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Resumo

CIDADE-JARDIM: FORMAÇÃO E PERCURSO DE UMA IDEIA


(in Cidades-jardins de amanhã, Ebenezer Howard)

São Paulo, 2021.


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A publicação de “Tomorrow: a Peaceful Path to Real Reform”, foi elaborada


em 1898 e reeditada com o título “Gardens Cities of To-morrow”, quatros anos
depois, em 1902. O livro de Ebenezer Howard foi então traduzido e editado em
2002, o qual é introduzido por Dacio A. B. Ottoni.
Para compreendermos a interpretação de Ottoni, é necessário primeiro
entender as problemáticas da época na qual desenvolveu-se o livro.
O êxodo rural é um processo de migração no qual as pessoas do campo
se transferem aos centros urbanos, buscando melhores condições de vida. A
mecanização do campo e a instalação de indústrias – processos alavancados
pela revolução industrial – foram o pontapé inicial para isso ocorrer. Com uma
ocupação desordenada e desenfreada as pessoas passaram a morar nas ruas,
sem as mínimas condições sanitárias, o que gerou várias doenças, preocupando
a classe mais rica e destruindo a perfeição das cidades.
“Com frequência, as habitações operárias situavam-se em vielas estreitas,
sem contar com iluminação e ventilação razoáveis. Apresentavam alta
densidade de uso para seus cômodos – o sistema de cama quente significava
que um mal dormido era substituído por outro, ao terminar seu horário; seu
sistema de higiene era precário, com valas a céu aberto, contaminando o curdo
d’água mais próximo; a quase inexistência de lugares de estar nos cortiços
provocava a transferência desta função para as ruas, que se tornavam
apinhadas de gente. Junta-se a essa situação salários aviltantes e consequente
desnutrição e precárias vestimentas. Forma-se, dessa maneira, o conhecido
quadro de epidemias e surtos de cólera que se expande nas cidades após 1830”.
A ferrovia e as leis sanitárias são dois fatores marcantes que alteraram o
planejamento das cidades.

Cidades Industriais

Robert Owen (1771-1858) empresário e político bem-sucedido, instalou


maquinário moderno em sua fábrica de fiação, providenciou bons salários e
moradia, diminui o número de horas de trabalho e complementou as atividades
fabris com estudo e lazer, em especial para a formação das crianças. Em 1817
propõe uma cidade de harmonia e cooperação, na qual, além da indústria, a
cidade disporia de área para produção agrícola.
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Uma comunidade autossuficiente, onde o excedente produzido poderia ser


negociado. Uma vez estabelecido e atingido o limite de população – cerca de
1200 pessoas – mais unidades semelhantes seriam construídas.
Owen foi considerado um dos pioneiros do socialismo e cooperativismo,
sendo grande influenciador dos movimentos trabalhistas da época, que
reivindicavam melhores condições de trabalho.

Falanstérios

Charles Fourier (1772-1837), contemporâneo de Owen, acreditava que a


humanidade viveria de forma comunitária, em locais para 1600 pessoas
denominadas falanstérios. Este local abrigaria dormitórios, bibliotecas, refeitório
e nas alas junto ao pátio central, igreja, bolsa de valores, teatro, a torre de
controle, além do telégrafo. Ao seu redor 400 há de terra destinada a cultivo e
pastagens.
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Familistérios

Jean-Baptiste Godin (1817-1879), coloca em prática as ideias de Fourier


no familistério em Guise, junto de seu empreendimento, abolindo o sistema
comunal e alojando famílias em apartamentos instalados nos três edifícios para
habitação, atendidas por serviço coletivo. Especial atenção é dada ao ensino,
desde a creche até a formação dos futuros trabalhadores e dirigentes do
empreendimento, que em 1880 passam a gerir a cooperativa formada por Godin,
para dar continuidade ao funcionamento da fundição.
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Hygea

Em 1848 é instituída na Inglaterra a primeira lei reguladora, introduzindo


um método de controle na construção das edificações e ruas o primeiro “Public
Health Act”.
As leis sanitárias são os primeiros instrumentos práticos do urbanismo
moderno, produzindo um novo espaço urbano. De 1859 a 1873 é realizado um
sistema básico de drenagem e esgotos em Londres. Em 1876, o médico
Benjamin W. Richardson (1828-1896), escreve um livro de grande repercussão
na época, propondo uma cidade, Hygea, para 100.000 habitantes, com estudos
técnicos aprofundados para a melhoria das condições higiênicas urbanas.
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A Paris de Haussmann

Desde 1848, com a primeira “Public Health Act”, o estado passa a ter
controle sobre as intervenções na ordenação das cidades. Em 1852, Luís
Napoleão (1808-1873) é eleito presidente, se tornando o imperador Napoleão III.
A reestruturação e a remodelação de Paris foram dirigidas pelo barão
Georges Eugène Haussmann (1809-1891), a mando de Napoleão III, que
desejava tornar Paris a cidade mais significativa do mundo.
A reestruturação de Paris buscava proporcionar uma circulação mais
eficiente para pessoas e mercadorias, inserção de edificações que abrigassem
necessidades como mercados, hospitais, exposições, lojas, setores
administrativos, espaços verdes abertos para eliminar a insalubridade e trazer
lazer a população, provisão de água e esgoto, além de fácil acesso para as
tropas em qualquer localidade.
Foram criados prolongamentos do sistema viário para suportar o futuro
crescimento urbano, que penetravam os subúrbios e o campo aberto, como as
doze vias que saem do arco do triunfo.
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Acompanhado de uma equipe de profissionais gabaritados, formados pela


escola Politécnica de Paris, o preço a ser pago foi a derrubada de incontáveis
imóveis existentes desde a Paris medieval. A ideia era abrir espaço para os
largos boulevares e avenidas, prolongando o sistema viário e restringindo as
novas edificações a altura padrão de no máximo seis andares, permitindo que
as grandes construções ficassem visíveis de quase qualquer ponto da cidade.
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Cidades-jardins

Ebenezer Howard (1850-1928), foi um pré-urbanista que viveu em uma


época cercada por mudanças, acompanhando o inchaço populacional das
cidades devido à revolução industrial.
Essa preocupação com a cidade virou um consenso na época, surgindo a
questão: como reconduzir as pessoas ao campo? Howard percebeu que o que
trazia as pessoas do campo para as cidades eram os atrativos que esta oferecia,
portanto, para haver um êxodo urbano, ou seja, “devolver” as pessoas ao campo,
era necessário ofertar atrativos iguais ou superiores aos que a cidade oferecia.
Mas o que seria igualmente ou mais atrativo no campo do que na cidade?
Aumento de salários? Condições de conforto? Intercâmbio social? Perspectiva
de crescimento? Tal questão foi tratada como se só houvessem duas opções: o
campo ou a cidade, entretanto, o autor propõe uma terceira alternativa: combinar
as benesses de ambos ambientes.
Howard propõe um diagrama denominado de “Os Três Ímãs”, no qual
demonstra as principais vantagens e desvantagens da cidade e do campo, ao
passo que a cidade-campo só teria vantagens.
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Vantagens Cidade - Campo


 Beleza da natureza;
 Campos e parques de fácil acesso;
 Aluguéis e preços baixos;
 Oportunidade de empreendimentos;
 Oportunidades sociais;
 Ar e água puros;
 Liberdade;
 Cooperação.
“Cidade e campo devem estar casados, e dessa feliz união nascerá uma
nova esperança, uma nova vida, uma nova civilização. A finalidade deste
trabalho é mostrar como pode ser dado o primeiro passo nesse sentido pela
construção de um imã Cidade-Campo. Espero convencer o leitor de que isso é
factível, aqui e agora, e com base em princípios absolutamente sólidos, tanto do
ponto de vista ético quanto do econômico”.
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O conceito de cidades jardins remete a bairros de amplas moradias,


gramados e ruas arborizadas, entretanto, o autor extrapola este conceito,
apresentando uma política para manutenção do equilíbrio social, buscando
planejar formas, funções, meios financeiros e administrativos de uma cidade
idealizada. Sua proposta é controlar a concentração das massas nos centros
urbanos, satisfazendo suas necessidades.
Howard propõe então uma propriedade de 2400 ha, sendo dividida em 400
ha de cidade e 2000 ha de zona agrícola. O conceito de municipalidade é
empregado, no qual um conselho central ficará responsável por cuidar do
dinheiro da população e aplicá-lo em obras públicas.
A cidade jardim será construída na área de 400 ha, ou na sexta parte do
total, formato circular, contendo boulevares com 36m de largura cruzando
transversalmente a cidade e a dividindo em 6 partes iguais. No núcleo um belo
jardim circular e no seu entorno os edifícios públicos, sede da municipalidade,
teatro, hospital, biblioteca, museu. O restante desse amplo espaço é circundado
pelo palácio de cristal, um domo de vidro no qual se ocupa um parque público,
de fácil acesso e com área de recreação. Durante a estação chuvosa torna-se
um dos passeios favoritos ao público, tendo a certeza que esse abrigo luminoso
estará disponível ao público até nos dias mais instáveis e havendo venda de
manufaturas em seu interior.
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O autor também trata sobre as partes administrativas dessa cidade,


contemplando a geração de receita e suas despesas bem como algumas
dificuldades que serão enfrentadas, comparando seu modelo a outros já
existentes e propondo a solução.
Ele defende que o caminho do sucesso são as várias experimentações,
nas quais o fracasso deve ser levado em consideração para pavimentar o
caminho da vitória, descartando os pontos fracos e consolidar os pontos fortes.
Entretanto, duas dificuldades podem surgir: o individualismo do homem e sua
ambição pessoal em crescer, não acatando ordens.
Howard coloca o cooperativismo em um pedestal, afirmando que os
esforços associados trarão muito mais benefícios do que os individuais e diz que
a esfera de trabalho do município não é tão grande se comparada com o trabalho
realizado por outros grupos, o que assegura que não existirá monopólio por parte
dela, ou seja, as outras propostas procuram fixar em um grande grupo, outros
menores, de forma a se tornar soberano, enquanto na municipalidade os
cooperativistas, industriais, às sociedades filantrópicas e outras organizações
são maiores que a esfera municipal, a mantendo sob seu controle, assegurando
liberdade mais ampla.
O projeto de Ebenezer Howard, inspirou-se em três outros:
1. As propostas para um movimento migratório organizado da
população, de Edward Gibbon Wakefield e do professor Alfred
Marshall;
2. O sistema de posse fundiária proposto primeiramente por Thomas
Spence e mais tarde – com importante modificação – por Herbert
Spencer;
3. A cidade-modelo de James Silk Buckingham.
A proposta consiste nos seguintes pontos:
 Tentativa séria de organizar um fluxo migratório das populações
dos centros congestionados para os distritos rurais pouco
ocupados;
 Em um primeiro momento, concentrar os esforços em um único
movimento, suficientemente atraente e pleno de recursos, para
posteriormente se pensar em escala nacional;
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 Garantir aos migrantes a totalidade do incremento no valor das


terras devido a sua chegada;
 Criar uma organização que não interfira nos direitos dos outros,
mas recolha as rendas-cotas e as utilize nas obras públicas que o
movimento migratório necessite e concorde, evitando criar taxas
desnecessárias e compulsórias;
 A oportunidade da cidade-campo, no fato de haver poucas
edificações na terra a ser ocupada, de forma a assentar uma cidade
jardim que, à proporção em que se desenvolvesse, conservaria as
benesses da natureza – ar puro, luz do sol, espaços arejados e
áreas de lazer -.
O autor encerra seu livro discutindo o problema de crescimento das
cidades, no caso de atingirem sua população máxima, em torno de 58.000. O
que deve ser feito é a construção de outras cidades a uma certa distância da
original, mantendo cada uma sua própria zona rural, criando uma rede de
cidades agrupadas em torno de uma central, e assim sucessivamente, sendo
todas ligadas por uma linha férrea e bondes elétricos para menores distâncias,
onde a cidade central apresenta população máxima em torno de 58.000 e as
demais, população de 32.000.
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CONCRETIZAÇÃO DAS IDEIAS

Letchworth

Em 1903, a “Firts Garden City Ltda” foi incorporada com capital autorizado
de £300.00, iniciando a concretização da utopia de Howard. Em 1904 somente
o capital de £100.000 havia sido integralizado, passando a trabalhar
continuamente abaixo do montante previsto, o que ocasionou um ritmo lento de
construção. A cidade alcançava em 1913, 8.500 habitantes dos 30.000 que
haviam sido programados, chegando a atingir em 1962 a população de 26.000
habitantes.
O plano de implantação urbana de Letchworth foi executado pelos
arquitetos Raymond Unwin (1863 – 1940) e Barry Parker (1867 – 1947). O
traçado da cidade é simples, claro e informal, distanciando-se de configurações
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geométricas rigorosas de tradições clássico-renascentistas. Como o terreno de


propriedade da “Letchworth Company” é cortado no sentido leste-oeste por
ferrovia que liga Londres a Cambridge, na implantação da cidade foi prevista a
instalação de ferrovia, aproximadamente no seu centro. As duas partes da
cidade são ligadas pela “Norton Way” e pela “Spring Road”, na direção norte-sul,
por baixo de dois pontilhões ferroviários. Entre estas duas vias ocorre a
Broadway, onde, a meio caminho da estação, se situa a Praça da Cidade, em
uma elevação que domina o terreno e onde havia árvores de grandes portes,
lugar que impressionou os arquitetos que sugeriram a colocação de edifícios
municipais, centralizando a atenção.

No centro urbano, da Praça da Cidade à estação, entre a “Broadway” e a


“Norton Way”, irá localizar-se o comércio de Letchworth. A indústria como não
poderia deixar de ser, ficará junto à ferrovia, fora da vista geral da cidade e onde
o vento preponderante oeste-leste irá dispensar os elementos poluentes para
fora da cidade. O desenho aberto mantém a continuidade do espaço livre verde
pela cidade, tornando-a agradável e convidativa e transforma-se na principal
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característica da cidade. Portanto, cuidados especiais foram tomados em seu


paisagismo.

Em Letchworth os arquitetos têm por objetivo o desenho informal das ruas;


as casas formando blocos isolados entre si, recuadas do alinhamento do terreno,
com jardins fronteiriços; os passeios com grama, arbustos e árvores; assim como
o sistema de ruas secundárias de acesso em “cul de sac”. Este conjunto de
procedimentos implantados por meio de normas rigorosas irá acentuar a ideia
de convívio com a natureza, propiciando ambiente agradável e acolhedor.
Buscou-se, em especial, a escala humana. Esta continuidade do espaço aberto
verde se estende aos espaços públicos e parques da cidade, assim como ao seu
cinturão agrícola.
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A melhoria das condições na moradia e no ambiente de vida do operário


sempre foi uma das preocupações básicas nas propostas de Howard,
continuando a ser um objetivo principal para a Companhia da primeira Cidade-
jardim. A pesquisa para a obtenção das melhores características construtivas,
procurando-se maior área para a habitação a preço acessível ao operário,
constituiu-se em atividade constante. O objetivo de se construir uma Cidade-
jardim com indústrias e vida própria, e não um subúrbio jardim, começa a se
tornar realidade.
As industrias construíram elas mesmas suas instalações e eram
responsáveis pela fixação de novos moradores da cidade, justificando a
concretização da ideia básica de Cidade-jardim que seria a de possibilitar a
atividade industrial e melhores moradias aos seus operários. O funcionamento
de estabelecimentos comerciais era também desejável, pois a falta de
mercadoria e preços elevados poderia desencorajar a chegada de indústrias no
número esperado. Por outro lado, as construções comerciais começavam a ser
edificadas sem restrições na proximidade da estação ferroviária. Lojas pequenas
com habitação na sua parte superior dificultando a sua ampliação e tornando-se
inconveniente para seu trabalho. Em suma, a cidade apresenta desequilíbrios
qualitativos em sua arquitetura que em geral são absorvidos pela continuidade
de sua vegetação: cercas vivas entre as residências, árvores ao longo de suas
ruas, passeios, gramados; árvores, arbustos e flores em seus jardins.
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Welwyn

Na impossibilidade de se desenvolver uma política urbana abrangente e de


âmbito nacional, Howard convenceu-se de que era mais do que oportuno o início
da construção de uma segunda Cidade-jardim. A quinze quilômetros de
Letchworth, em uma propriedade rural que estava a venda e após negociações
e empréstimos realizados por Howard, observa-se a criação de “Welwyn Garden
City Ltda”. Notou-se as mesmas dificuldades iniciais vistas em Letchworth e um
crescimento inevitavelmente lento. A cidade foi prevista para 40.000 habitantes
com possibilidade de aumento para 50.000 habitantes.
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A propriedade é cortada em duas partes, no sentido norte-sul, pela ferrovia


que liga Londres ao norte do país. Esta estrada se ramifica no meio da área no
sentido leste-oeste com destino a Hertford e Luton. O plano da cidade elaborado
pelo arquiteto Louis de Soissons previu esquema de circulação radial, cruzando
a linha principal da ferrovia em duas pontes, interligando assim o setor industrial
a leste da ferrovia com as residências a leste e oeste. Louis de Soissons utilizou
a topografia do terreno, a posição marcante da ferrovia, os caminhos,
construções e arvoredos existentes, na definição da planta da cidade.
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Nota-se a presença de ruas lineares junto à ferrovia, em terreno mais plano


e encurvadas junto ao terreno mais inclinado, ajustando o desenho viário ao sítio
urbano com sutil sensibilidade. As residências com seus jardins fronteiriços, sem
muros entre si e a rua, passeios com gramas, arbustos e intensos arvoredos,
disposto junto às vias com pouco trânsito de passagem ou em “cul de sac” tendo
no centro da quadra jardins coletivos, se entrosam admiravelmente à natureza.
A cidade é marcada por um paisagismo bem-disposto, com normas bem
definidas e uma arquitetura de grande homogeneidade, mas evitando a
monotonia e sob o controle de Soisson em seu trabalho diário com a Companhia.
A experiência de Letchworth possibilitou o estabelecimento de regras claras e
eficientes.
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Welwyn atingiu alta qualidade ambiental, mantendo uma excelente


continuidade entre espaços urbano e rural, um dos pontos importantes no ideário
da Cidade-jardim. A partir da experiência de Letchworth, ficou evidente a
importância de investimento inicial não particular no comércio, para suprir de
início a demanda e elevar o padrão dos futuros estabelecimentos a serem
implantados.
Em 1904, logo no início da construção de Letchworth, surge do outro lado
do canal um contraponto às ideias de Howard, o racionalismo de Tony Garnier
com a cidade industrial exposta em Paris. M sua proposta Garnier pressupunha
a existência do governo socialista, favorecendo a ordem e o entendimento entre
as pessoas, propiciando a eliminação de instrumentos de controle como
delegacias, cadeia etc., contando de antemão com forte estrutura administrativa
para a viabilização da Cidade Industrial. Para a execução de sua prática
humanista, Howard contava com um Estado que se resumia às
“municipalidades” representadas pelas Companhias das Cidades-jardins,
convivendo com as demais instâncias administrativas nacionais e municipais
existentes.
Com estes dois Estados, Ebenezer Howard acreditava ter provado:
a) Que era viável a construção de cidades novas com industrias,
independentemente de paternalismos esclarecidos ou do Estado,
conservando o incremento do valor terra para a comunidade, em vez de
subúrbios-jardins;
b) Que cada família poderia possuir uma casa em meio ao verde, com fácil
acesso ao trabalho, ao centro da cidade e ao campo;
c) Que se poderia obter uma boa qualidade ambiental, não só nas partes
centrais das cidades, mas por todo o seu conjunto, mediante cuidados
paisagísticos, atravessando toda a cidade e comunicando-se com um
cinturão verde definido. Evitando-se colocar a área agrícola circundante
como uma terra ainda não construída, mas sim como um cinturão verde
permanente e integrado à cidade;
d) Que era possível a construção a baixo custo de casas com boa
qualidade, externa e internamente, e que o rigor na escolha dos
materiais e no respeito às normas estabelecidas evitava a diferenciação
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frente e fundos em sua arquitetura, formando um todo homogêneo e


contínuo para a cidade.

A INFLUÊNCIA DAS IDEIAS DE CIDADE-JARDIM

Reflexos no Brasil

As ideias de Howard que começam a ser implantadas na Inglaterra no início


do século XX também irão repercutir em todo o mundo, sendo no geral
implementadas de maneira a justificar as críticas formuladas, pois se produziam
subúrbios-jardins de qualidade variável, para defender somente a melhoria do
ambiente residencial da classe média alta.
Esta influência também se apresenta no Brasil, de variadas maneiras. Em
São Paulo a partir de 1913 com a instalação da “City of são Paulo Improvements
and Freehold Company Ltda”. Para o Rio de Janeiro, o urbanista francês Alfred
Agache em seu plano “A Cidade do Rio de Janeiro – Extensão, Remodelação,
Embelezamento” (1930), propõe duas Cidades-jardins, para as Ilhas do
Governador e Paquetá. Vários loteamentos foram realizados nos bairros da
Gávea, Jardim Botânico e Laranjeiras, muito valorizados na década de trinte e
que foram beneficiados com o Decreto-lei 6.000/37, excluindo deles a expansão
industrial. A Cidade-jardim Laranjeiras (1936) é um destes, destinado à clientela
de bom padrão econômico, não permitindo estabelecimentos comerciais e
industriais, possibilitando somente a construção de residências de até três
andares distanciando-se assim da ideia global de Howard. O nome Cidade-
jardim vai dar alguns status a vários empreendimentos da época, como o bairro
homônimo de Belo Horizonte, junto à Avenida do Contorno. No plano de Goiânia
(1933), de Atílio Correa Lima, a zona residencial ao sul da cidade é construída
de ruas curvas, com inúmeros “cul de sac” e extensa vegetação, lembrando o
sistema empregado nas duas Cidades-jardins inglesas.
O exemplo mais extenso e cuidadosamente implantado, entretanto, será o
da Companhia City em São Paulo. A fundação desta companhia está
diretamente ligada ao projeto elaborado para reestruturação do vale do
Anhangabaú em São Paulo, pelo arquiteto francês Joseph Bouvard em 1911.
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O bairro do Jardim América foi o primeiro a ser loteado a partir de 1913.


Seu estudo inicial foi desenvolvido por Barry Parker e Raymond Unwin. O plano
de Parker é de um loteamento-jardim, longe da ideia de autossuficiência da
Cidade-jardim e mais próxima de um subúrbio com alguma infraestrutura. O
projeto prevê lotes com aproximadamente 1.450m², dispostos em ruas sinuosas,
com jardins internos às quadras, para uso coletivo dos moradores. É
estritamente residencial, fora dois clubes e a Igreja Nossa Senhora do Brasil. Os
jardins permeiam todo o bairro, com residências que não podem exceder a área
de projeção de um quinto do terreno. No entanto, não conseguiram eliminar a
separação entre terrenos e rua, obtendo, porém, a troca de muros por cercas
vivas, mas a ideia de verde continuo é obtida na realidade.

A ideia de Cidade-jardim nos Estados Unidos da América

Associações e movimentos ligados às ideias de Howard estão em atividade


logo nos primeiros anos do século XX na França, Alemanha, Rússia, Itália e nos
Estados Unidos. Nos EUA foram produzidos exemplos representativos da
evolução destes princípios. Preocupações como democracia, política, justiça
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social, economia dirigida, irão enfatizar sérios estudos e propostas para reformas
nas habitações, dando ênfase no planejamento regional e aprimoramento das
cidades pequenas, como modelos.
Sunnyside Gardens, a aproximadamente 25Km de Nova York, foi planejado
para 1.200 famílias. No desenho de suas quadras estão previstos jardins,
playgrounds e campos esportivos; seu plano e a disposição dos edifícios rompe
com o esquema rígido, denso e fechado das quadras de Nova York. O rico
tratamento de infraestrutura no interior das quadras foi um passo na direção das
unidades de vizinhança desenvolvidas nas partes internas das quadras de
Radburn, para cada 7.500 pessoas. Estes belos e acolhedores parques
propiciam lazer e conduzem as pessoas. A separação de tráfego de pedestres e
veículos é cuidadosamente projetada entre as quadras, possibilitando ao
pedestre circular pela cidade com grande independência do automóvel.
A grande facilidade de transporte por automóvel, ferrovia e metrô, nos
Estados Unidos, facilitou a enorme expansão dos subúrbios-jardins, muito
menos equipados do que as Greenbelts, mas que tornam uma das marcas
registradas do país.
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Os subúrbios-jardins

A interpretação dos pensamentos e realizações de Howard, de maneira


unilateral, despojando-os de seu conteúdo social, vai produzir na Europa
também uma sucessão de subúrbios-jardins. Enquanto Howard concebia sua
Cidade-jardim para proporcionar aos homens mais liberdade em uma vida
comunitária renovada, Georges Benoit-Lévy (na França) pensa somente na
eficácia e no rendimento. O problema que lhe parecia essencial era o de
descobrir um sistema urbano que permitisse viver perto da indústria de uma
maneira saudável. A obra de Benoit-Lévy muito contribuiu para desnaturar na
França o pensamento de Howard.
Na Itália o pensamento de Howard também utilizado parcialmente, ligado
basicamente ao uso de verde e ao desenho de vias sinuosas, produzindo vários
subúrbios urbanos. Estes resultados geraram pensamentos como o de Benevolo
ao defender que a autossuficiência vislumbrada por Howard provou não só ser
irrealizável, mas prejudicial para o êxito da cidade-jardim. Já os defensores de
Howard pregavam que isto aconteceu apenas na fase inicial de implantação,
devido o lento crescimento das duas cidades (Letchworth e Welwyn).
A velocidade de implantação de industrias, considerando as cidades
idealizadas por Howard, aumenta com o tempo, possibilitando a Osborn afirmar
que Letchworth e Welwyn são cidades industriais completas, nas quais trabalha
a maioria das pessoas ocupadas. Em 1966 (relatório do censo), as pessoas
ocupadas que trabalhavam em Londres, de Letchworth, eram somente cerca de
2,5% e as da Cidade-jardim de Welwyn, cerca de 6,5%, correspondendo a uma
porcentagem mínima, não se trata de subúrbios dormitórios.

O planejamento inglês após a Segunda Guerra Mundial

Antes da atuação de Ebenezer Howard, o governo inglês não tinha


interesse no planejamento das cidades. As atividades governamentais
concentravam-se na tentativa de ordenação de partes da realidade urbana já
existente, e leis de cunho sanitário para as novas ruas e habitações. Após a
Segunda Guerra Mundial, na reconstrução das cidades inglesas, toda
experiência e influência do trabalho de Ebenezer Howard irão atuar fortemente
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na produção de novas e muito importantes realizações. Pela primeira vez,


considerando o período de duas grandes guerras, ocorre uma intervenção
produzindo novos ambientes urbanos que não se restringem à construção de
habitações, seguindo um planejamento global abrangendo o país.
Com uma notável disposição de autoconfiança ante o futuro, o governo
inglês, durante a guerra, se engajou no desenvolvimento de estudo que havia
sido recomendado pelo relatório Barlow (1937-1940) A partir deste relatório, uma
série de relatórios entre 1941 e 1947, com suas recomendações técnicas,
estabelecem as bases das leis que irão regulamentar o admirável esforço inglês
na reconstrução e reestruturação urbana.
O objetivo do plano para Londres era obter o maciço deslocamento de
pessoas do centro, a parte mais congestionada, para a vasta região dos anéis
externos da cidade, movimento que segundo Abercrombie atingiu o montante de
um milhão de pessoas. Esta nova localização de indústrias e trabalhadores
poderia possibilitar a reestruturação de largas áreas, com remoção de cortiços e
construções de baixa qualidade, abrindo espaços para novas atividades
coletivas e aumento da área verde de Londres.

O plano possibilita boa melhoria do padrão de vida desta população e nas


características técnicas e ambientais das novas indústrias. Tanto Londres
quanto as cidades novas passam a ser envolvidas por cinturões verdes,
protegendo-as de uma expansão incontrolável. As primeiras cidades novas
foram programadas inicialmente para receber de cinquenta mil a oitenta mil
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habitantes. Observa-se estreita zonificação, baixa densidade e grandes espaços


verdes.
A discussão sobre a realidade urbana torna-se cada vez mais presente.
Populações iniciais de 50.000 habitantes chegam a atingir 250.000 habitantes,
como em Milton Keynes. Os edifícios em altura, em contraposição a unidade
unifamiliar de tradição inglesa, se incorporam à paisagem dessas cidades,
absorvendo o número crescente de habitantes.

Realizações nos Estados Unidos e na Europa

No período posterior a 1945, Estados Unidos e Europa têm acentuado


desenvolvimento econômico e social. Nos Estados Unidos a construção de
algumas cidades são de âmbito exclusivamente particular. A ação do Estado na
Europa produziu exemplos admiráveis. O exemplo sueco na Escandinávia põe
em evidência a modernização da capital, com equilíbrio e grande qualidade
ambiental. O centro urbano com altos edifícios racionalistas e espaços novos em
vários níveis, ricos e complexos, será renovado sem monotonia.
Na França se desenvolve grande estrutura estatal de planejamento; para
organizar o crescimento da região parisiense, elabora-se o seu esquema diretor,
com cidades novas, requintado sistema de controle ambiental e de uso das
reservas florestais, parques e vale do Sena, estendendo-se por 170 quilômetros
até o porto de Havre.
Permeando o extenso e variado leque de realizações europeias no pós-
guerra, as contribuição-síntese do livro de Ebenezer Howard e da construção de
suas duas Cidades-jardins foi considerável. Seus principais objetivos continuam,
de muitas maneiras, atuais.
Como preconiza Howard, uma clara mediação entre os interesses coletivos
e individuais é indispensável, dada a crescente complexidade da sociedade
humana, e nela o Estado empenha papel fundamental. A procura pelo equilíbrio
e convívio entre ambiente urbano e natureza, intensa e constante almejados por
Ebenezer Howard, de certa forma já produz resultados. Entretanto, o intenso e
contínuo crescimento das populações urbanas, que já começa a se evidencias
com clareza no século XIX, também como fruto da Revolução Industrial, e cada
vez mais, em escala mundial, após a Segunda Guerra Mundial, compromete o
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uso de extensas áreas do planeta. Problemas que anteriormente atuavam na


escala da cidade, crescem para âmbito regional e nacional. Hoje a questão
ambiental é planetária e envolve cada vez mais a sobrevivência humana global.
O desafio permanece.

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