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CASTELO MENDO: A PARTIR DE UM ESPAÇO URBANO MEDIEVAL

CASTELOMENDO: FROM A MEDIEVAL URBAN SPACE

Margarida Tavares da Conceição


DirecçãoGeraldosEdifícios e MonumentosNacionais

Resumo:

Em Castelo Mendo os vários momentos medievais, neste território indexados à questão fronteiriça, encontram-se
exemplarmente expostos na justaposição de dois núcleos muralhados, de diferente idade e significado. O primeiro núcleo ( I. metade
do séc. XIll) integra o Castelo e a Igreja de Santa Maria, os pólos matriciais, enquanto o segundo núcleo corresponderá a um
crescimento extra-muros, só mais tarde limitado pela cerca (séc. XIV). Os desenhos de Duart~ de Armas vincam com alguma nitidez
a imagem da Vila e, associados a outros indicadores, permitem colocar o séc. XVI (e em boa parte a transição para o séc. XVII) como
uma outra faixa de tempo com assinalável peso na configuração dos espaços urbanos, indício de qué estas antigas vilas não ficaram
suspensasda época medieval, mas talvez mais da sua condição periférica.

Abstract:

Specific medieval times relating to construction of a border can be distinguished in Castelo Mendo in two fortified settlements
belonging to different ages and having different meanings. The first enclosure (first half ofthe 13 th century) includes the initial urban
guidelines: the Castle and the Church of Santa Maria. The second one corresponds to an extramural development, that was later
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enclosed by a wall (14 th century). Drawings by Duarte de Armas give a clear picture of the "Vila" of the time, enabling us to
understand that the 16 th century (and the transition to the 17 th century) had a remarkable weight on its urban development. In other
words, these ancient villages were not so much affected by their medieval influence as by their border condition.

Castelo Mendo não foi ainda objecto de qualquer investigação de fundo capaz de melhor esclarecer os
poucos dados disponíveis (I).Apesar de recentemente integrada no denominado Programa de Reabilitação das
Aldeias Históricas de Portugal e com intervenções já realizadas nesseâmbito(2),nunca foi alvo de escavações
arqueológicas. Por outro lado, as campanhas de restauro efectuadas pela Direcção Geral dos Edifícios e
Monumentos Nacionais restringiram-se à reconstrução de alguns panos de muralha e torres (3).Deste modo,
coligindo os elementos bibliográficos e as fontes mais acessíveis, uma leiturà de Castelo Mendo tomar-se-á
possível pela via da análise morfológica dos seus espaços.
No conjunto das vilas que fortificavam a fronteira do Côa permaneceram sempre mais visíveis as
características medievais, naturalmente porque são aquelas que parecem coincidir com o tempo da sua
fundação institucional e porque a fraca dinâmica urbana não favoreceu pontos de ruptura. A partir de uma
primeira organização do espaço, assim tomado urbano, começa-se por ler uma estrutura ou ossatura cujo
preenchimento (e crescimento) é gradual. Significa isso que o processo de consolidação resulta também de
uma soma de alterações,por vezes pouco marcantes, mas que decidem cumulativamente a forma e o carácter
dos espaçosque hoje observamos. E, mesmo sendo uma povoação que não desenvolveu arrabalde na zona
baixa possui alguma complexidade urbana, capaz de estimular uma análise do seu espaço. Desde logo, nessa
cadência de longa duração, começa por ser urgente distinguir melhor os vários momentos medievais, neste
território indexados à questão fronteiriça: o que em Castelo Mendo é exemplarmente exposto na justaposição
de dois núcleos muralhados, de diferente idade e significado.
A antiga Vila, implantada acerca de 762 m de altitude, ocupa um cabeço sobranceiro ao Ribeiro de
Cadelos e ao Rio Côa. zona de vale à qual se acede através de uma calçada romana ou medieval. Enquanto
Castelo Mendo: a partir de um espaço urbano medieval

ponto marcante do território envolvente, e em especial a partir do Castelo e das vertentes escarpadas,domina
um vastíssimo horizonte. De qualquer modo, faltarn ainda elementos precisos que possam esclarecera posição
cronológica da escolha do sítio, sobretudo no que respeita a uma possível relação com a existência de um
povoado anterior. O indício que aponta um hipotético povoamento do sítio durante a Época do Bronze, a
presençade dois berrõesjunto à Porta da Vila (4),é muito limitado e a única ligação mais remota que se conhece
é ao povoado romano do Porto de S. Miguel, mas este localiza-se junto ao Côa e na margem oposta.
A tradição historiográfica apontou, desde sempre, uma suposta intervenção em fins do séc. XII, quando
D. Sancho I, ao ter encontrado a povoação arruinada, teria ordenado a reedificação do castelo. Trata-se,
contudo, de uma hipótese por comprovar, e de momento inconsequente. Ao certo, sabemos que em 1229
D. Sancho II concedeu carta de foral a Castelo Mendo, inaugurando o momento fundacional da Vila. O foral,
também assinado pelo alcaide Mendo Mendes (evidente justificação do topónimo ), menciona
inequivocamente a necessidade de povoar a zona do Castelo e institui a realização da feira e do mercado.
Portanto, na sequência desta intervenção régia parece verosímil apontar a provável estruturação do primeiro
núcleo muralhado, e se inclui ou não algumas preexistências é algo que apenas a atgueologia poderá vir a
esclarecer. De facto, os autores que têm escrito sobre a antiga Vila persistem em entender esta acção como
resultado da transferência, para a actual implantação, do anterior povoado reordenado por iniciativa de
D. Sancho II, por conseguinte imaginado numa situação topo&ráfica a uma cota mais baixa.
O primeiro núcleo urbano, por enquanto denominável de sanchino, é delimitado por um perímetro
muralhado de traçado oval, que integra o recinto do Castelo na zona Este, único espaço exclusivamente
militar. O castelo mostra assim uma planimetria de tendência triangular, fazendo-se o acessoatravés da Porta
do Castelinho. No lado oposto, no flanco voltado para o Côa, abre-se a Porta Falsa, da qual apenas subsiste o
pé-direito. No ângulo Sudoeste,adossadaao exterior da muralha, conserva-se parte da torre de menagem, de
302 planta rectangular, e no seu alinhamento, mas já no lado interno, reconhece-se a cisterna, de planta quadrada
e com cobertura plana (5).
Este primeiro núcleo urbano apresenta uma malha muito rarefeita, apenas esboçada por quatro
quarteirões dispostos em função de um eixo principal (Rua do Castelo), que liga a Porta do Castelo ao espaço
central, amplo recinto preenchido pelos rochedos ciclópicos e pela ruínas da Igreja de Santa Maria. Os
referidos quarteirões, de configuração muito irregular, produzem ainda uma pequena travessa à Rua do
Castelo. A restante área, em confronto com a muralha, regista somente pequenas courelas muradas. A base
topográfica, muito acidentada e de natureza granítica, parece denunciar, desde sempre, uma presença
construída muito pouco consistente nesta área.
A silhueta da Igreja de Santa Maria do Castelo marca fortemente a imagem da Vila e antes rivalizava
decerto com o impulso vertical da torre de menagem. Constitui ao mesmo tempo o ponto de chegada de um
percurso ascensional que se inicia a partir da Porta da Vila, aberta na segunda cerca urbana e que tem como
fio condutor a Rua Direita. É também a data da carta de fora! (1229) que serve de referência à provável
edificação do igreja, uma vez que aí são mencionadas as autoridades religiosas e a instituição recente da
paróquia. Observa-se ainda hoje uma construção de raiz românica, com planta longitudinal composta pela
nave e capela-mor, ambasjá sem cobertura. A fachada principal apresentaum portal em arco pleno, com duas
arquivoltas e impostas salientes molduradas, antecedido por dois lanços de degraus de sentido oposto,
formando patamar central. Sobre o portal, quatro mísulas alinhadas testemunham um antigo alpendre. O
campanário, de dupla abertura sineira e remate recto, encontra-se colocado no eixo da porta, cortando a
empena angular. O arco triunfal quebrado reflecte diferentes fases de construção, podendo-se observar
também uma justaposição não rigorosamente ortogonal entre a nave e a capela-mor. Enquanto isso, 1\0
exterior, um volume quase cúbico e duas gárgulas de canh~o acusam o adossamento de uma capela
quinhentista, de planta quadrada, çom portal em arco pleno moldurado e coberta com tecto mudéjar(6).
Tanto o Castelo como a Igreja de Santa Maria, os pólos matriciais, militar e religioso, consagraram o
lugar e protegeram uma talvez incipiente ocupação humana, escassamenteestruturada por um embrião de
tecido urbano. Com efeito, este torna-se bastante mais consistente no segundo núcleo muralhado (dionisino
ou femandino), que corresponderáa uma área de expansãodo povoado, polarizada em tomo de duas paróquias
periféricas: S. Pedro e S. Vicente. Em 1281 D. Dinis confirmou o foral e, uma vez mais, a tradição
historiográfica atribuiu a este monarca a renovação das estruturas defensivas, talvez a edificação da torre de
menageme, em particular, a construção da segunda cintura muralhada. Aceitando este pressuposto, poder-se-
á pensarnum primeiro crescimento extra-muros que, tendo como referência a Igreja de S. Pedro e a Porta do
Castelo,começou por desenharum eixo semi-circular entre a denominada "Porta Falsa" (a Norte) e a Porta do
Sol, isto é, um eixo composto pela Rua do Fomo, o Largo do Pelourinho e a Rua do Corro.
No entanto, e por agora, afigura-se necessário matizar a pretensa intervenção de D. Dinis em Castelo
Mendo, até porque se desconheceas fases construtivas e cronológicas da cerca muralhada. Por outro lado, a
incorporação de Riba-Côa, sancionada no Tratado de Alcanices em 1297, provocou um consequente
afastamentoda linha fronteiriça e das zonas de tensão. Em 1320/1321 prova-se a existência das três paróquias
(SantaMaria, S. Pedro e S. Vicente), fazendo supor uma simultânea presença de construções nas respectivas
áreasde influência. Por sua vez, ainda em fins do séc. XIV os cronistas apontam uma intervenção femandina
na cerca muralhada, o que não deixa de parecer algo incongruente se recorçlarmos que em 1387 D. João I
promoveu a criação de um couto de homiziados, traduzindo evidentes dificuldades de povoamtnto e de
preenchimento da área urbana.
A segunda cintura muralhada apresenta um traçado irregular e circunda uma parte da primeira cerca.
Integra quatro portas, quase axializadas em função dos pontos cardeais. No eixo da Porta do Castelo, virada
a Norte, abre-se a Porta da Vila em arco quebrado e flanqueada por duas torres de planta quadrada. Virada a
Oeste,a Porta da Guarda mostra arco quebrado e é ladeada por uma torre. No lado oposto da muralha rasga-
se a Porta do Sol, esta em arco de volta inteira e flanqueada por uma torre muito arruinada. No lado Sul
regista-seuma outra porta, chamada "Porta Falsa", abertura em arco pleno hoje entaipada. Além das torres que
protegem as portas deste segundo recinto muralhado, contam-se mais quatro torres, também de planta
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quadradae desprovidas de vãos.
A malha urbana toma-se aqui mais densa e observa-se um maior número de construções adossadasà
muralha, sobretudo no pano compreendido entre a Porta da Guarda e a Porta da Vila. Este núcleo estrutura-se
a partir de um eixo viário principal, a Rua Direita, que liga a Porta da Vila à Porta do Castelo, seccionando a
áreaurbana em duas metadesquaseequivalentes. De facto, o nexo entre os dois núcleos é fixado pelo percurso
da Rua Direita, que aqui nos surge demasiado rectilínea, apontando como via de trabalho uma hipotética
rectificação do seu traçado na 2a metade do séc. XIX. É composta por troços muito diferenciados e funciona
como íman dos espaços mais representativos, implantados sempre na proximidade de portas: o Largo do
Pelourinho (Porta do Castelo) e o Largo de S. Vicente (Porta da Vila). A Rua Direita engendra uma rede de
vias paralelas e transversais, nem sempre claramente definida, mas relacionada com a hierarquia dos acessos
às portas da muralha. A partir do Largo de S. Vicente assumem maior importância as travessas de ligação à
Rua da Praça (e à Porta da Guarda), enquanto a partir do Largo do Pelourinho se destaca a Rua do Fomo
orientada para a Porta do Sol.
O tecido urbano é composto por quarteirões muito irregulares, integrando frequentemente logradouros
amplos, que coexistem com a tendência para o alinhamento das fachadas face à rua. Em geral, as parcelas
construídasmostram uma preferência pelas formas quadrangulares ou rectangulares, organizando lotes pouco
profundos, facto explicado pela ausência de uma forte dinâmica urbana e construtiva, que conduziu mesmo
ao entaipamentoda "Porta Falsa", junto ao Largo do Corro. A delimitação entre espaço público e privado nem
sempre é muito precisa, sobretudo nas zonas onde a construção é mais rarefeita, em especial no primeiro
núcleo muralhado e nas zonas angulares de união entre as duas cercas urbanas. Abundam os muros de suporte
para vencer os desníveis topográficos, acentuando a compartimentação dos espaçoslivres.
Uma particularidade de Castelo Mendo é o desdobramento do eixo fixado pela Rua Direita através da
via que é lhe paralela, a Rua da Praça, denunciando uma maior autonomia dos espaçosde vocação comercial.
Com efeito, a Rua da Praça permite a ligação entre o Largo do Corro e o espaço do antigo mercado, situado
junto às Portas da Guarda, por sua vez um acessoprivilegiado ao Campo da Feira. A tradição oral refere que
em frente da Porta da Guarda existia um pequeno largo, posteriormente preenchido com a construção de um~
Castelo Mendo; a Partir de um espaço urbano medieval

palheiro, o qual se traduz planimetricamente num pequeno quarteirão quadrado. Por outro lado, o Largo do
Corro, topónimo indicativo de um terreiro destinado à corrida de touros ou actividades afins, organiza um
espaçode configuração triangular e assumiria um uso e uma influência somente perceptíveis se pensadasem
função da proximidade da denominada "Porta Falsa" (agora entaipada e encoberta no interior de uma
construção) e da existência de uma ligação directa ao Largo do Pelourinho (através da Rua do Corro).
Para além desta leitura, a análise dos desenhos de Duarte de Armas e as características da própria porta
tendem a conf1fIfiar a hipótese da Porta Falsa se tratar de um antigo acesso que gradualmente foi perdendo
importância (7).
Os desenhosde Duarte de Armas, efectuados por volta de 1519, expõem com alguma nitidez a imagem
de Castelo Mendo e permitem perceber que o perfil urbano não sofreu alterações significativas até à
actualidade, assumindo portanto um valor de sedimentação. Contudo, em geral, a Porta da Guarda tem sido
identificada como Porta da Vila, pelo facto de ser flanqueada por duas torres. Porém, essaidentificação com
a Porta da Vila invalida uma correcta interpretação da mancha urbana. Ao contrário, se lermos a rrferida porta
como Porta da Guarda, o entendimento do núcleo urbano não oferece dúvidas ~ maior. Nota-se uma
rarefacção de edificações entre a Porta da Guarda e a "Porta Falsa", e entre esta e a Porta do Sol, sendo
evidente uma maior densidade em torno da Rua da Praça, Largo de S. Vicente e Rua Direilfl. O que aponta
para uma forte probabilidade do séc. XVI ter conhecido uma l!ierarquia viária diferente, privilegiando a rede
de caminhos procedente do termo da Guarda e um mais rápido acessoà Devesa e ao Campo da Feira.
Reconhece-seem Duarte de Armas uma maior precisão no levantamento das estruturas defensivas, o
objectivo exacto da encomenda régia, observando-se a cidadela, as duas cinturas muralhadas e a barbacã, da
qual aparentementenão se conservam vestígios. Contudo, uma prospecção arqueológica poderá identificar a
implantação e as fundações da barbacã, talvez coincidente com o muro que delimita o caminho que contorna
304 as muralhas, ainda bastante evidente na vertente Norte. A Igreja de Santa Maria do Castelo encontra-se
igualmente representada,tal como as paroquiais de S. Pedro e S. Vicente. Do mesmo modo, a presença do
Pelourinho constitui uma referência preciosa, pois confirma a sua edificação como consequência da reforma
do foral em 1510. Assim sendo, este documento iconográfico, associado ainda às indicações cronológicas de
alguns edifícios, permite colocar o séc. XVI e em boa parte a transição para o séc. XVII como uma outra faixa
de tempo com assinalável peso na configuração dos espaços urbanos. O que parece também acontecer em
antigas vilas como Sortelha, Castelo Bom, Castelo Melhor, Castelo Rodrigo, cuja imagem medievalizada
apenasparece intacta devido à menor dinâmica contemporânea.
Em 1527 possuía 73 vizinhos (8),indiciando que a área urbana continuava pouco densa, se consideramos
uma equivalência entre o número de vizinhos e o número de fogos. No entanto, durante a época filipina,
sobretudo no reinado de Filipe I, torna-se possível apontar a renovação de algumas casas e a hipotética
construção da Casa da Câmara e Cadeia, imóveis com impacto expressivo nos principais espaços da Vila.
Observa-se assim que, embora vinculados à estrutura medieva, estes espaçosforam profundamente alterados
no seu carácter e na sua definição morfológica ao longo da época moderna.
O Largo do Pelourinho, ainda que singularizado pela presença deste antigo marco jurisdicional, é
bastante condicionado pela Igreja Matriz de S. Pedro, implantada colateralmente, no eixo da Rua Direita.
Apesar do largo mostrar uma configuração irregular, verifica-se que organiza uma planta em L, desenvolvida
num plano inclinado que, associado à pavimentação com seixos rolados organizados em esquadria, faz
ressaltar a silhueta vertical do pelourinho manuelino de gaiola (9).Reflectindo a dualidade entre um carácter
religioso e laico, a definição deste espaço enquanto pólo civil administrativo é espacialmente ambígua, pois
ressente-sedo relativo afastamento da Casa da Câmara e Cadeia.
Equipamento emblematicamente quinhentista, a Casa da Câmara e Cadeia traduz-se numa construção
implantada sobre a muralha, que separa o primeiro do segundo núcleo fortificado, constituindo como tal um
elemento de articulação entre ambos os recintos e indício da possibilidade das sessõesmunicipais terem antes
decorrido numa torre da cerca. Se a fachada principal está orientada na direcção das ruínas da Igreja de Santa
Maria do Castelo, integrando o acesso à Câmara, marcado por um alpendre sustentado por colunas (10),OS~
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alçadosSul e Oeste, com os panos murários em cantaria e ritmados por pilastras, permitem o acessoà Cadeia
e voltam-se para a cabeceira da Igreja de S. Pedro e para o Chafariz Novo.
Os desenhosde Duarte de Armas mostram que a Igreja de S. Pedro apresentavauma outra orientação,
decerto transversal à que actualmente se observa, Norte -Sul. Com o portal virado para a Rua Direita,
denunciandonos seusornatos uma reconstrução muito tardia, talvez já oitocentista, soma mais um argumento
que apontano sentido de uma provável rectificação do traçado deste eixo. Esta hipótese relaciona-se, de igual
modo, com algumas intervenções arquitectónicas e, em especial, com a construção da Casa do Fidalgo que lhe
fica muito próxima. A Casa do Fidalgo ou Casa Grande, que ficou provavelmente incompleta (11),eleva-se
numa parcela de grandes dimensões e absorve a quase totalidade do quarteirão. Tem a particularidade de
integrar uma torre -mirante que assume um valor de volume marcante no perfil da Vila e disputa o impacto
da torre sineira da Igreja de S. Pedro.
No conjunto dos alçados urbanos salienta-se uma outra Casa Grande, mas esta reconhecidamente
datável de finais do séc. XVI ou início do séc. XVII (apesar de incluir elementos construtivos anteriores e
posteriores). Ocupando o gaveto do Largo do Pelourinho com a Rua Djreita, projecta a sua varanda
alpendrada,com colunas toscanas,parapeito moldurado e consolas volutadas, para o espaço de confronto com
a torre sineira. Assim, mais do que o seu impacto volumétrico, importa sublinhar a sua influência no
enriquecimento e na consolidação morfológica do lado Sul do largo. O mesmo sentido valorativo, e
cronológico, poderão assumir também as casas com vãos de recorte tardo-medieval (ou manuelino...),
localizadas no gaveto com a Rua do Forno, ou seja, fronteiras ao Pelourinho.
Convém, a este propósito, salientar que são frequentes as casascom marcas referenciáveis entre os fins
do séc. XV e os meados do séc. XVI, desde os simples elementos estruturais biselados até à decoração de
derivação tardo-gótica. O que está em causa será, pois, o reincidente carácter "medieval" que as casas de
aldeia assumiram no imaginário colectivo. De facto, no espaço construído das antigas vilas é muito clara a 305
dominância do mesmo tipo: a casa de dois pisos com diferenciação funcional, apresentandoplanta rectangular
concentradae formando um volume compacto coberto com telhado de duas águas. No piso térreo localizam-
se as lojas, reservando-seo segundo piso para a habitação. O acessoao andar pode ser interior (através de uma
escada de tiro) ou exterior (através de escada com patamar e balcão simples ou alpendrado, variando os
elementos de sustentação: pilares em madeira ou granito, circulares, quadrados ou octogonais e mais
raramentecolunas). A fenestração reduz-se às aberturas essenciais, surgindo pontualmente os vãos decorados.
As variantes ao tipo dominante referem-se principalmente aos edifícios morfologicamente notáveis, revelando
influências eruditas pontuais detectáveis desdeos fins do séc. XVI. Significa tudo isto que, apesardas enormes
dificuldades de datação,afigura-se de certo modo incorrecto classificar Castelo Mendo, em termos absolutos,
como "medieval", em especial se entendida a palavra como sinónimo de arcaico ou fruste. Cada vez mais, é
difícil iludir a necessidadede ponderar um desfasamentode ritmos nos tempos e nas formas, que denunciam
uma renovação do espaço urbano e arquitectónico, ainda que muito dependente de um contexto geográfico e
histórico caucionado por uma condição periférica.
O mesmo quadro é legível no Largo de S. Vicente. Desenvolvendo-se na contiguidade imediata da Porta
da Vila, forma um espaçodesnivelado e de configuração vagamente triangular, caracterizado pela presença da
antiga igreja paroquial. Tal como a actual matriz, a Igreja de São Vicente é resultado de remodelações
posteriores à época medieval (12).Nos fins do séc. XVI ter-se-á registado uma possível reforma do templo,
tendo em conta a cronologia habitual dos tectos mudéjares (aqui presentes na nave e na capela-mor), como
seja o caso da Igreja Matriz de Sortelha (1573). Em 1684 encontra-se documentada por epígrafe a construção
da Capela de Na sa da Conceição03)e, provavelmente, datará ainda de Seiscentosa remodelação das fachadas.
O facto do solo ser declivoso obrigou à organização de uma plataforma junto à fachada principal, fazendo-se
o acessolateral através de uma escada.
O largo, delimitado em parte pela muralha, congrega em seu redor, para além de um chafariz, um
significativo número de casas quinhentistas, algumas com decoração manuelina, destacando-seum edifício
com elementos classicistas, que merece uma atenção mais pormenorizada. Trata-se de uma casa da época
Castelo Mendo. a partir de um espaço urbano medieval

filipina, mostrando a frontaria orientada para o alçado lateral da Igreja de S. Vicente e ocupando um lote de
gaveto com a Rua da Laje do Outão. Sublinhe-se a implantação nos gavetos de quase todas as casasque de
algum modo se destacam. Contando dois pisos, organiza uma planta rectangular irregular, com o lado menor
orientado para o laJ\go.A fachada principal, em cantaria, concentra obviamente o tratamento mais apurado: é
rematadapor cornija e apresentano piso térreo um portal de lintel recto, com moldura de meia cana, encimado
por entablamento. No eixo do portal, abre-se no andar superior uma janela, também com moldura de meia-
cana. O alçado lateral, embora tenha escasso número de aberturas, destaca-se pelo volume do corpo da
chaminé, com o remate inferior e superior moldurado. A par destas informações descritivas, importa reter a
data epigrafada no lintel (14)
de uma porta interior: 1595.
O relevo dado a esta construção relaciona-se com o facto da composição da fachada apresentargrandes
afinidades com a Casa Filipina da Rua da Praça, que constitui quase uma réplica da primeira. Ocupa também
um gaveto, entre a Rua da Praça e o acessoà Porta da Guarda, ponto nodal onde se realizava o mercado. Foi
construída sobre um troço de muralha, incorporado no alçado e no espaço interno. A fachada principal, em
cantaria e virada para a Rua da Praça, exibe o portal de lintel recto com moldura de m~ia-cana circundada por
listel saliente, ladeadapor duas pilastras lisas e encimada por cornija. No lintel ou friso observa-seuma cartela
enquadrando uma inscrição com data epigrafada: 1596 (?). Sobre o portal rasga-se uma janela, também com
moldura de meia-cana, secundadapor dois listéis salientes e.incluindo no lintel uma cartela com inscrição
SPES MEA DEVS. A moldura da janela liga-se directamente à cornija, neste ponto mais saliente, de modo a
ressaltar uma cruz assenteem base volutada e que interrompe o beirado. O cunhal Sudeste é chanfrado até
meia altura do edifício, onde se observa uma vieira. Casa de dois pisos e com planta quadrada irregular, o
espaçointerno conserva a diferenciação funcional entre os pisos e apresentauma compartimentação estrutural
quadripartida. O portal dá acesso a um átrio que integra uma escada de tiro apoiada na parede.
306 No segundopiso, embutido na parede da sala, conserva-seum armário ornamentado em cantaria. Inclui
duas prateleiras ladeadas por colunas -candelabro e por friso vertical almofadado e decorado com rosetas,
cartelas, flor de tis, cavalo marinho e motivos vegetalistas estilizados. A parte superior das prateleiras mostra
dois almofadados e uma concha. Ao lado do armário observa-se uma mísula em forma de capitel. A zona
inferior possui três círculos concêntricos rematados no astragálo por gomos. O ábaco é curvo e o équino possui
duas volutas e uma sequência de óvulos. A decoração renascentista do armário, muito rara nesta região, é
semelhantea uma estrutura equivalente identificada no interior de uma casa localizada na Guarda, no gaveto
da Rua Rui de Pina com o Largo do Paço do Biu (15). A tradição local situa na Casa Filipina de Castelo Mendo
o funcionamento do Hospital da Misericórdia (bem como a Roda dos Expostos), uso que explicaria, em parte,
a inscrição e a cruz colocada no eixo do portal. Contudo, a par da ausência de prova documental, constata-se
que o imóvel se encontra demasiado afastado da Igreja de S. Vicente, apontada também como hipotética sede
da Irmandade. Em 1708 o Padre Carvalho da Costa afirma que a Vila tinha Casa da Misericórdia e Hospital,
mas em 1758 as denominadas Memórias Paroquiais não mencionam a sua existência.
Conforme já mencionado, a Rua da Praça e a Porta da Guarda parecem ter tido uma importância
comercial que estaria dependente do acesso ao espaço extra-muros. Apesar de não se ter formado qualquer
arrabalde, registando-se somente a proximidade do Cemitério e do Calvário junto à Porta da Vila, na zona mais
baixa e fértil preservou-se a Devesa ou o Prado d'el Rei e o Campo da Feira, onde se ergue o respectivo
alpendre e um razoável número de fontanários e cruzeiros. Em 1229, com a concessão de carta de foral por
D. Sancho II, ao mesmo tempo que se estabeleceu a realização de um mercado de pão, carne e peixe no
Castelo, instituiu-se também a realização de uma feira, pela Páscoa, S. João e S. Miguel, com a duração de
oito dias. Porém, desconhece-seo local exacto da feira neste período, sendo de sugerir a hipótese de decorrer
na Rua da Praça,junto à Porta da Guarda. Em 1281, portanto a data da confirmação dionisina do foral, poderá
ter ocorrido uma transferência do-local da feira para a Devesa, colocando-se a construção do alpendre nesta
época apenascomo hipótese de trabalho.
O Alpendre de Feira ergue-se isolado ao cimo da Devesa, junto à actual estrada de acesso a Castelo
Mendo: apresentaplanta rectangular simples, de proporção longilínea, formando volume único coberto com
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telhado de duas águas. É uma estrutura composta por parede central, o que permite a organização de um
alpendre de cada lado. O alçado principal, orientado a Sudoeste, possui uma bancada corrida, composta por
blocos de granito, sobre a qual se apoiam as estacasde madeira que sustentam o telhado. No lado oposto as
estacasassentamdirectamente sobre o solo, já que não possui bancada. Em 1758 as denominadas Memórias
Paroquiaisreferem que já não é costume "fazer feira", pelo que se aponta esta data como baliza para o início
do processo da degradação do alpendre (16),aliás, uma estrutura relativamente frequente nas antigas vilas e
aldeiasda raia beirã.
Um pouco abaixo, a meia encosta, observa-se o Chafariz deI Rei (17), equipamento de apoio ao Campo
da Feira, onde se conservam ainda algumas amoreiras seculares.A Oeste, junto ao ribeiro, descobre-se uma
sequênciade fontes de mergulho, provavelmente de fábrica tardo-medieval. A partir do caminho que sai da
Porta da Guarda, e que conserva vestígios de calçada, situa-se a Fonte Estrufa (com abertura em arco pleno),
nas proximidades do Chafariz deI Rei encontra-se a Fonte Nova (abertura já em arco quebrado), por
contraponto à Fonte Velha (em arco pleno), localizada a montante.
Se a Devesa se encontrava mais vocacionada para as actividade§ económicas, com percursos
direccionadospara a Porta da Guarda, o actual caminho que se dirige para a Porta da Vila estava, ao contrário,
pontuado por signos religiosos. Aqui e ali elevam-se ainda cruzeiros de várias épocás e formas, protegendo o
caminho até à Capela do Cemitério e ao Calvário (18), organizado no significativamente denominado Outeiro
das Oliveiras, conservando algumas dessasárvores. É igualmente nesta zona que se inicia o troço mais bem
conservadoda calçada atrás referida (19),
provavelmente medieval. Contorna em parte o cabeço do Castelo, com
a ligação à Porta do Sol, desce até às poldras do Ribeiro dos Cadelos, o que permitia o acesso ao Rio Côa.
Dificilmente se consegue acompanhar o percurso cronológico da Vila, principalmente no que se refere às
alterações no seu espaço urbano. Em 1641, na sequência das Guerras da Restauração, terá existido uma
campanhade renovação pontual das estruturas defensivas, da qual subsiste,junto à Porta Falsa do Castelo, no
307
lado exterior, as fundações de uma espécie de baluarte em alvenaria, que protegia o flanco orientado para o
rio. Em meados do século XVIII eram ainda dignos de menção os "muros fortes" de Castelo Mendo, mas as
torres encontravam-se arruinadas, acusando uma perda progressiva de vitalidade, que o séc. XIX, com o
impacto das Invasões Francesas e das Lutas Liberais acentuou, agravando o estado de ruína das muralhas,
transformando o castelo em cemitério. Em 1834 a extinção das paróquias de S. Vicente e de Santa Maria e em
1855 a extinção do estatuto concelhio, marcaram em definitivo a paragem da Vila, cujo principal conteúdo
funcional se esvaziou. transformando-se em "aldeia histórica".

Notas:

(I) Este texto tem como ponto de partida a ficha para o Inventário do Património Arquitectónico da Direcção Geral dos Edifícios e
Monumentos Nacionais, por mim elaborada, referente à" Aldeia de Castelo Mendo" classificada como Imóvel de Interesse
Público (Dec. n° 29/84, DR 145 de 25 Junho 1984).
(2) Programa de Promoção do Potencial de Desenvolvimento Regional (PPDR). No âmbito do referido Programa de Reabilitação
das Aldeias Históricas de Portugal, a Câmara Municipal de Almeida efectuou as seguintes intervenções: 1996 /1997 -obras de
recuperação e remodelação da Casa da Câmara e Cadeia para adaptação a espaço museológico e posto de turismo; recuperação
das fachadas e cobertura da Igreja de S. Pedro; consolidação e reconstrução parcial do alpendre de feira; enterramento da rede
eléctrica e de telecomunicações; pavimentação das vias. E, em parceria com proprietários privados, a recuperação de fachadas e
telhados, bem como a remoção de elementos dissonantes em numerosas habitações. Contudo, das intervenções realizadas
resultou uma alteração significativa da imagem global do aglomerado, ainda que não da sua estrutura. Assim, para além do
impacto da construção de alguns anexos em betão, de três imóveis dissonantes extra-muros e de uma moradia intra-muros, tal
como a substituição dos telhados tradicionais por telha preta em cimento e colocação de caixilharias em ferro, as obras de
recuperação recentes, com aplicação de madeiras envernizadas nos alpendres e pintura dos rebocos em tonalidades rosa, pêssego
p l'rpmp pm n:lrl:l narecem ter reabilitado ou conservado uma "imagem" ambicionada como tradicional ou histórica.
Castelo Mendo. a partir de um espaço urbano medieval

(3) Intervenções realizadas pela Direcção Geral dos Edifícios e Monumentos: 1949/ 1951/ 1974/ 1979/ 1983 a 1985 -obras de
restauro, reconstrução e consolidação do castelo, muralhas e portas; 1950 -obras de reparação e consolidação do Pelourinho;
1997 / 1998 -obras de conservação e valorização da Igreja de S. Vicente. Castelo Mendo foi objecto de um Estudo de
Recuperação Urbana e Arquitectónica, encomendado pela DGEMN em 1979 e efectuado por José Antunes Silva e José Manuel
Fernandes.
(4) Esculturas zoomórficas pré-romanas que testemunham o culto da ganadaria e a celtização do povoado, cf. RODRIGUES,
Adriano Vasco, O Culto da Ganadaria ao Sul do Douro Português, Guimarães, 1958.
(5) No primeiro recinto muralhado observa-se uma pedra tumular pertencente a Miguel Augusto de Sousa Mendonça Corte Real,
Fidalgo da Casa Real e Tenente -Coronel, assassinadopelos seuspróprios soldados em 12 de Setembro de 1840, conforme consta
do epitáfio.
(6) Em 1834 a paróquia de Santa Maria foi extinta e em 1889 (data epigrafada no lintel da porta da parede transversal da nave) o
espaço interior do templo foi dividido.
(7) A interpretação dos desenhos de Duarte de Armas contou com a valiosa ajuda crítica da D~ Filomena Bandeira e do Arq.o
António Carvalho.
(8) O cômputo de 1496 não ajuda muito pois apenasesclarece o total da vila e termo, 346 vizinhos; em 1527 o total do termo somava
já 777 moradores, o que, mantendo a equivalência à palavra vizinho, significaria um aumento demográfico de mais de 100% em
cerca de trinta anos, o que não parece muito verosímil. ..
(9) Pelourinho: o soco é formado por seis degraus octogonais, encontrando-se o pril)1eiro quase enterrado devido ao desnível do solo.
Apresenta coluna de fuste octogonal, com base quadrangular decorada nos ângulos com folhas estilizadas e encimada por outra
base, esta de secçãocircular e destacadapor um anel saliente. O capitel é de secção circular, em forma de cone truncado invertido,
funcionando como base da gaiola. Integra seis anéis ornamentados com os seguintes motivos, a contar da parte inferior:
meandros, corrente, dentículos, cabo, dentículos invertidos, entrelaçados com flores. O remate é constituído pela gaiola,
composta por chapéu assente em colunelo torso, decorado com pérolas. Este colunelo central é circundado por seis colunelos,
também torsos e anelados na parte inferior e superior, que se encontram quase suspensos,sendo sustentados por grampos de ferro.
O chapéu da gaiola é cónico e apresenta na parte inferior um anel decorado por motivo em forma de corrente. É encimado por
pequeno cone, coroado por catavento em forma de bandeirola bipartida.
(10) Colunas fuseladas com base e capitel de secção quadrada. A descontinuidade do pano murário parece indiciar que o alpendre
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seria mais comprido e que teria sido fechado posteriormente.
(11) Já que a cornija e a pilastra Sul da fachada principal se encontram interrompidas, observando-se ainda que o tecto do andar nobre
não chegou a ser forrado, nem as paredes internas rebocadas. Pertenceu ao Par do Reino António Fragoso de Albuquerque,
natural de Lisboa e Senhor do Poço Velho (lugar situado entre Vilar Formoso e Nave de Haver).
(12) Da época medieval conserva-se na sacristia uma cachorrada decorada com motivos geométricos e zoomórficos e alguns vãos.
(13) A Capela de N" sa da Conceição foi mandada executar para túmulo de Manuel Sarinho de Brito, sendo testamenteiro Clemente
da Fonseca Pinto, Chantre da Sé da Guarda e Comissário do Santo Ofício. É estruturada por arco pleno moldurado, ladeado por
pilastras grupadas e caneladas, em cuja base se encontra uma inscrição. Mostra almofadados nas cantoneiras e um entablamento
dórico. O coroamento é constituído por frontão interrompido, tendo ao centro um nicho recto ladeado por volutas.
(14) E a presença da inscrição "Paz Seja Nesta Casa" poderá denunciar, segundo alguns autores, a presença de cristãos-novos.
(15) Vide FERNANDES, Lídia, Novos Elementos sobre a Cidade da Guarda, Séc.sXIII a XVII, Sep.aPraça Velha, Guarda, 1999, pp.
28 -30.
(16) O Alpendre de Feira em 1996 encontrava-se em ruínas, desprovido de cobertura e madeiras.
( 17) Chafariz de espaldar liso, de forma tendencialmente quadrada, sem embasamento e rematado por cornija. Ao centro integra
escudo coroado. O coroamento é composto por uma espécie de frontão interrompido, cujos lados são formados por pequenas
volutas ou enrolamentos. Este remate enquadra uma data epigrafada (1819), sobre a qual se colocou um pináculo bojudo. Inclui
uma só bica descentrada, resumida a um orifício no espaldar. Apresenta um tanque rectangular colocado perpendicularmente. A
partir do alçado posterior desenvolve-se o aqueduto ou canal que conduz a água da nascente, observando-se durante parte do
trajecto a sua cobertura constituída por blocos graníticos alinhados. Teria sido construído no séc. XIV, apenas hipoteticamente
no reinado de D. Dinis, tendo sofrido uma eventual remodelação durante o período filipino e em 1819.
(18) Os caminhos de acesso à Porta do Sol e à Porta da Guarda, mais estreitos, apresentam também vestígios de pavimentação. Trata-
se de uma via de extensão considerável, adaptada a terreno muito declivoso, com uma extensão descontínua de cerca de 1200
metros e uma largura média de 3 metros. Adapta-se a uma pendente acentuada, com um desnível superior a 100 metros,
descrevendo numerosas inflexões, pontuadas por pequenos troços mais rectilíneos. A pavimentação, muito fragmentada, é
composta por blocos de pedra assentesdirectamente sobre o solo, aproveitando por vezes o afloramento granítico natural, mais
ou menos desgastado. Os blocos que constituem o pavimento mostram uma configuração e disposição bastante irregular, embora
seja detectável a tendência para um alinhamento lateral mais organizado. Quase a meio do trajecto observa-se lateralmente um
rochedo epigrafado, onde se identificam treze cruzes e uma inscrição datada, quase ilegível. A tradição local explica a presença
de cruzes nos rochedos como antiga indicação dos troços cuja conservação ficava a cargo da vila. Porém, esta hipótese é
dubitável, já que nas imediações existem outras pedras com cruzes insculpidas. Reforçando esta dúvida, acresce a data tardia
fixada na inscrição, que poderá ser interpretada apenascomo marco funerário. Pontualmente destruída, a calçada encontra-se por
vezes quase coberta por vegetação espontânea e por pequenas pedras arrastadas pela escorrência das águas-
( 19) Estabeleceum percurso sequenciado de cruzes assentesem afloramentos rochosos, mas o seu impacto encontra-se comprometido
pela proximidade da Escola Primária e cemitério. Forma um conjunto de cinco cruzes com características semelhantes, de peanha
tronco-pirarnidal suportando a cruz de hastes lisas. O local do Calvário é composto por três cruzes, possuindo a cruz central uma
base diferente. Por outro lado, conservam-se na Vila algumas cruzes idênticas às do Calvário, marcando o percurso da Via Sacra
desde a Igreja de Santa Maria do Castelo: duas cruzes adossadas à primitiva matriz (fachada principal e alçado lateral), uma
terceira adossadaa uma casa da Rua do Castelo, uma quarta cruz na cabeceira da Igreja de S. Pedro e uma outra no alçado lateral

da Igreja de S. Vicente.

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