheiro
fatores que contribuíram para que junto ao Machado (atual Manoel Ribas) com a Rua
conjunto habitacional fossem instalados uma Garibaldi (atual Rua Dr. Wauthier).
série de empreendimentos e serviços tendo
como público alvo os ferroviários. Com a venda, em 1912, da maioria das ações
para a Brazil Railway, que passou a administrar a
Um dos primeiros estabelecimentos viação férrea, o Economat foi vendido à iniciativa
comerciais da cidade voltado aos privada, visto que a nova administração não
trabalhadores da ferrovia surgiu em 1906, tinha interesse em dar seguimento ao sistema.
quando os operários entraram em greve Os produtos continuaram a ser comercializados
reivindicando um aumento de 30% em seus com descontos para os ferroviários, porém os
salários. Apesar de o pedido não ter sido valores das mercadorias subiram, causando
atendido, buscou-se uma forma de diminuir descontentamento entre os trabalhadores,
as dificuldades enfrentadas por esse grupo que se queixavam da alta nos preços e da
através da criação de uma organização que diminuição no padrão dos serviços com os quais
fornecesse mercadorias com valores até estavam acostumados.
VILA BELGA: ALÉM DAS RESIDÊNCIAS 127

Tais circunstâncias contribuíram para a criação ou falecimento dos associados; fundar,


de uma entidade que prezasse pelos interesses manter e auxiliar instituições escolares
da classe ferroviária. Em 26 de outubro de de artes e ofícios; estabelecer hospitais,
1913 ocorreu, então, a fundação do Syndicato farmácias e caixas de empréstimos."
Cooperativista dos Empregados da Viação (CCEVFRGS, 1963, p. 32)
Férrea do Rio Grande do Sul, a partir de uma
reunião entre um grupo de duzentos a trezentos Ou seja, a entidade, destinada a ferroviários
ferroviários. O número de participantes era ativos e inativos, com adesão voluntária, tinha
expressivo, pois representava cerca de 15% da como intuito contribuir para a melhoria nas
força de trabalho da Viação Férrea. condições de vida dos operários, a partir de
uma série de ações envolvendo comércio,
Um dos primeiros atos do Syndicato, já na serviços, educação e saúde. A CCEVFRGS
reunião do dia 26 de outubro de 1913, foi a chegou a ser, em seu apogeu, a maior
criação e aprovação do estatuto de uma cooperativa de consumo da América do Sul
Cooperativa de Consumo, com o objetivo
de reduzir os custos de vida e melhor A constituição da CCEVFRGS foi
atender às necessidades da classe ferroviária. determinante para a construção de diversos
Posteriormente, em 26 de abril de 1916, empreendimentos nas décadas seguintes,
o Syndicato é dissolvido e incorporado à como armazém, farmácia, padaria, fábricas,
Cooperativa de Consumo dos Empregados da depósitos, escolas, etc. Apesar da existência
Viação Férrea do Rio Grande do Sul (CCEVFRGS), de prédios de propriedade da cooperativa em
que é instalada de forma definitiva. vários pontos da cidade, o principal núcleo
de serviços da CCEVFRGS estava localizado
Conforme um relatório posterior da próximo à estação ferroviária, na região onde
CCEVFRGS, os objetivos da cooperativa eram: também estava a Vila Belga. Além destas,
outras edificações relacionadas à ferrovia
"[...] manter armazéns para o fornecimento foram construídas neste mesmo entorno,
aos associados por preços razoáveis de todos complementando a infraestrutura.
os gêneros de uso e consumo pessoal e
doméstico; aplicar o seu patrimônio, lucros e Um dos primeiros prédios utilizados pela
rendimentos, em benefício exclusivo, geral Cooperativa de Consumo foi o que outrora
e proporcionado, direta e indiretamente, dos abrigava o Economat, visto que com a criação
seus associados, podendo: instituir pecúlios da CCEVFRGS esta assumiu as atividades
pagáveis em dinheiro, nos casos de invalidez de fornecimento de gêneros de primeira
VILA BELGA: ALÉM DAS RESIDÊNCIAS 128

NÚCLEO DE SERVIÇOS DA COOPERATIVA E OUTRAS


EDIFICAÇÕES LOCALIZADAS NAS ADJACÊNCIAS DA VILA BELGA

2 3 4

6
LEGENDA
1 Economat,
posteriormente
7 Armazém Central
2 Primeiro açougue,
8 salsicharia e escritórios
5 3 Depósito
4 Farmácia
5 Escola, fábrica de
confeccções e padaria
6 Sede Administrativa
7 Sede da Associação
dos Empregados da
Viação Férrea
8 Residências isoladas

Propriedade da
CCEVFRGS
Vila Belga

necessidade. O local, que ficou conhecido que até então localizava-se em casas alugadas.
então como Armazém Central, funcionou de
forma provisória entre 1914 e 1920, ano em Em 1924, a crescente demanda no número
que a Brazil Railway saiu da direção da Viação de sócios e o aumento da complexidade nos
Férrea e a Cooperativa comprou o prédio, processos tornou necessária a expansão do
estabelecendo o Armazém de forma definitiva. setor administrativo, que passou a ocupar
também parte do Armazém Central. Nesse
Ainda em 1920 a Cooperativa construiu um mesmo ano o prédio passou por reformas para
edifício próximo ao Armazém Central, também a inclusão de instalações sanitárias.
na esquina das Rua Pinheiro Machado (atual
Manoel Ribas) com a Rua Garibaldi (atual Rua Com a reforma, e em função do crescimento
Dr. Wauthier), para abrigar as instalações do nas vendas, surge a necessidade de melhorar
primeiro açougue, a salsicharia e os escritórios a infraestrutura de acondicionamento das
centrais. Este foi o primeiro edifício de posse da mercadorias. Até então os produtos eram
Cooperativa ocupado pela sua administração, guardados em uma edificação de madeira
VILA BELGA: ALÉM DAS RESIDÊNCIAS 129

contígua ao armazém, mas este espaço CCEVFRGS, ficou acordado entre as duas
mostrou-se insuficiente para o volume entidades que a Caixa de Socorro se manteria
de vendas mensal, visto que ali também com a companhia belga e a farmácia passaria a
eram estocadas as mercadorias que seriam ser propriedade da Cooperativa, sendo que esta
distribuídas para outros armazéns em outras contribuiria também com a Caixa de Socorro.
cidades do estado.
Em 1921 a farmácia da CCEVFRGS instalou-se
Em 1925 são inaugurados três pavilhões de pela primeira vez em um prédio próprio da
alvenaria, contíguos ao Armazém Central, Cooperativa, de forma provisória, no edifício
para servirem de Depósito Central da que abrigava o primeiro açougue, a salsicharia
cooperativa. O primeiro pavilhão ao lado do e os escritórios centrais. Entre 1924 e 1925,
Armazém era o da Secção de Expedição, então, ganhou sede própria, localizada na Rua
ou seja, o setor responsável pela entrada e Pinheiro Machado (atual Rua Manoel Ribas), ao
saída de mercadorias que seriam distribuídas lado do Depósito de Bebidas. Além do espaço
aos armazéns filiais da CCEVFRGS e seus de farmácia, a edificação contava com salas de
associados. Ao lado funcionava a Secção de Via espera e duas salas para consultas médicas.
Permanente, responsável por fazer a distribuição
de mercadorias ao longo da via férrea para os Voltado ao cooperativismo e buscando atender
associados da cooperativa. Por fim, no terceiro às necessidades básicas dos empregados da
pavilhão estava a Secção do Depósito de Bebidas, ferrovia, em 1922 começam as obras de outro
onde eram armazenadas as bebidas, como prédio, em terreno de testada voltada à Rua
refrigerantes, cervejas, cachaças, vinhos, grappa, Ernesto Beck, entre as ruas Garibaldi (atual Rua
uísques, espumantes, conhaques e licores. Dr. Wauthier) e André Marques. No relatório
da CCEVFRGS de 1923 foi divulgado o projeto
No mesmo período da instalação dos dessa nova edificação, que mostrava a intenção
depósitos, entre 1924 e 1925, foi construída de alocar uma padaria no primeiro pavimento
ainda uma edificação destinada à farmácia. e a Escola de Meninas, no segundo pavimento.
Quando a Cooperativa foi criada, já existia Porém, com o aumento na procura de meninas
uma farmácia e uma Caixa de Socorro , ambas 5
pelas aulas da escola naquele mesmo ano, o
de posse da Compagnie Auxiliaire e voltadas espaço existente passa a ser insuficiente, o que
para seus funcionários. Com a fundação da faz a cooperativa redirecionar todos os seus

5
“A Caixa de Socorro visava ao atendimento de associados e seus familiares no caso de funerais, receituários médicos e
pagamento de despesas de farmácias, uma vez que muitos não possuíam assistência pública na maioria das cidades do Estado”
(ALCÂNTARA, 2015, p. 91).
VILA BELGA: ALÉM DAS RESIDÊNCIAS 130

investimentos para a instalação da Escola de É possível identificar que as duas partes


Artes e Ofícios Feminina , deixando de lado o da edificação foram construídas em
projeto da padaria. momentos distintos ao analisar-se as
fachadas. Enquanto a fachada voltada à Rua
O prédio, inaugurado em 1º de junho de 1923, Ernesto Beck apresenta um maior nível de
passa a sediar em sua totalidade as atividades da ornamentação, similar inclusive aos prédios
escola, com a matrícula de 121 alunas. Entretanto, residenciais da Vila Belga, a fachada da
mais uma vez constata-se a necessidade de Rua Manoel Ribas apresenta características
transferi-la para um espaço maior devido à alta modernas, como os traços retos e ausência
demanda. Assim, em 1924 a CCEVFRGS adquire de adornos.
um novo terreno, no qual algumas casas e
chalés existentes passam a exercer a função de No momento de sua fundação a
sala de aula de forma improvisada. A nova sede, CCEVFRGS tinha como prioridade
construída nesse terreno, foi finalizada em estabelecer e manter os armazéns que
1929 e inaugurada oficialmente em 14 de maio faziam a distribuição de gêneros de
de 1930. Hoje a edificação abriga o Colégio primeira necessidade, além de construir
Estadual Manoel Ribas. empreendimentos de apoio, como escola
e farmácia. Portanto, no início, as reuniões
Com a saída da Escola de Artes e Ofícios da diretoria e associados aconteciam em
Feminina do prédio da Rua Ernesto Beck, em lugares improvisados. Com a aquisição do
1924, o espaço passa a ser ocupado por uma primeiro edifício, em 1920, e a ampliação
fábrica de confecções. A padaria só vai se do Armazém Central, em 1924, as funções
instalar ali em 1962, porém em uma nova parte administrativas passaram a ocorrer em
da edificação localizada na porção posterior locais específicos a esse fim, mas ainda
do lote, voltada à Rua Manoel Ribas. Alcântara dividindo o prédio com outras atividades.
(2015, p. 94) explica que:
A Cooperativa só foi ter sede administrativa
"Assim tratou-se de duas atividades distintas própria na década de 1930, com a construção
ocupando porções separadas de um mesmo de uma nova edificação na Rua Manoel
edifício que fora construído em diferentes Ribas, entre os prédios do primeiro açougue
momentos. O lote tem extensão que atravessa e Armazém Central. As obras começaram
um quarteirão, com prédio que explora as em 1932 e foram concluídas em 1933,
duas fachadas com acessos independentes com a inauguração e ocupação do prédio
pela Rua Manoel Ribas ou Ernesto Becker." ocorrendo neste mesmo ano.
VILA BELGA: ALÉM DAS RESIDÊNCIAS 131

A importância desse tipo de edificação pode Com o comércio e serviços contemplados


ser percebida pelo cuidado que se teve com pela CCEVFRGS, as atividades de lazer
a escolha de sua localização. “O prédio foi ficaram a cargo das associações e sociedades
construído com destaque necessário a um recreativas. Em 15 de novembro de 1914 foi
prédio institucional, interrompendo uma criada a Associação dos Empregados da
rua, tal era a importância da entidade para o Viação Férrea do Rio Grande do Sul (AEVF),
local e a carga de simbolismo que sua Sede um clube social formado em sua maioria
Administrativa deveria ter” (ALCÂNTARA, 2015, por ferroviários, que proporcionava, através
p. 85). Isso porque, com a conclusão do prédio, dos seus espaços, opções de lazer para os
localizado na continuidade da Rua Dr. Wauthier, trabalhadores da Viação Férrea.
bloqueou-se um dos acessos existentes entre a
Vila Belga e a estação ferroviária. A sede da Associação foi instalada em 1º de
maio de 1915, porém não foram encontrados
A edificação possui estilo Art Déco e se dados acerca de onde ela estava localizada.
destaca do entorno principalmente pela Supõe-se que essa data se refere à primeira
sua configuração de dois pavimentos que sede do clube e que posteriormente uma
contrastam com as residências da Vila Belga, nova edificação foi construída, na esquina
todas térreas. Em relação às características das ruas Manoel Ribas e Dr. Wauthier, para
formais, observa-se a utilização de linhas retas abrigar as suas atividades. A nova sede, de dois
e desenhos geométricos simples, condizentes pavimentos, foi edificada no lugar onde antes
com o estilo arquitetônico adotado. estavam situadas duas unidades geminadas
da Vila Belga que foram demolidas, em frente
Além das edificações localizadas na região à Sede Administrativa da CCEVFRGS. Pelas
da Vila Belga - primeiro açougue, Armazém características arquitetônicas do prédio, que
Central, depósitos, farmácia, fábrica de segue o estilo Art Déco, acredita-se que ele
confecções e padaria -, a CCEVFRGS foi tenha sido construído na década de 1930.
responsável ainda pela viabilização de outras
iniciativas voltadas ao público ferroviário, O fato é que a AEVF perdurou por décadas
construídas em outros locais da cidade. É como uma alternativa consolidada de
o caso do hospital Casa de Saúde (1931); lazer no meio ferroviário. A Associação “[...]
açougue, fábrica de café e fábrica de sabão foi por muitos anos um dos clubes mais
(1941); Escola de Artes e Ofícios Hugo Taylor importantes da cidade de Santa Maria, tanto
(1922); e outros como lenheira, tipografia, pela categoria que o constituiu, a “elite
marcenaria, alfaiataria e estofaria. ferroviária”, quanto pelas atividades culturais
VILA BELGA: ALÉM DAS RESIDÊNCIAS 132

realizadas pelo seu quadro de sócios” Por fim, outras edificações situadas nas
(FLÔRES, 2008, p. 274). imediações da Vila Belga e relacionadas
com a ferrovia são quatro residências
A sede da Associação possuía espaço para isoladas localizadas na Rua André Marques.
a prática de diversos esportes, como xadrez, Construídas posteriormente, provavelmente
dominó, dama, bocha, bilhar, ping-pong na metade do século XX, as casas não estão
e bolão. Foi local, também, de frequentes relacionadas ao projeto original da Vila Belga,
reuniões-dançantes e bailes, além do famoso mas também foram pensadas para alojar
carnaval promovido pela AEVF, que se tornou trabalhadores da ferrovia.
referência da cidade. Conforme Bartolomeu
Ceccin Segundo, em depoimento para o As edificações foram instaladas para abrigar
livro Vila Belga: Memória Cidadã, “Durante os engenheiros da Viação Férrea, o que condiz
os bailes de carnaval, saíam daqui grandes com a arquitetura das unidades. A opção
alegorias e o clube disputava os concursos da por edificações isoladas, ao contrário das
mais bela santa-mariense, sempre obtendo residências geminadas da Vila Belga, indica
bons resultados” (CENTRO DE HISTÓRIA que os seus ocupantes eram funcionários
ORAL, 2002, p. 104). A Associação continuou a mais graduados, para os quais existia uma
funcionar e receber eventos até 2003, quando preocupação maior com questões de
o prédio foi interditado devido à situação privacidade e isolamento.
precária em que se encontrava.
VILA BELGA: ALÉM DAS RESIDÊNCIAS 133

O PRÉDIO DO ARMAZÉM CENTRAL NA DÉCADA DE 1920.


Fonte: (ALCÂNTARA, 2015, p. 87 e 88)
VILA BELGA: ALÉM DAS RESIDÊNCIAS 134

Edificação construída em 1920 onde foram instalados o primeiro açougue, a


salsicharia e os escritórios centrais. Na segunda foto observa-se, também, o
Armazém Central ao fundo. Fonte: (ALCÂNTARA, 2015, p. 84)
VILA BELGA: ALÉM DAS RESIDÊNCIAS 135

A EDIFICAÇÃO DA FARMÁCIA,
em primeiro plano, e dos três depósitos,
em 1925. Fonte: (ALCÂNTARA, 2015, p. 92)
VILA BELGA: ALÉM DAS RESIDÊNCIAS 136

A edificação com frente para a


Rua Ernesto Beck em 1922, quase concluída.
Fonte: (ALCÂNTARA, 2015, p. 93)
VILA BELGA: ALÉM DAS RESIDÊNCIAS 137

A edificação da farmácia, em primeiro plano, e dos


três depósitos, em 1925. Fonte: (ALCÂNTARA, 2015, p. 92)
VILA BELGA: ALÉM DAS RESIDÊNCIAS 138

Interior da fábrica de massas e bolachas. Fonte: (ALCÂNTARA, 2015, p. 94)

Edifício da Sede da Cooperativa, em 1933. Fonte: (ALCÂNTARA, 2015, p. 85)


VILA BELGA: ALÉM DAS RESIDÊNCIAS 139

ASSOCIAÇÃO DOS EMPREGADOS DA


VIAÇÃO FÉRREA DO RIO GRANDE DO SUL
VILA BELGA: ALÉM DAS RESIDÊNCIAS 140

Edificações isoladas construídas


posteriormente na Rua André Marques
PATRIMONIALIZAÇÃO E PRESERVAÇÃO DA VILA BELGA 144

PATRIMONIALIZAÇÃO
E PRESERVAÇÃO
DA VILA BELGA

S
e por muitas décadas Santa Maria observar, porém, que foi no meio desse cenário
viu o seu desenvolvimento estar que o poder público municipal começou a
diretamente atrelado à ferrovia, e a dar os primeiros passos para o processo de
todas às dinâmicas relacionadas a patrimonialização da região.
ela, a cidade também sofreu com os impactos Nesse sentido, a primeira medida de
causados pelo desmantelamento do sistema reconhecimento veio com a Lei Municipal nº 2.983,
ferroviário. Esse processo de retração teve início de 6 de junho de 1988, que considera a Vila Belga
na década de 1950, quando o modal rodoviário como patrimônio histórico e cultural do município.
passou a receber incentivos maciços, em O tombamento de fato só ocorreu quase uma
paralelo à estagnação de investimentos no setor década depois, por meio do Decreto Executivo nº
ferroviário, e culminou com a privatização da 161, de 8 de agosto de 1997, quando o conjunto foi
RFFSA na década de 1990 e com a interrupção inscrito no Livro Tombo do Município.
no transporte de passageiros, em 1996.
No âmbito estadual, as unidades residenciais
Com o cessar dos trens, o movimento intenso da Vila Belga foram consideradas patrimônio
característico da Estação Ferroviária e de seu juntamente com a Estação Férrea (estação
entorno foi reduzido de forma significativa, o de passageiros, pavilhões 1, 2 e 3, a plataforma
que também acarretou a diminuição dos fluxos de embarque e o largo da estação); o edifício
no local e dos investimentos em conservação comercial da Associação de Funcionários
e manutenção das edificações. É interessante da Viação Férrea; o edifício de escritórios,
PATRIMONIALIZAÇÃO E PRESERVAÇÃO DA VILA BELGA 145

A Vila Belga, em 1998, com as ruas asfaltadas.


Fonte: acervo do Arquivo Histórico Municipal de Santa Maria

depósitos e armazéns da CCEVFRGS "E naquela reunião do dia 8 de fevereiro


e o Colégio Manoel Ribas. O conjunto, de 1993, aqui no clube, na Associação
denominado Sítio Ferroviário de Santa Maria, dos Empregados da Viação Férrea, nós
foi tombado através da portaria 030/00, de 26 chegamos à conclusão de que teríamos
de outubro de 2000, sendo inscrito no Livro que trabalhar em, no mínimo, dois eixos. O
Tombo Histórico do Instituto do Patrimônio primeiro seria preservar toda essa história
Histórico e Artístico Estadual. ferroviária. Santa Maria se desenvolveu a
Paralelamente à chancela pelos órgãos oficiais partir disso. Teríamos que preservar toda
existia um sentimento entre os próprios essa história, mas com o processo que já
moradores de reconhecimento do valor histórico estava a caminho, de privatização, e pelas
e cultural da Vila Belga, além de uma sensação condições socioeconômicas dos ferroviários,
de pertencimento ao local. Isso fez com que entendíamos que era interessante garantir a
eles, em meio à privatização da RFFSA, também moradia para os ferroviários. Nossa intenção
se mobilizassem pela preservação do conjunto. era garantir a moradia, ter essa memória viva
Segundo Paulo Conceição, morador e operador dos ferroviários e, preservando a história,
de máquinas especiais aposentado: garantir a história da Vila Belga. Aí fizemos
PATRIMONIALIZAÇÃO E PRESERVAÇÃO DA VILA BELGA 146

vários contatos com a embaixada belga, do tombamento. Esses imóveis tinham seu
com outros órgãos e procuramos trabalhar valor histórico, artístico e cultural e eles
esses dois eixos. A partir da privatização, não poderiam, então, serem depredados e
nós tivemos um processo bem avançado no destruídos. Nós, ferroviários e moradores da
sentido de sucateamento destes imóveis." Vila Belga, achávamos que, naquele momento,
(CENTRO DE HISTÓRIA ORAL, 2002, p. 80) tínhamos esse compromisso com a população
e com a história de preservar aquilo que foi o
Com a privatização da RFFSA, as casas, que não marco de desenvolvimento da nossa cidade,
eram de propriedade dos moradores, foram a nossa região, a Vila Belga. Conseguimos, em
leilão. Inicialmente previsto para acontecer em 13 de novembro de 1997, adquirir os imóveis,
agosto de 1997, o leilão seria aberto a diversos quando praticamente 100% deles ficaram nas
interessados, não sendo restrito aos ferroviários. mãos dos ferroviários." (CENTRO DE HISTÓRIA
Após mobilizações, o processo foi anulado por ORAL, 2002, p. 80-82)
decisão judicial e um novo leilão foi agendado,
para novembro daquele ano, no qual foi dada A Vila Belga sofreu diversas intervenções
prioridade de compra aos moradores. Paulo ao longo dos anos, que modificaram as
Conceição explica que: residências e também a infraestrutura do
conjunto. A maioria das edificações foi ampliada,
"No leilão que estava previsto para agosto, a principalmente em direção ao fundo dos
Rede Ferroviária tinha a intenção de vender lotes, com a adição de novos volumes. Além
as edificações pelo menor preço. Tivemos disso, muitas unidades foram reconfiguradas
um período muito crítico do ponto de vista internamente, com a mudança na distribuição
da perda de direitos da moradia, pois, dos cômodos, substituição de revestimentos e
devido ao processo de privatização, nós não outras adequações. Com mais de um século de
teríamos onde morar. Nós aprofundamos existência, é pouco provável que as residências
esta discussão e conseguimos impedir o mantenham ainda hoje, em sua totalidade, os
leilão da Rede Ferroviária. Este foi o único seus aspectos internos originais.
leilão cancelado pela Rede Ferroviária, devido
à mobilização dos moradores, em todo o No entanto, questões referentes à volumetria
país. Nós impedimos, através de uma ação total do conjunto e fachadas foram, de modo
judicial, quando nos reunimos aqui, às 22 geral, preservadas, visto que são objeto de
horas e 25 minutos; no outro dia, às 10 horas tombamento. Das 80 unidades, somente
seria o leilão, e nós conseguimos impedi-lo, e três tiveram sua fachada descaracterizada.
incluímos neste processo de venda a questão Mesmo as residências que foram ampliadas,
PATRIMONIALIZAÇÃO E PRESERVAÇÃO DA VILA BELGA 147

com novas construções ao fundo, não a instalação da iluminação com fiação


interferem nem comprometem a paisagem e subterrânea e a construção de totens com
os aspectos visuais de conjunto, pois a altura informações históricas.
dessas novas edificações não ultrapassa a
altura do bloco principal. Ainda no final de 2008 os moradores
receberam a Cartilha da Vila Belga, um
A pavimentação foi outro elemento que manual desenvolvido para orientar os
sofreu alterações com o tempo. Em um usuários na conservação das edificações,
dado momento, as ruas da Vila Belga foram de forma a não alterar a sua integridade
asfaltadas, descaracterizando ainda mais o e autenticidade. A cartilha indica quais
conjunto, que há tempos não contava com as condutas que devem ser observadas
o pavimento original, o ‘meio-calçamento’. com relação a elementos como cobertura,
O asfalto, que perdurou por anos, não era alvenaria e pintura, de forma a preservá-los,
do agrado dos moradores, que desejavam mas também aponta as recomendações
o retorno do calçamento com pedras e procedimentos a serem adotados em
irregulares. Ao mesmo tempo, a falta de caso de reformas e revitalizações. Também
preservação de parte das edificações também foram incluídas orientações sobre aberturas,
era uma realidade preocupante (CENTRO DE grades e portões, ar-condicionado, calçadas,
HISTÓRIA ORAL, 2002). vegetação, entre outros.

Entre 2008 e 2012 a Vila Belga passou por Paralelamente às obras realizadas nas ruas
uma série de revitalizações, visando recuperar do conjunto, outra ação contemplou a
o estado de degradação das residências recuperação das residências. Através do projeto
e reestabelecer elementos que estavam Tudo de Cor para Santa Maria, uma iniciativa
descaracterizados. O asfalto, que desagradava das Tintas Coral em parceria com a Prefeitura
os moradores, foi removido e o calçamento Municipal de Santa Maria e as empresas
de pedras irregulares foi reestabelecido. Para Falk Tintas e Atlas Pincéis e Ferramentas, as
reduzir os danos à pavimentação, o fluxo de fachadas das Vila Belga foram restauradas e
trânsito pesado foi desviado, não sendo mais receberam novas cores. As empresas fizeram
permitido nas ruas da Vila Belga. As calçadas toda a doação do material necessário e a
foram recuperadas, a partir de uma paginação comunidade, junto com o Exército, realizou as
padrão, e alargadas na Rua Manoel Ribas, pinturas. A mobilização teve início em outubro
passando a contar, também, com rampas de 2011 e a pintura de todas as fachadas foi
de acessibilidade. Além disso, foi realizada concluída em março de 2012.
PATRIMONIALIZAÇÃO E PRESERVAÇÃO DA VILA BELGA 148

Outra iniciativa que merece destaque por do lugar Vila Belga, a convivência entre os
contribuir com a preservação do conjunto ao participantes e a promoção de atividades e
incentivar o uso e a movimentação na região é da cultura local. A partir de uma programação
o Brique da Vila Belga. Idealizado inicialmente variada que proporciona espaços de lazer
pela Associação de Moradores da Vila Belga, a e entretenimento aos visitantes, o Brique
primeira edição do Brique aconteceu em março aproxima as pessoas do patrimônio cultural,
de 2015, de forma colaborativa, a partir da união fomentando sentimentos de pertencimento,
de um pequeno grupo de moradores. Aos identidade e preservação.
poucos, o evento, tradicionalmente realizado aos
domingos, foi ganhando adesão e visibilidade, Em 2017, a Vila Belga recebeu mais um
com o aumento no número de expositores. reconhecimento através do Prêmio do
Com isso, surgiu a necessidade de formalizar Patrimônio Belga no Exterior, conferido pelo
a entidade e separá-la da associação de Ministério das Relações Exteriores da Bélgica. A
moradores, resultando na criação da Associação iniciativa, que visa reconhecer a herança belga
do Brique da Vila Belga em novembro de 2015. espalhada pelo mundo, trata-se de uma espécie
de concurso realizado pelo Serviço Público
Originalmente estruturado mais como uma Federal Belga dos Negócios Estrangeiros e pela
feira para a comercialização de produtos locais, Fundação Rei Baudouin no qual consulados
o Brique cresceu e passou a incorporar atrações e embaixadas são convidados a submeter
artísticas e culturais na sua programação. propostas. Marc Storms, coordenador do Projeto
Sempre priorizando artistas locais, as edições do Patrimônio Belga no Brasil, foi o responsável
Brique, que atualmente ocorrem todo primeiro por apresentar um estudo e inscrever a Vila
e terceiro domingos do mês, contam com Belga. Em novembro de 2021, a placa de
apresentações musicais e teatrais que dividem o reconhecimento foi entregue para a Prefeitura
espaço com dezenas de expositores e visitantes. Municipal por uma comitiva do consulado da
Quanto aos produtos comercializados, é possível Bélgica em Santa Maria.
encontrar desde roupas, calçados e acessórios
até objetos de decoração, antiguidades e Por fim, outra ação recente na qual a Vila
diversas opções gastronômicas. belga também está inserida é a concepção
do primeiro distrito criativo de Santa Maria.
O Brique da Vila Belga tem como objetivo Lançado oficialmente em 27 de abril de 2022, o
não só a comercialização de produtos, mas Distrito Criativo Centro-Gare é um movimento
também a preservação do patrimônio colaborativo, que reúne representantes de
cultural, o incentivo ao uso e apropriação mais de vinte instituições e entidades, entre
PATRIMONIALIZAÇÃO E PRESERVAÇÃO DA VILA BELGA 149

poder público, iniciativa privada e sociedade da Vila Belga e a outras atividades que já
civil organizada, com o objetivo de transformar ocorrem no território.
a região do Centro Histórico da cidade a
partir do fomento a atividades relacionadas à Essas iniciativas, tanto as que tem como
economia criativa. objetivo a revitalização do conjunto como
as que buscam o uso do espaço, reforçam
Desenvolvido tendo como base um plano o papel da Vila Belga como um importante
de ação com 41 objetivos estratégicos e 237 patrimônio cultural da cidade de Santa
ações de curto, médio e longo prazo, divididas Maria. A sua vinculação com a ferrovia e com
em quatro dimensões, o Distrito Criativo fatores que contribuíram de maneira ímpar
Centro-Gare busca não só revitalizar a região ao desenvolvimento da cidade a tornam
através da recuperação de prédios históricos, um importante testemunho material da
mas também aproximar a população com história e da memória santa-mariense, cuja
o território, incentivando o uso dos espaços preservação é fundamental para que esse
por meio de atividades diversas e assim legado siga sendo transmitido de geração em
promovendo o desenvolvimento econômico geração. Ações que promovam esse atrativo
sustentável daquele local. e que sensibilizem autóctones e visitantes
em relação ao seu valor são essenciais para
A Vila Belga está contemplada em várias contribuir não só com a difusão de ideais
dessas ações e objetivos estratégicos, que de preservação patrimonial, com vistas
incluem desde a revitalização das edificações à conservação e proteção do patrimônio
e a promoção do seu potencial turístico e cultural, como gerar fluxo de visitantes
cultural, até o fomento à economia criativa, que tenham a oportunidade de conhecer,
principalmente por meio do apoio ao Brique compreender e valorizar.
GLOSSÁRIO
GLOSSÁRIO 151

ART NOUVEAU RESIDÊNCIA ISOLADA


Movimento que surgiu no final do século XIX e Edificação que está isolada no terreno através do
influenciou diversos segmentos artísticos. Na uso de recuos, que não divide a parede com outras
arquitetura, caracteriza-se pelas formas orgânicas, edificações.
linhas assimétricas, natureza como fonte de
inspiração e uso de materiais como vidro e ferro. TIPOLOGIA
Conjunto de características físicas que distinguem
ARQUITETURA ECLÉTICA uma edificação ou um conjunto de edificações das
Estilo arquitetônico dos séculos XIX e XX no qual uma demais.
única obra combina elementos de diferentes estilos
arquitetônicos anteriores. VILA FERROVIÁRIA
Tipo de vila operária construída por empresas para
RESIDÊNCIAS EM FITA trabalhadores da ferrovia.
Sequência de residências construídas de modo a
terem suas paredes laterais em comum com as VILA OPERÁRIA
casas vizinhas. Conjunto de casas construídas por empresas para
serem alugadas ou destinadas gratuitamente a seus
RESIDÊNCIAS GEMINADAS funcionários.
Construção de duas residências localizadas lado a
lado que compartilham uma mesma estrutura e
parede de geminação.
REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 153

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HISTÓRIA E ARQUITETURA

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