Você está na página 1de 1172

FRAGMENTOS

1
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

2
FRAGMENTOS

NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

SALVADOR - BAHIA
EDITORA UNIFACS
2024

3
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

Copyright©2024

Presidente
Abílio Gomes
Diretora Microrregião Salvador e Feira de Santana
Annita Kelly Cardoso de Andrade

ORGANIZADOR
NoelioDantasléSpinola
spinolanoelio@gmail.com

CONSELHO EDITORIAL
Presidente:
Carolina de Andrade Spinola
Membros:
José Euclimar Xavier de Menezes
José Giléa Souza
Rosângela Moreira de Oliveira
Roseli dos Santos Andrade Araújo

CAPA
José Carlos Baião Ferreira
jcbaiao@hotmail.com

EDITORAÇÃO ELETRÔNICA
Verbo de Ligação Ilustrações Ltda.
contato@verbodeligacao.com.br

F811
Fragmentos/ Noelio Dantaslé Spinola... [et al].- Salvador: Editora Unifacs,
2023.

1170p. : il.

ISBN 978-85-8344-070-3

1. Economia baiana. 2. Economia cultural. I. Spinola, Carolina de


Andrade. II.Spinola, Tatiana de Andrade. III. Jesus, Josias Alves de. IV.Pereira,
Aliger S. V. Lopes Filho, Vicente Brandão. VI. Souza, José Gileá de. VII. Souza,
Laumar Neves de. VIII. Goli, Guerreiro. IX. Souza, Marcos. X. Castro, Helder.
XI. Rangel, Natália Cardoso. XII. Castro, Paulo Patrício. XIII. Cunha, Hélio
Ponce. XIV. Pinheiro, Marcus Amany C. XV. Santos, Adenilson Rosa dos. XVI.
Soares, Cláudia Fardin.

CDD: 981.42

4
FRAGMENTOS

CRÉDITOS

Neste livro registra-se a participação, na elaboração


de artigos em co-autoria, dos seguintes autores:

1. Carolina de Andrade Spinola


2. Tatiana de Andrade Spinola
3. Josias Alves de Jesus
4. Aliger S. Pereira
5. Vicente Brandão Lopes Filho
6. José Gileá de Souza
7. Laumar Neves de Souza
8. Goli Guerreiro
9. Marcos Souza
10.Helder Castro
11.Natália Cardoso Rangel
12.Paulo Patrício Costa
13.Hélio Ponce Cunha
14.Marcus Amany C.Pinheiro
15.Adenilson Rosa dos Santos
16. Cláudia Fardin Soares

5
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

6
FRAGMENTOS

SUMÁRIO

Introdução..................................................................................................9
Por que perdemos o bonde da História?...................................................27
A economia baiana: Os Condicionantes da Dependência.91
O PLANDEB. Uma Análise Histórica.........................................................125
A condição social do negro, a pobreza e a discriminação racial, como
limitantes da geração de empregos na Bahia, em um contexto de
globalização............................................................................................167
Réquiem para a cultura popular..............................................................193
Exeu, Epá Babá, Axé!...............................................................................229
Economia, Esportes e Pobreza: O Caso do Futebol Baiano......................267
Ouro e Pedras Preciosas: Uma riqueza estéril..........................................293
A Cidade do Salvador e sua Centralidade................................................327
Cenário do Teatro Baiano........................................................................373
A cultura baiana e a herança africana.....................................................411
A implantação de Distritos Industriais como Política de Fomento ao
Desenvolvimento Regional: O Caso da Bahia.................. .........................453
Challenges to the development of peripheral economies........................515
Entrepreneurial Location: Strategic Trend for Region development?.......553
Análise da Localização de Micro e Pequenas Empresas na Cidade de
Salvador..................................................................................................591
A Divisão Social do Trabalho no Recôncavo: uma análise para o período
2002-2012 .............................................................................................625
Economia Cultural de Salvador - A indústria do Carnaval........................657
A utopia do desenvolvimento num sistema capitalista de produção e a
inviabilidade do crescimento econômico permanente.............................699
Cultura e Economia: Da Teoria à Prática..................................................733
A Rua .....................................................................................................775
A formação do Capital Humano e o desenvolvimento da Bahia no século
XX...........................................................................................................795

7
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

A monoeconomia de Hirschman e o descolamento das teorias do


desenvolvimento: uma aplicação ao caso da Bahia.................................823
Produções Culturais Marginais na Cidade do Salvador............................859
Tempero baiano no desenvolvimento urbano: uma análise dos
restaurantes da cidade do Salvador .......................................................939
A Industrialização de Feira de Santana....................................................969
Avaliação do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) - Bahia....1003
Seis décadas da teoria dos polos de crescimento: Uma revisão necessária ...
.............................................................................................................1067
Costurando o desenvolvimento local: Um estudo da Indústria de
Confecções de Jequié............................................................................1093
Impacto das contratações e distribuição espacial dos recursos do FNE.1115
Ascensão e Queda de um Centro Industrial Urbano: A Península de
Itapagipe em Salvador/Bahia.................................................................1135

8
FRAGMENTOS

Introdução
Fragmentos reúne trinta artigos escritos individualmente ou
em parceria, normalmente com um orientando de mestrado ou
doutorado, entre 1999 e 2023.

O primeiro artigo, intitulado Por que perdemos o bonde da


História foi produzido em 2014 para uma publicação do CORECOM.
É uma análise dos motivos que levaram a Bahia a perder o seu ritmo
de crescimento vis a vis os demais estados do Brasil.

Palavras-chave: Economia baiana, desenvolvimento regional, história


econômica da Bahia.

O segundo artigo, desta coletânea, criado em 2004 e publicado


na RDE n.10 trata da Economia Baiana: os Condicionantes da
Dependência. Um conjunto de informações resultantes de pesquisa
sobre a economia baiana no século XX, conduzem à conclusão de que
fatores históricos limitaram, a partir do século XIX, o desenvolvimento
da Bahia, aqui entendido como um estágio de maior equilíbrio
na distribuição da renda e de minimização dos desníveis sociais.
Dessa conclusão, desenvolveu-se a tese de que os condicionantes
da pobreza que afligem a maior parte da população baiana e os
desequilíbrios regionais de produto e renda são uma decorrência
do processo de acumulação capitalista e das formas assumidas
pela divisão internacional do trabalho, constituindo um elemento
essencial para o progresso de outras regiões como, no caso a região
Sudeste do Brasil. Assim sendo, não interessa às classes dominantes
a modificação desse estado de coisas, por contrariar a própria lógica
do processo de acumulação capitalista e os princípios que regem um
mundo dominado pela globalização segundo uma ética econômica
neoliberal.

Palavras-chave: Bahia, Desenvolvimento baiano, Desenvolvimento


regional, História econômica da Bahia, Economia regional.

9
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

O terceiro artigo intitulado PLANDEB analisa o maior projeto de


planejamento econômico realizado na Bahia e que completou meio
século da sua edição. Trata–se do Plano de Desenvolvimento do
Estado da Bahia – Plandeb, elaborado pelos técnicos da Comissão
de Planejamento Econômico da Bahia – CPE, no governo de Antonio
Balbino de Carvalho Filho, sob a liderança do economista Rômulo
Barreto de Almeida. Foi publicado na RDE Nº 20 de Julho de 2009.

Palavras-chave: planejamento regional, economia baiana,


desenvolvimento regional.

O quarto artigo um texto de 2012, intitulado A condição social


do negro, a pobreza e a discriminação racial, como limitantes
da geração de empregos na Bahia. O artigo reflete preocupações
antropológicas do autor. Este trabalho objetiva promover um breve
exame da pobreza secular e endêmica que domina parcela significativa
da população baiana.

Palavras-chave: pobreza, desenvolvimento social, desenvolvimento


urbano.

O quinto artigo, intitulado Réquiem para a cultura popular, foi


elaborado em 2011 para o IX Encontro Nacional da Associação
Brasileira de Estudos Regionais e Urbanos. Trata do conflito entre as
formas primitivas e ingênuas da arte, que integram a cultura popular
e consequentemente a economia cultural, e a indústria cultural
engendrada pelo sistema capitalista.

Palavras-chave: Economia cultural. Indústria cultural. Cultura


popular. Salvador.

O sexto artigo intitulado Exeu, Epá Babá, Axé! analisa a influência


africana na economia da cidade do Salvador, a terceira maior do
Brasil em população e a maior do mundo, fora da Africa, em termos
da população negra. Demonstra como os cultos religiosos, como o
candomblé, se transformam nos veículos inspiradores e condutores
de atividades econômicas que se materializam através do folclore.

10
FRAGMENTOS

Palavras-chave – Economia cultural; Influência africana; Religião


Afro-brasileira; Economia baiana; Emprego e renda; Salvador.

O sétimo artigo trata da Economia, Esportes e Pobreza: O Caso do


Futebol Baiano. Foi produzido em 2014, para o XVI ENANPUR. Trata
do esporte na Bahia com ênfase no futebol. É uma parte atualizada
estatisticamente de trabalho de pesquisa realizada em 2004, onde
se analisou a relação de causa e efeito entre a pobreza e os fatores
propulsores das atividades esportivas (o mercado, o marketing/mídia
e o desenvolvimento urbano) no âmbito de uma economia capitalista.
O estudo conclui pela existência de um grau de correlação direta
entre o nível de desenvolvimento urbano e a performance esportiva
das regiões brasileiras. Aqui se demonstra esta correlação mediante
a análise do problema do esporte na Bahia. Nos últimos dez anos,
a despeito da ocorrência da Copa do Mundo de 2014, não mudou
nada, pelo contrário piorou. O trabalho conclui apresentando um
conjunto de soluções para o enfrentamento do problema.

Palavras-chave: Cultura, Saberes e Identidades, Pobreza, Bahia,


Esportes, Futebol.

O oitavo artigo trata do Ouro e Pedras Preciosas uma Riqueza


Estéril. Trata-se aqui de uma breve análise das atividades relacionadas
com a extração de minerais ditos preciosos com destaque para o ouro
e as gemas, tomando como espaço de referência física o território
brasileiro e especificamente o baiano, considerando o período
compreendido entre os séculos XVI e XX. Busca-se comprovar a
hipótese de que esta mineração traz em si embutida uma espécie
de trade-off posto que, a despeito da fortuna que produz, não
compensa aos seus produtores primários e a economia das suas
respectivas regiões que são exploradas e espoliadas. Trabalhou-se
com uma metodologia dedutiva, utilizando-se a análise documental
e a pesquisa bibliográfica o que resultou na confirmação da hipótese
aqui assinalada.

Palavras-chave: Mineração. Ouro. Pedras preciosas. História


Econômica. Brasil. Bahia.

11
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

O nono artigo trata da Cidade de Salvador e sua Centralidade.


Este texto aborda a questão da centralidade urbana da cidade do
Salvador, capital do Estado da Bahia examinada no plano histórico
sob dois ângulos. Primeiro o da centralidade em termos regionais
– a influência exercida pela velha capital em relação à região de
seu entorno. Segundo a centralidade da cidade em termos do seu
próprio espaço interno. O texto leva a constatação de que as duas
centralidades se correlacionam diretamente demonstrando que as
alterações na centralidade regional afetam a centralidade urbana
e o processo de ocupação e uso do solo da cidade. Em sentido
oposto quanto maiores e mais importantes forem os bens centrais
de uma cidade maior tende a ser sua região de influência. Nas atuais
circunstâncias, na medida em que se reduz a influência de Salvador
sobre o seu entorno, provocada por circunstâncias exógenas, a cidade
transforma-se de monocêntrica para policêntrica e seus espaços se
expandem pela migração de populações pobres que sobrecarregam
sua capacidade de oferecer uma infraestrutura física e urbana social
compatível com o seu porte e dimensão.

Palavras – chave: cidade; centralidade; urbano; regional; Salvador

O décimo artigo trata do Cenário do teatro baiano. Este texto,


propõe-se delinear um quadro da construção do teatro baiano.
Narra a sua trajetória, as políticas culturais que conduziram aos seus
períodos de apogeu e de sombra, partindo do século XVI seu marco
fundador, até os dias atuais, quando abalado pela competição do
cinema e da televisão passa a sobreviver pelos extremos, procurado
pelas elites de um lado e utilizado como “pièce de resisténce” de
movimentos populares por outro. As possibilidades de análise da teia
que envolve essa faceta da cultura baiana processaram-se através
de uma metodologia que contemplou pesquisas bibliográficas,
documentais e imagéticas, elaborada a partir de material já publicado,
constituído principalmente de livros, artigos de periódicos e acervos
disponibilizados na Internet, que permitiram a fundamentação teórica
e um breve mapeamento fotográfico, compreendendo a identificação
das edificações destinadas à arte dramatúrgica no período estudado.
O trabalho conclui com a observação de que apesar de um pequeno

12
FRAGMENTOS

avanço, viver do labor cênico ainda é uma atividade difícil, com poucas
perspectivas de mudança em um futuro próximo, que amenizem os
efeitos da principal contradição da economia baiana: arte rica, ator
pobre.

Palavras-chave: economia cultural, teatro baiano, artes cênicas,


história do teatro.

O décimo-primeiro artigo trata da Cultura baiana e a herança


africana Este artigo apresenta um breve comentário sobre a
influência africana na economia da cidade de Salvador, a terceira
maior do Brasil em população e a maior do mundo, fora da África,
em termos da população negra, sem pretensões de esgotar o
assunto. Relata os resultados de uma pesquisa de campo que informa
como os cultos religiosos, como o candomblé, se transformam nos
veículos inspiradores e condutores de atividades econômicas que se
materializam através do folclore. Espera fornecer elementos para
uma discussão econômica e antropológica mais profunda.

Palavras-chave: economia cultural, influência africana, religião afro-


brasileira, economia baiana, emprego e renda, Salvador

O décimo segundo artigo tratou da Implantação de Distritos


Industriais como Política de Fomento ao Desenvolvimento
Regional: o Caso da Bahia. Criado em 2000 foi publicado na Revista de
Desenvolvimento Econômico - RDE. N.4/2001 O trabalho apresenta as
conclusões de uma pesquisa que teve como objetivo analisar o impacto
da política de localização industrial no desenvolvimento regional e
urbano do Estado da Bahia. Com este propósito, foram examinados
os programas de fomento à industrialização da Bahia, executados no
período compreendido entre 1967 e 1999 e que deram origem aos
distritos industriais da Região Metropolitana do Salvador - RMS e
a outros localizados em municípios do interior do Estado. Os cinco
maiores municípios representados por Feira de Santana, Ilhéus, Vitória
da Conquista, Juazeiro e Jequié. No conjunto, essas áreas respondiam,
em 1997, por 71,12% do Produto Interno Bruto e 30% da população
estadual, e abrigavam os principais distritos industriais da Bahia.

13
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

Palavras-chave: industrialização, interior, distritos industriais.

O decimo terceiro artigo Challenges to the development of


peripheral economies the methodological inadequacy of the
theoretical tools upon which public policies are based, promoted,
and applied in many remote regions of South America is one of the
biggest challenges to the promotion of effective economic and social
development. This study examines the state of Bahia, a Brazilian
state located in its northeastern region. It discusses the contributions
relating to new programs to promote economic development in
the context of world economy, and their effectiveness in the case
of Bahia. It analyzes the teleological aspects of the new categories
included in the theory of regional development, such as local
development, endogenous, self-sustaining, and community that
represent different strategies and, therefore, comprise of different
approaches. As a matter of hermeneutics, it examines methodological
aspects and the operational use of these categories, demonstrating
their lack of adherence to the phenomena observed in the culture
of peripheral communities, in their original formulations derived in
different scopes, built from more technologically advanced realities
not considering the necessary degree of integration (embeddedness)
between the different actors being a prerequisite for obtaining the
desired success. In this sense, the form adopted in the use of these
methodologies that aim to interpret and intervene in development
processes that call for local development, endogenous, self-sustaining
and so on is compromised by not corresponding to the real object of
their investigations and interventions. The scientific rigor required of
those who work with the social sciences becomes distorted, confused
and causes difficulties, in general terms, in making sense of public
policies adopted under the label of these denominations. Finally, the
paper proposes the resumption of efforts to build new alternatives
for promoting development through the formation of human capital
and the appropriateness of new techniques for promoting the reality
and characteristics of less developed regions.]

Key Words: Regional Development; Local Development; Endogenous


Development;Space Economics; Brazilian Economy; Bahia Economy

14
FRAGMENTOS

O decimo-quarto artigo Entrepreneurial location: strategic


trend for region development? discusses the Theory of Location
that belongs to the classical school of Spatial Economics, valid until
today. Examines the determinants of industries and service activity’s
locations, a topic rarely addressed by the literature. Then makes critical
remarks on the policy of industrial location in the state of Bahia,
especially over the decades from 1960 to 2000. It is concluded with
the direct correlation between the application of the fundamental’s
theories and the degree of cultural development in a society.

Keywords: Spatial economics, Business location; Service economy;


Regional development; Bahia.

O décimo quinto artigo trata da Análise da Localização de Micro


e Pequenas Empresas na Cidade de Salvador. Elaborado em
2015 por Noelio Spinola com o apoio de Marcus Amany Castellar
Pinheiro (Orientando).Dentre os aspectos presentes durante o
processo de planejamento empresarial e subsequente tomada de
decisão para a instalação de empresas, o da localização é, em muitos
casos, determinante da futura competitividade e da sobrevivência
do empreendimento. Entretanto este aspeto não é merecedor
de uma atenção mais aprofundada sendo assumido como um
“fato consumado”. Isto é o que se conclui do exame dos roteiros
disponibilizado por instituições de fomento como o Serviço Brasileiro
de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE) e pelos bancos
Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e do
Nordeste do Brasil (BNB). Este trabalho busca aprofundar o exame da
questão e propor ajustamentos da teoria locacional às peculiaridades
das regiões emergentes, em especial na Região Metropolitana de
Salvador, visto que esta foi totalmente construída nos Países do
chamado primeiro mundo. Com este objetivo procurou-se primeiro
contextualizar no plano socioeconômico e dialético as micros e
pequenas empresas, e em seguida, examinar as teorias locacionais
em voga e as peculiaridades operacionais dos micros e pequenos
negócios instalados em Salvador da Bahia. Considerando-se a
realidade soteropolitana matizada por uma pobreza multidimensional
dominante, conclui-se que o universo das Micros e pequenas

15
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

empresas (MPEs) existentes em Salvador torna irrelevante o propósito


de uma análise da localização empresarial nos termos consagrados
pelo mainstream econômico. As peculiaridades sociais e econômicas
existentes reclamam a construção de uma teoria que substitua o
paradigma desenvolvimentista fundado com base nos instrumentais
das teorias macro e microeconômicas neoclássicas. Não é fácil,
sem resvalar-se para o marxismo em suas diferentes vertentes ou
descambar-se para uma das formas do assistencialismo, encontrar-se
uma abordagem do problema que produza resultados eficazes.

Palavras-chave: Localização Empresarial, Planejamento e Projetos,


Economia Espacial, Desenvolvimento Urbano, Salvador.

O décimo-sexto artigo A Divisão Social do Trabalho no Recôncavo:


Uma Análise para o Período 2002-2012 discutiu a divisão do trabalho
no Recôncavo da Bahia a partir da análise do seu mercado de trabalho
nos últimos dez anos. O Recôncavo é uma região emblemática
para a História do Bahia e do Brasil. Foi a primeira região do Brasil
a passar por um processo de urbanização e nos séculos XVI e XVII
foi a principal região do país participando diretamente na produção
de açúcar, gerando emprego e renda na região. Importante também
no desenvolvimento de diversas outras atividades econômicas, a
exemplo do fumo, do tecido, de material de construção, da produção
de hortaliças, e da produção pecuária. Contudo, essa região passou
por profundas crises, alternando ao longo desses quase cinco séculos
de história por momentos de prosperidade e completa estagnação.
Contudo há uma nova possibilidade de crescimento econômico em
processo através dos investimentos em educação e em infraestrutura, a
exemplo do projeto da ponte Salvador-Itaparica gestado pelo Governo
do Estado da Bahia e os investimentos federais no Estaleiro de São
Roque do Paraguaçu. Dessa forma, o presente trabalho visa discutir
como está assentada a divisão do trabalho no Recôncavo, discutindo
o seu mercado de trabalho, a geração de renda e o nível de instrução
dos trabalhadores. O problema de pesquisa que norteará a pesquisa
é: Como está estruturado o emprego no Recôncavo? A metodologia
empregada está dividida em duas etapas. O método de abordagem
empregado é o materialismo histórico-dialético, na primeira etapa

16
FRAGMENTOS

e na segunda buscou-se dados de pesquisa secundária na base de


dados da Relação Anual de informações Sociais (RAIS) do Ministério
do Trabalho e Emprego (MTE). Os resultados mostram importantes
modificações na estrutura do emprego formal no Recôncavo com
redução do nível de desemprego, melhoria na renda do trabalho,
aumento da População Economicamente Ativa e aumento do nível
de instrução desses trabalhadores. Pode-se afirmar que apesar das
dificuldades, há um processo de mudança em curso na Região.

Palavras-chave: Desenvolvimento Regional, Divisão do trabalho,


Emprego.

O décimo-sétimo artigo trata da Economia Cultural de Salvador– A


Indústria do Carnaval foi produzido em parceria com Goli Guerreiro
e Tatiana de Andrade Spinola e foi publicado na RDE n.9 de 2004. Este
artigo deriva de pesquisa realizada pelos autores no âmbito do Grupo
de Estudos da Economia Cultural de Salvador (Gecal), vinculado ao
Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional e Urbano
da Universidade Salvador. O escopo do trabalho previu a realização
de uma radiografia da economia cultural, na velha capital baiana, em
especial dos setores que possuem efeitos multiplicadores e impacto
na geração de novos negócios, emprego e renda, destacando- se
os vinculados ao carnaval; ao candomblé; à música; à moda e ao
artesanato entre outras manifestações culturais. Neste artigo aborda-
se exclusivamente os aspectos da pesquisa relacionados ao carnaval.

Palavras-chave: Economia cultural, Economia urbana, Economia


regional, Antropologia social, Geração de emprego e renda.

O décimo-oitavo artigo trata da Utopia do desenvolvimento


num sistema capitalista de produção e a inviabilidade do
crescimento econômico permanente, elaborado em parceria com
Carolina de Andrade Spinola em 2013. Este texto reúne algumas
reflexões sobre a problemática do desenvolvimento e do crescimento
econômico. Os autores criticam as diversas classificações aplicadas
aos diferentes estágios do progresso das nações e defendem uma
posição já assumida por diferentes autores como Paul Baran,

17
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

Celso Furtado, Giovanni Arrighi, Herman Daly e muitos outros que


afirmam ser o crescimento econômico limitado em médio prazo pela
exaustão dos recursos produtivos e o desenvolvimento econômico,
uma utopia, notadamente para os países periféricos. Desta forma,
conclui-se que a retomada da discussão acerca do desenvolvimento
parece indispensável nos dias de hoje, seja em razão da situação de
estagnação econômica e da deterioração das condições sociais de
vastas regiões da periferia capitalista nesse contexto de globalização,
seja em razão dos próprios limites ecológicos da sociedade de
consumo. O grande desafio consiste em repensar o desenvolvimento
levando em consideração esse conjunto de problemas.

Palavras-chaves: desenvolvimento econômico; crescimento


econômico; desenvolvimento local; economia regional; Brasi.

O décimo-nono artigo trata da Cultura e economia: da teoria à


prática e tem por objetivo realizar uma reflexão sobre a economia e
a cultura na sociedade atual, a partir da observação da importância
que a produção cultural tem obtido em todo o mundo, inclusive no
Brasil e na Bahia. Para tanto, são apresentados conceitos importantes
para o entendimento da economia da cultura, aspectos da produção
cultural mundial, nacional e local e o processo de sua organização e
funcionamento.

Palavras-chave: Economia da cultura. Produção cultural.


Financiamento e Investimento.

O vigésimo artigo intitulado A Rua trata da questão da mobilidade


urbana e da caminhabilidade, uma condição para melhorar a
qualidade de vida dos habitantes da cidade, na medida em que se
atinja níveis operacionais satisfatórios.

Palavras-chave : Urbanismo, cidades, mobilidade.

O vigésimo primeiro artigo é intitulado A formação do Capital


Humano e o desenvolvimento da Bahia no século XX. Este artigo
procura analisar a formação do capital humano do Estado da Bahia no

18
FRAGMENTOS

século XX, a partir das contribuições teóricas das áreas dedicadas ao


tema, considerando a qualidade da mão de obra atuante em alguns
dos principais agentes econômicos do estado. Para tanto, utilizou-se
uma pesquisa das contribuições teóricas das áreas de Capital Humano e
de Desenvolvimento Regional, essa última com destaque para o Estado
da Bahia, e uma pesquisa documental, a qual foi empreendida a partir
da coleta de dados em publicações e em relatórios de alguns agentes
econômicos - Centros de Serviços Compartilhados e prestadores de
serviços - sobre os seus processos de recrutamento e seleção, assim
como o perfil do capital humano disponível na Bahia. Concluiu-se que
a formação do capital humano está associada ao desenvolvimento
regional e que, no caso da Bahia, por motivos diversos, principalmente
históricos, esse desenvolvimento não aconteceu como deveria. Desta
maneira, os grandes agentes econômicos atuantes no estado precisam
lidar com maiores custos dos programas de formação de capital
humano, assim como atrasos no início de operações.

Palavras-chave: capital humano, desenvolvimento regional, agentes


econômicos, centros de serviços compartilhados, Estado da Bahia.

O vigésimo-segundo artigo trata da Monoeconomia de Hirschman


e o descolamento das teorias do desenvolvimento: uma aplicação
ao caso da Bahia A inadequação metodológica do ferramental
teórico em que se fundamentam as políticas públicas de fomento
aplicadas em muitas regiões periféricas da América do Sul constitui
um dos maiores desafios à promoção do seu efetivo desenvolvimento
econômico e social. Neste estudo examina-se a situação da Bahia,
um estado brasileiro localizado em sua região Nordeste. Aborda as
novas contribuições relacionadas com os programas de promoção do
desenvolvimento econômico num contexto de economia-mundo, e a
sua eficácia no caso da Bahia. Analisa os aspectos teleológicos das novas
categorias inseridas na teoria do desenvolvimento regional, tais como
desenvolvimento local, endógeno, auto-sustentável, e comunitário
que representam diferentes estratégias e, por isto mesmo, comportam
diferentes abordagens. A partir de uma questão de hermenêutica
analisa aspectos metodológicos e operacionais da utilização destas
categorias, demonstrando a sua falta de aderência aos fenômenos

19
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

observados na cultura das comunidades periféricas, por derivarem em


suas formulações originais de escopos diferentes, construídos a partir
de realidades tecnologicamente mais avançadas e não considerarem
o necessário grau de integração (embeddedness) entre os diferentes
agentes sociais que é um pré-requisito essencial para a obtenção do
êxito pretendido.

Palavras-chave: Desenvolvimento Regional; Desenvolvimento Local;


Desenvolvimento Endógeno; Economia Espacial; Economia Brasileira;
Economia Baiana.

O vigésimo-terceiro artigo trata das Produções culturais marginais


na cidade do Salvador. Foi criado em 2013 com o apoio de Tatiana de
Andrade Spinola e Natália Cardoso Rangel e publicado na RDE 27 em
2013. Este texto é baseado em uma pesquisa, amparada pela FAPESB,
que foi realizada na cidade do Salvador, no período compreendido
entre os anos de 2008 e 2012. Trata de um relato e análise da situação
em que se encontram alguns segmentos artesanais que sobrevivem,
economicamente falando, em termos marginais na cidade do Salvador,
merecendo destaque os produtores de instrumentos musicais. Durante
a investigação detectou-se problemas que foram contextualizados no
relatório da pesquisa e ilustrados com tabelas e fotos que fundamentam
os argumentos e buscam alertar para precariedade da situação em que
os artesãos se encontram.

Palavras-chave: Economia Cultural. Artesanato. Instrumentos


Musicais. Informalidade. Economia popular.

O vigésimo-quarto artigo trata do Tempero baiano no


desenvolvimento urbano: uma análise dos restaurantes da cidade
do Salvador originou-se da tese de Doutorado de Paulo Patrício
Costa e foi elaborado em 2010 com destino ao congresso da ANPUR.
Este texto apresenta a análise de um segmento importante do setor
de serviços que não frequenta usualmente as páginas dos estudos
acadêmicos. Trata-se do comércio/serviços de alimentação. Ou seja: os
restaurantes. Ao destacar a relevância do setor terciário para economia
nacional, traz uma abordagem sobre o nascimento do restaurateur

20
FRAGMENTOS

da napoleônica Paris do século XVIII, e faz uma análise qualitativa a


partir de dados estatísticos pesquisados em base de informações da
RAIS/CAGED/SEI e IBGE sobre a participação do segmento empresarial
de restaurantes no mercado nacional, regional e estadual. Para
delinear a situação econômica do setor empresarial de restaurantes
de Salvador, constrói um ranking comparativo entre as praças de
maior destaque gastronômico, efetuando o levantamento do volume
de estabelecimentos ativos e promovendo cruzamentos de dados
de população, PIB, renda per capita, empregabilidade, rentabilidade
e formação educacional dos trabalhadores do setor. Entre as 10
principais capitais com maior expressão gastronômica, acaba fazendo
uma comparação direta com Porto Alegre, responsável pelos melhores
indicadores de empregabilidade no setor nacional.

Palavras-chave: Serviços, Comércio de Alimentos, Restaurantes,


Salvador, Desenvolvimento Urbano, Economia Cultural.

O vigésimo-quinto artigo trata da Industrialização de Feira de


Santana discutindo o processo recente de industrialização em Feira de
Santana sob a perspectiva do Centro Industrial do Subaé – CIS e seus
impactos na geração de emprego e renda.

Palavras-chave: Industrialização; Feira de Santana; Centro Industrial


do Subaé; geração de emprego e renda.

O vigésimo-sexto artigo trata da Avaliação do PAC na Bahia O artigo


analisa os principais empreendimentos de infraestrutura (logística,
energética e social e urbana) do Programa de Aceleração do Crescimento
(PAC) no período de 2007 a 2010. A problemática do estudo foi: como
o PAC baiano contribuiu para o desenvolvimento do Estado? O artigo
demonstra, através de dados quantitativos, o impacto do PAC na área
social baiana do período. Para esta abordagem quantitativa os dados
foram coletados através de pesquisa exploratória e bibliográfica.
Conclui-se que em média 77,20% dos projetos do PAC baiano não
foram finalizados, mas mesmo assim, ao associá-lo ao Produto Interno
Bruto (PIB) e ao número de trabalhadores formalizados, utilizando
uma simulação regressiva, antes, durante e depois dos anos de 2007

21
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

até 2010, percebe-se a sua influencia e interferência no processo de


desenvolvimento regional da Bahia.

Palavras-chave: Regulamentação; Programa de Aceleração do


Crescimento (PAC) – Bahia;
Desenvolvimento Regional; Planejamento Regional.

O vigésimo-sétimo artigo analisa Seis décadas da Teoria dos Polos


de Crescimento: uma revisão necessária. Esta pesquisa faz um
balanço da Teoria dos Polos de Crescimento nos últimos sessenta
anos. Entende-se que essa teoria teve forte influência no pensamento
económico europeu nas décadas de 1950 e 1960, e também no Brasil.
O objetivo geral é discutir o desenvolvimento da Teoria dos Polos de
Crescimento frente à economia regional a qual necessita de ferramentas
cada vez mais refinadas. O problema de pesquisa que norteia todo o
trabalho é, como a Teoria dos Pólos de Crescimento pode ser aplicada
em análises regionais no contexto recente da ciência econômica? A
metodologia utilizada é uma pesquisa bibliográfica sobre as principais
publicações sobre a Teoria nos últimos 40 anos, incluindo pesquisas
publicadas no Seminário Internacional de Planejamento Regional
e Urbano na América Latina realizado em Viña del Mar no Chile em
1972. Sobre a obra de Perroux, a pesquisa concentrou-se em seus
trabalhos “O Espaço Econômico”, “Os Pólos de Crescimento”, “A
Noção de Pólos de Crescimento” e “A Empresa Motriz em uma Região
e o Motivo da Região”. Os principais resultados foram: A Teoria dos
Pólos é importante na compreensão dos mecanismos que permitem a
polarização das atividades industriais dentro de uma região. Essa noção
de viés influenciou uma série de estudos que tinham como pano de
fundo (objetivo) a possibilidade de promover o crescimento econômico
de regiões atrasadas ou deprimidas através do estabelecimento de
atividades industriais quais são as indústrias motrizes e indústrias
impulsionadas e como essa polarização se alastra pelo tecido
regional, como o Brasil. Outra conclusão importante é representada
por sua metamorfose e desdobramentos dentro do paradigma da
especialização flexível por desdobramentos em associação com a
economia neoschumpeteriana na base teórica de clusters, clusters e
Mídias inovadoras, entre outros. Assim, o pensamento e a contribuição

22
FRAGMENTOS

de François Perroux continuam vivos e importantes no arsenal de


ferramentas teóricas da ciência regional.

Palavras-chave: economia regional, Perroux, polarização.

O vigésimo-oitavo artigo intitulado de Costurando o


Desenvolvimento Local: um estudo da indústria de confecções de
Jequié. Discute as principais causas do declínio do Polo de Confecções
de Jequié. O texto baseia-se em entrevistas com os principais
protagonistas do problema. As análises das informações coletadas
foram realizadas a partir dos conceitos teóricos sobre desenvolvimento
local e arranjos produtivos locais. Os resultados mostraram que o
fracasso do polo decorreu da total ausência de embeddness e pela
entrada de novos concorrentes; baixo nível tecnológico em relação
a outros polos; abertura de mercado (confecções da China); falta
de capital de giro; elevação do piso salarial e administração familiar.
Conclui-se que o desenvolvimento local a partir das indústrias de
confecções de Jequié, se transformou mais em mito do que em
realidade principalmente por não ter havido envolvimento de todos
os segmentos da sociedade local.

Palavras – Chave: indústria têxtil; polo de confecções; desenvolvimento


local; desenvolvimento endógeno; economia baiana.

O vigésimo-nono artigo trata do Impacto das contratações e


distribuição espacial dos recursos do FNE. Este artigo tem por
objetivo apresentar a distribuição espacial dos recursos do Fundo
Constitucional de Financiamento do Nordeste - FNE, com ênfase nas
contratações de operações, ao longo dos períodos de 2015 a 2019, na
região Nordeste. Será apresentado de forma a poder se verificar como
se comportou as contratações de operações, ao longo dos últimos 05
(cinco) anos, nos 09 (nove) Estados da região Nordeste, bem como, em
parte das regiões do Norte do Espírito Santo e Norte de Minas Gerais.
O recurso está segmentado em 06(seis) setores: Rural, Agroindustrial,
Comércio e Serviços, Industrial, Turismo e Infraestrutura. Neste artigo,
em específico, destacamos os setores: Rural e Industrial, com o
objetivo de verificar o seu comportamento ao longo dos cinco anos

23
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

analisados. Apresenta-se também, um breve histórico sobre o Banco


do Nordeste e sobre o Fundo Constitucional de Desenvolvimento do
Nordeste - FNE, ferramenta principal, gerida pela Instituição para
promover o desenvolvimento econômico e social da região, tendo
como foco principal minimizar as desigualdades regionais existentes.
Ao final, apresenta-se as conclusões relativas aos períodos analisados,
considerando a aplicação dos recursos do FNE, em todo o território
nordestino, destacando as ocorrências nos setores: Rural e Industrial.

Palavras-chave: Fundo Constitucional, Contratação, Nordeste,


Desenvolvimento.

O trigésimo artigo, que fecha esta coletânea, trata da Ascensão e


Queda de um Centro Industrial Urbano: a Península de Itapagipe
em Salvador-Bahia. O objetivo deste artigo é apresentar aspectos sobre a
história e o patrimônio industrial da Península de Itapagipe, descrevendo
a trajetória de sua ocupação. Para dar conta dessa empreitada, lançou-
se mão de uma abordagem histórico-do- cumental, o que contemplou
um estudo do passado e do presente dessa península, com vistas a
resgatar parte da história das organizações industriais que lá existiram. Ao
realizar esse exercício investigativo, foi possível constatar que esse território
experimentou várias transformações, que se fizeram acompanhar e/ou
implicaram em mutações no seu tecido urbano, seja por que derivaram
de mudanças importan- tes em termos demográficos, seja porque
determinaram novas aplicações e usos para o solo, as quais, é bom que
se diga, nem sempre estiveram em sintonia com o que determinava o
crivo da legislação que normatizava essa questão.

Palavras-chave: Indústria. Salvador. Península de Itapagipe.

Boa leitura!
Salvador, julho de 2023.
Noelio Spinola

24
FRAGMENTOS

ARTIGO

POR QUE
PERDEMOS
O BONDE
DA HISTÓRIA?

01
25
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

26
FRAGMENTOS

Por que perdemos o bonde da


História?1
Noelio Dantaslé Spinola2

A lenda teológica conta-nos que o homem foi


condenado a comer o pão com o suor do seu rosto.
Mas a lenda econômica explica-nos o motivo por que
existem pessoas que escapam a esse mandamento
divino. Aconteceu que a elite foi acumulando riquezas
e o restante da população ficou finalmente sem ter
outra coisa para vender além da própria pele. Temos
aí o pecado original da economia. Por causa dele, a
grande massa é pobre e, apesar de se esfalfar, só tem
para vender a própria força de trabalho, enquanto
cresce continuamente a riqueza de poucos, embora
tenham esses poucos parado de trabalhar há muito
tempo. (KARL MARX 1971 [1890], p. 829).

1 Este texto é uma síntese atualizada e acrescida de novos conteúdos de obra anterior do autor
intitulada A trilha perdida: caminhos e descaminhos do desenvolvimento baiano no século XX.
2 Economista. Doutor em Geografia pela Universidade de Barcelona (Es). Professor Titular V da
Universidade Salvador. Curso de Ciências Econômicas – Programa de Pós Graduação em Desen-
volvimento Regional e Urbano – PPDRU. E-mail: spinolanoelio@gmail.com

27
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

28
FRAGMENTOS

Introdução

Este texto apresenta um estudo da economia baiana no período


compreendido entre os primórdios da colonização até os dias atuais.
Pretende responder por que a Bahia “perdeu o bonde da História”. Ou
seja, porque não se desenvolveu como era esperado apresentando,
na atualidade, um quadro significativo de desigualdade social e de
concentração da renda? Pretende, também, especular quanto às
perspectivas do seu futuro imediato.

Em verdade, como diriam Furtado (1974), Baran (1960), Arrighi


(1977) e muitos outros teóricos da Economia o desenvolvimento
econômico que importa numa divisão da riqueza, é um mito, ou
uma ilusão. Há quase meio século, escrevendo sobre o mito do
desenvolvimento, explicava Celso Furtado (1974, p.15) como estes
têm exercido uma inegável influência sobre a mente dos homens que
se empenham em compreender a realidade social. Funcionam como
faróis que iluminam o campo de percepção dos cientistas sociais
permitindo-lhes vislumbrar com clareza certos problemas e nada ver
de outros, ao mesmo tempo em que lhes assegura certo conforto
intelectual, pois as discriminações valorativas que realizam surgem
ao seu espírito como um reflexo da realidade objetiva. Neste sentido,
não sem certa desilusão, constatava Celso Furtado que pelo menos
noventa por cento da literatura sobre desenvolvimento econômico
produzida até aquela já distante época se fundava na ideia que se
dava por evidente “segundo a qual o desenvolvimento econômico,
tal qual vem sendo praticado pelos grandes países que lideraram a
revolução industrial pode ser universalizado.” (1974, p.16). Ou seja,
pretendia-se especificamente que os padrões de consumo da minoria
da humanidade que vive no primeiro mundo fossem accessíveis
às grandes massas que sobrevivem no terceiro mundo. Esta ideia,
segundo Furtado, era “seguramente uma prolongação do mito do
progresso, elemento essencial na ideologia diretora da revolução
burguesa, dentro da qual se criou a atual sociedade industrial.”
(Ibid.16).

Também Paul Baran, no final da década de 1950, e no auge

29
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

da Guerra Fria, com a expectativa da vitória do socialismo na então


União Soviética, dizia que:

(...), o desenvolvimento econômico sempre significou


uma profunda transformação da estrutura econômica,
social e política, da organização dominante da produção,
da distribuição e do consumo. O desenvolvimento
econômico sempre foi impulsionado por classes e
grupos interessados em uma nova ordem econômica
e social, sempre encontrou a oposição e a obstrução
dos interessados na preservação do “status quo”, dos
que usufruem benefícios e hábitos de pensamento do
complexo social existente, das instituições e costumes
prevalecentes. O desenvolvimento econômico sempre
foi marcado por choque mais ou menos violentos;
efetuou-se por ondas, sofreu retrocessos e ganhou
terreno novo – nunca foi um processo suave e
harmonioso se desdobrando, placidamente ao longo
do tempo e do espaço (BARAN 1960, p.14).

Estarão certos os neomalthusianos quando afirmam que se


caminha para uma era de graves e duradouros conflitos regionais
e mundiais, na medida em que a maioria dos sete bilhões de
terráqueos quiser ascender às condições mínimas de segurança
alimentar? E que tal pretensão acabará com a humanidade ou dará
forma a uma nova ordem social cujos padrões serão estabelecidos
pelos mais fortes com a eliminação radical ou submissão dos mais
fracos, confirmando as profecias de Huxley (1969)?

A confirmação deste padrão e a perspectiva da sua


irreversibilidade são demonstradas por Arrighi (1997), que citando
Harrod (1958) fala da divisão da riqueza pessoal em dois tipos que
estão separados por obstáculos intransponíveis.

O primeiro deles refere-se à riqueza democrática que constitui


“um domínio sobre os recursos que, em princípio, está disponível
para todos em relação direta com a intensidade e eficiência de seus
esforços” (ARRIGHI, 1997, p. 216). O segundo tipo é constituído

30
FRAGMENTOS

pela riqueza oligárquica que nada tem a ver com a intensidade e a


eficiência de quem a possui e nunca está disponível para todos, por
mais intensos e eficientes que sejam seus esforços. Isso se demonstra
pelo conceito de troca desigual que explica não podermos todos
ter domínio sobre produtos e serviços que incorporam o tempo e o
esforço de mais de uma pessoa de eficiência média.

Assim o uso ou o gozo da riqueza oligárquica pressupõe a


eliminação de outros. O que cada um de nós pode realizar, não é
possível para todos.

Segundo Arrighi (1997, p. 217) ao transpormos este raciocínio


para a análise dos sistemas mundiais (e regionais) numa economia
capitalista encontramos um problema de “adição” semelhante
e muito mais sério do que aquele que enfrentam os indivíduos
quando buscam obter riqueza pessoal. “As oportunidades de avanço
econômico, tal como se apresentam serialmente para um Estado de
cada vez, não constituem oportunidades equivalentes de avanço
econômico para todos os Estados” (ARRIGHI, 1997, p.217).

Como afirma Wallerstein (1988), “desenvolvimento neste


sentido é uma ilusão” Ou seja: a riqueza dos estados do núcleo
orgânico (o chamado Primeiro Mundo em termos globais, a região
Sudeste no caso brasileiro) é análoga à riqueza oligárquica de Harrod.
Esta riqueza não pode ser generalizada porque se fundamenta em
processos de exploração e de exclusão que pressupõem a reprodução
contínua da pobreza da maioria da população num contexto regional.

Por outro lado, como demonstra Santos (1979) ao tratar


dos circuitos superior e inferior que constituem os espaços urbanos
nas regiões subdesenvolvidas, a pobreza absoluta ou relativa dos
estados semiperiféricos (Brasil Sudeste em relação ao primeiro
mundo) e periféricos (Brasil Nordeste em relação ao Brasil Sudeste)
induz continuamente suas elites a participar da divisão internacional
do trabalho por recompensas marginais que deixam o grosso dos
benefícios para os integrantes dos estados do núcleo orgânico.
Arrighi (1997) afirma que a luta contra a exclusão leva à busca de um
nicho comparativamente seguro na divisão internacional do trabalho
o que induz os estados semiperiféricos a uma maior especialização

31
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

em atividades onde possa obter algum tipo de vantagem competitiva


o que leva a uma relação de trocas desigual (deterioração dos termos
de intercâmbio) na qual o estado semiperiférico fornece mercadorias
que incorporam mão-de-obra mal remunerada para os estados do
núcleo orgânico em troca de mercadorias que incorporam mão de
obra bem remunerada e a uma exclusão mais completa dos estados
periféricos das atividades nas quais o estado semiperiférico busca
maior especialização.

Na luta pela reversão deste estado de coisas, que mobilizou o


que tinha de melhor a inteligência econômica baiana nas décadas de
1950/1960, Manoel Pinto de Aguiar, já dizia em 1972, que “aqueles
Estados que conseguiram, à força de labuta e esforço, uma taxa de
crescimento maior que a nossa lutarão certamente para conservá-la.
E se a nossa subordinação econômica for um elemento importante
para isto, tentarão mantê-la”.

Como, de fato, mantiveram. E a Bahia está hoje na periferia da


semiperiferia da economia mundo.

Isto se constata no estudo da sua história, entremeada


por ciclos de expansão e contração quando a Bahia apresenta nos
albores do Século XXI um quadro de relativa prosperidade. Mas,
não esqueçamos que o crescimento econômico é multiplicação, é
acumulação de riqueza nas mãos de poucos.

O grau de crescimento econômico do estado expresso pelos


números de um Produto Interno Bruto (PIB) totalizava 145 bilhões
de reais em 20103. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE), ocupava a Bahia àquela época, em termos absolutos
de importância econômica no Brasil a 6ª posição entre as demais
unidades da federação sendo a 1ª. em termos da região Nordeste.
Não obstante, apesar desta posição, naquele mesmo ano, com uma
população de 14 milhões de habitantes dos quais 1/3 na área rural4

3 Estimado pela Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia (SEI).


4 A taxa de urbanização da Bahia, segundo os dados do IBGE varia de 72% considerando os
municípios como um todo e 67% computando apenas as sedes municipais. Existem controvérsias
entre os demógrafos quanto aos critérios adotados pelo IBGE para a determinação das taxas
de urbanização.

32
FRAGMENTOS

era apontada pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate


à Fome como o estado com a maior concentração de pessoas em
situação de extrema pobreza. Segundo também as informações da
Secretaria Estadual de Promoção da Igualdade Racial – SEPROMI em
2010 a Bahia possuía 2.407.990 habitantes extremamente pobres,
o que significava 14,8% da população do país e 25,1% da região
Nordeste. Com o maior número absoluto de extremamente pobres,
em termos relativos ocupava a 8ª posição no ranking da miséria.
Este número de extremamente pobres da Bahia superava em mais
de quatro vezes o registrado em toda região Centro-Oeste; três vezes
o registrado em toda região Sul. Quanto ao gênero 50,4% eram do
sexo feminino. Eram negros ou pardos 79,5%. O estado ocupava a
19ª posição na renda per capita entre os 27 estados brasileiros.

Esta é a realidade sobre a qual trabalhamos, somos ricos, mas


somos pobres e tudo indica que frente à concorrência das outras
regiões do País a tendência é que fiquemos nacionalmente e em
termos relativos cada vez mais pobres, conforme mostram os dados
mais recentes do PIB (IBGE/2013) que nos rebaixou para a 8ª. posição
no ranking nacional.

Não existe um único fator a quem acusar como sendo o


vilão responsável pelo nosso atraso. São vários já identificados por
diversos estudiosos em diferentes análises históricas revisitadas neste
trabalho onde se busca confirma-las como hipóteses que explicam
como o atraso econômico da Bahia foi consequência de uma trama
de circunstâncias que ao longo do tempo produziram a situação
atual. Entre as mais importantes pode-se relacionar os problemas
políticos, sociais e econômicos vivenciados pela nação portuguesa,
nossa matriz colonizadora, desde a sua fundação e o mercantilismo
europeu dos séculos XV ao XVIII; a escravidão e o modelo de
exploração agroexportador; a incompetência administrativa, o padrão
de vida perdulário e a corrupção que caracterizaram a elite brasileira
e baiana; a má condução política do Estado durante a Primeira
República; as secas e demais condições edafoclimáticas adversas; e a
política macroeconômica do governo federal, ao longo do século XX.
Essas circunstâncias confluíram para formar a má qualidade do nosso
capital humano, em última instância o nosso maior problema.

33
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

O exame destes fatores será realizado nos tópicos seguintes


deste texto que buscam numa sequência cronológica analisá-los.

1. Ad majorem Dei gloriam - patrimonialismo e religião

No âmbito das causas de natureza política, sociais e econômicas


os fatores que determinaram a gradativa perda da liderança da Bahia
no cenário político e econômico brasileiro, decorrem do processo
de colonização, derivado dos eventos que condicionaram a história
do pequeno reino de Portugal desde a sua fundação em 1145 pelo
conde leonês Afonso Henriques, notadamente nos três primeiros
séculos da nossa história. Portugal nasceu com uma espada na mão
e um crucifixo na outra. Mas nasceu fraco em termos demográficos
e econômicos. O seu destino, desde a fundação foi comandado
por um sistema patrimonialista5, responsável em última instância
pela pobreza lusitana e sua fragilidade perante as demais nações
contemporâneas como a Inglaterra, França e Espanha.

Como senhor da guerra o seu rei também era o senhor


da terra. Como relata Faoro (1984, p.4) Portugal não conheceu o
feudalismo. “O rei como o maior proprietário, ditará, em consonância
com a chefia da guerra, a índole qualitativa, ainda mal colorida, da
transformação do domínio na soberania – do dominare ao regnare”.
(FAORO, 1984, p.5). Em outras palavras, o Estado português surgiu
absoluto como uma propriedade do rei a quem tudo pertencia e que
como chefe supremo não admitia aliados ou sócios. Entre ele e os
súditos não havia intermediários: um comanda e todos obedecem.

A inexistência do feudalismo impediu o desenvolvimento


da burguesia que em outros países, como a Inglaterra e a França
intermediou o conflito entre reis e nobres, financiando as monarquias

5 O patrimonialismo é o sistema onde o soberano é o Estado; um exemplo está na frase de


Luis XIV: “o Estado sou eu”. Não há bens públicos. Tampouco, particulares. Todos os bens são
do soberano, do Estado. Esse poder funda-se, em regra, no Direito Divino: o governante é
uma divindade ou representante maior dela. Assim, sua vontade é a lei, sendo inquestionável,
irremediável. Governa despoticamente. Tudo é sua propriedade, inclusive os seus súditos; sobre
esses, tem poder de vida e morte. Não existe a coisa pública.

34
FRAGMENTOS

e permitindo o surgimento dos estados nacionais absolutistas.


Neles o comércio se tornou forte e o Estado se tornou seu aliado na
construção da riqueza nacional.

Nas palavras de Faoro (1984) e de Campante (2003, p.1) as


circunstâncias que levaram a montagem da estrutura de poder
patrimonialista estamental plasmada historicamente pelo Estado
português, posteriormente congelada, transplantada para o Brasil,
reforçada pela transmigração da corte lusa no início do século XIX
transformou-se em padrão a partir do qual se estruturou a nossa
organização política até a Primeira República.

Uma imutabilidade histórica, que se constitui através


de arranjos intimamente relacionados nos campos
econômico e sociopolítico. No primeiro, prevalece o
capitalismo politicamente orientado. O Estado não
assume o papel de fiador e mantenedor de uma
ordem jurídica impessoal e universal que possibilite
aos agentes econômicos a calculabilidade (termo caro
a Weber, amplamente usado por Faoro) de suas ações
e o livre desenvolvimento de suas potencialidades; ao
contrário, intervém, planeja e dirige o mais que pode
a economia, tendo em vista os interesses particulares
do grupo que o controla, o estamento. Não há “regras
do jogo” estáveis na economia, pois elas atendem ao
subjetivismo de quem detém o poder político. Esse
tipo de capitalismo adota do moderno capitalismo a
técnica, as máquinas, as empresas, sem lhe aceitar,
todavia, a “alma” – a racionalidade impessoal e
legal-universal. Um arranjo tradicional, mas maleável
em face da modernidade capitalista, a qual aceita
seletivamente, mas sem vender a alma – conformada
à racionalidade personalista e casuística. O capitalismo
não brota espontaneamente na sociedade, mas vicia-se
no estímulo e na tutela estatal: tire-se do capitalismo
brasileiro o Estado e pouco ou nada sobrará, adverte
Faoro. (CAMPANTE 2003, p.1).

35
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

Neste sistema, como aponta Faoro, a sociedade não se


organiza em classes que são substituídas por estamentos6. Ou seja:
estavam abortadas as condições essenciais para o deslanche de um
processo de desenvolvimento capitalista visto que o mercado e a
livre competição foram substituídos pelo Estado e a sua burocracia
fiscalista.

Além do rei e dos funcionários da coroa (sua corte),


outro protagonista da tragédia portuguesa foi a Igreja Católica,
notadamente sua alta hierarquia que possuía uma influência visceral
sobre o governo. Portugal foi, notadamente até o Século XVIII, um
país de beatos a começar pela casa real. Nele a Inquisição (Tribunal
do Santo Ofício) criada a pedido de D. Manuel em 1536, funcionou
como uma máquina de fortalecimento do poder real e de arrecadação
de recursos para a coroa. Em 1539 o Infante (e Cardeal) D. Henrique
(O Navegador), irmão do rei e depois o próprio rei, tornaram-se
inquisidores gerais do reino. Segundo Herculano (1875, p.205), D.
João III de Portugal (1521 – 1557) alcunhado de "O Piedoso” além de
mentalmente limitado e totalmente inculto era um fanático religioso
obcecado contra os judeus. Foi praticamente conduzido pela Igreja
durante seu longo reinado, na perseguição daquele povo que, segundo
Herculano controlava a “riqueza monetaria e, em grande parte, o
commercio e a indústria portuguesas.” Esta perseguição representou
um verdadeiro “tiro no pé” da economia de Portugal – lamentada pela
maioria dos historiadores e, inclusive políticos portugueses da época.
Perseguidos e expulsos da Península Ibérica, os judeus transferiram
volumosos recursos para os Países Baixos e a Inglaterra, contribuindo
de forma destacada para a riqueza e prosperidade daquelas nações

6 Camadas sociais não econômicas. Nas palavras de Faoro (1984): "O estamento burocrático
comanda o ramo civil e militar da administração e, dessa base, com aparelhamento próprio,
invade e dirige a esfera econômica, política e financeira. No campo econômico, as medidas
postas em prática, que ultrapassam a regulamentação formal da ideologia liberal, alcançam
desde as prescrições financeiras e monetárias até a gestão direta das empresas, passando
pelo regime das concessões estatais e das ordenações sobre o trabalho. Atuar diretamente ou
mediante incentivos serão técnicas desenvolvidas dentro de um só escopo. Nas suas relações
com a sociedade, o estamento diretor provê acerca das oportunidades de ascensão política, ora
dispensando prestígio, ora reprimindo transtornos sediciosos, que buscam romper o esquema
de controle".

36
FRAGMENTOS

Já no século XVIII, D. Luís da Cunha, Chanceler do rei D.João


V, predecessor e protetor do Marques de Pombal, e uma das figuras
expoentes da chamada “ilustração portuguesa” dizia em sua carta...
que “a terça parte de Portugal estava possuída pela Igreja, que não
contribuía para a despesa e segurança do Estado” (PORTO, 1998) e
propunha a expropriação de todos os seus bens, inclusive pelo uso
da força. D. Luís da Cunha e o próprio Sebastião de Carvalho e Melo--
rebelavam-se, sobretudo contra o que legitimamente se pode chamar
de “opção pela pobreza”, que a Igreja católica acabara impondo a
Portugal e através da Inquisição bloqueava a ruptura tentada no
Brasil, através do empreendimento açucareiro, isto para não falar da
conspiração dos jesuítas que acabaram por ser expulsos do reino e
de suas colônias em 1759. A chave, para eles, era a manufatura --a
grande novidade surgida na Europa, e que, a começar da Inglaterra,
mais adiante iria desembocar na Revolução Industrial- como destacava
D. Luís da Cunha e Pombal iria dar mostras de tê-lo compreendido
perfeitamente. Também dizia o desembargador João Rodrigues de
Brito7, um profundo conhecedor da agricultura baiana, como se
verá adiante. Em 1807 ele dizia que “era má a influencia da Igreja
sobre os costumes da sociedade. Os votos monásticos fomentariam
a despovoação do território. Por exemplo, o voto de castidade era
contrário à procriação; o de pobreza, contrário à riqueza. E o grande
número de dias santos seria nocivo por interromper o trabalho,
além de que o trabalhador aproveitaria o tempo livre para beber,
arruinando sua saúde!”.

2. A burocracia lusitana e o atraso da Bahia

Um dos relatos mais impressionantes sobre as causas que


provocaram o atraso da Bahia no Século XIX data de 1807 quando
foi redigida a carta do desembargador João Rodrigues de Brito em
resposta ao ofício do governador Conde da Ponte que, a mando do
governo português formulava um conjunto de questões relacionadas

7 Formado Bacharel em Direito pela Universidade de Coimbra, Desembargador da Casa de


Suplicação em Lisboa, Deputado às Cortes Constituintes em 1821.

37
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

ao estado da agricultura na Bahia:8 O desembargador, que era


admirador de Adam Smith e J. B. Say, dentro dos limites do liberalismo
econômico da época, diagnosticou a crise econômica e social da Bahia
e propôs medidas práticas de transformação que foram enviadas ao
Governador da Capitania e, através dele, à administração portuguesa
de ultramar. Este mesmo texto, cujo título é Cartas econômicas e
políticas da Bahia, foi publicado em Lisboa, em 1821, quando seu
autor exercia o mandato de deputado nas Cortes de Lisboa.

No seu diagnóstico, ele demonstra o papel negativo da


burocracia lusitana a qual entravava uma economia que possuía um
grande potencial para desenvolver-se e progredir. Afirmava que
os principais obstáculos ao desenvolvimento da Bahia do início do
século XIX se resumiam na falta de liberdade, facilidades e instruções.

Faltava liberdade aos lavradores de empregarem seu trabalho


e seu capital da forma como bem entendessem. Faltava facilidades,
ou seja, infraestrutura na forma de pontes, estradas e outras obras
que diminuiriam as despesas e obstáculos das comunicações e
transportes. E, por fim, faltava instruções necessárias aos lavradores
para se aproveitarem destas liberdades e facilidades.

Explicitando a falta de liberdade dizia o desembargador que


“para os lavradores lograrem a plena liberdade que pede o bem da
lavoura era precioso que eles tivessem: 1º, a de cultivar quaisquer
gêneros que bem lhes parecesse; 2º, a de construir quaisquer obras e
fábricas que julgassem convenientes para o aproveitamento dos seus
frutos; 3º, as de os mandar vender em qualquer lugar, por qualquer
caminho e pelo ministério de quaisquer pessoas, de que se quisessem
servir, sem ônus ou formalidade alguma; 4º, a de preferir quaisquer
compradores que melhor lhos pagassem e 5°, finalmente, a de os
venderem em qualquer tempo, que lhes conviesse.”

Justificando a sua argumentação explicava o desembargador


que “repetidas leis ... obrigam os lavradores do Recôncavo a

8 Em verdade foram quatro as cartas respondendo às questões formuladas pelo governador.


Além do desembargador João Rodrigues de Brito, redigiram-nas Manoel Ferreira Câmara; José
Diogo Gomes Ferrão Castelo Branco e Joaquim Ignácio de Sequeira Bulcão. Ver FIEB(2004).

38
FRAGMENTOS

plantarem quinhentas covas de mandioca por cada escravo de serviço


que empregarem, e aos negociantes de escravatura a cultivarem
quanta baste para o gasto de seus navios”. Pretendia-se com estas
leis favorecer o comércio da escravatura, e assegurar o abastecimento
da população “prevenindo a escassez e a fome.”

Dizia o desembargador em sua argumentação que esta


legislação não atingiu seus objetivos e que pelo contrário, prejudicava
a economia como um todo

Citando Adam Smith, J.B. Say e Young, afirmava na sua carta:


“em geral, todas as vezes que a administração pública se intromete
a prescrever aos cidadãos o emprego, que eles hão de fazer de
suas terras, braços e capitais, ela desarranja o equilíbrio, e natural
distribuição daqueles agentes de produção das riquezas, cujo uso
ninguém pode melhor dirigir que o próprio dono que é nisso o
mais interessado, e que por esta razão faz deles o objeto das suas
meditações”

Quanto à indagação do governador “se a mesma lavoura tem


recebido progressivo augmento, de que tanto depende a prosperidade
do Commercio desta Capital, e qual o motivo favoravel ou desfavoravel
a este respeito responde o Desembargador que, não gozam mais
liberdade os nossos lavradores, porque lhe é proibida a fundação de
fabricas, alambiques, armações de pescar, e engenhos de açúcar sem
licenças pendentes de certos requisitos, e formalidades dispendiosas.
Tudo quanto dificulta o estabelecimento destas fabricas, agrava a
espécie de monopólio natural que logram os senhores das atuais,
precisamente raras por dispendiosas, principalmente os engenhos;
e deteriora em consequência a condição já demasiadamente dura
dos lavradores, que os não têm; os quais muitos anos vêm perder
suas canas, por não acharem onde as moer, apesar de pagarem
metade do seu produto por esse beneficio, além da renda da terra,
no que sofrem principalmente os que têm servidão, que os obriga a
moê-las sem engenho determinado; pois os senhores dele preferem
naturalmente aos Lavradores desobrigados, com escandalosa lesão
dos outros, que não ousam queixar-se pela absoluta dependência em
que estão postos, não vendo próximo outro engenho em que possam

39
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

moer suas canas.”

Sobre os “vexames do comércio” afirma em resposta à terceira


questão formulada pelo governador que “tolher aos lavradores a
liberdade de vender os seus gêneros nas cidades, vilas , ou lugares
em que têm maior valor, nem pela mão de seus escravos, ou agentes
quaisquer, é o mesmo que roubar-lhes uma porção desse valor; isto
é privá-los das riquezas, que eles fizeram nascer com o suor do seu
rosto, e emprego dos seus fundos. E esta privação tem infalíveis e
fatais consequências contra a lavoura; porque o lavrador não fez
nascer aqueles frutos senão pela esperança, de próprio interesse: é
lei universal da natureza, que se não pode violar impunemente.”

Em síntese a colônia reproduzia o modelo da metrópole.


Todas as atividades estavam reguladas pelo Estado, ou pela Igreja.
E neste sistema medrava uma imensa corrupção, subornos, troca
de favores, nepotismo e clientelismo. Desde o Século XVI o poeta
Gregório de Mattos assim descrevia a cidade da Bahia: A cada canto
um grande conselheiro/ que nos quer governar cabana, e vinha/ não
sabem governar sua cozinha/e podem governar o mundo inteiro....
Estupendas usuras nos mercados/ todos, os que não furtam, muito
pobres/ e eis aqui a cidade da Bahia.

3. Colônia de uma colônia

A fragilidade portuguesa frente à Inglaterra que expandia o


seu império mundial contribuiu para que, na prática, se exacerbasse
um processo de exploração que constituiu a marca da dominação
lusitana. Esta fragilidade e uma relação de dependência financeira e
militar fizeram de Portugal, desde o século XVI, um “intermediário”
na apropriação das riquezas extraídas ou produzidas pela colônia
brasileira, as quais, preponderantemente, acabavam canalizadas
inicialmente para os holandeses e, a partir do século XVIII, para os
ingleses.

Outro exemplo deste processo de dependência é o leonino


tratado de Methuen, também referido como Tratado dos Panos

40
FRAGMENTOS

e Vinhos, firmado entre a Inglaterra e Portugal, em 1703, que


transformou o Brasil, do ponto de vista econômico, numa colônia
de uma colônia, visto que os portugueses, a partir desta época,
abdicaram praticamente da sua autonomia (colocando-se sobre
a proteção militar inglesa) e, consequentemente, da capacidade
de gerir com independência os seus negócios ditando seus rumos,
notadamente no setor industrial.

O alvará de 5 de janeiro de 1785, baixado por D. Maria I,


proibindo a existência de fábricas no Brasil e mandando fechar as
que existiam é um testemunho eloquente desta dependência9. Com
ele inaugurava-se a primeira medida política de (des) industrialização
em nossas plagas, favorecendo à Inglaterra cujo sistema imperialista
passava a dominar econômica e financeiramente a colônia portuguesa
até o final do século XIX.

Ainda cabe destacar a nossa formação humanista nos


primórdios da colonização, fortemente influenciada pelos colégios
jesuítas, que nos legaram o espírito bacharelesco que dominou
as nossas elites dirigentes até, pelo menos a segunda metade do
século XX. Esta elite, de formação eminentemente jurídica, aliada
aos representantes do comércio exportador – importador e aos
grandes produtores agrícolas, dominou a máquina governante do
império durante todo o século XIX e foi responsável por uma política
liberal que abortou todas as possibilidades de uma emancipação
manufatureira tanto do Brasil quanto, particularmente, da Bahia. Na
prática não fomos simplesmente uma colônia. Mas que isto, desde o
malfadado tratado de Methuen fomos do ponto de vista econômico
colônia de uma colônia, visto que os portugueses a partir desta época
abdicaram da possibilidade de industrializar-se.

Em 1808, com a abertura dos portos, e em 181010 com os


tratados que transformam a Inglaterra em potência privilegiada, com
direitos de extraterritorialidade e tarifas preferenciais, consolida-se

9 Alvará ditado pelos ingleses, temerosos com a concorrência de várias fábricas de tecido que
começavam a surgir na Bahia e no Brasil.
10 Segundo Costa (1991) pelo tratado de 1810 eram concedidas alíquotas preferenciais de
15% aos produtos ingleses; sendo os produtos portugueses taxados em 16% e os dos demais
amigos em 24%.

41
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

no Brasil o imperialismo inglês e formata-se praticamente a matriz do


nosso subdesenvolvimento.

Estas medidas são complementadas com o acordo de 1827,


e a eliminação do poder pessoal de D. Pedro I em 1831, o que
consolida o papel dominante (no plano político) da classe formada
pelos senhores da grande agricultura de exportação (FURTADO, 1959,
p.115) e, no plano econômico, pelo grande comércio exportador.

No caso específico da Bahia, seu declínio inicia-se com a


transferência do Governo Geral de Salvador para o Rio de Janeiro,
em 1763, perdendo a província sua condição de capital política do
país e todos os ganhos inerentes a essa condição. Segundo Tavares
(2001) isto se deveu ao fato do polo de desenvolvimento do Brasil
ter saído do Norte/Nordeste, firmando-se no Sudeste (Minas Gerais,
Rio de Janeiro e São Paulo). A descoberta do ouro nas Minas Gerais
e posteriormente o advento do ciclo do café plantado inicialmente
no Rio de Janeiro e posteriormente em São Paulo deslocaram o eixo
da economia marginalizando para sempre as províncias do Nordeste
e do Norte.

Por questões estratégicas para a Coroa Portuguesa “era


necessário estabelecer um centro de poder e administração que
ficasse mais próximo de Minas Gerais e Goiás e que facilitasse
uma comunicação mais rápida com as capitanias de São Paulo e
Rio Grande do Sul (...), mas o que a decidiu realmente foi a nova
situação das fronteiras do Brasil com os Vice-reinados da Espanha
na América do Sul”. (TAVARES, 2001:113).

A transferência da Família Real portuguesa e de todo o aparato


cultural, técnico e político da Metrópole lusitana para o Rio de
Janeiro, em 1808, constituiu o golpe de misericórdia nas pretensões
baianas de assumir uma posição hegemônica na economia nacional.
Como bem assinala Braudel (1996), a convivência e a cumplicidade
com o Estado são essenciais para o desenvolvimento do sistema
capitalista. O investimento político e cultural efetuado no Rio
de Janeiro a partir da sua transformação em sede da monarquia
portuguesa transformou aquela cidade na metrópole do Brasil
colonial, ali centralizando todo o poder político e econômico que

42
FRAGMENTOS

prevaleceu ao longo do Século XIX e parte do Século XX.

Assim fundaram-se as bases do sistema dominante que,


não só marcaria em definitivo os desequilíbrios regionais que se
acentuaram no século XX, como praticamente definiu-se a matriz
da decadência baiana.

4. O tumultuado século XIX: apogeu e declínio

O século XIX esteve muito longe de ser um período tranquilo


e de grande prosperidade para a província baiana. O seu transcurso
foi marcado por revoltas, epidemias, secas, crise na agricultura,
adversidades no comércio internacional e a perda do poder político
nos anos iniciais com a instalação da corte no Rio de Janeiro, e no
começo da primeira república com a ascensão ao governo da afluente
classe dos barões do café.

As revoltas ocorreram entre os escravos e os nativos mulatos


e brancos todas motivadas pelo anseio de liberdade dos grilhões da
escravidão, do jugo português, das condições precárias da vida em
Salvador e em protesto pela perda da primazia politico administrativa.

A primeira foi a Conjuração Baiana (também chamada de


Revolta dos Alfaiates) em 1789, uma conspiração de caráter
emancipacionista, articulada por pequenos comerciantes e artesãos,
destacando-se os alfaiates, além de soldados, religiosos, intelectuais,
e setores populares. Seguiram-se as lutas de 1822 / 1823, pela
independência da Bahia, talvez o movimento mais importante e
danoso para a economia da província. Esta guerra constituiu uma
autêntica luta de classes que objetivava na prática abrir caminho para
a afluente sociedade brasileira de brancos e mestiços aos cargos e
posições dominados pelos portugueses nas esferas políticas, sociais,
militares e notadamente econômicas. Foi vitoriosa, mas abortou o
ciclo de crescimento dos vinte primeiros anos do século XIX, cobrando
um elevado preço à Bahia por todo o restante do século pois a criação
e as despesas logísticas de um exército improvisado, com mais de
treze mil homens em armas, consumiram fortunas e arruinaram

43
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

fazendas, lançando na miséria famílias outrora abastadas. Segundo


Calmon (1979:27) “O golpe sofrido foi terrível para a vida econômico-
financeira (da Bahia). Esta se desconjuntou e, desde então, começa
a série infindável das desgraças que nos perseguiram durante todo o
século XIX”.

Porém outros incidentes marcaram o conturbado século XIX,


a partir do Levante dos Periquitos em 1824, que na visão de Tavares
(2001) indicava a frustração da província da Bahia na institucionalização
do império com um Estado monárquico, autoritário e centralizador.

O sentimento anticolonial era muito forte e, em vários


momentos entre 1823 e 1831, ocorreram revoltas populares contra
os portugueses, apelidados de marotos. Estes ataques denominados
de Mata-Marotos se traduziam em saques a casas comerciais,
agressões, assassinatos e exigência de demissão dos portugueses dos
cargos públicos. Muitas abastadas famílias portuguesas abandonaram
a Bahia levando consigo consideráveis fortunas acumuladas ao
longo de séculos de dominação colonial.11 Este fato contribuiu para
a desarticulação do monopólio português do comércio e de uma
ordem e conjunto de relações sedimentados por fortes laços de
intercâmbio importador e exportador que respondiam, até então,
pela prosperidade mercantil da província.

Araújo e Barreto (1978, p.46) relatam que os portugueses


expulsos não foram substituídos pelos brasileiros, visto que inexistiam
capitais nacionais disponíveis na província para financiar todas as
atividades econômicas. Assiste-se, então, ao controle do comércio de
importação e exportação pelos ingleses. Ocorre, também, a penetração
de casas comerciais de outras nacionalidades, principalmente
alemãs. Aos brasileiros restaram apenas as atividades internacionais
relacionadas com o tráfico de escravos e a intermediação do comércio
do porto com as fontes de produção no interior.12

Entre 1832 e 1833 a Revolução Federalista proclamou a

11 Fortunas estas que se aqui ficassem poderiam contribuir para o processo de acumulação
de capital.
12 Na verdade, a expulsão de comerciantes portugueses não implicou na participação desses
do comércio provincial, apenas eliminou a sua hegemonia.

44
FRAGMENTOS

Federação da Província da Bahia na então vila de Cachoeira, tornando


a Bahia independente do comando político e administrativo emanado
do Rio de Janeiro. Sem apoio o movimento fracassou. Demonstrava,
porém, a inconformidade dos baianos com a perda de autonomia
que resultou na transferência desde 1763 do Governo Central para
o Rio de Janeiro, agora muita mais percebida e economicamente
sentida com a criação do Império.

Em 1835 eclodiu a Revolta dos Malês a mais importante


revolta negra na Bahia. Esta revolta que constituiu um movimento
bem articulado por negros de religião islâmica, possuía uma ideologia
religiosa libertária e não foi uma insurreição repentina como
ocorreu em movimentos anteriores. Foi arquitetada para abranger o
Recôncavo baiano e incorporar a população negra convertida ao Islã.
Os malês, se vitoriosos pretendiam matar todos os brancos, mestiços
e africanos libertos e escravos que não professassem a fé islâmica.
Segundo sugere Reis (2003:265) instalariam um califado baiano.

Em 1837 surge a Sabinada um movimento separatista liderado


pelo médico Francisco Sabino Álvares da Rocha Vieira. Segundo
Chiavenato (2005:51), em 7 de novembro de 1837, a revolução é
vitoriosa conquistando a adesão de parte das tropas do governo,
tendo sido proclamada à república. Os sabinos não conseguiram
obter apoio da massa popular ou das elites locais. Sendo derrotados
em 1838.

Outros movimentos populares, ligados mais ás condições


precárias da vida da população soteropolitana notadamente a fome,
e a um grande sentimento de insatisfação popular, ocorreram na
metade do século XIX, merecendo registro pelas suas peculiaridades.
A Cemiterada, em 1855, consistiu na destruição do primeiro cemitério
construído em Salvador pela Santa Casa de Misericórdia, proibindo-se
os enterros nas igrejas como era a tradição. O segundo, denominado
"Carne sem osso, da farinha sem caroço e do toicinho do grosso"
ocorreu em 28 de fevereiro de 1858, se repetindo vinte anos depois.
Nas palavras de Mattoso (1992) “A revolta de 1858 inscreveu-se
num período de crises epidêmicas, misturadas aos problemas de
abastecimento da cidade”.

45
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

Pelos seus efeitos perversos sobre a economia baiana, cabe


também registrar a Guerra do Paraguai (1864 – 1870) que recrutou
da Bahia cerca de dezenove mil soldados, em sua maioria negra,
aumentando a escassez de braços na lavoura. (CALMON, 1978:79).

Encerrando este tumultuado século, a Guerra de Canudos


(1896/1897) travou-se nos sertões da Bahia, mobilizando mais de
10 mil soldados oriundos de 17 estados brasileiros e distribuídos
em 4 expedições militares. Estima-se que morreram mais de 25 mil
pessoas, culminando com a destruição total do Arraial de Canudos
a fortaleza sertaneja de Antonio Conselheiro. Uma das muitas
tragédias brasileiras Canudos foi um produto da fome, da miséria, da
ignorância, da patologia do catolicismo e do absoluto abandono a
que esteve (esteve?) condenada a população do Semiárido nordestino
ao longo da história e no curso do processo de exploração econômica
inerente ao capitalismo mercantil associado aos interesses da classe
dominante.

Os infortúnios que marcaram Salvador, no século XIX, como


anteriormente destacado, não se limitaram aos motins, revoltas
e guerras. A cidade não possuía saneamento sendo as condições
sanitárias e higiênicas extremamente precárias. Ademais o grosso
da população, constituída por negros libertos, mulatos e brancos
pobres, sofria permanentemente com a escassez e os altos preços
dos alimentos, a precariedade das habitações e a promiscuidade.
Isso tudo constituía um quadro de saúde pública caótico e receptivo
a epidemias. Entre estas, mereceram maior destaque histórico as
epidemias de febre amarela e do cólera, que ocorreram entre 1850 e
1855 atingindo em seu conjunto mais de 125 mil pessoas. (SILVEIRA,
2000 p.100).

Outro problema com que se defrontou a província da Bahia


e que influenciou de forma considerável a sua formação política
e econômica foi o fenômeno da seca que, de tão recorrente
praticamente deixou de ser um fenômeno. Sendo inevitável, constitui
um dos fatores que mais contribuem para o drama da pobreza
regional.

Mattoso (1992, p.461) informa que entre 1809 e 1889

46
FRAGMENTOS

“registraram-se 25 anos secos e onze de chuvas excessivas”, ambos


nocivos para a agricultura.

O fato é que a seca impediu a formação de uma atividade


agrícola regular em 2/3 do território baiano, contribuindo para a
formação de oligarquias rurais nas esparsas “ilhas de fertilidade”; a
impossibilidade de surgimento de um mercado interno e sérias crises
de abastecimento que marcaram todo o século XIX.

A partir das secas de 1833/1834, agravam-se, mais ainda,


as crises de falta de alimentos e o surgimento de movimentos
especulativos com os produtos essenciais à sobrevivência da
população. Segundo Calmon (1979: 83), “Em 1845, o negócio da
farinha de mandioca mostrava-se em conjuntura difícil, provocada
pela exportação que se fez para o Norte do Império, com o fim de
socorrer a fome que ali era intensa”

Funcionavam as leis de um Estado patrimonialista, o


monopólio do abastecimento e as práticas atravessadoras, custeadas
pelos capitais liberados do tráfico negreiro em decadência, faturavam
alto em cima da escassez produzida pela seca. É Calmon (1879:84)
quem diz: “Apareceram os atravessadores, em regra, comerciantes
de largos recursos e capitaes, cuja acção se exercia de modo a evitar
que chegasse o genero ao Celleiro Publico, visando pelo processo
que empregavam elevar o preço para grangearem ganhos excessivos
[sic]”. 13

A despeito do quadro social conturbado, a Bahia também


vivenciou períodos de prosperidade, com os sucessivos governadores,
desde o Marquês de Aguiar até os Condes dos Arcos, estimulando a
economia e tomando medidas de ordem pública que melhoraram o
potencial atrativo da sua praça e a feição urbana de Salvador.

No plano econômico, como se verá a seguir, as atividades


comerciais dominaram os negócios da Província da Bahia ao longo
de todo o século XIX. Segundo Batista e Araújo (1978, p.11) o raio
físico de ação dos comerciantes era extenso e conseguia controlar
os produtores, expropriando-os de parte do seu lucro. Como o

13 Em todo o texto optou-se pela manutenção da ortografia original das fontes transcritas.

47
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

comércio na prática, estava subordinado às empresas estrangeiras,


predominantemente inglesas, parte substancial deste lucro era
transferido para o exterior, reduzindo-se drasticamente a capacidade
de geração de poupanças que financiassem a formação bruta de
capital fixo.

Araújo e Barreto (1978, p.47) informam que a dominação


comercial europeia, pela sua diversidade, não substituiu o antigo
monopólio português. O comércio inglês (predominante) era realizado
no porto e deixava um amplo espaço para a intermediação entre as
fontes de produção (as fazendas) e o porto, atividade que era explorada
pelos comerciantes brasileiros. A estes cabia também exercer o tráfico
de escravos, o comércio com o interior da província e outras regiões
nacionais, inclusive pelo sistema de cabotagem. Mantendo contato
direto com os produtores, os comerciantes brasileiros, além de
intermediários comerciais, atuavam como intermediários financeiros
estabelecendo casas de crédito e companhias de seguros. Em 1818,
instalava-se a “Caixa de Descontos”, filial do 1º. Banco do Brasil.
Após a Independência, em 1834, instalava-se a Caixa Econômica,
posteriormente Banco Econômico da Bahia com o fim de “oferecer
às classes laboriosas meios fáceis de acumular seus capitais [...]” Mais
adiante, em 1845, funda-se o Banco Comercial da Bahia, em 1848, a
Sociedade Comércio da Bahia, o Banco Hipotecário da Bahia e a Caixa
Comercial da Bahia.

Percebe-se pelos relatos de inúmeros historiadores, desde o


tempo do padre Anchieta, que uma fortuna fabulosa foi gerada
na província da Bahia até o século XIX. Estes recursos foram
canalizados para o exterior como apropriação de lucros obtidos
pelo sistema financeiro que se estruturou explorando aquilo que
Wanderley Pinho (1982, p.485) classificou de “luxo dissipador”.

Sem as despesas excessivas de ordem pessoal, sem o


luxo dissipador, poderia talvez o senhor de engenho
emancipar-se das dívidas, e passar, pelo menos, a
adquirir os suprimentos à vista, com dinheiro de
contado, a quem mais barato lhe vendesse. Quando
não tivesse tino ou habilitações comerciais para

48
FRAGMENTOS

negociar o produto de suas fábricas, isentando-se do


intermediário, libertar-se-ia da obrigação de comprar
-ou receber de seu comissário-credor mercadorias
por preços muito mais altos que os comuns, e ainda
sobrecarregados de juros. Manter o senhor de engenho
naquela sujeição muito importava ao comissário e
para isso assoprava orgulhos, faustos e ostentações,
e ainda reformas de fábricas, para que continuasse
sempre amarrado à sua cobiça o devedor. O ideal do
comerciante-comissário era ganhar, ajuntar, enriquecer.
O ideal aristocrático do senhor de engenho era mandar,
estender domínios, exibir poder e grandeza, mostrar
desprezo por dinheiro e apego aos bons cavalos, às
casas amplas e enfeitadas.

Antonil, em seu Diálogo das Grandezas do Brasil (1618) dizia


que um senhor de engenho precisava gastar muito, pois havia de ter
"50 peças de escravos de serviço bons, 15 ou 20 juntas de bois com
seus carros aparelhados, cobres bastantes e bem consertados, oficiais
bons, muita lenha, fornaria, grande quantidade de dinheiro, além
de serem muito liberais em darem a particulares dádivas de muita
importância. E eu vi já afirmar a homens muito experimentados na
corte de Madri que se não traja melhor nela do que se trajam no Brasil
os senhores de engenhos, suas mulheres e filhas, e outros homens,
afazendados e mercadores"

Numa justificativa desta cultura perdulária que contrariava


todas as regras da moral anglo-saxã14 responsável pelo processo de
acumulação capitalista, Wanderley Pinho (1982, p.502) ele também
descendente de usineiros do açúcar, diz que “o fausto dos senhores de
engenho representava mais alguma coisa além de um personalíssimo
gozo. A constância daqueles fatos, durante três séculos, dando-lhes a
força de uma lei, desafia a acuidade do sociólogo e a pesquisa dedutora
e interpretativa do historiador”. Neste quadro ele vislumbra algo,
nada superficial, mas ao contrário, profundo, que vem dos alicerces
e da estrutura de “uma casta formada nos primeiros dias da colônia
14 Ver Benjamin Franklin, A ciência do bom homem Ricardo (1732).

49
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

e só abalada pela libertação dos escravos e pela comercialização e a


desindivídualização da usina”. Os conceitos de honra da época foram
“responsáveis pela prodigalidade dos Senhores do Recôncavo.” Isto
explica e fornece os “fundamentos históricos de tal vício, ou melhor,
dessa lei dos gastos excessivos” E aí cita “as grandes áreas de terras
que dão a impressão de maiores domínios; escravatura numerosa que
vale uma extensão de mando; aparato de cavalos, cadeirinhas, joias,
vestidos, bengalas, espadins - a pompa pessoal como insinuações a
ritos e reverências prestigiantes; festas e hospedagens faustosas que
entretêm e alargam a clientela; educação superior dos filhos para
refletir o prestígio nobilitador dos letrados da família a colaborarem
em governos, parlamentos e partidos”.

Semelhantes exteriorizações de riqueza e poder que foram


ao mesmo tempo essência da casta, decorriam de uma situação
latifundiário-econômico-militar que, desde o Regimento de Tomé de
Sousa, “dera eclosão à entidade singularíssima do Senhor de Engenho.
Nenhum poderia fugir às obrigações de fausto e mando. A sesmaria,
a escravatura índia ou negra, os lavradores de partido sujeitos a
moerem canas no engenho, a casa-forte, as armas, os serviços e postos
político-militares tramaram o tecido daqueles preconceitos. criando
para o Senhor de Engenho um ambiente de poder e grandiosidade,
que devia ser mantido a todo custo”. A vaidade, o orgulho, império
e desperdícios não foram, pois, defeitos de cada um, mas de todo o
sistema.

Observe-se, por oportuno que os “coronéis” do cacau,


repetiram aqui na Bahia em meados do século XX os mesmos erros
dos senhores de engenhos do século XIX.

O peso da agricultura

Entende-se que as atividades agrícolas e industriais que se


desenvolveram na Bahia, ao longo do século XIX e em boa parte do
século XX, constituíram extensões dos interesses do capital mercantil,
carecendo de condições que possibilitassem o estabelecimento de um
processo de desenvolvimento autossustentável em longo prazo, pela

50
FRAGMENTOS

dificuldade estrutural da formação de uma classe média assalariada,


capaz de constituir um mercado interno estimulador da produção
local em setores da atividade industrial e de serviços.

No caso baiano, na medida em que o comércio revela-se


como setor hegemônico e que a acumulação de capitais se processa
no circuito típico de uma economia mercantil, ou seja, na esfera
da circulação, torna-se dificultado o processo de transformações
das relações de trabalho em direção ao assalariado, pereniza-se o
hiato entre circulação e produção, dificultando as transformações
estruturais da sociedade engendrada no escravismo. (BAPTISTA E
ARAÚJO, 1981, p.28).

Entre as atividades do setor primário da economia baiana,


destacaram-se, no século XIX, o açúcar, o tabaco, o café e,
gradativamente, o cacau, além de outros produtos de menor peso
à época em sua balança comercial como o algodão, a pecuária, a
extração e a lavra dos diamantes.

O açúcar, que atingiu o seu apogeu nos séculos XVII e XVIII,


inicia, no século XIX, o seu longo processo de agonia e declínio,
mantendo-se, porém, no centro das atenções, por constituir a base
econômica da classe politicamente dominante que tinha pelo sua
recuperação uma ideia fixa que perdurou até os anos 1930.

Segundo Mattoso (1992, p.521), 40% das exportações


de açúcar da Bahia destinaram-se para a Inglaterra no período de
1852/1856. Após 1857, mais da metade e até 60% dessas exportações
tinham o mesmo destino.

A Bahia vivia, pois, sob forte dependência do comércio inglês.


Como este tinha pouca necessidade de açúcar, sendo suprido por
suas colônias, não espanta que o açúcar baiano tivesse problemas de
mercado.

Porém o século XIX assiste o inexorável declínio desta cultura


no território baiano. Várias foram as explicações para o fenômeno.
Almeida, R. (1977) por exemplo, afirmava que dois fatores
contribuíram para essa decadência. O primeiro, refere-se à evasão
da mão-de-obra escrava como decorrência da atração exercida

51
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

pela mineração do ouro a partir do século XVIII e o segundo, está


associado com a elevação dos custos de produção. Destaca também
a competição internacional, demonstrando que, já no final do século
XVIII, o Brasil havia sido reduzido a pouco mais de 10% do mercado
mundial de açúcar.

Evidentemente, o fumo não teve o mesmo peso do açúcar


no valor das exportações baianas no século XIX, mantendo, porém,
uma produção mais regular, a despeito de também estar sujeito às
variações climáticas. Em alguns anos, ele assumiu a liderança nas
exportações baianas. Moeda de troca no tráfico negreiro o fumo
foi responsável pelo intenso comércio entre a Bahia e o Golfo de
Angola e de Benguela.

A exemplo das demais culturas agrícolas baianas do século


XIX, a do fumo foi dominada pelo capital mercantil, representado
hegemonicamente por firmas alemãs. Isto significa que o excedente
gerado por essa atividade foi apropriado por essas firmas e não
revertido em inversões nas zonas de produção.

O café, introduzido na Bahia na metade do século XIX, não


produziu, nesta província, os mesmos efeitos de transformação
gerados em São Paulo. Segundo a CPE (BAHIA – CPE 1978, p.159), a
cafeicultura baiana não conseguiu dar o “salto capitalista” derivado
do desenvolvimento do capitalismo em termos internacionais
por ter se mantido sob o regime de trabalho escravista e de um
campesinato ou parcerias precariamente vinculados ao circuito de
trocas.

A produção do cacau, na Bahia, somente vai assumir


grande significação no século XX. O seu cultivo, porém, responde
por intensos movimentos migratórios e pela ocupação da região
Sul da província. Em termos econômicos, sua exploração segue o
mesmo padrão ditado pelo capitalismo mercantil que marcou o
processo espoliação da Bahia ao longo do século analisado. Em
outras palavras, os excedentes gerados pela cultura do cacau nunca
retornaram sob a forma de inversões na região cacaueira ou em
outras regiões da província.

52
FRAGMENTOS

Merecem registro ainda no setor primário da economia


baiana a produção de algodão e a pecuária.

A produção do algodão no Brasil, e consequentemente na


Bahia, sempre dependeu de fatores externos. Ou seja, das flutuações
dos preços internacionais do produto. Sempre que estes aumentavam,
em decorrência de conflitos na Europa ou na América do Norte, a
atividade algodoeira se expandia em terras brasileiras.

A pecuária teve papel importante na economia baiana pelo


seu papel no suprimento alimentar da população urbana e pela
ocupação do território. No plano das exportações, a participação dos
seus subprodutos – couros e peles – não foi significativa, dadas as
condições do mercado e a concorrência dos criatórios do Rio Grande
do Sul.

Outro fato de destaque na economia baiana, que contribuiu


significativamente para o povoamento de sua região Sudoeste, foi a
descoberta, em 1842, de diamantes na Chapada Diamantina (então
Chapada Grande). A lavra teve uma produção significativa no período
compreendido entre 1852 e 1870, atingindo seu ponto máximo de
produção em 1856, quando foram exportadas oficialmente 7 714
oitavas (equivalentes a 27,770 kg). Segundo a CPE (BAHIA – CPE,
1978, p.125), a exploração do diamante na Chapada, deflagrando
um movimento populacional de grande magnitude no centro da
província, não foi suficiente, contudo, para desarticular o tradicional
predomínio do Recôncavo sobre a economia baiana. Por outro lado,
seguindo a tendência geral, a subordinação da empresa diamantina
ao merca- do internacional e ao controle do capital mercantil não
permitiu que surgissem nas lavras relações de produção do tipo
capitalista, embora o trabalhador livre convivesse com o escravo.

Indústria

No capítulo relativo à industrialização constata-se que ela foi


bastante incipiente. Segundo Tavares (1982, p.37) a economia de
exportação rejeitava a industrialização com a mesma eficiência de

53
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

quem sabe impossível o enxerto de pessegueiro em bananeira. As


iniciativas como a da criação em 1846 da Companhia para Introdução
e Fundação de Fábricas Úteis na Província da Bahia não obtiveram
sucesso numa economia dominada pelos interesses vinculados
à exportação de produtos primários e sustentada por relações
de trabalho escravo ou semiescravo. Ainda Tavares informa que o
capitalismo industrial da Europa e dos Estados Unidos, estimulava
no Brasil o progresso da iluminação a gás, das estradas de ferro, dos
transportes urbanos, dos engenhos centrais , mas com a participação
dos seus capitais, de suas máquinas, dos seus técnicos.

O exame da atividade industrial da Bahia no século XIX pode


ser sumariada da forma seguinte e com base no estudo da CPE 1978
p. 266-267).

O setor industrial, na economia baiana, estava dividido


entre indústrias e manufaturas. Estas últimas com seu processo
produtivo concentrado em atividades manuais. A maior parte dos
estabelecimentos, tanto industriais como manufatureiros, era de
pequeno porte, a julgar por fatores tais como capitais investidos
e mão-de- obra empregada. As grandes empresas eram de caráter
fabril, pertencendo à agroindústria açucareira e ao setor têxtil. Havia,
entretanto, grandes empresas manufatureiras no setor fumageiro e,
em menor escala, no setor de vestuário.

No plano da modernização tecnológica registram-se diversas


iniciativas em praticamente todos os gêneros de atividades. Essas
tentativas de modernização não tiveram maior repercussão sobre uma
sociedade como a baiana, na qual a estrutura social era impermeável.
Ao contrário, no Sudeste do país, onde as inovações tecnológicas
foram acompanhadas de mudanças nas relações de trabalho, toda a
estrutura social se transformou.

As matérias-primas empregadas eram de procedência local e


das províncias vizinhas, excetuando-se setores como metalurgia e,
por algum tempo, madeira, couros e peles.

Predominava a produção de artigos grosseiros destinados ao


consumo popular, uma vez que a elite importava os bens de que

54
FRAGMENTOS

necessitava preferencialmente da Europa. Na manufatura do fumo


mesclava-se a matéria-prima local com a importada das províncias
do Sul, de melhor qualidade, quando se pretendia obter um produto
mais fino. Contudo, muitos bens eram consumidos por todas as
classes sociais, indistintamente. Enquadravam-se neste caso os
produtos dos setores de madeira, química, cerâmica (telhas e tijolos),
alimentos e bebidas e vestuário (chapéus de feltro). A indústria
têxtil tinha considerável parcela de sua produção consumida pela
agroindústria açucareira, sobrevivendo, em grande parte, devido
à demanda de sacos para embalagem dos produtos primários em
bruto ou sem beneficiados, como o açúcar. Também a indústria
metalúrgica fabricava, como um dos seus principais itens, maquinário
para engenhos e peças de reposição. As dificuldades e a paulatina
decadência da agroindústria açucareira não poderiam deixar de
refletir-se negativamente sobre outros setores industriais. Parte da
produção manufatureira e fabril era absorvida por outras províncias,
como o fumo e os tecidos. Em 1875, exportava-se a terça parte dos
tecidos aqui produzidos para outras províncias, exportação essa
que decorria basicamente da privilegiada posição da Bahia como
importante entreposto comercial.

A maior parcela da mão-de-obra empregada era livre,


porém, em 1872, cerca de 15% ainda eram escravos, existindo
estabelecimentos, até à década de 1860, nos quais predominava o
trabalho escravo. Esse tipo de relação de trabalho deveria prevalecer
também nos engenhos. Quando, porém, foram criadas as fábricas
centrais de açúcar, nelas passou a preponderar o trabalho assalariado
e, de um modo geral, o trabalho livre foi-se generalizando.

O grande comércio de exportação era o responsável pelos


capitais aplicados no setor industrial. A existência de matéria-prima
local possibilitava ao comerciante – que agia como financiador – o
controle da produção agrícola, sua transformação e comercialização.
O caso mais evidente é o do fumo. Quanto aos tecidos, a matéria-
prima era oriunda principalmente das províncias vizinhas, e esse setor
se constituía no mais importante depois da agroindústria açucareira.
Até 1875, a Bahia foi o maior centro têxtil do Brasil, mas sua perda
de posição, daí por diante, seria constante e irreversível. Persistiria,

55
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

para além do século XIX, na Bahia, um tipo de economia mercantil


originária da colônia, enquanto, no Sudeste do Brasil, deslanchou,
mesmo que tardiamente o processo de desenvolvimento capitalista
calcado no modelo europeu ocidental pós-revolução industrial
(CPE,1978 p.267).

Spinola (2014) informa que a Bahia encerrou o século XIX com


um déficit acumulado de US$ 372.153,99 milhões na sua balança
comercial. Somente apresentou superávit em sua balança comercial
em dez anos no período de 1839 a 1899. Esse déficit que prevaleceu
na balança comercial baiana ao longo do século gerava uma carência
de poupança interna necessária para a formação de capital fixo e,
consequentemente, o deslanche de um processo de acumulação que
propiciasse o crescimento real das atividades econômicas

No plano da política tributária praticada no século XIX, o


estabelecimento das tarifas baseou-se preponderantemente na
taxação dos produtos importados. Com o controle político do
governo pelos grandes proprietários de terras, lançava-se sobre o
conjunto da população o ônus pela sustentação da máquina pública,
como assinalam Furtado (1959) e Sampaio, J. (1975). Em 1844, com a
expiração dos prazos estabelecidos pelos diversos tratados comerciais,
foram editados pelo governo imperial onze “pacotes” tributários.
Todos compreenderam tarifas incidentes sobre as importações. De
forma geral a política fiscal atendeu ao lobby dos grandes proprietários
rurais e comerciantes interessados na manutenção de uma política
antiprotecionista, prejudicando claramente os interesses da classe
industrial. Segundo a pesquisa da CPE (1978), os mecanismos da
política tributária e financeira do governo imperial foram desfavoráveis
para a economia baiana. Mesmo tendo participação elevada nas
exportações e importações brasileiras, no período, a Bahia sofreu
substancial drenagem de recursos, através da taxação dos “direitos
de exportação e importação”.

Dados das contas públicas da província obtidos no Anuário


Estatístico da Bahia, de 1923, indicam que no período de 1850/1889,
54% dos exercícios financeiros foram deficitários. Esses déficits
públicos levaram ao endividamento interno do governo provincial,

56
FRAGMENTOS

mediante a contratação de sucessivos empréstimos junto aos


agentes financeiros locais. O agravamento desta situação no final do
século, a partir de 1872, vai levar ao primeiro empréstimo externo
da província, em 188815. Esta situação iria transformar-se num
processo de endividamento crônico, agravando e comprometendo
o desempenho das administrações estaduais ao longo da primeira
metade do século XX.

Em termos demográficos, segundo dados do Instituto Brasileiro


de Geografia e Estatística (IBGE), a Bahia encerra, em 1900, o século
XIX com uma população de 2.177.956 habitantes, correspondentes a
12,58% da população do país. Salvador, neste mesmo ano, totalizava
205 813 habitantes equivalentes a 9,72% do Estado.

Segundo Mattoso (1992, p.119), em 1872, a população


baiana era composta de 72,4% de negros e mulatos (dos quais
12,2% escravos), 24% de brancos e 3,6% de índios e caboclos.
Também Sampaio, C. (1999, p.51) registra que, em 1890, o número
de analfabetos correspondia a 81,9% da população, percentual
este que não se modifica com a virada do século, pois, em 1920, a
porcentagem situava-se praticamente inalterada, em torno de 81,6%.

5. A Bahia no século XX e a síndrome do caranguejo


.
No final da década de 1950, intelectuais baianos, entre eles Luís
Henrique Dias Tavares (O problema da involução industrial da Bahia),
discutiam as causas da contradição entre os avanços obtidos pela
Bahia na formação dos seus sistemas de transportes e energético, no
crescimento demográfico, na melhoria urbana da capital e, em muitos
outros aspectos, a redução da importância da sua indústria na primeira
metade do século XX. Enfim, perguntavam-se: por que a Bahia não se
desenvolveu como os principais estados da região Sudeste?

15 O empréstimo foi obtido junto ao Sindicat Brésilien de Paris, no valor de 22,5 milhões de
francos que, convertidos, importavam em 6.317.947$445. Este empréstimo na verdade serviu
para o pagamento de dívidas internas do governo com o sistema financeiro nacional (entre
eles o Banco da Bahia), sobrando líquido para a caixa do tesouro menos de 1% (CPE, 1978 v.
3, p. 71).

57
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

Com efeito a primeira metade do século XX foi marcada


pela estagnação econômica. Neste sentido, Tavares (1966) registra
uma relevante diferenciação entre os avanços obtidos pelo estado
na conformação dos seus sistemas de transportes e energético, no
crescimento demográfico, na balança comercial externa, na receita
tributária, na melhoria urbana da capital e em muitos outros
aspectos e a redução da importância da indústria, comparativamente
ao desempenho do final do século XIX, quando tudo levava ao
“prognóstico de que a velha província manteria destacada posição
no evoluir da indústria no país” (p.5).

A partir de uma pesquisa em fontes diversas e dos dados


censitários de 1920 a 1940, o autor constatava então “uma
impressionante estagnação nas indústrias têxtil e fumageira e, doutra
parte (...), o desaparecimento do leque de empresas manufatureiras
que se abria multicolorido de esperanças naqueles primeiros anos da
República” (TAVARES, 1966, p.4).

Octávio Mangabeira, espantado com o que viu ao assumir o


governo do estado (1946/1950), cunhou a expressão enigma baiano
e, preocupado com a estagnação da economia estadual, encomendou
a Ignácio Tosta Filho o primeiro Plano de desenvolvimento da
Bahia, documento pouco divulgado na atualidade e praticamente
desaparecido.

Também Pinto de Aguiar escreveu uma monografia com o


título Notas sobre o enigma baiano. Aguiar (1972, apud SPINOLA,
2003 p.103) listava em seu trabalho três causas responsáveis pelo
nosso atraso:

1. o problema de instabilidade da nossa economia, que,


preponderantemente primária e evidentemente reflexa, depende,
endogenamente, da sazonalidade das safras e, exogenamente, das
flutuações dos mercados exteriores e dos preços nestes vigentes;

2. o desgaste do nosso intercâmbio comercial interno, com a


política cambial vigente no país, agravando a tendência estrutural da
deterioração da relação de preços dos produtos que enviamos para
os outros estados e das mercadorias que deles recebemos;

58
FRAGMENTOS

3. a escassa capacidade de poupança, decorrente destas


causas, e o reduzido estímulo aos investimentos, em virtude de tais
variáveis.

Rômulo Almeida (1977, p. 19-54) por seu turno, culpava “o


ritmo fraco de capitalização devido à decadência política da Bahia na
república, efeito e novamente, causa das dificuldades de transportes
e a carência de energia, que, para vencê-las, não encontravam
recursos na economia colonial baiana, as quais terão sido também
causa de outra carência, a quase nula imigração.” Rômulo, muito
adiante do seu tempo, aprofundava o seu argumento e avançava pela
seara moderna dos estudos do capital humano, social e relacional,
apontando, além da falta de imigrantes, como um outro fator, a falta
de interesse dos ricos comerciantes da terra nos empreendimentos da
produção: “não tinham tirocínio industrial e, com isso, o espírito
de iniciativa e indústria (grifo nosso), tão vivo e tenaz na história
ainda recente da Bahia, havia de desencorajar-se e evadir-se [...],
enquanto a indústria evoluía noutras partes.” (1977, p.19-54).

Já o ex-ministro da Fazenda e banqueiro Clemente Mariani


(1977) em estudo divulgado em fins dos anos 1950, sob o título
Análise do problema econômico baiano, sintetiza e amplifica as
considerações dos autores aqui citados em seu diagnóstico da
economia estadual.

Nesse estudo Mariani situa a proeminência econômica da Bahia


nos séculos iniciais da colonização e estuda o que chama de começo
e progressão da relativa decadência econômica do Estado. Em sua
opinião, os primórdios dessa decadência encontram-se na perda de
importância do açúcar em nosso comércio exterior, acelerando-se com
o fim da escravatura. Contudo, salienta que, com a nova lavoura do
cacau, a economia estadual recupera-se, ensejando a realização de
várias obras de infraestrutura. Detém-se também no exame da política
econômico-financeira oficial do pós-guerra que considera nociva para
a Bahia. O autor concluiu essa parte da exposição afirmando que o
desenvolvimento da lavoura do cacau teria criado novas perspectivas
de enriquecimento do Estado, com a consequente possibilidade de
aplicação da poupança decorrente em benefício da sua economia, se

59
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

o monopólio de câmbio, iniciado com a Revolução de 1930 (a quem


chamava de madrasta da Bahia) e até hoje mantido sob formas diversas,
não houvesse representado uma perfeita espoliação dos recursos do
Estado, em benefício do governo federal que, desse modo, obteve as
divisas baratas para atender a suas necessidades administrativas ou
mesmo a sua política econômica, geralmente traçada com absoluta
insensibilidade para com o interesse do Estado e de sua população
(MARIANI, 1977, p. 55-121). Só que Mariani se esqueceu, ou omitiu
que na monocultura cacaueira os resultados obtidos eram transferidos
para o exterior pelas empresas exportadoras, e gastos no Rio de Janeiro
e São Paulo, quando não em Paris, pelos familiares e descendentes dos
velhos coronéis do cacau, repetindo os hábitos de “novos ricos” dos
senhores de engenhos do açúcar.

Abrindo um parêntese, faz-se necessário ressaltar, que a


raiz do problema, que persiste até os dias atuais, está na pobreza
e consequente ignorância da população baiana, que frustra as
possibilidades da mobilidade social que propicie a existência de um
mercado interno com elevado poder de compra.

O estado nos primeiros cinquenta anos do século XX, foi


administrado por 21 governadores, entre titulares, interinos e
interventores.

Até hoje toda uma considerável energia e capacidade política,


que poderiam convergir para beneficiar o Estado mediante projetos
que promovessem seu desenvolvimento, foram desperdiçadas em
disputas movidas por interesses pessoais, ciúmes, vinganças políticas,
intrigas, conspirações e outras atitudes negativas que, vistas de hoje,
desmerecem vultos históricos como Ruy Barbosa, Luis Viana, Severino
Vieira, José Marcelino, Araújo Pinho, J. J. Seabra e Antonio Moniz
de Aragão16. O governo federal, que frequentemente se envolvia nas
querelas provinciais, também teve sua parcela de responsabilidade:
por exemplo, o presidente Hermes da Fonseca mandou bombardear
Salvador em apoio a JJ. Seabra e Epitácio Pessoa que firmou acordo
irresponsável com os “coronéis jagunços” em 1920, ignorando

16 Não foram citados outros vultos mais recentes como Juracy Magalhães, Simões Filho, e
Antonio Carlos Magalhães que no governo ou fora dele marcaram sua época.

60
FRAGMENTOS

radicalmente o governo estadual. A este respeito, em 11 de janeiro


de 1912, em editorial na sua primeira página, intitulado Lagrimas de
Sangue, escrevia o Diário de Notícias:

[...] A política, nesta boa terra, bradamos todos os


dias, nós os prejudicados, tem sido a causadora de
todos os nossos males de todas as nossas queixas, de
todas as nossas amarguras, de todas as nossas grandes
infelicidades, passadas, presentes, e, talvez, futuras. O
egoísmo criminoso de muitos, não querendo respeitar
a soberania popular; a ambição natural, embora
ilimitada de outros; a falta de patriotismo, por falta de
comprehensão das coisas; a teimosia, a vaidade dos
nossos homens públicos, arrastaram a Bahia, digna
de ser um dos estados que marcham na vanguarda
victoriosa da Federação Brazileira, á triste condição
que o seu povo chora actualmente, com lagrimas de
sangue...

Um balanço apurado das atividades realizadas pelos diversos


governadores do período não assinala atividades seminais em prol
do desenvolvimento do estado. Limitaram-se ao “feijão com arroz”,
às intensas brigas paroquiais, e a consumir-se com as finanças
combalidas do estado. Perderam a representividade junto aos poderes
da república ficando fora da política do “café com leite” comandada
por São Paulo e Minas Gerais. Os governadores passaram suas
gestões tentando equilibrar o caixa do tesouros estaduais, sempre
deficitários e dependentes de uma dívida pública que se acumulava
a cada ano. Segundo levantamento efetuado no governo Góis
Calmon , em dezembro de 1927, esta dívida totalizava, ao câmbio
de estabilização, Rs 149.038:032$140 que correspondiam em 89%
a créditos ingleses e o restante, a créditos franceses. Em moeda
estrangeira, a dívida totalizava £ 3.267.438-4-0 e Frs.48.230.500.

Basicamente até a metade do século assinalavam-se


investimentos na construção de infraestrutura com destaque para
o sistema ferroviário que na realidade constituiu um excelente

61
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

negócio para a Inglaterra, numa época em que a modernização de


suas ferrovias, com a mudança de bitola das estradas, sucateava
compulsoriamente grande parte do material rodante que, defasado,
necessitaria ser descartado. É impressionante o depoimento do
governador Góis Calmon que em 1924 afirmava:

Efetivamente, enquanto crescia o parque ferroviário


do Sul, sempre fazendo crescer os mercados de
consumo, nós nos limitávamos a uma estrada de
penetração para o São Francisco, uma outra para
o sudoeste, e uma que tentava o centro. No mais,
ficávamos arranhando o litoral como caranguejos.
Enquanto todo o Norte, incluída a Bahia, possuía, em
1919, cerca de 5.290 km de ferrovias, o nosso Estado
possuindo 1.728, o Sul possuía 22.548 km, sendo que
São Paulo com 6.615 e Minas com 6.613. A situação
não se alteraria para o futuro, com o decréscimo, para
nós, em qualidade, a disparidade ocorrendo, também,
no setor das rodovias.

Em 1958, já no final do governo Antonio Balbino, quando


a CPE de Rômulo Almeida elabora o Plandeb, não havia mais como
recuperar o tempo perdido pela Bahia no processo de crescimento
da economia brasileira. Ademais, as ações desenvolvidas na segunda
metade do século XX, na formulação das políticas públicas e no
planejamento econômico estadual, não obtiveram o sucesso almejado
ao conferir prioridade ao princípio da geração de externalidades e
de concessão de subsídios através de incentivos fiscais, tratando-os
como elementos suficientes para a implantação e o desenvolvimento
de parques industriais e elegendo a grande indústria produtora de
bens intermediários, como o “motor” do desenvolvimento regional.
Esta política, resultou na geração de uma base monoindustrial no
Estado, fundada no segmento químico/petroquímico que assumiu a
forma de um enclave.

62
FRAGMENTOS

A segunda metade do século XX

Justificando e ilustrando esta conclusão apresenta-se a seguir


uma análise periodizada do período 1960/2000.

O primeiro período pode ser datado entre os anos 1950 e


meados da década de 1960, a partir de quando começam a surtir efeito
as medidas de política econômica adotadas após o movimento militar
de 1964. Contribuíram para o desenvolvimento industrial do estado,
nesse período, alguns investimentos significativos, na construção da
Usina Hidroelétrica de Paulo Afonso, da Refinaria Landulpho Alves –
Mataripe (RLAM), na criação do Banco do Nordeste do Brasil (BNB) e
da Superintendência para o Desenvolvimento do Nordeste (Sudene).

No terreno das ideias, é de se registrar a efervescência


intelectual da década de 1950, que culminou com a edição do
Plandeb, a criação da CPE, etc. Nesse período, o parque industrial
que se desenvolveu estava concentrado no segmento das indústrias
tradicionais, entre as quais se destacavam as das classes de produtos

alimentares, têxtil, fumo, couros, peles e similares. Essa indústria


estava vinculada à base agrário-exportadora da Bahia e dependente
das relações deste setor com o mercado internacional. Financiada
pelo capital-mercantil, operava com baixa renovação tecnológica
e comprando tecnologia pronta ou utilizando aquelas de domínio
público, dependentes apenas do know-how para o diferencial
mercadológico. Em termos de comercialização da produção, tinha
o seu tamanho e condições de expansão e de escala limitadas pela
fragilidade do mercado regional.

Essa indústria não resistiu ao esforço modernizador da economia


brasileira, deflagrado com o Plano de Metas, em 1956, e
gradativamente perdeu espaço para os competidores do Sudeste,
como foi o caso das fábricas de tecidos que compunham o parque
têxtil, nas décadas de 1930/1950.

Foi bastante limitada a participação da Bahia no tipo de


industrialização que é geralmente identificado no Brasil como a

63
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

substituição de importações. Uma análise retrospectiva permite


observar que, no período marcado pela predominância desse
mecanismo de política econômica, que funcionou como elemento
motor da industrialização brasileira basicamente de 1946 a 1960, a
expansão da indústria na Bahia em seu conjunto foi um movimento
tímido, constituído por alguns projetos industriais de pequenos e
médios portes, com tecnologia equivalente ou inferior à média da
produção nacional em cada caso. O atraso da Bahia no processo de
substituição de importações manifestar-se-ia na pouca diversificação
de seu parque industrial e, mais tarde, explicaria as razões da elevada
concentração dos programas industriais. Segundo Pedrão (1996, p.
76-77) a participação do setor industrial no produto bruto do Estado
passou de 10,5% em 1939, sucessivamente, a 6,8% em 1947, a 13%
em 1957, voltando a 7,6% em 1967, justamente quando se supõe
que a substituição de importações no Brasil já estava em declínio.
Ao que tudo indica, esta pouca participação na substituição de
importações estaria vinculada com as condições de desenvolvimento
do sistema financeiro na região e com as transformações na própria
estrutura da empresa, afetando as operações financeiras, bem como
as industriais.

Em síntese, o que ocorreu nesse período foi que a expansão


industrial baiana continuou carente de um impulso predominante
que rompesse com o esquema de economia regional estagnada,
característico do período de 1920 a 1950, que tantas inquietações
provocou na intelectualidade e nos governantes baianos. A ampliação
do parque industrial entre 1950/1964 não foi suficiente para
sustentar a “decolagem” a partir do aproveitamento significativo
das matérias primas regionalmente disponíveis. Segundo Baer (1996,
p. 297), dando números aos clamores de Clemente Mariani, “o
superávit de exportações da Bahia (cacau) para o exterior resultante
da industrialização centrada no Sudeste – o primeiro sendo obrigado
a comprar do segundo sob relações de troca menos favoráveis –
implicou numa transferência de renda da região mais pobre do país
para a mais rica...No período de 1948 / 1960 foram transferidos
mais de US$ 413 milhões de capital...O sistema cambial representou
uma carga adicional para a economia baiana.” Mesmo que sendo

64
FRAGMENTOS

perdulários e sem talento para investir esta oportunidade nos foi


negada.

O segundo período do processo de industrialização da Bahia


pode ser situado entre o final da década de 60 e o início dos anos
80, quando o Estado experimentou um notável ritmo de crescimento
econômico, com as taxas anuais médias de incremento do PIB superiores
a 7% a.a., atingindo 11,3%, em 1978, e 11,1% em 1980. Nesse
período, quatro fatores influenciaram o desenvolvimento industrial,
a saber: i) o impacto inicial de uma política de industrialização,
fundamentada na construção dos distritos industriais do Interior, do
CIA e Copec na RMS, combinada com a atração de investimentos
mediante a oferta de externalidades nestes distritos industriais; ii) o
ingresso de substanciais transferências de recursos federais, através
do BNDE, da Secretaria de Planejamento da Presidência da República
(a fundo perdido) e do Sistema Financeiro de Habitação, o que ativou
o mercado regional baiano, dada a realização de um impressionante
conjunto de obras de infra-estrutura física e urbano-social, de
conjuntos habitacionais e da montagem industrial, notadamente no
CIA / Copec, que expandiram consideravelmente a criação de empregos;
iii) a disponibilização de financiamento público preferencial, através
do sistema de incentivos fiscais federal e estadual, que promoveu
uma transferência considerável de empresas da região Sudeste para
a Bahia, mesmo que revertida quando do esgotamento do prazo dos
benefícios concedidos; iv) a integração dos projetos baianos com os
do governo federal, notadamente no que se refere à petroquímica.

Nesta época consolidou-se o plano rodoviário federal para


o Nordeste, com a pavimentação da BR-116 (Rio–Bahia) e BR-101
(Litorânea). Essas rodovias viabilizaram o modelo econômico regional
em construção, assegurando as condições para o escoamento dos
intermediários fabricados na Bahia em direção ao Sudeste, e o
abastecimento, por este, do Nordeste, com os produtos de consumo
final oriundos do seu moderno parque de indústrias. Entretanto,
a construção do complexo rodoviário estadual, que possibilitaria a
articulação das diversas regiões baianas, produzindo um impacto
positivo na integração e expansão do mercado regional, apesar de

65
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

planejada em 1950, não foi executada.17

A opção rodoviária implementada coincidiu com o desmonte


do sistema ferroviário estadual. A desativação da Estrada de Ferro
de Nazaré e do Porto de São Roque do Paraguaçu, na baía de Todos
os Santos, implicou na desarticulação do sistema de transportes
que sustentara a produção têxtil e fumageira estadual. Com isso,
ficaram isoladas as bacias do Jaguaribe e do Jiquiriçá, indiretamente
desestimulando o crescimento da região Sudoeste do Estado,
cortando-se a relação interna entre a indústria têxtil e sua região
supridora de matérias-primas18.

Contudo, esse período foi o mais importante da história


econômica recente da Bahia e o seu movimento de industrialização,
segundo a estratégia concebida no Plandeb, foi conduzido pela
implantação das principais indústrias dinâmicas do estado, como as
da petroquímica (Copec/CIA), as metalúrgicas Usiba, Sibra e Alcan (no
CIA) entre outras, produtoras de bens intermediários que, de uma
participação da ordem de 43% no valor bruto da produção estadual
em 1959, passaram para 80% nos anos 80.

Abstraindo a indústria químico petroquímica, que


gradativamente dominou a economia industrial do Estado, destacavam-
se, nesse período, como segmentos altamente promissores, o
siderúrgico e, sobretudo, os da metalomecânica e elétrica.

Entretanto, na década seguinte, o setor siderúrgico acabou


não prosperando pela prioridade conferida pelo governo federal
aos projetos desse setor implantados na região Sudeste. O mesmo
ocorreu com a metalomecânica cuja limitação, na Bahia, não foi
apenas de volume da demanda, mas de sua capacidade de estimular
sua renovação e ampliação.

17 Essa lacuna no plano rodoviário estadual, que persiste até os dias atuais, implica numa séria
ameaça territorial para a Bahia, que vê a possibilidade de parte considerável do oeste baiano
ser polarizado pelo eixo ferroviário programado pela Ferronorte que ligará o Porto do Itaqui no
Maranhão ao Planalto Central.
18 Posteriormente, em 1996, a Rede Ferroviária Federal – Leste Brasileiro, 7ª Região, que
atendia ao Estado da Bahia, Sergipe e Minas Gerais, com 1.905 km de linhas, foi privatizada.
Atualmente o sistema está inoperante e completamente sucateado (SPINOLA, 2005).

66
FRAGMENTOS

Na ausência de uma indústria de bens de capital, como


as de veículos ou a naval, com as quais se integrasse em relação
de complementaridade, ficou a metalomecânica em completa
dependência da indústria do petróleo. Só podia renovar seu capital
e aprofundar sua especialização na medida em que a Petrobras
sustentasse suas compras, o que acabou não ocorrendo.

Isto posto, o sistema industrial na Bahia estruturou-se com


base no conjunto das vantagens embutidas na oferta de insumos
derivados de combustíveis e de uma oferta crescente de energia
hidrelétrica que sustentou a articulação operacional do complexo
petroquímico. O uso maciço de energia a preços administrados
representou um subsídio significativo que operou a favor das
empresas petroquímicas, usuárias desses energéticos, comparando-
se com a estrutura de custos das demais empresas19.

O terceiro período do processo de industrialização da Bahia


inicia-se na metade dos anos 80, quando as transformações da
economia nacional, nas décadas de 1980 e 1990, refletiram o que
tem sido denominado “décadas perdidas” para o desenvolvimento
econômico da quase totalidade da América Latina. Na década de
1980, a economia brasileira ficou na dependência dos reajustes
impostos pelas duas crises mundiais do petróleo, que funcionaram
como indutoras de um reordenamento muito mais amplo dos
controles internacionais de mercado, a partir de grandes políticas de
gestão energética nos países mais ricos, do controle do consumo de
energia e do desenvolvimento da informática.

Com a introdução dos processos de automação e a realização


de investimentos maciços em técnicas de conservação de energia e de
energéticos, os países mais industrializados deslocaram as condições
internacionais de concorrência, abriram novas oportunidades de
investimento em renovação tecnológica e, especificamente, nas
tecnologias guiadas pela proteção do meio ambiente. Atualizar-
se tecnologicamente tornou-se mais caro, para países e empresas,
levando os mais ricos a estratégias que evoluíram ao longo desse

19 Cifras do balanço energético estadual para 1993 indicavam que os grandes compradores de
energia pagavam preços que equivaliam a um terço dos custos de produção desse insumo.

67
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

período, desdobrando-se de diversos modos, no sistema de produção,


estabelecendo, consequentemente, consideráveis vantagens
competitivas vis-à-vis os países em processo de desenvolvimento.

Esses fatores obrigaram as empresas a uma reorganização


produtiva muito maior que a indicada por suas necessidades de
reposição de capital. Por sua vez, isso determinou um atraso no
atendimento de necessidades sociais, acumulando uma dívida
pública, externa e interna, que, com os custos sociais da própria
política de estabilização, tomou a forma de uma dívida social que
se projetou sobre os anos seguintes até a atualidade. Para os países
subindustrializados como o Brasil, essa pressão adicional traduziu-
se numa ampliação de seu atraso relativo em investimentos em
infra-estrutura, limitando sua capacidade de competir em mercados
internacionais. A despeito da crise econômica das décadas de
1980/1990, manteve-se a predominância do segmento químico e
petroquímico que determinou o perfil da indústria metalomecânica e
elétrica e condicionou, inclusive, as pequenas empresas dos ramos de
serviços. Esse parque industrial ganhou dimensões que lhe permitiram
substituir a produção cacaueira como líder da economia estadual. Em
1995, representava 12% do PIB e 25% da arrecadação do estado,
com uma produção de 5 milhões de t/ano, representando uns 55% da
produção nacional. Gerava cerca de 17 mil empregos diretos e 9 mil
indiretos, apesar de ter então caído do patamar de 26 mil empregos
diretos e 27 mil indiretos registrados em 1986, segundo os registros
da SICM / Sudic.

Em 1996, a despeito do seu valor bruto da produção ter


correspondido a apenas 59% do registrado em 1980, as indústrias do
complexo petroquímico acusaram resultados favoráveis, apesar da
contenção de seus lucros, causada pela elevação dos preços da nafta.
As vendas do complexo, em relação a 1995, aumentaram em 6%,
permanecendo a Copene como maior empresa da Bahia, com uma
receita líquida de R$ 1,1 bilhão. Suas exportações foram 27% maiores
que as do ano anterior. A elevação da capacidade de produção de
eteno para 1,1 milhão de t /ano foi concretizada. A privatização desse
setor foi marcada por uma intensa atividade dos grupos empresariais
na busca de composições acionarias que lhes assegurassem a

68
FRAGMENTOS

sobrevivência e perspectivas de crescimento nos anos subsequentes


do século XXI, o que de fato vem ocorrendo notadamente na expansão
em direção a outras regiões do país, como as do cone Sul.

Vale ainda observar que a tentativa de industrialização


polarizada na Bahia, de fato realizada na década de 1970, surgiu
justamente quando se acelerava o reordenamento mundial da
produção industrial, ficando portanto, previamente condenada a um
envelhecimento tecnológico precoce, que foi reforçado pela estrutura
organizada a partir do sistema tripartite de constituição do capital
das empresas e sustentado pelo oligopólio do sistema Petroquisa,
que garantiu preços subsidiados de matéria prima (nafta). O peso
relativo do valor da matéria prima na composição dos custos dessas
empresas, retirado o subsídio, compromete a sua competitividade
em um mercado do capital globalizado.

Por outro lado, a elevada mortalidade de empresas, registrada


nos distritos industriais da Bahia, notadamente no Centro Industrial
de Aratu – CIA, ao longo desse período, não se deveu somente
ao encerramento de uma fase de aproveitamento especulativo
dos subsídios e dos incentivos fiscais, mas, também, a autênticos
problemas de administração de empresas, que vão desde a gestão
insatisfatória dos negócios, da inadequação tecnológica dos processos
e equipamentos às dificuldades de financiamento.

Os problemas hoje enfrentados na promoção de novas


empresas, sob diversas formas, enfrentam, precisamente, essas
questões que ligam a eficácia gerencial com o quadro de financiamento
e os usos adequados de tecnologia.

Mas o endurecimento do ambiente competitivo internacional,


paralelamente à perda de capacidade de financiamento do Estado, pôs
a nu as dificuldades internas, tanto as do próprio setor petroquímico,
para subsidiar a indústria polarizada, como problemas de gestão das
empresas, decorrentes do desenho institucional e das bases culturais
das empresas envolvidas nesse processo. Verificaram-se perdas
substanciais de diversas empresas e várias falências, no trajeto, que
levaram ao reordenamento da capitalização e da operacionalidade
do setor.

69
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

Entre 1980 e 2000 a indústria baiana sobreviveu num


ambiente de mudança de mercado, em que passou de uns 80%
de vendas a um mercado interno oligopolizado, a ter que vender
proporção equivalente concorrendo no ambiente internacional
controlado por produtores de maior porte. Isso significa que, nesse
período, a industrialização na Bahia passou, novamente, a depender
diretamente de ajustes na economia nacional em um dos seus setores
mais sensíveis, no qual o realinhamento do capital se fez mediante
investimentos de alta densidade de capital e alta tecnologia.

Por extensão, isto significa ainda que o perfil da indústria


implantada no complexo de Camaçari rapidamente tornou-se parte
dos movimentos mais acelerados de concentração de capital no país.

O quarto período do processo de desenvolvimento industrial


da Bahia começa no alvorecer século XXI com o advento de um
parque automobilístico (Projeto Amazon /Ford) a grande esperança
do meio técnico governamental. A despeito de representar um
investimento superior a US$ 2 bilhões este projeto não produziu os
efeitos de encadeamento almejados pelo governo estadual. O parque
brasileiro de autopeças solidamente instalado no país e operando
com capacidade ociosa e o progresso tecnológico recente tanto
nos processos produtivos quanto na infraestrutura e na logística
impediram que se repetissem os efeitos multiplicadores registrados
na região Sudeste na década de 1950. Também outras montadoras, a
despeito da expectativa local não se instalaram no estado, refletindo
a saturação nacional do setor. O novo século não começou sorrindo
para a indústria baiana, pelo menos nos seus primeiros quinze anos.
A petroquímica cumpriu o destino vaticinado por alguns analistas
independentes20 enfrentando nesses últimos anos uma grave crise
decorrente da falta de modernização tecnológica, perda de escala e
consequentemente de competitividade.

A concentração das atividades econômicas na RMS ainda se


mantem respondendo por 48% do PIB estadual segundo a SEI O
colapso do projeto petroquímico que não correspondeu às expectativas
estaduais levou o governo a retornar aos antigos projetos de fomento

20 A propósito ver Spinola (2003, p.285 e seguintes).

70
FRAGMENTOS

a industrialização do interior, sempre obcecado pela palavra “polo”


apesar de que, certamente, a maioria dos seus governantes jamais
tenha ouvido falar em François Perroux. Pelas respostas obtidas
presume-se que tais projetos não tenham produzido os resultados
pretendidos, notadamente pela forma equivocada que norteou a sua
promoção como foi o caso do denominado “polo calçadista”.

6. Padrasto cruel

Quanto a outra hipótese assumida neste texto que se


refere ao papel da política macroeconômica do governo federal,
discriminatória, ao longo do século XX para com a Bahia, observe-
se, em primeiro lugar, que, no passado, este frequentemente se
envolvia nas querelas provinciais, respondendo por uma parcela de
responsabilidade nos descaminhos políticos baianos, como ocorreu,
por exemplo, nas administrações dos presidentes Hermes da Fonseca
(1910-1914) que mandou bombardear Salvador e Epitácio Pessoa
(1919-1922), com o acordo irresponsável com os “coronéis jagunços”
do sertão baiano em 1920, by-passando radicalmente o governo
estadual, o que veio contribuir sensivelmente para a concentração
das atividades dos governos no que viria ser a Região Metropolitana
de Salvador, abandonando-se o interior a sua própria sorte e, por fim,
Arthur Bernardes (1922-1926), com a intervenção federal na Bahia,
movido pela sua inimizade com J. J. Seabra. Em segundo lugar, isto
se confirma pela exclusão da Bahia, dos benefícios modernizadores
da Revolução de 30 pois Getúlio Vargas, buscando modernizar o
estado e acabar com a força do “coronelismo”, marginalizou toda
a “brigona” oligarquia baiana, nomeando para seu lugar novas
figuras como Juracy Magalhães um novo coronel vindo do Ceará.
Clemente Mariani banqueiro e legitimo representante da agricultura
baiana, chama a Revolução de 30 de madastra notadamente pela
adoção de uma política cambial desfavorável ao estado. Mariani
deteve-se também no exame da política econômico-financeira oficial
do pós-guerra, concluindo que o monopólio do câmbio, iniciado
com a Revolução de 30 e mantido sob formas diversas, representou
uma perfeita espoliação dos recursos da Bahia, em benefício do

71
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

governo federal que, desse modo, obteve as divisas baratas, para


atender às suas necessidades administrativas, ou mesmo à sua
política econômica, geralmente traçada com absoluta insensibilidade
para com o interesse do estado e da sua população. Aguiar (1972)
também responsabilizava, entre outros fatores que contribuíam
para a estagnação da economia baiana, o desgaste do intercâmbio
comercial interno com a política cambial vigente no país, agravando
a tendência estrutural da deterioração da relação de preços dos
produtos exportados para os outros estados e das mercadorias deles
importadas; a escassa capacidade de poupança, decorrente destas
causas e o reduzido estímulo aos investimentos, em virtude de tais
variáveis. Segundo Baer (1996, p. 297) a Bahia e o Nordeste através
deste mecanismo cambial vigente no período de 1948 / 1960 viram
transferidos mais de US$ 413 milhões de capital para o Sudeste.

Quando da elaboração do PLANDEB, único plano de


desenvolvimento elaborado na Bahia, registram-se queixas do
tratamento dispensado pelo Governo Federal: “A Bahia reivindica
há muito, investimentos compensatórios pela baixa remuneração
de suas exportações, que a tem privado de capacidade para realizar
investimentos básicos no seu território, a fim de propiciar mais largas
possibilidades de emprego à sua população. Tal reivindicação, que
corresponde a inversão de parte dos saldos dos ágios das exportações
baianas, a Bahia está pronta a partilhar com todo o Nordeste (BAHIA
– CPE, 1960). (...) Lamentavelmente, entretanto, a realização das
“metas” no território baiano não tem obedecido ao mesmo ritmo que
se verifica em outras partes do País. Exemplo conspícuo é o atraso no
programa relativo às construções rodoviárias e ao reequipamento da
ferrovia federal Leste Brasileiro. Os exemplos podem ser repetidos em
todos os setores. Nem mesmo o acesso a Brasília – que é reputado
“meta síntese” pelo governo Federal – foi considerado a partir da
Bahia, a despeito de se localizarem em sua costa os portos que estão
mais próximos da futura Capital do País e cujas ligações se favorecem
por sensível redução de distância virtual .Aparentemente, a Bahia
ficou relegada para outra época (grifo nosso), seja pelas condições
políticas já ultrapassadas, seja peIa duvidosa doutrina de concentrar
todos os recursos nacionais no suposto centro, dinâmico do Pais, a

72
FRAGMENTOS

fim de que dai se possa irradiar mais tarde o progresso para o resto
do Brasil. Não tem sido levados em conta pelo Governo Federal 3
fatores que impõem prioridade para investimentos na Bahia: 1) a
existência de recursos naturais e humanos que possibilitam uma
alta produtividade a investimentos programados, em “benefício
de exportações e do programa de desenvolvimento do País”; 2) a
compensação parcial às contribuições da economia baiana para o
desenvolvimento geral do País (contribuição cambial e petróleo);
3) o necessário e inadiável atendimento de padrões mínimos de
subsistência e de educação a todos os brasileiros, como objetivo que,
mantendo e valorizando o capital humano da nacionalidade pretere,
inclusive, investimentos de tangível carater desenvolvimentista. Não
nos referimos a um estímulo ao consumo convencional, prejudicando
as poupanças, nem a um igualitarismo impossível nos níveis de vida,
mas apenas ao atendimento das condições mínimas de nutrição, de
educação e de emprego, sem o que não existe um povo organizado
e muito menos um mercado interno que dê base ao desenvolvimento
industrial. Evidentemente, o “Programa de Metas” do Presidente
Juscelino Kubitschek não pretendeu desconhecer essa necessidade.
O programa da Bahia apela, só como último argumento, para esse
objetivo nacional de manter e valorizar o potencial humano, porque
realmente apresenta todas as outras condições para se integrar
plenamente no programa nacional de desenvolvimento (BAHIA –
CPE, 1960 p. 14-15).

Ademais, a Bahia além de não participar do processo de


substituição de importações não foi contemplada pelo Plano de
Metas de Juscelino Kubitschek, justamente quando ocorria o take off
da economia brasileira.21Também não conseguiu sediar a Sudene ou
o Banco Nordeste ou qualquer outra autarquia federal da região o
que, decerto contribuiria e muito, para melhorar a formação do seu
capital humano e social.

E assim, em termos concretos, a Bahia perdeu, ou foi

21 A construção da BR-116, Rio-Bahia , inserida no programa rodoviário de JK foi um atendi-


mento ás demandas do parque industrial paulista ansioso para atingir os mercados nordestinos
com os produtos de suas fábricas, muitas dimensionadas com capacidade ociosa dadas as
escalas de produção dimensionadas em função da tecnologia moderna.

73
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

empurrada, do bonde da história pelas circunstâncias aqui descritas


e pela incompetência e desunião das suas lideranças.

7. Um discurso a favor do Capital Social

A Bahia não conseguiu formar ao longo do tempo um


estoque de capital humano e social que alimentasse as máquinas
do desenvolvimento como aquele que os imigrantes trouxeram
para o Sul e Sudeste do Brasil, confirmando o que dizia Marshall
(apud FONSECA,1992, p.65) que no longo prazo, a riqueza
nacional é governada mais pelo caráter da população do que
pela abundância de recursos naturais. Como assinala R. Reisman,
Marshall via no "caráter nacional", ou seja, nos atributos éticos
e intelectuais da população, "um dos mais valiosos entre todos os
insumos da função de produção, um dos ingredientes mais decisivos
na receita do crescimento econômico" (Reisman, 1986: 174). Para ele,
"objetos, organização, técnica eram acessórios: o que importava era
a qualidade do homem" (Pigou, 1925: 82). Justamente o que nos
faltou e nos tem faltado ao longo da história.

Empreendedorismo, dinamismo e competitividade sempre


foram termos ausentes na história da Bahia inclusive no século
XX. Como causa disto não se pode desprezar o efeito da formação
humanista transmitida desde os primórdios da colonização,
fortemente influenciada pelos colégios jesuítas, que nos legaram a
formação escolástica dominante até, pelo menos, a segunda metade
do século XX. Vem daí nossa resistência às atividades manuais,
consideradas indignas dos “homens bons” e, consequentemente,
a nossa dificuldade para o desenvolvimento de manufaturas
e tecnologia. (SPINOLA, 2003). Mas este preconceito não era
apenas da elite portuguesa. Era geral entre os brancos. Segundo
o desembargador João Rodrigues de Brito em sua célebre carta de
1807 (2004, p.118):

A preocupação nacional, que excluía dos empregos


todos aqueles que por si, seus pais, ou avós, tivessem

74
FRAGMENTOS

exercido artes mecânicas, isto é, que tivessem


contribuído com o seu trabalho para a multiplicação
das riquezas. Um escrivão da mais insignificante Câmara
não pode encartar-se na propriedade de seu ofício, sem
provar verdadeira, ou falsamente, a perpétua inação de
seus braços e dos de seus pais e avós.

E por isso Salvador, como de resto as grandes cidades


coloniais, se transformava numa das” lixeiras dos impérios” (Boxer,
1969). Aventureiros, excluídos de toda a natureza vindos do Reino,
aqui buscavam fazer o seu “Brasil”, ou seja, mudar de condição social,
fazendo valer apenas a brancura da pele e a condição de reinol,
portanto superiores ao conjunto dos nascidos na Bahia, mesmo
os mais ricos. Estes eram os grandes trunfos de uma população
portuguesa em uma sociedade escravista baiana que terminariam por
constituir o grande contingente de ociosos urbanos que recusavam
todo trabalho de negro, ou seja, todo trabalho manual que os
pudessem desqualificar como superiores.

Já quase na metade do século XX o governador Góes Calmon,


assessorado por Anísio Teixeira, seu secretario da educação, tentava
romper claramente com o humanismo jesuítico e optar pela formação
técnica e pragmática, Góes Calmon estabelecia uma comparação
com a escola americana, mostrando que, diferentemente da nossa,
aquela faz com que [...] a creança americana deix [e] (a) a escola
como um pequenino e emprehendedor homem de trabalho, (grifo
nosso) cheio de iniciativa, levando mais em conta os resultados
materiais de sua actividade do que os cuidados com a sua cultura
intelectual. E acrescentava:

[...] ora, na America, os trabalhos manuais e o desenho


têm sido a grande escola de desenvolvimento da
personalidade pelo cultivo intensivo da vontade e
do pensamento. Enquanto as escolas theoricas e
livrescas desenvolvem a intelligencia e a imaginação,
descurando a vontade, a educação americana fortifica
sobretudo esta pela acção. Toda a educação primaria

75
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

americana assenta nesse principio froebeliano: educar


pela ação” (1924, p.65).

Observe-se que, há 90 anos, atrás Góes Calmon já falava,


pioneiramente, na formação empreendedora e dinâmica do nosso
povo. Por que isso não ocorreu?

Os esforços de promoção do desenvolvimento das regiões


têm-se concentrado, historicamente, na formação bruta de capital
fixo, mediante a atração de indústrias e a construção de infraestrutura
que ofereça externalidades para as empresas atraídas para a região.

A despeito da importância desta política, não se tem


conseguido, por seu intermédio, resolver questões relacionadas com
o desemprego e com os desequilíbrios sociais da renda, assistindo-
se à permanência e à intensificação dos índices de pobreza, que
funcionam como freios às possibilidades de ampliação de um mercado
e da aceleração do processo de desenvolvimento.

Percebe-se que a industrialização, por si própria, tende a gerar


cada vez menos empregos diretos e que os seus efeitos multiplicadores
sobre as demais atividades econômicas não ocorrem com a intensidade
de décadas passadas. Por seu turno, a agroindústria, na medida em
que se moderniza, contribui para a expulsão da população do campo,
deslocando-a para as periferias das cidades.

Tomando a Bahia como exemplo, observamos que a ausência de


uma política nacional e regional de industrialização, a má conservação
da malha rodoviária estadual e outras carências infraestruturais
contribuem significativamente para que mantenhamos uma rarefação
espacial que nos acompanha desde o período colonial, fazendo com
que nossos centros dinâmicos do interior, como Juazeiro, Barreiras,
Vitória da Conquista, Feira de Santana e Ilhéus, por exemplo, pouco
ou quase nada se comuniquem entre si e circundem um vazio que
conhecemos como Semi-árido.

Por esses motivos e pelas características do nosso processo de


desenvolvimento capitalista tardio, não conseguimos fazer funcionar
os mecanismos de complementaridade agroindustrial e comercial de

76
FRAGMENTOS

que falavam os teóricos do desenvolvimento ainda na década de 60.


Em outras palavras, não temos um parque de transformação ou cadeias
de produção integradas que assegurem o nosso desenvolvimento
autossustentado. Somos, assim, uma economia reflexa da economia
do Sudeste e comandada de fora para dentro de acordo com as
estratégias mercadológicas dos grandes grupos capitalistas nacionais
e internacionais.

Queixamo-nos de que não temos empresários, daí a necessidade


de importá-los. Só que, com isto, em diversas circunstâncias e a
despeito da nossa boa-fé, atraímos muitos predadores que aqui não
vêm para fincar raízes, mas para explorar ao máximo as vantagens
atracionais oferecidas, na eterna disputa que marca os esforços de
promoção do crescimento econômico dos estados nordestinos.

Talvez um dos nossos problemas mais sérios consista no nosso


aprisionamento a um paradigma que nos desvia a visão de outras
perspectivas a explorar. Ou seja, há quarenta anos que repetimos
a mesma política, ainda traçada por Rômulo Almeida no Plandeb,
quando não trabalhamos em curto prazo num pragmatismo radical
que nos leva a explorar com relativo sucesso, as oportunidades que
se apresentam, como foi recentemente o caso do projeto Ford,
de elevada e penalizante relação custo-benefício para as finanças
públicas. Mas é fato que estes sucessos episódicos, associados a uma
postura neoliberal, nos fez parar de pensar a Bahia em longo prazo.
Paramos de planejar o nosso futuro. Paramos de discuti-lo. Nos
governos dos liberais, até agora apeados do poder, assumiu-se uma
visão dogmática e maniqueísta de que as ações do estado no campo
econômico seriam improdutivas. Exaltava-se o mercado e a iniciativa
privada. Os socialistas atualmente no poder implantaram um sistema
híbrido em que aceitam vários paradigmas liberais, mas os limitam
por um regulacionismo radical. Porém, em qualquer dos regimes, o
que prevalece como um contraponto é o patrimonialismo que nos foi
transmitido pela herança lusitana.

Uma das consequências mais preocupantes desta estrutura


é a ausência de uma política de formação de capital humano.
Que, talvez, se formulada de forma consistente, poderia induzir,

77
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

em médio prazo, respostas aos desafios que enfrentamos para


promover o desenvolvimento da Bahia em condições mais justas
e duradouras.

Falar em capital humano nos remete obrigatoriamente a


questão educacional onde somos um desastre. Um exemplo clássico
é o da taxa de analfabetismo na Bahia que passou de 14,43% para
15,86% entre 2011 e 2012. O número de baianos analfabetos cresceu
nos últimos dois anos e já atinge 1,712 milhão de pessoas. Esses
dados são resultados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios
(Pnad) de 2012, divulgados recentemente pelo IBGE. Mas o governo
vem gastando milhões em propaganda para convencer os baianos de
que o seu programa TOPA – Todos pela Alfabetização, vem acabando
com o analfabetismo e já alcançou mais de um milhão de adultos. Os
dados do Pnad desmascaram essa conta do governo.

A disparidade entre a falácia da propaganda governamental


e o mundo real do ensino também é constatada no histórico dos
recursos aportados nos últimos anos para a Educação. A tendência
fortemente declinante das aplicações financeiras estaduais mostra o
descompromisso com a Educação e contraria o discursos político de
prioridade ao setor repetido pelo Governo. Em 2006 o percentual de
aplicação de recursos em Educação com relação a Receita Líquida de
Impostos foi de 28,96%. De lá pra cá esse percentual vem reduzindo
chegando a 25,89% em 2011. Cai ainda mais para 25,51% em 2012,
o menor índice aplicado dos últimos 12 anos na Bahia.

O estrago desse tipo de gestão descompromissada com


a eficiência do ensino já é bem visível e revelado pelo Índice de
Desenvolvimento da Educação Básica- IDEB, indicador criado pelo
governo federal para medir a qualidade de ensino das escolas públicas.
Os resultados do IDEB de 2011, sinalizaram a queda dos indicadores
do Nível Médio na rede estadual baiana em comparação com 2009,
recuando de 3,1 para 3,0 afastando-se ainda mais da média brasileira
que foi de 3,4.

O desastroso desempenho da rede estadual de educação em


relação à sua principal atribuição, que é o nível médio, infelizmente
ficou confirmado com a divulgação no início de março deste ano do

78
FRAGMENTOS

5º Relatório Anual de Olho nas Metas – 2012. O acompanhamento


é feito a partir dos resultados obtidos em Língua Portuguesa e
Matemática no Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica do
Ministério da Educação e Cultura – SAEB, realizado a cada dois anos.

A gravidade dos resultados obtidos para o Ensino Público do


Nível Médio na Bahia é que, além de serem muito baixos, mostraram
uma queda acentuada. Para Língua Portuguesa, em 2009, apenas
23,35% dos alunos tinham aprendizado considerado adequado.
Em 2011 caiu para 17,2%, uma queda de 26,15%, revelando
inegavelmente que a qualidade de ensino na rede estadual despencou
entre 2009 e 2011. Em Matemática, a situação do ensino baiano é
ainda mais dramática. Em 2009 apenas 4,5% dos alunos tinham
aprendizado considerado adequado. O problema é que em 2011
esse número foi reduzido a apenas 2,8%, uma queda de 37,7% em
relação a 2009, bem superior à queda registrada na média brasileira,
que foi de 10%.

Sentimos a necessidade da formulação de uma política que


contribua para o aproveitamento dos jovens profissionais egressos
das universidades baianas, lançados anualmente num mercado que
não oferece oportunidades de trabalho, consolidando nossa posição
de exportadores de mão-de-obra qualificada. A despeito da crise
universal do emprego, como categoria social, isto se agrava na Bahia,
porque as empresas que aqui se implantam preferem importar mão-
de-obra das suas regiões de origem por considerá-la mais produtiva,
num preconceito injustificável e odioso para com os baianos, mas que
se alicerça no próprio pensamento de parte das elites locais. Ouvimos
de um ex-líder empresarial a afirmação de que se “espremidas”
todas as sete universidades baianas não dariam meia xícara de uma
Unicamp ou de uma USP. E aí a preferência é pela contratação de
consultorias, estudos e pesquisas às universidades do Sudeste, até
porque são grifes. Este fenômeno, que se agrava e generaliza (o
mercado baiano de empresas de consultoria desapareceu) é o retrato
perfeito do neocolonialismo interno de que somos vítimas.

Pode parecer xenofobia, mas não é. Basta que se observe


atentamente o que vem ocorrendo no mercado de trabalho.

79
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

Precisamos, e muito, da proteção do governo estadual e de uma


política de follow-up em relação aos projetos que se implantam na
Bahia com forte apoio governamental, a qual deve ser exercitada
pelos nossos organismos de fomento.

Além dessa ação no mercado, junto às empresas beneficiadas


com incentivos, como requisito para a geração de empregos locais
(parece que isso já ocorre no Projeto Amazon, apesar das críticas de
que apenas os salários mais baixos são destinadas à mão-de-obra
local) existe um grande potencial de cooperação nas universidades
baianas que pode ser utilizado pelo governo estadual.

Por exemplo, por que não montar uma espécie de Projeto


Rondon, utilizando professores e estudantes universitários de diversas
áreas para atuar em programas de saúde pública, de desenvolvimento
local, de combate a pobreza etc. etc.? Por que não intensificar a prática
de utilização de estagiários nos órgãos públicos, segundo um programa
estruturado de treinamento que ampliaria consideravelmente o raio
de ação do governo a custo significativamente reduzido? Por que não
utilizar o potencial de pesquisa dos diversos doutorados e mestrados,
canalizando-os para temas de interesse local e regional? Por que não
privilegiar a universidade baiana nos contratos de consultoria que, na
maioria da vezes, são ajustados com instituições do Sudeste e mesmo
do exterior?

É bem verdade que se torna necessária uma melhor


articulação das universidades locais. É preciso que se estabeleçam
critérios de aferição de qualidade dos serviços e exigências quanto
aos cumprimentos de prazos e normas técnicas.

Para que uma política desta natureza tenha sucesso, é


necessária uma firme decisão de governo e um sólido apoio político.
Muitos serão os interesses contrariados, os preconceitos a serem
vencidos, além da falta de união e de solidariedade que é marca da
comunidade acadêmica. É necessário que não se perpetue o quase-
monopólio da UFBA, que leva à discriminação até as universidades
estaduais, nos parcos serviços e recursos alocados para a área. É
necessário que se abra espaço para as duas universidades particulares
(UCSAL e UNIFACS), vítimas de um viés ideológico ultrapassado

80
FRAGMENTOS

no tempo, mas que insiste em sobreviver. É necessário que esta


política esteja contemplada entre as prioridades do planejamento
governamental, assegurando-se que não terá o destino dos esforços
da década de 70 que se frustraram com a destruição do Ceped.

7. Passado e futuro - breve discurso utópico

Permanecendo nos primórdios do século XXI os efeitos dos


problemas que marcaram a história da Bahia no século passado e
que, com todas as causas aqui alinhadas, a fizeram perder a trilha
do seu desenvolvimento, o prognóstico é de um futuro sombrio. A
manutenção de um status quo de pobreza e de miséria cobrará um
preço cada vez mais alto à segurança e a qualidade de vida dos seus
cidadãos, como de resto se vem assistindo no cotidiano.

Segundo o Banco Central do Brasil - BACEN (2012, p.83) a


Bahia se caracteriza pela produção de bens intermediários e matérias
primas, destinados à exportação para o exterior e para a indústria
de outras regiões. Sendo assim é geradora de divisas para o país e
mercado consumidor de produtos finais oriundos, principalmente,
do Sudeste e do Sul, características que limitam e condicionam a
dinâmica de sua economia a movimentos exógenos. Como dito,
em termos da medição macroeconômica já foi a 6ª. economia do
País e hoje ocupa a 8ª. posição. A sua participação no PIB do Brasil
segundo o Banco Central se mantem inalterada ao longo dos últimos
15 anos, situando-se em torno de 4,0%. Ou seja, na soma de relativos
está estagnada.

Ainda é a 1ª. economia do Nordeste, mas isto não serve de


consolo. Ademais, Pernambuco e Ceará estão crescendo e em breve
poderão suplantá-la.

Os esforços de promoção do desenvolvimento estadual têm-


se concentrado, historicamente, na formação bruta de capital fixo,
mediante a atração de indústrias e a construção de infra-estrutura
que ofereça externalidades para as empresas atraídas para a região.

A despeito da importância desta política, não se tem

81
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

conseguido, por seu intermédio, resolver questões relacionadas com


o desemprego e com os desequilíbrios sociais da renda, assistindo-
se à permanência e à intensificação dos índices de pobreza, que
funcionam como freios às possibilidades de ampliação de um mercado
e da aceleração do processo de desenvolvimento.

Percebe-se que a industrialização, por si própria, tende a gerar


cada vez menos empregos diretos e que os seus efeitos multiplicadores
sobre as demais atividades econômicas não ocorrem com a intensidade
de décadas passadas. Por seu turno, a agroindústria, na medida em
que se moderniza, contribui para a expulsão da população do campo,
deslocando-a para as periferias das cidades.

Outro problema grave da Bahia, é a corrupção que, como


de resto em todo o país, é endêmica. A administração pública está
repleta de pessoas pouco qualificadas para o exercício de funções
técnicas e especializadas. Não existe mérito. Não existe competência
e profissionalismo salvo poucas e honrosas exceções.

O estado ou o município bem ao estilo do velho patrimonialismo


são fazendas de propriedade dos estamentos políticos que negociam
entre si e loteiam os cargos para onde se nomeia os afilhados sem
qualquer capacidade de exercê-los.

O pior, que perpassa todos os problemas, como uma


característica genética está no comportamento individualista e
egoísta do seu povo. O velho e sábio Octavio Mangabeira já dizia,
na década de 1950, captando traços do caráter dos habitantes desta
província que: por pura inveja, o baiano gasta cem mil réis para
que o seu vizinho não ganhe dez mil réis. Muito antes dele e parece
que fazendo escola o poeta Gregório de Matos, o Boca do Inferno,
declamava no século XVI: Senhora Dona Bahia/nobre e opulenta
cidade/Madrasta dos naturais/e dos estrangeiros madre. /Dizei-me
por vida vossa/ Em que fundais o ditame/De exaltar os que aqui vêm,
/E abater os que aqui nascem?

E perguntam qual o futuro que se pode antever para a Bahia?

Sem mudar este quadro escabroso – e note-se que foi descrito


de forma muito gentil – não muda nada! A Bahia continuará onde

82
FRAGMENTOS

está, em marcha a ré, cada vez mais com uma população assalariada
que ganha até dois salários-mínimos e que se dá por feliz com o
pão do bolsa família e o circo do carnaval. Ficará, como ficou no
passado a sua hoje rica região Oeste na dependência de um efeito
spillover o qual segundo a teoria de integração neofuncionalista,
explica que um dos efeitos da integração de determinada função
gera a integração de outras funções numa reação em cadeia e por
meio de um efeito de transbordamento que levaria à intensificação
dos processos de integração em curso (HAAS, 1970). Ou seja, com o
passar do tempo o estado acabará se beneficiando do progresso dos
seus vizinhos do Sul e Sudeste e do Nordeste (Pernambuco e Ceará)
com a migração de mão de obra qualificada e dos empreendedores
que não temos aqui. Numa provável saturação dos seus mercados de
trabalho muita gente começará a identificar aqui na Bahia grandes
oportunidades não aproveitadas ou mal aproveitadas pelos nativos
que não oferecerão qualquer resistência. Este foi o fenômeno que
assistimos no cerrado (Barreiras, Luiz Eduardo) e que começamos a
assistir em Salvador como efeito colateral do CIA/Copec a partir dos
anos 1970, notadamente na área de serviços e na educação superior.

E mudar internamente não é fácil posto que exigiria um


Pacto Social que envolvesse as lideranças políticas, empresariais,
acadêmicas e comunitárias.

Este pacto social implicaria num gigantesco e solidário


esforço, liderado pelo governo do estado. Deveria concentrar-se na
promoção de investimentos no capital humano e social da Bahia.
Seria necessária uma reforma administrativa do estado que enxugasse
a sua máquina e estabelecesse carreiras profissionais de servidores
públicos; implantação de sistemas de incentivo e valorização do mérito
e da produtividade; treinamento e reciclagem do funcionalismo –
notadamente do pessoal da área educacional, de saúde e de segurança
pública. Reforma radical do ensino fundamental – a exemplo do que
ocorreu no governo Serra em São Paulo, eliminando-se a politiquice
crônica incrustada nesta área e estabelecendo padrões de eficácia
e qualidade no ensino. Reestruturação da área de planejamento e
de pesquisas desvinculando-a das atividades de gestão orçamentária
inerentes à área fazendária. Descentralização efetiva da administração

83
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

pública estadual (o que se almeja desde 1966), criando-se Coredes


como no Rio Grande do Sul. Fortalecimento das universidades
estaduais notadamente equipando-as para atuarem nas áreas de
ciências e tecnologia. Integração programática com as universidades
federais, eliminando o distanciamento criado desde os anos 1970.
Integração com a Federação das Indústrias, Comércio e Agricultura,
recuperando o CEPED e associando-o ao SENAI/Cimatec.

Considerações finais, à guisa de conclusão

Aqui não há por que falar em investimentos na infraestrutura,


obras, equipamentos, programas e projetos, porque não se trata de
um texto de planejamento tendo sido seu objetivo responder a duas
questões. A primeira, que lhe dá o nome, indaga por que, a Bahia
não se desenvolveu como era esperado apresentando, na atualidade,
um quadro significativo de desigualdade social e de concentração da
renda ao longo do tempo e aí perdendo o rumo. A segunda arrisca
algumas considerações sobre o que se deve fazer para uma mudança
de status quo.

Uma tarefa arriscada posto que existem muitos que acreditam


que está tudo no lugar certo, que a Bahia vai bem e tudo mais não
passa de crises de pessimismo ou discurso de oposição.

Questões de opinião, de informação e de sensibilidade.

Vale aprender com Mahatma Gandhi, quando dizia que” o


erro não se torna verdade por multiplicar-se na crença de muitos,
nem a verdade se torna erro por ninguém a ver...” um dia a luz se faz,
só é de se esperar que não seja muito tarde.

Acreditamos ter confirmado com dados históricos que


pululam em todos os livros que analisam a história do Brasil e da
Bahia as hipóteses formuladas inicialmente. Ou seja, como o atraso
econômico da Bahia foi consequência de uma trama de circunstâncias
que ao longo do tempo produziram a situação atual. A associação
de problemas políticos sociais e econômicos vivenciados pela nossa
matriz colonizadora, que nos legou as amarras de uma burocracia

84
FRAGMENTOS

patrimonialista, o imperialismo vicejante no mercantilismo europeu


dos séculos XV ao XVIII ; a escravidão e o modelo de exploração
agroexportador; a incompetência administrativa, o padrão de vida
perdulário tão minunciosamente descrita pelo baiano Wanderley
Pinho e a corrupção que caracterizaram a elite brasileira e baiana;
a má condução política do Estado durante a Primeira República;
as secas e demais condições edafoclimáticas adversas; e a política
macroeconômica do governo federal, ao longo do século XX. Uma
dose gigantesca de problemas que se não matou o povo baiano, no
mínimo o aleijou.

85
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

Referências

AGUIAR. Manoel Pinto de Notas sobre o enigma baiano. Salvador:


Planejamento 5 (4): 123-136. Out/dez, 1972.

ARRIGHI. Giovanni, A ilusão do Desenvolvimento. Petrópolis: Vozes, 1997.

ARTHUR, W. B. Increasing returns and path dependence in the economy.


USA: The University of Michigan Press, 1994.

BACEN, Banco Central do Brasil. Economia Baiana: estrutura produtiva e


desempenho recente. Brasília: BACEN, 2012.

BAER, Werner. A economia brasileira. São Paulo: Nobel, 1996.

BRITO, João Rodrigues de. Cartas econômico-políticas sobre a agricultura


e commercio da Bahia. Lisboa: Imprensa Nacional, 1821.

CALMON, Francisco Marques de Góes. Vida econômico-financeira da


Bahia: elementos para a história de 1808 a 1899. Salvador: CPE, 1978.

CAMPANTE, Rubens Goyatá. O Patrimonialismo em Faoro e Weber e a


Sociologia Brasileira. DADOS – Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro,
Vol. 46, nº1, 2003, pp. 153 a 193.

FAORO, Raymundo. Os donos do poder: formação do patronato político


brasileiro. Porto Alegre: Globo, 1984.

FONSECA, Eduardo Giannetti da. O capital humano na filosofia social de


Marshall. Revista de Economia Política, vol. 12, n°2 (46), abril/junho de1992.

FURTADO, Celso. O mito do desenvolvimento econômico. Rio de Janeiro:


Paz e Terra, 1974.

HARROD, Roy. The possibility of Economic Satiety. New York: CED, 1958.

HAAS, Ernst. The Study of regional integration: reflections on the Joy and
Anguish of pretherorizing. International Organization, vol. 24, Issue 04,
September 1970, p. 606-646.

86
FRAGMENTOS

HERCULANO, Alexandre. História de Portugal, 8. ed. Lisboa: Aillaud


&Bertrand, 1875.

HIRSCHMAN, A. The Strategy of Economic Development. New Haven: Yale


University Press, 1958.

HUXLEY, Aldous. Admirável mundo novo. Rio de Janeiro: Bradil. 1969.

IBGE, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Anuário Estatístico do


Brasil , 2011. Rio de Janeiro: IBGE, 2012.

IBGE, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Estatísticas do Século XX.


Rio de Janeiro: IBGE, 2006.

MARIANI, Clemente. Análise do problema econômico baiano. Salvador:


Planejamento, Salvador, v. 5, n. 4, p. 55 -121, out. / dez. 1977.

MARSHALL, Alfred. Princípios de Economia. Madrid: Editorial Síntesis, 2001.


Primeira edição: 1890.

MARX, Karl. O capital. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1971.

MATOS, Gregório. Poesias. Salvador: Centro de Estudos Baianos


da Universidade Federal da Bahia, 2014.

MATTOSO, Kátia M. de Queirós. Bahia século XIX: uma província no Império.


Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1992.

MYRDAL, Gunnar. Teoria econômica e regiões subdesenvolvidas. Rio de


Janeiro: Saga, 1957.

PEDRÃO, Fernando Cardoso. A industrialização na Bahia – 1950 a 1990.


Salvador: EA.1996.

PERROUX, François. O conceito de polo de crescimento. In: SCWARTZMANN,


J. (Org.) Economia regional e urbana: textos escolhidos. Belo Horizonte:
CEDEPLAR, 1977.

PORTO, Walter.(Org.) Conselho aos Governantes. Brasília: Senado Federal,


1998.

87
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

SANTOS, Milton. O espaço dividido. Os dois circuitos da economia urbana


dos países subdesenvolvidos. Rio de Janeiro: F.Alves,1979.

SEI, Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia. Anuário


Estatístico da Bahia .Salvador: SEI, 2010.

SEI, Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia. Anuário


Estatístico da Bahia . Salvador: SEI, 2012.

SEI, Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia. PIB da


Bahia: 30 anos de análise. Salvador: SEI,2006

SEPROMI - Secretaria Estadual de Promoção da Igualdade Racial – Desafios


no Enfrentamento da Extrema Pobreza: Afinal, do que estamos falando?
Apresentação de Maria Moraes. Cenário Bahia IBGE 2010.Disponível em
http://www.sedes.ba.gov.br/media/arquivos/ _SEDES.17.01.12.pdf Acessado
em setembro de 2013.

SPINOLA, Noelio Dantaslé. A Implantação de Distritos Industriais como


Política de Fomento ao Desenvolvimento Regional: O Caso da Bahia. Revista
de Desenvolvimento Econômico Ano III. Nº 04 – Julho de 2004. Salvador.

SPÍNOLA, Noelio Dantaslé. A trilha perdida: caminhos e descaminhos do


desenvolvimento baiano no século XX. Salvador: Unifacs, 2009.

SPINOLA, Noelio Dantaslé. Política e estratégias para o desenvolvimento


industrial e comercial da Bahia no século XXI. Salvador: Kanzeon, 1998.

TAVARES, L uís Henrique Dias. O problema da involução industrial da


Bahia. Salvador: UFBA, 1966.

TAVARES, Luís Henrique Dias. A Economia da Província da Bahia na Segunda


Metade do Século XIX. Universitas, Salvador (29): 31-40, jan./abr. 1982.

TAVARES, Luís Henrique Dias. História da Bahia. Salvador: EDUFBA, 2001.

WALLERSTEIN, I. 1998. The Rise and Future Demise of World-Systems.


Analysis Review, New York, v. XXI, n. 1, p. 103-112.

88
FRAGMENTOS

ARTIGO

A ECONOMIA
BAIANA:
OS CONDICIONANTES
DA DEPENDÊNCIA

02
89
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

90
FRAGMENTOS

A economia baiana: Os
Condicionantes da Dependência
Noelio Dantaslé Spinola1

A nação é, sem dúvida, uma categoria histórica, uma


estrutura que nasce e morre, depois de cumprida sua
missão. Não tenho dúvida de que todos os povos da
Terra caminham para uma comunidade única, para
‘Um Mundo Só’. Isto virá por si mesmo, à medida que
os problemas que não comportem solução dentro
dos marcos nacionais se tornem predominantes e
sejam resolvidos os graves problemas suscetíveis de
solução dentro dos marcos nacionais. Mas não antes
disso. O ‘Mundo Só’ não pode ser um conglomerado
heterogêneo de povos ricos e de povos miseráveis,
cultos e ignorantes, hígidos e doentes, fortes e fracos.

Ignácio Rangel

Resumo
Um conjunto de informações resultantes de pesquisa sobre a economia
baiana no século XX, cujos resultados deverão ser divulgados em
2007, conduz à conclusão de que fatores históricos condicionam, a
partir do século XIX, o desenvolvimento da Bahia, aqui entendido
como um estágio de maior equilíbrio na distribuição da renda e de
minimização dos desníveis sociais. Dessa conclusão, desenvolve-se a
tese de que os condicionantes da pobreza que aflige a maior parte
da população baiana e os desequilíbrios regionais de produto e renda

1 Doutor em Geografia pela Universidade de Barcelona - Espanha. Coordenador do Curso de


Ciências Econômicas e professor do Mestrado em Análise Regional da Universidade Salvador
(Unifacs).

91
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

são uma decorrência do processo de acumulação capitalista e das


formas assumidas pela divisão internacional do trabalho constituindo
um elemento essencial para o progresso de outras regiões como, no
caso a região Sudeste do Brasil. Assim sendo, não interessa às classes
dominantes a modificação desse estado de coisas, por contrariar a
própria lógica do processo de acumulação capitalista e os princípios
que regem um mundo dominado pela globalização segundo uma
ética econômica neoliberal.

Palavras-chave: Bahia. Desenvolvimento baiano. Desenvolvimento


regional. História econômica da Bahia. Economia regional.

Resumen
Un conjunto de informaciones resultantes de una investigación
sobre La economía baiana en el siglo XX, cuyos resultados deberán
ser divulgados en 2007, conduce a la conclusión de que factores
históricos condicionan, a partir del siglo XIX, el desarrollo de
Bahía, aquí entendido como un estadio de mayor equilíbrio en La
distribución de la renta y de disminución de los desniveles sociales. De
esa conclusión, se desenvuelve la tesis de que los condicionantes de
la pobreza que afecta a la mayor parte de la población baiana y de los
desequilibrios regionales de producto y renta son uma consecuencia
del proceso de acumulación capitalista y de las formas asumidas por
la división internacional del trabajo, constituyendo um elemento
esencial para el progreso de otras regiones como, en el caso, la región
Sudeste de Brasil. De esta manera, no interesa a las clases dominantes
la modificación de ese estado de cosas, por contrariar la propia lógica
del proceso de acumulación capitalista y los princípios que gobiernan
un mundo dominado por la globalización según uma ética económica
neoliberal.

Palabras-clave: Bahia. Desarrollo baiano. Desarrollo regional. Historia


económica de Bahia. Economía regional.

92
FRAGMENTOS

Introdução

A Bahia convive com duas realidades no plano socio


econômico. A primeira é reportada da seguinte forma pelo Secretário
de Planejamento do Estado:

Quem analisar as contas nacionais do Brasil nos últimos


dois anos vai verificar que, na corrida do crescimento
econômico, a Bahia está mais para Schumacher do que
para Barrichello. O bólido conduzido pela economia
baiana, que hoje ocupa a sexta posição no pódio dos
maiores produtores nacionais, aproxima-se cada vez
mais do carro do Paraná, que ainda detém a quinta
posição. Não se trata de ufanismo barato, mas da
avaliação de números fornecidos pelo SEI/IBGE. A
taxa de crescimento acumulado do PIB baiano, entre
2003 e 2004, foi de 12,8%, mais do dobro dos 5,5%
verificado no país. No mesmo período, a taxa de
crescimento acumulada da economia paranaense foi
de 7,7%. Já a taxa de crescimento média da economia
baiana, no período de 2002/2004, foi de 6,2%, bem
superior a do Paraná de 3,8% e o dobro da verificada
no país. A Bahia vem crescendo mais que o Brasil em
todos os segmentos da atividade econômica, mas,
na área industrial, o incremento foi extraordinário. O
crescimento acumulado na indústria baiana nos anos
de 2003 e 2004 foi de 19,6%, seis vezes mais que o
crescimento industrial do país (AVENA, 2005).

A segunda realidade, como a outra face de uma moeda,


contradiz totalmente a notícia otimista citada no parágrafo anterior.
Para constatá-la, basta que sejam consultados os indicadores sociais
divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)
ou pela Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da
Bahia (SEI). Segundo Alban (2005), referindo-se aos dados destes
organismos, a Bahia apresentava, em 1999, um índice de pobreza

93
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

de 36,5% contra 7,2% em São Paulo e 20,1% no Brasil. A taxa de


analfabetismo era de 24,7% contra 6,2% em São Paulo e 13,3% no
Brasil. Dados recentemente divulgados pelo IBGE apontam Salvador
como a segunda capital mais pobre do país, superada apenas por
Teresina. Ainda segundo Alban (2005):

Essa [...] realidade é percebida nos indicadores


de desenvolvimento humano [...] a Bahia embora
ganhando, na última década duas posições no ranking
do IDH municípios, permanece entre os 10 piores
IDHs do país, juntamente com os demais estados
nordestinos e o Acre. Importante observar que isso
acontece em todos os três sub-indicadores do IDH:
renda per capita, escolaridade e longevidade Assim,
também em termos de desenvolvimento humano,
a Bahia apresenta um resultado muito aquém do
desenvolvimento econômico-industrial.

“... a Bahia apresentava,em 1999, um


índice de pobreza de 36,5% contra 7,2%
em São Paulo...”
Essa contradição entre crescimento e desenvolvimento
econômico, que se torna cada vez mais evidente e que o próprio
governo estadual já não esconde e procura incessantemente desfazer,
merece cada vez mais exame e discussão na busca de soluções, se é
que estas existem.
Neste artigo aborda-se a questão mediante um enfoque
histórico, divulgando-se trechos da pesquisa sobre o desempenho da
economia baiana no século XX que está sendo realizada pelo autor.
A primeira parte examina de forma sintética o desempenho
da economia baiana no século XIX, quando se estruturam as bases
condicionantes da problemática atual. A segunda parte aborda
aspectos do famoso e sempre presente enigma baiano, identificado
por Octavio Mangabeira em 1946 (que não parece tão enigmático

94
FRAGMENTOS

ao se admitir a fatalidade da dinâmica do processo de acumulação


capitalista), fazendo uma análise periodizada do desempenho da
economia estadual no século XX. Conclui-se o artigo demonstrando
que o enigma ainda permanece, sinalizando para um futuro de graves
desafios, a partir de uma visão alicerçada pelo contexto de globalização
da economia mundial e pelo cenário de degeneração ética e moral que
constitui uma endemia de difícil erradicação no país.

A economia baiana no século XIX

A atividade industrial no Brasil remonta ao século XVI,


fundada na produção do açúcar pelos engenhos que se implantaram
nas diversas capitanias, contando-se, em torno de 1573, 23 em
Pernambuco e 18 na Bahia num total de 60 espalhados pela colônia
(LIMA, 1961, p.102)2.
Enquanto produzia açúcar, estava a colônia sintonizada com
a metrópole portuguesa. Tudo se complicou quando começaram a
prosperar atividades vinculadas a produção de tecidos, fabricados
no Pará, Maranhão, Ceará, São Paulo e posteriormente em Minas
Gerais. De tal modo se desenvolveram e prosperaram estas atividades
que, em alguns lugares, chegou-se a fazer tecidos tão finos que se
exportavam para fora da capitania (LIMA, 1961, p.153).
Foi a produção de tecidos que deu origem ao famoso alvará
de 5 de janeiro de 1785, proibindo a existência de fábricas no Brasil e
mandando fechar as que existiam. Inaugurava-se a primeira medida
política de (des)industrialização em nossas plagas, favorecendo à
Inglaterra, cujo sistema imperialista passava a dominar econômica e
financeiramente a colônia portuguesa até o final do século XIX.
A Bahia, além dos engenhos de açúcar, já desenvolvia, desde

2 As informações sobre o número de engenhos no período colonial, notadamente nos sécu-


los XVI e XVIII,variam bastante segundo os autores.Gandavo informa que havia 18 engenhos
na Bahia em 1572. Doze anos depois Gabriel Soares de Souza relacionou 36. Frei Vicente do
Salvador indicou a existência de 50 nos inícios do século XVII. O padre Simão de Vasconcelos
registrou 69 em 1663. O engenheiro João Antonio Caldas encontrou 126 em 1759 e Luís dos
Santos Vilhena escreveu que eram 260 nos finais do século XVIII. Só evoluíram tecnicamen-te,
com o primeiro engenho a vapor no século XIX (TAVARES,2001, p.194).

95
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

os tempos de Tomé de Souza, uma promissora indústria naval e, nos


meados do século XVII, a indústria de óleo de baleias que empregava,
na ilha de Itaparica, 420 trabalhadores (LIMA, 1961, p.185-215).
Essas atividades também foram atingidas pelo alvará de D. Maria I.
Em 1808, com a abertura dos portos, e em 18103 com os
tratados que transformam a Inglaterra em potência privilegiada4,
com direitos de extraterritorialidade e tarifas preferenciais, funda-
se no Brasil o sistema liberal e assume-se a segunda medida de
política econômica que define praticamente a matriz do nosso
subdesenvolvimento.
Essas medidas são complementadas com o acordo de 1827 e a
eliminação do poder pessoal de D. Pedro I, em 1831, o que consolida
o controle da classe dominante formada pelos senhores da grande
agricultura de exportação (FURTADO, 1959, p.115).
Para Furtado, a solução do nosso problema de crescimento
econômico passaria necessariamente pelo crescimento das exportações
e geração de superávits em nossa balança comercial. Porém, de acordo
com Pelaez (1976), em virtude da baixa elasticidade-renda e de preço
da procura, os preços das exportações de produtos primários caíram
em longo prazo. Por outro lado, por causa da existência de mercados
monopolistas e sindicatos poderosos nos países industriais, os preços
dos produtos manufaturados importados pelas regiões atrasadas
permaneceram rígidos, isto é, não declinaram durante as contrações
econômicas.
Como resultados dessas duas características estruturais –

3 Segundo Simonsen (1944), pelo tratado de 1810, eram concedidas alíquotas preferenciais de
15% aos produtos ingleses, sendo os produtos portugueses taxados em 16% e os dos demais
amigos em 24%.

4 As condições contidas na convenção de 1810 significavam a transplantação do protetorado


britânico, cuja situação privilegiada na metrópole era consagrada na nossa esfera econômica
e era mesmo imprudentemente consignada como perpétua. A ausência de reciprocidade era
absoluta em todos os domínios; era, aliás, difícil de estabelecer, visto a ausência de artigos de
necessidade comparável para o consumo: os produtos manufaturados eram mais necessários
ao Brasil que as matérias-primas brasileiras à Inglaterra. A desigualdade manifestava-se ainda
na importância que as exportações representavam para cada um dos países produtores, a In-
glaterra constituindo o mercado quase único para o Brasil, enquanto aquele país repartia o seu
interesse entre países numerosos. (Hypólito José da Costa, apud Simonsen, 1944).

96
FRAGMENTOS

preços e receitas de exportação de produtos primários em declínio


e preços rígidos de produtos manufaturados – as relações de troca
dos países produtores de bens primários agravaram-se durante todo
o período de crescimento acelerado do comércio internacional no
século XIX. Nesse contexto, destacam-se os benefícios resultantes do
progresso tecnológico conquistado pelos países mais desenvolvidos,
que consistiram no aumento dos rendimentos dos produtores e no
declínio dos preços pagos pelos consumidores. Os países industriais
desfrutaram o melhor de dois mundos, recebendo rendimentos
crescentes como produtores de bens manufaturados, cujos preços
não declinaram, e consumindo produtos primários, cujos preços
caíram através do tempo. Assim os países industriais colheram todos
os benefícios do progresso tecnológico e da divisão internacional
do trabalho. O padrão contemporâneo de países ricos e pobres no
mundo consolidou-se, definitivamente, no século XIX.
Uma característica importante da economia baiana,
notadamente no século XIX, é a sucessão de ciclos de longa e média
duração (MATTOSO, 1992, p.571) nos quais esta vivenciou períodos
de progresso e de crises das suas principais atividades agroindustriais
ligadas ao comércio exterior, como o açúcar, o algodão, o tabaco e
o cacau, numa situação que perdura até os dias de hoje, em que as
commodities agrícolas foram substituídas por outras de procedência
industrial.
Almeida (1977), fazendo um balanço do século XIX,
demonstra que, numa curva de longa tendência, a economia baiana
apresentou um período de expansão no início do século, retração nas
décadas de 1820 e 1830, recuperação entre os anos 1840 e 1850,
logo interrompida, ligeira recuperação na década de 1860, para em
seguida declinar com a guerra do Paraguai e somente registrar nova
alta a partir de 1890. A sucessão de crises da economia baiana não
correspondeu às crises da região Sudeste: em verdade a Bahia foi-se
recolhendo no tempo (ALMEIDA, 1977, p.75).
Detalhando alguns aspectos desta flutuação cíclica, mediante
uma análise periodizada do comportamento da economia baiana
no século XIX, observa-se que, até 18235, com a independência do

5 A Bahia só se tornou independente em 2 de julho de 1823.

97
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

Brasil, a Bahia vivenciou um ciclo de prosperidade, com os sucessivos


governadores, desde o marquês de Aguiar até os condes dos Arcos
e da Palma, estimulando a economia e tomando medidas de ordem
pública que melhoraram o potencial atrativo da sua praça e a feição
urbana de Salvador.
Em 1811, o vice-rei do Brasil, Dom Marcos de Noronha e Britto,
oitavo conde dos Arcos de Val de Vez, atendendo aos anseios dos
empresários locais, criou a Associação Comercial da Bahia6 . Em 1815,
foi introduzida a primeira máquina a vapor no Engenho Inguaçu, em
Itaparica, (NASCIMENTO, 1997, p. 23).
Nessa época, ocorreu a instalação e a modernização de
fábricas, de instituições de crédito, da escola de medicina, do curso
de contabilidade e geografia. Ampliou-se o incentivo à agricultura
do açúcar e a novas plantações, foram construídas estradas para o
interior, abertos jornais e introduzida a navegação a vapor na costa e
nos grandes rios da província. A Bahia participava, de forma expressiva,
da produção e da exportação de açúcar7, do tabaco8, do algodão9 e de
outros produtos de menor peso em sua balança comercial. Os escravos,
em 1810, somavam, só em Salvador, 25 mil, com os navios repondo
anualmente, no porto, acima de oito mil novos braços para a lavoura e
as atividades domésticas e urbanas (CALMON, 1978, p. 56).
Contudo, a guerra da Independência abortou o ciclo de
crescimento dos vinte primeiros anos do século XIX, cobrando um
elevado preço à Bahia, em virtude da criação e das despesas logísticas
de um exército improvisado, com mais de 13 mil homens em armas.
Fortunas foram consumidas e muitas fazendas arruinadas, lançando

6 Vários historiadores dão o ano de 1840 como sendo o da fundação da Associação Comercial
da Bahia. Porém a própria entidade, no seu site (www. acbahia.com.br), afirma que a data
correta foi 15 de julho de 1811.
7 Segundo Calmon (1978), as exportações de açúcar atingiram 29.288 toneladas em 1821.
Essas exportações sofrem uma redução de 79%, caindo para 6.163 toneladas em 1823, como
conseqüência da guerra da Independência.
8 Segundo Almeida (1952), a produção do fumo atingiu 800 mil arrobas (12 mil toneladas) em
1821, constituindo a grande moeda de troca nas importações dos negros da África. Nascimen-
to (1997) informa que no período de 1891/1898 estavam registradas na Junta Comercial da
Bahia 15 fábricas de charutos, sendo que 12 localizadas no Recôncavo.
9 Segundo Calmon (1978), em 1821 foram exportadas 2.800 toneladas de algodão. Em 1823
as exportações deste produto foram reduzidas em 80%, caindo para 565 toneladas.

98
FRAGMENTOS

na miséria famílias outrora abastadas10.


Vários outros eventos marcaram os períodos de crise cíclica,
dificultando o processo de crescimento econômico da Bahia no século
XIX. Destacam-se, entre estes, as rebeliões como a dos Malês (1835)
e da Sabinada (1837), o cólera (1855), a guerra do Paraguai (1865), a
abolição da escravatura (1888), além das secas que permearam todo
o século11.

“O açúcar, carro-chefe da economia


baiana, sofreu um lento e irreversível
processo de declínio...”

No plano da indústria de transformação, as primeiras


fábricas de tecido surgiram na Bahia ainda na década de 1830
(SAMPAIO, 1975, p. 50). Segundo Calmon (1978), não obstante as
adversidades, presenciou a Bahia, de 1840 a 1846, o reaquecimento
da sua economia, com a formação da Companhia para Introdução
e Fundação de Fábricas Úteis na Província da Bahia, seguida pela
implantação de unidades produtoras de papel e de novos engenhos.
Em 1842, descobriram-se diamantes na chapada Diamantina (então
chapada Grande). Porém, em 1846, as fábricas de tecidos de Valença
e os engenhos da Conceição e do Queimado entravam em crise,
indicando o fim do breve interregno de expansão dos negócios.
Como assinalam Furtado (1959) e Sampaio (1975), a política
tarifária praticada no século XIX baseou-se preponderantemente
na taxação dos produtos importados. Controlando politicamente o
governo os grandes proprietários de terras lançavam sobre o conjunto
da população o ônus pela sustentação da máquina pública.

10 Há que se registrar também a substancial evasão de recursos que voltaram para a Portugal
com a fuga de um número significativo de ricas famílias de comerciantes portuguesas, após a
derrota das tropas do General Madeira de Mello.
11 Segundo Spinola (2000) foram de seca, no século XIX, os anos de 1809, 1819, 1823, 1824/
1825, 1833/1834,1843/1845, 1857/1861, 1877/1879, 1896/1898 e 1898/1900.

99
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

Em 1844, com a expiração dos prazos estabelecidos pelos


diversos tratados comerciais, foram editados pelo governo imperial
onze “pacotes” tributários. Todos compreenderam tarifas incidentes
sobre as importações. De forma geral, a política fiscal atendeu ao
lobby dos grandes proprietários rurais e comerciantes interessados
na manutenção de uma política antiprotecionista, prejudicando
claramente os interesses da classe industrial. A tarifa Silva Ferraz, de
1860, por exemplo, prejudicou a metalúrgica da Ponta da Areia, de
Mauá, forçando o seu fechamento (SAMPAIO, 1975, p. 23-26).
Em 1845 surge o Banco Commercial da Bahia, considerado um
banco emissor (CALMON, 1978, p. 83), seguido por diversas outras
instituições com poder de emissão de moeda, entre elas a Sociedade
Mercantil da Bahia (Caixa Hipotecária), o Banco Hipotecário da Bahia,
a Caixa Comercial da Bahia e a Caixa de Reserva Mercantil, todos
de curta duração, não atingindo o final do século. Nas décadas
seguintes, outras instituições financeiras também foram criadas,
mas também não conseguiram sobreviver, com exceção do Banco
Econômico da Bahia e do Banco da Bahia, que só em 1890 recebem
tais denominações.
Segundo Sampaio (1975), os empréstimos externos,
concedidos à Bahia entre 1824 e 1852, foram destinados à cobertura
de déficits, dívidas flutuantes e amortizações. Os obtidos entre
1858 e 1889 foram, em grande parte, destinados a investimentos,
notadamente a construção de ferrovias.12
Em 1855, uma epidemia de cólera matou na Bahia 29 mil
pessoas e a seca de 1857-1861 afetou drasticamente a economia
agrícola do interior da província, repercutindo os seus efeitos até
o litoral, prejudicando consideravelmente o comércio exterior.
Entretanto, a partir de 1862, a lavoura, notadamente a do algodão,
se recupera como decorrência da melhora das condições climáticas e
do benefício indireto da eclosão da Guerra de Secessão nos Estados
Unidos, cujo mercado passou a ser disputado por muitos países,

12 Segundo o Governador Luiz Vianna (1900), a dívida consolidada externa da Bahia em 1899
era de 17.205.000 francos “que ao câmbio de 27 por mil réis, importava em 6.973:365$000.
Uma constante nos relatórios de todos os governadores é a queixa contra a asfixia financeira
do estado provocada pelo pagamento de juros e principal das dívidas passadas de gestão em
gestão e que eram garantidas pela caução da receita tributária estadual.

100
FRAGMENTOS

inclusive o Brasil, particularmente a Bahia.


A prosperidade provocada pela Guerra Civil americana
encerrou-se em 1864, quando começaram as provações decorrentes
da contribuição baiana para a Guerra do Paraguai, visto que, nos
quatro anos seguintes, enviaria para frente de batalha cerca de 19
mil soldados.
Com o fim do conflito, registrou- se, na década de 1870, a
abertura de novas vias de transporte para o interior, notadamente as
estradas de ferro13, cujos trilhos, partindo de Salvador, alcançaram
os rios São Francisco e Paraguaçu. Ocorre também nesta época o
melhoramento do porto da capital e da navegação a vapor.
No período compreendido entre 1888 e 1910, a balança
comercial baiana passou à condição superavitária, não conseguindo,
entretanto, reverter uma situação de atraso consolidada em um
século de desacertos neste campo. A abolição da escravatura agravou
os nossos problemas econômicos, pois desorganizou as bases
produtivas das lavouras.
Em sua mensagem à Assembléia Legislativa da Bahia, no ano
de 1903, dizia o governador Severino Vieira: “os embaraços, que
mais poderosa- mente têm obstado todo o esforço da administração
em alcançar a normalidade das finanças do Estado, têm por causas
originaes a depreciação dos nossos productos nos mercados
consumidores e sua desvalorisação em consequencia da elevação da
taxa cambial” (sic). Como se pode verificar da Tabela 1, o ranking dos
produtos agrícolas que maior riqueza geraram nos últimos dez anos
do século XIX apresentava a seguinte posição: em primeiro lugar, o
fumo, em segundo, o cacau, em terceiro, o café, em quarto, a piaçava
e em quinto, açúcar.
O açúcar, carro-chefe da economia baiana, sofreu um lento e
irreversível processo de declínio no transcorrer do século. Segundo
Almeida (1977), dois fatores contribuíram para a decadência desta
cultura. O primeiro refere-se à evasão da mão-de-obra escrava como
decorrência da atração exercida pela mineração do ouro, a partir
do século XVIII, e o segundo está associado com a elevação dos

13 Existiam e trafegavam em 1895 oito ferrovias, com a extensão total de 1.248 km, extensão
esta que se ampliou para 2.669 km. Em 1930 (TAVARES, 2001, p.369).

101
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

custos de produção. Destaca também a competição internacional,


demonstrando que, já no final do século XVIII, o Brasil participava com
pouco mais de 10% do mercado mundial de açúcar. Mattoso (1992)
chama atenção para aspectos edafoclimáticos adversos à cultura
do açúcar. Afirma que, entre 1809 e 1889, registraram-se 25 anos
de secas e 11 anos de chuvas abundantes, o que era incompatível
com as necessidades dos solos argilo- arenosos do Recôncavo, o que
gerava, conseqüentemente, queda substancial da produtividade dos
canaviais.

Tabela 1

EXPORTAÇÕES DOS PRINCIPAIS PRODUTOS AGRÍCOLAS


DA BAHIA (1889-1900) - VALORES EM R$

Fonte: Mensagem do Governador Severino Vieira apresentada a AGL da Bahia em 7


de abril de 1903. Arquivo Público do Estado da Bahia.Nota: Rs 2$500 = 1/8 de ouro
de 22K.
1 - Inclusive“diversospreparadosdefumo”.

102
FRAGMENTOS

Outro problema consistia no desgaste dos solos. Abatidas


as florestas, os solos do Recôncavo foram explorados como minas:
buscava-se extrair o possível com a máxima brevidade (MATTOSO,
1992, p. 462).
Esta autora destaca também a questão dos parcelamentos das
propriedades, entre diversos herdeiros, o que reduzia a capacidade
de obtenção de escala. A tudo isto se associou a praga que atingiu os
canaviais a partir de 1873.
O cacau somente a partir da década de 1920 assume a posição
de carro-chefe da economia agrícola estadual fundando, por longo
período, a prosperidade do sul da Bahia, notadamente das cidades
de Ilhéus e Itabuna, responsáveis, até bem pouco, por mais de 60%
das exportações estaduais, embora sofrendo os efeitos de danosas
políticas do governo federal, da persistente tendência à deterioração
do câmbio, das pragas dos cacauais e da imprevidência dos produtores
em relação às oscilações dos preços no mercado externo14.
Um balanço do final do século XIX, realizado por Góis Calmon
(1978), indicava que a Bahia, a despeito dos ciclos de ascensão e
queda da sua economia comercial e agroexportadora, contava com
123 fábricas em atividade, sendo predominantes 12 grandes unidades
de tecidos da capital e do Recôncavo15; 3 de chapéus; 2 de calçados
(uma das quais, da Companhia Progresso Industrial, empregava 800
operários em Plataforma); 5 alambiques; 12 fábricas de charutos e 4
de cigarros; 5 fundições de ferro, bronze e outros metais; 9 grandes
engenhos centrais de açúcar; 7 fábricas de móveis e serrarias; 2 de
chocolate; 2 de cerveja; 10 de sabão e sabonetes; 6 de velas; 50 de

14 A riqueza produzida pelo cacau não se reverteu em benefícios tanto para a região produ-
tora quanto para o estado, pois grande parte do valor adicionado gerado por esta cultura foi
transferida para o Sudeste.
15 Segundo Stein (1957), existiam na Bahia, em 1875, 11 fábricas de tecidos, o que corres-
pondia a 37% do total existente no país. Uma década depois este número se eleva para 12,
mas a participação no total do país declina para 25%. Observe-se que, nessa época, S. Paulo
possuía apenas 9 fábricas. Apesar de esses números terem sido citados em Sampaio (1975),
este pesquisador trabalha com um número de 10 empresas que se fundiram em 5 sociedades
por ações entre 1887 e 189. Quanto ao porte, essas fábricas eram pequenas se comparadas a
similares existentes à época na Europa e na América do Norte. Contudo, para a Bahia e o Brasil,
constituíam grandes fábricas (SAMPAIO, 1975, p.53).

103
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

massas alimentícias; além de outras de camisas, rapé, gelo, óleos


vegetais, biscoitos, pregos, luvas finas, fósforos etc.16
Na capital, 64 firmas importadoras, 11 exportadoras (em
sua maioria de capital estrangeiro) e trinta casas de negócios em
comissão com- punham o comércio atacadista, fornecendo toda
sorte de produtos a 964 firmas de varejo
Mas o desenvolvimento industrial da economia baiana no século
XIX somente ocorreria, pelo menos em termos de um desenvolvimento
auto-sustentado, se as suas exportações se expandissem de forma
substancial gerando superávits que viabilizassem o poder de compra
das importações. Entretanto, isso não ocorreu17.
Também as limitações de um mercado interno incipiente,
produzido por um sistema não-monetário de base escravagista, a
carência total de suporte tecnológico18, a perda da representatividade
política a partir da primeira república e o domínio do capital agrário-
mercantil que comandou o estado até a metade do século XX e que
não se inclinava para as atividades manufatureiras, saciando-se as
elites locais com o consumo perdulário dos produtos importados
da Europa, condicionou e limitou os efeitos das iniciativas que
objetivavam a promoção do desenvolvimento da Bahia, contribuindo
decisivamente para a gradativa perda da sua importância no cenário
econômico do país.

O curto século XX:


a persistência do enigma

Pelo que foi demonstrado, o século XIX sinalizou claramente


a perda de competitividade da economia baiana vis-à-vis outras
regiões do país, notadamente as do Sudeste. No seu encerramento,
existiam no Brasil 903 estabelecimentos industriais, sendo 123 na

16 Existem controvérsias quanto a este número. Tavares (1966), numa relação de atividades
bastante genérica, relaciona 331 indústrias e profissões para o estado como um todo e 86
indústrias em Salvador. Azevedo (1975) por seu turno, relaciona 142 indústrias em 1892.
17 Segundo Sampaio (1975) a balança comercial baiana foi deficitária entre 1823 e 1860, já
Mattoso (1992), estende este período até 1887.
18 Uma deficiência crônica da Bahia, vigorante até os dias atuais.

104
FRAGMENTOS

Bahia, isto é, uma participação de 14%. Observe-se que, no período


de 1875-1890, contava a Bahia com quase a metade das fábricas do
país (SAMPAIO, 1975, p. 28). No caso específico da indústria têxtil,
possuía a Bahia, em 1866, 56% das fábricas existentes no país; em
1885, esta participação é reduzida para 40%.
A primeira metade do século XX é marcada pela estagnação
econômica. Neste sentido, Tavares (1966)19 registra uma relevante
diferenciação entre os avanços obtidos pelo estado na conformação
dos seus sistemas de transportes e energético, no crescimento
demográfico, na balança comercial externa, na receita tributária, na
melhoria urbana da capital e em muitos outros aspectos e a redução
da importância da indústria, comparativamente ao desempenho do
final do século XIX, quando tudo levava ao “prognóstico de que a
velha província manteria destacada posição no evoluir da indústria
no país” (p.5).
A partir de uma pesquisa em fontes diversas e dos dados
censitários de 1920 a 1940, o autor constatava então “uma
impressionante estagnação nas indústrias têxtil e fumageira e, doutra
parte (...), o desaparecimento do leque de empresas manufatureiras
que se abria multicolorido de esperanças naqueles primeiros anos
da República” (TAVARES, 1966, p.4). Este fenômeno, que Octávio
Mangabeira definiu como “o enigma baiano”20, comprovava-se
quantitativamente, como foi observado por Almeida (1977):

[...] a participação da Bahia no total da indústria nacional,


apurada no Censo de 1920, em capital aplicado (3,5
%), força motriz (4,0%), operários (5,7%) e produção
(2,8%), caiu no censo de 1940 para, respectivamente,
1,9; 2,3; 3, e 1.3 %. (ALMEIDA, 1977).

Os estudos de Tavares e Almeida apontam não apenas os


dados que indicam o processo involutivo da industrialização estadual

19 O problema da involução industrial da Bahia, publicado originalmente em 1963.


20 Para enfrentar o problema Mangabeira determinou a Ignácio Tosta Filho a realização de es-
tudos que culminaram com a elaboração do Plano de Ação Econômica para o Estado da Bahia
publicado em dezembro de 1948, dez anos antes do Plano de Desenvolvimento do Estado da
Bahia (Plandeb) elaborado sob a liderança de Rômulo Almeida.

105
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

até os anos 50, mas estendem-se na busca das suas causas e das
suas possíveis soluções, já em um cenário (o pós-guerra) em que
a perspectiva do planejamento econômico começava a evidenciar-
se como o elemento estrutural capaz de indicar os meios para a
superação da escassez dos recursos de capital e a dinamização das
atividades produtivas pelo uso racional das riquezas e da força de
trabalho. No dizer de Tavares (1966),

[...] estamos para advertir não propriamente uma


involução, mas antes a verificação de que as empresas
manufatureiras criadas não cresceram em virtude do
sistema econômico baiano, estruturalmente agrário-
mercantil. Com uma tal premissa, além de constatarmos
os pontos de estagnação comuns ao desenvolvimento
industrial de todo o Brasil – falta de capitais, carência
de força motriz, pobreza de mão-de-obra técnica,
deficiência do mercado interno–, salientamos a
subordinação das empresas industriais baianas às
grandes firmas comerciais, através do mecanismo da
consignação. (TAVARES,1966, p. 5).21

Também Almeida (1977) cita como razões principais para o


fato de o desenvolvimento da indústria no Sul não encontrar paralelo
na Bahia:

[...] o ritmo fraco de capitalização devido à decadência


política da Bahia na república, efeito e nova- mente
causa, as dificuldades de transportes e a carência
de energia, que, para vencê-las, não encontravam
recursos na economia colonial baiana, as quais terão
sido também causa de outra carência, a quase nula
imigração.22 (ALMEIDA, 1977, p. 72).

Indo mais além, Almeida (1977) reflete que essas causas,


intimamente relacionadas entre si, ainda o são com um outro fator,

21 Os grifos são nossos.


22 Idem.

106
FRAGMENTOS

qual seja, a falta de interesse dos ricos comerciantes da terra nos


empreendimentos da produção: “não tinham tirocínio industrial
e, com isso, o espírito de iniciativa e indústria, tão vivo e tenaz na
história ainda recente da Bahia, havia de desencorajar-se e evadir-se
(...), enquanto a indústria evoluía noutras partes”. (ALMEIDA, 1977).23
Por seu turno, Mariani (1977), em exposição aos oficiais da
Escola Superior de Guerra, em fins dos anos 50,24 sintetiza e amplifica
as considerações dos autores citados no seu diagnóstico da economia
estadual.
Mariani chama a atenção para a situação privilegiada da
Bahia nos séculos iniciais da colonização e a sua posterior decadência
econômica. Em seu entendimento, os primórdios dessa decadência
originam-se no século XIX quando se inicia a crise da cultura do açúcar
com os reflexos negativos em nosso comércio exterior, acelerando-
se com o fim da escravatura. Acreditava, contudo, que, com a nova
lavoura do cacau, a economia estadual recuperava-se, ensejando
a realização de várias obras de infra-estrutura. A Revolução de 30
(que chama de madastra)25 interrompeu o processo, notadamente
pela adoção de uma política cambial desfavorável à Bahia. Mariani
detém-se também no exame da política econômico-financeira oficial
do pós-guerra, concluindo que o monopólio do câmbio, iniciado com
a Revolução de 30 e mantido sob formas diversas, representou uma
perfeita espoliação dos recursos da Bahia, em benefício do governo
federal que, desse modo, obteve as divisas baratas, para atender
às suas necessidades administrativas, ou mesmo à sua política
econômica, geralmente traçada com absoluta insensibilidade para
com o interesse do estado e da sua população.26

23 Até os dias atuais discute-se a ausência de vocação empresarial industrial na Bahia, o que
tem levado à política de atração de empresários de outras regiões o que nem sempre tem
produzido os resultados esperados.
24 Divulgada sob o título de Análise do problema econômico baiano. Neste documento,
Mariani, contribui para o estabelecimento das linhas desenvolvimentistas do Estado.
25 O fato é que Getúlio Vargas, buscando modernizar o estado e acabar com a força do
“coronelismo”, marginalizou toda a oligarquia baiana, nomeando para governar a Bahia
interventores completamente estranhos ao stablishment político local.
26 Segundo Baer (1996, p. 297) O superávit de exportações do Nordeste para o exterior
resultante da industrialização centrada no Sudeste – o primeiro sendo obrigado a comprar do
segundo sob relações de troca menos favoráveis – implica uma transferência de renda da região

107
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

“... o monopólio do câmbio, iniciado


com a Revolução de 30 e mantido sob
formas diversas, representou uma perfeita
espoliação dos recursos da Bahia...”

Aguiar (1972), em trabalho dos anos 50, intitulado Notas sobre


o enigma baiano, também responsabilizava, entre outros fatores que
contribuíam para a estagnação da economia baiana, o desgaste do
intercâmbio comercial interno com a política cambial vigente no país,
agravando a tendência estrutural da deterioração da relação de preços
dos produtos exportados para os outros estados e das mercadorias deles
importadas; a escassa capacidade de poupança, decorrente destas causas
e o reduzido estímulo aos investimentos, em virtude de tais variáveis.
A segunda metade do século XX também comporta uma análise
periodizada. O primeiro período pode ser datado entre o final dos anos
1950 e meados da década de 1960, a partir de quando começam a surtir
efeito as medidas de política econômica adotadas após o movimento
militar de 1964.
Contribuíram para o desenvolvimento industrial do estado,
nesse período, alguns investimentos significativos, na construção da
Usina Hidroelétrica de Paulo Afonso, da Refinaria Landulpho Alves –
Mataripe (RLAM), na criação do Banco do Nordeste do Brasil (BNB) e da
Superintendência para o Desenvolvimento do Nordeste (Sudene).
No terreno das idéias, é de se registrar a efervescência intelectual
da década de 1950, que culminou com a edição do Plandeb, a criação
da CPE, etc.
Nesse período, o parque indutrial que se desenvolveu estava
concentrado no segmento das indústrias tradicionais, entre as quais
se destacavam as das classes de produtos alimentares, têxtil, fumo,
couros, peles e similares. Essa indústria estava vinculada à base agrário-
exportadora da Bahia e dependente das relações deste setor com o
mercado internacional.

mais pobre do país para a mais rica...No período de 1948 / 1960 foram transferidos mais de
US$ 413 milhões de capital...

108
FRAGMENTOS

Financiada pelo capital-mercantil, operava com baixa


renovação tecnológica e comprando tecnologia pronta ou utilizando
aquelas de domínio público, dependentes apenas do know-how
para o diferencial mercadológico. Em termos de comercialização da
produção, tinha o seu tamanho e condições de expansão e de escala
limitadas pela fragilidade do mercado regional.
Essa indústria não resistiu ao esforço modernizador da
economia brasileira, deflagrado com o Plano de metas, em 1956, e
gradativamente perdeu espaço para os competidores do Sudeste,
como foi o caso das fábricas de tecidos que compunham o parque
têxtil, nas décadas de 1930/1950.
Segundo Pedrão (1996):

Um aspecto fundamental da industrialização da Bahia,


que qualifica as perspectivas de desenvolvimento
industrial nos próximos anos, é a escassa participação
do Estado no tipo de industrialização que é geralmente
identificado no Brasil com a substituição de importações.
Uma análise retrospectiva permite observar que, no
período marcado pela predominância do mecanismo
de substituição de importações como elemento motor
da industrialização brasileira, basicamente de 1946
a 1967, a expansão da indústria na Bahia em seu
conjunto foi um movimento tímido, que se limitou a
incorporar alguns projetos industriais de pequeno e
médio portes, com tecnologia equivalente ou inferior à
média da produção nacional em cada caso.
Esta ausência da substituição de importações teria
tido efeitos negativos a médio prazo – portanto, sobre
a situação atual - que devem ser cuidadosamente
examinados. O atraso da Bahia no processo de
substituição de importações manifestar-se-ia na pouca
diversificação de seu parque industrial e, mais tarde,
explicaria as razões da elevada concentração dos
programas industriais. Observa-se, por exemplo, que
a participação do setor industrial no produto bruto do

109
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

Estado passou de 10,5% em 1939, sucessivamente, a


6,8% em 1947, a 13% em 1957, voltando a 7,6% em
1967, justamente quando se supõe que a substituição
de importações no Brasil já estava em declínio. Ao que
tudo indica, esta pouca participação na substituição
de importações estaria vinculada com as condições
de desenvolvimento do sistema financeiro na região
e com as transformações na própria estrutura da
empresa, afetando as operações financeiras, bem
como as industriais (PEDRÃO, 1996, p. 76-77).

Em síntese, o que ocorreu nesse período foi que a expansão


industrial baiana continuou carente de um impulso predominante
que rompesse com o esquema de economia regional estagnada,
característico do período de 1920 a 1950, que tantas inquietações
provocou na intelectualidade e nos governantes baianos. A ampliação
do parque industrial entre 1950/1964 não foi suficiente para sustentar
a “decolagem” a partir do aproveitamento significativo das matérias
primas regionalmente disponíveis.
O segundo período do processo de industrialização da Bahia
pode ser situado entre o final da década de 60 e o início dos anos
80, quando o Estado experimentou um notável ritmo de crescimento
econômico, com as taxas anuais médias de incremento do PIB
superiores a 7% a.a., atingindo 11,3%, em 1978, e 11,1% em 1980.
Nesse período, quatro fatores influenciaram o desenvolvimento
industrial, a saber:

a. o impacto inicial de uma política de industrialização,


fundamentada na construção dos distritos industriais do
Interior, do CIA e Copec na RMS, combinada com a atração
de investimentos mediante a oferta de externalidades
nestes distritos industriais;
b. o ingresso de substanciais transferências de recursos
federais, através do BNDE, da Secretaria de Planejamento
da Presidência da República (a fundo perdido) e do Sistema
Financeiro de Habitação, o que ativou o mercado regional

110
FRAGMENTOS

baiano, dada a realização de um impressionante conjunto de


obras de infra-estrutura física e urbano-social, de conjuntos
habitacionais e da montagem industrial, notadamente no
CIA / Copec, que expandiram consideravelmente a criação
de empregos;
c. a disponibilização de financiamento público preferencial,
através do sistema de incentivos fiscais federal e estadual,
que promoveu uma transferência considerável de empresas
da região Sudeste para a Bahia, mesmo que revertida
quando do esgotamento do prazo do benefício concedido;
d. d) a integração dos projetos baianos com os do governo
federal, notadamente no que se refere à petroquímica.

“A opção rodoviária implementada


coincidiu com o desmonte do sistema
ferroviário estadual.”

Nesse período, consolidou-se o plano rodoviário federal para


o Nordeste, com a pavimentação da BR-116 (Rio–Bahia) e BR-101
(Litorânea). Essas rodovias viabilizaram o modelo econômico regional
em construção, assegurando as condições para o escoamento dos
intermediários fabricados na Bahia em direção ao Sudeste, e o
abastecimento, por este, do Nordeste, com os produtos de consumo
final oriundos do seu moderno parque de indústrias. Entretanto,
a construção do complexo rodoviário estadual, que possibilitaria a
articulação das diversas regiões baianas, produzindo um impacto
positivo na integração e expansão do mercado regional, apesar de
planejada em 1950, não foi executada.27
A opção rodoviária implementada coincidiu com o desmonte
do sistema ferroviário estadual. A desativação da Estrada de Ferro

27 Essa lacuna no plano rodoviário estadual, que persiste até os dias atuais, implica numa séria
ameaça territorial para a Bahia, que vê a possibilidade de parte considerável do oeste baiano
ser polarizado pelo eixo ferroviário programado pela Ferronorte que ligará o Porto do Itaqui no
Maranhão ao Planalto Central.

111
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

de Nazaré e do Porto de São Roque do Paraguaçu, na baía de Todos


os Santos, implicou na desarticulação do sistema de transportes
que sustentara a produção têxtil e fumageira estadual. Com isso,
ficaram isoladas as bacias do Jaguaribe e do Jiquiriçá, indiretamente
desestimulando o crescimento da região Sudoeste do Estado,
cortando-se a relação interna entre a indústria têxtil e sua região
supridora de matérias-primas.28 Contudo, esse período foi o mais
importante da história econômica recente da Bahia e o seu movimento
de industrialização, segundo a estratégia concebida no Plandeb, foi
conduzido pela implantação das principais indústrias dinâmicas do
estado, como as da petroquímica (Copec/CIA), as metalúrgicas Usiba,
Sibra e Alcan (no CIA) entre outras, produtoras de bens intermediários
que, de uma participação da ordem de 43% no valor bruto da
produção estadual em 1959, passaram para 80% nos anos 80.
Abstraindo a indústria químico-petroquímica, que gradativamente
dominou a economia industrial do Estado, destacavam-se, nesse período,
como segmentos altamente promissores, o siderúrgico e, sobretudo, os
da metal-mecânica e elétrica.
Entretanto, na década seguinte, o setor siderúrgico acabou
não prosperando pela prioridade conferida pelo governo federal
aos projetos desse setor implantados na região Sudeste. O mesmo
ocorreu com a metal-mecânica cuja limitação, na Bahia, não foi
apenas de volume da demanda, mas de sua capacidade de estimular
sua renovação e ampliação. Na ausência de uma indústria de bens de
capital, como as de veículos ou a naval, com as quais se integrasse em
relação de complementaridade, ficou a metal-mecânica em completa
dependência da indústria do petróleo. Só podia renovar seu capital
e aprofundar sua especialização na medida em que a Petrobras
sustentasse suas compras, o que acabou não ocorrendo.
Isto posto, o sistema industrial na Bahia estruturou-se com base
no conjunto das vantagens embutidas na oferta de insumos derivados
de combustíveis e de uma oferta crescente de energia hidrelétrica que
sustentou a articulação operacional do complexo petroquímico. O uso

28 Posteriormente, em 1996, a Rede Ferroviária Federal – Leste Brasileiro, 7ª Região, que aten-
dia ao Estado da Bahia, Sergipe e Minas Gerais, com 1.905 km de linhas, foi privatizada. Atual-
mente o sistema está inoperante e completamente sucateado (SPINOLA, 2005).

112
FRAGMENTOS

maciço de energia a preços administrados representou um subsídio


significativo que operou a favor das empresas petroquímicas, usuárias
desses energéticos, comparando-se com a estrutura de custos das
demais empresas.29
O terceiro estágio do processo de industrialização da Bahia
inicia-se na metade dos anos 80, quando as transformações da
economia nacional, nas décadas de 1980 e 1990, refletiram o que
tem sido denominado “décadas perdidas” para o desenvolvimento
econômico da quase totalidade da América Latina. Na década de
1980, a economia brasileira ficou na dependência dos reajustes
impostos pelas duas crises mundiais do petróleo, que funcionaram
como indutoras de um reordenamento muito mais amplo dos
controles internacionais de mercado, a partir de grandes políticas de
gestão energética nos países mais ricos, do controle do consumo de
energia e do desenvolvimento da informática.
Com a introdução dos processos de automação e a realização
de investimentos maciços em técnicas de conservação de energia e de
energéticos, os países mais industrializados deslocaram as condições
internacionais de concorrência, abriram novas oportunidades de
investimento em renovação tecnológica e, especificamente, nas
tecnologias guiadas pela proteção do meio ambiente. Atualizar-se
tecnologicamente tornou- se mais caro, para países e empresas,
levando os mais ricos a estratégias que evoluíram ao longo desse
período, desdobrando-se de diversos modos, no sistema de produção,
estabelecendo, conseqüentemente, consideráveis vantagens
competitivas vis-à-vis os países em processo de desenvolvimento.
Esses fatores obrigaram as empresas a uma reorganização
produtiva muito maior que a indicada por suas necessidades de
reposição de capital. Por sua vez, isso determinou um atraso no
atendimento de necessidades sociais, acumulando uma dívida
pública, externa e interna, que, com os custos sociais da própria
política de estabilização, tomou a forma de uma dívida social que
se projetou sobre os anos seguintes até a atualidade. Para os países
subindustrializados como o Brasil, essa pressão adicional traduziu-

29 Cifras do balanço energético estadual para 1993 indicavam que os grandes compradores
de energia pagavam preços que equivaliam a um terço dos custos de produção desse insumo.

113
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

se numa ampliação de seu atraso relativo em investimentos em


infra-estrutura, limitando sua capacidade de competir em mercados
internacionais. A despeito da crise econômica das décadas de
1980/1990, manteve-se a predominância do segmento químico e
petroquímico que determinou o perfil da indústria metal-mecânica e
elétrica e condicionou, inclusive, as pequenas empresas dos ramos de
serviços. Esse parque industrial ganhou dimensões que lhe permitiram
substituir a produção cacaueira como líder da economia estadual. Em
1995, representava 12% do PIB e 25% da arrecadação do estado,
com uma produção de 5 milhões de t/ano, representando uns 55% da
produção nacional. Gerava cerca de 17 mil empregos diretos e 9 mil
indiretos, apesar de ter então caído do patamar de 26 mil empregos
diretos e 27 mil indiretos registrados em 1986, segundo os registros
da SICM / Sudic.
Em 1996, a despeito do seu valor bruto da produção ter
correspondido a apenas 59% do registrado em 1980, as indústrias
do pólo petroquímico acusaram resultados favoráveis, apesar da
contenção de seus lucros, causada pela elevação dos preços da nafta.
As vendas do complexo, em relação a 1995, aumentaram em 6%,
permanecendo a Copene como maior empresa da Bahia, com uma
receita líquida de R$ 1,1 bilhão. Suas exportações foram 27% maiores
que as do ano anterior. A elevação da capacidade de produção de
eteno para 1,1 milhão de t /ano foi concretizada. A privatização desse
setor foi marcada por uma intensa atividade dos grupos empresariais
na busca de composições acionarias que lhes assegurassem a
sobrevivência e perspectivas de crescimento nos anos subseqüentes
do século XXI, o que de fato vem ocorrendo notadamente na expansão
em direção a outras regiões do país, como as do cone Sul.

“... a elevada mortalidade de empresas,


notadamente no Centro Industrial de Aratu –
CIA, se deveu, também, à gestão insatisfatória
dos negócios...”

114
FRAGMENTOS

Vale ainda observar que a tentativa de industrialização


polarizada na Bahia, de fato realizada na década de 1970, surgiu
justamente quando se acelerava o reordenamento mundial da
produção industrial, ficando portanto, previamente condenada a um
envelhecimento tecnológico precoce, que foi reforçado pela estrutura
organizada a partir do sistema tripartite de constituição do capital
das empresas e sustentado pelo oligopólio do sistema Petroquisa,
que garantiu preços subsidiados de matéria prima (nafta). O peso
relativo do valor da matéria prima na composição dos custos dessas
empresas, retirado o subsídio, compromete a sua competitividade
em um mercado do capital globalizado.
Por outro lado, a elevada mortalidade de empresas, registrada
nos distritos industriais da Bahia, notadamente no Centro Industrial
de Aratu – CIA, ao longo desse período, não se deveu somente
ao encerramento de uma fase de aproveitamento especulativo
dos subsídios e dos incentivos fiscais, mas, também, a autênticos
problemas de administração de empresas, que vão desde a gestão
insatisfatória dos negócios e da inadequação tecnológica dos
processos e equipamentos às dificuldades de financiamento.

“... a industrialização na Bahia passou,


novamente, a depender diretamente de
ajustes na economia nacional...”

Os problemas hoje enfrentados na promoção de novas empresas,


sob diversas formas, enfrenta, precisamente, essas questões que ligam a
eficácia gerencial com o quadro de financiamento e os usos adequados
de tecnologia.
Mas o endurecimento do ambiente competitivo internacional,
paralelamente à perda de capacidade de financiamento do Estado, pôs
a nu as dificuldades internas, tanto as do próprio setor petroquímico,
para subsidiar a indústria polarizada, como problemas de gestão das
empresas, decorrentes do desenho institucional e das bases culturais das
empresas envolvidas nesse processo. Verificaram-se perdas substanciais

115
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

de diversas empresas e várias falências, no trajeto, que levaram ao


reordenamento da capitalização e da operacionalidade do setor.
Entre 1980 e 2000 a indústria baiana sobreviveu num ambiente
de mudança de mercado, em que passou de uns 80% de vendas
a um mercado interno oligopolizado, a ter que vender proporção
equivalente concorrendo no ambiente internacional controlado por
produtores de maior porte.
Isso significa que, nesse período, a industrialização na
Bahia passou, novamente, a depender diretamente de ajustes na
economia nacional em um dos seus setores mais sensíveis, no qual
o realinhamento do capital se fez mediante investimentos de alta
densidade de capital e alta tecnologia.
Por extensão, isto significa ainda que o perfil da indústria
implantada no complexo de Camaçari rapidamente tornou-se parte
dos movimentos mais acelerados de concentração de capital no país.
O quarto estágio do processo de desenvolvimento industrial
da Bahia começa no alvorecer século XXI com o advento de um
parque automobilístico (Projeto Amazon /Ford). Mas ainda é cedo
para uma análise, registrando-se apenas a grande esperança que vem
despertando no meio técnico governamental.

Conclusão

Quando se discute a questão do desenvolvimento econômico,


neste conceito integralmente contidos os resultantes de um processo
de redução da pobreza a níveis toleráveis, a erradicação da miséria e
o estabelecimento de melhores condições de distribuição da riqueza
no conjunto da população, conclui-se que, no alvorecer do século
XXI, a Bahia não conseguiu atingir o patamar de desenvolvimento
social sonhado pelos seus planejadores e sucessivos governantes.
O conjunto de acontecimentos da nossa história aqui relatado
explica o fenômeno com que nos deparamos. Acresce ressaltar
a nossa formação humanista nos primórdios da colonização,
fortemente influenciada pelos colégios jesuítas, que nos legaram o
espírito bacharelesco que dominou as nossas elites dirigentes até,

116
FRAGMENTOS

pelo menos a segunda metade do século XX.30 Essa elite, de formação


eminentemente jurídica, aliada aos representantes do comércio
exportador – importador e aos grandes produtores agrícolas,
dominou a máquina governante do império durante todo o século
XIX e foi responsável por uma política liberal que abortou todas as
possibilidades de uma emancipação manufatureira tanto do Brasil
quanto, particularmente, da Bahia, um estado eminentemente
agrário até a década de 1960.

Bomfim (1993) não deixa de ter razão quando afirma:

Por toda a América do Sul, o mundo intelectual é feito


de bacharéis; o indivíduo é bacharel sem o querer, por
força da tradição. Médicos, engenheiro, juristas, críticos,
financeiros, guerreiros são todos bacharéis – espíritos
puramente livrescos, escravos das fórmulas, guindados
às ilusões soporíficas do absoluto. O prestígio dos
axiomas, dos conceitos e sentenças é incontrastável,
absolutamente tirânico. É fetichismo. Diante de uma
fórmula, o individuo para, suspende o raciocínio, quebra
a resolução, desanima e, dominado pelo respeito à
fórmula consagrada, é incapaz de reagir, de avançar para
o bonzo, e analisá-lo, para ver o que ali existe de justo e
de exato. Portugal explorava o Brasil, e, para garantir uma
exploração fácil e completa determinou que a colônia
fosse exclusivamente agrícola; assim foi, e a tradição ficou.
Um dia, um estadista retórico, cujas idéias políticas eram
essas mesmas – do estado colonial – formulou: O Brasil
é uma nação essencialmente agrícola. Foi o bastante, e
assim ficou consagrada a rotina econômica; ninguém
teve coragem de tomar esta inépcia, e mostrar quanto é
idiota e irracional o conservar-se um país, qualquer que
ele seja, como puramente agrícola. (MANOEL BOMFIM,
1993, p. 174).

30 Vem daí nossa resistência às atividades manuais, consideradas indignas dos “homens bons”
e, conseqüentemente,a nossa dificuldade para o desenvolvimento de manufaturas e tecnologia.

117
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

Na prática, não fomos simplesmente uma colônia. Mais que


isto, desde o malfadado tratado de Methuen, firmado entre Portugal
e a Inglaterra, em 1703, fomos, do ponto de vista econômico, colônia
de uma colônia, posto que os portugueses, a partir desta época,
abdicaram por eles e por nós, da possibilidade de industrializar-se.
A confirmação desse padrão de dependência econômica e
de subdesenvolvimento e a perspectiva da sua irreversibilidade são
demonstradas por Arrighi (1997) que, citando Harrod, fala da divisão
da riqueza pessoal em dois tipos que estão separados por obstáculos
intransponíveis.
O primeiro deles refere-se à riqueza democrática que
constitui “um domínio sobre os recursos que, em princípio,
está disponível para todos em relação direta com a intensidade
e eficiência de seus esforços” (ARRI- GHI, 1997, p. 216). O segundo
tipo é constituído pela riqueza oligárquica que nada tem a ver com a
intensidade e a eficiência de quem a possui e nunca está disponível
para todos, por mais intensos e eficientes que sejam seus esforços.
Isso se demonstra pelo conceito de troca desigual que explica
não podermos todos ter domínio sobre produtos e serviços que
incorporam o tempo e o esforço de mais de uma pessoa de eficiência
média. “Se alguém o tem, isso significa que uma outra pessoa está
trabalhando por menos do que ele ou ela deveria controlar, se todos
os esforços de igual intensidade e eficiência fossem recompensados
igualmente” (ARRIGHI,1997, p. 216). Assim, o uso ou o gozo da
riqueza oligárquica pressupõe a eliminação de outros. O que cada
um de nós pode realizar não é possível para todos.
Segundo Arrighi, ao transpormos esse raciocínio para a análise
dos sistemas mundiais (e regionais), numa economia capitalista
encontramos um problema de “adição” semelhante e muito mais
sério do que aquele que enfrentam os indivíduos quando buscam
obter riqueza pessoal. “As oportunidades de avanço econômico, tal
como se apresentam serialmente para um Estado de cada vez, não
constituem oportunidades equivalentes de avanço econômico para
todos os Estados” (ARRIGHI, 1997, p.217). Como afirma Wallerstein
(1988), desenvolvimento neste sentido é uma ilusão. Ou seja, a
riqueza dos estados do núcleo orgânico (o chamado Primeiro Mundo,

118
FRAGMENTOS

em termos globais, a região Sudeste, no caso brasileiro) é análoga à


riqueza oligárquica de Harrod. Essa riqueza não pode ser generalizada
porque se fundamenta em processos de exploração e de exclusão
que pressupõem a reprodução contínua da pobreza da maioria da
população num contexto regional.
Por outro lado, como demonstra Santos (1979), ao tratar
dos circuitos superior e inferior que constituem os espaços urbanos
nas regiões subdesenvolvidas, a pobreza absoluta ou relativa dos
estados semi-periféricos (Brasil Sudeste em relação ao primeiro
mundo) e periféricos (Brasil Nordeste em relação ao Brasil Sudeste)
induz continuamente suas elites a participar da divisão internacional
do trabalho por recompensas marginais que deixam o grosso dos
benefícios para os integrantes dos estados do núcleo orgânico.

“Com todos os percalços a Bahia cresceu


economicamente na segunda metade do
século XX, mas não se desenvolveu.”

Segundo Arrighi (1997) a luta contra a exclusão leva à busca


de um nicho comparativamente seguro na divisão internacional
do trabalho, o que induz os estados semiperiféricos a uma maior
especialização em atividades onde possam obter algum tipo de
vantagem competitiva o que leva a uma relação de trocas desigual
(deteriorização dos termos de intercâmbio) na qual o estado semi-
periférico fornece mercadorias que incorporam mão-de-obra
mal remunerada para os estados do núcleo orgânico em troca de
mercadorias que incorporam mão de obra bem remunerada e a uma
exclusão mais completa dos estados periféricos das atividades nas
quais o estado semiperiférico busca maior especialização.
Na luta pela reversão desse estado de coisas, que mobilizou
o que tinha de melhor a inteligência econômica baiana, Manoel
Pinto de Aguiar, certamente um homem adiante do seu tempo, já
dizia, em 1972, que “aqueles Estados que conseguiram, à força de
labuta e esforço, uma taxa de crescimento maior que a nossa lutarão

119
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

certamente para conservá-la. E se a nossa subordinação econômica


for um elemento importante para isto, tentarão mantê-la” (AGUIAR,
1972). Como, de fato, a têm mantido.
Concluindo, volta-se ao enigma. Com todos os percalços a
Bahia cresceu economicamente na segunda metade do século XX,
mas não se desenvolveu. Agora surge novo debate sobre a questão
na medida em que não se pode mais ocultar o quadro de pobreza e de
desigualdade social que castiga a maior parcela da população baiana.
E surgem propostas, no mínimo exóticas, como a da construção de
uma nova capital no centro geográfico do estado como forma de
solucionar o enigma que persiste no século XXI31. Dará certo?

31 Não será de estranhar se uma proposta desta natureza acabar por ser implementada.
Afinal constitui uma grande oportunidade para os grandes empresários capitalistas baianos
vinculados ao setor financeiro e da construção civil abrirem novos portais em seus processos
de acumulação de capital.

120
FRAGMENTOS

Referências

AGUIAR, Manoel Pinto de. Notas sobre o enigma baiano. Planejamento,


Salvador, v. 5, n. 4, p. 123-136, out. / dez. 1972.

ALBAN, Marcus. O novo enigma baiano, a questão urbano-regional e a


alternativa de uma nova capital. In: XI ENCONTRO NACIONAL DA ANPUR,

11., Salvador, 23 -27 de maio de 2005.

ALMEIDA, Rômulo.Traços da história econômica da Bahia no último século e


meio. Planejamento, Salvador, v. 5, n. 4,

p. 19-54, out. / dez. 1972.

AVENA, Armando. Bahia: um salto na economia. Correio da Bahia, Salvador, 24


jul. 2005.

ARRIGHI, Giovanni. A ilusão do desenvolvimento. Petrópolis: Vozes, 1997.

AZEVEDO, José Sérgio Gabrielli de. Industrialização e incentivos fiscais na Bahia;


uma tentativa de interpretação histórica. 1975. Dissertação (Mestrado em
Economia) – Faculdade de Ciências Econômicas, Universidade Federal da Bahia,
Salvador.

BAER, Werner. A economia brasileira. São Paulo: Nobel, 1996.

BOMFIM, Manoel. A América Latina: males de origem. Rio de Janeiro: Topbooks,


1993.

CALMON, Francisco Marques de Góes. Vida econômico-financeira da


Bahia: elementos para a história de 1808 a 1899. Salvador: CPE, 1978.
FURTADO, Celso. Formação econômica do Brasil. Rio de Janeiro: Fundo de
Cultura, 1959.

LIMA, Heitor Ferreira. Formação industrial do Brasil. Rio de Janeiro: Fundo de


Cultura, 1961.

MARIANI, Clemente. Análise do problema econômico baiano. Salvador:


Planejamento, Salvador, v. 5, n. 4, p. 55 -121, out. / dez. 1977.

MATTOSO, Kátia M. de Queirós. Bahia século XIX: uma província no Império.


Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1992.

NASCIMENTO, Anna Amélia Vieira. Memória da Federação das Indústrias do


Estado da Bahia. Salvador: FIEB, 1997.

121
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

PEDRÃO, Fernando Cardoso. A industrialização na Bahia – 1950 a 1990.


Salvador, 1996.

PELAEZ, Carlos Manuel; SUZIGAN Wilson. História monetária do Brasil.

Brasília: Universidade de Brasília, 1976.

RANGEL, Ignácio. O desenvolvimento econômico no Brasil. Rio de Janeiro:


Contraponto, 2005. (Obras reunidas)

SAMPAIO, José Luiz Pamponet. A evolução de uma empresa no contexto da


industrialização brasileira: a Companhia Empório Industrial do Norte, 1891 –
1973. Salvador: UFBA, 1975.

SANTOS, Milton. O espaço dividido: os dois conceitos da economia urbana dos


países subdesenvolvidos. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1979.

SIMONSEN, Roberto. História econômica do Brasil. 2. ed. Rio de Janeiro:


Nacional, 1944.

SPINOLA, Noelio Dantaslé. Análise da política de localização industrial no


desenvolvimento regional: a experiência da Bahia. 2000. 356 f. Tese (Doutorado
em Geografia) – Universidad de Barcelona, Barcelona.

STEIN, Stanley J. The Brazilian cotton manufacture: textile enterprise in an


underdeveloped area – 1850 – 1950.

Cambridge: Howard University Press, 1957.

TAVARES, Luís Henrique Dias. História da Bahia. Salvador: EDUFBA, 2001.

—————. O problema da involução industrial da Bahia. Salvador: UFBA, 1966.

TOSTA FILHO, Ignácio. Plano de ação econômica para o Estado da Bahia.


Salvador, 1948.

VIANNA, Luiz. Mensagem a Assembléia Geral Legislativa da Bahia em 7 de


abril de 1900. Salvador: Typ. do Correio de Notícias, 1900. (Arquivo Público do
Estado da Bahia, 2005)

VIEIRA, Severino. Mensagem a Assembléia Geral Legislativa da Bahia em 7 de


abril de 1903. Salvador: Typ. do Correio de Notícias, 1900 (Arquivo Público do
Estado da Bahia, 2005)

WALLERSTEIN, Immanuel. Develop- ment: lodestar or illusion? Economic and


Political Weekly, Cambridge University Press, v. 23, n. 39, p. 2017-2023, 24
Sept.1988.

122
FRAGMENTOS

ARTIGO

O PLANDEB
UMA ANÁLISE HISTÓRICA

03
123
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

124
FRAGMENTOS

O PLANDEB. Uma Análise Histórica


Noelio Dantaslé Spinola1

Resumo
Este artigo rememora o maior projeto de planejamento econômico
realizado na Bahia e que neste ano completa meio século da sua
edição. Trata-se do Plano de Desenvolvimento do Estado da Bahia
– Plandeb elaborado pelos técnicos da Comissão de Planejamento
Econômico da Bahia – CPE, no governo de Antonio Balbino de
Carvalho Filho, sob a liderança do economista Rômulo Barreto de
Almeida. Numa época em que se comemora a produção do relatório
do GTDN elaborado por Celso Furtado, nada mais justa a recordação
deste plano que jamais foi igualado nas experiências de planejamento
baianas.

Palavras – chave: planejamento regional, economia baiana,


desenvolvimento regional.

Abstract
This article resembles the major economic planning project that was
accomplished in Bahia and now celebrates half a century. This is about
the State of Bahia Development Planning - Plandeb, that was developed
by the Economic Planning Comission´s technicians - CPE, during the
Antonio Balbino de Carvalho Filho government, under the economist
Romulo Barreto de Almeida leadership. At the time in which we celebrate
the GTDN report produced by Celso Furtado, it is fair enough to bring to
attention the recall of this unparalleled plan that was never matched by
later planning experiences that took place in Bahia.

Keywords: regional planning, Bahia economy, regional development.

1 Doutor em Geografia pela Universidade de Barcelona. Professor do Mestrado e do Doutorado


em Desenvolvimento Regional e Urbano da Universidade Salvador – Unifacs.E-mail: dantasle@
uol.com.br

125
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

126
FRAGMENTOS

Introdução

Cinquenta anos transcorridos da sua apresentação oficial à


Assembléia Legislativa do Estado da Bahia, pelo governo de Juracy
Magalhães (1958/1962) o Plano de Desenvolvimento do Estado
da Bahia – Plandeb, elaborado no governo de Antonio Balbino de
Carvalho Filho (1954/1958) por Rômulo Barreto de Almeida e uma
competente equipe técnica2, não recebeu dos governos baianos
que passaram por este longo período a divulgação merecida. Juracy
não simpatizava com Rômulo e o carlismo, que dominou a Bahia
até 2006, consideravam-no e a sua equipe como personae non
gratae. Disso tudo resultou ficar o plano esquecido na biblioteca da
Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais (SEI), consultado
por um número reduzido de pesquisadores e distante do grande
público acadêmico a quem muito teria servido pela detalhada análise
que fez da economia baiana e da suas limitações e pela demonstração
de um método de planejar que sequer foi copiado posteriormente3.

Este artigo sintetiza um capítulo do livro A trilha perdida:


caminhos e descaminhos da economia baiana4, editado em 2009,
onde se busca corrigir uma injustiça perpretada pelos caprichos do
mandonismo político baiano.

Antecedentes

A Bahia foi o primeiro Estado brasileiro a desenvolver a atividade


de planejamento do seu desenvolvimento econômico. Seguindo a

2 Integrada por: Américo Barbosa de Oliveira (BNDE), Aristeu Barreto de Almeida (BNB/ETENE),
Arthur Levy (Petrobrás), Domar Campos e Sidney Lattini (SUMOC), Lawrence Barber, Gerson da
Silva, Teixeira Dias e Danin Lobo (EBAP/FGV), Renato Martins (MA) e T.Pompeu Accioly Borges
(BNB), entre outros. Também colaboraram com o plano, sem integrar a equipe, Ignácio Tosta
Filho, Clemente Mariani e Pinto de Aguiar.
3 O Plandeb deve ser lido em conjunto com outro estudo intitulado Situação e problemas da
Bahia – 1955: recomendações de medidas de governo, que constitui seus termos de referência
e foi maldosamente apelidado à época pelo jornal A Tarde de Pastas Cor de Rosa.
4 Publicação da Editora da Unifacs, disponível em ppdru@unifacs.br (71-32738528) e edito-
ra@unifacs.br (71-32738515)

127
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

tradição de José da Silva Lisboa, o Visconde de Cayru, que, no início


do século XIX, editou os seus Princípios de economia política em que
buscou difundir as idéias do clássico a Riqueza das nações, num esforço
pouco feliz de compatibilizar o pensamento liberal de Adam Smith
com a cultura vigente em uma economia escravagista, e, em 1925, de
Francisco Marques de Góes Calmon, um sutil analista das perspectivas
econômicas da Bahia no período de 1808 a 18895, despontou no com
o surgimento de uma geração de estudiosos das questões econômicas
que contribuiu de forma decisiva para a formação de um ambiente
intelectualmente favorável à estruturação do planejamento regional.
Ressalte-se que, nessa época, também influenciou o processo de
estruturação do planejamento o intercâmbio de experiências com
diversas instituições científicas e técnicos estrangeiros, notadamente
dos Estados Unidos da América.

No primeiro plano, destacaram-se personalidades como


Rômulo de Almeida, Ignácio Tosta Filho, Edgard Santos, Manoel Pinto
de Aguiar, Américo Barbosa de Oliveira, Miguel Calmon du Pin e
Almeida Sobrinho, Clemente Mariani Bittencourt, Thales de Azevedo,
Luís de Aguiar Costa Pinto e Milton Santos, entre muitos outros que
aqui fizeram escola, funcionando como multiplicadores de idéias no
Instituto de Economia e Finanças, na Faculdade de Ciências Econômicas
da Universidade Federal da Bahia, e na Associação Comercial da
Bahia. 6 No interior do Poder Executivo, a preocupação com o
planejamento do desenvolvimento estadual teve início na década de
1930, na interventoria de Juracy Magalhães (1931/1935) 7 que, com a
colaboração de Ignácio Tosta Filho, criou o Programa das autarquias,
o qual instituía o sistema de defesa e fomento da produção agrícola
supervisionado pelo Instituto Central de Fomento Econômico, criado
em 1937 e que posteriormente seria transformado no Banco do Estado

5 CALMON, Francisco Marques de Góes. Vida econômica – financeira da Bahia: elementos para
a história. (1808 a 1899). Salvador: Imprensa Oficial do Estado, 1925.
6 Para uma visão mais abrangente das equipes técnicas que contribuíram para o planejamento
da Bahia, no período de 1950 a 1960 ver Souza e Assis (2006).
7 Juracy Magalhães governou a Bahia durante a Revolução de 1930, no período compreendido
entre 19 de setembro de 1931 e 10 de novembro de 1937, quando rompeu com Getúlio Vargas.
Entre 1931 e 1935 permaneceu como interventor. Entre 1935 e 1937 como governador, eleito
que foi, indiretamente, pela Assembléia Legislativa do Estado da Bahia.

128
FRAGMENTOS

da Bahia (Baneb). Nesse período, também são criados o Instituto de


Cacau da Bahia (ICB) (1933), o Instituto Bahiano do Fumo (1935), a
Cooperativa Central Instituto de Pecuária e, por particulares, o Instituto
de Economia e Finanças da Bahia (IEFB) (1935) que viria a ser o núcleo
dinamizador do ensino de economia na Bahia. 8 Em termos políticos,
a Constituição Estadual de 1947, em seu Art. 115, já previa a criação
do Conselho Estadual de Economia e Finanças (CEE), o que ocorreu
através da lei n. 155 de 31.12.1948, com amplas atribuições nas áreas
de planejamento e de incentivos ao desenvolvimento. Entretanto, o
CEE nunca foi instalado.

Em 1949, o governador Octávio Mangabeira mandava o


economista Ignácio Tosta Filho elaborar um Plano de ação econômica
para o Estado da Bahia, documento editado pela Imprensa Oficial, em
três volumes, porém pouco conhecido e que, na prática, resultou na
reestruturação do ICB e em um conjunto de recomendações para obras
de infraestrutura voltadas para a economia estadual, assim como o
projeto de criação do Banco da Produção – que deveria substituir o
Instituto Central de Fomento Econômico, fato que, entretanto, não
ocorreu.

Contudo, a primeira tentativa de planejamento econômico


global e criação de um sistema estadual de planejamento teve
início com a integração dos esforços do IEFB, da Universidade
Federal da Bahia e Secretaria da Fazenda do governo do Estado,
sob a liderança de Rômulo Almeida, ainda no governo de Antônio
Balbino. (1955-1959). Em 27 de maio de 1955, o decreto n.
16.261 criava o Conselho de Desenvolvimento Econômico da Bahia
(Condeb) e a Comissão de Planejamento Econômico da Bahia (CPE)

8 Pedrão (2000, p.7) informa que o Instituto de Economia e Finanças da Bahia era uma socie-
dade civil criada em 1937 por um grupo de economistas baianos, que manteve uma sede com
uma biblioteca e uma revista, dirigida por Daniel Quintino da Cunha. Em 1955, foi ativado por
Rômulo Almeida, que o instalou, primeiro em dependências da Escola de Enfermagem da UFBA
e depois ocupando o quarto andar do prédio da Faculdade de Ciências Econômicas da UFBA.
Entre 1955 e 1963, recebeu importantes contribuições de Anibal Villela, John Friedmann e Ar-
mando Mendes. De 1960 a 1962, foi dirigido por Manoel Pinto de Aguiar. Produziu quantiosa
documentação de pesquisa, apoiando o ensino de economia. Suas operações ficaram pratica-
mente encerradas em 1963.

129
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

que atuaria como sua Secretaria Executiva.

A CPE surgiu com o objetivo de diagnosticar a economia


baiana, conceber programas e projetos e institucionalizar o sistema
de planejamento estadual, tendo sido responsável pela elaboração do
Programa de Recuperação Econômica da Bahia entre dezembro de
1954 e abril de 1955, e, posteriormente o Plano de desenvolvimento
da Bahia (Plandeb), concluído em 1959. A CPE tem uma longa história
na estrutura administrativa do Estado, como atesta a SEI (BAHIA – SEI,
2006, p. 6) em seu histórico:

A idéia de instituir um órgão responsável pela elaboração


de estudos e pesquisas que subsidiasse o planejamento
governamental efetivou-se com a criação da Comissão
de Planejamento Econômico (CPE) - pelo Decreto
n° 16.261 em maio de 1955 – dirigida inicialmente
pelo economista Rômulo Almeida. Como órgão de
estudo, planejamento, coordenação e controle, a CPE
constituiu-se na primeira experiência institucional
de planejamento no Brasil, sendo responsável pela
realização de importantes estudos e projetos no Estado
da Bahia. Em face dos bons resultados alcançados pela
CPE, o Governo do Estado transformou-a em Fundação
Comissão de Planejamento Econômico, dando- lhe,
além de maior autonomia por meio do Decreto n°
17.260 de janeiro de 1959, novas atribuições como
a de “realizar estudos, pesquisas, projetos, análises
e trabalhos” solicitados pelo Governo. Por conta da
reforma administrativa, em 1966 a CPE passa a se
intitular Fundação de Planejamento (CPE). Nessa mesma
data, é criado o Departamento Estadual de Estatística
(DEE), com o encargo de realizar análises/econômicas.
Em 1973, a instituição recebe o nome de Departamento/
de Geografia e Estatística (DGE), assumindo a função de
realizar levantamentos geográficos no Estado. No ano
de 1975, é extinto o DGE, assumindo suas atribuições
a Fundação Centro de Planejamento da Bahia (CEPLAB).

130
FRAGMENTOS

Simultaneamente, a Fundação de Planejamento (CPE) é


nomeada Fundação de Pesquisas (CPE). Agregando novas
atribuições, em 1979 a CPE passa a chamar-se Fundação
Centro de Pesquisas e Estudos (CPE), denominação que
manteria até o ano de 1980, quando é extinta juntamente
com o CEPLAB, sendo suas funções absorvidas pelo
recém criado Centro de Planejamento e Estudos (CPE).
No ano de 1983, o Centro de Planejamento e Estudos
é nomeado Centro de Estatísticas e Informações (CEI),
criando-se, em paralelo, o Centro de Projetos e Estudos
(CENPES), transformado em 1997 na Fundação Centro
de Projetos e Estudos (CPE). Em 04 de maio de 1995,
por força do Decreto n° 4.177 ocorre a fusão entre
a Fundação Centro de Projetos e Estudos (CPE) e a
autarquia Centro de Estatísticas e Informações (CEI),
instituindo-se, então, a Superintendência de Estudos
Econômicos e Sociais da Bahia (SEl), que se constitui,
atualmente, no principal provedor de dados do
Estado (grifos nossos).

Em 1961, já no governo de Juracy Magalhães, foi criado


o Conselho de Desenvolvimento Industrial (CDI), com o objetivo de
estudar e aplicar incentivos fiscais e estaduais à indústria.

O plano

O planejamento na Bahia foi sempre de natureza indicativa. O


Plandeb, por exemplo, não foi aprovado pela Assembléia Legislativa
e enfrentou reações contrárias dentro da própria equipe do governo
Juracy Magalhães (1959-1963). As causas desta rejeição decorreram da
resistência da classe política do Estado, bastante atrasada à época9, e ao
predomínio de uma velha estrutura de poder que via no planejamento
uma séria ameaça de limitação da sua autoridade e poder10.

9 Não progrediu nesses cinquenta anos. Há quem pense que até piorou.
10 Jamais poderia um sistema político baseado no poder dos seus “caciques” de realizar obras
em suas bases eleitorais mediante emendas apresentadas ao orçamento do Estado, abrir mão

131
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

Apesar disto, muitas das indicações do Plandeb foram


gradativamente implementadas na Bahia até o final da década de
1980, à medida que a sociedade local se modernizava e sempre que
existia o respaldo coincidente de programas e projetos do governo
federal e/ou correspondência com os interesses do capitalismo nacional
e internacional.

Historicamente, o Plandeb foi precedido por um conjunto


de estudos enfeixados sob o título Situação e problemas da Bahia
– 1955: recomendações de medidas ao governo, os quais foram
popularizados pelo jornal A Tarde como As pastas cor de rosa.
Contam-se duas versões a respeito desse estranho apelido. A
primeira, segundo o próprio Rômulo: “[...] como essas pastas tinham
capas cor-de-rosa, o jornal A Tarde, que era muito contra o Balbino,
aproveitou e fez uma notinha assim: “Recebemos três pastas cor-de-
rosa, e deu uma chacoalhada no negócio” (ALMEIDA, apud SOUZA
e ASSIS, 2006, p.225). A segunda versão, mais irreverente, conta
que o jornal A Tarde, não assimilando a derrota do seu candidato ao
governo do Estado (Pedro Calmon, irmão do redator-chefe do jornal,
Jorge Calmon), movia intenso combate a Antonio Balbino. Mas A
Tarde representava também as forças reacionárias e conservadoras de
direita no Estado e via no projeto de Rômulo tendências fortemente
esquerdizantes, com a intervenção do Estado na economia através
do planejamento (uma técnica que contrariava todo o paradigma
liberal vigente e ainda mais implantado pelo regime dito comunista
na União Soviética) das sociedades de economia mista propostas e
defendidas pelo então Secretário da Fazenda de Antonio Balbino,
um homem que fora vinculado a Getúlio Vargas que, pelo seu
populismo e nacionalismo, atraiu contra si todo o ódio da direita
brasileira.

Não obstante, elaboradas sob a coordenação de Rômulo


Almeida, as pastas “cor de rosa” constituíram um conjunto de
estudos inéditos sobre a economia baiana produzidos entre 1954 e

deste poder para uma normalização dos investimentos que não atendessem aos seus interesses
paroquiais. Aliás, a péssima qualidade técnica da classe política baiana, para falar só deste
aspecto, historicamente se constituiu um sério obstáculo ao desenvolvimento do Estado.

132
FRAGMENTOS

1955. Modernamente, dir-se-ía, que foram os termos de referência


do Plandeb.

O plano compôs-se de 15 capítulos, precedidos de uma


parte introdutória. Nele, faz-se uma exaustiva e minuciosa análise da
economia baiana, projetando atividades para o horizonte temporal
compreendido entre 1960 e 1963.

O total de investimentos projetado para o quadriênio foi de Cr$


70.964 milhões de cruzeiros, a preços de 1959, sendo a participação
estadual equivalente a 20% desse montante. Isto equivaleria a
investimentos anuais de Cr$ 17.741 milhões. É importante assinalar
que a renda interna da Bahia, estimada por Almeida, A. (1955), para
1950, com base no censo do IBGE, era de Cr$ 10.038,1 milhões.

Tabela 1 - Plandeb - Fontes e aplicações dos recursos (1960 - 1963).

Fonte: BAHIA - CPE, 1960. Plandeb. Dados consolidados pelo autor.


Nota: (1) Valores em milhões de cruzeiros a preços de 1959.

133
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

O Plandeb constitui, até hoje, uma peça fundamental para


quem pretenda estudar a Bahia. Por isso, é de se lamentar que,
passados exatamente 50 anos da sua elaboração, o documento ainda
não tenha sido publicado. Indagado a respeito, Rômulo Almeida
assim se pronunciou:

Na época, durante o governo de Juracy, tive a satisfação


de receber a visita do Hirschmann11, e ele me disse:
“Olha, eu acho que é a coisa mais original que
tenho visto em termos de planejamento regional.
Vocês deviam publicar.” Possivelmente, se tivesse
sido publicado, poderia receber mais comentários na
literatura – porque a literatura é muito baseada nas
versões que tiveram mais curso. Por exemplo, não há
referência aos documentos originais dos estudos que
fizemos quando da criação do Banco do Nordeste, como
o Planejamento de combate às secas. Ele é de 1952, e é
realmente o ponto de partida para uma nova visão sobre
os problemas do Nordeste, superando esse negócio de
engenharia de obras e assistencialismo. Fica parecendo
que a Sudene começou tudo. Posteriormente, a CPE, já
como fundação, queria publicar o Plandeb na íntegra,
mas acontece que já estava no governo de António
Carlos Magalhães e ele barrou. Fizeram apenas um
resumo. Cheguei a levar a íntegra do documento para
a Fundação Getúlio Vargas, mas o Benedito Silva me
disse: “Olha, nós queremos publicar, mas é preciso
que haja algum apoio, uma co-edição.” Custava um
dinheirão, e a Fundação estava numa situação muito
difícil, com um déficit enorme. O António Balbino até
disse que daria um apoio, mas até hoje nada.(SOUZA e
ASSIS, 2006 p.260)(Grifo nosso).

As principais diretrizes do Plandeb podem resumir-se como se


faz nos parágrafos seguintes.

11 Albert O. Hirschman, notável economista alemão especializado em desenvolvimento


econômico.

134
FRAGMENTOS

A primeira delas determina que ele deva estar em consonância


com a Operação Nordeste12.

O plano que,a seguir, se apresenta para o Estado da


Bahia, reunindo o esforço estadual, o federal e uma
adicional coordenação de inversões municipais e
privadas, foi concebido em perfeita integração, com
a Operação Nordeste, (grifo nosso) tão oportunamente
lançada pelo Presidente da Republica, com adequada
visão dos problemas regionais. A Bahia reitera suas
manifestações favoráveis a essa declaração da política
do Governo Federal, na qual só pode lamentar
tenha vindo com tanto retardamento e não se esteja
efetivando na velocidade e nas condições previstas,
apesar do desejo manifesto do Senhor Presidente
Juscelino Kubitschek. Efetivamente, no ano de 1959,
marcado pelo lançamento da Operação Nordeste, as
condições de assistência federal à região se agravaram:
houve retardamento e redução de dispêndios federais,
elevação súbita dos preços de produtos comprados
sem equivalente reajustamento da taxa de câmbio e
diminuição relativa da assistência da União ao Nordeste.
É, portanto,” nessa íntegração com o espírito da OPENO
que a Bahia deseja colaborar com o Governo Federal
para seu completo êxito e o plano ora apresentado,
em bases preliminares, ao exame do Governo Federal,
é uma contribuição nesse sentido. A Bahia reivindica
há muito, investimentos compensatórios pela
baixa remuneração de suas exportações, que a tem
privado de capacidade para realizar investimentos
básicos no seu território, a fim de propiciar mais
largas possibilidades de emprego à sua população.
Tal reivindicação, que corresponde a inversão de
parte dos saldos dos ágios das exportações baianas,

12 Como a imprensa denominava as ações governamentais voltadas para o desenvolvimento do


Nordeste a partir do governo de Juscelino Kubitschek. A rigor, na prática, como demonstrado o
Plandeb estava na contramão do pensamento de Celso Furtado. A propósito ver Furtado (1959 b).

135
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

a Bahia está pronta a partilhar com todo o Nordeste,


em beneficio da OPENO (grifo nosso). Nesse sentido
partiu da “bancada baiana uma emenda incorporada
à lei que criou a Sudene, a qual, entretanto, não teve
tradução satisfatória no regulamento respectivo. Cabe,
entretanto, acentuar que o programa da Bahia, se a
Operação Nordeste for prejudicada na sua realização,
deve ser levado a efeito, em beneficio do conjunto da
economia nacional. E ele representa uma reivindicação
de nosso Estado, imprescindível para que se possa
assegurar a parcela da população brasileira que vive
na Bahia um mínimo de oportunidades de nutrição,
educação e emprego.(BAHIA – CPE, 1960).

Mais adiante, no que denominam “sentido nacional do plano


baiano”, destacam os redatores do Plandeb a contribuição que ele
pretende dar ao “Programa de metas” do governo J.K., notadamente
ao balanço de pagamentos, “tanto produzindo exportações como
substituindo importações”. A despeito da argumentação política
com que se busca uma aderência ao Programa de metas não deixam
os mesmos relatores de registrar:

Lamentavelmente, entretanto, a realização das


“metas” no território baiano não tem obedecido
ao mesmo ritmo que se verifica em outras partes
do Pais (grifo nosso). Exemplo conspícuo é o atraso
no programa relativo às construções rodoviárias e ao
reequipamento da ferrovia federal Leste Brasileiro. Os
exemplos podem ser repetidos em todos os setores. Nem
mesmo o acesso a Brasília – que é reputado “meta
síntese” pelo governo Federal – foi considerado a
partir da Bahia, a despeito de se localizarem em sua
costa os portos que estão mais próximos da futura
Capital do País e cujas ligações se favorecem por
sensível redução de distância virtual (grifo nosso).

E acrescentam, numa discreta crítica:

136
FRAGMENTOS

Aparentemente, a Bahia ficou relegada para outra


época (grifo nosso), seja pelas condições políticas
já ultrapassadas, seja peIa duvidosa doutrina de
concentrar todos os recursos nacionais no suposto
centro, dinâmico do Pais, a fim de que dai se possa
irradiar mais tarde o progresso para o resto do Brasil.
Não tem sido levados em conta pelo Governo Federal
3 fatores que impõem prioridade para investimentos
na Bahia: 1) a existência de recursos naturais e
humanos que possibilitam uma alta produtividade
a investimentos programados, em “benefício de
exportações e do programa de desenvolvimento do
País”; 2) a compensação parcial às contribuições da
economia baiana para o desenvolvimento geral do
País (contribuição cambial e petróleo); 3) o necessário
e inadiável atendimento de padrões mínimos de
subsistência e de educação a todos os brasileiros,
como objetivo que, mantendo e valorizando o
capital humano da nacionalidade pretere, inclusive,
investimentos de tangível carater desenvolvimentista.
Não nos referimos a um estímulo ao consumo
convencional, prejudicando as poupanças, nem a um
igualitarismo impossível nos níveis de vida, mas apenas
ao atendimento das condições mínimas de nutrição,
de educação e de emprego, sem o que não existe
um povo organizado e muito menos um mercado
interno que dê base ao desenvolvimento industrial
(grifo nosso). Evidentemente, o “Programa de Metas”
do Presidente Juscelino Kubitschek não pretendeu
desconhecer essa necessidade. O programa da Bahia
apela, só como último argumento, para esse objetivo
nacional de manter e valorizar o potencial humano,
porque realmente apresenta todas as outras condições
para se integrar plenamente no programa nacional de
desenvolvimento (BAHIA – CPE, 1960 p. 14-15).

Pela segunda diretriz, deveria o plano promover a geração de

137
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

emprego e renda13, única forma de criação de um mercado interno


que conferisse escala de produção ao parque empresarial local. E, para
isto, o incremento nos investimentos e na sua maior produtividade
(maior relação produto/capital), procurar-se-ia a fixação de capitais
gerados no Estado mediante a oferta de melhores condições de
diversificação de atividades, a importação de capitais de outras
áreas, pela oferta de maiores facilidades básicas (transporte, energia,
incentivos fiscais, etc.), a elevação dos investimentos pela União e,
principalmente, o aumento substancial na sua produtividade.

Considera-se indispensável, dar oportunidade para


o emprego da população ao menos aos níveis
mínimos, e de assegurar as condições que valorizem
os salários nominais, através de um abastecimento
farto e do atendimento das necessidades mínimas
de educação e assistência sanitária à parcela
da população brasileira residente no território
baiano (grifo nosso). Ao mesmo tempo, se considera
conveniente desenvolver ao máximo as possibilidades
apresentadas pelos recursos naturais, industriais e
humanos que a Bahia apresenta, em beneficio do
mais rápido desenvolvimento e emancipação da
economia nacional. (BAHIA – CPE, 1960).

Por conhecer a impossibilidade de maior elevação dos salários


reais mediante uma melhor distribuição da renda, o plano previa o
aumento do poder aquisitivo da população através da melhoria do
abastecimento e consequente redução dos custos dos alimentos,
um problema crônico da Bahia (leia-se Salvador), desde os tempos
coloniais.
O plano menciona também, mas sem a ênfase devida, as
importantes questões relacionadas com a educação e a saúde. É até

13 Este objetivo virou um bordão no discurso de todos os políticos a partir da década de 1990.
Porém a inexistência de um mercado regional com razoável poder aquisitivo constitui, até hoje,
um dos principais obstáculos à pretendida industrialização estadual a partir da produção de
bens finais.

138
FRAGMENTOS

risível o esforço dos seus redatores em tentar fazer uma vinculação do


desenvolvimento da Bahia com a emancipação da economia nacional.
Neste aspecto, parece que faltou convencer o governo federal e o
empresariado do Sudeste brasileiro. Continuando, enfatiza o Plandeb
a necessidade do desenvolvimento simultâneo (quer dizer integrado)
da agricultura e da indústria. Segundo Santana:

Duvidando do modelo concentrador do plano de metas,


o Plandeb considerava a possibilidade de articulação
entre a reestruturação agrícola e um parque industrial.
Do mesmo modo em que considerava o maior potencial
para a geração de empregos no desenvolvimento da
agricultura o plano baiano destacava, reversivelmente,
o papel das indústrias como absorvedoras de mão-
de-obra excedente do campo e como mercado para
os produtos agrícolas. Indústria e agricultura se
integrariam na periferia do sistema (2006, apud SOUZA
e ASSIS, 2006 p. 269).

No texto do Plandeb:
Essas diretrizes implicam em objetivos de produção e
alvos de investimento. Assim, o desenvolvimento das
oportunidades de emprego e de renda melhor para
a população baiana resulta do desenvolvimento
concomitante da agricultura, da indústria e dos
serviços. Naturalmente devem ser desenvolvidos
prioritariamente aqueles que apresentem condições
efetivas mais prontas, ou aqueles ramos de atividades
ou projetos específicos que se revelem mais necessários
ou convenientes para propiciar condições ao
desenvolvimento geral. O ritmo de desenvolvimento
da Bahia dependera, como é sabido, do vulto dos
investimentos e de sua maior produtividade, ou
seja, de uma melhor relação produto: capital. O
maior investimento se traduzirá numa alteração da
estrutura do comercio, reduzindo-se relativamente as
atuais importações para consumo (ampliadas embora

139
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

em termos absolutos), as quais serão substituídas


por importações de bens de capital. A elevação dos
investimentos se fará através da possibilidade de
fixação dos capitais produzidos intermitentemente
pela própria economia baiana (mas aqui não fixados
por falta de certas condições para a diversificação de
atividades econômicas); além disso, pela vinda de
capitais de fora para varios dos empreendimentos
agrícolas e industriais que encontram, na Bahia,
possibilidades nos recursos naturais e no mercado
potencial, mas se detém em face da carência de certas
facilidades básicas A pesquisa das possibilidades de
investimentos em que para a mesma unidade de
aplicação, se alcance o maior numero de empregos
na presente estrutura da economia regional leva a dar
prioridade ao desenvolvimento da agricultura. Este
é necessário também para propiciar um abastecimento
mais farto, nas cidades, de mantimentos para os
trabalhadores e de matérias-primas para as indústrias.
E estas indústrias são, por sua vez, necessárias,
reversivamente, ao desenvolvimento agrícola, para
absorver os inevitáveis excedentes de população
rural e para assegurar um mercado mais amplo
para a própria agricultura, enquanto, inversamente,
o maior desenvolvimento desta assegura mercado
mais amplo e firme, ao parque manufatureiro. Na
agricultura e na indústria as iniciativas. obedecerão
ao jogo do mercado dos fatores e dos produtos. Sem
contrariar os imperativos do mercado, a política adotada
neste plano estimulará as atividades que: a) apresentem
uma relação produto : capital mais favorável, ou
utilizem melhor os recursos de capital real disponível;
b) propiciem maior número de empregos por unidade
de capital invertido. O princípio geral é assegurar a
maior produtividade possível aos escassos recursos
de capital do País, mas, em face das possibilidades
imediatas de produção, inclusive para exportação

140
FRAGMENTOS

ao Exterior, e em face da necessidade social do


atendimento de condições mínimas de nutrição,
de educação e de emprego, não podemos aceitar
que se adie, o problema baiano, pelo fato de que
ele requer alguns investimentos básicos de certo
vulto, cuja relação direta produto: capital é baixa.
Por outro lado, como se fez no caso do petróleo, não
é concebível que se apliquem ortodoxa e diretamente
os critérios acima ao caso de indústrias de base que,
na Bahia, se possam localizar, apresentando vantagens
para a economia geral do País e enriquecendo os
recursos industriais na região, inclusive recursos técnicos
variados, encorajadores da fixação de outras indústrias,
que propiciem mais empregos (BAHIA – CPE, 1960 f.16)
(grifos nossos).

O Plandeb bate numa questão que continua presente nos dias


atuais (2009) e que, apesar de óbvia, parece insolúvel no Brasil. Trata-
se da eficácia do gasto público.

Segundo o Plandeb:

[...] a maior taxa de investimentos, a dos


recursos públicos federais ou recursos de outras
origens canalizados através da União. A aplicação
desses recursos tem um amplo significado: o de
ampliar o volume de investimentos - que é uma das
condicionantes necessárias do desenvolvimento - e
o de propiciar aqueles investimentos de natureza
coletiva, que são no caso do nosso território os
mais urgentes e por isso os que criam condições de
produtividade para outros capitais já invertidos ou
com possibilidades de inversão à vista. A elevação da
produtividade dos capitais já invertidos ou a inverter
depende totalmente, de um programa adequado
de inversões federais e estaduais, estas porem de
menor importância pela limitação já exposta dos

141
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

recursos do Tesouro baiano. Não se pretende,


entretanto, apenas que o Governo Federal amplie
os investimentos: é tambem indispensável que
melhore substancialmente a produtividade de seus
investimentos atuais, que já são bastante vultosos
(conquanto apenas correspondam aproximadamente
às receitas de tributos formais, arrecadadas no território
baiano) e que presentemente, como é da mais
clara evidência, são submetidos a um processo de
dispersão, de descontinuidade, de inoportunidade
estacional dos dispêndios, enfim, de desperdício.
Sabemos as limitações institucionais para alcançar
uma eficiência razoável na elaboração e na
execução dos orçamentos públicos. Entretanto,
um esforço substancial, inclusive na esfera política,
precisa ser feito por todos os homens públicos de
responsabilidade no Pais ajudando o Presidente da
Republica a submeter os orçamentos públicos a uma
programação adequada, e assim, a assegurar uma
eficiência razoável aos investimentos federais. Do
contrário, precisaremos, para alcançar o mesmo
nível de desenvolvimento, de investimentos novos
federais de muito maior vulto, o que, obviamente,
encontraria dificuldades intransponíveis. (BAHIA –
CPE, 1960 p. 17) (grifos nossos).

Afirmava o Plandeb que a estrutura de recursos indicava


os seguintes setores em que as inversões na Bahia apresentavam
produtividade marginal não inferior à inversão em quaisquer outras
áreas ou setores da economia brasileira:

a) na ampliação das exportações que são possíveis pela


natureza dos recursos regionais e pelas condições atuais e
previsíveis do comércio exterior;
b) no desenvolvimento da mineração e indústria metalúrgica
sem falar nas derivadas do petróleo, bem como em
alguns outros itens de maior importância, para substituir

142
FRAGMENTOS

importações nacionais e criar recursos importantes de


indústrias básicas do país.

A esses dois setores de investimento se poderia acrescentar,


ainda, partindo de uma política econômica nacional tendente a melhor
utilização dos recursos humanos e ao atendimento de mínimos vitais
e sociais às populações, dois outros setores:

a) o das atividades que aproveitem mão-de-obra e recursos


naturais, que não apresentam vantagens relativas
apreciáveis, mas apresentam condições competitivas,
sobretudo mediante alguma ajuda no período de
implantação, gerando emprego e substituições nas
importações interestaduais da Bahia;
b) o das atividades que se poderiam considerar provisórias
no processo de desenvolvimento, tendentes a assegurar
emprego, até o momento em que a economia regional
e a nacional,em outras partes do país, possam assegurar
melhores condições de aproveitamento da força do
trabalho.

Importante é, entretanto, acentuar, do ponto de vista nacional


e de um ângulo friamente econômico, os dois primeiros setores.
Ainda aqui poder-se-ia argumentar que, tendo a Bahia demonstrado
capacidade de aumentar consideravelmente o produto real e as
exportações, apesar dos desestímulos evidentes da política econômica
nacional sobre sua economia, e da falta desses investimentos básicos,
bastaria um sistema de crédito agrícola e de outras ajudas do poder
publico diretamente aos setores agrícolas e exportadores, na linha já
iniciada pela CEPLAC. Sem duvida, isso teria ainda algum efeito, mas
efeito que em breve se esgotaria por falta de economias externas
indispensáveis para a redução dos custos gerais e dessa maneira
estender as margens de cultivo ou de exploração econômica.

As possibilidades de absorção de maiores exportações


baianas nos mercados exteriores são suficientes para
um programa muito mais amplo e esse programa mais

143
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

amplo requer um elenco de investimentos básicos. Esses


investimentos básicos são também indispensáveis,
para tornar possível um programa de exploração
mineral e de indústrias derivadas, de grande alcance
no processo atual da industrialização do País, pois
que a Bahia tem revelado a vocação de um distrito
de não-ferrosos, além de possuir também reservas
importantes dos ferrosos.150 (BAHIA – CPE, 1960, fl.
18)(grifos nossos).

Assim, afirmava-se no plano:

[...] esses investimentos básicos ainda deverão ter o papel


de tornar super-marginais muitos dos investimentos do
setor 3º, antes referido. Essas inversões em conjunto
redundariam na mudança da estrutura da economia
regional, principalmente as inversões nas facilidades
básicas que atendem aos setores 2º e 3º combinados
com as inversões diretas no 2º setor.

Nestas condições, o programa de investimentos públicos,


semipúblicos ou patrocinados pelo poder público deveria compreender:

1. realização de programas básicos de transporte e


comunicações, suprimento de recursos variados de energia,
facilidades urbanas fundamentais, principalmente água,
localização industrial e habitação, de reserva de água para a
agricultura e sua melhor utilização;

Estava aqui inserida a idéia da especialização da Bahia na


produção de intermediários, complementares no processo da
industrialização brasileira.

2. um sistema integrado de organização da economia


agrícola e do abastecimento alimentar e de expansão
programada dos serviços de pesquisas, demonstração e
extensão na agricultura;

144
FRAGMENTOS

3. ampliação da fronteira agrícola, através de colonização


das terras úmidas ou de fácil irrigação, mal aproveitadas,
propiciando colocação aos excedentes nordestinos, bem
como a possibilidade em empreendimentos agrícolas
padrão com a localização de colonos estrangeiros;

4. desenvolvimento, pela Petrobras, de um programa de


utilização das possibilidades industriais e dos estímulos
econômicos resultantes da produção do petróleo;

5. prioridade para a localização de uma usina siderúrgica


média na Bahia, dentro do programa siderúrgico
nacional, bem como facilidades especiais para a fixação de
indústrias metalúrgicas diversas, mecânicas, de materiais
de construção, embalagens, etc., indicadas na Bahia pela
localização de matérias-primas e outros fatores, e que
propiciem a criação de facilidades para outras indústrias;

6. um programa de educação, compreendendo o suprimento


das carências na educação de base para a população
em idade escolar e conforme imperativo constitucional,
e a ampliação das oportunidades de treinamento e
aperfeiçoamento nas técnicas reclamadas imediatamente
no atual estágio processo de desenvolvimento;

7. um programa de assistência sanitária também ajustado


às necessidades presentes do processo de desenvolvimento;

8. um programa de levantamento sistemático de recursos


naturais e de pesquisas das possibilidades do seu
aproveitamento econômico. (BAHIA – CPE, 1970, fls. 19-
20) (grifos nossos).

O primeiro programa do Plandeb referia-se à área de


transportes e comunicações. Estimava a realização de investimentos
da ordem de Cr$ 24.955,4 milhões (a preços de 1959) no período
de 1960 a 1963. Considerando os aspectos geográficos e geológicos
do espaço regional consideravam os planejadores ser a Bahia o
estado mais mal servido do Nordeste em matéria de transportes e

145
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

comunicações. Aliás, uma situação que permanece até os dias atuais.


Ressalvando alguns esforços governamentais a partir da década de
1930 demonstravam que para um território de 563.000 km2 e uma
população de cerca de 6 milhões de habitantes, à época, dispunha
a Bahia apenas de 2.593 km de linhas ferroviárias e 31.600 km de
extensão rodoviária, valendo destacar que, destes, mais de 70%
se constituiam de "estradas-carroçáveis”, sem qualquer espécie
de revestimento. Também salientavam a deficiência do transporte
marítimo, lembrando que, para uma extensão de; costa de 932 km.
possuia o Estado menos de 2 km, de cais acostável em portos ditos
"organizados", além da precariedade das instalações portuárias que
tornavam deficitária, a utilização física dos portos (casos de IIhéus
e Caravelas) ou então, quando a permitiam, opunham barreiras à
sua utilização econômica, pela movimentação lenta e pelas taxas
elevadas (caso de Salvador) onde, em consequência desses e,
possivelmente, de outros fatores, as próprias companhias federais
de navegação evitavam frequentemente, escalar. Criticavam a ação
federal, no estado, demonstrando que, apesar de ser a Bahia, em
área territorial, o sexto estado do Brasil e o terceiro em população, a
extensão da rede rodoviária federal, em território baiano, apresentava
uma densidade (5,470 km por 1.000 km2) inferior ao de 14 estados
— inferior, inclusive, a de 6 estados nordestinos. Ademais, das
rodovias construídas pelo governo federal, na Bahia, apenas 2%,se
encontravam pavimentados —percentagem baixíssima considerando
a importância de tais vias para o próprio Plano Federal de ligação
Norte-Sul do país. Afirmavam, por fim:

Com efeito,será difícil,noutra parte do país, lograr-


se um investimento em rodovias que a este se
equipare, no que tange à sua produtividade social.
Os trechos, a serem pavimentados representam as
mais importantes vias de escoamento do principal
produto agrícola do Estado e o segundo, como fonte
de divisas, para o Brasil: o cacau. Estando as referidas
vias em perfeita conexão com a BR - 5, rodovia federal,
incluída no Plano Quinquenal de Obras Públicas para
1956/1960 formam, em conjunto, uma rede de tráfego

146
FRAGMENTOS

de inequívoco interesse econômico, em coordenação,


com o porto de Ilhéus e o futuro, da Baia de Maraú.14
Claro está que não bastam, à economia baiana, os
investimentos em transportes simplesmente para
ampliar as exportacões. Preciso é que, também, sejam
levados em conta o aproveitamento dos recursos
minerais básicos, (e a própria implantação, que
se pretende, da indústria, siderúrgica, na Bahia,
justificaria esse critério de prioridade), além das
facilidades, já efetivas, de produção mineral, para
a economia de divisas para o país, as "facilidades
do abastecimento" dos grandes centros urbanos
e, não esquecendo a nossa participação na região
Nordeste do país, a "integração do mercado
regional" — indispensável para que, marchemos
para úma mudança.estrutural, com a industrializaçao
nordestina e, assim, com a possibilidade mesma de uma
melhor utilização dos recursos estaduais. A promoção,
por conseguinte, de um programa conjunto das três
esferas administrativas, com a possível ajuda de
particulares – obedecendo, sempre na determinação
das prioridades, ao critério, global, que abrangeria os
demais critérios .a.; pontados, da maior produtividade
social do capital — será certamente a melhor arma de
que se poderá dispor para combater aquêle gargalo da
economia baiana.(BAHIA – CPE,1960 fls.1 e 2)

No entanto, somente na década de 1970 foi que se

14 O Porto de Maraú (grande sonho do então deputado Vasco Neto) – também conhecido
como de Campinhos, na baia de Camamú, na Bahia, teve sua construção iniciada chegando
a ter instalados os dolfins de amarração. Posteriormente a obra foi paralisada e nunca mais
iniciada. Além da perda de consideráveis recursos públicos que ali foram investidos, impediu-se
a concretização de um projeto de grande valor estratégico para a Bahia e o Brasil. O porto era
imaginado na época como ponto de saída das exportações oriunda do Oeste baiano. Reunia
e reúne ainda hoje excelentes condições geográficas e físicas incomensuravelmente superiores
às do porto de Ilhéus. Trata-se de um exemplo típico de uma situação de ineficácia dos gastos
públicos, irresponsabilidade e corrupção.

147
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

consolidou o plano rodoviário federal para o Nordeste, com a


pavimentação da BR – 116 (Rio – Bahia) e BR – 101 (Litorânea). Estas
rodovias viabilizaram o modelo econômico regional em construção
assegurando as condições para o escoamento dos intermediários
fabricados na Bahia em direção ao Sudeste, e o abastecimento, por
este, do Nordeste, com os produtos de consumo final oriundos do seu
parque de indústrias. Neste contexto, a construção do complexo
rodoviário estadual, que possibilitaria a articulação das diversas
regiões baianas, produzindo um impacto positivo na integração
e expansão do mercado regional, apesar de planejado em 1959
não foi executado.
A opção rodoviária adotada coincidiu com o desmonte do
sistema ferroviário estadual. A desativação da Estrada de Ferro de
Nazaré e do Porto de São Roque do Paraguaçu, na Baia de Todos
os Santos, implicou na desarticulação do sistema de transportes que
sustentara a produção têxtil e fumageira. Com isso ficaram isoladas
as bacias do Jaguaribe e do Jiquiriçá, indiretamente desestimulando
o crescimento da região Sudoeste do Estado, cortando-se a relação
interna entre a indústria têxtil e sua região supridora de matérias-
primas15.
Para o programa de energia elétrica da Bahia, previa o Plandeb
a destinação de recursos no montante de Cr$ 6.053 milhões, sendo
Cr$ 5.362 milhões em moeda nacional e US$ 6.905 mil em moeda
estrangeira, convertida esta à taxa de US$ 1,00 = Cr$ 100,00. Tudo
a preços de 1959. Do montante em moeda nacional, 93% seriam
destinados a obras e instalações elétricas e o restante a estudos e
projetos.
Segundo o Plandeb: “um dos objetivos deste programa,
é conseguir a ampliação da demanda de energia elétrica
proveniente de Paulo Afonso” (grifo nosso), argumentando que

[...] as deficiências de transmissão e distribuição têm


restringido o aumento de demanda da linha sul da

15 Posteriormente em 1996, a Rede Ferroviária Federal – Leste Brasileiro, 7º Região, que atendia
ao Estado da Bahia, Sergipe e Minas Gerais, com 1.905 km de linhas foi privatizada. Atualmente
o Sistema está inoperante e completamente sucateado.

148
FRAGMENTOS

Chesf, (justamente a que atenderia à Bahia) fazendo-a


menor que a da linha norte. Segundo o relatório
dessa empresa, enquanto a demanda da linha norte
cresceu de cerca de 15 MW em janeiro de 1955
para116 MW em dezembro de 1959 a linha sul
passou, de 27 MW para somente, 54 MW, no mesmo
período.( BAHIA – CPE,1960, p.5).

No texto, tenta-se justificar a inapetência e a incompetência


baiana para a absorção da oferta de energia com o argumento de
que “a dispersão entre esforços estaduais e os federais e municipais
nos empreendimentos elétricos, ao lado do grande retardamento da
Coelba foram as causas principais deste baixo crescimento relativo.
De acordo com os princípios da política a ser adotada, o
programa previa a aplicação de recursos dentro do critério de
empreendimento industrial.

O programa compreendia aplicações em:

a) estudos e projetos;
b) obras e instalações elétricas;
c) equipamentos de construção, instalações gerais e de
comunicações;
d) encargos financeiros oriundos de financiamentos;
e) constituição do “capital de movimento” das empresas.

Segundo se previa no plano, a geração dos diversos sistemas


se apresentaria, ao fim do período (1963), com uma capacidade total
de 224.400 kW. Nos “sistemas isolados”, previu-se um reforço de
geração de 10.000 kW, mediante a instalação de cerca de 50 novas
usinas térmicas de 100 kW em media.

O Plandeb estimava que 162 localidades deveriam estar


supridas, em 1963, pelos diversos sistemas.

Para quem pensa que o Plandeb constituiu apenas uma


proposta de industrialização da Bahia, vale a pena ler o capítulo
relativo à agricultura e abastecimento.

149
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

Um dos mais importantes capítulos do plano, logo na


introdução ao programa, afirma que o desenvolvimento da
agricultura na Bahia constitui imperativo para propiciar uma
renda mais elevada e emprego efetivo ao atual excesso de
população, bem como para assegurar o suprimento de produtos
agrícolas que melhorem o abastecimento nas grandes cidades,
favorecendo a industrialização.

Nesse sentido o Plandeb definia dois objetivos para o programa


agrícola, a saber: aumentar a produtividade e ampliar a área ocupada,
ou seja, a fronteira agrícola no Estado.

Para justificar a eleição das prioridades, afirmam os redatores


do plano ser certo que, em termos relativos, a população agrícola em
longo prazo tende a decrescer com o aumento da produtividade e
o crescimento industrial. Porém, em termos absolutos, e mesmo em
termos relativos, é muito provável que ainda haja larga possibilidade
de empregos em atividades rurais, desde que os processos agrícolas
sejam mais produtivos e propiciem maior produção, tanto para
abastecer os mercados internos quanto para exportar aos mercados
exteriores, criando, assim, maior capacidade, de pagar salários
compensadores da elevação dos custos da vida. Em outras palavras:

[...] acreditamos que num primeiro período a elevação


na produtividade agrícola na área baiana terá o efeito
líquido de ampliarmos empregos na agricultura só num
segundo período prevalecerá a tendência de liberar
mão-de-obra para atividades secundárias e terciárias.

Entretanto, ponderam que

[...] o simples desenvolvimento da agricultura não


resolve, nela própria, o problema de ocupação; mas,
durante o período em que teremos que continuar
enfrentando a carência de capitais para industrialização,
a agricultura representa o campo de atividade em
que mais empregos é possível assegurar, com menor
coeficiente de capital “per capita”.

150
FRAGMENTOS

No que se refere ao cacau – o principal produto da pauta


de exportações baianas à época assinala-se no Plandeb que as
perspectivas do mercado internacional são favoráveis para uma
expansão apreciável da oferta, desde que não seja abrupta. Permitem,
portanto, um programa de melhoria da produtividade e ampliação
moderada da área cultivada (conforme, aliás, a limitação dos solos
convenientes), de sorte a alcançar um aumento da produção de cerca
de 30%, num período aproximado de cinco anos.

O plano fazia um balanço dos recursos naturais disponíveis


na Bahia à época (1958), que, com uma superfície territorial de
562.000 km², dispunha de 82.000 km² de florestas tropicais (já
em parte derrubadas) e 25.000 km² de vegetação litorânea e
palmeirais, ao lado de 366.000 km² de caatingas e 89.000 km²
de cerrados. Nessas condições, a percentagem de área úmida, de
cerca de 20%, importava numa extensão bastante ampla, de cerca de
10.700.000 ha. Considerava ainda que os cerrados seriam, em parte,
recuperáveis e, embora se verificasse na Bahia algumas das áreas mais
secas de todo o país, certa extensão das caatingas se desenvolvia em
altitudes mais elevadas, propiciando condições melhores de umidade,
a despeito da baixa precipitação.16

Após este balanço, passa-se a uma análise da evolução da


agricultura no Estado, no período compreendido entre 1945 e 1957,
e das condições que pautaram este processo. Assim é observado
que, a partir de 1945, para um crescimento de 29% da população,
a agricultura expandiu em 40% o seu produto, sendo que, dentro
dela, as lavouras 35% e a produção animal 63%. O aumento da
área cultivada foi de cerca de 50%. Ainda assim, na época, a área
ocupada pela lavoura e pela pecuária correspondia, apenas, a 11%
da área disponível do Estado. Considerando que essa ocupação,
em grande parte, era de terras sujeitas a secas, a percentagem de
áreas úmidas a ocupar efetivamente ainda era muito alta. Isso era
resultado do fato de que as matas, e outras áreas do litoral eram,
tempos, atrás, economicamente desinteressantes, inclusive sujeitas

16 Para conhecimento completo deste balanço ver o Plandeb que se encontra disponível na
Biblioteca da SEI. Ou ler o capítulo 3.12 do livro A trilha perdida: caminhos e descaminhos do
desenvolvimento baiano no século XX, do autor deste texto.

151
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

a malaria, em 1959 praticamente extinta.

No conjunto da lavoura baiana, demonstrava o plano que as


principais características dos rendimentos físicos apresentavam uma
flutuação constante ao longo do período estudado (1945/1957) e
uma nítida tendência ao decréscimo. Para os autores do plano, todas
as flutuações ocorridas nos rendimentos são reflexos de situações
mais ou menos semelhantes ocorridas nas áreas cultivadas ou na
produção obtida. Na Bahia, o fator que detém a maior parcela
de responsabilidade na instabilidade agrícola é o fenômeno das
secas.

Além das flutuações mencionadas, os rendimentos físicos


da lavoura baiana apresentaram-se com uma evidente tendência
decrescente. Esse fenômeno, segundo interpretação do Plandeb,
teria a sua origem nas seguintes “causas básicas, que poderiam ter
agido tanto em conjunto, como isoladamente:

a) exaustão, nas áreas que já vinham sendo utilizadas com


culturas mais antigas e ausência de métodos eficientes de
recuperação;
b) produtividade física mais baixa nas áreas de utilização
recente;
c) má utilização da terra por parte dos produtores.

Segundo se afirma no Plandeb, a agricultura representou, na


renda interna da Bahia, a partir de 1947, entre 36,7% no ano de
extrema seca e de retração do mercado exterior (1952) e 47,6% no
ano de condições opostas (1954), ficando a modal, no período até
1957, em torno de 39%. Não obstante, assinala-se no plano que o
“aumento da área cultivada não propiciou empregos para todos”.

Mesmo informando não dispor de suficientes dados


demográficos na época17, assinala-se no plano que “entre 1940/1950,
para um crescimento de 20% na população rural, o crescimento
do número de empregos foi de 11%, apesar da emigração,

17 Naquela época a Bahia possuía uma abundância de “cérebros” e escassez de estatísticas.


Hoje a situação é exatamente o inverso.

152
FRAGMENTOS

sobretudo do pessoal em idade de trabalhar. Também no mesmo


período a população urbana, na Bahia, cresceu de 46% e os
empregos de 37%”. Conclui-se assim, que “a ampliação da área
cultivada foi, em grande parte, um recurso de sobrevivência
para uma vida submarginal”,embora às custas, frequentemente, de
maior devastação de recursos naturais.

Partindo desta constatação imagina-se no plano que “a


expansão ordenada da fronteira agrícola, a ampliação do capital à
disposição dos empresários para que possam dar mais emprego”
e todo um conjunto da medidas tendentes à promoção de maior
produtividade permitiriam “o pagamento de melhores salários para
fazer face a alta do custo de vida representariam medidas imperativas
no sentido: de possibilitar um mais amplo emprego agrícola”.

Realizada esta análise das razões de ineficiência da agricultura


baiana que, meio século transcorrido, em muitos aspectos ainda
continua atual, o Plandeb apresenta suas diretrizes para o Programa
agrícola da Bahia. Inicia por afirmar que o fundamental consiste
na organização do mercado de fatores e de produtos, ou seja,
a própria organização da economia agrícola, pois que sem ela
os esforços de extensão (ou “fomento”, como impropriamente
se costumou a denominar e inadequadamente a praticar) e de
pesquisas, se tornam quando muito heróicos, mas de baixa
produtividade.

A partir desse ponto fundamental, recomenda a adoção,


de forma coordenada de um conjunto de medidas num extenso e
detalhado programa que infelizmente não pode ser transcrito neste
texto (ver nota de rodapé n°13). Observe-se que são previstas, ou
sugeridas, medidas de grande alcance e importância para a economia
baiana como: a organização para a comercialização da produção
no mercado; a capacitação técnica; a coordenação das ações; o
entendimento da seca como um problema econômico; a reforma
agrária; a conservação dos recursos do solo, água e flora numa precoce
visão ambientalista que correspondeu a uma “crônica de uma morte
anunciada”18tendo em vista a devastação que efetivamente ocorreu

18 Expressão emprestada do título do livro de Marquez (1981).

153
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

e continua ocorrendo de forma implacável.

O Plandeb previa a criação de centros dinâmicos de


desenvolvimento agrícola no Estado, em cidades-chave que
polarizariam regiões e funcionariam como centros de organização da
economia agrícola (ou de defesa do produtor) e do abastecimento.
Esses centros funcionariam a partir da Companhia de Armazéns Gerais
e Silos da Bahia (Caseb), empresa pública que contaria com o apoio
de um conjunto de outras empresas especializadas, conformando
um sistema de organização para a produção agrícola. Objetivava-
se, com isto, evitar perdas da produção e criar facilidades para
transporte, crédito e garantia de preços mínimos. Com a criação da
empresa de comercialização, ter-se-ia garantia de compras, estoques
de gêneros, estoques de sementes, estoque de forragens O núcleo
de mecanização agrícola da Empresa de Conservação do Solo, Água
e Mecanização Agrícola (Ecosama) manteria patrulha de tratores,
perfuratrizes e oficina de manutenção para os veículos e máquinas
da região. A agência da Companhia de Adubos e Materiais Agrícolas
da Bahia (Camab) manteria estoques de materiais agrícolas, adubos,
inseticidas, rações especiais. A agência dos Laboratórios da Bahia
(Labasa) asseguraria estoques de vacinas e outros produtos biológicos.

Esse conjunto de empresas seria liderado pelo Fundo de


Desenvolvimento Agroindustrial do Estado da Bahia (Fundagro), que
exerceria, como de fato exerceu, o papel de “holding” do Estado,
contando com a participação de outros organismos federais entre os
quais a SUDENE, BNDE e BNB.

Enfim, todo o aparato empresarial público, concebido para


oferecer o suporte e dinamismo ao processo de desenvolvimento
que inexistia no setor privado do Estado, seria mobilizado para
gerar simultaneamente efeitos multiplicadores, aceleradores
e de polarização regional num círculo virtuoso de crescimento
como descrito na teoria.

Segundo registra o Plandeb, em 1957, era extrema a deficiência


do parque industrial baiano. Sua produção participava com 13,3% da
renda global do Estado e, em relação ao setor industrial brasileiro,
com apenas 2,5%. Em sua composição, preponderavam os setores

154
FRAGMENTOS

alimentar e têxtil, registrando-se a ausência de indústrias de base


(exceção feita às de extração do petróleo, de cimento e de chumbo)
e, em escala adequada, as de embalagem, materiais de construção,
montagens e construção de máquinas, gráfica, etc.

A estratégia industrial do Plandeb apresentava, em


seus principais aspectos, como política: a criação de condições e
facilidades para a industrialização do Estado. Metas: a geração de
novos empregos industriais e ampliação da renda per capita. Projetos
específicos: reequipamento e ampliação de indústrias existentes,
recuperação da indústria fumageira, recuperação da Indústria Têxtil,
consolidação do Fundagro, apoio ao artesanato. Programa de
implantação de indústrias: indústrias químicas, aproveitamento de
recursos minerais, manufaturas de aço, manufaturas de metais não
ferrosos, industrias baseadas na agricultura, industrias promotoras
de industrialização.

No Plandeb, o denominado Programa geral de industrialização


(PGI) desejava alterar a estrutura básica da economia estadual através
de uma industrialização intensiva. Esperava-se, com a criação de um
parque industrial na Bahia, contribuir para reduzir o desemprego,
absorvendo considerável parcela de mão-de-obra, aumentar o
consumo de matérias-primas e de víveres, produzir modificação na
estrutura do comércio, através da substituição parcial da importação
de artigos de consumo pela produção local, e criar condições para
a exportação de bens de produção e artigos de consumo mais
elaborados.

Para os que criticam o Plandeb, sem conhecê-lo, é importante


que se destaque sua estratégia, que não era modesta. Para promover
o desenvolvimento da Bahia, pretendia articular um processo de
industrialização, a partir da formação de um polo de crescimento
constituído de indústrias interdependentes, segundo o modelo
clássico de um complexo de siderurgia, metalurgia e indústrias
elétricas, complementado por uma indústria de mineração e de
petróleo e uma infraestrutura especializada; pela

formação de um setor agroindustrial moderno, mediante


a elaboração de projetos técnica e economicamente viáveis

155
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

e a promoção do desenvolvimento do interior sustentado


na modernização da agricultura e da pecuária; pelo apoio às
empresas existentes, mediante a modernização e a capitalização
daquelas que possuíssem capacidade de competir no mercado
nacional e a formação de quadros especializados para os
segmentos modernizantes da economia regional.

A realização dessas metas seria reforçada com um programa de


estímulo à constituição de uma classe empresarial moderna junto
com a elaboração de estudos macro – e microeconômicos suficientes
para sustentar a materialização de novos empreendimentos.

Com relação aos efeitos que os planejadores pretendiam


alcançar(definidos como metas, vez que representavam um objetivo
a atingir com o programa) foi utilizada uma metodologia comparável
às aplicadas em estudos anteriores sobre a economia nordestina por
Paul Singer e Stefan Robbock, isto é, estabeleceu-se um confronto
entre as inversões e a renda adicional gerada por essas inversões,
admitindo a relação produto/capital (1/2,4) aplicada por Singer. Para
determinar o número de empregos criados como resultado do PGI,
fixaram-se coeficientes médios aplicáveis aos diversos grupos de
indústrias contempladas no programa.

A fundamentação teórica deste modelo de desenvolvimento


é eminentemente keynesiana, estando baseada nas concepções de
Hirschman, Rosenstein-Rodan, Harrod e, na constituição de polos de
crescimento, no sentido original dado por François Perroux a este
termo, como um conjunto de indústrias interdependentes, em que a
concentração dos efeitos dinâmicos dos investimentos seriam maiores
que a soma dos benefícios líquidos de cada empreendimento.

O Plandeb orçava em Cr$ 13,850 bilhões (valores de 1959) os


investimentos que seriam efetuados no Plano geral de industrialização
ao longo do período compreendido entre 1960 -1963. Se a este valor
fossem adicionados Cr$ 3,4 bilhões estimados para as indústrias de
“surgimento espontâneo” segundo “projeção da tendência histórica
de inversões no setor industrial” atingir-se-ia a delirante cifra de Cr$
17, 250 bilhões no quadriênio.

156
FRAGMENTOS

Entre os agentes financiadores e participantes das inversões,


o papel de liderança caberia ao BNDE (Cr$ 4,09 bilhões) seguido
pela Petrobras (2,1 bilhões) e o Banco do Nordeste (Cr$ 1,6 bilhões).
Alimentava-se também a expectativa de captação de capitais privados
no montante de Cr$ 3,48 bilhões dos quais 26% externos. Os recursos
restantes viriam dos governos federal e estadual.

Segundo o Plandeb:

As magnitudes de investimentos fixados para o PGI


embora pareçam elevadas em comparação com o
ritmo anterior de Inversões na Bahia, são perfeitamente
viáveis desde que se tenha em mente que o Programa
de Implantação de Indústrias pretende solicitar novas
fontes de iniciativa e de capital, no Estado e fora dele.
Tais recursos serão somados aos das fontes tradicionais
de investimento, responsáveis pêlos empreendimentos
definidos aqui como de surgimento espontâneo É,
preciso notar que o PGI representa, virtualmente, um
“crescimento do nada”, pois a atividade industrial
é notoriamente incipiente na Bahia (grifo nosso). Os
índices históricos de investimentos são extremamente
baixos; daí a necessidade do que se tem denominado o
big push19, do impulso representado por uma vigorosa
política de investimentos.

Foi o Plandeb considerado por muitos como um documento


de caráter idealista, utópico, inviável, com seu orçamento de
investimentos exagerado, mesmo considerando-se apenas a previsão
dos recursos estaduais, além do sentido excessivamente hipotético
dos investimentos federais. Considerando-se, ainda, que à época
já houvesse sido criada a Sudene para cuidar do planejamento do
Nordeste20.

19 Influência no plano da teoria do desenvolvimento de Rosestein-Rodan


20 Comenta-se que, intelectualmente, Rômulo Almeida (pai do Plandeb) e Celso Furtado (pai
da Sudene) eram rivais. O fato é que o Plandeb não foi absorvido no planejamento elaborado
pela Sudene que, inclusive, imaginava a Bahia, no Sul, e o Maranhão no Norte, como fronteiras
agrícolas de um Nordeste industrializado em sua região semiárida.

157
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

O idealismo do plano poderia ser ilustrado, por exemplo,


pela previsão de que, em decorrência das inversões programadas,
seriam criados no Estado 17 mil empregos diretos e 25.500 indiretos,
assumindo-se um multiplicador de empregos da ordem de 1,5.

Tratando-se de um megaplano, é de ressaltar a importância


conferida pelo Plandeb ao artesanato. Já na década de 1950,
ensinava-se que:

Para atingir o objetivo de criação do maior numero


possível de novos empregos, o Estado deve ter
especial interesse em promover indústrias que
apresentem um alto índice de absorção de mãode-
obra como as pequenas indústrias e o artesanato
A importância desses gêneros de atividade
industrial, particularmente do artesanato fino, é
também relevante no fomento do turismo e no
desenvolvimento cultural (grifo nosso). O programa
do artesanato
deve não apenas criar oportunidades de emprego,
enquanto não há indústria, e para conter as crises,
estacionais e cíclicas (secas) da agricultura regional,
mas também ajustar-se para a absorção de desemprego
das indústrias em declínio, ou crise declarada (de
emprego,como a fumageira e a têxtil (sobretudo
mulheres).

Porém o carro-chefe do PGI era puxado pela petroquímica


e pela siderurgia, consideradas como “indústrias-chave” para a
promoção do processo de industrialização baiana.

No que se refere à petroquímica é impressionante como os


planejadores baianos assumem um papel que era de competência da
Petrobras. Definem o modelo a ser adotado e as fases de implantação.
Trata-se de um modelo simples em que, a partir da utilização de gás de
síntese (C0+H2) e de nitrogênio e oxigênio (N2+02), se alimentariam
duas plantas de metanol e amônia. O modelo

158
FRAGMENTOS

finalmente adotado pela Petrobras no final da década de 1960


é extremamente mais complexo.

Enquanto a petroquímica constituiu uma bandeira de luta


através da qual a Bahia acabou conseguindo implantar um projeto
de dimensões bem maiores que o dimensionado no Plandeb, com a
siderurgia ocorreu o oposto. Segundo o Plandeb, o estabelecimento
de um parque siderúrgico na Bahia, dentro do programa geral de
desenvolvimento e industrialização do Estado e do Nordeste, teria
significação excepcional em dois sentidos: de um lado, liberaria
tanto o Estado quanto a região do pesado ônus decorrente da
aquisição desses produtos básicos, cujo suprimento ocorria em
condições deficientes e deficitárias em relação à demanda real e a
preços proibitivos; por outro lado, impulsionaria, pelo seu alto poder
dinamizante, a atividade econômica em geral e, particularmente, o
desenvolvimento da indústria de transformação.

A usina siderúrgica planejada para a Bahia integrar-se-


ia eficientemente no parque siderúrgico regional existente e em
formação. Deveria produzir chapas, folhas de aço e perfilados
médios, complementando outras linhas de produtos (vergalhões,
perfis leves e arames) já fabricadas ou programadas para produção
em futuro imediato, em outras usinas nordestinas. A siderurgia
projetada teria uma capacidade de produção de 125.000 toneladas
anuais de lingotes, correspondentes a 100.000 t/ano de laminados,
dos quais 80.000 seriam produtos planos e os restantes perfis médios
(até 50 kg/m linear). A produção de planos seria principalmente em
chapas finas a quente e a frio, pretas e galvanizadas. O Plandeb
orçava, à época, as inversões na siderurgia em Cr$3,75 bilhões. Deste
montante, 23% caberiam ao setor público, 13%, ao setor privado e o
restante seria de financiamentos e aval do BNDE/BNB. Planejada para
entrar em produção em 1963, somente uma década depois (1973) foi
inaugurada a Usina Siderúrgica da Bahia (Usiba), assim mesmo com
o seu projeto severamente mutilado e com escala insuficiente para
oferecer aqueles efeitos indiretos previstos. Ademais, tornara-se uma
proposta tecnologicamente defasada em relação à composição do
parque de bens de capital na escala nacional e à composição dos bens
constitutivos do consumo regionalmente organizado. A empresa, no

159
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

final da década de 1980, foi privatizada, passando para o controle do


grupo Gerdau.

Ainda na área industrial o Plandeb prevê a construção de uma


“cidade industrial” que viria a ser o Centro Industrial de Aratú, na sua
concepção de 1967.

O espaço limitado não permite que se examinem outros seis


programas do Plandeb que contemplam as áreas do urbanismo,
turismo, educação e cultura, saúde, serviço público e pesquisa e
documentação aos quais foram destinados 23,42% dos recursos
estimados. Trata-se de uma leitura que vale a pena, até mesmo pela
sua atualidade.

Conclusão

O Plandeb foi elaborado quase na mesma época em que a


equipe coordenada por Celso Furtado desenvolvia o relatório do
Grupo de Trabalho para o Desenvolvimento do Nordeste – GTDN,
que foi intitulado como Uma política de desenvolvimento econômico
para o Nordeste (1959). Embora contemporâneos, esses planos
são, contudo, fundamentalmente diferentes na essência de suas
estratégias industriais. Enquanto o GTDN propunha um modelo
autônomo, visando a repetir, no Nordeste, o desenvolvimento
capitalista do Sudeste, o Plandeb refletindo a experiência adquirida
pela equipe que o concebeu, em trabalhos anteriormente realizados
para o governo federal, propunha um modelo de integração ao
desenvolvimento do próprio Sudeste, como caminho para chegar-se
ao desenvolvimento sustentável da Bahia.

Os desdobramentos de cada um dos planos, no que toca à


natureza das empresas por eles engendradas, eram, naturalmente,
também diferentes. Enquanto o GTDN objetivava um processo regional
de substituição de importações, o Plandeb, a despeito de constituir
um plano bem articulado e que objetivava o desenvolvimento da
Bahia em todos os setores, contemplando a adoção de programas
e projetos integrados para a agricultura, indústria e comércio, além

160
FRAGMENTOS

da infraestrutura física e urbano-social do Estado, adotava como


estratégia de alavancagem do desenvolvimento local a promoção
da grande empresa dedicada à produção dos bens intermediários,
visando aos mercados da região Sudeste. A adoção dessa estratégia de
“desconcentração concentrada” fez com que a Bahia se transformasse,
ao longo do tempo, numa grande produtora de intermediários sem
conseguir desenvolver, como foi imaginado no Plandeb, um parque
de transformação de produtos finais que promovesse um efeito
linkage e internalizasse convenientemente a industrialização em seu
território. De exportadora de commodities agrícolas, a Bahia passou
à condição de exportadora de commodities industriais.

Por seu turno, a estratégia do GTDN, descolada da dinâmica do


capitalismo nacional, também não prosperou. Sobrava-lhe idealismo
enquanto faltava-lhe pragmatismo.

As propostas do Plandeb não foram assimiladas no


planejamento da Sudene. Celso Furtado considerava que, se assim o
fizesse, estaria criando problemas com os demais estados da região,
bastante atrasados em relação a Bahia.

Duvidando do modelo concentrador do plano de


metas, o Plandeb considerava a possibilidade de
articulação entre a reestruturação agrícola e um parque
industrial. Do mesmo modo em que considerava
o maior potencial para geração de empregos no
desenvolvimento da agricultura, o plano baiano
destacava, reversivelmente, o papel das indústrias como
absorvedoras de mão-de-obra excedente do campo e
como mercado para os produtos agrícolas. Indústria
e agricultura se integrariam na periferia do sistema.
As metas do Plandeb compreendiam a criação de um
sistema que ampliasse ao máximo as possibilidades
de fixação de capital endógeno, potencializando não
somente as possibilidades de emprego, mas também
a qualidade do emprego, através da produção de
artigos de consumo básicos que aliviassem a pressão
do déficit do comércio interno. Esse processo elevaria

161
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

a renda per capita que representava, em 1957, 47% da


renda per capita nacional. Neste sentido, a estratégia
baiana de desenvolvimento divergia essencialmente
do plano federal, claramente dita no próprio Plandeb
e em entrevistas de Almeida: “A Bahia ficou relegada
para outra época, seja pelas condições políticas
já ultrapassadas, seja pela duvidosa doutrina de
concentrar todos os recursos nacionais no suposto
centro dinâmico do país, a fim de que daí se possa
irradiar mais tarde o progresso para o resto do Brasil.”
“Pensar a substituição de importação em nível regional.
Não podia. O erro da Sudene foi pensar nos projetos na
escala do mercado regional.” ”Além disso, escaramuças
pessoais entre Almeida e Furtado terminaram por
reforçar o próprio contexto de divergência de projetos:
“Acho que a chance que ainda houve foi de uma
aliança entre Rômulo e Celso Furtado, só que no
começo os dois brigaram porque, na verdade, Rômulo
esperava ser indicado pra Sudene. Então, houve uma
queda-de-braço entre os dois e até a Bahia se compor
com Celso passou algum tempo, e tem muita história
debaixo da mesa que não vai se falar... Quer dizer, eu
próprio, o grupo do planejamento baiano, me dava
com dificuldade com o pessoal da Sudene, até com
meus amigos. Até hoje sou amigo do Chico de Oliveira.
Ele veio pra cá. Antes tinha sido meu colega. Veio pra
cá no escritório da Sudene e eram posições diferentes.
(SANTANA, apud SOUZA e ASSIS, 2006 p.269).

Pode-se dizer que, entre a concepção e a viabilização, o


planejamento na Bahia, em que pese também ao idealismo dos seus
formuladores, sempre foi pragmático. Os planejadores baianos
buscaram sintonizar-se com as tendências da política econômica do
governo federal e elegeram as oportunidades possíveis de exploração
dos recursos disponíveis, no contexto da expansão do capitalismo
nacional e internacional. Parece que os planejadores baianos
acreditavam sinceramente nos efeitos geradores de emprego das

162
FRAGMENTOS

grandes empresas produtoras de intermediários, o que produziria a


decolagem das indústrias transformadoras de bens finais, além de
efeitos modernizadores e de integração com a base agrícola estadual,
o que, de fato, não ocorreu, pelo menos na dimensão esperada.

O Plandeb significou mais do que um plano. Representou um


amplo projeto para a Bahia, cuja ambição consistia na promoção
do seu desenvolvimento econômico e social, com propostas que
extrapolavam a simples duração de um mandato governamental e
com um escopo bastante avançado para uma sociedade atrasada,
conservadora, ignorante e reacionária, como era a baiana daquele
tempo.

Afinal, tendo sido elaborado no governo de Antonio Balbino,


previa a sua execução no período de 1960 a 1963, correspondente ao
governo de Juracy Magalhães.

Evidentemente, não deu certo. Para que isto acontecesse


terse-ia que “mudar” a cultura do povo e das suas classes dirigentes.21

Alguns dos seus projetos e das suas propostas somente viriam


a se concretizar, de forma fragmentária e assistêmica, nos programas
posteriores dos governos baianos que se sucederam na segunda
metade do século XX.22

Ademais, ao divergir do planejamento da Sudene e


consequentemente do governo federal o plano perdia sustentação
financeira em que pese as expectativas manifestadas pela equipe que
o elaborou.

21 As marcas da escravidão se reproduziam num sistema oligárquico clientelista e nepotista


absolutamente impermeável aos processos de mudança do status quo.
22 Programas estes sem o estofo intelectual do Plandeb e que pomposamente se auto intitu-
lavam de “planos de governo”.

163
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

Referências

ALMEIDA,Aristeu Barreto de.Estudo comparativo da renda na Bahia. In


ALMEIDA,Rômulo Barreto de (Coord.). Situação e problemas da Bahia
– 1955: recomendações de medidas ao Governo. Salvador: Centro de
Planejamento e Estudos (CPE), 1982.

ALMEIDA, Rômulo Barreto de. (Coord.) Situação e problemas da Bahia –


1955: recomendações de medidas ao governo (Pastas Cor de Rosa). Salvador:
Centro de Planejamento e Estudos – CPE, 1982. Não publicado.

BAHIA, Fundação Comissão de Planejamento Econômico (CPE). Plano de


Desenvolvimento da Bahia: PLANDEB, 2ª minuta. Salvador, 1960. Não
publicado.

BAHIA. Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia (SEI).


PIB da Bahia: 30 anos em análise. Salvador: 2006.

BRASIL. Presidência da República - Grupo de Trabalho para o desenvolvimento


econômico do Nordeste (GTDN). Uma política de desenvolvimento
econômico para o Nordeste. Rio de Janeiro: Imprensa Oficial, 1959.

CALMON, Francisco Marques de Góes. Vida econômico – financeira da


Bahia: elementos para a história de 1808 a 1899. Salvador: CPE, 1978.

LISBOA, José da Silva (Visconde de Cayrú). Princípios de economia política.


Rio de Janeiro: Pongetti, 1956.

PEDRÃO, Fernando Cardoso. Planejamento e crítica: a contribuição de Inácio


Rangel.Salvador: Revista de Desenvolvimento Econômico, v, 3 janeiro de
2000.

SOUZA, Aristeu; ASSIS, José Carlos de. A serviço do Brasil: a trajetória de


Rômulo Almeida.Rio de Janeiro: Caravansarai, 2006.

SPINOLA, Noelio Dantaslé. A trilha perdida: caminhos e descaminhos do


desenvolvimento baiano no século XX. Salvador: Editora da Unifacs, 2009.

TOSTA FILHO, Ignácio. Plano de ação econômica para o Estado da Bahia:


Banco da Produção. Salvador: Imprensa Oficial, 1948.

164
FRAGMENTOS

ARTIGO

A CONDIÇÃO SOCIAL DO
NEGRO, A POBREZA E A
DISCRIMINAÇÃO RACIAL,
COMO LIMITANTES
DA GERAÇÃO DE
EMPREGOS NA BAHIA,
EM UM CONTEXTO DE
GLOBALIZAÇÃO.

04
165
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

166
FRAGMENTOS

A condição social do negro, a


pobreza e a discriminação racial,
como limitantes da geração
de empregos na Bahia, em um
contexto de globalização1

Noelio Dantaslé Spinola


Professor do Mestrado em Análise Regional da Universidade
Salvador UNIFACS. e-m: dantasle@uol.com.br

Um dia, São Pedro vê chegar na porta do paraíso três homens: um


branco, um mulato e um negro.O que você deseja? pergunta ao
branco. Este responde: dinheiro. E você ? pergunta ao mulato. Desejo
a glória. Dirigindo-se ao negro, este lhe informa com um grande
sorriso. Eu vim apenas trazer as malas destes senhores...

(Frantz Fanon, 1952).

Resumo:
Neste artigo são analisadas as causas da pobreza e das desigualdades
de renda na cidade do Salvador e no Estado da Bahia.

Palavras-chave : pobreza, desenvolvimento social, desenvolvimento


urbano.

Resumen: Este articulo analisa las causas de la pobreza y de la


desigualdad de renta en la ciudad de Salvador y en el Estado de Bahia.

Palabras claves : pobreza, desarrollo social, desarrollo urbano.

1 Trabalho originalmente apresentado no III Seminário Internacional sobre experiencias de de-


sarrollo regional y local em Europa y América Latina, promovido em Barcelona, Espanha, pela
Universidad de Barcelona – Red Medamerica, em abril de 2002.

167
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

Este trabalho objetiva promover um breve exame da pobreza


secular e endêmica que domina parcela significativa da população
baiana.
Aqui se define a pobreza como uma categoria que compreende
as diversas formas de exclusão social dos benefícios resultantes
da atividade econômica, tanto diretamente, no uso de bens e de
serviços , quanto indiretamente, no acesso aos benefícios culturais
disponibilizados pela sociedade moderna. A pobreza, evidentemente,
não pode ser conceituada de forma única e universal. Contudo, pode-
se afirmar que se refere a situações de carência em que os indivíduos
não conseguem manter um padrão mínimo de vida condizente com
as referências socialmente estabelecidas em cada contexto histórico.
Os dados do censo de 2000, do Instituto Brasileiro de Geografia
e Estatística - IBGE, relativos ao Estado da Bahia, que demonstram
ser 80% da sua população composta por pessoas de origem africana
(pretos e pardos) e a informação da Superintendência de Estudos
Econômicos e Sociais da Bahia – SEI, de que, no final dos anos 80,
eram os negros responsáveis por 84,1% da força de trabalho da Região
Metropolitana de Salvador - RMS (operando, contudo, em condições
de grande desigualdade em relação a outras categorias raciais),
justificam o exame da pobreza como sendo um fenômeno associado
à negritude que, em assim sendo, merece que se lhe confira destaque
em todo o corpo desta análise, dada a sua importância como uma
categoria explicativa da posição social dos indivíduos, com peso
determinante na estruturação das relações sociais (SANTOS, L.,2001).
Em 1990, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA,
apresentava a Bahia com uma população de 4,3 milhões de indigentes
(37,58% da população do Estado naquele ano), em primeiro lugar no
ranking nacional, abrigando 13,67% dos miseráveis do país e 25,05%
do Nordeste. Ainda segundo o IPEA, no período de 1996/1997,
80,45% da população baiana se encontrava abaixo da chamada linha
de pobreza, com uma renda mensal inferior a US$ 80,54 e 60,24%
abaixo da linha de indigência, com uma renda mensal de US$ 39,652.
Estes números assumem maior dramaticidade quando se sabe que,

2 Cotação do dólar de junho de 1999 a R$ 1,85.

168
FRAGMENTOS

em termos nacionais, em igual período, 34% das famílias viviam


com renda abaixo da linha da pobreza e 14%, abaixo da linha da
indigência (BARROS,2001).
Conforme demonstra estudo do IPEA, ao longo do período
de 1977 a 1999, o grau de desigualdade no Brasil, e por extensão na
Bahia, é surpreendentemente estável, não demonstrando qualquer
tendência para declinar.O índice de Gini manteve-se em torno de
0,60 ; os 10% mais ricos recebem uma renda média cerca de 30
vezes superior à dos 40% mais pobres e a razão entre a renda média
dos 20% mais ricos e a dos 20% mais pobres alcança o múltiplo de
35 (BARROS,2001). Em termos dos indicadores internacionais do
desenvolvimento humano, a Bahia apresentava ,em 1996, um IDH
de 0,655 contra 0,860 da região Sul e 0,830 do Brasil. Entre 1970 e
1980, o IDH baiano apresentou uma melhoria substancial, passando
de 0,338 para 0,593 com um acréscimo de 57,7%. Entre 1980 e 1996,
o acréscimo registrado foi apenas de 10,5%. É importante destacar
que o Brasil, segundo a ONU, está na 74a posição no ranking do IDH.
Mas, se fosse analisado somente o Brasil branco, subiria para o 43o
lugar. Se fosse analisada somente a população negra, iria para o 108o
posto (A Tarde , 17/3/2002,citando o IPEA).
A pobreza na Bahia originou-se, inicialmente, do modo de
produção escravagista, característico do processo de exploração
colonial realizado pelo capitalismo agrário-mercantil europeu que
consumiu quatrocentos anos da história brasileira. A passagem
deste regime para o do trabalho livre foi marcada pela ausência
de um conjunto de reformas estruturais no sistema sociopolítico e
econômico do país, tais como aquelas que se faziam necessárias na
área educacional e no meio rural carente de uma reforma agrária.
Talvez porque medidas deste porte só ocorreriam através de uma
revolução sangrenta, totalmente contrária ao estilo do sistema
político conciliador das elites brasileiras, registrou-se, na prática, uma
total omissão do governo da União que abandonou os negros libertos
à sua própria sorte, situação esta que se mantém até o presente.
As formas mais recentes do processo de globalização mundial,
que assumiram condições hegemônicas a partir da revolução
cibernética iniciada nos anos 80, e da internacionalização do

169
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

comando financeiro da economia mudaram a trajetória do processo


de acumulação nos países latino-americanos, gerando uma tendência
à integração de diferentes tipos de investimentos em alguns setores
econômicos estratégicos que passaram a concentrar em seu suporte
logístico os investimentos públicos com infra-estrutura. Neste
contexto, a geração de empregos, ou a sua remuneração, ficou
regulada pela rentabilidade ou pela eficiência do capital nestes setores,
registrando-se, na Bahia, uma substancial redução do mercado de
trabalho. Segundo Pedrão (1991), a pobreza na América Latina deve
ser vista como o anverso deste processo de formação de capital, não
sendo apropriado um conceito de pobreza que a veja num enfoque
neomalthusiano, como a simples reprodução demográfica dos atuais
pobres.
A pobreza, portanto, a par de suas raízes históricas, tende a se
acentuar como decorrência das exigências do mercado internacional,
da abertura da economia nacional com o conseqüente imperativo
da busca de produtividade para assegurar condições mínimas de
competitividade, de acordo com um processo condicionado por
regras transnacionais que fogem ao controle dos governos locais.
Ianni (1988) observa, com propriedade, que o mercado internacional
de trabalho também faz circular internacionalmente as técnicas
de seleção, controle e repressão das “raças subalternas”. Quanto
mais se desenvolve o caráter internacional do capitalismo mais se
internacionalizam e intensificam os movimentos das forças produtivas
básicas, seja o capital e a tecnologia, seja a mão-de-obra. Contudo,
estas circunstâncias não implicam a generalização da liberdade do
trabalhador em termos sociais e políticos. Um operário negro, no
Brasil, é sempre ao mesmo tempo negro e operário.
O fato concreto é que as circunstâncias históricas, agravadas
pelo fenômeno da globalização, respondem por uma massa
considerável de mão-de- obra marginalizada, predominantemente de
origem africana, destacando-se
parcela majoritária da população rural (em grande parte
não assalariada, ocupada como agregados e mesmo como servos
das propriedades agrícolas). Em 1999, 38% das famílias residentes
na Bahia estavam enquadradas na classe de “sem rendimentos”,

170
FRAGMENTOS

formando um núcleo “duro” da pobreza, sendo a maioria residente


na área rural (SEI,2001).
Na área urbana, historicamente, a população negra foi
absorvida pelas atividades mais elementares e rudimentares,
quando não permaneceu na marginalidade ou na informalidade.
As dificuldades de acesso à educação, mantidas de certa forma
pela conveniência política das classes dominantes até os tempos
atuais, limitaram substancialmente a mobilidade social dos negros,
condenando-os a uma maior participação nos postos de trabalho
menos remunerados do mercado de trabalho.
A escolaridade média de um jovem negro com 25 anos de
idade gira em torno de 6,1 anos de estudo; um jovem branco da
mesma idade tem cerca de 8,4 anos de estudo. Este é um quadro que
se mantém constante desde a década de 20 (HENRIQUES,2001). Por
seu turno, as disparidades regionais em escolaridade da população
infantil são ainda bem mais expressivas. Enquanto em São Paulo a
proporção de crianças com 14 anos que nunca chegaram a completar
um ano de estudo é de 3% e a proporção com menos de quatro anos
de estudo é de 21%, no Nordeste as proporções são de 13 e 52%
respectivamente.
A par dessa discriminação educacional, observe-se que o
processo de acumulação capitalista, ao transitar do estágio agrário-
mercantil para o industrial, não abriu espaços para a absorção de
mão-de-obra com melhor nível salarial, criando um contingente cada
vez maior de excluídos. Este fenômeno se agrava nos tempos atuais
de globalização, com o advento da informática, da automação e da
importação de mão-de-obra do Sudeste e até do exterior (Espanha
e Portugal). Veja-se, por exemplo,o brutal desemprego de mão-de-
obra qualificada que ocorreu em Salvador, na década de 90, com a
transferência, para o Sudeste, dos setores de administração, finanças e
marketing das empresas do “pólo” de Camaçari, que foram reduzidas
à simples condição de fábricas.
Ainda examinando as peculiaridades da pobreza negra
de Salvador e da sua região metropolitana, uma singularidade a
destacar é que todos os esforços mobilizados pela catequese jesuítica,

171
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

objetivando ocidentalizar o negro no curso de uma escravidão cruel,


não suprimiu sua cultura ancestral, conservada e transmitida de
geração a geração através da história oral. Mas, como seqüela , o
fez acostumar-se com o pouco, num determinismo fatalista que o
levou a aceitar pacificamente a pobreza como sendo uma condição
(um destino, “uma sina”) dada por Deus, e para a consolidação deste
comportamento contribuiu de forma significativa o papel exercido
pela filosofia e evangelização da Igreja Católica, secularmente posta
a serviço das classes dominantes.
O indivíduo, nesta circunstância, existe socialmente como
objeto e não como sujeito, daí aceitar com naturalidade que é pobre,
não lhe ocorrendo a
alternativa e a possibilidade de mudar de verbo, assumindo,
como uma condição passível de mudança, que está pobre.
Ademais, como disse Celso Furtado, em sua obra clássica sobre
a formação econômica do Brasil, ao analisar a transição do negro de
uma economia escravagista para outra de mercado:

... o homem formado dentro deste sistema social está


totalmente desaparelhado para responder aos estímulos
econômicos.Quase não possuindo hábitos de vida familiar,
a idéia de acumulação de riqueza lhe é praticamente
estranha. Demais, seu rudimentar desenvolvimento
limita extremamente as suas “necessidades”. Sendo
o trabalho para o escravo uma maldição e o ócio um
bem inalcançável, a elevação do seu salário acima das
suas necessidades – que estão definidas pelo nível de
subsistência de um escravo – determina uma forte
preferência pelo ócio... Cabe tão somente lembrar que
o reduzido desenvolvimento da população submetida à
escravidão provocará a segregação parcial desta após a
sua abolição, retardando sua assimilação e entorpecendo
o desenvolvimento econômico do país. (FURTADO, 1959).

A manipulação colonialista do negro, com todas as suas

172
FRAGMENTOS

conseqüências, em associação com a sua herança racial, fez


com que ele não se inserisse adequadamente no processo de
acumulação capitalista européia ocorrido na Bahia, fazendo com
que, sincreticamente, assumisse uma lógica econômica própria.
A religião negra é a esfera sociocultural em que é mais evidente a
compreensão ingênua ou crítica, das condições alienadas da sua vida
e o ponto de partida de organização da sua consciência social. Assim,
a religião, em conjunto com a magia, o folclore e a música retiveram
as características africanas, mais do que a vida econômica.
É neste contexto que o negro pratica a arte da sobrevivência
com alegria. E é aí que ele desponta inovador e empreendedor. Com
acesso deliberadamente limitado à instrução básica (até o século XIX a
educação dos negros era, por lei, proibida na sociedade escravagista)
e muito menos à científica e tecnológica, o negro baiano valorizou,
da sua herança cultural, o corpo e os sons, somatizando a dor da
discriminação e da injustiça social a que foi condenado, num processo
atávico de defesa, subconsciente e coletivamente percebido, inovando,
adaptando e empreendendo na dança, na música e no carnaval
que passaram a constituir novos modos de produção, resistentes à
racionalidade econômica e cultural das classes dominantes.
Mas, mesmo esta alternativa genuína de subsistência
lhe está sendo gradativamente subtraída pela ação de diversos
grupos de interesse internos e externos à festa carnavalesca. Isto é
o que se constata ao observar-se os rumos que assume esta festa
eminentemente popular. Percebe-se o desenvolvimento de uma elite
negra (mas de alma e preconceitos brancos (FANON,1952)) cooptada
pela indústria do entretenimento que, utilizando um discurso racial
de apologia aos negros, na realidade apenas os manipula para
satisfazer seus projetos de acumulação. E, neste plano, é apoiado
tacitamente pelo sistema político dominante (principalmente por
aqueles interesses vinculados à mídia, notadamente à televisiva)
que, numa apropriação indevida do espaço público, gradativamente
expulsa da folia o pequeno negociante do carnaval, os pequenos
blocos, o vendedor ambulante etc. Isto é confirmado pelos dados
do Carnaval de 2001 que informam: dos R$ 536 milhões gerados
na festa, nada menos que R$ 503 milhões ficaram concentrados

173
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

entre os donos de grandes blocos e grandes empresas (nacionais e


multinacionais). Os ambulantes, barraqueiros e baianas de acarajé
(cerca de 17,1 mil pessoas) movimentaram apenas R$21,4 milhões,
ou seja, menos de 5% da receita total.
Na base da pirâmide tem, ainda, 50 mil cordeiros3 e 15 mil
seguranças de blocos que trabalharam ganhando R$ 12,00 por dia
(EMTURSA,2001). Em 2002, sem dados estatísticos oficiais, sabe-
se que a política de “camarotes” e o marketing dos “notáveis”,
restringindo os festejos a um reduzido circuito da cidade, deixou fora
de circulação quase a metade dos principais blocos carnavalescos
agravando os dados apresentados para 2001 (A TARDE, 17.02.2002).
A análise deste fenômeno se enquadra com perfeição na
hipótese básica de Singer (1980) de que tanto o progresso como a
miséria são produtos do mesmo processo, que consiste na penetração
e na expansão do capitalismo num meio em que predominavam
outros modos de produção. Trata-se de um processo de transformação
estrutural, que evolui ao longo do tempo.O capital penetra em
determinados ramos de atividade em que possui maiores vantagens
em relação ao modo de produção preexistente, revolucionando os
métodos de produção e introduzindo outras relações de produção.
Ou então, ele surge mediante a implantação de atividades novas,
que só ele é capaz de suscitar. Cria-se, então,um inter-relacionamento
dinâmico entre o segmento capitalista e os outros modos de
produção que são postos à disposição do capital, transformando-se,
por exemplo, em reservatório de mão-de-obra.
Registra-se na Bahia uma inelasticidade da oferta de trabalho
porque a sua remuneração é condicionada, de um lado, por um
considerável exército de reserva de trabalhadores e, de outro, por uma
participação insuficiente das categorias de trabalho qualificado no
mercado. Por estas circunstâncias, a determinação do valor do salário
não está vinculada a aumentos de produtividade, inexistindo, portanto,
estímulos significativos para uma profissionalização do trabalhador,
equivalente à que se observa nos estados do Sudeste. Ambos os

3 Cordeiros são pessoas que formam o cordão de isolamento dos blocos carnavalescos, apar-
tando os foliões burgueses do populacho circundante (os foliões pipocas) com a utilização de
cordas.

174
FRAGMENTOS

elementos, o tipo de emprego oferecido e a falta de especialização


da mão-de-obra contribuem para manter a remuneração dos
assalariados em níveis sensivelmente inferiores aos das cidades mais
industriais do país. Como assinala Ianni (1988), todo país produz uma
forma singular de hierarquização racial da sua população, não sendo
por mero acaso que o exército de reserva de trabalhadores tenda a
ser formado pelos membros das raças discriminadas. Em boa parte,
a lógica da discriminação racial guarda alguma congruência com a
lógica das relações de produção e disto decorre que a maioria dos
desempregados pertença às raças “subalternas” e que os membros
destas raças, mesmo que empregados, participem em menor escala
do produto do trabalho social e que, nas classes médias e dominantes,
os membros das raças “subalternas” sejam menos visíveis, mais raros
ou totalmente ausentes.
Examinando-se alguns aspectos do desemprego na RMS,
trabalhou-se com os dados da SEI que o classifica como aberto ou
oculto. No primeiro caso, estão as pessoas sem atividade que, em
período recente, tomaram alguma providência para reverter a situação.
O desemprego oculto abrange dois fenômenos: o desemprego oculto
pelo trabalho temporário, ou bico, em que as pessoas são compelidas
a realizar trabalhos ocasionais e precários e o desemprego oculto
pelo desalento, no qual as pessoas, impotentes diante das barreiras
de acesso aos postos de trabalho, deixam temporariamente de
procurar emprego. Essas formas de desemprego atingiram mais
profundamente as mulheres e a população negra nas décadas de 80
e de 90, sendo que o desemprego total do grupo negro cresceu mais
que o da população branca, aprofundando as diferenças de inserção
produtiva desses grupos (SANTOS,L.,2001). Segundo pesquisa da
SEI, no mercado de trabalho da RMS, a população negra está mais
pressionada à participação, entra mais cedo no mundo do trabalho,
retira-se mais tarde para a inatividade, encontra maiores obstáculos
para a inserção produtiva e está mais sujeita a formas de participação
instáveis e precárias (SANTOS,L., 2001).
Em dezembro de 1996, o desemprego total na Região
Metropolitana de Salvador - RMS era de 20,3%, atingindo 27,0%
em 1999. O número de desempregados atingiu a cifra de 390 mil

175
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

numa população estimada em 2,8 milhões de pessoas. Já entre


1997 e 2000, esta taxa atingiu a marca de 35% (SANTOS,L.,2001).
A SEI constatou que, na década de 90, a parcela de desligamentos
compulsórios cresceu substancialmente em relação à década anterior,
com um indicador de 69,7% de trabalhadores desligados do posto
ocupacional “por motivos da empresa” e 30,3% por iniciativa própria.
Os homens negros compõem o grupo com menor comando sobre a
sua posição no trabalho, sendo que mais da metade dos desligados
compulsoriamente, entre 1997-1999, são negros. Nesse grupo 80,1%
dos desligamentos ocorreram por iniciativa das empresas. Em termos
do desemprego aberto, calculado pelo IBGE, a RMS assumiu, em
janeiro de 2002, a primeira posição no Brasil com uma taxa de 9,7%.
É de se observar que, em 2000, o total de empregados na
indústria correspondia a 8,1% da população ocupada. Em 1997,
esta participação era da ordem de 8,35%, sendo que o crescimento
do emprego industrial no período foi igual a zero. Pior resultado
apresentou o setor comercial que viu reduzido o total de postos de
trabalho, no período, em 5,9%. Apenas os serviços, que respondem
por 59,87% da população ocupada, apresentou um crescimento,
entre 1997 e 2000, da ordem de 6,2%. (SEI,2001).
A Bahia é até hoje caracterizada como região de emigração.
Dados do IBGE demonstram que, a despeito dos investimentos na
economia regional, as taxas de emigração do Estado foram crescentes
ao longo das últimas três décadas, passando de 7,59% no período de
70/80, para 8,26% em 81/91, chegando a 11,17% em 91/96. Estas
taxas são as maiores do país, sendo superadas apenas pelo Estado
de São Paulo, em todo o período, e por Minas Gerais e Paraná nas
décadas de 70/80 e 81/91.
No período de 1970/1986, consolidou-se um novo arranjo
espacial demográfico no Estado, como conseqüência do processo
de industrialização concentrada na RMS e do boom imobiliário
deflagrado pela política habitacional do governo, francamente
direcionada para a classe média, modificando-se completamente o
processo de evolução urbana e a estrutura socioeconômica da cidade
do Salvador, transformada em “dormitório” dos empregados das
empreiteiras e das indústrias implantadas nos municípios da sua

176
FRAGMENTOS

região metropolitana, o que se agravou com o êxodo rural decorrente


das secas de 1970, 1976, 1979/1984 e 1986/1988.
Assim, a cidade que,em 1970, abrigava 1.007.195 habitantes,
ampliou este número para 1.493.685 em 1980 (um acréscimo líquido
de 48% numa década), atingindo 2.075.273 habitantes em 1991. Ou
seja, Salvador duplicou a sua população num espaço de vinte anos.
Este crescimento populacional ocorreu, segundo a SEI, nos
estratos populacionais de baixa renda, constituídos pela mão-de-obra
rural não qualificada, atraída para a RMS pelas obras de construção da
infra-estrutura dos complexos industriais e os conjuntos habitacionais,
sendo posteriormente descartada pela indústria da construção civil,
que praticamente se desmobilizou no Estado a partir do final da
década de 80.
Estudos realizados por Cruz (2000), sobre os cenários
socioeconômicos e a distribuição da renda populacional da cidade
do Salvador, ambos no primeiro semestre de 2000, provam que a
industrialização baiana, no contexto do processo de crescimento
econômico do Estado, não contribuiu para reduzir a desigualdade
regional existente e, ao contrário, acentuou o processo de
concentração de renda na cidade do Salvador.
Em termos estaduais, o trabalho de Cruz demonstra que,
entre 1986 e 1998, a Bahia havia aumentado em 4,5% seu PIB per
capita, ao passo que, no Brasil, ocorria um aumento de 26,6%. Em
1986, enquanto o PIB per capita nacional situava-se na faixa de R$
5,1 mil, o PIB per capita baiano não ultrapassava os R$ 3,2 mil, ou
seja, era 1,6 vezes inferior à média nacional. Entre 1986-98, a renda
per capita nacional cresceu 4,55% contra 1,75% da renda estadual,
aumentando ainda mais a desigualdade entre os contextos estadual
e nacional.
No que se refere à distribuição de renda na cidade do Salvador,
em 1991, 7% dos chefes de família (34,3 mil pessoas) percebia até
meio salário mínimo, o correspondente a 0,5% da renda municipal.
Quase 47% da população de chefes de família percebiam até 2 salários
mínimos, enquanto pouco mais de 6% percebiam rendimentos
superiores a 15 salários mínimos Mais de 40% da renda municipal

177
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

estavam em mãos daqueles que auferiam mais de 15 salários mínimos,


enquanto apenas 11% da renda estava nas mãos de quem ganhava
até 2 salários mínimos. Ampliando-se para o conjunto dos que
ganham até 5 salários mínimos, pode-se dizer que, naquele ano, 70%
dos chefes de família de Salvador conseguiam perceber pouco menos
de 28% da renda total do município. No outro extremo, apenas 4%
percebiam mais de 20 salários mínimos e ficavam com 31% da renda.
A concentração da renda que, como foi aqui demonstrado,
atinge agora até as atividades mais genuinamente populares, explica
a ausência de capital, de poupança e de recursos para investimentos.
Explica também a formação, cada vez mais intensa, de uma economia
informal (que também se amplia como submersa, na medida em que
o tráfico de drogas começa a construir um estado dentro do estado),
perseguida pelo fisco e pela polícia. Aqui, assiste-se, exemplarmente,
à divisão do espaço urbano (SANTOS, M.,1979), convivendo em
Salvador duas cidades distintas. Uma, no “circuito superior,” criada
pelo capitalismo monopolista e voltada para relações externas à
cidade e mesmo à região, tendo por cenário o país e o exterior; e
outra, num “circuito inferior”, formada pelos excluídos e dominada
por atividades de pequena expressão que mobilizam a população
pobre da cidade e se enraíza na região.
O desenvolvimento industrial tem sido visto, historicamente,
no plano econômico, como a melhor forma de resolver a questão da
pobreza e muita esperança foi colocada na capacidade multiplicadora
e de geração de empregos pelas indústrias.
Ocorre, entretanto, que, encerrado o século XX, e após
exercitar quarenta anos de política industrial, a Bahia não conseguiu
ainda promover o desenvolvimento social aspirado pelos seus órgãos
de planejamento, reduzindo a pobreza secular, que não parou
de crescer, e a concentração da renda que a coloca, junto com o
Brasil, como detentora de um dos mais elevados índices mundiais.
(BARROS,2001).
Em termos macroeconômicos, a Bahia contabilizava, em 1997,
um PIB estadual significativo, da ordem de US$ 42 bilhões, o que
classificava a sua economia regional como a sexta mais importante do

178
FRAGMENTOS

Brasil. Em verdade, este indicador demonstra que se conseguiu fazer


da Bahia um Estado rico, mas não impedir que ele permanecesse,
também, um Estado extremamente desigual, com uma imensa
maioria de pobres em sua população.
Os esforços governamentais objetivando promover, via
industrialização, o crescimento da economia estadual e reverter o
quadro de pobreza conhecido,
apenas conseguiram, até agora, transformar a sua estrutura
produtiva, que deixou de ser especializada em commodities agrícolas
para especializar-se em commodities industriais. É o que demonstra
a participação da indústria equivalente a 31% do PIB em 1997. O
parque industrial está basicamente concentrado na produção de
bens intermediários, sendo que apenas um setor, o petroquímico,
respondia, naquele ano, por 50,5% do PIB industrial. Se computada
a participação de algumas empresas dos ramos siderúrgico e metal-
mecânico, este número se eleva para 68,2%.
Um aspecto crítico da industrialização na Bahia é que as
indústria dos gêneros dinâmicos não conseguiram (ou não quiseram
por conveniências mercadológicas) promover os famosos backward e
forward effects (HIRSCHMAN,1960) que possibilitassem a formação,
via complementaridade, de uma teia industrial produtora de bens
finais e de maior valor agregado, como esperavam os planejadores
locais. O ramo siderúrgico, por exemplo, que perdeu o timing para
modernizar-se na década de 60, (graças a sabotagem do projeto
original da USIBA pelo lobby da CSN) atualmente tem poucas
possibilidades de ampliar-se dado o quadro estrutural do setor,
tanto em termos nacionais quanto internacionais, marcado por uma
conjuntura de excesso de capacidade instalada e de superprodução.
O segmento metal-mecânico praticamente desapareceu do Estado,
quando se reduziu a demanda local por equipamentos para a
indústria do petróleo.Tudo isso redundou em interrupção dos efeitos
multiplicadores dos investimentos na economia baiana, provocando
a desindustrialização nesses setores .
Assim sendo, no sentido abrangente do termo, a Bahia não
pode ser considerada um Estado industrializado, pois reúne, de um

179
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

lado, um conjunto poderoso, mas reduzido de empresas produtoras


de bens intermediários que respondem, majoritariamente pelo valor
bruto da produção e da transformação industrial e, do outro, uma
miríade de micro e pequenas empresas sem expressão econômica.
Segundo o IBGE, em 1985, a produção industrial baiana correspondia
a 3,8% da produção nacional. Em 1990 (já na maturidade do polo
petroquímico de Camaçari), esta participação se eleva para 4%. Esta
é uma tendência histórica que todos os esforços desenvolvimentistas
dos últimos oitenta anos da história baiana não conseguiram reverter,
pois, segundo Almeida (1977), a participação da Bahia no total da
indústria nacional que era de 3,5% em 1920, caiu para 1,9% em
1940, situando-se em 2,5% em 1957.
Ainda é bastante cedo para concluir-se pelo êxito dos esforços
mais recentes do governo baiano, que buscam desenvolver um
parque produtor de bens finais no Estado. Empreendimentos como o
da indústria automobilística (Projeto Amazon da Ford), se submetidos
a uma severa análise de insumo- produto, demonstrarão que a
maior parte das suas compras se fará junto à indústria de autopeças
localizada no Sudeste, ficando aqui apenas as operações mais simples
da montagem, tanto dos veículos como dos seus componentes. O
que, de resto, obedece à lógica da racionalidade econômica. Não
serão fabricados motores na Bahia, fechando-se a fábrica de motores
da Ford em Taubaté, nem
tampouco se espera que uma laminadora local seja construída
para substituir as placas de aço plano (fornecidas pela Belgo-Mineira
ou USIMINAS) que apenas serão moldadas e soldadas aqui. Por essas e
outras circunstâncias, não parece ter fundamento técnico a esperança
de que este projeto, a despeito da sua inegável importância, venha
a constituir-se em um multiplicador de empregos responsável pela
criação de 50 mil novos postos de trabalho, um número que carece de
base teórica que o comprove. Ademais, deve-se questionar também
qual será a condição de competitividade efetiva do projeto, depois de
cessados os substanciais benefícios fiscais que lhes foram concedidos
pelos governos federal, estadual e municipal.
Há de se considerar ainda que, vis-à-vis outras regiões do país,
historicamente, se caracterizou a Bahia pela ausência de empresários

180
FRAGMENTOS

locais com vocação industrial, notadamente aqueles capazes de


inovar e de empreender segundo os padrões schumpterianos, ao que
se associou, como um fenômeno condicionado e ao mesmo tempo
condicionante, a fragilidade do mercado consumidor na região.
Em síntese, a planejada indústria polarizadora implantada em
distritos industriais, notadamente no Centro Industrial de Aratú – CIA
e no Pólo Petroquímico de Camaçari, ainda não obteve o sucesso
almejado no sentido de reduzir a miséria regional. Na prática, estes
pólos industriais instalados na RMS transformaram-se em complexos
que pouco têm a ver com a grande parcela da população que gravita
no seu entorno, vivendo entre o desemprego e a informalidade,
sobrecarregando extraordinariamente a infra-estrutura urbano- social
de Salvador que não teve tempo nem recursos para acompanhar o
seu crescimento e suportar as suas demandas.
A luta pela superação da pobreza e pela construção de um
estado do bem- estar social esteve presente no discurso oficial dos
sucessivos governos que administraram o país, notadamente os
estados nordestinos, ao longo do século
XX. Esta luta se materializou, durante muito tempo, através
de ações filantrópicas e assistenciais, que se concentravam mais
em trabalhar os efeitos do que atingir as causas da miséria. Com
este método, conseguiu-se apenas construir, em sólidas bases,
uma cultura de assistencialismo e de clientelismo que sustentou
parcela considerável da elite política regional, abastecida de votos
nos “currais eleitorais”, alimentados pelos “favores” prestados nas
áreas da saúde, educação e emprego principalmente, quando não
em periódicos apoios materiais e pecuniários que fomentaram um
próspero comércio de intermediação, compra e venda de votos. Neste
período, floresceu no semi-árido brasileiro a “indústria da seca”,
com as famosas frentes de trabalho (quase sempre abrindo estradas
toscas que ligavam algum lugar a nenhum lugar), a distribuição de
água em “caminhões- pipa” (aos correligionários, no estilo: “quem
não vota em mim, não bebe água...”), as construções de açudes (que
se salinizavam posteriormente) e, por fim, a distribuição de “cestas
básicas” às hordas famintas que ameaçavam saquear as cidades.

181
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

Em verdade, não houve suficiente vontade política nacional de


resolver o problema sazonal da seca, a despeito de bem conhecido e
de haver propostas de soluções técnicas exeqüíveis e em abundância.
Uma solução definitiva do problema nunca passou pela cabeça de uma
parcela significativa da classe política nordestina com bases eleitorais
na zona rural, pois isto seria como matar a “galinha dos ovos de ouro”
. Muitas oligarquias, imensas fortunas que se formaram na gatunagem
das verbas federais para o combate à seca, seriam extintas caso houvesse
uma mudança da metodologia assistencialista.
A partir dos anos 90, a compreensão da gravidade do problema
e a pressão social começaram a reverter as práticas assistencialistas que
passaram a ser substituídas por programas e projetos de inspiração
federal ou estadual, quando não de ambas as instâncias, preocupados
com a eficácia das suas propostas e com salvaguardas para conter
a corrupção. É de justiça admitir que a Bahia tem sido pioneira com
diversos projetos sérios de intervenção na sua região semi- árida, (onde
se concentram os maiores bolsões de pobreza ) entre os quais se destaca
o Sertão Forte e na área de abastecimento com a Cesta do Povo que
objetivou e conseguiu construir uma rede de supermercados, geridos
pelo Governo do Estado, especializados em vender produtos populares a
preços bastante acessíveis para a população de baixa renda, quebrando
a exploração de preços estabelecida pelo oligopólio que domina o setor.
Outra experiência seguiu- se a esta, com a Farmácia do Povo tendo o
governo baiano, inclusive, construído uma fábrica de remédios populares
(a BAHIAFARMA), arrostando os enfurecidos laboratórios multinacionais.
Este exemplo foi depois copiado pelo governo federal.
Mais recentemente, vale destacar a preocupação com a cidadania
expressa na concepção do SAC – Serviço de Atendimento ao Cidadão
que tem sido uma experiência copiada internacionalmente dado o êxito
que alcançou. Outro projeto importante, já na esfera federal, é o da
Bolsa Escola pelos efeitos que vem tendo no sentido de reduzir a evasão
escolar produzida pelo trabalho infantil.

A liderança política baiana no Congresso Nacional foi também


responsável pela criação de um Fundo de Combate à Pobreza numa

182
FRAGMENTOS

ação pragmática para reverter a carência de recursos destinados à área


social decorrente de uma imposição dos compromissos do governo FHC
com o FMI. Dando seqüência a ações deste porte, o Governo da Bahia
criou, recentemente, uma Secretaria destinada especialmente a atuar
no combate à pobreza o que prenuncia uma mudança significativa nos
métodos de promoção do desenvolvimento estadual. Ou seja, o Estado
passa a atuar com maior intensidade na organização das comunidades
carentes promovendo sua inserção nas atividades econômicas. É de
se esperar que cansados de esperar que os empresários e as empresas
atraídas para a Bahia gerem os empregos tão almejados, inverte-se a
mão das prioridades partindo-se da promoção do desenvolvimento
social para chegar-se ao desenvolvimento capitalista. Quem sabe não
se esteja adotando um paradigma novo intitulado de desenvolvimento
local?
Neste sentido o projeto da Comunidade Solidária que surgiu
com o objetivo de organizar a sociedade, em sua base municipal, para a
busca de solução dos seus problemas, é o que mais se insere na filosofia
de promoção da cidadania, como remédio para a superação da miséria,
podendo servir de padrão para ações efetivamente produtivas neste
campo do desenvolvimento social. Este é um projeto substancialmente
revolucionário que pretende mudar a ordem vigente e, por isto, incomoda
profundamente as oligarquias municipais. Ou seja, trabalha para
construir homens livres, independentes dos vínculos de subordinação
aos coronéis rurais e urbanos, que ainda sobrevivem (agora em estilo
high-tech) à custa da exploração da miséria alheia. Mas existe um longo
caminho a percorrer.
Compromete o sucesso de uma política desta natureza o fato
de que a esmagadora maioria dos municípios brasileiros depende do
apoio federal e estadual para sobreviver, pois a participação dos recursos
próprios no orçamento municipal não supera 5% do montante da
receita arrecadada. Esta dependência torna passiva a sociedade local
que não adquire as condições mínimas para organizar-se e para gerir o
seu destino.
Historicamente, fundou-se na organização política-administrativa
do Brasil uma relação de subordinação dos municípios ao governo
central, o que acaba por determinar as condições e a intensidade em

183
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

que se desenvolverá uma cidade e o seu território. Enquanto não houver


uma reforma tributária e uma descentralização de recursos que revertam
este quadro de dependência, as cidades viverão à mercê da capacidade
de lobby das suas lideranças políticas e dos desígnios da tecnocracia
federal e estadual.
Nestas circunstâncias, os sistemas locais simplesmente não se
formam e as cidades ficam sujeitas ao comportamento de fatores sobre
os quais muitas vezes não possuem controle ou condições de influenciar.
O mais pernicioso deste sistema de dependência financeira é que as
autoridades municipais, em parceria com suas respectivas comunidades,
perdem as condições objetivas de operação e da condução efetiva de
programas e projetos de interesse genuinamente local, frustrando-
se o surgimento de autênticas lideranças comunitárias que possam
habilitar-se para atuar como elementos catalisadores de um processo de
desenvolvimento endógeno. Além disso, há que destacar ainda que, por
esta razão, este sistema sociopolítico induz à prática da corrupção e ao
aparecimento de “lideranças” oportunistas, pouco comprometidas com
o destino da cidade e do município.
Outro fator que responde pelas limitações do desenvolvimento
local na Bahia está relacionado com a forma como ocorreu a ocupação
do seu território, marcado por uma acentuada dispersão dos núcleos
urbanos, em parte considerável de suas regiões, o que provocou um baixo
grau de integração entre as cidades que exercem efeitos polarizadores
sobre as demais. Estes efeitos de polarização, quando ocorrem, estão
concentrados na prestação de serviços pela
cidade-sede, não sendo significativo o intercâmbio econômico.
É importante destacar que, segundo a SEI, em 1997, a população de
100 dos 417 municípios baianos se encontram na faixa da indigência.
Isto representa uma sobrecarga social para as cidades-pólo que vêem
inchar suas periferias e entrar em colapso os seus serviços básicos. Por
outro ângulo, estas cidades pólo não conseguem desenvolver fluxos
significativos de comércio inter-regional, por estarem separadas por
distâncias consideráveis que podem, em determinados casos, superar
a barreira dos mil quilômetros, além de serem penalizadas por uma
péssima infra-estrutura de transporte.

184
FRAGMENTOS

Vale ressaltar que as cidades baianas que possuem influência


urbana são de pequena expressão demográfica. Apenas Feira de
Santana possuía uma população municipal superior a 400 mil habitantes
em 1997, segundo o IBGE. As demais, considerando-se toda a área
municipal, situavam-se, neste mesmo ano, em torno da média de 166
mil habitantes. Considerando os demais municípios do Estado, 73%
possuíam menos de 20 mil habitantes naquele mesmo ano.
Entre 1991 e 1996, 101 dos 415 municípios baianos perderam
população. Isto se deve ao êxodo de miseráveis expulsos do campo pelas
secas do período; à transformação da base agrícola do Estado, com a
adoção de processos de mecanização e, no que não deixa de ser uma
boa notícia, à redução da taxa de fecundidade que caiu de 6,23 filhos
por mulher, em 1980, para 2,99 filhos por mulher, em 1996. A população
pobre destes municípios migra normalmente para a RMS que respondia,
em 1997, por 22% da população do Estado.
Tem-se identificado em recentes pesquisas de campo
(SPINOLA,2000) um outro fenômeno que certamente contribuirá para a
limitação das expectativas de formação em médio prazo das almejadas
“capitais do interior”, com dinamismo suficiente que possibilite a redução
da pressão demográfica sobre Salvador. Trata-se da perda de capital
humano qualificado, capaz de liderar processos de transformação social
em seus núcleos urbanos.
Em muitas cidades, notadamente as de médio e pequeno porte
(que são a maioria no Estado) as “elites” locais (fazendeiros, comerciantes,
etc.), completado um determinado estágio de acumulação de capital,
migram para Salvador, para outras cidades maiores ou capitais,
deixando em seu lugar os seus agregados que, além de não possuírem
renda para investir, também não possuem iniciativa, pouco contribuindo
para o processo de desenvolvimento local. Em outros casos, talvez
mais freqüentes, migram os jovens que vão “estudar na capital” e não
retornam, visto que suas cidades de origem não lhes oferecem o padrão
de conforto urbano a que se acostumaram em centros maiores, para
não falar em renda, ocupação e status.
Nessas circunstâncias, os espaços urbanos são ocupados
pela população que se transfere da área rural, com uma capacidade

185
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

socioeconômica reduzida, dado o padrão de educação e de renda


limitado. Em um balanço de transações de valores culturais, as cidades
exportam capital humano qualificado e importam capital humano
de baixa qualificação, o qual funciona como uma pesada sobrecarga
em relação à infra-estrutura urbana e social existente e não encontra
as condições necessárias para a promoção do seu desenvolvimento
humano. A cidade perde assim a capacidade de modernizar-se, de
inovar e de empreender novas atividades que ampliem e dinamizem o
seu sistema local produtivo.
Estes fatos tornam muito difícil a solução do problema da pobreza
e cada vez mais transformam em utopia o projeto de desenvolvimento
regional. Para tudo isto contribui uma política econômica neoliberal
subserviente ao capital financeiro internacional que se remunera no
Brasil com a mais alta rentabilidade do mundo, como exemplifica, agora
em 2002, o pagamento de juros da dívida interna do setor público
que atinge a cifra de R$ 93 bilhões, um valor duas vezes superior ao
que país gastará com saúde, educação, infra-estrutura, etc.Os bancos
foram os grandes beneficiários da política econômica praticada no Brasil
nestes últimos oito anos (1994/2001), com uma rentabilidade sobre o
patrimônio líquido que se situou entre um mínimo de 13,30% e um
máximo de 17,50% no período, contra uma rentabilidade média de 3%
na indústria (FOLHA DE S.PAULO, 24/02/2002) .
Em 2002, ao final de oito anos de governo social-democrata
no Brasil, o PIB per capita do Nordeste representa apenas 46% do PIB
per capita nacional, quando, em 1985, esse percentual era de 48,5%,
permanecendo a região como o maior bolsão de indigência do continente
americano, concentrando mais de 50% da população faminta do país.
Segundo Avena (2002) nunca um governo fez tão pouco pela região
mais pobre do Brasil. O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico
e Social - BNDES , o braço investidor do governo, destinou, em 2001,
77% dos seus recursos para as regiões Sudeste e Sul e apenas 12,3% para
o Nordeste. Ainda em 2001, cerca de 65% dos benefícios tributários, a
chamada renúncia fiscal, foram destinados para o Centro-Sul do país
cabendo à região nordestina apenas 12,5%.
Ao contrário da União Européia que criou uma política inovadora
de desenvolvimento regional e, através de fundos estruturantes, está

186
FRAGMENTOS

reduzindo as disparidades regionais entre os seus países membros,


com investimentos orçados em 170 bilhões de dólares no período de
2000/2006, o governo federal brasileiro não foi capaz de estabelecer
uma política nacional de desenvolvimento regional que, ao menos,
estancasse as disparidades de renda e de condições sociais que se tornam
a cada ano mais graves.
É mais do que lógico, pois, que a violência aumente continuamente,
gerando um quadro de “guerra civil disfarçada” que assola as regiões
metropolitanas brasileiras e Salvador já ocupa a terceira colocação neste
sinistro ranking nacional. A violência, uma conseqüência direta deste
quadro, é motivada pela fome (pura e simples), pela impossibilidade de
ascensão social e pelo efeito demonstração produzido pela sociedade de
consumo que gera, em seu marketing desvairado, desejos, necessidades
e anseios impossíveis de satisfação com o nível e padrão de renda de
esmagadora maioria da classe trabalhadora. Antes o pobre era pobre e
não sabia direito como era ser rico. Era, como foi dito aqui, conformado
com a sua sorte e com o seu destino. Mas a revolução nos meios de
comunicação se incumbiu de modificar radicalmente este quadro,
transformando-o da condição de resignado para a de revoltado. Em
qualquer barraco de favela encontra-se um aparelho de televisão e, assim,
hoje, o luxo e o conforto do rico, transportado pela mídia, é servido na
mesa magra dos pobres, espicaçando os sentimentos e alimentando a
sua revolta. Nada que estranhar, pois, quanto ao gradativo processo de
expropriação em curso.
A despeito das explicações ora apresentadas, uma discussão
mais profunda desses fenômenos ainda é devida pelos pesquisadores
da história econômica baiana. Isto será possível na medida em que se
consiga descolar a análise crítica do discurso laudatório e das paixões
políticas maniqueístas contemporâneas que embotam ou reprimem uma
observação independente do conjunto de fatores de natureza histórica,
antropológica, e sociológica os quais, associados e/ou dependentes da
forma mundial de acumulação e reprodução do sistema capitalista,
devem responder pela ocorrência observada, reduzindo o papel dos
atores locais no processo decisório.
Estas observações, no entanto, não pretendem desmerecer o
empenho e a seriedade do governo estadual, em sua luta objetivando a

187
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

promoção do desenvolvimento local. Muito pior seria se todo o trabalho


executado não tivesse sido executado. Mas a dura realidade que se impõe
à economia baiana e, por extensão à nordestina, consiste no fato de
que as decisões de investimento e a política empresarial são externas ao
Estado e à região, concentrando-se no Sudeste ou no exterior. Esta é uma
realidade histórica que foi captada pragmaticamente por Pinto de Aguiar
e Rômulo Almeida, ainda na década de 50, com o PLANDEB, e olvidada,
utopicamente, na mesma época, por Celso Furtado no sonho do GTDN/
SUDENE. A verdade é que a economia regional é condicionada pelas
regras de mercado, impostas pelo capitalismo internacional, o que reduz
a eficácia do planejamento estadual, tornando-o passivo e obrigado a
potencializar internamente decisões externas, numa expectativa, que já
dura quarenta anos, de que se produzam efeitos de polarização técnica,
de renda e psicológica no espaço geográfico baiano. .
Talvez, por isto mesmo, um dos nossos problemas mais sérios
consista no nosso aprisionamento a um paradigma que nos desvia a
visão de outras perspectivas a explorar. Ou seja, há quarenta anos
que repetimos a mesma política, ainda traçada por Rômulo Almeida
no PLANDEB, quando trabalhamos o curto-prazo num pragmatismo
radical que nos leva a explorarmos, quase sempre com sucesso, as
oportunidades que se apresentam como foi recentemente o caso do
projeto Ford. Mas é fato que, estes sucessos episódicos, associados a
uma postura neoliberal, nos fez parar de pensar a Bahia no longo prazo.
Paramos de planejar o nosso futuro. Paramos de discuti-lo. Assumiu-se
uma postura dogmática de que a visão do governo é sempre a melhor
para o Estado e de que qualquer discordância desta verdade é um gesto
de oposição. Como se uma oposição inteligente não fosse construtiva.
Nos submetemos também à ditadura do marketing e da mídia e nos
concentramos a trabalhar naquilo que gera notícia e que acontece no
aqui e agora, perdendo o sentido de processo, de acompanhamento
severo dos projetos incentivados e da construção de feedbacks que
possibilitem a correção de rumos e a abertura de novos caminhos
assegurando a construção de um futuro que realmente satisfaça ao
interesse coletivo.

188
FRAGMENTOS

Referências bibliográficas:

ALMEIDA, Rômulo. Traços da história econômica da Bahia no último


século e meio. Salvador: Revista de Planejamento 5(4),19-54, out/dez
1977.

ARRIGHI,Giovanni. O longo século XX : dinheiro, poder e as origens


do nosso tempo.São Paulo: Ed. UNESP, 1996.

AVENA, Armando . O Nordeste acusa. Salvador: A Tarde, edição de


17.03.2002.

BARROS, Ricardo Paes de; MENDONÇA, Rosane Silva Pinto. Os


determinantes da desigualdade no Brasil. Rio de Janeiro: IPEA, 1995.

BARROS, Ricardo Paes de; HENRIQUES, Ricardo; MENDONÇA,


Rosane. A estabilidade inaceitável : desigualdade e pobreza no
Brasil . Rio de Janeiro: IPEA, 2001.

CRUZ, Rossine Cerqueira da. Distribuição da renda populacional da


cidade do Salvador. Salvador: IPA/PMS, 2000.

EMTURSA, Empresa Municipal de Turismo de Salvador. Indicadores


do carnaval 2001. Salvador: EMTURSA, 2001.

FANON, Frantz. Peau noire,masques blancs Editions du Seuil, 1952.

FURTADO, Celso. Formação Econômica do Brasil. Rio de Janeiro:


Fundo de Cultura, 1959.

HENRIQUES, Ricardo. Desigualdade racial no Brasil: evolução das


condições de vida na década de 90. Rio de Janeiro: IPEA, 2001.

HIRSCHMAN, Albert O. Estratégia do desenvolvimento econômico.


Rio de Janeiro: Fundo de Cultura,1960.

IANNI,Octávio. Escravidão e racismo .São Paulo: Hucitec, 1988.

189
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

PEDRÃO, Fernando Cardoso. Uma introdução à pobreza das nações.


Petrópolis: Vozes, 1991.

SANTOS, Luiz Chateaubriand Cavalcanti dos. Trabalha, trabalha


negro: participação dos grupos raciais no mercado de trabalho da
RMS. Bahia Análise & Dados, v.10, n.4, Salvador: SEI, março de 2001.

SANTOS, Milton. O espaço dividido. Os dois circuitos da economia


urbana dos países subdesenvolvidos.Rio de Janeiro: F.Alves,1979.

SINGER, Paul Israel. A economia urbana de um ponto de vista


estrutural: o caso de Salvador in Souza,Guaraci Adeodato (Org.)
Bahia de Todos os Pobres. Petrópolis: Vozes/Cebrap, 1980.

SOARES, Sergei Suarez Dillon. O perfil da discriminação no mercado


de trabalho : homens negros, mulheres brancas, mulheres negras.
Brasília : IPEA, 2000.

SPINOLA, Noelio Dantaslé. Análise da política de localização industrial


no desenvolvimento regional: a experiência da Bahia. Barcelona:
2000.

(21/01/2003).

190
FRAGMENTOS

ARTIGO

RÉQUIEM PARA
A CULTURA
POPULAR

05
191
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

192
FRAGMENTOS

Réquiem para a cultura popular


Noelio Dantaslé Spinola1

"Tenho duas armas para lutar contra o desespero, a


tristeza e até a morte: o riso a cavalo e o galope do
sonho. É com isso que enfrento essa dura e fascinante
tarefa de viver." Ariano Suassuna (2007).

Resumo
Texto elaborado para o IX Encontro Nacional da Associação Brasileira
de Estudos Regionais e Urbanos. Trata do conflito entre as formas
primitivas e ingênuas da arte, que integram a cultura popular
e consequentemente a economia cultural, e a indústria cultural
engendrada pelo sistema capitalista. Parte de um conjunto de
definições e analisa alguns aspectos do carnaval, da produção de
instrumentos musicais e do artesanato, fazendo a ligação destes com
a influência africana e suas repercussões na economia do turismo. O
texto é centrado num quadro que o autor, num estilo irreverente e
heterodoxo, pinta para a cidade do Salvador, no estado da Bahia.

Palavras-chave: Economia cultural. Indústria cultural. Cultura


popular. Salvador.

Abstract
Text prepared for the IX National Meeting of the Association of
Urban and Regional Studies. This text deals with the conflict between

1 Doutor em Geografia e História pela Universidade de Barcelona (ES). Professor Titular de Eco-
nomia Regional e Métodos de Análise Regional no Programa de Pós-Graduação em Desenvol-
vimento Regional e Urbano (PPDRU) da Universidade Salvador (UNIFACS). E - mail: dantasle@
uol.com.br

193
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

the primitive and naive art, incorporated popular culture and


consequently the cultural economy and cultural industry engendered
by the capitalist system. Starting on a set of definitions, examines
some aspects of carnival, the production of musical instruments and
crafts, linking them with the African influence and its impact on the
tourism economy. The text is centered on author’s framework, in an
irreverent style and unorthodox city of Salvador painting in Bahia
state.

Key words: Cultural economy. Cultural industry. Popular culture.


Salvador.

Uma introdução pouco formal

Meus mestres me ensinaram há muito tempo que um texto


acadêmico deve ser austero, rígido, mais frio que um defunto, recheado
de citações, atento às normas da ABNT que mudam frequentemente
aos caprichos de um comitê de “sábios”, para o desespero de autores e
revisores indefesos, e sem qualquer concessão ao humor, sarcasmos e
ironias. Distância! Use sempre a terceira pessoa!
Rident castigat mores, ensinaram os romanos, mandando para
o inferno o formalismo, no que foram bem copiados por Gil Vicente
e Voltaire, mestres da irreverência. O humor, o riso, está na base da
nossa cultura popular. Por que não celebrarei seu funeral segundo a
ortodoxia acadêmica? Porque estou com o poeta Noel Rosa cantando
Fita Amarela: “quando eu morrer, não quero choro nem vela…”.
Porque também estou com o poeta Ariano Suassuna, em sua Iniciação
à Estética: “do ponto de vista social, o riso é uma espécie de castigo
ou reprimenda que a sociedade inflige a alguma coisa que a ameaça”
(2007, p. 155). Através do riso, relata Petry (2010, p.1) os costumes que
estavam em desacordo com a moral eram castigados e, a partir disso,
o riso passa a ser um fenômeno, sobretudo social e humano e que
ocorre somente em circunstâncias onde, de alguma forma, a sociedade
vê-se ameaçada. Eu penso que a morte da cultura popular pela sua

194
FRAGMENTOS

massificação é uma grande ameaça.


Sorrio então, com este estilo, cansado de ser academicamente
correto, já encerrando a simbólica idade de 69 anos, e correndo o risco
de ter meu texto reprovado por ser assim heterodoxamente irreverente.
Sorrindo decidi com desencanto dar meu adeus à cultura
popular, naif, e a economia por esta engendrada a partir de múltiplos
lugares, como o interior do Nordeste que gerou sertanejos famosos
a exemplo dos Vitalino, Nhô Caboclo, Luiz Antônio da Silva e tantos
outros; dos undergrounds de Salvador e Recife, responsáveis pelos
magníficos carnavais, verdadeiros vulcões que transbordavam uma
preciosa criatividade nos batuques dos afoxés, do pau elétrico de Dodô
e Osmar,2 transformado em guitarra baiana por Moraes Moreira, da
Vassourinha de Joana Batista3 e Matias da Rocha, sucedidos por tantos
outros cuja lista é interminável.
Seguindo o conselho de Chaplin, quando dizia: “Ei! Sorria...
Mas não se esconda atrás desse sorriso...” trato neste artigo de um
problema identificado, ainda na década de 1940 por Horkheimer
e Adorno (1944) que em sua Dialética do Iluminismo denunciam o
surgimento da indústria cultural que no sistema capitalista passa a
dominar e absorver a economia cultural. Assim la participación en tal
industria de millones de personas impondría métodos de reproducción
que a su vez conducen inevitablemente a que, en innumerables lugares,
necesidades iguales sean satisfechas por productos estándar. La
industria cultural, en suma, absolutiza la imitación (p. 50).
Sorrindo vejo sumir a arte ingênua responsável por muitos
empregos na economia da cultura popular que nesta implacável marcha
da modernidade é transformada em produto da indústria cultural e dá
lugar a uma estética padronizada pela máquina e o computador, ou é
descartada e esquecida quando inadaptável aos gostos padronizados.
Talvez pareça que sou um saudosista romântico daqueles que
gostariam de congelar o passado. Sou não! Concordo apenas com
Adorno e Horkheimer que há 66 anos diziam: no se trata de conservar
el pasado, sino de realizar sus esperanzas (1944, p. 4).

2 A “fobica” de Dodô foi transformada em Trio Elétrico.


3 Como sempre nesta seara: há controvérsias.

195
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

Apenas deploro e protesto pela sorte dos pequenos artesãos


nordestinos que enfrentam a concorrência desleal e maciça da China
que copia descaradamente e sem pagar direitos autorais as suas
imagens4; dos músicos e outros artistas populares que de protagonistas
vão sendo reduzidos a assalariados eventuais da indústria fonográfica;
dos produtores de instrumentos musicais que são massacrados pela
concorrência das multinacionais; dos mestres carpinteiros dos saveiros do
Recôncavo Baiano liquidados pelo fiberglass e o IBAMA; dos cordelistas
que não substituem mais um Patativa do Assaré, um Cuica de Santo
Amaro, um Leandro Gomes de Barros ou João Martins de Athayde,
até porque as feiras, que eram seus palcos originais, estão acabando,
substituídas por centros de abastecimento e pela Internet que decretou
o fim do papel impresso. Não vivemos mais na galáxia de Gutenberg, e
eu que sou um velho reacionário não acredito em cordelista digital. Não
vejo mais a banda passar pelo coreto da praça, nem os circos anunciados
pelos palhaços de longas pernas de pau, cantando inocentemente o
hoje politicamente incorreto refrão: “olê, olê, olê bambu, fio de nego
é urubu!” e seguidos por uma multidão de crianças deslumbradas que
lotavam os espetáculos. Os “theatros” desaparecem por falta de
salas e patrocinadores. As salas de cinema viraram igrejas evangélicas.
As “philarmônicas” e as “lyras” populares também sumiram. Estão
acabando os músicos que tocavam por partitura. Os festejos religiosos
estão sumindo gradualmente ou sofrendo transformações radicais que
os descaracterizam como é o caso da Lavagem do Bonfim e das festas
da Conceição da Praia, do Rio Vermelho de São Lázaro, de Santa Bárbara
e de São Cosme e São Damião. Os que sobrevivem se transformam em
carnaval ou desfile de políticos como a famosa lavagem do Bonfim. E
por ai vai…
Pois bem, é nestas categorias da cultura popular, ingênua, naif,
(que geravam emprego e renda e absorvia muitas vezes na informalidade
um montão de gente) que agoniza a economia cultural.
Neste artigo, pretendo apresentar algumas considerações sobre

4 Encontrei similares de produtos da cerâmica afro-baiana fabricados artesanalmente em Ma-


ragogipe e Nazaré das Farinhas, e vendidos na Feira dos Caxixis, no Mercado Modelo e na Feira
de São Joaquim, em lojas de artesanato de Buenos Aires, Santiago, Lima, Lisboa e Madrid.
Todos muito bem feitos, perfeitos, made in China!

196
FRAGMENTOS

o problema tratando de alguns aspectos conceituais e de setores da


economia cultural popular, como: o carnaval e as festas populares, o
artesanato popular, a música, as artes plásticas e cênicas, e a culinária.
Limito-me ao território baiano, notadamente Salvador, onde fica a
minha tribo, com um lembrete para os demais nordestinos: quando
a gente vê as barbas do vizinho arder, é melhor meter as nossas de
molho!

E o que vem a ser economia cultural?

Segundo dizem os doutos, economia cultural é uma categoria


que abarca um notável campo de produção, circulação e consumo
de bens e serviços simbólicos, de natureza material e imaterial,
genericamente denominados bens ou produtos culturais. O uso
desta terminologia é frequente na academia, e na mídia, embora a
bibliografia sobre o assunto seja exígua. Assim sendo, não há uma
conceituação explícita do seu significado. Não existe uma separação
entre a economia cultural popular que estuda as categorias
mais simples e mais pobres e a economia cultural da elite que
estuda as categorias mais sofisticadas. Para compreendê-la melhor
analisaremos os seus termos em separado, para depois ressignificá-los
em seu conjunto.

Sobre a economia, ciência por demais conhecida, a sua


importância pode ser observada nos diversos mundos culturais, em
todas as épocas históricas e em todas as sociedades. No modo de
produção capitalista o mercado torna-se o regulador da vida social.
Nestes termos tudo é interpretado como mercadoria. Marx (1971, p.79)
destaca que “o sistema capitalista transforma todos os objetos úteis em
mercadorias”. Para ele, o fetiche ou caráter ilusório das mercadorias,
que afinal satisfazem necessidades humanas, não se deve ao seu valor
de uso, mas, sim, ao seu valor simbólico.

A primeira vista, uma mercadoria parece uma coisa trivial


e que se compreende por si mesma. Pela nossa análise
mostramos que, pelo contrário, é uma coisa muito

197
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

complexa, cheia de sutilezas metafísicas e de argúcias


teológicas. Enquanto valorde-uso, nada de misterioso
existe nela, quer satisfaça pelas suas propriedades as
necessidades do homem, quer as suas propriedades
sejam produto do trabalho humano. O caráter místico da
mercadoria não provém, pois, do seu valor-de-uso. Não
provém tão pouco dos fatores determinantes do valor.
O carácter misterioso da forma-mercadoria consiste,
portanto, simplesmente em que ela apresenta aos
homens as características sociais do seu próprio trabalho
como se fossem características objetivas dos próprios
produtos do trabalho, como se fossem propriedades
sociais inerentes a essas coisas; e, portanto, reflete
também a relação social dos produtores com o trabalho
global. Este fetichismo do mundo das mercadorias
decorre do caráter social próprio do trabalho que produz
mercadorias. Os objetos úteis só se tornam em geral
mercadorias porque são produtos de trabalhos privados,
independentes uns dos outros. (MARX, 1971, p.81).

Galbraith (1968) e Canclini (1997) destacam que a sociedade


capitalista, ao generalizar e expandir o mercado, aumentando a
quantidade de mercadorias nele transacionadas promovendo a
diversificação dos seus padrões de qualidade e ampliando através do
marketing a escala das necessidades, transforma os consumidores,
massificando-os e reduzindo subliminarmente a sua liberdade
de escolha. Esta generalização dos mercados e de ampliação das
necessidades e padrões de consumo da sociedade contemporânea é
responsável pela “cultura do consumo”, primordialmente, entendida
como “consumo de signos”.
O caráter simbólico das mercadorias é quem nos permite falar
em economia cultural.

198
FRAGMENTOS

Mas, e o que é cultura?

É um território em permanente conflito. No nosso entendimento


cultura é uma categoria polissêmica e, como tal, são vários os seus
significados. Em alguns contextos, que certamente não é o nosso, ela
aparece como sinônimo de erudição ou educação acadêmica.
No cenário midiático, cultura aparece geralmente vinculada ao
mundo das artes: televisão, teatro, cinema, música, literatura, artes
plásticas, esportes etc. Do ponto de vista antropológico, entretanto, a
cultura é concebida de forma muito mais ampla. O velho antropólogo
britânico Edward Burnett Tylor ([1881] 2011) citado por todo mundo,
definiu cultura como a expressão da totalidade da vida social do homem.
Para ele a cultura trata de “todo complexo que inclui conhecimentos,
crenças, arte, moral, leis, costumes ou qualquer outra capacidade ou
hábitos adquiridos pelo homem enquanto membro de uma sociedade.
Trata-se de uma categoria onipresente, pois ocorre em todos os setores
do dia a dia: econômico, político, espiritual religioso, etnolinguístico,
genético, e sociocomportamental. A cultura dos povos é a interconexão
de todas estas esferas, perpassando ainda os aspectos históricos e
geográficos do tempo e do espaço.
Towse (2003, p.19) ensina que a expressão economia cultural
ou da cultura é, em certa medida, uma denominação incorreta e que
se utiliza na falta de outra melhor. Sua denominação pioneira foi
“economia das artes”, mas este rótulo “se mostrou inadequado por ser
restrito e elitista” 5. Ficou-se então com a economia da cultura, como
la aplicación de la economia a la producción, distribución y consumo
de todos los bienes y servicios culturales, e a explicitação de que todos
os bens e serviços culturais devem ter em comum o fato de incluir um
elemento artístico ou criativo.
Os economistas que constituem uma fauna estranha, da mesma
forma que desprezaram os aspectos espaciais da economia, não
tomaram conhecimento da economia cultural. Nas palavras de Lasuén
(2005, p.39):

5 Discordo da autora, por que a arte só existe (na e) para a elite?

199
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

Mientras, desde Ia Ilustración, Ias otras ciencias sociales


han venido dando, en su seno, una importancia
creciente a Ia cultura; Ia economía, llevada de su
propósito obsesivo de convertirse en una ciencia
natural, hasta fechas muy recientes Ia ha considerado
irrelevante o perniciosa. A. Smith y K. Marx, y sus
escuelas respectivas, es decir, Ia mayor parte de los
economistas, han juzgado, durante los dos últimos
siglos, que su actividad era, como Ia de todos los
servicios, improductiva y, por tanto, irrelevante. Los
únicos economistas que rompieron una lanza por Ia
cultura y el arte fueron, naturalmente, los más cultos,
Robbins y Keynes. EI primero, como se ha dicho,
superando Ia línea clásica que afirrnaba que el objeto de
Ia economía era aumentar y distribuir mejor Ia riqueza
nacional, dijo que el objeto genérico de Ia economía era
garanrizar Ia mejor asignación de recursos escasos a Ia
obtención de fines dados, y que éstos podían ser tanto
maximizar a riqueza como la cultura. Keynes, por su
parte, consiguió que, en Ia Inglaterra tradicionalmente
opuesta a toda subvención pública del arte, se creara
el National Endowment for the Arts. Pero ninguno de
los dos adujo que hubiera que estudiar con criterio
económico las actividades culturales y, mucho menos,
que se analizara la influencia de la cultura en el análisis y
política económicos. (Grifos nossos).

A economia cultural abrange a arte produzida tanto por


ricos quanto por pobres. Tanto o Louvre e a Opera de Paris quanto
o Circo Picolino, baiano e o gaúcho Teatro de Lona Serelepe são
objetos do seu estudo. A literatura disponível sobre o tema, produzida
substancialmente nos países do chamado “primeiro mundo” (detesto
esta expressão, é tão ridícula quanto “primeira dama”) contempla
normalmente os produtos culturais para a “elite” (não só a burguesia,
mas também os sofisticados da classe média). Já a literatura brasileira
que conheço está geralmente vinculada aos piedosos e esperançosos

200
FRAGMENTOS

propósitos dos devotos do desenvolvimento sustentável e solidário.


E a cultura popular? Não vou entrar na briga e nas controvérsias
sobre o que é popular ou erudito. Porém faço minhas as palavras
de Saldanha (2010) quando diz que a indefinição dos termos tende
invariavelmente a derivar no preconceito, e na criação de hierarquizações
axiológicas de âmbito sociocultural, ou mesmo socioeconômico,
excessivamente datadas. Por isto me socorri em Mascelani (2009) que
numa linguagem antropológica diz que no Brasil, “costuma-se chamar
de “arte popular” a produção de esculturas e modelagens feitas por
homens e mulheres que, sem jamais terem frequentado escolas de
arte, criam obras de reconhecido valor estético e artístico.” 6 Para mim
também estão incluídos nesta classificação os artistas cênicos, da escrita
e da música. Esta é, pois, a cultura do povo a quem me dedico. É o
resultado de uma interação contínua entre pessoas de determinadas
regiões. Nasceu da adaptação do homem ao ambiente onde vive
e abrange inúmeras áreas de conhecimento: crenças, artes, moral,
linguagem, idéias, hábitos, tradições, usos e costumes, artesanato,
folclore, etc. Ainda nas palavras da antropóloga Angela Mascelani:

O universo da arte popular é fecundo e está em


permanente movimento. Atravessa todos os recantos
da imaginação e em seu rastro revolve e traz à tona
antigas tradições quase esquecidas, inventa temas
nunca antes pensados, colhe novidades no repertório
da vida cotidiana, transforma com frescor o patrimônio
de muitas gerações. No Brasil, seus revigorantes
caminhos conduzem a campos praticamente ilimitados:
da música e do cancioneiro aos shows de habilidades
e performances; da literatura de cordel às invenções e

6 Seus autores são gente do povo, o que, em geral, quer dizer pessoas com poucos recursos
econômicos, (pouca ou nenhuma instrução formal) que vivem no interior do país ou na periferia
dos grandes centros urbanos e para quem “arte” significa, antes de mais nada, trabalho. Apesar
de fortemente enraizada na cultura e no modo de viver das pequenas comunidades nas quais
tem origem, a arte popular exprime o ponto de vista de indivíduos cujas experiências de vida
são únicas. Apresenta os principais temas da vida social e do imaginário — seja por meio da
criação de seres fantásticos ou de simples cenas do cotidiano — numa linguagem em que o
bom humor, a perspicácia e a determinação têm lugar de destaque. (MASCELANI, 2009).

201
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

bricolages; das festas comunitárias ao folclore; do teatro


às brincadeiras de rua, das artes plásticas ao artesanato.
Abrange variada gama de produções feitas por pessoas
que, sem jamais terem freqüentado escolas de arte,
criam obras nas quais se reconhecem valor estético
e artístico. Obras que encontram sentido e, de certa
forma, revelam importantes aspectos da cultura em que
surgem. (MASCELANI, 2009, p.12).

Acredito que a arte popular vem sendo gradativamente


absorvida, transformada e canibalizada, pela indústria cultural que, nas
palavras de Adorno e Horkheimer (1944 p.37) ao introduzir a tecnologia
viabiliza o atendimento simultâneo a milhões de pessoas impondo a
adoção de métodos automatizados de reprodução e possibilitando
que em inumeráveis lugares, necessidades iguais sejam satisfeitas por
produtos padronizados.

La tarea que el esquematismo kantiano había asignado


aun a los sujetos la de referir por anticipado la
multiplicidad sensible a los conceptos fundamentales
le es quitada al sujeto por la industria. La industria
realiza el esquematismo como el primer servicio para el
cliente. Según Kant, actuaba en el alma un mecanismo
secreto que preparaba los datos inmediatos para
que se adaptasen al sistema de la pura razón. Hoy, el
enigma ha sido develado. Incluso si la planificación del
mecanismo por parte de aquellos que preparan los
datos, la industria cultural, es impuesta a ésta por el
peso de una sociedad irracional - no obstante toda
racionalización-, esta tendencia fatal se transforma,
al pasar a través de las agencias de la industria,
en la intencionalidad astuta que caracteriza a esta
última. Para el consumidor no hay nada por clasificar
que no haya sido ya anticipado en el esquematismo de
la producción. El prosaico arte para el pueblo realiza
ese idealismo fantástico que iba demasiado lejos para

202
FRAGMENTOS

el crítico. Todo viene de la conciencia: de la de Dios en


Malebranche y en Berkeley; en el arte de masas, de la
dirección terrena de la producción. No sólo los tipos de
bailables, divos, soapoperas retornan cíclicamente como
entidades invariables, sino que el contenido particular del
espectáculo, lo que aparentemente cambia es a su vez
deducido de aquéllos. Los detalles se tornan fungibles.
(ADORNO; HORKHEIMER, 1944 p.40).

Segundo Adorno (1999), na Indústria Cultural, tudo se torna


negócio. Enquanto negócios, seus fins comerciais são realizados por
meio de sistemática e programada exploração de bens considerados
culturais É aí que mora o problema, posto que a indústria cultural na
busca da maximização dos lucros preconiza a produção em massa.
Nisto padroniza o “produto cultural” e prostitui o criador. Fazendo isto
mata a criatividade que deriva da espontaneidade posto que dispensa o
fluxo de experiências e movimentos na relação com o meio.
Em 1978, o eminente antropólogo e etnólogo francês Claude
Lévi-Strauss, em seu clássico Myth and Meaning, dizia com grande
propriedade:

Provavelmente, uma das muitas conclusões que se


podem extrair da investigação antropológica é que a
mente humana, apesar das diferenças culturais entre as
diversas frações da Humanidade, é em toda a parte uma
e a mesma coisa, com as mesmas capacidades. Creio
que esta afirmação é aceite por todos. Não julgo que as
culturas tenham tentado, sistemática ou metodicamente,
diferenciarem-se umas das outras. A verdade é que
durante centenas de milhares de anos a Humanidade não
era numerosa na Terra e os pequenos grupos existentes
viviam isolados, de modo que nada espanta que cada
um tenha desenvolvido as suas próprias características,
tornando-se diferentes uns dos outros. Mas isso não era
uma finalidade sentida pelos grupos. Foi apenas o mero
resultado das condições que prevaleceram durante um

203
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

período bastante dilatado. Chegados a este ponto, não


queria que pensassem que isto é um perigo ou que estas
diferenças deveriam ser eliminadas. Na realidade, as
diferenças são extremamente fecundas. O progresso
só se verificou a partir das diferenças. Atualmente,
o desafio reside naquilo que poderíamos chamar a
supercomunicação – ou seja, a tendência para saber
exatamente, num determinado ponto do mundo, o
que se passa nas restantes partes do Globo. Para que
uma cultura seja realmente ela mesma e esteja apta a
produzir algo de original, a cultura e os seus membros
têm de estar convencidos da sua originalidade e, em
certa medida, mesmo da sua superioridade sobre os
outros; é somente em condições de subcomunicação
que ela pode produzir algo. Hoje em dia estamos
ameaçados pela perspectiva de sermos apenas
consumidores, indivíduos capazes de consumir seja
o que for que venha de qualquer ponto do mundo
e de qualquer cultura, mas desprovidos de qualquer
grau de originalidade. (LÉVI-STRAUSS, 1978, p.31/32)
Grifos nossos .

Onde floresce a economia cultural popular

É na informalidade que nasce, cresce e morrem a maioria dos


protagonistas da economia cultural popular. No seio deste gigante
invisível operam milhões de despossuídos, visto não haver restrições
de entrada; o aporte de recursos é mínimo e normalmente de origem
doméstica; a propriedade dos instrumentos de produção, quando
existe, é individual ou familiar; as operações ocorrem em pequena escala
sendo os processos produtivos intensivos em trabalho e tecnologia
adaptada; a mão de obra é qualificada externamente ao sistema escolar
formal; a atuação ocorre em mercados competitivos e não regulados;
possui tendências fortemente anarquistas por rejeitar a autoridade
governamental e seus ditames burocrático-fiscalistas.

204
FRAGMENTOS

O segmento reúne atividades que empregam tecnologias


simples ou rudimentares, que alcançam baixa produtividade, entre as
quais se inclui uma ampla gama de unidades produtivas que vão desde
a pequena oficina de trabalho manual até o ponto de venda ambulante,
agrupando, por um lado, trabalhadores que atuam numa modalidade
de contratação não legal e, por outro, aqueles que se auto-empregam
em atividades de serviço de pouca qualificação, não sendo nítida a
divisão entre capital e trabalho e, portanto, a configuração de classes,
no seu interior, não obedece à configuração de classes predominantes
nos setores modernos.
O retrato da informalidade modifica-se continuamente no que
se refere à variedade de atividades que abrange.

“A informalidade é um campo criativo, que infiltra


a sociedade econômica formalmente organizada,
pondo-a contra seu próprio tabu da eficiência. Famílias
e pessoas sobrevivem na informalidade, quando não
conseguem sobreviver no mercado formal de trabalho.
Assim, a informalidade é continuamente infiltrada pelas
transformações técnicas da economia formal, que em
grande parte realiza uma burocratização do saber”
(PEDRÃO, 1998, p.19).

Nos países do apelidado “Terceiro Mundo” a informalidade


e a pobreza são fenômenos vinculados, em grande parte devido ao
caráter errático das rendas geradas pelo setor e pela precariedade das
condições de vida e trabalho dos seus agentes e associados aos:

“(...) segmentos mais pobres da população ocupada sem


levar em conta as formas de inserção do trabalhador na
produção, (...) se por conta própria ou assalariado -, a
forma de organização do estabelecimento produtivo
e sua inserção no mercado de bens e ou produtos e o
tecido heterogêneo e diversificado do setor informal”
(CACCIAMALI, 1991, p.125).

205
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

O segmento informal é dito subordinado no sentido de que


seu espaço econômico é delimitado pela dinâmica do capital, sendo
continuamente redefinido. As atividades informais atuam em espaços
“ainda não ocupados, abandonados, criados e recriados pela produção
capitalista” (CACCIAMALI, 1983, p. 608), caracterizando-se, pois, por
uma inserção intersticial na estrutura econômica. Trata-se de ressaltar
a aderência do segmento à dinâmica do capital, sem resvalar para o
mecanismo do atrelamento funcional.
O setor informal tende a guiar-se por uma lógica empresarial
diversa da racionalidade econômica formal, baseada no retorno sobre
o capital investido, na taxa de lucro e na acumulação (reinvestimento).
Entende-se, então, que o setor informal possui, sim, uma lógica própria
de atuação no mercado. É a lógica da sobrevivência que consiste
na busca de um retorno financeiro de curtíssimo prazo priorizando a
manutenção das necessidades básicas da família.

Trocando em miúdos: a metamorfose econômica do carnaval.

A produção cultural baiana transita entre a informalidade e a


formalidade. Nesta passagem a economia cultural cede lugar à indústria
cultural. Parte dos artistas se transforma em empresários, outra parte
em assalariados e muitos desaparecem.
Na análise deste fenômeno recorremos a Singer (1980), que
observou serem o progresso e a miséria produtos do mesmo processo,
que consiste na penetração e na expansão do capitalismo num meio
em que predominavam outros modos de produção. Trata-se de um
processo de transformação estrutural, que evolui ao longo do tempo. O
capital penetra em determinados ramos de atividade em que possui
maiores vantagens em relação ao modo de produção preexistente,
revolucionando os métodos de produção e introduzindo outras
relações de produção. Ou então, ele surge mediante a implantação
de atividades novas, que só ele é capaz de suscitar. Cria-se, então, um
inter-relacionamento dinâmico entre o segmento capitalista e os
outros modos de produção que são postos à disposição do capital,
transformando-se, por exemplo, em reservatório de mão de obra.

206
FRAGMENTOS

Aí está exatamente o que vem ocorrendo com o Carnaval, a


maior manifestação da cultura popular baiana
Como demonstram as estatísticas oficiais, o carnaval baiano
transformou-se num mega-empreendimento capitalista, onde as chances
de geração de micro e pequenos negócios estão sendo gradativamente
eliminadas pela maior capacidade de articulação e competitividade de
diversos grupos de interesse internos e externos à festa.
Os conhecidos efeitos de Hirschman (1958) “para trás”
(backward linkage effects) e “para frente” (forward linkages effects)
que a festa produzia em relação a uma miríade de atividades culturais
que gravitava em seu entorno vão gradativamente se transferindo
para outras regiões (Sudeste) onde um parque manufatureiro com
custos competitivos (escala) possibilita um suprimento mais eficaz. E aí
desaparece a fonte local de renda para artesãos dos mais diversos
segmentos e outros produtores culturais. Veja, por favor, a figura 1,
perto daqui.
Em 2003 surgiu na Bahia uma brilhante idéia de organizar os
micro e pequenos empresários do carnaval para que suprissem com mais
eficácia e produtividade as demandas dos grandes blocos carnavalescos
e dos foliões em geral, tratava-se da fábrica do carnaval. Nas palavras
de Eliana Dumet que, com o finado Nilo Coelho de Araújo (grande
técnico), foi a autora do projeto: a fábrica funcionaria como uma oficina
de criatividade na área de instrumentos (principalmente percussão),
fantasias, elementos decorativos etc. e ofereceria cursos voltados para a
formação e gestão de bandas com músicos que soubessem ler partitura.
Hoje em dia, qualquer tocador de pandeiro ou atabaque, de qualquer
esquina, forma uma banda para tocar de ouvido. As partituras, na Bahia,
perderam a finalidade. A fábrica funcionaria o ano inteiro e seria uma
grande geradora de emprego e renda para a população da cidade.
A idéia era também a de criar núcleos nos bairros, nos anos seguintes,
e em cada um deles os trabalhadores cadastrados seriam do próprio
bairro. Esta idéia de Dumet foi copiada no Brasil por inúmeros estados,
principalmente no Sudeste. Sabese que as “fabricas” estão funcionando
muito bem no Rio de Janeiro e São Paulo. A da Bahia, criada com
“pompa e circunstância” em 2006, fechou sem maiores explicações.
Faltou interesse e competência ao poder público para organizar grupos

207
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

complexos, administrar conflitos e conciliar interesses. A demanda que


seria desta fábrica acabou direcionada para a região Sudeste.
Nossa tese é a de que o Carnaval da Bahia é uma festa negra7
e, como tal, fortemente influenciado pela cultura africana. Sendo assim
não se pode deixar de falar na negritude e pobreza da cidade.

Figura 1 - Cadeia produtiva do carnaval baiano.

Fonte: O autor.

7 A extrema direita irá discordar desta afirmativa. Não estou dizendo que os negros criaram o
carnaval. Uma festa que segundo Cardoso (2010) surgiu no Egito quatro mil anos antes de Cris-
to e foi trazida para o Brasil como o Entrudo português. Quem acompanha – analiticamente – o
carnaval baiano pode perceber claramente a influência negra e mística no carnaval baiano com
os Filhos de Ghandi, Ylê Ayê, Olodum, Timbalada e outros menos votados.

208
FRAGMENTOS

Salvador é uma cidade negra e pobre, sendo pobre porque é


negra. Nas raízes desta pobreza estão os esforços mobilizados pela
filosofia e evangelização da Igreja Católica, que ao longo dos séculos
sempre se postou a serviço das classes dominantes. Objetivando trazer
os negros para os “braços de Jesus” através da catequese e, de tabela,
amansá-los para as senzalas canavieiras, os zelosos padres jesuítas que
compactuaram cinicamente com uma escravidão cruel, não conseguiram
suprimir sua cultura ancestral, conservada e transmitida de geração
a geração através da tradição oral maior parte do tempo encapuzada
no sincretismo. Muito grave, porém foi que, como sequela, os fez
conformarem-se com o pouco, num determinismo fatalista que os levou
a aceitarem pacificamente a pobreza como sendo uma condição, um
destino, “uma sina”, convencidos nas recompensas da eternidade posto
que Jesus mandara lhes dizer que era mais fácil passar um camelo pelo
fundo de uma agulha do que um rico entrar no reino de Deus.
Atualmente quem perpetua estruturalmente o quadro é o circo
montado pela indústria cultural
A movimentação negro-mestiça está calcada no sentido genérico
de “raízes africanas”. Essa referência a uma origem ancestral procura
afirmar uma memória coletiva localizada numa África, muitas vezes,
mítica e genérica. O que é apropriado do vasto repertório africano são
elementos como a religião, a gastronomia, a música-dança, a moda
expressa na indumentária e nos penteados, em variadas formas de
usar os cabelos-sinais diacríticos que procuram estabelecer o contraste
através da imagem de africanidade (GUERREIRO, 2000). Cada um desses
elementos apresenta um vasto potencial econômico.
Penso que a exploração colonialista do negro, com todas as suas
trágicas consequências, impediu que ele se inserisse no processo de
acumulação capitalista européia ocorrido na Bahia, fazendo com que,
sincreticamente, assumisse uma lógica econômica própria. A religião
negra, praticada nos numerosos terreiros de Salvador foi, e continua
sendo, a esfera sociocultural em que é mais evidente a compreensão
ingênua ou crítica, das condições alienadas da sua vida e o ponto de
partida de organização da sua consciência social. Assim, a religião, em
conjunto com a magia, o folclore e a música reteve as características
africanas, mais do que a vida econômica.

209
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

Segundo eu mesmo [Spinola (2003)] é neste contexto que


o negro pratica a arte da sobrevivência com alegria. E é aí que ele
desponta inovador e empreendedor. Com acesso deliberadamente
limitado à instrução básica (até o século XIX a educação dos negros era,
por lei, proibida na sociedade escravagista) e muito menos à científica e
tecnológica, o negro baiano valorizou, da sua herança cultural, o corpo
e os sons, somatizando a dor da discriminação e da injustiça social a
que foi condenado, num processo atávico de defesa, subconsciente e
coletivamente percebido, inovando, adaptando e empreendendo na
dança, na música e no carnaval que passaram a constituir novos
modos de produção, resistentes à racionalidade econômica e cultural
das classes dominantes.
Mesmo com a mudança de postura da elite intelectual negra a
partir da década de 1960, com os movimentos da consciência negra
pipocando pelo mundo a fora, esta alternativa genuína de subsistência
começou a ser gradativamente subtraída pela ação de diversos grupos de
interesse internos e externos à festa carnavalesca. Isto é o que se constata
ao observarem-se os rumos que assume esta festa eminentemente
popular. Percebe-se o desenvolvimento de uma elite negra (mas de
alma e preconceitos brancos (FANON, 1983)) cooptada pela indústria
do entretenimento que, utilizando um discurso racial de apologia aos
negros, na realidade apenas os manipula para satisfazer seus projetos de
acumulação. E, neste plano, é apoiada tacitamente pelo sistema político
dominante (principalmente por aqueles interesses vinculados à mídia,
notadamente à televisiva) que, numa apropriação indevida do espaço
público, gradativamente expulsa da folia o pequeno negociante do
carnaval, os pequenos blocos, o vendedor ambulante etc.
Esta postura é reforçada no plano governamental pois, segundo
Olivieri (2002) apud Doria (2003) “com a criação das leis de incentivo
fiscal à cultura (...) o Estado brasileiro passou a atuar apenas
como facilitador da ação cultural”. Entenda-se: o governo federal se
estruturou apenas para facilitar que portadores de direitos de saque
sobre o Tesouro da União, por força da renuncia fiscal, pudessem agir no
mercado como compradores de bens e serviços culturais “segundo os
seus interesses publicitários, promovendo a subordinação do fazer
cultural ao marketing institucional das corporações. No final do

210
FRAGMENTOS

processo, uma prestação de contas formal encerra o controle público, e


é só.” (DORIA, 2003).

Várias foram as consequências desse laissez-faire


cultural. A primeira foi substituir o artista, o criador de
cultura, por empresários culturais na apropriação dos
recursos públicos. Não é mais quem escreve um livro,
quem canta, quem compõe, quem toca, quem pinta,
o beneficiário imediato dos recursos financeiros: é
uma empresa ou uma associação, uma pessoa jurídica
constituída com o precípuo objetivo de gerenciar a
produção cultural como um negócio. O impacto dessa
mudança foi profundo numa economia onde o mercado
de consumo, por ser limitado, elitizado, segmentado e
especializado, se baseava essencialmente no artesão.
O artesanato cultural era o aspecto contraditório da
produção cultural brasileira que o atual governo resolveu
“pelo alto”: ao mesmo tempo em que expressava a
desorganização e fragilidade do setor ele garantia
minimamente uma presença difusa da produção cultural
no tecido social. Pequenos grupos, produtores isolados,
ou foram cooptados por estruturas empresariais
ou simplesmente desapareceram por absoluta falta
de recursos a irrigar suas atividades localizadas e
descontínuas. O artesão foi substituído pelo produtor
cultural, essa figura nova, mista de intérprete do gosto
geral da sociedade e dos complexos cálculos da relação
custo-benefício que estavam fora do alcance dos artesãos
culturais. (DORIA,2011) (Grifos nossos).

Assim o carnaval baiano deixou de ser uma festa popular


transformando-se em show business. E, neste plano, é conduzido pelo
poder público que, por conta de um processo organizacional dos palcos
da cidade, vai tornando, gradativamente, mais difícil a exploração da
folia pelos pequenos artistas e produtores culturais.
Em síntese, a elite artística, hoje milionária e integrada ao show

211
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

business nacional, notadamente o televisivo, não somente monopoliza


os espaços físicos da festa, como absorve grande parte dos patrocínios
e dos benefícios fiscais como os da Lei Rouanet. Conclusão a qualidade
artística musical baiana vem declinando sensivelmente, dada a falta de
inspiração e de criatividade que leva os compositores atuais a descambar
para a “mesmice” e para uma produção de péssimo gosto e qualidade.
Justiça se lhes faça o estímulo e a pressão que sofrem da indústria
fonográfica e dos empresários do ramo que insistem na exploração de
uma temática vulgar, mas de grande aceitação pelo povão.
Agindo em conluio, consciente ou não, artistas já famosos – os
mesmos donos da festa que brilham todos os anos – empresários do
ramo, a mídia e a indústria fonográfica, restringem o acesso à criação de
novos valores que não encontram espaço para divulgar a sua produção.
Assim sendo elimina-se as chances de renovação artística e
cultural. Na ânsia pelo lucro rápido, a indústria cultural não quer perder
tempo investindo na formação de novos valores.
Alguns produtores artísticos acrescentam que o fácil acesso aos
equipamentos de gravação e reprodução tem feito com que muitos
jovens – com talento ou não – dispensem a orientação técnica de
produtores experientes e se lancem no mercado de forma atabalhoada
acabando por se queimar precocemente ou a vegetar em um limbo do
qual dificilmente sairão.

Candomblé informatizado & orixás8 cibernéticos

Sendo o carnaval, na sua essência, uma festa predominantemente


negra, o Candomblé tem tudo a ver, por constituir o elemento dominante
na formação da cultura popular de Salvador, uma cidade que contava
1 961 256 pretos e pardos no total de 2 675 656 habitantes em 2010,
(IBGE, 2011).

8 A rigor seria Orisá ou Orixá porque em Yorùbá não existe plural formado pela adição da
letra "s" ou quaisquer outras modificações das palavras, como no Idioma Português. O plural é
formado pela adição dos pronomes. Como a palavra foi aportuguesada seguiremos as regras
gramaticais do idioma português.

212
FRAGMENTOS

Segundo pesquisa deste autor nos registros da Federação dos


Cultos Afro, constatavase a existência de 617 terreiros funcionando
na cidade do Salvador no ano de 2005. Entre seus responsáveis
predominavam os descendentes da nação Ketu (Yorubá) que possuíam
414 terreiros, ou 67% do total registrado. Em segundo lugar apareciam
os descendentes da nação Angola (Bantos) com 166 terreiros ou 27%
. Em menor número apareciam os oriundos da nação Ijexá (também
dos Yorubás) , com 20 terreiros, equivalentes a 3%; seguidos dos jegê
(daomeanos) com 14 terreiros, ou 2%; e apenas 2 da nação Congo
(0,3%). Este número é discutível porque muitos terreiros fecham e não
dão baixa do registro e outros surgem e não se registram. Tomando-se
por base estes dados e considerando-se que a cidade possui cerca de 20
mil logradouros registrados pela Prefeitura, observa-se que os terreiros
ocupam um espaço equivalente a apenas 2,7% dos logradouros da
cidade.
O candomblé, embora com adeptos em todos os extratos sociais,
tem a grande maioria de seus membros entre as camadas pobres da
população sobre a qual exerce grande influência, e um papel dinâmico
de estímulo a certas atividades econômicas, particularmente o comércio
e o artesanato. Os ricos patrocinam, compram a proteção dos Orixás.
São os Obás. No seu culto as divindades, se revestem de rica e complexa
simbologia que, na prática, se expressa em vestimentas, adornos os
mais diversos e objetos rituais, próprios a cada divindade. Existe ainda
o emprego de sementes, ervas, folhas, plantas em diversas cerimônias
e rituais. Todos esses elementos têm a peculiaridade de obedecer a
certos requisitos rituais, o que implica na observância de procedimentos
consagrados pela liturgia na sua produção, levando a que sua oferta
não seja afetada por qualquer tipo de modernização9. Assim sendo, o
candomblé é responsável direto pelo emprego de artesãos que produzem
os adornos e objetos rituais; costureiras encarregadas das vestimentas
e produtores e comerciantes dos diversos gêneros e materiais antes
citados. Tendo conquistado o reconhecimento e o respeito da sociedade
em geral, o candomblé amplia o seu prestígio, verificando-se, nos últimos

9 Se você ouvir a explicação de um Babalorixá ou Yalorixá autênticos de como se faz uma vesti-
menta, prepara uma comida ou um banho de “descarrego”, um patuá ou de como se consagra
um atabaque, nunca mais abriria uma página sobre o assunto na Internet.

213
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

anos, a disseminação do uso de muitos de seus adornos (pulseiras,


colares, etc.) por pessoas e turistas sem qualquer vínculo com a prática
ou compromisso com a fé religiosa (SPINOLA, 2006)
Pode-se afirmar que a existência e a força do candomblé em
Salvador constituem um fenômeno peculiar de nossa sociedade, com
reflexos evidentes e poderosos na vida da sua economia e cultura popular,
particularmente sobre atividades desenvolvidas em bases informais.
Esta influência ocorre e é transmitida de forma sutil, dissimulada
e misteriosa. Existe um silêncio, um pudor cuidadoso e uma reserva
atávica que remonta aos tempos da repressão, do feitor e da polícia.
Este é um mundo onde não existe o sim ou o não absolutos. Predomina
o talvez. E às vezes um sim pode significar um não e o não um sim.
Definitivamente este é um mundo diferente do ocidental. Nele um
alemão, ou um paulista, pirariam.
A comercialização dos produtos e serviços referentes a esta
religião é geralmente clandestina e as transações são feitas por numerosos
atravessadores. São vários os fornecedores para alguns produtos e, para
outros, a situação é de monopólio ou oligopólio comercial por se tratar
de itens específicos.
Porém os cultos afro estão ameaçados de extinção ou degradação,
sendo absorvidos pela indústria cultural numa escala crescente. A
divulgação da sua prática e dos seus produtos vem alastrando-se na rede
mundial de computadores através de uma imensa quantidade de sites que
comercializam objetos e serviços dos mais variados pela Internet, quase
todos sem demonstrar preocupação com a veracidade das informações
que propagam, misturando o candomblé com umbanda, macumba e
espiritismo e outros divulgando propositadamente informações falsas
para adquirirem vantagens comerciais. Tudo isto vem abastardando o
culto e reduzindo a sua capacidade cultural de influência.10
Percebe-se que a divulgação do candomblé pela internet coincide
10 Caso o leitor queira conhecer um candomblé genuíno, puro, visite o Ilê Axé Opó Afonjá,
tombado pelo IPHAN, e um dos templos mais importantes das religiões de matriz africana no
mundo. Governado por yalorixás, este Candomblé rompeu com o sincretismo, eliminando a
relação dos seus santos com os santos católicos. Estiveram ou estão vinculados a ele personali-
dades como Jorge Amado, Vivaldo da Costa Lima, Antonio Olinto, Pierre Verger e Gilberto Gil,
entre outros.

214
FRAGMENTOS

com a sua destruição pela modernidade. A expansão urbana tem levado


à aquisição das áreas dos terreiros pelas grandes imobiliárias. Os Orixás
precisam de espaço, o Ylê Axé Apó Ofanjá, por exemplo, é dono de uma
área que mede cerca de 39.000 m2. Porém a redução de áreas verdes
da cidade vai reduzindo o espaço para a prática, o que leva a situações
esdrúxulas como as de candomblés funcionando nos espaços restritos
de apartamentos. E os Orixás estão gradativamente perdendo a força
original.

Balagadans, brinco de ouro, colar no pescoço e patuás

O artesanato de Salvador também sofre uma forte influência


dos cultos afro. Verdadeiras obras de arte popular são produzidas
em cerâmica, madeira e metal. A Feira de São Joaquim, o Pelourinho
e o Mercado Modelo são os maiores centros de comercialização de
artesanato religioso da capital baiana.
Os patuá11, que revelam a fé do povo negro baiano, são
comercializados através das miniaturas de Orixás cerâmicas, quadros,
esculturas, pulseiras e colares de contas, e metal, búzios, contreguns12
etc. Entre os produtos artesanais que merecem destaque está a fitinha do
Senhor do Bonfim, que é utilizada sincreticamente também por membros
do candomblé. Os materiais utilizados nos cultos afro-brasileiros vêm
sendo modificados pela introdução de técnicas e materiais novos,
como tecidos sintéticos, metalóides, linhas de nylon, contas plásticas e
de resinas, galvanização de metais, que são amplamente usados por
artesãos, possibilitando a produção de objetos em maior escala, o que
barateia o produto final. As fitinhas do Senhor do Bonfim, por exemplo,
deixaram de ser fabricadas em tecido de algodão substituído pelo nylon.
Seu uso obedece a um rito que exige a benção da fita. Ao amarrá-la no

11 Amuleto. Bentinho.
12 Um dos objetos mais populares do candomblé é o contregun, um bracelete de palha que
se coloca em torno do pulso ou braço, que serve para afastar, após uma cerimônia fúnebre do
candomblé, a alma do morto, que pode possuir aqueles que assistem à cerimônia. Então se usa
esse objeto para proteger as pessoas que ali estão, mas hoje em dia, caiu no gosto popular e foi
disseminado o seu uso pelos baianos e turistas que muitas vezes nada têm a ver com a religião
e não sabem o que estão fazendo.

215
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

pulso o crente deve dar três nós. Para cada nó faz um pedido. Quando
a fita se arrebenta é porque os pedidos são atendidos. Segundo alguns
crentes, confeccionadas em nylon, as fitas se tornaram mais resistentes e
perderam o seu efeito, pois, neste novo material custa muito se romper
no pulso do fiel. É o que dá misturar tecnologia com religião. As fitas são
fabricadas em São Paulo...
Em geral, lucros elevados são obtidos no processo de
comercialização dos objetos confeccionados pelos artesãos religiosos.
Os padrões têm sido apropriados à revelia de seus criadores. Na
maioria dos casos o controle desse processo escapa aos artistas, que
muitas vezes, costumam receber quantias quase simbólicas por seu
trabalho de criação.
Os artesãos baianos não recebem qualquer apoio governamental.
Estão sendo expulsos do mercado pelos concorrentes oriundos de outros
estados e da China, que inunda o mercado com réplicas, vendidas a
preços bastante inferiores.

Rum, Lé e Rumpi13, do sagrado ao profano

No embalo da sonoridade, Salvador e o Recôncavo eram


conhecidos pela produção de instrumentos musicais. Dizia-se até que
as empresas de aviação que serviam à cidade deveriam mudar o design e
o tamanho dos porta bagagens das cabinas dos seus aviões para melhor
acomodarem os berimbaus que os turistas em retorno conduziam.
Tudo isto acabou, as fábricas localizadas em São Paulo ocuparam
o mercado e vendem berimbaus pela Internet em condições vantajosas
para os consumidores.
Os fabricantes locais de berimbaus e de outros instrumentos
de percussão estão dispersos pelos subúrbios da cidade, trabalhando
artesanalmente em fabriquetas de “fundo de quintal”, na maioria das
vezes em condições as mais rudimentares possíveis. Os equipamentos
utilizados são pouco sofisticados (usuais de carpintaria), muitos

13 São os três atabaques sagrados que comandam os cultos do Candomblé.

216
FRAGMENTOS

fabricados ou adaptados pelos próprios artesões e as instalações


físicas também são extremamente precárias e insalubres. O trabalho é
realizado em família, numa tradição que passa de pai para filho. Utilizam
como matéria-prima restos de madeira obtida na construção civil (num
autêntico mercado de sucata). A pele dos instrumentos é originária do
interior do Estado, sendo muito utilizado o couro de bode e de cobra.
A cidade de Araci é o ponto de partida de vários fornecedores, sendo
que a intermediação é muito grande havendo o caso de existirem três
intermediários entre o produtor e o fabricante. O nível de instrução
beira o analfabetismo e a propensão associativa é inexistente (no que
pouco difere das camadas mais esclarecidas da população). Vêem com
profunda desconfiança e ceticismo a possibilidade de receberem algum
tipo de ajuda.A Fazenda Garcia, a Baixa do Fiscal, o Pelourinho e Periperi
são alguns dos locais onde ficam estes artesanatos. Alguns comerciantes
do Mercado Modelo também possuem fabricos localizados em outros
bairros da cidade.
Setenta por cento dos fabricantes de instrumentos que
entrevistamos, trabalham na informalidade, pois não possuem qualquer
tipo de registro junto aos órgãos públicos competentes. Segundo eles,
o principal motivo para que não ocorra uma formalização é o receio
de pagar impostos, de sofrer qualquer tipo de fiscalização e serem
obrigados a pagar multas ou de terem seus estabelecimentos fechados
pelo governo. Ademais, não vêem qualquer vantagem em seres formais.
Os pequenos produtores alegam que a margem de lucro do
setor é muito baixa, tornando-se insustentável a legalização de alguns
deles. Para se ter idéia, a maioria possui uma receita mensal de até
R$ 5.000,00 e outra parcela, também significativa, não ultrapassa a
receita mensal de até R$ 3.000,00. Desta forma, quando os custos são
pagos, o que se obtêm de resultado é insignificante. Estes valores de
receita poderiam ser muito maiores se não existisse uma quantidade
exorbitante de atravessadores no sistema, que se apropriam da maior
parte do lucro gerado na comercialização final dos instrumentos. Ver
tabela 1. O mercado funciona na forma de um oligopsônio. Os grandes
compradores (comerciantes) muitas vezes recebem os produtos em
consignação (só paga ao produtor depois que vende, além de pagar
com atraso) e costumam fixar os preços que pagarão. É pegar ou

217
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

largar. Os artesãos não encontram alternativa. O Instituto Mauá que


é a instituição responsável pela política de fomento e preservação do
artesanato da Bahia, não dá conta do recado. Carente de recursos
humanos qualificados e de recursos financeiros o órgão transforma-se
num expectador privilegiado do processo.
Cerca de sessenta por cento dos produtores não possuem ponto
de vendas e, por isto, vendem para lojas localizadas em pontos de grande
passagem turística, como o Pelourinho, o Mercado Modelo, o shopping
Barra e o aeroporto. Segundo dados coletados por Spinola (2006), a
maior parte das vendas ocorridas no Mercado Modelo, são para turistas.
Os outros mercados também possuem as mesmas características. Assim
sendo, os instrumentos musicais aqui fabricados possuem como destino
final os outros estados da federação sendo também levados por visitantes
estrangeiros para diversos países14. Estes bens culturais possuem uma
demanda sazonal que atinge seu pico no verão, quando a Bahia recebe
o maior número de visitantes.
As grandes lojas que atuam no mercado local de instrumentos
musicais são supridas por instrumentos fabricados fora do estado
procedentes em sua maior parte da região Sudeste e do exterior. Neste
caso, predominam verdadeiras grifes estabelecidas por marcas que
conferem status aos seus possuidores. Grandes músicos brasileiros
poderiam também usufruir a qualidade sonora dos instrumentos baianos,
auxiliando o crescimento e a profissionalização do setor. Porém, isto não
ocorre, pois as grandes fábricas produtoras, muitas vezes utilizandose
do know how baiano, acabam produzindo instrumentos em série, com
qualidade sonora um pouco inferior, porém padronizados, o que acaba
influenciando a decisão de compra dos músicos. Ademais, as grandes
fábricas de percussão possuem ampla vantagem de venda sobre os
pequenos produtores locais devido a sua associação com as grandes
lojas de instrumentos do Brasil.

14 Constatou-se na pesquisa de campo a existência de uma pequena fábrica na Baixa do Fiscal


que tinha franceses como clientes. Periodicamente faziam encomendas e levavam quantidades
razoáveis de produtos para a França (Marselha).

218
FRAGMENTOS

Tabela 1 - Relação preço/custo de alguns instrumentos musicais em 2006.

Fonte: Pesquisa do autor.

219
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

Segundo os principais estabelecimentos comerciais de


Salvador, especializados em instrumentos musicais, existem poucas
possibilidades de venderem produtos locais pela absoluta falta de
legalização dos fabricantes. Para mim isto é desculpa para esconder
o preconceito.
Apenas uma loja adquire no mercado produtor local os
aguidá , numa quantidade média de cem unidades mensais.
15

Admitem, contudo, que se superado este problema de legalização


e investindo-se em tecnologia será vantajosa a comercialização,
notadamente dos instrumentos de percussão
Assiste-se, assim, ao gradativo desaparecimento dos
grandes artesãos locais que desistem de dar continuidade ao ofício,
preparando sucessores, pois inclusive a maioria dos seus filhos e netos
não manifesta interesse pela atividade sendo atraídos por outras mais
interessantes e promovidas pela mídia.
Mas, nem tudo está perdido, como diz o povão cuja esperança
não morre, “quando Deus fecha uma porta, abre uma janela”. Registra-
se que alguns blocos como o Olodum, o Araketu, a Timbalada, o Ilê
Aiyê e o Malê de Balê , além da Banda Didá, “retrabalham” alguns
instrumentos de percussão tradicionais, dotando-os de adereços que
os adequam às suas peculiaridades.
Observe-se que os instrumentos de percussão podem ser
obtidos com os mais diversos materiais, desde que estes sejam tocados
com as mãos ou baquetas. Todos estes blocos possuem escolas de
percussão realizando um trabalho de cunho social, retirando crianças
das ruas, e ao mesmo tempo utilitário, por preparar novas gerações
para as suas bandas A Pracatum, de Carlinhos Brown, é uma escola
de percussão. Ensina as crianças a tocar. Brown é um músico criativo
que inova constantemente, de forma heterodoxa, (adoro este termo
pela forma de ser que expressa) fabricando os mais inusitados
instrumentos de percussão. Isto não quer dizer que estes possam ter
cunho comercial em nível de escala. Admite-se, contudo, a hipótese
de que, deste processo criativo, possam aparecer alguns novos

15 Baquetas para os não iniciados. São pequenas varas de madeira com que se percutem os
tambores. São sagradas. Antes do uso devem “dormir com os santos”.

220
FRAGMENTOS

instrumentos que venham a ser produzidos em massa e se constituam


num sucesso de mercado, como tantas coisas que surgem na Bahia.
Afinal, onde há vida sempre sobra esperança.

Fim de festa

Todos sabem que as atividades turísticas estabelecem uma


forte relação entre a cultura e o mercado. E, na cidade do Salvador,
dona de uma marcante personalidade cultural isto não é diferente.
Por isso mesmo o turismo cultural é uma prioridade na velha capital
baiana que já mudou do patamar de turismo de demanda para o de
turismo de oferta. Isto, para quem não entende destas terminologias,
quer dizer que passamos do estágio onde os ditos turistas vinham até
nós, nos “descobriam” e ficavam embasbacados, para outra onde
somos nós que corremos atrás deles.
Éramos cantados em prosa e verso por gigantes como Dorival
Caymmi, Ary Barroso, Jorge Amado. A nossa negritude era pintada
por Presciliano da Silva, Mário Cravo, Hansen Bahia, Carybé, Sante
Scaldaferri e fotografada por antropólogos como Pierre Verger. E
depois, na obra de poetas mais novos como Capinam, Caetano Veloso
e Gilberto Gil e no cinema de Glauber Rocha. Mas o tempo passa,
muitos gigantes morreram e mesmo os poetas mais novos são hoje
sessentões cuja inspiração e criatividade já “brocharam”. O pior é
que, depois da “gloriosa” de 1964, não surgiu uma nova geração de
poetas compositores do porte dos anteriores. Provavelmente devido
à brutal queda de qualidade da educação básica e secundária. No
meu tempo os colégios da Bahia, Severino Vieira e o Instituto Normal
Isaías Alves, todos públicos, eram uma referência de excelência.
Hoje não são sequer sombras do que foram. Associe-se a censura da
ditadura que castrou toda uma geração; os mecanismos da eletrônica
sonora que tornou muito fácil a produção de besteirol e a urbanização
intensiva que desarticulou todo um modo de vida que servia de base
para a construção da velha cultura.
Surgiram novos polos turísticos, todo Nordeste se transformou,
Recife passou a oferecer um carnaval bem melhor que o baiano.

221
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

Apesar da repetição obsessiva de Vassourinha, o frevo rei, o grau


de participação popular nele é bem maior. Fortaleza e Natal são
as mecas do turismo sol e praia. Em toda a região muitas praias,
muita arte popular e beleza natural. E também muitas “sodomas “e
“gomorras” para todos os gostos. Assim, passamos para o turismo
de oferta. Temos de correr atrás, pegar o “turista a laço”. Sendo esta
argumentação verdadeira é possível imaginar que, do ponto de vista
da atração turística a destruição da herança cultural implica numa
substancial perda de “clientes” e da renda que eles aqui deixam,
alimentando a nossa economia cultural.
Do que falei, o carnaval, no estágio em que se encontra, é um
produto de uma política neoliberal, que vem sendo desenvolvida pela
Prefeitura de Salvador desde o governo do PFL ao do PT. A ideologia
ficou no discurso!
A Prefeitura vem preparando os palcos da cidade para que
neles prospere uma indústria cultural que fatura milhões de reais e
surja uma nova classe, a do artista-empresário que acumula fortunas.
Ali se observa uma acelerada concentração da renda em poder
de um oligopólio , que elimina as chances competitivas dos pequenos
atores e reduz o espaço de chão da festa para os “foliões pipocas”
que constituem a parcela majoritária do público brincante.
Isso, além de elitizar a festa, está matando a galinha dos ovos
de ouro.
Ao romper com suas raízes culturais, ao sufocar a criatividade
natural que brota dos pequenos, ao deixar de ser original, ao ser
bitolada pelos parâmetros tecnológicos da mídia, a festa vai ficando
chata, repetitiva e começa a cansar. E aí o público foge. Se não
mudarem rápido vai piorar. Os soteropolitanos fogem da cidade nesta
época, cansados do repeteco. A cidade fica em mãos dos turistas.
Não se renovando, e haja criatividade, vai acabar. Quem viver verá!
Quanto aos instrumentos musicais acredito que a tendência
será a de expandir a sua venda pela Internet. As fábricas da região
Sudeste, notadamente São Paulo e Paraná suprirão a demanda com
imbatível qualidade e preço. Viva o capitalismo tupiniquim!

222
FRAGMENTOS

Os nossos artesãos já são poucos, não deixam herdeiros, com


o tempo sumirão. Talvez fique um ou outro excelente para servir de
referência.
As festas populares, berços da cultura popular, como falei no
início, estão acabando ou se prostituindo numa baderna de cachaça,
sexo e pó. Veja-se a Conceição da Praia que abre o ciclo de festas
baiano. Há muito que Exu assumiu o lugar de Oxum que se mandou
e não dá a ousadia de aparecer por lá. E o restante vai mais ou menos
ao mesmo ritmo. Perguntem aos mais velhos…
Por tudo isto meus nobres (ah que saudade do cordel!) vos
conto este conto sem aumentar um ponto. Manda o Rei meu senhor
que me contem outro. Estou concluindo este relato, questionando
se não perdi o meu tempo. Quem teve paciência para ler este texto
até o fim deve ser um poço de tolerância ou um idealista romântico
como eu. Todos sem poderes para interferir ou mudar a situação que
descrevi. E aqueles que poderiam fazer alguma coisa, nunca o lerão.
Ou porque são iletrados ou porque os “interesses” são outros…
Assim, estamos naquela situação em relação à cultura popular:
se ela correr o bicho pega, se ela ficar o bicho come.
Não posso fazer mais nada senão sorrir. Sorrir pra não chorar!

223
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

Referências

CACCIAMALI, Maria Cristina. A economia informal e submersa: conceitos e


distribuição de renda. In: CAMARGO, J. M., GIAMBIAGI. (Org.). Distribuição de
renda no Brasil.

Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1991.

CACCIAMALI, Maria Cristina. Setor Informal Urbano e formas de participação na


produção. Estudos Econômicos, São Paulo, v. 13, n. 3, p. 607-627, 1983.

CANCLINI, Nestor Garcia. Consumidores e cidadãos – conflitos multiculturais


na globalização. 4ª ed. Rio de Janeiro: Ed. UFRJ, 2001.

CHAPLIN, Charles. A vida sem medo. Disponível em: <http://www.dignow.org/


post/a-vidasem-medo-90997-78284.html> Acesso em 2 Maio 2011.

DORIA, Carlos Alberto. É chato dizer, mas a Lei Rouanet fracassou Disponível
em <http://pphp.uol.com.br/tropico/html/print/1411.html> Acesso em 2 Maio
2011 DÓRIA, Carlos Alberto. Os federais da cultura.São Paulo: Biruta, 2003.

FANON, Frantz. Pele negra, máscaras brancas. Salvador: Fator, 1983.

GALBRAITH, J. K. O novo estado industrial.Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,


1968 GUERREIRO, Goli. A Trama dos Tambores – A música Afro-Pop de
Salvador. São Paulo : Editora 34. Coleção Todos os Cantos, 2000

HIRSCHMAN, A. O. The strategy of economic development. New Haven: Yale


University Press, 1958.

HORKHEIMER, Max; ADORNO, Theodor Dialéctica del Iluminismo <http://


www.marxists.org/espanol/adorno/1944-il.htm> Acesso em 12 set 2010.

IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Sinopse do censo


demográfico 2010. Rio de Janeiro: IBGE, 2011.

LASUÉN, José Ramon. Cultura y Economia. Madrid: Datautor, 2005

LÉVI - STRAUSS, Claude. Myth and Meaning. University of Toronto Press, 1978
MARX, Karl. O capital. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1971

MASCELANI, Angela. O mundo da arte popular brasileira. Rio de Janeiro:


Mauad, 2009.

224
FRAGMENTOS

OLIVIERI, Cristiane Garcia. O Incentivo Fiscal Federal à Cultura e o Fundo


Nacional de Cultura como Política de Estado: Usos da Lei Rouanet 1996-
2002, ECA/USP, dissertação de mestrado, São Paulo, 2002. .

PEDRÃO, Fernando Cardoso. Urbanização, informalidade e saúde: a teoria e a


experiência de Salvador entre 1950 e 1990. Cadernos de Análise Regional,
nº 02.Salvador : UNIFACS, dez. 1998

PETRY, Lyvia. As raízes ibéricas e populares do teatro de Ariano Suassuna


Polympsesto Nº 10, Ano 9, 2010

SALDANHA, Nuno. Arte popular, arte erudita e multiculturalidade.


Disponível em <www.oi.acidi.gov.pt/docs/Col_Percursos.> Acesso em 20
Jan. 2010.

SINGER, Paul. A economia urbana de um ponto de vista estrutural: o caso


de Salvador. In: SOUZA, Guaraci & FARIA, Vilmar, org. Bahia de todos os
pobres. Petrópolis, Vozes, 1980.

SPINOLA, Noelio Dantaslé. A economia cultural de Salvador. Salvador:


Unifacs, 2006 SUASSUNA, Ariano. Iniciação à Estética. São Paulo: José
Olímpio, 2007.

TOWSE, Ruth. Manual de la Economia de la Cultura. Madrid: Datautor,


2003

TYLOR, Edward B. Anthropology, an Introduction to the Study of Man


and Civilization.

Encyclopedia Britannica Online. Disponível em:

http://www.britannica.com/EBchecked/topic/27528/Anthropology-an
Introduction-to-theStudy-of-Man-and-Civilization.

225
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

226
FRAGMENTOS

ARTIGO

EXEU,
EPÁ BABÁ,
AXÉ!

06
227
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

228
FRAGMENTOS

Exeu, Epá Babá, Axé!1


Noelio Spinola

Resumo
Este artigo analisa a influência africana na economia da cidade
do Salvador, a terceira maior do Brasil em população e a maior do
mundo, fora da Africa, em termos da população negra. Demonstra
como os cultos religiosos, como o candomblé, se transformam nos
veículos inspiradores e condutores de atividades econômicas que se
materializam através do folclore.

Palavras-chave – Economia cultural; Influência africana; Religião


Afro-brasileira; Economia baiana; Emprego e renda; Salvador.

Abstract
This article analyses the African influence in the economy of the
Salvador´s city. It´s the Brazil's third largest population and the largest
in the world in terms of the black population, outside Africa. Then,
demonstrates how religious cults ( such as the Candomblé) have
became    tools´ inspiration, and guides of the economic activities,
so that , they have   materialized through of the folklore

Keywords - Cultural economy; African Influence; Afro-


Brazilian religion; Bahia economy; Employment and Income; Salvador.

Jel Classification:

1 Segundo a Sociedade Yorubana Teológica de Cultura Afro-Brasileira (2011) esta é a saudação


a Oxaguiã. É uma das mutações de Oxalá. Corresponde a Oxalá jovem.

229
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

230
FRAGMENTOS

Introdução

Desde o Século XIX que eminentes cientistas sociais brasileiros


e de outras partes do mundo, através de variados estudos e uma farta
literatura científica têm dissecado a cultura e a sociedade negra. Neste
plano se insere a análise dos cultos afro-brasileiros em suas diferentes
ramificações, discorrendo sobre a sua história, teologia, psicanálise,
características regionais e modalidades de prática. Toda esta atenção
torna o tema complexo e alvo de polêmicas entre as diferentes
correntes de estudiosos do assunto, adeptos e simpatizantes.

Aqui, o que importa é destacar dois pontos fundamentais. O


primeiro é que o negro é um dos fundadores da cultura brasileira. O
segundo é que o culto afro, uma das suas manifestações coletivas
mais eloquentes constitui uma religião reconhecida pelo governo
brasileiro e um elemento significativo da economia cultural da cidade
do Salvador, influenciando de forma marcante o estilo e a prática
de inúmeras atividades populares, dentre as quais se destacam o
artesanato, a produção musical, a culinária, a moda e a medicina2 do
corpo e da alma com as quais se inter-relaciona numa cumplicidade
sutil, muitas vezes cercada de magia e misticismo.

O culto afro constitui um fenômeno determinante da cultura


popular da cidade do Salvador porque, dos seus 2.676.606 habitantes,
80,9% são pretos ou pardos (IBGE,2011)3. A cidade que é a 3ª maior
do Brasil em população, é também considerada como a maior capital
negra do mundo, fora da Africa (RankBrasil, 2011) 4 e registra uma
grande desigualdade social. O seu IDH é levemente maior que o do
Brasil, mas pode se reduzir a níveis da África ou se elevar a níveis da
Europa, dependendo do bairro ou região da cidade considerados (De
Paula, 2011, p.1).

Por imperativo metodológico que norteou a execução da

2 Fitoterápica.
3 São 54,9 % pardos (mulatos) e 26% pretos segundo a mesma fonte.
4 Pessoalmente tenho dúvida desta afirmação. A centena de fontes que consultei e que a
apresentavam, não informavam a sua origem. Não obstante, parece ser uma unanimidade.

231
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

pesquisa realizada em 2009 pelo Grupo de Estudos da Economia


Cultural (Gecal) 5 da qual deriva este texto, faz-se necessário distinguir
claramente as modalidades do culto afro tendo em vista as diferenças
das práticas existentes, a sua distribuição espacial e o fato de constituir
um dos objetos deste estudo o candomblé.

Segundo a direção baiana da Federação Nacional do Culto


Afro-brasileiro (Fenacab) os dois ramos principais do culto são: 1 - os
terreiros de candomblé e 2 - as casas de umbanda. Os terreiros de
candomblé são regidos exclusivamente pela tradição africana e não se
deixam influenciar pelas outras religiões. A umbanda surgiu no Brasil
e mistura, num processo sincrético, a tradição africana, a indígena,
a européia – católica e espírita. Existem significativas diferenças
ritualísticas entre os dois cultos e, inclusive, rivalidade. Esta distinção
não é claramente percebida pelos leigos, gerando muita confusão na
análise destes cultos.

Na visão de Carneiro (2002, p.136) o Candomblé é o local em


que se realizam as festas religiosas em geral; as cerimônias religiosas
anuais obrigatórias do culto. Viana de Fátima (2007, p. 513) define-o
como uma religião afro-brasileira, mediúnica, que cultua entidades
chamadas Orixás, os quais se manifestam no corpo dos crentes por
meio de uma crise de possessão. Para Bastide (2001), candomblé
primitivamente significava dança e instrumentos de música e, por
extensão, passou a designar a própria cerimônia religiosa. É uma
prática religiosa eminentemente urbana, e tem considerável número

de seguidores no país. “O culto organizado não podia, sob a


escravidão, florescer no quadro rural – ou seja, a fazenda ou a cata.
Para mantê-lo o negro precisava de dinheiro e de liberdade, que só
viria a ter nos centros urbanos” (Carneiro, 1959, p. 7).

O fato é que o candomblé é praticado por descendentes de


diversas “nações” africanas cujos ancestrais vieram escravos para
o Brasil. Uma idéia deste complexo emaranhado de civilizações é
fornecida a seguir por Bastide (1985, p.67), citando Arthur Ramos6:

5 Vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional e Urbano (PPDRU)


da Universidade Salvador (Unifacs).
6 Bastide (1985, p. 67) cita a obra de Arthur Ramos, Las poblaciones del Brasil, cap.XII Introdu-

232
FRAGMENTOS

1. as civilizações sudanesas representadas especialmente pelos


yorùbá (nagô, ijexá, egba, ketu etc.), pelos daomeanos do
grupo jêge (ewe e fon) e pelo grupo fanti-axanti chamado
na época colonial de mina.

2. as civilizações islamizadas representadas, sobretudo, pelos


peuhls, pelos mandingas, e pelos haussa.

3. as civilizações dos bantos do grupo angola-congolês


representadas pelos ambundas de Angola (cassangues,
bangalas, inbangalas e dembos), os congos ou cabindas
do estuário do Zaira e os benguela.

4. as civilizações dos bantos da Contra-Costa representadas


pelos moçambiques (macuas e angicos). (Bastide, 1985 p.67).

Como informa Bastide (1985, p.68/69) a África enviou ao Brasil:

negros criadores e agricultores, homens da floresta


e da savana, portadores de civilizações de casas
redondas e outras de casa retangulares, de civilizações
totêmicas, matrilineares e outras patrilineares, pretos
conhecendo vastos reinados, outros não tendo mais
que uma organização tribal, negros islamizados e
outros “animistas”, africanos possuidores de sistemas
religiosos politeístas e outros, sobretudo, adoradores
de ancestrais de linhagens.

Não é de estranhar que mesmo entre os especialistas no


campo encontrem-se frequentemente interpretações diferenciadas e
contraditórias.

Existem controvérsias quanto ao número dos terreiros de


candomblé em Salvador. Na verdade, não se conhece uma pesquisa
confiável que informe com margem de segurança o número exato
dessas unidades. A pesquisa realizada pelo Gecal (2009), constatou
nos registros da Fenacab, a existência de 617 terreiros efetivamente

ção à antropología brasileira.

233
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

registrados em Salvador. Entre seus responsáveis predominavam os


descendentes da nação Ketu (Yorùbá) que possuíam 414 terreiros,
ou 67% do total registrado. Em segundo lugar apareciam os
descendentes da nação Angola (Bantos) com 166 terreiros ou 27%%.
Em menor número apareciam os oriundos da nação Ijexá (também
dos Yorùbás), com 20 terreiros, equivalentes a 3%; seguidos dos jegê
(daomeanos) com 14 terreiros, ou 2%; e apenas 2 da nação Congo
(0,3%). Este número é discutível porque muitos terreiros fecham
e não dão baixas do registro e outros surgem e não se registram.
(Gecal, 2009). Tomando-se por base estes dados e considerando-se
que a cidade possui 23 mil logradouros registrados pela Prefeitura,
observa-se que os terreiros ocupam apenas 2,7% do seu espaço.

O mapa seguinte apresenta a distribuição dos terreiros na


cidade do Salvador, construído com base no cadastro da Fenacab.
Nele observa-se que as concentrações estão localizadas em áreas da
cidade que constituem vales onde existem remanescentes da Mata
Atlântica, na proximidade do Mar e nos subúrbios que já foram
distantes do centro urbano. A expansão da cidade do Salvador, com
as suas avenidas de vale, destruiu o sistema urbano construído pelos
portugueses nos séculos XVI/XIX e o equilíbrio que harmonizava as
funções trabalho x habitação. O Candomblé que constitui uma religião
essencialmente ecológica, onde a mata e a vegetação constituem
elementos importantes para a sua funcionalidade religiosa, vem
sendo gradativamente esmagado pela especulação imobiliária.7

Segundo Maria Stella de Azevedo, a Mãe Stella de Oxóssi, do


Ilê Axé Opô Afonjá o candomblé é uma organização eminentemente
matriarcal. O seu comando é exercido pela ialorixá (mãe-de-santo). A
liderança feminina nessa tradição religiosa, vem de um simples fato:
as pioneiras do candomblé, princesas africanas que vieram para a
Bahia em fins do século XVIII criou o princípio de que as suas casas
religiosas só poderiam ser lideradas por mulheres. Uma tradição
mantida até hoje nos terreiros como a Casa Branca, o Alaketu, o
Gantois, o Afonjá e o Cobre.

7 Pesquisadores do Gecal/Unifacs constataram a existência de candomblés cujo culto é


praticado em terraços de prédios.

234
FRAGMENTOS

Evidente que existem muitos terreiros liderados por pais


de santo (babalaorixá). Não obstante, enquanto a figura feminina
da ialorixá é venerada e muito respeitada, sendo alvo de muitas
homenagens, o mesmo não ocorre com os homens que são
frequentemente objeto da sátira da mídia e dos preconceitos da
população

Figura 1 - Mapa dos terreiros de Candomblé da Bahia.

Fonte: Elaboração de: Fábio Viveiros C. Pereira, 2005.

235
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

Segundo Costa Lima (1977) a Mãe ou o Pai de Santo exercem


toda autoridade sobre os membros do grupo – em qualquer nível
de hierarquia – dos quais recebe obediência e respeito absoluto. A
estrutura do candomblé repousa em duas categorias de afiliados,
perfeitamente distintas: os que são iniciados como filhos de santo
(iaôs), até o estágio da feitura do santo e os vários titulares de
posições executivas e honorárias no terreiro (obás e ogans) – no
campo espiritual e litúrgico como na organização da sociedade civil
que trata dos assuntos mais seculares do grupo e seu relacionamento
com as instituições públicas e agências de controle da sociedade
global em que os candomblés se inserem.

Toda Casa bem fundamentada na Bahia, além de sua


função religiosa, tem sua parte social. Além da ordem
ritualística, há uma ordem civil. Além da hierarquia
espiritual, há a administrativa, que cuida por assim dizer,
dos interesses materiais da Casa... Esses homens podem
ou não ser filhos-de-santo. De acordo com o querer
da ialorixá e dos Orixás, dividem-se em categorias: são
os ogãs, e os obás. O ogã é um indivíduo escolhido
pela ialOrixá ou por uma de suas filhas montadas, isto
é, pelo próprio Orixá em atenção aos seus serviços
prestados ao culto, a uma personagem importante,
a alguém cuja assiduidade nas festas seja notada ou
que doe a Casa coisas de valor material. Sua função
é quase que exclusivamente administrativa, podendo,
contudo, aprimorar-se liturgicamente e então, ajudar
na prática do culto. Seu número é ilimitado. Já os obás
são reduzidos. São apenas doze. Só perdem o cargo,
a função, a honraria, em caso de morte. A única Casa
que mantém a tradição dos obás é o Axé Opô Afonjá.
(Vasconcelos Maia, 1977, p.5).

Como em qualquer outra igreja, o Candomblé atraí uma massa


de aderentes, cujos vínculos com a casa, exteriormente, resumem-
se à presença nas diversas cerimônias. Existe ainda outro segmento
onde estes vínculos espirituais são mais tênues, mas que tem papel

236
FRAGMENTOS

importante na manutenção dos terreiros. Trata-se de pessoas


que, sem qualquer ligação anterior com a casa, nem necessitando
manifestar fé genuína na religião, buscam a proteção das forças
sobrenaturais que acreditam os terreiros comandarem ou mediarem
em momentos adversos da vida, em casos de doença ou em fases
de incerteza, aflição ou desespero face aos problemas concretos da
existência. Tais pessoas, na medida em que considerem satisfatória a
intervenção do terreiro em seu benefício tendem a assumir maiores
compromissos com o culto, contribuindo com mais regularidade para
sua manutenção e funcionamento.

Isto posto, além desta introdução e da conclusão, compõe


este trabalho uma seção destinada à análise da economia afro-baiana
de Salvador que se subdivide em análises de alguns segmentos
selecionados dos setores relacionados com o artesanato religioso,
a produção de instrumentos musicais e o carnaval. Não foi possível
apresentar o estudo sobre a moda étnica e a culinária dado a limitação
do espaço. A maioria dos dados e informações é oriunda da pesquisa
realizada em 2009 pelo Grupo de Estudos da Economia Cultural
de Salvador (Gecal) que integra o Programa de Pós-Graduação
em Desenvolvimento Regional e Urbano de Salvador (PPDRU) da
Universidade Salvador (UNIFACS). Esta pesquisa atualiza outra que,
com o mesmo propósito e pelo mesmo grupo, foi em realizada em
2003.

A pesquisa do Gecal permitiu desenhar-se a figura seguinte


que apresenta uma inédita cadeia produtiva derivada dos cultos afros
em Salvador da Bahia, a qual busca demonstrar a interrelação entre
os cultos afro e um conjunto de atividades dele derivados. A rigor elas
constituem seis ramos independentes dos quais o de peso econômico
maior é o carnaval que, gradativamente, vem se descolando desta
influência pela morte da criatividade e da religiosidade baiana e a
invasão de outros ritmos influenciados, inclusive, pela música pop
norte-americana. O mesmo fenômeno ocorre com a culinária que
vem perdendo espaço para as comidas gaúchas e italianas, uma
decorrência da crescente migração de gaúchos e paulistas mobilizados
pelas indústrias que se implantam na região.

237
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

Figura 2 - Cadeia produtiva derivada da influência dos cultos afro-brasileiros.

Fonte: Noelio Spinola e José Caldas.

A economia afro-baiana

A teoria econômica do candomblé traz em seu conceito o


sentido implícito de uma espécie de interação equilibrada entre
a administração dos recursos e a ação do sobrenatural. No que
diz respeito ao indivíduo membro do culto isto significa que o
grau de intervenção amistosa, indiferença ou hostilidade por
parte dos Orixás que controlam seu destino e sua própria sorte
pessoal é mantida pelo grau de devoção com que ele cumpre
as exigências ritualísticas do culto. No candomblé, a intensidade
em que ele está disposto a fazer sacrifícios econômicos é um

238
FRAGMENTOS

importante fator no sentido de lhe trazer recompensa material e


elevação de status.

Nas relações econômicas mais diretas e transparentes, os


cultos afro-brasileiros não diferem muito das demais religiões.
Assim, o candomblé mantém equipes permanentes, que são
sustentadas pelas respectivas casas. Além disso, para auferir
rendas que assegurem a sustentação financeira das casas, certos
serviços religiosos são cobrados, como ocorre comumente em
tais casos.

Neste sentido, pode-se concluir que, se em termos


estritamente ocupacionais o papel dos terreiros não chega a ser
relevante. Seus efeitos indiretos assumem proporções consideráveis,
sendo expressivos na vida econômica da região, particularmente
de Salvador como demonstra a Figura 2. Aqui, dois aspectos
devem ser considerados. Primeiro, o papel de agência comunitária
desempenhado pelos terreiros, com reflexos importantes na vida de
seus membros. O candomblé deve ser pensado não apenas como
uma unidade socialmente organizada para a adoração das forças
que dominam o universo, mas também em termos econômicos,
como uma instituição que funciona pragmaticamente para proteger
os interesses de seus membros. O segundo aspecto refere-se ao
papel dinâmico que o candomblé exerce, de estímulo a certas
atividades econômicas, particularmente o comércio e o artesanato
Isso deriva do fato de que, um elemento presente na maioria das
cerimônias e ritos, é a realização de oferendas e sacrifícios às
divindades, os Orixás. Tais oferendas, que incluem uma extensa lista
de gêneros alimentícios e outros, e o sacrifício de animais (pombos,
galinhas, bodes, cágados, carneiros e bois), estão presentes tanto
nas cerimônias das quais a comunidade dos terreiros participa
coletivamente, quanto nas práticas desenvolvidas com maior ou
menor regularidade, por seus membros individualmente. Por outro
lado, a representação e manifestação das divindades, se reveste
de rica e complexa simbologia que, na prática, se expressa em
vestimentas, adornos os mais diversos e objetos rituais, próprios a
cada divindade. Existe ainda o emprego de sementes, ervas folhas,
plantas em diversas cerimônias e rituais. Todos esses elementos

239
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

têm a peculiaridade de obedecer a certos requisitos rituais, o que


implica na observância de procedimentos escritos na sua produção,
levando a que sua oferta não seja afetada por qualquer tipo de
modernização. Neste nível, o candomblé é responsável direto
pelo emprego de artesãos que produzem os adornos e objetos
rituais; costureiras encarregadas das vestimentas e produtores e
comerciantes dos diversos gêneros e materiais antes citados.

Mais o culto se amplifica e repercute mundialmente


ao servir de inspiração para inúmeras manifestações culturais
que são traduzidas na produção musical de artistas de renome
internacional como Dorival Caymi, Gilberto Gil, Caetano Veloso,
Vinicius de Morais, Carlinhos Brown e muitos outros; na literatura
de Jorge Amado; na etnografia e fotografia de Pierre Verger 8,
na arte plástica de Carybé, Calazans Neto, Mário Cravo Neto,
Tati Moreno e por fim nas grandes escolas do carnaval como o
Olodum, o Ylê Ayê, o Filhos de Ghandi e a Timbalada, cuja ação
extrapola o artístico e transborda para o social.

Na medida em que o candomblé conquista o


reconhecimento e o respeito da sociedade em geral, amplia o
seu prestígio, verificando-se a disseminação do uso de muitos
de seus adornos e instrumentos (pulseiras, colares, estatuetas
de madeira e metal, instrumentos musicais etc.) sem qualquer
vínculo com a prática ou compromisso com a fé religiosa.

Pode-se afirmar que a existência e a força do candomblé em


Salvador constituem um fenômeno peculiar de nossa sociedade,
com reflexos evidentes e poderosos na vida da sua economia
popular, particularmente sobre atividades desenvolvidas em
bases informais. A comercialização dos produtos e serviços
referentes a esta religião é geralmente efetuada sem qualquer
registro contábil ou fiscal e as transações são feitas por
numerosos atravessadores. São vários os fornecedores para
alguns produtos e, para outros, a situação é de monopólio ou
oligopólio comercial por se tratar de itens específicos.

8 Pierre Verger Fatumbi é um etnógrafo e fotografo franco-baiano-africano.

240
FRAGMENTOS

Os cultos afros não estão imunes ao processo de


globalização e a revolução cibernética dos tempos atuais. A
divulgação da sua prática e dos seus produtos vem alastrando-
se na rede mundial de computadores onde se registra uma
imensa quantidade de sites que comercializam objetos e
serviços dos mais variados pela Internet, alguns sem demonstrar
preocupação com a veracidade das informações que propagam
e outros divulgando propositadamente informações falsas para
adquirirem vantagens comerciais.

Muitos produtos originários da Africa e naturalizados na


Bahia, como, por exemplo, o berimbau (hungu ou m'bolumbumba
em Angola e grande parte do continente africano) são fabricados
em larga escala no estado de São Paulo, num processo industrial
que destrói a produção artesanal baiana.

Ainda bem que os grandes e tradicionais terreiros


da cidade do Salvador são conservadores. De modo geral se
abastecem nas feiras locais, notadamente as de São Joaquim,
das Sete Portas e o Mercado Modelo 9, cujos mercadores estão
atentos para as exigências e peculiaridades dos Orixás e dos
seus ritos, sendo alguns deles, “cabeças feita” 10. Na Praça da
Sé (Pelourinho) estão localizadas empresas importadoras dos
artigos mais sofisticados, originários de São Paulo e do exterior.
Alguns terreiros fazem compras diretamente nas cidades do
Recôncavo Baiano 11.

A feira de São Joaquim, segundo a Prefeitura de Salvador


é a maior feira aberta da cidade. Espalha-se por dez quadras,
em 22 ruas, em um espaço de mais de 34 mil metros quadrados.
São 7.500 feirantes em mais de quatro mil boxes. Fundada há
41 anos, a feira de São Joaquim está em pleno processo de
obtenção do título de Patrimônio Cultural Imaterial do Brasil,
conferido pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico

9 O Mercado Modelo vem gradativamente perdendo espaço como supridor para os terreiros,
atendendo mais aos turistas e a classe média devota que tem medo de ir a São Joaquim.
10 Iniciados no culto.
11 Notadamente Muritiba, São Felix e Cachoeira.

241
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

Nacional (Iphan) . A feira é o maior centro abastecedor dos


artigos utilizados nos cultos Afro-brasileiros de Salvador. Lá
se encontra desde animais para sacrifícios até vestimentas de
Orixás vindas da África.

Figura 3 - Feira de São Joaquim: o Galo.

Fonte: http://www.paubrasilis.com

242
FRAGMENTOS

O quadro seguinte lista alguns produtos comercializados em


São Joaquim, com o preço e respectiva procedência12 :

Tabela 1 - Produtos para os cultos afro, vendidos em Salvador - Bahia

Fonte: Pesquisa de campo do Gecal/Unifacs nas feiras de São Joaquim e das Sete
Portas em julho de 2009. Valores convertidos para Euros - Data da cotação utilizada:
04/11/2011 Taxa: 2,3923 REAL ‐ BRASIL = 1 EURO.

12 São preços dos fornecedores originais, não especulativos. Um abada vendido pelos blocos
carnavalescos em 2011 atingia a cifra de 1.500,00€

243
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

Muitos objetos encontrados nas lojas da Feira são


confeccionados por artífices iniciados na religião afro. As
transformações, no entanto, conjugadas a serialização da produção e
venda em grandes quantidades de objetos semelhantes entre si, não
costumam ter, no nível religioso propriamente dito, consequências
tão bruscas da cultura material dos cultos ou de adesão total a outro
estilo. Isso se deve ao fato de que estes cultos, cuja visão particulariza
os Orixás para cada indivíduo, logo após a aquisição dos objetos nas
lojas iniciam um processo de inserção destes no sistema religioso
dos objetos sagrados, reformando-os e tornando-os úteis, apenas de
modo particular, para o iniciado.

Artesanato religioso

O artesanato de Salvador também sofre uma forte influência


dos cultos afros. Verdadeiras obras de arte popular são produzidas
em cerâmica, madeira e metal. O Mercado Modelo, o Pelourinho e a
Feira de São Joaquim são os maiores comercializadores de artesanato
religioso da capital baiana.

Os patuás13, que revelam a fé do povo baiano, são


comercializados através das miniaturas de Orixás, cerâmicas, quadros,
esculturas, pulseiras e colares de contas, búzios, contreguns14 etc. Entre
os produtos artesanais que merecem destaque está a fitinha do Senhor
do Bonfim, que é utilizada sincreticamente também por membros do
candomblé.

Os materiais utilizados nos cultos afro-brasileiros vêm sendo


modificados pela introdução de técnicas e materiais novos, como
tecidos sintéticos, metalóides, linhas de nylon, contas plásticas e de

13 Amuleto. Bentinho.
14 Um dos objetos mais populares do candomblé é o contregun, um bracelete de palha que
se coloca em torno do pulso ou braço, que serve para afastar, após uma cerimônia fúnebre do
Candomblé, a alma do morto, que pode possuir aqueles que assistem à cerimônia. Então se usa
esse objeto para proteger as pessoas que ali estão. Mas hoje em dia, caiu no gosto popular e foi
disseminado o seu uso pelos baianos e turistas que muitas vezes nada têm a ver com a religião
e não sabem o que estão fazendo.

244
FRAGMENTOS

resinas, galvanização de metais, que são amplamente usados por


artesãos, possibilitando a produção de objetos em maior escala, o
que barateia o produto final. (Pereira, 2005). As fitinhas do Senhor do
Bonfim, por exemplo, deixaram de ser fabricadas em tecido de algodão
substituído pelo nylon. Segundo alguns crentes perderam parte do seu
efeito, pois neste novo material, mais resistente, custa muito a “graça”
ser concedida quando se rompe a fita no pulso do devoto.

Figura 4 - Fitas do Senhor do Bonfim.

Fonte: Bahiatursa.

245
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

Em geral, lucros altíssimos são obtidos no processo de


comercialização dos objetos confeccionados pelos artesãos religiosos.
Não só os objetos têm sido despudoradamente copiados como também
padrões têm sido apropriados à revelia de seus criadores. Na maior parte
dos casos o controle desse processo escapa aos artistas, que costumam
receber quantias quase simbólicas por seu trabalho de criação. Ocorre
também não receberem nada e assistirem a venda de cópias de seus
trabalhos, com grande qualidade, produzidos na China. (Gecal, 2009)

As vestimentas dos Orixás utilizadas nas cerimônias, as vezes


vindas da África, são vendidas nas lojas por valores que oscilam em torno
de 600,00 € . São produzidas artesanalmente e utilizam como matéria
prima: contas plásticas, búzios, fibras de coco, sisal, couro, lantejoulas,
tecidos de variados tipos. (Gecal, 2009)

Os instrumentos e os ritmos que são executados possuem valores


históricos . São meios de comunicação e de informação, são sagrados
e, após as obrigações, tornam-se instrumentos de materialização e
exteriorização das forças vitais, ou seja, do Axé. Este é, por exemplo, o
caso dos atabaques.

O axé15, energia vital, fundamento maior desta religião, é fixado


em objetos vários e por meio deles se transmite. Os exemplos, enfim,
podem ser numerosos. Até mesmo a identidade do indivíduo relaciona-
se intimamente a um conjunto particular de objetos religiosos que
geralmente desaparecem com ele, quando de sua morte como é o caso
do colar de contas.

O colar é um objeto sagrado que a pessoa iniciada leva consigo,


passa por uma preparação especial para ter um significado para quem
o usa. Como descreve Bastide, (2001, p.41): “cada membro da seita
tem um colar que lhe é próprio, cujas contas são da cor da divindade
a que pertence... Mas o colar não tem valor por si mesmo; deve sofrer
previamente determinada preparação; deve ser “lavado” . O processo
de preparação do colar é bem complexo, como se pode confirmar na
descrição de Roger Bastide:

15 Segundo alguns crentes mais ortodoxos, inclusive antropólogos, esta palavra sagrada da
religião afro tem sido vulgarizada e profanada pela mídia.

246
FRAGMENTOS

Para que o colar tenha valor é preciso: 1- que tenha


ficado uma noite inteira sobre a pedra do deus a
que pertence e que o sangue de uma ave morta em
sacrifício, juntamente com as ervas apropriadas, tenha
lavado ao mesmo tempo a pedra e o colar. Mas não
basta ainda. É preciso mais que isso: 2 - que a esta
primeira participação se junte uma segunda, entre
pedra, colar e cabeça do indivíduo que celebra o
ritual. Digo 'cabeça' e não 'indivíduo' porque a cabeça
é considerada a moradia do Orixá. Lavar-se-á, então, a
cabeça, e muitas vezes também o corpo inteiro, com a
água e as ervas que serviram para a lavagem de colar
e pedra. Assim, entram em contato os membros do
trinômio deus, homem e colar, permitindo a passagem
da corrente mística entre o primeiro e o último, por
intermédio do segundo. Eis porque o colar só tem valor
para o proprietário. Se este o perde e outra pessoa o
usa, não terá nenhum poder para esta, pois não foi
posto em participação, nem direta nem indireta, com
a cabeça dela.[...] O colar, com o decorrer do tempo,
pode perder sua força e neste caso urge proceder a
nova lavagem. Porém, para tal, não há data marcada,
pois a decadência da virtude das contas varia de acordo
com as circunstâncias (Bastide, 2001, p. 40-41).

Os cultos, as cerimônias, as festas e “trabalhos” realizados


pelo candomblé pedem folhas específicas. As principais são mercadas
nas feiras da cidade com destaque para as de São Joaquim, das Sete
Portas. Podem ser encontradas também no Parque São Bartolomeu
uma reserva florestal que ainda sobrevive na periferia da cidade.
Muitos pais de santo ortodoxos dizem que Ossãe o Orixá das plantas
medicinais e litúrgicas não gosta que se compre ervas nos mercados.
Que elas devem ser colhidas na natureza segundo os seus preceitos.
Imaginem quando Ossãe souber que já estão vendendo ervas pelos
correios.

247
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

Instrumentos musicais

A cidade negra do Salvador transpira musica em todos os seus


recantos. E nesta divinização do som, boa parte do seu povo corre
atrás de um instrumento musical, sendo os de percussão eleitos pela
maioria. E haja batuque!

Bandas musicais nascem no ritmo da fertilidade dos pobres e


como eles também morrem prematuramente, num ciclo trágico que
marca a luta pela sobrevivência dos oprimidos.

São bandas profissionais e amadoras, alabês do culto afro, o


público amador e os turistas que visitam periodicamente a cidade,
notadamente os estrangeiros que contagiados pela sua mágica
sonoridade correm atrás de instrumentos para comprar.

A preferência recai sobre instrumentos de percussão. Com a


fértil criação de ritmos baianos estes instrumentos musicais passaram
a ser largamente utilizados por percussionistas dado ao predomínio
do ritmo africano na cidade.

Contudo, o mercado profissional é suprido por instrumentos


fabricados na região Sudeste e no exterior. São as grifes estabelecidas
por marcas que conferem status aos seus possuidores. Grandes
músicos brasileiros poderiam também usufruir a qualidade sonora dos
instrumentos baianos, auxiliando o crescimento e a profissionalização
do setor. Porém, isto não ocorre, pois as grandes fábricas produtoras,
muitas vezes utilizando-se do know how baiano, acabam produzindo
instrumentos em série, com qualidade sonora um pouco inferior,
porém padronizados, o que acaba influenciando a decisão de compra
dos músicos. Ademais, as grandes fábricas de percussão possuem
ampla vantagem de venda sobre os pequenos produtores locais
devido a sua associação com as grandes lojas de instrumentos do
Brasil.

No mercado formal de Salvador, os comerciantes especializados


na venda de instrumentos musicais não trabalham com os produtos
locais. Parte por preconceito, parte pela desarticulação do setor onde

248
FRAGMENTOS

é muito difícil ligar-se as pontas da produção às da comercialização.


Como em toda a regra cabe uma exceção, apenas uma loja adquire
no mercado produtor local os aguidás que, para os não iniciados
são baquetas, pequenas varas de madeira com que se percutem os
tambores. São sagradas. Antes do uso devem “dormir com os santos”.
Esta loja vende uma quantidade média de cem unidades mensais.
(Gecal, 2009).

Segundo Spinola (2003) é grande e diversificada a lista dos


instrumentos dos ritmos brasileiros, oriundos de Portugal e Espanha,
de países árabes, e da África , além dos autóctones, onde se incluem
os instrumentos indígenas.

Alguns deles são comuns a várias regiões do país. É o caso


da caixa, do bombo, do pandeiro, etc., outros são exclusivos de
determinados ritmos regionais, é o caso do berimbau (da capoeira),
do bastão de ritmos (dos índios), da tinideira (do Boi de Matraca
do Maranhão), etc. Além dos instrumentos, existem ainda os objetos
que são estranhos à música, mas são usados como instrumentos de
percussão. É o caso do prato de louça (usado no Partido Alto), da
frigideira (usada no samba), etc., que passaram a fazer parte desses
estilos de música. Neste sentido o cantor e compositor Carlinhos
Brown é um emérito inovador, criando frequentemente os mais
esdrúxulos instrumentos que são utilizados com grande sucesso no
seu bloco Timbalada.

Os instrumentos musicais percussivos dominam o mercado


baiano. Em geral, são de origem africana, com pequenas modificações
realizadas com o passar do tempo para melhor atender aos novos
estilos musicais . Foram trazidos pelos negros na época da escravidão
e servem até hoje para ritmar os cantos e as festas dos cultos afros.
Perpetuada pela tradição oral africana a forma de produzir e de
tocar esses instrumentos, sobreviveu ao logo do tempo, sendo as
informações passadas de pai para filho nas sucessivas gerações.

A produção destes instrumentos exige poucos recursos o que


viabiliza a sua fabricação artesanal em pequenas oficinas de fundo
de quintal, na maioria das vezes nas condições mais rudimentares
possíveis e disseminadas pela cidade em locais de difícil acesso

249
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

para o grande público, apenas conhecidos pelos intermediários


compradores. Os equipamentos utilizados são pouco sofisticados
(usuais de carpintaria), muitos fabricados ou adaptados pelos
próprios artesãos, bem como as instalações físicas que também são
extremamente precárias e insalubres. O trabalho é realizado em
família, numa tradição que passa de pai para filho. Utilizam como
matéria-prima restos de madeira obtida na construção civil (num
autêntico mercado de sucata). A pele dos instrumentos é originária do
interior do Estado, sendo muito utilizado o couro de bode e de cobra.
A intermediação é muito grande havendo o caso de existirem três
intermediários entre o produtor e o fabricante. O nível de instrução
beira o analfabetismo e a propensão associativa é inexistente (no que
pouco difere das camadas mais esclarecidas da população). Vêem
com profunda desconfiança e ceticismo a possibilidade de receberem
algum tipo de ajuda.

Quarenta por cento do universo pesquisado pelo Gecal (2009),


utiliza exclusivamente do seu próprio trabalho como mão-de-obra e
setenta e três por cento possui até três funcionários. Esta mão-de-
obra, em geral, é quase toda oriunda da própria família do artesão.

Setenta por cento do universo pesquisado está na


informalidade. E não pretendem se formalizar. Alegam que temem o
pagamento de impostos e as pressões da fiscalização.

Argumentam que a margem de lucro do setor é muito baixa,


tornando-se insustentável a legalização de alguns deles. Para se ter
idéia, a maioria possui uma receita mensal de aproximadamente
3.000,00€ e outra parcela, também significativa, não ultrapassa a
receita mensal de até 1.300,00€. Assim sendo, quando são pagos os
custos, muito pouco sobra que compense os esforços. (Gecal, 2009).

250
FRAGMENTOS

Figura 4 - Localização dos produtores de instrumentos musicais.

Fonte: Gecal - Pesquisa 2009.

É importante destacar que estas receitas poderiam ser muito


maiores se não existisse, um oligopsônio que se apropria da maior
parte do lucro gerado na comercialização final dos instrumentos. Além
disso, os comerciantes recebem os produtos em consignação o que
significa liquidar as possibilidades da existência de capital de giro. Por
essas e por outras as novas gerações estão fugindo do ofício dos pais,
cuja perspectiva em médio prazo é a de extinção.

A Tabela 1 fornece uma idéia do grau de exploração dos


produtores de instrumentos musicais em Salvador. Foram considerados
na pesquisa os dois maiores pontos de venda destes produtos na cidade.
Observe-se que todos os comerciantes, tanto os do Mercado Modelo
quanto os do Pelourinho, possuem margens de lucro superiores a cem

251
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

por cento, pois compram os instrumentos diretamente dos produtores


por preços aviltados.

Tabela 1 - Margens de lucro nos mercados de instrumentos musicais de Salvador.

Fonte: Pesquisa direta do GECAL, 2009.

252
FRAGMENTOS

A solução do problema consistiria no estabelecimento de


contato direto entre produtores e consumidores. Porém, para que isto
ocorra, seria necessária a legalização do setor, um processo que não é
tão simples dadas às resistências culturais.

O Carnaval

Formalmente, uma vez por ano, a velha capital baiana pega


fogo explodindo a sua musicalidade e lança fora, através mirabolantes
coreografias, as frustrações e os recalques acumulados ao longo de um
ano. Tudo ao som do Trio Elétrico uma máquina inventada em 1950 e
que se tornou marca registrada da folia momesca local. É o Carnaval.
A mais importante manifestação cultural de Salvador, pelo volume de
recursos humanos e financeiros que mobiliza, numa sinergia com todo o
organismo sociocultural da cidade e pela imagem da cidade, que projeta
de forma significativa no mercado turístico nacional e internacional.

Na prática Salvador faz festa o ano todo. Só no verão,


oficialmente16, entre os dias 2 de dezembro de um ano e 29 de março
do outro, quando se inicia a estação das chuvas, são 28 dias de festas
nos 119 disponíveis no calendário. Por seu turno as principais cidades
do interior do estado promovem, ao longo do primeiro semestre de
cada ano, os seus Carnavais fora de época (micaretas), que constituem
um sólido mercado para as empresas carnavalescas estabelecidas em
Salvador

O Carnaval é uma festa móvel ocorrendo entre os meses de


fevereiro e março de cada ano, tendo na capital baiana uma duração
oficial de seis dias, começando na quinta-feira à noite e encerrando-se,
com muita relutância, na manhã da Quarta-feira de Cinzas. Ocupa em
média 25 km de ruas da cidade, das quais 50% são utilizadas para os
desfiles nos três circuitos em que se dividiu a festa e nos quatro bairros
onde foram montados palcos17.

Diante das circunstâncias que serão apresentadas ainda neste

16 Segundo o calendário oficial de festas da cidade.


17 Dados da Prefeitura Municipal, comprovados empiricamente.

253
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

trabalho, não sabemos se o que aqui se fala sobre o carnaval baiano


pertence ainda ao presente ou ao passado. Uma das forças africanas
na festa é o afoxé. Como explica o historiador Cid Teixeira (2011), trata-
se de um bloco carnavalesco, uma brincadeira de forma, conteúdo e
comportamento específico tendo em vista que os seus membros foliões
estão vinculados a um terreiro de candomblé, unidos por uma religião,
pelo uso de uma língua, dança, ritmos e códigos de origem nagô. Além
disso, tem, fundamentalmente, consciência de grupo, comunidade de
valores e hábitos que o distingue de qualquer outro tipo de bloco ou
cordão. Os laços lúdicos religiosos que congregam as pessoas no afoxé
importam pela manutenção de valores culturais ligados ao afoxé e suas
tradições africanas, transportadas para a Bahia, adaptadas e assimiladas
dentro de uma nova realidade. Entre os afoxés baianos os Filhos de
Gandhi é o mais famoso. Com sua roupa branca, seu turbante felpudo,
na sua maioria é composto por negros, homens de origem humilde,
operários, ligados aos inúmeros terreiros de candomblé da Bahia. O
primeiro grupo de afoxé saiu às ruas em 1895 e mostrava aos foliões de
Salvador aspectos dos ritos do candomblé.

Figura 5 - Filhos de Ghandy em desfile.

Foto: Eduardo Freire/G1.

254
FRAGMENTOS

Outras manifestações culturais enriqueceram os carnavais


baianos como os blocos afros: Olodum, Ilê Aiyê, Malê Debalê, Araketu
e muitos outros. A cultura africana, a plasticidade e beleza das suas
sambistas, a criatividade dos seus temas, a louvação da "mãe Africa",
e o ritmo contagiante das suas baterias conduzidas no som sincopado
dos atabaques, constituíram a força desses blocos.

Na opinião de Spinola (2002) é neste contexto que o negro,


até hoje, pratica a arte da sobrevivência com alegria. E é aí que ele
desponta inovador e empreendedor. Com acesso deliberadamente
limitado à instrução básica (até o século XIX a educação dos negros
era, por lei, proibida na sociedade escravagista) e muito menos à
científica e tecnológica, o negro baiano valorizou, da sua herança
cultural, o corpo e os sons, somatizando a dor da discriminação e da
injustiça social a que foi condenado, num processo atávico de defesa,
subconsciente e coletivamente percebido, inovando, adaptando e
empreendendo na dança, na música e no carnaval que passaram
a constituir novos modos de produção, resistentes à racionalidade
econômica e cultural das classes dominantes

Os números da festa são controversos. O governo normalmente


os superdimensiona enquanto a oposição os diminui. Como falta um
órgão sério que se dedique à contagem, tudo o que se disser a respeito
não possui base científica. Assim sendo, consideramos apenas alguns
aspectos que empiricamente se tornam bastante evidentes. Ou seja:
a festa atrai muitos turistas e grande parte deles são brasileiros da
região Sudeste18; rende muito dinheiro para os hotéis, as redes de
televisão, a indústria de bebidas e principalmente para os grupos
que monopolizam a festa e exploram os trios elétricos, blocos e
camarotes19. A maior parte da população de Salvador é discriminada
na festa, sendo que os que insistem em participar são integrantes
da categoria dos foliões “pipoca”, ou seja, aquele folião que não
participa de qualquer entidade carnavalesca e que brinca livre nas
ruas, imprensados pelos “cordeiros”20 e pelos trios elétricos. Os

18 Dados fornecidos pelos hotéis com base em seus registros de hóspedes.


19 São publicados dados mirabolantes, como o de que a festa gerou uma renda equivalente a
418 milhões de Euros.
20 Cordeiros são pessoas contratadas para segurar as cordas que delimitam os espaços

255
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

turistas estrangeiros parecem que diminuem a cada ano, assinalando-


se porém a presença de sul-americanos, notadamente os argentinos
e europeus com destaque para os italianos e espanhóis.21

O carnaval baiano apresenta sinais de decadência e em médio


prazo, se nada for feito em sentido contrário, murchará ou, o que é
pior, degenerará como tantos outros eventos populares baianos. Três
fatos, pelo menos, contribuem para este destino a saber:

a. a elitização da festa. Inegavelmente ela deixou de ser


popular. O povo que não tem dinheiro para comprar um
abada está sendo expulso da folia. O seu espaço foi loteado:
no carnaval baiano, agora, só com abada ou camarote.
E quem participa pode ser vítima da violência policial
utilizada, claro, nos “ppp”: pretos, pobres e periféricos.
Assistindo a cobertura do Carnaval pela TV tudo é muito
bonito e democrático. E é só festa e alegria. No entanto,
como denuncia a imprensa, um circo de horrores ocorre no
“underground”.
b. o desligamento gradativo das origens africanas. A Africa e
sua cultura constituíram o leitmotiv da festa. Porém, assiste-
se a um desligamento desta origem inspiradora que atingiu
o seu auge nas décadas de 1970 e 1980. O Axé Music
entrou em franca decadência. A proliferação das igrejas
evangélicas, no seio da massa popular, está contribuindo
para reduzir a influência do Candomblé.
c. a morte da criatividade. A severa redução da qualidade
da educação na cidade, como de resto em todo o Estado,
notadamente nas escolas públicas, é responsável por levas de
“compositores” de baixo nível cultural e péssimo gosto, que
suprem sua falta de imaginação com o apelo à pornografia.
Coisas como o pagode, funk e outras inomináveis tomaram
conta das ruas e retiraram todo o encanto da festa.

privativos dos blocos, separando seus integrantes dos foliões pipoca circundantes São homens
fortes, na totalidade negros e muito pobres.
21 Segundo os registros dos hotéis.

256
FRAGMENTOS

Assim sendo, o Carnaval baiano que é cada vez mais num


megaempreendimento capitalista, programado para uma elite de
novos ricos, “famosos” da televisão, socialites e deslumbrados que
curtem tudo nos camarotes, foge gradativamente das suas origens
e eliminando as chances da geração de micro - e pequenos negócios
pela maior capacidade de articulação e competitividade de diversos
grupos de interesse internos e externos à festa.

Sobre a apropriação do Carnaval pelas classes abastadas e a


expulsão dos pobres já dizia Singer (1980), que tanto o progresso
como a miséria são produtos do mesmo processo que consiste
na penetração e na expansão do capitalismo num meio em que
predominavam outros modos de produção. Trata-se de um processo
de transformação estrutural, que evolui ao longo do tempo. O
capital penetra em determinados ramos de atividade em que possui
maiores vantagens em relação ao modo de produção preexistente,
revolucionando os métodos de produção e introduzindo outras
relações de produção. Ou então, ele surge mediante a implantação
de atividades novas, que só ele é capaz de suscitar. Cria-se, então,
um inter-relacionamento dinâmico entre o segmento capitalista e os
outros modos de produção que são postos à disposição do capital,
transformando-se, por exemplo, em reservatório de mão-de-obra, ou
em “cordeiros” nos diríamos.

Conclusão

A pesquisa de quem deriva este texto procurou esclarecer


aspectos relativos à influência dos cultos afros na economia
cultural da cidade negra do Salvador, passando pelo Candomblé
e desembocando nos setores por ele mais influenciados, como o
artesanato, a produção de instrumentos musicais e o carnaval. O
quadro encontrado inspira preocupação.

Entende-se que é urgente a necessidade da formulação de


políticas públicas que contemplem de forma eficaz os segmentos
pesquisados que transitam entre a formalidade e a informalidade,

257
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

ponteadas por empreendimentos de grande a pequenos portes.


Entende-se também que não existe como se formular uma política
uniforme para o setor. Deverão ser várias políticas enfeixadas num
programa de fomento à economia cultural na cidade do Salvador
de contornos multifacetados compostos por projetos que se ajustem
a tipicidade de cada segmento e que no conjunto respeitem a
cultura específica do segmento estudado, nunca procurando impor
modelos exógenos de organização empresarial quando na presença
de comportamentos arraigados da comunidade. Estes projetos
também devem ter cuidado com a preservação da pureza tradicional
do segmento estudado, evitando a introdução de modernidades
que possam prostituí-lo e, consequentemente, eliminar o seu valor
intrínseco que constitui o maior patrimônio para aproveitamento
pela indústria do turismo. Isto implica na capacidade de aceitação
do status quo informal, o que implica admitir que, se forem
formalizadas, determinadas atividades poderão desaparecer, dado
que suas lideranças atingiram o limite de suas competências, como
ensina Peter (1969) e que forçá-las a migrar para novos patamares
consiste em condená-las a uma situação pior do que a anterior.

Os programas e projetos que contemplem efetivamente a


realidade brasileira devem exercitar a criatividade na construção
de modelos inéditos e ajustados à situação estudada, despidos
da preocupação monocórdia que consiste em cópia medíocre dos
modelos organizacionais ditados pela cultura anglo-saxônica. Assim
sendo torna-se necessária a criação de mecanismos e alternativas que
efetivamente garantam espaços para os pequenos e que possibilitem
uma efetiva democratização na geração da renda, notadamente no
carnaval. Isto passa por uma revolucionária compreensão não fiscalista
de que a receita pública para investimentos pode aumentar através da
redução das despesas de subsídio social direto aos desvalidos, quando
esses adquirem renda legítima para atender suas necessidades (antes
providas pelo Estado), pelos efeitos diretos do trabalho nos segmentos
informais.

Tudo isto implica na compreensão de que não existe


desenvolvimento apenas sob a ótica capitalista da acumulação e que
podem existir outras lógicas econômico – culturais que podem vicejar e

258
FRAGMENTOS

sobreviver, mesmo num mundo globalizado. Descobri-las, entendê-las


e protegê-las constitui um desafio para os estudiosos e pesquisadores
que não devem se deixar vencer pela falta de criatividade, submissão
colono intelectual e mediocridade consuetudinárias.

Neste sentido, para os jovens e vaidosos doutores de


atualmente, vale recordar o alerta do grande mestre Albert Hirschman
(1980) em seu famoso ensaio “Auge y ocaso de la teoría económica
del desarrollo”. Na sua inconformidade o velho professor antevia, com
grande clarividência, a revolução neoliberal e a volta do paradigma que
ele denominava de monoeconomia, ou seja, a validade da aplicação
exclusiva e universal da teoria econômica gestada no primeiro mundo.
O que constitui um desastre para os países pobres da Africa, Ásia e
América Latina.

Este estudo não pretende delinear um programa. Serão feitas


apenas algumas considerações sobre os segmentos aqui estudados.

O Candomblé que constitui uma religião encontra-se em franca


decadência. É vítima da modernidade que o deturpa e que dificulta a
renovação dos seus quadros pela fuga dos jovens atraídos por novas
ocupações, absorvidos pelas seitas evangélicas que proliferam no
país ou, o que é pior, atraídos pela criminalidade onde se destaca o
narcotráfico. Em Salvador os cultos afros foram vítimas nos últimos
oito anos de uma administração municipal evangélica que até terreiros
mandou destruir. Também o acarajé, o famoso bolinho de Xangô,
tombado pela UNESCO como patrimônio cultural da humanidade,
não escapou da sanha exorcista dos evangélicos. Está sendo vítima
de um ataque dos fanáticos pseudo-religiosos que criaram um similar
denominado de “ bolinho de Jesus”.

O que cabe fazer no caso do Candomblé?

Preliminarmente deve-se fortalecer, política e financeiramente,


órgãos como o Centro de Estudos Afro-Orientais (CEAO) que há mais
de 50 anos estuda este segmento e outras instituições cientificamente
sérias para, em seguida, com elas ou através delas, estabelecer uma
política consistente que impeça a destruição deste culto. Dentro
destas políticas, uma que se afigura de maior urgência consiste na

259
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

proteção dos terreiros contra a especulação imobiliária e a reserva


de territórios para o culto, com a preservação dos poucos espaços
verdes ainda remanescentes em Salvador, entre os quais o Parque
de São Bartolomeu. Esta proteção deve figurar com clareza no Plano
Diretor da Cidade. Também será de muita importância um aumento do
intercâmbio com a Africa, inclusive com a promoção de congressos e
festivais, intercâmbios de estudantes e de estudiosos.

A pesquisa do Gecal (2009) identificou que os produtos


religiosos consumidos em Salvador procedem, majoritariamente, de
São Paulo e de vários lugares do planeta, inclusive da China e Filipinas,
o que ressalta a importância de determinar-se os volumes consumidos
e as especificações dos diversos produtos para que se possa avaliar
as exigências de escala e a consequente viabilidade de sua fabricação
local.

Os artesãos baianos carecem de acesso ao microcrédito para


a aquisição de insumos e, sobretudo, de apoio ao marketing dos seus
produtos. Uma política de criação de novos espaços para exposição que,
a exemplo do Pelourinho e do Mercado Modelo, gere externalidades
para os artesãos, se insere como uma medida indispensável. Esses
espaços, que atraem turistas, configuram mercados importantes para
o escoamento de uma produção que muitas vezes é realizada de porta
em porta, de hotel em hotel. Praças e jardins podem ser programados
sistematicamente para feiras de artesanato. Neste aspecto a Bahia
tem muito a aprender com outros estados nordestinos, entre os quais
Pernambuco, Ceará e Rio Grande do Norte.

No segmento vinculado à música, pesquisou-se o setor responsável


pela fabricação de instrumentos musicais. Constatou-se a existência de
inúmeras fabriquetas de instrumentos de percussão vicejando, em sua
maior parte, na informalidade. Neste caso, concluiu-se pela necessidade da
realização de um estudo de viabilidade econômica para o desenvolvimento
de um projeto que contemple a implantação de pequenas fábricas desses
instrumentos em Salvador que viriam, provavelmente, conformar no
futuro um arranjo produtivo local.

Quanto ao carnaval, no estágio em que se encontra, é um


resultado de uma política neoliberal, que vem sendo desenvolvida

260
FRAGMENTOS

pela Prefeitura do Salvador que centrou seus esforços em preparar o


palco (a cidade e seus circuitos), para que os foliões possam brincar
confortavelmente ao longo dos seis dias de festas. Criadas as condições,
prosperou uma indústria que se apropriou deste espaço, expulsou a
massa popular e fatura milhões de reais no esquema BTC (bloco, trio,
camarotes). Na esteira desta indústria surgiu uma nova classe, a do
artista-empresário que acumula fortunas. Esta é uma grave distorção a
corrigir. A acelerada concentração da renda em poder de um pequeno
grupo, que já assume características oligopolísticas, formando um
cartel, elimina as chances competitivas dos pequenos empresários,
e reduz o espaço da festa para os “foliões pipocas” que constituem,
ainda, e provavelmente por muito tempo, parcela majoritária do
público brincante. Isso, além de elitizar a festa, poderá matá-la em
médio prazo. Não custa lembrar que quem fez e faz mesmo a festa é
o povão que, por uma questão de sobrevivência, deve ser respeitado.

A propósito é de se lamentar que a Fábrica de Carnaval um


projeto genuinamente baiano de geração de emprego e de renda não
foi desenvolvido na Bahia. Porém faz grande sucesso no Rio de Janeiro e
São Paulo que o copiaram e empregam centenas de microempresários.

Todas estas considerações e muitas outras similares vem sendo


feitas desde o ano de 2003 por diversas pessoas que estudam o
desenvolvimento de Salvador. Mas, como diz o ditado popular caem
em “ouvidos moucos”.

Quando se vê o que é realizado em outros estados do Nordeste,


constata-se que a incompetência administrativa, a falta de imaginação,
de criatividade e de sintonia com os reais interesses da população de
Salvador, da parte das administrações municipais e estaduais é um
caso calamitoso. Parece que o comportamento e a cultura das nossas
“elites” do Século XIX se perpetuaram até os dias atuais. Este é um
verdadeiro “enigma baiano”.

Porém, como dizia o velho Octávio Mangabeira22: “pense num


absurdo e na Bahia tem precedentes.”

22 Intelectual e político baiano. Foi governador da Bahia entre 1946 e 1950.

261
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

Referências

Bastide, Roger (1985). As religiões africanas no Brasil: Contribuição a


uma Sociologia das Interpenetrações de Civilizações. 2ª. Edição. São
Paulo: Pioneira.

Bastide, Roger (2001). O Candomblé da Bahia. São Paulo: Companhia


das Letras.

Carneiro, Edison (1959). Os cultos de origem africana no Brasil. Rio de


Janeiro: Biblioteca Nacional,

Carneiro, Edison (2002). Candomblés da Bahia. Rio de Janeiro:


Civilização Brasileira.

Costa Lima, Vivaldo (1977). A família de santo nos candomblés Jeje


– Nagôs da Bahia: Um estudo de relações intra-grupais. Salvador:
Corrupio.

De Paula. Nelson (2011, Março, 29) 458 anos da fundação da


cidade de Salvador. Acedido em 8 de novembro de 2011, de http://
depaulaohistoriador.blogspot.com

Hirschman, A. (1980). Auge y ocaso de la teoría económica del


desarrollo. El Trimestre Económico. México: Fondo de Cultura
Económica, v.47, n.188, 1980

Gecal. Grupo de Estudos da Economia Cultural (2009). A economia


cultural de Salvador: pesquisa de campo. Salvador: Unifacs

IBGE. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. (2011). Sinopse


do Censo Demográfico 2010. Brasília: IBGE.

Maia, Vasconcelos. (1977). ABC do Candomblé. Salvador: Edição do Autor.

Pereira, Fábio Guilherme de Viveiros Cunegundes. (2005). Aspectos

262
FRAGMENTOS

econômicos do candomblé em Salvador. 88 f.: il. Monografia de


conclusão de curso não publicada. Curso de Ciências Econômicas da
Universidade Salvador (Unifacs): Salvador – Bahia.

Peter, Laurence J.; Hull, Raymond.(1969). The Peter Principle


.Cutchogue (NY): Buccaneer Books

Rankbrasil, Livro de Recordes. (2011, Março 8). Cidade brasileira com


maior número de negros. Acedido em 8 de novembro de 2011, de
http://www.rankbrasil.com.br

Sociedade Yorubana Teológica de Cultura Afro-Brasileira. (2011,


Novembro 5) Oxaguian. Acedido em 8 de novembro de 2011 de
http://www.yorubana.com.br/orixas

Spinola, Noelio D. (2002). “Negritude, pobreza e geração de


empregos na Bahia, em um contexto de globalização”. Revista de
Desenvolvimento Econômico, 4 (6), p. 71-80

Spinola, Noelio D. (2003). Economia cultural de Salvador. Unifacs.  

Teixeira, Cid. (2011, Fevereiro 23) O trio elétrico – Manda descer.


Declaração ao jornal Folha da Bahia. Acedido em 5 novembro 2011
de http://www.folhadabahia.com.br

Viana de Fátima, Conceição.(2007) “Candomblé: onde os deuses


dançam a sua humanidade”.Caminhos . Goiânia, v. 5, n. 2, p. 513-518.

263
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

264
FRAGMENTOS

ARTIGO

ECONOMIA, ESPORTES
E POBREZA:
O CASO DO FUTEBOL
BAIANO

07
265
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

266
FRAGMENTOS

Economia, Esportes e Pobreza: O


Caso do Futebol Baiano

Noelio Spinola

Resumo
Este texto trata do esporte na Bahia com ênfase no futebol. É uma
parte atualizada estatisticamente de trabalho de pesquisa realizada
em 2004 onde se analisou a relação de causa e efeito entre a pobreza
e os fatores propulsores das atividades esportivas (o mercado, o
marketing/mídia e o desenvolvimento urbano) no âmbito de uma
economia capitalista. O estudo conclui pela existência de um grau
de correlação direta entre o nível de desenvolvimento urbano e a
performance esportiva das regiões brasileiras. Aqui se demonstra
esta correlação mediante a análise do problema do esporte na
Bahia. Nos últimos dez anos, a despeito da ocorrência da Copa
do Mundo de 2014, não mudou nada, pelo contrário piorou. O
trabalho conclui apresentando um conjunto de soluções para o
enfrentamento do problema.

Palavras chave: Cultura. Saberes e Identidades. Pobreza. Bahia.


Esportes. Futebol.

Abstract
This paper deals with the sport in Bahia with emphasis on football.
It is an extract statistically updated research work carried out in
2004 for a discussion of the cause and effect relationship between
poverty and sports activities factors (the market, the marketing/
midia and the urban development) within a capitalist economy.
The study concludes that there is a degree of direct correlation
between the level of urban development and sports performance

267
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

of the Brazilian regions. Here demonstrated this correlation by


Sport problem analysis in Bahia. Over the past decade, despite the
occurrence of the World Cup in 2014, did not change anything, on
the contrary worsened. The work concludes with a set of solutions
to address the problem..

Key words: Culture. Knowledge and Identity. Poverty. Bahia. Sports.


Football (Soccer).

Jel: I310;I380;Z18

268
FRAGMENTOS

1.INTRODUÇÃO

O tema objeto deste texto, até bem pouco, era incomum


nas análises acadêmicas, notadamente no terceiro mundo,
decorrente de um elitismo colonial que gerou um preconceito
atávico na gema da sua intelectualidade. Ainda bem que Pelé e
Garrincha1 entre inumeráveis outros, cada um no seu tempo e
ao seu modo romperam paradigmas e levaram o soccer como
o denominam os americanos para diferenciá-lo do seu football,
que na plaga deles é algo bem diferente, e os italianos de calcio,
mantendo a tradição florentina do chute a uma bexiga de boi
cheia de ar no século XVI, a se transformar num fenômeno
mundial de geração de paixões e muita renda, muito dinheiro.
Justifica-se a sua apresentação ao XVI - ENAmpur na Sessão
Temática 6: Cultura, saberes e identidades porque o futebol,
como esporte, é cultura e constitui um elemento importante
na formação e consolidação da identidade cultural do Brasil
enquanto Nação.
Parecer do Conselho Nacional dos Esportes que fundamenta
a legislação relativa à Política Nacional do Esporte define a
cultura, “entendida no sentido subjetivo como um complexo de
valores, significações e objetos simbólicos que estão inseridos
no processo de formação intelectual do homem como um todo
e, no sentido objetivo, como um conjunto de hábitos e criações
humanas em todos os seus planos de atividades.” Assim o
Esporte deve ser compreendido como uma manifestação cultural.
Existem, inclusive, modalidades esportivas que são consideradas
expressões de identidade cultural. No Brasil, o Futebol é uma
marca cultural reconhecida em todo o mundo (CNE, 2013).
O Sistema de Indicadores Culturais 2003 – 2005 (IBGE,
2005) o inclui como “atividade econômica característica de
cultura”, de acordo com a Classificação Nacional de Atividades

1 Classificados respectivamente em 1° e 2° lugares entre os melhores jogadores de futebol do


Brasil, de todos os tempos, pelo site especializado Bleacher Report.

269
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

Econômico-Domiciliar – CNAE, com o código 92040 – Atividades


desportivas e outras relacionadas ao lazer.
Este estudo investiga por que o esporte de modo geral e
em particular o futebol no Brasil só prosperam nas regiões mais
ricas do país, notadamente no Sudeste e no Sul?
A hipótese que explica este fenômeno afirma que ele
está associado ao processo de desenvolvimento capitalista onde
atuam como protagonistas o mercado, a mídia/ marketing e o
desenvolvimento urbano. Neste contexto a pobreza constitui um
fator antagônico a expansão das atividades esportivas.
No caso o termo desenvolvimento urbano deve ser
entendido diferentemente de crescimento urbano tomando-se
como diferencial entre os dois a qualidade de vida. No primeiro
caso a cidade oferece aos seus habitantes um conjunto de fatores
que somados contribuem para um IDH2 elevado. No segundo a
cidade de se expande quantitativamente mas não reúne aquelas
condições que tornem aprazível a vida dos seus habitantes.
Além desta introdução e da conclusão o texto se divide em
três partes que consideram aspectos demográficos do estado da
Bahia; o estado da pobreza do estado e o esporte no seu prisma
de competitividade.

2. ASPECTOS DEMOGRÁFICOS

Em 2014 contava a Bahia com uma população de 15.126.371


habitantes representando 7,93% da população do País. No censo
de 2010, apresentava uma taxa de urbanização de 72,10%. (IBGE
2013). O estado está diminuindo sua expansão demográfica e
envelhecendo. Porque entre 2000 e 2013 apresentou uma taxa
geométrica de crescimento populacional de 0,08%, inferior à do
Nordeste (0,09%) e à do Brasil (1,13%). A taxa de fecundidade
que era de 7,2 filhos/mulher em 1970, caiu para 3,3 filhos/
2 Índice de Desenvolvimento Humano – IDH calculado pelo Programa das Nações Unidas para
o Desenvolvimento (PNUD). Retrata uma média de fatores tais como: educação (alfabetização e
taxa de matrícula), longevidade (esperança de vida ao nascer) e renda (PIB per capita).

270
FRAGMENTOS

mulher em 1991, chegando a 2,2 filhos/mulher em 2005. Estas


taxas de fecundidade no período 2003/2013 correspondem a
1,61% para Bahia, inferior ao Nordeste com 1,76% e ao Brasil
com 1,75%. A expectativa de vida ao nascer que era de 59,7
anos em 1980 passou para 65,3 anos em 1991 e 71,4 anos em
2005. A taxa de mortalidade infantil que era de 83,1 (em mil)
em 1980 declinou para 33,56 (em mil) no ano 2005. O índice de
envelhecimento 3 que era 24,4% na Bahia, 23,4% no Nordeste e
28,2% no Brasil em 2003, passou em 2013 para 40,6%, 39,5% e
46,1% respectivamente. (IBGE, 2013).
Considerando estas informações sob a perspectiva
esportiva, onde a faixa etária mais produtiva situa-se entre 16 e
30 anos4 este quadro tende a se agravar no futuro.
No final do século XX o estado voltou a expulsar população
em um volume considerável motivado pelas mesmas causas
históricas. Ou seja, seca, fome e miséria, notadamente na sua
Região Semiárida que ocupa 70% do seu território. Colapso de
culturas tradicionais como a do cacau, frustração no multiplicador
de empregos esperado da industrialização moderna e a falta
de novas ocupações no mercado. Nas décadas de 1990 e 2000
a Bahia apresentou os maiores saldos migratórios negativos
do Brasil totalizando, respectivamente, – 282 477 e – 267 465
habitantes. A corrente de migrantes se dirigia preferencialmente
para São Paulo (53,5%) e com menor peso para Minas Gerais
(7,1%) e Goiás (6,2%).

3 Índice de Envelhecimento: razão entre a população residente de 65 anos e mais de idade


sobre a população residente com menos de 15 anos de idade (SEI, 2014).
4 Não existe consenso sobre a vida útil do atleta de futebol. Segundo Lopes e Davis (2006) ela
estaria na faixa compreendida entre 18 e 35 anos.

271
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

Figura 1 - Pirâmide Etária - Distribuição por sexo e grupos de idade - Bahia, 2010.

Fonte: IBGE - Censo de 2010.

Vale ressaltar que as cidades baianas que possuem influência


urbana são de pequena expressão demográfica. Dos 417 municípios
baianos, apenas 6 deles tinham, em 2014, uma população superior
a 190 mil habitantes, já incluindo a sua capital Salvador, segundo
projeções do IBGE. Juntos totalizavam 4.572.052 habitantes, ou seja,
30% de um total de 15.126.371 no Estado, o quarto mais populoso
do Brasil. Dos 6 municípios com mais de 190 mil habitantes, Salvador
(2.902.927) responde por 63% desse contingente populacional,
segundo os dados da projeção.
No período de 2013/2014, segundo o IBGE, 133 municípios
baianos (32% do total) registraram perda de população absoluta,
com destaque para o Município de Maetinga (581 Km de Salvador –
PIB per capita de R$ 4.439,43), que é o líder nacional dos municípios
com taxas populacionais negativas. Isto se deve às causas por demais

272
FRAGMENTOS

conhecidas como o êxodo de miseráveis expulsos do campo pelas


secas do período; à transformação da base agrícola do estado,
com a adoção de processos de mecanização e a redução da taxa de
fecundidade das mulheres, já comentada neste estudo. A população
pobre destes municípios migra normalmente para a Região
Metropolitana de Salvador – RMS que respondia, em 2013, por 3
884 435 habitantes, representando 25,70% da população do estado.
(IBGE, 2013).

3. O ESTADO DA POBREZA

A despeito de ser considerada a 8ª economia do país, em


termos do Produto Interno Bruto – PIB do ano 2012, a Bahia é um
estado pobre e absurdamente desigual. O seu PIB per capita
(R$ 11.832,33), equivalendo a 52% do per capita brasileiro (R$ 22
645,86) coloca-a na 20ª posição entre os 27 estados da federação5
(IBGE, 2014).
Segundo os dados da Pesquisa Nacional de Amostra de
Domicílios (PNAD-IBGE, 2012), em 2010, na Região Metropolitana
de Salvador (RMS) os 10% mais ricos da população recebiam
mensalmente, em termos de salários mínimos, 16,8 vezes mais que
os 40% mais pobres. Observe-se que os 40% mais pobres na Bahia,
recebiam em média 0,5 salários mínimos mensais enquanto no Brasil
este valor, para igual estrato, correspondia a 0,75 SM. Já os 10%
mais ricos na Bahia, recebiam em média 7,35 SM enquanto os seus
similares no Distrito Federal percebiam 22,0 SM, em São Paulo: 15,2
SM e no Rio de Janeiro: 13,4 SM.
Segundo o PNUD (2013) o Estado da Bahia em 2010 no
conjunto dos seus 417 municípios apresentava um IDH-M de 0,660
ocupando a 22ª posição entre as 27 unidades federativas. Com
um IDH de 0,743,a Região Metropolitana de Salvador ocupava em
2010 a 11ª posição no ranking nacional do IDH no conjunto de 16
regiões aferidas. Mantém esta mesma colocação desde o ano 2000.
A situação de Salvador com o IDH-M de 0,759 (2010) em relação

5 Incluído, no caso, o Distrito Federal.

273
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

às nove capitais da região Nordeste também é modesta, ficando na


sexta posição, atrás de Recife (PE), Aracaju (SE), São Luís (MA), Natal
(RN) e João Pessoa (PB). No geral, Salvador ocupa a 383ª posição,
em relação aos 5.565 municípios do Brasil, sendo que 6,86% cidades
(382) estão em situação melhor, e 93,14% (5.183) municípios estão
em situação igual ou pior que a capital baiana. Em relação aos outros
416 municípios da Bahia, Salvador ocupa a primeira posição.
A concentração da renda explica a ausência de capital, de
poupança e de recursos para investimentos. Explica a fragilidade do
mercado interno e também a formação, cada vez mais intensa, de
uma economia informal que também se amplia como submersa, na
medida em que o tráfico de drogas começa a construir um Estado
dentro do estado. Aqui, assiste-se, exemplarmente, à divisão do
espaço urbano (SANTOS, 1979), convivendo em Salvador duas
cidades distintas. Uma no “circuito superior,” criada pelo capitalismo
monopolista e voltada para relações externas à cidade e mesmo à
região, tendo por cenário o país e o exterior; e outra, num “circuito
inferior”, formada pelos excluídos e dominada por atividades de
pequena expressão que mobilizam a população pobre da cidade e se
enraíza na região.
Esta pobreza que na Bahia originou-se, inicialmente, do modo
de produção escravagista, característico do processo de exploração
colonial realizado pelo capitalismo agrário-mercantil europeu que
consumiu quatrocentos anos da história brasileira. A passagem
deste regime para o do trabalho livre foi marcada pela ausência
de um conjunto de reformas estruturais no sistema sociopolítico e
econômico do país, notadamente aquelas que se faziam necessárias
na área educacional e no meio rural carente de uma reforma agrária.
As limitações impostas pelo sistema educacional tanto ao longo
do século XIX quanto no século XX impactaram diretamente na
mobilidade social e, consequentemente, na geração do emprego e
da renda que, abortada, é justamente o “calcanhar de Aquiles” do
processo de desenvolvimento da Bahia.
Em termos contemporâneos, as formas mais recentes do
processo de globalização mundial, mudaram a trajetória do processo
de acumulação nos países latino-americanos.

274
FRAGMENTOS

Assiste-se, então, uma tendência à integração de diferentes


tipos de investimentos em alguns setores econômicos estratégicos
que passaram a concentrar em seu suporte logístico os investimentos
públicos com infraestrutura.
Neste contexto, a geração de empregos, ou a sua remuneração,
ficou regulada pela rentabilidade ou pela eficiência do capital nestes
setores, registrando-se, na Bahia, uma substancial redução do
mercado de trabalho.
A pobreza, portanto, a par de suas raízes históricas, tende a se
acentuar como decorrência das exigências do mercado internacional,
da abertura da economia nacional com o consequente imperativo
da busca de produtividade para assegurar condições mínimas de
competitividade, de acordo com um processo condicionado por
regras transnacionais que fogem ao controle dos governos locais.
Ianni (1988) observa, com propriedade, que o mercado internacional
de trabalho também faz circular internacionalmente as técnicas
de seleção, controle e repressão das “raças subalternas”. Quanto
mais se desenvolve o caráter internacional do capitalismo mais se
internacionalizam e intensificam os movimentos das forças produtivas
básicas, seja o capital e a tecnologia, seja a mão-de-obra. Contudo,
estas circunstâncias não implicam a generalização da liberdade do
trabalhador em termos sociais e políticos. Um operário negro, no
Brasil, é sempre ao mesmo tempo negro e operário.
O fato concreto é que as circunstâncias históricas, agravadas
pelo fenômeno da globalização, respondem por uma massa
considerável de mão-de-obra marginalizada, predominantemente
de origem africana, destacando-se parcela majoritária da população
rural (em grande parte não assalariada, ocupada como agregados
e mesmo como servos das propriedades agrícolas). Em Salvador a
maior parte da população (79,5%) é da raça negra6. Segundo dados
divulgados pelo IBGE em 2010, 51,7% da população eram de cor
parda e 27,8% preta.

6 Negro é a raça, preto ou pardo é a cor. O pardo é o mulato uma denominação que tornou-
se preconceituosa. Antonil (1982), no século XVI dizia que o Brasil era o inferno dos negros,
purgatório dos brancos e paraíso dos mulatos. Salvador é mulata na alma.

275
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

Na área urbana, historicamente, a população negra foi


absorvida pelas atividades mais elementares e rudimentares,
quando não permaneceu na marginalidade ou na informalidade.
As dificuldades de acesso à educação, mantidas de certa forma
pela conveniência política das classes dominantes até os tempos
atuais, limitaram substancialmente a mobilidade social dos negros,
condenando-os a uma maior participação nos postos de trabalho
menos remunerados do mercado de trabalho.
Segundo a Unicef (2012) refletindo a desigualdade verificada
em diversos setores da sociedade brasileira, em relação a raça, 19,8%
das crianças negras de 4 a 6 anos (921.677) não frequentam a escola,
ante 17,3% das brancas (682.778).

3.1 Pobreza e competição: comparações

A pobreza transforma grande parcela dos baianos em um


povo de segunda classe. Afirmação cruel mas verdadeira. E o futebol
é um dos indicadores deste quadro melancólico.7
Agora, no final de 2014, os dois principais times do estado,
donos das maiores torcidas e de um patrimônio respeitável, estão
sendo rebaixados para a segunda divisão do Campeonato Brasileiro
que reúne um conjunto de clubes que foram capazes de figurar na
elite do futebol brasileiro. E ainda existem divisões menores e nada
impede que sejamos rebaixados novamente como já ocorreu com o
time mais glorioso da terra.
Quais as causas desta inferioridade?
Está no diferencial de riqueza, do mercado, do poder de compra
da população e das economias de escala e aglomeração geradas pelo
desenvolvimento urbano, como se demonstrará a seguir.
Para confirmar a afirmação anterior estabeleceu-se algumas

7 Basta que se acompanhe a programação da mídia. O tratamento dispensado à Bahia e ao


Nordeste de modo geral está muito aquém da importância que possuem no conjunto do País.
Uma criança morta por “bala perdida” no Rio de Janeiro traumatiza mais o país, do que cem
crianças afogadas no naufrágio de uma balsa no Rio São Francisco.

276
FRAGMENTOS

comparações entre os estados da Bahia (Ne) São Paulo, Minas Gerais,


Rio de Janeiro (Se) e o Rio Grande do Sul (S), justamente aqueles
que possuem a maior evidência nacional em termos esportivos,
notadamente no futebol, três indicadores chamam de imediato a
atenção. Trata-se do PIB per capita, das taxas de analfabetismo e o
IDH. O PIB per capita dos baianos equivale a 35,19% dos paulistas.
Enquanto isto a taxa de analfabetismo da Bahia é 3,86 vezes maior
que a de São Paulo. Em termos de analfabetismo funcional, esta
“superioridade” é de 2,3 vezes. A situação se repete com o Rio de
Janeiro cujo PIB per capita é 2,63 vezes superior ao da Bahia e as
taxas de analfabetismo total e funcional são inferiores, representando
respectivamente 27,11 e 45% das baianas. A situação se repete, nos
demais Estados da amostra selecionada.

Tabela 1 - Brasil - indicadores socioeconômicos de estados selecionados.

Notas: (*)Relativo a 2007; (**) Relativo a 2009 - ¹2010 –


Nota²: O Índice de Eficácia Migratória varia entre -1 e 1. Quanto mais próximo de 1,
maior a capacidade de absorção de população. Ao contrário, quando o indicador for
próximo de menos 1, significa maior evasão populacional. Valores próximos a zero
indicam a ocorrência de rotatividade migratória.

Fonte: IBGE.

277
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

Explicamos na introdução deste estudo porque as atividades


esportivas constituem bens culturais. Como bens eles são produzidos
e, do ponto de vista da economia dos esportes são caracterizados
como produtos. São muitas as definições do que seja produto,
variando dos conceitos econômicos aos gerenciais e mercadológicos.
Aqui, numa síntese destes conceitos, entende-se como produto o
conjunto de bens e serviços destinados a satisfazer as necessidades e
desejos dos consumidores.
O esporte é um produto intangível, logo um serviço, que oferecido
no mercado busca satisfazer as necessidades dos seus consumidores
(os torcedores) proporcionando-lhes diferentes sentimentos de prazer
ou desgosto conforme os resultados. Parafraseando Jules Rimet, a
atividade esportiva constitui um dos mais vigorosos fatores capazes
de vencer todos os obstáculos linguísticos e universais e de levantar os
povos sem distinção de raça ou de nacionalidade. Isso porque possui a
importante qualidade de influenciar diretamente as emoções dos seus
consumidores. Os esportes ao mexerem com a emoção das pessoas
conduzem a sentimentos de alegria, satisfação nas vitórias dos atletas
e dos times preferidos, ou ainda, na própria prática dos mesmos, a
projeção das idealizações individuais e coletivas. Seja como espectadores
ou praticantes, no campinho do baba (pelada), na quadra, na piscina,
na rua, onde quer que o esporte se desenvolva, trabalha-se com o
imaginário das pessoas. A identificação do atleta e a busca pela vitória
são importantes características que atraem as pessoas, motivando sua
participação e o consequente consumo dos produtos esportivos.
A comparação que procederemos restringe-se apenas ao campo
futebolístico, esporte onde se dispõe de maiores informações, permite
observar o tamanho do gap entre a região Nordeste e o Estado da Bahia
em relação ao Sudeste/Sul e ao Estado de São Paulo.
Em termos de torcedores, segundo pesquisa do Instituto Gallup
realizada em 2008, os times do SUDESTE e do SUL possuíam 78,4 milhões
de torcedores espalhados por todo o país. Isto correspondia a 72%
do total da torcida estimada pela pesquisa. Nove entre os dez clubes
de maior torcida estão localizados nestas duas regiões. São eles pela
ordem: Flamengo (16,27%), Corinthians (15,56%), São Paulo (8,77%),
Palmeiras (6,77%), Vasco da Gama (4,57%), Grêmio (4,10%), Cruzeiro

278
FRAGMENTOS

(3,24%), Santos (2,94%), Internacional (2,04%) e Atlético de Minas


(1,88%). Adicionando-se a relação o Botafogo e Fluminense (11° e 12º
colocados respectivamente), reuniam aproximadamente 142 milhões de
torcedores o que significa 60% das torcidas do país.

Tabela 2 - Dez maiores torcidas de futebol do Brasil em 2014.

Nota: (*) O Bahia, maior time do seu estado e do Nordeste, coloca-se no 13º lugar
em termos de torcida com um total, em 2014, de 2.026.398 torcedores que se
concentram no próprio estado, em São Paulo e Rio de Janeiro.

Fonte: Datafolha, 2014.

Vendo a tabela 2 é importante destacar que pelo lado da procura o


esporte é um serviço de demanda derivada e conjunta. A procura dos seus
produtos é função do desempenho da atividade, do sucesso e prestígio que
pode transmitir ao consumidor associados à expectativa de prazer. Também
só será satisfeita se houver à combinação de um conjunto de elementos
que compõem uma cadeia de produção ampla e diversificada que envolve
diferentes setores de atividades para que se chegue ao produto final. Assim

279
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

a produção do espetáculo depende de uma complexa interação de fatores


que envolvem os diversos segmentos da indústria do entretenimento, da
indústria esportiva, da indústria da construção e de incontáveis serviços, dos
mais simples aos mais especializados.
Sendo verdadeira a afirmação precedente demonstra-se,
significativamente, o poder de imagem concentrado no Sudeste e no Sul,
para fins mercadológicos. As marcas Flamengo e Corinthians possuem um
alcance8 nacional e consequentemente o maior valor de mercado como
demonstra a tabela 3 seguinte, representativa da pesquisa da BDO em 2014.
Conforme relata a BDO, em 2014 o valor consolidado das 30
marcas mais valiosas entre os clubes de futebol do Brasil foi de R$ 7,39
bilhões. Segundo a metodologia empregada no estudo as variáveis mais
representativas para os clubes analisados foram as características e perfil de
suas torcidas, com valor consolidado de R$ 3,55 bilhões, seguido das receitas
derivadas das marcas com valor de R$ 2,29 bilhão e das características do
mercado local, com valor de R$ 1,56 bilhão. A liderança do ranking das
marcas mais valiosas do futebol brasileiro, tem se mantido nas mãos do
Corinthians que vem liderando desde 2010.
O Bahia com a marca mais valiosa do Nordeste ocupa a 15ª posição
no ranking o seu valor de mercado equivale a 6% do valor do Corinthians.
Segundo o Cadastro Nacional de Estádios de Futebol (CNEF) da
CBF, em 2013, o Sudeste e o Sul, juntos, possuíam 369 estádios de futebol
(50% do total nacional). Destes, 184 (49,86%) eram privados, 221 (60%)
tinham sistema de iluminação e 35 abrigavam competições da série A do
campeonato nacional representando 69% dos estádios nacionais com esta
qualificação. O Nordeste, por seu turno, dispunha de 235 estádios (31,8%
do total nacional). Destes 200 (85,10%) eram públicos, sendo 197 (83,82%)
de propriedade dos governos estaduais e municipais. Com iluminação
somavam 154 (65,53%) e apenas 4 abrigavam competições da série A
do campeonato nacional representando 18% dos estádios nacionais com
esta qualificação. São Paulo possuía em 2013, 120 estádios de futebol
(16,23% do total nacional). Destes, 82 (68,3%) eram públicos, sendo todos
8 Distância econômica (isto é, a distância geográfica convertida em custos de frete e outros
custos monetários relacionados com o transporte) e o custo(distância) máximo que o comprador
está disposto a percorrer/suportar para adquirir ou utilizar o bem ou serviço (limite crítico do
lado da procura) Christaller (1965).

280
FRAGMENTOS

municipais, e 38 privados. Com sistema de iluminação eram 86 (71,66%) e 10


abrigavam competições da série A do campeonato nacional representando
18% dos estádios nacionais com esta qualificação, o mesmo percentual de
todo o Nordeste. Segundo os dados da CBF os estádios paulistas em 2013,
tinham capacidade para receber 1.365.637 espectadores. Enquanto isto na
Bahia, em 2013, existiam 49 estádios de futebol (6,63% do total nacional
e 40,83% do número de São Paulo). Destes, 91,83% eram públicos, sendo
45 municipais, 2 estaduais e 2 privados9. Com sistema de iluminação eram
34 (69,38%) e apenas 3 abrigava competições da série A do campeonato
nacional10. Segundo os dados da CBF os estádios baianos em 2013 possuíam
capacidade para receber 341.507 espectadores. Este número corresponde a
25% da oferta de espaço de São Paulo.

Tabela 3 - As 15 marcas mais valiosas do futebol brasileiro

Fonte: Extraído do BDO, 2014.

9 Os estádios privados são: o Barradão do E. C. Vitória e o Parque Santiago do E. C. Galícia, este


último praticamente desativado.
10 Trata-se do Barradão. Pituaçu (Roberto Santos) (Estadual) que foi utilizado em jogos antes
da inauguração da Arena Fonte Nova em 2013 e 2014 pelo campeonato brasileiro quando a
Fonte Nova (Estadual) já havia sido entregue à FIFA.

281
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

A capacidade instalada dos estádios para a recepção dos


torcedores (Tabela 4) pode também ser utilizada para dimensionar
o tamanho do mercado de bilheteria. Somente o Estado de São
Paulo, em 2013, oferecia 1/4 do total dos assentos nacionais
em estádios, um valor que correspondia a 90% da oferta total
dos nove Estados nordestinos e representava 4 vezes a oferta da
Bahia. Reunidas as duas regiões mais ricas do país (Sudeste/Sul)
respondiam por 55% dos assentos em estádios do país e 2 vezes a
soma de todos os assentos ofertados pela Região Nordeste.
Segundo a Kachani (2014) dos 12 complexos que foram
reformados ou construídos para a Copa do Mundo de 2014,
oito ganharam o nome de arena e se localizaram nos estados de
Pernambuco (Grande Recife), Mato Grosso (Pantanal - Cuiabá),
Amazônia (Manaus), Paraná (Baixada - Curitiba), Rio Grande
do Norte (Dunas - Natal), Bahia (Fonte Nova - Salvador), Ceará
(Castelão - Fortaleza) e São Paulo (Itaquerão). Para a Odebrecht
Properties, que participa da administração do Maracanã e das
Parcerias Público Privadas que viabilizaram as arenas Pernambuco
e Fonte Nova, a questão envolve marketing e tradição. Ou seja, o
termo arena guarda relação com o conceito de espaço multiuso.
Pela nova concepção, é possível realizar uma série de eventos não
relacionados diretamente ao futebol, como exposições, shows e
encontros corporativos que contribuirão para assegurar o retorno
dos investimentos realizados pois sabe-se de antemão que a
decisão de construí-los foi política e contrariava a regras mais
elementares da engenharia econômica.

282
FRAGMENTOS

Tabela 4 - Brasil: estádios de futebol e capacidade de torcedores por regiões e


Estados.

Fontes: CBF (2013) e IBGE (2013).

283
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

4. CONSEQUÊNCIAS DO DESCOMPASSO

O estudo investigou porque o esporte de modo geral e em


particular o futebol no Brasil só prosperam nas regiões mais ricas
do país, notadamente no Sudeste e no Sul. E comprovou a hipótese
que explica este fenômeno afirmando a sua dependência do processo
de desenvolvimento capitalista onde atuam como protagonistas
o mercado, a mídia/ marketing e os mecanismos institucionais
propiciados pelo desenvolvimento urbano.
Estes fatos são amplamente percebidos pelos agentes
econômicos que concentram seu foco nos estados do Sudeste e
Sul onde a remuneração do capital é maior, carreando para eles o
grosso dos investimentos em publicidade e patrocínio. Aqui se aplica
à perfeição o principio de causação circular acumulativa desenvolvido
na década de 1950 pelo economista sueco Gunnar Myrdal.
Afinal é naquelas regiões que se concentra o grosso do
mercado brasileiro. E aqui cabe lembrar que o mercado consiste numa
grande quantidade de pessoas com dinheiro no bolso e disposição
para comprar. Muita gente, sem dinheiro e com vontade de comprar
somente gera frustração e consequente violência. Neste contexto a
pobreza constitui um fator antagônico a expansão das atividades
esportivas pois aliada à ignorância e a tendência à submissão, dificulta
as possibilidades da existência de um mercado interno com elevado
poder de compra nos estados nordestinos.
Contribui para este estado das coisas a ausência de uma
vigorosa rede de cidades um fator que limita o desenvolvimento local
na Bahia e está relacionado com a forma como ocorreu a ocupação
do seu território, marcada por uma acentuada dispersão dos núcleos
urbanos, em parte considerável de suas regiões, o que provocou
um baixo grau de integração entre as cidades que exercem efeitos
polarizadores sobre as demais. Estes efeitos de polarização, quando
ocorrem, estão concentrados na prestação de serviços pela cidade-
sede, não sendo significativo o intercâmbio econômico. É importante
destacar que, segundo a SEI (2014), em 1997, a população de 100
dos 417 municípios baianos se encontrava na faixa da indigência. Isto

284
FRAGMENTOS

representava em 2010, segundo a FNP (2012) 4.183.348 habitantes


equivalentes a 29,8% da população do estado. Evidentemente uma
sobrecarga social para as cidades-polo que vêem inchar suas periferias
e entrar em colapso os seus serviços básicos. Por outro ângulo,
estas cidades polo não conseguem desenvolver fluxos significativos
de comércio inter-regional, por estarem separadas por distâncias
consideráveis que podem, em determinados casos, superar a barreira
dos mil quilômetros, além de serem penalizadas por uma péssima
infraestrutura de transporte.
Spinola (2002, p.71) aponta outro fenômeno que contribui
para a limitação das expectativas de formação em médio prazo das
almejadas “capitais do interior”, com dinamismo suficiente que
possibilite a redução da pressão demográfica sobre Salvador. Trata-se
da perda de capital humano qualificado, capaz de liderar processos
de transformação social em seus núcleos urbanos.
Em muitas cidades, notadamente as de médio e pequeno
porte (que são a maioria no Estado) as “elites” locais (fazendeiros,
comerciantes, etc.), completado um determinado estágio de
acumulação de capital, migram para Salvador, para outras cidades
maiores ou capitais, deixando em seu lugar os seus agregados que,
além de não possuírem renda para investir, também não possuem
iniciativa, pouco contribuindo para o processo de desenvolvimento
local. Em outros casos, talvez mais frequentes, migram os jovens que
vão “estudar na capital” e não retornam, visto que suas cidades de
origem não lhes oferecem o padrão de conforto urbano a que se
acostumaram em centros maiores, para não falar em renda, ocupação
e status.
Nessas condições, os espaços urbanos são ocupados pela
população que se transfere da área rural, com uma capacidade
socioeconômica e qualidade profissional reduzida, dado o padrão
de educação e de renda limitado. Em um balanço de transações de
valores culturais, as cidades exportam capital humano qualificado e
importam capital humano de baixa qualificação, que funciona como
uma pesada sobrecarga em relação à infraestrutura urbana e social
existente e não encontram as condições necessárias para a promoção
do seu desenvolvimento humano. A cidade perde assim a capacidade

285
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

de modernizar-se, de inovar e de empreender novas atividades que


ampliem e dinamizem o seu sistema local produtivo.
Na exportação de capital humano qualificado o esporte
é emblemático. Os talentos revelados tanto no interior quanto na
capital são rapidamente absorvidos pelos grandes clubes da região
Sudeste, quando não do exterior, ficando na Bahia os medíocres ou
aqueles em final de carreira.
Ademais, ainda no plano do urbano, Salvador perde cada
vez mais a sua centralidade regional esta entendida como a que
trata da relação da cidade com o macro território que forma o seu
entorno envolvendo efeitos de polarização e de funcionalidade.
Ela origina o que o IBGE (2013) denomina de “Região Funcional
Urbana” e define como um “espaço contínuo que leva em conta a
polaridade das funções urbanas de uma cidade de maior porte tendo
como fator agregativo os vínculos dessa sede com as demais sob a
sua subordinação no contexto do sistema de transportes.”
Atualmente a área de influência de Salvador é incomparavelmente
menor do que a existente em épocas passadas refletindo nitidamente
o crescimento do que antes foi a sua periferia que inverteu os termos
da sua hierarquia urbana. Em termos econômicos isto significa que
cidades como São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília assumem o seu lugar.
Assim como cidades menores na hierarquia urbana como Vitória do
Espírito Santo, Aracaju e Recife. Assim, a velha capital baiana está se
encolhendo no tempo.

5. CONCLUSÃO

O quadro aqui esboçado aponta para grandes desafios que


se antepõem à sociedade baiana na seara das atividades esportivas.
Não se trata de um problema exclusivo do Estado, entendido
como Governo, porque a administração pública, solitária nas
iniciativas, pouco pode contra as graves distorções culturais que
ferreteiam a nossa sociedade, a partir da pobreza e ignorância dos
despossuídos à ganância, má fé e corrupção daqueles que manipulam
estas atividades em proveito próprio e à omissão da elite intelectual e

286
FRAGMENTOS

econômica que as encara de forma preconceituosa.


Por tudo isto se conclui que sem a formulação e execução
de uma política pública que norteie um planejamento consistente,
desdobrado em programas e projetos de curto, médio e longos
prazos, jamais conseguirá a Bahia assumir uma posição de destaque
no cenário esportivo nacional.
A política pública deve adotar como paradigma o entendimento
de que o esporte é uma prática sócio-cultural contemporânea, de
grande importância para a qualidade de vida e uma experiência
configurativa dos direitos fundamentais da população.
A formulação de uma política pública para os esportes na Bahia
deve ser singular, única e indivisível, centralizada em um organismo
que assuma integralmente a sua coordenação e a execução dos
planos, programas e projetos e que promova toda a articulação
no setor com os demais organismos do Estado, da União e dos
Municípios.
É de importância vital para o desenvolvimento esportivo da
Bahia que se promova uma revolução na educação física da sua
juventude. Neste sentido repete-se aqui algumas constatações do
diagnóstico do Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Física,
Esporte e Lazer (Lepel), da Faculdade de Educação da UFBa. que
devem constituir uma referência para a formulação de projetos neste
campo. Segundo o Lepel (2009) é necessário o desenvolvimento
cientifico e tecnológico da educação física, esporte e lazer na
Bahia que está limitado devido à existência de estruturas de poder,
burocratizadas, hierarquizadas, anacrônicas a atrasadas em termos
de gerenciamento científico-democrático. Setorializada em feudos,
ora em departamentos e centros nas Instituições de Ensino Superior,
ora em estruturas do próprio Estado, a educação física, esporte e
lazer permanece fragmentada em setores incomunicáveis, ligados
ora a saúde, a educação, a cultura, ou isolada no setor desporto,
ou outras secretarias. O estado, por seu turno, não conta com
suficiente número de profissionais formados e capacitados do ponto
de vista cientifico, técnico e pedagógico em programas de pós-
graduação, para o trato com as complexas problemáticas presentes

287
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

nos diferentes âmbitos de manifestações sociais da área da cultura


corporal e esportiva, em um dos grandes bolsões de miséria humana
do planeta, como é o Estado da Bahia e o Nordeste do Brasil. Não
existem programas de pós-graduação na área, nenhum curso de
mestrado e doutorado, portanto, não se formam profissionais em
quantidade e qualidade suficiente para preencher os alcances da
demanda da região. O Estado não conta com espaços, equipamentos
e instalações, principalmente no interior, para o desenvolvimento de
atividades física e esportivas que beneficiem, especialmente, os 60%
da população que vive no limite da pobreza critica. Os equipamentos
e instalações, muitas vezes, tornam-se barreiras arquitetônicas, pois
são projetados na perspectiva exclusiva do desporto competitivo de
alto rendimento. O Estado não conta com gestão democrática de
políticas públicas culturais para o setor. Prevalecem a “politicagem”,
na liberação de recursos, no “sorteio político de cargos”, onde
as secretarias de esporte ou as divisões de educação física são
“loteadas”. Prevalecem assim, decisões políticas que beneficiam
setores abastados da sociedade. A violência nas atividades físicas e
esportivas, em suas diferentes formas de manifestações, também
constitui a problemática da educação física e do esporte na Bahia.
Essa violência manifesta-se na segregação de oportunidades de
acesso a esse bem cultural, até a violência física, culminando com
mortes em estádios de futebol, o que está a exigir intervenções dos
setores organizados da sociedade para buscar alternativas, tanto na
legislação, como nas políticas educacionais e sociais mais amplas para
que a solução desses problemas seja efetivamente encaminhada.
(LEPEL, 2009).’’

A solução não é fácil. É longa – demorada, muitas vezes


antipática e impopular, contrariando muitos interesses grupais. Requer
recursos, método, disciplina e muita capacidade administrativa. Trata-
se de um trabalho a desenvolver muitas vezes no plano do intangível
onde as placas nem sempre serão cravadas no concreto, mas obtidas
em competições nacionais e internacionais que encherão de orgulho
o povo baiano, aumentará a sua autoestima e mandará para as
calendas gregas o nosso velho complexo de vira-latas.

288
FRAGMENTOS

REFERÊNCIAS

ANTONIL, André João. Cultura e opulência do Brasil. 3. ed. Belo


Horizonte: Itatiaia/Edusp, 1982. (Coleção Reconquista do Brasil).

BDO. 7º Valor das marcas dos clubes brasileiros. Finanças dos clubes.
Disponível em: www.bdobrazil.com.br/pt/PDFs/Estudos_Zipados/valor_
das_marcas_2014.

CNE, Conselho Nacional de Esportes. (Org.). Política Nacional de


Esportes: Parecer. 2001. Parecer do CNE que fundamenta a legislação
posterior.. Disponível em: <www.esporte.gov.br/...esporte/.../21849>.
Acesso em: 31 dez. 2013.

CONFEDERAÇÃO BRASILEIRA DE FUTEBOL (CBF). Cadastro Nacional de


Estádios de Futebol (CNEF). Rio de Janeiro, 2013.

CHRISTALLER, W., Le Localitá Centralli della Germania Meridionalle.


Milano: Franco Angeli Editore, 1965.

FNP, Frente Nacional dos Prefeitos – G100 - Municípios populosos com


baixa renda per capita e com alta vulnerabilidade social. In: I ENCONTRO
DOS MUNICÍPIOS COM O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL, 1., 2012,
Brasília. Publicação. Brasília: Fnp, 2012. v. 1, p. 1 - 60.

GALLUP, Instituto. A maior pesquisa da história. Disponível em http://


gallupnobrasil.blogspot.com/2008/05/maior-pesquisa-da-histria.Acesso
em 2 nov.2009.

IANNI, Octávio. Escravidão e racismo. São Paulo: Hucitec, 1988.

IBGE, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Contas


Nacionais: Contas Regionais do Brasil. 42. ed. Rio de Janeiro: IBGE, 2014.
55 p.

IBGE, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas. Estados@


Bahia. Disponível em:www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/
estimativa2013>. Acesso em: 2 dez. 2014.

IBGE, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas; Sistema de


Informações e Indicadores Culturais. 2005. Disponível em: www.ibge.
gov.br/ Acesso em: 31 mar. 2014.

IBGE. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas. Pesquisa Nacional

289
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

por Amostra de Domicílios: Síntese de Indicadores, 2011. Rio de Janeiro:


IBGE, 2012. 282 p.

IBGE, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas Regiões de influência


das cidades 2007. Rio de Janeiro: IBGE, 2008. 201 p.

KACHANI, Morris. Veja as diferenças entre estádios e arenas. Folha de


São Paulo. São Paulo, 31 jul. 2014. Disponível em: www1.folha.uol.com.
br/esporte/2014/07/1493603 Acesso em: 2 dez. 2014.

LEPEL, Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Física, Esporte e Lazer


da FACED/UFBa. O esporte na Universidade: manifesto. Lepel, Salvador,
01 dez. 2009. Disponível em: www.faced.ufba.br/rascunho_digital/.../446.
htm. Acesso em: 01 dez. 2009.

LOPES, Hilton de Araújo; DAVIS, Milton David. O ativo jogador de futebol.


Pensar Contábil, Rio de Janeiro, v. 33, n. 8, p.2-10, nov. 2006. Disponível
em: <http://www.atena.org.br/revista2.208/index.php.> Acesso em: 01
dez. 2014.

PNUD - Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento PNUD -


Brasil 2013. Disponível em http://www.atlasbrasil.org.br/2013/pt acesso
em 02 dez. 2014

SANTOS, Milton. O espaço dividido: os dois conceitos da economia


urbana dos países subdesenvolvidos. Rio de Janeiro: Livraria Francisco
Alves, 1979.

SEI - Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia. Anuário


Estatístico da Bahia v. 26 (2012). – Salvador: SEI, 2014.

SPINOLA, Noelio Dantaslé. A trilha perdida. Caminhos e descaminhos do


desenvolvimento baiano no século XX. Salvador: Editora Unifacs, 2009.

SPINOLA, Noelio Dantaslé. Esporte, Cultura & Desenvolvimento


Regional: Salvador, Lauro de Freitas, Camaçari, Feira de Santana,
Alagoinhas e Juazeiro. Salvador: IPA, 2011.

SPINOLA, Noelio Dantaslé. Negritude, pobreza e discriminação racial na


Bahia em um contexto de globalização. Revista de Desenvolvimento
Econômico, Salvador, v.4, n.6, p. 71-80, jul. 2002.

UNICEF. Fundo das Nações Unidas para a Infância (Org.). “Iniciativa


Global Pelas Crianças Fora da Escola - Brasil”. 2012. Disponível em:
<http://www.unicef.org/education/files/Brazil .Acesso em: 2 fev. 214.

290
FRAGMENTOS

ARTIGO

OURO E PEDRAS
PRECIOSAS:
UMA RIQUEZA
ESTÉRIL

08
291
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

292
FRAGMENTOS

Ouro e Pedras Preciosas: Uma


riqueza estéril

Noelio Spinola

Resumo
Trata-se aqui de uma breve análise das atividades relacionadas com
a extração de minerais ditos preciosos com destaque para o ouro
e as gemas, tomando como espaço de referência física o território
brasileiro e especificamente o baiano, considerando o período
compreendido entre os séculos XVI e
XX. Busca-se comprovar a hipótese de que esta mineração traz em
si embutida uma espécie de trade- off posto que, a despeito da
fortuna que produz, não compensa aos seus produtores primários
e a economia das suas respectivas regiões que são exploradas e
espoliadas. Trabalhou-se com uma metodologia dedutiva, utilizando-
se a análise documental e a pesquisa bibliográfica o que resultou na
confirmação da hipótese aqui assinalada.

Palavras chave: Mineração. Ouro. Pedras preciosas. História


Econômica. Brasil. Bahia.

GOLD AND PRECIOUS STONES A WEALTH BARREN

Abstract
It is a brief analysis of the activities related to the extraction of
precious minerals, especially gold and precious stones, taking as a
physical reference space Brazil and, specifically, Bahia, considering
the period between the sixteenth and twentieth century. The object
is to prove the hypothesis that mining has produced a kind of trade-
off since, despite the wealth it produces, does not compensate
its primary producers and the economy of their regions that are

293
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

exploited and dispossessed. We used a deductive methodology by


analysis of documents and literature that resulted in confirmation of
the hypothesis here marked.

Keywords: Mining. Gold. Precious stones. Mineral economy. Brazil.


Bahia.

JEL CLASSIFICATION SYSTEM: N36; N56; N96; Q32

O ouro brasileiro deixou buracos no Brasil,


templos em Portugal e fábricas na Inglaterra.

(Eduardo Galeano, 1971)

294
FRAGMENTOS

INTRODUÇÃO

Na história do desenvolvimento econômico registra-se que as


atividades mineradoras quase nunca beneficiaram os países pobres
e subdesenvolvidos detentores de grandes reservas de ouro e de
pedras preciosas. Estão aí os países da África e da América Latina,
entre outros, para comprovar essa assertiva.

A lenda do Eldorado que invadiu a Europa mercantilista do


século XVI foi um mito que em parte provocou o massacre dos povos
americanos pelos espanhóis e portugueses. Tudo acabou resultando
em benefício da Inglaterra que pela potência da sua economia – e a
força das suas armas – associada à habilidade dos seus diplomatas
tornou-se a principal receptadora e beneficiária do saque e extração do
ouro, prata e gemas pela Espanha e Portugal nas colônias americanas.
Galeano (1971, p.40) descrevendo o denominado “imperialismo
bucaneiro”1 dizia que a:

Inglaterra e Holanda, campeãs de contrabando de ouro,


que juntaram grandes fortunas no tráfico ilegal da
carne negra, açambarcam por meios ilícitos, segundo
se calcula, mais da metade do metal que correspondia
ao imposto do “quinto real” que deveria receber, do
Brasil, a coroa portuguesa. (...) Da mesma maneira que
a prata de Potosí repicava no solo espanhol, o ouro de
Minas Gerais só passava de trânsito por Portugal. A
metrópole converteu-se em simples intermediária.

1 Segundo Hobsbawm (1988, p.59) a palavra (imperialismo) não aparece nas obras de Karl
Marx e foi introduzida na política da Inglaterra em 1870. Literariamente surge com o livro de
J.A. Hobson intitulado Imperialism: a Study publicado em 1902. Somente em 1916, Vladimir
Ilyich Lenine publica o seu clássico O Imperialismo, Fase Superior do Capitalismo. O termo
bucaneiro é originária do francês boucanier. Este termo era utilizado pejorativamente pelos es-
panhóis para denominar os piratas apoiados pela Coroa Inglesa como Francis Drake e Hawkins
que fizeram fortunas com suas pilhagens. A Inglaterra começava, decididamente, a ameaçar
a força armada espanhola. Durante os séculos 17 e 18 a pirataria atingiu o seu ponto máximo
e rapidamente a palavra bucaneiro se tornou comum. (FERNANDES, 2015). A junção dos dois
termos expressa uma classificação do fenômeno numa fase pré-capitalista.

295
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

Neste estudo, comenta-se este quadro paradoxal onde, tanto


no passado quanto no presente, a produção de riqueza, representada
pelo ouro e pelas pedras preciosas e semipreciosas não determina
resultados favoráveis para as fontes produtoras posto que são
vitimados por um processo espoliativo, próprio do imperialismo, que
somente beneficia as nações cujos oligopólios dominam o mercado.

Esta premissa maior é analisada neste estudo mediante a


utilização do método dedutivo, que segundo Santos (2008) derivou do
pensamento racionalista de Descartes, Spinoza e Leibniz, que assume
ser apenas a razão quem pode conduzir ao conhecimento verdadeiro.
Neste caso assumiu-se como verdadeira e inquestionável a premissa
maior, aqui referida para assim estabelecendo relações com uma
proposição particular (o imperialismo) e, a partir do raciocínio lógico,
chegar à verdade daquilo que se propõe (conclusão). Ou, utilizando as
palavras de Galliano (1979, p. 39) “a dedução consiste em tirar uma
verdade particular de uma verdade geral na qual ela está implícita”.

Nesta abordagem do caso brasileiro com ênfase no estado da


Bahia foram utilizadas técnicas de pesquisa documental e bibliográfica
em fontes primárias e secundárias focadas nas principais áreas
produtoras do país e complementadas por entrevistas semiestruturadas
realizadas especificamente para o setor de gemas e pedras preciosas.
No plano documental foram compiladas e consolidadas informações
de inúmeros organismos técnicos como o Departamento Nacional da
Produção Mineral (DNPM); Companhia Baiana de Pesquisa Mineral
(CBPM); Museu Geológico da Bahia; Superintendência de Estudos
Econômicos e Sociais da Bahia (SEI-Ba.); Instituto Brasileiro de Geografia
e Estatística (IBGE); Centro de Tecnologia Mineral (CETEM) e o Arquivo
Público do Estado da Bahia. Em termos bibliográficos procedeu-se a
uma revisão da literatura produzida pelos autores, antigos e modernos
do Brasil e do exterior, que em livros e artigos trataram da questão.
Entre estes se destacam: Antonil (1711); Southey (1810); Varnhagen
(1854); Abreu (1907); Azevedo (1928); Calógeras (1932); Eschwege
(1941); Simonsen (1962); Prado Júnior (1957/1959); Furtado (1959);
Sodré (1963); Boxer (2000); Vilhena (1969); Pinto (1979); Teixeira
(2001) e muitos outros referenciados ao final do texto.

296
FRAGMENTOS

A pesquisa se concentrou na extração do ouro e das pedras


preciosas desprezando-se a prata que é escassa no Brasil.2 Neste texto
abordou-se no primeiro capítulo os aspectos históricos numa sequência
ouro, pedras preciosas e Brasil, Bahia no período compreendido entre
os séculos XVI e XIX. O segundo capítulo trata do assunto na atualidade,
séculos XX e XXI, na mesma sequência. Segue-se a conclusão.

1. ELDORADO, MERCANTILISMO E COLONIALISMO

Os séculos XV e XVI assistem no mundo dominador do ocidente


um período de profundas transformações que começam com as
grandes navegações que liquidam a hegemonia comercial veneziana
alçando os países ibéricos ao protagonismo econômico mundial; o
“renascimento” e a reforma luterana que inauguram a denominada
“idade moderna” e um período de desmontagem progressiva do que
ainda restava do feudalismo e de edificação gradual da nova ordem
capitalista.

Surge o mercantilismo cujos princípios segundo Blaug (2001,


p.27) são bem conhecidos:

O ouro em barras e as riquezas de todas as classes


como a essência da riqueza; a regulação do comércio
exterior (monopólios) para gerar a entrada de ouro e
prata; a promoção da indústria mediante o estímulo às
importações de matérias primas baratas; o protecionismo;
o estímulo às exportações de bens finais e a insistência no
crescimento demográfico para manter baixos os salários
e fornecer carne para os canhões.

A corrida ao ouro alimenta os sonhos portugueses e espanhóis.


Portugal a esta altura já é um país falido3 e a Espanha segue-lhe

2 Segundo o DNPM em 2010 o Brasil possuía apenas 0,38% das reservas mundiais de prata,
participando com 0,1% da produção global. (DNPM,2014)

3 Ver a propósito Azevedo (1928).

297
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

os passos. O ouro, a prata e as pedras preciosas por eles extraídos


do Novo Mundo transitam rapidamente pelos seus territórios4 não
gerando investimentos reprodutivos. Fluem todos para a Inglaterra
que marchava célere para o que viria a ser sua revolução industrial
nos séculos XVIII e XIX e através de um possante comércio formava as
bases do que viria a ser sua estrutura capitalista industrial.

Como relata Autor(2009, p.36) o processo de colonização


brasileira foi derivado dos eventos econômicos e políticos que
condicionaram Portugal nos três primeiro séculos da nossa história.
A fragilidade portuguesa frente à Inglaterra contribuiu para que, na
prática, se exacerbasse um processo de exploração que constituiu
a marca da dominação lusitana. Esta fragilidade e uma relação de
dependência financeira e militar fez de Portugal, na prática um
“intermediário” na apropriação das riquezas extraídas ou produzidas
pela colônia brasileira, as quais, preponderantemente, acabavam
canalizadas para os ingleses. Como à época testemunhava ninguém
menos que o barão de Montesquieu, célebre filósofo do Iluminismo,
que dizia: “quanto maior for a massa de ouro na Europa, tanto mais
Portugal será pobre, tanto mais será uma província da Inglaterra, sem
que por isso ninguém seja mais rico.” (SCHILLING, 2015). Exemplo
disto é o tratado de Methuen5, firmado entre a Inglaterra e Portugal,
em 1703, que transformou o Brasil, no plano econômico, numa
colônia de uma colônia, visto que os portugueses, a partir desta
época, abdicaram praticamente da sua autonomia (colocando-se
sobre a proteção militar inglesa) e, consequentemente, da capacidade
de gerir com independência os seus negócios ditando seus rumos,
notadamente no setor industrial.

4 Quando não foram apreendidos, no caso da Espanha pelos barcos ingleses e no português
pelos franceses e holandeses.
5 Este tratado de redação muito simples também conhecido como “Tratado dos Panos e Vi-
nhos”, foi um acordo comercial que em termos práticos eliminou as possibilidades de industria-
lização de Portugal e, por extensão, do Brasil.

298
FRAGMENTOS

1.1 O CICLO DO OURO

O sucesso espanhol na exploração dos metais preciosos em


suas colônias americanas espicaçava a cobiça portuguesa cujo governo
exercia uma pressão constante sobre os seus prepostos brasileiros
no sentido de encontrarem esta ambicionada fonte de riquezas. Este
sonho português tornou-se realidade a partir do final do século XVII.
Já não era sem tempo, pois nesta época Portugal e Brasil estavam
numa situação financeira tão precária que só um Eldorado poderia
salvá-los, e ele logo seria descoberto, mas trouxe consigo muitos
outros problemas que eliminaram no plano econômico os benefícios.
Segundo diversos autores, a começar por Antonil (1711) relatam que
a primeira grande descoberta deu-se nos sertões de Taubaté. O padre
Antonil, no Cultura e Opulência do Brasil, relata:

O primeiro descobridor dizem, que foi hum mulato, que


[...] chegando ao serro Tripui, desceu a baixo com huma
gamela, para tirar agua do ribeiro, que" hoje chamão
do Ouro Preto: e metendo a gamela na ribanceira
para tomar agua, e roçando-a pela margem do rio, vio
depois que nella havia granitos da côr do aço, sem saber
o que erão: nem os companheiros, aos quaes mostrou
os ditos granitos, souberão conhecer, e estimar o que
se tinha achado tão facilmente: e só cuidarão, que ali
haveria algum metal, não bem formado, e por isso não
conhecido. Chegando, porém, a Taubaté, não deixarão
de perguntar, que casta de metal seria aquelle. E, sem
mais exame, venderão a Miguel de Souza alguns destes
granitos, por meia pataca a oitava, sem saberem elles o
que vendião, nem o comprador que cousa comprava,
até que se resolverão mandar alguns dos granitos ao
governador do Rio de Janeiro, Artur de Sá, e fazendo-
se exame delles, se achou que era ouro finíssimo
(1711.p.143, Cap. II) [Sic].

Silva Leme (2015), e muitos outros indicam o nome de Antônio


Rodrigues Arzão, que, por volta de 1693, teria garimpado uma lavra

299
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

na Casa da Casca, da qual, porém não chegou a tirar proveito. Seu


parente, Bartolomeu Bueno Siqueira, consegue sucesso, só que nas
barrancas de Itaverava em 1697, “quando o então governador do
Rio de Janeiro, Castro Caldas anunciou a descoberta de “dezoito a
vinte ribeiros de ouro da melhor qualidade” pelos paulistas. Iniciou-
se então a primeira “corrida do ouro” na região” (p. 85,86).

Simonsen (1962, p. 297/298) informa que nos 140 anos


transcorridos no período compreendido entre 1680 e 1820 a receita
total auferida com a extração do ouro correspondeu a US$ 1,003
bilhão, ou seja, 1.508 toneladas equivalentes a £ 206,013 milhões.

Os diamantes, também de acordo com Simonsen (1962,


p.287/289) surgiram em 1729 em Serro Frio e o seu impacto provocou
uma corrida de mineradores e garimpeiros e a queda de 75% do
valor do quilate6 nos mercados internacionais. A coroa portuguesa
assumiu o controle das lavras em 1731. Simonsen (1962, p.288)
apud Azevedo (1928) conta que a produção e a venda sofreram
limitações para evitar a desvalorização do produto. Em 1740 foi
adotado o sistema de arrendamento por contratos que durou até
1771 (neste intervalo de tempo atingiu-se a produção máxima com
1,67 milhão quilates). A partir daquele ano “substituiu-se o governo
violentamente, aos contratantes, apropriando- se de todas as suas
instalações e transformando a exploração e venda definitivamente em
monopólio real”. O total exportado entre 1729 e 1801 está avaliado
em 3 milhões de quilates, cerca de £ 9 milhões não sendo exagerado
estimá-lo em £ 10 milhões. (SIMONSEN, 1962, p.289).

Observa-se pela estatística de Azevedo (1928) que no período


sob a administração do estado (1772/1801) a produção teve uma
queda de 44%. Azevedo, Simonsen e Calógeras, concordam que
no período compreendido entre 1728 e 1801 a produção total de
diamantes no Brasil atingiu 3 milhões de quilates que renderam algo
em torno de £ 9,2 milhões.7

6 Segundo a metric-conversions.org/pt-br o quilate é uma medida de peso utilizada para as


pedras preciosas. Um quilate é igual a 1/5 de um grama (200 miligramas).
7 Segundo o Serviço Geológico do Brasil (CPRM, 2015) o valor de um quilate (ct = 0,2 g) de
diamante depende de quatro fatores (peso, cor e pureza, qualidade da lapidação e forma).
Além disso depende das variações do mercado. No caso estimou- se o valor do diamante bruto

300
FRAGMENTOS

Conforme já observado tanto o Brasil quanto Portugal não se


beneficiaram desta riqueza.

No caso do Brasil, segundo explica Pinto (2000, p.29), as


características geológicas da região mineradora8 condicionaram a
estrutura dos empreendimentos que se formaram para a extração do
minério. Tratava-se do ouro de aluvião, que encontrava‑se depositado
na superfície ou em pequenas profundidades no fundo dos rios e
de fácil extração, ao contrário das minas do México e do Peru, que
dependiam de profundas escavações. A extração do ouro de aluvião
sendo mais simples esgotava-se mais rapidamente9. Estas características
praticamente eliminavam as barreiras às entradas pela baixa exigência
de capital fixo e foi determinante na organização das lavras sendo as
empresas organizadas no estilo footloose o que conferia à mineração
da época caráter nômade. Isto dispensava a realização de investimentos
fixos de grande vulto sendo as empresas intensivas de mão de obra
utilizando o trabalho escravo. A tecnologia adotada era primitiva
e representou um dos fatores que determinaram a decadência da
atividade. Esta forma de organização ambulante da economia mineira
sem qualquer ligação direta com a terra, fez com que a riqueza ali
produzida fosse dissipada em várias mãos. Essa pulverização de
renda inviabilizou qualquer derivação para alternativas econômicas,
(Embeddedness) já que núcleos manufatureiros, agropecuários ou
de transporte foram bloqueados pela draconiana política fiscalista da
Coroa.

Sob o enfoque demográfico a mineração mudou o perfil do


país. Segundo Furtado (1959, p.93) “a crer nas informações disponíveis,
a população do Brasil teria alcançado 100.000 habitantes em 1600,
um máximo de 300.000 em 1700 e ao redor de 3.250.000 em 1800.”
Furtado calcula que a emigração portuguesa para o Brasil no século
da mineração deverá ter correspondido a 300.000 pessoas podendo
haver alcançado meio milhão. Nestes termos conclui que Portugal

(de acordo com o Jornal do Ouro Blogspot em 2015) no valor de € 576 o quilate ou US$ 656,64.
No caso a produção brasileira atualizada para 2015 totalizou algo em torno de € 1,728 bilhão
ou US$1,970 bilhão.
8 Quadrilátero Ferrífero situado no Centro-Sudeste do estado de Minas Gerais.
9 Em nosso caso durou menos de um século.

301
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

contribuiu com um maior contingente populacional para o Brasil do


que a Espanha para todas as suas colônias da América.

A descoberta do ouro aconteceu quase simultaneamente,


com o declínio do comércio de açúcar, que por quase dois séculos
foi a base econômica da colônia. Representou uma nova esperança
para grande número de pessoas pobres tanto da metrópole quanto
da colônia que não tinham os recursos necessários para investir nos
poucos produtos passíveis de lucro naquela época, o que fez com
que muitos andarilhos migrassem em busca de algo que pudesse ser
rentável. Bueno (2006, p.191) relata que a intensa migração criou um
caos no Nordeste brasileiro, com cidades inteiras sendo abandonadas
por habitantes que saíam em busca de ouro nos garimpos. Plantações
de cana-de-açúcar foram abandonadas. Houve considerável aumento
no preço dos escravos, animais e víveres. Inúmeros povos indígenas
foram dizimados. Como era de se presumir a criminalidade se alastrou
por toda a região das minas.

Sob o enfoque geopolítico a mineração além de induzir a


ocupação demográfica da colônia ampliou significativamente o
território expandindo-o para o Oeste e ultrapassando os limites
antes fixados pelo Tratado de Tordesilhas.10 A mineração também
deslocou definitivamente o centro econômico e o aparelho político-
administrativo da colônia para a região Sudeste transferindo-se a sede
do governo geral para a cidade do Rio de Janeiro de mais fácil acesso às
regiões mineradoras. De acordo com Autor (2009, p.27) esta medida
decretada pelo Marques de Pombal assinala o início da decadência da
economia baiana11. Nas palavras de Simonsen (1962, p.294) “cessada

10 O Tratado de Tordesilhas, assinado em 1494, definiu as áreas de domínio dos territórios


ultramarinos, entre Portugal e Espanha, estabelecendo uma linha de demarcação localizada
a 370 léguas a oeste do arquipélago de Cabo Verde, de polo a polo. Caberia a Espanha, as
terras do lado ocidental, e a Portugal as do lado oriental. Na prática muita gente desconhecia
seus limites pela deficiência da cartografia na época. Os portugueses avançaram para o Oeste
até um ponto que em 1750, pelo Tratado de Madrid, com base no princípio do uti possidetis
defendido pelo luso-brasileiro Alexandre de Gusmão, estabeleceram-se os limites do território
nacional.
11 Antes mesmo da administração pombalina, em 1701 era proibido trânsito de pessoas e o
comércio entre a Bahia e Minas Gerais concentrando-se todo o intercâmbio com as Minas por
intermédio do Rio de Janeiro e de São Paulo (CALÓGERAS, p.76 apud AZEVEDO, 1928, p.315).

302
FRAGMENTOS

a mineração, mergulhou o Centro-Sul na sua primeira grande crise


por falta de uma produção rica e exportável.” O enorme crescimento
demográfico criou um mercado interno que passou a demandar a
produção local de alimentos que pudesse suprir as necessidades dos
novos habitantes gerando graves problemas de desabastecimento,
carestia e especulação.

Portugal, por seu turno, também não foi feliz com a mineração.
Segundo relata J. Lúcio de Azevedo em seu clássico Épocas de Portugal
Económico o país chegava falido ao século XVIII, bastante atrasado
em relação à Inglaterra e Holanda, essencialmente agrícola, dominado
por um fanatismo religioso e por uma Igreja Católica que, com a sua
“Santa Inquisição”, cerceava qualquer possibilidade de modernização
e progresso. Vivendo em conflito permanente com o vizinho espanhol,
também bastante atrasado, o país mergulhou num absolutismo
feroz e tacanho e afundou economicamente com seus governantes
da dinastia de Bragança especificamente D. João IV o fundador da
dinastia (1640/1650); D.João V (1706/1750) e D. José I (1750/1777).
Como relata Azevedo (1928, p.385) referindo-se a D.João IV “rei feito
pela revolução da nobreza, (...) desgostosa da experiência castelhana
(...) antes de aceitar hesitou (...) no receio de perder o patrimônio
imenso, acumulado em três séculos, por capitalização de rendas
e dádivas novas.”12 Azevedo descreve o rei como “um homem sem
escrúpulos, interessado apenas em amealhar riqueza pessoal pouco
se preocupando com o país. Tanto que por duas vezes propôs ceder o
reino guardando o título. A primeira com a França e a segunda com
a Espanha” (AZEVEDO. 1928 p. 386). O mesmo autor classifica o rei
seguinte D.João V de perdulário e estroina que mediante a realização
de obras faustosas como o Convento de Mafra, donativos e presentes
exauriu o tesouro português. Boxer (2000, p;171) conta que D.João V
jactava-se dizendo que “meu avô temia e devia; meu pai devia; eu não
temo nem devo. Seu filho, D. José I, a despeito de contar com ministros
da categoria do Marques de Pombal, ao morrer em 1777 deixava para
sua herdeira D.Maria I um pais endividado e beirando a falência.

12 O futuro rei obtivera para a sua casa ducal a total isenção de impostos, por vinte anos, para a
importação de 18 toneladas ano de especiarias provenientes da Índia, as quais comercializava.
(AZEVEDO, 1928, p.385).

303
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

A descoberta do ouro no Brasil permitiu o pleno funcionamento


do Tratado de Methuen, já que Portugal adquiriu metais suficientes para
financiar todas as importações de produtos ingleses. Conforme Furtado
(1959), o ciclo do ouro brasileiro trouxe para a Inglaterra um forte
estímulo ao desenvolvimento manufatureiro, uma grande flexibilidade
à sua capacidade para importar, e permitiu uma concentração de
reservas que fizera do sistema bancário inglês o principal centro
financeiro da Europa (Ibid, p. 40-41).

Guimarães (2014, p.135) assinala a importante contribuição do


ouro brasileiro na economia da Europa Ocidental do Século XVIII um
fenômeno que foi destacado em 1728 por Montesquieu e em 1776 por
Adam Smith o qual chegou a concepção de que todo o ouro fundido
na Inglaterra na sua época era de origem brasileira.

1.2 OURO NA BAHIA

O historiador baiano V.N. Pinto em seu livro O ouro brasileiro


e o comércio anglo-português. Uma contribuição aos estudos da
economia atlântica no século XVIII (1979) reforça após meticulosa
pesquisa a reclamação de Calógeras (1904) quanto à falta de
dados sobre a mineração do ouro na Bahia. Diz Pinto (1979) que “a
descoberta e a produção do ouro na Bahia permanecem ainda um
capítulo nebuloso na história da mineração brasileira”. Segundo ele,
a despeito da descoberta entre 1702 e 1703 a Metrópole proibiu a
exploração até 1720 quando a suspendeu para as minas de Jacobina
e 1721 para as de Rio de Contas.

Neves et al. (2007, p.57) diverge dessas datas informando que


a extração do ouro na Bahia começou entre 1718 e 1719, quando foi
descoberto pelo o bandeirante Sebastião Pinheiro da Fonseca Raposo
na região de Rio de Contas localizada ao sul da região da Chapada
Diamantina na vertente oriental da Serra das Almas à margem
esquerda do Rio Brumado. Com isso iniciou-se uma fase que marcou
a história da região, fazendo com que o povoado que ali surgiu
prosperasse rapidamente. Rica em ouro de aluvião, a Vila Nova de

304
FRAGMENTOS

Nossa Senhora do Livramento das Minas do Rio de Contas, viveu na


segunda metade do século XVIII uma época de grande prosperidade
econômica. A partir de 1800 a então Vila começa a declinar, pelo
esgotamento das jazidas aluvionares do minério que é substituído
pelo garimpo das pedras preciosas o qual, segundo Mata (2006) teve
início em 1844 nos aluviões do Rio Mucugê.

Mesmo decaindo a extração de ouro, Rio de Contas continuou


sendo por muito tempo uma parada obrigatória nos caminhos reais,
que partindo de Cachoeira levava a Goiás e ao Mato Grosso e por
onde passavam as romarias que demandavam a Bom Jesus da Lapa na
Bahia e as mercadorias que chegavam ou saiam do porto de Salvador.

Para Fernandes(2012) a sociedade da mineração na Bahia foi


puramente urbana. Rio de Contas ganhou a cadeira régia de Gramática
Latina em 1799 e Tenda de Química e Gabinete Mineralógico em
1817. Em 1818, Spix e Martius observaram que a população de Rio de
Contas “pela educação e riqueza, se distinguia dos outros habitantes
do interior da Bahia”.

Porém a maior estrela da mineração do ouro na Bahia foi a


Vila de Santo Antônio de Jacobina, criada em 1720 e localizada no
Piemonte da Chapada Diamantina, no outro extremo do território
aurífero baiano. Devido a um grande êxodo de mineiros para as
recém-descobertas minas, a Vila foi elevada à categoria de cidade
pela Lei Provincial nº 2.049 de 28 de julho de 1880, com o nome de
Agrícola Cidade de Santo Antônio de Jacobina. (IBGE-CIDADES,2016)

A ocupação territorial do Piemonte da Diamantina a partir da


segunda metade do século XVII e início do século XVIII não deveu-se
exclusivamente à exploração do ouro. A expansão da pecuária em
direção ao sertão do São Francisco, efetivada pelos Guedes de Brito
(Casa da Ponte) e pelos descendentes de Garcia d’Ávila, (Casa da
Torre) foi também um importante fator no povoamento regional.

Em 1725, Jacobina somava 700 bateias e Rio de Contas


830, articulando-se estas duas áreas mineiras, nos dois extremos
da Chapada Diamantina, por um caminho real que servia para o

305
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

transporte do ouro processado nas Casas de Fundição13 instaladas


naquelas vilas em 1726, como previa a legislação para o garimpo.
A título de ilustração, entre 1726 e 1727, somente Jacobina fundiu
1.742 quilos de ouro. As Casas de Fundição foram posteriormente
transferidas para Minas Gerais sendo desativadas em 1734 pela
introdução do regime das capitações.14 Por fim pela provisão de
1755, o ouro das duas minas deveria ser enviado à Casa da Moeda
de Salvador. Esta movimentada transferência, mudança de regime e
outras medidas de controle assinalava a grande turbulência da época
o que levou à Inconfidência Mineira de 1789 e a Conjuração Baiana
uma década depois.

Segundo Pinto (1979) as minas de Araçuaí e as do Fanado,15


cuja produção passou pela casa de fundição de Araçuaí, que
funcionou de 1728 até 1736, responderam pelo total de 6.403,0
kg de ouro, enquanto a capitação, de 1739 a 1750, rendeu 1.200,8
kg em face da escassez de documentos e da localização das minas.
Pelas circunstâncias infere-se que ocorreu uma caudalosa corrente de
contrabando do metal através de naus estrangeiras no litoral e dos
navios negreiros de partida para a África.

13 Segundo Camargo (2012) As casas de fundição foram criadas pelo “Primeiro regimento
das terras minerais”, de 15 de agosto de 1603, com a finalidade de fundir todo o ouro e prata
extraídos das minas, incluindo nesse processo a coleta do quinto.
14 Capitação é o nome dado aos impostos que são pagos e cobrados em diversas épocas da
história. O seu valor é independente do rendimento coletado. No Brasil colonial, foi cobrada
a partir de 1734 com o intuito de acabar com a “ociosidade dos negros forros e dos vadios
em geral”, que incluía toda a população pobre, fosse branco, negra ou mestiça. Cada dono de
escravo, fosse branco, índio ou negro forro, tinha que pagar, semestralmente, sob pena de con-
fisco do escravo e outras penas, esse imposto de 4 oitavas e 3 quartos de ouro por cabeça de
escravo que possuísse. Da mesma forma, os negros forros, os pretos livres e os brancos pobres,
que tivessem ou não escravos, caso trabalhassem com as próprias mãos, também tinham que
pagar por si mesmos esse imposto, sob pena de prisão, multa, com açoites para os negros, e
degredo para as reincidências previstas na Lei da Capitação, com penas diferenciadas para cada
casta. (MATOSO,1999).
15 Segundo Pinto (1979) essas jazidas situadas no território denominado Minas Novas e des-
cobertas em 1727, pertenceram à Bahia até 1757, quando na divisão territorial passaram para
o Estado de Minas Gerais.

306
FRAGMENTOS

Figura 1 - Distribuição de jazidas, depósito e ocorrências de ouro no Estado da Bahia.

Fonte: Caderno de Análise Regional Nº 6 - Agosto de 2001 - Página 18.

A despeito dos esforços da Metrópole tudo indica que foi


grande na Bahia o desvio do ouro produzido que contornou sutilmente
os cofres governamentais dirigindo-se para as arcas dos coronéis do
sertão ou pirateado para o exterior. Um dos indícios desta evasão é
a falta de registros disponíveis para a produção de ouro pela Bahia.
Os informes encontrados cobrem apenas o século XVIII entre os anos
de 1739 e 1750 totalizando nesses 11 anos um total de 1.201,00 kg
quando numa soma dos levantamentos efetuados pelos historiadores
indicam valores oito vezes maiores.

307
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

1.3 OS DIAMANTES NA BAHIA

De acordo com o Gold Fields Mineral Services sediado em


Londres, na Inglaterra e o Gemmological Institute of América - GIA, apud
Lopes (2001, p.47) o Brasil é considerado e reconhecido como uma das
principais reservas gemológicas do planeta tanto pela quantidade quanto
pela variedade de gemas produzidas. De fato, segundo o Departamento
Nacional de Pesquisa Mineral - DNPM, o país é um dos maiores produtores
de águas marinhas, ametistas, esmeraldas, citrinos, berilos, crisoberilos,
topázios, ágata, turmalina, quartzo diversos e diamantes. Destaca-se ainda
como o único produtor mundial de topázio imperial, em Minas Gerais, e
turmalina “Paraíba” no Estado com o mesmo nome.

Foi com esta riqueza que toparam os garimpeiros em meados


do século XIX inicialmente na Chapada Diamantina. Perdidos no tempo
os registros oficiais, quando houveram, misturam-se com a lenda. O
geólogo Orville Derby, produziu em 1882 um trabalho que faz referência
à descoberta do primeiro diamante na Chapada, por José de Matos, em
1840, próximo à vizinhança de Santo Inácio, na Chapada Velha.” Outras
descobertas foram registradas, em 1841, na serra do Assuruá, município
de Gentio do Ouro, em 1842, na serra das Aroeiras, em Morro do Chapéu,
tornando-se mais tarde um grande produtor e na vila de Bom Jesus do Rio
de Contas, hoje sede do município de Piatã. Theodoro Sampaio, importante
explorador baiano, por seu turno, informa que somente a partir de 1844,
a mineração de diamante tomou rumo com a descoberta feita por José
Pereira do Prado, o “Cazuza do Prado”. Morador da Chapada Velha que
ao percorrer as terras marginais do ribeirão Mucugê, reconheceu o local
do terreno como propício e ao fazer um ensaio de algumas horas extraiu
grande quantidade de pedras de alto valor.

O que importa é que, conforme Simonsen (1961) o ciclo do


diamante no Brasil durou cerca de 150 anos, da segunda metade do século
XVIII até o final do século XIX, quando o País foi o maior produtor mundial.
A produção na Bahia foi iniciada em 1844 e seu apogeu perdurou apenas
até 1871, com declínio da produção e queda de preço que coincidiu com
a expansão das jazidas da África do Sul, descobertas seis anos antes. O
colapso da região só não foi maior porque ao lado do diamante passou a

308
FRAGMENTOS

ter valor o carbonado ou carbonato usado na indústria e na perfuração de


rochas, sobretudo durante a abertura e construção do Canal do Panamá.

O contrabando no caso das pedras preciosas encontradas na Bahia


foi exponencial em relação ao do ouro. Os dados oficiais da exportação de
diamantes para o período de 1850/1877 indicam um total de 1.762.830
quilates equivalentes a 29.282 contos de réis (US$13.178 milhões).16
Segundo especialistas este valor não expressa sequer 1/3 da produção real.

A geografia sempre beneficiou a Bahia na formação de uma


caudalosa corrente de contrabando. Segundo Pinto (1979, p.84) a
localização das minas baianas, tanto as de ouro quanto a das pedras
preciosas, seguindo a direção dos rios em que elas se encontravam -
Itapicuru (Jacobina), das Contas (Rio das Contas) e Jequitinhonha (Araçuaí
e Fanado) - ligando-as diretamente com o Atlântico foram vias fáceis
para o comércio ilícito, realizado não só com os navios estrangeiros que
frequentemente ancoravam no litoral brasileiro, como também através dos
navios negreiros que partiam para a África. Verger (1987), em seu estudo
sobre o tráfico de negros entre o Golfo de Benin e a Bahia, documenta
a presença do ouro brasileiro no comércio com a África, sobretudo na
aquisição de escravos de companhias europeias, principalmente inglesas.
Aquele autor transcreve ainda as recomendações do conselho diretor, em
Londres, da Royal African Company a seus representantes na África, para
tratar com civilidade os navios portugueses oriundos do Brasil, e envidar
todos os esforços para encorajar o comércio do ouro com eles por conta da
companhia. Estas recomendações são frequentes entre 1721-24, no exato
momento em que as minas de Jacobinas e do Rio das Contas atingem o
ápice da sua produção.

O interessante a observar é que a sonegação dos impostos e o


contrabando dos minerais não contribuíram para a formação de capital
na região. Boa parte desta pirataria foi despendida no consumo suntuário
e acabou por vias travessas em mãos dos comerciantes estrangeiros.

16 Segundo Holloway (1984, p.268) em 1880 o câmbio médio era de US$0,45/1$000 ou seja
US$ 1,00/2$222.

309
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

Tabela 1 - Bahia: Exportação de diamantes 1850/1878.

Fonte: FALLAS dos Presidentes da Província da Bahia, Anos 1854,1857, 1861, 1862
PROPOSTAS e Relatórios apresentados à Assembléia Geral Legislativa pelos Ministros
de Estado dos Negócios da Fazenda- Rio de Janeiro, 1850 a 1888

(1) Uma oitava é igual a 3,6 gramas.

310
FRAGMENTOS

2. A ECONOMIA MINERAL BAIANA NA ATUALIDADE

Os dados sob a mineração na Bahia não são fáceis de


encontrar. Conflitos tributários reduziram a eficiência da fiscalização
e comprometeram as estatísticas. Por incrível que pareça a indústria
extrativa mineral não aparece no cômputo do PIB baiano, a exceção
do petróleo. Teixeira (2001) informava naquele ano que a Bahia
produzia cerca de 40 substâncias minerais, ocupando o terceiro lugar
no ranking entre os estados brasileiros, depois de Minas Gerais e Pará,
os grandes produtores de minério de ferro. Na pauta de exportações
destacavam-se: ouro, cobre, magnésio, cromo, ligas de ferro (ferro-
manganês, ferrocromo, ferro-silício-cromo), ligas de alumínio, pedras
preciosas e semipreciosas e rochas ornamentais. Ao mercado interno
destinavam-se as produções de água mineral, areia, areia quartzosa,
arenito, argila, artefatos minerais, barita, cal, calcário, calcita, caulim,
diatomito, feldspato, grafita, sal-gema, talco e vermiculita.

O Departamento Nacional da Produção Mineral – DNPM,


afirma que o Brasil é reconhecido como uma das principais reservas
gemológicas do planeta tanto pela quantidade quanto pela variedade
de gemas produzidas. Segundo dados do Gold Fields Mineral Services,
o volume estimado de transações no comércio mundial de gemas,
joias, metais preciosos e afins é da ordem de US$18, 4 bilhões, no
final da década de 1990, o que aponta para a existência de um
grande mercado para um país considerado o “Paraíso das Gemas”
(LOPES, 2001).

Também Lopes (2001) informa que o Estado da Bahia é o 2º


produtor nacional de gemas brutas (não lapidadas) e o 4º em produção
primária de ouro, segundo o DNPM. Conhecida pela quantidade e
qualidade de suas esmeraldas, o subsolo baiano também produz
ametistas, águas marinhas, citrinos, topázios azuis, turmalinas, cristal
de rocha, quartzos diversos, berilos, diamantes, etc.

Apesar de toda esta potencialidade o Brasil e, em particular, a


Bahia, não tem tirado proveito racional e inteligente dessa riqueza. A
realidade atual desse segmento econômico é incompatível com seu

311
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

volume de reservas de pedras preciosas e ouro, sobretudo, quando se


constata sua ínfima e inexpressiva participação de aproximadamente
1,4% do mercado internacional (LOPES,2001).

Diz porém a Companha Baiana de Pesquisas Minerais


– CBPM que, não obstante esta fragilidade, a Bahia é o Estado
brasileiro que mais investe na atividade mineral. Tais investimentos
permitiram a realização de inúmeras pesquisas e prospecção
mineral, mapeamento geológico básico, desenvolvimento de
estudos em distritos mineiros e de pesquisas geocientíficas, com
reflexos positivos, demonstrados no expressivo crescimento e
diversificação da produção mineral do estado. Segundo a CBPM
(2015) a Produção Mineral Baiana Comercializada - PMBC em
junho de 2015 totalizou R$ 250 milhões, apresentando acréscimo
de 16,37% em relação a maio. Comparativamente a maio de
2014, a comercialização de bens minerais da Bahia apresentou um
aumento de 27,91%. De janeiro a junho de 2015 a PMBC alcançou
R$ 1,281 bilhão, crescendo 11,54 % em relação ao mesmo período
de 2014. PMBC – Janeiro a Junho 2014 x 2015 No mês houve
a comercialização de 24 substâncias minerais oriundas de 116
municípios e extraídas por 199 produtores. Em Junho/2015 as 10
maiores mineradoras, que operam na Bahia, foram responsáveis
por 80% do valor da PMBC demonstrando o elevado grau de
concentração desta atividade.

Bélgica, Canadá e Suíça aparecem como os principais


importadores do ouro e outros metais preciosos produzidos pela
Bahia. Os dados da tabela 2 são modestos e correspondem na prática
a subnotificações. Parte substancial da produção baiana é desviada
para outros estados onde são lapidadas as pedras preciosas ou
contrabandeadas para a Índia que constitui a maior compradora de
esmeraldas.

Indagado em nossa pesquisa se era verdadeiro que o Paraguai


era um grande exportador do ouro brasileiro, Paulo Henrique Leitão
Lopes, gemólogo baiano, informou que no mundo, 80% da produção
de ouro e joias está destinada ao mercado, à indústria de joias, e
20% ao mercado financeiro. No Brasil esta relação é o contrário,

312
FRAGMENTOS

80% da produção é destinada ao mercado financeiro. “Vocês sabem


qual a alíquota que incide sobre o ouro para o mercado financeiro?
1%, enquanto que para a indústria, que está gerando emprego,
produzindo, na Bahia, por exemplo, só a alíquota de ICMS é 25%,
fora 20% IPI, PIS, COFINS, etc. Esta é uma distorção. Quando o
Paraguai percebeu isso, o contrabando passou a escoar pelo Paraguai
tornando este país um dos maiores produtores de ouro do mundo
sem, no entanto, produzir nada de ouro. Muitas pessoas colocam
vinte pedrinhas de esmeraldas no bolso, lotes que chegam a custar
500 mil dólares, saem, passam pela alfândega, ninguém pega, e
a nossa riqueza está indo embora. A nossa cadeia produtiva está
sendo destruída por estas razões. Fica muito complicado. A pergunta
é muito pertinente porque traz à tona os problemas que estamos
atravessando. E, de fato, o Paraguai, por um bom tempo, passou a
ser considerado um grande “produtor” de ouro, ouro proveniente do
Brasil.”

Tabela 2 - Bahia principais destinos das exportações minerais 2015/16.

Fonte: CBPM.

313
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

Segundo ainda a CBPM, cabe registrar que, em 1963,


teve início a localização de ocorrências de esmeraldas na Bahia,
particularmente, no sertão Norte do Estado, (Serra da Carnaíba).
Ali, a exploração era praticamente toda subterrânea, em túneis
de até 100 metros de profundidade. Na década de 80, essa área
chegou a representar quase toda a esmeralda produzida no Brasil
e cerca de 25% do total da exportação brasileira de gemas, com
exceção dos diamantes. Nos anos 80, foram descobertos cristais
de esmeraldas em Campo Formoso, garimpo de Socotó, há cerca
de 40 quilômetros da Serra da Carnaíba, que rapidamente superou
a produção de Carnaíba. Uma estimativa preliminar mais recente
das reservas de esmeralda/berilo do Garimpo da Carnaíba sinaliza
a existência de 220 toneladas em Carnaíba de Cima, 105 toneladas
em Bráulia-Marota, e 35 toneladas em Bode-Lagarto-Gavião (LOPES,
2001).

A esmeralda encabeça, em ordem de importância, a lista do


segmento de pedras preciosas, com produção mais expressiva nos
garimpos de Campo Formoso e Pindobaçu. Porém, com menores
atividades em Anagé e Pilão Arcado. A ametista ocupa a segunda
posição, com produções concentradas em Brejinhos, Sento Sé,
Caetité, Licínio de Almeida, Jacobina e Juazeiro. Em terceiro lugar,
segue a água marinha, com produções em Itanhém, Medeiros
Neto, Encruzilhada e Cândido Sales. Outras gemas, tais como
diamante, alexandrita, amazonita, apatita, coríndon, crisoberilo,
quartzo, dumortierita, fluorita, jaspe, sodalita, turmalina, turqueza,
malaquita, andaluzita, estaurolita, lazulita e actinolita, ocorrem
em vários municípios do Estado, embora apresentem produção em
menor escala. No que diz respeito ao ouro, na década de 70, foram
descobertos depósitos pela DOCEGEO, no Rio Itapicuru, e concluído
estudo de viabilidade da mina da Serra de Jacobina, pela Mineração
Morro Velho. A partir dos anos 80, a Companhia do Vale do Rio Doce
(CVRD) iniciou operações na mina de céu aberto, em Teolândia, na
mina subterrânea de Fazenda Brasileiro, e produção, em Santa Luz,
na Mina Maria Preta, que foi desativada em 1996.

Segundo estudo Panorama do Ouro na Bahia, 1998, realizado


por Ribeiro (1998), o potencial aurífero do Estado, longe de exaurir-

314
FRAGMENTOS

se, apresenta-se renovado e com novos ambientes, resultando na


produção de mais de sete toneladas no final dos anos 90. Naquele
período, existia o registro de 265 garimpos e 230 ocorrências
auríferas.

3. NEM TUDO O QUE RELUZ É OURO

Apesar das expectativas otimistas dos organismos estaduais


especializados na mineração, as afirmativas quanto à não
socialização e internalização da riqueza produzida pelo ouro e as
pedras preciosas se comprovam nas páginas seguintes.

No que tange à comercialização, apesar da grande produção


mineral, a indústria de lapidação e de artefatos de pedras apresenta-
se reduzida, basicamente concentrada na cidade de Salvador e em
algumas regiões produtoras, como Campo Formoso. A maioria das
gemas é contrabandeada para

outros estados e para o exterior, na sua forma bruta. Para


que isto ocorra contribui o próprio governo cujo nível de tributação,
segundo Lopes (2001) atinge o patamar de 61%, o mais elevado do
mundo. As lapidações existentes atendem, preponderantemente,
aos turistas que visitam o Estado e à incipiente indústria joalheira.
São todas elas artesanais, com pouca automação. O Estado já
ofereceu alguns incentivos para estimular o desenvolvimento
da lapidação, como o Prolapidar, Propese e Prisma, oferecendo,
também, cursos e treinamentos, por meio da implantação de
núcleos-escolas, em diversos municípios produtores, infelizmente,
com baixo resultado. A indústria joalheira de ouro e prata também
é artesanal e, preponderantemente, direcionada ao mercado de
turistas. O mesmo acontece com as bijuterias de pedras naturais.
Em Salvador, existe uma especialização bastante definida, tanto em
termos de localização quanto do produto ofertado.

315
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

Figura 2 - Ocorrências de pedras preciosas na Bahia.

Fonte: Teixeira, 2001.

O segmento joalheiro voltado para atender ao turista está


fortemente concentrado no Pelourinho bairro histórico de Salvador.
As lojas de shopping são voltadas, basicamente, para o atendimento
do consumidor local. (LOPES,2001)

Existe em todos os municípios produtores uma tradição de


comércio informal sendo as pedras compradas em estado bruto de

316
FRAGMENTOS

garimpeiros e faiscadores por intermediários que as revendem ou


processam em outras regiões auferindo os verdadeiros ganhos do
comércio.

Entre os intermediários predominam os indianos, israelense e,


mais recentemente os chineses informa Lopes (2001). “Nossas gemas
estão sendo lapidadas na Índia, na China, em Israel e depois voltam
para cá para serem consumidas por nós (...) o nosso país tem uma
visão meramente fiscalizadora e arrecadatória, mas não conhece o
produto. Quando o indiano chega aqui e compra, ele acondiciona
as nossas esmeraldas em tonéis, sendo que boa parte, a parte extra
da esmeralda, vamos dizer “o filé mignon” é colocado embaixo,
a intermediária no meio e o cascalho lá em cima. Quando o fiscal
chega e olha, pensa ser apenas cascalho e libera a exportação. E na
verdade, o “filé mignon” está lá embaixo, e nossa riqueza está indo
toda embora.”

Ademais as pedras não são mais encontradas no leito dos


rios ou em afloramentos na superfície o que demanda investimentos
muitas vezes volumosos. Isto carreia os empreendimentos para
grandes empresas mineradoras possuidoras de tecnologia avançada
e recursos que eliminam praticamente a participação do pequeno
produtor do mercado.

317
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

Tabela 4 - Indicadores de pobreza nos municípios da Bahia produtores de pedras


preciosas.

Fonte: IBGE - Censo Demográfico 2000 e POF 2002/2003.

A cultura do imediatismo, os espírito aventureiro do garimpeiro,


a resistência ao trabalho sedentário são fatores que liquidam
iniciativas de promoção de empreendimentos. Isto tudo está expresso
nos indicadores de pobreza apresentados pela tabela seguinte onde
se pode observar o grau de subdesenvolvimento da população de um
território tão rico desde os primórdio da colonização.

318
FRAGMENTOS

CONCLUSÃO

A mineração do ouro no Brasil atingiu seu ponto culminante no


século XVIII quando o minério de aluvião, acessível à grande massa de
garimpeiros que não possuíam recursos para maiores investimentos
na lavra, começa a escassear.

O ouro produziu um novo ordenamento territorial no Brasil


deslocando o eixo do poder econômico e político definitivamente do
Nordeste para o Centro Sul. Como visto pelas corridas que provocou
aumentou substancialmente a população, criando as condições para
a posterior independência do pais. O declínio da sua exploração
gerou uma grande massa de desocupados que refluíram do campo
para as cidades provocando uma desordem social, já que existiam
diversas atividades subsidiárias ao ouro, condição esta que promoveu
também o aumento da criminalidade nas vilas.

A Bahia ingressou tardiamente na exploração aurífera, de


gemas e pedras preciosas. Suas atividades de mineração transcorrem
notadamente no século XIX e quando o Brasil já não era mais uma
colônia portuguesa.

A diminuição dos depósitos aluvionares, as dificuldades em se


ter acesso a técnicas mais avançadas e o início das corridas à exploração
de ouro na África do Sul induziram a produção empresarial de ouro
e dos outros minerais ditos preciosas através da implantação de
várias empresas inglesas que, a partir de aproximadamente 1824, se
encarregaram da extração de ouro na Bahia e no Brasil. Essa estrutura
de exploração além de não ter possibilitado a recuperação dos
patamares produtivos obtidos no século anterior, abriu ainda espaço
para formas de exploração que elevaram os níveis de degradação
ambiental, principalmente a poluição de rios por mercúrio (Hg), além
de promover sérios impactos socioeconômicos, já que houve uma
concentração de renda muito grande. O garimpo passa a ser então
uma técnica marginalizada pelo governo imperial, muito pela falta de
controle da exploração aurífera nestas áreas menores.

319
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

Segundo Sanchez e Sanchez (2008) o almocafre17 e a bateia,


instrumentos utilizados em larga escala no século XVIII, ainda no século
XIX serão os mais utilizados nas áreas de mineração de faiscação. Este
processo de exploração provocou considerável agressão ambiental
e interferiu na condição decadente das vilas baianas que foram
fundadas através desta atividade econômica, e que no século XIX
foram marcadas pelo avanço de um descontrole social caracterizado
pelos crimes particulares e policiais comandados pelos “coronéis” das
oligarquias locais.

Analisando a mineração brasileira dizia Gurfield (1983, p.75)


que “a mineração é um empreendimento instável, em grande parte
anárquico. À diferença da cana-de-açúcar, cujo crescimento seguiu
uma evolução natural, o ouro e os diamantes surgiram de repente
no horizonte, numa série de convulsões inesperadas para tornar-se,
dentro de uns poucos anos, indústrias plenamente desenvolvidas.” Na
mesma direção Mello e Souza (1982, p.71) também descrevem o perfil
trágico de garimpeiros miseráveis que se tornaram característicos das
sociedades mineradoras, com a sua agricultura precária, que não
impedia a fome de constituir presença constante no cotidiano das
mesas destes trabalhadores.

Ainda Gurfield (1983) em sua análise econômica ressalta


o fenômeno universal peculiar à sociedade mineradora e que se
expressa universalmente pela desigualdade e a exploração que aliada
a falta de perspectivas vem degenerar na formação de uma vida social
marcada pelo crime. Ele afirma (1983, p.77):

Somando-se aos aventureiros do ouro e aos


desclassificados que Portugal despejava nas Minas,
toda uma camada de gente decaída e triturada pela
engrenagem econômica da colônia ficava aparentemente
sem razão de ser, vagando pelos arraiais, pedindo esmola
e comida, brigando pelas estradas e pelas serranias,
amanhecendo morta embaixo das pontes ou no fundo
dos córregos mineiros. Muitos morriam de fome e de
doença, mestiços que, não bastasse a desclassificação

17 Espécie de enxada usada pelos mineiros.

320
FRAGMENTOS

social e econômica, traziam estigmatizada na pele a


desclassificação racial.

Para Gurfield (1983, p. 77): “não pode haver dúvida quanto


à natureza predatória da vida social ao redor das minas brasileiras:
destituídas de uma base duradoura, racionalmente organizada,
a estrutura das classes gera uma teia frouxa, tecida de relações
estratificadas”. E acrescenta: “o individualismo rude, privado dos seus
elementos positivos, reina virtualmente supremo. Em nome do lucro,
uma região fronteira, outrora desabitada, transformou-se, quase que
da noite para o dia, num mar de anarquia”.18

Nenhuma cidade mineradora da Bahia apresentou qualquer


traço de prosperidade fruto desta atividade extrativista (ver Tabela
4 pretérita). Outras cidades mineiras importantes como Lençóis
apresentava um IDHM de 0,340 em 1981 e 0,478 em 2000,
sobrevivendo atualmente graças ao turismo. A mesma performance
social apresentava Rio de Contas com IDHM de 0,394 em 1981 e
0,494 em 2000.

Finalmente, como dizia em sua crueza metodológica Sir


Francis Bacon: “o ouro é como adubo; só presta, se espalhado." Mas
isto não ocorreu e tampouco ocorre nos dias atuais. A mineração não
propiciou a formação de poupança local que propiciasse a acumulação
de capital e efeitos multiplicadores na economia regional. A maldição
do ouro e das pedras preciosas segue o axioma de Galeano (1971)
que diz: há dois lados na divisão internacional do trabalho: um
em que alguns países especializam-se em ganhar, e outro em que
se especializaram em perder. Nossa comarca do mundo, que hoje
chamamos de América Latina, foi precoce: especializou-se em perder
desde os remotos tempos em que os europeus do Renascimento se
abalançaram pelo mar e fincaram os dentes em sua garganta...”

18 A miséria do garimpo baiano é magistralmente retratada por Hebert Sales no seu livro clás-
sico Cascalho.

321
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

REFERÊNCIAS

ABREU, Capistrano. Capítulos de História Colonial 1500 – 1800. Rio de


Janeiro: M. Orosco, 1907 ABREU, Maria Morgado de; ANDRADE, Antônio
de Argollo. História de Taubaté através de textos, 1.ª edição. Editora e
gráfica Minerva, pag 85,86, Taubaté, 1996.

ANTONIL, André João. Cultura e opulência do Brasil. Lisboa: 1711.

AZEVEDO, J.Lúcio. Épocas de Portugal Económico, Lisboa: Livraria


Clássica Editora, 1928. BLAUG, M. Economic Theory in Retrospect.
Cambridge, 2001.

BOXER, Charles. A história do ouro do Brasil: dores de crescimento de


uma sociedade colonial. 3. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2000.

BUENO, Eduardo. A coroa a cruz e a espada. Rio de Janeiro: Objetiva,


2006. CALÓGERAS, J. Pandiá. Formação Histórica do Brasil. São Paulo:
Brasiliana, 1932.

CAMARGO, Angela Ricci. O projeto do alvará de 13 de maio de 1803:


uma tentativa ilustrada de reforma das minas do Brasil. Brasília: Ministério
da Justiça-Arquivo Nacional-MAPA, 2012.

CPRM – Serviço Geológico do Brasil, 2015. Disponível em http://www.


cprm.gov.br.Acesso em Mar.2016.

DNPM, Departamento Nacional da Produção Mineral. Sumario Mineral


2014. Brasília: DNPM, 2014.

ESCHWEGE, Wilhelm Ludwig. Pluto Brasiliensis. São Paulo: Nacional, 1941.


(2 volumes). FERNANDES, Luís. Taberna da História. 2012 Disponível em
http://tabernadahistoriavc.com.br/ Acesso em Mar.2016.

FERNANDES, Tatyana. Piratas, Bucaneiros, Flibusteiros e Corsários. 2015.


Disponível em http://prof-tathy.blogspot.com.br

FURTADO, Celso. Formação econômica do Brasil. São Paulo: Fundo de


Cultura. 1959 FALLAS DOS PRESIDENTES DA PROVÍNCIA DA BAHIA, Anos
1854,1857, 1861, 1862.

Propostas e Relatórios apresentados à Assembléia Geral Legislativa pelos


Ministros de Estado dos Negócios da Fazenda. Rio de Janeiro, 1850 a 1888.

322
FRAGMENTOS

GURFIELD, M. Estrutura das Classes e Poder Político no Brasil Colonial.


Universidade Federal da Paraíba,1983.

GALEANO, Eduardo. As veias abertas da América Latina. Rio de Janeiro:


Paz e Terra, 1971 GALLIANO, A. G. O Método Científico: Teoria e Prática.
São Paulo: Harbra, 1979.

GUIMARÃES, André L. T. Batalhas em Minas Gerais: Guerra dos Emboabas,


revolta de Vila Rica. São Paulo: Clube dos Autores, 2014.

HOBSBAWM, Eric J. A Era dos Impérios 1875-1914. Rio de Janeiro, Paz e


Terra, 1988. HOLLOWAY, T.H. Imigrantes para o café. Rio de Janeiro, Paz
e Terra, 1984. p. 268.

INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, IBGE. Agrícola


Cidade de Santo

Antônio de Jacobina. IBGE-Cidades,2016

LOPES, Paulo Henrique Leitão. O Setor de Gemas, Joias e Artefatos


Minerais da Bahia: em busca de uma política integrada para o seu
desenvolvimento. Salvador: CAR nº6, 2001.

MATTA, Paulo Magno. O garimpo na Chapada Diamantina e seus


impactos ambientais: uma visão histórica e suas perspectivas futuras.
Salvador, 2006.

MATTOSO, K. Bahia - Século XIX: Uma Província no Império. Rio de Janeiro:


Ed. Nova Fronteira, 1992.

MATTOSO, Katia. Ser escravo no Brasil. 3°ed. São Paulo: Brasiliense, 1999.

MELLO e Souza, Laura de. Os Desclassificados do Ouro: a pobreza mineira


no século XVIII. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1982.

NEVES, Erivaldo Fagundes; MIGUEL, Antonieta; ZORZO, Francisco Antônio


(org.). Caminhos do Sertão. Salvador: Arcádia, 2007. p. 56

PINTO, M. S. Brasil 500 Anos: A construção do Brasil e da América Latina


pela Mineração – Aspectos da História no Brasil Colonial. Rio de Janeiro:
CETEM/MCT, 2000. P. 27-44.

PINTO, Virgílio Noya. O ouro brasileiro e o comércio anglo-português.


Uma contribuição aos estudos da economia atlântica no século XVIII. São
Paulo: Brasiliana, 1979

323
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

PRADO JÚNIOR, Caio. Formação do Brasil Contemporâneo. São Paulo:


Cia. Editora Nacional 1957.

PRADO JÚNIOR, Caio. História Econômica do Brasil. São Paulo: Cia.


Editora Nacional 1959 RIBEIRO, Adalberto da Silva. Panorama do Ouro na
Bahia. Salvador: SICM, 1988.

SANCHES, Nanci Patrícia Lima; SANCHES, Andreia Lima. A exploração


aurífera na Bahia oitocentista: decadência, desgaste ambiental e
desordem social. Texto disponível em:www.uesb.br/anpuhba/artigos/
anpuh_II/nanci_patricia_lima_sanches.pdf Acesso em Maio de 2016.

SANTOS, J. H. V. Considerações acerca dos métodos dedutivo e indutivo


2008. Disponível em:

<http://www.scribd.com/doc/10195328/ >. Acesso em: 14 mar. 2016.

SCHILLING, Gary. A Idade da desalavancagem: Estratégias de investimento


para uma década de crescimento lento e deflação. Kindle Edition, 2015.

SILVA LEME, Luiz Gonzaga da. Genealogia Paulistana.2003 Disponível em


www.arvore.net.br. Acesso em Dez.2015.

SIMONSEN, Roberto. História Econômica do Brasil. São Paulo: Cia.


Editora Nacional, 1962 SODRÉ, Nelson Werneck. Formação Histórica do
Brasil. São Paulo: Brasiliana, 1963 SOUTHEY, Robert. História do Brasil.
Londres: 1810.

AUTOR A trilha perdida. Caminhos e descaminhos do desenvolvimento


baiano. Salvador: Ed. Unifacs, 2009.

TEIXEIRA, João Batista Guimarães. Aspectos históricos e geológicos da


mineração na Bahia. Salvador, Unifacs, 2001.

TEIXEIRA, Cid. Mineração na Bahia: ciclos históricos e panorama atual.


Salvador: SGM, 2001 VARNHAGEN. Francisco Adolfo de. História geral do
Brasil. Tomo Primeiro. Rio de Janeiro: E. e H. H. Laemmert, 1877.

VERGER, PIERRE. Fluxo e Refluxo. Tráfico de Escravos entre o Golfo do


Benin e a Bahia. São Paulo: Corrupio, 1987.

VILHENA, Luis dos Santos. A Bahia no Século XVIII. Salvador: Edit. Itapuã, 1969.

324
FRAGMENTOS

ARTIGO

A CIDADE DO
SALVADOR E SUA
CENTRALIDADE

09
325
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

326
FRAGMENTOS

A Cidade do Salvador e sua


Centralidade

Noelio Dantaslé Spinola1

Salvador, no Brasil, é uma cidade singular. É uma


criação da economia especulativa, a metrópole de
uma economia agrícola comercial antiga que ainda
hoje subsiste; ela conserva as funções que lhe
deram um papel regional e embora penetrada pelas
novas formas de vida, devidas à sua participação aos
modos de vida do mundo industrial, mostra, ainda,
na paisagem, aspectos materiais de outros períodos.
(SANTOS,1959,p.192).

Resumo
Este texto aborda a questão da centralidade urbana da cidade do
Salvador, capital do Estado da Bahia examinada no plano histórico
sob dois ângulos. Primeiro o da centralidade em termos regionais
– a influência exercida pela velha capital em relação à região de
seu entorno. Segundo a centralidade da cidade em termos do seu
próprio espaço interno. O texto leva a constatação de que as duas
centralidades se correlacionam diretamente demonstrando que as
alterações na centralidade regional afetam a centralidade urbana
e o processo de ocupação e uso do solo da cidade. Nas atuais
circunstâncias, na medida em que se reduz a influência de Salvador
sobre o seu entorno, provocada por circunstâncias exógenas, a cidade
transforma-se de monocêntrica para policêntrica e seus espaços se
expandem pela migração de populações pobres que sobrecarregam
sua capacidade de oferecer uma infraestrutura física e urbana social

1 Economista. Doutor em Geografia pela Universidade de Barcelona. Professor Titular V do


Curso de Ciências Econômicas e da Pós Graduação em Desenvolvimento Regional e Urbano da
Universidade Salvador – UNIFACS .E-mail: dantasle@uol.com.br

327
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

compatível com o seu porte e dimensão.

Palavras – chave: cidade; centralidade; urbano; regional; Salvador.

Abstract
This text approaches the question of urban centrality of the city of
Salvador, capital of Bahia State, examined the historical background
from two angles. First the centrality in regional terms - the influence
of the old capital in relation to its surrounding region. According
to the centrality of the city in terms of its own internal space. The
text takes the realization that the two centralities correlate directly
demonstrating that changes in regional centrality affect urban
centrality and the process of occupation and land use in the city.
In the current circumstances, to the extent that it reduces the
influence of Salvador on your surroundings the city transforms from
monocentric to polycentric and their spaces expand the migration
of poor populations that overwhelm their ability to provide physical
infrastructure and urban social supports with its size and dimension.

Key – words: city; centrality; urban; regional; Salvador.

JEL Classification: R120; R110

328
FRAGMENTOS

Introdução

Salvador, metrópole de uma região periférica, assiste ao longo


do tempo a um processo de urbanização cíclico que corresponde a
reestruturações nos fluxos das relações que se processam no seu
espaço. Recentemente, em função da complexidade do processo
de globalização, vêm ocorrendo profundas reestruturações na rede
urbana, conceituada, segundo Corrêa (2006, p. 7), como o “conjunto
funcionalmente articulado de centros urbanos e suas hinterlândias
[...]”. Como sugere Sposito (2011, p. 126), no período atual, há que
se reconhecer uma notória “[...] reestruturação das relações entre as
cidades”, e ainda entre as próprias redes urbanas, como resultado
da redefinição dos papéis exercidos pelos distintos centros e pelos,
igualmente, distintos segmentos de redes urbanas. Nesse contexto
de reestruturação, nota-se profunda discussão a respeito da natureza
hierárquica dessas relações, seja entre os centros, seja entre as redes
urbanas, apontando para a necessidade de desvendamento dos
conteúdos e sentidos dessas transformações.

Ao tratar da centralidade urbana não podemos omitir o


conceito de espaço que sempre foi um elemento fundamental nos
vários ramos do conhecimento. Ele aparece frequentemente, quer
como uma base da teoria ou como um fator na pesquisa e está
associado, mais ou menos diretamente, com toda a história do
pensamento científico.

Ponsard (1958, p.12) dizia que ao nível do senso comum, a


importância do conceito do espaço só é igualada pela sua falta de
precisão. Era parte da lenda antes de se tornar parte da história.
Para indicar a fundação de Roma, Rômulo começou por desenhar
as fronteiras, localizando seus marcos de um espaço descontínuo,
depois de ter cortado os limites de um espaço contínuo. No entanto,
nem explorações geográficas nem especulações matemático-lógicas
removeram completamente o mistério a partir do conceito de espaço.
Por simples bom senso, sua mística permanece intacta.

A posição privilegiada ocupada pelo conceito de espaço


na história da ciência e a imprecisão do seu significado no uso

329
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

corrente do termo, longe de constituir um paradoxo, se explicam


mutuamente. Ele é necessariamente o resultado de uma abstração,
seja o processo pelo qual é utilizado derivado da Matemática, da
Biologia, da Psicologia, ou de qualquer outra disciplina. No patamar
do conhecimento comum, o conceito de espaço-tempo é a base sobre
a qual estão dispostas experiências individuais. Assim, é fácil entender
como ele só pode ser compreendido através de um arranjo ordenado
dessas experiências e sua integração em um esquema lógico.

No que diz respeito à Ciência Econômica, o conceito de espaço


tem encontrado dificuldades semelhantes. O atraso do conhecimento
econômico em termos de espaço tornou-se evidente na segunda
metade do século XX, quando o seu estudo estava apenas começando
a interessar a um significativo número de economistas, depois de
ter permanecido por muito tempo na obscuridade. Porém o rápido
desenvolvimento da economia em geral e da economia dinâmica, em
particular, levou a serem consideradas as disparidades dos resultados
alcançados na economia espacial, o que pode ser visto como o
resultado da ênfase desigual dada a várias áreas do conhecimento
econômico.

Richard Cantillon no seu livro Essai sur la nature du commerce


en générale, publicado em 1755, inicia uma teoria da localização e
uma análise das relações inter-regionais, “que não são mais do que
verdadeiras políticas de descentralização industrial” (LAJUGIE et al.,
1985, p.18).2

A história das teorias espaciais é a do refinamento dos quadros


de análise, a busca paciente e coordenada da sua unidade, bem
como o desenvolvimento lento e descritivo de métodos analíticos. É

2 Cantillon representa um ponto alto no pensamento econômico do século XVIII. Schumpeter


([1954] 1986), para quem “poucas sequências na história da análise econômica são tão
importantes [...] como a sequência: Petty – Cantillon – Quesnay”, deixou de lado sua habitual
concisão para nos oferecer um quadro bastante detalhado do sistema de Cantillon. Blaug
(1985) considera o Ensaio sobre a natureza do comércio em geral [...] o mais sistemático, o
mais lúcido e ao mesmo tempo a mais original de todas as exposições de princípios econômicos
antes da Riqueza das nações. Robbins (1998) apud Coutinho (2005) (chega a ver no Ensaio um
tratado científico [...] superior a qualquer coisa que os fisiocratas produziram e que realmente,
em muitos aspectos, suporta uma comparação com a própria Riqueza das Nações).

330
FRAGMENTOS

para ser entendido que os avanços nem sempre são contínuos e bem
ordenados mesmo se a direção do desenvolvimento é bem marcada
e relativamente sublinhada.

Entre os vários autores importantes que marcam os momentos


críticos da evolução das teorias econômicas, espaciais destaca-se
Johann Heinrich Von Thünen o qual, segundo Ponsard (1958, p.72)
“embora tivesse feito uma primeira síntese criativa, ainda é pensado
como um pioneiro a despeito dos fundamentos de seu arcabouço
conceitual poder ser facilmente encontrado em obras anteriores,
nomeadamente em alguns manuais de economia agrícola do
Século XVIII” 3. Sua forte originalidade, no entanto, repousa em seu
tratamento do espaço. Em seguida, a teoria de Alfred Weber sobre
a localização industrial apresenta a crítica influência da economia
pura no domínio espacial. A abordagem de Weber4 não só delimita
o âmbito específico da localização industrial como lhe confere uma
natureza científica. Isso motivou muita polêmica o que assegurou
ao tema sua continuidade ao longo do tempo. Schumpeter, dentre
outros, questionava se a teoria da localização era uma teoria particular
da microeconomia convencional ou se esta deveria fazer parte de
uma microeconomia espacial. Em seguida, com Andreas Predohl,
um início decisivo é feito em direção a uma teoria do equilíbrio
geral de localização. Como fundador da teoria regional do comércio
Predohl demonstra que o comércio intranuclear precede ao comércio
internuclear tendo sido seguido por Tord Palander e August Lösch. Na
prática o que se pretendia, tanto em um quanto no outro caso era
inter-relacionar uma incipiente teoria econômica espacial com uma
vigorosa microeconomia de base marginalista. (ARAU, 1971, p. XI)

Segundo Arau (1971) Bertil Ohlin em seu Comércio Inter-


regional e Internacional (1933) tentou demonstrar que a teoria do
comércio internacional era somente uma parte de uma teoria geral da
3 A negação de Ponsard é típica da rivalidade franco saxônica. Esta não é a opinião de
Schumpeter(1964, p.114-118) para quem: “somente Thünen, trabalhou a argila amorfa dos
fatos e das observações. Ele não reconstruiu. Construiu - e a literatura econômica de seu tempo
e do antecedente poderia muito bem não ter existido, no que se refere à sua obra”.
4 Não confundi-lo com o sociólogo Max Weber seu irmão mais famoso. Alfred Weber viveu
na Alemanha Nazista durante a Segunda Guerra Mundial, mas foi uma figura de destaque da
oposição intelectual.

331
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

localização. Discípulo de Karl Gustav Cassel, Ohlin polemizou com J.M.


Keynes sobre o tema das reparações alemãs depois da primeira guerra
mundial. Especialista em temas de comércio internacional, explicitou
as contradições existentes entre equilíbrio interno e externo.
Estabeleceu assim um modelo de determinação de preços no qual
se definia uma interdependência geral em relação com a variação
dos mesmos em uma multiplicidade de mercados. Se a partir desse
ponto se formulasse uma teoria geral da localização poderiam então
determinar-se simultaneamente preços, mercados, localização de
atividades econômicas (indústrias, serviços e agricultura), distribuição
de fatores e bens no espaço e outras magnitudes econômicas. Mas
Ohlin não foi adiante se limitando a sugerir a necessidade de uma
teoria geral deste tipo e, em consequência, o mais relevante que ficou
do seu estudo foi a definição do conceito de região como área dentro
da qual existe plena mobilidade dos fatores produtivos.

O combinado esforço desses autores cobre quase 150 anos


da história da teoria espacial e dá continuidade a um conjunto de
contribuições extremamente diversas.

A Economia Geral exerceu constantemente um efeito de


dominação intelectual sobre a análise econômica espacial. Essa
influência foi sempre assimétrica e irreversível. Von Thünen não pode
ser entendido sem compará-lo com Adam Smith e David Ricardo.
A teoria mecanicista de Alfred Weber é uma projeção da economia
pura no domínio espacial. A teoria de Andreas Predohl e mais tarde
o desenvolvimento de uma teoria do equilíbrio geral da localização
mostram a influência da Escola de Lausanne. Também as teorias
neoclássicas de preços serviram como um impulso para as obras de
Tord Palander e August Lösch. Do mesmo modo, autores como J.R.
Hicks e V. Leontief influenciaram o trabalho de Walter Isard que vem
a ser considerado o criador da Ciência Regional com o seu seminal
Location and Space-economy de 1956. Os exemplos são numerosos.
No entanto, seria um grande erro concluir que a economia espacial
só introduziu uma dimensão suplementar nos modelos econômicos
gerais e contemporâneos. O efeito da influência exercida por esses
modelos tem como exemplo significativo a Teoria dos Lugares Centrais

332
FRAGMENTOS

formulada pelo geógrafo alemão Walter Christaller em 19335 e os


estudos a respeito das atividades econômicas e sua localização de
Lösch, em 1940.

A teoria de Christaller foi aplicada no Brasil pelo IBGE servindo


de referência para a divisão do Brasil em regiões funcionais urbanas
atualizadas pelas Regiões de Influencia das Cidades em 1987. Na
Bahia, muito antes, em 1958, o geógrafo Milton Santos publicava
Zonas de influência comercial no Estado da Bahia, estudo considerado
pioneiro no Brasil, onde propunha com base também em Christaller
uma “divisão regional mais funcional e menos estática” do que a até
então utilizada, por intermédio da classificação em zonas fisiográficas.
Segundo o IBGE (2007, p.129) a pesquisa da rede urbana brasileira
foi retomada em 1978, e seus resultados publicados como Regiões
de influência das cidades, em 1987. “O estudo tomou como base
conceitual a teoria das localidades centrais, centros urbanos cuja
centralidade decorre do papel de distribuição de bens e serviços para
a população (CHRISTALLER, 1966).” Segundo esta teoria, a frequência
da demanda conduz a padrões de localização diferenciados: bens e
serviços de consumo frequente podem ser oferecidos por centros
acessíveis a uma população próxima, e têm mercado mínimo e alcance
espacial reduzido. Os bens e serviços de uso mais raro, por outro
lado, têm mercado mínimo e alcance espacial maiores, e tendem a
localizar-se em um menor número de centros urbanos de hierarquia
mais elevada.

Da geografia espacial “christaliana” surgiu uma teoria das


cidades e têm sido muito utilizados conceitos de hierarquia urbana,
de lugar central, de distância (alcance) de um bem, de limite ou limiar
(threshold) e tantos outros que vem sendo aplicados por diferentes
autores.

Christaller (1966) advertia que, desde quando a oferta de


produtos e serviços fosse realizada em lugares centrais, a posição
desses lugares seria uma função da importância dos produtos e

5 Durante a II Guerra Mundial, Christaller foi oficial burocrático da SS nazista. Nesta condição
elaborou e forneceu a base do planejamento espacial alemão para os territórios ocupados do
Leste europeu com destaque para a Polônia.

333
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

serviços por eles oferecidos. Há, portanto, uma relação direta entre
a relevância dos lugares centrais e a importância dos produtos e
serviços por eles disponibilizados. Não é por menos que as cidades
onde se ministra a justiça – se julga; onde as decisões de negócios são
tomadas; onde se cura patologias que exigem cuidados sofisticados;
onde a educação, a ciência, a tecnologia e artes se beneficiam das
economias de aglomeração, posicionam-se no topo da hierarquia
urbana.

Outro ponto a destacar é o fato de que um lugar central de


ordem superior está em condições de fornecer não apenas todos
os bens que lhes correspondem na hierarquia dos produtos e
serviços, mas também, todos os bens que são fornecidos por todos
os centros de ordem inferior. Os consumidores que se deslocam até
esses centros de ordem superior aproveitam para adquirir não só
os bens de consumo menos frequente, de maior hierarquia, como
os de consumo de maior ocorrência ou de ordem inferior, visando
minimizar o esforço, o custo e o tempo dos seus deslocamentos.

Christaller foi criticado e complementado pelos estudos do


seu contemporâneo, o economista August Lösch que expandiu o
seu trabalho no livro A organização espacial da Economia (1940).
Ao contrário de Christaller, cujo sistema de lugares centrais começou
com a mais alta ordem, Lösch começou com um sistema de menor
ordem, que foi distribuído regularmente em um padrão triangular-
hexagonal. Desta menor escala da atividade econômica, Lösch
matematicamente derivou vários sistemas de lugar central, incluindo
os três sistemas de Christaller. Os sistemas de lugares centrais de
August Lösch6 contemplam os locais especializados. Ele também
ilustrou como alguns lugares centrais se desenvolvem em áreas mais
ricas do que outras. Ao contrário de Christaller, que expôs um sistema
de lugares centrais de pequena escala, August Lösch introduziu um
6 Lösch não fez concessões ao regime Nazista. Nas vastas referências utilizadas em seus
trabalhos, Lösch nunca hesitou em citar um autor que pertencesse a uma nação ou raça
"erradas". Esta posição muito deve ter lhe custado. Segundo seu tradutor, Wolfgang Stolper, em
nota biográfica incluída na primeira edição americana de The Economics of Location (1954),
Lösch nunca levou em consideração a possibilidade de aceitar cargo governamental ou posição
acadêmica que exigisse um juramento de lealdade a Hitler. Morreu de fome em 1945, aos 39
anos, vítima de uma pancreatite.

334
FRAGMENTOS

sistema em uma escala maior. Ele o ilustrou em um padrão triangular-


hexagonal. August Lösch também criticava Weber e sua teoria
locacional por procurar o ponto de menor custo afirmando que a
procura deveria concentrar na localização que gerasse o maior lucro.

Em assim sendo, este texto aborda a questão da centralidade


urbana, uma categoria multidisciplinar que interessa a diferentes
campos do saber entre os quais a economia, a sociologia e a
geografia. Busca descrever a questão da centralidade da cidade do
Salvador vista sob dois planos. O primeiro examina a questão sob
o enfoque regional e o segundo sob o enfoque local. Ou seja: a
cidade vista no plano macro da sua área de influência e a cidade
vista no plano micro, por dentro, e demonstra historicamente como
a conjuntura externa condiciona a interna. Está dividido em cinco
partes sem considerar esta introdução e a conclusão. A primeira trata
de Salvador e seus espaços fornecendo informações básicas relativas
ao território; a segunda fala do povo que a constitui. Aborda aspectos
da sua demografia; a terceira considera a negritude; a quarta a
pobreza e a quinta a questão da centralidade. A conclusão une os
pontos expressando a tese dos autores.

1 Salvador e seus espaços

Criada para ser a capital colonial do Brasil, Salvador não surgiu


no espaço como fruto de um processo espontâneo de povoamento
gerado de forma gradual pelo perambular de aventureiros, comerciantes
e guerreiros. Na verdade foi criada por decreto. Como sua irmã caçula
Brasília que saiu das pranchetas de Lúcio Costa e Oscar Nyemaier e dos
delírios progressistas de Juscelino Kubitschek, ela foi instalada no sítio
que hoje ocupa segundo os ditames de uma estrutura patrimonialista
onde o estado criou o povo e a sua urbe, bem ao contrário do admissível.
Quando aqui chegou, o seu primeiro governador trazia com ele, além
das plantas da cidade elaboradas pelo Mestre Luís Dias que conduziu
inicialmente as obras de construção, o seu estatuto jurídico e uma
população pouco superior a mil pessoas composta por degredados

335
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

(400), soldados (320), colonos (280), além de funcionários públicos,


clérigos regulares e seculares (ACCIOLI, 1919).

Até o final do século XVIII a cidade foi a aglomeração urbana


mais importante do Atlântico Sul e o seu porto o principal da
colônia. Nas palavras de Boxer no século XVIII “a Bahia de há muito
ultrapassara a “Goa Dourada” e tornara-se a segunda cidade do
império português, tendo a sua frente, em população e importância,
apenas Lisboa” (2000, p.154).

Cidade primacial, estruturalmente monocêntrica, fundada em


1549 por Tomé de Souza, primeiro governador geral do Brasil, São
Salvador da Bahia de Todos os Santos foi a primeira capital do Brasil,
posição que, para sua desgraça futura, perdeu para o Rio de Janeiro
em 1763 por ato do Marques de Pombal, todo poderoso Ministro de
D. José I, rei de Portugal. Naquele ano a Bahia impotente viu escapar-
lhe entre os dedos um dos mais importantes instrumentos da sua
centralidade nacional cedendo ao Rio de Janeiro todo o aparato de
poder político, administrativo e econômico que foi trazido para o
Brasil em 1808 pela corte portuguesa ao fugir de Lisboa para escapar
das tropas de Napoleão Bonaparte. Como o crescimento econômico,
em qualquer sistema, segundo Braudel (1979), depende de uma
grande cumplicidade do Estado com a burguesia, é então no Rio de
Janeiro como a capital do país que se constroem as engrenagens do
poder. Pobre Bahia foi apeada do bonde da história.

Salvador está localizada em uma península pequena, mais


ou menos triangular, que separa a Baía de Todos os Santos das
águas abertas do Oceano Atlântico, possuindo uma área territorial7
de 693,276 km², e coordenadas geográficas, a partir do marco da
fundação da cidade, no Forte de Santo Antônio da Barra, de 12° 58'
16'' Sul e 38° 30' 39'' Oeste8. A baía, que recebe esse nome por ter sido
descoberta pelos portugueses no Dia de Todos-os-Santos, forma um
porto natural. Salvador é um dos principais portos de exportação do
país, encontrando-se no coração do Recôncavo Baiano, uma rica região
agrícola e industrial, e englobando a porção norte do litoral da Bahia.

7 Existem diferentes áreas em diferentes fontes. Optou-se pela atribuída pelo IBGE.
8 Segundo o IBGE (http://cod.ibge.gov.br/232MX).

336
FRAGMENTOS

O relevo de Salvador é acidentado e cortado por vales profundos.


Conta com uma estreita faixa de planícies, que em alguns locais se
alargam. A cidade está a oito metros acima do nível do mar. Uma
característica particularmente notável desse relevo é a escarpa que
divide Salvador em Cidade Baixa, porção Noroeste da cidade, e Cidade
Alta, maior e mais recente (corresponde ao resto da cidade), sendo
que a primeira está 85 metros abaixo da última. A cidade alta e a
cidade baixa se comunicaram por inúmeras “ladeiras” e elevadores
desde a sua fundação. Um elevador (o primeiro instalado no Brasil),
conhecido como o Elevador Lacerda, conecta as duas "cidades" desde
1873, já tendo sofrido diversos melhoramentos de lá pra cá.

Figura 1 - Falha de Salvador.

Fonte: CPRM - Projeto Caminhos Geológicos da Bahia

337
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

Figura 2 - Elevador Lacerda - Salvador.

Fonte: Foto de Henri Olivier (http://www.feriasbrasil.com.br).

Entre todos os elevadores o mais famoso é o Lacerda. Em


1896, o seu nome Elevador Hidráulico da Conceição ou popularmente
Parafuso foi mudado para Elevador Antônio Lacerda, em homenagem
a seu idealizador e construtor. Quando foi inaugurado, em 8 de
dezembro de 1873, era o mais alto do mundo, com cerca de 63
metros de altura . (SAMPAIO, 2005, p.185).

A capital baiana está inserida na Região hidrográfica do


Atlântico Leste, mais especificamente na Região de Planejamento de
Gestão das Águas do Recôncavo Norte (RPGA XI) segundo o Programa
das Nações Unidas para o Desenvolvimento (2010). De acordo com
o perfil do município de Salvador - BA Atlas do Desenvolvimento
Humano no Brasil 2013 (Wikipédia) a água que abastece a capital
vem da Barragem de Pedra do Cavalo, no Rio Paraguaçu, e dos rios
Joanes e Ipitanga, localizados na Região Metropolitana de Salvador. O
município de Salvador tem dez regiões hidrográficas delimitadas: as

338
FRAGMENTOS

mais expressivas são as bacias do rio Camarajipe e a do rio Jaguaribe.


O Rio Camarajipe, com seus 14 quilômetros, e o Jaguaribe, que
também é conhecido como Trobogi, por atravessarem muitos bairros
de Salvador, são, consequentemente, os mais poluídos da cidade; por
outro lado, o Rio do Cobre, que termina na Baía de Todos-os-Santos,
é o único que ainda abriga vida em seu leito (Wikipédia).

Salvador possui um clima de floresta tropical sem estação


seca discernível, com precipitação média de 2.144 (mm) anuais.

As temperaturas são relativamente constantes ao longo do


ano, com condições de clima quentes e úmidas. Chegam a extremos
de 17 °C no inverno e a 30 °C no verão. A brisa oriunda do Oceano
Atlântico deixa agradável a temperatura mesmo nos dias mais
quentes. Os bairros litorâneos, fora da Baía de Todos os Santos,
recebem fortes ventos vindos do mar. Com média de 2 500 horas de
sol por ano, a umidade do ar é relativamente elevada, com médias
entre 75% e 85% (INMET 2014).

Parece que a topografia inspirou o geógrafo Milton Santos na


descrição da divisão do espaço da cidade entre ricos e pobres, uma
realidade bastante evidente no “casco antigo”.

Segundo ele os espaços dos países pobres são formados e


transformados de acordo com os interesses externos. Salvador,
por exemplo, teve o seu sítio urbano desenhado e definido pelos
arquitetos e estrategistas militares de D. João III. Seu traçado foi
inspirado nos modelos florentinos do Renascimento, mas à moda
rústica (BUENO, 2006 p.61) e destinando-se a servir a uma cidade
fortaleza protegida e protetora contra os inimigos externos e internos
além de entreposto comercial. Santos (1971) afirma que os espaços da
cidade são impermeáveis às forças de transformação, “cujo impacto,
ao contrário é muito localizado e encontra uma inércia considerável
à sua difusão” (SANTOS E KAYSER, 1971). Para ele, as “forças da
modernização impostas do interior ou do exterior são extremamente
seletivas, em suas formas e em seus efeitos. As variáveis modernas
não são acolhidas todas ao mesmo tempo nem têm a mesma direção.
Trata-se de uma história espacial seletiva.” A cada modernização,
novos pontos ou novas zonas são conquistadas ao espaço neutro e

339
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

tornam-se uma nova porção de espaço operacional. Mas o impacto


dessas forças não é o mesmo para diversas variáveis, cuja combinação
dá a característica do lugar. Disso resulta uma grande instabilidade na
organização do espaço com repetidos desequilíbrios e ajustamento.
(SANTOS, 1958).

2. O povo da cidade

Possuindo uma população censitária de 2.675.656 habitantes


em 2010 e estimada de 2.902.927 em 2014 e uma densidade
demográfica de 3.859,44 hab./km², a cidade permanece como a
terceira maior do País, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística – IBGE.

Conforme demonstra a Tabela 1, Salvador que em 1950


possuía 417.235 habitantes, levando 401 anos para reunir esta gente,
em 60 anos (1950/2010) multiplicou-se por mais de 6,41 vezes. Esta
explosão demográfica se deve ao êxodo rural e, notadamente a
partir de 1970, à atração exercida pelos grandes projetos industriais
canalizados pelo Governo Federal para a região. Por isso, para cá não
vieram só baianos do interior, foram brasileiros de todos os cantos
atraídos pelas obras dos parques industriais em construção na Região
Metropolitana e pela expectativa de emprego. Este fluxo migratório
que continua com menor intensidade nos dias atuais, vem mudando
radicalmente o perfil cultural da velha capital baiana que vem
trocando a galope a culinária do dendê pelas pastas e churrascos e
perdendo a cordialidade e sensualidade cantadas nos livros de Jorge
Amado.

Salvador, cidade velha para o perfil etário do Novo Mundo


é uma das mais antigas das Américas e assiste ao envelhecimento
da sua população como demonstra o gráfico da pirâmide etária da
Figura 3. A sua PIA corresponde a 69% da população total e é o
contingente mais significativo. Note-se que a base da pirâmide é
diminuta, uma situação típica de cidade de migrantes.

340
FRAGMENTOS

Tabela 1 - Crescimento da população de Salvador 1900/2010.

Fonte: IBGE - Censos demográficos.

Tabela 2 - Salvador distribuição da população por idade 2010.

341
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

Fonte: IBGE - Censo demográfico.

Figura 3 - Pirâmide etária de Salvador - Divisão por Sexos - 2010.

Fonte: IBGE - Cidades.

342
FRAGMENTOS

Figura 4 - Salvador População por faixa etária 2010.

Fonte: IBGE - Cidades.

3 A cidade negra

Por muito tempo Salvador foi chamada de “Bahia”,


“cidade da Bahia” ou “Salvador da Bahia” a fim de diferenciá-
la de outras cidades do mesmo nome. Também foi apelidada
de Roma Negra e Meca da Negritude, pela quantidade de
afrodescendentes o que a torna plena de elementos simbólicos
e religiosos africanos. De acordo com o antropólogo Vivaldo da
Costa Lima (1977), a expressão "Roma Negra" é uma derivação
de "Roma Africana", cunhada por Mãe Aninha, fundadora do Ilê
Axé Opó Afonjá. Nos anos 1940, em depoimento à antropóloga
cultural Ruth Landes. Segundo Mãe Aninha, assim como Roma era
o centro do catolicismo, Salvador seria o centro do culto aos Orixás.

Em Salvador a maior parte da população é negra9 79,5%.


Segundo dados divulgados pelo IBGE em 2010, 51,7% da população
eram de cor parda e 27,8% negra. Salvador é a cidade com o
maior número de descendentes de africanos no mundo, seguida
pela Cidade de Nova Iorque, majoritariamente de origem ioruba,

9 Negro é a raça, preto ou pardo é a cor. O pardo é o mulato uma denominação que tornaram
preconceituosa. Antonil, no século XVI dizia que o Brasil era o inferno dos negros, purgatório
dos brancos e paraíso dos mulatos. Salvador é mulata na alma.

343
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

vindos da Nigéria, Togo, Benim e Gana.10

Um estudo genético realizado na população de Salvador


confirmou que a maior contribuição genética da cidade é a africana
(49,2%), seguida pela europeia (36,3%) e indígena (14,5%). O
estudo também concluiu que indivíduos que possuem sobrenome
com conotação religiosa tendem a ter maior grau de ancestralidade
africana (54,9%) e a pertencer a classes sociais menos favorecidas
(MACHADO, 2008).

Em Salvador, a região com o maior número de pretos e


pardos é Ilha de Maré (92,99%). Em seguida, estão os bairros
Fazenda Coutos (90,57%) e Rio Sena (90,3%), que ocupam o 2º
e o 3º lugar, respectivamente. A Liberdade, eleita pelo imaginário
baiano como o bairro mais negro de Salvador, figura no 54º lugar,
com 85,41% de pretos e pardos autodeclarados. Já a região do
Curuzu fica em 40ª posição, com 86,39%. Os bairros com menor
número de pessoas que se autodeclaram pretas e pardas são
Itaigara (34,49%), Vitória (36.42%), Graça (37,82%), Caminho das
Árvores (38,03%) e Canela (41,64%) (IBGE 2013).

O espaço de Salvador sofre um processo de ocupação


condicionado pelo grande desnível no padrão de renda da
população e pelas intervenções autocráticas realizadas ao longo
do tempo pelo governo em associação com o capital imobiliário.

Conforme Souza (2000) comprometida com uma


modernização excludente e com os interesses dos empresários
da construção civil, a Prefeitura de Salvador, que já foi a maior
proprietária das terras do município, transferiu sua propriedade
para (algumas poucas) mãos privadas através da Lei de Reforma
Urbana de 1968 e erradicou ocupações populares localizadas na orla
marítima e nos vales (Ogunjá, e Bonocô entre outros) reservando
essas áreas para o turismo, outro componente da estratégia de
crescimento e modernização da cidade. A construção das avenidas
de vale na reforma urbana conduzida pela Prefeitura na década

10 Introduction to Bahia - New York Times . Visitado em 6 de janeiro de 2012.

344
FRAGMENTOS

de 1970 desarticulou completamente a antiga estrutura da cidade


rompendo um equilíbrio que se mantinha nas relações de emprego,
habitação e transporte desde o final do século XIX, criando novos
umbrais, segregando parcela considerável da população pobre e
ampliando o custo de toda a infraestrutura urbana.

4 Espaço e renda

Na opinião de Santos (1979), como novas preferências


mercadológicas surgem e se espalham em termos nacionais
enquanto que as preferências e hábitos de consumo tradicionais
subsistem, a economia da cidade deve se adaptar simultaneamente
às exigências de uma poderosa modernização e às realidades
sociais, novas ou herdadas. Isso funciona tanto do lado da oferta
como da procura de bens e serviços e assim, como demonstra
Santos (1959), aparecem dois circuitos econômicos, responsáveis
não só pelo funcionamento da economia, mas também pelo
processo de organização do espaço. E divide o sistema urbano
em dois subsistemas que denomina de “circuito superior” ou
“moderno”, e “circuito inferior” ou tradicional.
O circuito superior originou-se diretamente da modernização
tecnológica e seus elementos mais representativos hoje são os
monopólios. O essencial de suas relações ocorre fora da cidade e
da região que os abrigam e tem por cenário o país ou o exterior.
O circuito inferior, formado de atividade de pequena dimensão e
interessando principalmente às populações pobres, é, ao contrário,
bem enraizado e mantem relações privilegiadas com sua região
(SANTOS,1979).

Cada circuito constitui, em si mesmo, um sistema, ou


antes, um subsistema do sistema urbano. Contudo,
só o circuito moderno foi objeto de pesquisas
sistemáticas. A análise econômica e, em sua esteira, a
análise geográfica, durante muito tempo confundiu
o setor moderno da economia urbana com a cidade

345
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

inteira. J. “Friedman (1961, p. 89; 1964, p. 346) não


declarou que o “folk” sector está dentro da cidade
sem fazer parte dela”? (SANTOS, 1979).

O resultado é que a maior parte dos estudos não são


feitos sobre a cidade inteira, mas sim sobre uma parte da cidade,
impedindo, por isso mesmo, a formulação de uma autêntica
política de urbanização.

Feitas tais considerações o geógrafo baiano recomendava


a definição precisa dos dois circuitos da economia urbana,
analisando-se as suas relações recíprocas e suas relações com a
sociedade, assim como com o espaço circundante visto que, na
opinião de Santos (1979), a vida urbana é condicionada pelas
dimensões qualitativas e quantitativas de cada circuito. Cada
circuito mantem com o espaço de relações da cidade um tipo
particular de relação.

Como já demostrado Salvador é uma cidade negra e pobre,


sendo pobre porque é negra. Nas raízes desta pobreza esteve o
sistema escravocrata que vigorou no país até o final do século XIX
e toda uma gama de preconceitos que bloquearam a mobilidade
social dos negros e continua sabotando-a até os dias atuais.
Segundo Soares (2007, p.6) os espaços de pobreza de Salvador
se aglomeram principalmente na área Oeste composta pelo
Subúrbio Ferroviário e na área Norte do miolo da cidade – parte
geograficamente central – onde, nas últimas décadas, houve uma
ocupação mista, mas com predominância de áreas residenciais.

346
FRAGMENTOS

Figura 5 - Salvador - o andar superior.

Fonte: http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/4/48/Bairros_de_
Salvador.png

Figura 6 - Salvador - o andar inferior.

Fonte: http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/4/48/Bairros_de_Salvador.png

347
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

Segundo Ângela Gordilho (2000, p. 60) é notória a ausência


de grandes equipamentos urbanos nas zonas habitacionais Oeste e
Norte da cidade, correspondendo ao Subúrbio e Miolo que, como
visto, representam as áreas de moradia da maioria da população com
predominância de rendas mais baixas. Observando os dados da Tabela
3, extraída de Soares (2007, p.7) nota-se que a área correspondente
ao centro possui uma ocupação consolidada com predominância de
boa habitabilidade; é formada por bairros antigos (a partir da década
de 1920) que foram importantes para o processo de estruturação
da cidade. Esta área é considerada como sendo da cidade formal,
possuidora de equipamentos urbanos e da atenção dos órgãos
públicos. É composta pelos bairros da Barra-Ondina, Graça, Rio
Vermelho, Vasco da Gama, Bonocô, Iguatemi, Brotas, Matatu, até o
bairro de Nazaré, Comércio e centro histórico (Pelourinho).

Tabela 3 - Áreas da cidade do Salvador.

Fontes - Dados Secundários IBGE/PMS/PLANDURB


GORDILHO, Angela (2000); PEREIRA & SILVA (1999)
* Este item se refere às áreas que intercalam outras áreas em estudo assim como áreas limitro-
fes de Salvador, incluindo a orla maritima.
** Devido a heterogeneidade destas áreas e dificuldade de demarcação, optamos em não fazer
cálculos de (hab/km2) neste momento.
*** Posteriormente aprofundaremos outros dados sobre Salvador e as áreas de contexto de
interesse nesta pesquisa. - Elaboração - SOARES, Antonio M., 2006 (autor do trabalho).

348
FRAGMENTOS

O Subúrbio Ferroviário, compõe um dos maiores territórios


de pobreza da cidade do Salvador. Teve sua ocupação iniciada pela
construção da linha férrea, em 1860, contudo a área se constitui
nos anos de 1940 com muitos loteamentos populares que mantêm
importantes manifestações da cultura afrodescendente; o subúrbio tem
aproximadamente 500 mil habitantes de acordo com o último censo do
IBGE, em sua maioria negros, pobres e com baixa escolaridade, vítimas
da maior violência urbana11 do contexto metropolitano. Nesta área há
predominância de habitações precárias e deficientes, com aglomerados
de barracos em morros, encostas e até mesmo sobre a Baía de Todos os
Santos.

A outra área da cidade corresponde ao “miolo de Salvador”, assim


denominado desde os estudos do Plano Diretor de Desenvolvimento
Urbano (PLANDURB/1970). Este nome se deve ao fato da região situar-
se, em termos geográficos, na parte central do município de Salvador,
ou seja, no miolo da cidade. Possuindo cerca de 11.500 ha, (Tabela 3)
ele está entre a BR 324 e a Avenida Luiz Viana Filho – Avenida Paralela
– estendendo-se desde a invasão de Saramandaia até o limite norte do
município. Segundo Ináia Carvalho e Gilberto C. Pereira (2006, p.88), o
miolo urbano de Salvador, começou a ser ocupado pela implantação
de conjuntos residenciais para a “classe média baixa” na fase áurea da
produção imobiliária, através do Sistema Financeiro de Habitação, tendo
a sua expansão continuada por loteamentos populares e sucessivas
invasões coletivas, com uma disponibilidade de equipamentos e serviços
bastante restrita. A área do miolo é formada por cerca de 41 bairros
que ocupam aproximadamente 36% da superfície da cidade, em uma
densidade demográfica no intervalo de [15.000 – 25.000 hab/km2],
sendo que a parte mais densa corresponde ao complexo de Cajazeiras.
A área considerada do miolo urbano – vetor norte – nas últimas
décadas teve uma ocupação mista, mas com predominância de áreas
residenciais, nela se localiza o CAB – Centro Administrativo do Estado

11 Cf. (ESPINHEIRA. Gey,2004). Sociabilidade e Violência: criminalidade no cotidiano de vida


dos moradores do Subúrbio Ferroviário de Salvador: Ministério Público da Bahia, Universida-
de Federal da Bahia, 2004. Apud Soares, Antonio Mateus de Carvalho. SALVADOR: POBREZA,
FIGURAÇÕES E TERRITÓRIOS. Anais do XIII Congresso Brasileiro de Sociologia – Desigualdade,
Diferença e Reconhecimento – Campus UFPE – Recife-PE, 2007. Captado em 12.12.12 no site:
http://www.contatosociologico.crh.ufba.br/site_artigos_pdf/SALVADOR.

349
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

da Bahia, complexo de órgãos governamentais, assim como inúmeras


universidades privadas e algumas concessionárias de automóveis.

Ainda sobre a questão da renda em Salvador, resgatamos um


estudo realizado em 2001 por Cruz e Spinola para a Prefeitura de Salvador
e publicado no n°6 da Revista de Desenvolvimento Econômico – RDE,
o qual fazia previsões sombrias sobre a estrutura municipal da renda
num horizonte projetado para até o ano de 2013. Diziam: a hierarquia
espacial da renda no município de Salvador modificou-se radicalmente
desde 1991 e algumas conclusões parciais merecem ser aqui ressaltadas.
Em primeiro lugar, a Região Administrativa da Barra, que possuía a maior
concentração de renda em 1991, cedeu lugar ao crescimento da Região
da Pituba, que passou aceleradamente a assumir a primazia. Depois,
a intensidade do processo de concentração espacial em torno desta
Região, assumiu contornos bastante diferentes daqueles assumidos pela
região da Barra até 1993: até 1999, a Pituba concentraria quase 30% da
renda municipal e, o mais preocupante, podendo concentrar até 35% da
riqueza municipal no horizonte temporal de 2013.

No que se refere a concentração espacial, sobressai a lenta


e gradual perda de importância da Barra e a também lenta e gradual
emergência das regiões administrativas de Brotas, Boca do Rio e,
principalmente de Itapoan, que tendem à superar a região da Barra em
participação na renda municipal.

Nesse processo, a outra face da cidade possui um conjunto de


regiões que, em virtude do processo de concentração espacial da renda,
passaram a dividir fatias cada vez menores e que, mantidas as atuais
tendências, estarão condenadas a dividir menos ainda. Destacam-se,
neste conjunto, as regiões de Valéria, São Caetano, Cajazeira, Liberdade,
Tancredo Neves e Subúrbio Ferroviário.

Não é só o aspecto da divisão da renda municipal, o que


mais preocupa: também chama a atenção, o fato de que, mantidas
as trajetórias regionais dos anos 90, a grande maioria dos chefes de
família, com rendimentos superiores a 20 salários mínimos, estará
concentrada na RA da Pituba (43,5%), Itapoan e Barra. Por outro
lado, outras, como o Subúrbio Ferroviário, Tancredo Neves, Cajazeiras
e Valéria, tendem a concentrar, juntas, mais da metade dos chefes de

350
FRAGMENTOS

família com rendimentos abaixo de dois salários mínimos (Figura 7).

Como demonstra a Tabela 4, Salvador obteve, entre 2000 e 2010,


um aumento de 9,6% na sua população, representando um aumento
quantitativo de aproximadamente 256 mil indivíduos com renda. Este
crescimento médio populacional de quase 1 ponto porcentual anual
não se deu unicamente pela taxa positiva de fecundidade, mas também
em grande parte pela migração de adultos atraídos por atividades
profissionais surgidas na expansão econômica local e regional. Esta
migração vem gradativamente contribuindo para modificar o perfil
cultural da cidade. Como demonstrado na tabela anterior 1/3 da
população da cidade encontra-se classificada nas categorias de
extremamente pobre (8,4%), pobre (7,3%) e vulnerável (17,9%). Estes
dados refletem critérios adotados recentemente pela SAE/PR e são
contestados por outras fontes.

Figura 7 - Salvador - Distribuição da Renda dos chefes de família segundo as Regiões


Administrativas - 2013.

Fonte: Estimativa de Cruz e Spinola (2002, p.65).

351
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

Tabela 4 - População residente, partic. e variação percentual, por classe social Salva-
dor - 2000/2010.

Fonte: SAE/PR.

5. A centralidade de Salvador

A cidade no entendimento de Lúcio Costa (1995, p.277) "é a


expressão palpável da necessidade humana de contato, comunicação,
organização e troca — numa determinada circunstância físico-social e
num contexto histórico".

Toda a cidade é um mercado que reúne pessoas e grupos num


processo rotineiro de vender ou comprar produtos e serviços. Em nossa
realidade de uma região periférica, Salvador assistiu ao longo do tempo
a um processo de urbanização cíclico que correspondeu a longos
períodos de estagnação e a outros de expansão exponencial desde a
sua fundação em 1549 até os dias atuais. Os fluxos das relações que
se processaram no seu espaço repercutiram as diferentes funções que
exerceu no transcorrer da sua história. Uma das características básicas de
uma cidade reside na existência e importância do seu centro. Segundo

352
FRAGMENTOS

Hassenpflug (2007, p.1) as cidades são cidades porque elas têm um


centro ou mais centros. Por exemplo: uma hierarquia composta pelo
centro principal, subcentros e centros de vizinhança. Esses centros têm
grande importância no provimento da forma urbana e de sua coerência.
“Eles tornam as cidades distintas e legíveis. Como preconizado pela
Escola de Chicago, a saber, por E. Burguess e R. Park, o centro urbano
é em princípio, o lugar com o maior significado simbólico, o solo mais
escasso e de melhor acessibilidade”.

Há que destacar a existência de dois tipos de centralidade.


Primeiro aquela que trata da relação da cidade com o macro território
que forma o seu

entorno envolvendo efeitos de polarização e de funcionalidade.


Ela origina o que o IBGE (2013) denomina de “Região Funcional Urbana”
e define como um “espaço contínuo que leva em conta a polaridade
das funções urbanas de uma cidade de maior porte tendo como fator
agregativo os vínculos dessa sede com as demais sob a sua subordinação
no contexto do sistema de transportes”. Atualmente a área de influência
de Salvador é incomparavelmente menor do que a existente em épocas
passadas refletindo nitidamente o crescimento do que antes foi a sua
periferia que inverteu os termos da sua hierarquia urbana.

Figura 8 - Salvador e sua região funcional urbana.

Fonte: IBGE, Contagem da População 2007; Área territorial oficial. Rio de Janeiro: IBGE,
[2007,p.93].

353
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

As posições hoje ocupadas por São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília


já foram de Salvador nos séculos XVII e XVIII. A evolução histórica do país
assistiu a troca de papéis. E a tendência é a de que Salvador se recolha
cada vez mais no espaço na medida em que os centros que ainda se
suprem dos seus serviços vão se tornando autossuficientes ou atraídos
para gravitar em outras órbitas metropolitanas.

O segundo tipo de centralidade é mais popular entre os urbanistas


e refere-se à cidade intrinsicamente, tratando do seu território específico.

Regina e Fernandes (2005) contam que desde sua fundação em


1549 até finais daquele século, a ocupação de Salvador limitava-se às
áreas mais elevadas da conhecida Falha de Salvador. Pensamos que esta
tendência se manteve nos períodos seguintes. Nos anos, que passaram
entre 1600 e 1900, a cidade se expandiu lentamente, buscando proteção
contra as chuvas instalando-se os “brancos” nos divisores d’água, sobre
os morros, e os negros nas baixadas vizinhas. A cidade cresceu cruzando
o Rio das Tripas, que no final do Século XIX já havia sido canalizado
a sete metros de profundidade. Sobre o seu curso surgiu a Baixa dos
Sapateiros. Entretanto, até o início do século XIX, boa parte da Baixa dos
Sapateiros ainda era um pântano. Segundo a publicação digital Salvador
Antiga12 era conhecida como a Rua da Vala e a região tinha bastante
vegetação e muitas árvores de jacarandá, cuja madeira era usada em
construções da Cidade.

Por volta dos anos 1830, a região começou a ser urbanizada. Em


1862, a Rua da Vala foi completamente aterrada e, em 1865, tornou-se
a primeira grande avenida de vale da Cidade. A Baixa dos Sapateiros e
imortalizada na música homônima de Ary Barroso.

O português construiu suas casas nas cumeeiras, deixando


o fundo dos vales para a criadagem. A relação trabalho moradia era
prática e fácil. Dispensava transporte. Nas baixadas os criados (mulatos
e negros libertos) moravam, faziam roças, cultivavam os orixás e subiam
a ladeira para servir na casa dos brancos13.

12 www.salvador-antiga.com/baixa-sapateiros/antigas.htm
13 Ana Maria Gonçalves em seu livro “Um problema de cor” (RECORD, 2006) faz um delicioso
retrato desse cotidiano.

354
FRAGMENTOS

Na segunda metade do Século XIX a cidade se expande, saindo


de seu casco original, formando novos bairros, nas direções de Itapagipe
e Ribeira ao Norte e a Barra no Sul da Península, sempre debruçada sobre
a Baia de Todos os Santos. Os novos meios de transportes beneficiaram
este processo. Segundo a Secretaria dos Transportes da Prefeitura
Municipal do Salvador – SETPS, em 1851 foi iniciado o serviço regular
em duas linhas: uma da Cidade Alta até a Barra e outra das Pedreiras
até o Bonfim. Apelidaram as gôndolas de “maxambombas”14 e nelas só
tinham ingresso “pessoas decentemente vestidas e de cartola”. Sobre
um dos quatro animais que a puxava ia sentado o cocheiro e o preço da
passagem era de uma pataca (320 réis).

Nos primeiros cinquenta anos do Século XX a cidade, do ponto


de vista demográfico, adormeceu. Porém, neste período assistiu a uma
grande reforma urbana comandada pelo então governador José Joaquim
Seabra. Em 1914 Seabra (sic) dava conta das realizações:

“Novas construcções - a Avenida Sete de Setembro, o


Instituto de Hygienne, a Imprensa Official, o primeiro
quartel da villa Policial do Estado, a parte central e
segunda ala do palacio da residencia do Governador
da Bahia, a Garage do antigo Passeio Público, a entrada
do departamento do quartel de Ca-vallaria, o Museu-
Escola, o Pavilhão de Ondina, o pavilhão Kroepelin, o
pavilhão de Tuberculose, estes dois a casa de residencia
do diretor, no hospício S. João de Deus, as fachadas do
Rosario, da Capella e do Convento das mercês, o palacio
do Congresso, este, ainda, em alicerces. Adaptações
- O palacio do Governo, à praça Rio Branco, os muros
e a installação das gradarias da rua da Victoria, o novo
Hospital de Mont’Serrat, as quatro enfermarias novas
do Asylo S. João de Deus, deste Hospício. Reparações -
na Penitenciaria do Estado, no Quartel dos Afflictos, na
Directoria das Rendas, no Instituto Nina Rodrigues e no
Desinfectorio Central, além de pequenos concertos”...
(SEABRA, 1914, p. 72-73 apud FLEXOR, 1998).

14 Maxambombas corruptela de Machine pump.

355
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

No seu período de governo a cidade assistiu também, em 13


de maio de 1913, a inauguração das obras do Porto, sendo 750m de
cais e seis armazéns. A primeira guerra mundial (1914/1919) fechou as
linhas de crédito internacionais e limitou todas as obras que estavam
em curso. Assim os trabalhos se processaram lentamente. No final
de 1916 foi entregue ao tráfego o armazém número 7 e, em 16 de
janeiro de 1922, o cais denominado Comendador Ferreira.

As obras do porto promoveram uma mudança radical na


antiga topografia da orla da Cidade Baixa, especialmente no trecho
compreendido entre a Alfândega e a praia de Água de Meninos. Um
aterro engoliu todos os antigos trapiches, atracadouros, portos e cais.
Estas mudanças provocavam grandes transformações expulsando
o comércio informal que ali estava instalado. Tendo perdido os
antigos pontos de referência, restava a estes pequenos comerciantes
direcionar as suas atividades em duas direções: ao Norte, para a
chamada Feira do Sete (da qual surgiria a partir da década de 1930,
a feira de Água de Meninos posteriormente incendiada em 196415) e
ao sul, em direção à rampa do Mercado.

Desta forma as redondezas do Mercado Modelo receberam


também uma nova leva de comerciantes que transformaram a sua
rampa em uma grande feira livre, onde era comercializado todo
tipo de folhas, raízes, frutos obis, orobôs, sabão da costa, terços,
pembas, patuás, imagens de santos e de orixás, além de roupas
usadas - produtos que correspondiam substancialmente à demanda
da população afrodescendente, que via ali a fonte de suprimento
das suas necessidades, para sobrevivência e para a festa (SPINOLA,
2009 p. 119). O site do Mercado (2013) informa que este fundou
uma tradição para a boemia local, ali concentrando alguns dos
principais atores da cultura popular baiana que se reuniam na área
do mercado e de sua rampa, constituindo um universo particular
em meio à cidade. Até hoje, a Rampa do Mercado Modelo e suas

15 Gilberto Gil e Capinam, músicos baianos em sua composição “Agua de meninos” dizem que:
“Moinho da Bahia queimou. Queimou, deixa queimar. Abre a roda pra sambar”. Outros acusam
a Esso Standard Oil, uma multinacional do petróleo que tinha uma tancagem vizinha, como a
responsável. Porém nada ficou provado nem aconteceu. Os feirantes foram transferidos para a
vizinha Feira de São Joaquim.

356
FRAGMENTOS

muitas tradições estão plenamente integrados à memória da cidade,


consagrados em inúmeras letras de sambas, poemas de cordel
e músicas de capoeira, assim como na literatura. Em meados da
década de 1920, a vida colorida das festas e feiras populares já
havia despertado a curiosidade de jovens intelectuais e boêmios
soteropolitanos, tais como Jorge Amado, Edison Carneiro, Áydano do
Couto Ferraz, Guilherme Dias Gomes, João Cordeiro, Dias da Costa,
Alves Ribeiro, Sosígenes Costa, Válter da Silveira e Clóvis Amorim.
São deles as primeiras descrições literárias e etnográficas da vida na
rampa do Mercado Modelo, da sua música, suas personagens e seus
mistérios, hoje considerados, por alguns, como exemplos precoces
do Modernismo Brasileiro na Bahia16. Esta tradição, bem recorda o
autor, durou até o final da década de 1960 quando o então prefeito
Antônio Carlos Magalhães, outro grande transformador da cidade na
linha de J.J. Seabra17 priorizando a ampliação da estreita ligação entre
as avenidas da França e Lafayete Coutinho (Contorno), impedida até
então pela arquitetura opulenta do velho mercado, encerrou , de
forma definitiva, a trajetória de um edifício de grande importância na
história da cultura popular baiana.

Para entender o sistema que se formou até 1950 no entorno


da Baia de Todos os Santos, tendo Salvador como o centro da região,
devemos recorrer à teoria das Regiões Nodais e Lugares Centrais, de
Christaller ([1933] 1965), que parte da consideração de que as regiões
se estruturam em função da localização dos núcleos urbanos na rede
intermodal de transportes, evidenciando a distribuição interna dos
fluxos de mercadorias para os centros primários de distribuição e
destes para os maiores centros consumidores dentro e fora do espaço
regional.

Nesta medida, os pontos ao longo do sistema viário que

16 Fonte: <http://www.portalmercadomodelo.com.br/historia-do-mercado-modelo-de-salva-
dor>
17 Seabra (1913) e Antonio Carlos Magalhães (1970) para cumprir seus programas de
modernização não tiveram pena do patrimônio histórico para desespero dos amantes das
artes e da história. Passaram por cima até de igrejas seculares como foi o caso, em 1933, da
lamentável destruição da velha catedral da Sé, vendida pela igreja ao governador da época
Juracy Montenegro Magalhães. O dinheiro para a compra foi fornecido pela Companhia
Circular (Bond & Share) que precisava abrir espaço para as linhas dos seus bondes.

357
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

concentram os serviços comerciais e de apoio às atividades produtivas


tendem a conformar áreas de maior dinamismo dos processos
demográficos, de formação de renda e de geração de emprego,
induzindo a ampliação das vias que se direcionam dos municípios
de menor porte para esses centros e a melhoria das linhas-troncos,
intensificando as trocas intra e extras regionais a partir desses pontos
privilegiados de características estritamente urbanas face aos efeitos
multiplicadores decorrentes da concentração-expansão dos serviços e
da população que aí encontra maiores oportunidades de ocupação e
de aquisição de renda monetária.

À dinâmica urbana e o direcionamento das vias de penetração


axial na direção dessas grandes aglomerações regionais acabam
por estabelecer uma ampla articulação das bases econômicas da
região com outras que lhe são adjacentes, e mesmo com outras mais
distantes, a depender da sua posição no sistema de transportes e
do seu porte demográfico, criando as condições para a realização
de grandes e pequenos negócios, em todos os setores da economia,
amplificados pela urbanização que se acelera com o passar do tempo.

Esses lugares centrais são, na maioria das vezes, e não por


acaso, coincidentes com os pontos de convergência das vias de
transporte, tornando-se locais de passagem obrigatórias das cargas e
de organização dos serviços de apoio a produção na região. Os centros
assim constituídos e os espaços de influência direta das vias que para
aí se direcionam definem, então, nódulos nas redes de transportes,
em especial quanto à modalidade rodoviária, estabelecendo de forma
evidente Regiões Nodais fortemente polarizadas por aqueles lugares
centrais.

Na Bahia, no processo histórico de integração dos espaços


regionais e do Estado com outras macrorregiões do Brasil, Salvador foi
um lugar central desde o período colonial com o seu porto articulado
às vias fluviais e aos roteiros litorâneos direcionados do Recôncavo
e das áreas ao Sul e ao Norte para a ex-capital administrativa do
império português no Atlântico Sul.

Nessa condição Salvador encerra um ciclo da sua história


urbana no período compreendido entre as décadas de 1960/1970

358
FRAGMENTOS

quando entrou em decadência o sistema de transporte que alimentava


a cidade desde o período colonial e que se estruturava na Baia de
Todos os Santos e no Recôncavo. Este sistema era operado pelos
saveiros e, depois, por outras embarcações maiores da Companhia
de Navegação Baiana.

A baía e o sistema de rios que lhe são tributários ligava Salvador


a Maragogipe, Cachoeira e São Felix, e a entrada para o sertão pelas
veredas do Rio Paraguaçu; Santo Amaro da Purificação pelo Subaé e
Nazaré das Farinhas pelo Jiquiriçá. A partir de 1941, o porto de São
Roque do Paraguaçu e a Estrada de Ferro de Nazaré – EFN faziam a
ligação até a cidade de Jequié no Sudoeste do Estado num percurso
de 290 km que servia a 37 cidades do interior baiano. Este sistema
era responsável pelo abastecimento da capital, sendo despejada
diariamente na Rampa do Mercado Modelo e na Feira de Água de
Meninos uma variedade de produtos que iam dos hortifrutigranjeiros
até materiais de construção provenientes das olarias do Recôncavo.

A cidade, então, era monocêntrica, tendo seu eixo urbano


fixado na região do Comércio – na área compreendida entre o Mercado
Modelo e a Praça Conde dos Arcos, no sopé da Montanha. Era a
chamada Cidade Baixa. Ali funcionava o seu Central Business District –
CBD (Alonso,1964) composto à época pelas grandes casas atacadistas,
trapiches, exportadoras e importadoras, empresas marítimas, de
seguros e as principais instituições bancárias. A outra parte, contígua,
ficava na chamada Cidade Alta num trecho que começava na Praça
Castro Alves e terminava na Praça da Sé. Ali se localizava o centro
político, administrativo e religioso; as casas comerciais do varejo de
luxo (Rua Chile) restaurantes, teatros, cabarés, cinemas e hotéis de
luxo como o Palace e o Meridional, este último um lindo exemplo da
arquitetura baiana de estilo moderno europeu do início do século XX.

Do Farol da Barra até a península de Itapagipe toda a cidade


voltava-se para a Bahia de Todos os Santos. A área litorânea na face
Leste que ia da Ponta do Padrão, na Barra, até Itapuã era escassamente
povoada. A Pituba, por exemplo, era uma fazenda.

Nas décadas de 1960/1970 um conjunto de fatores econômicos


e urbanísticos contribuíram para desarticular o sistema da Baia de

359
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

Todos os Santos e modificar radicalmente a estrutura urbana de


Salvador.

No plano econômico, provavelmente a consolidação do


programa rodoviário federal para o Nordeste, com a pavimentação
da BR – 116 (Rio – Bahia); BR – 101 (Litorânea) e BR – 324 (Feira de
Santana/Salvador) e que viabilizou o modelo econômico regional em
construção assegurando as condições para a redução da capacidade
ociosa do parque fabril do Sudeste com a abertura de novos mercados
tenha sido o mais importante dos fatores aqui referidos. A ligação de
Salvador ao Sudeste do País eliminou as condições de concorrência
dada a baixa competitividade das indústrias locais e tornou obsoleto o
velho sistema de transportes. A cidade da Bahia, cantada nas páginas
de Jorge Amado e de tantos outros poetas começou a perder seu
encanto e a sua magia. Os saveiros começaram a desaparecer posto
que sendo românticos não eram rentáveis. Ademais a indústria naval
de Valença/Camamu que respondia por sua manutenção e reposição
entrou em crise quando os órgãos ambientais proibiram a derrubada
das grandes árvores que forneciam a madeira, matéria prima básica
para a sua construção. A Estrada de Ferro de Nazaré – EFN (conhecida
em toda a região pelos três fonemas nordestinos É-FÊ-NÊ) que desde
a sua criação no final do Século XIX era deficitária, foi extinta pelo
Governo dominado por uma mentalidade capitalista onde o lucro tinha
primazia sobre o social. A EFN era um caso típico de empreendimento
cuja existência com o subsídio governamental se justificava, pois o
serviço que prestava democratizando o transporte de baixo custo
para milhares de pequenos agricultores18 em um território imenso
dava sentido a sua operacionalização. Basta ver o que ocorreu nas 37
cidades a quem servia depois da sua extinção. Todas, a exceção de
Santo Antônio de Jesus (que é um entroncamento rodoviário servido
pela BR 101), definharam. E Salvador perdeu um importante mercado
e fonte de abastecimento. Na medida em que esse sistema da Baia

18 Com o trem o pequeno produtor colocava a sua mercadoria nos vagões de carga e levava
pessoalmente para os mercados, sendo Salvador o mais procurado por pagar melhor. As touceiras
de Angélicas dos brejos do Jiquiriçá desciam para enfeitar os altares da Conceição da Praia ou dos
terreiros de santo. O caminhão estabeleceu um oligopsônio formado pelos poucos que podiam
comprá-lo e que, na condição de intermediário, pagava pouco ao produtor e cobrava muito do
consumidor, matando, sem saber, a sua galinha dos ovos de ouro. (SPINOLA, 2009).

360
FRAGMENTOS

de Todos os Santos e Recôncavo entrava em colapso e a economia do


Sudeste começava a penetrar em Salvador a cidade começou a voltar
sua face para o litoral do Atlântico.

Nos anos transcorridos entre as décadas de 1960 e finais


de 1970, a velha capital provincial sofreu o impacto das mudanças
ocorridas na economia nacional. As velhas fábricas têxteis da Frederico
Pontes (Boa Viagem) como a Empório Industrial do Norte e outras
menores, fecharam as portas, dispensando muita gente19 que, dadas
as condições do desemprego estrutural, foram engrossar o mercado
informal. O grande mercado grossista que dominava o Comércio
da Cidade Baixa desapareceu, deixando para trás velhos sobrados
que o Instituto do Patrimônio Histórico Nacional – IPHAN tombou e
dificultou seu ajustamento aos novos padrões arquitetônicos exigidos
pelo design moderno. Com o tempo, dado ao impasse e a queda de
braço entre o IPHAN e os proprietários, transformaram-se em ruinas,
entre as quais é emblemática a fachada em azulejo português da
antiga firma atacadista Alves & Irmãos que é fronteiriça ao Mercado
Modelo e está caindo aos pedaços.

Salvador deixou de sediar indústrias de peso significativo em


seu território a partir da década de 1970 quando haviam cerrado
suas portas as indústrias têxteis aqui localizadas e outras congêneres
que não suportaram a competição com o parque industrial do
Sudeste. O planejamento estadual localizou o Centro Industrial de
Aratu – CIA e o Complexo Petroquímico de Camaçari – Copec nos
municípios vizinhos, na RMS, reservando para a capital o papel de
cidade dormitório e provedora de serviços.

No período em análise (1960/1970) o impacto inicial de


uma política de industrialização fundamentada na construção do
CIA e COPEC na RMS, combinada com a atração de investimentos
mediante a oferta de externalidades nestes distritos industriais
atraiu para Salvador um significativo fluxo migratório. Para isto,
também contribuiu o ingresso de substanciais transferências de
recursos federais, através do BNDE, da Secretaria de Planejamento da

19 Só a Empório que operava 899 teares, demitiu 697 operários em 1973 quando encerrou as
suas atividades (SPINOLA, 2009).

361
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

Presidência da República (a fundo perdido) e do Sistema Financeiro


de Habitação (SFH/ BNH), o que ativou o mercado regional baiano,
dada a realização de um impressionante conjunto de obras de
infraestrutura física e urbano-social, de conjuntos habitacionais e da
montagem industrial, notadamente no CIA/COPEC, que expandiram
consideravelmente a criação de empregos. E, por fim, a integração
dos projetos baianos com os do Governo Federal, notadamente no
que se refere à petroquímica, o que disponibilizou financiamento
público preferencial, através do sistema de incentivos fiscais, federais
e estaduais que promoveram uma transferência considerável de
empresas da região Sudeste para a Bahia, muitas do tipo footloose
que fecharam suas portas ou retornaram às origens quando do
esgotamento do prazo do benefício concedido.

A construção do CIA e do Copec, da Caraíba Metais, do parque da


Ford/Amazon além de outros projetos de infraestrutura, aumentaram
consideravelmente o fluxo de migrantes da região Sudeste e Sul
para a Bahia, segundo o IPEA/IBGE. Salvador foi contemplado com
um número significativo desta população notadamente paulistas
e gaúchos. E foi preponderantemente recrutada uma mão de obra
qualificada para a indústria petroquímica e outros projetos industriais
de grande, médio e pequenos portes.

A influência desses “novos baianos” na cidade do Salvador


vem se fazendo sentir gradualmente, pois eles passam a formar,
com muita representatividade, uma classe média alta no circuito
superior da cidade graças ao nível educacional mais elevado e ao
poder de compra no mercado. É o que denominamos de gradativa
“paulistização” de Salvador.

Esta constitui uma hipótese de trabalho a conferir, sobretudo


quando os órgãos estaduais de informação se dispuserem a fornecer
dados mais completos sobre as migrações. É de se supor, contudo, a
partir da observação empírica, alguns sinais evidentes de mudanças
comportamentais em alguns segmentos culturais da cidade. Em
síntese a Salvador mágica, jorgeamadiana, morreu nas décadas de
1970/1980, e isto se reflete na perda de criatividade dos músicos
atuais e em muitos outros elementos da cultura local que tanto

362
FRAGMENTOS

encantava a quem vinha de fora.

Por fim, nas transformações espaciais de Salvador, destaca-se


a reforma urbana a que foi submetida a cidade nas administrações de
Antônio Carlos Magalhães quando prefeito e posteriormente no seu
primeiro governo do Estado.

A abertura das avenidas de vale (Bonocô, Ogunjá, Garibaldi)


as avenidas estruturantes como a Luís Viana Filho (Paralela), a
Magalhães Neto, a Tancredo Neves, a Juracy Magalhães Jr a Dorival
Caymmi a Antônio Carlos Magalhães e a requalificação da Octávio
Mangabeira modificaram completamente a antiga funcionalidade da
urbanização portuguesa.

Ditada por um rodoviarismo extremado, empurrou a população


pobre para a periferia exacerbando o processo de segregação social.
Com recursos do BNH ocuparam-se os grotões de terras mais baratas
e construíram-se bairros populares como Cajazeiras e Castelo Branco;
expandiram-se outros como o Pernambués e o Cabula; fizeram surgir
novos bairros verticalizados como a Pituba, o Caminho das Árvores/
Itaigara e o novo centro comandado pelo Iguatemi.

Com a construção do Centro Administrativo na Paralela a cidade


tornou-se policêntrica. Os grandes “shoppings” acabaram com o
comércio de rua e os supermercados liquidaram as feiras. Queimaram
o Mercado Modelo duas vezes até transformá-lo num “shopping” de
artesanato; queimaram a feira de Água de Meninos, só restando a
de São Joaquim que permanece com uma espada de Dâmocles sobre
a cabeça, aguardando a chegada do novo modernizador. A cidade
ganhou novo vetor de expansão na direção do litoral Norte, onde
conurba-se com o município de Lauro de Freitas e Simões Filho e
segue expandindo-se na direção dos litorais de Camaçari e Mata de
São João. Firmaram-se os dois vetores de expansão como vértices
abertos de um triângulo escaleno. Na direção Noroeste, margeando
a Baia de Todos os Santos a Suburbana comanda o vetor do pobres e
no sentido Nordeste, seguindo a linha do litoral atlântico a Avenida
Luís Viana Filho (Paralela) e a Estrada do Coco (Ba 099) comandam o
vetor dos ricos. Entre estes dois vetores espraia-se numa topografia
irregular um Miolo que reúne a pobreza e a classe média baixa.

363
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

Segundo Souza (2000, p. 60) é notória a ausência de grandes


equipamentos urbanos nas zonas habitacionais Oeste e Norte da
cidade, correspondendo ao Subúrbio Ferroviário e ao Miolo que, como
visto, representam as áreas de moradia da maioria da população com
predominância de rendas mais baixas.

Conclusão

Neste texto analisamos a cidade do Salvador e a sua


problemática, demonstrando que a cidade cresce e se transforma
em função da pobreza que abriga e se espalha em seu território.
Não é mais a pobreza do miserável famélico descrito no passado
por Josué de Castro e outros cientistas sociais. É o pobre subsidiado
pelos programas sociais do governo, estilo bolsa família que não
por menos conferiu 70% dos votos à candidata do Governo nas
eleições presidenciais de 2014. É um pobre que não passa fome,
está na faixa da segurança alimentar, mas não produz. Constitui
sempre uma carga e não agrega valor econômico ou social à cidade
que o sustenta. Engrossa as fileiras do crime organizado, do tráfico
de drogas que seduz com ganhos rápidos uma juventude ávida de
adquirir os bens de grife tentadoramente expostos nas vitrines de
um capitalismo permanentemente em busca do lucro. Quando “são
do bem” ingressam no mercado informal onde são manipulados por
comerciantes que neles encontram uma forma de ampliar as suas
vendas livres

dos impostos. Não é por menos que Salvador é a capital do


desemprego no País e corre célere para reproduzir o modelo de Lagos,
capital da Nigéria, no que tem de pior.

As pesquisadoras Ângela Maria de Carvalho Borges e Inaiá


Moreira de Carvalho apresentaram em 2012 resultados de um estudo
do INCT Observatório das Metrópoles sobre a relação entre segregação
sócio espacial e o mercado de trabalho, com base na experiência
de Salvador. Demonstraram que em 2010 persistiam aqui uma alta
taxa de desemprego (13%) e grandes contingentes de pessoas na

364
FRAGMENTOS

informalidade (17,6% empregados sem carteira; 18,7% conta própria


e 1,1% não remunerados) – indicadores que confirmam um mercado
de trabalho marcado pela pobreza da maior parte das ocupações que
gera. Segundo elas:

Trata-se de indicadores de um mercado de trabalho


marcado pela pobreza da maior parte das ocupações
que gera e, que por isso mesmo, se constitui em um
dos principais mecanismos de reprodução da pobreza
e da desigualdade no município da capital (...) forte
participação das atividades de Serviços e do Comércio
na ocupação total (82,7%), com os Serviços Domésticos
respondendo, isoladamente, por cerca de 9,1% desse
total. Finalmente, as ocupações mais bem remuneradas
são em número bastante reduzido - apenas 6,4% dos
ocupados alcançava a classe de rendimento de 10 ou
mais salários mínimos considerando a soma de todos
os trabalhos – encontrando-se a maioria (68,9%)
na faixa de até 2 salários mínimos de rendimento
mensal sendo que 39,4% ganhava, no máximo, até
um salário mínimo.(Grifo nosso) (2012, p.5).

A segregação social na forma espacial como hoje se manifesta


teve origem na década de 1970 com as intervenções urbanas então
processadas e que mudaram o estilo de vida da velha capital baiana.

Como bem definiu Sampaio (1999, p.228), foi como o capital


imobiliário encontrou o campo fértil necessário aos seus negócios: “a
malha expandida, com extensas áreas de terras vazias próximas às vias
e a legislação urbanística flexibilizada no sentido horizontal e vertical,
implodindo a velha forma-urbana de característica mononuclear
herdada do século XIX”.

O antigo entreposto comercial ancorado em seu cais de


pedra fixado no porto seguro da Baia de Todos Santos passa a ser
concebido segundo um partido rádio concêntrico onde ao seu
“casco antigo” como, cabeça do sistema, é reservada uma função
turística deslocando-se para um novo-centro [no eixo Cabula-CAB/

365
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

Iguatemi-Rodoviária-Tancredo Neves] as funções de governo e de


CBD20 da cidade.

Ao promover uma infra-estrutura fora do território de


Salvador, criando um complexo de externalidades industriais (CIA/
COPEC) de modo a atrair capitais e investidores de fora da região,
se remodelou a cidade destinando-a as funções básicas de área de
preservação do patrimônio histórico, paisagístico e cultural com
ênfase para o turismo, ao papel de dormitório e prestadora de
serviços21.

Assim, segundo Sampaio (1998, p.229), Salvador passa


a ser condicionada por fatores externos ao seu território político
administrativo. “As novas vias arteriais e regional levarão a cidade-real
a se expandir, não exatamente como a cidade-ideal desenhada por
Sergio Bernardes, mas numa configuração outra – descentralizada
em que o sprawl da metropolização é a tônica da forma-urbana
polinuclear.”

Porem ao considerar o tipo de ocupação que ocorreu em


sua periferia, onde a dominante foi a população de baixa renda
e precário nível instrucional, o que se assistiu foi a disseminação
de “centros de subsistência” dotados de bens centrais de alcance
limitado e threshold22 reduzido sem maior poder de polarização.

Salvador ficou pobre e atraiu mais pobres consolidando-se


numa posição de metrópole de baixa renda.

20 Central Business District (ALONSO,1964).


21 Serviços típicos dos oferecidos nos circuitos inferiores da economia, a quem se refere Santos
(1958).
22 É o mercado mínimo (população ou renda) necessário para efetivar a venda de um bem ou
serviço particular.

366
FRAGMENTOS

Referências.

ACCIOLI, I. Memórias históricas e políticas da província da Bahia.


Salvador: Imprensa Oficial, 1919.

ALONSO, William. Location and land use: toward a general theory of land
rent. Boston: Harvard University Press, 1964.

AMARAL, B. H. do. História da Independência da Bahia. Salvador:


Progresso, 1957.

ARAU, Juan Hortalá. In ISARD, Walter. Metodos de Analisis Regional.


Barcelona: Ariel, 1971.

BLAUG, M. Teoría económica en retrospección. México (DF): FCE, 1985.,

BORGES, Angela Maria de Carvalho. CARVALHO, Inaiá Moreira de.


Segregação Urbana e Emprego: observações preliminares sobre Salvador.
Trabalho apresentado no XVIII Encontro Nacional de Estudos Populacionais,
ABEP, realizado em Águas de

Lindóia/SP – Brasil, de 19 a 23 de novembro de 2012

BOXER, Charles R. A Idade de Ouro do Brasil: dores de crescimento de


uma sociedade colonial. Trad. Nair de Lacerda. 3. ed. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 2000.

BRAUDEL, F. Civilisation matérielle, économie et capitalisme, XVe-


XVIII siècle - 3 vols. Lisboa: Teorema, 1979.
e

BUENO, Eduardo. A Coroa, a Cruz e a Espada - Coleção Terra Brasilis. São


Paulo: Objetiva, 2006.

CACCIAMALI, Maria Cristina. Expansão do mercado de trabalho não


regulamentado e setor informal. Estudos Econômicos, São Paulo, V.19,
número especial, 1989, p25-48.

CANTILLON, Richard. Essai sur la nature du commerce en générale. Paris,


França. Fletcher Gyles.1755.

CHRISTALLER, Walter. Central places in Southern Germany. Englewood


Cliffs: Prentice-Hall, 1966.

367
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

CORAGGIO, J. L. Desarrollo humano, Economia popular y Educación.


Buenos Aires: REI. 2008.

CORRÊA, Roberto Lobato. Estudos sobre rede urbana. Rio de Janeiro:


Bertrand Brasil, 2006

COSTA LIMA, Vivaldo. A Família de Santo nos Candomblés Jeje-Nagôs da


Bahia, Bahia, 1977.

COSTA, L.C. Registro de uma vivência. São Paulo: Empresa das Artes, 1995.

COUTINHO, Mauricio Chalfin. Espaço e economia no Sistema de Cantillon.


Nova Economia Belo Horizonte 15 (1) 97-116 janeiro-abril de 2005

CRUZ, Rossine; SPINOLA, Noelio. Evolução do Perfil da Distribuição de Renda


em Salvador. Revista de Desenvolvimento Econômico – RDE. Salvador,
2002. Ano IV • Nº 6 • Julho.

GALLAGHER, Eugene V. Introduction to New and Alternative Religions in


America [Five Volumes], New York: Greenwood Publishing Group, 2006.

HASSENPFLUG, Dieter. Sobre centralidade urbana. Arquitextos 085.00 ano


08, jun. 2007.

IBGE, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – Censo Demográfico.


Rio de Janeiro: IBGE, 2011.

IBGE, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – Cidades. Rio de Janeiro:


IBGE, 2010.

IBGE, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Regiões de Influência


das Cidades 1957 . Rio de Janeiro: IBGE, 1958.

IBGE, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Regiões de Influência


das Cidades 2007 . Rio de Janeiro: IBGE, 2008.

LAJUGIE, Joseph. LACOUR, Claude. DELFAUD, Pierre. Espace régional et


aménagement du territoire. Paris: Dalloz, 1985.

LÖSCHE, August. The Economics of Location. New Haven: Yale University


Press, 1954, (1940).

MACHADO, Taisa Manuela Bonfim. Ancestralidade em Salvador-Bahia.

368
FRAGMENTOS

Salvador. Fundação Osvaldo Cruz. 2008

MATOSO, Kátia. Bahia a cidade do Salvador e seu Mercado no Século XX.


São Paulo: Hucitec, 1978.

OHLIN, Bertil. Comercio interregional e internacional (1933). Versión


castellana. Barcelona: Ed. Oikos: 1971.

PONSARD, Claude. Histoire des théories économiques spatiales. Paris,


França. A. Colin. 1958.

REGINA, Maria; FERNANDES, Rosali. A Segregação Residencial em Salvador


no Contexto do Miolo da Cidade. João Pessoa, PB. Cadernos do Logepa -
vol. 4, n. 1, p.39-46, 2005.

ROBBINS, L. A History of Economic Thought. Princeton: Princeton University


Press, 1998.

SAMPAIO, Antonio Heliodório Lima. Formas urbanas: cidade real & cidade
ideal contribuição ao estudo urbanístico de Salvador. Salvador: Quarteto
Editora/PPG/AU, Faculdade de Arquitetura da UFBa.,1999.

SAMPAIO, Consuelo Novais. 50 anos de urbanização: Salvador da Bahia no


Século XIX. Rio de Janeiro: Versal, 2005.

SANTOS, Jânio. A reestruturação da cidade de Salvador: Conflitos e interesses


na lógica da centralidade urbana. GeoTextos, vol. 6, n. 1, jul. 2010.

SANTOS, M. KAYSER, B. Espace et villes du Tiers Monde , Revue Tiers Monde,


tome XII, n°45, p. 7-13 .1971.

SANTOS, Milton. Zonas de influência comercial no Estado da Bahia.


Salvador: Progresso/UFBA, 1958

SANTOS, Milton. O espaço dividido: os dois circuitos da economia urbana


dos países subdesenvolvidos. Rio de Janeiro: Francisco Alves. 1959.

SCHUMPETER, Joseph A. História da Análise Econômica. [1959]. 1° v. Rio


de Janeiro: Fundo de Cultura, 1964, p.114-118.

SINGER, Paul. Economia Política da Urbanização. São Paulo: Contexto.


1998.

369
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

SOARES, Antônio Mateus de Carvalho. Salvador: Pobreza, Figurações e


Territórios. Anais do XIII Congresso Brasileiro de Sociologia – Desigualdade,
Diferença e Reconhecimento – Campus UFPE – Recife-PE, 2007.

SOUZA, Celina. O Projeto Amazon e seus impactos na RMS. Salvador:


Seplantec/SPE, novembro de 2000.

SPÍNOLA, Noelio Dantaslé. Economia cultural de Salvador. Salvador:


Unifacs. 2003.

SPÍNOLA, Noelio Dantaslé. A influência africana na Economia Cultural


Baiana. Lisboa: Cadernos de Estudos Africanos – CEA n. 23 jan.-jun. 2012.

SPÍNOLA, Noelio Dantaslé. Réquiem para a cultura popular: Anais do IX


Encontro Nacional da Associação Brasileira de Estudos Regionais e Urbanos.
Natal, Rio Grande do Norte. 2011.

SPOSITO, Maria Encarnação B. A produção do espaço urbano: agentes e


processos, escalas e desafios. (Org.). São Paulo: Contexto, 2011.

STALEY, E; MORSE, R. Industrialização e Desenvolvimento. São Paulo:


Atlas. 1971.

VIANNA FILHO, Luiz. O negro na Bahia. Rio de Janeiro: José Olympio Editora.
1946.

WIKIPÉDIA - Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (2010).


Perfil do município de Salvador - BA Atlas do Desenvolvimento Humano no
Brasil 2013.

370
FRAGMENTOS

ARTIGO

CENÁRIO
DO TEATRO
BAIANO

10
371
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

372
FRAGMENTOS

Cenário do Teatro Baiano

Noelio Dantaslé Spinola1

Resumo
Este texto, propõe-se delinear um quadro da construção do teatro
baiano. Narra a sua trajetória, as políticas culturais que conduziram
aos seus períodos de apogeu e de sombra, partindo do século XVI seu
marco fundador, até os dias atuais, quando abalado pela competição
do cinema e da televisão passa a sobreviver pelos extremos, procurado
pelas elites de um lado e utilizado como “pièce de resisténce” de
movimentos populares por outro. As possibilidades de análise da teia
que envolve essa faceta da cultura baiana processaram-se através
de uma metodologia que contemplou pesquisas bibliográficas,
documentais e imagéticas, elaborada a partir de material já publicado,
constituído principalmente de livros, artigos de periódicos e acervos
disponibilizados na Internet, que permitiram a fundamentação teórica
e um breve mapeamento fotográfico, compreendendo a identificação
das edificações destinadas à arte dramatúrgica no período estudado.
O trabalho conclui com a observação de que apesar de um pequeno
avanço, viver do labor cênico ainda é uma atividade difícil, com poucas
perspectivas de mudança em um futuro próximo, que amenizem os
efeitos da principal contradição da economia baiana: arte rica, ator
pobre.

Palavras-chave: economia cultural, teatro baiano, artes cênicas,


história do teatro

1 Pós-doutor em Ciências Sociais - Universidade Nova de Lisboa. Doutor em Geografia -


Universidade de Barcelona. Professor Titular do PPDRU - UNIFACS.

373
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

BAHIA THEATRE SCENE

Abstract
This text proposes to outline a framework of construction of the
Bahian theater. Narrates its history, cultural policies that led to their
periods of peak and shade, starting from the sixteenth century its mark
founding until the present day, when shaken by competition from
film and television starts to survive by seeking extreme by elites one
side and used as a "pièce de resistence" of popular movements on the
other. The analysis possibilities of the web surrounding this aspect of
Bahian culture sued if through a methodology that included literature
searches, documentary and imagery, drawn from already published
material, consisting mainly of books, journal articles and archives
available on the Internet that allowed the theoretical foundation
and a brief photographic mapping, including the identification of
buildings for the dramaturgical art during the study period. The work
concludes with the observation that despite a small advance, to live
the scenic work yet and a herculean activity, with few prospects for
change in the near future, that mitigate the effects of the principal
contradiction of the Bahian economy: rich art, poor actor.

Keywords: Cultural economy, theater in Bahia, performing arts,


theater history.

ESCENARIO DEL TEATRO BAIANO

Este texto propone esbozar un marco de construcción del teatro de


Bahía. Narra su historia, las políticas culturales que llevaron a sus
períodos de pico y la sombra, a partir del siglo XVI su huella fundación
hasta el día de hoy, cuando es sacudida por la competencia de cine y
televisión deberá sobrevivir al extremo, buscado por las élites en un
lado y se utiliza como "pieza de resistencia" movimientos populares
otros. Las posibilidades de análisis de la web en torno a este aspecto
de la cultura bahiana demandado si a través de una metodología que

374
FRAGMENTOS

incluye búsquedas bibliográficas, documentales e imágenes extraídos


de material ya publicado, que consisten principalmente de libros,
artículos de revistas y archivos disponibles en Internet que permitió
la base teórica y una breve cartografía fotográfica, incluyendo la
identificación de los edificios para el arte dramático durante el
período de estudio. El trabajo concluye con la observación de que a
pesar de un pequeño avance, para vivir la obra escénica es todavía
una actividad difícil, con pocas perspectivas de cambio en un futuro
próximo, que mitiguen los efectos de la contradicción principal de la
economía de Bahía: el arte rico, el actor pobre.

Palabras clave: economía cultural, teatro de Bahía, artes escénicas,


la historia del teatro

JEL: .L82; Z1; Z11; Z12; Z13; Z18; Z32

O todo sem a parte não é todo.


A parte sem o todo não é parte,
Mas se a parte o faz todo, sendo parte,
Não se diga, que é parte, sendo todo.

Gregório de Matos

375
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

376
FRAGMENTOS

1. Introdução

Dizia Shakespeare que “a finalidade de representar, tanto no


princípio quanto agora, era e é a de oferecer um espelho à natureza;
mostrar à virtude seus próprios traços, à infâmia sua própria imagem,
e dar à própria época sua forma e aparência". (HAMLET, Ato III, Cena II).

A história da humanidade registra em suas páginas a


presença do teatro que sempre constituiu um eficaz instrumento de
comunicação e de crítica social através da qual o homem sempre
expressou sentimentos, contou histórias, louvou seus deuses e
protetores e praticou diferentes modalidades de reprovação que iam
do irreverente e burlesco à sátira ou ao drama mais refinados.

São incertas as origens do teatro que provavelmente é fruto


da curiosidade e da necessidade humana de comunicar aos seus
semelhantes os seus sentimentos de aprovação ou reprovação e
de ilustrar suas observações como demonstraram os homens das
cavernas.

A despeito de contemplar em suas atividades todas as classes


sociais tendo ao longo da sua evolução histórica ascendido das
classes populares para a aristocracia e burguesia o teatro nunca foi
uma atividade rentável.

Esta peculiaridade ditada pela microeconomia num regime de


livre mercado dita a permanente dependência do teatro em relação
aos patrocinadores, notadamente os governos.

Nesta circunstância dependem os teatros de um mercado


de grande volume de pagantes e elevado poder aquisitivo (uma
Broadway, por exemplo) que assegure a manutenção das peças em
cartaz por períodos de anos de exibição onde se possa amortizar os
investimentos demandados e compensar a chamada “enfermidade
dos custos de Baumol”.

A concorrência que se lhe impõem o cinema e a televisão


dita-lhe um processo de elitização que reduz a sua capacidade de

377
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

concorrer no mercado popular e sobretudo nas regiões mais pobres


como a Bahia.

Este documento representa uma introdução à história do teatro


na Bahia que sabe- se marcada pelo esforço muitas vezes inglório
de uma intelligentsia que desde os tempos de Gregório de Mattos
nunca fez liga com as suas potenciais fontes de financiamento. Não
pretende, pela vastidão do tema, esgotar o assunto, apenas destacar
alguns aspectos concernentes ao teatro na Bahia.

O artigo está organizado em partes que descrevem a evolução


histórica do teatro no Brasil com destaque para a Bahia até o século
XX. O espaço não permitiu que se detalhasse todas as peças teatrais e
movimentos que agitaram o mundo artístico baiano nestes 451 anos
de história o que é realizado com competência por RUY, Affonso.
História do Teatro na Bahia: Séculos XVI-XX; FRANCO, Aninha. O
teatro na Bahia através da Imprensa Século XX e BOCCANERA JUNIOR,
Sílio. O Theatro na Bahia: livro do centenário (1812,1912).

Como já assinalado utilizou-se uma metodologia que


contemplou pesquisas documentais, bibliográficas, e imagéticas,
elaboradas a partir de material de fonte secundário publicado,
constituído principalmente de livros, artigos de periódicos e acervos
disponibilizados na Internet, que permitiram a fundamentação teórica
e um breve mapeamento fotográfico, compreendendo a identificação
das edificações destinadas à arte dramatúrgica no período estudado.
A internet alarga as possibilidades de cruzar informações, de
maneira que oportuniza ao pesquisador dividir e trocar dados com a
inteligência coletiva (LEVY, 1998).

Salienta-se, todavia, que tanto a dificuldade em localizar


documentação histórica quanto a quase incipiente produção
teatral baiana, em especial no período anterior a década de 1970,
configuraram-se como fatores limitadores desta pesquisa, Espaço este
que fica em aberto, convidando a futuros estudos complementares.

378
FRAGMENTOS

2. Os primórdios, século XVI

O teatro baiano e por consequência o brasileiro nasceu de uma


autêntica transmissão cultural portuguesa efetuada pelos colonos
que representavam nas igrejas, à moda portuguesa, os seus autos
arranjados ali mesmo ou mais provavelmente trazidos de Portugal
sob a influência predominante de Gil Vicente (SERAFIM LEITE, p.599).

Segundo Moura (2000, p.5) o Teatro chegou ao Brasil (Bahia)


a bordo dos navios portugueses, encenados pelos tripulantes. Eram
peças de “cordel”2 adquiridas por passageiros e tripulantes que com
elas desembarcavam na colônia, prontas para representá-las.

A mais antiga notícia de representação a bordo encontrada


por Mário Martins SJ é datada de 1574, mas ele observa:

"Antes desta data, já havia, talvez, teatro nos barcos


que dobravam o Cabo da Boa Esperança. Mas a
primeira notícia de que nos recordamos vem-nos de
Baçaim, a 28 de novembro de 157 4, numa carta do
Pe. Bartolomeu Vallone, S.J., a relatar a sua viagem de
Lisboa para a Índia” (MARTINS,1973).

Pesquisando na História Trágico-Marítima e na coleção


Documenta Indica foram encontradas notícias de representações a
bordo em datas anteriores: 1560, na nau S. Paulo, 1561 na nau S.
Filipe, e 1563, também na S. Filipe. Concluindo-se, também, que, na
armada de Pedro Álvares Cabral, vinha, pelo menos, um cômico.

Os padres Jesuítas no seu processo de catequese escreveram


no Brasil as primeiras peças conhecidas e deram à arte dramática,
na colônia nascente, o primeiro desenvolvimento e arranco. Eles
descobriram que nas tribos brasileiras uma vocação natural para a
música, a dança e a oratória. Ou seja: tendências positivas para o
desenvolvimento do teatro, que passou a ser usado como instrumento
2 O teatro de cordel era assim chamado porque as peças eram impressas em folhetos que
ficavam expostos pendurados em cordéis ou folhas volantes. (MOURA, 2000, p.5).

379
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

de "civilização" e de educação religiosa, além de diversão. O teatro,


pelo "fascínio" da imagem representativa, era muito mais eficaz do
que um sermão, pôr exemplo. Isto ocorreu exatamente nos dois
primeiros séculos da nossa história, pois na metade do século XVIII
foi Companhia de Jesus expulsa dos domínios de Portugal.

Segundo Moura (2000, p.15) o início se deu com a encenação


do Auto de Santiago na Aldeia de Santiago,3 na Bahia de Todos os
Santos, em 25 de julho de 1564. As peças eram escritas em tupi,
português ou espanhol (isso se deu até 1584, quando então "chegou"
o latim)4. Nelas, os personagens eram santos, demônios, reis ou
imperadores e, pôr vezes, representavam apenas simbolismos, como
o Amor ou o Temor a Deus. Com a catequese, o teatro acabou se
tornando matéria obrigatória para os estudantes da área de Humanas,
nos colégios da Companhia de Jesus. No entanto, os personagens
femininos eram proibidos (com exceção das Santas), para se evitar a
excitação sexual dos jovens. Os atores, nessa época, eram os índios
domesticados, os futuros padres, os brancos e os mamelucos. Todos
amadores, que atuavam de improviso nas peças apresentadas nas
Igrejas, nas praças, nos colégios e nas aldeias. No que diz respeito
aos autores, o nome de mais destaque da época é o do Padre (e
hoje Santo) José de Anchieta. É dele a autoria do Auto de Pregação
Universal, escrito entre 1567 e 1570, e representado em diversos
locais do Brasil, por vários anos.

Outro auto de Anchieta é a festa de São Lourenço, também


conhecido como Mistério de Jesus. Os autos sacramentais, que
continham caráter dramático, eram preferidos às comédias e tragédias,
porque eram neles que estavam impregnadas as características da
catequese. Eles tinham sempre um fundo religioso, moral e didático,
e eram repletos de personagens alegóricos.

Além dos autos, outros "estilos teatrais" introduzidos pelos


Jesuítas foram o presépio, que passou a ser incorporado nas festas
folclóricas, e os pastoris5.

3 A aldeia foi construída pelos Jesuítas, ficava a quatro léguas de Salvador e teve vida precária.
4 A despeito da vigilância da Igreja, muitas peças continuaram a ser encenadas em português.
5 Os pastoris eram representações dramáticas realizadas entre o dia do Natal e o de Reis,

380
FRAGMENTOS

Não obstante a maior obra dos jesuítas no plano da transmissão


da cultura portuguesa para o Brasil foi o Dicionário Tupy Guarany
publicado pelo Padre José de Anchieta em 1595 com o título Arte
de Gramática da Língua Mais Falada na Costa do Brasil que traduziu
o Tupy para o português, assim possibilitando a comunicação e a
transmissão de cultura através do teatro. Falava-se também à época o
nheengatu também conhecido segundo o Dicionarioportugues.org/
pt/ como nhengatu, nhangatu, inhangatu, língua geral amazônica,
língua brasílica, tupi, língua geral. O nenhengatu ou tupi moderno,
era uma língua derivada do tronco tupi. Pertencia à família linguística
tupi-guarani. O nheengatu surgiu no século XIX, como uma evolução
natural da língua geral setentrional, em um desenvolvimento paralelo
ao da língua geral paulista, que acabou se extinguindo. Até o século
XIX, foi veículo da catequese e da ação social e política luso-brasileira
na Amazônia, sendo mais falada que o português no Amazonas e no
Pará até 1877. Atualmente, segundo o IBGE, continua a ser falado por
aproximadamente 28 000 pessoas na região do vale do Rio Negro,
em São Gabriel da Cachoeira.

Complementando os registros do século XVI, Afonso Ruy


(1959, p.18) relata na sua História do Teatro na Bahia que através das
cartas e relatórios anuais da Companhia de Jesus, além do "Auto de
Santiago", encerrado em 1564, as seguintes representações, foram
promovidas, na sua totalidade, pelos inacianos e interpretadas pelos
meninos do Colégio do Terreiro de Jesus:

1581 - Tragicomédia - no dia da trasladação das relíquias das


onze mil virgens.

1583 - Auto das 11. 000 virgens em regozijo da chegada dos


padres Cristóvão de Gouveia e Fernão Cardim, trazendo uma cabeça
das 11.000 virgens (aliás o terceiro crânio), "com outras relíquias
engastadas em um meio corpo de prata, peça rica e bem acabada",
segundo o próprio Fernão Cardim.6

constituídas por várias cenas que incluíam partes declamadas, cantos e danças relacionados
com os costumes pastoris.
6 Refere-se ao culto de Santa Úrsula, princesa britânica degolada em Colônia na Alemanha por
Atila o rei dos Hunos.

381
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

1583 - Auto pastoril - encenado na Aldeia do Espírito


Santo (Abrantes), em 2 de julho, quando da primeira visita do Pe.
Cristóvão de Gouveia, tendo como figurantes os índios cristianizados,
representando em português.

1584 - Diálogo pastoril - Ainda na Aldeia do Espírito Santo, ao


ar livre, sob frondosa ramagem, tendo como intérpretes os próprios
catecúmenos, representando em tupi, castelhano e português.

1584 - Auto das 11.000 virgem - Montado em 21 de outubro,


com enredo, falas e cantos diversos do exibido em 1585.

Tratava-se de teatro na sua mais legítima, primitiva e pura


expressão. E além de tudo falado em português.

Cabe então a certeza de que o teatro através dos autos e


outras encenações semelhantes, cumpriu a missão de instrumento
transmissor da cultura portuguesa. Transcorridos quatro séculos da
sua instalação no país também cabe fazer um balanço da sua atuação
e da sua contribuição para o nosso desenvolvimento cultural, além
de tentar responder a uma questão permanente: qual o futuro do
teatro? é possível sobreviver da atividade teatral?

Tornou-se costume em várias culturas montar um presépio


quando é chegada a época de Natal. Variavam em tamanho, alguns
em miniatura, outros em tamanho real.

3. Cenário do Teatro nos séculos XVII e XVIII

Conforme descreve Araújo (1978, p.137) no século XVII


decresceram as atividades teatrais do jesuítas com as determinações
da ordem no sentido de que somente se encenassem as peças em
Latim, não em todo obedecidas. Ademais a emergência da catequese
não era mais a prioridade da ordem que se voltava na defesa dos
indios contra a escravidão. Surge então o teatro barroco como
atividade profana na qual desponta com destaque o poeta Gregório
de Matos e Guerra com a mistura dos estilos com características

382
FRAGMENTOS

opostas, tais como o erudito versus o popular, o trágico versus o


cômico, assim como a encenação de personagens marcados por
características antagônicas, o que constitui a fonte que alimenta
a sua poética que assim o credencia como um dos grandes poetas
barrocos. A respeito da sua obra não foi fácil assumir uma perspectiva
na análise da obra movediça do escritor baiano. Tem-se a impressão
de às vezes, ter entrado em um labirinto ou no meio de uma comédia
barroca repleta de falas, ecos e mal-entendidos - um teatro dentro
do teatro. Outro vulto foi Manoel Botelho de Oliveira considerado
o primeiro comediógrafo brasileiro A sua primeira obra impressa foi
Mal Amigo, escrita em 1663 e publicada em Coimbra. A principal obra
é a coletânea de poemas Música do Parnaso, reunindo poemas em
português, castelhano, italiano e latim e duas comédias em espanhol,
Hay amigo para amigo e Amor e Engaños y elos. Escrita em 1705 e
publicada em Lisboa, tornou-o o primeiro autor nascido no Brasil a
ter um livro impresso.

Na obra, destaca-se o poema À Ilha de Maré, com vocabulário


típico dos barrocos, e um dos primeiros a louvar a terra e
descrever com esmero a variedade de frutos e legumes brasileiros,
lembrando sempre a inveja que fariam às metrópoles europeias
É neste poema que pela primeira vez que aparece na poesia uma
descrição da natureza tropical, com seus pescados, suas frutas, seus
legumes.

Outro autor foi Cláudio Manoel da Costa, considerado o


introdutor do neoclassicismo no Brasil e participante da Inconfidência
Mineira. Ele escreveu sob o pseudônimo Glauceste Satúrnio, e seu
trabalho mais famoso é o poema épico Vila Rica, que conta a história
da cidade de mesmo nome, hoje chamada de Preto, o período
colonial representa “um vazio de dois séculos”, como observa Sábato
Magaldi.

Essa situação resulta não só da escassa documentação


bibliográfica, como também das modificações sociais porque passava
então o Brasil. Tal panorama prolonga- se até meados do século XVIII,
quando, com Antônio José da Silva, o judeu, abrem- se perspectivas
dramatúrgicas de certo vulto. Contudo, elas refletem interesses e

383
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

ambições antes portugueses que brasileiros, pois Antônio José se


educou em Portugal, alienando- se por completo dos problemas
culturais de sua terra de origem. Em suas peças, influenciadas pelo
teatro francês e italiano, já se podem observar virtudes psicológicas
e certo humor.

Ainda enquanto Gregório de Matos talvez alguns dos seus


trabalhos pudessem ter o mesmo título da comédia de Lope da Vega,
Lo fingido verdadero, ou da de Calderón de la Barca,

En la vida todo es verdad y todo mentira. De resto, era gosto


da época realizar no palco as artes do engano e os enganos da arte...

No dizer de Araújo (1978 p.137)

A obra poética de Gregório de Matos e Guerra (c.


1633-c. 1695) revela interessantes aspectos da Bahia
do seu tempo: representações em engenhos de açúcar
do Recôncavo baiano e em irmandades religiosas
de homens de cor, na Capital. Alude o poeta a
encenações de comédias na Ilha de Cajaíba, sede de
numerosos engenhos, com a participação de pessoas
do seu círculo de amizade. Significativas sobre todas
essas informações de Gregório é a que dá conta da
apresentação de peças pelos pardos baianos na sua
Irmandade de N. Senhora do Amparo. (...) O Séc.
XVII assinalou, pois, o aparecimento do teatro como
atividade profana no Brasil, inserido em festividades
comemorativas, praxe que se intensificaria no seguinte.
Os divertimentos públicos de qualidade não
dramáticas firmados sobre costumes portugueses,
por sua vez iniciadores de formas brasileiras fizeram
o seu aparecimento em festas então promovidas
pela administração colonial. O teatro somou-se às
homenagens prestadas a D. João IV, quando da sua
aclamação, uma vez separados os reinos ibéricos. No
Rio, em abril de 1641, houve comédias como parte das
comemorações. No Recife, sob o mesmo pretexto e

384
FRAGMENTOS

no mesmo mês, apresentou-se uma obra em francês.


A estes espetáculos do mês de abril de 1641, já
mencionados pelos historiadores do teatro brasileiro,
deve-se acrescentar outro ainda não anotado, o que
se fez na Bahia às expensas dos comerciantes locais,
conforme as Atas da Câmara do período. Prontamente
os patrocinadores requereram aos vereadores isenção
dos cortejos religiosos, salvo os de Corpus Christi, e
naturalmente das suas despesas, "em razão do custo
que fizeram com as comédias que se apresentaram
nas festas del-Rei Nosso Senhor". É esta a primeira
referência a espetáculos teatrais não- religiosos na
Bahia seiscentista. Em 1662 outros se teriam realizado
para comemorar o casamento de Carlos II da Inglaterra
com a infanta portuguesa D. Catarina, como revelam
as Atas da Câmara.

Registrado está pois como se promovia a transferência


de práticas culturais portuguesas do reino para a colônia. Aqui a
sociedade e as autoridades buscavam reproduzir hábitos, costumes
e tradições da terra natal que eram logo assimiladas pelos nativos
que acrescentavam contributos próprios da sua natureza.7O teatro à
época funcionava como um transmissor da cultura como o fizeram a
seu tempo, posteriormente, o cinema e a televisão.

Afonso Ruy reporta que o documento mais antigo localizado


na Bahia sobre o teatro, datada de 23 de janeiro de 1662 e é a ata
da Câmara da Cidade do Salvador, a seguir transcrita. Nesta carta
era determinado que se fizesse um caderno onde se registrassem
os nomes dos que contribuíssem para pagamento dos artistas
que representassem nas festividades oficiais comemorativas do
casamento de Carlos II, da Inglaterra, com a infanta portuguesa D.
7 Laurentino Gomes (2007, p.94) conta que em 1808, na transmigração da família real para o
Brasil, dada a uma infestação de piolhos no navio que transportava D. Carlota Joaquina e as
damas do seu séquito, foram obrigadas a rasparem as cabeças, lava-las com óleo e jogar as
perucas fora. Num estranho cortejo desembarcaram em Salvador com as cabeças envoltas em
torços de pano. Foi o bastante para muitas baianas rasparem as cabeças e imita-las pensando
ser a nova moda de Lisboa...

385
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

Catarina: "Termo em que os oficiais da Camera elegeram para receber


o dinheiro que se tiram para as comedias que se fizerem nas festas do
casamento da senhora infanta”.

"Aos vinte tres dias do mês de Janeiro de 1662 nesta


Cidade do Salvador Bahia de todos os Santos nas casas
da Camera estando nelas os oficiais da Camera abaixo
assinados ordenaram ao procurador do Conselho
Francisco Pinto Ortigueira que em virtude da carta que o
senhor governador o capitão general Francisco Barreto
que está registrada no livro, o que toca recebesse todo
o dinheiro que se tirar para as festas do feliz casamento
da senhora Infanta com el-rei da Inglaterra, e que se
fizesse um caderno numerado e rubricado por um dos
juízes ordinários no qual lhe faça carga do dinheiro
que receber e que a despesa dele se lhe fará pelos róis
que lhe forem passados pelas pessoas que correr com
as comedias e ditas festas sendo neles assignados as
pessoas que receberam as cousas que se compraram
com que se lhe passará mandado de despesa e de
como assim o ordenaram mandarão fazer este termo
em que assinarão e eu Manoel Ribeiro de Carvalho que
escrevi. Feliciano Daraujo Soares - João de Aguiar Vilas
Boas - João Peixoto da Silva -Felipe Cardoso do Amaral
- Francisco Pinto Ortigueira"

O teatro baiano já nascia fiel às suas origens clássicas. Era


pobre e público, não cobrava ingressos. Ou era subsidiado pela
Companhia de Jesus, pelo Governo, por um Senhor de Engenho
abastado ou mediante subscrição coletiva como no exemplo citado.
Nos séculos XV e XVI se caracterizou por ser uma atividade rústica,
livre e solta dominada pelos Autos da Companhia de Jesus encenados
nas aldeias com o concurso dos indios conversos e de meninos órfãos
trazidos de Portugal para ajudar na evangelização.

Os tablados foram a forma que assumiram os palcos quando


o teatro adquiriu uma determinada maturidade na segunda metade
do século XVIII e começou a ser encenado com maior frequência.

386
FRAGMENTOS

As representações ocuparam as praças públicas e também as igrejas


ou amplos espaços disponíveis nas mansões senhoriais, engenhos de
ilustrados barões do assucar ou palácios públicos. Ainda sob a égide
da influência jesuítica o teatro àquela época incorporava uma forte
tradição educacional. Uma marca, que mesmo mudando as formas
de apresentação e os estilos, nunca deixou de manter. Como o fruto
de uma evolução natural do tablado móvel e precário e das salas
improvisadas apropriou-se o teatro de instalações fixas e permanentes
assim surgindo as Casas da Ópera ou Casas da Comédia, como
edificações que começaram a se espalhar pelo país.

No padrão de uma coisa puxa a outra os locais fixos dos


teatros estimularam o surgimento das companhias teatrais e relações
empregatícias mais estáveis e a especialização de funções. As novas
casas de espetáculos e as companhias que giravam em torno delas
asseguravam um sistema que garantia maior estabilidade para os
atores, figurinistas e elencos que eram contratados para fazer um
determinado número de apresentações nas Casas da Ópera, durante
todo o ano, em temporadas que poderiam se alongar dependendo
do sucesso e a afluência do público. Com raras exceções, os atores
eram originários das classes mais humildes e em sua maioria mulatos.
Nós séculos XVIII e XIX era grande o preconceito contra a classe
teatral chegando inclusive a ser proibida a participação de mulheres
nos elencos posto que as atrizes eram classificadas no patamar de
prostitutas. Neste caso é exemplar o drama de Chiquinha Gonzaga,
grande artista da época que sendo de família nobre amargou grandes
dissabores com o preconceito familiar. Como fora na Grécia, ainda
antes da era cristã nas origens do teatro, eram os próprios homens
que representavam os papéis femininos, passando a ser chamados
de "travestis".

Conta-nos Nelson Araujo que o repertório que


sustentou os diferentes tipos de teatro no Brasil no
século XVIII continuou marcado pela dramaturgia
espanhola, Lope de Veja, Calderón de la Barca) mas
admitiu autores como Metastásio, Moliere, Voltaire e
Maífei, por força da sua voga em Portugal, em versões
profundamente adaptadas. É de notar a reincidência

387
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

do drama religioso no âmbito dos colégios. Isto


aconteceu nas décadas iniciais, no Maranhão, onde
os jesuítas fizeram representar, em 1731, uma peça
intitulada Concórdia; no Pará, em 1739, onde se
encenou Hercules Gallicus, Religionis Vindex, do
Padre Aleixo António, e em outras partes do País. A
documentação deixa transpirar escassas informações
sobre alguns textos de origem portuguesa, como os
de "o Judeu," a tragédia Inês de Castro e entremezes,
um dos quais intitulado Saloio Cidadão todos
encenados em Cuiabá, em 1790.O pernambucano
Luís Álvares Pinto (1719-C.1789), autor de Amor Mal
Correspondido (do qual restam pequenos fragmentos),
aparece como um dos primeiros brasileiros—senão
o primeiro—a terem peças de sua autoria levadas a
palcos regulares. Sua obra foi apresentada em 1780,
em teatro construído no Recife em 1772 e existente
até 1850. A produção pernambucana, da categoria
que se poderia chamar dos "amadores," foi numerosa
e dela, com o escrúpulo de assinalar as encenações,
dá conta o cronista setecentista Domingos de Loreto
Couto (Desagravos do Brazil e Glorias de Pernambuco),
que arrolou pelo menos oito autores, com várias obras
também em castelhano. Os poetas da Inconfidência
Mineira pisaram vagamente o terreno do teatro. Deles
sobrevive apenas O Parnaso Obsequioso de Cláudio
Manuel da Costa (1729-1789), texto alegórico de
diluído valor, encenado em Vila Rica em 1768, no Rio
de Janeiro e ao que parece em mais alguns lugares.
De Alvarenga Peixoto (1744-1793), outro dos árcades
de Minas, sabe-se ter escrito um Eneias no Lácio,
cujo texto se perdeu, bem como traduzido a tragédia
Merope, de Maflei.(ARAUJO, 1977,p.18).

Segundo Ruy (1967) só em 1729 surge a primeira casa de


espetáculos do Brasil no Teatro da Câmara, que funcionava no prédio
do Senado e Câmara Municipal construído por ordem e à custa de D.

388
FRAGMENTOS

Vasco Fernandes César de Menezes, Conde de Sabugosa e Vice-Rei do


Brasil. Este teatro dado a brigas provinciais foi mandado demolir pelo
Ouvidor-Mor José dos Santos Varjão.8 Seguem-no nos séculos XVII e
XVIII os seguintes:

II - Casa da Ópera da Praia - Construído por Bernardo Calixto


Proença, por ordem da Câmara, funcionando em 1760 na região
próxima à Igreja de Nossa Senhora da Conceição da Praia. O teatro
tinha 28 camarotes, plateia e palanque para as “mulheres comuns”.

III - Casa da Ópera – Terceiro teatro público da cidade.


Localizado à Rua do Saldanha no que hoje é conhecido bairro
Pelourinho, se encontrava em pleno funcionamento em 1798, quando
da Conjuração dos Alfaiates, fazendo inclusive parte das pretensões
dos conjurados realizar ali festas em comemoração à sua vitória.
Tencionavam os conjurados, sequestrar o governador D. Fernando
José de Portugal, assíduo frequentador do Teatro.

IV - Teatro do Guadalupe - Não se sabendo a data de sua


construção, localizava-se em prédio de propriedade do capitão
João Pessoa da Silva, no local que passou a se chamar de Praça dos
Veteranos, por se reunirem ali em casa do Brigadeiro Joaquim Antônio
da Silva Carvalhal, veteranos das lutas pela Independência da Bahia.
Hoje proximidade da Casa de Angola na Bahia e do Quartel do Corpo
de Bombeiros da Baixa dos Sapateiros ou rua Dr. J.J.Seabra. O teatro
sofria a concorrência dos sapos que habitavam a vizinha rua da Vala,
os quais atraídos pela orquestra costumavam invadi-lo perturbando
as apresentações. Segundo Ruy (1959, p.85) neste teatro exibiram-
se “os notáveis musicistas baianos Damião Barbosa, José Rebouças,
Honorato Régis dando relevo a peças tais como “Labirintos de Creta”,
“Guerra do Alecrim”, Encantos de Medéia” do celebrado brasileiro
Antonio José, queimado vivo como judeu, em Lisboa numa fogueira
inquisitorial!”

8 O ouvidor que entrou em conflito com os vereadores e depois com o próprio Vice-Rei acabou
demitido do cargo.

389
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

4. Teatros nos séculos XIX E XX9

A partir de 1806, foi construído o Teatro São João, à época o


mais relevante social cultural e historicamente para a Bahia. Este teatro
foi erguido seguindo o modelo instituído pelo Marquês de Pombal
quando da reconstrução de Lisboa e pela constituição de teatros
públicos. Sua construção deu-se no governo de João de Saldanha
da Gama Melo Torres Guedes de Brito, Sexto Conde da Ponte (1805-
1809), mesmo antes de se cogitar na transferência da Corte Real para
o Brasil, em 1808, data em que começou a funcionar. Foi inaugurado
em 1812 pelo 8º Conde dos Arcos, localizava-se na atual Praça Castro
Alves no local exato onde está construído hoje o Palácio dos Esportes.

Local onde as camadas da sociedade tinham seu lazer, o


Teatro São Joao, era dividido em plateia geral, camarotes, varandas e
torrinhas. Ele tem na sua constituição, explicitamente hierarquizada a
estrutura da sociedade vigente: Apesar de ser frequentado por todas
as camadas sociais, seus ambientes foram projetados de forma tal que
diferentes camadas sociais não transitavam pelos mesmos espaços,
incluindo entradas independentes. Segundo ROBATTO, RODRIGUES
E SAMPAIO, (2003, p.9) já na sua primeira temporada (1812/1813)
o Teatro empregava uma companhia portuguesa com cerca de 16
artistas mais vários técnicos cênicos e uma orquestra com 16 músicos.

O teatro foi ponto de encontro para a representação de


valores culturais, estéticos e políticos da elite baiana, durante o
século XIX e início do XX, testemunhando um período de grandes
espetáculos teatrais e momentos históricos importantes da cidade. A
rua Chile, sua vizinha, absorveu os benefícios do teatro e se tornou
um dos point da elegância e da intelectualidade baiana. Na época
era costume os “elegantes” da cidade se deslocarem para fazerem
footing na rua Chile e tomar o “chá das cinco” bem a inglesa, no
Magazine Duas Américas, na Pastelaria Colombo, no Palace Hotel
ou na sorveteria Cubana. Apesar da iniciativa governamental, as

9 Informações compiladas de Teatros de Salvador: especial história da Bahia, disponível em


Cabine Cultural: arte, cultura, entretenimento; cinema & tv.

390
FRAGMENTOS

verbas para sua construção adviriam de um sistema de cotas, que


poderiam ser resgatadas ou transformadas em título de propriedade.
Tal empresa não conseguiu concluir a construção, que somente veio
a ocorrer através de uma loteria, tal como vinha acontecendo no Rio
de Janeiro para a construção de teatro homônimo. Foi assim que, no
governo de Marcos de Noronha e Brito, Oitavo Conde dos Arcos, o
teatro ficou finalmente pronto. Em 1923 o teatro foi destruído por
um incêndio. (BOCCANERA JUNIOR,1915, P.58).

Figura 1 - Vista panorâmica Teatro São João -1905. A direita a Rua Chile.

Fonte: <http://www.caravelas.com.pt/bahia_s_joao_2.jpg>

A capacidade do prédio era estimada em oitocentos lugares,


embora fontes registrem que dois mil espectadores pudessem estar
ali presentes. Sua localização era a mais central da capital baiana,
na época, conhecida como Largo do Teatro local em que D. João,
príncipe regente de Portugal, e sua corte foram recebidos pelos
representantes da Câmara Municipal, no dia 23 de janeiro de 1808.

391
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

O espaço, hoje conhecido como Praça Castro Alves, é um logradouro


instalado na Cidade Alta, parte central do antigo centro urbano. Foi
no São João que o poeta dos escravos conheceu a atriz portuguesa
Eugênia Câmara por quem apaixonou-se e com a qual viveu um
romance.

Figura 2 - Velha fotografia do interior do Teatro São João.

Fonte: Autor desconhecido.

Seguiram-lhe o Teatro São Pedro de Alcântara - não sendo


conhecida a data de sua construção, pode-se afiançar que já existia
em 1837, localizando-se à rua de baixo de São Bento (hoje rua Carlos
Gomes), N.º53 e 55. Aberto com uma feição popular representava a
antítese do São João que se pretendia ser da elite e da aristocracia
local.

O Teatro do Ferrão - Localizava-se à Rua do Maciel de Baixo


(hoje Gregório de Matos no Pelourinho) no Solar conhecido como
Casa do Ferrão, sem que se saiba a data da sua construção, mas

392
FRAGMENTOS

certamente estando em funcionamento em 1864.

O Ginásio Bonfim - Construído em fins de 1867, por Manuel


Rodrigues de Carvalho e Pedro Alexandrino Ribeiro Moreira, funcionou
em pequena casa situada à Baixa do Bonfim.

O Alcazar Lírico Baiano - Durante algum tempo funcionou com


este mesmo nome em salão do Hotel Brickman localizado no Campo
Grande, em 14 de Outubro de 1870, reabriu desta vez instalado no
Hotel Folleville, onde atualmente está localizado o Edifício Maçônico
na Rua Carlos Gomes.

O Teatro Mecânico - Localizado a Praça da Piedade, foi


autorizado o seu funcionamento por despacho da Câmara Municipal
em 16 de julho de 1877, sendo seus proprietários os artistas Wettman
e Cardes, ao estrear o seu primeiro espetáculo, em 31 de Outubro
do mesmo ano, apresentou um espetáculo que caiu no desagrado
do público e da imprensa, logo depois foi cassada a sua licença de
funcionamento não havendo novas apresentações.

O Politeama Baiano - Localizou-se onde em tempos


anteriores (1882) funcionava a praça de touros de Salvador que, em
1886, transformou-se em Teatro e, nos dias atuais, a sede do Instituto
Feminino da Bahia no bairro de mesmo nome, sendo inaugurado em
um simples barracão em 1883 por Luís Ferraro.

5. Teatros do Século XX

Já no início do século XX surgiu o Teatro Guarani - Localizado


na Praça Castro Alves, foi construído por concessão municipal
no terreno onde seria erguido o teatro municipal projetado pelo
intendente Júlio Viveiros Brandão em 1913. Propriedade de um
grupo privado que tinha à frente o arquiteto Filinto Santoro, foi
inaugurado em 24 de dezembro de 1919, com o nome de Kursaal
Baiano, (Cassino Baiano) tendo o seu nome mudado em 13 de Maio
de 1920, para Teatro Guarani numa referência à obra de José de
Alencar. Em 1981 após a morte de Glauber Rocha, passou a assumir

393
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

o seu nome em uma homenagem póstuma dos baianos.

O Teatro Castro Alves de concepção revolucionária à época


iniciou a sua construção no Governo de Octávio Mangabeira. Sua
sala principal foi inaugurada no dia 9 de julho de 1958 e tem
tipologia italiana com capacidade para 1.554 lugares. A boca de
cena mede 16 m x 9 m, a profundidade de palco tem 17,75 m, a
altura do urdimento (travejamento do teto e

dos sótãos que ficam em cima do palco), mede 21,86 m, o


proscênio (distância do palco até a plateia) é de 3,74 m e é curvo.
O fosso da orquestra é móvel. A Sala do Coro, inaugurada em 4 de
agosto de 1995, tem tipologia de uso múltiplo, capacidade de 200
lugares, boca de cena de 9,87 m x 5,50 m, o palco mede 13,85 m x
9,15 m e a altura do urdimento é de 4,20 m.

O teatro foi incendiado e praticamente destruído uma


semana após a sua inauguração. As obras para reerguer o que fora
destruído pelo incêndio duraram 9 anos e a inauguração finalmente
foi feita no dia 4 de março de 1967. Três anos após a inauguração
o teatro foi fechado para reformas e manutenção do palco principal
e da concha acústica. Em 1992 outra grande reforma foi feita no
teatro que ganhou nova arquitetura e decoração. O número de
poltronas da plateia foi reduzido para permitir a instalação de
uma mesa de luz computadorizada e foram eliminadas as frisas
e camarotes e criados 6 novos camarins, sala de camareira e de
maquiagem e aberto o café-teatro. A reinauguração foi em 22 de
julho de 1993. A sala de coro após ser fechada por 11 anos foi
reaberta em 1995. Hoje, o Teatro Castro Alves mantém o Balé Castro
Alves e a Orquestra Sinfônica da Bahia.

394
FRAGMENTOS

Figura 3 - Teatro Castro Alves.

Fonte: www google.com

O Teatro Gamboa Nova iniciou suas apresentações em 13


de junho de 1974, com o espetáculo No Mundo do Faz de Conta.
A história do teatro pode ser contada por meio dos espetáculos
encenados e dos artistas que passaram pelo seu palco. Apresentaram–
se no Gamboa Nova, Álvaro Guimarães (As Criadas), Nonato Freire
(Spiritvalisom), Rita Assemany (Oficina Condessada), Marcio Meirelles,
Fernando Guerreiro e Zizi Possi entre outros. Em julho de 2007, o
espaço iniciou uma nova fase. Assim, o espaço cultural passou a se
manter na categoria de “teatro transgressor”, sendo um local de
esquerda que oferece programação diversificada e acesso a preços
populares.

Teatro Jorge Amado. Em 9 de Agosto de 1997 o Curso de

395
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

Inglês UEC entregou à Cidade da Bahia dois espaços para realização


de eventos artístico culturais: o Teatro Jorge Amado e o Espaço
Calazans Neto. O primeiro, um teatro completo, construído com as
condições para abrigar as mais diversas linguagens artísticas, eventos
educacionais, culturais e festivos. O segundo, o foyer do teatro, um
espaço para mostras de artes plásticas e lançamento de livros. Com
o desaparecimento do seu mantenedor o Teatro entrou em crise e
quase que é extinto. Foi salvo pelo Governo do Estado e a Desenbahia
e hoje compartilha seu espaço com o Tribunal de Justiça da Bahia.
Ao longo da sua existência o teatro produziu 4.450 apresentações
(realizadas de 1997 a 2012), para um público estimado em1.250.000
pessoas.

Teatro Martim Gonçalves em 1958 foi inaugurado o Teatro


Santo Antônio (no aniversário de 40 anos da Escola de Teatro da UFBa
este foi rebatizado para Teatro Martim Gonçalves), fazendo parte
do complexo arquitetônico do casarão. Na época, este teatro era
uma construção provisória para que futuramente fosse realizada a
construção definitiva. Em 2008, o antigo Teatro Santo Antônio (atual
Teatro Martim Gonçalves) foi reinaugurado em 01 de outubro de
2007, tendo como base a concepção inicial de palco italiano, com
plena caixa cênica que permite aos estudantes e professores uma
infraestrutura física para ensino e produções teatrais em condições
compatíveis com as necessidades de uma Escola de Teatro que é
referência nacional e que tem no teatro seu principal laboratório de
ensino, pesquisa e extensão.

Teatro Módulo inaugurado em 1997, possui palco italiano,


varas móveis e pé direito com mais de 10m.Comporta 418 lugares
em duas plateias: térrea e balcão. No foyer, o Espaço Calazans Neto
recebe exposições de artes visuais.

Teatro Vila Velha oriundo do trabalho cultural e revolucionário


do Teatro dos Novos surgido de uma rebelião estudantil em 1959 que
levou o Governo do Estado a ceder, a título precário, um espaço no
Passeio Público, atrás do Palácio da Aclamação para a construção da
sua sede. Assim, em 1964, no dia 31 de julho, depois de uma maratona
em busca de financiamentos para aquele projeto é inaugurado o

396
FRAGMENTOS

Teatro Vila Velha. A partir de dezembro de 1995, o teatro passou a ser


inteiramente reconstruído, restando de pé, do velho prédio, apenas
uma parede e meia. Mas do projeto original o teatro conservou
intacto e renovado o espírito. Nesta nova fase do Teatro Vila Velha
– o Novo Vila – outros grupos passaram a residir na casa: a partir de
1998, a Companhia Viladança, em 2001, a Companhia Novos Novos
e o Grupo Vilavox e em 2004, A Outra Companhia de Teatro.

Conta Roriz (2016) que o cine Teatro Jandaia foi criado


inicialmente de forma modesta, com cobertura de zinco, O Jandaia
foi inaugurado em 09 de março de 1911 exibindo filmes mudos.
“Me recordo que para imitar o som do trovão ou das tempestades
um homem sacudia uma folha de zinco e por trás da tela. Tinha
uma pequena orquestra que fazia música de fundo e tocava nos
intervalos”, lembra Everaldo Santos, funcionário aposentado dos
Correios e antigo frequentador do cinema.

Em 03 de julho de 1931, após o proprietário Milton Oliveira


comprar duas casas ao lado para ampliação, o cinema foi reformado
e aberto ao público com capacidade para 2.200 pessoas, ocupando
uma área de 1.200 m2 e com iluminação de 2.500 lâmpadas. Sendo
conhecido como “O Palácio dos artistas”, atraia os mais renomados
artistas das décadas de 30 a 60 inclusive foi o primeiro cinema do
nordeste a adquirir aparelhos para a exibição de filmes sonoros.

Nomes como Carmem Miranda, Pablo Neruda, Raul Roulien


(ator de filmes da Fox), A pianista Guiomar Novaes, Procópio Ferreira,
Zoraide Aranha e Bidu Saião (cantora que era conhecida como o
Rouxinol Brasileiro) Vicente Celestino e Lamartine Babo, fizeram
apresentações no Jandaia. Serviu também de palco para escolha
de misses do Carnaval de Salvador; lutas de Box, teatro musicado e
exibições da Companhia Lírica da Bahia. No início dos anos 80, entrou
em decadência e para se manter passou a ser mero exibidor de filmes
pornográficos e de lutas marciais até ser fechado definitivamente em
1993 tendo como última exibição, dois filmes pornográficos.

397
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

6. Olhares sobre o século XX

O teatro na Bahia repercutiu à perfeição a conjuntura econômica


e sócio-política de uma era marcada por duas guerras mundiais, uma
recessão internacional, uma guerra fria que exacerbou a divisão do
mundo em grupos ideológicos. Em termos do Brasil a Bahia adentrava
o século XX falida e estagnada sem a representatividade que gozara
nos séculos XVIII e XIX.

Em sua obra investigativa, “O teatro na Bahia através da


imprensa: século XX”. Aninha Franco, relata, como característica do
primeiro decênio do século passado, a incipiente produção teatral
baiana e a sua substituição pelo cinema. A escassa produção artística
dessa primeira década é comprovada a partir das notas de jornais,
disponibilizadas textualmente pela autora.

Nesse último decênio, não houve um teatro soteropolitano.


Algumas notinhas de três ou quatro linhas, nas primeiras
ou segundas páginas dos jornais consultados, deram
conta de ensaios ou, mais raramente, de encenações
praticadas por inteligentes amadores, em benefício de
uma causa nobre (FRANCO, 1994, p. 25).

Em 1909, Sylio Boccanera Junior bradava: o cinematógrafo


é o maior inimigo do teatro, quando os filmes abandonaram
as companhias de variedades temporãs para ocupar os espaços
anteriormente privativos dos teatros (FRANCO, 1994, p. 31).

Já em 1927 quem clamava era o Diário da Bahia (1927,


apud FRANCO,1994 p.47) Nesta hora que passa, febril, elétrica,
automobilística, nesses instantes que passamos de um plano a outro,
na vertigem da velocidade em que nos afadigamos ao contemplar o
geringonçado do Charleston (...) (...) A vida contemporânea é cheia
de exigências e contrariedades. O traço fundamental da época que
atravessamos é a velocidade. É a vida a 40 quilômetros a hora. O
século XX já foi balizado de vertiginoso. Confirmando sua eterna
vocação slow motion nem mal começou a viver as transformações

398
FRAGMENTOS

impostas pelo século XX,

Salvador pôs-se a queixar, já que nunca foi do seu estilo a


velocidade. Mas com ou sem reclamações, foi impossível evitar a vida
aos quarenta, imposta à cidade nos anos 20 para ser vivida até hoje.
(FRANCO,1994, p.47).

Entre 1920 e 1929, estiveram em Salvador 6 companhias


dramáticas, 2 companhias de comédias, uma companhia lírica, 3
companhias de operetas, 7 companhias de operetas e revistas e 23
companhias de revistas, além das troupes e companhias menores que
foram mal noticiadas pela imprensa. Os espaços para as apresentações
aumentaram com as inaugurações de dezenas de Cine-Teatros, mas a
qualidade acústica dessas casas era considerada deplorável. Por outro
lado, os administradores dos Cine-Teatros preferiam ceder pautas às
empresas de revistas - que já dispunham de um público numeroso
nos anos 20 e concordavam em dividir os palcos com as sessões
cinematográficas - e criavam empecilhos às temporadas das outras
companhias. (FRANCO,1994, p.47).

Em 1930 o cinema falado chega a Salvador no Cine-Teatro


Guarani, Cine Teatro Glória e Cine Teatro Jandaia que com possantes
máquinas made in USA dominaram o mercado. Agora os atores
falavam, cantavam e as orquestras foram enviadas para dentro
dos long- plays com a surgente indústria fonográfica. Em 1932 o
Polytheama Baiano foi destruído e as companhias teatrais passaram
a ter que se adaptar às deficiências acústicas e estruturais dos cine-
teatros. (FRANCO,1994, p.67).

Ainda na vigência do Estado Novo vários acontecimentos


marcaram a história do teatro como a rigorosa censura do
Departamento de Ordem Pública e Social – DEOPS de malfadada
lembrança pelos desatinos que praticou; contraditoriamente a Lei
Getúlio Vargas de proteção ao teatro e ao autor; as inovações teatrais
marcadas pelo novo teatro que não foi bem aceito pela imprensa
baiana (FRANCO, 1994, p.75).

Em 1956 foi fundada a Escola de Teatro da Bahia, um gigantesco


passo do Reitor Edgard Santos em benefício da cultura baiana.

399
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

Esse empreendimento pioneiro podia ser considerado,


na época, uma utopia. Porém o Reitor convidou um
dos fundadores do Teatro Tablado do Rio de Janeiro,
o artista, professor e médico pernambucano Martim
Gonçalves, o criador e primeiro diretor da Escola de
Teatro da UFBA (1956- 1961), que, com o apoio da
Fundação Rockfeller, reuniu a equipe que viabilizou
essa utopia: Gianni Ratto, Yanka Rudzka, Jean Mauroy,
J.H.Koellreuter, George Izenour, Jack Brown, Brutus
Pedreira, Domitila do A|maral, Antonio Patiño, Anna
Edler, João Augusto de Azevedo, Othon Bastos, Sérgio
Cardoso e Maria Fernanda. Luís Carlos Maciel e Alberto
D'Aversa viriam em seguida. A presença de José Possi
Neto, de 1972 a 1976, confirmaria essa vocação utópica
fundadora, de prover uma formação universitária e
artística, experimental e profissionalizante, modelar e,
sobretudo, contemporânea. (TEATRO UFBA 2016).

A repressão militar e a censura política que marcou o teatro


no período de 1964 a 1988 limitou bastante a sua atuação na Bahia.
Ademais nesta época surge a Televisão que, com as suas Telenovelas
constituiu um concorrente mais sério. Franco (1994, p. 201) denuncia
o posicionamento pouco criterioso da imprensa demonstrando
ausência de reflexão sobre os trabalhos em cartaz. A imprensa era
meramente informativa, descomprometida com a análise crítica;

Em todos os espaços, falou-se sobre o teatro, mas as


colunas cênicas prosseguiram dentro de seu modelo
tradicional, com mudanças pouco significativas. O
exercício crítico sofreu queda consideravelmente,
desaparecendo dos jornais durante largos períodos.

Nas artes em geral, porém mais especificamente nas cênicas,


evidencia-se o apartheid cultural, que disponibiliza geograficamente
as edificações teatrais desde a Brasil colônia, em espaços centrais da
cidade, próximos à morada da burguesia. Como vimos, o Teatro São
João, foi construído no antigo centro urbano, - atual Praça Castro
Alves - e na atualidade, os novos teatros só se afastaram na medida

400
FRAGMENTOS

em que a elite abastada se movimentou pela urbe. Dois rápidos


exemplos: Teatro Castro Alves – localizado no Campo Grande e Teatro
Iemanjá – Centro de Convenções, próximo da Pituba.

Num exame detalhado do desenvolvimento urbanístico da


capital baiana, realizado por Ângela Gordillo Souza, constata-se o
citado apartheid cultural. “Num primeiro olhar, o que se mostra mais
evidente na sua configuração urbana é a segmentação marcante de
espaços de habitação em territórios de pobreza e riqueza”. (Souza,
2000, p. 21). E prossegue denunciando;

Ao se analisar a interação entre habitação e cidade na


atualidade, é possível afirmar-se que Salvador contém
diferentes cidades justapostas. Constituem espaços
característicos socioespaciais distintos, ao mesmo
tempo contíguos nos seus limites físicos e apartados
na sua inserção cidadã. Conjugam cidades históricas
de tempos diversos, culturalmente e fisicamente
diferenciadas, bairros cidades com identidades
próprias em condições de habitabilidade desiguais;
enfim, compõem um espaço construído amplamente
diversificado e complexo. (SOUZA, 2000, p. 21).

6.1 É possível se viver de teatro?

Esta pergunta foi formulada e respondida por Fernanda


Montenegro, em discurso feito em 1967. O trecho transcrito foi
captado na integra da Revista Aplauso, Nº103, coluna de Luiz Paulo
Vasconcellos.10

“Sobreviver de teatro no Brasil. Alguém aguenta


esta profissão apenas como ganha-pão? Todos nós
trazemos um anseio de arte. Podemos não alcançá-
la, a verdadeira arte. Mas esta é a nossa ambição e é
isso que nos salva. É. É possível, sim. Claro que mal.

10 Para detalhamento ver link em referencias.

401
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

Às vezes muito mal. Às vezes até nem se vive de tão


mal. Às vezes o tempo fica bom e firme. Mas logo cai
um furacão que te arrebenta até para o resto da vida.
Tudo é instável e tenso. (...) Em qualquer profissão,
se você conhece o ofício, há um momento em que
se consegue um patrimônio de trabalhos prestados.
O mais vem naturalmente. No teatro, não. Você faz
exame todo dia. Cada vez que se estreia uma peça
nova é uma sabatina geral e o que vale é somente a
nota final. (...) É claro que você tem a obrigação de
escolher sempre o melhor autor, o melhor grupo, o
melhor diretor. Mas não havendo o melhor do melhor,
fique com o bom, ou com o menos bom. Se tiver de
escolher entre o protagonista de uma peça de Paulo
Magalhães e o décimo papel de uma peça de Brecht, é
claro que você tem a obrigação de escolher o melhor
autor, para ser fiel a você mesmo e ao seu idealismo.
Mas, para começar, para se exercitar, e muitas vezes
para comer, não havendo a oportunidade do grande
autor, aceite até mesmo o décimo papel de uma peça
de Paulo Magalhães. Agora, não faça dessas concessões
uma regra. Da alternativa, um hábito. Por que aí você
se acaba. Por incrível que pareça, num ambiente
acanhado como o nosso, tudo serve para amadurecê-
lo, profissionalmente falando. E o importante é
fazer o décimo papel do mau autor com a mesma
obstinada vontade de trabalho que você empregaria
num autor melhor. (...) Hoje, como ontem, acho pura
perda de tempo a atitude de alguns profissionais que,
conhecendo bem o chão em que pisam, afirmam:
“Nunca mais farei tal autor, nunca mais farei isso ou
aquilo!” Fará sim. Se não tiver outro melhor. Se não
tiver pais ricos, mulher rica, marido rico, amantes
ricos ou outra profissão, fará sim. Então é melhor não
gastar saliva à toa... e trabalhar. No melhor, quando
for possível o melhor. No pior, quando só nos restar o
pior, a má televisão, a dublagem, os shows de todos os

402
FRAGMENTOS

tipos, filmecos sem categoria etc. etc. etc. Vale a pena


a alternativa? Se você acha que não, abandone já a
idéia de fazer teatro neste país. (...)Tudo nos atrapalha
nesta profissão, a instabilidade econômica, o calor, os
temporais, a falta de luz, as férias escolares, as festas
natalinas, o carnaval, o início das aulas, a Semana
Santa, as eternas crises políticas. E, sobretudo, a não
necessidade de teatro que o brasileiro tem. Fazer o quê?
‘Levanta, sacode a poeira e dá a volta por cima’, como
diz o samba. (...) O desafio é ser alguém diariamente.
É, ano após ano, tentar manter a sua qualidade de
gente e de profissional. É estar vivo aos 50, aos 60 e,
se possível, aos 70 anos.”

Montenegro em seu discurso na década de 60, revela o


problema da auto sustentação para o profissional de teatro. O
desabafo da atriz mostra que o profissional não pode escolher o
trabalho que gostaria de realizar, simplesmente não tem esta opção,
porque o mercado e restrito e instável. Para ganhar o pão, faz o que
estiver à mão. Como garantir a qualidade do processo e do produto
teatral, se para sobreviver, o trabalhador se vê obrigado a exercer
qualquer papel? Interpretar qualquer texto? Vender atitudes e valores
artificiais, que ele não acredita e que muitas vezes vão de encontro a
sua própria formação?

7. Conclusão

Em verdade, exercer atividade laboral cênica é antes de qualquer


coisa um sacerdócio, uma vocação que grita para ser atendida e que
mantem acesa a esperança de dias melhores. As expectativas de vida
na arte praticamente não apresentam grandes diferenças entre as
antigas e novas gerações, as dificuldades se repetem. Assim como
também a necessidade de se fazer arte e o senso de resistência.

Saindo do plano humanístico para o econômico percebe-se que

403
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

o teatro está lentamente se extinguindo, devendo-se isto à sua estrutura


operacional. Trata-se da sua inviabilidade em concorrer com as outras
formas de entretenimento como o cinema e sobretudo a televisão
e os televídeos. Como destacado logo na introdução deste texto, a
atividade teatral apresenta custos crescentes e não se beneficia
das economias de escala. E por isto, para sobreviver depende do
subsidio, seja ele do poder público ou da iniciativa privada.

El dilema económico al que Baumol y Bowen se referían


era el problema de la financiación las artes escénicas
teniendo en cuenta que se enfrentan ineludiblemente a
costes unitarios crecientes. Esto, sostenían, es resultado
de "desfases en la productividad". La consiguiente
presión que ejercen los costes se conoce como "la
enfermedad de los costes de Baumol". La productividad
es definida por los economistas como la producción
física por hora de trabajo. A lo largo del tiempo la
productividad puede aumentar por las siguientes
razones: (1) incrementos del capital por trabajador, (2)
mejoras en la tecnología, (3) incrementos de la destreza
de los trabajadores, ( 4) mejor gestión, y (5) la existencia
de economías de escala al aumentar la producción. Tal
y como sugiere la lista anterior, es más fácil conseguir
aumentos de productividad en industrias que usan
mucha maquinaria y equipos. En tales industrias, la
·producción por trabajador puede aumentar empleando
más maquinaria o bien invirtiendo en nuevos equipos
que incorporen mejoras tecnológicas. En consecuencia,
en la industria manufacturera típica la cantidad de
horas de trabajo necesarias para producir una unidad
física de producto ha caído drásticamente década tras
década. Las artes escénicas están precisamente en el
otro extremo del espectro. La maquinaria, los equipos
y la tecnología desempeñan un pequeño papel en su
proceso de producción y, en cualquier caso, apenas
varían a lo largo del tiempo. Esto no quiere decir que
las mejoras tecnológicas no existan en absoluto. Por

404
FRAGMENTOS

ejemplo, el desarrollo de los controles electrónicos ha


revolucionado la iluminación de los escenarios, y la
comodidad y el confort de la audiencia ha mejorado
considerablemente gracias al aire acondicionado, que
también facilita que las sesiones sean más largas y una
planificación más flexible. Pero estas mejoras no son
esenciales para este negocio. Como Baumol y Bowen
señalan, las propias condiciones de producción excluyen
cualquier cambio sustancial en la productividad porque
"el trabajo del artista es un fin en sí mismo, no un
medio para la producción de determinado bien" (1966:
164). Dado que el trabajo del artista es de hecho el
producto - el cantante cantando, el bailarín bailando,
el pianista tocando -, no existe realmente modo alguno
de aumentar la producción por hora. Hoy en día cuatro
músicos necesitan el mismo tiempo para interpretar
un cuarteto de cuerda de Beethoven que en 1800.
(HEILBRUN, 2003, p.338).

Assim sendo os salários dos autores são limitados pelos


subsídios e patrocínios. Plateia não cobre custos. Um autor famoso
para fazer uma renda tem que completar o salário com as verbas de
publicidade e outras atividades similares advindas do prestígio e da
fama (cachês).

Procurou-se, neste artigo, dar a conhecer, a história do teatro


na Bahia. No que diz respeito a profissionalização dos operários que
atuam no universo cênico, constata-se que as políticas culturais –
ainda que em passos lentos - vêm influenciando a criação de novos
interesses e valores, porém, em resposta ao problema proposto:
é possível viver de teatro na Bahia? Constata-se que apesar deste
pequeno avanço, viver do labor cênico ainda é uma atividade hercúlea,
com poucas perspectivas de mudança em um futuro próximo, que
amenizem os efeitos da principal contradição da economia baiana:
Arte rica, ator pobre. Aliás que uma tradição que acompanha a
atividade desde seus tempos fundadores na idade antiga.

405
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

Referências

ARAÚJO. Nelson. História do Teatro. Salvador: Fundação Cultural do Estado


da Bahia, 1978 AMADO, Jorge. Bahia de Todos os Santos. Rio de Janeiro:
Livraria Martins Editora, 1973. ANCHIETA, José de. "De gestis Mendi de Saa"
Coimbra: 1573.

BOCCANERA JUNIOR, Sílio. O Theatro na Bahia: livro do centenário


(1812,1912). Bahia: Officina do Diário da Bahia, 1915.

CABINE CULTURAL. Teatros de Salvador: especial história da Bahia.


Disponível em: http://cabinecultural.com/biblioteca-digital-gratuita/

FRANCO, Aninha. O teatro na Bahia através da imprensa: século XX.


Salvador: FCJA; COFIC; FCEBA, 1994.

GOMES, Laurentino. 1808 . Como uma rainha louca, um príncipe medroso e


uma corte corrupta enganaram Napoleão e mudaram a história de Portugal e
do Brasil. — São Paulo: Editora Planeta do Brasil, 2007.

HEILBRUN, James. La enfermedad de los costes de Baumol in TOWSE, Ruth.


Manual de Economia de La Cultura. Madrid: Ed. Autor, 2003.

LEITE, Serafim. História da Companhia de Jesus no Brasil Lisboa: Civilização


Brasileira, 1938 LEVY, Pierre. A inteligência coletiva: por uma antropologia do
ciberespaço. São Paulo: Loyola, 1998.

MARTINS, Mario. Teatro quinhentista nas naus das Indias.Lisboa: Broteria,


1973 MATOS, Gregório de. Poemas Selecionados. Brasília: CESP/UNB 2016.

MONTENEGRO, Fernanda. É possível se viver de teatro no Brasil? discurso


feito em 1967.

Trecho transcrito da Revista Aplauso, Nº103, coluna de Luiz Paulo Vasconcellos


– Disponível em:

<https://pt- br.facebook.com/marcelo.ciepielewski/ Acessado em18.11.2015

MOURA, Teatro a bordo de naus portuguesas. Rio de Janeiro: Nórdica, 2000.

NETO, Herculano. O Ataque On-Line http://oataque.zip.net/arch2009-02-


08_2009-02-14.html acesso em 07.12.2015

RISÉRIO, Antonio (2004). Uma história da Cidade da Bahia. 2. ed. Rio de

406
FRAGMENTOS

Janeiro: VERSAL ROBATTO, Lucas. et all: "Os Primórdios do Teatro São João
desta Cidade da Bahia"

<http://www.fundacaocultural.ba.gov.br/04/revista%20da%20bahia/teatro/
primor.htm> acessado em 17.10.2015

RUY, Affonso. História do Teatro na Bahia: Séculos XVI-XX. Salvador;


Universidade da Bahia, 1959.

RORIZ, Jorge. Cine Teatro Jandaia – Patrimônio Cultural esquecido.


Disponível em:

http://www.jorgeroriz.com/cine-teatro-jandaia-patrimonio-cultural-
esquecido/2016

SOUZA, Angela Gordilho (2000). Uma introdução para discussão da


presença do arquiteto na construção da cidade. In: NUNES, Débora (Org.),
op. cit. p. 19-26.

SHAKESPEARE, William. Complete Works. London: Oxford University Press,


1966 SPINOLA, Noelio Dantaslé. Economia Cultural em Salvador. Salvador:
UNIFACS, 2006.

407
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

408
FRAGMENTOS

ARTIGO

A CULTURA BAIANA
E A HERANÇA
AFRICANA

11
409
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

410
FRAGMENTOS

A cultura baiana e a herança


africana

Noelio Dantaslé Spinola1

Resumo
Este artigo apresenta um breve comentário sobre a influência africana
na economia da cidade de Salvador, a terceira maior do Brasil em
população e a maior do mundo, fora da África, em termos da população
negra, sem pretensões de esgotar o assunto. Relata os resultados
de uma pesquisa de campo que informa como os cultos religiosos,
como o candomblé, se transformam nos veículos inspiradores e
condutores de atividades econômicas que se materializam através do
folclore. Espera fornecer elementos para uma discussão econômica e
antropológica mais profunda.

Palavras-chave: economia cultural, influência africana, religião afro-


brasileira, economia baiana, emprego e renda, Salvador

Bahian culture and African heritage

While by no means an exhaustive account, this article discusses the


influence of Africa on the economy of Salvador, Brazil’s third most
populous city and the largest concentra- tion of people of African
origin outside the continent. This paper details the findings of
fieldwork that examined how religious cults such as Candomblé
have become vehicles for folklore-inspired economic activity. It

1 Pós-doutor em Ciências Sociais. Doutor em Geografia. Professor e Pesquisador do Programa


de Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional e Urbano da Unifacs.
E:mail: spinolanoelio@gmail.com

411
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

hopes to present an approach that results in a deeper economic and


anthropological understanding of these phenomena.

Keywords: cultural economy, African influence, Afro-Brazilian


religion, Bahian economy, employment and income, Salvador

412
FRAGMENTOS

Introdução

Desde o século XIX que os cientistas sociais brasileiros e


de outras partes do mundo, através de variados estudos e uma
farta literatura científica, têm analisado a cultura e a sociedade
negra.2 Neste plano se insere a análise dos cultos afro-brasileiros
em suas diferentes ramificações, discorrendo sobre a sua história,
teologia, psicanálise, características regionais e modalidades de
prática. Toda esta atenção torna o tema complexo e objeto de
diferentes abordagens pelos estudiosos do assunto, adeptos e
simpatizantes3.

Segundo Arthur Ramos (1956, p. 200), estudos sobre


os negros no Brasil são complexos por exigirem o concurso
multidisciplinar de especialistas, constituindo-se em um problema
histórico, antropogeográfico, antropológico cultural, biológico,
linguístico, sociológico e político. É razoável supor que ao longo
do tempo os estudos africanos tenham evoluído substancialmente,
incorporando novas contribuições e enfoques, cujo exame foge ao
escopo deste texto.

Uma definição de cultura negra que pode ser válida no


contexto de diferentes sistemas de relações raciais é a seguinte,
apresentada por Sansone (1994): a cultura negra é uma subcultura
específica das populações de origem africanoamerica- na, dentro
de um sistema social que destaca a cor ou a descendência de cor
como critério importante para diferenciar ou segregar pessoas.
2 Entendida como o “conjunto de pessoas que vivem em certa faixa de tempo e de espaço,
seguindo normas comuns, e que são unidas pelo sentimento de consciência do grupo” (Ferreira,
2009, p. 1865). É uma parcela da população negra (pessoas que, segundo o Instituto Brasileiro
de Geografia e Estatística (IBGE), se autodeclaram pretas e ou pardas) vinculada direta ou
indiretamente ao candomblé. A este respeito ver Costa Lima (1977); Bastide (2001); Maia (1977).
3 Segundo Arthur Ramos (1956, p. 200) “foi o professor Nina Rodrigues (1862-1906) quem pela
primeira vez, no Brasil, dedicou ao Negro um monumento científico”. Em sua obra clássica,
O Negro na civilização brasileira, Arthur Ramos também apresenta (p. 209) uma bibliografia
geral onde relaciona as principais contribuições sobre o tema produzidas até o ano de 1938.
Outra importante contribuição é a de Munanga (2002), que relaciona entre outras obras muito
importantes os trabalhos mais conhecidos do público não especializado como os de Pierre
Verger e Roger Bastide.

413
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

As culturas negras existem em diferentes contextos: em


sociedades plurais, em sociedades predominantemente brancas e
em sociedades nas quais uma norma somática predominante situa
os negróides no nível mais baixo, ou próximo a este (cf. Whitten
& Szwed, 1970, p. 31). Força aglutinadora específica da cultura
dos negros é o sentimento de um passado comum, na condição
de escravos e desprivilegiados. A África é usada como um banco
de símbolos, sacados de forma criativa. A cultura negra é, por
definição, sincrética (Mintz, 1970, pp. 9-14). Também é específico
da cultura negra, em certa medida, o alto grau de interdependência
em relação à cultura urbana ocidental. Por causa disso, a cultura
negra geralmente não goza do mesmo tipo de reconhecimento
oficial conferido às “culturas étnicas estabelecidas”, e os negros
enfrentam dificuldades maiores do que outras minorias étnicas
para se expressar enquanto comunidade. A principal base de
ação dos grupos de pressão negros é a negrofobia branca, bem
como a percepção da discriminação racial. Aspecto relativamente
específico da etnicidade negra é o fato de se basear amplamente
na manipulação da aparência física. As populações negras do
Novo Mundo e da diáspora caribenha na Europa produziram uma
variedade de culturas e identidades negras que se reportam, por um
lado, ao sistema local de relações raciais e, por outro, a fenômenos
internacionais e internacionalizantes (Sansone, 1994, p. 2).

Neste estudo destacam-se dois pontos fundamentais. O


primeiro é que, tanto quanto o Português e o Índio, o Negro é um
dos fundadores da cultura brasileira4. O segundo é que o culto
afro, uma das suas manifestações coletivas mais típicas, constitui
uma religião reconhecida pelo governo brasileiro e um elemento
significativo da economia cultural5 da cidade do Salvador,
influenciando o estilo e a prática de inúmeras atividades populares,
dentre as quais se destacam o artesanato, a produção musical, a

4 Para melhor compreender esta afirmação sugere-se a leitura de Ribeiro (1995).


5 O termo “economia cultural” refere-se a um vigoroso campo de produção, circulação e
consumo de bens e serviços simbólicos, de natureza material e imaterial, genericamente
chamados de bens ou produtos culturais. Seu uso tem sido cada vez mais recorrente nos meios
acadêmicos, intelectuais e nas mídias, embora a bibliografia sobre o assunto ainda seja exígua
(Spinola, 2003).

414
FRAGMENTOS

culinária, a moda e a medicina6 do corpo e da alma, com as quais


se inter-relaciona numa cumplicidade sutil, muitas vezes cercada
de magia e misticismo.

É o caráter simbólico das mercadorias que nos permite falar


em economia cultural, mas é preciso compreender agora o que
vem a ser cultura.

A noção de cultura é multissignificada. Em alguns contextos,


ela aparece como sinônimo de erudição ou educação acadêmica.
No cenário midiático, cultura aparece geralmente associada ao
mundo das artes: cinema, teatro, televisão, etc. Do ponto de vista
socioantropológico, entretanto, a cultura é concebida de forma
muito mais ampla. Trata-se de toda e qualquer criação humana,
real ou simbólica e que se expressa como modo de vida.

Sua concretude é, portanto, onipresente, pois se manifesta


em todas as esferas do cotidiano: política, econômica, religiosa,
etno-linguística, sociocomportamental e fenotípica. A cultura dos
povos é a interconexão de todas estas esferas, perpassada ainda
pelos aspectos históricos e geográficos (tempo/espaço). Morin
(2003) compara a cultura a um megacomputador altamente
complexo. Em âmbito universal ela é um gerenciamento coletivo da
sobrevivência humana e particularmente representa a identidade
de um povo, expressa na língua, nas práticas e no imaginário das
comunidades.

Os bens culturais, além do seu elemento cultural estruturante,


compartem com os demais bens e serviços econômicos o emprego,
na sua produção, de recursos naturais, de capital, de trabalho e
de outros elementos, notadamente uma tecnologia específica
que deriva de uma inspiração criadora. A maioria destes recursos
possuem usos alternativos e portanto um custo de oportunidade
e um preço. Isto não quer dizer que todos os bens e serviços
culturais se vendam em um mercado, ainda que isso suceda em
muitos casos, como, por exemplo, na contratação dos serviços de
artistas e outros profissionais criativos. O Estado costuma fornecer

6 Fitoterápica.

415
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

alguns produtos culturais de forma gratuita. Esta é uma decisão


política e não econômica: a maior parte dos bens culturais não são
bens públicos. Entretanto muitos especialistas deste setor pensam
que os bens culturais possuem características próprias dos bens
públicos que os mercados não podem captar plenamente através
dos preços (Towse, 2003).

O culto afro constitui um fenômeno importante na cultura


popular da cidade do Salvador porque, dos seus 2.676.606
habitantes, 80,9% são pretos ou pardos (IBGE, 2011)7. A cidade, que
é a terceira maior do Brasil em população, é também considerada
como a maior capital negra do mundo, fora da África (RankBrasil,
2011)8 e registra uma grande desigualdade social.

Segundo De Paula (2011) esta desigualdade acontece


em diversos aspectos. O Índice de Desenvolvimento Humano da
cidade, por exemplo, era levemente maior que a média do Brasil
em 2010, mas se reduzia a níveis da África ou se elevava a níveis
da Europa, dependendo do bairro da cidade considerado. Assim,
de acordo com o PNUD, o IDH-M de alguns bairros de classe
média alta atingia 0,971, maior que o da Noruega (0,938), líder
mundial há seis anos. Porém, nos bairros mais pobres e populosos
situava-se em torno de 0,664, índice menor que o de países
como o Turquemenistão (0,669), Tonga (0,677) e Argélia (0,677),
localizados na Ásia Central, Oceania e África.

Por imperativo metodológico que norteou a execução da


pesquisa realizada em 2009 pelo Grupo de Estudos da Economia
Cultural (Gecal)9 da qual deriva este texto, faz-se necessário
distinguir claramente as modalidades do culto afro tendo em vista
as diferenças das práticas existentes, a sua distribuição espacial
e o fato de constituir o candomblé um dos objetos deste estudo.

Segundo a direção baiana da Federação Nacional do Culto

7 São 54,9 % pardos (mulatos) e 26% pretos segundo a mesma fonte.


8 Pessoalmente tenho dúvida desta afirmação. A centena de fontes que consultei e que a
apresentavam, não informava a sua origem. Não obstante, parece ser uma unanimidade.
9 Vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional e Urbano (PPDRU)
da Universidade Salvador (Unifacs).

416
FRAGMENTOS

Afro-brasileiro (Fenacab) os dois ramos principais do culto são: 1 -


os terreiros de candomblé e 2 - as casas de umbanda. Os terreiros
de candomblé são regidos pela tradição africana e não se deixam
influenciar pelas outras religiões10. A umbanda surgiu no Brasil e
mistura, num processo sincrético, a tradição africana, a indígena,
a européia – católica e espírita. Existem diferenças ritualísticas
entre os dois cultos e, inclusive, rivalidade. Esta distinção não é
claramente percebida pelos leigos, gerando muita confusão na sua
análise.

Na visão de Carneiro (2002, p. 136) “o Candomblé é o local


em que se realizam as festas religiosas em geral; as cerimônias
religiosas anuais obrigatórias do culto”. Viana de Fátima (2007,
p. 513) define-o como “uma religião afro-brasileira, mediúnica,
que cultua entidades chamadas Orixás, os quais se manifestam
no corpo dos crentes por meio de uma crise de possessão”. Para
Bastide (2001), “candomblé primitivamente significava dança
e instrumentos de música e, por extensão, passou a designar a
própria cerimônia religiosa”. É uma prática religiosa eminentemente
urbana, e tem considerável número de seguidores no país. “O culto
organizado não podia, sob a escravidão, florescer no quadro rural
– ou seja, a fazenda ou a cata. Para mantê-lo o negro precisava de
dinheiro e de liberdade, que só viria a ter nos centros urbanos”
(Carneiro, 1959, p. 7).

O fato é que o candomblé é praticado por descendentes


de diversas “nações” africanas11 cujos ancestrais vieram escravos
para o Brasil. Uma idéia deste complexo quadro de civilizações

10 Esta afirmação, como quase tudo que se refere aos cultos afro-brasileiros, é discutível.
Esta pureza pretendida para o candomblé vem se perdendo ao longo do tempo. Existe um
grande discurso africano, mas não encontramos um só candomblé que não contemplasse o
sincretismo, ou que não possuísse relação com os indígenas (caboclos).
11 O tráfico negreiro trouxe para o Brasil numerosas tribos e etnias que, apesar dos deslocamentos
de populações na África, não tinham o hábito de estar normalmente em contato. Mesmo
quando a miscigenação as misturou, essas etnias não se fundiram, conservando cada qual certo
número de traços culturais irredutíveis e agrupando- se em nações. Na Bahia não existem mais
hoje indivíduos eves, iorubas, angolas ou congos, mas essas nações sobreviveram sob a forma
de candomblé, ritual ou musicalmente diferentes (Bastide, 2001, pp. 260-261). Para maiores
detalhes ver Karasch (2000, p. 127).

417
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

é fornecida a seguir por Bastide (1985, p. 67), citando Arthur


Ramos:12

as civilizações sudanesas representadas especialmente


a)
pelos yorùbá (nagô, ijexá, egba, ketu, etc.), pelos daomeanos do
grupo jêge (ewe e fon) e pelo grupo fanti-axanti chamado na época
colonial de mina13;

as civilizações islamizadas representadas, sobretudo, pelos


b)
peuhls, pelos mandingas, e pelos haussa14;

as civilizações dos bantos do grupo angola-congolês


c)
representadas pelos ambundas de Angola (cassangues, bangalas,
inbangalas e dembos), os congos ou cabindas do estuário do Zaira
e os benguelas;

as civilizações dos bantos da Contra-Costa representadas


d)
pelos moçambiques (macuas e angicos).

Como informa Bastide, a África enviou ao Brasil:

negros criadores e agricultores, homens da floresta e da


savana, portadores de civilizações de casas redondas e outras
de casas retangulares, de civilizações totêmicas, matrilineares e
outras patrilineares, pretos conhecendo vastos reinados, outros
não tendo mais que uma organização tribal, negros islamizados
e outros “animistas”, africanos possuidores de sistemas religiosos

12 Bastide (1985, p. 67) cita a obra de Arthur Ramos Las poblaciones del Brasil, cap. XII,
Introdução à antropologia brasileira.
13 Nas denominações de etnias africanas optou-se por manter a redação original dos autores
consultados.
14 Povos africanos islamizados tiveram grande influência nas comunidades religiosas dos
africanos no Brasil, notadamente na Bahia, onde, pela maior concentração de mandingas,
peuhls (fulas), haussas, etc., o islamismo propagou-se rapidamente e passou a constituir a
religião “dos negros mais inteligentes e mais instruídos”, o que deu lugar a um verdadeiro
irredentismo de insubmissão culminada em sangrentos levantes negros a exemplo da Revolta
dos Malês. Ver a respeito Vianna Filho (1946) e Reis (2003).

418
FRAGMENTOS

politeístas e outros, sobretudo, adoradores de ancestrais de


linhagens (1985, pp. 67-69).

Não é de estranhar que mesmo entre os especialistas no


campo encontrem-se frequentemente interpretações diferenciadas
e contraditórias.

Existem controvérsias quanto ao número dos terreiros de


candomblé em Salvador. Na verdade não se conhece uma pesquisa
confiável que informe com margem de segurança o número
exato dessas unidades. A pesquisa realizada pelo Gecal (2009)
constatou nos registros da FENACAB a existência de 617 terreiros
efetivamente registrados em Salvador. Entre seus responsáveis
predominavam os descendentes da nação Ketu (Yorùbá) que
possuíam 414 terreiros, ou 67% do total registrado. Em segundo
lugar apareciam os descendentes da nação Angola (Bantos) com
166 terreiros ou 27%. Em menor número apareciam os oriundos da
nação Ijexá (também dos Yorùbás), com 20 terreiros, equivalentes
a 3%; seguidos dos Jegê (daomeanos) com 14 terreiros, ou 2%;
e apenas 2 da nação Congo (0,3%). Este número é discutível
porque muitos terreiros fecham e não dão baixas do registro e
outros surgem e não se registram (Gecal, 2009). Tomando-se por
base estes dados e considerando-se que a cidade possui 23 mil
logradouros registrados pela Prefeitura, observa-se que os terreiros
ocupam apenas 2,7% do seu espaço.

O mapa seguinte apresenta a distribuição dos terreiros na


cidade do Salvador, construído com base no cadastro da FENACAB.
Nele observa-se que as concentrações estão localizadas em áreas
da cidade que constituem vales onde existem remanescentes
da Mata Atlântica, na proximidade do mar e nos subúrbios que
já foram distantes do centro urbano. A expansão da cidade do
Salvador, com as suas avenidas de vale, destruiu o sistema urbano
construído pelos portugueses nos séculos XIV-XIX e o equilíbrio que
harmonizava as funções trabalho x habitação. O candomblé, que
constitui uma religião essencialmente ecológica, onde a mata e a
vegetação constituem elementos base para a sua funcionalidade
religiosa, vem sendo gradativamente esmagado pela expansão

419
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

urbana e a especulação imobiliária15.

Segundo Maria Stella de Azevedo, a Mãe Stella de Oxóssi, do


Ilê Axé Opô Afonjá, o candomblé é uma organização eminentemente
matriarcal. O seu comando é exercido pela ialorixá (mãe-de-santo).
A liderança feminina nessa tradição religiosa vem de um simples
fato: as pioneiras do candomblé, princesas africanas que vieram
para a Bahia em fins do século XVIII, criaram o princípio de que
as suas casas religiosas só poderiam ser lideradas por mulheres.
Uma tradição mantida até hoje nos terreiros como a Casa Branca,
o Alaketu, o Gantois e o Ilê Axé Opó Afonjá16.

Evidente que existem muitos terreiros liderados por pais-de-


santo (babalao- rixá). Não obstante, enquanto a figura feminina
da ialorixá é venerada e muito respeitada, sendo alvo de muitas
homenagens, o mesmo não ocorre com os homens, que são
frequentemente objeto da sátira da mídia e dos preconceitos da
população. O famoso comediante brasileiro Chico Anísio difundiu
pela mídia (Rede Globo de Televisão) a tendência homossexual
dos pais de santo com o seu personagem Painho. Neste caso
devem ser observados dois aspectos. Primeiro, o candomblé é
uma instituição matriarcal, preponderantemente liderada por mu-
lheres. Segundo, o homossexualismo é tolerado no candomblé,

15 Segundo Santos (2007), em relação à área de cada terreiro, a metade dos terreiros
soteropolitanos tem menos de 360m2. E na área construída há uma contiguidade dos espaços
sagrado e doméstico. Muitos terreiros apresentam uma fachada similar às de casas comuns
na periferia, alguns tendo dois ou três pavimentos, ou localizados em subsolos. Inúmeros são
os terreiros cujo espaço residencial do pai/mãe-de-santo, inclusive com família consanguínea,
encontra-se próximo ao espaço sagrado. Para termos uma idéia desse contingente, existem seis
pessoas, no máximo, residindo em 73% dos terreiros.
16 Denominação de terreiros famosos de Salvador. A Casa Branca ou Ilê Axé Iyá Nassô Oká é a
primeira casa de candomblé aberta em Salvador, Bahia. Constituído de uma área aproximada
de 6.800 m², com as edificações, árvores e principais objetos sagrados, é tombado pelo IPHAM.
O terreiro do Alaketu, Ilé Axé Mariolajé, foi fundado por Maria do Rosário Otampê Ojaro,
descendente da Família Real de Ketu. Também conhecido como Casa de Mãe Olga do Alaketu,
é tombado pelo IPHAM. O terreiro do Gantois ou Ilê Iyá Omin Axé Iyá Massê, terreiro da famosa
Mãe Menininha, difere dos demais porque a sucessão se dá pela linhagem e não através de
escolha pelo jogo de búzios. Tombado pelo IPHAM. O terreiro Ilê Axé Opó Afonjá, segundo
vários autores, serviu de modelo para todos os outros, de todas as nações. Fundado, em 1910,
por um grupo dissidente do Terreiro da Casa Branca, funciona numa roça adquirida no bairro
de São Gonçalo do Retiro. Tombado pelo IPHAM.

420
FRAGMENTOS

não sendo seus praticantes discriminados17.

Segundo Costa Lima (1977), a mãe-de-santo ou o pai-de-


santo exerce toda autoridade sobre os membros do grupo – em
qualquer nível de hierarquia – dos quais recebe obediência e respeito
absoluto. A estrutura do candomblé repousa em duas categorias
de afiliados, perfeitamente distintas: os que são iniciados como
filhos de santo (iaôs), até o estágio da feitura do santo, e os vários
titulares de posições executivas e honorárias no terreiro (obás e
ogans) – no campo espiritual e litúrgico como na organização da
sociedade civil que trata dos assuntos mais seculares do grupo
e seu relacionamento com as instituições públicas e agências de
controle da sociedade global em que os candomblés se inserem.

Toda Casa bem fundamentada na Bahia, além de sua função


religiosa, tem sua parte social. Além da ordem ritualística, há uma
ordem civil. Além da hierarquia espiritual, há a administrativa, que
cuida por assim dizer, dos interesses materiais da Casa... Esses
homens podem ou não ser filhos-de-santo. De acordo com o querer
da Ialorixá e dos Orixás, dividem-se em categorias: são os ogãs, e
os obás. O ogã é um indivíduo escolhido pela Ialorixá ou por uma
de suas filhas montadas, isto é, pelo próprio Orixá em atenção aos
seus serviços prestados ao culto, a uma personagem importante, a
alguém cuja assiduidade nas festas seja notada ou que doe a Casa
coisas de valor material. Sua função é quase que exclusivamente
administrativa, podendo, contudo, aprimorar-se liturgicamente e
então, ajudar na prática do culto. Seu número é ilimitado. Já os
obás são reduzidos. São apenas doze. Só perde o cargo, a função,
a honraria, em caso de morte. A única Casa que mantém a tradição
dos obás é o Axé Opô Afonjá (Vasconcelos Maia, 1977, p. 5).

17 Para um aprofundamento no tema recomenda-se consultar Vertuan (2009); Santos (2009).

421
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

Figura 1 - Mapa dos terreiros de candomblé da Bahia.

Fonte: A economia cultural de Salvador. Pesquisa do Gecal para a Prefeitura Municipal


de Salvador, 2003.

Como em qualquer outra religião, o candomblé atrai uma


massa de aderentes, cujos vínculos com a casa, exteriormente,
resumem-se à presença nas diversas cerimônias. Existe ainda outro
segmento onde estes vínculos espirituais são mais tênues, mas
que tem papel importante na manutenção dos terreiros. Trata-se
de pessoas que, sem qualquer ligação anterior com a casa, nem
necessitando manifestar fé genuína na religião, buscam a proteção
das forças sobrenaturais que acreditam os terreiros comandarem
ou mediarem em momentos adversos da vida, em casos de doença

422
FRAGMENTOS

ou em fases de incerteza, aflição ou desespero face aos problemas


concretos da existência. Tais pessoas, na medida em que considerem
satisfatória a intervenção do terreiro em seu benefício tendem a
assumir maiores compromissos com o culto, contribuindo com
mais regularidade para sua manutenção e funcionamento.

Feitas estas considerações introdutórias, compõe este


trabalho uma seção destinada ao exame da economia afro-baiana
de Salvador que se subdivide na descrição de alguns segmentos
selecionados dos setores relacionados com o artesanato religioso,
a produção de instrumentos musicais e o Carnaval. Não foi possível
apresentar o estudo sobre a moda étnica e a culinária dada a
limitação do espaço. A maioria dos dados e informações é oriunda
da pesquisa realizada em 2009 pelo Grupo de Estudos da Economia
Cultural de Salvador (Gecal). Esta pesquisa atualiza outra que, com
o mesmo propósito e pelo mesmo grupo, foi realizada em 2003.

A pesquisa do Gecal permitiu desenhar-se a figura seguinte,


que apresenta uma inédita cadeia produtiva derivada dos cultos
afro em Salvador da Bahia, a qual busca demonstrar a inter-relação
entre o culto afro e um conjunto de ativida- des dele derivados.
A rigor elas constituem seis ramos independentes dos qual o de
peso econômico maior é o Carnaval que, gradativamente, vem se
descolando desta influência pela perda da criatividade e a invasão
de outros ritmos influenciados, inclusive, pela música pop norte-
americana.

O mesmo fenômeno ocorre com a culinária, que vem


perdendo espaço para as comidas gaúchas, chinesas, japonesas
e italianas, uma decorrência da crescente migração de sulistas e
paulistas mobilizados pelas indústrias que se implantam na região.

423
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

Figura 2 - Cadeia produtiva derivada da influência dos cultos afro-brasileiros.

Fonte: Gecal (2009).

Fonte: Noelio Spinola e José Caldas.

A economia afro-baiana

Analisando as atividades profanas integrantes ou derivadas


do candomblé, no âmbito da economia cultural observamos que
estas trazem em seu conceito o sentido implícito de uma espécie
de interação equilibrada entre a administração dos recursos e a
ação do sobrenatural. No que diz respeito ao indivíduo membro
do culto isto significa que o grau de intervenção amistosa,
indiferença ou hostilidade por parte dos Orixás que controlam
seu destino e sua própria sorte pessoal é mantida pelo grau
de devoção com que ele cumpre as exigências ritualísticas do

424
FRAGMENTOS

culto. No candomblé, a intensidade em que ele está disposto a


fazer sacrifícios é um importante fator no sentido de lhe trazer
recompensa e elevação de status18.

Nas relações econômicas mais diretas e transparentes, os


cultos afro-brasileiros não diferem muito das demais religiões.
Assim, o candomblé mantém equipes permanentes, que são
sustentadas pelas respectivas casas. Além disso, para auferir
rendas que assegurem a sustentação financeira das casas, certos
serviços religiosos são cobrados, como ocorre comumente em
tais casos.

Neste sentido, pode-se concluir que, se em termos


estritamente ocupacionais o papel dos terreiros não chega a ser
relevante, seus efeitos indiretos assumem proporções consideráveis,
sendo expressivos na vida econômica da região, particularmente
de Salvador como demonstra a Figura 2. Aqui, dois aspectos
devem ser considerados. Primeiro, o papel de agência comunitária
desempenhado pelos terreiros, com reflexos importantes na vida
de seus membros. O candomblé deve ser pensado não apenas como
uma unidade socialmente organizada para a adoração das forças
que dominam o universo, mas também como uma instituição que
funciona pragmaticamente para proteger os interesses de seus
membros seja no plano espiritual seja no material. O segundo
aspecto refere-se ao papel dinâmico que o candomblé exerce,
de estímulo a certas atividades econômicas, particularmente o
comércio e o artesanato. Isso deriva do fato de que um elemento
presente na maioria das cerimônias e ritos é a realização de
oferendas e sacrifícios às divindades, os Orixás. Tais oferendas,
que incluem uma extensa lista de gêneros alimentícios e outros,
e o sacrifício de animais (pombos, galinhas, bodes, cágados,
carneiros e bois), estão presentes tanto nas cerimônias das quais
a comunidade dos terreiros participa coletivamente, quanto nas
práticas desenvolvidas, com maior ou menor regularidade, por

18 A despeito das práticas da tríplice obrigação (Mauss, 2011), como disse Bastide (1985, p.
323), o fator econômico tende, em todo o caso, a tomar um lugar cada vez mais importante
na vida do candomblé, modificando simultaneamente sua estrutura e funcionamento. Nesse
sentido é cada vez mais importante o papel dos Ogãs.

425
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

seus membros individualmente. Por outro lado, a representação


e manifestação das divindades se revestem de rica e complexa
simbologia que, na prática, se expressa em vestimentas, ador-
nos os mais diversos e objetos rituais, próprios a cada divindade.
Existe ainda o emprego de sementes, ervas, folhas, plantas em
diversas cerimônias. Todos esses elementos têm a peculiaridade de
obedecer a certos requisitos rituais, o que importa na observância
de procedimentos escritos na sua produção, levando a que sua
oferta não seja tão afetada pelos processos de modernização19.
Neste nível, o candomblé é responsável direto pelo emprego de
artesãos que produzem os adornos e objetos rituais, costureiras
encarregadas das vestimentas, e produtores e comerciantes dos
diversos gêneros e materiais antes citados.

O culto, na Bahia, se amplificou e repercutiu mundialmente


ao servir de inspiração para inúmeras manifestações culturais
que foram traduzidas na produção musical de artistas de renome
internacional como Dorival Caymi, Gilberto Gil, Caetano Veloso,
Vinicius de Morais, Carlinhos Brown e muitos outros; na literatura de
Jorge Amado; na etnografia e fotografia de Pierre Verger20, na arte
plástica de Carybé, Calazans Neto, Mário Cravo Neto, Tati Moreno
e por fim nas grandes escolas do Carnaval como o Olodum, o Ylê
Ayê, e a Timbalada, cuja ação extrapola o artístico e transborda
para o social, e nos afoxés como os Filhos de Ghandi. Assim é que
O Olodum, um bloco de renome internacional, com 5,5 milhões
de discos vendidos, mantém uma escola em Salvador (Pelourinho)
onde atende a 360 alunos, constituindo uma referência nacional
e internacional pela inovação no trabalho com arte, educação e
pluralidade cultural (Rodrigues21, 2011, p. 7).

No Candeal, Carlinhos Brown (Timbalada) realizou o


projeto “Tá Rebocado”, de urbanização e saneamento do bairro,

19 Esta afirmação se aplica aos terreiros de candomblé tradicionais (como é o caso da Casa
Branca, do Alaketu, do Gantois e do Ilê Axé Opó Afonjá) que são conservadores. A maior parte
dos seus dirigentes são essencialistas e puristas. Esta pesquisa reflete muitas informações
gentilmente fornecidas pelo babalaô Otoniel dos Santos, à época Secretário da FENACAB.
20 Pierre Fatumbi Verger (1981) foi um etnógrafo e fotógrafo franco-baiano-africano.
21 Nome formal de referência de João Jorge Santos Rodrigues. Ver nota 37 seguinte.

426
FRAGMENTOS

que recebeu, em 2002, o Certificado de Melhores Práticas do


Programa de Assentamentos Humanos das Nações Unidas/ UN-
Habitat. Em 1994, ele fundou a Associação Pracatum de Ação
Social. O lugar é um centro de referência em cursos de formação
profissional em moda, costura, reciclagem, idiomas e oficinas de
capoeira, dança e de temáticas ligadas à cultura afro-brasileira,
além de uma escola infantil. Os projetos são parceiros de
instituições importantes mundialmente, como os Ministérios da
Educação e do Trabalho e a UNESCO (Pracatum, 2011).

Nascido do Terreiro Ilê Axé Jitolu, o Ylê Aiyê criou o


Centro Cultural Senzala do Barro Preto, onde cuida da realização
de diversas atividades sócio-culturais importantes (no bairro
da Liberdade - Curuzu) tais como: escola de primeiro grau,
socialização de menores através da música, dança e esportes,
e cursos profissionalizantes. Além dessas atividades, o Ilê Aiyê
desenvolve um consistente trabalho no campo da negritude,
onde a questão racial e cultural do negro é di- fundida (Ilê Aiyê,
2011).

Assumido com vigor pelo trade turístico baiano, o


candomblé conquistou o reconhecimento e o respeito da
sociedade em geral, ampliando o seu prestígio e verificando-se a
disseminação do uso de muitos de seus adornos e instrumentos
(pulseiras, colares, estatuetas de madeira e metal, instrumentos
musicais, etc.) sem qualquer vínculo com a prática ou compromisso
com a fé religiosa.

Segundo o Censo 2010 do IBGE as religiões afro-brasileiras


tiveram um crescimento de 52%, o maior, em termos relativos,
entre todos os grupos pesquisados. Hoje eles representam 0,35%
da população, o que em números absolutos atinge a marca de
682.500 22. A sociedade baiana em seus costumes é flexível e
não oferece um campo promissor para o radicalismo religioso 23.

22 Estes números são bastante duvidosos. Dado o preconceito que ainda é forte, muitos
adeptos do culto têm vergonha de assumi-lo publicamente, sendo muito comum se declararem
católicos, espiritualistas, ou sem religião. Não são poucos os católicos e ateus que adotam
algumas das práticas do candomblé ou usam adereços afro.
23 É importante deixar claro que não estamos negando a intolerância religiosa. Ela existe,

427
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

Mesmo os evangélicos não conseguem dobrar a arraigada


tradição afro da maior parcela da população.

Como afirma Santos:

O movimento contra a intolerância religiosa vem


se consolidando e alcançou já algumas vitórias,
sendo que entre as mais dignas de registro está
a condenação, em várias instâncias do judiciário
brasileiro, da Igreja Universal, em função de
agressões e ofensas publicadas no jornal da referida
igreja, que concorreram para a morte da yalorixá
Mãe Gilda, do Ilê Axé Abassá de Ogum. A data
do falecimento de Mãe Gilda, no ano de 2004, se
transformou no Dia Municipal Contra a Intolerância
Religiosa, através do projeto de uma vereadora
de Salvador. Em 2008, essa data se tornou o Dia
Nacional Contra a Intolerância Religiosa (projeto de
dois deputados federais da Bahia) (2009, p. 2).

Segundo Reginaldo Prandi (2009) em entrevista concedida


a Abadon do site Ceticismo Net, um dos maiores problemas
enfrentados pelas comunidades de candomblé para sobreviver é
a descentralização. Muitas vezes, há divergências sobre o culto e
os rituais dentro das próprias nações, já que as tradições afro não
constituem uma religião monolítica, mas vários cultos, oriundos
de diversos povos africanos, que foram trazidos para o Brasil.
Às vezes existem divergências dentro do próprio candomblé…
Segundo Pandri, não existe uma religião afro- brasileira, mas
várias. Dentro de cada uma, há grande diversidade de nações
e ritos diferentes, de acordo com as origens étnicas dos grupos
fundadores. Dentro da religião, há grupos que conhecem muito
pouco os outros. Para ele a falta de união entre as comunidades
gera uma dificuldade de se articular politicamente. Os terreiros
não se unem nem se organizam, o que gera uma fraqueza para
se defender. A religião afro tem origem no culto doméstico. As
relações são sempre simbolizadas pelo parentesco. Existe o pai-

porém é bem menor do que a existente nos estados do Sul e Sudeste.

428
FRAGMENTOS

de-santo, filho-de-santo, a casa-de- santo, como se fosse família.


Então, ainda segue essa ideia de que cada chefe de família é
responsável pela sua família. Não implica responsabilidade com
o outro. Cada comunidade é totalmente autônoma.

Não obstante, pode-se afirmar que a existência e a força


do candomblé em Salvador constituem um fenômeno peculiar de
nossa sociedade. Assim é que nos últimos anos, como relata Santos
(2009), muitos militantes dos movimentos ne- gros passaram
a valorizar e se integrar aos terreiros das diversas nações, que
passaram a se articular até mesmo em termos de ações políticas
e projetos diversos, realizando ações sociais e comunitárias.

Com esse processo de politização surgiram as


articulações, as ações conjuntas e as entidades
representativas. O que levou à ocupação dos espaços
em conselhos, como é o caso da representação
formal e legal dos terreiros no CDCN – Conselho de
Desenvolvimento da Cidadania Negra (Governo do
Estado) e no Conselho Municipal das Comunidades
Negras (Prefeitura Municipal de Salvador). Esse
processo de politização levou à criação da ACBANTU
– Associação Cultural de Preservação do Patrimônio
Bantu. A ACBANTU é integrante dos CONSEAs –
Conselhos de Segurança Alimentar em nível estadual
e nacional. E também à criação da AFA – Associação
de Preservação da Cultura e Religiosidade Afro e
Ameríndia, que agrega os Terreiros de Candomblé
de Caboclo (mistura da religiosidade africana e
indígena brasileira), muito presentes na Bahia
(Santos, 2009, p. 2).

No plano econômico os cultos afro não estão imunes ao


processo de globalização e a revolução cibernética. A divulgação
da sua prática e dos seus produtos vem alastrando-se na web, onde
se registra uma imensa quantidade de sites que comercializam
objetos e serviços dos mais variados, alguns sem demonstrar
preocupação com a veracidade das informações que propagam

429
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

e outros divulgando propositadamente informações falsas para


adquirirem vantagens comerciais.

Muitos produtos originários da África e naturalizados na


Bahia, como, por exemplo, o berimbau (hungu ou m’bolumbumba
em Angola e grande parte do continente africano), são fabricados
em larga escala no Estado de São Paulo, num processo industrial
que concorre com a produção artesanal baiana.

Na Praça da Sé (Pelourinho) estão localizadas empresas


importadoras dos artigos mais sofisticados, originários de São
Paulo e do exterior. Alguns terreiros fazem compras diretamente
nas cidades do Recôncavo Baiano 24.

A Feira de São Joaquim, segundo a Prefeitura de Salvador,


é a maior feira aberta da cidade. Espalha-se por dez quadras, em
22 ruas, em um espaço de mais de 34 mil metros quadrados. São
7.500 feirantes em mais de quatro mil boxes. Fundada há 41 anos,
a Feira de São Joaquim está em pleno processo de obtenção do
título de Patrimônio Cultural Imaterial do Brasil, conferido pelo
Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN).
A feira é o maior centro abastecedor dos artigos utilizados nos
cultos afro-brasileiros de Salvador. Lá se encontra desde animais
para sacrifícios até vestimentas de Orixás, contas e búzios vindos
da África e da Ásia.

24 Fazem parte do Recôncavo histórico e tradicional as cidades de Nazaré das Farinhas, onde
ocorre anualmente uma Feira de Caxixis (cerâmica), Maragogipe, São Félix, Muritiba, Cachoeira
e Santo Amaro da Purificação.

430
FRAGMENTOS

Tabela 1 - Produtos para o culto afro comercializados na Feira de São Joaquim

Fonte: Pesquisa de campo do Gecal/Unifacs na Feira de São Joaquim em julho de 2010.


Nota: Valores convertidos para Euros - Data da cotação utilizada: 04/11/2011. Taxa: R$
2,3923 = 1,00 €. Observe-se que os preços apresentados na Tabela 1 constituem preços não
especulativos. Um conjunto de atabaques (Run, Lé e Runpi) 25 pode custar até R$ 2.000,00.

25 São os nomes dos atabaques em função do tamanho (grande, médio, pequeno) e do som
(grave, médio e agudo): Run, Runpi e Lé.

431
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

Artesanato religioso

O artesanato de Salvador também recebe uma forte influência


dos cultos afro. Verdadeiras obras de arte popular são produzidas
em cerâmica, madeira e metal. O Mercado Modelo, o Pelourinho
e a Feira de São Joaquim são os maiores comercializadores de
artesanato religioso da capital baiana.

Os patuás26, que revelam a fé do povo baiano, são


comercializados através das miniaturas de Orixás, cerâmicas,
quadros, esculturas, pulseiras e colares de contas, búzios,
contreguns27, etc. Entre os produtos artesanais que merecem
destaque está a fitinha do Senhor do Bonfim, que é utilizada
sincreticamente também por membros do candomblé.

Os materiais utilizados nos cultos afro-brasileiros vêm sendo


modificados pela introdução de técnicas e materiais novos, como
tecidos sintéticos, metalóides, linhas de nylon, contas plásticas e de
resinas, galvanização de metais, que são amplamente usados por
artesãos, possibilitando a produção de objetos em maior escala, o
que barateia o produto final (Gecal, 2009). As fitinhas do Senhor
do Bonfim, por exemplo, deixaram de ser fabricadas em tecido de
algodão, substituído pelo nylon. Segundo alguns crentes perderam
parte do seu efeito, pois neste novo material, mais resistente, custa
muito a “graça” ser concedida quando se rompe a fita no pulso do
devoto. A modernização apresenta vantagens do ponto de vista
da racionalidade econômica. Porém muitos consumidores reagem
aos produtos modificados. Já existem até berimbaus “ecológicos”
construídos em plástico.

Os consumidores se dividem basicamente em três categorias.

26 Amuleto. Bentinho.
27 Um dos objetos mais populares do candomblé é o contregun, um bracelete de palha que
se coloca em torno do pulso ou braço, que serve para afastar, após uma cerimônia fúnebre do
candomblé, a alma do morto, que pode “possuir” aqueles que assistem à cerimônia. Então se
usa esse objeto para proteger as pessoas que ali estão. Mas hoje em dia, caiu no gosto popular
e foi disseminado o seu uso pelos baianos e turistas que muitas vezes nada têm a ver com a
religião e não sabem o que estão fazendo.

432
FRAGMENTOS

A primeira é a dos “turistas desavisados”, que compram qualquer


coisa desde que os encante. São vítimas dos espertalhões que
normalmente vendem produtos de baixa qualidade e a preços
elevados. A segunda é uma categoria cada vez mais significativa, a
dos “turistas especialistas”, que testam os produtos que compram
e em muitos casos exigem e conferem a originalidade do produto,
a sua exclusividade, a sua natureza artesanal, chegando ao ponto
de exigirem conhecer os mestres fabricantes. A terceira e última
é a dos compradores locais, cuja procura é muito pequena, pelo
menos nos mercados citados, que consideram caros e destinados
aos turistas28.

Alguns artesãos já exportam seus produtos, sendo os


maiores mercados Portugal, França, Itália, Espanha, Israel e África
do Sul, segundo informa a Dinho Artes e Percussão localizada no
Pelourinho.

Em geral, lucros altíssimos são obtidos no processo de


comercialização dos objetos confeccionados pelos artesãos baianos.
Não só os objetos têm sido despudoradamente copiados como
também padrões têm sido apropriados à revelia de seus criadores.
Na maior parte dos casos o controle desse processo escapa aos
artistas, que costumam receber quantias quase simbólicas por
seu trabalho de criação. Ocorre também não receberem nada
e assistirem à venda de cópias de seus trabalhos, com grande
qualidade, produzidos na China29 (Gecal, 2009).

As vestimentas dos Orixás utilizadas nas cerimônias, às vezes


vindas da África, são vendidas nas lojas por valores que oscilam
em torno de 600,00 €. São produzidas artesanalmente e utilizam
como matéria prima: contas plásticas, búzios, fibras de coco, sisal,
couro, lantejoulas, tecidos de variados tipos (Gecal, 2009).

Os instrumentos e os ritmos que são executados possuem

28 Aí não se considera os praticantes dos cultos afro que constituem uma demanda mais
especializada e pulverizada pelos mercados menores da cidade, São Joaquim e o Recôncavo.
29 A China é mundialmente conhecida pela sua prática de “benchmarking pirata”. Copiam as
criações locais de orixás, por exemplo, e as reproduzem em alta qualidade e grande quantidade
a preços bastante inferiores aos locais dada a escala e o dumping social que praticam.

433
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

valores históricos. São meios de comunicação e de informação,


são sagrados e, após as obrigações, tornam-se instrumentos de
materialização e exteriorização das forças vitais, ou seja, do axé.
Este é, por exemplo, o caso dos atabaques.

O axé30, energia vital, fundamento maior desta religião,


é fixado em objetos vários e por meio deles se transmite. Os
exemplos, enfim, podem ser numerosos. Até mesmo a identidade
do indivíduo relaciona-se intimamente a um conjunto particular de
objetos religiosos que geralmente desaparecem com ele, quando
de sua morte, como é o caso do colar de contas, um objeto sagrado
que a pessoa iniciada leva consigo e passa por uma preparação
especial para ter um significado para quem o usa. Como descreve
Bastide: “cada membro da seita tem um colar que lhe é próprio,
cujas contas são da cor da divindade a que pertence (...) mas o colar
não tem valor por si mesmo; deve sofrer previamente determinada
preparação; deve ser “lavado” (2001, p. 41).

Os cultos, as cerimônias, as festas e “trabalhos” realizados


pelo candomblé pedem folhas específicas. As principais são
mercadas nas feiras da cidade com destaque para as de São
Joaquim, das Sete Portas. Podem ser encontradas também no
Parque São Bartolomeu, uma reserva florestal que ainda sobrevive
na periferia da cidade. Muitos pais-de-santo ortodoxos dizem que
Ossãe, o Orixá das plantas medicinais e litúrgicas, não gosta que
se compre ervas nos mercados. Que elas devem ser colhidas na
natureza segundo os seus preceitos.

Instrumentos musicais

Como se sabe, a cidade do Salvador possui uma grande


vocação musical. Os instrumentos musicais percussivos dominam
o seu mercado. Em geral, são de origem africana, com pequenas
modificações realizadas com o passar do tempo para melhor

30 Segundo alguns crentes mais ortodoxos, inclusive antropólogos, esta palavra sagrada da
religião afro tem sido vulgarizada e profanada pela mídia.

434
FRAGMENTOS

atender aos novos estilos musicais. Foram trazidos pelos negros


na época da escravidão e servem até hoje para ritmar os cantos
e as festas dos cultos afro. Perpetuada pela tradição oral africana
a forma de produzir e de tocar esses instrumentos, sobreviveu ao
logo do tempo, sendo as informações passadas de pai para filho
nas sucessivas gerações.

A produção destes instrumentos exige poucos recursos, o


que viabiliza a sua fabricação artesanal em pequenas oficinas, na
maioria das vezes nas condições mais rudimentares possíveis e
disseminadas pela cidade em locais de difícil acesso para o grande
público, apenas conhecidos pelos intermediários compradores.
Os equipamentos utilizados são pouco sofisticados (usuais de
carpintaria), muitos fabricados ou adaptados pelos próprios
artesãos, bem como as instalações físicas que também são
extremamente precárias e insalubres. O trabalho é realizado em
família, numa tradição que passa de pai para filho. Utilizam como
matéria-prima restos de madeira obtidos na construção civil (num
autêntico mercado de sucata). A pele dos instrumentos é originária
do interior do Estado, sendo muito utilizado o couro de bode e
de cobra. A intermediação é muito grande, havendo o caso de
existirem três negociantes entre o produtor e o fabricante. O nível
de instrução é baixo e a propensão associativa é inexistente (no
que pouco difere das camadas mais esclarecidas da população).
Vêem com profunda desconfiança e ceticismo a possibilidade de
receberem algum tipo de ajuda.

Quarenta por cento do universo pesquisado pelo Gecal


(2009) utiliza exclusivamente o seu próprio trabalho como mão-
de-obra e setenta e três por cento possui até três funcionários.
Esta mão-de-obra, em geral, é quase toda oriunda da própria
família do artesão. Setenta por cento do universo pesquisado está
na informalidade. E não pretendem se formalizar. Alegam que
temem o pagamento de impostos e as pressões da fiscalização.

435
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

Figura 3 - Localização dos produtores de instrumentos musicais.

Fonte: Gecal - Pesquisa 2009.

Argumentam que a margem de lucro do setor é muito baixa,


tornando-se insustentável a legalização de alguns deles. Para se ter idéia,
a maioria possui uma receita mensal de aproximadamente $7.000,00
(3.000,00€) e outra parcela, também significativa, não ultrapassa a
receita mensal de até R$ 3.000,00 (1.300,00€) . Assim sendo, quando
são pagos os custos, muito pouco sobra que compense os esforços
(Gecal, 2009).

A Tabela 2 fornece uma idéia do grau de exploração dos


produtores de instrumentos musicais em Salvador. Foram considerados
na pesquisa os dois maiores pontos de venda destes produtos na cidade.

436
FRAGMENTOS

Tabela 2 - Margens de lucro dos vendedores nos mercados de instrumentos musicais


de Salvador.

Fonte: Pesquisa direta do Gecal, 2009.

437
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

Observe-se que todos os comerciantes, tanto os do Mercado


Modelo quanto os do Pelourinho, possuem margens de lucro superiores
a 100%, pois compram os instrumentos diretamente dos produtores por
preços aviltados.

É importante destacar que estas receitas poderiam ser muito


maiores se o mercado não funcionasse em regime de oligopsônio. Este
regime se formou ao longo do tempo e de forma natural, diante da total
omissão das autoridades regulamentadoras (o Governo). Comerciantes
antigos foram ocupando os espaços de comercialização, muitos mediante
proteção política, dedicando-se ao atendimento da procura pelos turistas.
Uma parte deles montou pequenos fabricos e outra parte ingressou no
mercado do “sistema fabril a fação ou disperso31”, montando uma rede
de fornecedores que trabalham pautados – recebendo a matéria-prima e
as especificações do produto; ou em artesanatos caseiros e em oficinas.
Trata-se de uma imensa rede que se espalha por alguns bairros e subúrbios
de Salvador. Estes produtores, muitos deles artistas, ou não possuem “tino
comercial” ou não têm acesso ao mercado. Não existe mais espaço para
mostrar suas peças. Se as colocarem nas ruas a Prefeitura confisca. Por
outro lado, se forem vender não produzem. E assim acabam presos na
teia dos comerciantes e dos intermediários – outra categoria especializada
em ir buscar o produto nas fontes e até em exportá-lo. Além disso, os
comerciantes recebem os produtos em consignação, o que significa
liquidar as possibilidades de capitalização e a limitação do capital de giro.
Por essas e por outras as novas gerações estão fugindo do ofício dos pais,
cuja perspectiva em médio prazo é a de extinção.

O Carnaval

O Carnaval é uma importante manifestação cultural de Salvador,


pelo volume de recursos humanos e financeiros que mobiliza, numa
sinergia com o organismo sociocultural e pela imagem da cidade, que
projeta de forma significativa no mercado turístico nacional e internacional.

31 Ver uma excelente descrição deste sistema em Staley & Morse (1971, p. 18).

438
FRAGMENTOS

O Carnaval é uma festa móvel ocorrendo entre os meses de


fevereiro e março de cada ano, tendo na capital baiana uma duração
oficial de seis dias, começando na quinta-feira à noite e encerrando-se na
manhã da Quarta-feira de Cinzas. Ocupa em média 25 km de ruas para
os desfiles nos três circuitos em que se divide a festa e nos quatro bairros
onde são montados palcos32.

Uma das forças africanas na festa é o afoxé. Como explica o


historiador Cid Teixeira (2011), trata-se de um bloco carnavalesco, uma
brincadeira de forma, conteúdo e comportamento específico tendo em
vista que os seus membros fo- liões estão vinculados a um terreiro de
candomblé, unidos por uma religião, pelo uso de uma língua, dança,
ritmos e códigos de origem nagô. Entre os afoxés baianos os Filhos de
Gandhy é o mais famoso. Com sua roupa branca, seu turbante felpudo,
inicialmente foi composto por negros, homens de origem humilde,
operários, ligados aos inúmeros terreiros de candomblé da Bahia. Mais
recentemente intelectuais, acadêmicos, políticos e personalidades atraídas
pela fama têm se agregado aos afoxés mais famosos. O primeiro grupo de
afoxé saiu às ruas em 1895 e mostrava aos foliões de Salvador aspectos
dos ritos do candomblé.

Figura 4 - Filhos de Ghandy em desfile (Fotografia de Eduardo Freire/G1).

32 Dados da Prefeitura Municipal, comprovados empiricamente.

439
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

Outras manifestações culturais enriquecem os carnavais


baianos como os blocos afro: Olodum, Ilê Aiyê, Timbalada, Malê
Debalê, Muzenza e muitos outros. A cultura africana, a plasticidade e
beleza das suas coreografias, a criatividade dos seus temas, a louvação
da “mãe África”, e o ritmo contagiante das suas baterias conduzidas
no som sincopado dos atabaques, constituem a força desses blocos.

Os números da festa são os fornecidos pelo governo mediante


pesquisa realizada pela Secretaria de Cultura do Estado da Bahia
(Infocultura, 2011) que aponta para um comportamento singular
dos moradores de Salvador nos últimos três anos. A pesquisa indica
que a grande maioria da população de Salvador não participa da
festa. Esta ausência atingiu os níveis de 83,8% da população em
2008; 81,00% em 2009 e 81,50% em 2010. Isto significa que alguma
coisa está errada nos rumos da festa. Cabe investigar.Da população
local que participou da festa em 2010, 18,50% segundo a Infocultura
(Carnaval 2010), a maioria esmaga- dora era de negros (87,4%). Desta
maioria, quase a totalidade (91,2%) é integrante da categoria dos
foliões “pipoca”, ou seja, aquele folião que não participa de qualquer
entidade carnavalesca e que brinca livre nas ruas, imprensados pelos
“cordeiros”33 e pelos trios elétricos. A participação predominante é
de turistas e grande parte deles é brasileira da região Sudeste34 .

A festa rende muito dinheiro, mas os resultados estão


concentrados em um grupo restrito de organizações privadas.
Segundo os dados que foram apurados pelo Gecal junto à Emtursa
e Bahiatursa, empresas turísticas do Município e do Estado,
respectivamente, para o ano de 2004, as empresas carnavalescas
absorveram 52,01% dos recursos gerados pela festa, cabendo aos
setores de transporte e montagem, bebidas, mídia e hospedagem
outros 42,07% de toda a renda gerada, ficando para as atividades
que podem ser classificadas como de pequeno e médio porte como
os restaurantes, bares e lanchonetes os restantes 5,92%.

33 Cordeiros são pessoas contratadas para segurar as cordas que delimitam os espaços
privativos dos blocos, separando seus integrantes dos foliões pipoca circundantes. São homens
fortes, na totalidade negros e muito pobres.
34 Dados fornecidos pelos hotéis com base em seus registros de hóspedes.

440
FRAGMENTOS

Os turistas estrangeiros parece que diminuem a cada ano,


assinalando-se porém a presença de sul-americanos, notadamente
argentinos, e europeus com destaque para os italianos e espanhóis35.

Segundo a opinião de diversos estudiosos do assunto, o


Carnaval baiano apresenta sinais de decadência e em médio prazo,
se nada for feito em sentido contrário, murchará ou, o que é pior,
degenerará como tantos outros eventos populares baianos36. Três
fatos, pelo menos, contribuem para este destino, a saber:

I. A elitização da festa. Inegavelmente ela deixou de ser


popular. O povo que não tem dinheiro para comprar um abadá, ou
levar a família para um camarote, está sendo expulso da folia. O
seu espaço foi loteado: no Carnaval baiano, agora, só com abadá
ou camarote. E quem participa como “pipoca”, pode ser vítima da
violência policial utilizada, claro, nos “ppp”37. Assistindo a cobertura
do Carnaval pela TV tudo é muito bonito e democrático. E é só festa e
alegria. No entanto, como denuncia a imprensa, um circo de horrores
ocorre no “under-ground”.

II. O desligamento gradativo das origens africanas. A África


e sua cultura consti- tuíam o leitmotiv da festa. Porém, assiste-se a um
desligamento desta origem inspiradora que atingiu o seu auge nas
décadas de 1970 a 1990. O Axé Music entrou em franca decadência.

III.A morte da criatividade. A severa redução da qualidade da


educação na cidade, como de resto em todo o Estado, notadamente
nas escolas públicas, contribui para a produção de músicas de
péssimo gosto, que normalmente apelam para a pornografia. A perda
da criatividade dos compositores baianos é um fenômeno discutido
na mídia por diversos personagens da cena musical baiana. Ver, por
exemplo, as declarações de João Jorge Santos Rodrigues, Presidente
do Olodum, em entrevista à Revista Muito, n° 189, novembro de
2011, sob o título “A Bahia perdeu sua capacidade criativa”. Coisas
como o pagode, funk e outras, tomaram conta das ruas e retiraram

35 Segundo os registros dos hotéis.


36 As críticas ao modelo do Carnaval baiano são tão fortes e constantes na mídia, que os
principais empresários do setor e artistas estão se mobilizando para discutir a festa.
37 Ironia baiana. Significa: pretos, pobres e periféricos.

441
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

todo o encanto da festa. São palavras de João Jorge38:

A Bahia perdeu muito da sua capacidade criativa e


inovadora nas áreas da literatura, teatro, música, artes
visuais, lazer e do entretenimento. Quando se perde
essa capacidade de fazer coisas novas em todas essas
áreas, você passa a viver do antigo, não que este seja
ruim, mas não se estabelece a ponte com o presente e
com o futuro. A Bahia precisa inovar. O teatro feito hoje
é o mesmo dos anos 1980. Na música ainda estamos
na última invenção, que foi o samba-reggae. Nada de
novo de lá para cá. A Bahia estagnou. Mais, estamos
voltando para trás (2011, p. 8).

Sobre a perda de espaço do samba reggae39 para o “pagode” que


hoje domina o cenário artístico local, afirma Rodrigues (2011, p. 10):

Travamos todo tempo uma guerra contra produtoras,


contra um modelo de pensamento. O samba-reggae é
uma música político-ideológica da comunidade negra,
pulsante e dinâmica. Ora, ela não atendia aos esquemas
da indústria de entretenimento. Então aqui na Bahia,
esse espaço foi diminuído, substituído por algo terrí-
vel, que não é o pagode em si, mas as coisas que não
são boas dentro do pagode. Então, o fato de não terem
esse controle sobre o nosso produto levou a isso.

Assim sendo, o Carnaval baiano é cada vez mais um


megaempreendimento capitalista, programado para uma elite de
novos ricos, “famosos” da televisão, socialites e deslumbrados que
curtem tudo nos camarotes. Foge gradativamente das suas origens
e elimina as chances da geração de micro e pequenos negócios pela
maior capacidade de articulação e competitividade de diversos grupos
de interesse internos e externos à festa.

Sobre a apropriação do Carnaval pelas classes abastadas e a

38 Este é o nome artístico pelo qual João Jorge Santos Rodrigues é internacionalmente
conhecido. Por razões metodológicas ele é citado como Rodrigues, conforme registro no CNPq.
39 Ver também Guerreiro (2000, p. 271).

442
FRAGMENTOS

expulsão dos pobres, já dizia Singer (1998) que tanto o progresso


como a miséria são produtos do mesmo processo que consiste
na penetração e na expansão do capitalismo num meio em que
predominavam outros modos de produção. Trata-se de um processo
de transformação estrutural, que evolui ao longo do tempo. O
capital penetra em determinados ramos de atividade em que possui
maiores vantagens em relação ao modo de produção preexistente,
revolucionando os métodos de produção e introduzindo outras
relações de produção. Ou então, ele surge mediante a implantação
de atividades novas, que só ele é capaz de suscitar. Cria-se, então,
um inter-relacionamento dinâmico entre o segmento capitalista e os
outros modos de produção que são postos à disposição do capital,
transformando-se, por exemplo, em reservatório de mão-de-obra, ou
em “cordeiros” diríamos nós.

Conclusão

A pesquisa de que deriva este texto procurou basicamente


relatar aspectos da influência dos cultos afro na economia cultural da
cidade do Salvador, passando pelo candomblé e desembocando nos
setores que lhe estão mais próximos, como o artesanato, a produção
de instrumentos musicais e o Carnaval. O quadro observado inspira
preocupação.

Entende-se que é urgente a necessidade da formulação de


políticas públicas que contemplem de forma eficaz os segmentos
pesquisados que transitam entre a formalidade e a informalidade,
ponteadas por empreendimentos de grande a pequeno porte.
Entende-se também que não existe como se formular uma política
uniforme para o setor. Deverão ser várias políticas enfeixadas num
programa de fomento à economia cultural na cidade de Salvador, de
contornos multifacetados compostos por projetos que se ajustem à
tipicidade de cada segmento e que no conjunto respeitem a cultura
específica de cada um, nunca procurando impor modelos exógenos
de organização empresarial quando na presença de comportamentos
arraigados da comunidade. Estes projetos também devem ter cuidado

443
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

com a preservação da pureza tradicional do segmento estudado,


evitando a introdução de modernidades que possam prostituí-lo e,
consequentemente, eliminar o seu valor intrínseco que constitui o
maior patrimônio para aproveitamento pela indústria do turismo40.
Isto importa na capacidade de aceitação do statu quo informal, o que
significa admitir que, se forem formalizadas, determinadas atividades
poderão desaparecer, dado que suas lideranças atingiram o limite
de suas competências, como ensinam Peter e Hull (1969), e que
forçá-las a migrar para novos patamares consiste em condená-las a
uma situação pior do que a anterior. Os programas e projetos que
contemplem efetivamente a realidade brasileira devem exercitar a
criatividade na construção de modelos inéditos e ajustados à situação
estudada, despidos da preocupação monocórdia que consiste em
cópia medíocre dos modelos organizacionais ditados pela cultura
anglo-saxônica. Assim sendo torna-se necessária a criação de
mecanismos e alternativas que efetivamente garantam espaços
para os pequenos e que possibilitem uma efetiva democratização
na geração da renda, notadamente no Carnaval. Isto passa por uma
revolucionária compreensão não fiscalista de que a receita pública
para investimentos pode aumentar através da redução das despesas
de subsídio social direto aos desvalidos, quando esses adquirem
renda legítima para atender suas necessidades (antes providas pelo
Estado), pelos efeitos diretos do trabalho nos segmentos informais.

Sem pretensões panfletárias, afirma-se que não existe


desenvolvimento apenas sob a ótica capitalista da acumulação e que
podem existir outras lógicas econômico-culturais que podem vicejar e
sobreviver, mesmo num mundo globalizado. Descobri-las, entendê-las
e protegê-las constitui um desafio para os estudiosos e pesquisadores
que não devem se deixar vencer pela falta de criatividade, submissão
colono-intelectual e mediocridade consuetudinárias.

Neste sentido, vale recordar o alerta de Hirschman (1980) em


seu ensaio “Auge y ocaso de la teoría económica del desarrollo” que, na
sua inconformidade antevia, com clarividência, a revolução neoliberal

40 Podemos ser considerados puristas. E talvez sejamos, pela convicção que temos de que
é a perda da pureza, o afastamento da tradição, o abastardamento das práticas, que têm
conspurcado a beleza natural da arte e afastado o público.

444
FRAGMENTOS

e a volta do paradigma que ele denominava de “monoeconomia”, ou


seja, a validade da aplicação exclusiva e universal da teoria econômica
gestada no primeiro mundo. O que constitui um desastre para os
países pobres da África, Ásia e América Latina.

Este estudo não pretende delinear um programa. Serão feitas


apenas algumas considerações sobre os segmentos aqui estudados.

O candomblé é vítima da modernidade que o deturpa e que


dificulta a renovação dos seus quadros pela fuga dos jovens atraídos
por novas ocupações, ou, o que é pior, recrutados pela criminalidade,
onde se destaca o narcotráfico. Em Salvador os cultos afro foram vítimas
nos últimos oito anos de uma administração municipal evangélica
que até terreiros mandou destruir41. Também o acarajé, o famoso
bolinho de Xangô, tombado pela UNESCO como patrimônio cultural
da humanidade, não escapou da sanha exorcista dos evangélicos.
Está sendo vítima de um ataque dos fanáticos pseudo-religiosos que
criaram um similar denominado de “bolinho de Jesus” 42.

O que cabe fazer no caso do candomblé?

Preliminarmente deve-se fortalecer, política e financeiramente,


órgãos como Instituto Mauá43, o Instituto do Patrimônio Artístico e
Cultural da Bahia (IPAC),

o Centro de Estudos Afro-Orientais (CEAO)44 e outras instituições


cientificamente sérias para, em seguida, com elas ou através delas,
estabelecer uma política consistente que impeça a destruição deste
culto. Dentro destas políticas, uma que se afigura de maior urgência
consiste na proteção dos terreiros contra a especulação imobiliária e
a reserva de territórios para o culto, com a preservação dos poucos

41 Foi obrigada pela Justiça a reconstruir tudo e a indenizar as vítimas. O prejuízo político foi
incalculável.
42 Não obtiveram sucesso. As baianas evangélicas não conseguem concorrer com as baianas
tradicionais. Principalmente no tempero.
43 Autarquia estadual incumbida de cuidar do artesanato que se encontra totalmente fossilizada.
44 Que há mais de 50 anos estuda este segmento.

445
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

espaços verdes ainda remanescentes em Salvador, entre os quais o


Parque de São Bartolomeu. Esta proteção deve figurar com clareza
no Plano Diretor da Cidade. Também será de muita importância um
aumento do intercâmbio com a África, inclusive com a promoção de
congressos e festivais, intercâmbios de estudantes e de estudiosos.

A pesquisa do Gecal (2009) identificou que os produtos


religiosos consumidos em Salvador procedem, majoritariamente,
de São Paulo e de vários lugares do planeta, inclusive da China e
Filipinas, o que ressalta a importância de determinarem-se os volumes
consumidos e as especificações dos diversos produtos para que se
possa avaliar as exigências de escala e a consequente viabilidade de
sua fabricação local.

Os artesãos baianos carecem de acesso ao microcrédito


para a aquisição de insumos e, sobretudo, de apoio ao marketing
dos seus produtos. Uma política de criação de novos espaços para
exposição que, a exemplo do Pelourinho e do Mercado Modelo,
gere externalidades para os artesãos, se insere como uma medida
indispensável. Esses espaços, que atraem turistas, configuram
mercados importantes para o escoamento de uma produção que
muitas vezes é realizada de porta em porta, de hotel em hotel. Praças
e jardins podem ser programados sistematicamente para feiras de
artesanato. Neste aspecto a Bahia tem muito a aprender com outros
estados nordestinos, entre os quais Pernambuco, Ceará e Rio Grande
do Norte.

No segmento vinculado à música, pesquisou-se o setor


responsável pela fabricação de instrumentos musicais. Constatou-
se a existência de inúmeras fabriquetas de instrumentos de
percussão vicejando, em sua maior parte, na informalidade. Neste
caso, concluiu-se pela necessidade da realização de um estudo de
viabilidade econômica para o desenvolvimento de um projeto que
contemple a implantação de pequenas fábricas desses instrumentos
em Salvador que viriam, provavelmente, conformar no futuro um
arranjo produtivo local.

Quanto ao Carnaval, no estágio em que se encontra, é um


resultado de uma política neoliberal que vem sendo desenvolvida

446
FRAGMENTOS

pela Prefeitura do Salvador, que centrou seus esforços em preparar


o palco (a cidade e seus circuitos), para que os foliões possam
brincar confortavelmente ao longo dos seis dias de festas. Criadas as
condições, prosperou uma indústria que se apropriou deste espaço,
expulsou a massa popular e fatura milhões de reais no esquema
BTC (bloco, trio, camarotes). Na esteira desta indústria surgiu uma
nova classe, a do artista-empresário que acumula fortunas. Esta é
uma grave distorção a corrigir. A acelerada concentração da renda
em poder de um pequeno grupo, que já assume características
oligopolísticas, formando um cartel, elimina as chances competitivas
dos pequenos empresários, e reduz o espaço da festa para os “foliões
pipocas” que constituem, ainda, e provavelmente por muito tempo,
parcela majoritária do público brincante. Isso, além de elitizar a festa,
poderá matá-la em médio prazo. Não custa lembrar que quem fez e
faz mesmo a festa é o povão que, por uma questão de sobrevivência,
deve ser respeitado.

A propósito é de se lamentar que a Fábrica de Carnaval, um


projeto genuinamente baiano de geração de emprego e de renda,
não tenha sido desenvolvido na Bahia. Porém faz grande sucesso no
Rio de Janeiro e São Paulo, que o copiaram e empregam centenas de
micro empresários.

Todas estas considerações e muitas outras similares vêm sendo


feitas desde o ano de 2003 por diversas pessoas que estudam o
desenvolvimento de Salvador. Mas, como diz o ditado popular, caem
em “ouvidos moucos”.

Quando se vê o que é realizado em outros estados do


Nordeste, constata- se que a incompetência administrativa, a falta
de imaginação, de criatividade e de sintonia com os reais interesses
da população de Salvador, da parte das administrações municipais e
estaduais, é um caso calamitoso. Parece que o comportamento e a
cultura das nossas “elites” do século XIX se perpetuaram até os dias
atuais. Este é um verdadeiro “enigma baiano”. Porém, como dizia o
velho governador baiano Octávio Mangabeira: “pense num absurdo
e na Bahia tem precedentes”.

447
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

Referências

Bastide, R. (1985). As religiões africanas no Brasil: Contribuição a uma


sociologia das interpene- trações de civilizações (2ª ed.). São Paulo: Pioneira.

Bastide, R. (2001). O candomblé da Bahia. São Paulo: Companhia das Letras.

Carneiro, E. (1959). Os cultos de origem africana no Brasil. Rio de Janeiro:


Biblioteca Nacional.

Carneiro, E. (2002). Candomblés da Bahia. Rio de Janeiro: Civilização


Brasileira.

Costa Lima, V. (1977). A família de santo nos candomblés jejes-nagôs da


Bahia: Um estudo de relações intragrupais. Salvador: Corrupio.

De Paula, N. (2011). 458 anos da fundação da cidade de Salvador. In: www.


depaulaohisto- riador. blogspot.com (acedido em 8 de novembro de 2011).

Ferreira, A. B. de H. (2009). Novo dicionário Aurélio da língua portuguesa (4ª


ed.). Curitiba: Positivo.

Gecal. Grupo de Estudos da Economia Cultural. (2009). A economia cultural


de Salvador: Pesquisa de campo. Salvador: Unifacs.

Guerreiro, G. (2000). A trama dos tambores. A música afro-pop de Salvador.


São Paulo: Editora 34.

Hirschman, A. (1980). Auge y ocaso de la teoría económica del desarrollo. El


Trimestre Económico, 47 (188), 1055-1077.

IBGE. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. (2011). Sinopse do censo


demográfico 2010. Brasília: Autor.

Ilê Ayê (2011). Ilê 35 anos. In: http://www.ileaiye.org.br/ (acedido em 17 de


novembro de 2011).

Infocultura. (2011). Carnaval 2010: Comportamento dos residentes de


Salvador na festa e suas práticas culturais. Infocultura, 2 (6).

Karasch, M. C. (2000). A vida dos escravos no Rio de Janeiro: 1808-1850


(trad. P. M. Soares). São Paulo: Companhia das Letras.

Maia, Vasconcelos. (1977). ABC do candomblé. Salvador: Edição do Autor.

448
FRAGMENTOS

Mauss, M. (2011). Ensaio sobre a dádiva. São Paulo: Edições 70. (Obra
original publicada em 1950).

Mintz, S. (1970). Foreword. In: Whitten, N., & Szwed, J. (Org.), Afro-American
Anthropology. (pp. 1-16). Nova Iorque: The Free Press. Apud Sansone, L.
(1994, p. 2).

Morin, E. (2003). Os sete saberes necessários à educação do futuro (8ª ed.).


São Paulo: Cortez; Brasília, DF: UNESCO.

Munanga, K. (2002). Cem anos e mais de bibliografia sobre o negro no


Brasil. São Paulo: Centro de Estudos Africanos da USP e Fundação Cultural
Palmares.

Peter, L. J., & Hull, R. (1969). The Peter principle. Cutchogue, Nova Iorque:
Buccaneer Books.

Pracatum (2011). Trabalho social da Pracatum. In: http://carlinhosbrown.


com.br/mosaico/trabalho-social/associacao-pracatum (acedido em 17 de
novembro de 2011).

Prandi, R. (2009). Entrevista ao site Ceticismo Net. In: http://ceticismo.


net/2009/02/04/a- intolerancia-contra-o-candomble-a-raiz-do-racismo-no-
brasil/ (acedido em 17 de março de 2012).

Ramos, A. (1956). O negro na civilização brasileira. Rio de Janeiro: Casa do


Estudante do Brasil.

Rankbrasil. Livro de Recordes. (2011). Cidade brasileira com maior número de


negros. In: www. Rankbrasil.com.br (acedido em 8 de novembro de 2011).

Reis, J. J. (2003). Rebelião escrava no Brasil. A história do levante dos Malês


em 1835. São Paulo: Companhia das Letras.

Ribeiro, D. (1995). O povo brasileiro. A formação e o sentido do Brasil. São


Paulo: Companhia das Letras.

Rodrigues, J. J. S. (2011). A Bahia perdeu a sua criatividade. A Tarde, Revista


Muito, n° 189, pp. 7-10.

Rodrigues, N. (1977). Os africanos no Brasil (5ª ed.). São Paulo: Cia. Editora
Nacional.

Sansone, L. (1994). O local e o global na Afro-Bahia contemporânea.


Trabalho apresentado na XVIII Reunião Anual da ANPOCS, GT “Relações
raciais e identidade étnica”. Caxambu, 23-27 de novembro de 1994.

449
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

In: www.anpocs.org.br/portal/publicacoes/ rbcs_00_29/rbcs29_04.htm


(acedido em 19 de março de 2012).

Santos, J. T. (2007). Os candomblés da Bahia no século XXI. In: http://www.


terreiros.ceao. ufba.br (acedido em 15 de março de 2012).

Santos, N. (2009). Candomblé: Da resistência à politização. Le Monde


Diplomatique Brasil, Edição 56, março de 2012.

Singer, P. (1998). Economia política da urbanização (14ª ed. rev.). São Paulo:
Contexto. Spinola, N. D. (2003). Economia cultural de Salvador. Salvador:
Unifacs.

Staley, E., & Morse, R. (1971). Industrialização e desenvolvimento. A pequena


indústria moderna para os países em desenvolvimento. São Paulo: Atlas.

Teixeira, C. (2011, fevereiro 23). O trio elétrico – Manda descer. Declaração


ao jornal Folha da Bahia. In: www.folhadabahia.com (acedido em 5 de
novembro de 2011).

Towse, R. (2003). Manual de economía de la cultura. Madrid: Fundación Autor.

Verger, P. F. (1981). Orixás: Deuses iorubás na África e no Novo Mundo. São


Paulo: Corrupio. Vertuan, R. O. (2009). Religiões de matrizes africanas: O
desconhecimento que causa o pre-conceito. In: http://fiutcab.blogspot.com.
br/2009/11/religioes-de-matrizes-africanas-o. html (acedido em 17 de março
de 2012).

Viana de Fátima, C. (2007). Candomblé: Onde os deuses dançam a sua


humanidade. Goiânia, 5 (2), 513-518.

Vianna Filho, L. (1946). O negro na Bahia. Rio de Janeiro: José Olympio.

Whitten, N., & Szwed, J. Introduction. In: Whitten, N., & Szwed, J. (Org.),
Afro-American Anthropology (pp. 23-62). Nova Iorque: The Free Press. Apud
Sansone, L. (1994, p. 2).

450
FRAGMENTOS

ARTIGO

A IMPLANTAÇÃO DE
DISTRITOS INDUSTRIAIS
COMO POLÍTICA
DE FOMENTO AO
DESENVOLVIMENTO
REGIONAL:
O CASO DA BAHIA.

12
451
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

452
FRAGMENTOS

A implantação de Distritos
Industriais como Política de
Fomento ao Desenvolvimento
Regional: O Caso da Bahia.
Noelio Dantaslé Spinola
Doutor em Geografia pela Universidade de Barcelona. Professor e
pesquisador da Unifacs. E-mail: noelio.spinola@unifacs.br

Introdução

Este estudo apresenta as conclusões de um trabalho de


investigação que teve como objetivo analisar o impacto da política
de localização industrial no desenvolvimento regional e urbano do
Estado da Bahia.

Com este propósito, examinaram- se os programas de fomento


à industrialização da Bahia, executados no período compreendido
entre 1967 e 1999 e que deram origem aos distritos industriais da
Região Metropolitana do Salvador - RMS1 e a outros localizados em
municípios do interior do Estado.

As áreas pesquisadas compreenderam a cidade do Salvador,


capital do Estado, a sua Região Metropolitana - RMS e os cinco
maiores municípios do interior, representados por Feira de Santana,
Ilhéus, Vitória da Conquista, Juazeiro e Jequié. No conjunto, essas
áreas respondiam, em 1997, por 71,12% do Produto Interno Bruto
e 30% da população estadual, e abrigavam os principais distritos
1 A RMS está composta pelos municípios de Salvador, Camaçari,Dias D'Ávila, Lauro de Freitas,
Candeias, Simões Filho, São Francisco do Conde, ltaparica, Vera Cruz e Madre de Deus.

453
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

industriais da Bahia .

A história econômica da Bahia registra que, a partir da segunda


metade dos anos 60, o Estado tentou promover a decolagem do
seu processo de desenvolvimento industrial que, acreditava-se à
época, seria o elemento motor de outro processo mais amplo de
desenvolvimento econômico e social.

A estratégia adotada consistiu basicamente numa política


de construção de centros e distritos industriais, tanto na Região
Metropolitana de Salvador quanto nas cidades do interior,
consideradas mais bem dotadas de infra-estrutura e vocacionadas
para a implantação de empreendimentos industriais.

A expectativa dominante era a de que seria possível a criação


de condições para o desenvolvimento industrial, mediante a oferta
de terrenos infra-estruturados, a preços subsidiados, em áreas bem
localizadas que propiciassem a geração de externalidades e, através
delas e dos subsídios governamentais representados pelos incentivos
fiscais, se obtivessem vantagens competitivas “vis à vis” outras
indústrias, notadamente aquelas localizadas na região Sudeste do país.

Esse processo deveria promover a criação de empresas


industriais voltadas para o aproveitamento de recursos naturais das
regiões em que se inserissem, o que induziria efeitos multiplicadores
de crescimento a montante (agricultura) e a jusante (comércio e
serviços).

No caso específico dos distritos implantados no interior,


pregava-se, também, a integração do núcleo industrial ao núcleo
urbano, objetivando, de um lado, promover o desenvolvimento
local e, do outro, possibilitar o aproveitamento da infra-estrutura
existente, notadamente no plano habitacional, e minimizar os custos
de implantação, otimizando a relação trabalho/transporte/moradia.

Inspiravam-se os planejadores de então nas teses da Comissão


Econômica para a América Latina e o Caribe – CEPAL, um organismo
técnico da ONU, as quais ficaram conhecidas historicamente como
industrialismo e foram adotadas pelos governos de orientação
nacional–desenvolvimentista que dirigiram o Brasil até o início da

454
FRAGMENTOS

década de 90.

Entretanto, nesses trinta e dois anos de política industrial,


a Bahia não conseguiu promover o desenvolvimento econômico e
social aspirado pelos seus órgãos de planejamento. Com um Produto
Interno Bruto de US$ 42 bilhões em 1997, a economia deste Estado
classifica-se como a sexta mais importante entre os vinte e sete estados
que compõem a federação brasileira. Não obstante, paradoxalmente,
classifica-se entre os estados detentores dos mais elevados índices
de indigência e pobreza do País, segundo estudos do Instituto de
Pesquisas Econômicas Aplicadas – IPEA, um organismo especializado
do Governo Federal.

“... a Bahia classifica-se entre os estados


detentores dos mais elevados índices de
indigência e pobreza do País...”

Segundo o IPEA, no período de 1996/1997, 80,45% da


população baiana se encontravam abaixo da chamada linha de
pobreza, com uma renda mensal inferior a US$ 80,542 e 60,24%
abaixo da linha de indigência, com uma renda mensal de US$ 39,65.

Neste estudo, procura-se examinar o que realmente aconteceu,


mediante a confirmação das seguintes hipóteses que explicam o
problema como sendo decorrente de:

a) uma conseqüência da dinâmica do processo de


desenvolvimento econômico brasileiro, caracterizado pela
formação tardia da sua estrutura capitalista, e da construção
desta estrutura prioritariamente na região Sudeste do País,
o que estabeleceu as bases dos desequilíbrios regionais
e as limitações de um mercado consumidor regional,
restringindo as condições empresariais de obtenção de

2 Valores baseados na cotação do dólar de junho de 1999 a R$ 1,85.

455
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

escala e de custos competitivos no mercado nacional e


internacional;

b) uma opção equivocada do planejamento, ao privilegiar-


se o princípio da geração de externalidades e da
concessão de subsídios através de incentivos fiscais como
elementos suficientes para o fomento de um processo de
industrialização, associada à escolha da grande indústria
produtora de bens intermediários como o “motor” do
desenvolvimento regional, num processo que ficou
conhecido como de “desconcentração concentrada”, que
resultou na geração de uma base mono- industrial no
Estado, fundada no segmento químico/petroquímico;

c) uma herança do processo colonizador, baseado na escravi-


dão, que resultou na cristalização da secular pobreza local
e na formação de uma estrutura socioeconômica em que
o estamento social dominante, representado por uma
elite agro- comercial e financeira conservadora, inibiu a
formação de uma classe média com poder de consumo
e de um capital humano qualificado para a inovação e o
empreendedorismo.

Visando melhor definir alguns conceitos-chave utilizados neste


estudo, investigou-se o entendimento que vigorava no Brasil, até o
final da década de 70, para a denominação das áreas de localização
concentrada de indústrias.

Assim, entende-se aqui que:

Centro industrial – “é basicamente um instrumento de


planejamento e sua resultante efetivação, consubstanciada pela
ocupação racional de uma área bem definida, à qual se associa um
conjunto de motivações industriais, harmonizadas ao processo geral
de desenvolvimento econômico da região” (PINTO, 1975). Um centro
industrial pode-se subdividir em complexos ou em distritos.

Complexo industrial – “é um conjunto de unidades

456
FRAGMENTOS

manufatureiras localizado em determinado espaço geográfico,


planejado com base em uma estrutura física comum, criado em torno
de uma indústria principal denominada também de unidade medular
ou foco do complexo. Essas unidades estão ligadas entre si por
importantes relações tecnológicas e econômicas” (SAMPAIO, 1975).

Distrito industrial – é uma “área industrial planejada,


estreitamente vinculada a um núcleo urbano e dotada de infra-
estrutura física e serviços de apoio necessários à indução de um
processo de desenvolvimento industrial” (ANEDI, 1976).

Vale ressaltar que esses conceitos permaneceram sem


alterações na Ba- hia até o final da década de 90 em consequência
do declínio da atividade de planejamento no Estado, a par- tir dos
anos 80, quando se passou a usar abusiva e equivocadamente o
termo “pólo” para denominar toda e qualquer concentração de
empreendimentos agrícolas e agro-industriais que apresentassem
perspectivas promissoras de expansão.

A primeira experiência baiana no programa de industrialização,


via a criação de distritos industriais, iniciou-se em 1967, na RMS
com o Centro Industrial de Aratu, conhecido pela denominação da
baía em torno da qual foi construído. Adotando o mesmo modelo
institucional surgiu, logo depois, o Centro Industrial do Subaé, em
Feira de Santana. Em um segundo momento, ao levar este programa
de facilidades locacionais ao interior, o Governo do Estado denominou
suas unidades de “distritos”, tendo sido inicialmente criados os de
Ilhéus, Vitória da Conquista, Juazeiro e Jequié.

Posteriormente, o próprio Governo do Estado promoveu,


outra vez na RMS, a criação do Complexo Petroquímico de Camaçari
– COPEC, destinado a abrigar o segundo pólo petroquímico do País,
dimensionando- o para permitir, também, a localização de indústrias
de transformação e, inclusive, unidades não petroquímicas. Anos
depois, o Complexo foi ampliado, para incorporar uma unidade de
metalurgia do cobre e indústrias complementares. Com a recente
instalação de um parque automobilístico (o projeto AMAZON
da FORD) no seu espaço anteriormente destinado à indústria de
transformação petroquímica, que não logrou atrair para a Bahia, o

457
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

COPEC perdeu tecnicamente a sua característica de complexo para


se transformar em um centro industrial que abarca três complexos:
o petroquímico, o metalúrgico do cobre e o automobilístico. Porém,
dificilmente, a denominação original será modificada visto que está
consagrada pelo uso popular, absolutamente indiferente ao rigor
técnico conceitual.

Considerações sobre o
“ESTADO DA ARTE”

O estudo das alternativas de localização industrial constitui


um importante componente da teoria do desenvolvimento regional,
tendo ocupado, ao longo do tempo, as atividades de pesquisa de
inúmeros profissionais de diferentes áreas das ciências sociais,
notadamente os geógrafos e os economistas.

As formulações teóricas sobre o tema datam do final do século


XIX e se desenvolveram no século subseqüente, condicionadas pelo
processo de desenvolvimento capitalista, com marcante influência do
modelo de produção industrial taylorista/fordista.

Desta forma, no correr do tempo, as teorias da localização


industrial foram presididas por um paradigma funcionalista, tendo
recebido também contribuições humanistas na medida em que se
passou a discutir as questões relacionadas com a ruptura do atraso
econômico e da pobreza nos países ditos subdesenvolvidos.

Apesar do risco de imprecisão, visto que o processo social não


ocorre de forma temporalmente homogênea nas diversas regiões,
notadamente quando comparadas aquelas mais desenvolvidas com
as mais atrasadas, admite-se que a formulação teórica e o debate
sobre a questão locacional possa ser dividida em dois períodos.
O primeiro, que se encerra no final da década de 60, assistiu ao
aparecimento de duas correntes teóricas. Uma delas considerava os
mercados puntiformes, ou seja, os consumidores se concentrariam em
pontos discretos do espaço geográfico. O enfoque era estático, não

458
FRAGMENTOS

contemplava a interdependência locacional e o regime de mercado


era o da concorrência perfeita. As contribuições seminais desse grupo
foram as de Johann Heinrich von Thünen, Walter Christaller e Alfred
Weber. Para a segunda corrente os consumidores encontravam-se
dispersos em áreas de mercado de diversos tamanhos. O enfoque
era dinâmico,admitia a interdependência locacional e o regime de
mercado era o da concorrência imperfeita. Nessa corrente, destacaram-
se Augusto Lösch, Harold Hotelling, Tord Palan- der e notadamente
Walter Isard. Na literatura, simplificadamente, os teóricos destas duas
correntes são denominados clássicos.

O segundo período, que retoma a questão a partir dos anos 80,


é movido, de um lado, pela revolução tecnológica que se prenunciava
e, de outro, pela ruptura, no mundo desenvolvido, com o modelo de
produção taylorista/fordista, iniciando-se uma nova era, por muitos
denominada como da especialização flexível (PIORE e SABEL, 1994).

Na verdade, o final do século XX assiste a um grande debate


no âmbito das ciências sociais, com o questionamento de vários
paradigmas (como o keynesiano, na economia, por exemplo),
sem que se estabeleçam outros que definam novos rumos para as
correntes de pensamento. O estudo da problemática regional, que
ressurgiu com intensidade nos últimos vinte anos e, por extensão,
das questões locacionais, é um exemplo das rápidas mudanças que
caracterizam estes tempos de globalização capitalista.

Com efeito, o acentuado desenvolvimento da tecnologia


da comunicação produziu, nos anos recentes, uma revolução no
tempo e no espaço. Isto provocou um novo debate na ci- ência
regional, mobilizando geógrafos, economistas, sociólogos e outros
especialistas da área das ciências sociais num esforço para entender,
mais que tudo, e explicar, se possível, o que está ocorrendo e o que
ocorrerá com a economia mundial e, dentro desta, a regional, no
bojo deste processo de globalização aclamado por uns e criticado
por outros.

Uma das questões preocupantes relaciona-se com a


manutenção do nível de emprego, uma categoria que está sendo
transformada rapidamente pela mecatrônica e seu conseqüen- te

459
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

efeito na automação e o bem-estar coletivo, que parece mais distante


nos países periféricos e mais ameaçado pela revolução tecnológica
que se processa nos países desenvolvidos.

BENKO (1999) afirma que os conhecimentos atuais são


insuficientes, a teoria da localização está em crise e a concepção
weberiana perdeu interesse e, principalmente, não informa sobre
o comportamento industrial contemporâneo. Além disso, as novas
teorizações pós-weberianas só aparecem de maneira tímida,
essencialmente nos países anglo-saxônicos.

Segundo MARKUSEN (1995), discute-se atualmente a eficácia


da “especialização flexível” como uma saída para a crise que ameaça
a estabilidade do sistema capitalista, constituindo a expressão de
um novo paradigma, o do desenvolvimento regional endógeno que,
na visão de BENKO (1994) representa uma ruptura radical com as
teorias funcionalistas e com a teoria predeterminista das etapas do
desenvolvimento de Walter Rostow, do esquema histórico de Colin
Clark e do ciclo dos produtos de Vernon que, combinados, explicavam
e justificavam o processo de acumulação capitalista na relação entre
regiões desenvolvidas e subdesenvolvidas na década de 60.

“... as teorias da localização industrial


foram presididas por um paradigma
funcionalista…”

A “especialização flexível” se materializa no “distrito industrial


marshaliano” cujo exemplo se encon- tra na Itália, especificamente
na região da Emilia–Romagna (Terceira Itália), onde a capacidade de
atração e de retenção de investimentos é atribuída ao papel exercido
por firmas pequenas e inovadoras, articuladas em um arranjo
cooperativo de âmbito e dire- ção regionais, o que lhes dá capacidade
de adaptação e de crescimento incólume aos efeitos da globalização.

460
FRAGMENTOS

O distrito industrial marshaliano, na concepção original de


Alfred MARSHALL (1990) compreende uma região com estrutura
econômica baseada em pequenas firmas com origem, propriedade
e decisões sobre investimentos e produção de base local. Economias
de escala são pouco relevantes, o que limita o tamanho dos negócios.
Uma substancial teia de transações intradistrital normalmente
favorece contratos e compromissos de longo prazo.

Segundo MARSHALL (1990) o que faz desse distrito uma área


especial é a natureza e a qualidade do seu mercado de trabalho,
altamente flexível.

Exemplo do distrito industrial marshaliano é o distrito à


italiana, assim definido por BECATTINI (1994).

O distrito industrial é uma entidade socioterritorial


caracterizada pela presença ativa de comunidade
de pessoas e de uma população de empresas num
determinado espaço geográfico e histórico. No distrito,
ao invés do que acontece noutros tipos de meios,
como por exemplo as cidades industriais, tende a criar-
se uma osmose perfeita entre a comunidade local e as
empresas.
A sua característica mais marcante é o seu sistema de
valores e de pensamento relativamente homogêneo –
expressão de uma certa ética do trabalho e da atividade,
da família, da reciprocidade e da mudança , o qual, de
alguma maneira, condiciona os principais aspectos da
vida. (BECATTINI, apud BENKO, 1994, p. 20).

GAROFOLI (1994) destaca que a origem e o desenvolvimento


do distrito industrial marshaliano e a sua especificidade estão
vinculados à cultura italiana e mesmo mediterrânica.

Também BECATTINI (1994) destaca a importância da


convergência local de certos traços socioculturais próprios da
comunidade (sistema de valores, comportamentos e instituições) de
ca- racterísticas históricas (a Emilia Romagna tem uma longa tradição

461
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

de lutas populares e de organização sindical), de condições naturais


particulares de uma região geográfica (orografia, vias de comunicação
e centros de troca, modo de urbanização, etc.).

MARKUSEN (1995) procura mostrar os limites da industrialização


flexível como proposta teórica para análise da emergência de novas
áreas industriais e identifica três outros modelos alternativos de áreas
competitivas na atração e manutenção de investimentos. Trata-se dos
novos distritos3 centro-radial, plataforma industrial satélite e os
distritos com suporte do Estado.

Os distritos industriais centro-radiais são aqueles onde


um certo número de empresas ou de unidades industriais mais
importantes funcionam como firmas-chave ou eixos da economia
regional, congregando em torno de si fornecedores e outras unidades
correlatas. Markusen cita como exemplo os casos da Boeing em
Seattle (USA) e da Toyota (Japão).

As plataformas satélite correspondem a um tipo de distrito


industrial construído normalmente pelo poder público, afastado dos
grandes centros urbanos e justificado pelo interesse da promoção do
desenvolvimento regional.

Os distritos com suporte do Estado são organizados em torno


de alguma entidade pública (uma base militar, uma universidade,
um centro de pesquisas, etc.). A estrutura dos negócios locais é
normalmente dominada pela presença dessas instituições que
condicionam a atuação das empresas privadas ali localizadas.

Esses distritos possuem uma estrutura que varia de acordo com


a “instituição-âncora”. Em sua caracterização básica, aproximam-se
dos distritos centro-radiais, embora a sua entidade central possa atuar
sem grandes vínculos com a economia regional. No Brasil, MARKUSEN
(1995) cita como exemplo desse distrito o conjunto de atividades
formadas em torno da Universidade de Campinas (UNICAMP) e o
complexo da EMBRAER em São José dos Campos.

3 Markusen define distrito industrial como uma área espacialmente delimitada, com uma
nova orientação de atividade eco- nômica de exportação e especialização definida, seja ela
relacionada à base de recursos naturais, ou a certos tipos de indústrias ou serviços.

462
FRAGMENTOS

Analisando esses modelos de distritos industriais, Markusen


critica a pretensão de se generalizar o modelo de “especialização
flexível” no padrão dos distritos industriais marsha- lianos ou da
sua vertente italiana, como um paradigma. Para ela, a capacidade
de algumas áreas de sustentar um crescimento industrial em um
ambiente cada vez mais integrado e competitivo, por ela caracterizado
como sticky places in slippery space, pode ser função de outros
fatores que não a existência de uma rede de firmas pequenas,
inovadoras e especializadas. Em muitos casos, são determinantes
o papel das instituições e facilidades governamentais ou locais, das
firmas líderes, das filiais de corporações multinacionais, do mercado
e das relações de trabalho, ou da própria trajetória industrial da
região, a qual não se enquadra nessa concepção de industrialização
flexível e desintegração vertical. A sua crítica parece procedente no
caso do Brasil, e especificamente da Bahia, onde é absolutamente
impossível o desenvolvimento de um distrito dessa natureza, dadas
as suas peculiaridades culturais que constituem o oposto daquilo que
se observa, por exemplo na Emilia Romagna.

Ainda em termos de aglomerações industriais modernas,


merecem registro os distritos tecnológicos.

A despeito de poderem ser enquadrados no modelo dos novos


distritos sustentados pelo Estado, segundo definição de Markusen
anteriormente comentada, esses distritos vêm ganhando projeção nos
últimos anos e adquirindo vida própria sob diversas denominações,
como tecnópoles, pólos tecnológicos e parques tecnológicos.

Segundo LUNARDI (1997), considera-se tecnópole todo


núcleo urbano cuja economia depende funda- mentalmente de sua
capacidade científica e tecnológica e que promove, em especial,
mediante a inovação e o desenvolvimento tecnológico, as condições
necessárias à sua inserção competitiva na economia global da
sociedade do conhecimento.

Já os pólos tecnológicos (como são conhecidos no Brasil)


compreendem um conjunto de empreendimentos baseados na
pesquisa universitária, indústria inovativa de alta tecnologia,
empreendimentos iniciantes baseados em novas tecnologias e

463
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

empreendimentos acadêmicos.

Sobre o aspecto organizacional e espacial, os pólos tecnológicos


podem apresentar uma estrutura organizacional informal e espacial
dispersa no núcleo urbano onde funcionam, ocorrendo ações e
projetos que são compartilhados entre as instituições de ensino e
as empresas. Esses pólos podem também apresentar uma estrutura
organizacional formal e espacial dispersa quando existe uma entidade
coordenadora incumbida de articular as ações entre as partes
envolvidas.

Os parques tecnológicos constituem uma iniciativa localizada


num loteamento apropriadamente urbanizado e possuem ligações
formais com a universidade ou outras instituições de ensino e
pesquisa; permitem a formação e crescimento de empresas de base
tecnológica e são coordenados por uma entidade que desempenha
as funções de gerente do parque, a qual estimula a transferência de
tecnologia e promove ações voltadas ao aumento da capacitação das
empresas e dos demais empreendimentos que residem no local. Em
linhas gerais, as empresas estão reunidas num mesmo local, dentro
ou próximo do campus da universidade, numa área de raio inferior a
5 quilômetros.

Segundo LUNARDI (1997), o modelo institucional básico dos


pólos e parques tecnológicos mundialmente conhecidos teve sua
origem na experiência do Silicon Valey e da Route 128, nos Estados
Unidos da América, na década de 50, estreitamente vinculado ao
desenvolvimento da microeletrônica e da informática no período do
pós-guerra.

Esses aglomerados de empresas de base tecnológica surgiram


na periferia de instituições como as universidades de Stanford e
Havard e do Massachusettes Institute of Technology – MIT, como
resultado de uma série de ações conjuntas empreendidas pelo
governo americano, academia e empresas privadas, as quais, durante
o período da Guerra Fria, propiciaram o desenvolvimento de produtos
e processos inovadores na área de microeletrônica e informática.

O modelo de tecnópoles foi gerado na França, na década de 70,

464
FRAGMENTOS

com a criação de Sophia Antipoles, uma cidade construída próximo


a Nice, com o objetivo de promover a geração de conhecimentos
científicos e tecnológicos e a sua transformação em bens e serviços
(LUNARDI, 1997).

A implantação de tecnópoles na França constitui uma diretriz


nacional pela qual cada cidade define a sua área de atuação, cria
um parque tecnológico que passa a fazer parte do projeto de
desenvolvimento regional. LUNARDI (1997) informa que existiam 40
tecnópoles operando na França em 1996.

GONZÁLEZ e PÉREZ (1995) afirmam que a política de parques


tecnológicos chegou à Espanha em 1985 quando se criou o parque
tecnológico de Três Cantos próximo de Madrid. Existiam operando,
em 1995, oito parques com a seguinte localização: Madrid (1985),
País Vasco, Vallés e Valencia (1987), Andalucia (1988), Asturias (1989),
Boecilo (1991) e Galícia (1993).

Em sua pesquisa sobre os parques tecnológicos espanhóis,


GONZÁLEZ e PÉREZ (1995) assinalam as notáveis disparidades entre
esses parques cuja localização varia de regiões industrializadas, como
Madrid e Barcelona (Vallés), a regiões pouco industrializadas, como
Orense, passando por regiões em declínio industrial (sic), como o
País Vasco e Asturias, e regiões em expansão, como Valencia. Por
isto questionam se a política dos parques tecnológicos é válida para
qualquer região. Os autores chamam atenção para o perigo de que os
parques não se integrem ao entorno econômico em que se localizam,
considerando que a Espanha não possui um setor de alta tecnologia
muito desenvolvido, sugerindo a atração de multinacionais do setor
o que, como foi visto aqui, pode não ser uma boa alternativa. É
destacado também o perigo de que os parques se convertam em
simples instrumentos de relocalização industrial e criticado o fato de
o Governo assumir um papel importante no suporte do risco o que,
segundo os autores, não garante o sucesso dos empreendimentos
cujo fracasso pode ser mascarado pela subvenção pública. Finalizando
suas conclusões, os autores deixam no ar o questionamento quanto à
eficácia dos parques tecnológicos como catalisadores adequados do
desenvolvimento regional espanhol.

465
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

O Brasil começou a implantação de parques tecnológicos


no início da década de 80, seguindo, em linhas gerais, o modelo
adotado nos Estados Unidos e na Europa. O planejamento e a
implantação das primeiras iniciativas ocorreram em São Paulo,
ao lado das universidades instaladas nas cidades de São Carlos,
Campinas e São José do Campos e no Estado da Paraíba (Nordeste),
em Campina Grande. Todas estas iniciativas contaram com um forte
respaldo governamental em termos de recursos financeiros, linhas de
financiamento para as empresas e formação de recursos humanos.

Levantamento promovido pela Associação Nacional de


Parques Tecnológicos e Incubadoras – AN- PROTEC constatou que
existiam no Brasil, em 1995, sete parques tecnológicos (nas cidades
de Florianópolis, Campina Grande, Rio de Janeiro, Brasília, Uberaba,
Cascavel e Curitiba) e seis pólos tecnológicos (São Carlos, São José dos
Campos, Santa Rita do Sapucaí, Campinas, Fortaleza e Florianópolis).

Observe-se que os projetos de tecnópoles, pólos e parques


tecnológicos ocorrem no Brasil preponderantemente na região
Sudeste, próximo às universidades que possuem massa crítica de
pesquisadores.

O desenvolvimento dos empreendimentos relacionados às


novas tecnologias pressupõe a disponibilidade local de um conjunto
de fatores, como os seguintes: existência de massa crítica;infra-
estrutura de apoio tecnológico desenvolvida; grande número de
fornecedores e redes de distribuição; disponibilidade de recursos
para P&D e investimentos de capital; força de trabalho qualificada;
elevado padrão de qualidade de vida e custos relativos favoráveis de
determinados negócios.

A carência desses fatores limita drasticamente a expansão das


tecnópoles, pólos e parques tecnológicos no Brasil onde inexiste uma
política consistente, de desenvolvimento científico e tecnológico.
Em 1994, de acordo com as informações mais recentes fornecidas
pelo Ministério da Ciência e Tecnologia, o Brasil aplicava em ciência
e tecnologia 0,7% do seu Produto Interno Bruto. Trata-se de um
número modesto quando comparado com as aplicações de países

466
FRAGMENTOS

como o Japão (3%), Alemanha (2,8%), EUA (2,6%), França (2,4%),


Inglaterra (2,1%), Canadá e Itália (1,4%).

A situação dos parques tecnológicos no Brasil é, pois,


embrionária e movida muito mais pela idealização acadêmica do que
pela conjunção de fatores reais e concretos.

Esta fragilidade se explica, em parte, porque o Brasil, em termos


de desenvolvimento, praticamente perdeu as duas últimas décadas
do século XX, envolvido que esteve com um processo inflacionário
muito grave e uma política de estabilização econômica de cunho
monetarista e neoliberalditada pelo Fundo Monetário Internacional –
FMI, que provocou uma recessão brutal em sua economia.

Assim sendo, não é exagerado afirmar que o planejamento


industrial brasileiro parou no tempo, na década de 80, salvo
tímidas iniciativas puntuais que não modificaram o quadro global
como um todo.

Entre as iniciativas pontuais aqui referidas cabe, finalmente,


mencionar a mais recente de todas que se refere aos clusters
produtivos.

Os clusters consistem de indústrias e instituições que têm


ligações particularmente fortes entre si, tanto horizontal quanto
verticalmente. Usualmente, a organização de um cluster inclui:
empresas de produção especializada; empresas fornecedoras;
empresas prestadoras de serviços; instituições de pesquisa;
instituições públicas e privadas de suporte fundamental. A análise
dos clusters focaliza os insumos críticos de que as empresas geradoras
de renda e de riqueza necessitam para serem dinamicamente
competitivas. A essência da organização dos clusters é a criação de
capacidades especializadas dentro de regiões para a promoção de
seu desenvolvimento econômico, ambiental e social.

Na opinião de HADDAD (1999) não faz sentido falar-se de um


cluster sem contextualizá-lo espacialmente, entre outros motivos,
por causa do nível organizacional dos produtores, da qualidade da
mão-de-obra, da logística de transporte, dos indicadores ambientais,
dos insumos de conhecimentos científicos e tecnológicos, etc. Neste

467
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

sentido, um cluster produtivo não será competitivo se a região onde


opera não for igualmente competitiva em termos da qualidade de
sua infra-estrutura econômica, social e político-institucional .

O sucesso de um cluster depende de uma boa gestão


das externalidades e das economias de aglomeração. Não há
sustentabilidade de um cluster se a forma como se relaciona com a
natureza (o seu contrato natural) levar a um uso da base de recursos
renováveis e não renováveis que venha a comprometer os níveis de
produtividade econômica e de bem-estar social das futuras gerações.
Da mesma forma, não há sustentabilidade de um cluster se a forma
como se relaciona com a sociedade local e regional onde se insere
(o seu contrato social) criar deseconomias sociais de aglomeração
(poluição, congestionamento) que afetem adversamente as condições
de vida dos habitantes em seu entorno de influência direta e indireta.
Neste sentido, um cluster poderá se tornar autofágico se não souber
lidar civilizadamente com as relações comunitárias e as relações
ambientais em sua área de influência.

“... um cluster poderá se tornar


autofágico se não souber lidar
civilizadamente com as relações
comunitárias...”

Ainda segundo HADDAD (1999) a concepção de um cluster é


essencialmente holística, envolvendo um processo de desenvolvimento
integrado de um conjunto de atividades produtivas interdependentes
tecnológica e espacialmente. Entretanto, a organização de um cluster
não se deve transformar num convite ou numa tentação de se formar
uma autarquia regional. Por ser composto por diferentes segmentos
produtivos com escalas ótimas de produção muito diversificadas,
um cluster não pode abranger todo o conjunto de atividades num
mesmo espaço relevante, particularmente quando se consideram

468
FRAGMENTOS

as possibilidades de suprimento e de beneficiamento em escala


internacional.

Feitas estas considerações, constata-se que o debate sobre


a questão locacional e a busca de uma nova teoria que explique
como ocorrerá o processo de ocupação econômica do espaço, nos
próximos anos, ainda demandam muito tempo e, talvez, nunca sejam
conclusivos.

Um fato importante a registrar é a diferença cultural,


tecnológica, econômica e social existente entre os países desenvolvidos
da Europa e da América do Norte e aqueles do terceiro mundo, o
Brasil aí incluído. Isto implica dizer que muitos conceitos, ditos
eurocêntricos e anglo-saxônicos, não explicam adequadamente o
fenômeno locacional nesses países.

“...a sociedade e a cultura formam


um processo social que não pode ser
sincronizado ou modificado como se
modifica um programa de computador...”

O Brasil, com sua dimensão continental, possui uma grande


diversidade regional. Conceitos europeus e norte-americanos podem
ser aplicáveis em alguns casos à sua região Su- deste e não se ajustarem
à explicação do que ocorre no Nordeste, Norte, Centro-Oeste, etc..

Como visto, na Bahia, os programas de áreas para localização


concentrada de indústrias foram concebidos até o final da década de
70, como instrumentos de industrialização des- concentrada, aliados
à promoção do desenvolvimento regional, tendo como objetivo uma
política de correção de desequilíbrios econômicos e sociais, ainda que
marginalmente existissem preocupações com a separação física das
funções urbanas.

De modo geral, pode-se afirmar que a estratégia utilizada

469
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

pelo programa de áreas para localização industrial na Bahia foi a de


fomentar a industrialização, mediante a atração pura e simples de
qualquer unidade industrial, independentemente de sua linha de
produção, tecnologia utiliza- da, origem do capital ou de mão-de-
obra empregada.Esta estratégia permaneceu inalterada até o final do
século XX, não se registrando qualquer evolução no “estado da arte”
em termos de política de localização industrial.

Certamente contribuíram para esta estagnação da estratégia


industrial do Estado as duas últimas décadas de baixo desempenho da
economia nacional, em que se inibiu a realização de novos programas
de investimentos industriais.

Tem razão, por exemplo, Cecile Raud (apud BENKO e LIPIETZ,


2000, p. 249) quando questiona “se é possível falar de crise do
fordismo em países que não o conheceram”, ou onde este modo de
produção ainda prospera em filiais de multinacionais que trabalham
em mercados oligopólicos. Assim, o compromisso com a interpretação
correta dos fenômenos locacionais exige uma avaliação criteriosa das
múltiplas realidades espaciais e uma posição de cautela frente aos
modismos produzidos nos países desenvolvidos e exportados para
a periferia como “verdades” a que ela deve ajustar a sua realidade o
que, na prática, acaba gerando uma ficção acadêmica estéril e pouco
explicativa dos fenômenos ali produzidos.

Afinal, em que pesem os dogmas da “globalização” e da


“revolução tecnológica”, categorias como o homem, a sociedade e a
cultura formam um processo social que não pode ser sincronizado ou
modificado como se modifica um programa de computador.

Aspectos históricos da economia baiana

Tratando-se aqui de uma investigação do passado e como


a compreensão do tema objeto requer uma visão da totalidade em
que ele se encontra inserido e condicionado, tornou-se indispensável

470
FRAGMENTOS

mostrar a identidade da problemática baiana no contexto do Brasil, a


partir de uma revisão do seu processo histórico.

Assim, cabe notar que a história econômica da Bahia, ao


longo dos últimos 150 anos, foi marcada pela sucessão de ciclos de
longa e média duração que, a um só tempo, explicam as alternâncias
de progresso e de crises decorrentes do desempenho das principais
atividades agroindustriais ligadas ao comércio exterior, como o açúcar,
o fumo e o cacau, que constituíram a base da sua economia, revelando
também um persistente esforço de integração estadual no contexto
das regiões mais dinâmicas do país e da economia internacional, o
que ainda não se concretizou com a intensidade desejada.

Ao findar o século XIX, apesar dos ciclos de ascensão e de


queda da sua economia comercial e agroexportadora, a Bahia
apresentava uma estatística positiva em termos das suas perspectivas
industriais. Na moldura produtiva da época, a indústria parecia
assumir definitivamente uma posição destacada na geração da
renda interna e do emprego, despontando a agroindústria do açúcar
e as fábricas de tecidos como os segmentos mais promissores da
economia urbano-industrial, lado a lado com o co- mércio e com
os exportáveis agrícolas. Com efeito, segundo os dados coligidos
por CALMON (1978) a indústria contava com cerca de 140 fábricas
em atividade, em 1892, com predominância das grandes unidades
de tecidos localizadas em Salvador e no Recôncavo, em número de
doze; três de chapéus; duas de calçados (uma das quais empregava
800 operários na Companhia Progresso Industrial); cinco alambiques;
doze fábricas de charutos e quatro de cigarros; cinco fundições de
ferro, bronze e outros metais; nove grandes engenhos centrais de
açúcar; sete fábricas de móveis e serrarias; duas de chocolate; duas
de cerveja; dez de sabões e sabonetes; seis de velas; cinqüenta de
massas alimentícias; além de outras de camisas, rapé, gelo, óleos
vegetais, biscoitos, pregos, luvas finas, fósforos, etc.

Os trapiches de fumo e armazéns centrais de compra de


cana-de-açúcar proliferavam pelo interior. Na capital, 64 firmas
importadoras, 11 exportadoras (em sua maioria de capital estrangeiro)
e 30 casas de negócios em comissão compunham o comércio

471
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

atacadista, fornecendo toda sorte de produtos a 964 firmas de varejo.

Em 1899, graças à recuperação do câmbio, que se prolongou


até 1910, a euforia tomou conta de toda a economia regional.
Fato marcante, pela primeira vez, em 1899, as exportações baianas
lograram superar as importações, revelando o caráter estrutural das
nossas atividades produtivas e os vínculos da Bahia em relação ao
mercado internacional.

“...a euforia tomou conta de toda a


economia regional…”

Graças à situação cambial favorável, na última década do


século, registrou-se um processo de modernização e ampliação
numérica do parque açucareiro baiano, com a construção de grandes
usinas que se mantiveram em atividade ao longo da primeira metade
do século XX, com maquinárias das mais modernas, adquiridas junto
aos fornecedores ingleses.

Em 1900, nascendo o século XX, as 23 usinas e engenhos


de açúcar do Recôncavo baiano somavam nada menos de 5 mil
toneladas/dia de capacidade instalada, constituindo o maior e mais
moderno parque produtor do Nordeste, rivalizando a Bahia com o
Rio de Janeiro na produção e na moagem da cana.

O crescimento industrial baiano registrado no final do século


XIX não se repetiu na primeira metade do século XX.

A Bahia permaneceu estagnada no plano industrial até


meados da década de 50 por um conjunto de razões econômicas
e políticas que marcaram o seu relacionamento com as demais
unidades federativas do país, notadamente aquelas localizadas na
região Sudeste.

Segundo as pesquisas realizadas por ALMEIDA (1977), foi


responsá- vel por este fenômeno (a que um ilustre governador da

472
FRAGMENTOS

Bahia, Octávio Mangabeira, denominou de “enigma baiano”) um


conjunto de fatores, tais como o ritmo fraco de capitalização do
Estado, o conservadorismo da representação política estadual no
governo republicano instalado no Rio de Janeiro, as dificuldades
de transportes, a carência de energia e a inexistência do aporte de
capital humano qualificado visto que a emigração européia e asiática,
deflagrada no final do século XIX e início do século XX, concentrou-se
exclusivamente na região Sudeste, preferencialmente em São Paulo,
pois os grandes latifundiários nordestinos, temendo repercussões
negativas para suas atividades agroexportadoras, bloquearam o fluxo
de imigrantes em direção à região. Por seu turno, MARIANI (1977)
aponta como causa do problema a instabilidade da base econômica
do Estado, preponderantemente agrícola e dependente das variações
das safras e dos preços internacionais das matérias-primas.

Com efeito, nas primeiras décadas do século XX, assistiu-se na


Ba- hia ao declínio de culturas básicas como o açúcar e o tabaco e o
desgaste do intercâmbio comercial interno, de- correntes da política
cambial vigente no país que agravou a descapitalização do Estado e
a sua capacidade de formação de poupança.

Segundo ALMEIDA (1977), a participação da Bahia no produto


industrial brasileiro caiu de 3,5% em 1920, para 1,9% em 1940.4

Neste ponto, há de se observar que, no Brasil, um país de


industrialização retardatária, o processo de transição do capitalismo
agrário exportador para o capitalismo industrial ocorreu de forma
descontínua, no plano espacial, e assincrônica, no plano temporal.

Em termos práticos, isto significa que, por dispor de condições


políticas e econômicas mais favoráveis na década de 30 (saldos de
poupança consideráveis e um mercado interno em desenvolvimento
graças à imigra- ção e a economia cafeeira), o Estado de São
Paulo, e por extensão a região Sudeste, capitaneou o processo de
industrialização brasileira.

O planejamento nacional surgido nessa época contribuiu


para o aceleramento da industrialização que assumiu a forma de um

4 Em 1990 esta participação era de 4,0% segundo SOUZA e GARClA (1998)..

473
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

“processo de substituição de importações” que perdurou no período


de 1947 a 1967.

A Bahia ficou de fora desse processo que implicava na


modernização do parque industrial brasileiro concentrado em São
Paulo, e a partir deste momento foi condenada a assumir uma
condição de economia periférica, condicionada e reflexa do centro
industrial paulista, hegemônico nacionalmente.

Uma periodização da política industrial baiana

No período compreendido entre 1950 e 1970, o Estado passou


por um processo sistemático de planejamento, no qual se destaca,
como seminal, o Plano de Desenvolvimento da Bahia – PLANDEB (
concluído em 1959 e contemporâneo do planejamento elaborado
por Celso Furtado para o Nordeste) que detalhou um conjunto de
atividades em termos de projetos específicos, principalmente de
iniciativa estadual, projetando um setor industrial mais ou menos
equilibrado entre a produção de bens de consumo e de capital,
mas enfatizando uma prioridade para a especialização das grandes
empresas produtoras de bens intermediários, aproveitando alguns
recursos naturais à época abundantes na região, como o petróleo.

O PLANDEB foi o responsável pela estratégia da


“desconcentração concentrada” que preconizava a industrialização da
Bahia mediante a sua inserção no projeto nacional de desenvolvimento.
Em sua concepção, seriam atraídas para o Estado grandes empresas
produtoras de bens intermediários que seriam as polarizadoras do
desenvolvimento industrial o qual ocorreria nos distritos industriais
criados para abrigá-las, juntamente com as empresas produtoras de
bens finais (grandes geradoras de empregos diretos e indiretos) que
se instalariam à jusante. É de se destacar, contudo, que o PLANDEB
constituiu um trabalho de grande abrangência, propondo projetos
que integraram de forma sistêmica os setores agrícola, industrial e
comercial, objetivando o desenvolvimento equilibrado da economia

474
FRAGMENTOS

baiana. Muitos dos seus projetos setoriais não saíram do papel.


Outros foram executados com o correr dos anos, até a década de
80. A proposta que teve implementação destacada foi, justamente,
a que se referia à implantação da grande indústria produtora de
intermediários, representada pela química/petroquímica e por
algumas unidades siderúrgicas/metalúrgicas.

Caso o PLANDEB tivesse sido executado integralmente ( o


plano não foi aprovado pela Assembléia Legislativa do Estado da
Bahia) provavelmente a história econômica baiana teria sido outra.
Entretanto, havia um grande descompasso entre a mentalidade
técnica progressista emergente na época e os interesses políticos e
econômicos dominantes que eram marcados por posições retrógradas
e conservadoras. Ademais, o próprio processo de desenvolvimento
capitalista no Brasil, conduzido pelas forças da economia internacional,
de quem sempre o país foi dependente, também não permitiram que
isso sucedesse.

Um segundo período, que pode ser datado entre 1970 e 1980,


caracterizou- se por uma utilização intensa de apoios institucionais
(financiamentos a juros subsidiados, isenção de impostos e incentivos
fiscais com o aporte de consideráveis recursos públicos a fundo
perdido) oriundos dos organismos de fomento do país, canalizados
para a formação dos distritos industriais do interior e da RMS (o
Centro Industrial de Aratu e o Complexo Petroquímico de Camaçari)
e a montagem do parque industrial produtor de bens intermediários
concentrado nos segmentos da química/petroquímica e dos minerais
não-metálicos.

Nesse período, as características do processo de industrialização


da Bahia também mudaram consideravelmente, acompanhando as
oportunidades que foram surgindo em função das transformações
da economia brasileira.

O aumento da integração do mercado nacional foi determinante


para a economia baiana, pois condicionou as possibilidades de
produção e ampliação das fábricas existentes e as perspectivas de
implantação de novas fábricas a regras mercadológicas externas e
independentes da capacidade de influência do Estado. Ou seja, essa

475
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

integração de mercados específicos de diferentes grupos de bens,


associada à integração do sistema financeiro nacional, extinguiu as
possibilidades de consolidação de uma estrutura industrial regional
autónoma. Não teriam sucesso os empreendimentos que não
apresentassem capacidade competitiva em termos nacionais.

Um terceiro período se inicia na década de 80, prolongando-


se até os dias atuais. É quando se observa que a redução das
vantagens concorrenciais que eram obtidas pela distância de São
Paulo (diferencial de fretes, por exemplo), associada ao peso das
economias de escala obtidas pelos oligopólios no mercado nacional,
decretaram a falência do modelo de industrialização baseado nas
externalidades produzidas pela concentração de infraestrutura nos
distritos industriais adotada na década anterior.

A implantação do complexo petroquímico na Bahia,


efetivamente concretizado nessa época, foi consequência da
evolução do setor petrolífero e químico do Brasil e de uma estratégia
definida fora das fronteiras baianas, notadamente pela Petrobras. A
petroquímica introduziu sua própria dinâmica industrial na Bahia, com
decisões de investimentos e com fluxos de insumos e de produtos,
independentes dos demais gêneros industriais do Estado.

O complexo petroquímico não produziu os efeitos


multiplicadores (de polarização) esperados e que responderam pelo
desenvolvimento de um parque de indústrias de transformação,
produtoras de bens finais, a jusante das suas centrais. Por outro
lado, reduziu a capacidade de financiamento de vários segmentos
industriais alternativos ao monopolizar a captação dos escassos
recursos regionais para o financiamento da indústria. Ademais, pelo
peso que assumiu na economia do Estado, ampliou a dependência
da Bahia às flutuações do seu mercado específico, tornando- a
como no passado agrário-exportador, extremamente vulnerável ao
comportamento da economia nacional e internacional.

476
FRAGMENTOS

Consequências do planejamento industrial

É evidente que a economia baiana cresceu no período


analisado (1967/1999), apresentando números significativos em
alguns dos principais indicadores macroeconômicos, além de uma
paisagem urbana exuberante em termos de edificações e obras de
infraestrutura em Salvador e em algumas cidades do interior. Mas,
tanto os números como a paisagem apenas mostram uma face
da realidade, escamoteando outros números e outra paisagem,
confinados aos subúrbios e periferias dessas mesmas cidades, que
denunciam a absurda concentração da renda e uma gritante injustiça
social.

A Bahia cresceu economicamente, mas não se desenvolveu.


Isto porque, a despeito do aparente progresso material e dos
avanços tecnológicos, o conjunto dos benefícios por eles gerados
não está disponível para milhões de excluídos que constituem,
preponderantemente, a população estadual. Ademais, a Bahia
viu agravada a sua dependência externa, tanto no plano nacional
quanto no internacional, como decorrência de uma política
desenvolvimentista equivocadamente traçada pela tecnoburocracia
regional com a cumplicidade das elites capitalistas agromercantis
locais.

“...A Bahia cresceu economicamente, mas


não se desenvolveu…”

Como foi visto, parte do insucesso da política de industrialização


regional decorreu da própria dinâmica de crescimento da economia
nacional, caracterizada pelo surgimento tardio do capitalismo
industrial no país e pela sua concentração na região Sudeste,
particularmente no Estado de São Paulo, beneficiado pelo processo
de substituição de importações, ocorrido no período compreendido

477
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

entre 1947 e 1967, do qual a Bahia não participou.

A marginalização da Bahia (como de todo o Nordeste brasileiro)


neste processo de substituição de importações pode ser atribuída a
diversos fatores, tais como as diferenças de maturidade da economia
agro mercantil do Sudeste comparada com a do Nor- deste, e à
fragilidade da economia baiana para promover uma expansão do seu
próprio mercado regional de forma a permitir escala de produção e
retorno compatível com os novos investimentos.

O fato é que isto produziu um atraso considerável em relação


à região Sudeste, na formação de uma estrutura industrial capaz de
apresentar vantagens competitivas e de promover a decolagem de
um processo de crescimento auto-sustentável.

Esse atraso também deve ser creditado à orientação do


governo federal, na época francamente discriminatória em relação
ao Nordeste. Exemplo disto é que, entre 1948 e 1960, assistiu-se,
por obra e graça da política cambial, à maior drenagem de recursos
da economia baiana (e nordestina) quando cerca US$ 413 milhões
foram transferidos para a região Sudeste, através do mecanismo do
“confisco cambial”.

Ao observar-se a gênese do planejamento nacional e regional


no Brasil, verifica-se como, em um país marcado pelo autoritarismo,
as decisões do poder central acabaram por condicionar e determinar
a ação regional e local, fazendo com que a figura constitucional
da federação fosse, na prática, um mito, dependendo sempre os
estados e os municípios dos recursos concentrados pelo Governo
Federal. E, neste plano, no que se refere à questão nordestina, deve
ser desmistificada a relação causal estabelecida entre o fenômeno da
seca e a pobreza regional, cujas verdadeiras causas estão associadas
a esta centralização de poder e ao processo de acumula- ção do
capital mercantil numa região onde as oligarquias, associadas ao
governo federal e ao capital externo, construíram um quadro de
difícil perspectiva de reversão a curto prazo, numa sociedade até hoje
marcada pela injustiça social.

478
FRAGMENTOS

“...o planejamento do desenvolvimento


regional brasileiro sempre esteve
condicionado pela estrutura política
dominante no país…”

Este quadro político-econômico explica o descolamento


entre o planejado e o realizado, no caso da Superintendência do
Desenvolvimento do Nordeste – SUDENE, uma autarquia criada
no final da década de 50 pelo Governo Federal com o objetivo de
desenvolver a região e que acabou derrotada pelo conjunto de forças
reacionárias e conservadoras do País.

Desta forma, o planejamento do desenvolvimento regional


brasileiro sempre esteve condicionado pela estrutura política
dominante no país, prosperando nos períodos de fortalecimento
do sistema federativo e desaparecendo naqueles de dominação
autoritária que pontilharam a vida política desta nação ao longo de
40 anos do século XX.

Apenas no intervalo democrático que transcorreu entre 1946


e 1964, ocorreu a reação política dos Estados ao centralismo do
Governo Federal, o que propiciou o surgimento do planejamento
regional, notadamente na Bahia, que foi pioneira, nesta área.

É de ressaltar que a natural confusão, na opinião pública,


do conceito de “região” com o de “estado” levou a que as reações
esboçadas contra a centralização política tomassem, de início, o
caráter de reivindicações regionalistas. Realmente, no campo político,
o movimento em favor das economias regionais assumia uma clara
conotação “estadual” e era com essa motivação que se realizavam as
pressões locais, justificadas por argumentos de ordem econômica.

No plano econômico, o reconhecimento dos desequilíbrios


inter-regionais de desenvolvimento, provocado pelo conjunto
destas reivindicações de ordem política, acabou por consolidar o

479
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

movimento regionalista do País. Em resposta a isso, a própria União


tratou de criar organismos administrativos, visando a cuidar dos
interesses e a promover o desenvolvimento das áreas reinvindicantes,
abrangendo sempre mais de um Estado, através dos bancos regionais
de desenvolvimento e da Superintendência do Desenvolvimento do
Nordeste – SUDENE.

Na verdade, foi o elemento econômico, mais do que o


elemento político, que influiu na formulação de uma estratégia de
desenvolvimento regional. Aliás, a simples constatação da existência
de disparidades muito grandes de desenvolvimento entre as regiões
justificava a existência dos movimentos reinvindicatórios. Mesmo
que não houvesse conotação política alicerçando as reinvindições
regionalistas pela melhoria dos níveis de bem-estar, elas teriam
aparecido forçosamente, como fruto das desigualdades sócio-
econômicas registradas à época, provavelmente de forma violenta,
resultante do agravamento da desagregação da economia e
consequentemente, da sociedade nordestina, produzida pela política
discriminatória praticada no país .

Com o movimento militar de 1964, o planejamento nacional


consolidou-se como um sistema, o que implicou na completa
subordinação da estratégia de desenvolvimento do Nordeste às
diretrizes do Governo Central. A Constituição promulgada pelo
governo da revolução, em 1967, concentrou tal gama de poder
em mãos do Governo Federal que, na prática, decretou a morte da
federação.

Entre 1964 e 1970, o Nordeste passou de um status de região-


problema dentro do Brasil, para outro, em que o seu crescimento
econômico se dava no mesmo quadro traçado para o conjunto
das demais regiões. Não que o Nordeste tivesse deixado de ser um
problema real; mas, aos olhos da planificação estatal, este problema
deveria ser equacionado de um modo integrado, em que a região se
desenvolvesse concomitantemente ao desenvolvimento do país, sem
tratamento preferencial que não tivesse sua contrapartida econômica
para o projeto da “nação-potência”. Neste contexto, a SUDENE, pela
sua história, pelas suas ligações com a ordem vigente no período

480
FRAGMENTOS

anterior a 1964, pelas suas limitações, não poderia evidentemente


manter-se incólume, passando a desempenhar um papel secundário
nas decisões e na execução do planejamento nacional regionalizado.

A nova orientação para o setor industrial nordestino, emanada


do 1º Plano Nacional de Desenvolvimento (1970) preconizava a
implantação, na região, de grandes unidades industriais, capazes de
abastecer com bens intermediários o mercado brasileiro, promovendo-
se, desta forma, sua integração àquelas mais desenvolvidas do país.
Com este plano, o Governo Central avocou-se a tarefa de desenvolver
o Nordeste, nos seus termos, acabando com os enfoques regionalistas.

A opção pelos grandes projetos, como visto, também era


assumida pelos técnicos baianos que, já no início da década de 60,
através do PLANDEB, propunham como estratégia de alavancagem
do desenvolvimento do Estado a promoção da grande empresa
dedicada à produção de bens intermediários, visando aos mercados
do Sudeste.

A adoção desta estratégia de “desconcentração concentrada”


constituiu-se no grande equívoco do planejamento regional baiano,
pois conseguiu que a Bahia efetivamente se transformasse numa
grande produtora de alguns bens intermediários sem, contudo,
expandir seus efeitos multiplicadores a montante ou a jusante de
grandes plantas como as da petroquímica e da metalurgia, que se
instalaram no Estado, por exemplo.

Os planejadores baianos, que certamente estudaram Perroux


e Hirschmam, não conseguiram que aqui surgisse um pólo de
desenvolvimento gerador de um parque de indústria de transformação
que, via complementaridade, asseguraria o sonhado desenvolvimento
auto-sustentado da região.

A opção pela criação de pólos de desenvolvimento associada


à construção dos distritos industriais na Região Metropolitana do
Salvador e nas principais cidades do interior da Bahia, constituiu uma
política ineficaz frente ao modelo de industrialização adotado, como
exemplifica o insucesso da concepção do Complexo Petroquímico de
Camaçari como um pólo e, conseqüentemente, um instrumento de

481
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

desenvolvimento regional.

Essa concepção estava implicitamente baseada no raciocínio


de que se os pólos constituíam a chave do crescimento capitalista e
se era possível determinar a dinâmica do seu funcionamento, uma
das formas de promoção do desenvolvimento regional se constituiria
mediante a criação das condições necessárias à reprodução dessa
dinâmica.

“...a SUDENE, pela sua história, não


poderia evidentemente manter-se
incólume…”

A idéia de pólo de desenvolvimento foi bastante reforçada,


à época, pela concepção estratégica militar que dominava o país.
Ademais, é nesse momento que começam a se configurar os impasses
do “desenvolvimento” e, em função deles, a crise do próprio projeto
nacional de desenvolvimento que tantas esperanças havia despertado
no Brasil.

Começava a se tornar evidente que, apesar de todos os êxitos


estatísticos resultantes do esforço de desenvolvimento econômico
até então realizado, a evolução econômica e social em um país de
capitalismo tardio e dependente se fazia em termos distintos daqueles
que marcaram a expansão capitalista nos países desenvolvidos. Uma
das evidências desse fato era dada, justamente, pela tendência a
forte e regressiva concentração, tanto social, quanto espacial, dos
frutos do desenvolvimento. Em outras palavras: constatava-se que
a eliminação do que, na terminologia da época, se designava como
“obstáculos ao desenvolvimento”, não conduzia à generalização da
expansão capitalista no âmbito do espaço nacional; ao contrário, tal
eliminação punha em marcha mecanismos que reforçavam, em novos
e até mais perversos termos, as tendências estruturais à concentração
da renda. As frustrações e tensões sociais que emergem dessa

482
FRAGMENTOS

constatação e desses resultados, ameaçando a própria legitimidade


da idéia de desenvolvimento, são demais conhecidas para serem aqui
relembradas.

É nesse momento que a idéia da implantação de pólos começa


a despertar interesse e é logo em seguida incorporada ao arsenal dos
instrumentos de intervenção na economia à disposição do Estado,
da mesma forma que passa também a reanimar a expectativa da
generalização do processo de desenvolvimento no âmbito da nação.
O recurso à idéia de pólo, como instrumento de desenvolvimento
regional, parece relacionar-se diretamente à percepção da classe
dirigente brasileira de que, através da implantação de pólos, seria
possível corrigir as “distorções” existentes no processo, sem que,
para tanto, se tornasse necessário reformular o padrão básico de
desenvolvimento.

Em torno da noção de pólo (ou através da manipulação


propagandística dela) foram criadas rapidamente altas expectativas,
notadamente no que se refere aos efeitos sociais no âmbito do
desenvolvimento regional. Assim, a política de implantação de pólos
surgiu, independentemente, ou na ignorância, das restrições que
muitos especialistas internacionais e mesmo nacionais faziam à sua
real eficácia.

A despeito das contribuições da chamada escola “espacial”,


desenvolvendo e ampliando as formulações iniciais de Perroux, assim
como da tentativa de incorporação do conceito de pólo à “teoria
da localização”, continuava sem solução a maioria dos problemas
suscitados pela questão maior de como compatibilizar a geografia
dos pólos com a economia dos pólos, de modo a reter, no âmbito da
primeira, os resultados obtidos através da segunda.

Foi em função dessa dificuldade que surgiu a crítica à


possibilidade de conversão da noção de pólo em instrumento de
promoção do desenvolvimento regional. O argumento central
dessa crítica era de que tal conversão incorria num erro de lógica,
na medida em que tomava como sendo certo aquilo que era dado
apenas como possível. Esse erro decorreria do fato, como argumenta
LASSUÉN (1976), de se desconhecer que a teoria dos pólos é uma

483
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

“teoria de crescimento condicional”: ela constata a ocorrência de um


fenômeno, que designa dos pólos, e explica as razões da dinâmica
de seu funcionamento, mas não explica a dinâmica e as condições
necessárias à existência deles. Em outras palavras: a teoria dos pólos
descreve a dinâmica do funcionamento de algo cuja existência é
simplesmente constatada, mas nada diz sobre as condições prévias
necessárias para o surgimento daquilo cujo funcionamento ela
descreve.

“...25 anos depois, o COPEC não


conseguiu transformar-se em um pólo de
crescimento econômico e muito menos
de desenvolvimento...”

Formulada nesses termos, essa distinção entre funcionamento


e existência pode parecer excessivamente rigorosa. Ela tem alguma
importância, entretanto, para explicar a genealogia da aplicação do
conceito, pois, de fato, a implantação de um pólo não pode limitar-se
a criar as condições necessárias para que ele possa funcionar (que são
as que a teoria dá), mas supõe a criação prévia de condições para que
ele exista como pólo (que são as que a teoria não dá). Essa crítica é
mencionada apenas para mostrar como existiam impasses em termos
de teoria, pois parece evidente que os processos de natureza social
e econômica raramente são redutíveis às regras da lógica formal
(MARTINS, 1981).

Na verdade, o fundamental da crítica, para o que aqui


interessa, está na constatação das dificuldades práticas da aplicação
da noção de pólo à promoção do desenvolvimento regio- nal, já que
a “teoria da localização” e a “teoria dos pólos” oferecem explicações
desvinculadas entre si e de harmonização complicada. E nessa parte a
crítica é pertinente, pois o que fazem Perroux e seus seguidores é, em
última análise, superpor estruturas econômicas setoriais a espaços

484
FRAGMENTOS

geográficos, supondo que o implante “pe- gue”, graças à dinâmica


econômica atribuída às primeiras.

Considerações teóricas à parte, constata-se que vinte e cinco


anos depois de planejado e implantado, o Complexo Petroquímico
de Camaçari – COPEC não conseguiu transformar-se em um pólo de
crescimento econômico e muito menos de desenvolvimento.

Para o entendimento do que ocorreu em Camaçari, é


importante o esclarecimento do papel e da importância dos agentes
envolvidos no seu processo de planejamento e execução das obras de
infra-estrutura física e urbano-social.

Os grandes parceiros na construção de Camaçari foram o


Governo do Estado da Bahia e a PETROBRAS, representada por suas
subsidiárias a PETROQUISA e a COPENE – Petroquímica do Nordeste
S.A . Coadjuvantes no processo o Governo Federal, através do
Ministério da Indústria e Comércio – CDI; o BNDE; o BNH e a SUDENE.

A participação da classe empresarial, depois de vencida


a oposição dos empresários paulistas, foi insignificante. A classe
política, a comunidade local e regional e os organismos de classe
foram, quando muito, simples espectadores.

A PETROBRAS, pelo menos até o final da década de 80, possuía


um extraordinário poder político no país.

A associação com o Governo da Bahia interessava à PETROBRAS


por- que o controle da indústria petroquímica nacional frente à
“ameaça” do capital estrangeiro5 e a descentra- lização industrial do
país, constituía um objetivo estratégico do grupo mi- litar nacionalista
que comandava a Escola Superior de Guerra , formula- va os princípios
da doutrina de segu- rança nacional e tinha no General Ernesto Geisel
o seu maior expoente na área do petróleo.

Os baianos, liderados por políticos hábeis, bem municiados


por uma assessoria técnica competente e com grande trânsito nos
mais altos escalões do poder, constituíam os aliados ideais para os

5 Na Bahia representado pela Dow Química, defendida em Brasília pelo Gal. Golbery do Couto
e Silva, um dos militares de maior poder no País durante os Governos Medici e Geisel.

485
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

propósitos da PETROBRAS. Além do mais, a defesa da bandeira da


desconcentração industrial e da correção dos desequilíbrios regionais,
constituía, à época, um dos mais poderosos argumentos disponíveis no
arsenal do marketing político nacional. Esta associação, porém, tinha
os seus limites ditados pelos interesses específicos e o autoritarismo
de cada um dos parceiros.

Assim, à estatal interessava desenvolver na Bahia um complexo


petroquímico (que denominava de Complexo Básico), limitado a um
conjunto de empresas, enquadradas na sua estratégia de ação no
mercado nacional. A PETROBRAS não admitia submeter seu projeto à
ingerência do Governo Baiano, daí porque decidiu autonomamente
localizar-se em Camaçari, numa opção criticada pelos japoneses
(sócios estrangeiros nas indústrias) e por alguns técnicos baianos .
A opção ideal para os japoneses seria próximo ao mar e o Centro
Industrial de Aratu oferecia estas condições no CIA-Norte. Também o
Bureau d´Etudes Industrielles et de Cooperation de l´Institut Français
du Pétrole – BEICIP, organismo técnico especializado, que assessorou
o Governo Federal no processo, manifestou a sua preferência pela
localização do Complexo na área do CIA-Norte. Ademais, localizando-
se naquela área, promover-se-ia a redução substancial do custo da
infra-estrutura que teria de ser construída a um preço ele- vado
para um Estado pobre; viabiliza- ria o CIA, um distrito carente de
indústrias e reduziria, segundo os ambientalistas, a produção de
danos ambientais, pois, de acordo com alguns geólogos, o Complexo
foi localizado em cima da formação de São Sebastião, um importante
aquífero subterrâneo, capaz de, isoladamente, abastecer toda a RMS
com água de elevada potabilidade6 , por um longo período de tempo.

Segundo MARTINS,

a escolha de Camaçari como sítio para a localização do


complexo básico já havia sido feita, a partir de estudos
realizados pela COPENE, subsidiária da PETROQUISA,
desde 1972, ou seja: dois anos antes da formulação

6 lnformações recentes, de organizações ambientalistas dão conta de que este aquífero está
sendo contaminado gradualmente.

486
FRAGMENTOS

do Plano Diretor. Oficialmente, o critério básico que


levou a essa escolha foi o da disponibilidade de água
na região, aliado a uma análise dos custos comparativos
de investimento e de funcionamento proporcionados
por Camaçari em relação a quatro outras possíveis
localizações (todas elas situadas no Município vizinho
de Candeias). Estimou-se então que em termos de
custos de funcionamento (ligados à maior distância
de Salvador e do Porto de Aratu e ao transporte de
matérias primas) as vantagens oferecidas por Camaçari
teriam uma vigência de pelo menos dezoito anos, se
comparadas com as vantagens oferecidas por Aratu.
Essa afirmação é feita no Plano Diretor, embora
nenhuma referência precisa ser dada sobre a maneira
como foram realizados tais cálculos – que seriam, aliás,
tornados pelo menos em parte obsoletos pelo (à época
imprevisível) aumento do preço do petróleo. Se essa é
a versão oficial, existem indicações, de que a verdadeira
motivação da subsidiária da PETROBRAS para a não-
localização do complexo petroquímico em Aratu deveu-
se muito mais ao desejo da empresa estatal de “ver-se
livre” das eventuais limitações à ação que pretendia
desenvolver decorrente da existência já em Aratu de uma
administração dependente da Secretaria de Indústria do
Governo da Bahia. Como quer que seja, o importante é
que a decisão de localizar o complexo em Camaçari já
estava tomada antes que se fizesse qualquer estudo de
planejamento regional. (MARTINS, 1981. p. 51).

O Governo da Bahia aceitou habilmente todas as decisões da


PETROBRAS (PETROQUISA/COPENE), inclusive incorporando-as ao
seu planejamento.

O raciocínio dos dirigentes e dos técnicos estaduais era de que


o benefício a ser gerado pelo empreendimento compensaria todos os
custos. Ao Governo do Estado caberia ampliar os efeitos da iniciativa,
transformando o Complexo em um pólo de desenvolvimento.

487
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

Desta forma, o planejamento em Camaçari foi realizado pela


COPENE no que se referiu à localização, ao zoneamento do Complexo
Básico (cuja área foi desapropriada pelo Governo Federal/PETROBRAS),
ao modelo industrial e ao esquema acionário (tripartite)7 . O estudo
da COPENE apresenta o seu Plano Diretor com o zoneamento da área
do Complexo Básico, definição do sistema viário interno, energia
elétrica e tubovias, drenagem e localização das Centrais (de Matérias
Primas, de Utilidades, de Manutenção, de Serviços) e de mais nove
empresas, da quais cinco já existentes no local antes da implantação.

Já o Plano Diretor do COPEC, elaborado pelo Governo


do Estado, incorpora e amplia este Plano Diretor da COPENE sem
influenciar, contudo nas diretrizes já estabelecidas.

O Plano Diretor global da área incorporava o Complexo Básico


como uma zona industrial do Complexo Petroquímico de Camaçari.O
governo baiano elaborou também o Plano de Desenvolvimento
Social de Camaçari (que sendo transformado em “área de segurança
nacional” perdeu a autonomia política e passou a ser administrado
por um funcionário do Estado, nomeado pelo Governador) e
executou a custosa infra-estrutura física e urbano-social da área, com
financiamento do BNDE/BNH.

Após o pioneiro trabalho de Rômulo Almeida, intitulado


Desenvolvimento da indústria petroquímica no Estado da Bahia,
decidiu o Governo Federal contratar a consultoria do BEICIP
objetivando a definição de medidas necessárias à instalação do
Complexo Petroquímico.

O estudo do BEICIP consistia numa estimativa do mercado


brasilei- ro para produtos petroquímicos até o final da década de 70,

7 O modelo tripartite foi a forma encontrada pela PETROBRAS/PETROQUlSA para solucionar


diversos problemas financeiros e técnicos do empreendimento, visto que a estatal à época estava
comprometida, com outros grandes projetos, como o da PQU em São Paulo. Por este modelo,
o sócio estrangeiro entrava no negócio com o aporte da tecnologia que dominava. lsto levou o
complexo a adquirir "pacotes fechados de tecnologia" (deno- minados pelos técnicos nacionais de
"caixas pretas") o que certamente comprometeu severamente a possibilidade do desenvolvimento
tecnológico futuro do complexo e da Bahia como um todo.( Polarização técnica).

488
FRAGMENTOS

assim como de uma previsão sobre as condições e os custos de sua


produção no Brasil, tomando-se os casos de São Paulo e da Bahia
para efeito de comparação.

Este estudo tomava como base a constituição de grandes


unidades modernas de produção, sob a forma de joint-ventures,
voltadas para um mercado aberto e, portanto, submetido à concorrência
internacional. A partir de uma estimativa da disponibilidade e do
preço da matéria-prima determinavam-se, em seguida, as condições
necessárias à rentabilidade da produção de olefinas e de aromáticos,
assim como de alguns produtos intermediários.

Um dos argumentos amplamente utilizados em favor da


instalação do Complexo na Bahia era o de localizarem-se no Recôncavo
as mais importantes reservas conhecidas de petróleo e de gás natural
existentes no país. Além disso, já existia, na região, a Refinaria
Landulfo Alves Mataripe - RLAM, da PETROBRAS, com capacidade
para produzir a matéria-prima indispensável ao ciclo petroquímico.
Todavia, o problema que se colocava era o da natureza dessa matéria-
prima. Uma certa quantidade de eteno poderia ser oferecida pela
PETROBRAS, mas em quantidades insuficientes. Tornava-se necessário,
assim, recorrer também à nafta. Mas como uma parte da produção de
nafta devia ser destinada à produção de gasolina, impunha-se uma
terceira fonte de matéria prima, no caso, o querosene. Como notava
o estudo do BEICIP, o recurso a três ordens de matérias- primas teria
por conseqüência tornar bem mais complexo o processo produtivo,
pois de cada uma delas resultam subprodutos diferentes e que,
em termos de rentabilidade, implicam na instalação de sucessivas
unidades para sua valorização. Isto significava que o complexo
petroquímico a ser instalado deveria, para sua maior rentabilidade,
ser pensado em termos de uma engrenagem bastante complexa,
obrigatoriamente dotada de um número relativamente grande de
unidades de produção interligadas entre si, não só de alto custo em
termos de instalação como de mais difícil administração. Desde esse
instante, portanto, o Complexo Petroquímico da Bahia aparece como
uma máquina pesada, cara, complicada e implicando em difíceis
problemas de planificação da produção, sem que, entretanto, nada
ainda tivesse sido de fato estudado sobre os efeitos induzidos que

489
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

dele se poderia esperar, seja no domínio puramente industrial, seja


no plano do desenvolvimento econômico e social da região.

“...a localização de indústrias em


Camaçari não produziu
os resultados esperados…”

É com certo atraso que surge a preocupação de ver surgir no


Nordeste, e não em qualquer outra parte do país, as indústrias a
jusante, que se- riam indispensáveis à maximização dos benefícios a
serem retidos na re- gião – questão essa, como se vê, indispensável à
caracterização de um “pólo de desenvolvimento” nos termos em que
este era concebido pelos planejadores. Essa é a razão pela qual se
faz novamente apelo ao BEICIP para que fosse estimado o mercado
potencial existente no nordeste para duas categorias de indústrias: a
de plásticos e a de fibras sintéticas.

Esse segundo estudo do BEICIP de alguma forma justifica a


esperança de que o novo Complexo Industrial pudesse se constituir
(pelo menos através dos plásticos e das fibras) num instrumento de
desenvolvimento regional. Todavia, é importante registrar que nele
não se diz que tais indústrias deveriam ser implantadas em Camaçari
ou mesmo na Bahia. Se examinada a localização prevista para os 19
projetos iniciais, propostos neste estudo, constata-se que, exceção
feita àqueles que utilizam matéria-prima líquida e de mais fácil
transporte por tubulação, os demais poderiam ser localizados em
qualquer parte da região nordestina, de preferência na proximidade
dos mercados de consumo. Todo o esforço realizado através desse
estudo foi o de pensar não mais em termos do mercado bra-
sileiro como um todo, mas do mercado nordestino, um esforço de
especialização pouco freqüente nesse tipo de estudo. Mas, mesmo
assim, reaparecem aqui as diferentes concepções entre espaço
econômico e espaço geográfico que se vão constituir numa fonte de

490
FRAGMENTOS

equívocos de conseqüências graves. Com efeito, se o relatório atesta


a existência de um mercado nordestino para a transformação, na
própria região, dos produtos das indústrias chamadas de segunda
ou terceira geração no nordeste, nada garantia que tais indústrias
tivessem que situar-se fisicamente em Camaçari.

Isto posto, a opção pela localização de indústrias em


Camaçari não produziu os resultados esperados e contribuíu para
esvaziar o Centro Industrial de Aratu, em cujo espaço deveria ter sido
instalado o Complexo. Não ocorreu a implantação de um parque de
transformação a jusante das empresas matrizes do complexo- básico,
que não se constituíram indústrias-motrizes.

No caso de Camaçari existe ainda um aspecto relevante a


registrar, no que se refere às conexões interindustriais que constituem
um fator necessário para caracterizar um pólo. Se a condição de pólo
decorre da capacidade de inovação da indústria-motriz, adquire
importância não apenas o tipo de indústria e a função que ela
está tecnicamente apta a exercer, mas também a forma jurídico-
administrativa como é constituída a empresa da qual se espera a ação
motriz-inovadora.

Nesse plano, o controle acionário da empresa que constitui


a indústria- motriz (se estatal, privado ou multinacional) tende
a adquirir significação para o que se discute. Essa variável é
raramente considerada na teoria dos pólos, embora seja evidente
sua importância. A introdução de contínuas inovações depende de
decisões empresariais que não se relacionam apenas à capacidade de
gerar tecnologia e “novas combinações”, mas também à vontade de
fazê-lo. Quer dizer: ao interesse de seus controladores em fazerem
uso de tal capacidade.

Uma empresa multinacional, ou um grupo nacional poderoso,


podem não ter interesse em introduzir num dado mercado, dentre os
múltiplos em que atua, as inovações para as quais estão tecnicamente
capacitados. Isto ocorrerá se tais inovações vierem a gerar, por exemplo,
uma expansão da estrutura produtiva desse mercado particular que
seja superior àquela que tal empresa considera compatível com sua
estratégia global e com o jogo oligopólico do qual, em geral, depende

491
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

sua expansão continuada. Da mesma forma, embora por outras


razões, também os empresários locais podem não reunir as condições
necessárias (por falta de recursos ou de capacidade empresarial) para
preencherem, substitutivamente, a função inovadora.

Neste ponto, demonstrando a utopia do modelo de


“desconcentração concentrada”, o COPEC assistiu, com a privatização
do seu controle acionário, deslocar-se todo o seu centro de decisão
para a região Sudeste, ficando em Camaçari apenas as unidades
de produção (fábricas). Com a assunção do controle da COPENE
(sua indústria “motriz”) por uma multinacional ou por um grupo
nacional hegemônico na área da petroquímica, tornam-se remotas
as expectativas da criação de um polo de desenvolvimento a partir
deste Complexo.

No que tange aos demais distritos, vinte anos transcorridos da


única atualização do seu Plano Diretor, realizada em 1980, o Centro
Industrial de Aratu é, hoje, uma sombra do grande empreendimento
sonhado na década de 60 e que, segundo os seus idealizadores, iria
transformar a face da Bahia, projetando-a como um Estado moderno,
industrializado e, con- seqüentemente, desenvolvido.

“...a contribuição do CIA para o


desenvolvimento industrial do Estado
foi pouco relevante...”

Esta expectativa não se concretizou. O CIA constitui hoje um


espaço composto por duas zonas industriais, ainda denominadas
de CIA-Norte e CIA-Sul, com diversas empresas fechadas e áreas
subutilizadas, já tendo sido denominado pela imprensa baiana de
“cemitério de empresas”, servindo como testemunha material das
contradições e dos desencontros do processo de desenvolvimento
industrial baiano..

492
FRAGMENTOS

Se examinados todo o período de existência do Centro e a


sua atual situação, poder-se-á dizer que a contribuição do CIA para
o desenvolvimento industrial do Estado foi pouco relevante e que a
política de localização industrial por ele encarnada não produziu os
efeitos desejados.

Pelo contrário, contribuiu para a concentração industrial na


RMS em detrimento de várias regiões do Estado, muito mais pelo
efeito atracional de micro e pequenas empresas que se expandiram
no seu entorno (região de Valéria, por exemplo) do que propriamente
pelas empresas que abrigou em seu perímetro.

Já os distritos industriais do interior, teoricamente, no plano


da política de interiorização do desenvolvimento, assumiriam as
características de um parcelamento do solo devidamente infra-
estruturado, de cuja criação se valeria o poder público como
instrumento adicional para atrair indústrias, dentro de uma estratégia
de desconcentração industrial.

Cumulativamente, deveriam cum- prir a função de ordenadores


da localização de indústrias nas suas respectivas cidades-sede, no
que, pelo menos em tese, contribuiriam para a melhoria da qualidade
da estrutura urbana nas cidades de médio porte do interior da Bahia.

Embora se constituíssem no instrumento de maior autonomia


com que o Estado participava da política de industrialização, os DI não
se caracterizam como instrumentos fundamentais dessa política, mas
principalmente como mecanismos de apoio, que buscavam minimizar o
impacto urbano da implantação de indústrias em larga escala e tentavam
induzir a localização de novas indústrias, devendo fazê-lo conforme
diretrizes de desenvolvimento espacial.

Tratavam-se, basicamente, de equipamentos que facilitavam,


mas não tinham força suficiente para determinar a localização de
indústrias, nem gerar novos projetos, às vezes sequer em termos
intra-urbanos. Assim, tornava-se evidente que, se, por um lado, a
disponibilidade de infra- estrutura era uma variável condicionante da
atração de investimentos industriais, tinha, por outro, um papel bastante
limitado pela interferência de outros mecanismos mais fundamentais.

493
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

Esse foi o caso de fatores exógenos relativos à dinâmica do


sistema econômico que, como um todo, foram mais influentes e
condicionantes na localização e geração de novos projetos industriais.
Entre esses devem ser salientados: primeiro, o modelo econômico
nacional, que se caracteriza, até os dias atuais, por ser concentrador
de renda, determinando um sistema produtivo em que as empresas
industriais apresentam um alto coeficiente de localização, ou seja, uma
tendência à concentração espacial; segundo, a orientação para projetos
de grandes unidades produtoras de bens intermediários, (prioridade do
planejamento baiano) o que cria a exigência de escala, de aglomeração
e de apoio de serviços, exceção feita apenas às unidades agroindustriais
e de processamento de minérios, que necessitam ser localizadas junto
às matérias-primas.

As repercussões espaciais desses fatores se manifestam pela


concentração da produção em uns poucos pontos do território,(as
metrópoles) fazendo com que as cidades de porte médio (as “capitais
regionais”) percam o domínio sobre suas respectivas áreas de influência.

Essas características do modelo econômico conflitam,


originariamente, com uma política de desconcentração industrial
como a dos DI do interior, invalidando-a como um instrumento capaz
de atenuar os desequilíbrios regionais.

Neste contexto, uma política que objetivasse, em bases realistas,


o funcionamento eficaz de centros secundários de crescimento,
complementares e articulados com os principais distritos regionais – no caso
o CIA e o COPEC – ou se baseava em possibilidades reais de investimentos
ou re- quereria uma mudança profunda na política de industrialização,
algo muito mais complexo do que a simples criação dos DI.

Há que considerar, adicionalmente, os reflexos da conjuntura


econômica, no momento de implantação dos DI do interior, quando já
as estratégias de crescimento econômico começavam a dar mostras de
perda de dinamismo, fazendo com que a própria força dos incentivos
fiscais se revelasse insuficiente para a geração e atratividade de novos
projetos.

Por outro lado, salvo a existência do incentivo fiscal específico

494
FRAGMENTOS

e a assistência técnica, nem sempre prontamente disponível, foi


precária a articulação entre os diversos instrumentos da política de
industrialização posta em prática.

Assim, em relação aos DI do interior, o objetivo estadual


mais compatível seria o de vincular o parque industrial aos sistemas
produtivos locais, a concretizar-se mediante a transformação dos
produtos agropecuários e exploração de recursos minerais, os quais,
no entanto, tinham fatores microlocacionais bem específicos, nem
sempre possibilitando uma opção locacional pelas cidades de médio
porte, onde foram instalados os DI.

Ademais, como inexistia uma estratégia de desenvolvimento


urbano, não ocorreu a integração das ações em termos intersetoriais,
nem se apoiou ou beneficiou a política de DI de escala de prioridades
em termos espaciais.

Nas cidades onde se implantaram os principais DI administrados


pelo Estado, (Ilhéus, Jequié, Juazeiro e Vitória da Conquista) era, à
época, bastante precária a infra-estrutura física e urbano-social, sendo
de assinalar-se que, mesmo os programas habitacionais não tinham
presença destacada nesses assentamentos urbanos.

A estes fatores se agrega, de referência à política urbana,


a dispersão das responsabilidades executivas pela implantação de
infra-estrutura econômica e social nas cidades, com conseqüente
desarticulação e perda de eficiência dos investimentos realizados.

É natural, assim, que os DI fossem limitados pela falta de suporte,


tanto setorial quanto espacial, tanto mais que foram estabelecidos em
condições e quantidade provavelmente maior do que seria desejável.

“...os Distritos, em seu conjunto, jamais


representaram um fator atrativo para
os micro e pequenos empresários
baianos...”

495
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

Do ponto de vista espacial, constata-se que a definição


macrolocacional dos DI baseou-se muito mais na análise da
hierarquia urbana do que na ocorrência de efetivas possibilidades
econômicas e de industrialização. Como a rede urbana da Bahia é,
ainda, marcada pela macrocefalia da RMS, o volume demográfico, o
equipamento urbano e o nível de renda predominante nas “cidades
médias” do interior não se revelaram capazes de viabilizar distritos
industriais, fazendo-se necessário não apenas rigoroso critério de
prioridades, mas também um esforço concentrado, em termos de
governo, a exemplo do que ocorreu para a implantação do Complexo
Petroquímico, na RMS. Este esforço, de igual modo, deveria incluir não
apenas a implantação de infra- estruturas mas também a promoção,
agenciamento e participação nos empreendimentos nucleares,
destinados a possibilitar a viabilização dos DI.

Como observa HADDAD (1992), uma das condições essenciais


para que uma atividade econômica que se localize numa região possa
promover o desenvolvimento sustentável desta região e não estimule
apenas um ciclo de crescimento instável e pouco duradouro, é que
haja uma difusão do dinamismo da implantação desta atividade
econômica para outros setores da economia regional. Vale dizer,
que esta atividade se articule de maneira adequada com o sistema
produtivo local.

Faltou, no caso dos DI, esta difusão de dinamismo. As empresas


localizadas na maioria desses distritos não possuíam qualquer
relação do tipo insumo-produto com a economia da região onde
se instalavam e aquelas que possuíam esta relação normalmente se
instalavam fora do dis- trito, como ocorreu com a agroindústria de
frutas em Juazeiro.

Concebidos com o enfoque de uma industrialização via grandes


empresas, os Distritos, em seu conjunto, jamais representaram um fator
atrativo para os micro e pequenos empresários baianos que, segundo
a Secretaria da Indústria e Comércio da Bahia, correspondiam a 83%
do universo empresarial do Estado em 1981, e preferiram localizar-se
no centro comercial ou na periferia dos seus núcleos urbanos.

Outra distorção da política de localização industrial da

496
FRAGMENTOS

Bahia, utilizando os mecanismos de incentivos fiscais e financeiros,


consistiu na instalação nos distritos, de uma parcela de empresários
oportunistas, de outras regiões, que só permaneceram no estado
enquanto se beneficiaram dos favores concedidos pelo poder público.
Encerrado o benefício , encerravam o negócio.Em algus casos,vários
empreendimentos fecharam em pleno gozo dos benefícios por
incapacidade de gestão administrativa ou pela própria inviabilidade
econômica do negócio.

A criação dos distritos industriais da Bahia, foi uma decisão


bem intencionada mas utópica, posto que não se trabalhava sobre
uma realidade concreta, pré-existente, que demandam algum tipo
de intervenção ordenadora. E foi, ao mesmo tempo autoritária, dado
que as decisões foram tomadas sem a participação dos diversos
segmentos das comunidades locais.

Tratou-se, assim, de um planejamento descolado da realidade,


que não pode ser comparado às experiências de distritos industriais
como os “marshalianos” ou a sua vertente italiana. Isto porque esses
distritos foram construídos pela comunidade ao longo do tempo,
formando uma cadeia de empresas, muitas vezes de um mesmo
ramo industrial (como é o caso das confecções em Carpi, na Emilia
Romagna, Itália) onde a cadeia de produção é partilhada por diversas
empresas (muitas de pequeno porte) comandadas por princípios de
especialização, complementaridade e solidariedade, como apontam
diversos autores, entre os quais BENKO (1994).

Inexistiam e ainda inexistem tais condições na Bahia e mesmo


no Brasil, um país marcado por uma cultura individualista tão
exacerbada que frustra o desenvolvimento de modelos associativos
como o cooperativismo, por exemplo.

Então, é comum as elites intelectuais e governantes importarem idéias


e modelos bem sucedidos em outros países (com outras culturas e
ou- tros níveis de desenvolvimento sócio- econômico e tecnológico)
e tentarem transplantá-los para a nossa realida- de, “de cima para
baixo”, o que, via de regra, termina em insucesso, como foi o caso
dos distritos industriais baianos.

497
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

“...A criação dos distritos industriais da


Bahia foi uma decisão bem intencionada,
mas utópica...”

Atualmente, a tendência que se registra na política de fomento à


industrialização da Bahia é a de privatizar os distritos existentes,
passando o seu controle e administração para os municípios e as
empresas usuárias, o que não tem conseguido muito sucesso, por
causa de problemas de natureza política e da resistência dos próprios
usuários, que preferem continuar recebendo o suporte infra-estrutural
gratuito do Estado. Enquanto isto, os espaços ociosos disponíveis
são aproveitados para a locação de empreendimentos captados
no mercado, no contexto de uma “guerra fiscal” para a atração de
investimentos que hoje mobiliza (de forma suicida) a maioria dos
estados brasileiros.

Em síntese a política de industrialização contribuiu para a


concentração das atividades industriais na RMS (58,01% das empresas
em 1995), sendo de ressaltar que, também em 1995, 65,26% das
indústrias baianas estavam localizadas fora dos distritos industriais.

Segundo a SEI/SEPLANTEC, em 1995, a indústria participava


com 31% do PIB estadual. Contudo, esta participação estava
basicamente concentrada em apenas um setor, o petroquí- mico,
com cerca de 49 empresas, que respondia, naquele ano por 50,5%
do PIB industrial, o que atesta, na prática, que a Bahia não é um
Estado industrializado, no sentido abrangente do termo, reunindo,
de um lado, um conjunto reduzido de empresas produtoras de bens
intermediários que respondem majoritariamente pelo valor bruto da
produção industrial e, do outro, uma miríade de micro- e pequenas
empresas sem expressão econômica. Estes números são reforçados
pelo IBGE, em 1997, quando informa que a indústria baiana respondia
por apenas 5,9% dos empregos (em São Paulo este número era
19,5% , no mesmo período), cabendo a agricultura ocupar 44,5% da
população empregada (este número em São Paulo era 7,1%).

498
FRAGMENTOS

Outros dois elementos contribuíram para o artificialismo


da política de localização via a construção de distritos industriais
na Bahia: primeiro, a ausência de empresários locais com vocação
industrial, notadamente aqueles capazes de inovar e de empreender
e, segundo, a fragilidade do mercado consumidor na região:

Um conjunto de fatores de natureza histórica, antropológica,


sociológica e econômica explica a ocorrência desses dois fenômenos
que são decorrentes, em última instância, da pobreza secular e
endêmica que domina de forma majoritária a população baiana.
Considera-se aqui que a pobreza compreende as diversas formas
de exclusão social dos benefícios da atividade econômica, seja
diretamente, no uso de bens e de serviços ou, indiretamente, no acesso
aos benefícios culturais propiciados pela prosperidade econômica.

Esta pobreza foi gerada pelo modo de produção escravagista


imposto no processo de exploração colonial pelo capitalismo
agrário-mercantil ibérico que prevaleceu durante quatro séculos da
história brasileira. A transição deste regime para o do tra- balho livre
ocorreu de forma absolu- tamente perversa, dada a total omis- são
do Governo que simplesmente abandonou os negros libertos à sua
própria sorte, situação esta que per- dura até os dias atuais. Isto gerou
uma massa considerável de mão-de-obra marginalizada que veio a
constituir parcela considerável da população rural (em grande parte
não assalariada, ocupada como agregados e mesmo como servos das
propriedades agrícolas). Até hoje, um percentual considerável da PEA
rural baiana refere-se à classe dos trabalhadores sem rendimentos.

“...O limitado acesso à educação


bloqueou a mobilidade social dos
negros…”

Na cidade, esta população de ne- gros libertos foi absorvida


pelas atividades urbanas mais elementares e rudimentares, quando

499
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

não permaneceu na marginalidade ou na informalidade.

O limitado acesso à educação bloqueou a mobilidade social


dos negros e implicou na sua maior participação nos postos de
trabalho menos remu- nerados da sociedade civil. É de se destacar
que, segundo dados do IBGE, 80% da população baiana são de
origem africana (pretos e pardos).

O processo de acumulação capitalista, por seu turno, ao


transitar do estágio agrário-mercantil para o industrial, não abriu
espaços para a absorção de mão-de-obra mais bem remunerada,
criando um contingente cada vez maior de excluídos.

Por seu turno, a lavagem cerebral promovida no negro por


uma escravi- dão brutal não lhe quebrou a cultura conservada
e transmitida de pai para filho através da história oral. Mas o fez
acostumar-se com o pouco e a aceitar mansamente a pobreza como
sendo uma condição (um destino, “uma sina”) dada por Deus (e aí
entra firme a evangelização da Igreja Católica a serviço das classes
dominantes).

Em virtude da forma como foi ma- nipulado pelo colonialismo,


e de sua própria herança cultural, o negro não se inseriu no processo
de acumulação capitalista européia, assumindo uma lógica econômica
própria: a da sobre vivência com alegria. É aí que ele desponta
inovador e empreendedor. Com acesso limitado à educação básica e
muito menos à científica e tecnológica, o negro baiano valoriza, da
sua heran- ça ancestral, o corpo. E inova e empreende na dança, na
música, no carnaval, que constituem novos modos de produção que
não obedecem à racionalidade anglo-saxônica.

Ademais, a pobreza explica a ausência de capital, de poupança


e de recursos para investimentos. Explica também a formação de
uma economia informal que viceja nos circuitos inferiores das cidades
(SANTOS, 1979) onde parte considerável da população urbana
sobrevive. E esclarece o porquê da baixa vocação empresarial baiana,
notadamente para a atividade industrial.

Tendo em vista esta pobreza mantida e agravada, desde


a escravi- dão, pela forma como se estruturou a sociedade baiana

500
FRAGMENTOS

e como se expandiram as suas cidades, produziu-se um perfil de


emprego que limitou as possibilidades da formação de uma classe
média urbana, que respondesse por um mercado suficiente para
estimular a constituição de uma indústria regional significativa.

Conseqüentemente, a oferta de postos de trabalho na


economia baiana permaneceu dependendente de um mercado local
baseado na expansão do setor terciário, com empregos diretos no
comércio e empregos indiretos nas diversas formas de prestação de
serviços a empresas e pessoas por profissionais autônomos, além do
emprego público.

Restringindo-se a absorção de pessoal às atividades comerciais


e de serviços, deslocou-se a pressão por empregos, decorrente do
crescimento da população urbana em Salvador, para o setor público,
amparada pelo paternalismo político. Formou-se, assim, um mercado
de trabalho cuja oferta de empregos formais seria sempre muito inferior
à procura e em que, mesmo com um sistema educacional insuficiente
para o atendimento da população, houve sempre um considerável
número de pessoas com escolaridade média e superior obrigadas a
emigrar para encontrar trabalho. A Bahia ficou caracterizada como
uma região de emigração, onde o trabalho era remunerado sob a
pressão de um numeroso exército de reserva de trabalhadores, e de
uma oferta de emprego, que não oferecia espaços para o trabalho
técnico.

Na Bahia a remuneração do trabalho nunca esteve vinculada


a aumentos de produtividade e , portanto, não se produziram
estímulos para uma profissionalização do trabalho, equivalente
ao que ocorreu na região Sudeste.Assim, tanto o tipo de emprego
oferecido quanto a falta de especialização da força de trabalho,
contribuíram para manter a remuneração dos trabalhadores baianos
em valores consideravelmente inferiores aos dos seus congêneres das
cidades mais industrializadas do país.

Esta situação não se alterou com o passar dos anos.A Bahia,


segundo o IBGE, possuía, em 1998, 39% da população no campo
(o maior contingente de população rural do país). Talvez por isto
mesmo os dados do IBGE/PNAD demonstram que em 1995 a Bahia

501
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

contabilizava 4,6 milhões de integrantes da PIA sem qualquer


rendimento e mais 3,7 milhões com rendimento mensal até 2 salários
mínimos, totalizando 72,6% das pessoas com 10 anos e mais, eviden-
ciando a existência, no Estado, de um mercado consumidor de
grande amplitude numérica e de baixíssima capacidade de consumo,
com repercussões altamente negativas no campo da saúde, da
educação, da habitação e da qualificação profissional de uma força
de trabalho, que se mantém à margem dos benefícios da abertura
dos mercados por falta de poder aqui- sitivo, em condições precárias
de atendimento por parte dos serviços públicos, na fronteira entre a
pobreza e a miséria absoluta, no campo e na periferia das grandes
cidades.

Isto explica a inexistência de um mercado interno que ofereça


escala e sustentabilidade a um parque industrial produtor de bens
finais e porque o Governo do Estado, no propósito de industrializar
a Bahia, foi buscar em outras regiões (notadamente no Sudeste e no
Sul do País) o capital humano e tecnológico de que não dispunha
internamente.

Só que o processo não obteve êxito pelo seu próprio


artificialismo, ao tentar, via subsídios fiscais e financeiros, criar um
capitalismo “sem riscos”.

Por fim, no que se refere ao desenvolvimento local, a política


de localização industrial via a construção dos distritos industriais
também não produziu os resultados esperados.

Os programas de desenvolvimento local, realizados na Bahia


por organismos públicos vinculados aos governos federal e estadual,
ainda não alcançaram a eficácia almejada.. Isto decorre de um
conjunto de fatores relacionados com a inexpressividade política
dos municípios na formulação das políticas de fomento, nas quais
a participação destes, sobretudo na Bahia e no Nordeste, é quase
sempre passiva.

Os municípios baianos dependem dos recursos federais


e estaduais para a realização de programas e projetos em seus
respectivos territórios visto que a participação dos seus recursos

502
FRAGMENTOS

próprios no orçamento municipal não ultrapassa a 5% do montante


da receita orçamentária. O restante provém de transferências das
outras instâncias de poder. Com isto, a sociedade local perde as
condições autônomas de organizar-se e estabelece-se uma relação
de dependência (clientelismo) aos outros poderes que ditam as
condições e a intensidade em que se desenvolverá uma cidade e o
seu território. Existem numerosos exemplos de cidades “postas de
castigo” (sem receber recursos para investimento, ou excluídas de
projetos de fomento) pelo fato de o governo municipal se encontrar
em oposição ao governo estadual ou federal.

Nesta circunstância, os sistemas locais atrofiam-se e a cidade


pára no tempo, regredindo às vezes.

O mais grave desse sistema de distribuição de recursos


públicos é que as lideranças locais perdem a expressão perante as
suas comunidades e, consequentemente, as condições de atuar como
elementos catalisadores de um processo de desenvolvimento local.

Mais ainda, o mecanismo endemicamente corrupto,


engendrado por este sistema sociopolítico faz com que proliferem
“lideranças” oportunistas e pouco comprometidas com a cidade e
o município. Atualmente, segundo noticia a imprensa, 175 dos 415
prefeitos baianos estão respondendo a processo por malversação de
recursos públicos.

Entre outros fatores que respondem pelas limitações do


desenvolvimento local na Bahia, merece destaque a rarefação
espacial-urbana do Estado e o baixo grau de integração entre
as cidades que exercem influência urbana, como as que foram
examinadas (Feira de Santana, Ilhéus, Vitória da Conquista, Juazeiro
e Jequié) e que, por sua importância no contexto estadual, foram
contempladas com os primeiros distritos industriais do Estado. Essas
cidades e outras também importantes como Barreiras (no oeste da
Bahia, capitaneando uma poderosa fronteira agrícola) Itabuna (que
forma, por conurbação, um pólo com Ilhéus), Alagoinhas, Eunápolis
e Teixeira de Freitas, não interagem mercadologicamente por estarem
separadas por distâncias consideráveis que podem, em determinados
casos, superar a barreira dos mil quilômetros, servidas por uma

503
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

péssima infra-estrutura de transporte.

Ademais elas “polarizam” municípios menores e ainda mais


pobres que sobrecarregam suas infra-estruturas de suporte social
(educação, saúde, segurança pública, etc.). Segundo a Secretaria de
Planejamento do Estado – SEPLANTEC, em 1997, a Bahia possuía 100
municípios com a população na faixa da indigência.

As cidades de influência urbana são, por seu turno, de pequena


expressão demográfica. Apenas Feira de Santana, no interior da Bahia,
possui uma população municipal (urbana e rural) superior a 400 mil
habitantes em 1997, segundo o IBGE. As demais, considerando-se
toda a área municipal, situavam-se, neste mesmo ano, em torno
da média de 166 mil habitantes (urbanos e rurais). Considerando
o total dos municípios do Estado, 73% possuíam menos de 20 mil
habitantes. Segundo o IBGE , no Censo Demográfico de 2000, 115
dos 415 municípios baianos perderam população. Isto deve-se ao
êxodo provocado pelas secas do período, mas, também, à redução
da taxa de fecundidade, que caiu de 6,23 filhos por mulher, em 1980,
para 2,99 filhos por mulher, em 1996.

A população desses municípios migra normalmente para a


Região Metropolitana do Salvador que respondia, em 1997, por 22%
da população do Estado.

Não é apenas a população pobre que migra do interior para


ampliar a miséria na periferia da capital. Um fenômeno mais grave foi
identificado em pesquisa realizada pelo IPA – Instituto de Pesquisas
Aplicadas da UNIFACS, entre 1994 e 1999 (diagnósticos sócio-
econômicos de 91 municípios baianos), e dirigida pelo autor deste
trabalho. Trata-se da exportação de capital humano qualificado.

Na maioria das cidades estudadas, as elites migram para


Salvador ou outras capitais, deixando em seu lugar capatazes, feitores
e agregados que, além de não possuírem renda para investir, também
não possuem iniciativa, pouco contribuindo para o processo de
desenvolvimento local. Em outros casos, ficam os pais conservadores
que envelhecem à frente dos negócios da família e migram os jovens
que vão “estudar na capital” e jamais voltam, visto que a terra natal

504
FRAGMENTOS

não lhes oferece o padrão de conforto urbano a que se acostumaram


em centros maiores, para não falar em renda, ocupação e status.

“…Não é apenas a população pobre que


migra do interior para ampliar a miséria
na periferia da capital…”

Nessas duas situações, os espaços da cidade são ocupados


pela população que migra do campo cujo potencial produtivo é baixo,
em virtude dos níveis precários de educação e de renda. Assim, a
cidade exporta capital humano qualificado e absorve capital humano
despreparado, carente de recursos e que funciona como uma pesada
sobrecarga em relação à infra-estrutura urbana e social existente,
que recebe uma intensa demanda de serviços, sem a contrapartida
da geração de recursos para atendê- la. A cidade perde também
a capacidade de modernizar-se, de inovar e de empreender novas
atividades que ampliem e dinamizem o seu sistema local produtivo.

A promoção do desenvolvimento industrial via “distritos” não


poderia ter sucesso nesse contexto e até mesmo por não considerar
a estrutura de funcionamento dos sistemas locais produtivos
eminentemente agropastoris.

Assim, de um planejamento que possuía uma certa lógica,


apesar de descolado da realidade, partiu-se para ações pontuais,
não planejadas, e bem ao sabor da concepção neoliberal vigente. Em
decorrência disto, a Bahia encerrou o século XX sem ter conseguido
promover o seu desenvolvimento regional e ingressa no novo século
sem grandes perspectivas de consegui-lo em curto prazo, tão grande
é o seu passivo social e tão reduzidas as suas bases econômicas para
empreender as transformações que são requeridas internamente e
nas relações com as demais regiões brasileiras.

505
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

Bibliografia

ALMEIDA, Rômulo. Nordeste: desenvolvimento social e industrialização.


Fortaleza: Paz e Terra; Brasília: CNPq, 1985.


, Petroquímica na economia nacional e seu papel numa
política regional. Revista Econômica do Nordeste, Fortaleza, v.10, n.2, abr/
jun. 1979.


, Traços da História Econômica da Bahia no último século e
meio. Salvador: Planejamento, 5(4): 19-54, out/dez. 1977.

BANCO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO. Pólo Petroquímico


de Camaçari: principais aspectos da implantação. Rio de Janeiro, dez. 1977.

BENKO, Georges. La science régionale. Paris: Université de Panthéon-


Sorbonne, 1998.


, Economia, Espaço e Globalização na aurora do século XXI.
São Paulo: HUCITEC, 1999.

BENKO, Georges; LIPIETZ, Alain. As Regiões Ganhadoras: Distritos e redes: os


novos paradigmas da geografia econômica. Oeiras: Celta,1994.


, La Richesse des Regións: la nouvelle géographie socio-
économique. France: PUF, 2000.

BRASIL. A Industrialização Brasileira: Diagnóstico e perspectivas. Rio de


Janeiro: IPEA, 1968.

,
Anuário Estatístico do Brasil. Vol. 58. Rio de Janeiro : IBGE/
Ministério do Pla- nejamento, orçamento e gestão, 1998.

,
Metas e Bases para a ação do Governo. Rio de Janeiro,
1970.

, Programa Estratégico de
Desenvolvimento: diretrizes de Governo. Brasília: Ministério do Planejamento
e Coordenação Geral, DIN, 1967.

506
FRAGMENTOS

,
O subsistema urbano - regional de Feira de Santana. Recife,
1985.


Plano Trienal de
,

Desenvolvimento Econômico e Social (1963-1965). Rio de Janeiro, DIN,


1962.

,
Presidência da República. II Plano Nacional do
Desenvolvimento (1975- 1979) Brasília, DIN, 1974.


, Programa de Ação Econômica do Governo (PAEG) 1964
–1966. Rio de Janeiro: Ministério do Planejamento e Coordenação Econômica,
1964.


, I Plano Nacional de
Desenvolvimento PND 1972-1974. Brasília, DIN, 1971.

SUDENE. II Plano Diretor de Desenvolvimento Econômico e Social do


Nordeste (1963-1965) Recife, 1966.

,
SUDENE. III Plano Diretor de Desenvolvimento Econômico e
Social do Nordeste, 1966-1968. Recife, 1966.

,
SUDENE. IV Plano Diretor de Desenvolvimento Econômico e
Social do Nordeste, 1969-1973. Recife, 1968.

CALMON, Francisco Marques de Goés. Vida econômico-financeira da Bahia:


elementos para a história de 1808 a 1899. Salvador: CPE, 1978, 369p.

CENPES. A indústria de transformação de termoplásticos na Bahia: Avaliação


e Perspectivas. Salvador : Secretaria do Planejamento, Ciência e Tecnologia,
Desenbanco, 1986.

COPENE. Polo Petroquímico do Nordeste. Rio de Janeiro, jun. 1973.


, Localização do Complexo Petroquímico do Nordeste na
Bahia. Salvador, 1969.

GOVERNO DO ESTADO DA BAHIA. A Petroquímica na Bahia. Salvador:


Secretaria da Indústria e Comércio, 1980.

, A industrialização Brasileira: diagnóstico e perspectivas.

507
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

Rio de Janeiro, 1968.


, Anuário Estatístico da Bahia. Salvador: SEI, 1998.


, A indústria baiana nos anos 90. Salvador : SEI, 1998.


, Bahia Governo Democrático: Plano Estratégico e Ação
versão preliminar. Salvador: Secretaria do Planejamento, Ciência e Tecnologia,
jan. 1988.


, Cobre: desenvolvimento da indústria de metais não-
ferrosos no Estado da Bahia. Salvador: Secretaria da Indústria e Comércio.


, Complexo Petroquímico de Camaçari. Salvador: Secretaria
das Minas e Energia, 1974.

Desenvolvimento da Indústria Petroquímica no Estado da Bahia. Vol. 1.


Salvador: CONDER/ CLAN S.A.

Desenvolvimento da Indústria Petroquímica no Estado da Bahia. Vol. 2.


Salvador: CONDER/CLAN S.A.

Macroeconomia, Emprego e Renda na Bahia: Reflexos no Semi-Árido.


Salvador: Companhia de desenvolvimento e ação regional, set.1995.


, Memória da Petroquímica na Bahia. Salvador: CLAN, 1970.


, Plano Diretor do Centro Industrial de Aratu. Salvador:
Secretaria da Indústria e Comércio, 1966.


, Plano Diretor do Centro Industrial de Aratu. Salvador:
Secretaria da Indústria e Comércio, 1980.


, Plano Diretor do Complexo Petroquímico de Camaçari –
COPEC. Salvador: Secretaria das Minas e Energia- COMCOP, 1975.


, Plano Diretor do Distrito Industrial de Ilhéus. Salvador:
Secretaria da Indústria e Comércio,1974.


, Plano Diretor do Distrito Industrial de Imborés Vitória da
Conquista. Salvador: Secretaria da Indústria e Comércio, 1974.

508
FRAGMENTOS


, Plano Diretor do Distrito Industrial de São Francisco,
Juazeiro. Salvador: Secretaria da Indús- tria e Comércio, 1974.


, Plano Diretor do Distrito Industrial de Jequié. Sal- vador:
Secretaria da Industria e Comércio, 1974.


, Política de Distritos Industriais no Estado da Bahia.
Salvador: CLAN, 1977.


, Programa Estratégico de Desenvolvimento Industrial do
Estado da Bahia. Salvador: 1998.


, Simpósio franco - brasileiro sobre a indústria
Petroquímica. Salvador: Secretaria das Minas e Energia, dez. 1972.


, Uma política para desenvolvimento do Nordeste. Rio de
Janeiro: Grupo de trabalho para desenvolvimento do Nordeste, 1959.

HADDAD, Paulo Roberto ( editor ) et al. Desequilíbrios regionais e


descentralização industrial. Rio de Janeiro: IPEA/ILPES, 1975.

HERMANSEN, Tormod. Polos y centros de Desarrollo en el Desarrollo Nacional


y Regional. Barcelona, 1970.

LASUÉN, José Ramón. Ensayos sobre economia regional y urbana. Barcelona:


Ariel, 1976.

LUNARDI, Maria Elizabeth. Parques Tecnológicos: Estratégias de localização


em Porto Alegre, Florianópolis e Curitiba. Curitiba: Ed. do Autor, 1997.

LUZÓN, José Luís ( coord.). Latinoamérica, Territorios y paises en el umbral


del siglo XXI. Tarragona: AGE, Es., 1993.


, Agricultura de regadío en el desierto y semiárido chileno.
Ateliers de Caravelle. nº 15. Toulouse: IPEALT, decembre 1999.

MARIANI, Clemente. Análise do Problema Econômico Baiano. Planejamento,


5(4):55-121. Salvador, out/dez 1977.
MARKUSEN, Ann. Áreas de atração de investimentos em um espaço
econômico Cambiante: uma tipologia de distritos industriais. Belo Horizonte:

509
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

Nova Economia, v.5, n. 2, dez. 1995.

MARSHALL, A. Elements of Economics of Industry, Londres,Macmillan,1990.

MARTINS, Luciano; THÈRY, Hervé. A pro- blemática dos “Pólos de


Desenvolvimento” e a experiência de Camaçari. Paris: Centre National de la
Recherche Scientifique, 1981.

OLIVEIRA, José Clemente. A Petroquímica brasileira depoimentos. Camaçari:


Lis, 1990.

PREFEITURA MUNICIPAL DE FEIRA DE SANTANA . Plano Diretor do Centro In-


dustrial de Subaé. Feira de Santana, Salvador, 1975.

SAMPAIO, Fernando Talma. Aspectos da regionalização do desenvolvimento


industrial: o caso baiano. Salvador: UFBA, 1974.

SANTOS, Milton. O Espaço Dividido : Os dois conceitos da economia urbana


dos países subdesenvolvidos. Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves, 1979.

SILVA, Silvio Bandeira de Melo (org.) Dossiê de Leituras do Doutorado de


Planificação Territorial e Desenvolvimento Regional. Salvador: Universidade
de Barcelona/ UNIFACS, 2000.

SPINOLA, Carolina (coord.). Diagnóstico Sócio-Econômico do Município de


Feira de Santana. Salvador: Kanzeon, 1998.

SPINOLA, Noelio Dantaslé. Diagnóstico sócio - econômico de Ilhéus. Salvador:


SICM/ IPA, 1998.


, Diagnóstico sócio - econômico de Jequié. Salvador: SICM/
IPA, 1998.


, Diagnóstico sócio - econômico de Juazeiro. Salvador: SICM/
IPA, 1998.


, Estimativa da demanda de habitações no Município de
Camaçari. Salvador: Secretaria das Minas e Ener- gia, out. 1975.


, Política e estratégias para o desenvolvimento industrial e
comercial da Bahia no século XXI. Salvador: Kanzeon, 1998.

510
FRAGMENTOS


, Regionalização do Estado da Bahia: proposta de ação
articulada para política de fomento às micro e pequenas empresas agências
municipais de desenvolvimento. Salvador: Kanzeon, 1998.


, Trinta Anos da Indústria, Comércio e Turismo na Bahia.
Salvador: IPA/UNIFACS, 1997.


, Análise da Política de Localização Industrial no
Desenvolvimento regional: A experiência da Bahia, Tese de Doutorado,
Barcelona: Universidade de Barcelona, 2001.

TAVARES, Luís Henrique Dias. O problema da involução industrial da Bahia.


Salvador: UFBA, 1966.

511
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

512
FRAGMENTOS

ARTIGO

CHALLENGES TO
THE DEVELOPMENT
OF PERIPHERAL
ECONOMIES.

13
513
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

514
FRAGMENTOS

Challenges to the development


of peripheral economies1
Noelio Dantaslé Spinola2

Abstract
The methodological inadequacy of the theoretical tools upon which
public policies are based, promoted, and applied in many remote
regions of South America is one of the biggest challenges to the
promotion of effective economic and social development. This
study examines the state of Bahia, a Brazilian state located in its
northeastern region. It discusses the contributions relating to new
programs to promote economic development in the context of
world economy, and their effectiveness in the case of Bahia. It
analyzes the teleological aspects of the new categories included
in the theory of regional development, such as local development,
endogenous, self-sustaining, and community that represent different
strategies and, therefore, comprise of different approaches. As a
matter of hermeneutics it examines methodological aspects and
the operational use of these categories, demonstrating their lack of
adherence to the phenomena observed in the culture of peripheral
communities, in their original formulations derived in different
scopes, built from more technologically advanced realities not
considering the necessary degree of integration (embeddedness)
between the different actors being a prerequisite for obtaining the
desired success. In this sense, the form adopted in the use of these
methodologies that aim to interpret and intervene in development
processes that call for local development, endogenous, self-sustaining
and so on is compromised by not corresponding to the real object of
their investigations and interventions. The scientific rigor required of
1 Paper presented at the 9th World Congress of Regional Science Association International.
May 9 – 12 - 2012 Timisoara, Romania. [ID: 1705]
2 Doutor em Geografia e História pela Universidade de Barcelona (ES). Professor Titular de
Economia Regional e Métodos de Análise Regional no Programa de Pós-Graduação em
Desenvolvimento Regional e Urbano (PPDRU) da Universidade Salvador (UNIFACS) - Laureate
International Universities E - mail: dantasle@uol.com.br

515
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

those who work with the social sciences becomes distorted, confused
and causes difficulties, in general terms, in making sense of public
policies adopted under the label of these denominations. Finally, the
paper proposes the resumption of efforts to build new alternatives
for promoting development through the formation of human capital
and the appropriateness of new techniques for promoting the reality
and characteristics of less developed regions.

Key Words: Regional Development; Local Development; Endogenous


Development; Space Economics; Brazilian Economy; Bahia Economy.

(JEL) Classification System: 01; 017; 018; 054

516
FRAGMENTOS

Introduction

Natura non facit saltum


(Marshall, Darwin, Aristóteles)

This article intends to analyze the efforts to promote local


development in border regions of South America, specifically in the
state of Bahia3, which has a territory marked by severe economic, soil,
and climatic differences, which uses multiple optical space governed
by the dictates of capital accumulation paths conditioned by the
demands of international market and determined by their specific
processes of capital accumulation, often divergent or disengaged
with local processes of economic development.
It is worth noting that the state of Bahia in absolute terms of
economic importance in Brazil is the seventh largest economy among the
27 states, and the 1st in the Northeast region consisting of nine states.
Spatially it has an area spanning 559,951 square kilometers,
occupying 6.59% of Brazilian territory and 36.34% of the Northeast. In
evaluating the territorial issue, realizes that a Bahia, in physical terms, it
is larger than metropolitan France and is roughly the size of the Iberian
Peninsula.4
Despite its position in Brazil's economy with a GDP estimated
by the SEI5 of 145 billion dollars for 2010, Bahia, in the same year,
with a population of 14,016,906 inhabitants, of which 1/3 live in rural
areas6 is identified by the Department of Social Development and
Hunger as the state with the highest concentration of people in
extreme poverty. There are 2.4 million individual in Bahia with a
monthly income of less than $70.00. The state ranks 19th in “per capita”
income among the 27 states. This is the reality in which we work.

3 Bahia is one of 27 states that comprise the Federal Republic of Brazil.


4 The State of Bahia accounts for 97% of the territory of the Iberian Peninsula.
5 Superintendence of Economic and Social Studies of Bahia - SEI.
6 The rate of urbanization of Bahia, according to IBGE data varies from 72% considering the
districts as a whole and 67% computing only the municipal headquarters. There is
controversy among demographers about the criteria adopted by the IBGE for the determination
of rates of urbanization

517
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

In this analysis we examine the new theoretical


frameworks which intend to be the instruments of regional
development theory approaches gestating from the breakdown
of the Fordist paradigm and responding more effectively to the
characteristics and peculiarities of less developed economies, and often,
not as yet absorbed by the process of globalization. In this sense we will
discuss the teleological aspects of categories such as local development,
endogenous, self-sustainable, integrated and community that represent
different strategies and, therefore, comprise different approaches.
Besides this introduction and a conclusion, this study is
composed of six parts that address the contributions merited in the
period between 1970 and 2000, and operational issues related to
the applications of theoretical tools related to local development
and endogenous development.

Life cycle of development theory

The concern with the process of accumulation of wealth,


or capital as many want is remote in the history of mankind. The
scribes of the Torah, Greeks and Xenophon, Plato and Aristotle and
the legendary kings as Croesus of Lydia (561/546 BC), according
to Spinola (2011, p.19) wrote about it and the tools necessary for
its production. 2,500 years ago the electrum stater was created
-regarded as the first currency in the world. In his words:

Tesoureiros com o pé no chão descobriram o que os


magos não viram: o homem comum e os comerciantes
da Lídia intuitivamente atribuíam valores de troca
a pedaços de prata e ouro, que viravam meios de
pagamento. Reis perceberam que alguém podia
ganhar dinheiro com dinheiro: martelaram símbolos
no metal, padronizaram a relação ouro/prata (ratio)
e cobraram pela senhoriagem. Nasce a moeda. (My
emphasis).

518
FRAGMENTOS

Mercantilists, physiocrats and then the classics, as in the


eighteenth and nineteenth centuries, directly or indirectly were
also concerned about issues related to economic growth that, over
time, became (for some) economic development. The Scotsman
Adam Smith (1723/1790) was chosen by the mainstream as the
father of economics with his Inquiry into the Nature and Causes of
the Wealth of Nations (1776).7 From this work is born the theory of
economic development.
The consolidation of the discipline as the theoretical
support of countries economic policies, especially regional planning,
only occurred in the western world, especially in underdeveloped
countries,8 between decades 1930 and 1940 in the wake of the
Keynesian revolution which broke out in 1936 as a response to the
failure of the liberal paradigm, which was demoralized by the Great
Depression of 1929 and after World War II as a result of macro
decisions (wide range decisions) emanating from the Bretton Woods
conference.
Also in Brazil, reflecting the international concerns
about the development and discussion by the various currents of
thought began in the 1930s and 1940s, especially during the immediate
post-war era in the context of a global reconstruction through the
creation of the International Monetary Fund (FMI), International
Bank for Reconstruction and Development (BIRD), the Marshall Plan
for Europe and the constitution of the United Nations (UN), from
which sprang the Inter-American Development Bank (BID)9 and
the Economic Commission for Latin America(CEPAL), without a

7 There are controversies. Stanley Jevons (1835/1882), for example, considered such as Richard
Cantillon (1697/1734) for his Essai sur la nature du commerce en général (1755). Lopes, apud
Costa (2005, p.35) also disputes citing this primacy, and Cantilon, the fellow countryman Adam
Smith, Sir James Steuart with his An Inquiry into the Principles of Political Economy (1767).
Some historians, including Schumpeter (1959) suggest that Adam Smith took advantage of a
lot of material produced by his predecessors and counterparts and had the habit, unethical, not
to mention them or give them their credit.
8 State planning, centralized, appeared in 1920 with the State Commission for Electrification
of Russia (GoEiro) and then with the State Planning Commission (Gosplan), which had broader
goals. The Gosplan existed throughout the life of the Soviet Union and served as a model and
inspiration for the state planning in the world (Hobsbawm, 1995, p.369)
9 A replica of the BIRD for Latin America

519
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

doubt one of the largest storehouses of ideas and proposals to


promote economic development in Latin America and the Caribbean.
Brazil was led at this time by the influence of Keynesian
thought in the analysis made ​​ by foreign authors devoted
to the study of underdevelopment, including Raul Prebisch,
Albert Hirschman, and Gunnar Myrdal, Ragnar Nurkse and Brazilians
as Celso Furtado, Roberto Campos, Romulo Almeida, Ignacio Rangel,
Helio Jaguaribe and Maria da Conceição Tavares, among others who
contributed to the formation of guidelines by CEPAL and the Institute
of Brazilian Studies - ISEB, theoretical planning that came to
develop the country, including the model of import substitution and,
politically, the called national-developmentalist paradigm.
In a historical review, of especially the social aspects, the
results of the Brazilian experience in planning its development are
questionable. There is no denying the country's significant economic
growth in the second half of the twentieth century, especially
in the period from 1954 to 1980, thanks to the implementation
of many measures and actions recommended in the various plans
drawn up during that period. But it did not reach the desired pattern
of economic development and at the close of the century, the
maintenance of a considerable inter-regional imbalance was
observed, high concentration of income and the permanence
of a high proportion of the population vegetating below the poverty
line, the country continues to depend to a large extent upon
the moods of international capitalism.
In the late 1980s, marked by the avalanche of neoliberalism
and the Washington Consensus, theories of development went into
recession in Brazil and throughout Latin America in the midst of
the ideas of minimal state and the abolition of state economic
planning. For the purpose of the crisis crossed development theory it
is worth transcribing the testimony of Satrústegui (2009) when he
says:

A lo largo de las últimas décadas, la economía del


desarrollo y, más en general, los estudios sobre desarrollo
– entendidos de manera amplia como el análisis de

520
FRAGMENTOS

las condiciones capaces de favorecer el progreso y el


bienestar humanos - atraviesan por una cierta crisis.
Frente al vigor y la relevancia de los debates habidos
durante la segunda mitad del siglo XX, pareciera que
en la actualidad los estudios sobre desarrollo han ido
perdiendo importancia en el ámbito de las ciencias
sociales, en favor de enfoques  centrados en el corto
plazo y/o en el análisis coyuntural de realidades
particulares. Ello no es ajeno a la complejidad del
marco en el que se inscriben actualmente los procesos
de desarrollo, caracterizado por la interacción de
fenómenos económicos y  sociales que operan en
diferentes ámbitos y escalas, que van de lo local a lo
global, y que abarcan un creciente número de temas.
Tampoco debe pasarse por alto la situación por la que
atraviesan las ciencias sociales y muy especialmente
la economía cuyas corrientes dominantes han
demostrado una notable incapacidad para enfrentar el
estudio de no pocos problemas del mundo actual, y
para integrar en el debate algunos enfoques que han
ido surgiendo más recientemente. Es preciso resaltar
a este respecto el devastador efecto producido por el
reduccionismo conceptual y metodológico que ha ido
imponiéndose en ciertos  ámbitos académicos, el cual
ha dejado a los estudios sobre desarrollo huérfanos de
algunas perspectivas de épocas anteriores y dotados
de menos instrumentos para, paradójicamente, tener
que afrontar el análisis de fenómenos mucho más
complejos (un problema que ya fue apuntado hace
casi  tres décadas por Hirschman, 1980, al referirse a
la “vuelta a la monoeconomía” en su famoso ensayo
Auge y ocaso de la teoría económica del desarrollo).
(My emphasis).

In his criticism Professor Hirschman, provides indeed in fact, the


neoliberal paradigm and the return of what he called monoeconomia,

521
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

ie, the validity of the universal application of economic theory


gestated in the first world. Said Hirschman (1980, p.1057) Entiendo
por rechazo de la tesis monoeconómica la concepción de que los
países subdesarrollados se separan como un grupo, mediante varias
características económicas específicas comunes a ellos, de los países
industriales avanzados, y que el análisis económico tradicional,
concentrado en estos últimos países, deberá modificarse, en
consecuencia, en algunos aspectos importantes, cuando se aplique a
los países subdesarrollados. (My emphasis).
Hirschman claimed, rightly, against the devastating
effect produced by the conceptual and methodological reductionism that
came to dominate the academy, leaving unstructured scholars of issues
relating to development, as new instruments submitted were not up
to the analysis of problems and coping increasingly complex.
Hirschman considered development economics as a sub
discipline, derived from economic theory. In his scientific rigor did not
believe that this could take a broader status.

New regional economy or variations on the same topic?

In international terms, the apparent exhaustion "Fordist" model


of production10 and the transformations of productive processes
from the Decade of 1970, demonstrated by the persistent decline
of heavily industrialized regions (BENKO & LIPIETZ, 1995), and the
economic expansion of new regions (STORPER & SCOTT, 1995), have
led to substantial changes in theories and regional development
policies
However, in a hurry to include Brazil in the new stages that

10 According to Martinelli and Schoenberger, cited in Benko (1994, p.103) this depletion is
more fiction than reality. They say that : para os oligopólios e para as empresas gigantes,
produção e concorrência são perfeitamente compatíveis com um aumento da flexibilidade.
Likewise Bussato and Costa Pinto (2005) add that: o movimento de reestruturação produtiva
(flexibilização/fragmentação da produção) se vincula a uma nova divisão internacional do tra-
balho, associada, muito mais, à descentralização da produção da grande firma, mantendo ou
até mesmo ampliando o controle, do que aos movimentos autônomos das pequenas e médias
empresas, estruturadas em novos distritos industriais marshalianos .

522
FRAGMENTOS

are identified for economic development and industrial first world


countries, such as post-Fordism, for example, it is worth noting the
following placement of Lipietz (1995, p.21):

La taylorización primitiva (o sanguinaria). Este


concepto trata el caso de deslocalización de segmentos
limitados de ramas industriales fordistas hacia
formaciones sociales con tasas de explotación muy
elevadas (en cuanto a salarios, duración e intensidad
del trabajo, etc.), siendo principalmente exportados
los productos hacia países más avanzados. En los
sesenta, las zonas francas y los Estados-talleres de Asia
fueron las mejores ilustraciones de esta estrategia, que
se extiende hoy. Dos características de este régimen
deben ser señaladas. Primero, las actividades están
sobre todo taylorizadas, pero relativamente poco
mecanizadas. La composición técnica del capital en estas
empresas es particularmente baja. Así, esta estrategia
de industrialización evita uno de los inconvenientes de
la estrategia de sustitución de importaciones: el coste
de importación de bienes de equipo. Por otro lado,
movilizando una fuerza de trabajo mayoritariamente
femenina, incorpora todo el savoir-faire adquirido
a través de la explotación patriarcal doméstica.
En segundo lugar, esta estrategia es "sanguinaria"
en el sentido en que Marx habla de la "legislación
sanguinaria" en los albores del capitalismo inglés. A la
opresión ancestral de las mujeres une todas las armas
modernas de la represión anti obrera (sindicalismo
oficial, ausencia de derechos sociales, prisión y tortura
de los opositores). El fordismo periférico. Como el
fordismo, se basa en el acoplamiento de la acumulación
intensiva y del crecimiento de los mercados finales.
Pero permanece "periférico" en este sentido, en que
los circuitos mundiales de las ramas productivas, los
empleos cualificados (sobre todo en la ingeniería) se

523
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

mantienen mayoritariamente ajenos a estos países.


Además, los recursos corresponden a una específica
combinación del consumo local de las clases medias,
del consumo creciente de bienes duraderos por los
trabajadores y de exportaciones a bajo precio hacia los
capitalismos centrales. Tomemos el ejemplo de Brasil.
Brasil comenzó su industrialización antes y con mayor
éxito que la India, según un modelo similar. El golpe de
Estado militar de 1964 suprimió de hecho las ventajas
sociales de la legislación de Vargas. En consecuencia,
la "organización científica del trabajo" (tayloriana) se
desarrolló sin más límite que la dependencia tecnológica
y la represión sangrienta del sindicalismo, ofreciendo
al capital una fuerza de trabajo flexible. A finales de los
años sesenta y en los primeros setenta, Brasil desarrolló
una industria muy competitiva, llevando a término
su sustitución de importaciones y desarrollando sus
exportaciones industriales. Los beneficios de esta
taylorización primitiva se reinvirtieron en el desarrollo
de un fordismo periférico dualista. Una fracción de la
población (la nueva clase media) se estableció en un
modo de vida casi fordista, beneficiándose los salarlos
en la segunda mitad de los años setenta del crecimiento
de la productividad resultante de la mecanización y
la racionalización. Esta fracción comprendía la mayor
parte del sector formal (Amadeo y Camargo [1990]).
Por otra parte, un inmenso sector de los asalariados
quedó excluído de los beneficios del milagro brasileño:
los ex campesinos "lewisiarios", los trabajadores
temporales, los trabajadores fijos mal pagados de
las pequeñas empresas. En los años ochenta, estalló
la crisis de la deuda, después vino la democracia. La
evolución que resultó de ello es bastante compleja.
Los conflictos de reparto ocuparon la antesala de los
conflictos industriales. Las relaciones profesionales no
pudieron establecerse en esta tempestad permanente,
que implicaba al ejército de reserva lewislano

524
FRAGMENTOS

marginal, al sector informal, a los distintos grados del


sector formal. En esta situación caótica, el porvenir
de Brasil queda abierto a tres posibilidades: una
vuelta al taylorismo primitivo, una consolidación
del fordismo periférico e incluso una evolución
hacia el fordismo con evoluciones locales hacia los
aspectos toyotistas. (My emphasis).

The issue of regional imbalances and underdevelopment,


which worsened from the new international order production, have
become the object of new approaches corresponding to different
categories for analytical approaches to development. Quite rightly,
Boisier (2000, p.83) attacks the proliferation of these approaches:

El desarrollo es la utopía social por excelencia. En un


sentido metafórico es el miltoniano paraíso perdido
de la humanidad, nunca alcanzable ni recuperable
debido a su naturaleza asintótica al eje de su propia
realización. En la práctica, y el breve recuento de su
historia más contemporánea así lo prueba, cada vez
que un grupo social se aproxima a lo que es su propia
idea de un “estado de desarrollo”, inmediatamente
cambia sus metas, sean cuantitativas o cualitativas.
Demos gracias a ello: de otra manera la humanidad
todavía estaría dibujando bisontes en alguna cueva del
sur de Europa! Hay autores, como Veiga (1993), que
hablan de la “insustentable utopía del desarrollo”.
Quizás en parte debido a ello, a su propia naturaleza
utópica y en parte también debido a nuestro sobre-
entrenamiento intelectual en las disyunciones analíticas
cartesianas, se ha producido paulatinamente una
verdadera polisemia en torno al desarrollo, es decir,
una multiplicidad de significados cada uno de los cuales
reclama identidad única en relación al adjetivo con que
se acompaña el sustantivo “desarrollo”. Así se asiste
a una verdadera proliferación de “desarrollos”:

525
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

desarrollo territorial, desarrollo regional, desarrollo


local, desarrollo endógeno, desarrollo sustentable,
desarrollo humano y, en términos de su dinámica,
desarrollo “de abajo-arriba” (o su contrapartida,
“del centro-abajo”) y otros más. Incluso se observa, en
el más puro estilo del cartesianismo, la especialización
funcional de instituciones académicas y políticas, unas
ocupadas de ésta o de esta otra categoría, como si
fuesen categorías independientes. (My emphasis).

Among the forms of development that are in fashion include


those related to sustainable development, local development and
endogenous development. It is worth it to make a brief critical
commentary on each.
The focus of sustainable development came shortly after the
Conference on the Human Environment in Stockholm organized by
the UN in 1972. Was generated as a reaction of many intellectuals,
the proposals for Donella H. Meadows, Dennis L. Meadows, Jurgen
Randers, and William W. Behrens III, researchers at the "Club of Rome,"
which, in the study Limits to Growth, produced in 1973, concluded
that kept the level of industrialization, pollution, food production
and exploitation of natural resources, limit the development of the
planet would be reached, no more than 100 years. The study turned
to neo-Malthusianism as a solution to the impending "catastrophe"
world. Intellectuals, the developed countries themselves, believed
in his thesis dark Meadows and his group were advocating an end
to growth of industrial society and the prospects of developing
countries, since from it, if the lock motivate the development of poor
countries with an ecological justification. Among the opponents
of Meadows include the Canadian Maurice Strong in 1973 that
launched the concept of eco-development, whose principles were
formulated by Ignacy Sachs. As a derivation of the concept emerged
in 1987, the term sustainable development adopted by the World
Commission on Environment and Development (CMMAD), chaired by
Gro Harlem Brundtland, then Prime Minister of Norway, in its report
Our Common Future also known as the Brundtland Report. This new

526
FRAGMENTOS

concept was finally incorporated as a rule during the UN Conference


on Environment and Development - the Earth Summit 1992 (Eco-92) -
in Rio de Janeiro. According Ignacy Sachs paths of development would
be six: basic needs; solidarity with future generations, participation
of the population involved, preservation of natural resources and
environment, development of a social system that guarantees
employment, social security and respect for other cultures; education
programs. It is thus a major concern of the supporters of sustainable
development, the future of new generations and the need for policies
that could lead to a harmonious development of mankind and,
primarily, sustainable in periods to come.
Althought there are those who disagree with certain
applications of the concepts of sustainability. This is the case with
Herman Daly, one of the originators of the concept of uneconomic
growth. According to Mander and Goldsmith (1996, p. 207) Daly
said sustained economic growth is no longer simply regarded as a
serious option11. Neither is the development, at least sentido em que
o termo é utilizado (envolvendo crescente exploração dos recursos).
Daly believes it is possible and desirable a quality development which
improves the quality of life, without exploitation of resources and
thus without increasing the impact on the natural environment.
Daly, apud Mander and Goldsmith (1996, p.208) states that
in its physical dimensions, the economy is a subsystem of the earth's
ecosystem, which is finite, not expandable, and materially closed.
As it grows, the economic subsystem incorporates an increasing
proportion of total ecosystem itself, wanting to reach the limit, 100
percent. Then, their growth is not sustainable. The term sustainable
growth when applied to the economy is seen as contradictory as
narrative (a bad oxymoron), not as evocative poetry. Also according
to Daly:

(…) os economistas dirão que o crescimento no


PNB é uma mistura de aumentos quantitativos e
qualitativos e por isso não sujeito a leis físicas. E têm
alguma razão. Mudanças quantitativas e qualitativas

11 The author of this text does not endorse this view.

527
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

são coisas muito diferentes, sendo por isso melhor


estar separadas e conhecidas por nomes diferentes
quando as procuramos num dicionário. Crescer
significa aumentar naturalmente no tamanho, com
a adição de material através de assimilação ou
acreção, Desenvolver significa expandir ou realizar
o potencial de; fomentar gradualmente para um
estádio mais pleno, maior, ou melhor. Quando
alguma coisa cresce, fica maior. Quando algo se
desenvolve, fica diferente. O ecossistema da Terra
desenvolve-se, mas não cresce. O seu subsistema, a
economia, deve eventualmente parar de crescer, mas
continuar a desenvolver-se. O termo desenvolvimento
sustentável, portanto, faz sentido quando usado em
economia, mas apenas se for compreendido como
desenvolvimento sem crescimento - melhoramento
qualitativo de uma base económica física que é mantida
numa situação estável através de uma exploração de
matéria-energia dentro das capacidades regenerativas
e assimilativas do ecossistema. Actualmente o
termo desenvolvimento sustentável é usado como
sinónimo para o oximoro crescimento sustentável.
Deve ser salvo deste engano. (p.208). (My emphasis).

Nevertheless, it is the focus of local development that prevails


in the examination of the regional context, influencing policy
proposals for tackling the problems caused by regional differences.
This approach has gained substantial impetus in Europe, thanks to
its process of political unification and especially economical when
the proposed development site to find space for application due
to favorable conditions (in season) and the substantial resources
available for project funding systems productive sites that previously
operated in poor conditions.12
Boisier (2000, p.86) states that local development is a practice
without theory, a circumstance which accounts for a considerable

12 Leader (program) of the European Union

528
FRAGMENTOS

confusion in the literature on the subject. This is the same opinion


as Guimaraes (1997, 281), for whom: "“The term ‘local economic
development’ (LED) describes a practice without much theoretical
underpinning: a practice that would benefit from, but may actually
never find, comprehensive and applicable substantive theory”. Boisier
asserts that local development:

(...) es un concepto que reconoce por lo menos tres


matrices de origen. Primeramente, el desarrollo local es
la expresión de una lógica de regulación horizontal
que refleja la dialéctica centro / periferia, una lógica
dominante en la fase pre-industrial del capitalismo,
pero que sigue vigente aunque sin ser ya dominante.
En segundo lugar, el desarrollo local es considerado,
sobre todo en Europa, como una respuesta a la
crisis macroeconómica y al ajuste, incluido el ajuste
político supra-nacional implícito en la conformación
de la UE; casi todos los autores europeos ubican el
desarrollo local en esta perspectiva. En tercer lugar, el
desarrollo local es estimulado en todo el mundo por
la globalización y por la dialéctica global/local que
ésta conlleva. En otras palabras, hay tres racionalidades
que pueden operar detrás del concepto de desarrollo
local y no pocos errores prácticos provienen de una
mala combinación de instrumentos y de tipo de
racionalidad. Por ejemplo, se copian instituciones
y medidas de desarrollo local ensayadas en Europa
(desarrollo local como respuesta) y se intenta
aplicarlas en América Latina (desarrollo local como
lógica de regulación horizontal). (2000, p.86) (My
emphasis).

Still weaving theme considerations, Lastres (2004), seeking to


take off from the extensive use of the terminology, notes that the
emphasis in local development:

(…) não deve ser confundida com ideias superficiais

529
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

sobre crescimento endógeno, as quais ganharam


espaço com a propalada maior aceleração do
processo de globalização. A abordagem sistêmica
parte da constatação de que o desenvolvimento local
é condicionado e subordinado também por sistemas
exógenos que podem ter dimensão e controle
nacional ou internacional. A partir desta constatação,
nossa proposição conceitual é que a capacidade
de gerar inovações coloca-se como fator chave na
competitividade sustentada de empresas e nações,
diversa da competitividade espúria baseada em
baixos salários e exploração intensiva e predatória de
recursos naturais. Tal capacidade é mobilizada com a
articulação dos diversos atores, produtores e usuários
de bens, serviços e tecnologias, sendo facilitada pela
especialização em ambientes sócio-político econômicos
comuns. Assim, mostram-se completamente diferentes
as situações onde os arranjos produtivos fazem da região
uma simples hospedeira e onde se verifica a mobilização
e o enraizamento das capacitações produtivas e
inovativas. Neste sentido é que argumentamos que
o foco das novas políticas de desenvolvimento deva
focalizar centralmente a promoção dos processos de
geração, aquisição e difusão de conhecimentos.

Despite its current popularity of endogenous development, a


category is as confused as the previous one, with which is
often confused. Many authors struggle to find a distinction between
local and endogenous. Sterile and an effort designed to integrate
the list of conceptual disagreements and controversies of regional
science. What we can assume is that local development is a refinement of
regional development as an endogenous
development process is specifically located in a city, with its
own new models of global economic growth or aggregate that
make technological innovation a phenomenon internal to the
function itself production, as in Lucas and Romer, leaving in the
past the neoclassical conception of "residual factor" Solow, as

530
FRAGMENTOS

shown by Barquero (1977). Thus, according Boisier (2000, p.93), el


desarrollo endógeno se produce como resultado de un fuerte
proceso de articulación de actores locales y de variadas formas de
capital intangible, en el marco preferente de un proyecto político
colectivo de desarrollo del territorio en cuestión. It is also understood
as a process of growth and structural change that occurs as a result
of transfers of resources from traditional to modern activities; use
of external economies and the introduction of innovations which
generates an increase in the well-being of the population of a city.
Baquero (1999) argues that despite not specifically depend on
government management, the processes of endogenous development
occurs through the productive use of development potential that is
generated when the institutions and mechanisms of regulation of the
territory operate efficiently.
But it is important to note that these processes depend
on development, and much of the social constructions, which
are expressed in symbolic dimensions. Thus, in planning can
only be taken into account intangible factors that govern a
particular community, such as values​​ , beliefs, rituals, tradition,
knowledge atavistic, trust in the relationship / community
agents, and experiences striking collective behavior that results in a
web, commonly called culture.
The endogenous development also follows a territorial vision
(not functional) processes of growth and structural change that part
of a hypothesis that the territory is not a mere physical support of the
objects, activities, and economic processes, but also that it is a local
agent of transformation.
Note the mark of Schumpterian theory of capitalist
development in all the basic formulation of the endogenous
development approach. Note also that this theory does not apply
to developing countries, especially their lagging regions, as in the
northeastern Brazilian state of Bahia.13

13 The local study evaluates the agglomerative advantages and proximity to sources of
knowledge and learning, rooted in that singular territory, creating in their investigations, ad
hoc lists of assets, capabilities, standards, routines and habits, all duly region-specific.
Many of these studies neglect the command most of these processes is outside the space

531
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

Souza (1999, p.189) argues that a teoria schumpteriana


é mais adequada para países com elevado estoque potencial de
empresários, com disponibilidade de capitais emprestáveis e com
grandes possibilidades de criar novas tecnologias próprias. E conclui
dizendo que essas condições nem sempre se verificam nos países
subdesenvolvidos. E o problema da teoria schumpteriana, como
de qualquer outra teoria sobre o desenvolvimento econômico é a
dificuldade da sua generalização.
In this Schumpeterian plan can incorporate the
focus of endogenous models of industrial districts
"marshalianos" the milieu inovateurs, technology parks,
clusters, local productive arrangements (LPAs) and the like.
The "discovery" of “marshallian industrial districts” in Third Italy14  by
Arnaldo Bagnasco (1977), Carlos Triglia (1986) and Sebastiano
Brusco (1986) and the seminal work of Michael Piore and Charles
Sobel (1984) with the proposal of a new technological paradigm,
the flexible specialization, which would be a special industrial district
complemented by numerous other important contributions of
Becattini (1989) Scott and Storper (1986) and Walker (1989), are also
meant to lay the foundations for a new theory of development which
would fit the role of protagonist micro and small enterprises.
It is worth emphasizing, then, that without a prior local
stock of skilled human capital becomes impossible the occurrence
of endogenous development that depends on when it comes to this
human capital, a typical process of embeddedness or rooting in the
community. The absence of such complicity is a restriction that makes
it impossible the occurrence of endogenous development processes
in many Brazilian states, notably the North and Northeast and in
particular the Bahia.15

under analysis. Moreover, according to this literature, in this environment bearer of "new
development", stress civic engagement and solidarity-asssociative pass off a state that
is presented only as a "voyeur" of the will to produce comparative advantages and
synergies located and sometimes, in some philanthropic network for those excluded from the
process of "natural selection". (Brandão, 2002). (My emphasis).
14 The so-called Third Italy comprises the region polarized by Bologna and Florence. The con-
cept of industrial district was coined by Alfred Marshall in 1900.
15 It's understandable effort of many organizations to promote the "push the envelope" to
"discover" productive arrangements (LPAs) and similar in primitive economies. The experience is

532
FRAGMENTOS

It was Friedman (1964) brilliantly said: “only cultural regions


have the capacity to develop ‘from within’, because only they have
a collective sense of who they are, and because their presence in the
world makes a difference”.

Some Brazilian initiatives

The most important thing in planning is that its theoretical


basis to explain and reflect the reality studied. The construction of
this base forged from experiences in other countries, with different
realities, demands that we promote comparative studies and exchange
of experiences aimed at the creation of adjustment mechanisms and
strategies in keeping with the subject of the application of the studies.
Despite these considerations have been intensified in Brazil
local development programs under the leadership of the National
Bank of Economic and Social Development (BNDES), the Brazilian
Service to Support Micro and Small Enterprises (SEBRAE) and with
the active participation of other agencies to promote federal and
regional state.
The programs were running agglomerative conceptually
influenced by the experience of Italian industrial districts and Silicon
Valley, California, within the paradigm of flexible specialization.
Despite the existence of widely diverse theoretical production in
the country, especially in academia, there is the contribution of
the Institute of Economics, Federal University of Rio de Janeiro (IE /
UFRJ), which has for many years, with the support of organizations
developing international research projects in the area of ​​innovation.
The IE / UFRJ operates the Research Network for Local Productive and
Innovative Systems (RedeSist) a network of interdisciplinary research
that includes the participation of several universities and research
organizations in Brazil and abroad.
The approach to the problem in Brazil began with the cluster
concept. According RedeSist defines the term cluster is associated

worth at least as a learning process

533
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

with the Anglo-American tradition and, generally, refers to clusters,


developing similar activities. Throughout its development, the concept
was nuances of interpretation. In the framework of neoclassical theory,
the new economic geography uses the term as a mere agglomeration
of firms (Krugman's approach). This term is still widely used in the
country, notably by the appeal is on the native expressions in English.
Later come the local productive arrangements, known by its acronym,
a Brazilian version of APL. In 2003 RedeSist so defined:

(...) Are territorial agglomerations of economic agents,


political and social- with a focus on aspecific setof economic
activities - which have even incipient bonds. Usually
involve the participation and interaction of companies -
which can range from producing final goods and
services to suppliers of inputs and equipment, consulting
and service providers, distributors, customers, among
others - and its various forms of representation and
association. They also include several other public
and private partnerships to: training of human
resources, and technical schools and universities, research,
development and engineering, policy, promotion and
financing. (My emphasis).

The basic argument of the conceptual and analytical approach


adopted by RedeSist was that "where there is production of any good
or service there will always be around the same arrangement, involving
actors and activities related to the acquisition of raw materials,
machinery and other inputs" (REDESIST, 2005). This interpretation,
which seems very extensive, provided justification for the more exotic
projects to promote clusters in less developed regions of the country.
In the Brazilian tradition of solving problems by decree (law),
there are formal role in many projects of this nature and, under
this scope, are in practice often factoids or embryonic elements. As
an example of what has occurred with other terms in the past, are
expressions of totemic words, such as polo, local development, apps,
endogenous development and generate employment and income
that infect the country and are placed on the stump and political

534
FRAGMENTOS

disseminated by the media. And every project manager, especially in


the public sector, clinging to her clusters, apls, etc. Without caring
much about the theoretical foundations of the matter. Cultural,
sociological, technological, etc.. are ignored and perspective
orwerliana rewrites the history adjusting to the reality of the need
for media and political actors, without any regard for the weak,
inadequate and even the absence of the main actors.
In Bahia, for example, were "identified" 14 APLS by the State
Government16. In practice they are all factoids. Note the following
excerpt from the report prepared REDESIST own:

The little interaction and few business links between


companies and other institutions such as universities
and research centers, difficult actions that encourage
greater local cooperation and competitiveness. There is,
thus, there is still room for greater coordination between
the actors of the clusters, especially the joint inter-firm,
as there is little initiative towards cooperation on the
part of entrepreneurs themselves. Firms in clusters, in
general, have not yet realized the opportunities to act
jointly and nearby universities, research centers and
other local institutions in a manner consistent with the
typology presented by Tommaso and Dubbin (2000),
and before other characteristics of the firms present
in the supported clusters, according to the typology
proposed by Mitelka and Farinelli (2005), one can
broadly classify the clusters of fish, caprinovinocultura,
sisal, ornamental and derived from sugar cane as
informal settlements that bring together micro and
small businesses with relatively low technological
level in relation to the technological frontier of the
industry or the joint interenterprise that generates the
dynamics of clusters and, in cases where the prevailing
family production, the owners have limited managerial
capacity. Workers often have low skills and little or

16 In a project linked to RedeSist and financed by World Bank

535
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

no continuing education is offered to promote a


sustained improvement of their skills. Also according
to the authors, these clusters the coordination and
networking between companies tend to be weak and
characterized by a limited perspective of growth, intense
competition, low morale and information sharing. Also
according to the typology proposed by the authors,
the clusters of IT suppliers of the automotive chain,
clothing, plastic processing, fruit and tourism may fall
as organized clusters, where there is some interaction
between local actors. It can be observed, also, quite
shy, some local coordination, manpower with some
qualification, the presence of managerial capacity, but
there is a continuous innovative capacity. (REDESIST,
2009, p.19).

It is emphasized that this argument does not intend to deny


the efforts made to promote local development that have been
around since the 60s of last century, notably by former SUDENE
mobilized, which borrowed in India and the Netherlands intervention
models that fit the reality Northeast of small and medium enterprises
in the states with the formation of industrial clusters support (Nais)
embryos that would be SEBRAE.
In practice what happens is a change of label, with the eye
needs to appear in the media with a "novelty."

The dimensions of a development unviable

When dealing with issues related to development, notably the


regional level, one cannot fail to consider the observation of Furtado
(1979), that this is a process which goes through many stages which
must be observed at least three dimensions:

a. the size of improving the effectiveness of the social system


of production;

536
FRAGMENTOS

b. the extent of satisfaction of basic needs of the population;


c. the extent of achievement of objectives which aspire to the
dominant groups of society, and competing with the use of
scarce resources.

Also Baquero (1999) and Male (2001), identifies three


important dimensions of development: the first of an economic
nature, which allows local entrepreneurs and economic agents to
efficiently use the factors of production and achieve productivity levels
that assures them be competitive in the markets and the second,
and on a socio-cultural, in which the economic and social actors are
integrated with local institutions to form a dense system of relations
that embody the values ​​of society in the process of endogenous
local development, and the third and last of a political that exploits
through local initiatives, creating a local environment that stimulates
the production and promote development.
There is, however, that the dimensions provided for the
occurrence of economic development, despite the increased efficiency
of production in the regions, are not sufficient conditions for that
best meet the basic needs of the local population. Even it is observed
that the degradation of living conditions of some populations is due
to the introduction of more advanced techniques (Furtado, 1979).
In this respect, Nurkse (1965) argues that in poor countries
the market forces perpetuate poverty, since out of it, investments
are needed to create a system enabling to increase the productivity
of the poor and their integration into the market. The difficulty of this
situation stems not only from the savings and low cultural level of the
poor, but also the lack of incentives and benefits for the construction
of structures and clustering activities that modernize some capital-
intensive, giving them, however, competitive scales of production.
Similarly, Hirschman (1958) points out that most poor
countries have the resources to reverse only in a few modern designs
and thus can achieve balanced growth only in the long term, through
a sequential process of building the first one and then other industry,
correcting the imbalance in each step considered the most harmful to
get closer to a more balanced structure.

537
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

So, with all this, how would Arrighi (1997) there is a


developmental illusion that completely ignores the consolidated
system of unequal exchanges between countries, states or regions
and the industrialized countries, states or regions of poor people
living on its periphery. Or, as predicted Walerstein (1998), that the
existence of semi-periphery and periphery is essential for the stability
of the world capitalist economy.
As history shows the pattern of contemporary rich and poor
countries in the world established itself definitely in the nineteenth
century. Confirmation of this pattern and the prospect of irreversibility
are demonstrated by Arrighi (1997), citing that Harrod speaks of
the division of personal wealth in two types that are separated by
insurmountable obstacles. The first refers to “democratic wealth”
that is "an area about the resources that, in principle, is available to
all in direct relation to the intensity and efficiency of their efforts"
(Arrighi, 1997, p. 216). The second type consists of “oligarchic
wealth” that has nothing to do with the intensity and efficiency of
who owns and is never available to everyone, no matter how efficient
they are intense and your efforts. This is demonstrated by the concept
of unequal exchange which explains that we cannot have dominion
over all products and services that incorporate the time and effort of
more than one person of average efficiency. "If someone has it, that
means someone else is working for less than he or she should check if
all the efforts of equal intensity and efficiency were rewarded equally"
(Arrighi, 1997, p. 216). Thus the use or enjoyment of oligarchical
wealth involves the removal of others. What each of us can do, it is
not possible for everyone.
According to Arrighi transforms this reasoning for the analysis
of global (and regional) in a capitalist economy we find a problem
of "adding" similar and more serious than that faced by individuals
as they seek to obtain personal wealth. "The opportunities for
economic advancement, as presented serially to a state at a time,
there are comparable opportunities for economic advancement for
all states" (Arrighi 1997, p.217). As stated by Wallerstein (1988),
"Development in this sense is an illusion" In other words, the wealth
of the states of organic nucleus (the so-called First World globally,

538
FRAGMENTOS

the Southeast region in the Brazilian case) is analogous to Harrods’s


oligarchic wealth. This wealth cannot be generalized because it rests
on processes of exploitation and exclusion that assume continuous
playback of poverty of the majority in a regional context.
It shows what Santos (1979) when dealing with upper and
lower circuits that constitute the urban spaces in the underdeveloped
regions, absolute or relative poverty of the semi-states (Brazil
Southeast over the first world) and peripheral (Northeast Brazil
about Brazil Southeast) induces continually elites to participate in
the international division of labour for rewards that make marginal
benefits for the bulk of the members states of the core organic
Arrighi (1997) states that the fight against exclusion leads to
the search for a comparatively safe niche in the international division
of labour that leads to a semi-peripheral states higher in some activities
where I can get some kind of competitive advantage which leads to a
relationship unequal exchange (terms of trade deterioration) in which
the state provides goods incorporating semi peripheral manpower
underpaid for the states of organic nucleus in exchange for goods
that incorporate well-paid workforce and a more complete exclusion
of the states peripheral activities of the state in which semi peripheral
seeks greater specialization.
In the same vein, Corsi (2002) stated that the fate of the
peripheral countries would be determined largely by the dynamics of
structures in the world economy, making the determinations in the
background social, political, economic and cultural, as well as the
struggles social internal to each country. According to him during
the last 25 years due to failure of development programs, there
was a greater distance from the underdeveloped regions rich. And
for this reason, the progress achieved by some peripheral countries
during the 50 to 70, only made back in the following decades. So
what was touted as a possibility at this time to overcome delay and
underdeveloped countries, the trend was reversed in combined and
uneven development of capitalism.
Unequal exchanges that have always existed, and it seems,
will continue to exist between the organic core and the periphery, are
characterized as a mechanism of polarization-organic core-periphery,

539
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

in which the hand-labor and capital are important elements of current


transfers and crucial in the constitution and reproduction of this global
capitalist economic structure. Thus, solving the problem between the
organic core and the periphery with the main focus industrialization is
a "developmental source of illusions" (ARRIGHI, 1997).
So the question of the increase of social inequalities on a
global scale is quite complex and cannot simplistically be reduced to
an increase in inequality between rich and poor regions of the world.
The increase in poverty is not only observed in the peripheral regions,
but also gained importance in various regions within the countries
that make up the organic nucleus of the capitalist system (ALTVATER,
1995; HOBSBAWM, 1995). Many authors, among them Castoriadis
(1982), considered, until recently, based on the experience of so-
called "Golden Age" of capitalism (1945-1973), this problem would be
overcome in developed countries, showing that the system capitalism
could overcome poverty. They were wrong. The contradictions and
inequalities, which are markedly present in an increasingly integrated
world, also appear within each country and each city in the world.
Right in the center of the system. That is, the contrast between rich and
poor, present in almost every major city in the world is similar to what
is known among the poor and rich regions of the planet.
It is important to state, from that fact that both the central
and the peripheral countries need to rely on policies that combine an
accelerated formation of human capital associated with efforts that
seek to promote technological development-oriented foreign trade,
aimed at accelerating gains in competitiveness. There is thus no country
reached the level of economic and social development, without the
support of science and technology (S & T), since there is not the first
(development) without the contribution of the second (S & T).
Therefore, the main objective of promoting a policy is to
promote efficient productive systems, also based on industries such
as services, making them able to follow the dynamics of international
technical progress, promoting the general welfare of society as a whole.

540
FRAGMENTOS

Economic growth, training and development of enclaves


in Bahia

According to Fonseca (1992, p.77) in his reading of the role


of human capital in the philosophy of Alfred Marshall, the analysis
of the role of human capital in the economic process is based on the
idea that to increase output per capita and overcome the economic
backwardness, it is necessary to invest in the human factor of
production. There is a close relationship between nutrition, health and
education on the one hand, and hard work, initiative and innovation
on the other. Poverty and incompetence are closely interlinked at the
microeconomic level.
Surely here is the result of the difficulty is to promote economic
development in regions like the Brazilian Northeast and specifically in
the case of Bahia. The introduction to this work we present statistics
related to poverty in the state, must now add other elements related
to popular education.
According to the IBGE / PNAD Bahia in 2009, 1.8 million of
Bahia with 15 years or more are illiterates. Cannot read and write,
which corresponds to 16.7% of the state population in this age group.
The economically active population, 55.4% do not have complete
elementary school, do not pass the fourth grade. Are functionally
illiterate. In summary 7 of every 10 people in Bahia are unable to
develop any kind of skilled labour.
The framework described here, which, amazingly, it was much
worse in the late nineteenth century, comes from the absence of a
policy of human capital formation from the basic education that is
of poorer quality in the state, the university confined to dismantle a
mediocre production of knowledge and little interaction with society,
coupled with the lack of investment in physical capital or, more
precisely, in infrastructure, since the region needs to create conditions
favourable for the formation of clusters of commercial activities,
sized cities medium, and externalities for private capital (reduction of
transaction costs, production and transport, access to markets, etc.)..
Deficiency of human capital can be expressed by the absence

541
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

of local entrepreneurs with industrial vocation. To overcome this lack


of structural entrepreneur, according to the Schumpeterian patterns,
came from the State the burden of importing them from other regions
resulting in the formation of several small enclaves and deployment
of many companies of its kind footloose without any local or regional
commitment.
Aggravating the insert to the limitations of the market caused
by the poverty of the majority population in Bahia.
With all these limitations Bahia from the 1970s, bet all your
chips in fostering industrialization. Used as weapons policies of tax
incentives and the provision of externalities generated from the
construction of industrial districts in the interior and the deployment
of nodes, mediated by complex producers in the area of metallurgy,
​​
petrochemical and nonferrous metals.
The option by cluster development, however, proved to
be inadequate, since the pole condition stems from the ability of
industry to innovate and driving a legal and administrative structure
endogenous, responsible for the action-driving innovative, non-
existent in the models Bahia that ended up being managed by groups
external business without major commitments to the region.
He promotion of industrialization, based on the theory of
development poles la Perroux (1961), failed to create the conditions
necessary for its implementation. This is because the principle of
the constitution of a polarizing region assumes a level of demand
generation induced strong enough to establish a productive
complementarity via intra-regional input-output, the backward
linkage effects, and forward linkage effects studied by Hirschman.
The regional environment consisting perrouxian required
the production systems were generating externalities through
interdependencies and complementarities productive sector of the
regional urban network, so they could create a feedback mechanism
between their export base, the growth of regional income and
residential activities. In this sense, the biggest constraint to
production systems peripherals perrouxianas capture the externalities
at the national level, is the strong regional segmentation of the same,
expressed by the predominance of low-income areas and significantly

542
FRAGMENTOS

uneven distribution of regional income.


Thus, in practice, the experience of industrialization Bahia
presented difficulties in applying the principles of polarization for
the promotion of regional development, since the "Location Theory"
and "Theory of the Poles" provide explanations that do not bind each
other and are complicated matching
Therefore Bahia grew economically, through the formation
of enclaves, specializing in the production of intermediate goods,
import businesses, entrepreneurs and skilled manpower which of
course did not contribute to its development in the stricto sensu. This
is because, despite the apparent material progress and technological
advances mirrored in some segments, all of the benefits of such
initiatives were never available to the millions of excluded people
who are, overwhelmingly, the state population.

Conclusion

From what has been said that we shall end the only way to
promote economic development in Bahia and other backward regions
of Northeast Brazil focuses on the mobilization of efforts consistent
and effective training of human capital quality and the creation of
mechanisms that avoid spills and retain capital in this country.
Althought, contrary to our eager immediacy, we must learn from
Aristotle, Darwin and Marshall also in the economy Natura non facit
saltum. Or as Eduardo Giannetti da Fonseca (1992, p. 85) there is no
magic formula or preposterous plan which seeks to raise the overnight
efforts of productive efficiency. The process of formation of human
capital and organic growth described by Marshall is by nature slow.
We also conclude that the theory of endogenous local
development and the way it was designed in Europe, does not apply in the
semi-periphery. This is because there is no market, human resources and
institutional qualified for the spontaneous emergence of the processes
of development of cities, similar to the Schumpeterian growth model
that considers the technical progress (innovation) as a key element.

543
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

As the economy is affected by changes in the world that surrounds


it, and explaining the causes of development should be sought, too,
outside of studies of economic theory. One of the fundamental pillars of
the local development policy must reside in the substantial improvement
of qualification of human resources through the provision of adequate
training to the needs of different local production systems. To this may
be associated with initiatives to promote the diffusion of innovation in
the productive fabric of the locality or territory.
You can also forget certain prerequisites orthodox approach
advocated in the endogenous development, certain rules as
technological innovation and the spectre of globalization, which
intend to transform each site heralds a function of the world - a
fantasy that is somewhat inconsequential - and adjust our techniques
and procedures to our reality. We can and must do as aptly SEBRAE
produce catalytic effects of modernity (without violating the local
culture) in artisanal communities, as with the lace of the Northeast and
other craft activities. When working without patronizing the activities
historically and culturally rooted within communities, we do not run
the risk of high mortality rates plaguing small and medium sized
companies throughout Brazil promoted without further sociological
evaluation criteria.
Despite the creation of an innovative environment constitute
a long-term measure characterized by the gradual engagement
of people of good causes in the qualification of innovation and
technological modernization, through programs of qualification is
personnel, and technical activities to be productive, and especially the
induction cooperation between the actors involved, both between
competing firms or between users and producers, there is a high
degree of innovation that is observed early second sociological and
anthropological standards will be enhanced and certainly produce
encouraging results.
It also requires a high degree of political courage and
intellectual independence, not to mention creativity, coping with
neoclassical and neo-liberal establishment that dominates the field
of regional economy and dare heterodox measures.
This is the case, for example, measures of income transfer

544
FRAGMENTOS

recently adopted by the Brazilian government. Despite attacked by


bourgeois elite as paternalistic or electoral, programs like the "family
allowance" has produced multiplier effects in the market and led its
growth. I daresay that the purchasing power to create a populace that
ate almost nothing to be steeped in poverty, the government is driving
the development on the demand side. Many companies - especially
small and medium are motivated by this new emerging market, and
with them new jobs. Witnessed the beginning of acceleration of
Harrod and Domar, almost buried by the new "scientific". I believe
that by injecting resources on the poorest and conditioning these
transfers counterparts as school attendance, by both young and
adults, and adherence to prophylactic health programs, we will be
inaugurating a new way of promoting development, considerably
more effective and should substitute its tax incentive programs and
waiver of taxes, which are the delight of the large multinationals and
rich and successful entrepreneurs without that with this, bring actual
benefits for the population of the grantors.
All this, as the eminent professor Hirschman warned, implies
the resumption of the discussion about the development that it is
essential these days, is due to the situation of economic stagnation
and the deterioration of social conditions in large parts of the capitalist
periphery in the context of globalization, is due to the very limits
of ecological consumer society is faced with the failure of the great
powers whose economies plunge pedantically on those classified
as emerging. The challenge is to rethink the development taking
into consideration this set of problems, undressing elitist prejudices
inherited from the first world and building models and standards
consistent with our economic reality.

545
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

References

ALTVATER, E. O preço da riqueza. São Paulo: UNESP, 1995.

AMARAL FILHO, Jair do. Desenvolvimento regional endógeno em um ambiente


federalista. In: Planejamento e Políticas Públicas, nº 24, Dez 1996.

AMARAL FILHO, Jair do. A Endogeneização no Desenvolvimento Econômico


Regional. In: Anais do XXVII Encontro Nacional de Economia. ANPEC, 7 a
10 dez. 1999, Belém/PA, Anais... Belém, 1999.

AROCENA, José. El desarrollo local como desafío contemporáneo.


Montevideo: CLAEH-Nueva Sociedad, 1995.

ARRIGHI, Giovanni. A ilusão do Desenvolvimento. Petropolis: Vozes, 1997.

ARTHUR, W. B. Increasing returns and path dependence in the economy.


USA: The University of Michigan Press, 1994.

BAGNASCO, A. Tre Italie. La problematica territoriale dello sviluppo


econômico italiano. Bolonha: Il Mulino, 1977.

BAQUERO. Antonio Vazques. El cambio del modelo de desarrollo regional y los


nuevos procesos de difusión en España in: Estudios Territoriales nº20, 1986.

BAQUERO. Antonio Vazques. Desarrollo, redes e innovación. Lecciones


sobre desarrollo endógeno. Madrid: Editorial Pirámide, 1999.

BAQUERO. Antonio Vazques. Desenvolvimento endógeno em tempos de


Globalização. Porto Alegre: UFRGS Editora, 2002.

BECATTINI, G. Riflessione sul distretto industrialle marshaliano come concetto


socio-economico. Stato e Mercato, n° 25, abril 1989.

BENKO, Georges; LIPIETZ, A. (Org.) As regiões ganhadoras. Oeiras, 2005.

BIRKHOLZ, Lauro Bastos. Evolução do conceito de planejamento territorial.


In: BRUNA, Gilda Collet. (Org.). Questões de organização do espaço
regional. São Paulo: Nobel: Ed. da Universidade de São Paulo, 1983.

BRANDÃO, A. B. Localismos, mitologias e banalizações na discussão do


processo de desenvolvimento. In: VII ENCONTRO NACIONAL DE ECONOMIA
POLÍTICA. Anais... Curitiba-PR, maio de 2002.

BRUSCO, S. Small firms and industrial districts: the experience of Italy, in:

546
FRAGMENTOS

KEEBLE, D.; WEVER E. (Orgs.). New firms and regional development in


Europe. Beckenham, Kent: Croom Helm, 1986.

BUSSATO, Maria Isabel; COSTA PINTO, Eduardo. A nova Geografia


Econômica: uma perspectiva regulacionista. I ENCONTRO DE ECONOMIA
BAIANA – SALVADOR-BA – SET./2005.

CANTILLON, Richard (1697/1734) Paris: Essai sur la nature du commerce


en général (1755) apud Costa in Lopes 2005.

CASSIOLATO, J. E; LASTRES H. M. M. Globalização e Inovação Localizada.


Brasília. IBICT; MCT, 2003.

CASTORIADIS, C. A instituição imaginária da sociedade. Rio de Janeiro:


Paz e Terra 1982.

CORSI, Francisco Luiz. A questão do desenvolvimento à luz da globalização


da economia capitalista. Rev. Sociol. Polit. Curitiba, n. 19, 2002.

COSTA, José Silva. (Org.) Compendio de Economia Regional. Coímbra (Pt):


APDR, 2005.

FONSECA, Eduardo Giannetti da. O capital humano na filosofía social de


Marshall. Revista de Economia Política, vol. 12, n°2 (46), abril/junho de1992.

FRIEDMANN, J.; ALONSO. (Orgs.). Regional development and planning: a


reader. Cambridge, Mass: MIT Press, 1964.

FURTADO, Celso Creatividad y dependencia. México, D.F. Siglo Veintiuno


Editores, 1979.

GALBRAITH, John Kenneth. A era da incerteza. São Paulo: Pioneira, 1982.

GALLICCHIO, Enrique. El desarrollo local en América Latina. Estrategia


política basada en la construcción de capital social. Montevidéu: CLAEH,
2004.

GOLDEINSTEIN, Lídia. Repensando a dependência. São Paulo: Paz e Terra,


1994.

GONZÁLEZ, Román Rodríguez. La escala local del desarrollo: definición y


aspectos teóricos. Revista de Desenvolvimento Econômico, Salvador, nº1,
novembro de 1998.

HIRSCHMAN, A. The Strategy of Economic Development. New Haven: Yale


University Press, 1958.

547
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

HIRSCHMAN, A. Auge y ocaso de la teoría económica del desarrollo. El


Trimestre Económico. México: Fondo de Cultura Económica, v.47, n.188,
1980.

HOBSBAWM, E. J. A era dos extremos. O breve século XX: 1914-1991. São


Paulo: Companhia das Letras. 1995.

JEVONS, Stanley. Investigations on Currency and Finance. London: 1884.

JIMÉNEZ, Edgar M. Evolución de los Paradigmas y Modelos Interpretativos


del Desarrollo Territorial. Serie: Gestión Publica n.11/Cepal. Chile, 2001.

KALDOR, N. The case for regional policies. Scottish Journal of Political


Economy, 17, 3, p. 337-348, 1970.

KRUGMAN, Paul Geography and Trade. London: Leuven University Press/


MIT Press, 1991.

LASTRES Helena M. M. Políticas para promoção de arranjos produtivos e


inovativos locais de micro e pequenas empresas: vantagens e restrições
do conceito e equívocos usuais. Rio de Janeiro: RedeSist, 2004.

LIPIETZ, Alain El mundo del postfordismo, In Revista Nuestra Bandera/


Utopías, nº 166, Madrid - 1995.

MALÉ, Jean-Pierre. Desarrollo local, reto estratégico para Centroamérica


em el siglo XXI. El desarrollo local y descentralización em Centroamérica.
Primera Conferencia Centroamericana, San Salvador, El Salvador, 2001.

MANDER, Jerry; GOLDSMITH, Edward. Economia local, Economia global: a


controversia. Lisboa: Piaget, 1996.

MARSHALL, Alfred. Princípios de Economia. Madrid: Editorial Síntesis,


2001. Primeira edição: 1890.

MEADOWS, Donella et al. Limites do crescimento. Rio de Janeiro:


Perspectiva 1973.

MYRDAL, Gunnar. Teoria econômica e regiões subdesenvolvidas. Rio de


Janeiro: Saga, 1957.

NURKSE, Ragnar. Problemas de Formação de Capital em Países


Subdesenvolvidos. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1957.

PERROUX, François. O conceito de pólo de crescimento. In: SCWARTZMANN, J. (org.)


Economia regional e urbana: textos escolhidos. Belo Horizonte: CEDEPLAR, 1977.

548
FRAGMENTOS

PIORE Michael; SOBEL, Charles. The Second Industrial Divide: Possibilities


For Prosperity. USA: Basic Book, 1984.

PREBISCH, R. O desenvolvimento econômico da América Latina e alguns de seus


principais problemas. Revista Brasileira de Economia. Rio de Janeiro, 1949.

REDESIST, Glossário de Arranjos e Sistemas Produtivos e Inovativos


Locais: Rio de Janeiro, 2004.

REDESIST, Rede de Sistemas Produtivos e Inovativos Locais - Instituto


de Economia da UFRJ. Mobilizando conhecimentos para desenvolver
arranjos e sistemas produtivos e inovativos locais de micro e pequenas
empresas (Glossário) Rio de Janeiro: 2005.

RESENDE, Marco Flavio da Cunha e GONÇALVES, Flávio. Uma extensão ao


modelo schumpeteriano de crescimento endógeno. – Belo Horizonte:
UFMG; CEDEPLAR, 2003.

RICHARDSON, H. W. Economia regional: teoria da localização, estrutura


urbana e crescimento regional. Rio de Janeiro, Zahar Editores, 1975.

SATRÚSTEGUI, Koldo Unceta. Desarrollo, subdesarrollo, maldesarrollo


y postdesarrollo: una mirada transdisciplinar sobre el debate y sus
implicaciones. Montevideo: CLAES: Carta Latinoamericana: contribuciones
en desarrollo y sociedad en América Latina. N° 7, Abril de 2009.

SCHUMPETER, Joseph. A teoria do desenvolvimento econômico. São


Paulo: Abril Cultural, 1985.

SINGER, Paul. Economia Política da Urbanização. 2. ed. São Paulo: Editora


Brasiliense, 1975. (Edições CEBRAP)

SMITH, Adam. Um inquérito sobre a causa da riqueza das nações. Lisboa:


Goulbekian, 1989.

SPÍNOLA, Noenio Dantaslé. Dinheiro, Deuses & Poder.São Paulo: BM&F,


2011.

STEUART, James An inquiry into the Principles of Political Economy (1767)


apud Costa in Lopes 2005, p.35.

STÖHR, W.; TAYLOR, D.R.F. (Orgs.). Development from above or below.


Chichester: Wiley, 1981.

STORPER, Michael; SCOTT, Allen J. The wealth of regions. Market forces and
policy imperatives in local and global context. In: Futures. Vol. 27, n.º 5., 1986.

549
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

SOUZA, Nali de Jesus. Desenvolvimento Econômico – 4ª.Ed. São Paulo:


Atlas, 1999.

TRIGLIA, C. Small firm developments and political subculture in Italy, in:


European Sociological Review, 2, 161-175, 1986.

VEIGA, José Eli. O principal desafio do século XXI. 2005.

WALKER, R. The geographical organization of production systems. Society


and Space, 6, 377-408. 1989.

WALLERSTEIN, I. 1998. The Rise and Future Demise of World-Systems


Analysis Review, New York, v. XXI, n. 1, p. 103-112.

550
FRAGMENTOS

ARTIGO

ENTREPRENEURIAL
LOCATION:
STRATEGIC TREND
FOR REGION
DEVELOPMENT?

14
551
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

552
FRAGMENTOS

Entrepreneurial Location: Strategic


Trend for Region development?
Noelio D. Spinola1
Aliger S. Pereira2
Tatiana A. Spinola3

Abstract
This paper discusses the Theory of Location that belongs to the
classical school of Spatial Economics, valid until today. Examines the
determinants of industries and service activity’s locations, a topic
rarely addressed by the literature. Then makes critical remarks on the
policy of industrial location in the state of Bahia, especially over the
decades from 1960 to 2000. It is concluded with the direct correlation
between the application of the fundamentals theories and the degree
of cultural development in a society

Keywords: Spatial economics, Business location; Service economy;


Regional development; Bahia.

JEL Classification: R110; R120.

Perhaps his greatest enemy is orthodoxy ... is true: the


main enemy is precisely the orthodoxy always repeat
the same recipe, the same therapy to cure different
types of diseases, not admitting the complexity want
to reduce it at all costs; while real things are always a
little more complicated.

Albert Hirschmann, 1999

1 PHD in Geography. Professor: University Salvador (UNIFACS). E-mail: dantasle@uol.com.br


2 PHD in Urban and Regional Development. Professor: University of Bahia (UNEB) and University
Salvador (UNIFACS). E-mail: p.gaba@uol.com.br
3 MASTER in Business Administration. Professor: University Salvador (UNIFACS). E-mail: tspino-
la@uol.com.br

553
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

554
FRAGMENTOS

Introduction

Thirty years ago Aydalot Philipe, a master of French Regional


and Urban Economics said that "the theory of location was in
crisis." (1985, p. 50).This is because the theoretical framework that
supported the locational studies, notably the contributions of Von
Thünen (1783/1850), Alfred Weber (1868/1958),4 Lösch (1906/1945),
and Walter Isard (1919/2010)5, the pillars of this theory has a
relative reduction of an essential element of its epistemological
basis represented by the costs of transportation, weighing in local
decisions had diminished its importance as a function of the benefits
of technological progress. In fact you cannot compare these days to
the time with weight vs. km transported vs. time which had prevailed
in the late nineteenth century and early twentieth century, but the
assertion that the share of transportation costs in the total cost of the
product has been dwindling, it may even be true for cases of products
with high added value, but in the case of agricultural commodities,
this cost still has great relevance, as shown by Caixeta and Oliveira
Filho (1997).

But local decision depends not only on transportation costs,


the classics about the subject spoke at length about this.

This approach reflects a Eurocentric view that not necessarily


can be generalized to other countries. What happens in practice is the
effects of territorial domination by large corporations, transnational
and multinational monopolies or oligopolies that divide the space
according to their overall convenience of their strategic plans. On
the other hand national governments learned the concepts of
externalities and began, in their policies, to attract investment, to
4 Not to be confused with his brother Max Weber.
5 Considered by many the founder of Regional Science, for his work in dissemination and
advocacy of the classics in the field, notably the Germans, and the instrumentation presented
in his books, the most important Location and Space-economy: the General Theory Relating to
Industrial Location, Market Areas, Land Use, Trade, and Urban Structure. Cambridge: MIT, 1956,
and Methods of Regional Analysis: an Introduction to Regional Science. Cambridge: MIT, 1960.
Never translated into Portuguese. Isard location theory introduced into the input transport
concept defined as "movement of a weighted product unit per unit distance."

555
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

create "industrial districts" based and supported by fiscal and financial


incentives to become irresistible local attractions. Micro and small
enterprises given their cultural conditioning operate in a regime of
monopolistic competition with high entropy, located where lies the
entrepreneur or sometimes in the case of modern segments, large
companies are attracted by a remora6 effect. They do not obey the
general locational logic. For this reason they have a low survival
rate. The choice of a new location is a problem that concerns almost
solely to the large company. According to Fortes (2013) and the area
covered, the little company operates in their own geographic area
and has little interest in the general movement of the branch, using
raw materials found near the applying company or work in the easy
acquisition and transportation and even in pre-fabricated materials.
So the small company manufacturing unit only shifts it is imposed.

Today it can be considered overcame the complaint of


spatial economists and geographers concerning the lack of space
by mainstream economic theory. The production in the space field
is already abundant and compensates for past omissions. What
emerged again, this is from 1991/1992, was the focus of the new
economic geography (NEG) by Paul Krugman, in his book - said by
some as seminal - entitled Geography and Trade. This is because while
the traditional economic studies analyzed the locational phenomena
on the paradigm of diminishing returns and perfect competition, this
new approach reversed the key with a new paradigm that focuses on
increasing returns to scale and oligopolistic competition. In fact the
contribution of Krugman is not unprecedented, at least in relation
to competition and the market, since August Lösch, prematurely
disappeared in 1945, presented in his book The Economics of Location,7
a complete system of general equilibrium, integrating the space in
which, according to Mendes (2009, p.1) the interaction of different
firms, in the pursuit of their best locations, not only produced the
global optimum, as structured region’s economy. With competition,

6 According to FishBase (2013) are small fish of the genus Echeneis (Echeneis naucrates
Linnaeus 1758) which have the dorsal fin transformed into a sucker, with which they attach to
whales and sharks, benefiting hunting its host and can travel great distances.
7 Published posthumously in English in 1954.

556
FRAGMENTOS

were formed, therefore, the areas of influence of network products


and markets, generating the overall balance of locations. It is as
stated Leme (1990 p.161/172) "the Lösch model determine the size
of the market" best "for the balance of two opposing tendencies:
the economy of scale, leading to market growth and the cost of
transportation take reducing the market. In its direct form, the model
is used for sizing the market selling the finished product and in its
reverse form, the model is used to quantify the buying market.”
What is interesting is that Krugman does not mention the Lösch in
his works.

This article revisits some important points of the Theory of


Location, not only in relation to industries, as has been conventional,
but also in relation to services, an area that has not received the
attention it deserves. Besides this introduction and the conclusion
features two sections that discuss different aspects of the topic. The
first section deals with the operational aspects of the theory based
on the formulations of Weber ([1909] 1929), Lösch ([1940] 1954) and
Isard (1956.1960) brilliantly synthesized by Mota (1968) and related to
the industry. The second section examines the location of services from
Von Thünen ([1863] 2009), Christaller ([1933] 1996), Alonso (1964),
Richardson (1979) and Polese (1998). Space limitations did not allow it
to detail in the issue related to Industrial Districts Marshalianos and its
derivatives innovative and neither Krugman's NGE.

1. The industrial location

It is known from the literature various locational guidance


that alone or in combination should justify the installation of an
industry in a given territory assuming that in the rational plan, they
seek to maximize their results as Lösch (([1940] 1954) advocated, for
whom the alternative was to find the place of higher profit, thus
rejecting both the focus of lower transportation costs on the location
in which the revenue was greater as explained by Weber (([1909]
1929). Assuming any two propositions can consider that companies

557
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

in the pursuit of its location guide to: raw materials; market, to


the availability of labor, to the availability of energy and a kind of
no guidance refers to certain activities whose selling price is not
determined by the cost of manufacturing.

This scheme is enshrined in locational theories presented in


textbooks projects. In fact it may not work in various circumstances,
one of the state interference by changing the spatial logic.

With respect to location factors, Mota (1968, p.9) teaches that


the influence of these as forces of attraction on industrial activity:

(...) Is exercised in practice in two ways: 1º - to "steer"


the industries for those geographic points where
changes in transportation costs or the costs of industrial
processes are more advantageous for companies; 2º - in
the sense of "clustering" or "disperse" industrial activity
within the geographic space. [...] In practice, such a
classification has become quite difficult in view of the
variety and number of them, particularly when taking
into consideration the various types of industries. A
pulp industry or preserved meats, for example, would
not be dependent on, only the raw material and the
market, but also the existence of industrial water in the
region. Industries that use perishable materials depend
considerably of the air humidity. Industries whose
waste is harmful to the welfare of the community
need to dispose of them properly. There are industries,
too, which require extensive facilities, have their
location subject to the availability and price of land.
This is without taking into account those "intangibles"
such as social welfare or community attitudes, which
ordinarily influence the decisions of governments and
entrepreneurs.

Thus, the location of industries is influenced by factors:


regional, technical and locational; special, and motivational.

558
FRAGMENTOS

The regional factors

Include transportation costs of materials and supplies and


finished products and byproducts; costs for labor and energy beyond
the range of the market. Dependent on the geographical advantage
that possess these factors act as forces of attraction by the degree of
industrial competitiveness that favor. In Brazil, see, eg, the relationship
of competition among some companies installed "artificially" in the
Northeast, compared to its Southeast, which often is deleted as soon
as the taxes are no longer subsidized8.

In a more specific approach to each of these factors will be


considered then the constituents of so-called regional factors, namely:
transport, raw materials, labor, energy and the market.

Transportation costs (ct) are a function of the weight to be


transported (p) the distance to be traveled (d) and the freight to be
paid (f). Can be expressed by the following identity: ct = p.d.f

We consider only the weight and the distance from that taken
into account the concepts of actual weight and ideal weight.9

When considering the weight and distance in determining


transport costs is also necessary to describe other factors that
influence them through the tariff system, such as: 1) the types of
transportation - rail, road, inland waterway, sea, air etc..; 2) the extent
and direction in the use of transportation, which could change the
basics of tariffs according to the volume of goods to be transported
and / or distances, as well as lead, sometimes called the freight
return, 3) the topography, climate and structure of regional transport
systems, which affect the bases of rates or cause additional costs of
loading and unloading; 4) the quality of the goods themselves to be

8 In this regard see Spinola (2009, p.417).


9 According to Mota (1968, p.22) the ideal weight (ideal weight) lens, adjust the rate differences,
so as to enable an estimate of shipping costs based on weight and distance. In reality, there
discriminatory tariffs for certain products, and if their differences are not set in relation to the
weights of the products will become impossible locational analysis according to the model.

559
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

transported, which may be more or lower transportability, and 5) the


degree of dangerousness of the routes to be traveled to greatly affect
the cost of insurance.

Transportation costs are not limited to the freight costs;


them are also included complementary factors such as insurance
premiums, social security fees, tariffs, taxes etc. That is why, using the
terminology of Ohlin (1933), Hoover (1948) replaces the designation
transportation costs by switching costs (transfer costs).

In practice, all these complementary factors, which influence


on the costs of transportation should be considered carefully by
entrepreneurs, especially because of them depends, sometimes the
competitive capacity of enterprises depending on their location.

Since transportation costs directly influence the movement


of raw materials and products and the costs of labor and energy
are essential in the process of transformation, industrial location,
according to an economic focus, can be determined from the
following algebraic expression: Ctp = f(Ct,Cmoe,Cn)Where: Ctp =
total cost of industrial production; Ct = total cost of transportation
costs (freight); Cmoe = total cost of spending on labor and energy;
Cn = other production costs.

From the expression above can be concluded that with the


shipping cost more than the total cost of expenditures on labor
and energy, (Ct > Cmoe) the location of industry will be driven by
geographical alternatives dictated by costs transportation.

In the opposite situation where the total cost of expenditures


on labor and energy is greater than the cost of transportation (Cmoe >
Ct) the location of industry will be driven by geographical alternatives
dictated by the costs of labor and energy.

However in cases where the total cost of expenditures on


labor and energy were to equal the cost of shipping (Cmoe = Ct),
the location of industry will be driven by geographical alternatives
dictated by other costs.

Considering that transportation costs Ct refer to the freight

560
FRAGMENTOS

of raw - materials and finished products, we have: (Ct = Ct1 + Ct2),


ie, the transportation costs materials Ct decompose into Ct1 which
corresponds to the transport costs of inputs and Ct2 that represents
the transportation costs of finished products and byproducts. Where
(Ct > Cmoe), industry will be oriented to the sources of raw materials
(Ct1) or the marketing center (Ct2), according to the predominance of
Ct1 or Ct2. Similarly, decomposing the total costs of expenditures on
labor and energy ( Cmoe ) we have: ( Cmoe = Cmo + Ce ) being Cmo
costs of labor and energy costs Ce.

Where Cmoe>Ct industry will be oriented to labor or energy,


depending on the predominance of one of the two variables, with
reference to ( Cmoe ) .

Raw materials

In the analysis of industrial location are distinguished


initially two types of materials used by industries: materials and
material ubiquitous located. The ubiquitous materials, according to
Weberian terminology, are those that can be found anywhere. This
concept is further split into two more. The ubiquity absolute when
the material is fed in a certain region, such as wood in the Amazon,
and the relative ubiquity as quartz in the Northeast.

The materials located are those that are only found in well-
defined geographical areas. Generally, mineral or agricultural
products correspond to this classification. Example: oil , iron ore ,
gold , diamonds , cocoa , coffee , sugar cane .

Weber also classifies materials as raw and pure. The raw


materials are those who lose weight (weight- loosing materials) in
the production process, either totally or partially, while the pure
materials incorporate all its weight to the product. As an example
of the raw material can be cited: limestone in cement, wood in
furniture, rubber in tire manufacturing. As for the pure materials,
the stone used for stamping or silver and gold used in jewelry

561
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

manufacturing .

In this aspect of distance x weight should take into account the


problem of substitution can be considered as a possible alternative
choice between: the use of different materials or combinations
thereof in the production process. This is the case of Japan and
Italy, for example, that replacing the scrap iron ore could install
their steel industries without obtaining deposits of this ore. Thus,
in addition to the geographic occurrence and weight loss in terms
of raw materials should consider their dispensability and mobility.

The degree of transportability of goods is the main feature


of industrial products that influence transportation costs. This
concept, introduced by Hoover (1948), can be defined as the result
(R_tv) which expresses the ratio between the costs of transportation
or transfer per unit product (Ctu) and the unit value of the product
(Vup). As the expression: Ctu ÷ Vup ↑ ↓ = Rtv determinant of the
degree of transportability of the product, if it has a Rtv ↑ high value,
should be considered as more transportable. Moreover, perishable
products, fragile or hazardous are less transportable from the
assumption that, for them, a lower unit value Rtv ↓.

The determination of the differences of freight by calculating


the degree of transportability (Rtv ↑ ↓) is important to gauge the
competitiveness of industries located in different regions.

According to Mota (1968, p.46)

As differences freight have in mind the variations that cause


transportation costs in the price of delivery of goods. These variations
are found in the reverse order of transportability of products. And
that's why most transportable products are able to be dispatched
by the fastest types of transport such as air, despite higher freight.
In practice, therefore, meeting the competitive demands prompt
delivery of goods depends, greatly, the transportability of the same .

562
FRAGMENTOS

The manpower

When analyzing these inputs that also make up the regional


locational factors rests address two questions: 1 - what are the industries
that, strategically, should be targeted to regions or areas where it is
most advantageous use of labor or energy? 2 - to what extent these
advantages regional (or local) may form in differential marketing for
industries?

In the past the concern with determining locational favored


costs, even as Weber took as basis the interest of companies in this
minimization. Lösch ([ 1940] 1954), in turn, believed that the corporate
goal was to maximize their profits . A point of view which is taken
contemporaneously by Krugman (1992) with its apology for increasing
returns in economies of scale.

That said , today and in the context of an economy that migrates


from one paradigm to another locational knowledge based development
and use of new technologies , should be inserted in the factor labor the
role of human capital as an important locational attractive .

The different salary levels in the country, despite the minimum


wage, establish considerable regional differences . This is more
pronounced when working with the concept of human capital. Between
regions, for example, the Northeast and Southeast regions of Brazil,
there are advantages and disadvantages in the cost of the manufacturing
process as a function of the quality of workmanship.

Gains and cost advantages can be eliminated by various cultural


and behavioral factors significantly affecting the performance of workers.
This occurs in the productivity of labor and its ability (and willingness) of
learning. The construction companies, for example, prefer to recruit their
manpower unqualified (pedestrians) in the interior (hinterland) instead
of labor seaside . Empirical studies have shown that while the first forged
in the wild is more hardworking and willing to learn, the second, created
by the sea, is more " accommodated " and resistant to change.

Salaries debased also contribute to the reduction in the value of

563
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

labor and lead to labor at the indifference and contempt for jobs with a
consequent reduction in their productivity.

Therefore, you should consider whether such regional


differences are real , they can be modified and differentials can be
eliminated . Often the cheaper labor is also less efficient, or require the
completion of additional training costs and to assure him livelihoods ,
housing etc. .

Industries can be classified as capital intensive or labor


intensive. The following symbols express this classification : 1 ) K / Mo
and 2 ) CMo / CP where : K = total investment of the company ; Mo =
total labor ; CMo = total cost of labor ; CP = total cost of production.

The higher the capital / labor (K / Mo) the company will be


more capital intensive and greater the volume of investment per unit
of employment created. The lower this ratio the greater the intensity
of labor. It means that the jobs generated demanded holding smaller
investments, i.e.: they are cheaper. The expression CMO / CP measures
the weight of expenditures on labor relative to total expenditures of
the firm. So intensive companies labor tends to have a high rate of
participation of BMC in relation to CP.

The number of jobs generated by the industry has substantially


reduced over time due to technological progress that has gradually
led to the automation of industrial processes. Even so, some industrial
sectors, due to the peculiarities of their production processes, still labor
intensive. This is the case of industries of garments, shoes and many
others where automation failed to replace the manufacturing steps.

The energy

From the point of view of physics and according to Ferreira (2009),


energy is a property of a system that allows you to do work. Energy
can take many forms (thermal , kinetic , electrical , electromagnetic
, mechanical , potential, chemical , radiant ) , convertible into each
other , and each capable of causing well defined and characteristic

564
FRAGMENTOS

phenomena in physical systems . The availability of energy is essential


for all industrial activities. Thus, companies generally only locate where
this input is available in quantity and quality.

The main sources of energy used by industry are derived from


non-renewable sources like oil, gas, coal and nuclear power and
renewable sources such as water, biomass (biofuels), the sun, wind
and hydrogen.

Some companies are electro as aluminum and require an offer


on high volume. There are currently no industries that do not waste
energy in the manufacture of its products. But when consumption is
small, the energy cost is less important than the consistency of supply.

Considering the difficulty of transportation, solid fuel (wood,


coal) had primary importance as a factor in location since the beginning
of the Industrial Revolution to the beginning of the preponderance of
liquid and gaseous fuels, in the 1960s. These fuels are easily transported
by pipelines. Thus, new industrial zones emerged at points served by
supply lines to these inputs.

The Brazilian environmental policy recommended the location


of industries in the vicinity of sources of supply of liquid or solid fuel, to
reduce the risks inherent in their transportability across long distances.
Consequently, the location in areas closest to the ports is a widely used
alternative to receive these fuels with lower transportation costs and
better security.

According to Mota (1968) regional factors would be primary


causes that influence the spatial distribution of industries.

Technical and locational factors

Highlight the impacts on business competitiveness by economies


and diseconomies of agglomeration, economies and diseconomies of
scale, and economies and diseconomies of urbanization. They have a
great capacity to influence the spatial distribution of industries. While

565
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

regional factors, analyzed above, determine the distribution, with


reference to different regions or several areas, technical and locational
factors only relate to a particular region or a particular area. For this
reason, concern for the concentration or dispersion of industrial activity
in a region or area, according to his influence as agglomerative forces
or desaglomerativas.

The technical and locational factors play a significant role in


location theory insofar as the global market increasingly leans toward
a system of oligopolistic competition. According to the model of Weber
agglomeration refers to spatial concentrations of industry, resulting
from the fact that, for a given quantity of production, it is possible to
obtain, by the aggregation of different production units at a common
place of production, a lower cost per unit of product (MOTA, 1968,
p.81).

The industrial agglomeration occurs from economies of scale,


economies of localization and urbanization economies.

The increased scale of production of an industry in a particular


location, remaining unchanged average costs it produces increasing
returns. And thus, their effects on driving complementary industries
upstream and downstream of its plant constitute the preliminary
stage of industrial agglomeration and the formation of a pole of
growth produced by her polarizing effects of a technical nature , lace
, psychological and geographical as indicated Perroux (1955) and
Paelinck (1965). Also contribute to meeting the agglomeration of firms
in the same industry in a particular location for convenience logistic or
technical nature or as a result of the economic dimension of location.

The economies of scale associated with agglomeration to


respond by getting lower production costs enables any accrued
transportation costs for the various units, are absorbed by the reduction
of costs arising from productivity gains and complementarity.

Turn the location economies refer to the advantages that accrue


to several firms in a single industry, locate yourself in one region or in
one area for reasons of historical and cultural nature. These savings are
well exemplified by the industrial districts "marshalianos" operating in a

566
FRAGMENTOS

structure of flexible specialization as was the case of industrial districts


in England and is in Italy , according to Marshall ( [ 1890 ] 2001) and
Bagnasco (1977 ) among others .

Save location occur when several companies on a single industry,


are associated in one area or in one area, " merge " their individual
production units of different scales, a single unit of production in larger
scale. Actually these various firms by the association , complementarity
and integration within a supply chain , according to Porter (1999 ) ,
form clusters ( Clusters ) that assures ability bargaining ( bargaining
ability ) .

One can also evaluate the location economies in view of the


so-called " ancillary industries," which, regardless of their production
scales can obtain better economic advantages from a position
closer to locational driving industries. In this respect, the analysis of
agglomeration seen an empirically fits also in the programming of
regional development.

Urbanization economies in the city or metropolis is considered


as a location for broader economic dimension with the economic
advantages of their externalities. Cities as far as their technical and
scientific development can produce great locational advantages for
industries branch of information technology. One aspect of urbanization
economies, which interests, closely, to regional development programs
refers mainly to the possibilities of dovetailed the theory of industrial
location with urban planning. Indeed, the " urbanization economies "
depend, substantially, the very structure of cities, especially regarding
the " land use " and facilities of public services such as transport,
communications, energy , water and wastewater etc. Since these
factors are not considered, carefully, in the urbanization plans or
redevelopment, they will become deagglomerations’ factors, as a
result of a rise in land values and
​​ rents, the cost of time, transportation
etc. Hence the practical importance of " zoning " and the creation of
industrial perimeters, with appropriate implementations of urban order
as necessary conditions for the expansion of industrial cities. Problems
of the same nature emerge, too, when you consider the metropolitan
areas, keeping in view the best spatial distribution centers or suburban

567
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

satellite towns.

Consider special factors relating to the availability of climatic


resources such as water, climate, land, services and compatibility with
industrial waste.

Finally, among the motivational factors are taken into account


the tangible factors such as capital resources and credit, government
incentives, and the weight of taxes and fees, and intangible factors not
measurable , such as the well- social welfare , community attitudes , and
psychological, personal and behavioral characteristics of entrepreneurs.

Market

After all, the objective of business is to produce and sell the


binomial whose terms are mutually exclusive, so the market is a
determinant of the location of any company.

In any market regime, be it an oligopoly or monopolistic


competition in a context of globalization, increasingly pronounced
depending on, among other factors, the revolution in transportation
and technological progress brought by information technology,
microelectronics, robotics etc. ., They are overcoming many concepts
of location theory constructed at the beginning and throughout the
twentieth century.

Despite the delineation of market areas for one or more industrial


companies, depending on the location remains the interrelationship
between production costs, transportation costs and the price system,
the latter being conditioned by the existence, or not, of mechanisms and
practices restricting competition. These practices may be horizontal,
which reduce the intensity of competition affecting the interactions
between business suppliers of the same market, covering, for example,
the combination of price, cooperation between competitors and the
construction of barriers to entry. Or may be vertical restrictive practices,
which limit the scope of the actions of two agents that relate to buyers
and sellers throughout the supply chain or the end markets, including

568
FRAGMENTOS

behaviors such as price discrimination and the imposition of price lists


by the manufacturers on distributors.

Location of services

Besides the intangibility two other characteristics of service


activities contributes to the complexity of this segment. They are the
heterogeneity and the grip. The heterogeneity makes the services
understand the activities of the different categories each with its
specificity. This is the case, for example, a consulting firm and a
restaurant. The first is a pure service because has only labor as an
input, while the second is a service that involves work and trade. This is
precisely the second characteristic of services, adherence to their trade.
All this makes the complex locational studies. Thus each type of service
establishes the conditions for your location.

Nevertheless, it is noteworthy that the aspect of location has


special importance in all activities of providing services. Because they
cannot store or transport, services requires that they, for the most part,
locate close to the customer.

According Christaller ([ 1933] 1996) in the same way that the


services have their goods locations conditioned by factors such as the
demand threshold and scope of the right.

Means for searching the minimum threshold of demand to


compensate for the presence of the supply of a service in a given site.
This is to ensure the viability of the offer. Since the scope of the asset
corresponds to the distance and the maximum cost that the buyer is
willing to go / support, to acquire or use the service. It is the critical
limit on the demand side. The range can be considered eminently
social, especially when concerns are placed at the level of functions
designed to meet basic needs.

The scope of a well should observe the intensity of consumer


need. If needs are frequently the scope is reduced because the farther
the service, the higher the shipping cost that the consumer will have

569
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

to bear. Examples: bakery and butcher. When needs are rare range
is great. The opportunity cost compensates the offset. Examples:
specialist, theater .

Figure 1 - Conditioning Factors on demand service.

Source: Polèse, 2009, p.296.

These threshold concepts and scope of demand vary depending


on the type of asset or its function. In general, the location decision
process follows a hierarchical undergoes phases. It is the case of
education, health, public safety among many others. This means
that the location of such services in a particular place depends on
the relationship between the threshold of their search and order this
service in their hierarchical scale.

According Spinola (2003) not only the economic aspects


influence the location of services. Besides the proximity of the target
markets, other factors are also important to the location decision of
certain services such as those listed below that take into account each
stage of the hierarchy of location decisions. Thus, in regional terms are

570
FRAGMENTOS

essential preconditions political stability, cultural acceptance of service,


the suitability of the climate and temperature service and regional
infrastructure. In national terms, are important requirements: political
stability, law and the existence of subsidies, the cost of hand labor, the
existence of barriers to entry (import ), the availability of infrastructure,
economic stability, the consumer market, the availability of technology
and communications infrastructure and transport. In terms of cities:
proximity to the consumer market; indicators and their psychographic
and demographic trends, availability of skilled labor, infrastructure,
energy, communication and transportation, availability of suppliers
and support services, community attitudes in relation to service, hand
preference workforce management and operational location of the
competition. The specific location requires facilities flows of people
and goods ; flux density of people bystanders; psychographic and
demographic data of those bystanders and trends; parking availability,
location of competitors, cost of facilities, local infrastructure, availability
of support services; expansion potential.

Different types of services give different weights to the various


criteria listed.

Service shops, such as banks, restaurants, shops, hairdressing


salons, theaters, cinemas, operations that combine high- touch with
high volume of customers served, priority should be located close to
its customers. Some of these consumer services may be of interest to
locate close to their competitors, so possibly resources to be shared
(egg, in food courts of shopping malls, where different restaurants
share tables) or because this way more clients can be drawn.

Other types of services may require rapid communication such


as financial services companies, which need to be in touch with markets
and investors worldwide. This may cause the location of such company
check greater weight to the communications infrastructure at the site
selection. Other firms rely on an efficient transportation network, as in
the case of carriers and warehouses wholesalers.

According Gianesi and Corrêa (1994 ) generally services


companies working in direct contact with the public call for a location
satisfactory provision of a range of facilities such as convenient access

571
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

for guests, well served by public transportation, a visibility that allows


good identification. Being seen from the street in a well signposted;
being on the route of watching the traffic volume on the street that
may induce a potential impulse shopping, especially when it comes to
people traffic, adequate parking, expansion possibilities; environment:
the neighborhood should complement the service externalities, such
as safety: the site should ensure tranquility clientele; competition:
advantage of economies agglomeration; regulation: lack of zoning
restrictions, area of lower taxes and fees.

It is worth noting that there are several ways and techniques


of mathematical modeling that can assist in the decision making
process of the location highlighting this case submitted on the Bid
Rent Function.

Applying the theoretical Von Thünen, William Alonso


(1933/1999) built in 1964 a theory known as Bid Rent Theory according
to which the price and demand for properties increase with the
distance that separates them from the Central Business District named
in the original Central Business District - CBD. According to this theory
the different users of the space will compete with each other for the
nearest location to the city center. This is based on the thesis that both
in services and in the retail trade entrepreneurs want to maximize
their profits and are more willing to pay more for a property near the
CBD and less by the more distant properties in this area. This theory is
based on the reasoning that the more accessible area (i.e., the higher
the concentration of the customers) businesses to better... Users of
buildings all contribute to establish themselves in the most affordable
within the CBD. The amount they are willing to pay is called bid rent
or rental price. This can usually be demonstrated in a “rental supply
curve”, based on the reasoning that the space more accessible, usually
in the center, is the most expensive.

Commercial enterprises (in particular large department stores),


the banks, doctors' offices and clinics, are willing to pay the higher
rent in order to locate in the inner core of the CBD . The inner core is
very valuable for these users, since it is traditionally the most accessible
location for a large part of the population. Volume audience is essential

572
FRAGMENTOS

for department stores, which require a considerable turnover.

The shopping centers that combine the advantages of economies


of agglomeration and scale, can escape the CBD precisely because they
offer the same space in the alternative trading and related services to
leisure. The industry, for environmental and operational usually located
in the outer core of the city. Are called “perimeter” industrial area
where there is more available to plants, which have often externalities
created by the Government.

The popular homes tend to be located in the outlying areas of


cities where land prices are lower. This trend depends on topographical
circumstances. In some places, depending on the landscape of the area
(coast, for example) space is disputed by households of higher income
classes.

Figure 2 - Statement function Bid Rent and Land Use.

Source: O'Sullivan, 2003, p.6.

573
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

Figure 2 works on the assumption of a monocentric city


or town dominated by its center. According to O'Sullivan (2003,
p.1) the city monocentric urban form was dominant until the early
20th century. In monocentric city, the commercial and industrial
activity is concentrated in the central core.

In general the model of monocentric cities no longer exists


in large urban centers that have become polycentric with suburban
sub-centers that complement and compete with the nuclear area.
Nevertheless many of the current small and medium towns are still
monocentric. Moreover, except in situations cataclysmic physical
structure of cities do not become so quickly. Habits can change but
the structure remains, abandoned or retrofitted.

Also, O'Sullivan (2003, p.6) in Figure 2 shows that the


market corresponds to the city center (CBD) where they are
located preferentially service activities (offices) because they have
the highest cost of friction10 being willing to make a bid maximum
rent.11 Then come the industries and subsequently residences.

The slope of the curve (Fig. 2) indicates that the farther


from the center, the increase in transportation costs reduces the
willingness to pay while it is best to consume larger lots. I.e., there
would be a provision to change the increase in transportation
costs due to the possibility of taking up more space.

According to the cited author, business services while


providing a wide range of products share two important
characteristics. First, gather processes and distribute information.
Since the information becomes obsolete quickly, companies’
offices should be able to collect it and distribute it quickly. Second,
company’s offices rely on personal contacts in the collection,
processing and distribution of information. For example,
accountants explain and interpret for client’s information in
financial reports. The bank managers are those who possibly take
loan to assess your borrowing capacity. The investment advisers

10 The cost of friction is a sum of the factors of transportation and rent.


11 Indicates how the typical firm is willing to pay for for the different production sites in the city

574
FRAGMENTOS

are financial firms with clients to assess their attitudes toward


risk and your investment plans. Despite digital technology have
eliminated the need for many personal contacts and meetings is
still very important.

In the case of polycentric cities Fujita, Krugman and


Venables (1999) demonstrated that the location decision of a firm
is independent of the location of families, but rather the location
of the other firms in the city. This is the main contribution of
this model, as it brings the discussion between agglomeration
forces firms to the context of intra-urban spatial structure. The
production function of the firm is changed according to the number
of signatures that are close to it. This impact on productivity,
or agglomeration economies is introduced into the production
function by function locational potential.

Polese (1998, p.314) introduced the following equation


applies to the service sector:

T = ul + cl + uL + + rL + cH

Where: T = the total cost of a unit sold; H = a unit sold,


example: one hour of technical advice; I = units of information
necessary for the production of H (counted in hours / man), L =
units of skilled labor necessary for the production of H, counted
the same way that I; u = unit cost of input in salaries, commissions,
fees, etc..; c = unit cost of communication (per hour, per mile) in
spending telecommunications, mail, etc. displacements., including
the opportunity cost of shifts and meetings; r = the unit cost of
recruitment (per hour / man), the period required for seeking and
retaining skilled human resources.

The service company to decide its location should seek to


minimize the value of this model assumes that the Polese skilled
labor (L) and information (I) are the two main scarce resources
that will guide the decisions of the office location.

The template set (c) a unit cost of the communication,

575
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

namely, the value of transport of information. You can imagine


it as a function of distance. It is logical to think that the costs
increase as it passes the mail on the phone, this and this to the fax
or mail. Being direct interpersonal communication which in turn
implies different forms of travel (walking, bus, car, train, plane,
etc..). The cost curve of communication is very sensitive to the
frequency of direct interpersonal contacts.

According to Polese (1998, p.316) each input information


(I) has a function of communication costs of its own. Are the
opportunity costs of those who constitute the majority of the
real cost of communication. Communication costs are sensitive
to cultural and sociological barriers - language, social differences,
religion and others more, represent obstacles similar geographical
barriers (physical) in the case of goods. The input information (I)
may assume various forms. As is intrinsic to people (L) assume
such a position variant (I). A skilled workforce with high KIB,
for example, is not as transportable goods, implying costs often
high. Sometimes, depending on the greater or lesser need for
interpersonal contact, can be replaced by digital information,
reducing transportation costs (displacement).12

Polese and Morollon (2009, p.234), the triangle of Figure 3


shows a model of locational guidance for service companies. Here
the vertices I, L and M correspond to the points where information
costs ( I) , of skilled labor ( L ) , and market access ( M ) reach the
lowest level . These are points of attraction for locational services
firms.

There are three situations according to the nature of the


services concerned: first, the activity whose service line is very
sensitive to the distance and their production costs are much
sensitive to the diversity of information from subcontractors,
consider the pole (I) more attractive. For the exportable services
such as: design and production of software ; investment companies

12 This is the great revolution in services caused by information technology. An expert located
in Japan may, by teleconference, to attend a meeting in Brazil or anywhere else in the world
accessible by WEB.

576
FRAGMENTOS

and management of securities portfolios, whose service provision


does not necessarily require that a person moves and less centrality
influences the choices of location , in the second , the companies
with more extensive markets , whose products are information
intensive and exported on a large scale will address more polo
( M ), i.e. up the urban hierarchy ( large cities ) as its market
extends and its production function is based on an increasingly
diverse network of specialist services in the third, if production
depends on specialized sources of skilled labor where substitution
possibilities are small ( L ) will be the definitive pole location. This
is the case of activities with significant technical content in R & D
labs and activities that rely on mobile human resources attracted
by a specific quality of life - pictures of senior experts, researchers,
doctors etc.

Finally, it’s important consider what services are - those


which Santos (1979) referred to as belonging to the lower loop
of the city - locational logic which does not meet the criteria
herein. Traditional services are market-oriented and the social
and historical circumstances of its business, and the technology
used to labor-intensive , the primitive level of organization ;
capital reduced , the degree of customer relationship intense and
often personal , the location in their own homes or makeshift
marginal spaces of old buildings of the CBD. Sometimes this
location extends the urban roads in tents, often stylized by the
government or sponsoring brands.

577
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

Figure 3 - Locational orientation of Services.

Source: Polése

3 Bahia: industrial location experience

According Spinola (2003) Bahia was not successful with their


experience in the field locational. Industrial districts built in the 1960s
and 1970s failed to meet expectations of state planners.

Under the locational aspect of the theory does not hold any
resemblance to the so-called " industrial districts marshalianos ". This
is because they were created in the style of a topdown process where
civil society and economic logic space did not have the slightest
interest.

578
FRAGMENTOS

As noted by Haddad (1992 ), one of the essential conditions


for an economic activity that is localized in a region can promote
sustainable development and not just a spur growth cycle unstable
and enduring is that there is a diffusion of the dynamism of its
economic activity to other sectors of the regional economy. It is worth
mentioning that this activity is linked properly with the regional
productive system in a process of codependency.

Still, according to Haddad (1992 ) the worst situation for


the process of development of a region, under the aspect analyzed,
may occur when there is a convergence of the following factors
related to the implementation of a new economic activity: a) if the
region are exporting products of great weight, generated by the
new activity, return shipping tends to occur with excess capacity,
reducing the amount of freight; freight on return lower amounts to
competitive capacity for imports, inhibiting it is possible to substitute
imports local activities aimed at regional demand ( reduced impact
on the linkage effects and induced effects ), b) whether the profile
distribution of wealth and personal income of the new activity is not
sufficient to cause deconcentration of distribution obtaining (or even
act towards strengthening the standard hub) will be smaller induced
effects to promote market expansion within regional c) if the capital
invested in the new activity originate in other regions, not able to
internalize the financial surpluses generated in the new cycle, which
"leak " to developed regions ( reduced financing capacity to promote
the diversification of regional productive structure) d) if the specific
tax legislation demonstrates unequivocal interest in under tax (or
exonerate) the new activities in international trade and to contribute
to anti-inflationary policies, there will be negligible tax purposes for
the benefit of the region, e) if the new activity has the technological
characteristic using few inputs produced in the production process
(low index dispersing or backward chaining) and on grounds
locational only occur in the region investments for the first of those
processing activities in order to improve the relative weight value for
use in transportation infrastructure will also be reduced the dispersion
index or forward chaining. (Haddad, 1992, p. 10-11).

It was exactly what happened in the planning of industrial

579
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

location in their districts in Bahia: Ilhéus, Jequie, Vitória da Conquista


and Juazeiro and Industrial Centers of Subaé (Feira de Santana), and
Aratú Copec, latter two in the Metropolitan Region of Salvador (RMS)
transformed practice in authentic regional enclaves, at most.

It is important to note about these districts two aspects of the


country economic system: first, the model of highly concentration
income which requires the production system of industries to operate
with a high coefficient of location, i.e. a tendency towards spatial
concentration; and second, being the industrial park dedicated mainly
to the production of intermediate goods is imposed for its viability in
the existence of economies of scale, agglomeration and urbanization,
which are only partially an expendable processing industries and
mineral processing, whose location is required with sources of raw
materials.

The spatial consequences of such a model is expressed by the


concentration of production in a few points of the territory - the
metropolises of Southeast - making the former regional capitals lose
control over their respective areas of influence, particularly due to
changes in transport systems, if they saw transformed into simple
intermediate cities, since spontaneously distribution functions are
replaced therein by the greater importance of production.

These characteristics of the economic conflict, originally a


policy of industrial decentralization as the industrial districts of
Bahia, although this was justified by the need to mitigate regional
imbalances. The perception of this reality was, incidentally, which
enabled the creation of mechanisms for correction of inter-regional
disparity of income, having been SUDENE (Northeast Development
Office) an illustrative example.

In these circumstances, the policy aimed to the creation of


secondary poles of growth, complementary and coordinated with
major regional centers - in case the industrial centers and metropolitan
Aratú Camaçari - did not materialize for lack of touch with economic
reality nationwide.

Should be noted, additionally, the negative economic

580
FRAGMENTOS

consequences of the deployment time of the interior districts, where


already the strategies of economic growth began to show signs of
loss of momentum, making the very strength of tax incentives would
prove insufficient to generate and attractiveness of new projects .

On the other hand, unless the existence of specific tax incentives


and a weak technical assistance, is not always readily available, was
precarious, not to say zero, the articulation between the different
instruments of industrialization policy put into practice.

For all these industrial districts were victimized by an error in


structural design. The goal state would be more compatible to direct
them to the transformation of agricultural products and mineral
resources available in their areas of influence. But this would involve
the redirection process since locational and locational specific micro
factors, not always made possible
​​ the locational choice for medium-
sized cities elected to install the districts.

The lack of a strategy and urban development policy meant to


this space was occupied by political voluntarism noticeably marked
by authoritarianism which eliminated the integration of inter as well
as effective participation in the process of the various segments of
society, especially the business.

The spatial point of view, it appears that the macro definition


for locational industrial districts Bahia was guided primarily by
political and secondarily relied much more on the analysis of the urban
hierarchy than the actual occurrence of industrialization and economic
possibilities. As the urban network of Bahia is also characterized by
excessive growth of the RMS, the demographic volume, the urban
infrastructure and income level prevalent in medium-sized cities in the
interior does not reveal which will allow industrial districts, making it
necessary not only rigorous criterion priorities, but also a concerted
effort by the government, as occurred for the implementation of the
Petrochemical Complex in RMS. This effort, likewise, should include
not only the deployment of infrastructure, but also the promotion,
agency and participation in nuclear projects, intended to enable the
viability of the districts .

581
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

The large districts of RMS - CIA and Copec - not fled the rule of
their smaller counterparts inside. The first became, according to local
media, a "graveyard of industries ." Megalomaniacal idealization of
a famous architect, not specialized in this sector, came generalist . A
true " industrial bazaar “. And the second, pretentiously named Polo,
an " enclave " in failing to produce the polarizing effects expected of
him. In this case it is worth noting the observation Paelinck (1965,
p.192) " Firstly the polarized regional development theory is not a
theory of location (...). Anyway, this is not an easy remedy to open
economic regions hitherto delayed. This leads us to refute the idea
banal but current pole savior. " Moreover, by commenting the experts
in the field, " Polo " was the victim of two serious misconceptions
of locational. Contrary numerous technical advice, for differences
between the positions of power, settled far from the sea as traditional
businesses of its kind and was implemented on top of the largest
underground aquifer freshwater RMS Training of San Sebastian which
has required considerable efforts to prevent their contamination by
petrochemical industrial waste.

So, in terms of locational industrial policy failed Bahia. It


could not confront the financial concentration trends of Brazilian
companies, a phenomenon that occurred from the 1990s when
the advent of the Collor government. This concentration on the
formation of oligopolies proceeded to dictate the policy of industrial
location making it waterproof when not with strong bargaining
power with the state policies for attracting investment - see the case
of Ford in Bahia that virtually extorted the state government in terms
of advantages for the deployment of a unit in Northeastern Complex.

This financial concentration was well perceived by Krugman


(1991 ) in its NGE which explains the location of these companies
based on achieving increasing returns on economies of scale and this
circumstance is Brazil " well served " . A study conducted by professors
Werner Baer, Department of Economics, University of Illinois - USA and
Edmund Amann, University of Manchester - United Kingdom in 2011
and disclosed by Silvio Ribas CORREIO BRAZILIENSE of 25/07/2011.
According to researchers who analyzed 19 economic sectors of the
country there is a strong concentration in 14 of them, and four major

582
FRAGMENTOS

companies (Vale do Rio Doce, AmBev , Telefonica and Braskem) hold


more than 60 % of the market . The branch is less competition with
petrochemicals, with a rate of 91 % (just the dominant Bahia). Then
come the automotive sector ( 85 % ) , wholesale trade ( 80 % ) , mining
( 79 % ) and food and beverages ( 76 % ). This disproportionate power
not only allows these corporations rise in prices above the standard,
as dictated their respective locational options.

Conclusion

It is rewarding and frustrating at the same time write about


the business location. First because it satisfies the spirit realize human
ingenuity that starting from the empirical data processes, analyzes
and transforms into theories explaining the observed phenomena
and instrumental for future actions. But it's also frustrating to note
is the large gap that separates theory from practice. The economy
was founded on the principles of homo economicus full of rationality
when the real world works in a high degree of entropy, which varies
according to the level of civilizations and cultures.

Despite the psychotic traits of Germans cannot forget its


atavistic tendency for discipline, obedience and method forged under
the auspices of the Lutheran doctrine and the influence of German-
Slavic mythology. It was this culture that left Von Thünen, Weber,
Christaller and Lösch giants’ locational theory. And in this culture,
as well as in Anglo -Saxon where they came from North, Hoover,
Hoteling, Isard, and Krugman among others, technical rationality
answered by the degree of development reached their countries like
Germany, England and the United States America .

However, when passing the Equator Line seems that the degree
of entropy increases. In countries like Brazil, for example, late entry
into the capitalist system, the application of the principles of location
theory is quite fragile. Being a patrimonial society, with strong traces
of regulation, the State is omnipresent figure in heavily interfering
in the market economy. And the state's presence brings politics and

583
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

with this, the introjection of irrationality in the economic field, as its


principles are based on patronage and physiological principles of an
oligarchy that parasitizes the body of the nation.

There are honorable exceptions indicate that especially in the


Southeast, precisely what stands out the indicators that characterize
the degree of progress.

The fact is that, in Brazil, the state has the power and ability
to direct the location of businesses in its territory, bargaining with
subsidies, tax exemptions, offers infrastructure, thereby creating a
set of artificial advantages distorting location process. This leads
companies by location indicators should settle in the region are
setting up in the region Z, writing with this in the long term, like say
Garcia Marques, the chronicle of a death foretold.

The Brazilian Northeast is replete with examples of this nature,


starting with the named Polo Petrochemical Complex or the Caribbean
Metals copper metallurgy one installed in the same region, whose
locations were mistakes made during the authoritarian governments
of the military dictatorship (1964/1985). But these attitudes are
not discretionary privilege of undemocratic governments. In full
democracy, under the command of government claiming to be
liberal, were installed in the state companies that configure,
according to government propaganda, "poles" including a footwear
brand that illogically spread to several cities in the state following
the order of mayors and deputies influential. Companies are mostly
mild footloose whose installation does not involve substantial fixed
investments and consequently does not prevent its rapid disassembly
and transfer to other locations. The Vulcabras / Azalea dismounted 12
footwear factories in the state putting in unemployment more than
4000 people (SEE 2012). This after the State Government had built
for her and industrial sheds infrastructure the entire area, scorning its
location in the Industrial District Imborés (Vitória da Conquista ) the
infrastructure already settled and better located ( the BR -116 - Rio
Bahia ) for reasons of a political party.

It is thus, answering the question that heads this article, as


the facts indicate, that theories of location factors to incorporate in

584
FRAGMENTOS

strategic regional development depend on a number of conditions,


such as: local culture , the political regime, effective market structure
and technical training of professionals in the spatial economy .

From the cultural point of view it is expected the existence


of a society where rules in practice, not just in speech, a social
contract, whereby the sovereignty prevails in society and the political
sovereignty of the collective will. (ROUSSEAU [ 1772] 2002). It
is evident that such a contract presupposes a democratic political
system where the state, without abdicating its role as promoter of
development, respecting the legitimate operation of the market.
In this plan it is necessary to adopt the Administrative Council for
Economic Defense (CADE) of a policy that restricts the concentration
and stimulating the economy, the government, the strengthening of
a structure of monopolistic competition which opposes oligopolies,
least minimizing effects of cartelization and collusion. Finally, it is
necessary that the State and companies worry about the human
capital, the essential instrumentation stock spatially, consistent and
technically available.

585
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

References

ALONSO, William. Location and land use: toward a general theory of land
rent. Boston: Harvard University Press, 1964.

AYDALOT, Philipe .Économie régionale et urbaine. Paris, Économica, 1985.

BAGNASCO, A. Tre Italie. La problematica territoriale dello sviluppo


econômico italiano. Bolonha: Il Mulino, 1977.

CHRISTALLER, Walter. [1933] Central Places in Southern Germany.Englewood


Cliffs, NJ: Prentice Hall, 1996.

FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo dicionário da língua


portuguesa. 4ª.ed. Curitiba: Ed. Positivo, 2009.

FISHBASE, Information and Research Group, Inc. (FIN). Disponível em http://


www.fin.ph Acesso em 02 mai.2013.

FORTES, W.G. Pequenas e Médias Empresas: estrutura e funcionamento.


Disponível em http://www.portalrp.com.br/bibliotecavirtual/outrasareas/
administracao/0006.htm. Acesso em: 02 mai. 2013.

FUJITA, Masahisa; KRUGMAN Paul; VENABLES, Anthony J.The Spatial


Economy: Cities, Regions, and International Trade. Boston, Massachusetts:
MIT Press, 1999.

GIANESI, Irineu; CORREA, Henrique. Administração Estratégica de Serviços:


operações para a satisfação do cliente. São Paulo: Atlas, 1994.

HADDAD, Paulo. Mecanismos de difusão do dinamismo de uma nova


atividade econômica sobre a economia de uma região. In: Análise e Dados,
Salvador: CEI, v.II nº 2, 1992.

HIRSCHMAN, Albert O. The Strategy of Economic Development.New Haven,


Connecticut: Yale University Press, 1961.

HOOVER, Edgard M. The location of Economic Activity. New York: McGraw-


Hill Book, 1948.

ISARD, Walter Methods of Regional Analysis: an Introduction to Regional

586
FRAGMENTOS

Science. Cambridge: MIT, 1960.

ISARD, Walter. Location and Space-economy: a General Theory Relating to


Industrial Location, Market Areas, Land Use, Trade, and Urban Structure.
Cambridge: MIT, 1956.

KRUGMAN, Paul. Geography and trade.Cambridge, Massachusetts: MIT


Press, 1992.

LEME, Ruy Aguiar da Silva. Contribuições à teoria da localização industrial.


São Paulo: USP/IPE, 1990.

LÖSCH, August. [1940] The Economics of Location 2a.ed. New Haven,


Connecticut: Yale University Press, 1954.

MARSHALL, Alfred. [1890] Princípios de Economia. Madrid: Editorial


Sínteses, 2001.

MENDES, Jeferson. M.G. Augusto Lösch e a Teoria das Áreas de Mercado.


Disponível em: http://ebookbrowse.com/eru-cap-05-august-losch. Acesso
em: jan.2010.

MOTA, Fernando de Oliveira. Manual de localização industrial. 2. ed. Rio de


Janeiro: APEC, 1968.

OHLIN, B. Interregional and International Trade. Cambridge, Massachusetts:


Harvard University Press, 1933.

OLIVEIRA, J. C. V. e CAIXETA FILHO, J.V. Caracterização das empresas de transporte


fluvial de grãos: um estudo de caso para a hidrovia Tietê-Paraná. Revista de
Administração da USP. vol. 32 (4), Outubro/Dezembro, p. 54-66, 1997.

O'SULLIVAN, Arthur .Urban economics. Boston, Massachusetts: McGraw-Hill/


Irwin 2003.

PAELINCK, Jean. La théorie du development régional polarise. Grenoble:


Presses universitaires de Grenoble, 1965.

PERROUX, François. Note sur la notion de pôle de croissant. Paris: Presses


universitaires de France, 1955. 31

587
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

POLÈSE, Mario. Economía urbana y regional: introducción a la relación entre


territorio y desarrollo. Cartago, Costa Rica: 1998.

POLÈSE, Mario. MOROLLÓN, Fernando. Economía urbana y regional:


introducción a la Geografía Económica. Cizur Menor, Navarra (ES): Thomson
Reuters, 2009.

PORTER, Michael. Competição. Rio de Janeiro: Elsevier, 1999.

RICHARDSON, Harry Ward. Regional Economics. Michigan: University of


Illinois Press, 1979.

ROUSSEAU, Jean Jacques.[1772]. Do contrato Social. Edição eletrônica


disponível em: http://virtualbooks.terra.com.br. Coleção Ridendo Castigat
Mores, 2002.

SANTOS, Milton. O espaço dividido: os dois circuitos da economia urbana


dos países subdesenvolvidos. Rio de Janeiro: F. Alves, 1979.

SILVIO RIBAS (Brasília). Fusões e Incorporações devem bater recorde neste


ano. Correio Braziliense, Brasília, p.1. 25jul. 2011. Disponível em: www.
correiobraziliense.com.br Acesso em: 13 mai. 2013.

SPINOLA, Noelio Dantaslé. Política de localização industrial e desenvolvimento


regional: a experiência da Bahia. Salvador: Unifacs, 2003.

SPINOLA, Noelio Dantaslé. A trilha perdida. Caminhos e descaminhos do


desenvolvimento baiano no Século XX. Salvador: Editora da Unifacs, 2009.

VEJA (Bahia). Vulcabrás/Azaléia fecha 12 fábricas na Bahia. Veja, São Paulo,


edição digital 03 dez. 2012.

VON THÜNEN, Johann. [1863]. The Isolated State in relation to agriculture


and political economy.New York: PalgraveMacMillan, 2009.

WEBER, Alfred. [1909] Theory of the location of industries.Chicago, Illinois:


The University of Chicago Press, 1929.

588
FRAGMENTOS

ARTIGO

ANÁLISE DA
LOCALIZAÇÃO DE
MICRO E PEQUENAS
EMPRESAS NA
CIDADE DE
SALVADOR

15
589
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

590
FRAGMENTOS

Análise da Localização de Micro e


Pequenas Empresas na Cidade de
Salvador
Noelio Dantaslé Spinola1
Marcus Amany Castellar Pinheiro2

RESUMO
Dentre os aspectos presentes durante o processo de planejamento
empresarial e subsequente tomada de decisão para a instalação de
empresas, o da localização é, em muitos casos, determinante da futura
competitividade e da sobrevivência do empreendimento. Entretanto
este aspecto não é merecedor de uma atenção mais aprofundada
sendo assumido como um “fato consumado”. Isto é o que se conclui
do exame dos roteiros disponibilizado por instituições de fomento
como o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas
(SEBRAE) e pelos bancos Nacional de Desenvolvimento Econômico
e Social (BNDES) e do Nordeste do Brasil (BNB). Este trabalho busca
aprofundar o exame da questão e propor ajustamentos da teoria
locacional às peculiaridades das regiões emergentes, em especial
na Região Metropolitana de Salvador, visto que esta foi totalmente
construída nos Países do chamado primeiro mundo. Com este objetivo
procurou-se primeiro contextualizar no plano sócio econômico e
dialético as micros e pequenas empresas, e em seguida, examinar
as teorias locacionais em voga e as peculiaridades operacionais
dos micros e pequenos negócios instalados em Salvador da Bahia.
Considerando-se a realidade soteropolitana matizada por uma
pobreza multidimensional dominante, conclui-se que o universo das
Micros e pequenas empresas (MPEs) existentes em Salvador torna

1 Economista. Doutor em Geografia. Professor Titular do Programa de Pós Graduação em


Desenvolvimento Regional e Urbano da Unifacs. E-mail: spinolanoelio@gmail.com
2 Administrador de Empresas. Mestre em Administração. Doutorando em Desenvolvimento
Regional e Urbano no Programa de Pós Graduação em Desenvolvimento Regional e Urbano da
Unifacs. Professor de... E-mail : marcuscastellar@hotmail.com

591
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

irrelevante o propósito de uma análise da localização empresarial nos


termos consagrados pelo mainstream econômico.

As peculiaridades sociais e econômicas existentes reclamam a


construção de uma teoria que substitua o paradigma desenvolvimentista
fundado com base nos instrumentais das teorias macro e microeconômicas
neoclássicas. Não é fácil, sem resvalar-se para o marxismo em suas diferentes
vertentes ou descambar-se para uma das formas do assistencialismo,
encontrar-se uma abordagem do problema que produza resultados
eficazes.

Palavras-chaves: Localização Empresarial. Planejamento e Projetos.


Economia Espacial. Desenvolvimento Urbano. Salvador.

ABSTRACT
Among the aspects present during the business planning
process and subsequent decision making for the installation of
companies, the location is, in many cases, essential for the future
competitiveness and survival of the enterprise. However, this
aspect is not worthy of further attention being assumed as a
"fait accompli". This is what is apparent from examination of the
scripts provided by funding agencies such as the Brazilian Service
of Support for Micro and Small Enterprises (SEBRAE) and the
National banks of Economic and Social Development (BNDES) and
the Northeast of Brazil (BNB). This work aims to further examine
the issue and propose adjustments to the theory of locational
peculiarities of emerging regions, in particular in the Metropolitan
Region of Salvador, as this was built entirely in the so-called first
world countries. With this objective we sought to first contextualize
the economic and dialectic the micro and small business socio-up,
and then examine the locational theories in vogue and operational
peculiarities of micro and small businesses installed in Salvador of
Bahia. Considering the nuanced of the city reality by a dominant
multidimensional poverty, it is concluded that the universe of
existing MSMEs in Salvador makes irrelevant the purpose of an

592
FRAGMENTOS

analysis of business location in terms established by the economic


mainstream.

Existing social and economic peculiarities demand the construction


of a theory that replaces the developmental paradigm founded on
the instrumental theories of macro and microeconomic neoclassical.
It is not easy without slipping to Marxism in its various aspects or
veer to one of the forms of philanthropy, find an approach to the
problem that produces effective results.

Keywords: Corporate Location. Planning and Projects. Spatial


Economics. Urban Development. Salvador.

JEL: M21; O17

593
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

594
FRAGMENTOS

INTRODUÇÃO

O planejamento empresarial busca identificar oportunidades


potenciais em um determinado mercado, através de um encadeamento
lógico traduzido em um esquema analítico que elabore um projeto de
forma mais eficiente possível, para alcançar um objetivo estabelecido.

Entre os esforços de promoção do desenvolvimento econômico


da América Latina destaca-se a iniciativa da Organização das Nações
Unidas ONU que criou em 25 de fevereiro de 1948 a Comissão
Econômica para América Latina e o Caribe (CEPAL). Em junho de
1951 no quarto período de sessões da CEPAL, realizada na cidade
do México, foi aprovada a Resolução 4 pela qual se considerava “ a
necessidade comum de todos os Países Latino-americanos de realizar
investigações fundamentais e de preparar economistas no campo do
desenvolvimento econômico” e recomendava a criação de um Centro
de Estudos da CEPAL para o Desenvolvimento Econômico da América
Latina, em colaboração com a Administração de Assistência Técnica
das Nações Unidas (AAT). Este Programa foi instalado em 1952 na
cidade de Santiago do Chile. A sua execução colocou em evidência
“um problema que já era de per si agudo e conhecido: a quase
completa carência neste terreno de uma bibliografia em castelhano
que pudesse servir não só a mais perfeita realização dos cursos do
Programa como sobretudo lograr a meta muito mais ambiciosa e
importante de difundir na América Latina o conhecimento do alcance
e da natureza dos problemas do desenvolvimento e os métodos e as
técnicas de que se dispunha para solucioná-los”. (NACIONES UNIDAS
(ONU) 1958)

O Manual de Proyectos de Desarrollo Económico elaborado


pelo engenheiro Julio Melnick foi publicado em 1958 pelas Nações
Unidas no México e em 1972 no Brasil pelas Nações Unidas-ILPES/
Fórum, 1ª. Ed. é um livro seminal para elaboração de projetos
nos países emergentes,3 que, segundo Araújo e Modenesi (1978),
converteu-se em uma verdadeira “bíblia” nessa matéria, fixando, de

3 Preferimos este termo ao clássico subdesenvolvido que não retrata com propriedade a
situação de diversos países da atualidade.

595
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

forma definitiva, a estrutura básica e a denominação do documento,


isto é, projeto, tornando-se o manual de elaboração e avaliação de
projetos em que se formaram gerações e gerações de quadros técnicos,
chamados indistintamente de “projetistas”. Vale destacar também
outro trabalho pioneiro do Instituto Latinoamericano y del Caribe de
Planificación Económica y Social (ILPES), criado pela CEPAL em 1962.
Trata-se do Guia para a Apresentação de Projetos publicado em 1973
pela Universidade do Chile e depois traduzido para o português e
publicado em 1975 pela Difel/Forum. (ILPES,1975). Outra publicação
com grande influência atualmente na área de projetos é o guia
Project Management Body of Knowledge (PMBOK) (2013), publicado
pelo Project Management Institute (PMI), com foco na formulação
de padrões para gestão de projetos. Cabe mencionar aqui também,
o primeiro manual editado no Brasil, fruto dos cursos de formação
de Técnicos em Desenvolvimento Econômico ministrados em todo
Pais, pela CEPAL/ILPES/BNDE/SUDENE na década de 1960. Trata-se de
Elaboração e Avaliação de Projetos elaborado pelo economista Nilson
Holanda, editado pela APEC.(HOLANDA,1968). Nas palavras do autor,
”o trabalho apresenta um resumo analítico e didático da metodologia
e dos principais problemas de elaboração e avaliação de projetos, de
acordo com o esquema do Manual de Projetos de Desenvolvimento
Econômico das Nações Unidas (CEPAL)...”.

A atividade de elaboração e análise de projetos no Brasil esteve


quase sempre associada ao Estado, que, através de suas instituições,
oferecia recursos, eventualmente subsidiados, objetivando a elevação
do nível de renda e o desenvolvimento regional ou a instituições
financeiras, que repassavam os recursos oriundos do próprio
governo ou em menor escala da iniciativa privada. Em todos os casos
se exigia um mérito macroeconômico consoante às estratégias de
desenvolvimento do País e um mérito microeconômico com vistas à
obtenção de uma taxa interna de retorno que deveria ser superior à
taxa de atratividade do mercado. Araújo e Modenesi (1978) comentam
que os grandes empreendimentos seriam a instância privilegiada
em que os projetos transformavam-se em instrumentos de política
econômica, além de possuírem forte efeito de encadeamento para
atrair outras empresas.

596
FRAGMENTOS

Como tudo no Brasil, nos anos 1960/1970, a elaboração de


projetos virou moda, notadamente entre os profissionais de economia
e engenharia. Os mecanismos de incentivos fiscais do Sistema SUDENE/
Banco do Nordeste do Brasil e da SUDAM/Banco da Amazônia e a
criação em todos os estados de Bancos de Desenvolvimento acoplados
a uma política generosa de atração de investimentos deu origem a
um mercado bastante favorável para os projetistas.

Contudo, o excesso de projetos e a corrupção que contaminaram


todo o sistema de incentivos fiscais e financeiros acabaram a moda e
liquidaram a “arte de projetar”. Para isto também muito contribuiu
a extinção dos órgãos de fomento regional e a centralização do
planejamento no âmbito do governo federal. Ainda na década de
19604 começou a surgir a preocupação com os micro e pequenos
negócios. Na época denominadas de Pequenas e Médias Empresas
(PME), pois ainda não se falava das microempresas. Em 1964, já
sob a ditadura militar, o então Banco Nacional de Desenvolvimento
Econômico (BNDE)5, criou o Programa de Financiamento à Pequena
e Média Empresa (Fipeme) e o Fundo de Desenvolvimento Técnico-
Científico (Funtec), atual Financiadora de Estudos e Projetos (Finep).6

Em 1967, a Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste


(SUDENE) instituiu, nos estados da região, os Núcleos de Assistência
Industrial (NAI) com o objetivo de prestar consultoria gerencial às
empresas de pequeno porte. Os NAI foram embriões do trabalho
que futuramente seria realizado pelo Serviço Brasileiro de Apoio às
Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE). Em 17 de julho de 1972, por
iniciativa do BNDE e do Ministério do Planejamento, foi criado o
Centro Brasileiro de Assistência Gerencial à Pequena Empresa (Cebrae.
Em 9 de outubro de 1990, o Cebrae foi transformado em Sebrae
pelo decreto nº 99.570, que complementou a Lei nº 8029, de 12 de
abril de 1990 . A entidade desvinculou-se da administração pública
4 No bojo das políticas populistas dos governos de Jânio Quadros e João Goulart
5 Atual Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), uma redundância
demagógica do Governo Sarney.
6 O Fipeme e o Funtec formavam um sistema de apoio gerencial às pequenas e médias
empresas. Em uma pesquisa, foi identificado que a má gestão dos negócios estava diretamente
relacionada com os altos índices de inadimplência nos contratos de financiamento celebrados
com o banco.

597
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

e transformou-se em uma instituição privada, sem fins lucrativos e


de utilidade pública, mantida por repasses das maiores federações
empresariais do Pais.(SPINOLA,2009).

É de se observar que, com o passar do tempo, reduziu-


se a influência da CEPAL. A partir de 1990 a onda neoliberal que
invadiu o País, liquidou o planejamento econômico governamental.
A importância da análise macroeconômica deixou de ser primordial
e passou para a análise microeconômica a tarefa de solucionar os
trade-offs do projeto. A atividade de projetamento7 deu lugar aos
formulários informatizados e planilhas, assumindo-se assim uma
postura estribada no paradigma funcionalista que norteia a escola
neoclássica que é o bastião teórico do pensamento e das políticas
neoliberais.

Isto posto, cabem formular duas questões: qual o grau


de eficácia da metodologia neoclássica na instrução dos projetos
econômicos financeiros8? Até que ponto existe aderência entre
as políticas dos órgãos de fomento e a realidade vivenciada pelos
empresários?

Observe-se que, com o advento da Informática foram adotados


procedimentos de automação que transformaram boa parte dos
projetos em simples formulários e planilhas.9 Aspectos relacionados
com a decisão da localização das empresas,10 por exemplo, exponhem
um problema concreto, que é a “fragilidade” dos critérios adotados
para a sua determinação. Cabe assim, neste estudo, promover o
exame do assunto sob o ponto de vista das teorias de localização
conhecidas, que possam contribuir para tomada de decisão da

7 Ver a respeito Rangel (1959).


8 Os projetos econômico-financeiros passaram a se denominar de “planos de negócios” com
o advento dos administradores de empresa numa prática que já foi privativa de economistas e
engenheiros.
9 Esta mudança foi menos ruim do que a adotada por Jânio Quadros que na sua presidência
aboliu os projetos e mandou os gerentes do Banco do Brasil para a entrada das agências e
examinar as mãos dos micro e pequenos empresários candidatos a empréstimos. Aqueles que
tivessem mãos calosas e rudes teriam prioridade na concessão do crédito. Esta foi uma versão
que circulou amplamente à época e que ficou para a coleção das “maluquices” de JQ.
10 Diversos outros aspectos merecem reparos no que tange à metodologia atualmente
adotada, como é o caso dos estudos do mercado.

598
FRAGMENTOS

localização de micros e pequenas empresas, considerando-se as


particularidades de uma cidade como Salvador.

O texto, além desta introdução e de uma conclusão


subdivide-se em três partes. Na primeira, sinteticamente, discute-se o
entendimento do que seja uma micro, pequena ou média empresa;
na segunda parte trata-se da morfologia e espacialização das micro
e pequenas empresas brasileiras e na terceira trata-se das teorias de
localização e as micro e pequenas empresas buscando-se estabelecer
uma analogia entre estas teorias e as particularidades da cidade de
Salvador.

ONTOLOGIA E TAXONOMIA DAS MICRO, PEQUENAS E


MÉDIAS EMPRESAS

No plano da essência do que seja, na sua classificação e


categorização, as micro, pequenas e médias empresas recebem
um tratamento acientífico. Isto se entende porque, no bojo de um
paradigma funcionalista que privilegia o tratamento quantitativo
não é dado espaço em sua análise às abordagens sociológicas,
psicológicas ou antropológicas.11 O pano de fundo econômico-
cultural destas empresas varia segundo o grau de desenvolvimento e
a cultura das regiões que as abrigam. Uma micro e pequena empresa
britânica ou norte-americana difere bastante de uma indiana ou
brasileira12. Em sendo assim a figura do micro e pequeno empresário
não corresponde necessariamente ao perfil definido para ele pelas
agencias de fomento que, via de regra, copiam modelos estabelecidos
por suas congêneres do primeiro mundo. No Brasil identificam-
se diferentes perfis. Na região Sul e Sudeste é comum a figura do
empreendedor do modelo sebraliano. Estas regiões refletem os efeitos
dos movimentos migratórios de europeus (alemães, italianos e outros)

11 a propósito ver E. F. Schumacher, O negócio é ser pequeno (Small is Beautiful) um estudo de


Economia que leva em conta as pessoas. Zahar, 1973.
12 Tanto na Índia quanto no Brasil, países subcontinentais, existem diferenciais regionais
notáveis.

599
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

e asiáticos (notadamente japoneses). A população assim mesclada


beneficia-se do background técnico trazido pelos imigrantes e do
seu padrão cultural. No caso de São Paulo adicione-se os efeitos das
externalidades e da economia de aglomeração gerados pelo maior
parque empresarial do País. Nas demais regiões que não sofreram o
benefício da imigração o quadro é diferente. Esta diferença ocorre
em bloco no background técnico, mas é heterogênea no plano
cultural. No Nordeste, por exemplo, a Bahia é bastante diferente do
Ceará. Enquanto os baianos não são empreendedores, os cearenses
são empreendedores natos. Estima-se que este diferencial geográfico
decorra da formação social dos respectivos territórios. A Bahia é o
estado que mais sofreu os reflexos da escravidão. Outras diferenças
existem, mas não é objeto deste trabalho. Saliente-se, porém que
subordinados ao paradigma funcionalista e consequentemente
neoclássico os órgãos de fomento não abriram espaço para uma visão
antropológica da cultura regional. Não se deixaram arejar pela janela
que Marshall abriu no bloco teórico do neoclassicismo. Ademais,
talvez não possam posto que em um país continental e multicultural
padece-se de uma miopia – para não dizer arrogância neocolonial –
que estabelece o que chamamos de “política do colete”13

Há praticamente meio século foi publicado um livro seminal


para quem trabalha com as MPE’s intitulado Modern Small Industry
for Developing Countries.14 Os seus autores, Eugene Staley e Richard
Morse sintetizam um conjunto de pesquisas realizadas na década
de 1950 em países subdesenvolvidos pelo Instituto de Pesquisas
da Universidade Stanford. Eles oferecem uma classificação para os
empreendimentos industriais expresso no Quadro 1 , que continua
atual a despeito do tempo passado.

Staley e Morse (1971, p.16) anotavam que dentro do


vasto campo da pequena indústria, eram necessárias numerosas
subclassificações. Uma distinção importante é a que se refere às
pequenas empresas tradicionais e as modernas. Uma tese que

13 As diretrizes das políticas de fomento são traçadas nas regiões Sudeste e Sul as mais
desenvolvidas do País. O figurino é definido pela realidade dos estados que a compõem. Aos
demais cabe ajustar-se a este modelo não importando a sua adequação à realidade local.
14 Em 1971 foi publicada a 1ª.edição em português pela Atlas.

600
FRAGMENTOS

ganhou espaço em todo mundo, no bojo da economia de mercado


é a que defende a transformação dessas empresas tradicionais em
modernas mediante a incorporação por essas de novas tecnologias e
práticas gerenciais que lhes confira elevado grau de competitividade
no mercado.

Quadro 1 - Manufaturas classificadas por sistemas de organização do trabalho.

Fonte: Staley e Morse, 1971, p.18.

Deve ser observado que essa transformação não é tão fácil


quanto se possa supor. A maior barreira, certamente, é a de natureza
cultural. Muitas dessas organizações estão profundamente entranhadas
no meio em que vivem e ali se acomodam estabelecendo uma espécie
de equilíbrio que reage aos estímulos externos. Ali passado e presente
convivem ajustados às regras do grupo social. É o que Ernest Bloch
denominou na década de 1950 de “contemporaneidade do não
coetâneo” ((Gleichzeitigkeit der Ungleichzeitigkeit) (PAIVA 200) Neste
meio que Santos (1979) denomina de “circuito inferior” a tecnologia
disruptiva nada destrói, é assimilada e customizada num processo
canônico.

Assim o uso de tecnologia moderna que é apropriada para um


país em industrialização recente pode ser muito diferente das últimas
inovações criadas para utilização nos países altamente industrializados.
Nos países emergentes, o capital é mais escasso e a mão-de-obra é
mais abundante porém menos qualificada. Os mercados são menores
e operam quase sempre no regime de concorrência monopolista; as
preferências do consumidor, a despeito do marketing intensivo da mídia,

601
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

nem sempre combinam. Os traços culturais afetam a aceitabilidade de


certos procedimentos de organização e administração. As resistências à
mudança podem se constituir óbices intransponíveis nestas sociedades.

No Quadro 1 pode-se dizer que os sistemas de uso familiar e


artesanal não são considerados fabris. Até certo ponto são originários
da economia em estágios primitivos. Mas sobrevivem até os dias
atuais. A manufatura para uso próprio é praticada como forma de
sobrevivência ou de hobby15 mas pode evoluir para outros estágios.
O artesanato, por seu turno, segundo Servetto (1998) constitui de
trabalho predominantemente manual que utiliza recursos naturais
locais, e conhecimentos transmitidos pelas gerações passadas; a sua
obra possui um caráter utilitário e funcional, traduzindo uma bagagem
cultural plasmada na criação individual e constituindo uma expressão
da cultura e fator de identidade de um povo. Assim sendo o artesão é
mais um artista do que empresário e como tal deve ser tratado.

Então, o que são as micros e pequenas empresas?

São múltiplas as interpretações e definições que variam


segundo os objetivos e interesses daqueles que as estudam. Porém
todos os envolvidos com a análise destas unidades econômicas
enfrentam problemas e controvérsias no exame deste segmento
empresarial. De modo geral existem aquelas inspiradas em análises
sociológicas e antropológicas que inspiram uma metodologia de
classificação qualitativa. De acordo com Dutra e Guagliardi (1984)
existem parâmetros qualitativos para caracterizar pequenas empresas,
que não se utilizam de valores numéricos. Esses parâmetros explicam
o comportamento econômico e apresentam uma imagem mais fiel
das empresas, pois estão relacionadas à sua cultura organizacional:
estrutura interna e estilos de gestão. Assim, é possível ter uma visão
mais clara da empresa e das suas peculiaridades contextuais. Sendo
assim considera-se pequena empresa aquela que se enquadra em
um dos dois sistemas fabris propostos por Staley e Morse: o Sistema
Fabril a Fação ou Disperso (Trabalho caseiro a fação e Pequenos
estabelecimentos semindependentes) e o Sistema Fabril (Pequena

15 A mulher que produzia as roupas da família. Em muitos casos transforma-se posteriormente


em empresária passando para o sistema fabril a fação muito explorado no mundo da moda.

602
FRAGMENTOS

Fábrica) Isto porque usam trabalho próprio ou de familiares; não


possuem administração especializada fora da empresa (administração
profissional) não pertencem a grupos financeiros e econômicos;
não tem produção em escala; apresentam condições particulares de
atividades reveladoras da exiguidade do negócio; tem organização
rudimentar; apresenta equipamentos produtivos menos complexos,
com baixa relação investimento/mão-de-obra; em relação à tecnologia
e a inovação são canônicos;16

Os critérios quantitativos se baseiam em fatores econômicos,


como: ativo imobilizado, número de empregados, faturamento ou
volume de vendas, valor adicionado, capital social, valor do patrimônio
líquido ou passivo, entre outros, e ajudam a definir o porte dos
empreendimentos. São fáceis de coletar, por serem de uso corrente em
todos os setores, e permitem medidas de tendência no tempo e análises
comparativas, porém por serem heterogêneos e, mais das vezes, sujeitos
à flutuação da moeda e às mudanças nos critérios contábeis, devem
ser medidos constantemente utilizando-se parâmetros de indexação
da economia, como o salário mínimo (LEONE, 1991).

Existem outras classificações de natureza fiscalista, adotadas


normalmente pelos governos e aquelas inspiradas numa visão
macroeconômica e desenvolvimentista adotadas pelos organismos de
fomento.

As classificações mais utilizadas no Brasil são as adotadas pelo


BNDES e o SEBRAE como mostram os quadros 3 e 4.

A classificação pelo BNDES foi definida nas circulares nº 11/2010


e 34/2011. Os valores consignados no Quadro 3 são os vigentes em
junho de 2014.

16 Funcionam com base nas normas criadas por uma comunidade. Vector-chave dos processos
de aprendizagem. Nos distritos industriais canônicos a inovação procede da mobilização ter-
ritorial dos agentes que interagem sistematicamente, e o seu desenvolvimento não se baseia
na procura de saltos tecnológicos, isto é na adoção de tecnologias radicalmente diferentes
dos conhecimentos técnico-profissionais acumulados ao nível local, antes radica e entronca no
saber e no saber-fazer (know how / know why) tácito que caracteriza a região (DE BERNARDY
1999: 344-345). A análise da inovação nesses empreendimentos industriais está tradiciona-
lmente, portanto, longe do formato neo-schumpeteriano que associa a dinâmica capitalista
ao impacto de um conjunto de inovações radicais e revoluções tecnológicas .(SANTOS,2000).

603
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

Segundo explica o BNDES, Entende-se por receita operacional


bruta anual a receita auferida no ano-calendário com:

• o produto da venda de bens e serviços nas operações de


conta própria;

• o preço dos serviços prestados; e

• o resultado nas operações em conta alheia, não incluídas as


vendas canceladas e os descontos incondicionais concedidos.

Quadro 2 - Parâmetros classificatórios das MPE.

Fonte: adaptado de Fróes, (2008,fls.23 apud DUTRA E GUAGLIARDI 1984).

Nos casos de empresas em implantação, será considerada a


projeção anual de vendas utilizada no empreendimento, levando-
se em conta a capacidade total instalada. Quando a empresa for
controlada por outra empresa ou pertencer a um grupo econômico,
a classificação do porte se dará considerando-se a receita operacional
bruta consolidada. Entes da administração pública direta não são

604
FRAGMENTOS

classificados por porte. Para fins de condições financeiras serão


equiparados às grandes empresas. As pessoas físicas não empresárias
são equiparadas, quanto ao porte, conforme sua renda anual, às
categorias da classificação de porte de empresas.

Quadro 3 - Classificação de porte de empresa adotada pelo BNDES e aplicável a todos


os setores.

Fonte: BNDES

O SEBRAE adota duas classificações. A primeira considera o


número de empregados, sendo utilizada pela sua área de pesquisa
(Quadro 3.1). A segunda leva em conta o faturamento bruto de
acordo com o Estatuto das Microempresas e Empresas de Pequeno
Porte – MPE´s (Quadro 3.2).

605
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

Quadro 3.1 - SEBRAE: Classificação das MPEs segundo o número de empregados.

Fonte: Sebrae (classificação utilizada pela área de Pesquisa do Sebrae).

Quadro 3.2 - SEBRAE: Classificação das MPEs segundo o faturamento bruto anual

Fonte: Lei 10.406/02 e Lei Complementar 128/08 Lei Federal n°. 9317/96, alterada
pela Lei 9732/98.

606
FRAGMENTOS

MORFOLOGIA E ESPACIALIZAÇÃO DAS MICRO E PEQUENAS


EMPRESAS BRASILEIRAS

Segundo o Censo das empresas e entidades públicas e privadas


brasileiras do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT)
o Brasil possuía em 2012, 12.904.523 empresas, incluindo suas
matrizes e filiais. Destas, 90%, que representam 11.663.454 empresas
eram empreendimentos privados. Outros 9%, ou, 1.144.081, eram
entidades privadas sem fins lucrativos, e 1%, 96.988 entidades públicas
governamentais.

Por seu turno as estatísticas do MTE, Rais, Pnad e DIEESE,


publicadas no Anuário do Trabalho na Micro e Pequena Empresa 2013,
informavam que em 2012, havia cerca de 6,3 milhões de estabelecimentos
na categoria de micro e pequenas empresas no País. Entre 2002 e 2012,
o crescimento médio do número de PMEs foi de 2,7% a.a. passando
de 4,8 milhões para um o total de 6,3 milhões de estabelecimentos
em atividade registrados no último ano da série. Portanto, em todo
o período, houve criação de aproximadamente 1,5 milhão de novos
estabelecimentos, uma expansão de 30,9% no total de PMEs.

Tabela 1 - Brasil - distribuição em 2012 dos estabelecimentos por porte.

Fonte: IPT.
(*) Microempreendedor Individual - MEI ( Lei Complementar nº 128/2008) possibilita o
acesso à formalidade àqueles trabalhadores informais que agora poderão participar dos
programas de crédito do Governo, empréstimos bancários e benefícios previdenciários.

607
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

Os números ora apresentados demonstram a importância


estratégica das empresas de pequeno e micro portes que totalizam
84,53% do universo empresarial brasileiro a considerar-se as
estatísticas aqui aportadas.

As MPEs se distribuem pelas categorias econômicas nas


seguintes proporções: comércio 3.155.317 (49%); serviços 2.222.834
(35%); indústria 696.632 (11%); construção civil 330.339 (5%).17
Das Microempresas 3.859.286 ou sejam 61% das MPEs não possuíam
empregados. O grau de instrução é baixo, na média das regiões
metropolitanas do País, os analfabetos correspondiam a 2% porém se
somados com os que declararam possuir o fundamental incompleto
26% se elevam para 28% do total das MPEs. Considerando a qualidade
deficiente do nosso sistema educacional, pode-se ainda adicionar a
este grupo aqueles que se encontram nas classes do fundamental
completo ou médio incompleto 19,8% totalizando 37,8% nos níveis
de baixa escolaridade. Os que possuem o curso médio completo ou
superior incompleto totalizavam 40,2% e o curso superior completo
11,5% do universo pesquisado em 2012 pelo SEBRAE/DIEESE.

Por raça ou cor, registra-se em termos médios para as regiões


metropolitanas do país um determinado equilíbrio ocupando as
MPEs 48% de negros (pretos e mulatos) contra 52% de brancos. Uma
exceção destacável é a Região Metropolitana de Salvador onde, nas
MPEs, os negros correspondem a 89,7%.18

Em termos regionais buscou-se examinar e confrontar os dados


apresentados com aqueles referentes ao Estado da Bahia, lócus deste
estudo. Em 2012, segundo informam o SEBRAE/DIEESE operavam
na Bahia 272.140 micros e 16.527 pequenas empresas totalizando
os dois segmentos 288.667 empresas que representavam 30% das
MPEs do Nordeste e 5% do País. Observe-se que a Bahia ocupava
em 2012 a 7ª. posição no ranking nacional. As MPEs baianas eram
predominantemente lideradas pelo comércio, que registrava 171.130

17 Segundo a Tabela 2, p.50 do Anuário do Trabalho na Micro e Pequena Empresa 2013 –


Sebrae e Dieese. Dados para 2012 do MTE e RAIS.
18 DIEESE/SEADE, MTE/FAT e convênios regionais. PED - Pesquisa de Emprego e Desemprego
Anuários do Trabalho na Micro e Pequena Empresa 2013.

608
FRAGMENTOS

MPEs ou 59% do total estadual. Seguem-lhe pela ordem: os serviços


(28%); a indústria (8%); e a construção civil (5%). A maioria das
MPEs (76,2%) estão localizadas no interior, contra 23,8% na capital.
O Estado ocupava 1.757.761 pessoas sendo 11,6% na qualidade de
empregadores e o restante (88,4%) trabalhando por conta própria19.

Se a falta de registro no Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica


CNPJ (o que implica por extensão na ausência de registro na Junta
Comercial) corresponde a informalidade, eram informais 84,3%
das MPEs baianas classificadas nas categorias conta própria e
empregador.20

Por fim, quanto ao rendimento médio real mensal dos ocupados


por porte da empresa nas Regiões Metropolitanas Brasileiras em 2012
as MPEs registravam uma variação de um máximo de R$ 1.700,00 no
Distrito Federal a um mínimo de R$ 950,00 em Salvador.

AS TEORIAS DE LOCALIZAÇÃO E AS MICRO E PEQUENAS


EMPRESAS

Antes de qualquer consideração ao abordar-se este tema é


necessário indagar: localização de que tipo de MPE ?

Como demonstra Santos (1979 p.15) a economia urbana dos


países subdesenvolvidos não funciona como um aparelho maciço
ou, dito de outro modo, como um bloco. Ao contrário, no interior
do sistema urbano, em si mesmo dependente de outros sistemas de
nível superior no Pais ou no exterior, pode-se reconhecer a existência
de dois subsistemas, dois circuitos econômicos a quem denominou

19 Ver SEBRAE (2013, T.10, P.69)


20 Segundo a Tabela 28, p.117 do Anuário do Trabalho na Micro e Pequena Empresa 2013 –
Sebrae e Dieese. Dados para 2012 do MTE e RAIS. CONTA PRÓPRIA - De acordo com o IBGE,
o conceito de conta própria se refere à pessoa que trabalhava explorando o seu próprio
empreendimento, sozinha ou com sócio, sem ter empregado, ainda que contando com ajuda
de trabalhador não remunerado. EMPREGADOR - Conforme o IBGE, o conceito de empregador
se refere à pessoa que trabalhava explorando o seu próprio empreendimento, com pelo menos
um empregado.

609
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

de superior e inferior. Santos considerou inadequadas e ambíguas as


classificações do gênero modernas x tradicionais.

No caso, especificamente, poderemos definir as MPEs como


vinculadas ao circuito inferior (canônicas) e ao circuito superior
(dinâmicas). As canônicas são aquelas conservadoras, do Père
foundateur (Poupart e Hobbes,2011)21; refratárias às inovações
e a tecnologia. As dinâmicas são as que convencionalmente são
denominadas de modernas. São abertas à inovação e a tecnologia.

As canônicas dados os seus condicionantes culturais e a


operarem num regime de concorrência monopolística com elevado
grau de entropia, localizam-se onde reside o empresário e onde
estão ancoradas são encontradas pelos seus consumidores. O seu
marketplace é de alcance limitado e seus participantes ao nível da
oferta conformam um sistema fechado. Isto ocorre muito com o
sistema fabril a fação ou disperso22.

As dinâmicas são atraídas pelas grandes empresas num


efeito rêmora23. Integram-se aos processos de complementaridade
e terceirização (outsourcing) .A sua lógica locacional corresponde
à lógica das grandes empresas cujos processos produtivos

21 Poupart e Hobbes (2011) em seu estudo sobre as formas assumidas pelas organizações
denominam esta cultura como sendo “do pai-fundador”. Este tipo de cultura organizacional
é muitas vezes associado às Pequenas e Médias Empresas, mas é encontrado também nas
unidades ou departamentos de muitas grandes organizações onde todos acreditam que "o
pequeno é bonito". Aqui é o patrão, a figura central e dominante, quem define os critérios
de sucesso que podem, de resto, variar em função dos seus humores e inspirações; como
ele aqui criou a sua própria organização, parece que ele não pode suportar os conselhos e
recomendações impostos pelas consultorias e familiares (sucessores). Assim, as analogias
frequentemente utilizadas neste tipo de cultura organizacional fazem referência à "família" ou
a "tribo" reunida em torno de um "pai" ou de um "chefe" de quem emana a benevolência ou o
autoritarismo de acordo com o clima ou os acontecimentos do momento. Tudo gira em torno
da figura central do "boss". Consequentemente a divisão do trabalho é sobretudo vertical e
ela reforça claramente a distinção superior-subordinado que foi estabeleci da pelo patrão. É
claramente o estilo “manda quem pode, obedece quem tem juízo.”
22 Exemplos em Salvador, da Bahia, são as costureiras da Boca do Rio; os moveleiros do
Uruguai; as costureiras da Liberdade; os recondicionadores da Suburbana (SPINOLA,1998)
23 Segundo a Fishbase (1999) são pequenos peixes da família Echeneidae, que possuem
a barbatana dorsal transformada numa ventosa, com a qual se fixam aos tubarões, beneficiando-
se da caça de seu hospedeiro e podendo viajar grandes distâncias mantidos às suas custas.

610
FRAGMENTOS

complementam.24Segundo Méndez (2001, p.172) a escolha de uma


nova localização é um problema que diz respeito, quase unicamente,
à grande empresa: a pequena empresa de unidade fabril única não se
desloca nunca, exceto quando isso lhe é imposto.

O exame da questão locacional das MPEs assume maior ou


menor complexidade a depender da inserção dessas no circuito
superior ou no circuito inferior da cidade.25 Ademais o problema
varia segundo a atividade desenvolvida. O processo de localização
de uma indústria difere da do comércio e ambas da dos serviços.
(POLÈSE,2009)

Segundo o SEBRAE (2013), predominam entre as MPEs


localizadas na RMS aquelas dedicadas ao comércio (59%) e aos serviços
(28%), cabendo à indústria 8% e à construção 5%26. Entre as MPEs
do comércio, os segmentos com maior número de empresas foram:
minimercados e mercearias (14,8%); o varejo do vestuário (10,8%) e
o varejo de materiais de construção (8,3%). No setor de serviços, as
divisões com maior número de MPEs foram: os serviços prestados às
empresas (33%); alojamento e alimentação (24,2%), com destaque
para os restaurantes e lanchonetes e o transporte terrestre (9,4%).

As MPEs comerciais são predominantemente ligadas ao


circuito inferior Estão se concentrando cada vez mais nos bairros
populares onde ainda conseguem sobreviver a concorrência
demolidora dos Shoppings Centers e Supermercados que estão
gradativamente eliminando o comércio de rua da cidade.27 Outro

24 Apesar das suas vantagens, este processo também pode apresentar alguns riscos, por
exemplo, algumas vezes os custos do outsourcing podem ser maiores do que os previstos. Outra
desvantagem consiste em que a terceirização pressupõe um certo nível de dependência de
pessoas que não conhecem o negócio e por esse motivo podem não apresentar um compromisso
e motivação. Por esse motivo, muitas vezes a empresa que recorre ao outsourcing vê o seu
negócio prejudicado. Além disso, o outsourcing pode resultar em corrupção, e pode ser usado
como uma forma de desviar fundos de algumas organizações. Outra crítica consiste em que a
terceirização pode contribuir para a exploração e desumanização do trabalhador.
25 A respeito ver Santos (1979).
26 Segundo o SEBRAE/RAIS/DIEESE, dados de 2012 para o Estado. Não conseguiu-se o
desdobramento para o nível municipal, assumindo-se a mesma tendência.
27 No exterior a comunidade se defende. Um exemplo é Barcelona na Espanha. Em 2000
quando o F.C.Barcelona tentou transformar seu centro de treinamento contíguo ao Camp Nou

611
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

concorrente poderoso é o e-commerce que vem gradativamente


substituindo o varejo em todos os níveis. Para isto também contribui
o traçado urbano que privilegia o automóvel e, com suas grandes
avenidas e corredores de tráfego, amplia a segregação na cidade,
isolando os bairros periféricos e canalizando o fluxo de pedestres
para os grandes shoppings.28 Os serviços de micro e pequeno porte
que ocupam a segunda posição entre as MPEs baianas correspondem
em grande parte àqueles pertencentes ao Circuito Inferior da cidade
– cuja lógica locacional não obedece aos critérios aqui apresentados.
São serviços tradicionais orientados para o mercado e pelas
circunstâncias sociais e históricas dos seus empresários. O estado
e a cidade do Salvador, não deslancharam as áreas tecnológicas
indutoras do desenvolvimento. O Parque Tecnológico baiano é ainda
um projeto em implantação. Assim sendo nesse campo relacionado
com a Tecnologia da Informação e similares o que existe são factoides.
Quanto a indústria é preciso observar que Salvador é uma cidade não-
industrial. A indústria localiza-se na sua periferia. E, mesmo assim
transformou-se num enclave pouco gerando em termos polarizadores
tanto para a Capital quanto para a região metropolitana.

Fazer então o que com a localização dessas MPES?

Em Salvador, sendo um universo composto majoritariamente


pelas microempresas e os MEIs a questão se desloca do campo da
economia para o da sociologia do trabalho visto que através dessa
estrutura formal/informal construída sobrevive uma considerável
parcela da população. Neste sentido o Estado parece já ter percebido
a importância estratégica de assegurar a manutenção dos empregos
nas faixas de renda mais baixa ao criar o sistema do MEI.

num Shopping enfrentou violenta e passional oposição dos “vecinos” que cobriram as janelas
de suas habitações com panos pretos em sinal de luto. Fizeram passeatas etc. e conseguiram
derrubar o projeto.
28 Ademais o clima – calor e chuva – e a violência urbana estimulam as compras em recintos
fechados, guardados e climatizados.

612
FRAGMENTOS

CONSIDERAÇÕES FINAIS

1. A REALIDADE
O fato é que a questão locacional em cidades pobres como
Salvador resolve-se pela lei da sobrevivência com bem demonstrou
Santos (1959) em seu clássico Espaço Dividido. Assim sendo as
teorias locacionais no processo de planejamento empresarial e
subsequente tomada de decisão para a instalação de empresas serão
determinantes da futura competitividade e da sobrevivência do
empreendimento nos casos dos gêneros classificados como dinâmicos.
Ou seja a denominada pequena (ou média) empresa moderna
que, entre nós não comparece em números significativos. Esta é a
realidade empiricamente constatada a qual não é considerada pelo
establishment tecnocrático. E assim as idealizações se corporificam
no escopo dos manuais de operação dos órgãos de fomento. Ajuste-
se a eles ou fique a margem. Nas universidades se ensina o que se
gostaria que fosse – e provavelmente nunca será – ou traduz-se e
repete-se os preceitos dos países do primeiro mundo. Como disse
Hirschman (1980) insiste-se na monoeconomia anglo-saxônica.

A realidade, mesmo que apreendida e interpretada, não é


assimilada ou posta em prática, pois é contrária ao sistema dominante
que se tem de impor.

2. A PRAXIS

A atenção e o tratamento das MPEs brasileiras já é tradicional,


nela assumindo grande protagonismo, em termos nacionais, o
SEBRAE e o BNDES, secundados por inúmeros outros órgãos públicos
e privados.

Objetiva-se a promoção do desenvolvimento econômico


capitalista num contexto de pobreza criado pelas regras do capitalismo
como a sua promoção fosse semelhante ao da confecção de um
omelete sem quebrar os ovos . As palavras chave desse processo

613
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

são: inovação, empreendedorismo, competitividade, modernização.


Todas associadas ao: neo-schumpeterianismo cuja práxis se aplica às
sociedades maduras e entre nós à fração desenvolvida do Sul/Sudeste.

Sobre a inviabilidade deste processo já se pronunciaram, entre


outros, Furtado (1974), Baran (1960), Arrighi (1997), Daly (1996).29

Um elemento cultural e econômico que não pode ser


desprezado está contido na pobreza que se estende como um
espectro atrofiador em grande parte do território baiano. Por esta
circunstância grande parte das MPEs desta região é informal (84,3%)
está ligada ao consumo de sobrevivência e “boia” num caldo turvo
formado pela economia informal, economia submersa e outros
arranjos marginais em sentido amplo.

Não obstante este quadro o SEBRAE e outros organismos


têm oferecido apoio e trabalha pela capacitação de futuros
empreendedores. E os cursos de Economia e Administração de
Empresas das Instituições de Ensino Superior (IES), perceberam que
os projetos para abertura de empresas realizados nas disciplinas
de plano de negócios eram uma oportunidade de aproximá-las do
mercado possibilitando aos estudantes o exercício de uma importante
prática profissional.

Depreende-se do exposto que, basicamente, os modelos


disponibilizados, tanto pelo SEBRAE quanto os utilizados pelas IES,
seguem estruturas de detalhamento similares, através de um roteiro
disponibilizado, mas distinguem-se quanto à concentração das
análises, que no caso dos modelos de plano de negócio do SEBRAE
está voltado estritamente para verificação da exequibilidade do
empreendimento, enquanto nas IES estão voltados para formação
profissional. Oliveira (2004) concorda, afirmando que, na visão
acadêmica a relevância está embasada na formação profissional
e na visão empresarial, a relevância está na correta utilização das
ferramentas para captar recursos financeiros para alavancar negócios.

Dentre os modelos de roteiros, disponibilizados, podem ser


identificadas as fases de: análise de mercado e de análise estratégica,

29 Ver a propósito Spinola(2013).

614
FRAGMENTOS

sucedidas do plano de marketing, do plano operacional e do plano


financeiro, sempre precedido de um sumário executivo, em que,
ao início do plano de negócio realiza um breve resumo sobre o
empreendimento. Entremeado no plano de negócio, geralmente
como um subitem do item descrição da empresa ou como subitem
do plano de Marketing destacado na praça referente aos 4PS, à
análise sobre a localização da empresa é realizada. Em geral a análise
da localização de empresa de pequeno porte, envolvem fatores
subjetivos que dificultam o uso de modelos tradicionais e teorias de
localização, para tratamento do problema.

Ademais os métodos e procedimentos, contidos nestes


modelos e teorias tradicionais, estão baseados em procedimentos
de análise de cálculo ligados a considerações sobre aspectos
geográficos, econômicos, financeiros, jurídico, administrativo,
ambiental e até mesmo político, determinando uma análise de
multicritérios, embrenhada dentre os diversos tipos de decisão,
presentes no processo de planejamento, com intuito principal, de
perseguir a satisfação dos clientes, os custos logísticos e os resultados
operacionais, o que aumenta a complexidade em relação ao subitem
localização, pois, como já havíamos destacado, para minimizar o
impacto de projeções significativamente díspares, o que não acontece
no subitem de localização, os modelos de plano de negócio seguem,
em sua estrutura de detalhamento, incluindo ferramentas de gestão
e elaboração nas suas etapas.

Além da falta de ferramentas de gestão específicas que


auxiliam na tomada de decisão do projetista descrito, o subitem
relativo à localização, dos planos de negócios, também padece (sendo
percebida em todo o plano) de capilaridade entre os itens e subitens
que compõem a sua estrutura. Baron e Shane (2007) explicam que
para redigir um plano de negócios a tarefa primordial é que as
principais seções sejam percebidas e reunidas entre todos os itens.

Feitas estas considerações e tomando por base a realidade


existente na Bahia, são risíveis os esforços para aplicar ao universo
local os modelos padronizados tanto pelo SEBRAE quanto pelo BNDES
assim como os ensinados na Universidade.

615
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

3. A PROPOSTA

Considerando-se a realidade soteropolitana matizada por uma


pobreza multidimensional30 dominante, conclui-se que o universo
das MPEs existentes em Salvador torna irrelevante o propósito de
uma análise da localização empresarial nos termos consagrados pelo
mainstream econômico.

As peculiaridades sociais e econômicas existentes reclamam a


construção de uma teoria que substitua o paradigma desenvolvimentista
fundado com base nos instrumentais das teorias macro e microeconômicas
neoclássicas.

Não é fácil, sem resvalar-se para o marxismo em suas diferentes


vertentes ou descambar-se para uma das formas do assistencialismo,
encontrar-se uma abordagem do problema que produza resultados
eficazes. LTA COMPLETAR

Entende-se então, que o conhecimento das teorias de localização


e o link com as novas alternativas tecnológicas proporcionadas
pela utilização de softwares denominados Geographic Information
System (GIS) atrelados aos sistemas de posicionamento global, o
Global Positioning System (GPS), possibilita uma fundamentação
teórica/prática, que contribui para tomada de decisão quanto
à localização da empresa. Ressalta-se, também, que dentro das
estruturas disponibilizadas para planos de negócios, a seção que trata
da localização da empresa não disponibiliza critérios ou modelos
de análises específicos que colaborem para tomada de decisão dos
projetistas, sendo este, um campo aberto para os estudiosos do
assunto.

O estudo também abordou as peculiaridades de uma cidade


como Salvador e a necessidade do entendimento da dinâmica do
espaço urbano para a assertividade quanto à localização da empresa.
Explicar a complexidade deste tema, que é formado sob a égide de

30 Compreende a pobreza para além da questão econômica: a pobreza multidimensional leva


em conta as variáveis das privações de direitos sociais. (ONU/PNUD 2010).

616
FRAGMENTOS

uma intensa dinâmica de mutação, não foi a proposta deste estudo.


Por outro lado o estudo procurou evidenciar a necessidade de
combinar o entendimento do essencialmente local ao potencialmente
teórico, de forma a produzir um conhecimento espacial coerente com
a sociedade e a economia da cidade de Salvador.

Nesses termos, através de uma síntese do assunto localização


de empresa na cidade de Salvador, o estudo procurou, a priori,
chamar a atenção para fatores que influenciam na localização,
que não devem ser desconsiderados pelos projetistas que realizam
planos de negócios. Assim, numa análise mais aprofundada outras
considerações deverão ser realizadas para determinar a localização
de uma empresa, pois a localização de uma empresa não pode ser
modificada rapidamente sem que haja custos adicionais significativos.

Como limitação, entende-se que o resultado deste estudo


proporciona uma primeira aproximação com o tema localização, já
que as considerações foram basicamente dirigidas para projetista de
planos de negócios, em geral, marcados por falta de conhecimento
específico de tema. Porém o resultado pode direcionar para outras
análises quanto à tomada de decisão, pois a dinâmica do tema
localização requer verificações e ajustes constantes.

617
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

REFERÊNCIA BIBLIOGRAFICAS

ANDRADE, Adriano B.; BRANDÃO, Paulo R. B. Geografia de Salvador. 2 ed.


Salvador: EDUFBA, 2009.

ARAÚJO, Aloísio B.; MODENESI, Rui L. O sistema nacional de bancos de


desenvolvimento e a avaliação de projetos no Brasil. Segunda Mesa-
Redonda de Bancos de Desenvolvimento. Recife: Banco Interamericano de
Desenvolvimento/Associação Brasileira de Bancos de Desenvolvimento, 1978.

ARRIGHI. Giovanni, A ilusão do Desenvolvimento. Petrópolis: Vozes, 1997

BARAN, Paul. A Economia Política do Desenvolvimento Econômico. Rio


de Janeiro: Zahar,1960

BARON, Robert A.; SHANE, Scott A. Empreendedorismo: uma visão do


processo São Paulo: Thomson Learning, 2007.

CHASCO, Coro. El geomarketing y la distribución comercial. Investigación y


maketing, Madrid, Espanha, n. 79, p. 6-13, 2003.

CHRISTALLER, W. Die zentralen orte in süddeutschland. Jena: Gustav Fischer


Verlag, 1933. Translation: The central places of southern Germany.
Englewood Cliffs-NJ: Prentice-Hall, 1966.

DALY, Herman. , 1996. “Sustainable growth? No thank you”. In: Mander,


Jerry; Goldsmith, Edward (Orgs.). The case against the global economy
(and for a turn toward the local). San Francisco: Sierra Club Books, 1996, p.
192-96,

DE BERNARDY, Michel “Reactive and proactive local territory: co-operation


and community in Grenoble”, Regional Studies, 33 (4), pp. 343-352. (1999),

DOLABELA, Fernando. Oficina do empreendedor. São Paulo: Cultura. 2008.

DORNELES, J.C. Assis. Empreendedorismo: transformando ideias em


negócios. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008.

618
FRAGMENTOS

DRUCKER, Peter F. Inovação e Espírito Empreendedor. 5. ed. São Paulo:


Pioneira, 1998.

DUTRA, Ivan; GUAGLIARDI, J.A.. As micro e pequenas empresas: uma


revisão da literatura de marketing e os critérios para caracterizá-las. Revista
de Administração de Empresas (RAE), Rio de Janeiro, v. 4, n. 24, p.123-
131, 1984

FENKER, R.; ZOOTA, J. Intuitive retail modeling: does science have anything
to offer? Journal of corporate real estate, n. 3, v.3, p. 248-249, 2001.

FISHBASE. Centro Internacional de Gestão de recursos aquáticos vivos.


Fishbase 99: conceitos, design e fontes de dados . Manila, Philippines:
Froese, R. e D. Pauly, Editores.1999, 329 p.

FURTADO. Celso, O mito do desenvolvimento econômico. Rio de Janeiro:


Paz e Terra. 1974

GIBB, A. A. Keys factors in the design of policy support for the small and medium
enterprise (SME) development process: an overview. Entrepreneurship &
Regional Dèveloppment, n.5, p.1-24, 1981.

HIRSCHMAN, A., Auge y ocaso de la teoría económica del desarrollo. El


Trimestre Económico. México: Fondo de Cultura Económica, v.47, n.188.
1980.

HOLANDA, Nilson. Elaboração e avaliação de projetos. Rio de Janeiro:


Apec, 1968, 206p.

IBPT. Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário. Censo das empresas


e entidades públicas e privadas brasileiras. Captado em http://www.ibpt.
com.br acesso em 2.07.2014.

ILPES. Instituto Latinoamericano y del Caribe de Planificación Económica y


Social. (Org.). Guia para apresentação de projetos. São Paulo: Difel/Fórum,
1975, 245 p.

KRUGMAN, P. Increasing returns and economic geography. Journal of

619
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

Political Economy, v. 99, p. 483-499, 1991.

LEONE, Nilda. A dimensão física das pequenas e médias empresas: a procura


de um critério homogeneizador. Revista de Administração de Empresas
(RAE), v.31 nº 2 , abr-jun 1991, São Paulo.

MASANO, Tadeu Francisco. Geografia de mercado. In: DIAS, Sergio Roberto


(org.) Gestão de Marketing. São Paulo, 2011. Cap. 7, p.167-213.

MÉNDEZ, Ricardo. Organización industrial y territorio. Madrid: Sintesis,


2001, 366p.

MONASTERIO, Leonardo; CAVALCANTE, Luiz Ricardo. Fundamentos do


Pensamento Econômico Regional. Brasília, IPEA, 2011. 404p.(Instituto de
Pesquisa Econômica-IPEA- set/2011).

NACIONES UNIDAS (ONU). (Org.). Manual de Proyectos de desarrollo


económico. México: Naciones Unidas (ONU), 1958. 264 p.

OLIVEIRA, Álvaro Eduardo. Plano de negócios: Elaboração, Execução e


Controle. Niterói: Edição do Autor, 2004.

PAIVA, Vanilda. A “contemporaneidade do não coetâneo”: emergência de


uma nova era e sociedade do conhecimento. Revista Interamericana de
Educación de Adultos, Santiago do Chile, v. 22, p.91-101, 2000.

PEDRÃO, Fernando. Economia, Política e Poder. Salvador, Podiium, 2009.

POLÈSE, Mário. Economia urbana y regional. Madrid: Reuters,2009.

PORTER, Michael E. Competição: Estratégias competitivas essenciais. 9.


ed. Rio de Janeiro: Campus, 1998.

POUPART. Robert; HOBBS. Brian. Pouvoir et culture organisationnels :


concépts théoriques et guide practique Quebec: Presses de l'Université du
Québec, 2011,412p.

PROJECT MANAGEMENT INSTITUTE (USA). Project Management Body of

620
FRAGMENTOS

Knowledge, PMBOK. 5. ed. New York: Prentice Hall, 2013. 459 p.

RANGEL, Ignácio. Elementos de economia do projetamento. Salvador:


UFBA, 1959, 156p.

SANTOS, Anselmo Luís dos; KREIN,José Dari; CALIXTRE Andre Bojikian. (Org.)
Micro e pequenas empresas: mercado de trabalho e implicação para o
desenvolvimento. Rio de Janeiro: Ipea, 2012. 232 p

SANTOS, Domingos. “Innovation and territory: which strategies to promote


regional innovation systems in Portugal?”, European Urban and Regional
Studies, 7 (2), pp. 147-156. (2000),

SANTOS, Milton. O espaço dividido: os dois circuitos da economia urbana


dos países subdesenvolvidos. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1979, 345p.

SCHUMACHER, E. F. O negócio é ser pequeno: um estudo de Economia que


leva em conta as pessoas. Rio de Janeiro: Zahar, 1973, 288p.

SCHUMPETER, Joseph Alois. Capitalismo, Socialismo e Democracia. Rio de


Janeiro: Zahar Editores, 1984.

SEBRAE, Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas.(Org.)


Anuario do trabalho na micro e pequena empresa. Brasilia: DIEESE, 2013.
6. ed.

SERVETTO, M. La artesanía en la zona Andina Argentina: propuestas


para El desarrollo. Córdoba, Servicio de Publicaciones de la Universidad de
Córdoba, 1998.

SPINOLA, Noelio Dantaslé. A trilha perdida: caminhos e descaminhos do


desenvolvimento baiano n o século XX. Salvador: Unifacs, 2009, 527p.

SPINOLA, Noelio Dantaslé. Localização Empresarial: fator estratégico para


o desenvolvimento das regiões. Salvador: RDE (Revista de desenvolvimento
Econômico), v. 4, n. 28-48, jul. 2001.

SPINOLA, Noelio Dantaslé. Projetos empresariais e planejamento de

621
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

negócios: uma abordagem para as micro e pequenas empresas. Salvador:


Edição do Autor, 2000.

STALEY, E. MORSE, R. Modern Small Industry for Developing Countries.


São Paulo: Atlas 1971, 365 p.

THISSE, Jacques François. Geografia Econômica. Brasília, IPEA, 2011. 404p.


(Instituto de Pesquisa Econômica-IPEA- set/2011).

TIMMONS, Jonh A. Black is beautiful: is it bountiful? Harvard Business


Review, v.6,p.81-94, nov/dec. 1971.

VESPER, Karl H. Frontiers of Entrepreunership Research. Seatle: Vector


Books, 1992.

WEBER, A. Theory of location of industries. 2. ed. Chicago: University of


Chicago Press, 1957. Edição original de 1909.

622
FRAGMENTOS

ARTIGO

A DIVISÃO SOCIAL
DO TRABALHO NO
RECÔNCAVO:
UMA ANÁLISE PARA
O PERÍODO 2002-2012

16
623
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

624
FRAGMENTOS

A Divisão Social do Trabalho no


Recôncavo: uma análise para o
período 2002-2012
Noelio Dantaslé Spinola1
Josias Alves de Jesus2

RESUMO
A presente investigação discutiu a divisão do trabalho no Recôncavo
da Bahia a partir da análise do seu mercado de trabalho nos últimos
dez anos. O Recôncavo é uma região emblemática para a História
do Bahia e do Brasil. Foi a primeira região do Brasil a passar por um
processo de urbanização e nos séculos XVI e XVII foi a principal região
do país participando diretamente na produção de açúcar, gerando
emprego e renda na região. Importante também no desenvolvimento
de diversas outras atividades econômicas, a exemplo do fumo, do
tecido, de material de construção, da produção de hortaliças, e também
da produção pecuária. Contudo, essa região passou por profundas
crises, alternando ao longo desses quase cinco séculos de história por
momentos de prosperidade e completa estagnação. Contudo há uma
nova possiblidade de crescimento econômico em processo através
dos investimentos em educação e em infraestrutura, a exemplo do
projeto da ponte Salvador-Itaparica gestado pelo Governo do Estado
da Bahia e os investimentos federais no Estaleiro de São Roque do
Paraguaçu. Dessa forma, o presente trabalho visa discutir como está
assentada a divisão do trabalho no Recôncavo, discutindo o seu
mercado de trabalho, a geração de renda e o nível de instrução dos

1 Doutor em Geografia pela Universidade de Barcelona (UB) – Espanha. Professor


Titular V do Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento Regional e Urbano
(PPDRU) da Universidade Salvador - UNIFACS. Email: dantasle@uol.com.br

2 Mestre e Doutorando em Análise Regional pelo Programa de Desenvolvimento


Regional e Urbano da Universidade Salvador. Bolsista FAPESB Professor Assistente
do curso de Ciências Econômicas – Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia
(UESB). Email: josiasalves@uesb.edu.br

625
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

trabalhadores. O problema de pesquisa que norteará a pesquisa é:


Como está estruturado o emprego no Recôncavo? À metodologia
empregada está dividida em duas etapas. O método de abordagem
empregado é o materialismo-histórico-dialético, na primeira etapa
e na segunda buscou-se dados de pesquisa secundária na base de
dados da Relação Anual de informações Sociais (RAIS) do Ministério
do Trabalho e Emprego (MTE). Os resultados mostram importantes
modificações na estrutura do emprego formal no Recôncavo com
redução do nível de desemprego, melhoria na renda do trabalho,
aumento da População Economicamente Ativa e aumento do nível
de instrução desses trabalhadores. Pode-se afirmar que apesar das
dificuldades, há um processo de mudança em curso na Região.

Palavras-chave: Desenvolvimento Regional, Divisão do trabalho,


Emprego.

ABSTRACT
This investigation discussed the division of labor in the Recôncavo of
Bahia from the analysis of the labor market in the last ten years. The
Recôncavo region is a flagship for the History of Bahia and Brazil. It was
the first region of Brazil to undergo a process of urbanization and the
XVI to XVII centuries was the main region of the country participating
directly in sugar production, generating employment and income
in the region. Also important in the development of several other
economic activities, such as smoke, fabric, construction material,
the production of vegetables, and farming. However, this region
has undergone profound crisis, alternating throughout these almost
five centuries of history through times of prosperity and complete
stagnation. However, there is a new possibility of economic growth
process through investimentos in education and infrastructure, such
as the Salvador - Itaparica bridge project gestated by the Government
of Bahia state and federal investments in shipyard São Roque do
Paraguassu. Thus, this paper aims to discuss how sits the division

626
FRAGMENTOS

of labor in the Recôncavo, discussing its labor market, income


generation and education level of workers. The research problem that
will guide the research is: How is it structured employment in the
Recôncavo The methodology is divided into two stages? Secondary
research data in the method employed approach is the historical-
dialectical materialism, in the first stage and the second aim was to
database Annual Social Information (RAIS) of the Ministry of Labour
and Employment (MTE). The results show significant changes in the
structure of formal employment in the Recôncavo to reduce the
level of unemployment, improvement in labor income, increase the
labor force and increase the level of education of these workers. It
can be said that despite the difficulties, there is a process of change
underway in the region.

Keywords: Regional Development, Labor Division, Employment.

627
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

628
FRAGMENTOS

1. Introdução

O Recôncavo foi a primeira região do Brasil a passar por um


processo de urbanização, sendo também uma das mais ricas do país
quando da produção de açúcar que abastecia não apenas o Brasil,
mas uma parte dos países do mundo, inclusive a Europa. Há mais
de 500 anos o Recôncavo é palco de importantes transformações
da economia e da sociedade baiana e brasileira, um verdadeiro
laboratório da experiência humana (COSTA PINTO, 1998).
Todavia, o Recôncavo perdeu espaço dentro do cenário
nacional ao longo dos últimos dois séculos, pelo menos. A abolição
da escravatura, a mudança da capital federal de Salvador para o Rio
de Janeiro, a perda de braços com as descobertas das minas Gerais e
a própria saída da cidade do Salvador da região que era considerada
Recôncavo com a criação da Região Metropolitana de Salvador
colocaram o Recôncavo em uma situação de isolamento e pobreza
no estado da Bahia.
Com a criação da Região Metropolitana de Salvador,
os investimentos industriais da década de 1960 passam a ser
implementados nesta região ao invés de serem feitos no Recôncavo.
Com isso a região fica de fora do circuito desenvolvimentista da
industrialização dos anos 1960 e 1970.
Na década de 1950 com a criação da Refinaria Landulpho
Alves no sistema Petrobrás há uma nova esperança de recuperação
da região. Contudo, a grande monta de investimentos públicos e
privados não tiveram o alcance desejado e mais uma vez a região
entra em um profundo marasmo. A palavra Recôncavo era quase que
sinônimo de pobreza.
Atualmente, novos investimentos públicos em educação como
a Universidade Federal do Recôncavo (UFRB), os investimentos área
portuária assim como investimentos privados em diversos setores da
economia, a nova dinâmica comercial das cidades de Santo Antonio
de Jesus e Cruz das Almas, assim como a criação de novos empregos
na região tentam dar novo impulso ao Recôncavo. Dessa forma por

629
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

sua importância histórica, cultural e econômica estudar o Recôncavo


torna-se premente.
O presente trabalho é preliminar e insere-se em um outro
maior que visa a criação de um Núcleo permanente de pesquisas
sobre o Recôncavo com a pretensão de levantar dados primários
e secundários com vistas a aprofundar o conhecimento técnico e
científico sobre essa importante região da Bahia que sirvam para
futuras pesquisas.
Assim, o objetivo da presente investigação é discutir a
divisão social do trabalho nos municípios que compõem o Território
de Identidade do Recôncavo para entender essa nova dinâmica da
região. Como problema de pesquisa tem-se: Como está organizada a
divisão social do trabalho no Recôncavo?
Os objetivos específicos que nortearão a pesquisa são:

a) Apresentar a classificação dos municípios que compõem;


b) Apresentar a evolução histórica do Recôncavo e sua
ocupação;
c) Discutir o conceito de trabalho, forças produtivas e divisão
do trabalho;
d) Discutir como estão distribuídas as diversas ocupações nos
municípios do Recôncavo.

A metodologia de abordagem que norteará o presente


trabalho está inserida no campo da Economia Política que tem como
método o método materialista-histórico-dialético. Como método de
procedimento, o trabalho se utilizará do método histórico e como
técnicas de pesquisa serão utilizados os dados da Relação Anual de
informações Sociais (RAIS) do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE).
Além desta introdução e das conclusões, a presente pesquisa
está dividida em mais quatro seções. Na seção dois, apresenta-se
uma evolução da delimitação geográfica da região do Recôncavo
através dos principais autores que discutiram o objeto. Na seção
três traz-se o processo histórico de ocupação do Recôncavo desde
o descobrimento do Brasil até os dias atuais. Na seção quatro são

630
FRAGMENTOS

discutidos os conceitos de trabalho, forças produtivas e divisão


social do trabalho dentro da concepção marxista. Na seção cinco
são apresentados os dados relativos à ocupação das atividades no
Recôncavo.

2 O múltiplo e complexo Recôncavo

Escrever sobre o Recôncavo é antes de tudo um exercício de


arqueologia do saber para usar as palavras de Michel Foucault. À
medida que “escavamos” descobrimos sua complexidade cultural,
econômica e sociológica. É lugar de contradições sempre presentes,
de escravidão e trabalho servil, de pobreza e de riquezas, de
ascensão e queda de importantes culturas como a cana-de-açúcar,
o fumo e a farinha de mandioca, verdadeiro laboratório humano,
como afirma Costa Pinto (1998). Contudo, interessa-nos no
momento tentar fazer uma demarcação geográfica; onde começa
e onde termina o Recôncavo, assim como os municípios que o
compõem. Para isso se faz importante também observar como
se desenvolveram as diversas delimitações desta região, através
dos mais importantes pesquisadores sobre o tema, objetivo da
presente seção.
Segundo o Dicionário on-line de Português a palavra
recôncavo significa cavidade funda, enseada, gruta, antro e
cavidade entre rochedos. Para descrever a região do estado da
Bahia que abrange alguns municípios da Baía de Todos os Santos,
e dessa forma grafada em maiúsculas (Recôncavo).
Uma definição (quase que poética) é apresentada por Costa
Pinto. Para ele o Recôncavo:

É a região que circunda a Bahia de Todos os Santos,


formando o grande anfiteatro no qual, há mais de
quatrocentos anos, se vem desenrolando um dos
mais antigos capítulos da colonização do Brasil, que

631
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

ali teve o seu começo e que exatamente ali tem,


hoje, uma das perspectivas mais promissoras do seu
futuro (COSTA PINTO, 1998 p.103).

Para Pedrão (1998), o Recôncavo é uma área territorialmente


pequena contando com cerca de 11.000 km² dos 540.000 km²
do total do estado da Bahia. Possui uma orla de quase 200km
e é composto por manguezais, matas, tabuleiros, enseadas e
lagamares, praias rochosas e arenosas e ainda 35 ilhas. Segundo
Brandão (1998) através da produção do açúcar e do tabaco,
principalmente, e também através de uma quantidade enorme de
outros produtos alcançou uma área de mais de 16.000 km².
Ao analisar a rede urbana do Recôncavo em 1959, Milton
Santos (1998) apresenta um Recôncavo com 28 munícipios:
Alagoinhas, Aratuípe, Cachoeira, Camaçari, Castro Alves, Catu,
Conceição de Feira, Conceição do Almeida, Coração de Maria,
Cruz das Almas, Feira de Santana, Irará, Itaparica, Jaguaripe,
Maragogipe, Mata de São João, Muritiba, Nazaré, Pojuca, Santo
Antonio de Jesus, Santo Amaro, Santo Estevão, São Félix, São
Felipe, São Francisco do Conde, São Gonçalo, São Sebastião do
Passé, Salvador.
A justificativa de Milton Santos para ampliar o número
de municípios está na ideia de que a rede urbana do Recôncavo
sofreu importantes mudanças ao longo dos anos em um processo
de expansão dinâmica da sua malha urbana em que a concepção
mais tradicional não daria conta.
Nesse trabalho Milton Santos analisa as zonas de influência
comercial dos municípios do Recôncavo assim como as ligações
existentes entre eles. Em sua análise destaca-se o papel exercido
por Feira de Santana e Alagoinhas como entreposto comercial.
Já Costa Pinto (1998) leva em consideração a divisão política
do Recôncavo com 23 munícipios incluindo Salvador. Sua análise não
parte de linhas que delimitam o espaço, mas sim de faixas, faixas
de transição nas quais as características geográficas, econômicas e
sociais mesclam-se com traço típicos de outras adjacentes.

632
FRAGMENTOS

De forma sintética, o autor reconhece seis subáreas do


Recôncavo que são:

a) Zona da pesca e do saveiro – na orla marítima e nas ilhas


b) Zonas do açúcar – nas terras de massapê
c) Zona do fumo – mais recuada do litoral
d) Zona de agricultura de subsistência – área descontínua,
conjunto de manchas, roças de mandioca, milho, feijão,
hortaliças, frutas, associadas ao pequeno criatório, que se
espalham por todo o Recôncavo, completam outras culturas
principais, concentrando-se mais na direção das fronteiras
do Sul e Sudoeste;
e) Zonas do petróleo – ainda crescente, definido agora os
seus limites geográficos pelo processo ecológico de invasão
de outras zonas, originada e concentrada, entretanto, nas
mesmas terras do massapê açucareiro, nas ilhas e na orla
marítima;
f) Zona urbana de Salvador – característicos metropolitanos,
ou quase, cuja existência, crescimento e função representa
um dos principais fatores, simultaneamente, de unidade e
de diversidade do conjunto.

Segundo Azevedo (2011) em 1967 o Instituto Brasileiro de


Geografia e Estatística (IBGE) reconhece pela primeira vez a existência
da Região Metropolitana de Salvador (RMS) diferenciando-a do
Recôncavo. A RMS passa a contar com os municípios de Camaçari,
Candeias, Catu, Lauro de Freitas, Mata de São João, Pojuca, São
Francisco do Conde, Simões Filho e Salvador. O Recôncavo fica, então
com 35 municípios.
Finalmente, a última definição dos municípios que compõem
o Recôncavo foi executada pelo governo do Estado da Bahia em
2007 através do Plano Plurianual que dividiu todo o estado em 26
Territórios de Identidade. Com essa classificação o Recôncavo passou
a ter 20 municípios: Cabaceiras do Paraguaçu, Cachoeira, Conceição
do Almeida, Cruz das Almas, Dom Macedo Costa, Governador

633
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

Mangabeira, Maragogipe, Muniz Ferreira, Muritiba, Nazaré, Santo


Amaro, Santo Antonio de Jesus, São Felipe, São Félix, são Francisco
do Conde, São Sebastião do Passé, Sapeaçu, Saubara e Varzedo
conforme pode ser visualizado na figura1.
Sem entrar no mérito acerca da metodologia estabelecida
pelo governo do Estado da Bahia, o recorte analítico que norteará
o presente trabalho está baseado no Território de Identidade do
Recôncavo com os 20 municípios que o compõem.

Figura 1 - Mapa do Território do Recôncavo da Bahia.

Fonte: TERRITÓRIOS DA BAHIA (2013).

634
FRAGMENTOS

3 A ocupação do Recôncavo

Com o objetivo de colonizar de fato o território do Brasil e


ao mesmo tempo evitar as invasões estrangeiras, o Rei D. João III de
Portugal implantou em 1534 o sistema de Capitanias Hereditárias.
Esse sistema dividiu a costa brasileira em 15 parcelas e doadas a
12 donatários que tinham como obrigação colonizar, povoar e
desenvolver a economia de seus territórios.
As Capitanias Hereditárias fracassaram. Os motivos foram
vários, desde a extensão muito grande que dificultavam a sua gestão,
a falta de ligação entre as mesmas, o conflito indígena também se
mostrou muito forte, além das várias tentativas de invasão estrangeira
que não deixaram de ocorrer.
Com o fracasso do sistema de Capitanias Hereditárias, a Coroa
Portuguesa é obrigada a lançar mão de outra estratégia mais eficiente
de ocupação do território brasileiro. Em 1549 Tomé de Souza instala
o Governo Geral na cidade de Salvador, o que a torna a primeira
capital do Brasil. A instalação do Governo Geral foi fundamental para
o desenvolvimento da cana-de-açúcar no Recôncavo, pois possibilitou
a expulsão dos índios e a tomada de suas terras para o cultivo, assim
como trouxe mão-de-obra escrava para trabalhar nas roças.
Em 1587, Gabriel Soares de Souza já contava no Recôncavo
16 freguesias, 62 igrejas, 3 mosteiros, 8 casas de cozer meles e 36
engenhos moentes e correntes. Dos 36 engenhos, 21 eram movidos
a água e 15 movidos por bois e outros quatro engenhos já estavam
sendo construídos. A produção de açúcar nessa época já ultrapassava
a marca de 120.000 arrobas (SOUZA, 1971 p.162).
O cultivo da cana exigia uma grande quantidade de pessoas
para operar os engenhos e a exploração de grande quantidade de
terras (latifúndio). Essa mão-de-obra necessária era em sua grande
maioria formada por escravos. Nas palavras de Zorzo (2001, p.37) “o
engenho firmou-se como principal móvel da ocupação, articulador
dos braços da sociedade e ordenador do território”.
Contudo, o Recôncavo não é apenas o lugar do açúcar.

635
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

Paralelamente à atividade principal desenvolveu-se uma gama muito


grande de atividades auxiliares para a alimentação dessa população.
O próprio Gabriel Soares de Souza faz um extenso e minucioso relato
das diversas culturas desde as hortaliças até os subprodutos da
mandioca, passando pela criação de aves e animais, além da pesca e
da extração de mariscos.
Mas o objetivo principal de produção agrícola no Recôncavo
é a cana-de-açúcar. Essa afirmação é confirmada pela legislação
de 1688 reforçada em 1701 na qual proibia a criação de gado em
uma faixa de 10 léguas (60km) da beira-mar e rios. A legislação tem
como objetivo claro para que as pastagens não competissem com a
produção canavieira (AZEVEDO, 2011 p.209).
A produção açucareira no Recôncavo não se deu de forma
harmoniosa. Já no século XVII começaram as primeiras dificuldades
em função da invasão holandesa na Bahia. Os holandeses queimaram
alguns engenhos no Recôncavo e mesmo após a expulsão destes, os
problemas continuaram.
Como a expulsão holandesa da Bahia e de Pernambuco, estes
se instalaram nas Antilhas. A produção de açúcar nas Antilhas fez
concorrência direta com o açúcar brasileiro. Como lembra Brandão
(1998) houve nesse período uma longa depressão com duas fases de
recuperação para o açúcar brasileiro. A primeira ocorreu no período
de 1640 a 1670 na qual houve a queda dos preços do açúcar no
mercado internacional e a outra no período 1695 a 1705 com a
elevação dos custos de produção através da mão-de-obra escrava
pela perda de braços com a corrida para as minas Gerais.
Ainda segundo Brandão (1998), o Recôncavo recobra a sua
vitalidade econômica em dois períodos, 1770/1780 e 1820/1830
provocada pela recuperação do mercado interno e as consequências
das guerras napoleônicas sobre a produção de açúcar nas Antilhas.
A segunda metade do século XIX é marcado pelo
aprofundamento da crise no Recôncavo causado por uma série de
fatores. Houve novamente uma crise em função da produção de
açúcar a partir da beterraba aumentando a concorrência no mercado
internacional. Nesse mesmo ínterim há uma pressão muito grande

636
FRAGMENTOS

contra o tráfico de escravos desde 1831 findando com a Lei Eusébio


de Queirós em 1850 que reduz drasticamente a entrada de negros
africanos no Brasil impactando diretamente a força de trabalho nos
engenhos em sua maioria de escravos.
Como não havia crédito suficiente, a vinda de trabalhadores
europeus, que poderia ser uma solução estratégica para a falta
de mão-de-obra no Recôncavo, não ocorreu. Muitos engenhos de
açúcar foram à bancarrota. A falta de crédito também prejudicou os
investimentos em inovações tecnológicas que permitissem o aumento
de produtividade.
Como lembrado por Pedrão (2001), o Recôncavo chega na
metade do século XX em um estado de prostração do qual nunca se
recuperou, juntamente com o restante da economia baiana, fruto de
um longo período de decadência econômica, desvalorização de seu
patrimônio e perda de seus recursos humanos.
A tentativa de recuperação do Governador Góes Calmon
da economia do Recôncavo em 1920 em torno da combinação da
agroindústria do açúcar com a indústria têxtil não surtiu efeito.
Além disso, a região ficou excluída do processo de industrialização e
urbanização operado na década de 1950 (PEDRÃO 2007).
De acordo com Azevedo (2011) é nessa conjuntura
decadente que há a descoberta de petróleo no Recôncavo em 1941
em Candeias e o início de sua produção com a criação da Refinaria
Landulpho Alves (RLAM) em 1950 e a Petrobrás em 1953. Para Pedrão
(2007) a produção de petróleo na região pode ser vista em três fases:

a) A primeira fase corresponde à década de 1950 que mudou


o cenário social e econômico local aumentando o preço
das terras subutilizadas, criando opções de emprego e
renda para uma população semiespecializada gerando uma
demanda sobre o setor de construção civil;
b) A segunda fase corresponde à fase de amadurecimento
da atividade petroleira com impactos sobre a indústria
metalmecânica e elétrica, causando um efeito polarização;
c) A terceira fase é a fase de declínio da produção que gera

637
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

impacto sobre os empregos diretos e indiretos e, também,


gerando incertezas quanto ao volume de investimentos.

Atualmente, o Recôncavo passa por um novo processo de


esperança com a instalação na Universidade Federal do Recôncavo
(UFRB) em 2005 e os novos investimentos feitos pela Petrobrás no
Estaleiro Enseada do Paraguaçu em São Roque do Paraguaçu distrito
de Maragogipe. Espera-se que esses novos investimentos possam
alterar a realidade social local como mais emprego e renda, assim
como a melhor qualidade dos postos de trabalho gerados. Para que
se possam estabelecer comparações, as análises relativas à divisão
social do trabalho no Recôncavo tornam-se fundamentais.

4 O papel das forças produtivas e da divisão social do


trabalho no desenvolvimento social

O objetivo da presente seção é fazer uma breve discussão acerca


do papel do trabalho, do desenvolvimento das forças produtivas
e da divisão social do trabalho na sociedade capitalista dentro da
concepção do materialismo-histórico e dialético. Obviamente essa
discussão não pretende esgotar o assunto em função da limitação de
espaço do paper aqui apresentado. Trata-se apenas de um pequeno
resumo bastante sintético, todavia o objetivo é traçar um plano
sucinto sobre a discussão que abrirá caminhos para o objeto central
do trabalho que é discutir a divisão social do trabalho no Recôncavo
a ser realizada na seção seguinte.
Para Engels (1990) o trabalho não é apenas fonte de toda a
riqueza como sugerido pelos economistas, é muito mais que isso; é
a condição básica e fundamental de toda a existência humana. Para
Marx e Engels (2001), pode-se inferir à religião, à consciência ou a
qualquer outra coisa, mas o que inicia a separação entre homens
e animais é quando o homem inicia a produção dos seus meios de
sobrevivência. Ao produzir os seus meios de sobrevivência, os homens

638
FRAGMENTOS

agem diretamente sobre a natureza e indiretamente sobre a sua vida


material.
Os homens para produzir não o fazem sozinhos, eles
precisam de outros indivíduos. Assim surge a primeira característica
do trabalho que é o de ser social, ou seja, um trabalho em sociedade
e para a sociedade. Para Germer (2009), dentro da concepção de
Marx, o trabalho é fonte de conhecimento e desenvolvimento
social. Através do trabalho para a produção dos seus meios de
sobrevivência, o homem gerou crescimento e diferenciação de sua
massa cerebral, resultando na gestação da consciência. Depois o
homem passou a aprender e a gerar conhecimento com o próprio
trabalho.
Ainda segundo Germer (2009), o conhecimento não é fruto
de contemplação, mas da atividade humana prática. O trabalho é
a ação do ser humano sobre os materiais que o circundam para a
obtenção das coisas que o mesmo precisa.

Ao agir sobre tais materiais começa a conhecê-los,


familiariza-se com suas propriedades, e à medida que
o trabalho se repete continuamente, o conhecimento
adquirido amplia-se e reage sobre o processo de
trabalho, aperfeiçoando-o gradualmente. Aos
poucos passa a empregar materiais naturais como
instrumentos auxiliares das mãos e a fabricar
instrumentos de trabalho. O conjunto dos materiais
naturais que transforma para seu uso, dos instrumentos
e demais materiais e instalações que o auxiliam no
trabalho, e do próprio conhecimento acumulado e
da aptidão adquirida para o trabalho, constituem as
forças produtivas do trabalho. Consequentemente, o
trabalho é a origem do conhecimento, que se expressa
nas forças produtivas, e da ampliação contínua do
conhecimento, que se expressa no desenvolvimento
das forças produtivas. (GERMER 2009, p.80).

Dessa forma, o desenvolvimento das forças produtivas é o

639
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

elemento dinâmico do desenvolvimento social, pois o trabalho é a


fonte de novos conhecimentos agindo sobre as forças produtivas
em um processo de retroalimentação e, também, dialético. Cada
nova geração reproduz-se por seu próprio trabalho com base nas
forças produtivas herdadas das gerações anteriores pelo próprio
ato de trabalhar, ampliando e aprofundando, com maior ou menor
rapidez, o conhecimento, e por intermédio disso faz avançar as
forças produtivas (GERMER, 2009).
Além disso, o desenvolvimento das forças produtivas
é cumulativo ou progressivo, isto é, que os modos de produção
sucessivos são progressivamente mais avançados em termos do nível
de desenvolvimento das forças produtivas, que se reflete em níveis
sucessivamente mais elevados da produtividade do trabalho, aos
quais correspondem relações de produção também progressivas.
Em síntese, o conhecimento nasce com a atividade prática
do ser humano que é o trabalho e é continuamente ampliado. O
trabalho é primordial e fundamental para a produção dos meios
necessários à vida e se repete dia após dia, ano após ano, sendo,
portanto, fonte inesgotável do novo conhecimento e de renovação
contínua dos métodos e dos materiais utilizados em sua produção.
O conhecimento não pode deixar de se expandir, e os meios de
produção não podem deixar de se desenvolver, pois a produção, que
é sua fonte, não pode ser interrompida. Portanto, o ato obrigatório
e ininterruptamente repetido de trabalhar é a origem das mudanças
sofridas pela sociedade.
À medida que o trabalho se repete interminavelmente, o
conhecimento dos materiais naturais se estende e se aprofunda,
novos instrumentos são concebidos e continuamente desenvolvidos,
os materiais de que são feitos se diversificam, e a aptidão do
trabalho se aperfeiçoa correspondentemente. Como resultado, o
processo social de trabalhar, materializado nas forças produtivas,
transforma-se aos poucos até fazer emergirem os elementos que
apontam para uma nova estrutura social. O desenvolvimento do
conhecimento, por um lado, e da organização e dos processos de
produção correspondentes, por outro, dão origem a novas formas
de trabalhos e a trabalhadores de novo tipo, e a novas formas

640
FRAGMENTOS

materiais de apropriação dos meios de produção, que entram em


conflito crescente com as formas de trabalho e de apropriação,
existentes até então (GERMER, 2009).
Intimamente ligada às forças produtivas está a divisão social
do trabalho, definida como o modo de distribuição das atividades
econômicas dentro da sociedade. Para Marx (2001), a divisão social
do trabalho deriva do caráter específico do trabalho humano,
segundo ele “um animal faz coisas de acordo com o padrão e
necessidade da espécie a que pertence, enquanto o homem sabe
como produzir de acordo com o padrão de cada espécie”. A aranha
pode tecer, o urso pode pescar, o castor pode construir diques,
mas só o homem é tecelão, pescador e construtor, além de outras
profissões (BRAVERMAN, 1987 p.71).
Nesse sentido, Marx discute como se dá a divisão do trabalho no
âmbito da nação até chegar ao indivíduo:

A divisão do trabalho no interior de uma nação acarreta,


primeiramente, a separação do trabalho industrial e
comercial, por um lado, e do trabalho agrícola, por outro.
Assim sendo, provoca a separação a cidade e o campo,
e a oposição dos seus interesses. O seu desenvolvimento
acentua a separação do trabalho comercial e do trabalho
industrial. Ao mesmo tempo, devido a divisão do trabalho
no interior dos diferentes setores, desenvolve-se, por
sua vez, diferentes subdivisões, dentre os indivíduos que
cooperam em trabalhos determinados (MARX, 2001 p.12).

As forças produtivas operam em conjunto com as relações


materiais de produção e com o aparelhamento jurídico expressas em leis
que validam o poder da classe dominante. Esses três elementos formam
o modo de produção. À medida que as forças produtivas se desenvolvem
modificam as relações materiais de produção exigindo novas relações
materiais de produção; em determinado momento as novas relações
de produção entram em contradição com o aparelhamento jurídico
permitindo o aparecimento de um novo modo de produção (MARX 1982).

641
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

5 Evidências empíricas

A partir da análise dos dados secundários levantados com


o auxílio da Relação Anual de Informações Sociais (RAIS), pode-se
perceber através da tabela 01, que mede a evolução do estoque de
emprego formal no Recôncavo e na Bahia desde 1985, que o estoque
de emprego no Recôncavo é de 80.892 pessoas contra 2.256.621 do
estado da Bahia para o ano de 2012, no qual o Recôncavo participa
com 3,58% do total do estado.

Das informações contidas na tabela 01, três pontos merecem


destaque. Primeiro, a queda do emprego formal (0,40%) do estado
da Bahia em 2012 após um período de expansão contínua desde
1994. Segundo, também em 2012, há uma queda do emprego
no Recôncavo na ordem de 4,09%, sendo eliminados quase 3.500
postos de trabalho em relação a 2011. Esses dados refletem a
queda do emprego em nível nacional observado pelo Ministério do
Trabalho em Emprego (MTE) com redução de 48,8% em 2012 em
relação a 2011 por conta do desaquecimento da economia neste
ano. Terceiro, observa-se um aumento da participação do emprego
no Recôncavo em relação ao estado no ano de 2006 chegando ao
patamar mais alto na série histórica com o índice de 3,75%. Dos
quase 3.500 postos de trabalhado que foram eliminados em 2012,
3.379 foram em apenas três municípios, Maragogipe (1.435), São
Francisco do Conde (1.197) e São Sebastião do Passé (747) de
acordo com a tabela 02.

642
FRAGMENTOS

Tabela 1 - Série histórica do estoque de emprego formal e suas variações absolutas


e percentuais •
Território de Identidade Recôncavo e Unidade Federativa da Bahia - 1985-2012.

Fonte: Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) - Relação Anual de Informações


Sociais (RAJ5), 1985-2012.

643
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

Na tabela 02 estão os dados da evolução do estoque de


emprego em todos os municípios do Recôncavo. Os destaques
dessa série histórica são os municípios de Santo Antonio de Jesus
com 19.981 empregos formais, São Francisco do Conde (13.773)
e Cruz das Almas (10.616). o município de Santo Antonio de Jesus
experimentou um crescimento de 110% em relação a 2002 saltando
de 9.490 empregos para 19.981. Uma de crescimento também muito
expressivo é o município de São Francisco do Conde que saiu de
7.549 empregos em 2002 para 13.773 em 2012, o que representa
um aumento de mais de 82%. Já Cruz das Almas alcança a taxa de
39% com 7.630 empregos em 2002 contra 10.616 em 2012.

Tabela 2 - Série histórica municipal do estoque de emprego formal - Território de


Identidade Recôncavo - 2002-2012.

Fonte: Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) - Relação Anual de Informações


Sociais (RAIS), 2002-2012.

644
FRAGMENTOS

A tabela 03 mostra que a população total do Recôncavo


aumentou em 6,6% com destaque para os municípios de São Francisco
do Conde com aumento de 26,3%, Santo Antonio de Jesus (17,5%)
e Governador Mangabeira (15,6%). Os destaques negativos ficaram
por conta dos municípios de Muritiba e Conceição do Almeida que
perderam em torno de 5% de suas populações.
Com relação à População Economicamente Ativa (PEA), o
Recôncavo registrou aumento de 16,9% com o município de São
Francisco do Conde liderando mais uma vez esse item com aumento
de 39,4% seguido por Santo Antonio de Jesus com 28,5%. Merecem
destaque também os municípios de Cachoeira e Castro Alves com
crescimento acima de 30%.

Tabela 3 - População total, economicamente ativa, ocupada, desocupada, assalaria-


da e inativa - Território de Identidade Recôncavo - 2000/2010.

Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) - Censo Demográfico


(Amostra), 2000/2010.

645
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

Outros dados importantes se referem ao número de assalariados,


taxa de atividade, taxa de inatividade, taxa de ocupação e desemprego.
Essas taxas medem com uma boa precisão como está se comportando o
mercado de trabalho na região assim como o nível de atividade econômica.
Em relação ao número de assalariados, houve um aumento de quase 30%
na região (TABELA 04). Com destaque para Maragogipe (53,3%), São
Francisco do Conde (51,8%) e Santo Antonio de Jesus (42,8%).
A taxa de atividade é medida através da participação da PEA
sobre a população total. Como pode ser observado na Tabela 04 houve
uma melhora nos dados da região que passou de 53,2% para 55,3%.
Em termos absolutos os destaques são Cabaceiras do Paraguaçu e Santo
Antonio de Jesus e em termos relativos o município de Castro Alves que
saltou de 41,6% para 52%.

Tabela 4 - Taxa de atividade, inatividade, ocupação e desemprego - Território de


Identidade Recôncavo - 2000/2010.

Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatistica (IBGE) - Censo Demográfico


(Amostra), 2000/2010.

646
FRAGMENTOS

A população ocupada sobre a PEA forma a taxa de ocupação.


Os dados mostram que taxa de ocupação teve relativa melhora no
Recôncavo passando de 80,9% em 2000 para 87,1% em 2010. Outra
melhoria significativa foi a taxa de desemprego. Em 2010 a taxa de
desemprego chegava a quase 20%, em 2010 houve uma redução
drástica passando de 19,1% para 12,9% na região com um todo.
Em relação à taxa de desemprego os destaques são os municípios
de Cachoeira com redução de 19,3% para 11,4%, Castro Alves de 22,4%
para 8,7% e Santo Antonio de Jesus que saiu de 19% para 10,5%.
Analisando o emprego a partir da divisão setorial (tabela 05)
para 2012, percebe-se que os setores de Comércio e Serviços são
predominantes no Recôncavo. A indústria de transformação representa
apenas 16% dos empregos (13.029) enquanto Comércio e Serviços
juntos somam 33.571 empregos, o que representa 41,5% do emprego
no Recôncavo. A Administração Pública possui 25.789 empregos
representando 32% aproximadamente.

Tabela 5 - Série histórica setorial do estoque de emprego formal - Território de


Identidade Recôncavo - 2002-2012.

Fonte: Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) - Relação Anual de Informações


Sociais (RAJ5), 2002-2012.

647
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

A série histórica sobre o rendimento real no Recôncavo,


tabela 6, mostra que a massa de rendimento real vem aumentando
gradativamente e consistentemente desde 2002 com exceção com o
ano de 2012 no qual após um período de forte aumento (2010 para
2011) houve uma retração neste ano, o que representa perda salarial.
É importante destacar também que a desigualdade de rendimentos
medido pelo desvio padrão está aumentando. Em 2011 era de
r$3.108,00 e em 2012 aumentou para r$3.282,00

Tabela 6 - Série histórica do redimento real - Território de Identidade Recôncavo -


2002-2012.

Fonte: Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) - Relação Anual de Informações


Sociais (RAJ5), 2002-2012.
Nota: desconsiderou-se os trabalhadores com rendimento igual a zero.
(1) Valores inflacionados com base no INPC-IBGE.

648
FRAGMENTOS

A tabela 07 mostra o nível de instrução dos trabalhadores com


emprego formal no Recôncavo, com o seu auxílio, pode verificar-se que
houve uma redução considerável do número de analfabetos que caiu de
1.755 em 2002 para 285 em 2012. O número maior de trabalhadores
está na faixa do nível de instrução com ensino médio completo
praticamente triplicando o número desses trabalhadores em 10 anos
passando de 16.360 para 48.156. Esses dados revelam a melhora na
qualificação dos trabalhadores. Para corroborar essa afirmação, pode-
se verificar também o aumento do número de trabalhadores com nível
superior incompleto que era de 495 em 2002 e aumentou para 1.471
em 2012. Contudo o mesmo ritmo não se observa com o nível superior
completo. Houve um aumento de quase 80%.

Tabela 7 - Série histórica do estoque de emprego formal, segundo o nível de instrução


- Território de Identidade Recôncavo - 2002-2012.

Fonte: Ministério do Trabalho e Emprego (TE) - Relação Anual de Informações Sociais


(RAI5), 2002-2012.

649
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

Os dados relativos ao nível de instrução dos trabalhadores


formais no Recôncavo têm revelado uma melhora consideravelmente
contínua na melhor qualificação dos trabalhadores. Essa melhora
pode ser em função das novas exigências do mercado de trabalho e
também pelo aumento da oferta de cursos superiores na região. Com
a implantação da Universidade Federal do Recôncavo Baiano (UFRB)
na região em 2005 espera-se que haja um impacto positivo sobre o
nível de instrução dos trabalhadores formais e informais do Recôncavo
melhorando o nível da educação na sociedade como um todo.

6 Conclusões

A presente investigação teve como objetivo realizar uma


primeira análise e fazer uma fotografia acerca da dinâmica da
economia do Recôncavo a partir de sua divisão social do trabalho.
Para cumprir esse objetivo utilizou-se dos dados da Rais do Ministério
do Trabalho e Emprego assim como do último censo demográfico.
Os dados revelam que há uma melhoria das condições de
trabalho, emprego e renda no Recôncavo apesar das dificuldades
enfrentadas no período 2011 e 2012. Houve um aumento do número
de trabalhadores com carteira assinada refletindo diretamente sobre
o número do emprego formal. Esse é um fator muito importante,
pois como o Recôncavo foi a região da Bahia na qual a escravidão
esteve mais presente, o número de pessoas sem carteira assinada
vivendo de pequenos serviços é muito grande.
Houve também um aumento da População Economicamente
Ativa isso significa que mais pessoas estão acessando o mercado de
trabalho. Os dados revelaram que, em um movimento diretamente
proporcional ao aumento do número de empregos formais, a região
experimenta um aumento de ocupados, redução de desocupados,
redução do desemprego e aumento de assalariados. A persistir esse
aumento a região vai entrar em um movimento dinâmico com efeitos
positivos sobre o mercado de trabalho e sobre o mercado doméstico
de consumo.

650
FRAGMENTOS

Percebe-se que o aumento das pessoas ocupadas e a redução


do desemprego contribuíram para o aumento da renda real da
região, ou seja, as pessoas estão com mais dinheiro para consumir e
isso pode levar a um efeito multiplicador na região.
Percebe-se que a região ainda é muito dependente da atividade
petrolífera apesar de alguns municípios como Santo Antonio de Jesus
e Cruz das Almas já possuírem um comércio bastante forte. Essa
dependência ao petróleo gera uma grande incerteza na região por se
tratar de uma commodity que cotação internacional.
Por fim, o estudo preliminar identificou que os trabalhadores
estão buscando melhorar o seu grau de instrução, o que abrirá novas
possiblidades. Espera-se que a implantação da UFRB possa dar suporte
a esses trabalhadores ofertando cursos para dinamizar a região.
Como se tratou de um estudo preliminar, a presente
investigação não discutiu o emprego informal na região. O extrativismo
é uma importante atividade econômica na região, mas não pôde ser
discutida, podendo ser analisada em próxima oportunidade.

651
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

REFERÊNCIAS

AZEVEDO, Paulo Ormindo. Recôncavo: território, urbanização e arquitetura.


In: CAROSO, Carlos; TAVARES, Fátima e PEREIRA, Cláudio (Orgs.). Baía de
Todos os Santos: aspectos Humanos. Bahia. EDUFBA, 2011. p. 205-254.

BRAVERMAN, Harry. Trabalho e Capital Monopolista: A degradação do


trabalho no século XXI. Rio de Janeiro: Editora Guanabara, 1987.

BRANDÃO, Maria de Azevedo. Cidade e Recôncavo da Bahia. In: BRANDÃO,


Maria de Azevedo (Org.). Recôncavo da Bahia: Sociedade e economia em
transição. Bahía. Fundação Casa de Jorge Amado, 1998. p. 27-58

COSTA PINTO, L.A. Recôncavo: Laboratório de uma experiência humana.


In: BRANDÃO, Maria de Azevedo (Org.). Recôncavo da Bahia: Sociedade
e economia em transição. Bahia. Fundação Casa de Jorge Amado, 1998. p.
101-184.

ENGELS, Friedrich. Sobre o papel do trabalho na transformação do macaco


em homem. In: MARX, Karl. e ENGELS, Friedrich. Obras escolhidas. São
Paulo. Alfa Ômega. 1990.

GERMER, Claus M. Marx e o papel determinante das forças produtivas na


evolução social. Revista Crítica Marxista, n.29, p. 75-95, 2009.

MARX, Karl e ENGELS, Friedrich. A Ideologia Alemã. São Paulo. Martins


Fontes, 2001.

MARX, Karl. Para a Crítica da Economia Política. São Paulo. Abril Cultural.
Coleção Os Economistas, 1982.

MINISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO. RAIS: Relação Anual de


Informações Sociais. Brasília, DF, 2014. Disponível em: <www.rais.gov.br>.
Acesso em: 10 abril 2014.

PEDRÃO, Fernando Cardoso. Novos rumos, novos personagens. In: BRANDÃO,


Maria de Azevedo (Org.). Recôncavo da Bahia: Sociedade e economia em
transição. Bahía. Fundação Casa de Jorge Amado, 1998. p. 217-242.

_______________________. Novos e velhos elementos da formação social

652
FRAGMENTOS

do Recôncavo da Bahia de Todos os Santos. Revista do Centro de Artes,


Humanidades e Letras vol.1 (1). 2007.

SANTOS, Milton. A Rede Urbana do Recôncavo. In: BRANDÃO, Maria de


Azevedo (Org.). Recôncavo da Bahia: Sociedade e economia em transição.
Bahia. Fundação Casa de Jorge Amado, 1998. p. 101-184.

SOUZA, Gabriel Soares de. Tratado descritivo do Brasil em 1587. Rio de


Janeiro: Cia. Editora Nacional, 1971.

TERRITÓRIOS DA BAHIA. Coordenação Estadual dos Territórios de


Identidade da Bahia. Disponível em: http://territoriosdabahia.org.br/ acesso
em 18 de jun. de 2013.

ZORZO. Francisco Antonio. Ferrovia e rede urbana na Bahia: doze cidades


conectadas pela ferrovia no Sul do Recôncavo e Sudeste Baiano (1870-1930).
Feira de Santana. UEFS, 2001.

653
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

654
FRAGMENTOS

ARTIGO

ECONOMIA
CULTURAL DE
SALVADOR –
A INDÚSTRIA DO
CARNAVAL

17
655
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

656
FRAGMENTOS

Economia Cultural de Salvador - A


indústria do Carnaval
Noelio Dantaslé Spinola1
Goli Guerreiro2
Tatiana de Andrade Spinola3

Resumo
Este artigo deriva de pesquisa realizada pelos autores no âmbito
do Grupo de Estudos da Economia Cultural de Salvador (Gecal),
vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento
Regional e Urbano da Universidade Salvador. O escopo do trabalho
previu a realização de uma radiografia da economia cultural, na
velha capital baiana, em especial dos setores que possuem efeitos
multiplicadores e impacto na geração de novos negócios, emprego
e renda, destacando-se os vinculados ao carnaval; ao candomblé; à
música; à moda e ao artesanato entre outras manifestações culturais.
Neste artigo aborda-se exclusivamente os aspectos da pesquisa
relacionados ao carnaval.

Palavras-chave: Economia cultural; Economia urbana; Economia


regional; Antropologia social; Geração de emprego e renda.

Resumen
Este artículo deriva de un proyecto de pesquisa que investiga el

1 Doutor em Geografia pela Universidade de Barcelona. Coordenador do Curso de Ciências


Econômicas e do Grupo de Estudos da Economia Cultural (GECAL) e professor do Mestrado em
Análise Regional da Universidade Salvador – UNIFACS.
2 Doutora em Antropologia pela Universidade de São Paulo – USP. Pesquisadora do Grupo de
Estudos da Economia Cultural (GECAL) e professora da Universidade Salvador – UNIFACS.
3 Mestre em Administração de Empresas pela Universidade Federal da Bahia – UFBa.
Pesquisadora do Grupo de Estudos da Economia Cultural (GECAL) e professora da Universidade
Salvador – UNIFACS.

657
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

impacto de la economia cultural en el desarrollo urbano de la ciudad


de Salvador de Bahía (Brasil). Con este propósito examina aspectos de
la economia informal donde se destacan actividades vinculadas a el
carnaval, a los cultos africanos, a la artesania etc. que responden por
una representativa generación de empleo y renda para una población
estimada en dos millónes de personas negras y posicionadas en los
extratos de baja remuneración. Este articulo trata exclusivamente de
aspectos de la pesquisa relacionados con el carnaval.

Palavras-clave: Economía cultural; Economía urbana; Economía


regional; Antropología social; Generación de empleo y renta.

658
FRAGMENTOS

Economia cultural e informalidade

Um breve exame das teorias do desenvolvimento latino-


americano revela a utilização freqüente de um aporte teórico
dual clássico para análise do sistema econômico dos países em
desenvolvimento, no qual a estrutura de produção emprego e renda
é dividida em dois setores: o moderno e o tradicional (CACCIAMALI,
1991, p.123). Neste modelo os setores ditos tradicionais caracterizam-
se por baixa produtividade e baixa renda per capita, ao passo que nos
setores modernos a produtividade média assemelha-se àquela obtida
nos países industrializados.

Por volta da década de 1960 a existência de estratos econômicos


com níveis tecnológicos díspares demonstrou a existência de segmentos
sociais não necessariamente identificados como tradicionais ou
modernos. Havia surgido uma sociedade heterogênea, expressão da
forma peculiar que assumiu o desenvolvimento na América Latina.
Na década de 1970 o dualismo já não era um esquema útil para a
compreensão dos fenômenos sociais. O aparecimento e crescimento
de segmentos diferenciados das sociedades latinas – americanas,
especialmente o chamado setor informal urbano, contribuiu para o
desenvolvimento do conceito de heterogeneidade. A incorporação
de amplos segmentos sociais à produção moderna havia mudado o
panorama da organização social e econômica anterior. Este modelo
de desenvolvimento resultou na diferenciação de setores sociais em
função de seu grau de evolução e de sua capacidade de resistir às
crises. Na origem das diferenças estavam as diversas formas de
produção e tecnologias empregadas que determinavam produtividade
e capacidade de acumulação distintas. (LEÓN, 1996, p.79).

Tokman & Souza (1976, p. 65-69) afirmam que o setor


informal origina-se como uma conseqüência do excedente da força
de trabalho, o que, segundo estes autores permite postular que a
facilidade de entrada deveria constituir-se em uma característica
geral destas atividades.

O crescimento do setor informal em números absolutos,

659
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

porém, não poderia ser explicado apenas como conseqüência dos


excedentes de mão-de-obra do setor formal:

“A suposição de que o contingente de trabalhadores


ligados ao mercado informal é parte do exército de
reserva4 implica admitir que há uma continuidade
cultural e tecnológica entre os diversos níveis e
condições de participação no mercado de trabalho, que
permite aos trabalhadores transitar entre ocupações
regulares e transitórias, em resposta às mais diversas
oportunidades de trabalho que surgem” (PEDRÃO,
1998, p.72).

Pedrão (1998) argumenta que as referências educacionais são


fatores decisivos neste processo, no qual o baixo nível educacional
de uma parcela da população impede o seu acesso a informações
que poderiam permitir o ingresso em “profissões reconhecidas
como parte do segmento em que há renovação tecnológica e maior
mobilidade de renda. Tal exclusão, mediatamente, desqualifica essas
pessoas da condição de exército de reserva dos postos de trabalho
concretamente disponíveis” (PEDRÃO, 1998, p.72). Acessoriamente,
pode-se afirmar que a “fúria arrecadadora” e a intricada burocracia que
o setor público impõe para a legalização de empresas e contratação
formal de empregados empurra cada vez mais a economia para a
informalidade.5

Esta situação pode ser bservada na Bahia onde o estigma da


escravidão que dominou o Brasil por quatrocentos anos sob o “tacão”
da empresa colonial agro-mercantil portuguesa, deixou marcas até os
dias atuais. O negro liberto, por um processo de libertação tardio e

4 Considera-se que não é necessário aprofundar essa discussão abordando os conceitos


de exército industrial de reserva em Marx; a teoria do estado estacionário de Ricardo e da
destruição criadora de Schumpeter por não ser o objeto principal de estudo deste trabalho.
5 Segundo o IBGE (Pesquisa Mensal de Empregos) em setembro de 2003 os trabalhadores
informais em Salvador representavam 45,1% contra 41,8% daqueles que trabalhavam com
carteira assinada. A capital baiana perdia apenas para Recife (com uma relação de 49,4% contra
34,3%). São considerados trabalhadores informais tanto os que trabalham por conta própria
– que são na maioria camelôs e biscateiros – e os sem carteira assinada.. A soma não fecha
100% porque não estão incluídos os empregadores, funcionários públicos e trabalhadores não
remunerados. (Folha de São Paulo, quarta-feira, 5/11/2003, pág.B 10).

660
FRAGMENTOS

ineficiente, transformou-se no agregado (servo) rural, no sem-terra


e no “doméstico”. Na cidade, reduzido a mão-de-obra barata foi
confinado aos trabalhos pesados e menos sofisticados. Isto quando
não lhe restou a marginalidade, muitas vezes evitada pelas atividades
“informais” vinculadas e/ou derivadas dos cultos “afros” que
contribuíram para organizá-los e acabar por inseri-los em segmentos
do mercado (informal) onde são fortes pela potencialização do corpo.

Com baixa mobilidade social que perdura até hoje em função


da discriminação educacional, este contingente de origem africana
constitui a mão-de-obra básica da economia informal. Reforçando
esta argumentação, Azevedo (1999), em uma análise de dados da
PED (Pesquisa de Emprego e Desemprego) comparando dados de
1988 com outros coletados em 1998, afirma que “em relação à cor
parece que não se realizaram grandes modificações nos dez anos
entre as duas pesquisas, que, no entanto, evidenciam de forma clara
a inserção muito mais precária dos negros na·”.ação da RMS”. Esta
pesquisa revela que os negros tiveram sua participação reduzida nos
grupos que, justamente, mais aumentaram sua participação relativa
no mercado de trabalho neste período (grupo 01- ocupações técnicas,
científicas, artistas e assemelhados e grupo 02 dirigentes de empresa
e do setor público) principalmente em relação à ocupação como
empresários e dirigentes, particularmente na atividade de empresário
do comércio.

Azevedo (1999) conclui:

“Os dados ressaltam a grande estabilidade da participação


dos negros entre os ocupados, indicando que, mesmo
com as mudanças de política econômica e os avanços na
legislação e na consciência social contra a discriminação,
pouco muda na distribuição dos trabalhadores negros
entre os que permanecem ocupados, não se confirmando
a hipótese que apontava para uma relativa mobilidade
ascendente deste grupo de trabalhadores na Bahia”
(AZEVEDO, 1999, p. 14).

Outro fator a se levar em consideração é que o crescimento


urbano na América Latina precedeu à indústria, tendo se desenvolvido

661
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

independentemente dela, o que, por sua vez, levou à expansão de um


setor de serviços de baixa produtividade como o trabalho doméstico6,
comércio ambulante, trabalhos ocasionais, etc. estabelecendo-se
como uma forma social de dissimular e repartir o emprego (LEÓN,
1996, p. 84).

A análise da problemática do setor informal é também o


estudo de uma relação de dependência entre os setores formal e
informal, na qual o setor informal é subordinando dinamicamente ao
formal, e ajusta-se à sua estrutura produtiva.

“(...) a relação entre o segmento formal e informal é


simbiótica, já que a informalidade depende da demanda
do mercado formal para sobreviver, que a economia formal
transfere custos sociais para a informal, ao desentender-
se da reprodução dos trabalhadores informais, mas que
a produção informal concorre com a formal, mesmo
quando comandada pela primeira, seja, que a produção
informal é realizada por trabalhadores avulsos, ou por
trabalhadores empreitados pela produção formal (...)”
(PEDRÃO, 1998, p.62).

As dificuldades teóricas e fragilidades apresentadas nas


primeiras abordagens da problemática da informalidade geraram a
necessidade de estudá-la a partir das relações do trabalhador com
os instrumentos de produção. Segundo Cacciamali (1991, p.126), “o
novo enfoque rompe a abordagem dual estática substituindo-a por um
enfoque dinâmico subordinado e intersticial”. Assim, a informalidade
passa a ser contemplada no plano estrutural e cultural, traduzindo
uma lógica de sobrevivência original e não necessariamente aquela
do sistema dita “formal”, com o qual convive e de quem se alimenta
subsidiariamente.

Nesta concepção, o segmento informal é dito subordinado no


sentido de que seu espaço econômico é delimitado pela dinâmica
do capital, sendo continuamente redefinido. As atividades informais

6 Segundo o IBGE/PNAD em 2002 o emprego doméstico em residências absorvia 12% da mão-


de-obra empregada na RMS, contra 9% de absorção pela indústria.

662
FRAGMENTOS

atuam em espaços “ainda não ocupados, abandonados, criados e


recriados pela produção capitalista” (CACCIAMALI, 1983, p. 608),
caracterizando-se, pois, por uma inserção intersticial na estrutura
econômica.

O setor informal tende a guiar-se por uma lógica empresarial


diversa da racionalidade econômica formal, baseada no retorno sobre
o capital investido, na taxa de lucro e na acumulação (reinvestimento).
Entende-se, então, que o setor informal possui, sim, uma lógica própria
de atuação no mercado. É a lógica da sobrevivência que consiste na
busca de um retorno financeiro de curtíssimo prazo priorizando a
manutenção das necessidades básicas da família.

Entende-se que a racionalidade econômica dos


produtores informais – tipicamente os trabalhadores por
conta própria e os pequenos produtores – mira, ao invés
de uma taxa de retorno competitiva e/ou um processo
de acumulação, maximizar o fluxo de renda total que a
atividade possibilita perceber, de tal forma a permitir,
em primeira instância, a reprodução do produtor e de
seu núcleo familiar, e, em seguida, a manutenção da
atividade” (CACCIAMALI, 1991, p. 127).

A expressão informalidade, no entanto, contém uma grande


imprecisão conceitual, fruto da dificuldade de delimitação do seu
universo em função da pluralidade de atividades que são englobadas
sob este conceito e da diversidade de interrelações destas com o
setor formal. O setor informal urbano é normalmente relacionado
a ausência de registro legal das empresas ou dos trabalhadores ou
a atividades desenvolvidas por indivíduos autônomos. CACCIAMALI
(1989) destaca que o termo economia informal:

“(...) representa dois fenômenos distintos na literatura


especializada. O primeiro refere-se à existência de
produtores diretos que, de posse dos instrumentos de
trabalho e com ajuda de mão-de-obra familiar e/ou
alguns ajudantes, produzem bens ou serviços. O segundo
fenômeno refere-se àquela parcela da economia que
opera à margem do marco regulador do Estado, evadindo

663
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

impostos, contratando mão-de-obra de forma clandestina


ou subestimando o total da prestação de serviços ou da
comercialização” (CACCIAMALI, 1989, p. 30).

Neste contexto a economia cultural que transita entre a


formalidade e a informalidade, refere-se a um vigoroso campo de
produção, circulação e consumo de bens e serviços simbólicos, de
natureza material e imaterial, genericamente denominados bens ou
produtos culturais. Seu uso tem sido cada vez mais recorrente nos
meios acadêmicos, intelectuais e na mídia, embora a bibliografia
sobre o assunto ainda seja exígua. Existem algumas pesquisas que
estão sendo promovidas pelo Ministério da Cultura7 e estudos que
abordam a relação de determinados bens culturais com o mercado.
No entanto, não há uma conceituação explícita do que seja economia
cultural. Para discorrer sobre a economia da cultura talvez seja preciso
antes compreender os termos em separado, para depois ressignificá-
los em seu conjunto.

A importância da esfera econômica pode ser observada nos


diversos mundos culturais do planeta, em todas as épocas históricas
e em todas sociedades. Mas a noção de economia de mercado
delineou-se na modernidade ocidental e, mais especificamente, no
modo de produção capitalista.

O desenvolvimento do capitalismo coloca o mercado na


posição de regulador da vida social nas diversas sociedades que
adotaram este regime político-econômico.

A configuração das sociedades contemporâneas permite


interpretar tudo como mercadoria. Marx destaca que o modo capitalista
de organizar e reproduzir a sociedade exacerba o poder das coisas sobre
as pessoas, turvando as possibilidades de reconhecimento das relações
sociais subjacentes à produção das mercadorias e transformando-as
em fetiches. Para ele, o fetiche ou caráter ilusório das mercadorias, que
afinal satisfazem necessidades humanas, não se deve ao seu valor de
uso, mas, sim, ao seu valor simbólico.

7 Economia da cultura. Ministério da Cultura.Disponível em <www.cultura.gov.br>. Acesso


em: 10/03.

664
FRAGMENTOS

A sociedade capitalista, por um lado, generaliza o mercado,


aumentando enormemente a quantidade de mercadorias e, por
outro lado, diversifica, altera e multiplica os padrões de consumo,
transformando indivíduos em consumidores pela grande ampliação
da escala de suas necessidades (CANCLINI, 2001).

Featherstone (1995) avalia o movimento de generalização dos


mercados e de ampliação das necessidades e padrões de consumo da
sociedade contemporânea como fundador da “cultura do consumo”,
está compreendida, primordialmente, como “consumo de signos”.

É justamente o caráter simbólico das mercadorias que nos


permite falar em economia cultural, mas é preciso compreender
agora o que vem a ser cultura.

A palavra cultura é polissêmica e, como tal, são vários os seus


significados. Em alguns contextos, ela aparece como sinônimo de
erudição ou educação acadêmica.

No cenário midiático, cultura aparece geralmente associada


ao mundo das artes: cinema, teatro, televisão, etc. Do ponto de
vista socio-antropológico, entretanto, a cultura é concebida de
forma muito mais ampla. Trata-se de toda e qualquer criação
humana, real ou simbólica, que se expressa como modo de vida. Sua
concretude é, portanto, onipresente, pois se manifesta em todas as
esferas do cotidiano: política, econômica, religiosa, etnolingüística,
sociocomportamental e fenotípica. A cultura dos povos é a
interconexão de todas estas esferas, perpassando ainda os aspectos
históricos e geográficos (tempo/espaço). Edgar Morin compara a
cultura a um megacomputador altamente complexo. Em âmbito
universal ela é um gerenciamento coletivo da sobrevivência humana
e particularmente representa a identidade de um povo, expressa na
língua, nas práticas e no imaginário das comunidades.

“Para pensar as potencialidades econômicas


da cultura, é preciso alcançar sua dimensão mais
complexa para não aprisioná-la nas regras da
indústria cultural.”

665
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

No mundo contemporâneo, os diversos fenômenos que


delineiam o processo de globalização reservam à cultura um
papel central. Segundo Giddens (1991), ao mesmo tempo em que
as relações sociais se tornam esticadas, através de uma rede de
comunicação planetária, como parte do mesmo processo, vemos o
fortalecimento de pressões para autonomia cultural local. Tem-se uma
via de mão dupla: ao mesmo tempo em que se fala em mundialização
da cultura, em homogeneização de processos culturais, verifica-se o
desenvolvimento de fluxos locais, cada vez mais particularizados.

Na virada do milênio, a questão da cultura apresenta-se como


problema-chave que faz a mediação entre o fluxo globalizante e os
particularismos identitários ou entre a

homogeneização e a reposição das diferenças. Nesse contexto,


as variadas expressões culturais se configuram como mercadoria de
alto valor simbólico e dão corpo ao que vem sendo chamado de
economia cultural.

Este termo aponta o fato de que os processos da cultura


adquiriram, no mundo contemporâneo, uma dimensão econômica
inequívoca, já que geram produtos artísticos e comportamentais
(música, moda, etc.), beneficiando o mercado formal (lojas,
restaurantes, hotéis, bares) e o informal (ambulantes, artesãos). No
entanto, há muito o que investir neste campo.

A economia da cultura sugere uma interconexão de


fenômenos, na medida em que concatena toda uma expressão
comportamental (manifesta em vários níveis) com o mercado, como
categoria mediadora entre a dimensão social e simbólica e a esfera
econômica das sociedades.

Para pensar as potencialidades econômicas da cultura, é


preciso alcançar sua dimensão mais complexa para não aprisioná-la
nas regras da indústria cultural. Afinal de contas, os produtos culturais
estão enraizados na vida cotidiana dos povos. Eles são resultado
de uma experiência sensível, às vezes, tramado no anonimato da
vida comunitária e esse capital cultural que agora emerge como
mercadoria aponta a necessidade de um redimensionamento das

666
FRAGMENTOS

noções de centro e periferia. Nesse contexto, as fronteiras perdem


densidade para dar lugar à experiência concreta do pertencimento a
um espaço, um bairro, um território, uma cidade.

Para que as culturas locais gerem desenvolvimento econômico,


deve-se ter em vista não somente a diversidade de manifestações
que um povo é capaz de criar, mas é também necessário alargar as
políticas públicas e formar quadros para a gestão cultural.

A produção cultural de Salvador, desde as últimas décadas,


vive uma grande efervescência. Além de ocupar um lugar de destaque
na cena da mídia e alimentar um importante mercado artístico, tem
sido um dos principais elementos divulgadores da imagem da Bahia
tanto no Brasil quanto no exterior. Para Tânia Fisher (1996), “Salvador
viveu um processo de transformação da cultura em mercadoria que
surgiu da música afro-baiana, que por seu lado começou a encontrar
eco no Carnaval, mas que em pouco tempo se transformou numa
presença econômica de importância fundamental”.

Carnaval
Uma breve revisão histórica

O Carnaval constitui a mais importante manifestação cultural


de Salvador, pela massa de recursos humanos e financeiros que
mobiliza numa simbiose com todo o organismo sócio cultural da
cidade e pela imagem que produz para a Bahia, projetando-a de
forma significativa no mercado cultural nacional e internacional.

“... o carnaval resulta de mais uma forma


do sincretismo que marcou a posse dos espaços
culturais pela cultura africana...”

667
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

Este evento que se desdobra num amplo território real e


simbólico permite uma multiplicidade de leituras, sendo vasta a
produção acadêmica a seu respeito.

A compreensão deste fenômeno cultural requer, mesmo


que de forma resumida, uma revisão do seu processo de evolução
histórica de sorte a possibilitar um entendimento mais amplo do
contexto em que este atualmente se situa e dos seus impactos nas
diversas economias, formais e informais, que convivem nas diferentes
circuitos antagônicos que coabitam o espaço urbano multifacetado
de Salvador (SANTOS, 1979).

Introduzido pelos portugueses através do entrudo, ainda no


período colonial, o carnaval resulta de mais uma forma do sincretismo
que marcou a posse dos espaços culturais pela cultura africana,
notadamente numa época de jugo escravocrata que identificava
os batuques como manifestações pagãs que atentavam contra a
segurança e a perpetuação do processo civilizador católico-europeu.

Evoluiu gradativamente, de início como uma festa popular


em que ficava bem delineada a distância que segmentava brancos e
negros. Segundo Guerreiro (2000) citando Fry et alli (1988), o carnaval
depois da abolição e da república passou a dramatizar duas posições:
civilização (riqueza) versus barbárie (pobreza); e Europa versus África.
Grande parte do espaço, já definido entre o Campo Grande e a Praça
Castro Alves, via avenida Sete de Setembro, passa a ser ocupado pelos
préstitos, espécie de desfile de clubes carnavalescos organizados.
Havia os clubes de brancos como os Fantoches da Euterpe, Cruz
Vermelha, Inocentes em Progresso etc. e os clubes de negros como
Embaixada Africana, Pândegos da África, Guerreiros da África e
outros. A despeito desta forma organizada de carnaval os batuques
corriam soltos pela cidade a despeito da severa perseguição policial.

Com o passar dos anos, os préstitos foram perdendo seu vigor


inicial acabando por desaparecer na década de 30 (Góes, 1982). O
carnaval passa a se constituir então, de bailes de brancos em clubes
privados e dos persistentes batuques nas ruas da cidade. É somente
no fim dos anos 40 que surge uma nova e expressiva manifestação
da cultura negra: o afoxé.

668
FRAGMENTOS

Em 1949 nasce o primeiro afoxé da Bahia (Filhos de Gandhi),


uma organização carnavalesca que tinha o intuito de divulgar o
candomblé. Composto por estivadores do cais de Salvador, praticantes
do culto, os Filhos de Gandhi pretendiam reverter o estigma que
carregava devido à sua cultura religiosa e reafirmando sua origem
africana, desfilaram no carnaval daquele ano, cantando e dançando
sob o símbolo da paz. Este pode ser considerado o primeiro ato
organizado de caráter étnico no carnaval da Bahia.

Pensando sobre a origem dos afoxés, Edson Carneiro vai


comentar que “esse estranho cortejo de negros que tocam atabaques
e entoam canções em nagô, em louvor das divindades do candomblé”
(1982, p.101) são manifestações mais modestas dos préstitos de
negros que se apresentavam nos primeiros carnavais, já sob a
republica. O autor os identifica também com antigos cortejos dos
Reis do Congo, muito comuns na época da escravidão. De fato, os
afoxés são passíveis de serem aproximados tanto dos préstitos (pelo
seu caráter de desfile étnico) quanto das congadas, pois segundo
Mário de Andrade, “os congos são uma dança dramática de origem
africana rememorando costumes da vida tribal. Na sua manifestação
mais primitiva e generalizada, não passam de um simples cortejo real,
desfilando com danças cantadas” (1977, p.81). Roger Bastide (1974)
completa esclarecendo que, as congadas são expressões do negro no
Brasil (africanos ou crioulos) pois, tal como aqui se manifestaram esses
cortejos nunca ocorreram em África. Os afoxés podem, portanto, ser
considerado uma legítima expressão da cultura afro-baiana.

Os primeiros afoxés podem ser simplesmente descritos como


“candomblés de rua”. Quase todos os membros dos antigos afoxés
se vinculam ao culto. Seus músicos são alabês (tocadores de tambor
nos terreiros), suas danças reproduziam as dos orixá, seus dirigentes
eram babalorixás (chefes de terreiro que dominam a língua ioruba) e
o ritual do cortejo obedecia à disciplina da tradição religiosa. Como
descreve Antonio Risério, “antes de iniciar o desfile realiza-se, nos
afoxés, uma cerimônia religiosa: o padê, despacho de Exu, entidade
mágica (...) Só depois do padê é que o afoxé se entrega aos cantos
e danças iniciando sua peregrinação religiosa” (1981, p. 56/7),
Assim, os afoxés trazem para as ruas da cidade a batida ijexá dos

669
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

cultos de Candomblé. Este ritmo será, mais tarde responsável pelo


reflorescimento da musicalidade afro-baiana.

Mais recentemente, outros afoxés tais como Badauê, Ojú, Olori,


etc, que surgiram a partir dos Filhos de Gandhi, já não obedeceram
à tradição religiosa e a participação de pessoas ligadas aos terreiros
não é rigorosamente observada. Esses novos afoxés são acusados
de profanar os elementos sagrados, entre eles a batida ijexá, pois
os cânticos já não são obrigatoriamente recolhidos do repertório
litúrgico dos terreiros e as danças dos orixá são apresentadas mais
livremente. Somente o afoxé fundador mantem-se fiel até hoje a
todos os elementos rituais reafirmando a relação visceral entre o
carnaval negro de Salvador e a cultura religiosa. Para Morales (1988),
o Filho de Gandhi jamais se utilizou de um discurso étnico político
explícito mas, no entanto, pode ser visto como um paradigma de
organização negra de resistência cultural. É importante reter que os
afoxés lançam a semente que engendrará os blocos afros e estes,
veremos mais adiante, vão lançar mão de um discurso étnico-político
com o intuito de construir um novo espaço posição para os pretos no
carnaval de Salvador.

A virada dos anos 40 para os anos 50 é um momento chave


para o carnaval da Bahia. Além do surgimento dos afoxés, temos ainda
o advento do trio elétrico, um dos mais importantes acontecimentos
musicais de Salvador. O desfile da Fobica (o primeiro trio elétrico
inventado por Dodô e Osmar) é um marco histórico, pois representa
uma nova forma de brincar o carnaval e uma profunda transformação
na cultura baiana e brasileira, que até então navegava entre duas
tendências: a música erudita inspirada em modelos europeus e o
batuque (com suas múltiplas variações) herdeiro da musicalidade
africana. A maior contribuição do trio elétrico talvez tenha consistido
no estabelecimento de um espaço livre e na democratização racial da
festa.

A criação do trio elétrico foi motivada pela visita do clube


carnavalesco Vassourinhas, de Recife, que animou as ruas de Salvador
com o frevo – gênero musical pernambucano (de origem européia)
que é também uma dança. Impactados com a euforia causada pelo

670
FRAGMENTOS

clube nas ruas da cidade, os então anônimos Dodô e Osmar pensaram


em eletrificar aquele ritmo e inventaram o frevo baiano, executando
num instrumento construídos por eles, chamado de pau elétrico
(um tipo de guitarra conhecida hoje como guitarra baiana), o qual
tocavam em cima da “velha fobica”, desfilando ao lado das escolas de
samba, cordões, blocos e afoxés que foram se organizando ao longo
desses anos, sobretudo como da população negro-mestiça para
brincar o Carnaval. Embora alguns brancos também se organizassem
em blocos e cordões, a maioria ainda preferia a tranqüilidade de seus
clubes privados.

O sucesso do trio elétrico foi crescente, nos anos subseqüentes


já havia vários outros.Os trios enfraqueceram o caráter de desfile da
festa e incentivaram muitos foliões brancos a vir brincar na rua e criar
um carnaval mais livre e participativo, viabilizando a reconstrução
do espaço diferenciado para brancos e negros no carnaval. Nesse
momento a separação entre raças e as classes sociais perde sua força
como observa Gomes (1989), o trio elétrico estabelece uma espécie
de “território livre” onde todas as diferenças sócio-raciais se misturam
numa forma de congraçamento cultural.

No entanto, esse território aberto vai aos poucos se desfazendo,


à medida que os blocos carnavalescos vão adquirindo seus próprios
trios elétricos, demarcam os espaços que separam seus componentes
por cordas de isolamento. Como a aquisição de trios elétricos é uma
transação que envolve a mobilização de substanciais recursos, a
participação nesses blocos passa a custar caro e, conseqüentemente,
a sua composição só abrigará pessoas de alto poder aquisitivo, ou
seja, os “brancos da terra”. Ato continuo a população negromestiça
da cidade passa a se organizar num tipo de bloco de índio embalados
pelo samba formando o contraponto daqueles denominados de
blocos de barão, embalados pelo frevo baiano. Assim, a clivagem
sócio-racial volta a se delinear com clareza e delimita os territórios
festivos da seguinte maneira: o segmento branco da sociedade opta
por brincar o carnaval ou nos tradicionais bailes dos clubes sociais
privados ou nos blocos de barão, tais como Internacionais, Camaleão,
Traz os Montes, etc. Já o segmento negro mestiço encontra espaços
nos afoxés e nos blocos de índio, tais como Apaches do Tororó, Sioux,

671
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

Comanches, etc.

Os pretos da Bahia se identificavam com grupos indígenas


norteamericanos, que além dos nomes dos blocos inspiravam também
suas fantasias (tangas, cocar, arco e flecha) e seus gritos de guerra.
Os seus desfiles exibiam um gosto pela violência, muito temido pelos
foliões brancos, a ponto de autoridades policiais imporem limites
para o número de participantes desses blocos (cerca de mil pessoas),
a fim de melhor controlar, nos dias da festa, os embates entre os
blocos notadamente de caráter classista e racial (GODI, 1981).

Roberto da Mata dá uma pista interessante para pensar


a apropriação da imagem do índio por camadas negro-mestiças
de Salvador. Nos termos do autor, o carnaval é “um campo social
cosmopolita e universal, polissêmico por excelência (...) o mundo da
metáfora” (1990,p.49). O recurso a um outro grupo étnico também
oprimido, porém temido, como eram os índios do oeste americano
(em que pese a força do imperialismo cultural exercido pela América
do Norte), tinha o sentido de recolocar, metaforicamente, a opressão
vivida pelos pretos na nossa sociedade, onde pode-se ler também a
sua disposição de luta contra os brancos, vistos como opressores.
A identidade social aparece nos blocos de índio de maneira velada,
travestida. De algum modo, o negro se disfarça de índio para
manifestar-se no cenário do carnaval (GODI, 1981). No entanto, é
importante chamar atenção para o fato de que mais um modelo de
organização negra se consolidava lançando uma nova semente para
a constituição dos blocos afro-carnavalescos.

“... a participação nesses blocos passa a


custar caro e a sua composição só abrigará
os “brancos da terra...”

“De algum modo, o negro se disfarça


de índio para manifestar-se no cenário do
carnaval...”

672
FRAGMENTOS

A efervescência dos blocos de índio e dos blocos de barão,


além dos territórios livres dos trios elétricos autônomos, de certa
forma determinaram, já no início dos anos 70, o desaparecimento das
escolas de samba da Bahia, como Ritmos de Liberdade, Juventude do
Garcia, Diplomatas de Amaralina, entre outras. Essas escolas, muito
populares nos anos 60, não resistiram à crescente ocupação física
e sonora dos blocos de trio (GOMES, 1989) e a maior parte de seus
integrantes foi cooptada pelos blocos de índios.

Os anos 70 representam um novo e importante momento


para o carnaval de Salvador. No seu curso, nasce o movimento de
negritude anunciando a consciência racial entre as camadas negro-
mestiças da cidade da Bahia. A primeira expressão dessa consciência
são os blocos afro-carnavalescos que começam a se organizar em
torno da autovalorização da imagem do negro.

Na criação do bloco Ilê Aiyê, em 1974, está o ponto de partida


desse movimento que vem redefinir o espaço e a posição dos negros
de Salvador. O Ilê Aiyê nasceu na Liberdade, bairro proletário de
imensa população negro-mestiça. Antonio Risério (1981) tem razão
quando afirma que os pretos da Liberdade foram os primeiros a
manifestar sinais da consciência da negritude procurando demonstrá-
la através das roupas, dos cabelos, da linguagem e, sobretudo pela
sua capacidade de organização. Mobilizados em torno do carnaval
elaboraram um tipo de música que, a partir da batida matriz Ijexá
deu origem a uma variedade de ritmos percussivos, responsáveis pela
ascensão da música afro em Salvador.

A principal característica do Ilê Aiyê, que de imediato


demarca sua diferença, é o fato de ser um bloco de negros onde é
rigorosamente vetada a entrada de brancos. Segundo Vovô, como
é conhecido o fundador do bloco, essa é uma postura política. Sem
duvida, evoca a noção de etnicidade e se desenha na medida em que
o Ilê Aiyê celebra a África em seus múltiplos aspectos, apropriando-
se de elementos culturais reinventados, ao mesmo tempo em que,
lançando mão do exclusivismo étnico baseado na cor-da-pele, (antes
nunca explicitado como regra) denuncia, às avessas, a intolerância
dos brancos em relação aos pretos. Assim, busca demolir o mito da

673
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

democracia racial que encontrou largos espaços na Bahia.

O Ilê Aiyê se propõe a mostrar a grandeza do universo negro a


fim de modificar a auto-imagem dos pretos de Salvador. Como qualquer
bloco carnavalesco caracteriza-se pela indumentária (ou fantasia) e
pela música. A composição das roupas do Ilê Aiyê é cuidadosamente
preparada a partir de pesquisas sobre povos e regiões da África
que o bloco tematiza a cada ano. Os cabelos aparecem trançados
de variadas maneiras ou ainda em forma de gomos, popularizando
o estilo rastafari. Esses são elementos que denotam a preocupação
estética do grupo. A musicalidade do bloco caracteriza-se pelo uso de
tambores percutidos por umabanda ou bateria que reinventa ritmos
de sonoridade africana como o ijexá e o reggae, originando um ritmo
característico dos blocos afros que é o samba-reggae.

Misturando referências delineia a contemporaneidade musical


afrobaiana. A canção de estréia do Ilê Aiyê mostra claramente a sua
proposta: “que bloco é esse? / eu quero saber/ é o mundo negro/
que viemos mostrar pra você/ somos crioulo doido, somos bem legal/
temos cabelo duro, somos Black Power(...)”. No rastro do Ilê Aiyê
surgiu uma série de outros blocos afro como Olodum, Muzenza,
Araketu, Malê de Balê, etc, que conscientemente explicitaram, no bojo
do movimento de negritude, o conflito racial na cidade de Salvador.

A presença dos blocos afro traz uma nova marca para o


carnaval baiano – as danças. Muito inspiradas nos movimentos das
danças rituais do candomblé, a cada ano são recriadas, nos ensaios
dos blocos, novas coreografias, que em geral recebem nomes de
animais como a dança da galinha, do crocodilo, a do macaco etc. O
movimento musical afrobaiano evidencia tal como no candomblé e
em África, a inseparabilidade entre música e dança.

Os blocos afros, com sua grande capacidade de organização


e aglutinação, alcançaram a partir dos anos 70 uma crescente
popularização, não somente devido a sua estética neo-africana,
evidenciada nos tecidos coloridos de desenhos geográficos, nos
cabelos trançados ou à moda rastafari, no modo de tocar tambor, na
sua postura corporal, na dança estilizada dos orixá, mas sobretudo,
a sua imensa aceitação e consolidação deve-se à força de sua música

674
FRAGMENTOS

, cuja vitalidade influenciou decisivamente a música produzida nos


blocos de trio, dando também origem ao suingue afro-baiano,
aqui conhecido como dança de rua baiana, que conquista e seduz
os turistas, dada a força da sensualidade que os negros conseguem
passar dançando. Assim começa a se delinear aquele que será no
início dos anos 90 um dos mais importantes acontecimentos musicais
no circuito mediático do país: a Axé Music.

Inicialmente, muitos blocos de trio passaram a tocar as


canções dos blocos afro sob uma instrumentação eletrificada e assim
nasce o afro-pop. A matriz dessa função musical é a canção “Faraó
– Divindade do Egito”, composta pelo bloco afro Olodum, que em
1987 estarreceu fazendo um samba-reggae cuja letra estabelecia
uma relação entre Faraós do Egito, os reinados africanos e a Bahia.

A repercussão do samba-reggae “Faraó” foi explosiva. Cantada


exaustivamente pelo povo nas ruas da cidade antes mesmo do
carnaval, durante as festas de largo. Ao tocála com seus instrumentos
eletrônicos, os trios elétricos, incrementaram a fusão da música afro
com a pop. ”Faraó” é apenas um nome de uma imensa lista de
canções de bloco afro-baianos que foram incorporadas ao repertório
dos trios por pressão popular, pois até então (1987) a mídia ainda
não as veiculava.

O processo que desencadeava a popularidade das canções


afro, já no período anterior ao carnaval, era informações passadas
de boca-a-boca, prática conhecida em Salvador como correio nagô.
Durante os ensaios dos blocos afro, ao longo do ano, as músicas
são continuamente tocadas e rapidamente tornam-se conhecidas
nos populosos bairros negros-mestiços da cidade, tais como
Liberdade, Pelourinho, Itapuã, Periperi, etc, locais de origem dessas
organizações carnavalescas. São nesses territórios, portanto, que o
fluxo de africanização da cidade da Bahia ganha seus contornos mais
definidos. O binômio música-lazer é, sem dúvida, o grande catalisador
de imensos contingentes de jovens que se dirigem para as quadras de
ensaio a fim de cantar e reafirmar a força e a riqueza da cultura afro-
baiana, fortemente valorizada no movimento negritude.

A popularidade das canções dos blocos afro detona o novo

675
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

movimento musical baiano, hoje conhecido nacionalmente como Axé


Music internacionalmente como World Music. Este estilo musical
funde os ritmos de sonoridade africana desenvolvidos na Bahia (do
Candomblé aos blocos afro) e o frevo baiano de instrução pop.

A primeira expressão da Axé Music cooptada pela mídia foi o


ritmo conhecido como fricote capitaneada pelo cantor de trio Luiz
Caldas do bloco Beijo. Seu trabalho lança na mídia a ponte entre a
música afro e a música de trios. Misturando, portanto, os estilos mais
marcantes da musicalidade baiana.

É também no seio do carnaval que nasce a “rainha da Axé


Music”a cantora Daniela Mercury. Cantando há muitos anos no trio
elétrico do bloco Internacionais (bloco de barão), a artista consegue, na
virada dos anos 90, projeção nacional com um repertório basicamente
montado a partir das composições dos blocos afro mais famosos
de Salvador, imprimelhes uma roupagem pop, mas não dispensa a
percussão de tambor que os caracteriza. Nas estrofes da música que
a popularizou...”quem é que sobe a ladeira do Curuzú,que é a coisa
mais linda de se ver é o Ilê Ayê” ela reverencia o bloco e a beleza da
cultura negra além de projetar para o mundo o bairro pobre onde
fica situado o bloco, fazendo com que várias instituições e turistas
passassem a querer freqüentá-lo e a realizar filmes mostrando a vida
no local e mudando a imagem de bairro violento antes vigorante.

A fusão que desemboca na Axé Music faz a conexão entre a


música de preto (ritmos afro-baianos) e a música de branco (frevo
baiano), e de certa forma reorganiza o espaço inter-étnico no carnaval
de Salvador. Muitos brancos atraídos pela força da cultura afro baiana
procuram participar de seus espaços dando-lhes uma composição
multiétnica (o bloco afro Olodum, aglutinador de muitos brancos é
um bom exemplo disso). No entanto os territórios estabelecidos pelo
espectro racial continuam demarcados.

676
FRAGMENTOS

“O carnaval de Salvador constitui atualmente


um dos maiores eventos culturais do País...”

No seio do carnaval, o movimento de negritude organiza-


se em blocos afro e sinaliza o processo de construção de uma nova
identidade negra. Um mergulho mais aprofundado na musicalidade
afro-baiana será capaz de delinear os contornos desse processo.

Balanço de um mega evento

O carnaval de Salvador constitui atualmente um dos maiores


eventos culturais do País, sendo considerado por alguns estudiosos
do assunto como a maior festa popular de rua do mundo. Sendo
uma festa móvel ocorre entre os meses de janeiro e março de cada
ano, tendo em Salvador uma duração oficial de seis dias começando
na quinta – feira à noite e encerrando-se na madrugada da quarta –
feira de cinzas.8 Em 2003 ocupou 25 km de ruas das quais 50% foram
utilizadas para os desfiles nos três circuitos em que se dividiu a festa
e nos quatro bairros onde foram montados palcos .

“O carnaval é a base a partir da qual pode-se


compreender a ampliação do mercado de música
baiana...”

8 Os dados desta pesquisa referem-se a este período. Na realidade Salvador vive em carnaval
grande parte do ano, notadamente no período de verão que se estende de dezembro (quando
começa o ciclo de festas populares) até março quando se inicia o inverno. As principais cidades
do interior do estado promovem ao longo do primeiro semestre de cada ano, os seus carnavais
fora de época (micarêtas) que constituem um sólido mercado para as empresas carnavalescas
estabelecidas em Salvador.

677
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

Fizeram a festa 199 entidades carnavalescas compostas por


14 afoxés ; 32 blocos afros; 15 blocos alternativos; 32 blocos de
trio; 02 blocos de índios; 06 blocos infantis;14 de percussão; 14 de
percussão e sopro; 11 travestidos; 03 orquestras; 01 bloco especial;
26 pequenos grupos e 29 trios independentes.

Além destas entidades se apresentaram nas ruas da cidade


445 grupos musicais, envolvendo um contingente de 7.000 artistas.

Segundo as estimativas da Empresa Municipal de Turismo


- Emtursa, registrou-se um fluxo diário de 2,2 milhões de pessoas
nos circuitos carnavalescos, sendo 950 mil turistas e 1,15 milhão de
moradores. O público nos bairros atingiu um total de 270 mil pessoas
que se distribuíram por Cajazeira (30%); Liberdade (28%); Itapuã
(25%) e Periperi (17%). Segundo as pesquisas oficiais cerca de 450
mil pessoas participaram como foliões nos blocos, contudo, dadas as
condições econômicas da população, foram majoritários os foliões
“pipoca”9 que representaram 45% do público participante.

Em 2003, segundo a Emtursa, o fluxo de turistas foi inferior


ao registrado nos anos anteriores de 2002 e 2001. Isso reflete,
naturalmente a conjuntura de crise internacional e nacional nos
planos político e econômico. Os turistas estrangeiros em 2003,
corresponderam a 25% do total de visitantes com o predomínio e
norte-americanos (14%); israelenses (13%) e italianos (13%). Também
compareceram significativamente, mas em menor número, os alemães
(5%); franceses (4%) e ingleses (4%). Os argentinos que responderam
por 5% dos visitantes em 2002, em decorrência da grave crise
atravessada por seu país, não aparecem nos registros significativos
deste último carnaval. Entre os turistas nacionais predominaram em
2003 os paulistas (19%) que superaram os cariocas (majoritários em
2002 com 21% declinando para 18% em 2003); os mineiros (14%) e
os brasilienses (11%).

9 Folião que não participa de qualquer entidade carnavalesca e que brinca livre nas ruas.

678
FRAGMENTOS

A economia do carnaval

O carnaval é a base a partir da qual pode-se compreender a


ampliação do mercado de música baiana, uma das mudanças mais
importantes do cenário soteropolitano nos anos 90, pois implica
o fim da sazonalidade de seu consumo e na consolidação da axé-
music como estilo no mercado fonográfico local e nacional. Os blocos
carnavalescos ampliaram as atividades de suas respectivas bandas e
se transformaram em produtoras com sedes próprias e expediente
corrente, criando empregos diretos e indiretos durante todo o ano.
Segundo Ary da Mata, diretor da Casa do Carnaval, “Quem primeiro
apontou para o caminho da profissionalização foram os blocos de
trio”10. Estes blocos colhem a fatia mais lucrativa desse setor da
economia baiana, que atrai para Salvador milhares de turistas no
período carnavalesco. O lucro dessas empresas vem da venda de
vestimentas para os associados dos blocos, patrocínios e shows.
Os blocos de trio, mesmo competindo pela conquista de novos
associados, se unem em torno de interesses comuns e impulsionam
a “indústria axé”. O capital que move este mercado vem de todos os
lados. A fonte mais conhecida é a dos blocos e seus associados, mas
há também o patrocínio para trios e a publicidade veiculada nos
caminhões-palco.

A cada ano acentua-se mais a profissionalização dos blocos


carnavalescos e a exploração da festa, exemplo disto é a criação da
Central do Carnaval que reúne quinze entidades para a comercialização
dos seus ingressos. Com a Central o folião pode variar o seu cardápio
de participação na festa, variando de blocos, assim omo regular o
número de dias em que deseje participar da festa.

As produtoras começaram a movimentar dinheiro contratando


suas bandas e trios para outros eventos ligados ao Carnaval (além das
tradicionais micarêtas que se realizam em todo o interior do Estado
da Bahia). Amparadas na consolidação do estilo axé, as bandas

10 Ary da Mata in Jornal A Tarde, A baianização do Brasil, 30.5.95.

679
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

baianas, a partir de 92, organizam um circuito de festas no Brasil,


chamado “carnavais fora de época”, um novo filão do mercado que
estende as suas atividades, na medida em que promove o consumo
desta música e sua permanência nas paradas de sucesso em qualquer
época do ano.

O mercado também se expande através dos chamados “blocos


alternativos” como o Nana Banana do Chiclete com Banana; Adão
do Eva; Côcobambu do Asa de Águia, Eu Vou do Pinel; etc, espécies
de filiais dos grandes blocos, que mantém a estrutura básica, mas
barateia os custos para os associados e não desfilam no circuito
central da cidade, e sim no circuito da orla. Os blocos alternativos
desfilam no circuito Barra- Ondina, para onde a folia se estendeu
nos últimos anos, devido ao aumento do número de foliões trazidos
sobretudo pelo turismo.

Um outro braço da atuação empresarial das bandas baianas


de trio elétrico são os franchises. Este tipo de negócio, iniciado pelas
bandas de grande porte, a partir de 93, coloca os blocos em outras
praças e envolve o prestígio da banda e, na maior parte dos casos, na
utilização do nome do bloco. O setor de relações públicas da Mazana,
produtora da Banda Chiclete com Banana, a primeira a se lançar neste
novo negócio, explica suas intenções: “O nosso projeto é estar em
cada capital e grande cidade brasileira”11. Para tanto, a indústria axé
movimenta um alto capital financeiro e simbólico.

Aliado ao caráter empresarial, outro fator que explica a


ascensão da música produzida na Bahia e sinaliza a profissionalização
crescente dos músicos locais, é o acesso a uma parafernália eletrônica
de alta qualidade.

Além disso, nos anos 90, houve ainda a diluição do fluxo


migratório em direção ao Sudeste, que caracterizou a trajetória
de artistas baianos em décadas anteriores. Desde os anos 30, para
inserir-se no mundo da música no Brasil era preciso morar no Rio de
Janeiro, a capital do país. Ali se encontravam todas as possibilidades
de ascensão profissional dos músicos. O mercado fonográfico, os

11 Jaíra Zeidjen, in Jornal A Tarde, 31.5.95.

680
FRAGMENTOS

estúdios de gravação, a distribuição e divulgação dos discos, os


grandes eventos musicais, a visita de artistas internacionais, etc.

No final dos anos 80, este fluxo migratório se desfaz. Todos os


artistas produtores de axé-music moram em Salvador. Para Caetano
Veloso, “o que é inegável é que um fenômeno de proporções
estupendas se evidenciou.

Na minha geração tivemos que sair da Bahia para trabalhar.


Daniela Mercury e Netinho são milionários em Salvador e são pessoas
das mais trabalhadoras da MPB”.12 A suspensão do fluxo migratório
em direção ao sudeste só foi possível a partir da ascensão comercial
da axémusic, que ancora a indústria fonográfica da Bahia e desafia a
hegemonia do eixo Rio–São Paulo.

Paulo Miguez tem razão quando afirma:

O carnaval baiano na sua configuração atual de carnaval-


negócio ou carnaval-produto qualifica-se, portanto, como
um megaempreendimento capaz de gerar, transformar
e realizar seus múltiplos produtos articulando-se, de
forma multifacetada, com a indústria cultural e seus
aparatos (rádio, televisão, indústria fonográfica, indústria
do lazer) e, neste ritmo, explicita intensamente uma
contemporaneidade onde se inscrevem possibilidades
reais de construção de políticas culturais e estratégias
de mercado. Vale a pena ressaltar, entretanto, que o
carnaval, ainda que não represente a totalidade do
universo da produção cultural da Bahia, apropria,
transforma, beneficia, e realiza grande parte dessa
produção. (MIGUEZ,1988).

Este rentável mercado de música baiana, expandido a partir


da festa carnavalesca, reorganiza também outros setores da produção
cultural. Os grupos musicais estenderam suas atividades em alguns deles
transformaram-se em holding – espécie de empresa com vários ramos
de atuação. O Olodum, por exemplo, comercializa em sua boutique
vários produtos que levam sua marca como camisetas, bonés, chaveiros,

12 Caetano Veloso in FSP, Ilustrada, Caetano, de novo, 22.11.97.

681
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

sapatilhas, adesivos, toalhas etc. Segundo o presidente da entidade,


João Jorge, todo o dinheiro arrecadado serve para viabilizar a Fábrica
de Carnaval, que produz todos os ítens à venda na boutique, além das
fantasias do bloco e de instrumentos percussivos. Parte desta produção é
exportada. “Mesmo antes de ser instalada a Fábrica já tem encomendas
de um bloco afro-londrino e de outro dos Estados Unidos”13, afirma João
Jorge que promete emprego para cerca de 350 pessoas da comunidade.

“Os blocos afro-carnavalescos investem ainda


numa variedade de cursos profissionalizantes,
geralmente relacionados aos seus interesses...”

Estas atividades desenvolvidas com as comunidades locais têm


grande importância mercadológica.14 Tudo isso implica produção de
artesanato local. Sabemos que a maior parte dos produtos “baianos”
comercializados no Mercado Modelo, no Pelourinho e na Feira de São
Joaquim vem de fora (Ceará, São Paulo, China, países da África, etc).
O que é fabricado aqui é justamente a produção inspirada no mundo
afrobaiano (tambores, e produtos das griffes dos blocos).

Os blocos afro-carnavalescos investem ainda numa variedade de


cursos profissionalizantes, geralmente relacionados aos seus interesses,
como, por exemplo, corte e costura, onde os alunos são aproveitados
para a confecção das fantasias dos blocos; cursos de estamparia; ou
ainda cursos para cabeleireiras. O campo da moda em Salvador se
beneficia, portanto, da atuação das organizações musicais afro-baianas.

Todos esses elementos (carnaval, música/dança, artesanato,

13 João Jorge in Tribuna da Bahia, Olodum cria griffe de moda e inaugura Fábrica de Carnaval,
19.12.91.
14 Atividades como cursos de capoeira e cursos de teatro que formam atores negros também
são oferecidos pelas organizações mais struturadas. Exemplo disso é a ONG Escola de Educação
Percussiva Integral que rabalha com 100 adolescentes no bairro da Engomadeira, ensinando a
tocar e a fabricar instrumentos de percussão além de português, matemática,
informática, inglês e ancestralidade, entre outras disciplinas.

682
FRAGMENTOS

moda) se concatenam no mundo do turismo. Salvador é uma das


cidades que mais têm investido nas conexões entre cultura e turismo e
se diferencia no mercado turístico pela singularidade e diversidade de
sua produção cultural. A expressão cultural soteropolitana ocupa um
lugar privilegiado no marketing publicitário e desempenha um papel
importante na formulação de estratégias turísticas, que permitem atrair
fluxos nacionais e internacionais.

Os números do carnaval de 2003 fornecidos pela Emtursa


demonstram o impacto produzido por esta festa popular na economia
da cidade. Assim, em termos da geração de negócios foram mobilizados
neste ano valores estimados em R$ 821,4 milhões.15 Como demonstra a
Tabela 1, seguinte, a apropriação direta destes recursos pela população
de baixa renda, inserida nas categorias de ambulantes, barraqueiros e
baianas de acarajé totalizou R$ 33,2 milhões, ou seja, 4,05% do montante
dos recursos gerados pela festa. Observe-se que parte substancial desta
receita (85%, ou sejam R$ 28,4 milhões) constituiu receita da venda de
bebidas, uma atividade de margem muito pequena para o vendedor.
Considerando que trabalharam nestas categorias 54.005 pessoas, (ver
Tabela 2) obtém-se uma renda percapita de R$ 615,87 no período. Já
os 83.180 cordeiros,16 seguranças, recepcionistas, garçons e pessoal de
limpeza empregados temporariamente auferiram R$ 17,6 milhões, ou
seja, 2,14% da renda total da festa e o equivalente a um rendimento per
capita de R$ 213,60.

Os resultados produzidos pelo carnaval estão concentrados em


um grupo restrito de organizações privadas (Empresas Carnavalescas
35,42%; Empresas de Transporte 24,40%; Indústria Fonográfica e Mídia
16,59%; Bebidas 7,67%)17 que absorvem 84,08% de toda a renda gerada.

15 Não se teve acesso à metodologia adotada pela Emtursa para chegar a estes valores que
podem, inclusive, estar subestimados dado o elevado grau de informalidade que caracteriza
a economia cultural da cidade do Salvador. Não foi estabelecida comparação com a receita
gerada nos anos anteriores tendo em vista que os dados apresentados não estabelecem se os
preços estão registrados em bases nominais ou reais.
16 Cordeiros são pessoas contratadas para segurar as cordas que delimitam o espaço privativo
dos blocos, separando seus integrantes dos foliões pipoca circundantes.
17 Nas informações prestadas pela Emtursa não constam dados relativos à indústria de gelo,
sabidamente atuante neste período de festejos. Segundo dados da Federação das Indústrias
do Estado da Bahia, existia em 2003 apenas uma indústria de gelo em atividade na cidade do

683
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

Atividades que podem ser classificadas como de pequeno e médio porte


como os restaurantes, bares e lanchonetes se apropriam apenas de
6,40% dos resultados, enquanto os serviços de táxis, aluguéis de imóveis
e reciclagem não respondem, no conjunto, por 1% dos resultados. A
rede hoteleira absorve apenas 1,5% da renda gerada por uma festa que,
em 2003, trouxe a Salvador 950 mil turistas.

Tabela 1 - Geração de renda pelo carnaval de Salvador, 2003.

(*) Neste valor estão computados R$ 80 milhões gerados por festas no período de
outubro a fevereiro.
Fonte: Emtursa, Relatório 2003.

Salvador. Pesquisa de campo da UNIFACS constatou, no entanto, a existência de cinco fabricas


em uncionamento nesta idade. Segundo informações destes fabricantes a demanda aumenta
cerca de 50% no carnaval.

684
FRAGMENTOS

Em termos de marketing o carnaval baiano representou um


evento à parte.Foi coberto por 2.446 profissionais de imprensa
entre os quais 320 do exterior, destacando-se dentre estes os norte-
americanos (18%); seguidos pelos portugueses, alemães, franceses,
italianos, ingleses, japoneses e argentinos, com uma participação
média de 8% respectivamente. O tempo de cobertura pela televisão
atingiu 272 horas, das quais 56% locais, 24% nacionais e 44%
internacionais. Registre-se que estes números são ligeiramente
inferiores aos de 2002 e 2001 quando se atingiu a marca de 275
horas.

A tabela seguinte, informa que 157.022 empregos foram


criados no período da folia momesca. Desses dados foram excluídos
os funcionários públicos estaduais e municipais mobilizados para
trabalhar na festa, (26.860, ou seja, 15%), pois se imagina ser esta
uma mão de obra fixa que continuará existindo independente da
realização do carnaval. Ao se estabelecer a comparação dos números
do período de 1998/2003 conclui-se que ocorreu um acréscimo
liquido de 67% no número de ocupações geradas pelo carnaval
baiano. Observa-se, ainda que a mão-de-obra não qualificada e de
baixo nível de instrução18 é a predominante nas ocupações da festa
com uma participação de 52,84% (cordeiros (41,91%); seguranças
de blocos (9,20%); seguranças e pessoal de limpeza particulares
(1,31%) e guardadores (0.42%). Os microcomerciantes (barraqueiros,
ambulantes e baianas de acarajé) participam com 34,39%. Estes
dois grandes grupos somados totalizam 87,23% das pessoas que
trabalham nos festejos. A mão-de-obra qualificada (excluídos da
conta os servidores públicos) deve compreender participação restante
com destaque para o segmento dos artistas (4,46%); pessoal técnico
de iluminação (1,26%); técnicos de som (0,76%); motoristas (0,24%);
pessoal de montadoras (0,71%); pessoal de decoração (0,37%);
pessoal de confecções e brindes (0,67%) corretores de imóveis
(0,20%) e o pessoal de imprensa (1,56%) que no conjunto totaliza
10,23%.

18 Trata-se de uma inferência baseada na tradição. Sabe-se que diante da recessão e do


desemprego vigentes, registra-se número considerável de pessoal com nível universitário
trabalhando no comércio ambulante, por exemplo.

685
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

Tabela 2 - Carnaval de Salvador – Geração de empregos temporários, 2003.

(*) Foram excluídos 26.860 funcionários públicos estaduais e municipais mobilizados


para trabalhar na festa por constituírem emprego permanente.
(**) Mão de obra não qualificada que é contratada para formar o cordão de isola-
mento que demarca o espaço ocupado exclusivamente pelos membros dos blocos.

Fonte: Emtursa.

686
FRAGMENTOS

Segundo os dados da Emtursa foram consumidos ao longo da


festa 14,4 milhões de litros de cerveja e de refrigerantes além de 8,9
milhões de litros de água mineral. Os turistas normalmente gastam
mais que a população local. Os que despenderam mais de R$ 100,00
totalizam 12,1% contra 4,3% dos residentes. A predominância dos
gastos para os turistas situou-se entre R$ 31,00 e R$ 50,00 (28,4%)
enquanto os residentes posicionaram-se na faixa de R$11,00 a
R$20,00 (22,6%).

As observações resultantes desta pesquisa indicam a


necessidade da adoção de medidas que possibilitem uma maior
desconcentração da renda gerada pelo evento, de forma a permitir
que o carnaval venha a se constituir também numa alternativa
genuína de subsistência dos estratos de baixa-renda que são maioria
na cidade, transitam preponderantemente na informalidade, e são
esmagadoramente constituídos pela população negra.

Como demonstram as estatísticas oficiais, o carnaval


baiano transforma-se cada vez mais num mega-empreendimento
capitalista, onde as chances de geração de micro e pequenos
negócios estão sendo gradativamente eliminadas pela maior
capacidade de articulação e competitividade de diversos grupos de
interesse internos e externos à festa.

Ao observar-se os rumos que assume este evento


eminentemente popular pode-se perceber o considerável crescimento
( e uma tendência oligopólica) de uma elite artística, associada à
indústria do entretenimento que, utilizando um discurso racial de
apologia aos negros, na realidade apenas os manipula para atender
ao seus projetos de acumulação. E, neste plano, é estimulada pelo
poder público (principalmente por aqueles interesses vinculados
à mídia, notadamente à televisiva) que, por conta de um processo
organizacional dos palcos da cidade, vai tornando, gradativamente,
mais difícil a exploração da folia pelo pequeno negociante do
carnaval, pelos pequenos blocos, pelos vendedores ambulantes etc.
Isto é confirmado pelos dados aqui apresentados.

A análise deste fenômeno se enquadra com perfeição na


hipótese básica de Singer (1980) de que tanto o progresso como a

687
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

miséria são produtos do mesmo processo, que consiste na penetração


e na expansão do capitalismo num meio em que predominavam
outros modos de produção. Trata-se de um processo de transformação
estrutural, que evolui ao longo do tempo.O capital penetra em
determinados ramos de atividade em que possui maiores vantagens
em relação ao modo de produção preexistente, revolucionando os
métodos de produção e introduzindo outras relações de produção.
Ou então, ele surge mediante a implantação de atividades novas, que
só ele é capaz de suscitar. Cria-se, então, um inter-relacionamento
dinâmico entre o segmento capitalista e os outros modos de
produção que são postos à disposição do capital, transformando-se,
por exemplo, em reservatório de mão-de-obra.

Figura 1 - Cadeia produtiva da economia cultural de Salvador (modelo preliminar


para discussão).

Fonte: Criação Noelio Dantaslé Spinola.

688
FRAGMENTOS

Conclusão

A pesquisa sobre a economia cultural de Salvador (ver Fig.


1), onde o carnaval, abordado neste artigo constitui apenas um
dos oito segmentos estudados19 constatou, como se presumia,
a complexidade desse setor que deve ser objeto de estudos mais
aprofundados. Na execução desse trabalho, torna-se necessária a
utilização de instrumentos específicos da metodologia da pesquisa
qualitativa, entre as quais se destaca a pesquisa participante, visto que
vários segmentos do objeto de estudo não se adaptam a aplicação de
questionários ou mesmo entrevistas estruturadas.

Os segmentos pesquisados transitam entre a formalidade e


a informalidade. Entre empreendimentos de grande a pequeno e
microportes. Não existe como formular-se uma política uniforme para
o setor. Um programa de fomento à economia cultural na cidade
do Salvador deverá assumir contornos multifacetados compostos
por projetos que atentem para os seguintes princípios: respeitem a
cultura específica do segmento estudado, nunca procurando impor
modelos exógenos de organização empresarial quando na presença
de comportamentos arraigados da comunidade; preocupem-se
com a preservação da pureza tradicional do segmento estudado,
evitando a introdução de modernidades que possam prostituí-lo e,
conseqüentemente, eliminar o seu valor intrínseco que constitui um
patrimônio; aceitem o status quo informal, o que implica admitir que,
se forem formalizadas, determinadas atividades poderão desaparecer,
dado que suas lideranças atingiram o limite de suas competências e
que forçá-las a migrar para novos patamares consiste em condená-
las a uma situação pior do que a anterior; exercitem a criatividade na
construção de modelos inéditos e ajustados à realidade estudada,
despidos da preocupação monocórdia que consiste na usual
cópia medíocre dos modelos organizacionais ditados pela cultura
anglosaxônica; criem mecanismos e alternativas que efetivamente
garantam espaços para os pequenos e que possibilitem uma efetiva

19 Foram estudados também o candomblé, o artesanato, a culinária, a moda étnica, a indústria


fonográfica, a produção de instrumentos musicais de percussão e a indústria editorial.

689
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

democratização na geração da renda, notadamente no Carnaval;


promovam uma compreensão não fiscalista de que perseguir camelôs,
além de desumano, constitui uma insanidade política e econômica e,
por fim, assumam que não existe desenvolvimento apenas sob a ótica
capitalista da acumulação e que existem outras lógicas econômico-
culturais que podem sobreviver, mesmo num mundo globalizado, e
que entendê-las e protegêlas constitui um desafio.

O Carnaval, no estágio em que se encontra, é produto de uma


política neoliberal, desenvolvida pela Prefeitura Municipal do Salvador
– PMS, através da Emtursa, notadamente nos últimos anos. A PMS,
centrou seus esforços em preparar o palco (a cidade e seus circuitos),
desobstruí-lo e torná-lo mais funcional para que a população local
e externa pudesse brincar confortavelmente ao longo dos seis dias
de festas. Criadas as condições, prosperou uma indústria que fatura
milhões de reais e surgiu uma nova classe, a do artista - empresário
que acumula fortunas. Como demonstrado neste artigo, existem
distorções a corrigir. Por exemplo: a acelerada concentração da
renda em poder de um pequeno grupo, que já assume características
oligopolísticas (daí para a formação de cartéis é um passo), eliminando
as chances competitivas dos pequenos empresários, e a redução do
espaço da festa para os “foliões pipocas” que constituem, ainda,
e provavelmente por muito tempo, parcela majoritária do público
brincante.

A expansão de novos negócios a partir do Carnaval deverá


ser função da expansão do público consumidor.20 As empresas
eminentemente locais como a fonográfica, a de confecções, comidas,
gelo, etc. já atendem satisfatoriamente à demanda atual e cada vez
mais substituem as importações de insumos de outros estados.

20 Segundo os dados disponíveis para o Carnaval de 2004, a quantidade de participantes


na festa continua estacionada nos mesmos números de 2003, não ocorrendo acréscimos
significativos.

690
FRAGMENTOS

Referências

ANDRADE, Mário de . Pequena história da música. São Paulo: Martins, 1977.

ANSOFF, Igor. A Nova Estratégia Empresarial. São Paulo: Atlas, 1991.

AVENA, Armando. A economia axé. São Paulo: Gazeta Mercantil, 15 mar. 1998.

AZEVEDO, José Sérgio Gabrielli de. Mudanças no padrão de ocupação da RMS.,


Salvador: Bahia Análise & Dados, SEI, v.8, n.4, p. 09-26, mar/99.

BAHIA. Secretaria da Indústria e Comércio. O gigante invisível; estudo sobre o


mercado informal de trabalho na Região Metropolitana de Salvador. Salvador:
SIC, 1983.

BARRETTO, Margarida. Turismo e Legado Cultural. Campinas: Ed. Papirus, 2002,


3ª ed.

BARROS, A . O setor informal e o desemprego na Região Metropolitana do


Recife. Fortaleza: Revista Econômica do Nordeste, V.28, nº. especial, p. 337-
361, julho 1997.

BASTIDE, Roger. As Américas Negras. São Paulo: Ed. Difel/USP, 1974.

BLEECKER, Samuel E. The Virtual Organization. The Futurist, Mar./Apr. 1994

BRANDÃO, Maria de Azevedo.Baiano Nacional: A Formação de uma Língua


Franca do Brasil Contemporâneo. Salvador: Revista Análise & Dados: Turismo,
SEI V.2, nº4, 1993.

CANCLINI, Nestor Garcia. Consumidores e cidadãos – conflitos multiculturais na


globalização. RJ: Ed. UFRJ, 2001, 4ª ed.

CACCIAMALI, Maria Cristina. As economias informal e submersa: conceitos e


distribuição de renda. In: CAMARGO, J. M., GIAMBIAGI. (Org.). Distribuição de
renda no Brasil. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1991.

____________. Setor Informal Urbano e formas de participação na produção.


São Paulo: Estudos Econômicos, , v. 13, n. 3, p. 607-627, 1983.

691
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

____________. Expansão do mercado de trabalho não regulamentado e setor


informal. São Paulo: Estudos Econômicos, v.19, número especial, p. 25-48,
1989.

CARNEIRO, Edison.Folguedos Tradicionais. Rio de Janeiro: Ed. Funarte, 1982.

COSTA LIMA, Vivaldo . A família de santo nos candomblés Jeje – Nagôs da


Bahia. Salvador: UFBa. 1977.

DA MATTA, Roberto. Carnavais, malandros e heróis. Rio de Janeiro: Zahar


Editores, 1983.

FAGUNDES, Maria Emilia. O setor informal na RMS: avaliação das evidências


empíricas. Salvador: Força de Trabalho e Emprego,v.10, n.1, 1993.

____________. Referências teóricas sobre a informalidade: uma revisão de


literatura. Salvador: Força de Trabalho e Emprego, CIT/CRT, v.8, n.1/2, p. 15-18,
1991.

FEATHERSTONE, Mike. Cultura de consumo e pós-modernismo.São Paulo:


Studio Nobel, 1995.

FERNANDEZ, José Carrera e MENEZES, Wilson F. Ocupação e informalidade


no mercado de trabalho da Região Metropolitana de Salvador. Salvador:
Conjuntura e Planejamento, SEI, n.45,p. 05-12, fev/98.

FISHER, Tânia. A cidade como teia organizacional: inovações, continuidades


e ressonâncias culturais – Salvador da Bahia, cidade puzzle in: Cultura
organizacional e cultura brasileira. Fernando Motta e Miguel Caldas (Orgs.). São
Paulo: Atlas, 1997.

FUNDAÇÃO JOSÉ PINHEIRO. Economia da cultura: reflexões sobre as indústrias


culturais no Brasil. Brasília: Centro de Economia Aplicada, Instituto de Promoção
Cultural, 1988.

GIDDENS, A. As conseqüências da modernidade. São Paulo: Unesp, 1991.

GIMENEZ, Fernando A.P et all Estratégia em Pequenas Empresas: Uma aplicação do


modelo de Miles e Snow. In: Encontro Nacional da ANPAD, 1998, Foz do Iguaçu.
Anais...Foz do Iguaçu: ANPAD (área de estratégia e organização), p. 1-15, 1998.

692
FRAGMENTOS

GODI, Antonio dos Santos. De índio a negro ou o reverso. In: Cantos e toques –
etnografias do espaço negro na Bahia. Salvador: Fator Editora, 1991.

GOES,Fred. O país do carnaval elétrico. Salvador: Ed. Currupio, 1982.

GOMES, Olívia M. dos Santos. Impressões da festa: blocos afro sob o olhar da
imprensa baiana. In: Estudos Afro-Asiáticos, nº 16. Salvador:1989.

GUERREIRO, Goli. A Trama dos Tambores – A música Afro-Pop de Salvador. São


Paulo, Editora 34. Coleção Todos os Cantos, 2000.

HANNERZ, ULF. Explorer la ville – éléments d’anthropologie urbaine. Paris, Les


Éditions de Minuit, 1983.

IPA - Instituto de Pesquisas Aplicadas. Geração de emprego e renda em Salvador:


pesquisa nos bairros do Imbuí e Boca do Rio. Salvador: Kanzeon, 1998 a. 185p.

____________. Manufatura informal: pesquisa na RMS. Salvador: Kanzeon,


1998 a. 130 p.

JORGE, João. Olodum cria grife de moda e inaugura Fábrica de Carnaval.


Salvador: Tribuna da Bahia, 19 dez. 1991.

LARAIA, Roque de Barros – Cultura – um conceito antropológico. Rio de Janeiro,


Jorge Zahar Editor, 1997, 11ª ed.

LEÓN, Omar. Economia informal e desarollo. Teorias e análises do caso peruano.


Madrid: Los Libros de la Catarata, IUDC/UCM. 1996

MAIA, Vasconcelos. ABC do Candomblé. Salvador: 1977

MATA, Ary da. A baianização do Brasil. Salvador: A Tarde, 30 de maio de 1995.

MATA, Roberto. Carnavais, malandros e heróis. Para uma sociologia do dilema


brasileiro. Rio de Janeiro: Guanabara, 1990.

MIGUEZ, Paulo. “Cultura, Festa e Cidade – uma estratégia de desenvolvimento


pós-industrial para Salvador”. SSA/BA, RDE – Revista de Desenvolvimento
Econômico. Ano I, nº1, 1998.

693
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

MORALES, Anamaria. O Afoxé Filhos de Ghandi pede paz: escravidão e invenção


da liberdade. São Paulo: Ed. Brasiliense , 1988.

MORIN, Edgar. O método 4 – As idéias. Porto Alegre, Ed. Sulina, 1998.

MOTTA, Paulo Roberto. Transformação Organizacional: a teoria e a prática de


inovar. Rio de Janeiro: Qualitymark, 1997.

MOURA, Clovis. Dialética radical do Brasil negro .São Paulo: Ed. Anita, 1994,
237 p.

OIT, Organização Mundial do Trabalho. Employment, income and equality: a


strategy for increasing productive employement. Genebra:,1972.

PAIVA, Paulo. O mercado informal. ISTOÉ, n.1416, 20/11/96.

PEDRÃO, Fernando Cardoso. Urbanização, informalidade e saúde: a teoria e a


experiência de Salvador entre 1950 e 1990. Cadernos de Análise Regional, nº
02. Salvador : UNIFACS, dez 1998 .

PEDRÃO, Fernando Cardoso. Os processos da informalidade e sua organização.


Força de Trabalho e Emprego, Salvador, v.7, n. 3, Set/Dez 1990.

REIS, João J. (org.) - Escravidão e invenção da liberdade. São Paulo, Brasiliense, 1988.

REGO, Valdeloir. A Bahia virou Jamaica. Folha de São Paulo. São Paulo ,31
jan.1988.

RISÉRIO, Antonio. Carnaval Ijexá. Salvador: Ed. Currupio,1981.

SALVADOR. Prefeitura Municipal do Salvador. Comércio informal. Salvador,


PMS/CPM/GEDEM, 1992.

SANTOS, Milton. (org.). A Natureza do Espaço. Técnica e Tempo. Razão e


Emoção. São Paulo: Editora HUCITEC. 1996.

____________. O Espaço Dividido: Os dois conceitos da economia urbana dos


países subdesenvolvidos. Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves, 1979.

SCHUMPETER, Joseph A., Capitalismo, Socialismo e Democracia. Rio de Janeiro:

694
FRAGMENTOS

Fundo de Cultura,1961.

____________. Teoria do Desenvolvimento Econômico. Rio de Janeiro: Fundo de


Cultura, 1961.

SINGER, Paul. Economia Política da Urbanização. São Paulo: Contexto, 1980.

SPINOLA, Noelio Dantaslé. Negritude, pobreza e geração de empregos na


Bahia, em um contexto de globalização. Salvador: Revista de Desenvolvimento
Econômico, Ano IV, nº 6, julho de 2002.

SPINOLA, Noelio. GUERREIRO, Goli,

SPINOLA, Tatiana de Andrade. Economia Cultural em Salvador: Relatório de


Pesquisa. Salvador: UNIFACS, 2003.

STALEY, Eugene. & MORSE, R. Industrialização e desenvolvimento. A pequena


indústria moderna para países em desenvolvimento. Atlas, São Paulo, 1971.

TACHIZAWA, Takeshy. Organização Flexível: qualidade na gestão por processos.


São Paulo: Atlas, 1997.

TOKMAN, Vitor., SOUZA, Paulo Renato El empleo em America Latina: problemas


economicos, sociales y politicos. Siglo XXI: México, 1976.

URRY, John. O Olhar do Turista: lazer e viagens nas sociedades contemporâneas.


São Paulo: Studio Nobel/SESC, 1996.

VELOSO, Caetano. Caetano, de novo. São Paulo: Folha de São Paulo,. Caderno
Folha Ilustrada, entrevista, 22 nov. 1997.

695
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

696
FRAGMENTOS

ARTIGO
A UTOPIA DO
DESENVOLVIMENTO
NUM SISTEMA
CAPITALISTA DE
PRODUÇÃO E A
INVIABILIDADE
DO CRESCIMENTO
ECONÔMICO
PERMANENTE

18
697
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

698
FRAGMENTOS

A utopia do desenvolvimento num


sistema capitalista de produção
e a inviabilidade do crescimento
econômico permanente

Noelio Dantaslé Spinola1


Carolina de Andrade Spinola2

Resumen
Este texto reúne algunas reflexiones sobre la cuestión del desarrollo
y del crecimiento económico. Los autores critican las diferentes
clasificaciones que se aplican a las diferentes etapas de progreso
de las naciones y defenden una posición ya adoptada por autores
como Paul Baran, Celso Furtado, Giovanni Arrighi, Herman Daly y
otros. Estos autores dicen ser el crecimiento económico limitado, en
el mediano plazo, por el agotamiento de los recursos productivos y
el desarrollo económico, uma utopia, especialmente para los países
periféricos. Por lo tanto, llegamos a la conclusión de que el debate
sobre el desarrollo es esencial actualmente, tanto por el estancamiento
económico y el deterioro de las condiciones sociales em gran parte
de la periferia capitalista em cuanto a los limites ecológicos de la
sociedad de consumo. El desafío es repensar el desarrollo, teniendo
en cuenta este conjunto de problemas.

1 Doutor em Geografia e História pela Universidade de Barcelona (ES). Professor Titular de


Economia Regional e Métodos de Análise Regional no Programa de Pós-Graduação em
Desenvolvimento Regional e Urbano (PPDRU) da Universidade Salvador (UNIFACS). E - mail:
spinolanoelio@gmail.com
2 Doutora em Geografia pela Universidade de Barcelona (ES). Coordenadora do Programa de
Pós- Graduação em Desenvolvimento Regional e Urbano (PPDRU) da Universidade Salvador
(UNIFACS) E- mail: carolina.spinola@unifacs.br

699
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

Palabras-claves: desarrollo económico; crecimiento económico;


desarrollo local; economía regional; Brasil.

Abstract
This text brings together some thoughts on the issue of development
and economic growth. The authors criticize the various classifications
that apply to the different stages of progress of nations and advocate
it as a position adopted by authors such as PaulBaran, Celso Furtado,
Giovanni Arrighi, Herman Daly and others. These authors claim to
be economic growth limited, in the medium term, by the depletion
of productive resources and economic development, a utopia,
especially for peripheral countries. Therefore, we conclude that the
discussion about development is essential nowadays, both because
of economic stagnation and the increase of social deterioriation in
large parts of the capitalist periphery as for the very ecological limits
of consumer society. The challenge is to rethink development, taking
into consideration this set of problems

Keywords: economic development; economic growth; local


development; regional economy; Brazil

Resumo
Este texto reúne algumas reflexões sobre a problemática do
desenvolvimento e do crescimento econômico. Os autores criticam as
diversas classificações aplicadas aos diferentes estágios do progresso
das nações e defendem uma posição já assumida por diferentes
autores como Paul Baran, Celso Furtado, Giovanni Arrighi, Herman
Daly e muitos outros que afirmam ser o crescimento econômico
limitado em médio prazo pela exaustão dos recursos produtivos e
o desenvolvimento econômico, uma utopia, notadamente para
os países periféricos. Desta forma, conclui-se que a retomada da
discussão acerca do desenvolvimento parece indispensável nos dias
de hoje, seja em razão da situação de estagnação econômica e da

700
FRAGMENTOS

deterioração das condições sociais de vastas regiões da periferia


capitalista nesse contexto de globalização, seja em razão dos próprios
limites ecológicos da sociedade de consumo. O grande desafio
consiste em repensar o desenvolvimento levando em consideração
esse conjunto de problemas

Palavras-chave: Desenvolvimento Econômico; Crescimento


Econômico; Desenvolvimento Regional; Desenvolvimento Local;
Desenvolvimento Endógeno;

(JEL) Classification System: 01; 017; 018; 054.

701
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

702
FRAGMENTOS

Introdução

É no mundo subdesenvolvido que o fato central e


dominante de nossa época se torna visível a olho nu: o
sistema capitalista, inicialmente poderoso instrumento
de desenvolvimento econômico, converteu-se em não
menos formidável obstáculo ao progresso humano.

Paul Baran (1960, p.296)

Atinge-se um estágio satisfatório de desenvolvimento


econômico quando se consegue reduzir a pobreza a níveis toleráveis,
ou seja, aqueles onde estão assegurados os padrões mínimos de
segurança alimentar; erradicada a miséria, desconcentrada a renda
e democratizado o acesso coletivo às melhores condições de vida,
propiciadas pelo desenvolvimento científico, tecnológico e cultural
da humanidade.

No alvorecer do século XXI, observando os acontecimentos


dos últimos setenta anos, somos absolutamente céticos quanto às
reais possibilidades do Brasil, e dos demais países da América Latina,
conseguirem atingir esse patamar de progresso sonhado pelos seus
planejadores e sucessivos governantes. Sobretudo quando observada
a sua totalidade territorial, que abriga enormes disparidades
econômicas e sociais, e uma brutal desigualdade nos níveis da renda.

No painel de classificações hierárquicas com as quais as


organizações internacionais ordenam a participação dos países no
cenário internacional cabe ao Brasil uma posição de país “emergente”
ou, de forma menos política, de economia periférica. Como definiu
Guimarães (1999, p.13) em sua obra, já clássica, 500 Anos de Periferia
– Uma contribuição ao estudo da política internacional, o periférico
é um “país não desenvolvido, de grande população e território, não
inóspito, razoavelmente passível de exploração econômica e onde se
constituíram estruturas industriais e mercados internos significativos”.

703
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

Estacionado há 500 anos, como diz Guimarães (1999), na


periferia das grandes potências capitalistas, há quase um século que
se esforça o Brasil na busca do seu desenvolvimento aplicando em
diferentes formas e graus de intensidade todo o receituário prescrito
pelas diversas escolas e correntes do desenvolvimentismo.

Não obstante, como demonstra a Tabela 1, do ponto de vista


estatístico, para o sistema capitalista, que se preocupa exclusivamente
com o processo de acumulação de riqueza, coloca-se o Brasil entre as
10 maiores economias do mundo ocupando a 8ª posição no ranking,
respondendo por um PIB de US$ 2.172.058 milhões superando
países ditos desenvolvidos como a França, Itália, Espanha, Canadá e,
ironicamente, a Noruega que é a campeã absoluta do desenvolvimento
humano (Ane, 2011, p 1)

Contudo para aqueles que se dedicam à questão social é


preocupante a classificação do País no ranking mundial do Índice de
Desenvolvimento Humano – IDH – 2011, publicado pelo Programa
das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), onde ocupa a
84ª posição correspondente ao índice 0,718. Esta situação é muito
pior quando considerado o Índice de Desenvolvimento Humano
Ajustado à Desigualdade (IDHA-D) que considera a desigualdade da
renda no Pais e “ajusta o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH)
à desigualdade na distribuição de cada dimensão pela população.”
(PNUD, 2011, p.235). Sendo assim o IDHA-D equivale ao IDH
quando não existe desigualdade de renda no País, mas diminui em
relação ao IDH à medida que a desigualdade cresce. Segundo o
PNUD (2011, p.235), o IDHAD deve ser considerado como o nível
real de desenvolvimento humano (levando em consideração a
desigualdade), ao passo que o IDH pode ser visto como um índice de
desenvolvimento humano “potencial” (ou o nível máximo de IDH),
que pode ser alcançado se não existir desigualdade. Isto posto, com
um IDHA-D de 0,519 em 2011, o Brasil recuaria 13 pontos na sua
classificação passando para o 97° lugar, resultado próximo ao de
países como a República Dominicana e o Suriname.

704
FRAGMENTOS

Tabela 1 - PIB MUNDIAL – RANKING 45 PAÍSES – 2010. RANKING NO INDÍCE DE


DESENVOLVIMENTO HUMANO – IDHA (2011).

Fontes PIB Organização Mundial do Comércio (OMC); Fundo Monetário Internacional


(FMI); Banco Mundial. APUD: http://academia-ane.blogspot.com.br/2011/02/pib-
ranking-da-economia-mundial-gdp-ppp.html
Observações: 1) nos valores, troca do “ponto” pela “vírgula”; 2) dados relativos aos
45 primeiros países classificados, membros do FMI, da República da China (Taiwan),
e de Hong-Kong. A fonte informa o Total Mundial - GDP (PPP) =
$ 74, 264,873 milhões, e da União Européia - GDP (PPP) = $ 15, 170,419 milhões. Os
dados estão em milhões de dólares internacionais, calculados pelo FMI:
Fontes IDH: Cálculos realizados por la Oficina encargada del Informe basados
en datos de ONU-DAES (2011), Barro y Lee (2010b), Instituto de Estadística de la
UNESCO (2011), Banco Mundial (2011a) y FMI (2011).

705
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

Mesmo assim, o Brasil foi o único entre os chamados Brics -


grupo que inclui ainda Rússia, Índia, China e África do Sul - a reduzir o
abismo entre ricos e pobres em 15 anos, de acordo com a Organização
para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) tendo o seu
índice Gini, que mede a desigualdade de um país, caído de 0,61 para
0,55 entre 1993 e 2008. Entretanto, observou a OCDE, o Gini do Brasil
ainda é maior que em todos os principais emergentes, à exceção da
África do Sul. É também o dobro da média dos ricos. No país, os 10%
mais ricos ganham nada menos que 50 vezes mais do que os 10% mais
pobres, um dos maiores abismos do mundo. Maior que emergentes
como Chile, México e Turquia. No Chile e no México, a diferença é de
25 vezes, mas segundo a OCDE está caindo. Na Turquia, a diferença é
de 14 vezes - a mesma que nos EUA e em Israel.

Toda esta estatística demonstra como estamos distantes


do almejado desenvolvimento e como são ilusórias as notícias
maciçamente divulgadas pelo establishment e propagadas pelo
marketing governamental.

Há quase meio século, escrevendo sobre o mito do


desenvolvimento, explicava Celso Furtado (1974, p.15) como estes
têm exercido uma inegável influência sobre a mente dos homens que
se empenham em compreender a realidade social. Funcionam como
faróis que iluminam o campo de percepção dos cientistas sociais
permitindo-lhes vislumbrar com clareza certos problemas e nada ver
de outros, ao mesmo tempo em que lhes assegura certo conforto
intelectual, pois as discriminações valorativas que realizam surgem
ao seu espírito como um reflexo da realidade objetiva. Neste sentido,
não sem certa desilusão, constatava Celso Furtado que pelo menos
noventa por cento da literatura sobre desenvolvimento econômico
produzida até aquela já distante época se fundava na ideia que se
dava por evidente “segundo a qual o desenvolvimento econômico,
tal qual vem sendo praticado pelos grandes países que lideraram
a revolução industrial pode ser universalizado.” (1974, p.16). Ou
seja, pretendia-se especificamente que os padrões de consumo
da minoria da humanidade que vive no primeiro mundo fossem
accessíveis às grandes massas que sobrevivem no terceiro mundo.
Esta ideia, segundo Furtado, era “seguramente uma prolongação

706
FRAGMENTOS

do mito do progresso, elemento essencial na ideologia diretora


da revolução burguesa, dentro da qual se criou a atual sociedade
industrial.”(Ibid.16)

Também Paul Baran, no final da década de 1950, e no auge


da Guerra Fria, com a expectativa da vitória do socialismo na então
União Soviética dizia que:

(...), o desenvolvimento econômico sempre significou


uma profunda transformação da estrutura econômica,
social e política, da organização dominante da produção,
da distribuição e do consumo. O desenvolvimento
econômico sempre foi impulsionado por classes e
grupos interessados em uma nova ordem econômica
e social, sempre encontrou a oposição e a obstrução
dos interessados na preservação do “status quo”, dos
que usufruem benefícios e hábitos de pensamento do
complexo social existente, das instituições e costumes
prevalecentes. O desenvolvimento econômico sempre
foi marcado por choque mais ou menos violentos;
efetuou-se por ondas, sofreu retrocessos e ganhou
terreno novo – nunca foi um processo suave e
harmonioso se desdobrando, placidamente ao longo
do tempo e do espaço (Baran 1960, p.14).

Estarão certos os neomalthusianos quando afirmam que se


caminha para uma era de graves e duradouros conflitos regionais e
mundiais, na medida em que a maioria dos sete bilhões de terráqueos
quiser ascender às condições mínimas de segurança alimentar? E que
tal pretensão acabará com a humanidade ou dará forma a uma nova
ordem social cujos padrões serão estabelecidos pelos mais fortes com
a eliminação radical ou submissão dos mais fracos, confirmando as
profecias de Huxley (1969)3? É o que cabe discutir.

3 Em 1946, no extraordinário prefácio de Admirável Mundo Novo, escreveu Huxley: “Um estado
totalitário verdadeiramente eficiente seria aquele em que o executivo todo-poderoso de chefes
políticos e seu exército de administradores controlassem uma população de escravos que não
tivessem de ser coagidos porque amariam sua servidão”. (Huxley, 1969, p.6).

707
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

Além desta introdução e de uma conclusão, para cumprir


o objetivo proposto neste ensaio são examinados, em dois títulos,
os novos aportes teóricos que pretendem instrumentar a teoria do
desenvolvimento regional com enfoque gestado a partir da ruptura
do denominado paradigma fordista e responder com maior eficácia
às características e peculiaridades de economias menos desenvolvidas
e, muitas vezes, ainda não absorvidas pelo processo de globalização.
Neste sentido serão discutidos os aspectos teleológicos de categorias
tais como desenvolvimento local, endógeno e autossustentável, que
representam diferentes estratégias e, por isto mesmo, comportam
diferentes abordagens.

Ciclo de vida da teoria do desenvolvimento

A consolidação da disciplina como o suporte teórico das


políticas econômicas dos países, notadamente o planejamento
regional, somente ocorreu no mundo ocidental, principalmente nos
países subdesenvolvidos,4 a partir das décadas de 1930/1940 no bojo
da revolução keynesiana que eclodiu em 1936, como uma resposta ao
fracasso do paradigma liberal, desmoralizado pela Grande Depressão
de 1929 e após a Segunda Guerra Mundial como resultado das
macrodecisões emanadas da conferência de Bretton Woods.

Segundo Fiori (2012, p.1) a hegemonia do pensamento


desenvolvimentista, na América Latina, deita raízes na década de
1930, se consolida nos anos 50, passa por uma autocrítica nos anos
60, e perde seu vigor intelectual na década de 1980. Em sua opinião:

(...) é possível identificar, ao longo deste período, três


grandes matrizes teóricas que organizaram o debate
em torno ao papel do Estado no desenvolvimento

4 O planejamento estatal, centralizado, surgiu em 1920, com a Comissão do Estado para


Eletrificação da Rússia (GoEiro) e, em seguida, com a Comissão de Planejamento do Estado
(Gosplan) que possuía objetivos mais amplos. A Gosplan existiu durante toda a vida da URSS e
serviu de modelo e inspiração para o planejamento estatal no mundo (Hobsbawm, 1995, p.369).

708
FRAGMENTOS

econômico, e contribuíram para a construção e


legitimação da ideologia nacional-desenvolvimentista:
I) a teoria weberiana da modernização, contemporânea
da teoria das etapas do desenvolvimento econômico, de
Walter Rostow. Sua proposta de modernização supunha
e apontava, ao mesmo tempo, de forma circular, para
uma idealização dos estados e dos sistemas políticos
europeu e norte-americano; II) a teoria estruturalista
do "centro- periferia" e do intercambio desigual,
formulada pela CEPAL. Sua defesa intransigente da
industrialização lembra o nacionalismo econômico
de Friedrich List e Alexander Hamilton, mas não dá
a mesma importância destes autores, os conceitos
de nação, poder e guerra; e, finalmente, III) a teoria
marxista da "revolução democrático-burguesa" que via
no desenvolvimento e na industrialização o caminho
necessário de amadurecimento do modo de produção
capitalista e da própria revolução socialista. Sua
interpretação e estratégia traduziam de forma quase
sempre mecânica experiências de outros países, sem
maior consideração pela heterogeneidade interna
da América Latina. Estas três teorias consideravam
que o desenvolvimento econômico era um objetivo
indiscutível e consensual, capaz de constituir e unificar
a nação; se propunham construir economias nacionais
autônomas e sociedades modernas e democráticas;
consideravam que a industrialização era o caminho
necessário da autonomia e da modernidade, ou mesmo
da construção socialista; e, finalmente, propunham que
o Estado cumprisse o papel estratégico de condottiere
desta grande transformação.

No Brasil foi preponderante, nesta época, a influência


do pensamento keynesiano nas análises formuladas por autores
estrangeiros dedicados ao estudo do subdesenvolvimento, entre os
quais Raul Prebisch, Paul Baran, Albert Hirschman, Gunnar Myrdal,
Walter Rostow, Rosenstein- Rodan, e Ragnar Nurkse, e brasileiros

709
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

como Celso Furtado, Roberto Campos, Rômulo Almeida, Ignácio


Rangel, Hélio Jaguaribe e Maria da Conceição Tavares, entre outros que
contribuíram para a formação das diretrizes da CEPAL e do Instituto
Superior de Estudos Brasileiros - ISEB, fundamentando teoricamente o
planejamento que veio a desenvolver-se no país, inclusive o modelo de
substituição de importações e, politicamente, o que se convencionou
denominar de paradigma nacional-desenvolvimentista.

Numa revisão histórica, notadamente dos aspectos sociais,


são questionáveis os resultados da experiência brasileira de
planejamento do seu desenvolvimento. É inegável o expressivo
crescimento econômico do país na segunda metade do século
XX, sobretudo no período que vai de 1946 até 1980, graças à
realização de muitas das medidas e ações preconizadas nos diversos
planos elaborados no período. Porém, não foi atingido o padrão
de desenvolvimento econômico desejável e, ao encerrar o século,
se observou a manutenção de um considerável desequilíbrio inter-
regional, acentuada concentração da renda e a permanência de uma
elevada parcela da população vegetando abaixo da linha de pobreza,
continuando o país dependente, em grande escala, dos humores do
capitalismo internacional.

Fiori (2012, p.1) observa que “duas coisas chamam a atenção,


nesta história desenvolvimentista. A primeira, é que apesar desta ampla
convergência estratégica, as políticas desenvolvimentistas só tenham
sido aplicadas de forma muito pontual, irregular e descoordenada”.
E defende a tese – polêmica – de que, no Brasil, a matriz teórica e
estratégica que teve mais importância foi a que se baseou na teoria
da segurança nacional, iniciada com a Revolução de 30 (na ditadura
de Getúlio Vargas e no Estado Novo) e posteriormente sequenciada
no Movimento Militar do período de 1964 a 1985 sob o suporte
ideológico da Escola Superior de Guerra (ESG) com os contributos
dos economistas Roberto de Oliveira Campos, João Paulo dos Reis
Veloso, Octávio Gouveia de Bulhões e Mario Henrique Simonsen.

No final da década de 1980, marcadas pela avalanche


do neoliberalismo e do Consenso de Washington, as teorias do
desenvolvimento entraram em recesso no Brasil e em toda a América

710
FRAGMENTOS

Latina, no bojo das ideias do Estado Mínimo e na abolição do


planejamento econômico estatal. A propósito da crise atravessada
pela Teoria do Desenvolvimento, vale transcrever o testemunho de
Satrústegui (2009, p 3) quando diz:

A lo largo de las últimas décadas, la economía del


desarrollo y, más en general, los estudios sobre
desarrollo – entendidos de manera amplia como el
análisis de las condiciones capaces de favorecer el
progreso y el bienestar humanos - atraviesan por una
cierta crisis (…)Es preciso resaltar a este respecto el
devastador efecto producido por el reduccionismo
conceptual y metodológico que ha ido imponiéndose
en ciertos ámbitos académicos, el cual ha dejado a
los estudios sobre desarrollo huérfanos de algunas
perspectivas de épocas anteriores y dotados de
menos instrumentos para, paradójicamente, tener
que afrontar el análisis de fenómenos mucho más
complejos (un problema que ya fue apuntado hace
casi tres décadas por Hirschman, 1980, al referirse a
la “vuelta a la monoeconomía” en su famoso ensayo
Auge y ocaso de la teoría económica del desarrollo).

Hirschman antevia, com efeito, a revolução neoliberal e a


volta do paradigma que ele denominava de monoeconomia, ou seja,
a validade da aplicação universal da teoria econômica gestada no
primeiro mundo. Dizia Hirschman (1980, p.1057): “

Entiendo por rechazo de la tesis monoeconómica la


concepción de que los países subdesarrollados
se separan como un grupo, mediante varias
características económicas específicas comunes a
ellos, de los países industriales avanzados, y que el
análisis económico tradicional, concentrado en estos
últimos países, deberá modificarse, en consecuencia,
en algunos aspectos importantes, cuando se aplique a
los países subdesarrollados. (Grifos nossos).

711
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

Hirschman criticava o efeito devastador produzido pelo


reducionismo conceitual e metodológico que passou a dominar a
academia, deixando desestruturados os estudiosos das questões
vinculadas ao desenvolvimento, vez que os novos instrumentos
apresentados não estavam à altura da análise e enfrentamento de uma
problemática cada vez mais complexa. Segundo ele (1980, p. 1073).

No apareció ninguna síntesis nueva. Pueden


ofrecerse varias explicaciones. Por una parte, la
economía del desarrollo había sido construida sobre
un concepto, el "país subdesarrollado típico", que se
volvió cada vez menos real a medida que el desarrollo
proseguía a tasas muy diferentes y asumía formas
muy distintas en los diversos países de la América
Latina, Asia y Africa. La ley del desarrollo desigual
de Lenin, formulada originalmente para las grandes
potencias imperialistas, se aplicaba al Tercer Mundo.
Se puso en claro, por ejemplo, que para los fines de
las proposiciones más elementales de la estrategia
del desarrollo los países muy poblados difieren
sustancialmente de los mini estados cada vez más
numerosos del Tercer Mundo así como aparecieron
muy pocos problemas en común entre los países en
desarrollo exportadores e importadores de petróleo. El
concepto de un cuerpo unificado de análisis y de
recomendaciones de políticas para todos los países
subdesarrollados, que contribuyó en buena medida
al surgimiento de Ia subdisciplina, se convirtió en
cierto sentido en una víctima del éxito mismo del
desarrollo y de su desigualdad. Pero había una razón
más poderosa para que la economía del desarrollo no
pudiera experimentar una recuperación decisiva ante
los ataques de que la habían hecho objeto los críticos:
la serie de desastres políticos que afectaron a varios
países del Tercer Mundo a partir de los años sesenta,
los que estaban claramente conectados de algún
modo a las tensiones que acompañan al desarrollo y

712
FRAGMENTOS

la "modernización". Estos desastres del desarrollo que


iban desde las guerras civiles hasta el estabelecimiento
de regímenes autoritarios criminales, no podían dejar
de desconcertar a un grupo de científicos sociales que,
después de todo, no habían iniciado el cultivo de la
economía del desarrollo después de la segunda Guerra
Mundial como especialistas estrechos, sino impelidos
por la visión de un mundo mejor… (Grifos nossos).

Nova economia regional, ou variações em torno do


mesmo tema?

O aparente esgotamento do modelo “fordista” de produção5


e as transformações dos processos produtivos a partir da década de
1970, demonstrado pelo declínio persistente de regiões fortemente
industrializadas (Benko; Lipietz, 1994), e a expansão econômica
de novas regiões (Storper; Scott, 1986), conduziram a substanciais
mudanças nas teorias e políticas de desenvolvimento regional.

Porém, aos apressados em incluir o Brasil nos novos estágios


que são identificados para a evolução econômica e industrial dos
países do primeiro mundo, como o pós-fordismo, por exemplo, vale
observar a seguinte colocação de Lipietz (1995 p 21):

En los años setenta aparecen los "Nuevos Países


Industrializados" (NPl). Brasil y Corea del Sur son los
ejemplos más importantes. Aspectos de sus modelos
de desarrollo han sido examinados anteriormente bajo

5 Segundo Martinelli e Schoenberger, apud Benko (1994, p.103) este esgotamento é mais ficção
do que realidade. Elas afirmam que, para os oligopólios e para as empresas gigantes, produção
e concorrência são perfeitamente compatíveis com um aumento da flexibilidade. Da mesma
forma Bussato e Costa Pinto (2005) acrescentam que o movimento de reestruturação produtiva
(flexibilização/fragmentação da produção) se vincula a uma nova divisão internacional do
trabalho, associada, muito mais, à descentralização da produção da grande firma, mantendo
ou até mesmo ampliando o controle, do que aos movimentos autônomos das pequenas e
médias empresas, estruturadas em novos distritos industriais marshallianos.

713
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

dos títulos: la "taylorización primitiva" y el "fordismo


periférico" (Lipietz [1985a]).La taylorización primitiva (o
sanguinaria). Este concepto trata el caso de deslocalización
de segmentos limitados de ramas industriales fordistas
hacia formaciones sociales con tasas de explotación muy
elevadas (en cuanto a salarios, duración e intensidad
del trabajo, etc.), siendo principalmente exportados los
productos hacia países más avanzados… El fordismo
periférico. Como el fordismo, se basa en el acoplamiento
de la acumulación intensiva y del crecimiento de los
mercados finales. Pero permanece "periférico" en este
sentido, en que los circuitos mundiales de las ramas
productivas, los empleos cualificados (sobre todo en
la ingeniería) se mantienen mayoritariamente ajenos a
estos países. Además, los recursos corresponden a una
específica combinación del consumo local de las clases
medias, del consumo creciente de bienes duraderos por
los trabajadores y de exportaciones a bajo precio hacia
los capitalismos centrales. En esta situación (…) el
porvenir de Brasil queda abierto a tres posibilidades:
una vuelta al taylorismo primitivo, una consolidación
del fordismo periférico e incluso una evolución hacia
el fordismo con evoluciones locales hacia los aspectos
toyotistas. (Grifos nossos).

A questão dos desequilíbrios regionais e do subdesenvolvimento,


que se agravaram a partir da nova ordem produtiva internacional, passaram
a ser objeto de novas abordagens que corresponderam a diferentes
categorias analíticas relativas aos enfoques do desenvolvimento. Com
bastante propriedade, Boisier (2000, p.83) investe contra a proliferação
desses enfoques:

El desarrollo es la utopía social por excelencia. En un


sentido metafórico es el miltoniano paraíso perdido
de la humanidad, nunca alcanzable ni recuperable
debido a su naturaleza asintótica al eje de su propia
realización. En la práctica, y el breve recuento de su historia

714
FRAGMENTOS

más contemporánea así lo prueba, cada vez que un grupo


social se aproxima a lo que es su propia idea de un “estado
de desarrollo”, inmediatamente cambia sus metas, sean
cuantitativas o cualitativas. Demos gracias a ello: de otra
manera la humanidad todavía estaría dibujando bisontes
en alguna cueva del sur de Europa! Hay autores, como
Veiga (1993), que hablan de la “insustentable utopía
del desarrollo”. Quizás en parte debido a ello, a su propia
naturaleza utópica y en parte también debido a nuestro
sobre-entrenamiento intelectual en las disyunciones
analíticas cartesianas, se ha producido paulatinamente
una verdadera polisemia en torno al desarrollo, es decir,
una multiplicidad de significados cada uno de los cuales
reclama identidad única en relación al adjetivo con que
se acompaña el sustantivo “desarrollo”. Así se asiste
a una verdadera proliferación de “desarrollos”:
desarrollo territorial, desarrollo regional, desarrollo
local, desarrollo endógeno, desarrollo sustentable,
desarrollo humano y, en términos de su dinámica,
desarrollo “de abajo- arriba” (o su contrapartida, “del
centro-abajo”) y otros más. Incluso se observa, en el más
puro estilo del cartesianismo, la especialización funcional
de instituciones académicas y políticas, unas ocupadas de
ésta o de esta otra categoría, como si fuesen categorías
independientes (Grifos nossos).

Entre as categorias do desenvolvimento que se encontram na


moda destacam-se as relacionadas ao desenvolvimento sustentável;
desenvolvimento local e desenvolvimento endógeno.

O enfoque do desenvolvimento sustentável surgiu logo após


a Conferência sobre o Meio Ambiente em Estocolmo promovida pela
ONU em 1972. Foi gerado como uma reação de vários intelectuais, às
propostas de D. H. Meadows, do "Clube de Roma," que, no estudo, The
Limits to Growth produzido em 1972, concluía que, mantidos os níveis
de industrialização, poluição, produção de alimentos e exploração
dos recursos naturais, o limite de desenvolvimento do planeta

715
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

seria atingido, no máximo, em 100 anos. O estudo recorria ao neo-


malthusianismo como solução para a iminente "catástrofe" mundial.
Intelectuais, dos próprios países desenvolvidos, consideraram que em
sua tese sombria Meadows e o seu grupo estavam preconizando o fim
do crescimento da sociedade industrial e das perspectivas dos países
subdesenvolvidos, visto que a partir dela, se motivaria o bloqueio do
desenvolvimento dos países pobres, com uma justificativa ecológica.
Entre os opositores a Meadows destacam-se o canadense Maurice
Strong que lançou em 1973 o conceito de eco desenvolvimento, cujos
princípios foram formulados por Ignacy Sachs. Como uma derivação do
conceito, surgiu, em 1987, a expressão desenvolvimento sustentável
adotada pela World Commission On Environment and Development
(1987) presidida por Gro Harlem Brundtland, em seu relatório Our
Common Future também conhecido como Relatório Brundtland. Esse
novo conceito foi definitivamente incorporado como um princípio
durante a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e
Desenvolvimento - a Cúpula da Terra de 1992 (Eco-92). - no Rio de
Janeiro. Segundo Ignacy Sachs os caminhos do desenvolvimento
seriam seis: satisfação das necessidades básicas; solidariedade com as
gerações futuras; participação da população envolvida; preservação dos
recursos naturais e do meio ambiente; elaboração de um sistema social
que garanta emprego, segurança social e respeito a outras culturas;
programas de educação. Constitui assim a grande preocupação dos
adeptos do desenvolvimento sustentável, o futuro das novas gerações
e a premência de políticas que possam conduzir a humanidade a
um desenvolvimento harmônico e, prioritariamente, sustentável nos
períodos vindouros.

Há, porém quem discorde de certas aplicações dos conceitos


de sustentabilidade. Este é o caso de Herman Daly, um dos criadores
do conceito de crescimento deseconômico6. Segundo Mander e
Goldsmith (1996, p. 207) Daly afirma que o crescimento econômico
sustentável simplesmente já não é uma opção tida como séria.
Nem o é o desenvolvimento, pelo menos no sentido em que o termo é

6 O crescimento deseconômico ocorre quando o incremento na produção acontece com um


custo em recursos e em bem-estar maior do que o dos itens produzidos. . Herman Daly é
considerado o fundador da Economia Ecológica.

716
FRAGMENTOS

utilizado (envolvendo crescente exploração dos recursos). Daly acredita


ser possível e desejável um desenvolvimento qualitativo, que aumente a
qualidade de vida das pessoas, sem exploração excessiva dos recursos e,
portanto sem aumentar o impacto no ambiente natural.

Fiigura 2 - Uma visão de dois estágios da economia na ótica da Economia Ecológica.

Fonte: Daly (2007) apud Enriquez (2008, p.14).

717
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

Daly, apud Mander e Goldsmith (1996, p.208) afirma que nas


suas dimensões físicas, a economia é um subsistema do ecossistema
da Terra, que é finito, não expansível e materialmente fechado.
À medida que cresce, o subsistema econômico incorpora uma cada
vez maior proporção do ecossistema total em si, querendo atingir o
limite, a 100 por cento. Então, o seu crescimento não é sustentável.
O termo crescimento sustentável quando aplicado à economia é
um mau oximoro - contraditório enquanto narrativa não evocativo
enquanto poesia. Ainda segundo Daly:

(…) os economistas dirão que o crescimento no


PNB é uma mistura de aumentos quantitativos e
qualitativos e por isso não sujeito a leis físicas. E têm
alguma razão. Mudanças quantitativas e qualitativas
são coisas muito diferentes, sendo por isso melhor
estar separadas e conhecidas por nomes diferentes
quando as procuramos num dicionário. Crescer
significa aumentar naturalmente no tamanho, com
a adição de material através de assimilação ou
acreção, Desenvolver significa expandir ou realizar
o potencial de; fomentar gradualmente para um
estádio mais pleno, maior, ou melhor. Quando
alguma coisa cresce, fica maior. Quando algo se
desenvolve, fica diferente. O ecossistema da Terra
desenvolve-se, mas não cresce. O seu subsistema, a
economia, deve eventualmente parar de crescer, mas
continuar a desenvolver-se. O termo desenvolvimento
sustentável, portanto, faz sentido quando usado em
economia, mas apenas se for compreendido como
desenvolvimento sem crescimento - melhoramento
qualitativo de uma base económica física que é mantida
numa situação estável através de uma exploração de
matéria-energia dentro das capacidades regenerativas
e assimilativas do ecossistema. Actualmente o
termo desenvolvimento sustentável é usado como
sinónimo para o oximoro crescimento sustentável.
Deve ser salvo deste engano. (p.208). (Grifos nossos).

718
FRAGMENTOS

O enfoque do desenvolvimento local é o que predomina no


exame do contexto regional, influenciando as proposições de políticas
para o enfrentamento dos problemas gerados pelas desigualdades
regionais. Apresenta, contudo, um problema de base que consiste
na definição clara do significado de local. Para alguns é sinônimo
de rural, para outros se refere a processos socioeconômicos em
uma área territorial de reduzido tamanho, havendo também quem
o considere equivalente ao desenvolvimento regional.7 Este enfoque
ganhou substancial alento na Europa, mercê do seu processo de
unificação política e, sobretudo econômica, quando as propostas de
desenvolvimento local encontraram espaço para aplicação devido à
conjuntura favorável (na época) e aos substanciais recursos disponíveis
para o financiamento de projetos dos sistemas produtivos locais que
até então operavam em condições precárias.8

Na verdade, o desenvolvimento local apresenta-


se menos como uma teoria do desenvolvimento
da região do que como um paradigma novo do
desenvolvimento: desenvolvimento endógeno,
territorial, autocentrado, desenvolvimento “por
baixo”, opondo-se ao desenvolvimento por cima,
que fundava as práticas anteriores. Esse novo
enfoque foi elaborado em meados dos anos 70,
graças às ideias de W. Stöhr e F. Taylor. (1981) e J.
Friedman (1964). O desenvolvimento local preconiza
a flexibilidade opondo-se à rigidez das formas de
organização clássica; uma estratégia de diversificação
e de enriquecimento das atividades sobre um dado
território com base na mobilização de seus recursos
(naturais, humanos e econômicos) e de suas energias,
opondo-se as estratégias centralizadas de manejamento
do território. (Benko 1994, p. 228).9 (Grifos nossos).

7 Tendo sido criado na Europa o termo local pode ser aplicado a cada um dos países que
compreendem a região entendida como União Européia.
8 Programa Leader da União Européia.
9 9 Segundo Arocena (1995)… desde nuestra óptica, el desarrollo local no dispone de un
cuerpo teórico propio o autónomo de las “teorías del desarrollo”. Por el contrario, existen

719
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

Boisier (2000, p.86) afirma que o desenvolvimento local


constitui uma prática sem teoria, circunstância que responde por
uma considerável confusão na literatura que trata do tema. Esta é
a mesma opinião de Guimaraes (1997; 281), para quem: “The term
‘local economic development’ (LED) describes a practice without much
theoretical underpinning: a practice that would benefit from, but
may actually never find, comprehensive and applicable substantive
theory”. Boisier afirma que o desenvolvimento local:

(...) es un concepto que reconoce por lo menos tres


matrices de origen. Primeramente, el desarrollo local es
la expresión de una lógica de regulación horizontal
que refleja la dialéctica centro / periferia, una lógica
dominante en la fase pre-industrial del capitalismo,
pero que sigue vigente aunque sin ser ya dominante.
En segundo lugar, el desarrollo local es considerado,
sobre todo en Europa, como una respuesta a la crisis
macroeconómica y al ajuste, incluido el ajuste político
supra-nacional implícito en la conformación de la UE;
casi todos los autores europeos ubican el desarrollo local
en esta perspectiva. En tercer lugar, el desarrollo local
es estimulado en todo el mundo por la globalización
y por la dialéctica global/local que ésta conlleva. En
otras palabras, hay tres racionalidades que pueden operar
detrás del concepto de desarrollo local y no pocos errores
prácticos provienen de una mala combinación de
instrumentos y de tipo de racionalidad. Por ejemplo,
se copian instituciones y medidas de desarrollo local
ensayadas en Europa (desarrollo local como respuesta)
y se intenta aplicarlas en América Latina (desarrollo
local como lógica de regulación horizontal). (2000,
p.86) (Grifos nossos).

Na mesma direção de Boisier, e de forma mais direta, Gonzalez


(1998, p.14) preocupado com o rigor cientifico, na abordagem desta

diversas teorías del desarrollo que tienen diferentes implicancias en su forma de ver lo local.

720
FRAGMENTOS

questão, alertava quanto à aplicação deste conceito aos países


emergentes.

(…) a las puertas del siglo XXI el método y la difusión


del Desarrollo Local ha adquirido una escala, como no
podía ser menos global. Ya no sólo en el ámbito europeo,
donde se concretó de forma pionera, sino en también en
espacios menos favorecidos, como los sudamericanos,
el Desarrollo Local se encuentra entre las prioridades
de investigadores, planificadores y agentes políticos
decisorios. (….) En este momento surge una duda
referida a la idoneidad y a la posibilidad de extrapolar
la metodología del Desarrollo Local (conceptualizada
y aplicada en el ámbito europeo) a un territorio y a
una sociedad como puede ser la brasileña. Los grandes
contrastes y diferencias entre aspectos tan variados como
las estructuras territoriales, los niveles infraestructurales,
la organización social, las fórmulas de comercialización,
las estructuras administrativas y de relación política,…
y otros aspectos más de incidencia directa sobre el
desarrollo, aconsejan una no translación inmediata y
mimética de los puntos del D.L., tal como se entiende
desde una perspectiva europea. Es necesario, por
consiguiente, profundizar en las carencias y prioridades
necesarias sobre las que es necesario intervenir para lograr
un verdadero desarrollo a una escala local. Buscar nuevas
alternativas, discurso, métodos, y, en definitiva, evitar
soluciones estandarizadas que pueden dificultar
alcanzar los objetivos deseables. (Grifos nossos).

O desenvolvimento endógeno, a despeito da sua atual


popularidade, é uma categoria tão confusa quanto a anterior,
com a qual é frequentemente confundida. Vários autores se
esforçam para encontrar uma distinção entre o local e o endógeno.
Um esforço estéril e destinado a integrar a lista de discordâncias
e polêmicas conceituais da ciência regional. O que se pode
supor é que o desenvolvimento local constitui um refinamento
do desenvolvimento regional enquanto o desenvolvimento

721
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

endógeno constitui um processo localizado especificamente


numa cidade,10 sendo próprio dos novos modelos de crescimento
econômico global ou agregado que fazem da inovação tecnológica
um fenómeno interno a própria função de produção, como em
Lucas e em Romer, deixando no passado a concepção neoclássica
de “fator residual” de Solow, como o mostra Barquero (2001,
p.17). Assim, segundo Boisier (2000, p.93), “el desarrollo endógeno
se produce como resultado de un fuerte proceso de articulación
de actores locales y de variadas formas de capital intangible,
en el marco preferente de un proyecto político colectivo de
desarrollo del territorio en cuestión.” É entendido, também, como
um processo de crescimento e mudança estrutural que se produz
como consequência das transferências de recursos das atividades
tradicionais para as modernas; da utilização de economias externas
e da introdução de inovações o que gera o aumento do bem estar
da população de uma cidade.

Barquero (2001, p.25) afirma que a despeito de não


depender especificamente da gestão governamental, os processos
de desenvolvimento endógeno ocorrem graças à utilização
produtiva do potencial de desenvolvimento que é gerado quando as
instituições e mecanismos de regulação do território funcionam
eficientemente.

Mas é importante notar que estes processos de


desenvolvimento dependem, e muito, das construções sociais,
que se expressam nas dimensões simbólicas. Assim sendo, no seu
planejamento não podem deixar de ser levados em consideração
fatores intangíveis que regem determinada comunidade, tais como
os valores, as crenças, os ritos, a tradição, os conhecimentos
atávicos, a confiança na relação comunidade / agentes, e as
experiências coletivas marcantes que resultam numa teia
comportamental, normalmente denominada de cultura.

O desenvolvimento endógeno também obedece a uma visão

10 A cidade é um território formado por um espaço construído e por um conjunto de atores


que tomam as decisões de investimento e de localização das atividades produtivas...a cidade é
mais que um mero ponto no espaço (Barquero,2001, p.23).

722
FRAGMENTOS

territorial (e não funcional) dos processos de crescimento e mudança


estrutural, que parte de uma hipótese de que o território não é
apenas um mero suporte físico dos objetos, atividades e processos
econômicos, mas também que é um agente de transformação local.

Observe-se a marca da teoria Schumpeteriana do


desenvolvimento capitalista em toda a formulação básica do enfoque
do desenvolvimento endógeno. Note-se, também, que esta teoria
não se aplica aos países subdesenvolvidos, notadamente às suas
regiões mais atrasadas, como no caso, o Nordeste Brasileiro.11

Souza (1999, p.189) afirma que a teoria schumpteriana é


mais adequada para países com elevado estoque potencial de
empresários, com disponibilidade de capitais emprestáveis e com
grandes possibilidades de criar novas tecnologias próprias. E conclui
dizendo que essas condições nem sempre se verificam nos países
subdesenvolvidos. E o problema da teoria schumpteriana, como
de qualquer outra teoria sobre o desenvolvimento econômico é a
dificuldade da sua generalização (Grifos nossos).

Conclusão

Quem conseguiu chegar ao final deste texto deve imaginar


que diante de tanto pessimismo muito pouco se teria que fazer na
área do desenvolvimento regional. Caberia sentar e rezar! Mas isto é
um engano. O que fizemos foi apontar algumas críticas importantes

11 Os estudos localistas avaliam as vantagens aglomerativas e de proximidade como fontes


de conhecimento e aprendizagem, enraizadas naquele território singular, criando, com
suas investigações, listas ad hoc dos ativos, capacitações, normas, rotinas e hábitos, todos
devidamente region-specific. Muitos destes trabalhos negligenciam que o comando maior
destes processos está fora do espaço sob análise. Além disso, segundo esta literatura, neste
ambiente portador do “novo desenvolvimento”, o esforço cívico e o engajamento solidário-
asssociativista passam ao largo de um Estado que se apresenta apenas enquanto um “voyeur”
das vontades de produzir vantagens comparativas e sinergias localizadas e, por vezes, de
alguma rede de filantropia para os excluídos do processo de “seleção natural”. (Brandão,
2002). (Grifos meus).

723
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

à teoria do desenvolvimento regional que merecem uma maior


reflexão por parte dos estudiosos do tema visto que não partiram
de iniciantes.12

Reunimos opiniões ideologicamente distintas de


economistas como Paul Baran e Celso Furtado, entre outros. Para
o primeiro somente a vitória do socialismo romperia o sistema
de dominação capitalista, pois o capitalismo era heterogêneo,
desigual e hierárquico, e o subdesenvolvimento era causado pelo
seu desenvolvimento contraditório. Segundo Baran, (apud Fiori,
2012 p 1) o capitalismo monopolista e imperialista teria bloqueado
definitivamente o caminho nos países atrasados. Celso Furtado,
por seu turno, responde a Meadows, do Clube de Roma, e ao seu
estudo The Limits to Growth (1972) afirmando que “a hipótese de
generalização, no conjunto do sistema capitalista, das formas de
consumo que prevalecem atualmente nos países cêntricos, não tem
cabimento dentro das possibilidades evolutivas aparentes desse
sistema” (1974 p 75). Assim sendo, “uma ruptura cataclísmica, num
horizonte previsível, carece de fundamento.” Destaca, porém que a
importância desse modelo que aponta para essa ruptura cataclísmica
reside no fato de que ele proporciona uma demonstração rigorosa
de que “o estilo de vida criado pelo capitalismo industrial sempre
será o privilégio de uma minoria”. Para Furtado, o custo desse estilo
de vida, em termos de “depredação do mundo físico, é de tal forma
elevado que toda tentativa de generalizá-lo levaria inexoravelmente
ao colapso de toda uma civilização, pondo em risco as possibilidades
de sobrevivência da espécie humana.” Mas acrescenta que, “por esta
razão, o desenvolvimento econômico - a ideia de que os povos pobres
podem algum dia desfrutar das formas de vida dos atuais povos ricos
- é simplesmente irrealizável.” Ou seja: “as economias da periferia
nunca serão desenvolvidas, no sentido de similares às economias que
formam o atual centro do sistema capitalista”. O que não impede
que esta idéia seja utilizada com grande eficácia “para mobilizar
os povos da periferia e levá-los a aceitar enormes sacrifícios, para
legitimar a destruição de formas de cultura arcaicas, para explicar
e fazer compreender a necessidade de destruir o meio físico, para

12 Muito mais teríamos a dizer se não fossemos limitados pelas 20 páginas fixadas pela Editoria.

724
FRAGMENTOS

justificar formas de dependência que reforçam o caráter predatório


do sistema produtivo (1974 pp 75,76).

Assim, diante de tudo isso, como diria Arrighi (1997) existe


uma ilusão desenvolvimentista que ignora completamente o
sistema consolidado de trocas desiguais entre os países, estados ou
regiões industrializadas e os países, estados ou regiões pobres que
sobrevivem em sua periferia. Ou, como vaticinou Walerstein (1998),
que a existência da periferia é essencial para a estabilidade da
economia capitalista mundial. A confirmação deste padrão e a
perspectiva da sua irreversibilidade são também demonstradas por
Arrighi (1997), que fala da divisão da riqueza pessoal em dois tipos
que estão separados por obstáculos intransponíveis. O primeiro deles
refere-se à riqueza democrática que constitui “um domínio sobre
os recursos que, em princípio, está disponível para todos em relação
direta com a intensidade e eficiência de seus esforços” (Arrighi, 1997,
p 216). O segundo tipo é constituído pela riqueza oligárquica que
nada tem a ver com a intensidade e a eficiência de quem a possui e
nunca está disponível para todos, por mais intensos e eficientes
que sejam seus esforços. Isso se demonstra pelo conceito de
troca desigual que explica não podermos todos ter domínio sobre
produtos e serviços que incorporam o tempo e o esforço de mais de
uma pessoa de eficiência média. “Se alguém o tem, isso significa que
outra pessoa está trabalhando por menos do que ele ou ela deveria
controlar, se todos os esforços de igual intensidade e eficiência
fossem recompensados igualmente” (Arrighi, 1997, p. 216). Assim
o uso ou o gozo da riqueza oligárquica pressupõe a eliminação
de outros. O que cada um de nós pode realizar, não é possível para
todos. Segundo Arrighi ao transpormos este raciocínio para a análise
dos sistemas mundiais (e regionais) numa economia capitalista
encontramos um problema de “adição” semelhante e muito mais
sério do que aquele que enfrentam os indivíduos quando buscam
obter riqueza pessoal. “As oportunidades de avanço econômico, tal
como se apresentam serialmente para um estado de cada vez, não
constituem oportunidades equivalentes de avanço econômico para
todos os estados” (Arrighi, 1997, p.217). Como afirma Wallerstein
(1988), “desenvolvimento neste sentido é uma ilusão” Ou seja: a

725
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

riqueza dos estados do núcleo orgânico (o chamado Primeiro Mundo


em termos globais, a região Sudeste no caso brasileiro) é análoga à
riqueza oligárquica de Harrod. Esta riqueza não pode ser generalizada
porque se fundamenta em processos de exploração e de exclusão
que pressupõem a reprodução contínua da pobreza da maioria da
população num contexto regional.

Após estas considerações justificativas da nossa visão pessimista,


fundamentada em tão ilustres pensadores contemporâneos, também
criticamos, na linha de Sérgio Boisier, a crescente nomenclatura
com a qual se adjetiva o desenvolvimento e que pululam em nossa
literatura. Em verdade esta adjetivação “no sólo produce confusión
sino que sobre todo, lleva a una verdadera tautologización del
concepto, ya que el desarrollo es precisamente –si se le entiende bien-
- exactamente todo aquello que se le atribuye. Como consecuencia,
la identificación de medidas a favor del desarrollo se hace difícil e
ineficiente.”(Boisier, 2001, p 1). Mas não se trata apenas de uma
questão tautológica, estas novas categorias inseridas na teoria do
desenvolvimento regional, tais como desenvolvimento local,
endógeno, autossustentável, integrado, comunitário que representam
diferentes estratégias e, por isto mesmo, comportam diferentes
abordagens, não possuem aderência aos fenômenos observados
nas comunidades periféricas, por derivarem em suas formulações
originais de escopos diferentes, construídos a partir de culturas e
realidades tecnologicamente mais avançadas não correspondendo
assim ao objeto real das suas investigações e intervenções. O rigor
científico exigido de quem trabalha com as ciências sociais fica assim
distorcido, confundindo e dificultando, em termos gerais, o sentido
de políticas públicas adotadas sob o rótulo dessas denominações.

Diante do exposto, fica claro que a teoria do desenvolvimento,


em suas diferentes adjetivações ainda necessita encontrar modelos
que se apliquem à periferia, contemplando as diferentes realidades e
estágios socioculturais. Como a economia é afetada pelas mudanças
do mundo que a rodeia, as causas e a explicação do desenvolvimento
devem ser buscadas, também, fora dos estudos da teoria econômica.

Cabe, porém uma certeza de que um dos pilares fundamentais

726
FRAGMENTOS

da política de desenvolvimento regional reside na substancial


melhoria de qualificação dos recursos humanos por meio da
adequação da oferta de capacitação às necessidades dos diferentes
sistemas produtivos locais. A isto se podem associar iniciativas que
favoreçam a difusão das inovações no tecido produtivo da localidade
ou do território. A criação de um ambiente inovativo constitui uma
medida de longo prazo caracterizada pelo engajamento gradativo das
pessoas de boa qualificação nas causas de inovação e modernização
tecnológica, mediante programas de qualificação seja de pessoal, seja
das atividades técnicas e produtivas e, principalmente, a indução da
cooperação entre os atores envolvidos, seja entre firmas competidoras
ou entre usuários e produtores.

Desta forma, conclui-se que a retomada da discussão acerca


do desenvolvimento parece indispensável nos dias de hoje, seja
em razão da situação de estagnação econômica e da deterioração
das condições sociais de vastas regiões da periferia capitalista
nesse contexto de globalização, seja em razão dos próprios limites
ecológicos da sociedade de consumo. O grande desafio consiste em
repensar o desenvolvimento levando em consideração esse conjunto
de problemas.

727
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

Referências

Ane, Relatórios 2011. Ranking da Economia Mundial: Produto Interno


Bruto. Disponível em: http://academia-ane.blogspot.com.br/2011/02/pib-
ranking-da-economia-mundial-gdp-ppp.html.

Acessado em 10 de abril de 2012.

Arocena, José. , 1995. El desarrollo local como desafío contemporáneo.


Montevideo: CLAEH- Nueva Sociedad,

Arrighi, Giovanni., 1997. A ilusão do Desenvolvimento. Petrópolis: Vozes.

Baran, Paul .,1960. A Economia Política do Desenvolvimento Econômico.


Rio de Janeiro: Zahar Barquero. Antonio Vasquez. , 2001 Desenvolvimento
endógeno em tempos de Globalização. Porto Alegre: UFRGS Editora.

Benko, Georges; Lipietz, A. (Org.)., 1994. As regiões ganhadoras. Oeiras,


(Pt.): Celta Editora. Boisier, Sergio., 2000. Desarrollo (local)? De qué
estamos hablando. In: Desenvolvimento local - regional: Determinantes e
desafios contemporâneos. Santa Cruz do Sul: Edunisc, p. 151-185.

Brandão, A. B., 2002. Localismos, mitologias e banalizações na discussão


do processo de desenvolvimento. In: VII Encontro Nacional de Economia
Política. Anais... Curitiba-PR, maio de Bussato, Maria Isabel; Costa Pinto,
Eduardo.,2005. A nova Geografia Econômica: uma perspectiva regulacionista.
I Encontro de Economia Baiana – Salvador.

Fiori, José Luis., 2012. Para reler o “velho desenvolvimentismo”?


Disponível em : http://www.cartamaior.com.br/templates/coluna Acesso
em 03.Mai.2012.

Daly, Herman. , 1996. “Sustainable growth? No thank you”. In: Mander,


Jerry; Goldsmith, Edward (Orgs.). The case against the global economy
(and for a turn toward the local). San Francisco: Sierra Club Books, 1996,
p. 192-96.

728
FRAGMENTOS

Enríquez, Maria Amélia Rodrigues da S. (2008) O custo de oportunidade


dos recursos naturais não-renováveis em um mundo cheio, na perspectiva
de Herman Daly. Eco – Boletim da Sociedade Brasileira de Economia
Ecológica. N° 19, set/dez.

Furtado, Celso., 1974.O mito do desenvolvimento econômico. Rio de


Janeiro: Paz e Terra. Guimarães, S.P., 1999. Quinhentos Anos de Periferia:
Uma Contribuição ao Estudo da Politica Internacional Porto Alegre: Ed. da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

Guimaraes J.P. de C., 1997. Local Economic Development: The Limitation


of Theory. In: B. Helmsing y J. Guimaraes (eds.) Locality, State and
Development. Essays in honour of Jos G.M. Hilhorst. The Hague: ISS.

González, Román Rodríguez. , 1998. La escala local del desarrollo: definición


y aspectos teóricos. Revista de Desenvolvimento Econômico, Salvador, nº1,
Novembro.

Hirschman, A., 1980. Auge y ocaso de la teoría económica del desarrollo.


El Trimestre Económico. México: Fondo de Cultura Económica, v.47, n.188

Hobsbawm, E. J., 1995. A era dos extremos. O breve século XX : 1914-


1991. São Paulo : Companhia das Letras..

Huxley, Aldous.,1969.Admirável mundo novo. Rio de Janeiro: Bradil.

Lipietz, Alain., 1995. El mundo del postfordismo, In: Revista Nuestra


Bandera/Utopías, nº 166, Madrid.

Mander, Jerry; Goldsmith, Edward., 1996. Economia local, Economia


global: a controvérsia. Lisboa: Piaget.

Meadows DH; Meadows D; Randers J; Behrens III. , 1972. The Limits to


Growth. Earth Island, London, UK.

Orwell, George., 2005. 1984. 29ª ed.. São Paulo: Cia. Editora Nacional.

729
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD)., 2011.


Informe sobre Desarrollo Humano. Sostenibilidad y equidad: un mejor
futuro para todos. Nueva York, NY: PNUD.

Satrústegui, Koldo Unceta., 2009. Desarrollo, subdesarrollo, maldesarrollo


y postdesarrollo: una mirada transdisciplinar sobre el debate y sus
implicaciones. Montevideo: CLAES: Carta Latinoamericana: contribuciones
en desarrollo y sociedad en América Latina. N° 7, Abril de 2009.

Stöhr, W.; Taylor, D.R.F. (Orgs.). , 1981. Development from above or below.
Chichester: Wiley. Storper, Michael; Scott, Allen J., 1986. The wealth of
regions. Market forces and policy imperatives in local and global context.
In: Futures. Vol. 27, n.º 5.

Souza, Nali de Jesus. ,1999. Desenvolvimento Econômico – 4ª. Ed. São


Paulo: Atlas Wallerstein, I., 1998. The Rise and Future Demise of World-
Systems. Analysis Review, New York, v. XXI, n. 1, p. 103-112.

World Commission on Environment and Development. 1987. Our Common


Future. Oxford University Press.

730
FRAGMENTOS

ARTIGO

CULTURA
E ECONOMIA:
DA TEORIA À PRÁTICA

19
731
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

732
FRAGMENTOS

Cultura e Economia: Da Teoria à


Prática1
Noelio Dantaslé Spinola2
Claudia Fardin Soares Pereira3

RESUMO
Este artigo tem por objetivo realizar uma reflexão sobre a economia
e a cultura na sociedade atual, a partir da observação da importância
que a produção cultural tem obtido em todo o mundo, inclusive no
Brasil e na Bahia. Para tanto, são apresentado conceitos importantes
para o entendimento da economia da cultura, aspectos da produção
cultural mundial, nacional e local e o processo de sua organização e
funcionamento.

PALAVRAS-CHAVE: Economia da cultura. Produção cultural.


Financiamento e Investimento.

1 Este artigo é desenvolvido a partir da dissertação de mestrado: “Aspectos da produção cultural


de Salvador: um estudo sobre os reflexos da atividade musical na economia local”, do segundo
autor e sob a orientação do primeiro, no Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento
Regional e Urbano, da Universidade Salvado – UNIFACS e com o apoio financeiro da FAPESB.
2 Economista. Doutor em Análise Geográfica Regional pela Universidade de Barcelona. Professor
titular da Universidade Salvador – UNIFACS. E-mail: spinola.noelio@gmail.com
3 Economista. Mestre em Desenvolvimento Regional pela Universidade Salvador – UNIFACS.
E-mail: claudiafardinsp@gmail.com.

733
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

734
FRAGMENTOS

I - INTRODUÇÃO

A gente não quer só comida, / a gente quer comida,


diversão e arte.
Comida (Titãs)

As atividades oriundas do setor cultural vêm despertando um


especial interesse no debate econômico da atualidade, nos diversos
segmentos da sociedade, porque além de ser responsável pela
geração de parcela expressiva de ocupação e/ou emprego e riqueza,
consequentemente também contribui para que seus atores participem
do mercado de trabalho de forma dinâmica e transformadora. Isso se
dá porque os bens culturais possuem um valor diferenciado, adquiridos
a partir de seus componentes simbólicos e, quando disponibilizados no
mercado, adquirem o status de bens econômicos tradicionais, capazes
de gerar renda, emprego e bem-estar social.
Ao se fazer uma análise da sociedade atual, seja nacional ou
internacional, é facilmente observado que a produção cultural vem
ganhando crescente destaque como um dos elementos mais dinâmicos
e imprevisíveis de mudança histórica no novo milênio e, então, o seu
estudo torna-se determinante para o entendimento do setor como
uma estratégia para o desenvolvimento local, regional e nacional.
A produção cultural, conforme entendimento do Ministério da
Cultura, envolve, historicamente, os segmentos do artesanato, música,
moda, culinária, dança, literatura, arquitetura, patrimônio, antiquários,
design, cinema, artes híbridas e artes performáticas, dentre outras,
e ainda as atividades ligadas à música, como dança, banda, grupos
musicais e corais.
Estas atividades, com presença marcante em todas as regiões
do País, indicam que o Brasil efetivamente possui em grande força em
suas manifestações culturais, muitas vezes associadas a um movimento
regionalista e folclórico, ou provenientes de tendências e movimentos
nacionais e internacionais.

735
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

A Bahia, e em especial a sua principal cidade e capital –


Salvador, são detentoras de identidade singular, que se manifesta sob
forte expressão em inúmeros segmentos culturais, na música, nas artes
cênicas, nas artes plásticas, na arquitetura, no artesanato, na culinária,
na moda e na religião, fato este que acaba por desencadear as muitas
atividades na cidade. (REIS apud GERREIRO, 2008)
É neste cenário que a produção cultural vem ocupando um lugar
de destaque e ganhando espaço significativo na economia baiana.

II - ECONOMIA DA CULTURA

Durante o século XX, com o crescimento das indústrias


culturais4, a cultura passa a ter uma significativa importância no ramo
da economia. O progresso tecnológico proporciona grande impulso
à produção massiva na área cultural, principalmente advindo da
introdução de novas tecnologias digitais.
Mais especificamente a partir do pós-guerra, começa a ser
sentida, a nível mundial, a importância da produção, circulação e
consumo de bens e serviços culturais nas economias das nações.
Porém, é somente a partir dos anos 1970, que a Economia da Cultura
ganha importância entre os debates e estudos no mundo acadêmico;
e, progressivamente, passa a obter destaque entre os órgãos
internacionais de cooperação, que percebem seu grande potencial na
geração de riqueza para os diversos países. (REIS, 2008).
Em 2003, o Banco Mundial estimou a participação da Economia
da Cultura em 7% do PIB mundial, classificando-o como um setor de
grande dinamismo e potencial crescimento. (MINISTÉRIO DA CULTURA,
2011).

4 O termo “indústria cultural” foi cunhado por Adorno e Horkheimer, na década de 40,
referindo-se ao movimento de padronização e produção em série dos produtos e serviços
decorrentes da atividade cultural. A cultura é transformada em mercadoria e comercializada
em grande escala. (ADORNO & HORKHEIMER, 1985, p. 144) Este termo, então, refere-se ao
conjunto de indústrias cuja atividade econômica é a produção de bens e serviços culturais, com
fins de exploração mercantil e geração de lucro.

736
FRAGMENTOS

Essa produção cultural destaca-se como um dos elementos


mais dinâmicos e imprevisíveis de mudança histórica no novo
milênio e estudá-la e entendê-la torna-se determinante e importante
estratégia para o desenvolvimento dos países na atualidade.
O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social -
BNDES5 - define a “economia da cultura como um setor estratégico
e dinâmico, tanto pelo ponto de vista econômico, como sob o
aspecto social. Baseados em criatividade, ideias, conceitos e valores
geradores de propriedade intelectual, os bens e serviços culturais
são ativos intangíveis que integram a chamada “economia do
conhecimento”, base de sustentação das economias nacionais.”
(O BNDES e a economia informal. Em: <http://www.bndes.gov.br/
cultura>. Acesso em: 20.06.2013).
Pensar em cultura é procurar entender o aspecto criador do
indivíduo, com sua liberdade e individualidade que lhe são próprias,
sem se deixar cair no erro de acorrentá-la a regras e conceitos que
lhe inserem no mundo limitador do mercado capitalista, como toda
e qualquer mercadoria produzida para o mero fim de produção de
lucro, e, como bem define Spinola (2006).

“Para pensar as potencialidades econômicas da


cultura é preciso alcançar sua dimensão mais
complexa para não aprisioná-la nas regras da indústria
cultural. Afinal de contas, os produtos culturais
estão enraizados na vida cotidiana dos povos. Eles
são resultado de uma experiência sensível, às vezes,
tramado no anonimato da vida comunitária e esse
capital cultural que agora emerge como mercadoria
aponta para um redimensionamento das noções
de centro e periferia. Nesse contexto, as fronteiras
perdem densidade para dar lugar à experiência
concreta do pertencimento a um espaço, um bairro,

5 O BNDES é um órgão vinculado ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio


Exterior, cuja atuação se faz nas áreas de agropecuária, comércio, serviço e turismo, cultura,
desenvolvimento social e urbano, esporte, exportação e inserção internacional, indústria,
infraestrutura, inovação, meio-ambiente e mercado de capitais.

737
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

um território, uma cidade.” (SPINOLA, 2006, p. 25).

O IBGE (2006) também defende que:

O município é o lócus privilegiado do fazer e da fruição


cultural, na medida em que é a instância mais próxima
dos “modos de vida” da população. Assim sendo, tem
uma posição decisiva do ponto de vista da gestão
pública do setor cultural.” (IBGE, 2006, p. 24).

A questão cultural ganha significativa relevância econômica


e social e passa a ser vista com certa prioridade na elaboração
das políticas públicas. E, para tal, é crescente a necessidade de
produção e elaboração de dados e informações estatísticas no
campo da formulação e avaliação de políticas públicas de cultura,
onde a construção de indicadores culturais para a realização de um
estudo mais detalhado e criterioso sobre a matéria adquire grande
importância.

2.1- UMA BREVE DISCUSSÃO CONCEITUAL

Definido conceitualmente pela primeira vez por Edward Tylor6


em sua obra Primitive Culture, o vocábulo inglês culture designou
inicialmente todo o conhecimento, a arte, moral, leis, costumes,
capacidade e hábitos adquiridos pelos homens. Tylor entendia
a cultura como um fenômeno natural, cujo estudo resultaria na
identificação de leis que permitiriam a sua evolução. (TYLOR apud
LARAIA, 1871)

Mais tarde, com o evoluir do pensamento e observação sobre


as práticas sociais, este mesmo termo passou a expressar também

6 Para Tylor (1871), cultura é o produto de tudo o que é produzido pela humanidade no
plano concreto ou imaterial, é processo de seus conhecimentos e suas habilidades empregadas
socialmente, independente da questão biológica. Edward B. Tylor era professor da Universidade
de Oxford e em edita sua obra Primitive Culture em dois volumes.

738
FRAGMENTOS

todo o conjunto do comportamento assimilado e apreendido, que


independe de uma transmissão genética.
Para a antropóloga Ruth Benedict, a cultura é como uma lente
através da qual o homem vê o mundo, e, por isso, suas práticas e
seus comportamentos tendem a se modificar conforme os povos
observados e o local onde estão inseridos. Sob outro ângulo, numa
visão antropológica, a cultura refere-se aos códigos morais e de valores
dos homens, e pode ser contextualizada através dos costumes e dos
modos de vida, nas experiências cotidianas, que produzem e deixam
uma marca no tempo e no espaço em que vivem. (BENEDECT, 1972).
Pode-se dizer, de uma forma simplista, mas nem por isso
errônea ou irreal, que a cultura é toda e qualquer manifestação
produzida pelo ser humano, seja na área das artes, religião, música,
dança, língua, economia ou de seu comportamento.
Por sua própria definição e constituição, toda a produção
resultante da atividade cultural é carregada de simbologia e de
um significado único. Isso faz com que os bens culturais possuam
um valor diferenciado, adquiridos a partir de seus componentes
simbólicos e estes bens, quando disponibilizados no mercado,
adquirem um status de bens econômicos tradicionais, inseridos no
processo de produção, reprodução e circulação e, por isso mesmo,
capazes de gerar ocupação, emprego, renda e bem-estar social.
Porém, enquanto a percepção de seu valor se dá de forma individual,
o seu consumo tende a ser impulsionado por hábitos e interesses
coletivos – ou seja, é o gosto, o interesse pelo seu consumo, que
determina sua demanda.
É assim que a produção resultante da atividade cultural
tende a se profissionalizar, gerando profissionais, estudiosos
e especialistas. O seu caráter simbólico se consolida e procura a
obtenção de legitimidade e difusão num mercado marcado por
produtores e consumidores de bens culturais, que originam a criação
de culturas de massa. E, desta forma, esse produto cultural emerge
na sociedade como mercadoria e, como tal, passa a ser estudada
pela economia da cultura.
A produção cultural está presente nas vozes e imagens,

739
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

na moda e na dança, no artesanato e na culinária, na língua e no


comportamento, atrelada, pelo consumo, às tendências e às modas.
E é por isso que não se pode concebê-la simplesmente como uma
variável de menor importância ou secundária, mas deve ser pensada
e entendida como fundamental, constitutiva e determinante para a
sociedade.
A partir dessa concepção, a produção advinda dos diversos
setores da cultura transforma a prática mercantil. Agora, o mercado
deixa de ser um simples espaço de trocas de mercadorias, para
ser também um lugar onde se processam as interações sociais e
simbólicas entre os indivíduos. O seu consumo não implica somente
a satisfação de necessidades básicas ou de apropriação imediata de
bens. O ato de consumir certos produtos passa a dizer algo sobre
quem os consome, sua posição social, seu status, o lugar a que
pertence e os vínculos que os indivíduos são capazes de estabelecer
com os demais, com o mercado e com a sociedade como um todo.
Esta produção cultural foi observada desde o início dos
estudos econômicos por muitos teóricos, de forma pontual e sob
um caráter esporádico, considerada sem grande relevância para a
sociedade devido à intangibilidade de seus bens e serviços e por
seu processo produtivo e de consumo, atípico, não se inserindo no
modo de produção comumente observado. Ainda assim, alguns
economistas clássicos, como Adam Smith e David Ricardo, a incluíam
em uma categoria de satisfação de luxo e prazer ou, ainda, uma
categoria improdutiva, mais indispensável ao bem-estar social.
Em A Riqueza das Nações, vol. II (1776), A. Smith cita que
a produção artística gera um efeito positivo na sociedade. Porém,
para o autor as desigualdades observadas entre as remunerações dos
artistas estão relacionadas à escassez dos talentos e ao desprezo da
opinião pública. É dele o comentário citado sobre as representações
culturais:

O Estado, ao estimulá-las, isto é, ao dar inteira


liberdade de ação a todos aqueles que, movidos pelo
próprio interesse, procurassem, sem escândalo ou
indecência, divertir e distrair o povo com a pintura,

740
FRAGMENTOS

a poesia, a música, a dança, com todos os tipos de


representações e exibições, facilmente dissiparia, na
maior parte da população, a melancolia e a tristeza que
quase sempre alimentam a superstição e o fanatismo
populares. (...) A alegria e o bom humor que essas
diversões inspiram seriam totalmente inconciliáveis
com esse estado de espírito que constitui o terreno
mais propício para os propósitos desses fanáticos ou
sobre o qual eles podem trabalhar melhor. (SMITH,
1983, p. 310).

Jean Baptiste Say, em sua obra Traité d'Economie politique


(1803), sobre o talento artístico e a desigualdade imperante na
classe, escreve:

Quando, além de treinamento caro, é requerido um


peculiar talento natural por um ramo particular da
indústria, a oferta é condicionada à demanda, e
deve ser, por conseguinte, melhor remunerada. Uma
grande nação provavelmente terá dois ou três artistas
capazes de pintar um quadro superior ou esculpir
uma bonita estátua; se tal acontecer, então, poucos
serão para suprir grande parte da demanda, ainda
que grande parte dos lucros retorne em forma de
juros ao capital investido na aquisição das obras de
arte, mais uma vez o lucro trará um excedente muito
grande. (SAY, 1803, apud RENGERS, 2002, p. 4).

Marx, ao versar sobre trabalho produtivo e improdutivo,


considerou que as atividades culturais só teriam um caráter produtivo
se fossem capazes de gerar riqueza para as pessoas que exploram as
atividades assalariadas dos trabalhadores que as produzem.
Marshall, em sua obra Princípios de Economia (1890), incluiu
na análise do comportamento econômico o contexto cultural
e histórico, e foi o primeiro autor a citar exemplos de atividades
culturais, como quando analisa o consumo da música, ou seja,

741
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

enquanto no consumo do produto industrial, a satisfação dos


indivíduos tende a diminuir a partir de um certo nível de consumo,
caracterizando uma utilidade marginal decrescente, no consumo da
música o princípio é invertido, quanto mais escutada, mais ela é
apreciada. Então, para a música e, em geral, para os bons serviços
culturais, é válido o princípio da utilidade marginal crescente.
(SALARODRIGUES; SOLÉ, 2003)
A partir de meados dos anos 1960, a cultura passa a ter
algum destaque no discurso teórico acadêmico, que começa a
prestar mais atenção aos aspectos da produção humana advinda
de seus modos particulares de convivência, a partir da observação
da relação existente entre os povos e o tempo, o espaço em que
habitam, o gosto e o modo particular de produzir determinado
objeto de sua arte e contribuindo também para a dinamização da
economia de diversas nações.
É desse período a obra Performing Arts: the Economic
Dilemma, de W. Baumol e W. Bowen. Neste trabalho, considerado
um marco para a Economia da Cultura, os autores observam que
o setor cultural torna-se diferente dos demais setores econômicos
pelo uso intensivo do trabalho e por não ser esse sensível aos ganhos
obtidos com a produtividade tecnológica e, então, defendem que
deveriam ser esses setores subsidiados por políticas governamentais.
Outra observação feita pelos autores foi que os salários de técnicos
e artistas tendiam à estagnação, sem acompanhar as tendências do
mercado em geral.
A partir de Baumol e Bowen, outros autores passam a
dispensar interesse pelo estudo da cultura e seu comportamento
econômico, como David Throsby, Gary Backer e Ruth Towse.
Com seu conceito ainda em construção, a economia da cultura
ganha importância como uma disciplina integrante da Ciência
Econômica, cujo objetivo é estudar e compreender os fenômenos
culturais, com seus símbolos, sua subjetividade e intangibilidade
que lhe são próprias.
A Conferência das Nações Unidas para o Comércio e

742
FRAGMENTOS

Desenvolvimento - UNCTAD7, em seu Creative Economy Report,


define a Economia da Cultura como:

“[Cultural Economics is].... the application of economic


analysis to all of the creative and performing arts, the
heritage and cultural industries, whether publicly or
privately owned. It is concerned with the economic
organization of the cultural sector and with the
behaviour of producers, consumers and governments
in this sector. The subject includes a range of
approaches, mainstream and radical, neoclassical,
welfare economics, public policy and institutional
economics” (UNCTAD, 2010, p. 34)8

O que torna o estudo da economia da cultura bastante peculiar


e, de certo modo, também o seu conceito difícil de ser homogeneizado,
é o fato de que as atividades do setor são bastante heterogêneas e
envolvem diferentes práticas, modalidades de organização produtiva,
empresarial e tecnológica, assim como as operações que envolvem
sua circulação. Cada área cultural tem diferentes inserções e graus de
participação na dinâmica da produção cultural.
Neste cenário, para dar visibilidade, suporte e responder à
demanda criada em torno dos bens provenientes do setor cultural,

7 A Conferência das Nações Unidas para o Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD) é órgão das
Nações Unidas (ONU) para discussão e promoção do desenvolvimento econômico por meio de
incremento no comércio internacional. Em suas linhas de discussão, encontram-se assuntos re-
lacionados às áreas de finanças, tecnologia, investimento e desenvolvimento sustentável. Suas
ações visam aumentar as oportunidades de comércio, investimento e progresso dos países
em desenvolvimento, ajudando-os a enfrentar e superar os desafios derivados da globaliza-
ção e a integrar-se na economia mundial em condições equitativas. Para tanto, utiliza-se da
investigação e análise de políticas econômicas e de desenvolvimento, a cooperação técnica e
a interação com a sociedade civil e o mundo da economia. (Ministério do Desenvolvimento,
Indústria e Comércio Exterior, disponível no site: http://www.mdic.gov.br/sitio/interna/interna.
php?area=5&menu=531)
8 Para a UNCTAD (2010), a Economia Cultural refere-se à aplicação da análise econômica às
artes cênicas e criativas, ao património e às indústrias culturais, públicas ou privadas. Preocupa-
se com a organização econômica do setor cultural e com o comportamento dos produtores,
consumidores e governos no setor. Desta forma, o tema inclui uma variedade de abordagens,
tradicional e conservadora, neoclássica, bem como a economia do bem-estar, políticas públicas
e economia institucional. (tradução nossa)

743
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

que surgem e se desenvolvem as indústrias culturais, com uma nova


lógica de aplicação dos processos industriais aos produtos da criação
artística e cultural, permitindo a massificação dos bens e serviços
provenientes da criação humana e a mercantilizando os produtos da
cultura, dando-lhes uma certa padronização.
O termo “indústria cultural” foi primeiramente empregado por
Adorno e Horkheimer, no livro Dialética do Esclarecimento, datado
de 1947, com o objetivo de substituir o termo “cultura de massa”,
onde sua produção é voltada para o consumo de grande parcela da
população, de acordo com a demanda por ela determinada, com algum
planejamento. O termo refere-se ao processo de estandardização da
produção de determinado bem, como é o que se verifica na produção
de filmes ou CDs e DVDs, dentre outros.
Essa indústria cultural abarca diversos ramos do segmento da
cultura que, ao se apropriarem do produto da arte popular, fazem
sua adaptação ao consumo das massas, através da padronização
de seus bens e racionalização das técnicas utilizadas para sua
distribuição. Neste novo processo de produção, o saber individual é
associado a procedimentos técnicos, à divisão do trabalho e ao uso
de maquinarias.
Assim, a arte passa a ser assimilada pela indústria, perdendo
parte do seu conteúdo inspirador, criativo e único, e transformando-
se em mera mercadoria, inserida em um processo de controle social,
que gera a demanda e dita as normas e padrões necessários à sua
produção, conforme descrito por Adorno:

O consumidor não é rei, como a indústria cultural


gostaria de fazer crer, ele não é o sujeito dessa
industriaria, mas seu objeto. (...) As massas não são
a medida, mas a ideologia da indústria cultural, ainda
que esta última não possa existir sem a elas se adaptar.
(ADORNO, 1994, p. 93).

A expressão indústria cultural é um termo polêmico para


os dias atuais. Para Adorno e Horkheimer, essa indústria da cultura
merece bastante reflexão, pois ao mesmo tempo em que massifica

744
FRAGMENTOS

sua produção, torna o ser humano um ser explorado e um escravo


do consumo.

A cultura converteu-se totalmente numa mercadoria


difundida como uma informação, sem penetrar nos
indivíduos dela informados. (...) O pensamento reduzido
ao saber é neutralizado e mobilizado para a simples
qualificação nos mercados de trabalho específicos e
para aumentar o valor mercantil da personalidade.
(ADORNO & HORKHEIMER, 1985, p. 184).

Em outro trecho, os autores argumentam:

A verdade em tudo isso é que o poder da indústria


cultural provém de sua identificação com a necessidade
produzida, não da simples oposição a ela, mesmo que
se tratasse de uma oposição entre a omnipotência
e impotência. A diversão é o prolongamento do
trabalho sobre o capitalismo tardio. Ela é procurada
por quem quer escapar ao processo de trabalho
mecanizado, para se pôr de novo em condições de
enfrentá-lo. Mas, ao mesmo tempo, a mecanização
atingiu um tal poderio sobre: a pessoa em seu lazer e
sobre a felicidade, ela determina tão profundamente
a fabricação das mercadorias destinadas à diversão,
que esta pessoa não pode mais perceber outra coisa
senão as cópias que reproduzem o próprio processo
de trabalho. O pretenso conteúdo não passa de
uma fachada desbotada; o que fica gravado é a
sequência automatizada de operações padronizadas.
Ao processo de trabalho na fábrica e no escritório só
se pode escapar adaptando-se a ele durante o ócio.
Eis aí a doença incurável de toda diversão. O prazer
acaba por se congelar no aborrecimento, porquanto,
para continuar a ser um prazer, não deve mais exigir
esforço e, por isso, tem de se mover rigorosamente nos
trilhos gastos das associações habituais. O espectador

745
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

não deve ter necessidade de nenhum pensamento


próprio, o produto prescreve toda reacção: não por
sua estrutura temática – que desmorona na medida
em que exige o pensamento – mas através de sinais.
(ADORNO & HORKHEIMER, 1985, p. 184).

Esta indústria atua transformando tudo em bem de consumo,


seja ele um produto da criatividade, nas áreas da arte, música,
cinema, literatura, moda, ou da arquitetura. Este produto é levado
ao mercado para ser comercializado sob a lógica do capital, inserido
no contexto mercadológico de fins lucrativos.
Em Adorno (1994), o termo “indústria cultural”, então, veio a
substituir outro concebido como “cultura de massas”. Diferentemente
da cultura que surge espontaneamente do povo, na indústria cultural
a sua produção é dirigida para as massas e determinada para o seu
consumo e vice-versa.

A indústria cultural se preocupa primordialmente


com o produto que vai chegar às massas, que devem
consumi-lo integralmente e com grande aceitação,
seja ele um espetáculo, uma mostra de arte ou uma
mídia eletrônica. Neste segmento, com o apoio
fundamental dos veículos de comunicação de que
dispõem, ao mesmo tempo que divulga sua arte, cria
continuamente necessidades, sem admitir críticas.

Neste cenário, manipulado pelo capital, é promovida a


integração proposital das duas artes, separadas há tempos: a superior
– das elites culturais, que acaba sendo desfeita em sua seriedade e
erudição pela especulação –, e a inferior – das culturas populacionais,
que seria controlada em seus caracteres rudes e manipulada
socialmente. O mercado passa a padronizar o gosto pelas artes,
subtraindo dos consumidores a liberdade de estipularem seus critérios
e exigências e dos autores a liberdade da criação comprometida
somente com os seus ideais artísticos. Conforme Adorno (1971):
A indústria cultural é a integração deliberada, a partir do alto,
de seus consumidores. Ela força a união dos domínios, separados há

746
FRAGMENTOS

milênios, da arte superior e da arte inferior. Com o prejuízo de ambos.


A arte superior se vê frustrada de sua seriedade pela especulação sobre
o efeito; a inferior perde, através de sua domesticação civilizadora, o
elemento de natureza resistente e rude, que lhe era inerente enquanto
o controle social não era total. (ADORNO, 1971, p. 287).
Em nível mundial, o setor de cultura é organizado para dar
suporte à produção de inúmeros de seus segmentos, que passam a ser
vistos com bastante interesse pelas autoridades, em virtude do aporte
de recursos que movimenta, compondo importantes percentuais em
seus Produtos Internos Brutos – PIBs. O mesmo acontece com o Brasil,
que desde os amos 30 já procurava estabelecer as primeiras políticas
públicas para o setor. Porém é a partir dos anos 90 que passou a
organizar sua área cultural através do Ministério da Cultura, com uma
política mais voltada para as relações mercadológicas e a interação
entre economia e cultura, com uma proposta de elaboração de
diretrizes e metas culturais para os diversos segmentos do setor.

2.2- A POLÍTICA CULTURAL E SEU FINANCIAMENTO

Os governos das nações começaram a perceber, então, que o


incentivo à cultura poderia ser uma estratégia importante na busca
e autoafirmação de sua identidade nacional, sua diferenciação e
singularidade, e que este saber-fazer era visto como um diferencial
capaz de gerar ao mesmo tempo encantamento e valor e,
consequentemente, desenvolvimento econômico e social. Procuraram,
então, incentivar, conservar, promover e expor sua produção e seus
autores. Paralelamente, amantes e admiradores, de algum modo,
faziam incentivos, seja adquirindo, divulgando ou estimulando as
obras de artistas nos mais variados gêneros, a depender do gosto,
seja na pintura, na música, artes cênicas, escultura, e outros mais.
Em meio aos discursos econômicos e políticos, nos últimos
tempos, tornou-se uma questão central para o desenvolvimento
humano e social as questões relacionadas à cultura e, a forma de

747
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

financiamento desta atividade, uma preocupação de governos e


gestores, que buscam cada vez mais uma maior interlocução entre os
cidadãos e instituições públicas e privadas.
Fruto da necessidade de uma diálogo íntimo, principalmente
entre as áreas da sociologia, antropologia, economia, política e artes,
que mostram-se indispensáveis à concepção e delimitação do campo
de atuação da cultura, o conceito de política cultural ainda não é um
consenso entre os estudiosos do tema, embora de grande importância
na sociedade moderna.
Para fins deste trabalho, foi adotada a definição presente
no Dicionário Crítico de Política Cultural e as razões para o seu
financiamento:

[...] a política cultural é entendida habitualmente


como programa de intervenções realizadas pelo
Estado, instituições civis, entidades privadas ou grupos
comunitários com o objetivo de satisfazer as necessidades
culturais da população e promover o desenvolvimento de
suas representações simbólicas. Sob este entendimento
imediato, a política cultural apresenta-se assim como
o conjunto de iniciativas, tomadas por esses agentes,
visando promover a produção, a distribuição e o uso
da cultura, a preservação e divulgação do patrimônio
histórico e o ordenamento do aparelho burocrático por
elas responsável. (COELHO, 2004, p. 292).

Canclini (2001), ao abordar o tema, infere que a política cultural é:

[El] Conjunto de intervenciones realizadas por el


estado, las instituiciones civis y los grupos comunitários
a fin de orientar el desarolho simbólico, satifacer las
necesidades culturales de la población y obtener
consenso para un tipo de orden o transformación
social. (CANCLINI, 2001, p.65)9.

9 Para Nestor Garcia Canclini, a política cultural representa o conjunto de intervenções


realizadas pelo estado, pelas instituições civis e pelos grupos comunitários com o objetivo de

748
FRAGMENTOS

Embora este conceito não tenha sua aceitação entre a


maioria dos pensadores que discorrem sobre o assunto, nos dá
um embasamento para melhor entender a necessidade de uma
estratégia conjunta entre os diversos agentes, sob a coordenação e
planejamento de um dos entes centrais (no caso, o governo – seja
de qualquer âmbito: nacional, regional, estadual ou local) para a
intervenção e promoção da cultura na sociedade.
De forma a sintetizar o assunto, podemos admitir que as
políticas culturais são o conjunto de intervenções promovidas pelo
Estado, com o objetivo de satisfazer as necessidades da população
e estimular e incentivar o desenvolvimento de suas representações
simbólicas em sua esfera de atuação, para tal contando com a
interlocução e o apoio de empresas privadas, organizações civis e/
ou grupos comunitários que, ao se unirem, juntam esforços para
promover o bem-estar social.
Gilberto Gil (2007), ex-ministro, cantor, compositor, artista
contemporâneo, discursa sobre a importância da cultura e das práticas
e políticas que incentivem a diversidade e a promoção cultural no
desenvolvimento local no texto Cultura, diversidade e acesso, cujo
trecho se reproduz abaixo:

Vivemos um momento histórico privilegiado. As


mudanças das formas de produção, significação e
distribuição dos conteúdos culturais apontam para
um espaço novo e dinâmico das políticas culturais.
A revolução digital abre novas portas aos países em
desenvolvimento. Trata-se de uma chance única de
intervenção no modelo de globalização vigente, uma
oportunidade de praticarmos o júbilo da diversidade
cultural.
A cultura possui um incrível potencial de produzir
sedimentos que ativam a mudança histórica. Em muitos
casos, ela é o lugar onde a mudança efetivamente se
realiza. Mas sua atuação discreta e incisiva nos rumos

orientar o desenvolvimento simbólico, satisfazer as necessidades culturais da população e obter


consenso para um tipo de ordem ou transformação social. (tradução nossa)

749
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

das relações internacionais, suas novas potencialidades


econômicas e sua atuação transversal ainda padecem
de um grande desconhecimento – e até desconfiança
– das burocracias públicas tradicionais. É hora de
atentarmos à força contemporânea da cultura, à força
de modernizar agendas e atualizar discussões públicas,
de promover paz, prazer e conhecimento mútuo – para
o bem dos países em desenvolvimento, para o bem da
América do Sul. (GIL, 2007)10.

Inúmeros desafios vêm sendo enfrentados no campo


das políticas culturais no mundo contemporâneo, desde a sua
organização mais moderna, que aconteceu a partir de meados do
século XX, quando novos elementos passaram a ser incorporados a
este conceito, cuja transversalidade passou a abarcar áreas distintas,
e até então desconexas, como a sociologia, economia, política e
antropologia, para citar algumas.
Desde os anos 40 a política cultural passou a ser uma área de
expressão na Europa, quando foi instituída a Arts Council, na Inglaterra,
e posteriormente com a criação do Ministério dos Assuntos Culturais,
na França, cujo objetivo principal estava assentado na universalização
das obras culturais, tornando-as acessíveis aos franceses e tendo
por base a preservação ampla, a difusão e o acesso de seu amplo
patrimônio artístico e cultural.
A França insere o tema das políticas culturais como questão
relevante para a organização da cultura e de sua gestão a nível
nacional. Porém, quem posteriormente internacionaliza o tema
e intensifica o debate é a Organização das Nações Unidas para
Educação, Ciência e Cultura – UNESCO, que já em 1952 elabora a
Declaração Universal dos Direitos do Autor, e mais tarde, dentre alguns
de seus tema importantes, produz a Convenção sobre a Proteção do
Patrimônio Mundial Cultural e Natural (1972), a Declaração Universal
sobre a Diversidade Cultural (2002) e a Convenção sobre a Proteção
e Promoção da Diversidade das Expressões Culturais (2005), de onde

10 Disponível em: http://www.gilbertogil.com.br/sec_texto.php?id=1026&page=1&id_type=3


– acessado em: 13.11.2003 A

750
FRAGMENTOS

ser retira o conceito de diversidade cultural:

"Diversidade cultural” refere-se à multiplicidade de


formas pelas quais as culturas dos grupos e sociedades
encontram sua expressão. Tais expressões são
transmitidas entre e dentro dos grupos e sociedades.
A diversidade cultural se manifesta não apenas nas
variadas formas pelas quais se expressa, se enriquece
e se transmite o patrimônio cultural da humanidade
mediante a variedade das expressões culturais, mas
também através dos diversos modos de criação,
produção, difusão, distribuição e fruição das expressões
culturais, quaisquer que sejam os meios e tecnologias
empregados. (UNESCO, 2006, p. 4).

Assim, questões relevantes envolvendo o debate cultural


e amplo começaram a ser maciçamente abordadas ao longo dos
continentes.
São inúmeros os exemplos de gestão e cada país tem a
liberdade de adotar uma política que melhor possa satisfazer seus
interesses e de seus cidadãos, a fim de proteger seu patrimônio
material e imaterial, sua cultura, sua história. Muitas são as formas de
intervenção observada. O que torna-se uma prática comum, porém,
ao analisarmos os modelos de financiamento da cultura é que em
todos os países, atuando em blocos ou isolados, há a adoção de uma
forma de financiamento para o setor cultural que mescla recursos
advindos diretamente do setor público com recursos financeiros do
setor privado, através de mecanismos como incentivos fiscais e/ou
doações diretas à classe artística.
Assim como o financiamento público, o financiamento privado
da cultura é amplamente adotada pelos diversos países, embora seja
um tema ainda muito carente de estudos e publicações.
No caso brasileiro, as políticas públicas, em qualquer das
áreas, são adotadas sob os moldes de uma intervenção estatal na
vida da sociedade, visando a resolver e/ou prevenir algum problema
social detectado, dando-lhe a solução possível, e atualmente com o

751
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

envolvimento dos mais variados agentes e setores, todos integrados


e sob a coordenação de um ente público responsável, conforme
aponta Saravia & Ferrarezi:

(...) sistema de decisões públicas que visa a ações


ou omissões, preventivas ou corretivas, destinadas a
manter ou modificar a realidade de um ou vários setores
da vida social, por meio da definição de objetivos e
estratégias de atuação e da alocação dos recursos
necessários para atingir os objetivos estabelecidos.
(SARAVIA & FERRAREZI, 2006: 29).

Ao falar sobre o investimento cultural no país, o ex-ministro


da Cultura, Gilberto Gil (2009), enfatiza que:

Portanto, quando falamos de cultura, falamos da


essência da vida humana. De algo tão vital quanto o
ar, quanto a própria natureza. Por isso, é necessário
conectar a cultura a todas as dimensões da existência,
ao que faz o mundo funcionar, sobretudo à economia
e aos negócios. Algo tão fundamental precisa de
atenção, de cuidado. Precisa do investimento de
todos: governos, empresas, organizações não-
governamentais, cidadãos. (GIL, 2009).

As formulações e práticas referentes às políticas culturais no


Brasil remontam aos primeiros anos da década de 1930. Porém, foi em
1988 que o setor cultural ganhou considerável destaque e relevância
no debate nacional, ao ser promulgada a Constituição Federal, que
trouxe a garantia de acesso à cultura nacional, cuja política é feita sob
um planejamento de mais longo prazo (4 anos), com o estabelecimento
e a necessidade de elaboração do Plano Nacional de Cultura. A Carta
Magna do País garantiu ainda a instituição do Sistema Nacional de
Cultura, sob uma forma descentralizada e participativa, em regime de
colaboração entre os demais órgãos públicos e a sociedade em geral.
A partir daí surgiu também a necessidade de organização
dos diversos segmentos da sociedade, que passaram a dar voz à

752
FRAGMENTOS

participação popular e criar de conselhos de políticas públicas em


todas as esferas políticas, com o objetivo de auxiliar o poder executivo
no encaminhamento de demandas, elaboração de propostas políticas
e orçamentárias e fiscalização, uma nova forma de gestão através
dos orçamentos participativos e das parcerias com diversos agentes
sociais e a sociedade civil em geral. Este fato também tornou-se
realidade na área da cultura.
Foi o mesmo documento que também determinou aos
governos estaduais e municipais que deveriam ser editadas leis
próprias para a organização de seus Sistemas de Cultura. E, ao mesmo
tempo, foi propiciada a elaboração de políticas públicas direcionadas
à realidade política e socioeconômica de cada região, transferindo
para o nível local o planejamento, a regulação e a execução das ações
do setor cultural, bem como a maior parte do ônus das ações.
Historicamente, o setor cultural no Brasil sempre apresentou-
se frágil politicamente e com insuficiência de recursos e na maior
parte do tempo esteve atrelado a outras áreas, que demandavam
grande parte de seus planejamentos e, consequentemente, maior
aporte financeiro.
No nível federal, em 1986 foi sancionada a primeira lei de
incentivos fiscais para o setor – a Lei nº 7.505, de 02 de junho de 1986,
conhecida como Lei Sarney. Esta lei apresentava alguns problemas
técnicos, muitas críticas e pouca eficiência. Por exemplo, não havia
a exigência de aprovação prévia de projetos por um corpo técnico,
mas somente o cadastramento da entidade proponente junto ao
Ministério da Cultura, o que favorecia o surgimento de inúmeras
irregularidades e desvios. Em 1990, foi revogada.
Em 1991 foi promulgada a Lei nº 8.313 – conhecida como
Lei Rouanet, ainda em vigque utiliza a renúncia fiscal como principal
mecanismo para o financiamento de projetos ligados à área da cultura
no País. Esta legislação instituiu o Programa Nacional de Apoio à
Cultura – PRONAC, cujo objetivo é, dentre outros, promover o estímulo
à produção, distribuição e acesso a produtos culturais, proteção e
conservação do patrimônio histórico e artístico e a promoção e difusão
da cultura brasileira, com ênfase na diversidade regional.

753
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

O PRONAC possui, atualmente, dois mecanismos que


permitem sua viabilização: o Fundo Nacional de Cultura (FNC) e o
Incentivo Fiscal (Renúncia Fiscal ou Mecenato11). O primeiro é um
fundo contábil que prevê o financiamento de até 80% dos projetos
culturais apresentados por pessoas físicas ou jurídicas, públicas ou
privadas. O segundo instrumento é uma forma encontrada pelo
governo federal para a participação do setor privado no segmento
cultural, que pode financiar projetos da área previamente aprovados,
permitindo a pessoas físicas e jurídicas a aplicação de parcelas de
seu imposto de renda em projetos culturais, por meio de doações ou
patrocínio.
Somente no ano de 1992 que a cultura passou a ter
definitivamente um ministério próprio, com a função de elaborar
políticas em nível nacional voltadas exclusivamente para esta área,
através do Ministério da Cultura (MinC).
Segundo dados liberados pelo Ministério da Cultura, do período
de 1996 a 2011 foram apresentados 93.786 projetos no total, sendo
destes 75.112 aprovados e 32.206 captados, via Pronac, conforme
Tabelas 1 e 2. Em termos monetários, estes projetos correspondem
a RS 68.494.584,00 apresentados, R$ 40.616.707,00 aprovados,
porém somente R$ 9.683.035,00 foram efetivamente captados (ou
seja, 14,14% do total), que representam, em valores, um percentual
pequeno e um valor ainda mais ínfimo perto da grandiosidade do
segmento cultural no País. (MINISTÉRIO DA CULTURA, 2012. Em:
<http://www.cultura.gov.br/documents/10883/13170/Mecanismo-
de-Incentivo-Fiscal-do-PRONAC.pdf/72996b45-97c4-443e-8268-
38d1ee7cd199>. Acesso em: 10.10.2013)
Um dado que chama a atenção, refere-se ao valor captado no
ano de 1996, que representou 7,71% do total dos projetos aprovados

11 O mecenato é um termo que data da Antiguidade, de origem italiana, do tempo do Império


Romano. Trata-se de uma referência a Caio Mecenas, conselheiro do imperador, que reuniu um
círculo de intelectuais e poetas e os patrocinava com a doação de bens materiais e proteção
política. Atualmente, o termo faz referência à forma de patrocinar as artes, através benefícios
fiscais. Em geral, o poder público abre mão da cobrança de determinado tipo de imposto para
que a iniciativa privada passe a investir em determinado setor. Assim, pessoas jurídicas e físicas
podem financiar projetos culturais por meio de patrocínios e doações, com a posterior dedução
de um percentual do valor investido, no imposto devido.

754
FRAGMENTOS

e em 2001 passou para 33,74%, com grandes oscilações, até que em


2011 chegou ao percentual de 23,88%.
Ao ser analisada a série histórica, o que se percebe é um
aumento considerável no número de projetos aprovados e captados,
que passaram de 2.316 e 451 (em 1996, respectivamente) para
7.703 e 3.654 (em 2011, respectivamente). Embora o percentual e
o valor dos projetos captados sejam relativamente baixos quando
comparados com os projetos aprovados, estes números melhoraram
significativamente nos dezesseis anos da série analisada, embora essa
melhora não seja constante e regular.

Tabela 1 - Quantidade de projetos apresentados, aprovados e com captação para o


mecanismo de incentivo (em unidades) – PRONAC – 1996-2011.

Fonte: Salic – MinC-Pronac. Adaptado.

755
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

Tabela 2 - Valor apresentado, aprovado e captado por projetos apoiados no mecanis-


mo de incentivo (Em R$ 1.000) – PRONAC – 1996-2011.

Fonte: Salic – MinC-Pronac. Adaptado.

Segundo o PRONAC, as áreas de música e artes cênicas


apresentaram a maior quantidade de projetos no período em análise
e, correspondentemente, aos maiores valores captados. Somente
estas duas áreas culturais corresponderam a cerca de 50,00% dos
projetos apresentados, em cada um dos anos analisados, em
conjunto, e 47,00% dos projetos captados, enquanto as outras áreas
não conseguiram captar mais que 16,00% do total do volume de
recursos disponíveis, separadamente.12

12 O relatório “Mecanismo de Incentivo” foi elaborado pela Diretoria de Desenvolvimento e


Avaliação de Mecanismos e Financiamentos – DDAMF, da Secretaria de Fomento e Incentivo à

756
FRAGMENTOS

Gráfico 1 - Projetos apresentados por área cultural – PRONAC – Total do período:


2009-2011.

Fonte: Salic - MinC-Pronac. Elaboração própria.

Gráfico 2 - Projetos captados por área cultural – PRONAC – Total do período 2009-2011.

Fonte: Salic - MinC-Pronac. Elaboração própria.

Cultura – SEFIC, do Ministério da Cultura, no ano de 2012. Está disponível no site do Ministério
da Cultura: em <www.cultura.gov.br/documents/10883/13170/Mecanismos-de-Incentivo-
Fiscal-do-PRONAC.pdf/27996b45-97c4-443e-8268-38d7ee7cd199>. Acesso em: 05.01.2014.

757
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

Outro dado apresentado pelo Ministério da Cultura para o


mesmo período de 2009 a 2011 refere-se à quantidade de projetos
apresentados, bem como aos valores captados por estado da
federação, cujas tabelas nos permitem inferir sobre o comportamento
do setor cultural no Brasil, seu grau de concentração e o percentual
de distribuição dos recursos financeiros disponíveis.

Tabela 3 - Quantidade e valor dos projetos apresentados para o mecanismo de in-


centivo (Participação das unidades da federação em relação à região) – 2009-2011.

Fonte: Salic - MinC-Pronac. Adaptado.

758
FRAGMENTOS

A região sudeste apresentou o maior número de projetos e


também conseguiu captar a maior parte dos recursos disponibilizados
nos três anos analisados. Dentro desta região merecem destaque
os estados de São Paulo e Rio de Janeiro que, em conjunto, no
ano de 2011 apresentaram mais de 55% dos projetos, cujo valor
representou em torno de 64,8% do total do País, correspondendo a
4.296 milhões de reais, o que evidencia a posição destes, o seu grau
de importância no contexto nacional e a consequente determinação
da região como eixo da manifestação cultural do País, para onde
convergem os maiores incentivos, as principais políticas e as
práticas culturais, ditando assim princípios e regras que passam a
ser seguidas pelos demais estados da federação.
A segunda região a apresentar o maior número de projetos
é a região Sul (16,25% no último ano da série, cujo valor foi de
aproximadamente 680 milhões).
A Região Nordeste vem logo em seguida, ocupando a
terceira posição em projetos enviados para análise do Ministério
da Cultura. Há que se ressaltar que esta região conta com nove
estados que, em conjunto não conseguiram apresentar 10%
do total em nenhum dos anos analisados. Nesta região merece
destaque o estado da Bahia, que sozinho apresentou 43,34% dos
projetos da região, seguida por Pernambuco que apresentou em
média 24,23% dos projetos. Porém, quando passa-se a analisar os
valores efetivamente captados, a posição destes estados se inverte,
ficando Pernambuco com a primeira posição (32,17%), seguido da
Bahia (26,67%).
Percebe-se que a região que mais capta recursos para o setor
da cultura no Brasil é a Sudeste, onde os estados de São Paulo e
Rio de Janeiro obtêm as maiores somas, refletindo o seu grau de
importância no contexto nacional e a consequente determinação
da região como eixo da manifestação cultural do País, para onde
convergem os maiores incentivos, as principais políticas e as
práticas culturais, ditando assim princípios e regras que passam a
ser seguidas pelos demais estados da federação.
A região Nordeste ocupa a terceira posição dentre as regiões

759
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

nacionais, com índices que não ultrapassam 6,70% dos valores


totais captados. As demais regiões – Centro-Oeste e Norte – vêm a
seguir, nesta ordem, respectivamente.

Gráfico 3: Valores captados para o mecanismo de incentivo por Região – Período de


2009-2011 (em %).

Fonte: Salic - MinC-Pronac. Elaboração própria.

Nesta região, os estados que mais captaram recursos foram


Pernambuco, Bahia e Ceará. Os demais estados nordestinos não
conseguiram atingir juntos 24% dos valores captados em qualquer
dos anos em análise.
Particularmente, o estado da Bahia, somente em 2010
conseguiu superar Pernambuco em termos de valores captados,
ficando atrás nos demais anos, seguido de perto pelo Ceará.

760
FRAGMENTOS

Gráfico 4: Valores captados para o mecanismo de incentivo por estados do Nordeste


– Período de 2009-2011 (em %).

Fonte: Salic - MinC-Pronac. Elaboração própria.

Embora o Ministério da Cultura tivesse desde o princípio


como um de seus eixos básicos a promoção da descentralização na
execução das políticas culturais, além da promoção da diversidade
e do regionalismo cultural, o que se observa na prática é uma
concentração, que persiste nas ações culturais do eixo Rio-São Paulo,
além da promoção de atividades geradoras de maiores lucros, já
consolidadas pelo setor.
Outro instrumento de gestão na esfera federal é o Plano
Nacional de Cultura – PNC13, instituído pela Lei nº 12.343, de 2
13 O PNC, que faz parte do Sistema Nacional de Cultura (SNC), é o norteador da política cultural
nacional. Ele estabelece objetivos, diretrizes, ações e metas para dez anos (2010 a 2020), e foi

761
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

de dezembro de 2010, que criou também o Sistema Nacional de


Informações e Indicadores Culturais – SNIIC. Conforme esta legislação,
o PNC deve privilegiar o reconhecimento e promoção da diversidade
cultural; a criação, fruição, difusão, circulação e consumo da cultura;
a educação e produção de conhecimento; a ampliação e qualificação
de espaços culturais; o fortalecimento institucional e articulação
federativa; a participação social; o desenvolvimento sustentável da
cultura; os mecanismos de fomento e financiamento para o setor
cultural; as políticas setoriais.
O PNC, quando de sua elaboração, exige uma gestão
participativa, onde o cidadão vê democratizado o acesso à arte, num
movimento denominado de Democratização Cultural.

O acesso universal à cultura é uma meta do Plano que


se traduz por meio do estímulo à criação artística,
democratização das condições de produção, oferta
de formação, expansão dos meios de difusão,
ampliação das possibilidades de fruição, intensificação
das capacidades de preservação do patrimônio e
estabelecimento da livre circulação de valores culturais.
(PNC, 2008, p. 12).

Entre suas metas estão o fomento à produção artística – com


criação, preservação e difusão de espaços culturais; desenvolvimento
de ações de qualificação, capacitação e formação de artistas,
produtores e demais agentes culturais; estímulo à participação da
população em eventos culturais diversos; reconhecimento e estímulo
à diversidade da produção artística e cultural; formulação de políticas
públicas em cultura e capacitação e qualificação de seus gestores;
divulgação de informações e indicadores culturais; inserção da cultura

construído com base em discussões ocorridas nas conferências municipais, estaduais e nacionais
de cultura e consolidadas no Conselho Nacional de Política Cultural (CNPC). Por isso, o PNC
reflete anseios e demandas de todo o país, com respaldo do poder público e da sociedade civil.
Os planos territoriais de cultura contemplam as necessidades regionais e locais e colaboram
para que estados, municípios e distritos atinjam as metas do PNC. Ao aderir ao SNC, cada um
desses entes federados deve elaborar um documento de planejamento para o período de dez
anos. (Ministério da Cultura, 2013, p. 9).

762
FRAGMENTOS

na educação formal curricular; fortalecimento do Sistema Nacional


de Cultura, com aumento dos investimentos no setor.
O Governo do Estado da Bahia, seguindo uma tendência
nacional, organizou a Secretaria de Cultura e Turismo – SCT – em
meados da década de 90. Neste período o Estado passou a utilizar
como um dos mecanismos para o financiamento para suas atividades
culturais a renúncia fiscal, estabelecida através da Lei Estadual nº
7.015, de 9 de dezembro de 1996, onde criou o Programa Estadual
de Incentivo à Cultura – o Fazcultura –, em vigência até os dias atuais,
cujo principal objetivo é o estímulo à produção artístico-cultural
nas áreas de música, pintura, teatro, cinema, literatura, artesanato,
folclore, museu, biblioteca, arquivo e patrimônio cultural.
Há, no Estado, outra forma de incentivo cultural, o Fundo de
Cultura, que apoia projetos nas áreas de música; artes cênicas; artes
plásticas e gráficas; cinema, vídeo e fotografia; literatura; folclore;
artesanato; museus, bibliotecas e arquivos; patrimônio cultural,
através de demanda espontânea, editais, instituições e projetos
culturais.
No ano de 2007 foram desmembradas as áreas de cultura
e turismo e, então, foi criada a Secretaria de Estado da Cultura,
com o objetivo de promover a diversidade, o desenvolvimento, a
descentralização, a democratização, o diálogo e a transparência nas
ações que envolvem o segmento da cultura na Bahia14.
Em Salvador, o planejamento e a execução das políticas
culturais estiveram inicialmente atreladas à área da educação,
integrando a Secretaria Municipal da Educação e Cultura – SEMEC,
a qual, posteriormente, juntou-se as áreas de esporte e lazer,
constituindo a Secretaria Municipal da Educação, Cultura, Esporte e
Lazer – SECULT. Em dezembro de 2012, porém, a área de cultura foi
dissociada da educação e passou a unir-se ao turismo, constituindo
assim a Secretaria Municipal de Desenvolvimento, Turismo e Cultura
– SEDES.
As políticas públicas municipais referentes ao setor da

14 Governo do Estado da Bahia. Secretaria de Estado da Cultura. Em: http://www.cultura.


ba.gov.br/linhasdeacao. Acesso em 23.10.2013.

763
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

cultura, porém, ficaram sempre a cargo da Fundação Gregório


de Matos – FGM, que é uma autarquia, criada em 1986 através
da lei municipal nº 3.601, cujos objetivos incluem a organização
e promoção de atividades culturais na Cidade e a preservação e
divulgação do patrimônio histórico e cultural, dentre outros. Em
sua operacionalização, mantém alguns equipamentos culturais, que
funcionam como espaços para promoção e divulgação de atividades
culturais (exposições e oficinas) para a população em geral: o
Espaço Cultural da Barroquinha (Barroquinha) – com uma área para
espetáculos de teatro, dança e música; o Museu da Cidade (Centro
Histórico); a Casa Benin (Pelourinho) – espaço dedicado à exposições
e oficinas artísticas; o Arquivo Histórico Municipal (Centro); o Teatro
Gregório de Matos (Centro); a Galeria da Cidade (Centro); a Biblioteca
Pública Municipal Prof. Edgard Santos (na Ribeira); a Biblioteca
Pública Municipal Denise Tavares (Liberdade); a Biblioteca do Arquivo
Municipal (Centro).
A Fundação desenvolve na Cidade algumas atividades de
mostra de cinema, teatro e música, em áreas populares ao longo
do ano, ao ar livre, de fácil acesso à população dos vários bairros
do município – alguns a preços populares e outros gratuitos. Tais
atividades buscam proporcionar a formação e informação cultural
dos munícipes.
A FGM conta ainda com o Projeto “Arte em Toda Parte”, que
busca financiar projetos nas áreas de linguagens artísticas (artes
visuais, audiovisual, circo, dança, teatro, música e literatura), culturas
populares e identitárias e festivais e mostras de arte e cultura.
No ano de 2005 foi sancionada a lei municipal nº 6.800 que
estabeleceu a concessão de incentivos fiscais, com a redução do
Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS) e Imposto sobre a
Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU) para o financiamento
de projetos na área cultural, no âmbito do município de Salvador. Tal
lei vigorou até o final do exercício de 2011, sem que fosse renovada.
No mesmo ano foi promulgada a lei municipal nº 6.914, que
criou o Fundo Municipal de Cultura – vinculado à Fundação Gregório
de Matos, para prestar apoio a projetos artísticos e culturais. Em 2007,

764
FRAGMENTOS

através da lei nº 7.315 foi criado o Conselho Municipal de Cultura,


constituído por comissões temáticas nas áreas de artes cênicas (teatro,
dança e artes circenses); música; artes visuais e audiovisuais; livro e
literatura; patrimônio histórico e cultural; cultura negra e indígena e
patrimônio imaterial; eventos de rua; educação, ciência e tecnologia.
Para o período de 2010-2013, a Prefeitura de Salvador adotou
como estratégia de planejamento o Plano Plurianual - PPA, que segue
uma determinação federal, onde encontra-se delimitado o modelo
de gerenciamento e execução a ser seguido em toda a cidade,
buscando o seu desenvolvimento sustentável, conforme lei municipal
nº 7.729/2009.
A gestão municipal iniciada em 2012, tendo à frente o
prefeito Antônio Carlos Magalhães Neto, propôs à sociedade o Plano
Estratégico elaborado para o período de 2013-2016. Algumas linhas
de ação foram propostas, com metas e iniciativas, em dez áreas,
como: educação, saúde, justiça social, ambiente de negócios, turismo
e cultura, mobilidade, ambiente urbano, ordem pública, gestão para
entrega e equilíbrio de contas.
Na área específica de cultura, três pontos marcam o
planejamento da cidade: projetos de requalificação e reformas
estruturais em equipamentos culturais, relançamento do Projeto Boca
de Brasa e o lançamento do edital Arte em toda a parte. (PREFEITURA
DE SALVADOR, 2013, p. 11)
O Projeto Boca de Brasa, relançado em 2013, oferta cursos
e oficinas nas áreas de produção cultural, direção artística e gestão
de grupos, criação musical, grafite, dança de rua e criação literária,
levando aos bairros periféricos da cidade oficinas e apresentações,
aproximando população, arte e artista, em palcos abertos. O Arte
em toda Parte refere-se a um edital de apoio às atividades de arte e
cultura e realização de ações de fomento à cultura nos segmentos da
dança, teatro, literatura, artes visuais, cinema e vídeo, circo e música
e culturas populares e identitárias.
No início do exercício de 2014 foi implantado o Sistema
Municipal de Cultura de Salvador (SMC), através da Lei Municipal
nº 8.551, datada de 28/01/2014, com o objetivo de assegurar e

765
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

fortalecer os processos de criação, produção, pesquisa, difusão e


preservação das manifestações culturais, bem como dos espaços a
elas destinados, estabelecer parcerias público-privadas e agendas
de ações nas áreas culturais. Para tal, utilizará como instrumentos o
Plano Municipal de Cultural, sistema de indicadores e informações,
programas de financiamento, programas de formação e qualificação,
dentre outros. As instâncias para sua articulação na cidade serão o
Conselho Municipal de Política Cultural e a Conferência Municipal de
Cultura.
Ao finalizar este assunto, sem entretanto pretender esgotá-lo,
é preciso ressaltar que toda política pública só consegue alcançar seus
objetivos se estiver diretamente atrelada ao conceito de território,
cuja identidade está intimamente ligada à noção de história, espaço,
tempo, recursos naturais e povo. As políticas públicas – de modo
geral – devem necessariamente passar pelo contexto social. Devem
respeitar a territorialidade, com suas limitações e imposições, com
suas vantagens naturais e as vantagens adquiridas ao longo de seu
processo de formação, e com sua gente, aquela que nasceu, cresceu
e se estabilizou na localidade, mas também com aqueles que ali se
fixaram, com suas origens, suas histórias, suas tradições e culturas, e
com o passar do tempo receberam influências e influenciaram todo
o contexto social.
Milton Santos (2007), ao descrever sobre a formulação de
práticas políticas, fala sobre a necessidade de políticas mais igualitárias
e justas, capazes de promover o humano em seu território.
[...] Nosso problema teórico e prático é o de reconstruir o
espaço para que não seja veículo de desigualdades sociais e ao mesmo
tempo reconstruir a sociedade para que não se crie ou preserve
desigualdades sociais [...] reestruturar a sociedade e dar uma outra
função aos objetos geográficos concebidos com um fim capitalista
(SANTOS, 2007, p. 81-82).

766
FRAGMENTOS

III - CONSIDERAÇÕES FINAIS

A cultura é entendida como o conjunto dos saberes e fazeres


de um povo, que se expressa em determinado tempo e espaço e se
perpetua por gerações, é transmitida em uma cadeia de ensinamentos,
que a torna única. Para tal, torna-se fundamental que haja uma
relação de proximidade entre os indivíduos e o poder aí constituído,
fornecendo as condições necessárias para que esses povos, ao mesmo
tempo em que possam expressar seus hábitos culturais, o coloquem à
disposição da sociedade, gerando bem-estar, ocupação e renda para
toda a comunidade.
Partindo do entendimento de que a economia da cultura
busca estudar os produtos da criação simbólica e os instrumentos
com os quais essa cultura adquire valor e se mercantiliza e que
os bens e serviços culturais tem em comum um componente
da cultura e da criatividade, foi possível perceber que estes bens,
quando transformados em mercadoria, passam a ter um valor
diferenciado, a partir de seus componentes simbólicos, sob o status
de bens econômicos tradicionais, inseridos no processo de produção,
reprodução, circulação e distribuição e, por isso mesmo, são
importantes instrumentos na geração de ocupação, emprego, renda
e bem-estar social.
As atividades culturais são bastante heterogêneas e envolvem
diferentes práticas, modalidades de organização produtiva,
empresarial e tecnológica, assim como as operações de produção e
circulação. São alguns segmentos do setor a música, dança, literatura,
artesanato, pintura, tradições populares, culinária, religião, moda,
linguagem, numa relação que não se exaure aqui.
Uma vez que o espaço cultural é composto necessariamente
pela tríade Homem x Tempo x Território, para trabalhar as
potencialidades que o setor fornece é necessário observá-lo através
de suas peculiaridades, direcionando-se para a localidade, suas
especificidades e limitações.
Depois da década de 90, o que se verifica é o crescimento

767
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

do setor cultural, a multiplicação de oportunidade na área, a


institucionalização da cultura no País e a profissionalização dos agentes
culturais. Com isso, o setor cultural ganha importância no debate
econômico, sendo concebida como um importante recurso, capaz de
contribuir para o desenvolvimento socioeconômico de determinada
região, e instrumento de construção e autoafirmação do cidadão
na sociedade em que habita, fornecendo imensas possibilidades,
principalmente em termos de empregabilidade e rentabilidade.
Para que a produção cultural seja capaz de contribuir de
forma decisiva para o desenvolvimento das nações é preciso que
sejam adotadas políticas públicas sérias e direcionadas, capazes de
articulação e diálogo com os demais setores públicos e privados.
Há alguns mecanismos de financiamento para o setor cultural,
como a Lei Rouanet – a nível nacional – e o Fazcultura – do estado
da Bahia, que oferecem incentivos fiscais com base em isenções ou
deduções tributárias, a empresas privadas e pessoas físicas. Além
destes, os Fundos Federal, Estadual e Municipal de Cultura também
financiam projetos de diversas áreas culturais em seus âmbitos de
atuação.
Porém, estas políticas e programas de governo, para serem
eficazes em suas proposições, devem observar a constituição e práticas
da população a nível regional e local, bem como a possibilidade
de desenvolvimento de seu saber-fazer, de acordo com o território
específico em que deverá ser implantada.

768
FRAGMENTOS

REFERÊNCIAS

ADORNO, Theodor W. A indústria cultural. In: COHN, Gabriel (org). Adorno:


Sociologia. 2. ed. São Paulo: Ática, 1994.

ADORNO, Theodor. In: CONH, Gabriel (org.). Comunicação e indústria cultural.


São Paulo: Nacional, 1971.

ADORNO, Theodor W; HORKHEIMER, Max. Dialética do Esclarecimento. Trad.


Guido Antonio de Almeida. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Ed, 1985.

BENEDECT, Ruth. O crisântemo e a espada. São Paulo: Perspectiva, 1972.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado


Federal, 1988. 292 p.

CANCLINI, Nestor Garcia. Definiciones em transición. In: MATO, Daniel (org).


Estúdios latinoamericanos sobre cultura e transformaciones sociales em
tiempos de globalización. Buenos Aires, Clacso, 2001.

COELHO, Teixeira. Dicionário crítico de política cultural. 3. ed. São Paulo:


Iluminuras, 2004.

FERNÁNDEZ, Xan Bouzada. Acerca del origen y gênesis de las políticas culturalles
occidentales: arqueologias y derivas. In: O Público e o Privado. Fortaleza, (9):
109-147, janeiro / junho de 2007.

GIL, Gilberto Moreira. Cultura, diversidade e acesso. DEP: Diplomacia, estratégia


e política. dez, 2007. Em: <http://observatorio.iuperj.br/bibliotecadigital.html>.
Acesso em: 20.07.2013.

___________________ Por uma nova arquitetura de investimento cultura.


Cultura e Mercado, São Paulo, 2 jun. 2009. Em: <http://www.culturaemercado.
com.br/procultura/o-investimento-cultural-privado-por-gilberto-gil/>. Acesso
em: 13.11.2013.

GUERREIRO, Goli. A cidade imaginada: Salvador sob o olhar do turismo.


Gestão & Planejamento-G&P, v. 1, n. 11, 2008.

769
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Informações básicas


municipais: perfil dos municípios brasileiros – Cultura. Rio de Janeiro: IBGE,
2006.

LARAIA, Roque de Barros. Cultura: um conceito antropológico. 14. ed. Rio de


Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2001.

MARX

MARSHALL

MINISTÉRIO DA CULTURA. Plano da Secretaria da Economia Criativa: diretrizes


e ações, 2011 – 2014. Brasília], 2011. Em: <http://www2.cultura.gov.br/site/
wp-content/uploads/2012/08/livro_web2edicao.pdf>. Acesso em: 15.10.2013.

REIS, Ana Carla Fonseca (organizadora). Economia criativa: como estratégia de


desenvolvimento: uma visão dos países em desenvolvimento. São Paulo: Itaú
Cultural, 2008.

RENGERS, Merijn; Economic Lives of Artists : Studies into Careers and the
Labour Market in the Cultural Sector Economic Lives of Artists : Studies into
Careers and the Labour Market in the Cultural Sector / - [S.l.] : [s.n.], 2002 - Tekst.
- Proefschrift Universiteit Utrecht. Em: <http://www.library.uu.nl/digiarchief/dip/
diss/2002-0729-094948/inhoud.htm>. Acesso em 1 fev. 2006.

SALARODRIGUES, Ramon & SOLÉ. El pensament economic em làmbit de la


cultura. Universidade de Lleida, Nota d`economia 76-77. 2n i 3r trimestres
2003.

SALVADOR. Planejamento estratégico - Construindo um novo futuro: 2013-


2016. Prefeitura de Salvador: Salvador, 2013.

SANTOS, Milton. Pensando o espaço do homem. 5ª ed. São Paulo: USP, 2007.

SARAVIA, Enrique & FERRAREZI, Elizabete (org.). Políticas públicas; coletânea.


Brasília: ENAP, 2006.

SAY, Jean Baptiste. Tratado de Economia Política. São Paulo: Abril Cultural,
1983 (Os Economistas).

770
FRAGMENTOS

SMITH, Adam. A riqueza das nações (coleção: Os Economistas). São Paulo:


Abril Cultural, 1983.

SPINOLA, Noelio Dantaslé. Economia cultural em Salvador. Salvador: Unifacs.


2006.

UNCTAD – United Nations Conference on Trade and Development. The Creative


Economy Report. Creative Economy: a feasible development option. Geneva:
United Nations. 2010. Em: <http://www.unctad.org/Templates/WebFlyer.
asp?intItemID=5763&lang=1>. Acesso em: 07.01.2014.

UNESCO – Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a


Cultura. Convenção sobre a proteção e promoção da diversidade das
expressões culturais. Brasília, UNESCO, 2006.

771
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

772
FRAGMENTOS

ARTIGO

A RUA

20
773
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

774
FRAGMENTOS

A Rua

Noelio Spinola1
Marcos R. Souza2

Je suis la rue, femme éternellement verte,


Je n’ai jamais trouvé d’autre carrière ouverte
Sinon d’être la rue, et, de tout temps, depuis
Que ce pénible monde est monde, je la suis...
João do Rio

Resumo
Este texto apresenta algumas considerações de natureza urbanística
sobre a rua, uma das menores unidades que compõem uma cidade,
analisando o seu papel, na cidade de Salvador - Bahia, as suas
características e peculiaridades no tempo histórico que compreende
a capital baiana e a sua caminhabilidade, num exercício de Geografia
Humana. Assim como a paisagem as ruas são testemunhas de um
passado e, se falassem, muito teriam de contar sobre o papel dos
homens na construção desta cidade. Este é o objetivo deste artigo,
construído sob as regras do método histórico.

Palavras-chave: Urbanismo, cidades, mobilidade.

Résumé
Ce texte présente quelques considérations de nature urbanistique sur
la rue, l'une des plus petites unités qui composent une ville, analysant
son rôle dans la ville de Salvador - Bahia, ses caractéristiques et
particularités dans le temps historique qui comprend la capitale de
Bahia et son potentiel piétonnier, dans un exercice de géographie

1 Pós-doutor em Ciências Sociais; Doutor em Geografia; Professor Titular do PPDRU - UNIFACS.


2 Administrador de Empresas; Especialista em Administração de Serviços pela UFBa.

775
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

humaine. Comme le paysage, les rues témoignent d'un passé et, si


elles pouvaient parler, elles auraient beaucoup à dire sur le rôle des
hommes dans la construction de cette ville. C'est l'objet de cet article,
construit selon les règles de la méthode historique.

Mots clés : Urbanisme, villes, mobilité.

Abstract
This text presents some considerations of an urbanistic nature about
the street, one of the smallest units that make up a city, analyzing its
role in the city of Salvador - Bahia, its characteristics and peculiarities
in the historical time that comprises the capital of Bahia and its
walkability , in an exercise of Human Geography. Like the landscape,
the streets bear witness to a past and, if they could speak, they
would have much to tell about the role of men in the construction
of this city. This is the purpose of this article, built under the rules of
the historical method.

Keywords: Urbanism, cities, mobility.

776
FRAGMENTOS

Introdução

A rua se coloca como dimensão concreta da espacialidade das


relações humanas, num determinado momento histórico, revelando
nos gestos, olhares e rostos, as pistas das diferenças sociais.
(FANI,2007. p.52).
Poeticamente a rua é a alma da cidade. Anatomicamente é o
seu esqueleto. Em ambos os casos ela é fundamental.
Para Jacobs "Ruas e calçadas, os principais locais públicos de
uma cidade, são seus órgãos mais vitais" (1972 [1961]: 39).

"Por definição (...) as ruas de uma cidade devem fazer


a maior parte do trabalho de lidar com estranhos,
pois é aqui que os estranhos vêm e vão. As ruas não
devem apenas defender a cidade contra estranhos
predatórios, elas devem proteger os muitos, muitos
estranhos pacíficos e bem-intencionados que as usam
garantindo sua segurança também enquanto passam".
(JACOBS, 1972 [1961]: 45).

De acordo com a Associação Nacional de Transportes Públicos


(ANTP, 2014), nas cidades brasileiras com mais de 60.000 habitantes,
36% das pessoas realizam a pé a viagem até os seus destinos,
enquanto 27% utilizam o transporte individual motorizado e 29%, o
transporte público coletivo.
Pesquisa realizada pela Prefeitura Municipal de Salvador, em
2012, selecionou bairros em três faixas da cidade - Orla, Miolo e
Subúrbio. Salvador teve as piores médias do país nos itens Largura
de calçadas (4,42) e na oferta de Rampas de acessibilidade (2,05),
enquanto o quesito Regularidade do piso obteve média 5,11, bem
abaixo da média mínima considerada para uma calçada de boa
qualidade (8,00), segundo os critérios da Campanha.
Calçadas estreitas, sem rampas de acessibilidade, com pisos
esburacados e cheias de obstáculos - esta realidade é enfrentada

777
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

diariamente por quem anda pelas ruas de Salvador. Essa situação


foi o que levou a capital baiana a tirar nota baixa: 4,61, na média
geral das cidades brasileiras avaliadas pela equipe de pesquisadores
do Projeto Mobilize. O ranking não deixa dúvidas: entre as cinco
piores calçadas do levantamento, quatro delas estão em Salvador.
(BARSAN, MOBILIZE BRASIL, 2012)
No item calçada estreita, intransitável, portanto, nada se
compara a dois pontos da cidade: a Ladeira dos Barris, no centro
histórico, onde o passeio tem 96 cm de largura e, mais absurdo
ainda, a Av. Vasco da Gama, com ínfimos 36 cm! Ao pedestre, resta
apenas ir para o meio da rua, o que costuma acontecer em especial
nos horários de pico. Sair para a rua é também a alternativa no caso
da Cidade Baixa, mas por motivo dos obstáculos e buracos que
comprometem as calçadas ali. (BARSAN, MOBILIZE BRASIL, 2012).
Na Avenida Manoel Dias da Silva, a requalificação das calçadas,
ampliando substancialmente a sua largura, tem sido prejudicada
pelos motoristas, que insistem em estacionar os veículos sobre elas.
Mas quem anda a pé em Salvador é o pobre. Sempre foi. Os
ricos, e mesmo a classe média, possuem automóveis e o planejamento
urbano da cidade foi concebido para este meio de transporte.
Visto o exemplo pretérito, cabe esclarecer que o objeto deste
texto está direcionado para o pedestre e a sua caminhabilidade.
“Pedestres são pessoas que se deslocam a pé, incluindo crianças,
adultos e idosos, com diferentes capacidades de percepção e agilidade.
Os pedestres podem apresentar limitações físicas como deficiências
motoras e de visão; podem ainda ter limitações de locomoção
permanentes ou temporárias, como o transporte de carrinhos de
bebês, carrinhos de compras, cadeira de rodas e crianças de colo. A
grande liberdade de movimento é um traço marcante dos pedestres:
podem trocar de direção instantaneamente, deslocando-se, também,
para o lado e para trás. Sua movimentação envolve ainda esforço físico
e contato direto com o entorno. Sua baixa velocidade – normalmente
entre 0,7m/s (pessoas com mobilidade reduzida) e 1,2m/s (pessoas
saudáveis) - acentua a interação com o espaço urbano que o circunda,
fazendo com que detalhes imperceptíveis para um ciclista ou condutor
de automóvel, por exemplo, tenham um impacto significativo para os

778
FRAGMENTOS

pedestres”. (ITDP BRASIL, 2019, P.10)


Quanto a caminhabilidade, o seu conceito (walkability, em
inglês) foca nas condições do espaço urbano vistas sob a ótica do
pedestre. Em linhas gerais, pode ser definido como a medida em
que as características do ambiente urbano favorecem a sua utilização
para deslocamentos a pé. O primeiro trabalho reconhecido na
comunidade científica que apresenta e mede a caminhabilidade, foi
elaborado por Bradshaw em 1993. O autor criou 10 categorias para
mensurar a caminhabilidade das ruas do bairro onde ele morava em
Ottawa, no Canadá.
“A caminhabilidade compreende aspectos tais como as
condições e tamanho das calçadas e cruzamentos, a atratividade
e densidade da vizinhança, a percepção de segurança pública, as
condições de segurança viária e quaisquer outras características
do ambiente urbano que tenham influência na motivação para as
pessoas andarem com mais frequência e utilizarem o espaço urbano. A
caminhabilidade tem foco não só em elementos físicos, mas também
em atributos do uso do solo, da política ou da gestão urbana que
contribuem para valorizar os lugares públicos, a saúde física e mental
dos cidadãos e as relações sociais e econômicas na escala da rua e do
bairro”. (ITDP BRASIL, 2019, P.10).
O que justifica este trabalho é uma consciência de cidadania,
voltada para a melhoria da qualidade de vida da população,
notadamente os mais pobres, que andam a pé para as fontes que
sustentam a sua sobrevivência e, colateralmente, os turistas que,
para conhecer a cidade, caminham pelas ruas da cidade. E que ruas
são estas? Pelas informações coletadas junto a PMS, aqui transcritas,
são ruas péssimas. Reprovadas no ranking nacional. Trata-se de uma
questão da mobilidade urbana que continua a uma década na pauta
dos administradores públicos. Apesar dos esforços da Prefeitura
Municipal de Salvador, com a pandemia da COVID, pouco progresso
alcançou-se, em termos práticos, nestes últimos anos.
Ademais, a população não coopera. Pelo contrário, depreda
e vandaliza as ruas e seus equipamentos. Aqui, não existe espírito
comunitário, espírito público. Os vândalos acreditam que, o

779
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

que é público não pertence a ninguém, assim pode-se estragá-lo


livremente...
O problema é antigo. As ruas do século XVIII recebiam o
despejo dos urinóis, in natura, e exalavam um odor pestífero. Mas
elas já eram dos escravos e libertos visto que os senhores e as senhoras
nelas não pisavam. Para eles existiam as “cadeirinhas de arruar”, os
tílburis e as carruagens.
O cronista e poeta João do Rio, ainda no início do século XX,
fazia uma defesa apaixonada das ruas.3 Ele dizia:

“Oh! sim, as ruas têm alma! Há ruas honestas, ruas


ambíguas, ruas sinistras, ruas nobres, delicadas, trágicas,
depravadas, puras, infames, ruas sem história, ruas tão
velhas que bastam para contar a evolução de uma
cidade inteira, ruas guerreiras, revoltosas, medrosas,
spleenéticas, snobes, ruas aristocráticas, ruas amorosas,
ruas covardes, que ficam sem pingo de sangue...”

"Algumas dão para malandras, outras para austeras; umas são


pretensiosas, outras riem aos transeuntes e o destino as conduz como
conduz o homem, misteriosamente, fazendo-as nascer sob uma
boa estrela ou sob um signo mau, dando-lhes glórias e sofrimentos,
matando-as ao cabo de um certo tempo."
Salvador, na proximidade dos seus quinhentos anos, com
aniversário marcado para 2049, é uma cidade jovem quando
comparada as cidades européias, como Paris, Roma e tantas outras.
Mas é uma cidade antiga, para os padrões do Novo-Mundo criado
pelos espanhóis e portugueses. Por isto comporta diferentes tipos de
ruas4 das quais aqui se fala, somente como exemplos, sem maiores
compromissos técnico-urbanísticos, com base numa metodologia que
utilizou a pesquisa bibliográfica, as caminhadas e o conhecimento
local. Na pesquisa bibliográfica, além da WEB, baseou-se também
no Índice de Caminhabilidade 2.0 que consiste em uma versão

3 “A Alma encantadora das ruas – João do Rio - Brasil Cultura”.


4 O Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano do Município do Salvador (PDDU 2007), classifica
as ruas e avenidas de Salvador.

780
FRAGMENTOS

revisada (2019) do Índice de Caminhabilidade produzido por uma


parceria entre ITDP Brasil, Instituto Rio Patrimônio da Humanidade
(IRPH/PCRJ), (Publica Arquitetos) e (LabMob-UFRJ), recebendo apoio
financeiro do Instituto Clima e Sociedade (iCS). A publicação original
encontra-se disponível sob demanda no e-mail brasil@itdpbrasil.org.
Voltando às ruas, começa-se esta breve análise pelas
“testemunho”, que saíram das pranchetas do arquiteto portugues
Luís Dias, nomeado em 1549 como "Mestre da Fortaleza e Obras
de Salvador". Trouxe consigo a traça do novo núcleo fortificado, de
autoria de outro arquiteto, seu chefe, Miguel de Arruda, "Mestre
das Obras Reais."(TAVARES,2010) Representando esta categoria, foi
escolhida a Rua Chile, que é considerada a rua mais antiga do Brasil.
É localizada no Centro Histórico de Salvador, servida pela Praça Tomé
de Souza, e foi criada em 1549, quando da fundação da capital da
Bahia, Salvador, pelo primeiro governador-geral do Brasil, Tomé de
Sousa. A Rua Chile, inicialmente, teve outros nomes como Rua Direita
dos Mercadores e Rua Direita do Palácio. A denominação atual veio
da Câmara Municipal de Salvador como homenagem à esquadra da
Marinha de Guerra do Chile que, na época, nos visitava. Era uma rua
comercial e muito movimentada, com diversas lojas que vendiam
tecidos, roupas masculinas, femininas, perfumes, jóias e utensílios; e
com hotéis como o Palace e o Meridional que hospedavam políticos,
empresários e artistas que vinham a Salvador. Em seu início, ao lado
do palácio Rio Branco, sede do governo estadual, era um importante
ponto de reunião de políticos. Era moda local “fazer footing na rua
Chile”. Entretanto, com o passar do tempo, o declínio da navegação na
Bahia de Todos os Santos e, consequentemente, do fluxo de pessoas
que chegava procedente do Recôncavo e Sudoeste baiano; com a
criação do Shopping Iguatemi, da Estação Rodoviária e do Centro
Administrativo da Bahia; com a construção das Br 324 conectando
Salvador a Feira de Santana e ao Sul do país, por intermédio da Br 116
(Rio-Bahia), deslocou-se totalmente a centralidade da cidade e a rua
foi sendo degradada e passou a ter prédios e casarões abandonados.
Perdeu sua alma! Deixou de ser uma rua nobre para se depravar.
Outro exemplo pinçado é a Avenida Joana Angélica que
abriga relíquias históricas como o Convento onde foi morta, pelos

781
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

soldados portugueses, Soror Joana Angélica a religiosa brasileira,


mártir da Independência do Brasil, ao tentar impedir que invadissem
o Convento de Nossa Senhora da Conceição da Lapa na Bahia. Nela
também funcionam o Convento do Desterro que teve um
alegre passado no século XIX, hoje regenerado se dedica à produção
de doces, e a Santa Casa (de Misericórdia) terceira Santa Casa do Brasil,
foi fundada em 1549, pelo então Governador-Geral do Brasil, Tomé
de Sousa, em uma construção de taipa e palha, situada onde hoje
está localizado o Museu da Misericórdia. A rua, promovida a Avenida
pela sua importância comercial, histórica e pelos equipamentos que
abriga, como o Asilo dos Expostos (Pupileira), onde eram depositadas
as crianças enjeitadas, criado em 21 de fevereiro de 1875; o hospital
Santa Isabel; o hospital Santa Luzia; o hospital Manoel Vitorino, além
de vários colégios importantes como o Estadual da Bahia (Central), o
Severino Vieira e o Salesiano. Ali também, em 14 de maio de 1835,
no Campo da Pólvora, (antes chamado de Campo dos Mártires)
quatro africanos foram fuzilados, por participação na Revolta dos
Malês, ocorrida em janeiro do mesmo ano. Foram eles: Jorge da
Cruz Barbosa (nome africano Ajahi, nagô , liberto), Pedro (nagô ,
carregador de cadeira), Gonçalo (nagô, escravo) e Joaquim (nagô,
escravo). (REIS,2003).
A avenida Joana Angélica5 possui várias praças que lhe
são tributárias, começando da Praça da Piedade. Esta praça está
implantada próximo ao local onde, em época colonial, havia um dos
portões que rasgavam as muralhas da cidade. Constituindo-se, no
século XVIII, na principal praça da cidade, ali foram executados, em 8
de novembro de 1799, os quatro condenados da Conjuração baiana
(Revolta dos Alfaiates ou dos Búzios), aí tendo ficado expostas a
cabeça e as mãos de Luís Gonzaga das Virgens, autor de panfletos
que pregavam a independência da Bahia e a abolição da escravatura.
Frequente local de manifestações populares e políticas, já nas lutas
que precederam a guerra pela Independência da Bahia, a Piedade foi
palco de embates, dentre os quais aquele que veio a vitimar a abadessa
Joana Angélica, no Convento da Lapa. Mais tarde, novos combates,
capitaneados por Cezar Zama, tiveram lugar nesta praça, morrendo

5 Avenida é uma rua grande que, normalmente, faz a ligação entre bairros (AURÉLIO, 2009).

782
FRAGMENTOS

muitos populares no movimento que culminou com a derrubada do


governador José Gonçalves da Silva, quando este apoiara o golpe de
estado promovido por Deodoro da Fonseca, no final do século XIX.
Outra praça importante é o Campo da Pólvora anterior Campo dos
Mártires, usado em 28 de outubro de 1901, para a primeira partida
não oficial de futebol em Salvador. Em 9 de abril de 1905, o Campo
se tornou oficial com os jogos realizados da Liga Baiana de Esportes
Terrestres (atual Campeonato Baiano). A estreia foi com um jogo
realizado entre Internacional e Vitória, com uma vitória de 3 a 1 do
Internacional. O Campo da Pólvora não tinha arquibancada. O público
se posicionava pelos quatro cantos do campo que era “cercado” por
cadeiras onde se sentavam as senhoras, além disso o público tinham
de se vestir a rigor, pois o futebol naquela época era feito para a
elite.6 No campo da Pólvora (hoje uma estação do Metro) também
funciona o Fórum Rui Barbosa.
Com seus 4,6 km de extensão e dividida em tres distritos: São
Pedro, Vitória e Barra, a Avenida Sete de Setembro (antes conhecida
como Avenida do Estado e Caminho do Conselho) é de uso múltiplo
comportando atividades comerciais, de serviços e residenciais.
Retratando a disparidade de renda em Salvador, é frequentada pela
classe de baixa renda, os camelos, que se concentram nas calçadas
entre as Mercês e a ladeira de São Bento; a alta classe média que
ocupa os espigões da Vitória e a baixa classe média que se estabelece
na Barra; Ela foi construída (reformada) por J.J.Seabra quando
governador da Bahia em 1916. Tem início na Barra e termina na
Praça Castro Alves, onde se mescla com a rua Chile. Na Barra ela faz a
ligação com a antiga feitoria de Caramuru e a Vila Velha de Francisco
Pereira Coutinho, nosso malsucedido primeiro donatário. Na Barra,
hoje, localiza-se o principal circuito do Carnaval baiano.
A Avenida Afrânio Peixoto, mais conhecida como Avenida
Suburbana, é uma importante avenida, localizada desde a região
da Cidade Baixa, em Salvador, até diversos bairros do Subúrbio
Ferroviário, entre eles: Periperi, Plataforma, passando por Lobato,
Baixa do Fiscal, Itacaranha, Escada, Praia Grande, Coutos, Fazenda
Coutos. Rumo ao norte, começa em seguida à Feira do Curtume

6 “São Salvador da Bahia de Todos os Santos: 2015 - Blogger”.

783
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

(Viaduto dos Motoristas) e termina em Paripe completando a


extensão de 14 quilômetros em pista dupla, o que a deixa entre as
maiores avenidas da cidade. Constitui um dos vetores de expansão
da cidade no sentido Norte. O vetor dos pobres. A região cresceu
com o êxodo rural provocado pelas secas periódicas que afligem o
Semiárido baiano.
Outro vetor de expansão da cidade, o dos ricos, fica no lado
Leste da cidade, também no sentido Norte, a partir da Avenida Luís
Viana (Paralela). Com pouco mais de treze quilômetros de extensão,
a Paralela liga a região do Iguatemi ao bairro de São Cristóvão, nas
proximidades do Aeroporto e da divisa de Salvador com Lauro de
Freitas. Em conjunto com a rodovia federal BR-324, compõe os eixos
estruturantes do sistema viário soteropolitano que vai se prolongar
na direção de Lauro de Freitas e da Ba-99 (Estrada do Coco) que
abre o acesso às praias e condomínios do litoral Norte e segue até a
fronteira com Sergipe.

A mobilidade urbana

A Prefeitura de Salvador, a partir de 2012, vem desenvolvendo


estudos voltados para a mobilidade urbana, no contexto de um
programa nacional coordenado pelo Ministério das Cidades.
Trata-se do Plano de Mobilidade Urbana Sustentável de Salvador -
PlanMob, coordenado pela Secretaria Municipal de Mobilidade de
Salvador – SEMOB. Os estudos, no plano teórico, estão bastante
avançados em que pesem os transtornos provocados pela recente
Pandemia da COVID.
Segundo o PlanMob, os dados do Diagnóstico da Mobilidade
em Salvador, com base na Pesquisa OD de 2012, indicaram o
predomínio de deslocamentos a pé em Salvador, sobre as demais
modalidades de transporte, com 1,75 milhões de viagens a pé que
correspondem a 38% do total de viagens diárias (dados de 2012).
Considere-se também que 35,9% das viagens diárias em Salvador
são realizadas pelo modo coletivo requerendo caminhadas dos

784
FRAGMENTOS

usuários para acesso às estações, pontos de parada e terminais.


A projeção linear do número de viagens a pé, calculada com base
no crescimento da população previsto no cenário apresentado
no Relatório RT05, indica 2,10 milhões de viagens diárias no ano
2032.
Devem ser considerados, também, os deslocamentos a pé
associados ao transporte coletivo. As intervenções previstas no
setor de transporte coletivo deverão implicar aumento substancial
da participação de viagens com transferências entre linhas de
ônibus e entre modos de transporte coletivo (todos os sistemas
de ônibus urbanos e metropolitanos, o metrô e o VLT) resultando
em aumento de deslocamentos a pé tanto para acesso ao sistema
como para a realização dessas transferências entre modos.
Atualmente, cerca de 23% das viagens de transporte coletivo
realizam transferências (integrações). A configuração da rede
única racionalizada e integrada deverá implicar o aumento desse
percentual para aproximadamente 70%. (PLANMOB, 2012).
O diagnóstico da mobilidade a pé envolveu uma análise
amostral da qualificação das calçadas, uma análise expedita dos
aspectos de declividade da malha viária e consequentemente, das
calçadas, e uma análise das carências de dispositivos de transporte
vertical em função da ocupação lindeira e das características físicas
(declividade e diferenças de cotas para o deslocamento). Neste
diagnóstico concluiu-se, a partir da análise de uma amostra, que
no entorno dos pontos de ônibus, aproximadamente 58% das
calçadas requerem algum tipo de adequação e que cerca de 22%
das calçadas são inexistentes. (PLANMOB, 2012).
Uma metodologia para o exercício da caminhabilidade
foi desenvolvida pelo Instituto de Políticas de Transporte e
Desenvolvimento (ITDP Brasil), resultante de uma parceria com o
Instituto Rio Patrimônio da Humanidade. Sobre esta fazemos as
seguintes considerações finais deste texto.
O Índice de Caminhabilidade - iCam, é composto por 15
indicadores agrupados em seis diferentes categorias. Cada uma
delas incorpora uma dimensão da experiência do caminhar. As

785
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

categorias definidas são consideradas lentes necessárias para a


avaliação da caminhabilidade, e são utilizadas como parâmetros
centrais de referência para a avaliação, definindo a distribuição
da pontuação.

Figura 1 - Categorias do Índice de Caminhabilidade

Fonte: ICAM

As categorias possuem os seguintes indicadores:

1. CALÇADA
1. Largura
2. Pavimentação

Observação: A Calçada incorpora a dimensão de


caminhabilidade relativa à infraestrutura, considerando dimensões,
superfície e manutenção do piso adequadas ao pedestre. (“TFG 2018
Luna Viana by Luna Viana - Issuu”).

2. MOBILIDADE
1. Dimensão das quadras
2. Distância a pé ao transporte

786
FRAGMENTOS

Observação: Mobilidade está relacionada à disponibilidade


e ao acesso ao transporte público. Avalia também a
permeabilidade da malha urbana.

3. ATRAÇÃO
1. Fachadas Fisicamente Permeáveis;
2. Fachadas Visualmente Ativas;
3. Uso Público Diurno e Noturno;
4. Usos Mistos.

Observação: Esta categoria inclui indicadores relacionados a


características de uso do solo que potencializam a atração de
pedestres. Eles avaliam atributos do espaço construído que
podem ter um impacto decisivo na intensidade do uso das
rotas de pedestres e na sua distribuição ao longo do dia ou
semana.

4. SEGURANÇA VIÁRIA
1. Tipologia da Rua;
2. Travessias.

Observação: Esta categoria agrupa indicadores referentes


à segurança de pedestres em relação ao tráfego de veículos
motorizados, assim como a adequação de travessias a requisitos
de conforto e acessibilidade universal. "Esses indicadores
têm grande importância na avaliação de condições de
caminhabilidade, pois estão relacionados a riscos de colisões
e fatalidades." (“TFG 2018 Luna Viana by Luna Viana - Issuu”).

5. SEGURANÇA PÚBLICA
1. Iluminação;
2 Fluxo de Pedestres Diurno e Noturno.

787
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

Observação: A Segurança Pública, ou seguridade pública, é


um tema recorrente nas discussões sobre utilização da rua
e outros espaços públicos, especialmente em países com
profundas desigualdades sociais como o Brasil. Pesquisadores
têm explorado a influência do desenho urbano e das
edificações no número de ocorrências e na sensação de
segurança transmitida aos pedestres desde a década de 1960.
A categoria Segurança Pública é composta por dois indicadores
relativos ao tema. Outros indicadores comumente associados
à segurança no espaço público, como transparência das
fachadas, encontram-se contemplados na categoria Atração.

6. AMBIENTE
1.Sombra e Abrigo;
2.Poluição Sonora;
3.Coleta de Lixo e Limpeza.

Observação: Esta categoria agrupa indicadores relacionados


a aspectos ambientais que possam afetar as condições de
caminhabilidade de um espaço urbano. Esses indicadores
estão relacionados a aspectos de conforto, como sombra e
abrigo, e a condições ambientais, como poluição sonora e
limpeza urbana.

Unidades de Análise para Cálculo do Índice

A unidade básica de coleta de dados e avaliação de indicadores


para o cálculo final do iCam 2.0 é o segmento de calçada. Este se
refere a parte da rua localizada entre cruzamentos adjacentes da rede
de pedestres - inclusive cruzamentos não motorizados -, levando
em consideração somente um lado da calçada. A escolha do
segmento da calçada como escala da unidade de análise serviu para

788
FRAGMENTOS

refletir de maneira precisa a experiência do caminhar do pedestre.


No entanto, em alguns casos, a coleta de dados foi adaptada de
acordo com a natureza do indicador. Isto ocorreu nos indicadores
Fachadas Fisicamente Permeáveis e Fachadas Visualmente Ativas, nos
quais foi avaliada a face de quadra. A face de quadra corresponde
ao conjunto de fachadas confrontante ao segmento de calçada.
Ressalta-se que a pontuação foi sempre atribuída ao segmento de
calçada correspondente, inclusive nas situações em que o elemento
avaliado é outro. Em indicadores para os quais não é possível obter
o dado desagregado para cada segmento de calçada, recomenda-se
que seja utilizada a escala do dado disponível e que a pontuação
seja atribuída aos respectivos segmentos de calçada. No indicador
Tipologia da rua, por exemplo, a avaliação se dá no sistema viário, e
consequentemente a pontuação obtida é expandida aos segmentos
de calçadas pertencentes à via.

Figura 2 - Exemplo de Calçada.

Fonte: iCam 2.0.

789
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

A aplicação do iCam 2.0 é baseada em três tipos de dados

• Dados primários levantados em pesquisa de campo (como,


por exemplo, a largura das calçadas).
• Dados secundários coletados a partir de documentação
preexistente, fotografias aéreas / satélite e recursos de
georreferenciamento (como, por exemplo, levantamentos
do programa Google Earth).
• Dados secundários coletados junto a agências públicas
(como, por exemplo, a hierarquização viária).

Considerações finais

A aplicação dos estudos relacionados com a Caminhabilidade


tem ocupado recentemente a atenção da comunidade científica em
diversos países da Europa (Portugal é um caso) e em alguns estados
brasileiros mais desenvolvidos como Rio de Janeiro, Minas Gerais,
São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. A Bahia,
como aqui referido, engatinha nesse processo, mas está sujeita a
solução de continuidade dada a fragilidade do seu capital humano.
A Prefeitura de Salvador já possui expertise no assunto e o seu
progresso depende de fatores exógenos produzidos pela estrutura
cultural da cidade, os quais são negativos e adversos.
A Universidade Salvador poderá romper este impasse e
iniciar a execução deste projeto, como efeito demonstração, em
um fragmento da cidade, através do seu projeto Cidades Internas
em andamento. Tudo dependerá de vencer-se algumas resistências
internas, reacionárias frente ao novo e ao inédito.

790
FRAGMENTOS

Referências

ESTUDO MOBILIZE 2022.[Livro eletrônico] Relatório Final: Mobilidade


Urbana em dados e nas ruas do Brasil./ Organização Mobilize Brasil.
São Paulo: Marcos de Souza, 2022 PDF.

FARIA, Luiza Gomide [Livro eletrônico]Nota técnica 279. A Rede


Prioritária de Mobilidade a Pé - Parte 1. São Paulo: CET, 2022.

PLANMOB SALVADOR. Plano de Mobilidade Urbana Sustentável


Disponível em http://planmob.salvador.ba.gov.br/images/consulte/
planmob/PlanMob-Salvador-RT03.pdf Acesso em 04/2023.

RIO, João do. [Livro eletrônico] A alma encantadora das ruas. São
Paulo: Lê Livros, 2023.

TAVARES, Luis Henrique Dias. História da Bahia. Salvador: EDUFBA,


2008.

WIKIPÉDIA. História de Salvador. Disponível em: História de Salvador


– Wikipédia, a enciclopédia livre (wikipedia.org) Acesso em 04/2023.

791
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

792
FRAGMENTOS

ARTIGO

A FORMAÇÃO DO
CAPITAL HUMANO E O
DESENVOLVIMENTO DA
BAHIA NO SÉCULO XX

21
793
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

794
FRAGMENTOS

A formação do Capital Humano


e o desenvolvimento da Bahia no
século XX
Helder Castro1
Noelio Spinola2

Resumo
Este artigo procura analisar a formação do capital humano do Estado
da Bahia no século XX, a partir das contribuições teóricas das áreas
dedicadas ao tema, considerando a qualidade da mão de obra
atuante em alguns dos principais agentes econômicos do estado.
Para tanto, utilizou-se uma pesquisa das contribuições teóricas das
áreas de Capital Humano e de Desenvolvimento Regional, essa última
com destaque para o Estado da Bahia, e uma pesquisa documental,
a qual foi empreendida a partir da coleta de dados em publicações
e em relatórios de alguns agentes econômicos - Centros de Serviços
Compartilhados e prestadores de serviços - sobre os seus processos
de recrutamento e seleção, assim como o perfil do capital humano
disponível na Bahia. Concluiu-se que a formação do capital humano
está associada ao desenvolvimento regional e que, no caso da Bahia,
por motivos diversos, principalmente históricos, esse desenvolvimento
não aconteceu como deveria. Desta maneira, os grandes agentes
econômicos atuantes no estado precisam lidar com maiores custos
dos programas de formação de capital humano, assim como atrasos
no início de operações.

1 Administrador. Mestre em Administração e Doutorando em Desenvolvimento Regional e


Urbano pela Universidade Salvador – UNIFACS. E-mail: helderuzeda@gmail.com
2 Economista. Doutor em Geografia pela Universidade de Barcelona. Professor Titular V do
Curso de Ciências Econômicas e Decano da Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional e
Urbano da Universidade Salvador – UNIFACS. E-mail: spinolanoelio@gmail.com

795
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

Palavras-chave: capital humano, desenvolvimento regional, agentes


econômicos, centros de serviços compartilhados, Estado da Bahia.

The formation of human capital and the development of Bahia in the


twentieth century.

Abstract
The study aims to analyze the formation of human capital of Bahia
state in the twentieth century, from the theoretical contributions in
the areas dedicated to the theme, considering the hand of the quality
of active work in some of the main economic agents state. Therefore,
we used a survey of theoretical contributions in the areas of Human
Capital and Regional Development, the latter especially in the state
of Bahia, and documentary research, which was undertaken from
the data collection in publications and reports of some economic
agents - Shared Services Centers and service providers - about their
recruitment and selection, as well as the profile of the human capital
available in Bahia. It was concluded that the formation of human
capital is linked to regional development and that in the case of
Bahia, for many, mainly historical reasons, this development did not
happen as it should. Thus, the major economic agents in the state
have to deal with higher costs of human capital training programs,
as well as delays in the start of operations.

Keywords: human capital, regional development, economic agents,


shared service centers, State of Bahia

JEL Classification: Z

796
FRAGMENTOS

1. INTRODUÇÃO

A atividade empresarial pode ser considerada a “chave”


do crescimento e do desenvolvimento econômico. Dessa forma,
os agentes econômicos também contribuem diretamente para o
desenvolvimento regional, seja através da geração de empregos,
do pagamento de tributos ou do fomento de todo um sistema de
parceiros de negócios que, por sua vez, multiplicam esses postos de
trabalho, criam novas oportunidades de exercício efetivo de atividades
remuneradas/assalariadas e aumentam também a arrecadação
tributária, incrementando a economia.

Inovação, criatividade e aprendizagem passaram a ter um


papel fundamental no desenvolvimento regional, a partir de uma
“economia baseada no conhecimento”, o que contribuiu também
para explicar boa parte do crescimento econômico de países e regiões
mais desenvolvidas.

A Teoria do Capital Humano, proposta por Theodore Schultz


(1973), consegue dar conta de entender o ser humano como um dos
principais fatores de produção de riqueza, através do conhecimento
como forma de capital. Nesse sentido, a educação passou a ser
valorizada como um elemento de investimento e importância no
processo de desenvolvimento do país ou região, assim como nos
grandes agentes econômicos.

Entende-se que o capital humano resulta do acúmulo de todos


os investimentos em educação, treinamento, saúde, e outros fatores
que aumentam a produtividade individual e, consequentemente, os
ganhos.

As inversões na formação do capital humano são cada vez


mais vistas como essenciais para o sucesso dos grandes agentes
econômicos, os quais investem em condições de clima social e
organizacional que facilitam o intercâmbio de conhecimentos
(COLLINS; SMITH, 2006), pois aqueles necessitam de uma mão de
obra bem formada, principalmente, considerando competências

797
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

técnicas e comportamentais, para fazer funcionar suas “pesadas”


estruturas de organizações, processos e sistemas.

O estudo proposto, neste documento, tem como objetivo


geral analisar a formação do capital humano da Bahia, no século XX,
a partir das contribuições teóricas das áreas de Capital Humano e de
Desenvolvimento Regional, considerando a qualidade da mão de obra
atuante em alguns dos principais agentes econômicos desse Estado.

2. METODOLOGIA

Para a elaboração deste artigo, utilizou-se uma pesquisa e


análise bibliométrica, a partir das contribuições teóricas das áreas
de Capital Humano e de Desenvolvimento Regional, essa última
com destaque para a Bahia. Adotou-se também uma pesquisa
documental, a qual foi empreendida a partir da coleta de dados em
publicações e em relatórios de alguns agentes econômicos sobre os
seus processos de recrutamento e seleção, assim como o perfil do
capital humano disponível no estado estudado. Esta pesquisa também
foi empreendida através de alguns documentos de prestadores de
serviços e outros acessíveis ao público em geral, disponibilizados na
Internet. Igualmente foram utilizadas as informações levantadas em
processos de benchmarking3 em centros de serviços compartilhados
(CSC) baianos, as quais foram acessadas via registros de relatórios,
apresentações, tabelas, anotações, levantamentos, mapas e processos
dos Sistemas Integrados de Gestão utilizados por esses agentes. A
pesquisa bibliográfica e eletrônica coletou dados, pertinentes ao
assunto, em livros, dicionários, revistas especializadas ou não, jornais,
teses, dissertações e publicações internas.

3 Segundo Lacombe (2009, p. 78), benchmarking é a “[...] Técnica de fazer comparações e imitar
organizações – concorrentes ou não, do mesmo ramo de negócios ou de outros – que realizem
determinadas atividades com excelência e sejam reconhecidas como líderes, envolvendo a
coleta de informações de uma organização e sua aplicação em benefício de outra, geralmente
por meio de trocas de informação, com compromissos éticos definidos [...]”.

798
FRAGMENTOS

3. CAPITAL HUMANO

A Teoria do Capital Humano foi proposta na década de 1950


por Theodore Schultz (1973), que apontou o ser humano como um
dos principais responsáveis pela produção de riqueza, através do
conhecimento como forma de capital. Sendo assim, a decisão de investir
na capacitação do trabalhador passa a ser uma deliberação individual ou
das partes interessadas em melhorar e/ou aumentar a produtividade. A
partir de então, destaca-se a importância desse capital para o crescimento
econômico e a sua relação com a educação e a renda.

Embora seja óbvio que as pessoas adquiram


capacidades úteis e conhecimentos, não é óbvio que
essas capacidades e esses conhecimentos sejam uma
forma de capital, que esse capital seja, em parte
substancial, um produto do investimento deliberado,
que se têm [sic] desenvolvido no seio das sociedades
ocidentais a um índice muito mais rápido do que o
capital convencional (não-humano), e que o seu
crescimento pode muito bem ser a característica
mais singular do sistema econômico. Observou-se
amplamente que os aumentos ocorridos na produção
nacional têm sido amplamente comparados aos
acréscimos de terra, de homens- hora e de capital
físico reproduzível. O investimento do capital humano
talvez seja a explicação mais consentânea para esta
assinalada diferença (SCHULTZ, 1973, p. 31).

Quando Schultz (1973) argumenta que os aumentos ocorridos


na produção nacional têm ligação com o investimento em capital
humano, automaticamente a educação passa a ser valorizada
como um elemento de investimento e importância no processo
de desenvolvimento da nação. Observa-se que Smith ([1776]
1988) abordou que emprego, mão de obra e capital devem estar
equilibrados para não gerarem desigualdade no desenvolvimento
do país. Enquanto que Schultz (1973) fornece ao fator mão de obra

799
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

um peso maior, pois o indivíduo que investir em conhecimento passa


a ter maiores rendimentos e ascensão social. Os proprietários do
capital humano são os trabalhadores e esses não podem se separar
de suas habilidades e, quanto mais conhecimento adquirirem, melhor
será a produtividade. O trabalhador passa a investir em educação
na expectativa de retornos, educação transforma-se em produto
negociável. Para que a educação resulte em crescimento econômico,
Schultz (1967) expressa que os investimentos devem ser de boa
qualidade e corretos.
O capital humano, a despeito de intangível, é um ativo que
pode ser negociado, adquirido ou comprado no mercado, dada a
qualificação adquirida pelo próprio indivíduo. Assim, entende-se que
esse referido capital consiste no acúmulo de todos os investimentos
em educação, treinamento, saúde (e bem-estar), migração
(deslocamento) e outros fatores que aumentam a produtividade
individual e, consequentemente, os ganhos. Sobre esses, Schumpeter
(1954, p. 337) destaca:

Adam Smith conclui despreocupadamente que a


demanda por trabalho desde que provenha de renda
do próspero, que é demanda de serviço pessoal, ou
de capital do homem de negócio, que é a demanda
de serviços produtivos, e desde que "o aumento da
receita e do capital é o aumento da riqueza nacional",
aumentará com o aumento da riqueza "e possivelmente
não poderá fazê-lo sem êle [sic]".

Para Schultz (apud BRUE 2013, p. 477),

[...] os trabalhadores tornaram-se capitalistas com a aquisição


de conhecimento e habilidades que tem [sic] valor econômico. Esse
conhecimento e essas habilidades são, em grande parte, produto de
investimento e, combinados com outros investimentos humanos,
contribuem predominantemente para a superioridade produtiva
dos países tecnicamente desenvolvidos. Omiti-los no estudo do
crescimento econômico é como tentar explicar a ideologia soviética
sem Marx.

800
FRAGMENTOS

De acordo com Goode (1959), a aquisição e a manutenção do


capital humano envolvem custo econômico e a promessa de retorno
futuro que podem ser estimados por um período de muitos anos.

Blundell et al. (1999) opinam que existem dois componentes


principais do capital humano com grande complementariedade:
a capacidade inicial do indivíduo e as competências e habilidades
adquiridas através da educação formal ou treinamento no trabalho.
Nessa mesma linha, Cunha (2007, p. 28) afirma que

A chave da teoria do capital humano é o conceito de


que a aquisição de mais conhecimentos e habilidades
aumenta o valor do capital humano das pessoas,
aumentando sua empregabilidade, produtividade
e rendimento potencial. Conseqüentemente [sic],
o investimento em educação leva a um aumento de
renda futura, além de ocupar uma posição destacada
no progresso das sociedades na forma de bem-estar
social e inovação tecnológica.

Keynes (apud BLAUG, 1975), discutia consumo e investimentos


como categorias mutuamente excludentes de dois setores da
economia, são eles: família e negócios. Na visão de Blaug (1975), a
educação compunha os gastos da família, tratando-se, dessa forma,
de consumo, sem qualquer relação com investimentos.

Muito daquilo a que damos o nome de consumo


constitui investimento em capital humano. Os
gastos diretos com a educação, com a saúde e com
a migração interna para a consecução de vantagens
oferecidas por melhores empregos são exemplos
claros. Os rendimentos auferidos, por destinação
prévia, por estudantes amadurecidos que vão à escola
e por trabalhadores que se propõem a adquirir um
treinamento no local de trabalho são igualmente claros
exemplos [...]. Por estas e outras maneiras, a qualidade
do esforço humano pode ser grandemente ampliada

801
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

e melhorada e a sua produtividade incrementada.


Sustentarei que um investimento desta espécie é
o responsável pela maior parte do impressionante
crescimento dos rendimentos reais do trabalhador
(SCHULTZ, 1973, p. 31-32).

Schultz (1961) ainda destaca que o auto investimento pode


aumentar as possibilidades de escolhas disponíveis para as pessoas e
assim aumentar o seu bem-estar, salientando que o capital humano
seria provavelmente a principal explicação para a diferença observada
entre o resultado nacional e a soma dos incrementos em terra,
homem-hora e capital físico.

Ainda seguindo o raciocínio de Schultz (1973), os efeitos


completos do capital humano são difíceis de observar. Existem: os
efeitos internos, que aumentam a produtividade do indivíduo no
qual o investimento tenha sido feito; e os externos, impactando no
crescimento econômico, através do novo conhecimento.

Storberg (2002) argumenta que o conceito de capital evoluiu


ao longo do tempo. O chamado neocapital é um termo que descreve
com mais precisão os componentes intangíveis do capital. Esses
componentes são cada vez mais vistos como essenciais para o sucesso
organizacional.

Enquanto que Collins e Smith (2006) desenvolveram uma


teoria de como as práticas de recursos humanos afetam as condições
climáticas sociais organizacionais que facilitam o intercâmbio de
conhecimentos, associando-o ao desempenho empresarial. Os
estudiosos realizaram um estudo de campo com 136 empresas4
de tecnologia e mostraram que as práticas de recursos humanos
com base em autorização foram positivamente relacionadas aos
climas organizacionais sociais de confiança, cooperação e códigos
compartilhados e linguagem. Por sua vez, essas medidas de clima
social da empresa estavam relacionadas com a capacidade da empresa

4 Embora a literatura venha a sugerir diferenças teóricas entre o uso dos termos ‘empresa’,
‘organização’, ‘instituição’, companhia’ e ‘corporação’. Para efeitos deste trabalho, esses são
utilizados como sinônimos.

802
FRAGMENTOS

para trocar e combinar o conhecimento.

Bernardo (apud ANTUNES e ALVES, 2004) ainda destacam


a necessidade crescente de qualificar-se melhor e preparar-se mais
para conseguir trabalho, afirmando que parte importante do “tempo
livre” dos trabalhadores está crescentemente voltada para adquirir
“empregabilidade”, palavra utilizada pelo capital para transferir, aos
trabalhadores, as necessidades de sua qualificação.

Nas últimas décadas, para Martin e Sunley (1996), uma "nova


teoria do comércio" e "nova economia de vantagem competitiva"
emergiram, o que, entre outros aspectos, atribuiu uma importância
fundamental para o papel com o qual a geografia interna de uma nação
pode contribuir na determinação do seu desempenho comercial. Os
pesquisadores em questão trazem a visão de Paul Krugman, em que,
num mundo de concorrência imperfeita, o comércio internacional é
impulsionado tanto por retornos crescentes e economias externas
como pela vantagem comparativa. Para entender o comércio, portanto,
Krugman argumenta que é necessário entender os processos os quais
conduzem à concentração regional e local de produção.

Gremaud, Vasconcellos e Toneto Júnior (2010) abordam a


diferença conceitual entre crescimento e desenvolvimento econômico,
pontuando que crescimento econômico é a ampliação quantitativa
da produção, enquanto que desenvolvimento econômico é mais
amplo, argumentando que:

[...] o importante não é apenas a magnitude da


expansão da produção representada pela evolução
do PIB, mas também a natureza e a qualidade desse
crescimento. Quando se diz que um país é desenvolvido,
o que se quer ressaltar é que as condições de vida da
população daquele país são boas, e quando se diz que
um país é subdesenvolvido, há referência ao fato de
que a maior parte da população residente naquele
país tem condições de vida sofríveis (GREMAUD;
VASCONCELLOS; TONETO JÚNIOR, 2010, p. 58-59).

803
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

Ainda na visão de Gremaud, Vasconcellos e Toneto Júnior


(2010), o entendimento sobre boa ou má qualidade de vida é relativo
e varia entre as diferentes culturas ao longo do tempo. Por isso, a
grande dificuldade em se medir o grau de desenvolvimento de um
país.
Para Amaral Filho (2001), o processo de endogenização já é
bastante difundido nas teorias macroeconômicas de crescimento.
Esse processo, todavia, é bem menos conhecido no campo das
teorias de desenvolvimento econômico regional, embora tenha
sido muito importante. O pesquisador apresenta novas estratégias
de desenvolvimento regional e local, estabelecendo, por exemplo,
uma ponte entre autores da corrente da economia imperfeita,
que romperam com a “teoria da localização tradicional”, e os
evolucionistas e institucionalistas, os quais se debruçaram nos estudos
dos novos fenômenos e modelos de desenvolvimento regional e local,
tais como os da especialização flexível, discutindo novas formas de
desenvolvimento local e regional, bem como os instrumentos de ações
públicas e privadas. Segundo ainda o mesmo estudioso (p. 262),

Do ponto de vista regional, o conceito de desenvolvimento


endógeno pode ser entendido como um processo de
crescimento econômico que implica uma contínua
ampliação da capacidade de agregação de valor sobre
a produção, bem como da capacidade de absorção da
região, cujo desdobramento é a retenção do excedente
econômico gerado na economia local e/ou a atração
de excedentes provenientes de outras regiões. Esse
processo tem como resultado a ampliação do emprego,
do produto e da renda do local ou da região.

Entende-se também o desenvolvimento endógeno como


um processo de crescimento e mudança estrutural que se produz
como consequência das transferências de recursos das atividades
tradicionais para as modernas; da utilização de economias externas e
da introdução de inovações o que gera o aumento do bem estar da
população de uma cidade. En ese sentido, el desarrollo local es un
proceso mucho más socio-político que económico en sentido estricto.

804
FRAGMENTOS

Los desafíos son mucho más de articulación de actores y capital social,


que de gestión local (GALLICCHIO, 2004).

Baquero (1999) afirma que a despeito de não depender


especificamente da gestão governamental, os processos de
desenvolvimento endógeno ocorrem graças à utilização produtiva do
potencial de desenvolvimento que é gerado quando as instituições e
mecanismos de regulação do território funcionam eficientemente. Mas
é importante notar que estes processos de desenvolvimento dependem,
e muito, das construções sociais, que se expressam nas dimensões
simbólicas. Assim sendo, no seu planejamento não podem deixar de ser
levados em consideração fatores intangíveis que regem determinada
comunidade, tais como os valores, as crenças, os ritos, a tradição,
os conhecimentos atávicos, a confiança na relação comunidade /
agentes, e as experiências coletivas marcantes que resultam numa teia
comportamental, normalmente denominada de cultura.

O desenvolvimento endógeno também obedece a uma visão


territorial (e não funcional) dos processos de crescimento e mudança
estrutural, que parte de uma hipótese de que o território não é
apenas um mero suporte físico dos objetos, atividades e processos
econômicos, mas também que é um agente de transformação local.

Observa-se a marca da teoria Schumpteriana do


desenvolvimento capitalista em toda a formulação básica desta
“teoria” do desenvolvimento endógeno. Uma teoria que não se aplica
aos países subdesenvolvidos, notadamente às suas regiões mais
atrasadas, como no caso do Nordeste Brasileiro o estado da Bahia.

Souza (1999, p.189) afirma que “a teoria schumpteriana


é mais adequada para países com elevado estoque potencial de
empresários, com disponibilidade de capitais emprestáveis e com
grandes possibilidades de criar novas tecnologias próprias”. E conclui
dizendo que “essas condições nem sempre se verificam nos países
subdesenvolvidos. E o problema da teoria schumpteriana, como
de qualquer outra teoria sobre o desenvolvimento econômico é a
dificuldade da sua generalização” (Grifo nosso). Isto nos remete às
observações de Hirschman, comentadas anteriormente.

805
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

Na década de 1990, de acordo com Souza Filho (2002), a


principal questão do modelo de desenvolvimento endógeno se
concentrou em tentar entender porque o nível de crescimento variava
entre as diversas regiões e nações, mesmo essas dispondo das mesmas
condições na busca de fatores produtivos, como o capital financeiro,
a mão de obra ou a tecnologia.

Souza Filho (2002) também assevera que a contribuição da


teoria endogenista foi identificar que fatores de produção atualmente
decisivos, como o capital social, o capital humano, o conhecimento,
a pesquisa e desenvolvimento, a informação e as instituições, eram
determinados dentro da região e não de forma exógena, como até
então era entendido. Sendo assim, concluiu-se que a região dotada
destes fatores ou estrategicamente direcionada para desenvolvê-
los internamente teria as melhores condições de atingir um
desenvolvimento acelerado e equilibrado.

Morgan (1997) apresenta o prisma da "região em


aprendizagem", examinando algumas das implicações teóricas
e políticas dessa convergência e destacando a importância do
modelo interativo de inovação para o desenvolvimento regional,
numa tentativa de resolver os problemas socioecômicos de regiões
industriais mais antigas.

Segundo McKinnon, Cumbers e Chapman (2002), tendo em


vista a aparente mudança no sentido de uma "economia baseada no
conhecimento", a capacidade das regiões para apoiar os processos
de aprendizagem e inovação tem sido identificada como uma das
principais fontes de vantagem competitiva. Esses pesquisadores
realizaram uma avaliação crítica do trabalho recente sobre a inovação,
a aprendizagem e o desenvolvimento regional, situando isso dentro
de seu contexto intelectual.

Cooke (2005) apresenta o desenvolvimento regional da


economia baseada no conhecimento, destacando a construção de
uma vantagem estabelecida. Para esse estudioso, o conhecimento é
um fator econômico e é necessário discuti-lo para saber se as regiões
fornecem um sistema relevante para o desenvolvimento econômico
baseado no conhecimento.

806
FRAGMENTOS

Apesar do pessimismo de Schumpeter, assim como o de Marx,


sobre o futuro do capitalismo, Brue (2013) tem contribuição geral
para a economia, a qual consiste, em sua ênfase, na importância
dos empreendedores e das inovações para se alcançar o crescimento
econômico. Novas e melhores tecnologias explicam boa parte do
crescimento econômico dos países industrializados desenvolvidos.

4. DESENVOLVIMENTO DA BAHIA NO SÉCULO XX

De acordo com Lima e Simões (2010), no período pós-II Guerra,


a problemática regional foi bastante discutida por diversos estudiosos,
cujas ideias influenciaram fortemente o planejamento econômico nos
países periféricos, especialmente nos da América Latina.

Lima e Simões (2010, p. 5) argumentam que:

O processo de desenvolvimento econômico não ocorre


de maneira igual e simultânea em toda a parte. Pelo
contrário, é um processo bastante irregular e [sic] uma
vez iniciado em determinados pontos [sic] possui a
característica de fortalecer áreas mais dinâmicas e que
apresentam maior potencial de crescimento. Assim,
a dinâmica econômica regional torna-se objeto de
estudo bastante complexo, dadas as inter-relações
existentes dentro e entre diferentes localidades e sua
importância para a coesão da economia nacional.

Dessa forma, torna-se importante o conhecimento da história


do país e da própria região para o entendimento do processo de
desenvolvimento.

A Bahia sempre figurou entre os estados da federação com o


maior número de desempregados e com baixa formação do capital
humano disponível para ingressar nos serviços público ou privado.

807
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

Esse nível de formação, muitas vezes, termina comprometendo o


interesse na contratação ou contribuindo, significativamente, com
os custos de treinamento e desenvolvolmento para o exercício de
qualquer atividade profissional.

Algumas pesquisas destacam, por exemplo, o desenvolvimento


desigual ocorrido no Brasil. Spinola (2009) apresenta, em seu livro A
trilha perdida: caminhos descaminhos do desenvolvimento baiano no
século XX, o termo “enigma baiano”, cunhado pelo ex-governador do
Estado, Otávio Mangabeira, até então preocupado com a estagnação
da economia estadual. Esse mesmo estudioso igualmente aborda que:

[...] a pobreza na Bahia originou-se, inicialmente,


no modo de produção escravagista, caracterizado
pelo processo de exploração colonial realizado
pelo capitalismo agrário-mercantil europeu que
consumiu quatrocentos anos de história brasileira. A
passagem deste regime para o do trabalho livre foi
marcada pela ausência de um conjunto de reformas
estruturais no sistema sócio-político e econômico do
país, notadamente aquelas que se faziam necessárias
na área educacional e no meio rural carente de uma
reforma agrária. As limitações impostas pelo sistema
educacional, tanto ao longo do século XIX quanto no
século XX, influenciam diretamente a mobilidade social
e, consequentemente, a geração do emprego e da
renda que, abordada, limita a criação de um mercado
interno vigoroso [...] (SPINOLA, 2009, p. 85).

Nesse sentido, vale ressaltar que, o desenvolvimento


econômico, que se atribui à transformação, mudança, progresso,
inovação, criação e distribuição de riqueza, não ocorreu na Bahia
desde a época colonial, porque a maioria da população desse estado
sempre ficou à margem dos frutos das atividades econômicas
existentes no país.
No entanto, o entendimento do processo de crescimento
econômico da Bahia, no século XX, requer algumas referências ao

808
FRAGMENTOS

cenário nacional, com destaque para os aspectos políticos, econômicos


e sociais. Torna-se necessário o esclarecimento do “enigma baiano”,
dos efeitos do colonialismo português e do imperialismo britânico, o
capitalismo mercantil nos alicerces da escravidão e da formação das
elites, o atraso no processo de substituição de importações, entre
outros. Para Spinola (2009), o fato é que a Bahia não se desenvolveu
como era desejado pelos seus planejadores e governantes,
apresentando, na atualidade, um quadro dramático de desigualdade
social e de concentração de renda. Ainda segundo esse mesmo
estudioso (p. 479),

O crescimento industrial da Bahia, até o final da


década de 1960, foi uma simples ampliação da
capacidade de produção, baseada na renovação da
capacidade instalada de fábricas já existentes e na
implantação de processos industriais de transformação
complementares e empreendimentos agropecuários.

A partir da segunda metade do século XX, a Bahia foi


contemplada com vários projetos industriais que tinham por objetivo
a produção de bens intermediários. Nesse processo, vale a pena
destacar a implantação da Refinaria de Mataripe, aproveitando a
disponibilidade de petróleo existente no estado, com a formação
de um complexo de minério e metal em Candeias, assim como
a implantação do Centro Industrial de Aratu e do Complexo
Petroquímico de Camaçari e da metalurgia do cobre. Nesse
período, muitas empresas de médio e pequeno porte montaram
suas operações nas mesmas regiões, normalmente, seguindo uma
tendência de integração, de complementaridade ou de fornecimento
aos segmentos já destacados.

Spinola (2009, p. 475) também destaca que:

[...] na Bahia, o processo de concentração não foi


compensado pela proliferação de indústrias de
pequeno e médio porte, orientadas para operar em
segmentos do mercado nacional tornados acessíveis

809
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

pelo protecionismo associado com a substituição das


importações. Pelo contrário, a concentração da indústria
no Estado apresenta-se como uma consequência
previsível da integração dos processos de produção,
comercialização e financiamento dos grandes
complexos industriais – como o automobilístico, o
mecânico e o químico [...]

Esses novos agentes econômicos, assim como outros que


vieram com o passar dos anos, com forte destaque para operações
automobilísticas e de varejo, impulsionadas por políticas nacionais,
precisaram de mão de obra qualificada e como não a encontraram
disponível no Estado em questão na qualidade ou quantidade
necessária, fizeram vários investimentos na formação de capital
humano, alguns não previstos em seus planejamentos, para
garantirem suas operações, quando não importaram levas de mão de
obra qualificada do Sudeste e Sul do país.

5. ANÁLISE DA FORMAÇÃO DO CAPITAL HUMANO BAIANO

Com já mencionado, o estudo proposto, neste documento,


tem como objetivo geral analisar a formação do capital humano da
Bahia no século XX, considerando a qualidade da mão de obra atuante
em alguns dos principais agentes econômicos desse estado. Para
tanto, além de trazer discussões teóricas acerca das áreas de Capital
Humano e de Desenvolvimento Regional, faz-se necessário destacar
algumas informações que contribuirão para a referida análise.

Os Centros de Serviços Compartilhados (CSC) são grandes


agentes econômicos que, quando instalados, tornam-se importantes
empregadores da mão de obra regional. Para Quinn, Cooke e Kris
(apud MARTINS; AMARAL, 1995), serviços compartilhados é a prática
em que unidades de negócios de empresas decidem compartilhar um
conjunto de serviços ao invés de tê-lo como uma série de funções de
apoio duplicadas dentro da própria organização.

810
FRAGMENTOS

Schulman et al. (apud BERDEJO, 2009) definem os serviços


compartilhados como a concentração de recursos da empresa
atuando com atividades antes espalhadas através da organização,
a fim de servir a múltiplos parceiros internos a baixo custo e com
alto nível de serviços, com o objetivo comum de atender os clientes
externos e acrescentar valor à empresa.

É incontestável, de acordo com Frederico (2014), o fato de


que os CSC se apresentam como forte tendência de mercado.
Entretanto, os principais

conhecimentos relacionados às suas operações ainda estão


demasiadamente confusos, desordenados e, portanto, inacessíveis
para a maioria dos gestores, assim como as melhores práticas de
implantação e pós-implantação do modelo.

Considerando o aspecto da gestão do capital humano nos


CSC, Frederico destaca que (2014, p. 76) “[...] é importante que
estes colaboradores expandam sua visão para compreender que sua
atividade, por mais específica que seja, contribui significativamente
para o andamento de operações estratégicas da organização”. Essa
pesquisadora ainda traz que a formação contínua de recursos é uma
prática comum nos CSC e que esses são conhecidos como “Celeiros
de Talentos”, em função do grande número de especialistas que saem
da operação e passam a atuar nas áreas corporativas. Igualmente
aborda que:

Cada dia se torna comprovada a importância de se


manter a motivação dos colaboradores crescentes
para a melhoria contínua da efetividade do CSC. Esse
estímulo deve ser oriundo da constante comprovação
da relevância das atividades desempenhadas por
esses colaboradores, cujo rendimento influencia
significativamente as operações de toda a organização
(FREDERICO, 2014, p. 81).

A partir daqui, expõe-se algumas poucas, mas importantes,


análises de alguns agentes econômicos que empregam e são

811
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

responsáveis pela “preparação profissional para a atividade”


de milhares de baianos, principalmente em Salvador e Região
Metropolitana.

O Relatório do Perfil do Capital Humano disponível em Centros


de Serviços Compartilhados (INSTITUTO LEX, 2013) elaborado por
um instituto de educação e desenvolvimento com atuação em cinco
estados, incluindo a Bahia, identificou que todos os processos de
recrutamento e seleção ocorridos em operações compartilhadas ou
em CSC na Bahia, apesar dos candidatos cumprirem os requisitos de
formação escolar, normalmente, de nível técnico ou superior, ocorridos
entre 1990 e 2010, apresentaram deficiências de competências
técnicas e comportamentais, que seriam tratadas posteriormente.

Ao se considerar um total de 100% de competências


desejadas para o exercício de determinada função e sabendo-se que
já seria esperado um nivelamento de cerca de 30% das competências
comportamentais e de 50% das competências técnicas (uma vez que
essas envolvem um conhecimento mais específico no manuseio de
equipamentos, na utilização de sistemas informatizados etc.), os
números baianos foram, consideravelmente, menores do que os dos
estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Pernambuco.

O mesmo Relatório (2013) também apresentou que essas


operações na Bahia precisaram de um incremento médio de 45% dos
recursos financeiros previstos para os seus programas de formação de
capital humano, assim como um retardo de 90 a 180 dias para o alcance
de uma atividade considerada plena, a partir da capacidade instalada.
Em Minas Gerais, por exemplo, esse percentual foi de 13% e o tempo
médio de retardo foi de 30 dias, demonstrando que, basicamente, com
uma mesma formação escolar, o mineiro está melhor preparado para
assumir tarefas em um menor espaço de tempo.

Ainda destaca a dificuldade que muitos graduados no Ensino


Superior possuem em se comunicar de forma correta, através da fala
e da escrita. O Relatório (2013, p. 47) apresenta a existência de “[...]
graves problemas de Língua Portuguesa, além de dificuldades na
interpretação de textos”. Além disso, aborda também as limitações
com a Matemática, assim como Raciocínio Lógico e Analítico, no

812
FRAGMENTOS

entanto, sem pontuá-los em índices ou comparações com números


dos demais estados.

O fato é que, ainda hoje, algumas funções mais executivas de


importantes empresas que operam em território baiano são exercidas
por profissionais egressos de outros estados.

Apesar do “baixo” desenvolvimento, a Bahia também sedia


empresas que prestam serviços em todo o país. São agentes que
desenvolveram técnicas ou produtos que os tornaram, altamente,
competitivos em áreas como auditoria, consultoria e tecnologia
tributária etc. Uma dessas empresas, segundo a análise do seu
programa de formação do capital humano, possui cerca de 150
funcionários e mantém, permanentemente, 20 vagas abertas que
não consegue preencher, uma vez que existe uma deficiência interna
na formação desse capital. Segundo o seu diretor executivo, “[...]
precisamos de profissionais mais prontos. Hoje, os recém- formados
em Contabilidade ou Direito, por exemplo, não sabem o que é o
Sistema Público de Escrituração Digital, em vigência desde 2009”
(Oficina de Empresas, 2010).

Isso demonstra que existe também uma deficiência nas grades


curriculares dos cursos de Ensino Superior, contribuindo para o baixo
nível de formação do capital humano baiano. Desta forma, as empresas
que decidem, através de suasestratégias de negócios ou de incentivos
fiscais, entre outros, se instalar na Bahia e, quando iniciam os seus
processos de recrutamento e seleção, percebem que a mão de obra
disponível está aquém do previsto, sendo necessária a intensificação
dos programas de formação do capital humano, que terminam por
complementar a educação básica, fundamental ou superior. Isso
terminar por onerar o processo, além de postergar o início de algumas
operações, muitas vezes, concorrendo contra a atração de novos
negócios e, consequentemente, com o desenvolvimento regional.

A bem da verdade estes resultados não são de espantar pois o


descaso dos organismos públicos pela educação na Bahia traduz uma
prática que se inseriu na cultura do estado.

Como relata Spinola (2009, p.90) tratando-se da elite

813
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

dirigente e de seus aderentes, também quando se investigam as


raízes do problema da perda de dinamismo e de competitividade da
Bahia no século XX, não se pode desprezar outro efeito da formação
humanista por esta recebida nos primórdios da colonização,
fortemente influenciada pelos colégios jesuítas, que legaram o
espírito bacharelesco que as dominou até, pelo menos, a segunda
metade do século XX.5

Se em vez dos jesuítas tivéssemos como fundadores da


cultura nacional os oratorianos, muito mais permeáveis
à adoção no ensino das ciências, muito mais abertos ao
iluminismo do que a escolástica, então a coisa teria sido
diferente. Diferente para a sociedade brasileira e para
o brasileiro enquanto cidadão. (OLIVEIRA, 2005, p.30).

A primeira universidade baiana surgiu em 1947 e somente


veio a tomar corpo na década seguinte. Permaneceu solitária no
cenário estadual até o final da década de 1960 quando quatro outras
universidades vieram a lhe fazer companhia. Assim mesmo, em 2007,
na capital do estado, as 51 Instituições de Ensino Superior existentes
representavam 2,2% do total das 2.281 IES brasileiras e 42,1% do
total de IES da Bahia (MEC/INEP).

O principal Centro de Pesquisa e Desenvolvimento (CEPED)


criado em 1970 para dar suporte ao parque industrial que se
implantava na Região Metropolitana de Salvador foi desmobilizado
e sucateado em função de sombrias maquinações políticas. Sua ação
hoje é suprida por outro Centro criado pela Federação das Indústrias,
que, dadas idiossincrasias locais, não faz colabora com a UFBA e as
demais IES baianas.

5 Dos nove governadores que administraram a Bahia entre 1900 e 1930, oito eram advogados
alguns dos quais juristas ilustres.

814
FRAGMENTOS

6. CONCLUSÕES

Conclui-se que o Capital Humano, a partir das discussões


teóricas apresentadas neste artigo, aponta o ser humano como
um dos principais fatores de produção de riqueza e, consequente,
desenvolvimento econômico e regional, através do conhecimento
como forma desse capital. Com isso, a educação passou a ser
valorizada como um elemento de investimento e importância no
processo de desenvolvimento não somente do país ou região, mas
também nos grandes agentes econômicos.

Além disso, a atividade empresarial, considerada importante


alavanca para o crescimento e desenvolvimento econômico e os
aumentos ocorridos na produção do país ou região, assim como nos
agentes em questão, têm ligação com o investimento em capital
humano, através dos programas de formação ou de aperfeiçoamento
profissional.

É importante também destacar a relevância do conhecimento


da história do país ou região para o entendimento do processo de
desenvolvimento, destacando aqui o capital humano disponível,
o que possibilita aumento na assertividade de decisões futuras,
principalmente, considerando os investimentos de grandes agentes
econômicos em expansões ou novas operações.

A Bahia não se desenvolveu como deveria e, para entender o


seu processo de crescimento econômico no século XX, são necessárias
algumas referências ao cenário nacional, com destaque para os
aspectos políticos, econômicos e sociais.

Os grandes agentes econômicos atuantes nesse Estado


enfrentam dificuldades para encontrar mão de obra qualificada. São
profissionais formados, sem as devidas competências técnicas ou
comportamentais para exercerem funções empresariais. Vale a pena
destacar que as limitações perpassam também aspectos da formação
mais básica, neste caso, como Língua Portuguesa e Matemática.

Com isso, os agentes econômicos terminam investindo mais

815
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

recursos nos seus programas de formação de capital humano,


atrasando também o início de algumas operações ou o alcance de
atividades plenas, considerando a capacidade instalada.

São problemas estruturais, muitos de contexto histórico,


outros, certamente, pela falta de políticas de educação ou de
formação profissional adequadas, que contribuem para retirar a
Bahia do interesse de grandes grupos econômicos em instalar ou
manter operações no estado.

816
FRAGMENTOS

REFERÊNCIAS

AMARAL FILHO, Jair. A endogeneização no desenvolvimento econômico


regional e local. Planejamento e políticas públicas, Brasília, v. 23, p. 261-286,
dez. 2001.

ANDERSSON, Ake. Creativity and regional development. Papers of the Regional


Science Association, v. 56, Issue 1, p. 5-20, December, 1985. Disponível em:
<http://link.springer.com/article/10.1007/BF01887900>. Acesso em: 24 set. 2015.

ANTUNES, Ricardo; ALVES, Giovanni. As mutações no mundo do trabalho na era


da mundialização do capital. Educação e sociedade, Campinas, vol. 25, n. 87,
p. 335-351, maio-ago.2004.

BERDEJO, Ludwig Miguel Agurt. Fatores de resistência ao processo de


implementação de um centro de serviço compartilhado: uma abordagem
segundo a Teoria Institucional. 2009. 184 f. Tese (Doutorado em Ciências
Contábeis) - Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade,
Universidade de São Paulo, São Paulo. Disponível em: <http://www.teses.usp.
br/teses/disponiveis/12/12136/tde.../Ludwig.pdf>. Acesso em: 26 abr. 2012.

BLAUG, M. Introdução à economia da educação. Tradução de Leonel Vallandro


e Volnei Alves Correa. Porto Alegre: Globo, 1975.

BLUNDELL, Richard et al. Human Capital Investment: the returns from education
nad training to the individual, the firm and the economy. Fiscal studies, London,
v. 20, n. 1, p. 1-23, 1999.

BRUE, Stanley L. História do pensamento econômico. Tradução de Luciana


Penteado Miquelino. São Paulo: Cengage Learning, 2013.

COLLINS, Christopher J.; SMITH, Ken G. Knowledge Exchange and Combination:


The Role of Human Resource Practices in the Performance of High- Technology
Firms. The academy of management journal, v. 49, n. 3, p. 544-560, June.
2006. Disponível em:

<http://www.jstor.org/stable/20159780?seq=1#page_scan_tab_contents>.
Acesso em: 5 out. 2015.

COOKE, Philip. Regional Development in the Knowledge-Based Economy: The


Construction of Advantage. The journal of technology transfer, v. 31, Issue 1,

817
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

p. 5-15, November, 2005. Disponível em:

http://link.springer.com/article/10.1007/s10961-005-5009-3. Acesso em: 25 set.


2015.

CUNHA, J. V. A. Doutores em Ciências Contábeis da FEA/USP: análise sob a


óptica da Teoria do Capital Humano. 2007. 261 f. Tese (Doutorado em Ciências
Contábeis) – Universidade São Paulo, São Paulo: 2007.

FREDERICO, Vanessa Kelly S. Centro de serviços compartilhados: melhores


práticas. Rio de Janeiro: Interciência, 2014.

GOODE, Richard B. Adding to the Stock of Physical and Human Capital. The
American Economic Review, Pittsburgh (RUS), v. 49, n. 2, p. 147-155, May,
1959.

GREMAUD, Amaury P.; VASCONCELLOS, Marcos A. S. de; TONETO.

JÚNIOR, Rudinei. Economia brasileira contemporânea. São Paulo: Atlas, 2010.

INSTITUTO LEX. Relatório do perfil do Capital Humano disponível em centros


de serviços compartilhados. São Paulo: Instituto Lex, 2013.

LACOMBE, Francisco. Dicionário de negócios. São Paulo: Saraiva, 2009.

LIMA, Ana Carolina da Cruz; SIMÕES, Rodrigo Ferreira. Teorias clássicas do


desenvolvimento regional e suas implicações de política econômica: o caso do
Brasil. Revista de desenvolvimento econômico, Salvador, v. 1, n. 21, p. 1-15,
jul. 2010.

MARTIN, Ron; SUNLEY, Peter. Paul Krugman's Geographical Economics and its
implications for regional development theory: a critical assessment. Economic
Geography, v. 72, n. 3, p. 259-292, July. 1996. Disponível em: <http://www.jstor.
org/stable/144401?seq=1#page_scan_tab_contents>. Acesso em: 20 set. 2015.

MARTINS, Vicente de Paula; AMARAL, Francisco Piedade. A consolidação da


prática de serviços compartilhados. eGestão: revista eletrônica de Gestão de
Negócios, Santos (SP), v. 4, n. 1, p. 158-18. 1995.

MACKINNON, Danny; CUMBERS, Andrew; CHAPMAN, Keith. Learning,


innovation and regional development: a critical appraisal of recent
debates. Progress in Human Geography, v. 26, n. 3, p. 293-311, June.
2002. Disponível em: <http://phg.sagepub.com/content/26/3/293.short>.

818
FRAGMENTOS

Acesso em: 30 set. 2015.

MORGAN, Kevin. The Learning Region: Institutions, Innovation and


Regional Renewal. Regional Studies, v. 41, Supplement 1, p. 147-
159, March, 2007. Disponível em: <http://www.tandfonline.com/doi/
abs/10.1080/00343409750132289>. Acesso em: 15 set. 2015.

OFICINA DE EMPRESAS. Análise do Programa de Formação do Capital


Humano da Lex Consult. Salvador: Oficina de Empresas, 2010.

SCHUMPETER, Joseph A. História da análise econômica. Tradução de Missão


Norte-Americana da Cooperação Econômica e Técnica no Brasil (USAID). s.l.:
Fundo de Cultura, 1954.

SCHULTZ, Theodore W. O capital humano: investimentos em educação


e pesquisa. Tradução de Marco Aurélio de Moura Matos. Rio de Janeiro:
Zahar, 1973.

SCHULTZ, Theodore W. O valor econômico da educação. Tradução de P.S.


Werneck. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1967.

SCHULTZ, Theodore W. Investment in human capital. The American Economic


Review. Cambridge, v. 51, n. 1, p. 1-17, mar. 1961.

SMITH, Adam. A riqueza das nações: investigação sobre sua natureza e suas
causas. v. 1. 3. ed. Tradução de Luiz João Baraúna. São Paulo: Nova Cultural,
[1776] 1988.

SOUZA FILHO, Jorge Renato de. Desenvolvimento regional endógeno, capital


social e cooperação. Porto Alegre: UFRS, 2002.

SPINOLA, Noelio D. A trilha perdida: caminho e descaminhos do desenvolvimento


baiano no século XX. Salvador: Unifacs, 2009.

STORBERG, Julia. The Evolution of Capital Theory: A Critique of a Theory of Social


Capital and Implications for HRD. Human resource development review, v. 1,
n. 4, p-468-499, December, 2002.

<http://hrd.sagepub.com/content/1/4/468.full.pdf+html>. Acesso: em 5 out.


2015.

819
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

820
FRAGMENTOS

ARTIGO

A MONOECONOMIA
DE HIRSCHMAN E
O DESCOLAMENTO
DAS TEORIAS DO
DESENVOLVIMENTO:
UMA APLICAÇÃO AO CASO
DA BAHIA.

22
821
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

822
FRAGMENTOS

A monoeconomia de Hirschman
e o descolamento das teorias do
desenvolvimento: uma aplicação
ao caso da Bahia.

Noelio Dantaslé Spinola


Carolina de Andrade Spinola

Resumo
A inadequação metodológica do ferramental teórico em que se
fundamentam as políticas públicas de fomento aplicadas em muitas
regiões periféricas da América do Sul constitui um dos maiores
desafios à promoção do seu efetivo desenvolvimento econômico
e social. Neste estudo examina-se a situação da Bahia, um estado
brasileiro localizado em sua região Nordeste. Aborda as novas
contribuições relacionadas com os programas de promoção do
desenvolvimento econômico num contexto de economia-mundo, e
a sua eficácia no caso da Bahia. Analisa os aspectos teleológicos das
novas categorias inseridas na teoria do desenvolvimento regional,
tais como desenvolvimento local, endógeno, auto-sustentável, e
comunitário que representam diferentes estratégias e, por isto
mesmo, comportam diferentes abordagens. A partir de uma questão
de hermenêutica analisa aspectos metodológicos e operacionais da
utilização destas categorias, demonstrando a sua falta de aderência
aos fenômenos observados na cultura das comunidades periféricas,
por derivarem em suas formulações originais de escopos diferentes,
construídos a partir de realidades tecnologicamente mais avançadas
e não considerarem o necessário grau de integração (embeddedness)
entre os diferentes agentes sociais que é um pré-requisito essencial
para a obtenção do êxito pretendido.

823
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

Palavras-chave: Desenvolvimento Regional; Desenvolvimento Local;


Desenvolvimento Endógeno; Economia Espacial; Economia Brasileira;
Economia Baiana.

Abstract
The methodological inadequacy of the theoretical tools on which
to base public policies that promote applied in many remote
regions of South America is one of the biggest challenges to the
promotion of effective economic and social development. This
study examines the state of Bahia, a Brazilian state located in its
northeastern region. Discusses the contributions related to new
programs to promote economic development in the context of world
economy, and its effectiveness in the case of Bahia. It analyzes the
teleological aspects of the new category included in the theory of
regional development, such as local development, endogenous,
self-sustaining, and community that represent different strategies
and, therefore, comprise different approaches. As a matter of
hermeneutics examines methodological aspects and operational
use of these categories, demonstrating its lack of adherence to the
phenomena observed in the culture of peripheral communities, in
their original formulations derived in different scopes, built from
more technologically advanced realities do not consider the necessary
degree of integration (embeddedness) between the different actors is
a prerequisite for obtaining the desired success.

Key Words: Regional Development; Local Development; Endogenous


Development; Space Economics; Brazilian Economy; Bahia Economy.

(JEL) Classification System: 01; 017; 018; 054

824
FRAGMENTOS

Introdução

Natura non facit saltum


(Marshall, Darwin, Aristóteles).

Neste artigo pretende-se analisar os esforços de promoção


do desenvolvimento local em regiões periféricas da América do
Sul, especificamente no estado da Bahia que possui um território
marcado por severas diferenciações edafoclimáticas e econômicas,
onde múltiplas utilizações espaciais regidas pela ótica da
acumulação capitalista ditam rumos condicionados pelas exigências
do mercado internacional e determinados pelos seus processos
específicos de acumulação do capital, muitas vezes divergentes ou
descompromissados com processos locais de fomento econômico.
Vale observar que o estado da Bahia em termos absolutos de
importância econômica no Brasil, constitui a sua 7ª economia entre
27 estados, sendo a 1ª em termos da região Nordeste composta por
nove estados. Espacialmente possui um território que mede 559.951
Km², ocupando 6,59% do território brasileiro e 36,34% do Nordeste.
Em termos físicos é maior do que a França sendo praticamente do
tamanho da Península Ibérica1.
Apesar da sua posição na economia do Brasil, com um PIB
estimado pela SEI2 em 145 bilhões de reais para 2010, a Bahia, neste
mesmo ano, com uma população de 14.016.906 habitantes dos quais
1/3 na área rural3 é apontada pelo Ministério do Desenvolvimento
Social e Combate à Fome como o estado com a maior concentração
de pessoas em situação de extrema pobreza. São 2,4 milhões de
baianos com rendimento mensal individual inferior a R$ 70,00. O
estado ocupa a 19ª posição na renda per capita entre os 27 estados

1 O território baiano corresponde a 97% do território da Península Ibérica.


2 Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia - SEI
3 A taxa de urbanização da Bahia, segundo os dados do IBGE varia de 72% considerando os
municípios como um todo e 67% computando apenas as sedes municipais. Existem contro-
vérsias entre os demógrafos quanto aos critérios adotados pelo IBGE para a determinação das
taxas de urbanização.

825
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

brasileiros. Esta é a realidade sobre a qual trabalhamos.


Nesta análise examinam-se os novos aportes teóricos que
pretendem instrumentar a teoria do desenvolvimento regional
com abordagens gestadas a partir da ruptura do denominado
paradigma fordista e responder com maior eficácia às características
e peculiaridades de economias menos desenvolvidas e, muitas vezes,
ainda não absorvidas pelo processo de globalização. Neste sentido
serão discutidos os aspectos teleológicos de categorias tais como
desenvolvimento local, endógeno, autossustentável, integrado
e comunitário que representam diferentes estratégias e, por isto
mesmo, comportam diferentes abordagens.
Além desta introdução e de uma conclusão, este estudo é
composto por quatro partes que tratam das contribuições aportadas
no período compreendido entre as décadas de 1970 e 2000, e
de questões operacionais relacionadas com as aplicações dos
instrumentais teóricos relacionados com o desenvolvimento local e o
desenvolvimento endógeno.

Ciclo de vida da teoria do desenvolvimento

A preocupação com o processo de acumulação de riquezas,


ou de capital como pretendem muitos, é remota na história da
humanidade. Sobre ele e os instrumentos necessários para a sua
produção debruçaram-se os escribas do Torá, gregos como Xenofonte,
Aristóteles e Platão e reis como o lendário Cresus, da Lídia (561/546 a.C.)
que, segundo Spinola (2011, p.19), há 2.500 anos criou o electrum-
stater tido como a primeira moeda do mundo. Nas palavras dele:
Tesoureiros com o pé no chão descobriram o que os magos não
viram: o homem comum e os comerciantes da Lídia intuitivamente
atribuíam valores de troca a pedaços de prata e ouro, que viravam
meios de pagamento. Reis perceberam que alguém podia ganhar
dinheiro com dinheiro: martelaram símbolos no metal, padronizaram
a relação ouro/prata (ratio) e cobraram pela senhoriagem. Nasce a
moeda. (Grifos nossos).

826
FRAGMENTOS

Mercantilistas, fisiocratas e posteriormente os clássicos,


já nos séculos XVIII e XIX, direta ou indiretamente também se
preocuparam com as questões vinculadas ao crescimento econômico
que com o tempo, se transformou (para alguns) em desenvolvimento
econômico. O escocês Adam Smith (1723/1790) foi escolhido pelo
mainstream como o pai da ciência econômica com o seu Inquérito
sobre a natureza e as causas da riqueza das nações (1776). Nesta
obra nasce a teoria do desenvolvimento econômico.
A consolidação da disciplina como o suporte teórico das
políticas econômicas dos países, notadamente o planejamento
regional, somente ocorreu no mundo ocidental, principalmente nos
países subdesenvolvidos, a partir das décadas de 1930/1940 no bojo
da revolução keynesiana que eclodiu em 1936, como uma resposta ao
fracasso do paradigma liberal, desmoralizado pela Grande Depressão
de 1929 e após a Segunda Guerra Mundial como resultado das
macrodecisões emanadas da conferência de Bretton Woods.
Também no Brasil, refletindo a conjuntura internacional,
as preocupações com o desenvolvimento e a sua discussão pelas
diversas correntes de pensamento tiveram início nas décadas de
1930 e 1940, sobretudo no período imediato ao pós-guerra e no
contexto de uma época de reconstrução mundial, mediante a criação
do Fundo Monetário Internacional (FMI), do Banco Internacional para
a Reconstrução e o Desenvolvimento (BIRD), do Plano Marshall para a
Europa e da constituição da Organização das Nações Unidas (ONU),
de onde brotaram o Banco Interamericano para o Desenvolvimento
(BID) 4 e a Comissão Econômica para a América Latina (CEPAL),
sem dúvida um dos maiores celeiros de ideias e proposições para
a promoção do desenvolvimento econômico nos países da América
Latina e o Caribe.
No Brasil foi preponderante, nesta época, a influência
do pensamento keynesiano nas análises formuladas por autores
estrangeiros dedicados ao estudo do subdesenvolvimento, entre os
quais Raul Prebisch, Albert Hirschman, Gunnar Myrdal e Ragnar Nurkse
e brasileiros como Celso Furtado, Roberto Campos, Rômulo Almeida,

4 Uma replica do BIRD para a América Latina

827
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

Ignácio Rangel, Hélio Jaguaribe e Maria da Conceição Tavares, entre


outros que contribuíram para a formação das diretrizes da CEPAL e
do Instituto Superior de Estudos Brasileiros - ISEB, fundamentando
teoricamente o planejamento que veio a desenvolver-se no país,
inclusive o modelo de substituição de importações e, politicamente,
o que se convencionou denominar de paradigma nacional-
desenvolvimentista.
Numa revisão histórica, notadamente dos aspectos sociais,
são questionáveis os resultados da experiência brasileira de
planejamento do seu desenvolvimento. É inegável o expressivo
crescimento econômico do país na segunda metade do século
XX, sobretudo no período que vai de 1954 até 1980, graças à
realização de muitas das medidas e ações preconizadas nos diversos
planos elaborados no período. Porém, não foi atingido o padrão
de desenvolvimento econômico desejável e, ao encerrar o século,
se observou a manutenção de um considerável desequilíbrio inter-
regional, acentuada concentração da renda e a permanência de uma
elevada parcela da população vegetando abaixo da linha de pobreza,
continuando o país dependente, em grande escala, dos humores do
capitalismo internacional.
No final da década de 1980, marcado pela avalanche
do neoliberalismo e do Consenso de Washington, as teorias do
desenvolvimento entraram em recesso no Brasil, no bojo das ideias
do Estado Mínimo e na abolição do planejamento econômico estatal.
A propósito da crise atravessada pela Teoria do Desenvolvimento, vale
transcrever o testemunho de Satrústegui (2009) quando diz:
A lo largo de las últimas décadas, la economía del desarrollo y,
más en general, los estudios sobre desarrollo – entendidos de manera
amplia como el análisis de las condiciones capaces de favorecer el
progreso y el bienestar humanos - atraviesan por una cierta crisis.
Frente al vigor y la relevancia de los debates habidos durante la
segunda mitad del siglo XX, pareciera que en la actualidad los estudios
sobre desarrollo han ido perdiendo importancia en el ámbito de las
ciencias sociales, en favor de enfoques  centrados en el corto plazo y/o
en el análisis coyuntural de realidades particulares. Ello no es ajeno
a la complejidad del marco en el que se inscriben actualmente los

828
FRAGMENTOS

procesos de desarrollo, caracterizado por la interacción de fenómenos


económicos y  sociales que operan en diferentes ámbitos y escalas,
que van de lo local a lo global, y que abarcan un creciente número
de temas. Tampoco debe pasarse por alto la situación por la que
atraviesan las ciencias sociales y muy especialmente la economía cuyas
corrientes dominantes han demostrado una notable incapacidad
para enfrentar el estudio de no pocos problemas del mundo actual, y
para integrar en el debate algunos enfoques que han ido surgiendo
más recientemente. Es preciso resaltar a este respecto el devastador
efecto producido por el reduccionismo conceptual y metodológico
que ha ido imponiéndose en ciertos  ámbitos académicos, el cual
ha dejado a los estudios sobre desarrollo huérfanos de algunas
perspectivas de épocas anteriores y dotados de menos instrumentos
para, paradójicamente, tener que afrontar el análisis de fenómenos
mucho más complejos (un problema que ya fue apuntado hace
casi  tres décadas por Hirschman, 1980, al referirse a la “vuelta a la
monoeconomía” en su famoso ensayo Auge y ocaso de la teoría
económica del desarrollo).
No seu lamento o velho professor Hirschman antevia, com efeito,
a revolução neoliberal e a volta do paradigma que ele denominava
de monoeconomia, ou seja, a validade da aplicação universal da
teoria econômica gestada no primeiro mundo. Dizia Hirschman
(1980, p.1057): Entiendo por rechazo de la tesis monoeconómica la
concepción de que los países subdesarrollados se separan como
un grupo, mediante varias características económicas específicas
comunes a ellos, de los países industriales avanzados, y que el
análisis económico tradicional, concentrado en estos últimos países,
deberá modificarse, en consecuencia, en algunos aspectos importantes,
cuando se aplique a los países subdesarrollados. (Grifos nossos).
Hirschman clamava, com razão, contra o efeito devastador
produzido pelo reducionismo conceitual e metodológico que
passou a dominar a academia, deixando desestruturados os
estudiosos das questões vinculadas ao desenvolvimento, vez que os
novos instrumentos apresentados não estavam à altura da análise
e enfretamento de uma problemática cada vez mais complexa.
Hirschman considerava a Economia do Desenvolvimento como uma

829
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

subdisciplina derivada da Teoria Econômica. No seu rigor científico


não acreditava que esta pudesse assumir um status mais amplo.
Segundo ele (1980, p. 1073).
Ya he señalado que los críticos neoclásicos hicieron algunas
observaciones válidas, así como los neomarxistas plantearon
varias dudas serias, sobre todo en las áreas del control extranjero
excesivo y de la distribución desigual del ingreso. Pero tales críticas
debieran conducir normalmente a algunas reformulaciones
y eventualmente al fortalecimiento de la estructura de la
economía del desarrollo. Ahora no ocurrió así. No apareció
ninguna síntesis nueva. Pueden ofrecerse varias explicaciones. Por
una parte, la economía del desarrollo había sido construida sobre
un concepto, el "país subdesarrollado típico", que se volvió cada
vez menos real a medida que el desarrollo proseguía a tasas muy
diferentes y asumía formas muy distintas en los diversos países de la
América Latina, Asia y África. La ley del desarrollo desigual de Lenin,
formulada originalmente para las grandes potencias imperialistas, se
aplicaba al Tercer Mundo. (…) El concepto de un cuerpo unificado
de análisis y de recomendaciones de políticas para todos los
países subdesarrollados, que contribuyó en buena medida al
surgimiento de la subdisciplina, se convirtió en cierto sentido en
una víctima del éxito mismo del desarrollo y de su desigualdad.
(…)Lo que pareció una incapacidad para montar un contraataque
vigoroso contra la alianza no santa de neomarxistas y neoclásicos pudo
haberse derivado de una duda creciente en las propias fuerzas, basada
en desgracias mucho más graves que la "mala asignación de recursos"
de los neoclásicos o la "nueva dependencia" de los neomarxistas. No
todo el grande y talentoso grupo de economistas del desarrollo
que se, había formado en la nueva rama del conocimiento
enmudeció de repente. Muchos se retiraron de la posición de
que "todas las cosas juntas son buenas" ala de "la buena ciencia
económica es buena para el pueblo". En otras palabras, en lugar de
suponer que el desarrollo económico haría progresar otros campos,
estos autores consideraron legítima una operación basada en un
supuesto implícito del óptimo de Pareto: como las reparaciones de
la plomería o el mejoramiento del control del tránsito, los esfuerzos

830
FRAGMENTOS

técnicos de los economistas mejorarían las cosas en un área al


mismo tiempo que, en el peor de los casos, dejaban otras cosas sin
cambio alguno, de modo que la sociedad en su conjunto mejoraría.
La política del desarrollo económico se degradaba aquí, en efecto, a
una tarea técnica ocupada exclusivamente de los mejoramientos de
la eficiencia. Se creaba y buscaba así la ilusión de que al limitarse a
los problemas pequeños, eminentemente técnicos, la economía del
desarrollo podría seguir adelante a pesar de los cataclismos políticos.
(Grifos nossos).

Nova economia regional, ou variações em torno do mesmo


tema?

Em termos internacionais, o aparente esgotamento do modelo


“fordista” de produção5 e as transformações dos processos produtivos
a partir da década de 1970, demonstrado pelo declínio persistente
de regiões fortemente industrializadas (BENKO & LIPIETZ, 1995), e
a expansão econômica de novas regiões (STORPER & SCOTT, 1995),
conduziram, a partir da década de 1990, a substanciais mudanças
nas teorias e políticas de desenvolvimento regional.
Porém, aos apressados em incluir o Brasil nos novos estágios
que são identificados para a evolução econômica e industrial dos
países do primeiro mundo, como o pós-fordismo, por exemplo, vale
observar a seguinte colocação de Lipietz (1995): “el porvenir de Brasil
queda abierto a tres posibilidades: una vuelta al taylorismo primitivo,
una consolidación del fordismo periférico e incluso una evolución hacia
el fordismo con evoluciones locales hacia los aspectos toyotistas”.
No curso das mudanças que se registraram no primeiro
5 Segundo Martinelli e Schoenberger, apud Benko (1994, p.103) este esgotamento é mais
ficção do que realidade. Elas afirmam que, para os oligopólios e para as empresas gigantes,
produção e concorrência são perfeitamente compatíveis com um aumento da flexibilidade. Da
mesma forma Bussato e Costa Pinto (2005) acrescentam que o movimento de reestruturação
produtiva (flexibilização/fragmentação da produção) se vincula a uma nova divisão internacio-
nal do trabalho, associada, muito mais, à descentralização da produção da grande firma, man-
tendo ou até mesmo ampliando o controle, do que aos movimentos autônomos das pequenas
e médias empresas, estruturadas em novos distritos industriais marshallianos

831
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

mundo, foram construídos novos aportes teóricos em parte devidos


à “descoberta” dos distritos industriais marshalianos na Terceira Itália
por Arnaldo Bagnasco (1977), Carlos Triglia (1986) e Sebastiano
Brusco (1986) e ao trabalho seminal de Michael Piore e Charles Sobel
(1984) com a proposta de um novo paradigma tecnológico, o da
especialização flexível, cuja forma especial seria o distrito industrial·,
complementada por inúmeras outras contribuições importantes
de Becattini (1989) Scott e Storper (1986) e Walker (1989), sendo
lançadas as bases de uma nova teoria do desenvolvimento.
A questão dos desequilíbrios regionais e do subdesenvolvimento,
que se agravaram a partir da nova ordem produtiva internacional,
passaram a ser objeto de novas abordagens que corresponderam a
duas categorias analíticas relativas aos enfoques do desenvolvimento
sustentável e do desenvolvimento local.
O enfoque do desenvolvimento sustentável surgiu logo após
a Conferência sobre o Meio Ambiente em Estocolmo promovida pela
ONU em 1972. Foi gerado como uma reação de vários intelectuais,
às propostas de Donella H. Meadows, Dennis L. Meadows, Jürgen
Randers, e William W. Behrens III, pesquisadores do "Clube de Roma,"
os quais, no estudo Limites do Crescimento, produzido em 1973,
concluíam que, mantidos os níveis de industrialização, poluição,
produção de alimentos e exploração dos recursos naturais, o limite
de desenvolvimento do planeta seria atingido, no máximo, em 100
anos. O estudo recorria ao neo-malthusianismo como solução para
a iminente "catástrofe" mundial. Intelectuais, dos próprios países
desenvolvidos, consideraram que em sua tese sombria Meadows
e o seu grupo estavam preconizando o fim do crescimento da
sociedade industrial e das perspectivas dos países subdesenvolvidos,
visto que a partir dela, se motivaria o bloqueio do desenvolvimento
dos países pobres, com uma justificativa ecológica. Entre os
opositores a Meadows destacam-se o canadense Maurice Strong
que lançou em 1973 o conceito de eco-desenvolvimento, cujos
princípios foram formulados por Ignacy Sachs. Como uma derivação
do conceito, surgiu, em 1987, a expressão desenvolvimento
sustentável adotada pela Comissão Mundial sobre Meio Ambiente
e Desenvolvimento (CMMAD), presidida por Gro Harlem Brundtland,

832
FRAGMENTOS

na época primeira-ministra da Noruega, em seu relatório Our


Common Future também conhecido como Relatório Brundtland. Esse
novo conceito foi definitivamente incorporado como um princípio
durante a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e
Desenvolvimento - a Cúpula da Terra de 1992 (Eco-92) - no Rio de
Janeiro. Segundo Ignacy Sachs os caminhos do desenvolvimento
seriam seis: satisfação das necessidades básicas; solidariedade com as
gerações futuras; participação da população envolvida; preservação
dos recursos naturais e do meio ambiente; elaboração de um
sistema social que garanta emprego, segurança social e respeito a
outras culturas; programas de educação. Constitui assim a grande
preocupação dos adeptos do desenvolvimento sustentável, o futuro
das novas gerações e a premência de políticas que possam conduzir
a humanidade a um desenvolvimento harmônico e, prioritariamente,
sustentável nos períodos vindouros.
Há, porém quem discorde de certas aplicações dos conceitos
de sustentabilidade. Este é o caso de Herman Daly, um dos criadores
do conceito de crescimento deseconômico6. Segundo Mander e
Goldsmith (1996, p. 207) Daly afirma que o crescimento econômico
sustentável simplesmente já não é uma opção tida como séria.
Nem o é o desenvolvimento, pelo menos no sentido em que o termo
é utilizado (envolvendo crescente exploração dos recursos). Daly
acredita ser possível e desejável um desenvolvimento qualitativo, que
aumente a qualidade de vida das pessoas, sem exploração excessiva
dos recursos e, portanto sem aumentar o impacto no ambiente
natural.
Daly, apud Mander e Goldsmith (1996, p.208) afirma que nas
suas dimensões físicas, a economia é um subsistema do ecossistema
da Terra, que é finito, não expansível e materialmente fechado. À
medida que cresce, o subsistema econômico incorpora uma cada
vez maior proporção do ecossistema total em si, querendo atingir o
limite, a 100 por cento. Então, o seu crescimento não é sustentável.
O termo crescimento sustentável quando aplicado à economia é
um mau oximoro - contraditório enquanto narrativa, não evocativo

6 O crescimento deseconômico ocorre quando o incremento na produção acontece com um


custo em recursos e em bem-estar maior do que o dos itens produzidos.

833
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

enquanto poesia. Ainda segundo Daly:


(…) os economistas dirão que o crescimento no PNB é uma
mistura de aumentos quantitativos e qualitativos e por isso não
sujeito a leis físicas. E têm alguma razão. Mudanças quantitativas e
qualitativas são coisas muito diferentes, sendo por isso melhor estar
separadas e conhecidas por nomes diferentes quando as procuramos
num dicionário. Crescer significa aumentar naturalmente no
tamanho, com a adição de material através de assimilação ou
acreção, Desenvolver significa expandir ou realizar o potencial
de; fomentar gradualmente para um estádio mais pleno, maior,
ou melhor. Quando alguma coisa cresce, fica maior. Quando algo
se desenvolve, fica diferente. O ecossistema da Terra desenvolve-se,
mas não cresce. O seu subsistema, a economia, deve eventualmente
parar de crescer, mas continuar a desenvolver-se. O termo
desenvolvimento sustentável, portanto, faz sentido quando
usado em economia, mas apenas se for compreendido como
desenvolvimento sem crescimento - melhoramento qualitativo
de uma base económica física que é mantida numa situação estável
através de uma exploração de matéria-energia dentro das capacidades
regenerativas e assimilativas do ecossistema. Actualmente o termo
desenvolvimento sustentável é usado como sinónimo para o
oximoro crescimento sustentável. Deve ser salvo deste engano.
(p.208). Grifos nossos.
Não obstante, é o enfoque do desenvolvimento local
que predomina no exame do contexto regional, influenciando as
proposições de políticas para o enfrentamento dos problemas gerados
pelas desigualdades regionais. Este enfoque ganhou substancial
alento na Europa, mercê do seu processo de unificação política e,
sobretudo econômica, quando as propostas de desenvolvimento local
encontraram espaço para aplicação devido à conjuntura favorável (na
época) e aos substanciais recursos disponíveis para o financiamento
de projetos dos sistemas produtivos locais que até então operavam
em condições precárias7.
Na verdade, o desenvolvimento local apresenta-se menos

7 Programa Leader da União Européia.

834
FRAGMENTOS

como uma teoria do desenvolvimento da região do que como um


paradigma novo do desenvolvimento: desenvolvimento endógeno,
territorial, autocentrado, desenvolvimento “por baixo”, opondo-se
ao desenvolvimento por cima, que fundava as práticas anteriores.
O desenvolvimento local preconiza a flexibilidade opondo-se à
rigidez das formas de organização clássica; uma estratégia de
diversificação e de enriquecimento das atividades sobre um dado
território com base na mobilização de seus recursos (naturais,
humanos e econômicos) e de suas energias, opondo-se as estratégias
centralizadas de manejamento do território.(...) O desenvolvimento
local tem conteúdo regional ou mesmo microrregional nos países
desenvolvidos, mas pode ser aplicado no Terceiro Mundo a países em
seu conjunto (BENKO 1999, p. 228). 8
Com bastante propriedade, já em 1998, Gonzalez preocupado
com o rigor cientifico, na abordagem desta questão, alertava
quanto a um problema de base que consistia em: “diferenciar lo
que significa el término local. (…) Se debe partir del presupuesto
inicial que desarrollo local no equivale a desarrollo localizado,9
siendo necesario no confundir estos términos si se quiere asimilar los
principales presupuestos del D.L. (GONZALEZ, 1998, p.5)
O desenvolvimento localizado na opinião de González (1998)
trata-se de um desenvolvimento econômico e social, localizado em
um espaço concreto dentro de uma dinâmica geral cambiante. É um
processo geral que afeta todas as estruturas produtivas e sociais
e que se distribuí por todos os territórios afetados pelo mesmo.
Já o desenvolvimento local (endógeno) “ es un proceso diferente
en el sentido que es voluntario y concertado por una colectividad en
la que se pone em marcha un proceso diferenciado de su entorno
próximo, mediante la introducción de puntos innovadores que
añaden valor añadido a sus actividades productivas y cotidianas
(GONZALEZ, 1998 p.5). Grifo nosso.

8 Segundo Arocena (1995)… desde nuestra óptica, el desarrollo local no dispone de un cuerpo
teórico propio o autónomo de las “teorías del desarrollo”. Por el contrario, existen diversas
teorías del desarrollo que tienen diferentes implicancias en su forma de ver lo local.
9 Ainda existe muita confusão conceitual em torno do que seja desenvolvimento local. O
desenvolvimento local no entendimento de Gonzalez corresponde ao que alguns estudiosos,
no Brasil, denominam de desenvolvimento endógeno.

835
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

Numa crítica que consideramos procedente ao “localismo”,


Brandão (2002) afirma ironicamente que o espaço local e regional
tudo pode, segundo esta posição que atualmente domina o debate,
posto que “o âmbito urbano-regional é hoje o ‘marco natural’
da atividade econômica. É mais que a empresa, cada vez mais
dependente de seus entornos e das sinergias deste; é mais que o
Estado-nação, desbordado pelos processos de globalização e menos
capaz de articular-se com a diversidade dos atores econômico sociais
privados” (Borja & Castells, 1997: 250).
Entende-se também o desenvolvimento endógeno como
um processo de crescimento e mudança estrutural que se produz
como consequência das transferências de recursos das atividades
tradicionais para as modernas; da utilização de economias externas
e da introdução de inovações o que gera o aumento do bem estar
da população de uma cidade. En ese sentido, el desarrollo local es
un proceso mucho más socio-político que económico en sentido
estricto. Los desafíos son mucho más de articulación de actores y
capital social, que de gestión local (Gallicchio, 2004).
Baquero (1999) afirma que a despeito de não depender
especificamente da gestão governamental, os processos de
desenvolvimento endógeno ocorrem graças à utilização produtiva do
potencial de desenvolvimento que é gerado quando as instituições e
mecanismos de regulação do território funcionam eficientemente.
Mas é importante notar que estes processos de desenvolvimento
dependem, e muito, das construções sociais, que se expressam nas
dimensões simbólicas. Assim sendo, no seu planejamento não podem
deixar de ser levados em consideração fatores intangíveis que regem
determinada comunidade, tais como os valores, as crenças, os ritos, a
tradição, os conhecimentos atávicos, a confiança na relação comunidade
/ agentes, e as experiências coletivas marcantes que resultam numa
teia comportamental, normalmente denominada de cultura.
O desenvolvimento endógeno também obedece a uma visão
territorial (e não funcional) dos processos de crescimento e mudança
estrutural, que parte de uma hipótese de que o território não é
apenas um mero suporte físico dos objetos, atividades e processos

836
FRAGMENTOS

econômicos, mas também que é um agente de transformação local.


Observa-se a marca da teoria Schumpteriana do
desenvolvimento capitalista em toda a formulação básica desta
“teoria” do desenvolvimento endógeno. Uma teoria que não se
aplica aos países subdesenvolvidos, notadamente às suas regiões
mais atrasadas, como no caso do Nordeste Brasileiro o estado da Bahia.
Souza (1999, p.189) afirma que “a teoria schumpteriana
é mais adequada para países com elevado estoque potencial de
empresários, com disponibilidade de capitais emprestáveis e com
grandes possibilidades de criar novas tecnologias próprias”. E conclui
dizendo que “essas condições nem sempre se verificam nos países
subdesenvolvidos. E o problema da teoria schumpteriana, como
de qualquer outra teoria sobre o desenvolvimento econômico é a
dificuldade da sua generalização” (Grifo nosso). Isto nos remete às
observações de Hirschman, comentadas anteriormente.
Vale repetir, então, que sem um prévio estoque local de
capital humano qualificado torna-se impossível a ocorrência do
desenvolvimento endógeno que depende no que tange a este capital
humano, de um processo típico de embeddedness ou enraizamento
na comunidade. A inexistência desta cumplicidade é uma restrição
que torna inviável a ocorrência de processos de desenvolvimento
endógeno em muitos estados brasileiros, notadamente os do Norte e
Nordeste e em particular a Bahia.
Esta impossibilidade ou inviabilidade exige que nas análises
urbanas se leve em conta a observação de Pedrão (2002) de que o
lado econômico não pode ser plenamente exposto, sem que se
reconheçam seus nexos sociológicos e antropológicos. Ou seja,
os relacionamentos que têm lugar nas cidades, no nível das práticas
e no das instituições urbanas, com seus efeitos na ação dos agentes
urbanos nos processos de produção e do consumo.
Na análise de cidades em diferentes contextos é oportuno
o registro da observação de Hirschman (1958), de que, tanto no
sentido geográfico quanto no econômico, o desenvolvimento
constitui um processo necessariamente desequilibrado. A expansão
continuada do desenvolvimento em torno de uma cidade, região

837
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

ou país pode representar o atraso sobre outra cidade, região ou


país qualquer. A ausência da percepção desta peculiaridade tem
comprometido muitos projetos que desperdiçam as possibilidades de
formação de redes ou de criação de efeitos linkage em relações de
complementaridade.
Nevertheless, our diagnosis has one special characteristic: it
is not concerned with the lack of one or even of a several needed
factors or elements (capital, education, etc.) that must be combined
with other elements to produce economic development, but with the
deficiency in the combining process itself. Our diagnosis is simply
that countries fail to take advantage of their development potential
because, for reasons largely related to their image of change, they
find it difficult to take the decisions needed for development in the
required number and at the required speed (HIRSCHMAN, 1958, p.
25). (Grifo nosso).
Ao tratar-se de estudos relacionados com as perspectivas de
desenvolvimento de núcleos urbanos, torna-se importante observar
que o conceito de urbanização está ligado ao uso do solo e ao
processo de apropriação do espaço geográfico a nível econômico e
cultural.
Segundo Pedrão (2002, p. 20) na análise urbana, os processos
sociais têm que ser datados e localizados, postos em perspectiva do
espaço-tempo real dos acontecimentos que perfazem a experiência
de cada cidade e em sua relação com as demais.
Entende-se que há processos próprios de cada cidade, que
se projetam no movimento geral da urbanização, confirmando ou
modificando as posições de cada uma delas no sistema de cidades.
Assim, os movimentos que criam e transformam cidades têm efeitos
que se estendem além de qualquer cidade em particular e interessam
à sociedade em seu conjunto. Isto é o que afirma Rochefort (1998,
p. 19) quando aborda o estudo da rede urbana e de uma região: “ o
espaço não se recorta em zonas simples e autônomas comandadas
por um centro urbano dotado de todos os equipamentos necessários
à vida dessa porção de espaço.” E acrescenta que “o estudo dessa
realidade geográfica repousa, por conseguinte, em primeiro

838
FRAGMENTOS

lugar, na análise dos tipos de centros de serviços e de suas


respectivas zonas de influência, apreendendo-os nas suas relações
recíprocas, e depois na organização do espaço que dai resulta do
duplo ponto de vista da localização dos diferentes centros e da
divisão do espaço em zonas organizadas”. (Grifo nosso)
Nas pesquisas que, em seus resultados esperados, deverão
contribuir para o aperfeiçoamento do processo de planejamento
regional com ênfase na dinâmica do local, torna-se necessário
destacar que, segundo Birkholz (1983) se o planejamento territorial
é a expressão espacial dos planos de natureza econômica e social,
todos os planos de natureza econômica, social e territorial devem
ser formulados integralmente considerando suas interdependências,
como também é imprescindível a inter-relação entre os planos
nacionais, regionais, sub-regionais e locais. Vale também lembrar
a observação de Singer (1975, p. 148;151), ao considerar que: “a
vocação de uma região depende de sua história, de seus aspectos
naturais, de sua localização e da vontade política de quem dirige
os seus destinos” e a “racionalidade do planejamento consiste em
promover as atividades que correspondem à vocação da metrópole
superando eventuais obstáculos que a economia de mercado não
pode vencer espontaneamente”. Singer também adverte que “há
um movimento centro-periferia e periferia-centro, formando uma
rede urbana em constante processo de transformação distribuindo
recursos de formas desiguais que requerem novas transformações
e garantem a hegemonia das grandes cidades na rede urbana.”
(SINGER, 1975).(Grifos nossos).
Porém o que mais importa no planejamento é que a sua
base teórica explique e reflita a realidade estudada. A construção
desta base a partir de experiências forjadas em outros países,
com realidades diferenciadas, exige que se promovam estudos
comparativos e intercâmbio de experiências, objetivando a criação de
mecanismos de ajustamento e estratégias de ação compatíveis com a
realidade objeto da aplicação dos estudos
Desde a década de 1980 vêm sendo intensificados no Brasil
programas de desenvolvimento local sob a liderança do Banco
Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), do

839
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE)


e com ativa participação de outros organismos de fomento regionais
federais e estaduais.
Os programas em execução foram conceitualmente
influenciados pela experiência aglomerativa dos distritos industriais
italianos e do Vale do Silício, na Califórnia, no âmbito do paradigma
da especialização flexível.10 A despeito da existência de produção
teórica amplamente diversificada no país, sobretudo na área
acadêmica, destaca-se a contribuição do Instituto de Economia da
Universidade Federal do Rio de Janeiro (IE/UFRJ) que vem, há muitos
anos, com o apoio de organismos internacionais desenvolvendo
projetos de pesquisa na área da inovação. O IE/UFRJ opera a Rede de
Pesquisa em Sistemas Produtivos e Inovativos Locais (RedeSist) uma
rede de pesquisa interdisciplinar que conta com a participação de
várias universidades e institutos de pesquisa no Brasil e organizações
do exterior.
A abordagem do problema no Brasil iniciou-se com o conceito
de cluster. Segundo define a RedeSist o termo cluster associa-se à
tradição anglo-americana e, genericamente, refere-se a aglomerados
de empresas, desenvolvendo atividades similares. Ao longo de seu
desenvolvimento, o conceito ganhou nuances de interpretação. No
âmbito da teoria neoclássica, a nova geografia econômica utiliza o
termo como simples aglomeração de empresas (a abordagem de
Krugman). Este termo ainda é bastante utilizado no país, notadamente
pelo apelo que representa sobre os nativos as expressões na língua
inglesa. Posteriormente surgem os arranjos produtivos locais,
conhecidos pela sigla APL uma versão brasileira. Em 2003 a RedeSist
assim o definia: “(…) são aglomerações territoriais de agentes
econômicos, políticos e sociais - com foco em um conjunto específico
de atividades econômicas - que apresentam vínculos mesmo que
incipientes.” (Grifo nosso)
O argumento básico do enfoque conceitual e analítico
adotado pela RedeSist era de que: “onde houver produção de
qualquer bem ou serviço haverá sempre um arranjo em torno da

10 Que mais parece um modismo do que uma construção teórica a ser levada a sério.

840
FRAGMENTOS

mesma, envolvendo atividades e atores relacionados à aquisição de


matérias-primas, máquinas e demais insumos” (REDESIST, 2005). Esta
interpretação, que nos parece muito extensiva, serviu de justificativa
para os projetos mais exóticos de fomento às APLs nas regiões
menos desenvolvidas do país.
Na tradição brasileira de solução dos problemas por decreto,
existem formalmente no papel muitos projetos desta natureza e,
sob este escopo, constituem na prática, muitas vezes, factóides ou
elementos embrionários. Como exemplo do que já ocorreu com outros
termos no passado, são expressões de palavras totêmicas, como,
por exemplo: polo, desenvolvimento local, apls, desenvolvimento
endógeno, e geração de emprego e renda que contagiam o país
e são colocadas nos palanques políticos e difundidas pela mídia.
E todo administrador de projetos, notadamente no setor público,
corre atrás dos seus clusters, apls etc., sem importar-se muito com os
fundamentos teóricos da questão. Aspectos culturais, sociológicos,
tecnológicos etc. são ignorados e numa perspectiva orwerliana
reescreve-se a história ajustando a realidade à necessidade midiática
e política dos protagonistas, sem qualquer consideração pela
fragilidade, inadequação e até a inexistência dos atores principais.
Na Bahia, por exemplo, foram “identificados” 14 APLS pelo
Governo do Estado.11 Na prática são todos factóides. Observe-se o
seguinte trecho de avaliação elaborado pela própria Redesist: “(...)
a pouca interação empresarial e as escassas articulações entre as
empresas e com outras instituições, como universidades e centros de
pesquisas, dificultam ações que estimulem uma maior cooperação local
e a competitividade”. Observa-se, assim, que “existe pouca iniciativa
em direção à cooperação por parte dos próprios empresários.”
As empresas dos APLs, de modo geral, “ainda não perceberam
as oportunidades de atuarem de forma articulada e próximas as
universidades, centros de pesquisa e outras instituições locais”. De
maneira compatível com a tipologia apresentada por Tommaso e
Dubbini (2000), e diante de outras características das empresas
presentes nos APLs apoiados, de acordo com a tipologia proposta
por Mitelka e Farinelli (2005), “pode-se, em linhas gerais, classificar os

11 Em um projeto vinculado à Redesist e financiado pelo Banco Mundial

841
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

APLs locais nas áreas de piscicultura, caprinovinocultura, sisal, rochas


ornamentais e derivados de cana como sendo “aglomerados informais
que reúnem micro e pequenas empresas com nível tecnológico
relativamente baixo em relação à fronteira tecnológica da indústria
ou à articulação interempresarial que gera a dinâmica dos APLs”. De
modo geral “impera a produção familiar, os proprietários possuem
limitada capacidade gerencial. Os trabalhadores geralmente possuem
baixa qualificação e pouco ou nenhum aprendizado contínuo é
oferecido de forma a promover uma melhoria sustentada das suas
habilidades.” Ainda de acordo com as autoras, nesses aglomerados
“a coordenação e a formação de redes entre empresas tendem a ser
fracas e caracterizam-se por uma perspectiva limitada de crescimento,
competição acirrada, pouca confiança e baixo compartilhamento
de informações”. Ainda de acordo com a tipologia proposta
pelas autoras, os APLs de TI, fornecedores da cadeia automotiva,
confecções, transformações plástica, fruticultura e turismo podem
se enquadrar como aglomerados organizados, onde existe alguma
interação entre os atores locais. “Pode-se observar, também, de
forma bastante tímida, alguma coordenação local, mão-de-obra
com certa qualificação, presença de capacidade gerencial, mas não
se verifica uma capacidade inovativa contínua. (REDESIST, 2009)”
(Grifos nossos).
Não se objetiva negar os esforços de promoção do
desenvolvimento local que existem desde os anos 60 do século
passado, mobilizados notavelmente pela antiga SUDENE12, que
foi buscar na Índia e na Holanda modelos de intervenção que se
ajustassem à realidade nordestina das pequenas e médias empresas
com a formação nos estados dos núcleos de apoio industriais (Nais)
embriões do que viria a ser o SEBRAE.13
Na prática o que ocorre é uma mudança de rótulo, com o olho
nas necessidades de aparecer na mídia com uma “novidade”.

12 A Sudene que existiu até o final da década de 1960 e que foi destruída pelo golpe militar
de 1964.
13 Este é um capítulo interessante da história das políticas de fomento ao desenvolvimento
regional que ainda não foi contado.

842
FRAGMENTOS

As dimensões de um desenvolvimento inviável.

Ao tratar-se das questões relacionadas com o desenvolvimento,


notadamente o regional, não se pode deixar de considerar a
observação de Furtado (1979), de que este consiste em um processo
que passa por diversas fases onde devem ser observadas pelo menos
três dimensões:

1) a dimensão do incremento da eficácia do sistema social de


produção;
2) a dimensão da satisfação das necessidades elementares da
população;
3) a dimensão da consecução de objetivos aos quais aspiram
grupos dominantes de uma sociedade e que competem
com a utilização de recursos escassos.

Também Baquero (1999) e Male (2001), identificam três


dimensões importantes do desenvolvimento: a primeira de caráter
econômico, que permite aos empresários e agentes econômicos locais
usar eficientemente os fatores produtivos e alcançar os níveis de
produtividade que lhes assegura serem competitivos nos mercados;
a segunda, de cunho sociocultural, na qual os atores econômicos e
sociais se integram com as instituições locais formando um sistema
denso de relações que incorporam os valores da sociedade no
processo de desenvolvimento local endógeno; e, a terceira e última,
de caráter político, que instrumentaliza, mediante as iniciativas locais,
a criação de um entorno local que estimule a produção e favoreça o
desenvolvimento.
Observa-se, porém, que as dimensões previstas para a
ocorrência do desenvolvimento econômico, apesar do aumento da
eficiência do sistema de produção nas regiões, não constituem uma
condição suficiente para que se satisfaçam melhor as necessidades
elementares da população local. Inclusive observa-se que a
degradação das condições da vida de algumas populações

843
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

é consequência da introdução de técnicas mais avançadas


(Furtado, 1979).
A este respeito, Nurkse (1965) afirma que nos países pobres
as próprias forças do mercado perpetuam a pobreza, dado que,
para sair dela, são necessários investimentos para criar um sistema
que possibilite aumentar a produtividade dos pobres e a sua inserção
no mercado. A dificuldade desta situação decorre, não somente da
escassa poupança e do nível cultural dos pobres, mas, também, da
falta de incentivos e benefícios para a construção de estruturas que
modernizem e aglomerem atividades pouco intensivas de capital,
conferindo-lhes, não obstante, escalas de produção competitivas.
Da mesma forma, Hirschman (1958) assinala que a maioria
dos países pobres só possui recursos para inversão em alguns poucos
projetos modernos e que, portanto, podem conseguir o crescimento
equilibrado somente no longo prazo, mediante um processo sequencial
de construir primeiro uma e depois outra indústria, corrigindo em
cada passo o desequilíbrio considerado como o mais daninho para se
chegar mais próximo a uma estrutura mais equilibrada.
Assim, diante de tudo isso, como diria Arrighi (1997) existe
uma ilusão desenvolvimentista que ignora completamente o
sistema consolidado de trocas desiguais entre os países, estados
ou regiões industrializadas e os países, estados ou regiões pobres
que sobrevivem em sua periferia. Ou, como vaticinou Walerstein
(1998), que a existência da periferia e semi-periferia é essencial
para a estabilidade da economia capitalista mundial.
Na mesma linha de raciocínio, Corsi (2002) afirmava que o
destino dos países periféricos seria determinado, em grande medida,
pela dinâmica das estruturas da economia mundial, deixando em
segundo plano as determinações sociais, políticas, econômicas e
culturais, assim como as lutas sociais internas a cada país. Segundo
ele durante os últimos 25 anos, devido ao fracasso dos programas
de desenvolvimento, houve um maior distanciamento das regiões
ricas das subdesenvolvidas. E, por esta razão, o avanço alcançado por
alguns países periféricos durante os anos 50 a 70, só fez retroceder
nas décadas seguintes. Assim, o que foi alardeado neste período como

844
FRAGMENTOS

uma possibilidade de superação e atraso dos países subdesenvolvidos,


foi revertido em tendência ao desenvolvimento desigual e combinado
do sistema capitalista.
As trocas desiguais que sempre existiram e, ao que parece,
continuarão existindo entre o núcleo orgânico e a periferia, estão
caracterizadas como um mecanismo de polarização núcleo-orgânico-
periferia, na qual a mão-de-obra e o capital são elementos de
transferências unilaterais importantes e cruciais na constituição e
reprodução desta estrutura econômica capitalista mundial. Desta
forma, resolver o problema entre o núcleo orgânico e a periferia
tendo como foco principal a industrialização é uma “fonte de ilusões
desenvolvimentistas” (Arrighi, 1997).
Por isso a questão do incremento das desigualdades sociais
em escala mundial é bastante complexa e não pode, de maneira
simplista, ser reduzida ao incremento da desigualdade entre
regiões pobres e ricas do mundo. O aumento da miséria não é apenas
observado nas regiões periféricas, mas também ganhou relevância em
várias regiões nos próprios países que compõem o núcleo orgânico
do sistema capitalista (ALTVATER, 1995; HOBSBAWM, 1995). Muitos
autores, entre eles Castoriadis (1982), consideravam, até há pouco
tempo atrás, com base na experiência da chamada "Era de Ouro"
do capitalismo (1945-1973), que esse problema estaria superado
nos países desenvolvidos, mostrando que o sistema capitalista
poderia vencer a pobreza. Estavam enganados. As contradições
e desigualdades, que estão presentes de forma marcante em um
mundo cada vez mais integrado, também aparecem no interior de
cada país e de cada cidade do mundo. Mesmo no centro do sistema.
Ou seja, o contraste entre os ricos e os pobres, presente em quase
toda grande cidade do mundo é similar ao que se manifesta entre as
regiões pobres e ricas do planeta.
É importante afirmar, a partir dessa realidade que, tanto
os países centrais quanto os periféricos necessitam apoiar-se em
políticas que combinem uma acelerada formação de capital humano
associada a esforços que busquem promover o desenvolvimento
tecnológico voltado para o comércio exterior, orientado para acelerar
os ganhos de competitividade. Observa-se, dessa forma, que nenhum

845
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

país avançado chegou ao seu nível de desenvolvimento econômico


e social, sem o suporte da ciência e tecnologia (C&T), visto que não
existe o primeiro (desenvolvimento), sem a contribuição do segundo
(C&T).
Assim sendo, o principal objetivo de uma política de fomento
é o de promover sistemas produtivos eficientes, baseados também
em setores como o de serviços, tornando-os capazes de acompanhar
a dinâmica do progresso técnico internacional, promovendo o bem-
estar geral da sociedade como um todo.

Crescimento econômico, formação de enclaves e


desenvolvimento na Bahia

Segundo Eduardo Giannetti da Fonseca (1992, p.77) na sua


leitura sobre o papel do capital humano na filosofia de Alfred Marshall,
a análise do papel do capital humano no processo econômico baseia-
se na ideia de que, para aumentar a produção per capita e vencer
o atraso econômico, é necessário investir no fator de produção
homem. Existe uma estreita relação entre nutrição, saúde e educação,
de um lado, e capacidade de trabalho, iniciativa e inovação de outro.
A pobreza e a incompetência estão intimamente interligadas em
nível microeconômico.
Certamente aqui se encontra a razão da dificuldade de
promover-se o desenvolvimento econômico de regiões como o
Nordeste brasileiro e no caso especificamente a Bahia. Na introdução
deste trabalho apresentamos estatísticas relacionadas com a pobreza
no estado, cabe agora adicionar outros elementos relacionados com
a educação popular.
Segundo os dados do IBGE/PNAD na Bahia, em 2009, 1,8
milhão de baianos com 15 anos ou mais são analfabetos absolutos.
Não sabem ler e escrever, o que corresponde a 16,7% da população
do Estado nesta faixa etária. Na população economicamente ativa,
55,4% não possui ensino fundamental completo, não passam da
quarta série. São analfabetos funcionais. Em síntese 7 pessoas em

846
FRAGMENTOS

cada 10 na Bahia estão incapacitadas para desenvolver qualquer tipo


de trabalho qualificado.
O quadro aqui descrito, que, pasmem, já foi muito pior no final
do século passado, é produto da ausência de uma política de formação
de capital humano a partir da educação básica que é da pior qualidade
no estado; do desaparelhamento das universidades confinadas a
uma produção medíocre de conhecimentos e pouca interação com a
sociedade, associados à carência de investimentos em capital físico ou,
mais precisamente, em infraestrutura, uma vez que a região precisa
criar condições favoráveis à formação de aglomerações de atividades
mercantis, cidades de porte médio, além de externalidades para o capital
privado (redução dos custos de transação, de produção e de transporte;
acesso a mercados, etc.).
A deficiência de capital humano pode ser expressa pela ausência
de empresários locais com vocação industrial. Para suprir esta carência
estrutural de empreendedores, segundo os padrões schumpeterianos,
coube ao Estado o ônus de importá-los de outras regiões do que
resultou a formação de vários pequenos enclaves e a implantação de
muitas empresas do gênero footloose sem qualquer compromisso local
ou regional.
Agravando o quadro insiram-se as limitações do mercado
provocadas pela pobreza da maioria da população baiana.
Com todas estas limitações a Bahia, a partir da década de 1970,
apostou todas as suas fichas no fomento à industrialização. Utilizou
como armas as políticas de incentivos fiscais e da oferta de externalidades
geradas a partir da construção de distritos industriais no interior e da
implantação de polos de desenvolvimento, intermediado por complexos
produtores na área da metalurgia, petroquímica e metais não-ferrosos.
A opção pela criação de polos de desenvolvimento, no entanto,
mostrou-se inadequada, já que a condição de polo decorre da capacidade
de inovação da indústria motriz e de uma estrutura jurídico-administrativa
endógena, responsável pela ação motriz-inovadora, inexistentes nos
modelos baianos que acabaram sendo geridos por grupos empresariais
externos sem maiores comprometimentos com a região.
A promoção da industrialização, baseada na teoria de polos

847
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

de desenvolvimento a la Perroux (1961), não conseguiu criar as


condições necessárias para a sua implantação. Isto porque o princípio
da constituição de uma região polarizadora supõe um nível de
geração de demanda induzida suficiente para estabelecer uma forte
complementaridade produtiva via trocas intrarregionais de insumo-
produto, os backward linkage effects, e os forward linkage effects
estudados por Hirschman.
O ambiente regional perrouxiano constituído requeria que
os sistemas produtivos fossem geradores de externalidades via
interdependências setoriais e complementaridades produtivas da
rede urbana regional, para que eles pudessem criar um mecanismo de
retroalimentação entre sua base exportadora, o crescimento da renda
regional e as atividades residenciais. Nesse sentido, a maior restrição
para os sistemas produtivos periféricos capturarem as externalidades
perrouxianas, em nível nacional, é a forte segmentação regional dos
mesmos, expressa pela predominância de regiões de baixa renda e a
distribuição significativamente desigual da renda regional.
Desta forma, na prática, a experiência baiana de industrialização
apresentou dificuldades de aplicação dos princípios da polarização
para a promoção do desenvolvimento regional, visto que a “Teoria da
Localização” e a “Teoria dos Polos” fornecem explicações que não se
vinculam entre si e são de harmonização complicada.
Assim sendo a Bahia cresceu economicamente, mediante
a formação de enclaves, especialização na produção de bens
intermediários, importação de empresas, empresários e mão de
obra qualificada o que, naturalmente não contribuiu para o seu
desenvolvimento lato sensu. Isto porque, a despeito do aparente
progresso material e dos avanços tecnológicos espelhados em alguns
segmentos, o conjunto dos benefícios gerados por tais iniciativas
nunca estiveram disponíveis para os milhões de excluídos que
constituem, preponderantemente, a população estadual.

848
FRAGMENTOS

Conclusão

De tudo que foi dito resta concluir que a única saída para
a promoção do desenvolvimento econômico da Bahia e das demais
regiões atrasadas do Nordeste brasileiro concentra-se na mobilização
de esforços consistentes e eficazes de formação de capital
humano de qualidade e da criação de mecanismos que evitem os
vazamentos e retenham este capital no território.14
Mas, contrariando nosso sôfrego imediatismo, temos
que aprender com Aristóteles, Darwin e Marshall que também na
economia Natura non facit saltum. Ou como diz Eduardo Giannetti
da Fonseca (1992, p. 85) não existe nenhuma fórmula mágica ou
plano mirabolante que permita elevar da noite para o dia a eficiência
dos esforços produtivos. O processo de formação de capital humano
e crescimento orgânico descrito por Marshall é por natureza lento
Diante do exposto, conclui-se também que a teoria do
desenvolvimento local e endógeno não se aplica na semi-periferia.
Isto porque não existe espaço, recursos humanos e institucionais
qualificados para o surgimento espontâneo dos processos de
desenvolvimento das cidades, nos moldes do modelo schumpeteriano
de crescimento que considera o progresso técnico (inovações) como
elemento fundamental.
Como a economia é afetada pelas mudanças do mundo que
a rodeia, as causas e a explicação do desenvolvimento devem ser
buscadas, também, fora dos estudos da teoria econômica. Um dos
pilares fundamentais da política de desenvolvimento local reside na
substancial melhoria de qualificação dos recursos humanos por meio
da adequação da oferta de capacitação às necessidades dos diferentes
sistemas produtivos locais. A isto se podem associar iniciativas que
favoreçam a difusão das inovações no tecido produtivo da localidade
ou do território.

14 Neste caso específico é importante observar que geograficamente, no Brasil, a Bahia cons-
titui “um estado de meio”. É passagem obrigatória dos fluxos migratórios que se deslocam do
Nordeste para o Sudeste?/Sul e vice-versa, que contribuem para ampliar exogenamente os seus
números de pobreza.

849
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

Também se pode e deve esquecer determinados pré-requisitos


da teoria do desenvolvimento endógeno, certas regras tecnológicas
da inovação e o fantasma da globalização, cujos arautos pretendem
transformar cada local numa função do mundo – o que é uma
fantasia até certo ponto irresponsável – e ajustarmos nossas técnicas
e procedimentos à nossa realidade. Podemos e devemos como faz
com muita competência o SEBRAE, produzir efeitos catalisadores
de modernidade (sem violentar a cultura local) em comunidades
artesanais, como ocorre com as rendeiras do Nordeste e outras
atividades artesanais. Quando trabalhamos sem paternalismo
as atividades enraizadas histórica e culturalmente no seio das
comunidades, não corremos o risco da alta mortalidade que assola as
pequenas e médias empresas fomentadas Brasil afora, sem maiores
critérios de avaliação sociológica.
Apesar da criação de um ambiente inovativo constituir
uma medida de longo prazo caracterizada pelo engajamento
gradativo das pessoas de boa qualificação nas causas de inovação e
modernização tecnológica, mediante programas de qualificação seja
de pessoal, seja das atividades técnicas e produtivas e, principalmente,
a indução da cooperação entre os atores envolvidos, seja entre
firmas competidoras ou entre usuários e produtores, existe um grau
elevado de inovação primitiva que se observada segundo padrões
sociológicos e antropológicos poderá ser fomentada e certamente
produzirá resultados alentadores.
Desta forma, como alertou o eminente professor Hirschman
a retomada da discussão acerca do desenvolvimento parece
indispensável nos dias de hoje, seja em razão da situação de
estagnação econômica e da deterioração das condições sociais de
vastas regiões da periferia capitalista nesse contexto de globalização,
seja em razão dos próprios limites ecológicos da sociedade de
consumo. O grande desafio consiste em repensar o desenvolvimento
levando em consideração esse conjunto de problemas, despindo-se
dos preconceitos elitistas herdados do primeiro mundo e construindo
modelos e padrões econômicos coerentes com a nossa realidade.

850
FRAGMENTOS

REFERÊNCIAS

ALTVATER, E. O preço da riqueza. São Paulo: UNESP, 1995.

AMARAL FILHO, Jair do. Desenvolvimento regional endógeno em um


ambiente federalista.In: Planejamento e Políticas Públicas, nº 24, Dez
1996.

AMARAL FILHO, Jair do.A Endogeneização no Desenvolvimento Econômico


Regional. In: Anais do XXVII Encontro Nacional de Economia . ANPEC, 7
a 10 dez. 1999, Belém/PA, Anais... Belém, 1999.

AROCENA, José. El desarrollo local como desafío contemporáneo.


Montevideo: CLAEH-Nueva Sociedad, 1995.

ARRIGHI, Giovanni. A ilusão do Desenvolvimento. Petropolis: Vozes, 1997.

ARTHUR, W. B. Increasing returns and path dependence in the economy.


USA: The University of Michigan Press, 1994.

BAGNASCO, A. Tre Italie. La problematica territoriale dello sviluppo


econômico italiano. Bolonha: Il Mulino, 1977.

BAQUERO. Antonio Vazques. El cambio del modelo de desarrollo regional y los


nuevos procesos de difusión en España in: Estudios Territoriales nº20, 1986.

BAQUERO. Antonio Vazques. Desarrollo, redes e innovación. Lecciones


sobre desarrollo endógeno. Madrid: Editorial Pirámide, 1999.

BAQUERO. Antonio Vazques.: Desenvolvimento endógeno em tempos


de Globalização. Porto Alegre: UFRGS Editora, 2002.

BECATTINI, G. Riflessione sul distretto industrialle marshaliano come


concetto socio-economico. Stato e Mercato, n° 25, abril 1989.

BENKO, Georges; LIPIETZ, A. (Org.) As regiões ganhadoras. Oeiras, 2005.

BIRKHOLZ, Lauro Bastos. Evolução do conceito de planejamento territorial.


In: BRUNA, Gilda Collet. (Org.). Questões de organização do espaço
regional. São Paulo: Nobel: Ed. da Universidade de São Paulo, 1983.

BRANDÃO, A. B. Localismos, mitologias e banalizações na discussão


do processo de desenvolvimento. In: VII ENCONTRO NACIONAL DE
ECONOMIA POLÍTICA. Anais... Curitiba-PR, maio de 2002.

851
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

BRUSCO, S. Small firms and industrial districts: the experience of Italy, in:
KEEBLE, D.; WEVER E. (Orgs.). New firms and regional development in
Europe. Beckenham, Kent: Croom Helm, 1986.

BUSSATO,Maria Isabel; COSTA PINTO, Eduardo. A nova Geografia


Econômica: uma perspectiva regulacionista. I ENCONTRO DE ECONOMIA
BAIANA – SALVADOR-BA – SET./2005.

CANTILLON, Richard (1697/1734) Paris: Essai sur la nature du commerce


en général (1755) apud Costa in Lopes 2005.

CARDOSO, F. H. e FALETO, E. Dependência e desenvolvimento na América


Latina. Rio e Janeiro: Zahar, 1970.

CASSIOLATO, J. E. e LASTRES, H. M. M. Globalização e Inovação Localizada.


Brasília. IBICT;MCT, 2003.

CASTORIADIS, C. A instituição imaginária da sociedade. Rio de Janeiro :


Paz e Terra 1982.

CORSI, Francisco Luiz. A questão do desenvolvimento à luz da globalização


da economia capitalista. Rev. Sociol. Polit., Curitiba, n. 19, 2002.

COSTA, José Silva. (Org.) Compendio de Economia Regional. Coímbra


(Pt): APDR, 2005.

FONSECA, Eduardo Giannetti da. O capital humano na filosofía social


de Marshall.Revista de Economia Política, vol. 12, n°2 (46), abril/junho
de1992.

FRIEDMANN, J.; ALONSO. (Orgs.). Regional development and planning:


a reader. Cambridge, Mass: MIT Press, 1964.

FURTADO, Celso Creatividad y dependencia. México, D.F. Siglo Veintiuno


Editores, 1979.

GALBRAITH, John Kenneth. A era da incerteza.São Paulo: Pioneira, 1982.

GALLICCHIO, Enrique. El desarrollo local en América Latina. Estrategia


política basada en la construcción de capital social. Montevidéu: CLAEH,
2004.

GOLDEINSTEIN, Lídia. Repensando a dependência. São Paulo: Paz e Terra,


1994.

GONZÁLEZ, Román Rodríguez. La escala local del desarrollo: definición y

852
FRAGMENTOS

aspectos teóricos. Revista de Desenvolvimento Econômico, Salvador,


nº1, novembro de 1998.

HIRSCHMAN, A. The Strategy of Economic Development. New Haven:


Yale University Press, 1958.

HIRSCHMAN, A. Auge y ocaso de la teoría económica del desarrollo. El


Trimestre Económico. México: Fondo de Cultura Económica, v.47, n.188,
1980.

HOBSBAWM, E. J. A era dos extremos. O breve século XX : 1914-1991.


São Paulo : Companhia das Letras. 1995.

JEVONS, Stanley. Investigations on Currency and Finance. London: 1884.

JIMÉNEZ, Edgar M. Evolución de los Paradigmas y Modelos Interpretativos


del Desarrollo Territorial. Serie: Gestión Publica n.11/Cepal. Chile, 2001.

KALDOR, N. The case for regional policies. Scottish Journal of Political


Economy, 17, 3, p. 337-348, 1970.

KRUGMAN, Paul Geography and Trade. London: Leuven University Press/


MIT Press, 1991.

LASTRES Helena M. M. Políticas para promoção de arranjos produtivos e


inovativos locais de micro e pequenas empresas: vantagens e restrições
do conceito e equívocos usuais. Rio de Janeiro: RedeSist, 2004.

LIPIETZ, Alain El mundo del postfordismo, In Revista Nuestra Bandera/


Utopías, nº 166, Madrid - 1995.

MALÉ, Jean-Pierre. Desarrollo local, reto estratégico para Centroamérica


em el siglo XXI. El desarrollo local y descentralización em Centroamérica.
Primera Conferencia Centroamericana, San Salvador, El Salvador, 2001.

MANDER, Jerry; GOLDSMITH, Edward. Economia local, Economia global:


a controversia. Lisboa: Piaget, 1996.

MARKUSEN , Ann. et al. Second tier cities, rapid growth beyond the
metropolis. Minneapolis: Minnesota University Press, 1999.

MARKUSEN, Ann. .Área de Atração de Investimentos em Espaço Econômico


Cambiante: Uma Tipologia de Distritos Industriais. Nova Economia, v.5,
n.2. Belo Horizonte, 1995.

MARSHALL, Alfred. Princípios de Economia. Madrid: Editorial Síntesis,

853
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

2001. Primeira edição: 1890.

MEADOWS, Donella et al. Limites do crescimento. Rio de Janeiro:


Perspectiva 1973.

MYRDAL, Gunnar. Teoria econômica e regiões sub-desenvolvidas. Rio de


Janeiro: Saga, 1957.

NURKSE, Ragnar. Problemas de Formação de Capital em Países


Subdesenvolvidos. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1957.

PEDRÃO, Fernando A economia urbana. Ilhéus: Editus, 2002.

PERROUX, François. O conceito de pólo de crescimento. In: SCWARTZMANN,


J. (org. Economia regional e urbana: textos escolhidos. Belo Horizonte:
CEDEPLAR, 1977.

PIORE, Michael; SABEL, Charles. The Second Industrial Divide: Possibilities


For Prosperity. USA: Basic Book, 1984.

PONSARD, Claude. Histoire des Théories Economiques Spatiales. Rennes,


Armand Colin - CNRS, 1958.

PORTER, Michael E. A vantagem competitiva das nações. Rio de Janeiro:


Campus, 1990.

PREBISCH, R. O desenvolvimento econômico da América Latina e alguns de seus


principais problemas. Revista Brasileira de Economia. Rio de Janeiro, 1949.

REDESIST, Glossário de Arranjos e Sistemas Produtivos e Inovativos


Locais: Rio de Janeiro, 2004.

REDESIST, Rede de Sistemas Produtivos e Inovativos Locais - Instituto


de Economia da UFRJ. Mobilizando conhecimentos para desenvolver
arranjos e sistemas produtivos e inovativos locais de micro e pequenas
empresas (Glossário) Rio de Janeiro: 2005.

RESENDE, Marco Flavio da Cunha e GONÇALVES, Flávio. Uma extensão ao


modelo schumpeteriano de crescimento endógeno. – Belo Horizonte:
UFMG; CEDEPLAR, 2003.

RICHARDSON, H. W. Economia regional: teoria da localização, estrutura


urbana e crescimento regional. Rio de Janeiro, Zahar Editores, 1975.

ROCHEFORT, Michel. Redes e sistemas: ensinando sobre o urbano e a


região. São Paulo: Hucitec, 1998.

854
FRAGMENTOS

SATRÚSTEGUI, Koldo Unceta. Desarrollo, subdesarrollo, maldesarrollo


y postdesarrollo: una mirada transdisciplinar sobre el debate y sus
implicaciones. Montevideo: CLAES: Carta Latinoamericana: contribuciones
en desarrollo y sociedad en América Latina. N° 7, Abril de 2009.

SCHMITZ, H. Flexible specialization: a new paradigm of small-scale


industrialization? Sussex: IDS, 1988.

SCHUMPETER, Joseph. A teoria do desenvolvimento econômico. São


Paulo: Abril Cultural, 1985.

SILVA FILHO, Guerino Edécio da; CARVALHO, Eveline Barbosa Silva. A


teoria do crescimento endógeno e o desenvolvimento endógeno regional.
Revista Econômica do Nordeste, Fortaleza, v. 32, n. Especial p. 467-482 .

SINGER, Paul. Economia Política da Urbanização. 2. ed. São Paulo:


Editora Brasiliense, 1975. (Edições CEBRAP)

SMITH, Adam. Um inquérito sobre a causa da riqueza das nações.


Lisboa: Goulbekian, 1989.

SPINOLA, Noélio Dantaslé. A Implantação de Distritos Industriais como


Política de Fomento ao Desenvolvimento Regional: O Caso da Bahia.
Revista de Desenvolvimento Econômico Ano III. Nº 04 – Julho de 2004.
Salvador.

SPÍNOLA, Noélio Dantaslé. A trilha perdida: caminhos e descaminhos do


desenvolvimento baiano no século XX. Salvador: Unifacs, 2009.

SPÍNOLA, Noenio Dantaslé. Dinheiro, Deuses & Poder.São Paulo: BM&F,


2011

STEUART, James An inquiry into the Principles of Political Economy


(1767) apud Costa in Lopes 2005, p.35.

STÖHR, W.; TAYLOR, D.R.F. (Orgs.). Development from above or below.


Chichester: Wiley, 1981.

STORPER, Michael; SCOTT, Allen J. The wealth of regions. Market forces and
policy imperatives in local and global context. In: Futures. Vol. 27, n.º 5., 1986.

SOUZA, Nali de Jesus. Desenvolvimento Econômico – 4ª.Ed. São Paulo:


Atlas, 1999.

TRIGLIA, C. Small firm developments and political subculture in Italy, in:


European Sociological Review, 2, 161-175, 1986.

855
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

VEIGA, José Eli. O principal desafio do século XXI. 2005.

WALKER, R. The geographical organization of production systems. Society


and Space, 6, 377-408. 1989.

WALLERSTEIN, I. 1998. The Rise and Future Demise of World-Systems


Analysis Review, New York, v. XXI, n. 1, p. 103-112.

WILLIAMSON, Oliver. E. Las Instituciones Económicas del Capitalismo.


Mexico: Fondo de Cultura Económica, 1985.

856
FRAGMENTOS

ARTIGO

PRODUÇÕES CULTURAIS
MARGINAIS NA CIDADE
DO SALVADOR

23
857
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

858
FRAGMENTOS

Produções Culturais Marginais na


Cidade do Salvador

NOELIO DANTASLÉ SPINOLA 1


TATIANA DE ANDRADE SPINOLA 2
NATÁLIA CARDOSO RANGEL3

Resumo
Este texto é baseado em uma pesquisa, amparada pela FAPESB, que
foi realizada na cidade do Salvador, no período compreendido entre
os anos de 2008 e 2012. Trata de um relato e análise da situação
em que se encontram alguns segmentos artesanais que sobrevivem,
economicamente falando, em termos marginais na cidade do
Salvador, merecendo destaque os produtores de instrumentos
musicais. Durante a investigação detectou-se problemas que foram
contextualizados no relatório da pesquisa e ilustrados com tabelas
e fotos que fundamentam os argumentos e buscam alertar para
precariedade da situação em que os artesãos se encontram.

Palavras-chave: Economia Cultural. Artesanato. Instrumentos


Musicais. Informalidade. Economia popular.

Abstract
This paper is based on a survey, supported by FAPESB, which was held

1 Economista. Doutor em Geografia pela Universidade de Barcelona – ES. Professor Titular


do Curso de Ciências Econômicas e do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento
Regional e Urbano da Universidade Salvador – Unifacs. Pesquisador do Gerurb/Unifacs. Linha
de pesquisa: Economia Cultural. E-mail: spinolanoelio@gmail.com
2 Engenheira Civil. Mestre em Administração pela UFBA. Coordenadora do Curso de Engenharia
da Produção na UNIFACS. E-Mail: tatiana.spinola@unifacs.br
3 Economista. Pesquisadora do Gerurb/Unifacs. Pesquisadora do Gerurb/Unifacs. Linha de
pesquisa: Economia Cultural. Linha de pesquisa: Economia Cultural. E-mail: natalia.cardoso.
rangel@hotmail. com

859
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

in the city of Salvador, in the period between the years 2008 and 2012.
Is a reporting and analysis of the situation in which some segments
are handcrafted to survive, economi-cally speaking, in marginal
terms in the city of Salvador, with emphasis producers of musical
instruments. During the investigation it was detected problems that
were contex-tualized in the research report and illustrated with charts
and photos that underlie the arguments and seek to draw attention
to the precarious situation in which the artisans are.

Keywords: Cultural Economics. Handicraft. Musical Instruments.


Informality. Popular economy.

JEL: Z1; Z13; E26; J15; D13

Os homens fazem sua própria história, mas não


a fazem sob circunstâncias de sua escolha e sim sob
aquelas com que se defrontam diretamente, legadas e
transmitidas pelo passado. Karl Marx (1852).

860
FRAGMENTOS

Introdução

Este trabalho dá prosseguimento a outro que foi realizado


em 2003 e que se intitulava Economia Cultural em Salvador. Nestes
dez anos transcursos criou-se e institucionalizou-se uma linha de
pesquisa no Programa de Pós Graduação em Desenvolvimento
Regional e Urbano da Universidade Salvador – Unifacs, a qual se
dedica ao estudo da Economia Cultural e, no seu contexto, de um
conjunto de atividades artesanais praticadas na cidade do Salvador
e no Estado da Bahia. Mais recentemente, com o apoio da Fundação
de Amparo à Pesquisa no Estado da Bahia - Fapesb intensificaram-se
as pesquisas relacionadas com a produção de instrumentos musicais
na cidade considerando a musicalidade desta e a significância do
segmento..

Neste caso dos instrumentos da música o estudo busca


responder a uma questão norteadora da pesquisa realizada no
período compreendido entre os anos de 2008 e 2012, qual seja:
como funciona e quais as perspectivas do segmento produtor de
instrumentos musicais na cidade do Salvador?

A hipótese assumida foi a de que este segmento tende a


se extinguir em médio prazo se não for amparado por políticas
públicas que funcionem como uma blindagem diante das ameaças
da modernidade e do processo de globalização.

Salvador da Bahia é uma cidade em transformação. Do ponto


de vista cultural para pior4. Muito da sua propalada mística e magia dos
sons, da música e da dança, é um mito e, no que teve de real, pertenceu
a um passado que vem sendo gradativamente sepultado e esquecido
pelas gerações que chegam. Antes se dizia com muita empáfia que “o
baiano não nascia, estreava...” se este epíteto alguma vez se justificou,
na atualidade certamente é falso. Porém, a despeito de uma perceptível
decadência artística, na velha capital baiana ainda se produzem muitos
instrumentos musicais notadamente os de percussão.

4 Aumento exponencial da violência e da criminalidade; perda da criatividade; morte do mito


da Bahia mágica; perseguição aos cultos afro.

861
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

Isto ocorre para atender a uma procura mais associada ao


folclore e ao turismo do que a oriunda do público profissional
composto pelos integrantes de bandas e outros conjunto musicais
que preferem os instrumentos industrializados pela sua qualidade
nitidamente superior. O segmento artesanal que fabrica instrumentos
musicais ópera na marginalidade5 mergulhado na mais profunda
informalidade. A produção é concentrada nos instrumentos de
percussão dado ao predomínio do ritmo africano na cidade, mais
existem também lutiers fabricando em pequena escala, violinos,
violões, cavaquinhos e outros instrumentos de corda.

O segmento é ameaçado pela concorrência de grandes


fábricas internacionais, inclusive da China, que invadem o mercado
com marcas de excelente qualidade sonora (e preços imbatíveis)
que conferem status de qualidade aos seus consumidores.

Os produtos que são fabricados aqui procedem de pequenas


oficinas instaladas nos socavões da cidade e são comercializados no
Mercado Modelo e nas lojas do Pelourinho, quando não ocorre o
atendimento direto das demandas específicas que são formuladas
pelos entendidos (músicos, alabês,6 além de intermediários que
vendem os produtos no Brasil e no exterior). A comercialização é
efetuada sem qualquer registro contábil ou fiscal e as transações
liquidadas em moeda manual.7

O diferencial que assegura a sobrevivência destes produtos


no mercado é o remanescente do charme mágico da baianidade.
Aquele que foi construído e difundido para o mundo nas obras de
Jorge Amado, nas composições de Dorival Caymmi e Ary Barroso
inicialmente e posteriormente por Vinicius de Morais, Gilberto Gil,
Caetano Veloso e João Gilberto, entre outros, cujas músicas foram
cantadas mundo afora por eles mesmos e mais Carmem Miranda

5 Marginalidade é aqui utilizado no sentido econômico. O segmento vive nas margens do


sistema econômico, do mercado. Transita entre a formalidade e a informalidade tendendo mais
para esta última.
6 Músicos tocadores de atabaques dos candomblés.
7 Com o advento da Internet existem alguns produtores que anunciam seus produtos na rede.
Porém estes constituem exceções. Alguns tiveram seus sites produzidos por intelectuais vincu-
lados às universidades e que são apreciadores da arte.

862
FRAGMENTOS

, Daniela Mercury, Maria Bethânia e Gal Costa, para citar as mais


importantes; na arte plástica de Caribé, Mário Cravo, Hansen Bahia,
Calazans Neto, Sante Scaldaferri e na antropologia de Pierre Fatumbi
Verger, entre muitos outros.

Porém o tempo apaga a lembrança, sobretudo quando mal


cultivada. É ai que mora o perigo. Salvador da Bahia, suja, esburacada
e violenta, vai aos poucos perdendo seu encanto e as suas cores nas
águas de uma vulgar mediocridade. E sua arte perde seu substrato:
um passado rico de mitos e mistérios, magia som e poesia, de
cheiros, e temperos. A modernidade chega desmanchando o que
parecia sólido.

Será que neste caso se aplica a afirmação de Marx, (apud


BERMAN, 1987, p. 20), de que:

todas as relações fixas, enrijecidas, com seu travo de


antiguidade e veneráveis preconceitos e opiniões, foram banidas?
Todas as novas relações se tornam antiquadas antes que cheguem a
se ossificar? Tudo que é sólido desmancha no ar, tudo que é sagrado
é profano, e os homens finalmente são levados a enfrentar [...]
as verdadeiras condições de suas vidas e suas relações com seus
companheiros humanos?

Os artesãos objeto deste estudo dão sequência historicamente


a uma tradição que lhes foi transmitida pelos seus antepassados
em um processo de “aprender fazendo”8 sobre a base de uma
tecnologia primitiva. Estão no sistema capitalista, mas não fazem
parte dele. O que os move não é necessariamente a busca do
lucro para acumulação e sim uma renda para sobreviver. Assim,
economicamente, são primitivos no seu “processo de produção”
utilizando como matéria-prima restos de madeira (tábuas sucatas
das armações de concreto dos edifícios em construção na cidade)
visto que a utilização de troncos de árvores, madeira nobre como
a sucupira, pau d’arco, massaranduba e outras utilizadas para
instrumentos mais sofisticados torna-se cada vez mais difícil
dada a extinção dessas árvores, do seu custo e as restrições à sua

8 Nada a ver com as modernas técnicas que recentemente se disseminam pelo mundo.

863
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

exploração impostas pelos órgãos de controle ambiental. A pele dos


instrumentos é originária do sertão nordestino, ou adquirida em
“matadouros” clandestinos, sendo muito utilizado o couro de bode,
de cabra, de vaca e de cobra.

O nível de instrução dos seus artífices beira o analfabetismo


e a propensão associativa é inexistente. Veem com profunda
desconfiança e ceticismo a possibilidade de receberem algum tipo de
ajuda, desacreditando até com raiva dos organismos governamentais.
Estão dispersos pelos subúrbios pobres da cidade, notadamente
a Avenida Suburbana, a Baixa do Fiscal, o Subúrbio Ferroviário,
Plataforma, Periperi e outros, trabalhando artesanalmente em
fabriquetas de fundo de quintal, na maioria das vezes em condições
as mais rudimentares possíveis. Os equipamentos utilizados são
pouco sofisticados, muitos fabricados ou adaptados pelos próprios
artesãos e as instalações físicas também são extremamente precárias
e insalubres. O trabalho é realizado em família, numa tradição que
passa de pai para filho, só que agora os filhos não querem mais
seguir a trilha dos pais. Não vêem futuro.

A investigação procedeu-se mediante a adoção de uma


metodologia dedutiva qualitativa que consistiu numa pesquisa
exploratória descritiva suplementada por pesquisa bibliográfica
e entrevistas semiestruturadas, o que possibilitou formar-se um
quadro de referências para o entendimento da problemática do
segmento analisado.

Este texto subdivide-se em cinco partes, incluindo esta


Introdução. No segundo trabalha-se na construção de um chassi
teórico sobre o qual se fundamenta a investigação realizada. No
terceiro, uma abordagem sobre o espaço e o território: Salvador,
locus da pesquisa. O quarto examina o comportamento da oferta
e da procura e no quinto e último trata-se das perspectivas do
segmento e de uma pauta para a formulação de políticas públicas.

864
FRAGMENTOS

Considerações em torno de um chassi teórico

Muito dos produtores de instrumentos musicais e artesãos,


objeto deste estudo, enquadram-se na definição de atividade
informal e submersa: são pequenos produtores por conta própria,
possuidores do seu instrumento de trabalho, que exercem suas
atividades dentro do próprio domicílio, sem registro (CNPJ) e
são guiados pelo fluxo de renda. Deste modo o que confere a
importância social a este estudo é a possibilidade de inserção de
uma parcela destes produtores artesanais numa faixa de mercado
capaz de promover a inclusão social com aumento da renda
auferida e até a sua passagem para o mercado formal.

O trabalho estrutura-se sobre uma base teórica que


compreende: o território e seu espaço – no caso a cidade do
Salvador, examinando a sua organização a partir do estudo
de Santos (1979) na sua obra clássica sobre O espaço dividido.
Também ao entender o território e espaço africano de Salvador
como “campo” da pesquisa, o trabalho valeu-se de Bourdieu que
o classifica como um “modo” ou “instrumento de pensamento”
pode-se dizer um guia de pesquisa (BOURDIEU, 1998, p. 58-66) e,
portanto um espaço social de relações objetivas onde se formou
uma cultura – no caso a africanidade como raiz cultural mais
importante da Cidade. Esta categoria passa preliminarmente por
uma discussão conceitual a partir das referências fornecidas por
um conjunto de antropólogos e sociólogos: Tylor (1871); Herskovits
(1973); Featherstone (1990); Geertz (1989); Giddens (1974);
Ianni (1988); Bastide (1985,2001); Carneiro (2002,2005) e Verger
(2007). O mercado de trabalho – no caso a informalidade na
Economia Popular, como o caldo em que se processam as relações
de produção, parte dos conceitos adotados pelos órgãos oficiais
nacionais IBGE (2003) e internacionais OIT (1993) e das referências
de Staley e Morse (1965); Singer (1998); Kon (2004); Cacciamali (
1983,1989,1991); Tokman e Souza (1978). A economia cultural,
como paradigma, busca suporte nos estudos do Ministério da
Cultura – MINC (2012) e nos trabalhos de Towse (2003); Baumol

865
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

e Bowen (1966); Throsby (1999); Horkheimer e Adorno (1944);


Gonzalbo (2000); Lassuén (2005) e Miguez (1998). Finalmente
o artesanato de instrumentos musicais de percussão como o
objeto da pesquisa estriba-se em Spinola (2003); Guerreiro (2000);
Biancardi (2006); Câmara Cascudo (1973,1984); Coraggio (1994);
Cassiolato e Lastres (2005).

No que se refere à informalidade, as dificuldades teóricas


e fragilidades apresentadas nas primeiras abordagens da sua
problemática geraram a necessidade de estudá-la a partir das
relações do trabalhador com os instrumentos de produção.
Segundo Cacciamali (1991, p.126), “o novo enfoque rompe a
abordagem dual estática substituindo-a por um enfoque dinâmico
subordinado e intersticial”. Assim, a informalidade passa a ser
contemplada no plano estrutural e cultural, traduzindo uma
lógica de sobrevivência original e não necessariamente aquela do
sistema dita “formal”, com o qual convive e de quem se alimenta
subsidiariamente. Aplicando o critério de formas de participação
na produção como traço distintivo básico da segmentação formal
/ informal, consolida-se o que

Cacciamali denomina de:

uma abordagem intersticial e subor- dinada”, o


setor informal entendido: [...] como forma de
organização da produção dinâmica que se insere e
se amolda aos movimentos da produção capitalista,
[...] continuamente recriado, tornando-se flexível
deslocado e permeável, adaptando-se às condições
gerais da economia, em especial, da ur- bana
(CACCIAMALI, 1983, p.27).

Nesta concepção, o segmento informal é dito subordinado


no sentido de que seu espaço econômico é delimitado pela
dinâmica do capital, sendo continuamente redefinido. As atividades
informais atuam em espaços “ainda não ocupados, abandonados,
criados e recriados pela produção capitalista” (CACCIAMALI,1983,
p. 608), caracterizando-se, pois, por uma inserção intersticial

866
FRAGMENTOS

na estrutura econômica. Trata-se de ressaltar a aderência do


segmento à dinâmica do capital, sem resvalar para o mecanismo
do atrelamento funcional.

O setor informal tende a guiar-se por uma lógica empresarial


diversa da racionalidade econômica formal, baseada no retorno
sobre o capital investido, na taxa de lucro e na acumulação
(reinvestimento). Entende-se, então, que o setor informal possui,
sim, uma lógica própria de atuação no mercado. É a lógica da
sobrevivência que consiste na busca de um retorno financeiro
de curtíssimo prazo priorizando a manutenção das necessidades
básicas da família. Assim, diante da complexidade e das inter-
relações que o setor informal apresenta com outros segmentos
da economia, é preciso defini-lo em função de suas características
atuais e quais os conceitos que serão adotados nas análises dessa
pesquisa.

Pedrão (1998, p.19) afirma que:

[...] a informalidade é um campo criativo, que infiltra


a sociedade econômica formalmente organizada,
pondo-a contra seu próprio tabu da eficiência.
Famílias e pessoas sobrevivem na informalidade,
quando não conseguem sobreviver no mercado
formal de trabalho. Assim, a informalidade é
continuamente infiltrada pelas transformações
técnicas da economia formal, que em grande parte
realiza uma burocratização do saber.

Alguns autores optam por definir o setor informal sob a ótica


dos indivíduos, enquanto que outros se reportam às empresas ou a
seu modo de inserção nos meios de produção etc. Um dos critérios
utilizados é a existência de registro legal das empresas ou dos
trabalhadores. Associa-se comumente o termo ao não cumprimento
de regras institucionais (fiscais, trabalhistas e previdenciárias) e
a ruptura com determinados aspectos da ordenação jurídica da
produção. A economia informal seria constituída por atividades
“invisíveis e clandestinas”. Essa tem sido a utilização corrente do

867
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

termo, o sentido frequentemente utilizado pelo senso comum


quando se pretende designar situações ou atividades que têm
como traço marcante sua condição de ilegalidade.

“Ressalte-se, porém, que a submersão ou não


legalidade é característica frequente,mas não
geral das atividades informais.”

Há que se distinguir entre economia submersa (não legalizada)


e setor informal. É possível, e frequente, que o produtor informal
não esteja legalizado (inscrito no Registro de Comércio e nos diversos
cadastros do fisco federal, estadual, municipal e no INSS). Neste
sentido Cacciamali destaca que o termo economia informal:

[...] representa dois fenômenos distintos na literatura


especializada. O primeiro refere-se à existência de
produtores diretos que, de posse dos instrumentos
de trabalho e com ajuda de mão-de-obra familiar e/
ou alguns ajudantes, produzem bens ou serviços.
O segundo fenômeno refere-se àquela parcela da
economia que opera à margem do marco regulador
do Estado, evadindo impostos, contratando mão-
-de-obra de forma clandestina ou subestimando o
total da prestação de serviços ou da comercialização
(CACCIAMALI, 1989, p. 30).

Ressalte-se, porém, que a submersão ou não legalidade é


característica frequente, mas não geral das atividades informais.
O pequeno porte, refletido na maioria dos casos em pequeno
faturamento torna a atividade informal desinteressante do
ponto de vista tributário, o que vem reforçar a associação entre
os conceitos de informal e não legal. De forma mais analítica,
Cacciamali trabalha com duas tipologias básicas para o tema, quais
sejam: (1) o setor informal, em função das relações de produção,
analisando a questão com o enfoque para as atividades que
operam com base no trabalho do proprietário do instrumento de

868
FRAGMENTOS

trabalho, ajudado por mão-de-obra familiar e/ou alguns auxiliares


e (2) o setor registrado e não registrado (submerso), em função
da subordinação à regulação institucional do Estado, conforme
o Quadro 01. Nesta classificação observa-se a presença do setor
informal tanto na economia registrada como na submersa,
caracterizado principalmente por pequenos produtores, onde
o proprietário do negócio é possuidor dos instrumentos de
trabalho, podendo recorrer ao trabalho de membros da família
ou de ajudantes como extensão de seu próprio trabalho além dos
trabalhadores por conta própria e os empregados domésticos.
Este tipo de atividade é guiado pelo fluxo de renda (e não pela
busca de uma taxa de lucro competitiva), de onde são retiradas as
remunerações dos ajudantes, os quais guardam vínculos pessoais
com aquele que os contrata. (CACCIAMALI, 1989).

Muito dos produtores de instrumentos musicais e artesãos,


objeto de estudo nesse livro, enquadram-se na definição
apresentada no Quadro 01 como atividade informal e submersa:
são pequenos produtores por conta própria, possuidores do seu
instrumento de trabalho, que exercem suas atividades dentro do
próprio domicílio, sem registro (CNPJ) e são guiados pelo fluxo
de renda. Apesar deste enquadramento perfeito, nesta pesquisa,
a utilização do termo setor informal será enfocada no conjunto
de atividades não legalizadas, não registradas, que não pagam
impostos e não obedecem às normas estabelecidas pelo governo.
Esta opção justifica-se em função da utilização de dados da pesquisa
de campo realizada, cuja metodologia adotada considerou como
informais aquelas atividades sem registro no Cadastro Nacional de
Pessoa Jurídica (CNPJ).

869
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

Quadro 01 - Inserção dos trabalhadores segundo as economias formal, informal,


registrada e submersa.

Fonte: Cacciamali, 1991 p. 133.

Existem várias cidades do Salvador. No plano cultural podemos


com clareza distinguir duas: a primeira que vive no imaginário dos seus
artistas, entre os quais os mais significativos no século XX foram Jorge
Amado nas letras, Dorival Caymmi na música e Caribé nas artes do ferro
e da madeira; a segunda é a cidade do cotidiano, um caldeirão de gente
que mistura muitos temperos e gradualmente produz uma sopa cultural
que perde cada vez mais o sabor original das páginas da ficção, beirando
o insosso.

Interpretar a cultura desta cidade expõe o analista a uma trilha


repleta de fragmentos do que foi e quase passou e o do que será, mas
ainda não chegou. Aos tropeços no passado resvalando no saudosismo
romântico ou topadas no futuro que ainda está por vir, falando de
modernidades adventícias.

Salvador é, pois, a cidade do talvez.

870
FRAGMENTOS

Falar da sua cultura é tratar com uma categoria polissêmica, com


muitas definições conceituais. Já na distante década de 1950, Alfred
Kroeber (1953) e posteriormente Clyde Kluckhohn (1962), registravam
164 definições. Segundo Geertz (1989, p.14) Clyde Kluckhohn, em cerca
de vinte e sete páginas do seu capítulo sobre o conceito, conseguiu
definir a cultura como:

(1) o modo de vida global de um povo; (2) o legado social


que o indivíduo adquire do seu grupo;
(3) uma forma de pensar, sentir e acreditar; (4) uma
abstração do comportamento; (5) uma teoria, elaborada
pelo antropólogo, sobre a forma pela qual um grupo de
pessoas se comporta realmente;
(6) um celeiro de aprendizagem em comum; (7)
um conjunto de orientações padronizadas para os
problemas recorrentes; (8) comportamento aprendido;
(9) um mecanismo para a regulamentação normativa do
comportamento;
(10) um conjunto de técnicas para se ajustar tanto ao
ambiente externo como em relação aos outros homens;
(11) um precipitado da história, e voltando-se, talvez em
desespero, para as comparações, como um mapa, como
uma peneira e como uma matriz.

Diante dessa espécie de difusão teórica, mesmo um conceito de


cultura um tanto comprimido e não totalmente padronizado, que pelo
menos seja internamente coerente e, o que é mais importante, que tenha
um argumento definido a propor, representa um progresso (como, para
ser honesto, o pró- prio Kluckhohn perspicazmente compreendeu) O
ecletismo é uma autofrustração, não porque haja somente uma direção
a percorrer com proveito, mas porque há muitas: é necessário escolher.
O conceito de cultura defendido por Geertz é essencialmente
semiótico, “acreditando, como Max Weber, que o homem é um animal
amarrado a teias de significados que ele mesmo teceu, assume a cultura
como sendo essas teias e a sua análise; portanto, não como uma ciência
experimental em busca de leis, mas como uma ciência interpretativa, à
procura do significado” (GEERTZ, p. 4). Segundo Geertz, a cultura não é

871
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

nunca particular, mas sempre pública. Assim, entendo que os elementos


que constituem as teias propostas por Weber, não têm criadores
identificáveis. Os fatos inovadores nascem e evoluem numa reprodução
espontânea e despercebida dos agentes culturais, e na maioria das vezes
só percebidos na análise extrínseca de um agente alienígena. Como um
sistema de signos passíveis de interpretação – ressalta Geertz (p. 4):

a cultura não é um poder, algo ao qual podem ser


atribuídos casualmente os acontecimentos sociais, os
comportamentos, as instituições ou os processos; ela
é um contexto, algo dentro do qual eles (os símbolos)
podem ser descritos de forma inteligível – isto é, descritos
com densidade

A cultura da cidade do Salvador sofreu uma marcante influência


africana ou esta influência foi mais negra do que africana?
Uma hipótese levantada por Ianni (1998) argumenta que a
cultura trazida pelos africanos para o Brasil foi profundamente rompida
e reelaborada pelo regime escravagista que enquanto forma de
organização social e técnica das relações de produção produziu uma
cultura própria que pouco ou nada tem a ver com os elementos culturais
europeus, africanos, indígenas e asiáticos

[...] o que aparece depois, nos séculos XIX e XX, como


cultura do ne- gro, não é senão a cultura produzida com
a sociedade baseada no trabalho escravo. Na sociedade
em que a escravatura predominou como formação social,
persistem depois, inclusive no século XX, elementos
culturais de cunho escravista. São esses elementos que
aparecem na prática religiosa , magia, música, organização
da família, culinária e outras esferas da atividade social do
negro. Seriam poucos os elementos africanos preservados;
e os que se preservaram foram reelaborados nas relações
e estruturas escravistas (IANNI, 1998, p. 75).

Ao falar-se, pois de influência africana na cultura soteropolitana


deve-se levar em consideração a sin- gularidade do negro. Como

872
FRAGMENTOS

observa Ianni a questão central reside na explicação histórica da


metamorfose do africano em negro. Para que tal ocorresse o africano
foi submetido após a escravidão à máquina do capitalismo em sua
fase mercantil e posteriormente industrial. Assumiu ao longo do século
XX as mais diferentes funções partindo da condição de operário à
de político e intelectual e outras figurações sociais. Para Ianni (1998,
p.77) não se reproduzindo enquanto africano ou escravo o que existe
destas categorias em sua visão do mundo não se explica apenas como
sobrevivência, mescla de culturas ou articulações sincréticas,9 mas
decorre das condições ditadas pelo sistema capitalista em que este
involuntariamente acabou inserido.

A despeito da sua metamorfose de africano para negro e


mulato como fruto do processo escravagista um ponto fundamental
reside no fato da sua marcante participação no pro- cesso de criação
da cultura baiana, influenciando de forma marcante o estilo e a prática
de inúmeras ativi- dades populares, dentre as quais se destacam o
artesanato, a produção musical, culinária, a moda e a medicina10 do
corpo e da alma ambas derivadas dos cultos afros com as quais através
da sua religiosidade se inter-relaciona numa cumplicidade sutil, muitas
vezes cercada de magia e misticismo.

Apesar de todas as transformações porque vem passando


ao longo do tempo, o culto afro constitui um fenômeno importante
na formação da cultura popular da cidade do Salvador porque, dos
seus 2.710.968 habitantes, 80,9% são pretos ou pardos (IBGE, 2011).
Segundo a Sociedade Brasileira de Genética um estudo realizado na
população de Salvador confirmou que a maior contribuição genética da
cidade é a africana (49,2%), seguida pela europeia (36,3%) e indígena
(14,5%).11 A cidade é também considerada como a maior capital negra
do mundo, fora da África12 e registra uma grande desigualdade social.

9 Onde o sincretismo constitui uma prova eloquente.


10 Fitoterápica.
11 Resumos do 54º Congresso Brasileiro de Genética 16 a 19 de setembro de 2008. Disponível:
<www.sbg.org.br>
12 RankBrasil, 2011. Não obstante, esta informação é passível de dúvida. Outras fontes
consultadas e que a apresentavam, não informava a sua origem. Não obstante, parece ser uma
unanimidade. Quanto a possuir a maior população negra do Brasil, não resta dúvida.Os dados
são do Mapa da População Preta & Parda no Brasil, elaborado pelo Laboratório de Análises

873
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

Neste contexto socialmente desigual a economia da cultura


sugere uma interconexão de fenômenos, na medida em que concatena
toda uma expressão comportamental (manifesta em vários níveis) e o
mercado como categoria mediadora entre a dimensão social e simbólica
e a esfera econômica das sociedades.

Para pensar as potencialidades econômicas da cultura


soteropolitana é preciso alcançar sua dimensão mais complexa para não
aprisioná-la nas regras da indústria cultural.

Afinal de contas os produtos culturais estão enraizados na vida


cotidiana das pessoas. Eles são resultado de uma experiência sensível, às
vezes, tramado no anonimato da vida comunitária e esse capital cultural
que emerge como mercadoria aponta para um redimensionamento das
noções de centro e periferia.

E sendo assim, as fronteiras perdem densidade para dar lugar


à experiência concreta do pertencimento a um espaço, um bairro, um
território, uma cidade. Examinando-se as características econômicas dos
bens e serviços culturais constata-se que eles possuem em comum o
fato de incluírem um elemento artístico ou criativo13. Os bens culturais
podem ser objetos tangíveis como uma obra de arte ou um livro ou
serviços (intangíveis) como uma interpretação musical ou uma exibição
de “capoeira”. Uns são bens finais que são oferecidos aos consumidores,
enquanto que outros constituem serviços intermediários que formam
parte de outros produtos culturais.14 Alguns bens culturais são bens de
capital social ou de consumo duradouro como, respectivamente, um
Terreiro de Candomblé que gera serviços ao longo da sua existência ou
uma obra de arte ou um livro. Outros, especialmente as artes cênicas, só
existem em um momento concreto.

Os bens culturais, além do seu elemento cultural estruturante,

Econômicas, Sociais e Estatísticas das Relações Raciais (Laeser), da Universidade Federal do Rio
de Janeiro (UFRJ). A pesquisa foi baseada em indicadores do Censo de 2010, do IBGE.
13 Existe uma tendência mundial para enquadrar as atividades da economia cultural em um
novo ramo das atividades econômicas batizado como das “indústrias criativas”. Esta tendência
já chegou ao Brasil e foi encampada pelo Ministério da Cultura.
14 Para o entendimento deste aspecto basta imaginar a estrutura da cadeia de produção de
um bloco carnavalesco.

874
FRAGMENTOS

compartem com os demais bens e serviços econômicos o emprego,


na sua produção, de recursos naturais, de capital, de trabalho e de
outros elementos, notadamente uma tecnologia específica que deriva
de uma inspiração criadora. A maio- ria destes recursos possuem usos
alternativos e, portanto um custo de oportunidade e um preço. Isto não
quer dizer que todos os bens e serviços culturais se vendam em um
mercado, ainda que isso suceda em muitos casos, como, por exemplo,
na contratação dos serviços de artistas e outros profissionais criativos. O
Estado costuma fornecer alguns produtos culturais de forma gratuita.
Esta é uma decisão política e não econômica: a maior parte dos bens
culturais não são bens públicos. Entretanto muitos especialistas deste
setor pensam que os bens culturais possuem características próprias dos
bens públicos15 que os mercados não podem captar plenamente através
dos preços (TOWSE, 2003, p.21).

Para que as culturas locais gerem desenvolvimento econômico


deve-se ter em vista não somente a diversidade de manifestações que
um povo é capaz de criar, mas é também necessário alargar as políticas
públicas e formar quadros para a gestão cultural.

Território e espaço: a cidade do Salvador

Fundada em 1549 por Tomé de Souza, primeiro governador


geral do Brasil, São Salvador da Bahia de Todos os Santos foi também a
primeira capital do país, posição que, para sua desgraça futura, perdeu
para o Rio de Janeiro em 1763 por ato do Marques de Pombal, todo
poderoso Ministro de D. José I, rei de Portugal.1616

15 O artigo 99 do Código Civil Brasileiro define bens públicos como aqueles de uso comum da
população.
16 A Bahia perdeu para o Rio de Janeiro todo o seu aparato de poder político e econômico
que foi transferido em 1808 para o Brasil pela família real portuguesa ao fugir de Lisboa para
escapar das tropas de Napoleão Bonaparte. Como o crescimento econômico, em qualquer
sistema, segundo Braudel (1979), depende de uma grande cumplicidade do Estado com a
burguesia, é então no Rio de Janeiro como a capital do país que se constroem as engrenagens
do poder. Pobre Bahia, foi apeada do barco da história.

875
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

A cidade contava em (2012) 2.710.968 habitantes, permanecendo


como a terceira maior do País, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia
e Estatística – IBGE. Com a redução da taxa de natalidade e ampliação
da expectativa de vida caminha para ser a médio prazo uma cidade de
idosos. Esta população espalha-se por uma superfície de 706,8 km²,
ainda conforme o IBGE.

Observe-se na Tabela 1 que em 1950, Salvador possuía 417.235


habitantes. Levou 401 anos para reunir esta gente. A partir daquela
década, intensificou-se o êxodo rural. Para cá não vieram só baianos
do interior, mas brasileiros de todos os cantos atraídos pelas obras
dos parques industriais em construção na Região Metropolitana e pela
expectativa de emprego. A população em 60 anos multiplicou-se por
mais de 6,41 vezes.

Figura 1 - Pirâmide etária de Salvador – Divisão por Sexos - 2010.

Fonte: IBGE.

876
FRAGMENTOS

Tabela 1 - Crescimento da população de Salvador 1900/2010.

Fonte: IBGE – Censos demográficos.


Salvador é uma das mais antigas cidades da América do
Sul. Por muito tempo era chamada de “Bahia”, “cidade da Bahia”
ou “Salvador da Bahia” a fim de diferenciá-la de outras cidades do
mesmo nome. Também foi apelidada de Roma Negra e Meca da
Negritude, pela quantidade de afrodescendentes o que a tornou
plena de elementos simbólicos e religiosos africanos. De acordo com
o antropólogo Vivaldo da Costa Lima, a expressão Roma Negra é uma
derivação de Roma Africana, cunhada por Mãe Aninha, fundadora do
Ilê Axé Opó Afonjá. Nos anos 1940, em depoimento à antropóloga
cultural Ruth Landes. Segundo Mãe Aninha, assim como Roma era
o centro do catolicismo, Salvador seria o centro do culto aos Orixás.

A cidade possui dois “pavimentos”, ou seja: a cidade alta


e a cidade baixa (na verdade uma falha geológica) as quais se
comunicam por inúmeras “ladeiras” e elevadores, dos quais o mais

877
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

famoso é o Lacerda o primeiro elevador urbano do mundo. Quando


foi inaugurado, em 8 de dezembro de 1873, era o mais alto, cerca
de 63 metros de altura . (SAM- PAIO, 2005). Parece que a topografia
da cidade inspirou o geógrafo Milton Santos na descrição da divisão
do espaço entre ricos e pobres, uma realidade bastante evidente na
velha cidade.

Para Santos (1979) o espaço dos países subdesenvolvidos é


multipolarizado, é submetido e pressionado por inúmeras influências
oriundas de diferentes procedências. Ele afirma que nos países
subdesenvolvidos o espaço é marcado pelas enormes diferenças de
renda na sociedade, respondendo por uma tendência à hierarquização
das atividades e, na escala do lugar, pela coexistência de atividades de
natureza oposta: as modernas e as tradicionais. O sistema econômico
local deve-se adaptar ao mesmo tempo aos imperativos de uma
modernização poderosa e às realidades sociais tradicionais e atávicas.
Isso se aplica nas esferas da produção, da circulação e da distribuição
dos bens e serviços ocorrendo em dois circuitos econômicos que se
tornam responsáveis não só pelo processo econômico, mas também
pelo processo de organização do espaço. Estes circuitos, que dividem
o sistema urbano, são denominados por Santos de circuito superior
e circuito inferior.

No circuito superior que se originou diretamente da


modernização tecnológica, os seus elementos mais representativos
são os integrantes das classes mais abastadas aqueles a quem Arrighi
(1997) denominava de detentores de uma riqueza oligárquica, uma
riqueza consolidada e construída em cumplicidade com o Estado e
que não está disponível para todos. A elite econômica e financeira
da cidade. Suas relações convergem para o exterior. O circuito
inferior, formado de atividades de pequena dimensão e interessando
principalmente às populações pobres, é, ao contrário, bem enraizado
e mantém relações privilegiadas com o seu território. Na verdade este
circuito é dependente do circuito superior a quem serve nas atividades
primárias e elementares.

Esta visão dual que elimina a possibilidade de outro circuito não


se sustenta nos tempos atuais. Supõe-se a existência de um circuito

878
FRAGMENTOS

intermediário que alimenta e se alimenta dos outros dois circuitos.


Trata-se de uma tecnoburocracia que disputa a formação de uma
riqueza democrática segundo Arrighi (1997) possuindo um espaço
específico de produção e de consumo onde funciona em conflito com
os estamentos do circuito superior e em relativa promiscuidade com
os estamentos do circuito inferior. Não se incluem na burguesia e nem
praticam seus padrões de consumo, porém desfrutam de um modo
de vida bastante diverso do usufruído pelos integrantes do circuito
inferior. Este circuito intermediário somente se formou em Salvador,
por exemplo, na segunda metade do século XX. Ele era embrionário
quando Santos fez as suas observações na década de 1950. É ele
mesmo quem diz que “as mudanças que o território vai conhecendo,
nas formas de sua organização, acabam por invalidar os conceitos
herdados do passado e a obrigar a renovação das categorias de
análise.” (SANTOS, 1988, p.17)

A vida urbana é condiciona- da pelas dimensões qualitativas e


quantitativas de cada circuito. Cada circuito mantém, com o espaço
de re- lações da cidade, um tipo particular de relações: A cidade tem,
portanto, a nosso ver, três zonas de influências.

Figura 2 - Os três circuitos da economia.

Fonte: elaboração do autor.

879
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

Regina e Fernandes (2005) con- tam que desde sua fundação


em 1549 até finais daquele século, a ocupação de Salvador limitava-
se às áreas mais elevadas da conhecida Falha de Salvador. Pensamos
que esta tendência se manteve nos períodos seguintes. Nos anos, que
passam entre 1600 e 1900, a cidade se expande lentamente, buscando
pro- teção contra as chuvas (em torno de 2.600 mm ano, segundo a
Superin- tendência de Estudos Econômicos e Sociais – SEI) instalando-
se os “bran- cos” nos divisores d’água, sobre os morros, e os negros
nas baixadas vizinhas. A cidade cruza o Rio das Tripas, que no final do
Século XIX já havia sido canalizado a sete metros de profundidade e
era conhecida como rua das Hortas, também apelidada de Baixa
dos Sapateiros e imortalizada na música homônima de Ary Barroso ,
chegando à segunda linha de morros. O português construiu suas
casas nas cumeeiras, deixando o fundo dos vales para a criadagem. A
relação trabalho moradia era prática e fácil. Dispensava transporte. Nas
baixadas os criados (mulatos e negros libertos) mora- vam, faziam roças,
cultivavam os orixás e subiam a ladeira para servir na casa dos brancos.17

Na segunda metade do Século XIX a cidade se expande, saindo de


seu casco original, formando novos bairros, nas direções de Itapagipe e
Ribeira ao Norte e a Barra no Sul da Península, sempre debruçada sobre
a Baía de Todos os Santos. Os novos meios de transportes beneficiaram
este processo. Segundo a Secretaria dos Transportes da Prefeitura
Municipal do Salvador – SETPS em 1851 foi iniciado o serviço regular
em duas linhas: uma da Cidade Alta até a Barra e outra das Pedreiras
até o Bonfim. Apelidaram as gôndolas de “maxambombas” e nelas só
tinham ingresso “pessoas decentemente vestidas e de cartola”. Sobre
um dos quatro animais que a puxava ia sentado o cocheiro e o preço
da passagem era de uma pataca (320 réis).

Nos primeiros cinquenta anos do Século XX a cidade, do ponto


de vista demográfico, adormeceu. Porém, neste período assistiu a
uma grande reforma urbana comandada pelo então governador José
Joaquim Seabra. Em 1914 Seabra dava conta das

17 Um saboroso retrato desta época é apresentado por Ana Maria Gonçalves, no seu romance
Um defeito de Cor (RECORD,2006).

880
FRAGMENTOS

Novas construcções - a Avenida Sete de Setembro, o


Instituto de Hygienne, a Imprensa Official, o primeiro
quartel da villa Policial do Estado, a parte central e
segunda ala do palacio da residencia do Governador da
Bahia, a Garage do antigo Passeio Público, a entrada
do departamento do quartel de Ca- vallaria, o Museu-
Escola, o Pavilhão de Ondina, o pavilhão Kroepelin, o
pavilhão de Tuberculose, estes dois a casa de residencia
do diretor, no hospício S. João de Deus, as facha- das do
Rosario, da Capella e do Convento das mercês, o palacio
do Congresso, este, ainda, em alicerces. Adaptações -
O palacio do Governo, à praça Rio Branco, os muros e
a installação das gradarias da rua da Victoria, o novo
Hospital de Mont’Serrat, as quatro enfermarias novas do
Asylo S. João de Deus, o Parque e obras de saneamento
deste Hospício. Reparações - na Penitenciaria do Estado,
no Quartel dos Afflictos, na Directoria das Ren- das, no
Instituto Nina Rodrigues e no Desinfectorio Central,
além de pequenos concertos”... (SEABRA, 1914, p. 72-
73 apud FLEXOR, 1998).

No seu período de governo a cidade assistiu também, em 13


de maio de 1913, a inauguração das obras do Porto, sendo 750m de
cais e seis armazéns. A primeira guerra mundial (1914/1919) fechou
as linhas de cré- dito internacionais e limitou todas as obras que
estavam em curso. Assim os trabalhos se processaram lentamente.
No final de 1916 foi entregue ao tráfego o armazém número 7 e, em
16 de janeiro de 1922, o cais denominado Comendador Ferreira.

As obras do porto promoveram uma mudança radical na


antiga topografia da orla da Cidade Baixa, especialmente no trecho
compreendido entre a Alfândega e a praia de Água de Meninos. Um
aterro engoliu todos os antigos trapiches, atracadouros, portos e cais.
Estas mudanças provocavam grandes transformações expulsando
o comércio informal que ali estava instalado. Tendo perdido os
antigos pontos de referência, restava a estes pequenos comerciantes
direcionar as suas atividades em duas direções: ao Norte, para a
chamada Feira do Sete (da qual surgiria a partir da década de 1930,

881
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

a feira de Água de Meninos posteriormente incendiada em 1964)18 e


ao sul, em direção à rampa do Mercado.

“Esses lugares centrais são, na maioria das


vezes, e não por acaso, coincidentes com os
pontos de convergência das vias de transporte,
tornando-se locais de passagem obrigatórias
das cargas e de organização …”

Desta forma as redondezas do Mercado Modelo receberam


também uma nova leva de comerciantes que transformaram a sua
rampa em uma grande feira livre, onde era comercializado todo tipo
de folhas, raízes, frutos obis, orobôs, sabão da costa, terços, pembas,
patuás, imagens de santos e de orixás, além de roupas usadas - produtos
que correspondiam substancialmente á demanda da população
afrodescendente, que via ali a fonte de suprimento das suas necessidades,
para sobrevivência e para a festa (SPINOLA, 2009 p. 119).

O site do Mercado (2013) informa que este fundou uma


tradição para a boemia local, ali concentrando alguns dos principais
atores da cultura popular baiana que se reuniam na área do mercado e
de sua rampa, constituindo um universo particular em meio à cidade.
Até hoje, a Rampa do Mercado Modelo e suas muitas tradições estão
plenamente integra- dos à memória da cidade, consagrados em
inúmeras letras de sambas, poemas de cordel e músicas de capoeira,
assim como na literatura. Em meados da década de 1920, a vida
colorida das festas e feiras populares já havia despertado a curiosidade
de jovens intelectuais e boêmios soteropolitanos, tais como Jorge
Amado, Edison Carneiro, Áydano do Couto Ferraz, Guilherme Dias
Gomes, João Cordeiro, Dias da Costa, Alves Ribeiro, Sosígenes Costa,

18 Gilberto Gil e Capinam poetas baianos, em um verso da sua música Agua de Meninos dizem
que: “Moinho da Bahia queimou. Queimou, deixa queimar. Abre a roda pra sambar”. Outros
acusam a Esso Standard Oil, uma multinacional do petróleo que tinha uma tancagem vizinha,
como a responsável. Porém nada ficou provado nem aconteceu. Os feirantes foram transferidos
para a vizinha Feira de São Joaquim.

882
FRAGMENTOS

Válter da Silveira e Clóvis Amorim. São deles as primeiras descrições


literárias e etnográficas da vida na rampa do Mercado Modelo, da sua
música, suas personagens e seus mistérios, hoje considerados, por
alguns, como exemplos precoces do Modernismo Brasileiro na Bahia.19
Esta tradição, bem recorda o autor, durou até o final da década de
1960 quando o então prefeito Antonio Carlos Magalhães – outro
grande transformador20 da cidade na linha de Seabra - priorizando à
ampliação da estreita ligação entre as avenidas da França e Lafayete
Coutinho (Contorno), impedida até então pela arquitetura opulenta
do velho mercado, encerrou-se , de forma definitiva, a trajetória de um
edifício de grande importância na história da cultura popular baiana.

Para entender o sistema que se formou até 1950 no entorno


da Baia de Todos os Santos, tendo Salvador como o centro da região,
devemos recorrer à teoria das Regiões Nodais e Lugares Centrais, de
Christaller ([1933] 1965), que parte da consideração de que as regiões
se estruturam em função da localização dos núcleos urbanos na rede
intermodal de transportes, evidenciando a distribuição interna dos
fluxos de mercadorias para os centros primários de distribuição e
destes para os maiores centros consumidores dentro e fora do espaço
regional.

Nesta medida, os pontos ao longo do sistema viário que


concentram os serviços comerciais e de apoio às atividades produtivas
tendem a conformar áreas de maior dinamismo dos processos
demográficos, de formação de renda e de geração de emprego,
induzindo a ampliação das vias que se direcionam dos municípios
de menor porte para esses centros e a melhoria das linhas- troncos,
intensificando as trocas intra e extras regionais a partir desses pontos
privilegiados de características estritamente urbanas, face aos efeitos

19 Fonte: <http://www.portalmercadomodelo.com.br/historia-do-mercado-modelo--de-
salvador/>
20 Os grandes reformadores urbanos, como foram no nosso caso (Salvador) J.J. Seabra (1913)
e Antonio Carlos Magalhães (1970) para cumprir seus programas de modernização não tiveram
pena do patrimônio histórico para desespero dos amantes das artes e da história. Passaram
por cima até de igrejas seculares como foi o caso, em 1933, da lamentável destruição da velha
catedral da Sé, vendida pela igreja ao governador da época Juracy Montenegro Magalhães. O
dinheiro para a compra foi fornecido pela Companhia Circular (Bond & Share) que precisava
abrir espaço para as linhas dos seus bondes.

883
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

multiplicadores decorrentes da concentração-expansão dos serviços e


da população, que aí encontra maiores oportunidades de ocupação e
de aquisição de renda monetária.

À dinâmica urbana e o direciona- mento das vias de penetração


axial na direção dessas grandes aglomerações regionais acabam por
estabelecer uma ampla articulação das bases econômicas da região
com outras que lhe são adjacentes, e mesmo com outras mais
distantes, a depender da sua posição no sistema de transportes e
do seu porte · demográfico, criando as condições para a realização
de grandes e pequenos negócios, em todos os setores da economia,
amplificados pela urbanização que se acelera com o passar do tempo.

Esses lugares centrais são, na maioria das vezes, e não por acaso,
coincidentes com os pontos de convergência das vias de transporte,
tornando-se locais de passagem obrigatórias das cargas e de organização
dos serviços de apoio a produção na região. Os centros assim constituídos
e os espaços de influência direta das vias que para aí se direcionam
definem, então, nódulos nas redes de transportes, em especial quanto
à modalidade rodoviária, estabelecendo de forma evidente Regiões
Nodais fortemente polarizadas por aqueles lugares centrais.

Na Bahia, no processo histórico de integração dos espaços


regionais e do Estado com outras macrorregiões do Brasil, Salvador é
um lugar central desde o período colonial, com o seu porto articulado
às vias fluviais e aos roteiros litorâneos direcionados do Recôncavo
e das áreas ao Sul e ao Norte para a ex-capital administrativa do
império português no Atlântico Sul.

Nessa condição Salvador encer- ra um ciclo da sua história


urbana no período compreendido entre as décadas de 1960/1970
quando entrou em decadência o sistema de transporte que alimentava
a cidade desde o período colonial e que se estruturava na Baía de
Todos os Santos e no Recôncavo. Este sistema era operado pelos
saveiros e, depois, por outras embarcações maiores da Companhia
de Navegação Baiana.

884
FRAGMENTOS

A baia e o sistema de rios que lhe são tributários ligava Salvador


a Maragogipe, Cachoeira e São Fe- lix, e a entrada para o sertão pelas
veredas do Rio Paraguaçu; Santo Amaro da Purificação pelo Subaé e
Nazaré das Farinhas pelo Jiquiriçá. A partir de 1941, o porto de São
Roque do Paraguaçu e a Estrada de Ferro de Nazaré – EFN faziam a
ligação até a cidade de Jequié no Sudoeste do Estado num percurso
de 290 km que servia a 37 cidades do interior baiano. Este sistema
era responsável pelo abastecimento da capital, sendo despejada
diariamente na Rampa do Mercado Modelo e na Feira de Água de
Meninos uma variedade de produtos que iam dos hortifrutigranjeiros
até materiais de construção provenientes das olarias do Recôncavo.

A cidade, então, era monocêntrica, tendo seu eixo urbano


fixado na região do Comércio – na área compreendida entre o
Mercado Modelo e a Praça Conde dos Arcos, no sopé da Montanha.
Era a chamada Cidade Baixa. A outra parte, contígua, ficava na
chamada Cidade Alta num trecho que começava na Praça Castro
Alves e terminava na Praça da Sé. Ali se localizava o centro comercial e
financeiro (Cidade Baixa) e o centro político, administrativo, religioso
(Cidade Alta).

Do Farol da Barra até a península de Itapagipe toda a cidade


voltava-se para a Bahia de Todos os Santos. A área litorânea na face
Leste que ia da Ponta do Padrão, na Barra, até Itapoã era escassamente
povoada.

Nas décadas de 1960/1970 um conjunto de fatores econômicos


e urbanísticos contribuíram para desarticular o sistema da Baía de
Todos os Santos e modificar radicalmente a estrutura urbana de
Salvador.

No plano econômico, provavelmente a consolidação do


programa rodoviário federal para o Nordeste, com a pavimentação
da BR – 116 (Rio – Bahia); BR – 101 (Litorânea) e BR – 324 (Feira de
Santana/Salvador) e que viabilizou o modelo econômico regional em
construção assegurando as condições para a redução da capacidade
ociosa do parque fabril do Sudeste com a abertura de novos mercados
tenha sido o mais importante dos fatores aqui referidos. A ligação de
Salvador ao Sudeste do País eliminou as condições de competitividade

885
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

das indústrias locais e tornou obsoleto o velho sistema de transportes.


A cidade da Bahia, cantada nas páginas de Jorge Amado e de tantos
outros poetas começou a perder seu encanto e a sua magia. Os
saveiros começaram a desaparecer, posto que sendo românticos não
eram rentáveis. Ademais a indústria naval de Valença/Camamu que
respondia por sua manutenção e reposição entrou em crise quando
os órgãos ambientais proibiram a derrubada das grandes árvores que
forneciam a madeira, matéria prima básica para a sua construção.
A Estrada de Ferro de Nazaré – EFN (conhecida em toda a região
pelos três fonemas nordestinos É-FÊ-NÊ) que desde a sua criação no
final do Século XIX era deficitária, foi extinta pelo Governo dominado
por uma mentalidade capitalista onde o lucro tinha primazia sobre o
social. A EFN era um caso típico de empreendimento cuja existência
com o subsídio governamental se justificava, pois o serviço que
prestava democratizando o transporte a baixo custo para milhares
de pequenos agricultores21 em um território imenso dava sentido
a sua operacionalização. Basta ver o que ocorreu nas 37 cidades
a quem servia depois da sua extinção. Todas, a exceção de Santo
Antonio de Jesus (que é um entroncamento rodoviário servido pela
BR 101), definharam. E Salvador perdeu uma importante fonte de
abastecimento.

Na medida em que esse sistema da Baia de Todos os Santos e


Recôncavo entrava em colapso e a economia do Sudeste começava
a penetrar em Salvador a cidade começou a voltar sua face para o
litoral do Atlântico.

Nos anos transcorridos entre as décadas de 1960 e finais


de 1970, a velha capital provincial sofreu o impacto das mudanças
ocorridas na economia nacional. As velhas fábricas têxteis da Frederico
Pontes (Boa Viagem) como a Empório Industrial do Norte e outras

21 Com o trem o pequeno produtor colocava a sua mercadoria nos vagões de carga e levava
pessoalmente para os mercados, sendo Salvador o mais procurado por pagar melhor. As touceiras
de Angélicas dos brejos do Jiquiriçá desciam para enfeitar os altares da Conceição da Praia ou dos
terreiros de santo. O caminhão estabeleceu um oligopsônio formado pelos poucos que podiam
comprá-lo e que, na condição de intermediário, pagava pouco ao produtor e cobrava muito do
consumidor, matando, sem saber, a sua galinha dos ovos de ouro. (SPINOLA, 2009).

886
FRAGMENTOS

menores, fecharam as portas, dispensando muita gente22 que, dadas


as condições do desemprego estrutural, foram engrossar o mercado
informal. O grande mercado grossista que dominava o Comércio
da Cidade Baixa desapareceu, deixando para trás velhos sobrados
que o Instituto do Patrimônio Histórico Nacional – IPHAN tombou e
dificultou seu ajustamento aos novos padrões arquitetônicos exigidos
pelo design moderno. Com o tempo, dado ao impasse e a queda de
braço entre o IPHAN e os proprietários, transformaram-se em ruínas,
entre as quais é emblemática a fachada em azulejo português da
antiga firma atacadista Alves & Irmãos que é fronteiriça ao Mercado
Modelo e está caindo aos pedaços.

Salvador perdeu sua condição de sede industrial a partir da


década de 1970 quando haviam cerrado suas portas as indústrias
têxteis aqui localizadas e outras congêneres que não suportaram a
competição com o parque industrial do Sudeste. O planejamento
estadual localizou o Centro Industrial de Aratu – CIA e o Complexo
Petroquímico de Camaçari – Copec noss municípios vizinhos, na RMS,
reservando para a capital o papel de cidade dormitório e provedora
de serviços.

No período em análise (1960/1970) o impacto inicial de


uma política de industrialização fundamentada na construção do
CIA e COPEC na RMS, combinada com a atração de investimentos
mediante a oferta de externalidades nestes distritos industriais
atraiu para Salvador um significativo fluxo migratório. Para isto,
também contribuiu o ingresso de substanciais transferências de
recursos federais, através do BNDE, da Secretaria de Planejamento da
Presidência da República (a fundo perdido) e do Sistema Financeiro
de Habitação (SFH/ BNH), o que ativou o mercado regional baiano,
dada a realização de um impressionante conjunto de obras de
infraestrutura física e urbano-social, de conjuntos habitacionais e da
montagem industrial, notadamente no CIA/COPEC, que expandiram
consideravelmente a criação de empregos e, por fim, a integração
dos projetos baianos com os do Governo Federal, notadamente no

22 Só a Empório que operava 899 teares, demitiu 697 operários em 1973 quando encerrou as
suas atividades (SPINOLA, 2009).

887
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

que se refere a petroquímica o que disponibilizou financiamento


público preferencial, através o sistema de incentivos fiscais federal e
estadual que promoveu uma transferência considerável de empresas,
da região Sudeste para a Bahia, mesmo que revertida quando do
esgotamento do prazo do benefício concedido.

A construção do CIA e do Copec além de outros projetos de


infraestrutura, aumentaram consideravelmente o fluxo de migrantes
da região Sudeste e Sul para a Bahia, segundo o IPEA/IBGE. Salvador
foi contemplado com um número significativo desta população
notadamente paulistas e gaúchos. E foi preponderantemente uma
mão de obra qualificada recrutada para a indústria petroquímica
e outros projetos industriais de grande, médio e pequenos portes.
A influência desses “novos baianos” na cidade do Salvador vem se
fazendo sentir gradualmente, pois eles passam a figurar com muita
representatividade no circuito intermediário da cidade graças ao
nível educacional mais elevado e ao poder de compra no mercado.
É o que denominamos de gradativa “paulistização” de Salvador. Esta
constitui uma hipótese de trabalho a conferir, sobretudo quando os
órgãos estaduais de informação se dispuserem a fornecer dados mais
completos sobre as migrações.

“Com a construção do Centro Administrativo


na Paralela a cidade tornou-se policêntrica.
Os grandes “shoppings” acabaram com
o comércio de rua e os supermercados
liquidaram as feiras.”

É de se supor, contudo, a partir da observação empírica, alguns


sinais evidentes de mudanças comportamentais em alguns segmentos
culturais da cidade. Em síntese a Salvador mágica, jorgeamadiana,
morreu nas décadas de 1970/1980, e isto se reflete na perda de
criatividade dos músicos atuais e em muitos outros elementos da
cultura local que tanto encantava a quem vinha de fora.

888
FRAGMENTOS

Por fim, nas transformações espaciais de Salvador, destaca-se


a reforma urbana a que foi submetida a cidade nas administrações
de Antonio Carlos Magalhães quando prefeito e posteriormente no
seu primeiro governo do Estado.

A abertura das avenidas de vale (Bonocô, Ogunjá, Garibaldi)


as avenidas estruturantes como a Luís Viana Filho (Paralela), a
Magalhães Neto, a Tancredo Neves, a Juracy Magalhães Jr a Dorival
Caymmi a Antonio Carlos Magalhães e a requalificação da Octávio
Mangabeira modificaram completamente a antiga funciona-
lidade da urbanização portuguesa. Ditada por um rodoviarismo
extremado, empurrou a população pobre para a periferia. Com
recursos do BNH ocuparam-se os grotões de terras mais baratas e
construíram-se bairros populares como Cajazeiras e Castelo Branco;
expandiram-se outros como o Pernambués e o Cabula; fizeram
surgir novos bairros verticalizados como a Pituba e o novo centro
comandado pelo Iguatemi e as avenidas ACM, Magalhães Neto e
Tancredo Neves. Com a construção do Centro Administrativo na
Paralela a cidade tornou-se policêntrica. Os grandes “shoppings”
acabaram com o comércio de rua e os supermercados liquidaram as
feiras. Queimaram o Mercado Modelo duas vezes até transformá-
lo num “shopping” de artesanato; queimaram a feira de Agua de
Meninos, só restando a de São Joaquim que permanece com uma
espada de Dâmocles sobre a ca- beça, aguardando a chegada de
novo modernizador. A cidade ganhou novo vetor de expansão na
direção do litoral Norte, conurbação com o município de Lauro de
Freitas e segue expandindo-se na direção dos litorais de Camaçari e
Mata de São João. Firmaram-se os dois vetores de expansão como
lados abertos de um triângulo. Na direção Noroeste, margeando a
Baía de Todos os Santos a Suburbana comanda o vetor do pobres e
no sentido Nordeste, seguindo a linha do litoral atlântico a Paralela
e a Estrada do Coco comandam o vetor dos ricos. Entre estes dois
vetores espraia-se numa topografia irregular um Miolo que reúne a
pobreza e a classe média baixa.

889
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

Figura 3 - Salvador - ocupação e uso do solo em 1968.

Fonte: Cristovão Brito. Fotoindice da CAENE.

Figura 4 - Ocupação urbana de Salvador em 2006.

Fonte: Souza, 2008.

890
FRAGMENTOS

Segundo Souza (2000, p. 60) é notória a ausência de


grandes equipamentos urbanos nas zonas habitacionais Oeste e
Norte da cidade, correspondendo ao Subúrbio Ferroviário e o Miolo
que, como visto, representam as áreas de moradia da maioria da
população com predominância de rendas mais baixas.

Segundo os critérios vigentes em 2002 a cidade estava


dividida em 16 regiões administrativas, duas a menos que as
constantes no Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano (PDDU)
de 2004 onde estão incluídas as regiões de Ipitanga e as Ilhas de
Maré e Frades.

A Tabela 2 apresenta o resultado de um estudo realizado por


Cruz e Spinola em 2002 projetando a Renda Municipal de Salvador
e sua distribuição até o ano de 2013.23 Em 1991 a renda municipal
estava claramente concentrada nas RAs da Barra (14,1%), Pituba
(12,5%) e Brotas (11,3%), ou seja, mais de 1/3 da renda da cidade.
Se fossem acrescentadas naquele ano as rendas da RAs do Rio
Vermelho (7,4%), Centro (7,1%) e Boca do Rio (6,9%) chegar-se-ia
a 60% do total da Renda Municipal concentrada em 38% das RAs.
Em 2013, pelas nossas projeções somente a RA da Pituba reunirá
34,7% da renda produzida na cidade. As áreas pobres continuaram
pobres. Em 1991, cinco Regiões Administrativas juntas (Tancredo
Neves (3,5%); Pau da Lima (4,2%); Cajazeiras (2,5%); Valéria (0,8%)
e o Subúrbio Ferroviário (4,4%) se apossavam de 15,4% da renda
municipal. Em 2013 estas mesma regiões se apossavam de 16,0%.
Em outras palavras a pobreza aumentou, pois a população cresceu
substancialmente enquanto a participação destas regiões na renda
da cidade se elevou em apenas 0,6%.

23 A metodologia adotada para chegar-se a estas conclusões é encontrada em Cruz e Spinola (2002).

891
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

Tabela 2 - Salvador: participação das RAs na Renda Municipal – 1999/2013.

Fonte: Cruz e Spinola 2002. Quadro 1

892
FRAGMENTOS

Tabela 3 - Salvador - População Residente por Cor ou Raça (Habitantes).

Fonte: Sistema de Informações do Município de Salvador (SIM). Disponível em


<http://www.sim.salvador.ba.gov.br/>

“Estão nesta tipologia bairros antigos com


ocupação realizada desde o início do século
XX. Foram se transformando ao longo do
tempo, verticalizando e pelo alto preço
do m2 tornando-se local...”

893
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

A cidade possui um conjunto de bairros ocupados


predominantemente pela classe de renda alta e média alta com
uma ocupação consolidada que poderemos denominar de Tipo
A. Estão nesta tipologia bairros antigos com ocupação realizada
desde o inicio de século XX. Foram se transformando ao longo
do tempo, verticalizando e pelo alto preço do m2 tornando-se
local de moradia dos mais ricos São eles a Barra, Ondina, Graça,
Canela, Corredor da Vitória, Campo Grande e a partir de 1960,
Pituba, Horto Florestal, Itaigara e Caminho das Árvores. Bairro
mistos que abrigam alguns bolsões da classe média – alta e a
classe média compõem o Tipo B. Estão entre eles o Rio Vermelho,
Brotas e Nazaré. O Tipo C é predominantemente da classe média.
São a Federação, Fazenda Garcia, Matatu, Stiep, Imbuí, Itapuã,
Cabula, Ribeira e Itapagipe. Pertencem ao Tipo D , classe média
baixa, Amaralina, Liberdade, São Caetano, Caixa D’Água, IAPI,
Mussurunga, Cajazeiras, São Cristovão. O Tipo E, baixa renda
compõe o Subúrbio Ferroviário e o Miolo da península. Esta divisão
não é rígida, pois existem infiltrações intersticiais na maioria dos
bairros oriunda de segmentos da classe média baixa e inclusive
de baixa renda. É o caso, por exemplo, do Calabar na Barra. Veja-
se na Figura 6 as áreas de ocupação informal, em azul, e a sua
promiscuidade com as áreas formais.

“Nesse processo, a outra face da cidade


possui um conjunto de regiões que, em
virtude do processo de concentração
espacial da renda, passaram a dividir fatias
cada vez menores e que, mantidas as atuais
tendências, estarão condenadas a dividir
menos ainda.”

O Subúrbio Ferroviário, local da nossa pesquisa, compõe


um dos maiores territórios de pobreza de Salvador. Teve sua

894
FRAGMENTOS

ocupação inicia- da pela construção da linha férrea, em 1860,


contudo a área se constitui nos anos de 1940 com muitos lotea-
mentos populares que mantêm im- portantes manifestações da
cultura afrodescendente; o subúrbio tem aproximadamente 500
mil habitantes de acordo com o último censo do IBGE, em sua
maioria negros, pobres e com baixa escolaridade, vítimas da
maior violência urbana24 do contexto metropolitano. Nesta área
há predominância de habitações precárias e deficientes, com
aglomerados de barracos em morros, encostas e até mesmo sobre
a Baía de Todos os Santos.

A outra área bastante pobre da cidade corresponde ao


“miolo de Salvador”, assim denominado desde os estudos do Plano
Diretor de Desenvolvimento Urbano (PLANDURB/1970). Este nome
se deve ao fato da região situar-se, em termos geográficos, na
parte central da península, ou seja, no miolo da cidade. Possuindo
cerca de 11.500 ha, ele está entre a BR 324 e a Avenida Luiz
Viana Filho – Avenida Paralela – estendendo-se desde a invasão
de Saramandaia até o limite Norte do município. Segundo Ináia
Carvalho e Gilberto C. Pereira (2006, p.88), o miolo urbano de
Salvador, começou a ser ocupado pela implantação de conjuntos
residenciais para a “classe média baixa” nas décadas de 1960/1970
através do Sistema Financeiro de Habitação - BNH, tendo a sua
expansão continuada por loteamentos populares e sucessivas
invasões coletivas, com uma disponibilidade de equipamentos e
serviços bastante restrita. A área do miolo é formada por cerca de
41 bairros que ocupam aproximadamente 36% da superfície da
cidade, em uma densidade demográfica no intervalo de [15.000 –
25.000 hab/km2], sendo que a parte mais densa corresponde ao
do complexo de Cajazeiras . A área considerada do miolo urbano
– vetor norte – nas últimas décadas teve uma ocupação mista, mas
com predominância de áreas residenciais, nela se localiza o CAB
– Centro Administrativo do Estado da Bahia, complexo de órgãos
governamentais, e na sua margem leste inúmeras universidades
privadas e algumas concessionárias de automóveis. Tendo sido um
latifúndio urbano, nesta área instalou-se em 1986 uma invasão

24 Conferir (ESPINHEIRA, 2004 apud SOARES, 2007).

895
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

(Malvinas) que atualmente se denomina de Bairro da Paz.

Ainda sobre a questão da renda em Salvador, vale citar o


estudo realizado em 2002 por Cruz e Spínola para a Prefeitura
de Salvador e publicado no n°6 da Revista de Desenvolvimento
Econômico – RDE, o qual fazia previsões sombrias sobre a
estrutura municipal da renda num horizonte projetado para até o
ano de 2013. Diziam: a hierarquia espacial da renda no município
de Salvador modificou-se radicalmente desde 1991 e algumas
conclusões parciais merecem ser aqui ressaltadas. Em primeiro
lugar, a Região Administrativa da Barra, que possuía a maior
concentração de renda em 1991, cedeu lugar ao crescimento da
Região da Pituba, que passou aceleradamente a assumir a primazia.
Depois, a intensidade do processo de concentração espacial
em torno desta Região, assumiu contornos bastante diferentes
daqueles assumidos pela região da Barra até 1993. Em 1999, a
Pituba concentrava quase 30% da renda municipal, podendo
concentrar até 35% desta riqueza no horizonte temporal de 2013.

Nesse processo, a outra face da cidade possui um conjunto de


regiões que, em virtude do pro- cesso de concentração espacial da
renda, passaram a dividir fatias cada vez menores e que, mantidas
as atuais tendências, estarão condenadas a dividir menos ainda.
Destacam-se, neste conjunto, as regiões de Valéria, São Caetano,
Cajazeira, Liberdade, Tancredo Neves e Subúrbio Ferroviário.

Não é só o aspecto da divisão da renda municipal, o que


mais preocupa: também chama a atenção, o fato de que, mantidas
as trajetórias regionais dos anos 90, a grande maioria doschefes
de família, com rendimentos superiores a 20 salários mínimos,
estará concentrada na RA da Pituba (43,5%), Itapoan e Barra. Por
outro lado, outras, como o Subúrbio Ferroviário, Tancredo Neves,
Cajazeirase Valéria, tendem a concentrar, juntas, mais da metade
dos chefes de família com rendimentos abaixo de dois salários
mínimos (Gráfico 1).

896
FRAGMENTOS

Figura 5 - O problema da moradia em Salvador

Fonte: (A TARDE, 2011).

Figura 6 - Salvador: renda da população por RA - projeção 2013.

Fonte: Cruz e Spinola (2002, p.65).

897
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

A PRODUÇÃO DE INSTRUMENTOS MUSICAIS EM SALVADOR

A maior parte dos instrumentos musicais produzidos em


Salvador é percussivo. Em geral, são de origem africana, com
pequenas modificações realizadas ao passar do tempo para melhor
atender aos novos estilos musicais criados pelos brasileiros. Vieram
trazidos pelos negros na época da escravidão e, inicialmente, serviam
para ritmar os cantos e as festas dos cultos afros.

“A produção de alguns deles, como o


berimbau, por exemplo, exige poucos
recursos, já em outros é bastante complexa
devido a exigência e peculiaridades
dos utentes.”

Devido à origem étnica desses instrumentos, a forma de


produzi-los e a de tocá-los, sobreviveu todos esses anos sendo as
informações passadas às sucessivas gerações pela tradição oral. A
produção de alguns deles, como o berimbau, por exemplo, exige
poucos recursos, já em outros é bastante complexa devido a exigência
e peculiaridades dos utentes.

Os instrumentos de percussão têm a ressonância de dois sons


básicos, que são explorados em ritmos de todas as partes do mundo.
Trata-se do som aberto (o) – com o instrumento solto e o som abafado
(+) – com o instrumento preso.

A combinação desses dois sons produz um colorido tímbrico


que, muitas vezes, é fundamental para o próprio ritmo.

Os especialistas, contudo, classificam os instrumentos de


percussão em membranofones e idiofones.

Os membranofones são aqueles onde o som é produzido

898
FRAGMENTOS

através uma pele esticada sobre uma abertura. Utilizam peles de


boi, de cobra, bode, cabra, gato e outros animais. Os modernos,
industrializados, utilizam material sintético. Nesta categoria se
enquadram todos os tipos de tambores.

“Como visto é grande e diversificada a lista


dos instrumentos dos ritmos brasileiros,
oriundos da África, de Portugal e Espanha, de
países árabes além dos autóctones, onde se
incluem os instrumentos indígenas”

Os idiofones são aqueles onde o som é produzido pela


vibração do próprio instrumento quando sob a ação das mãos
do músico. Segundo Biancardi (2006 p. 32) eles podem ser de
entrechoque ou de concussão o que é o caso dos pratos, matracas
etc.; percutidos com baquetas, como os triângulos, as marimbas;
sacudidos, como os caxixis; zumbidores, como os berra-boi.

O berimbau, o mais baiano dos instrumentos africanos,


não é considerado de percussão. É um instrumento de corda ou
cordofone.

O quadro seguinte fruto de nossa pesquisa de campo,


relaciona os principais instrumentos musicais produzidos em
Salvador.

Como visto é grande e diversificada a lista dos instrumentos


dos ritmos brasileiros, oriundos da África, de Portugal e Espanha, de
países árabes além dos autóctones, onde se incluem os instrumentos
indígenas. Alguns deles são comuns a várias regiões do país. É o
caso da caixa, do bombo, do pandeiro, etc., outros são exclusivos de
determinados ritmos regionais, é o caso do berimbau (da capoeira),
do bastão de ritmos (dos índios), da tinideira (do Boi de Matraca do
Maranhão), etc.

899
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

Quadro 2 - Instrumentos musicais baianos nos mercados e nos produtores.

Fonte: pesquisa de Natália Rangel (2012).

Figura 7 - Pontos de fabricação e comercialização dos Instrumentos Musicais.

Fonte: Spinola (2003).

900
FRAGMENTOS

Nesta pesquisa, foram destacados dois instrumentos que


representam a cidade do Salvador. Um na briga, no jogo, na dança e
outro na fé, na crença, no mistério. Suas majestades o Berimbau e o
Atabaque.

Berimbau
Entre os instrumentos musicais fabricados em Salvador o
mais emblemático é o Berimbau que é conhecido por outros vinte
nomes.25 Câmara Cascudo (1984, p.120), no seu Dicionário do
Folclore Brasileiro informa que é um instrumento africano sem entrar
em detalhes mais específicos sobre a sua origem.

Figura 8 - Gravura de Debret com a legenda l’aveugle chanteur tocadores de berim-


bau e marimba.

Fonte: Debret, Viagem Pitoresca ao Brasil, Prancha 41.

25 Urucungo, urucurgo, orucungo, oricungo, uricungo , rucungo, ricungo, berimbau


metalizado, gobo,marimbau, bucumbumba, bucumbunga, gunga, macungo, matungo,
mutungo, aricongo, arco musical e rucumbo.

901
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

É importante destacar que Camara Cascudo denomina o


instrumento como Berimbau de Barriga. Em seu verbete, diz o
etnógrafo potiguar que o Barimbau era um instrumento musical dos
escravos africanos por eles popularizado no Brasil”. Desconhecendo
provavelmente a sua popularidade em Salvador, e deixando perceber
certo preconceito, diz Cascudo que: “transmitido aos mestiços, é
ainda possível ouvi-lo entre a Bahia e o Maranhão e no Sul, arredores
do Rio de Janeiro e Minas Gerais”. Por seu turno, o pintor francês
Jean-Baptiste Debret (Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil) descreve
o berimbau-de-barriga, como chamamos no Nordeste, urucungo na
parte meridional: “Este instrumento se compõe da metade de uma
cabaça aderente a um arco formado por uma varinha curva, com um
fio de latão, sobre o qual se bate ligeiramente.

Pode-se ao mesmo tempo estudar o instinto musical do tocador,


que apoia a mão sobre a frente descoberta da cabaça, a fim de obter
pela vibração um som mais grave e harmonioso. Este efeito, quando
feliz, só pode ser comparado ao som de uma corda de tímpano, pois
é obtido, batendo-se ligeiramente sobre a corda com uma pequena
vareta, que se segura entre o indicador e o dedo médio da mão direita”.
Debret fixou o tocador de urucungo, cego trovador, num desenho
fidelíssimo tendo no mesmo quadro um tocador de marimba. Ver
Figura 8 deste estudo e a Planche 41 do original. Acrescenta Cascudo
que “na descrição de Debret falta dizer que a meia cabaça é posta no
ventre nu do músico. Algumas varetas têm um pequenino cabacinho,
com sementes, fazendo um minúsculo maracá. Ao som melancólico
e profundo da corda de latão, percutida pela vareta, responde a
pan- cada rítmica do maracá, no justo momento do contato com a
corda. É o instrumento dos capoeiras de outrora”.26 E dos capoeiras

26 Manoel Querino referindo-se à capoeira, traça um perfil pouco simpático dos seus jogadores.
“O angola era, em geral, pernóstico, excessivamente loquaz, de gestos amaneirados, tipo
completo e acabado do capadócio e o introdutor da capoeiragem, na Bahia. A capoeira era
uma espécie de jogo atlético, que consistia em rápidos movimentos de mãos, pés e cabeça, em
certas desarticulações do tronco, e, particularmente, na agilidade de saltos para a frente, para
trás. para os lados, tudo em defesa ou ataque, corpo a corpo. O capoeira era um indivíduo
desconfiado e sempre prevenido. Andando nos passeios, ao aproximar-se de uma esquina
tomava imediatamente a direção do meio da rua; em viagem,se uma pessoa fazia o gesto de
cortejar a alguém, o capoeira de súbito saltava longe com a intenção de desviar uma agressão,

902
FRAGMENTOS

de hoje, dizemos nós, pois não se joga (ou dança) capoeira sem este
instrumento. Ainda Camara Cascudo informa: “Rucumbo, uricungo,
o instrumento é conhecido em toda a África setentrional. As caixas
sonoras feitas de cabaças são, desde incalculável tempo, utilizadas
na Índia, nos instrumentos sagrados bramânicos e búdicos. O povo
intermediário para o negro foi o árabe, também grande conser- vador
do gênero. O mesmo que arco musical.” Em outro trabalho de Câmara
Cascudo (Civilização e Cultura):

Riemann, observando a semelhança entre os mais antigos


arcos musicais egípcios e o arco de guerra, não duvidou
decidir-se que aqueles provinham desse. Há 4000 anos
o egípcio cavou a parte interior do arco no intuito de
prolongar o som. Usava a corda de tripa de cabra ou de
fio de linho torcido. Em todas as regiões onde o arco
de caça e guerra prepondera há uma dança, servindo
os arcos de compassadores. Ainda resistem muitas
na África, América, Polinésia e, no Brasil, uma dança
de carnaval, caboclinhos, com os figurantes vestidos
de indígenas, onde o ritmo é dado pelo entrechoque
dos arcos. O ravanastrom do Indostão (uma ou duas
cordas em madeira aplainada, com caixa de ressonância
cilíndrica nos finais, e arco) era também árabe e seduziu
os pesquisadores que nunca conseguiram demonstrar
sua velhice avançada, a ponto de constituir-se pré-avô.
O arco musical está, nos dias atuais, com o título de
criador de todos os instrumentos de corda (CAMARA
CASCUDO, 1973 p. 317).

O berimbau baiano é fabricado em muitos bairros populares


de Salvador como mostra o mapa da Figura 7. Sendo um instrumento
de fabricação simples – dir-se-ia até primitiva – a sua produção é
acessível aos seus aficionados que podem fabricá-los nas suas
residências. Isto facilita a construção de redes informais de negócios
que liga os artífices e disseminando a produção pelos fundos de

embora imaginária. [...] Nesses exercícios que a gíria do capadócio [chamava] de brinquedo,
dançavam a capoeira sobre o ritmo do berimbau.”(QUERINO, 1988, p. 195-196).

903
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

quintal dos bairros pobres da cidade.

Em 2008 ocorreu em Salvador uma polêmica que envolveu


o berimbau e ganhou as manchetes dos jornais. Segundo o
jornalista Aragaki (2008) “o Coordenador do Curso de Medicina
da Universidade Federal da Bahia, justificando a nota baixa tirada
pelos alunos da Faculdade” no Exame Nacional de Desempenho
de Estudante – ENADE, associou a eles a figura do tocador de
berimbau e declarou que o “Berimbau é instrumento de quem tem
poucos neurônios, Só sai aquele barulho, ‘pu pu pu pu pu pu’.
Isso por acaso indica qualidade intelectual muito elevada? Não”,
afirmou.

O episódio causou celeuma e constituiu-se numa grande


publicidade para o instrumento. O fato é que o professor estava
equivocado e expressava uma opinião elitista e preconceituosa por
ser o instrumento marcantemente identificado com os negros e
com a parcela mais pobre da população. Tanto que, à época, o
Ministério Público baiano quis enquadrar o autor da blasfêmia nos
rigores da lei contra o racismo. “Embora não faça referência dire-
ta à questão étnica, a declaração caracteriza preconceito racial e
em relação à população baiana”, disse o promotor de Justiça e
combate à discriminação racial do MP-BA (ARAGAKI, 2008).

O fato é que o Berimbau é um instrumento de percussão


sofisticado. Como informa a etnomusicóloga Emilia Biancardi
(2006, p.112) ele é um instrumento monocórdio de arco e corda
golpeada que existe desde épocas remotas, com numerosas
variantes nos mais diversos países. Ela informa ainda que o arco
monocórdio é considerado na história da música como um dos mais
antigos instrumentos musicais do mundo originário provavelmente
no Egito há três mil anos antes de Cristo. Acredita-se mesmo que
o arco musical já estava em uso, por volta de 15 mil anos antes
de Cristo porquanto aparece em pintura rupestre dessa época na
caverna Trois Frères no Sudeste da França.

O berimbau é o maestro da capoeira um jogo, arte-marcial


ou dança trazida para o Brasil pelos negros africanos. Apesar de

904
FRAGMENTOS

não terem nascido juntos acabaram “se juntando” e integrando.


Segundo Biancardi (2006, p.111) acredita-se que a capoeira em
seus primórdios, era executada apenas com golpes.

Na Bahia utilizam-se três tipos de Berimbau. O Gunga, o


Médio e o Viola. O primeiro é também chamado de Berimbau
de barriga, possui uma cabaça grande e produz um som grave.
É geralmente tocado pelo Mestre (BIANCARDI, 2006, p.115). O
médio possui uma cabaça menor e o Viola com a cabaça menor de
todas possui um som mais agudo e improvisa variações rítmicas,
enquanto os outros dois marcam o ritmo.

Figura 9 - Tipos de Berimbaus: Gunga, Médio e Viola.

Fonte: Natália Rangel.

Atabaque
Não menos famosos e significativos da Bahia, são os
atabaques. Vieram da África e foram customizados27 pelos negros

27 Alterar algo para fazer com que sirva melhor aos requisitos de alguém. Perso- nalizar.
Encontrado em: <http://www.dicionarioinformal.com.br>27 Ver uma excelente descrição

905
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

escravos. São instrumentos de percussão. O Aurélio descreve-o como:


Tambor primário, feito com pele de animal distendida sobre um pau
oco e percutida com as mãos, e que se usa para marcar o ritmo das
danças religiosas e populares de origem africana ou influenciada por
esta. Também conhecido no Brasil como: atabal, atabalaque, atabale,
tabaque, tambaque, carimbó, curimbó.

Segundo Bira Reis (2011), falando sobre o atabaque existe


uma grande diferença quando se fala da origem ou da procedência
de determinado instrumento musical. Este é o caso da denominação
atabaque que deriva do árabe (attabl). Os africanos de procedência
sudanesa ou ioruba chamam os atabaques de rum (tambor grande),
rumpi (tambor médio) e lé (tambor pequeno). Atabaque é um nome
dado no Brasil e a forma de fabricação do jeito que vemos hoje
também é brasileira. Quando dizemos a palavra “atabaque” aqui no
Brasil, logo associamos aos três tambores utilizados no candomblé
porque é de forte influência sudanesa e o candomblé foi quem
preservou este instrumento durante vários anos. Se pronunciarmos
a palavra “atabaque” em árabe na Arábia certamente vão lembrar
outro tipo de tambor diferente do rum, rumpi e lé que conhecemos
no Brasil, devido à influência africana. Outras culturas africanas
diferentes das que vieram para o Brasil utilizam outros tambores
normalmente chamados “engomas” com formas diferentes, mas
sempre membranófonos. Aqui mesmo no Brasil podemos utilizar
diferentes nomes para os membranofones, por exemplo “timbal”,
que Carlinhos Brown usa na timbalada, ou atabaque do “jongo”
no Rio de Janeiro, que na verdade é o chamado “candongueiro”. A
palavra “ataba- que” virou termo genérico.

Os atabaques são utilizados nas práticas profanas e nos


cultos afro.

Os atabaques profanos são encontrados no Mercado e


vendidos pela Internet. Existem nas mais diversas qualidades e preços.
A despeito de observar-se uma relativa perda do rigor litúrgico
nos cultos afro produzidos pela urbanização intensa de Salvador,
fenômeno registrado a partir da década de 1960 e da agressividade
deste sistema em Staley & Morse (1971, p. 18).

906
FRAGMENTOS

das seitas protestantes, não são comercializados para o público


os atabaques do culto. Seria como um católico comercializar um
ostensório sagrado. Não obstante os atabaques comercializados no
mercado produzem os mesmo efeitos sonoros daqueles utilizados
nos terreiros.

Como instrumentos religiosos ele não é só um instrumento


musical ou objeto do ritual, mas é também uma entidade detentora
de significados fundamentais à existência do culto, mantendo a sua
unidade litúrgica.

Emilia Biancardi, no seu livro Raízes Musicais da Bahia conta


a história Enquanto o antropólogo francês cita a sacralização do
instrumento pronto a etnógrafa baiana fala na sacralização dos seus
componentes, no processo de produção do atabaque. Que depois é
batizado. Nas palavras de Biancardi (2006, p. 310-311):

A confecção de um atabaque destinado ao candomblé


exige, além de domínio no trabalho da madeira e no
tratamento do couro, o cumprimento dos rituais
de sacralização do instrumento. Os três costumam
ser de madeira ripada, unidas através de aros, e têm
forma afunilada. O couro requer maior preparação, do
ponto de vista artesanal e litúrgico, cabendo aos ogãs
a tarefa de prepará-lo para sua posterior colocação no
instrumento. Essa preparação inclui as seguintes etapas:

a) o couro é colocado em uma bacia com água, durante uma


noite; b) no dia seguinte, é fixado no atabaque; c) em seguida, raspam-
se os pelos nele eventualmente existentes. Vale mencionar que,
confeccionados em madeira e couro, os atabaques são geralmente
pintados com as cores do orixá a que foram dedicados. Além disso,
por ocasião das festas nos terreiros, é costume que esses instrumentos
sejam ornamentados com grandes faixas, amarradas em seu bojo,
denominadas oiás, ojás ou atacãs. Essas faixas costumam ter as cores
dos orixás a que cada um dos atabaques foi sacralizado (batizado),
ou a cor do santo da casa do candomblé

907
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

Com isto fica claro que – se mantidas as tradições – poucos


são os artesãos que preparam o atabaque para uso religioso.

É necessário observar que tudo que se refere ao negro


e a sua religião reveste-se de complexidade e muitas vezes de
contradição entre autores. Desde que o baiano Ruy Barbosa,
quando Ministro da Fazenda, sem qualquer preocupação com a
história, mandou queimar to- dos os registros do tráfico de escravo
existentes nas aduanas brasileiras, tornou-se extremamente difícil
traba- lhar com as origens dos negros e por consequência dos seus
instrumentos musicais. Por outro lado os próprios negros nem sempre
cooperaram com os pesquisadores.

Figura 10 - Atabaques Run, Runpi e Lé.

Fonte: Foto Roberval Santos.

908
FRAGMENTOS

“Por outro lado, se forem vender não


produzem. E assim acabam presos na teia
dos comerciantes e dos intermediários –
outra categoria especializada em ir buscar o
produto nas fontes e até em exportá-lo.”

Mercado
Sob o ponto de vista macroeconômico, o mercado de
instrumentos musicais de Salvador funciona sob um regime de
oligopólio do lado da oferta e oligopsônio na demanda.

São poucos os produtores de instrumentos musicais que


comercializam diretamente seus produtos. Os principais são a Dinho
Artes e Percussão; a Oficina de Investigação Musical – OIM (Bira Reis);
o Atelier Percussivo Mestre Lua Rasta – os três no Pelourinho e a
D.G.B.A Berimbau

- Fabricação de Instrumentos de Percussão (Sahib) no Mercado


Modelo. Constituem um oligopólio.

Observe-se que todos os comerciantes, tanto os do Mercado


Modelo quanto os do Pelourinho, possuem margens de lucro superiores
a 100%, pois quando não fabricam os instrumentos (caso em que são
formadores de preços) compram esses instrumentos diretamente dos
produtores por preços aviltados. No caso formam um oligopsônio.
Este regime se formou ao longo do tempo e de forma natural,
diante da total omissão das autoridades reguladoras (o Governo).
Comerciantes antigos foram ocupando os espaços de comercialização,
muitos mediante proteção política, dedicando-se ao atendimento da
procura pelos turistas. Uma parte deles montou pequenos fabricos
e outra parte ingressou no mercado do “sistema fabril a fação ou
disperso”28 montando uma rede de fornecedores que trabalham pau-
tados – recebendo a matéria-prima e as especificações do produto;
ou em artesanatos caseiros e em oficinas. Trata-se de uma imensa

28 Ver uma excelente descrição deste sistema em Staley & Morse (1971, p. 18).

909
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

rede que se espalha por alguns bairros e subúrbios de Salvador. Estes


produtores, muitos deles artistas, ou não possuem “tino comercial”
ou não têm acesso ao mercado. Não existe mais espaço para mostrar
suas peças. Se as colocarem nas ruas a Prefeitura confisca. Por outro
lado, se forem vender não produzem. E assim acabam presos na teia
dos comerciantes e dos intermediários – outra categoria especializada
em ir buscar o produto nas fontes e até em exportá-lo. Além disso, os
comerciantes recebem os produtos em consignação, o que significa
liquidar as possibilidades de capitalização e a limitação do capital de
giro. Por essas e por outras as novas gerações estão fugindo do ofício
dos pais, cuja perspectiva em médio prazo é a de extinção.

O sistema funciona como se existisse uma pirâmide onde no


topo, que aparece para a maioria dos consumidores e inclusive para o
governo, estão os Artesãos de 1° Grau. São aqueles que angariaram
fama a partir do mérito próprio e, também, do alheio. Eles produzem,
mais também agenciam seus produtos (dependendo da época e do
volume das encomendas) junto aos Artesãos de 2° Grau que podem
estar situados em Salvador ou no interior do Estado. O que rege estas
relações são laços de afinidade (parentesco, compadrio, interesses
comuns etc.).

Figura 11 - A articulação in- visível.

Fonte: elaboração do autor.

910
FRAGMENTOS

Esta articulação é informal e é mantida de forma invisível


ao grande público por todos os interessados. Afinal, muitas das
transações que aí ocorrem estão absolutamente na clandestinidade.

Existe ainda uma terceira categoria, a dos Artífices que


constituem uma mão de obra especializada que trabalha eventualmente
em casa atendendo às solicitações dos artesãos dos níveis superiores
e, em determinadas circunstâncias (alta estação turística) aparecem
sob a forma ambulante oferecendo seus produtos.

Cabe ainda informar que a margem de lucro do setor é muito


baixa, tornando-se insustentável a legalização de alguns deles. Para se
ter ideia, a maioria possui uma receita mensal de aproximadamente
R$ 6.000,00 e outra parcela, também significativa, não ultrapassa a
receita mensal de até R$ 3.000,00 . Assim sendo, quando são pagos os
custos, muito pouco sobra que compense os esforços. (GECAL, 2009).

Ademais sofrem a concorrência dos instrumentos fabricados na


região Sudeste e no exterior. São as grifes estabelecidas por marcas
que conferem status aos seus possuidores. Grandes músicos brasileiros
poderiam também usufruir a qualidade sonora dos instrumentos
baianos, auxiliando o crescimento e a profissionalização do setor.
Porém, isto não ocorre, pois as grandes fábricas produtoras, muitas
vezes utilizando-se do know how baiano, acabam produzindo
instrumentos em série, com qualidade sonora um pouco inferior, porém
padronizados, o que acaba influenciando a decisão de compra dos
músicos. Ademais, as grandes fábricas de percussão possuem ampla
vantagem de venda sobre os pequenos produtores locais devido a sua
associação com as grandes lojas de instrumentos do Brasil.

“Comparando os preços praticados do


fabricante, Mercado Modelo e no Pelourinho,
ver Tabela 4, pode-se perceber que os preços
aplicados no Mercado e no Pelourinho são
bastante superiores aos praticados
pelos fabricantes.”

911
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

No mercado formal de Salvador, poucos comerciantes


especializados na venda de instrumentos musicais trabalham com
os produtos locais. Parte por preconceito, parte pela desarticulação
do setor onde é muito difícil ligar-se as pontas da produção às da
comercialização. Como em toda a regra cabe uma exceção, foram
identificadas duas lojas que adquirem instrumentos no mercado
produtor local.

Figura 12 - Mestre Lua Rasta e seus produtos

Fonte: Natália Rangel

Os fabricantes forneceram para esta pesquisa os valores dos


instrumentos que produzem, possibilitando a criação de tabelas que
demonstram através dos números a forma como se posicionam no
mercado.

912
FRAGMENTOS

Preços dos Fabricantes em Salvador

Os preços dos produtos diferem conforme o produtor. Isto


decorre do material utilizado, do grau de formalidade informalidade
do produtor e, sobretudo, da grife que eles se atribuem.

Com a pesquisa, foi possível detectar que os produtos destes


artesãos prevalecem no Mercado Modelo. No Pelourinho, prevalecem
os produtos de Dinho da percussão e Mestre Lua, sendo que o último
já tem um perfil diferenciado de todos os produtores. Pois ele mescla
culturas de outro estado transcendendo-as na forma de desenho e
cores em seus instrumentos.

A feira São Joaquim vende instrumentos de todos os artesãos.


De acordo com os comerciantes, a compra é estabelecida mediante o
acordo que possibilite maior flexibilidade para eles, não importando
a origem dos produtos. Isto implica menor preço e maior prazo para
o pagamento.

Este comportamento dos comerciantes é determinado pelo


público alvo. Tanto no mercado modelo como no Pelourinho recebem
uma demanda muito maior de turistas, consequentemente os produtos
são mais aprimorados e encarecidos em comparação a Feira, pois esta
é frequentada em sua maioria pelos consumidores locais.

Comparando os preços praticados do fabricante, Mercado


Modelo e no Pelourinho, ver Tabela 4, pode-se perceber que os preços
aplicados no Mercado e no Pelourinho são bastante superiores aos
praticados pelos fabricantes. É bem verdade que no Mercado, como
no Pelourinho, os comerciantes arcam com os custos da formalização.
Mas isto não justifica diferencias da ordem de 200, 250 e até 300%.
Como se encontram numa posição privilegiada tanto no que se refere
à oferta dos produtos – o ponto de venda, acessível e relativamente
seguro – quanto na aquisição das diferentes peças – se os fabricantes
não venderem para eles, vão vender para quem? Estabelece-se a já
citada situação de oligopólio/oligopsônio. Em outras palavras a maior
parcela dos lucros fica em poder do comerciante intermediário.

913
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

Tabela 4 - Preços (R$) comparados de produtores e Mercado Modelo pesquisados


em dezembro de 2012.

914
FRAGMENTOS

Tabela 4 - Preços (R$) comparados de produtores e Mercado Modelo pesquisados


em dezembro de 2012 (continuação).

Fonte: Natália Cardoso Rangel (2012).

915
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

Recortes do trabalho de campo29

Foi realizada em 2012, entrevista com seis artesãos e


fabricantes residentes do subúrbio da região de Salvador com o
propósito de levantar dados sobre a produção de instrumentos
musicais na cidade. Seguindo o Código de Ética da Unifacs estes
não serão identificados. Foram denominados, para fins deste
estudo, Artesão 01; Artesão 02 e Artesão 03 os localizados,
na Baixa do Fiscal, próximo a Avenida Suburbana; e Artesão 4,
Artesão 5 e Artesão 6 os instalados em Plataforma, Subúrbio
Ferroviário da cidade.

A penetração no segmento é muito difícil. Só através de um


“iniciado” que sirva de cicerone. E estes não são também muito
acessíveis. Depois de várias visitas ao Mercado Modelo e muita
conversa conseguimos um guia que nos cobrou uma “diária”
de R$30,00 para nos levar até algumas oficinas. Não pudemos
continuar, pois o “guia” sumiu. Depois soubemos que havia sido
preso...

A amostra foi aleatória e a sua escolha demandou cabulosas


negociações, pois o segmento é fechado aos estranhos ao métier.
Na maioria dos casos as oficinas estão localizadas no “circuito
inferior da cidade” em bairros muito pobres, onde a cidade
formal não penetra. Em alguns casos, nas proximidades existiam
“bocas de fumo” e o trânsito de não moradores só era seguro se
acompanhado de um cicerone local que consistia a salvaguarda
do pesquisador. Em qualquer circunstância a pesquisa após o
anoitecer é impossível. Vale observar que os artesãos nada têm
a ver com a marginalidade que os cerca. Eles estão ali porque
sempre estiveram. Seus ascendentes ali chegaram migrando do
interior no intenso processo de urbanização da cidade. Invadiram
terrenos formando invasões que depois se consolidaram a revelia
de qualquer processo de infraestruturação por parte do Estado.
Com o boom populacional ocorrido a partir da década de 1970 a

29 Relato da pesquisadora Natália Rangel.

916
FRAGMENTOS

marginalidade se instalou e, ai, formou-se o quadro com que nos


deparamos. Contudo, não são marginais no sentido criminal do
termo, os que foram entrevistados são pessoas honestas, pais de
família e trabalhadores. São respeitados pela comunidade que os
cerca, pois inclusive, dão emprego a muitos jovens.

Durante a visita aos locais das fabriquetas foi detectado


que os instrumentos são fabricados em oficinas localizadas, muitas
vezes, nas residências,. Em suas casas, eles separaram um espaço
para realizar os trabalhos com o intuito de não precisarem alugar ou
comprar um terreno. Parte da matéria prima que utilizam procedem
de um mercado de sucata através de negociações informais.
Alguns deles afirmaram que na maioria das vezes são usuários de
droga que vão vender madeiras advindas das construções civis da
cidade. As tábuas que as construtoras usam para fazer as formas
de concretagem depois do uso primário vão se transformar em
tambores, cuícas, atabaques e outros instrumentos de percussão.
O couro também vem de negociações informais de açougues
clandestinos na cidade ou adquiridos junto aos intermediários que
os trazem na porta ou na Feira de São Joaquim. Os produtos mais
vendidos por eles, são: bongô, atabaque, timbal, cuíca, bacurinha,
cabuletê e pandeiro. As vendas sofrem a sazo- nalidade, devido
ao verão do Brasil e da Europa, pois a procura pelos produtos é
maior devido ao turismo. Alguns desses artesãos comercializam
os instrumentos para fora do país, mas não fazem ideia da
alteração de preço sofrida por eles, ao serem repassados para os
intermediadores. Os valores de cada item, segundo eles, são os
mesmos vendidos a donos de loja dentro do país. Eles negociam
os objetos para representantes brasileiros, que os repassam para
empresários de países como França, Alemanha, e Suíça. De acordo
com eles, após adquiridos, os instrumentos recebem marcas e
etiquetas para serem comercializados. Estabelecimentos formais,
como a Musicon e Nova Miron, ambas localizadas na Calçada,
centro de Salvador, por exemplo, compram os instrumentos dos
artesões para colocar sua marca. Foi percebido que os entrevistados
não quiserem falar mais detalhes sobre os valores da negociação
com medo de uma exposição futura.

917
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

O Artesão 5 foi o único fabricante empresarialmente mais


estruturado. Informou que tem contato com o Instituto Mauá30
e que na loja, (ponto de venda do Instituto) eles cobram 20% de
comissão, taxa esta que é adicionada ao valor estabelecido por ele.
Informou também que muitos clientes com quem tem contato são
estabelecidos através das rodadas de negócios (evento promovido
pelo Mauá que liga o produtor ao comprador).

Dois dos entrevistados disseram que o Instituto “chamou


eles para ministrar aula sobre como produzir instrumento durante
dois meses e nada receberam” (sic). Outro alegou que o Instituto
não serve para ajudá-lo.

França e Suíça são países que tem contato comercial


diretamente com os produtores. São Paulo, Rio de Janeiro, Santa
Catarina e Minas Gerais, são os estados brasileiros que mais dão
lucros para os artesãos baianos. Apesar de atender a essa gama
do mercado, os produtores soteropolitanos não têm estrutura
para lidar com o avanço da tecnologia nas negociações. Alguns
“não sabem mexer em nada relacionado ao computador e não
tem acesso à Internet”. Outros, mesmo sabendo usar a internet
não a utilizam para divulgar seu trabalho, Apenas dois utilizam
redes sociais e sites para a divulgação dos seus produtos. Ambos
contam com a ajuda de filhos e parentes para usar as ferramentas,
pois alegaram não ter tanta prática com o meio de comunicação.

“Um deles só trabalha por encomenda e


o pagamento é feito imediato contra a
entrega. Outro recebe 50% na entrega do
produto e o restante fica programado para
trinta dias depois.”

Apenas um tem inscrição no Cadastro Nacional de Pessoa

30 Autarquia estadual que trabalha com o fomento ao artesanato.

918
FRAGMENTOS

Jurídica (CNPJ) e conta com um funcionário com a Carteira de


Trabalho e Pre- vidência Social (CTPS) assinada. Outro é registrado
como autônomo, e contribui ao Instituto Nacional do Seguro Social
(INSS). Os demais desconhecem e fogem da formalização devido
aos encargos. Todos eles disseram que trabalharam com vendas
em consignação, mas diante da espera, que as vezes durava 8
meses e dos famosos calotes pararam de negociar dessa forma.
Hoje, cada produtor cobra de forma diferenciada, de acordo com
sua necessidade.

“Um deles só trabalha por encomenda e o pagamento é


feito imediato contra a entrega. Outro recebe 50% na entrega
do produto e o restante fica programado para trinta dias depois.
Alguns vendem seus instrumentos a prazo – dependendo do
cliente –, ou negociam seus instrumentos para comerciantes da
Associação dos Artesãos da Bahia (ADABA).”

Os trabalhos são realizados na maioria das vezes em


família. Antes, existia uma tradição muito mais forte que passava
de pai para filho. Atualmente os entrevistados declaram que não
querem a vida de artesão para seus filhos devido às dificuldades
nos negócios e o baixo retorno financeiro.

Existem alguns produtores que adaptaram peças para uma


função no processo de produção por não ter capital suficiente
para comprar uma máquina industrial. Um deles adaptou o motor
de máquina de lavar e de freezer para poder fazer a etapa de
polimento e designer de alguns instrumentos.31

31 Constatou-se na pesquisa a existência de uma indústria de reciclagem de sucata – máquinas


de eletrodomésticos descartados – funcionando clandestinamente no bairro da Liberdade e
outros adjacentes. O acesso aos fabricantes é muito difícil.

919
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

Figura 13 - Fabricando atabaque.

Fonte: Foto de Natália Rangel.

Figura 14 - Equipamentos rudimentares.

Fonte: Foto de Natália Rangel.

920
FRAGMENTOS

Durante uma visita a uma das oficinas foi constatado que


crianças, sem equipamentos de proteção e sem a presença de seus
responsáveis, estavam exercendo funções no processo de produção
dos instrumentos. Descalças e seminuas, elas se dedicavam ao
trabalho. Os produtores alegam que utilizam a mão de obra infantil
a pedidos dos pais das crianças que acreditam na ocupação de forma
remunerada como uma maneira de distanciá-la da criminalidade de
onde moram.

Diferente dos demais fabricantes, o Artesão 5, é um criador


que possui uma linha de produção com máquinas e ferramentas
específicas para a con- fecção dos instrumentos. Com isso, ele
consegue desempenhar suas tarefas em maior escala, obter resultados
mais rápidos e aperfeiçoar os instrumentos com maior precisão.

Figura 15 - Trabalho infantil.

Fonte: Foto de Natália Rangel.

921
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

Outro diferencial do Artesão 5 é a produção do couro. Ele


compra couro cru em açougue clandestino em Salvador, Simões Filho
e Candeias; faz o tratamento com óxido de cálcio para a retirada do
pelo sobre o couro e em seguida coloca para secar. Este trabalho é
realizado por crianças que fazem o tratamento do couro sem nenhuma
higiene dentro de um galpão sem ventilação e sem segurança, pois
executam toda a operação com substância corrosiva, sem utilizar
nenhuma proteção na mão.

A comercialização é feita entre os produtores locais, custa R$


20,00 (vinte reais) o couro pronto, para ser utilizado na fabricação
dos instrumentos.

Figura 16 - Couro secando.

Fonte: Foto de Natália Rangel.

O Artesão 5, possui máquinas de cartões de crédito para


clientes que preferem parcelar suas compras, e um vínculo comercial
com o Instituto Mauá - órgão que promove e comercializa artesanato
baiano -, aumentando, assim, seu leque de clientes. O artesão conta
ainda com uma página na Internet, onde facilita o acesso de seus

922
FRAGMENTOS

compradores aos seus produtos, disponibilizando mais informações


sobre cada produto e seus preços.

“O desastre, que envolveu o local precário e os


instrumentos de trabalho, resultou na perda
de um olho. Por conta disso, ele teve que se
adaptar às limitações de vida que
o acidente lhe proporcionou.”

O Artesão 1, que tem um pequeno espaço para fabricação


dos instrumentos perto de sua residência, localizada no bairro da
Baixa do Fiscal, é famoso por confeccionar barris de cachaça. Ele
conta com a ajuda do seu filho, dois parentes e um conhecido
para produzir os instrumentos. Há alguns anos, um grave acidente
de trabalho lhe deixou uma séria sequela que o impossibilita de
confeccionar seus instrumentos sozinho. O desastre, que envolveu
o local precário e os instrumentos de trabalho, resultou na perda
de um olho. Por conta disso, ele teve que se adaptar às limitações
de vida que o acidente lhe proporcionou.

A situação atual não se diferencia do passado. A oficina


deste artesão é o que se denomina na gíria de “cacete armado”.
Não é ventilada, não existe janela, nem entrada e saída de ar.
Ela conta apenas com a porta, o que se torna um grande perigo
em caso de incêndio e acidentes. O pó, que vem dos restos das
madeiras trabalhadas, deixa o ambiente cheio de poeira e um
cheiro desagradável. Além disso, existe um esgoto a céu aberto
na porta da sua fabriqueta, que exala um odor desagradável e
escorre um líquido repleto de bactérias, prejudicando a saúde
de todos que moram próximo a ela. Isso intensifica ainda mais a
insalubridade do local.

923
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

Figura 17 - Precariedade.

Fonte: Foto de Natália Rangel.

Figura 18 - Insalubridade.

Fonte: Natália Rangel.

924
FRAGMENTOS

Conclusão

A pesquisa demonstrou como funciona o segmento produtor


de instrumentos musicais na cidade do Salvador e quais as suas
perspectivas confirmando a hipótese assumida de que este segmento
tende a se extinguir em médio prazo se não for amparado por políticas
públicas que funcionem como uma blindagem diante das ameaças
da modernidade e do processo de globalização.

O segmento artesanal compreende um conjunto de atividades


que estão relacionadas diretamente com a realidade socioeconômica
da cidade. Este segmento retrata fortemente as questões étnicas,
folclóricas e religiosas, sendo fruto da criatividade humana que
têm suas raízes em eras remotas quando o homem iniciou-se no
desenvolvimento das manufaturas. Em nosso caso, como somos
predominantemente negros, herda- mos da cultura africana uma
arte primitiva que encanta e deslumbra os ditos “civilizados”. No
entanto esta arte, esta cultura, vem se dissolvendo no caldo ruim da
modernidade. Vem perdendo o valor diante da indústria cultural que
serve a uma sociedade de massa bestificada pelo marketing.

“Os problemas dos produtores começam pela


sua posição na informalidade. Parece que os
mecanismos atuais de inserção no mercado
formal ainda não os atraíram. Por quê? Será
que ainda são complexos para o nível de
compreensão deles?”

Os produtores de instrumentos musicais em Salvador-Bahia


encontram-se numa posição bastante delicada referente ao seu
espaço no mundo contemporâneo, pois os instrumentos de maior
procura são os industrializados e isto faz com que os artesãos percam
o estímulo de produzir devido à diminuição, não diríamos da sua

925
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

rentabilidade e sim da sua capacidade de sobrevivência.

Os problemas dos produtores começam pela sua posição


na informalidade. Parece que os mecanismos atuais de inserção no
mercado formal ainda não os atraíram. Por quê? Será que ainda são
complexos para o nível de compreensão deles? Ou os organismos
incumbidos de convertê-los não os atingiram? Na informalidade eles
se tornam marginais ao sistema. Ou seja, continuam como são. Não
tem condições de acessar o crédito bancário. Não possuem noções
mínimas de administração e de organização dos negócios. Muitos
não sabem o valor do estoque, o valor do seu processo produtivo, a
importância do capital de giro.

Existem diversos programas que apoiam o artesanato no


Brasil, principalmente no âmbito federal e estadual. Todavia, não
existe uma articulação em sinergia estabelecida entre eles.

O SEBRAE, órgão vinculado ao governo, tem como propósito


orientar diversos investimentos. Mas ao se tratar de casos específicos,
não esclarece com solidez os demandantes dos seus serviços. O
Instituto Mauá, criado há 70 anos, cujo princípio básico é divulgar
as tradições culturais da produção de artesanato local preocupa-se
mais com o artesanato de bordados e rendas. Não se faz conhecer
pelos artesãos. Funciona no sistema: estou aqui, quem quiser que me
procure. Dos produtores entrevistados somente um, tem o cadastro
na instituição, sendo que este tem que pagar uma taxa de 20%
sobre o valor da venda, caso a negociação tenha sido indicada pelo
Instituto. Mas se o Instituto Mauá é um órgão mantido pelo governo
da Bahia, porque cobrar os 20%? Outra questão a ser explicitada, é
que, dois dos entrevistados disseram que o Instituto Mauá entrou em
contato com eles para que doassem seu tempo para ensinar crianças
vinculadas ao Instituto em prol de uma boa ação. Mas a intenção
da organização governamental não é ajudar a estes artesãos? Sem
contar que não existe nem um estudo ou um projeto voltado para
estes produtores.

926
FRAGMENTOS

Contextualizando em nível nacional, existe o Programa de


Artesanato Brasileiro (PAB) que tem em seus fundamentos, atuar na
elaboração de políticas públicas voltadas para ações que valorizem o
artesão brasileiro. Contudo, não existe nenhuma iniciativa também
voltada para o segmento pesquisado.

“Em seguida, identificar suas condições


mercadológicas e examinar de forma
minuciosa seus problemas organizacionais
para com isso, orrigir de forma individual
as falhas existente Ainda em termos
mercadológicos criar um Guia do Produtor de
Instrumento...”

O mecanismo viável não seria formular uma política uniforme


para o setor. É preciso apenas inserir um programa nessas instituições
de fomento que assuma diversas faces que se ajustem a cada tipo de
segmento, e que estejam engajados pelos seguintes princípios:

1) respeitar a cultura local, e especificamente do segmento


pesquisado. Não atribuir modelos exógenos quando existir
comportamentos enraizados na comunidade;

2) procurar manter a tradição do segmento, evitando a


introdução de modernidades que possam substituíla e
assim produzam a perda do seu maior valor que é o cultural;

3) tentar introduzir de forma simplificada uma estrutura de


gestão administrativa acessível para uma gestão eficiente;

4) criar mecanismos que garantam espaço físico na cidade


para os pequenos produtores de forma que possibilitem
uma ampla exposição pública das suas obras;

5) promover a inclusão digital desses produtores, inclusive


oferecendo a eles serviços gratuitos de construção de sites

927
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

para a divulgação dos seus produtos32.

6) desenvolver nas organizações de fomento, interna corporis,


a compreensão de que o estágio econômico-cultural desses
produtores pode sobreviver ao mundo globalizado se
houver uma inclusão assistida no mercado.

Tendo como base estes princípios, é preciso criar medidas


concretas de apoio técnico e financeiro a estes artesãos: mapear
suas localizações na cidade mediante rastreamento fotogramétrico e
cadastrá-los sem maiores burocracias,33 identificando as necessidades
de cada um. Em alguns casos, por exemplo, precisam de ajuda para
legalização fundiária, restauração de imóveis, sinalização da oficina,
melhoria da infraestrutura de acesso. Em seguida, identificar suas
condições mercadológicas e examinar de forma minuciosa seus
problemas organizacionais para com isso, corrigir de forma individual
as falhas existentes. Ainda em termos mercadológicos criar um Guia
do Produtor de Instrumentos Musicais de Salvador em espanhol,
inglês e francês para a distribuição aos turistas e as agências de
turismo. E por último, estabelecer um vínculo operacional com os
produtores até que eles consigam por conta própria conduzir seus
próprios negócios.

“A grande vantagem deste modelo é que


as decisões de como produzir e administrar
a propriedade fica a critério do associado;
cabe à Cooperativa dar cobertura na parte
de comercialização e fornecimento de
documentação fiscal, entre outras funções
(Guimarães Júnior, 2011).”

Uma medida em médio prazo consistiria na formação de


uma cooperativa virtual ou não patrimonial. Diferentemente das
cooperativas tradicionais, as cooperativas virtuais ou não patrimoniais,

928
FRAGMENTOS

também conhe- cidas como cooperativas descentralizadas, têm


como função principal dar cobertura jurídica e legalizar a instalação
de unidades descentralizadas de produção, realizadas através
de contrato de comodato entre a cooperativa e o cooperado. Por
se constituir numa Sociedade Civil de fins não econômicos e com
o objetivo de promover o trabalho em comum, possibilita melhor
utilização dos fatores de produção e com baixo custo operacional. A
grande vantagem deste modelo é que as decisões de como produzir
e administrar a propriedade fica a critério do associado; cabe à
Cooperativa dar cobertura na parte de comercialização e fornecimento
de documentação fiscal, entre outras funções (Guimarães Júnior, 2011).
Desta forma, o cooperado para produzir não necessita aumentar
excessivamente a sua Unidade Familiar Produção, logicamente
não necessitará fazer altos investimentos, o que lhe dá vantagens
referentes aos seus custos operacionais, dificilmente obtidos nos
modelos habituais de cooperativa desses produtores para conseguirem
melhorar suas condições de trabalho, pois aumentaria sua produção,
conseguiriam uma fatia no mercado, crescimento e a conquista de um
espaço, podendo assim, competir com fábricas maiores.

É importante observar que os artesãos têm medo de legalizar


seus negócios por conta das altas cargas tributárias.

O que se procura aqui é criar de forma harmônica métodos


que corrijam os efeitos danosos que a industrialização vem trazendo
para estes produtores, por mais que existam fábricas atuando nos
mercados. E isto só irá se concretizar quando os artesãos detiverem
suporte técnico, mesmo que seja de forma simples, sobre a gestão do
negócio em que eles atuam independente de políticas públicas voltada
para esta questão.

Existe no Banco do Nordeste - BNB, por exemplo, o Programa


CREDIAMIGO que é um incentivo para obter créditos facilitados para
empreendedores pertencentes aos setores informal ou formal da
economia. (microempresas, enquadradas como Microempreendedor
Individual, Empresário Individual, Autônomo ou Sociedade Empresária).
Mas eles não têm acesso a esta informação como a muitas outras
existentes. E isto acaba impedindo a melhoria do negócio.

929
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

Referências

A TARDE. Transcrevendo dados do Censo Demográfico do IBGE –


Aglomerados Subnormais de 2010, 22 dez. 2012.

ARAGAKI, Bruno. Berimbau é instrumento de quem tem poucos


neurônios, diz coordenador de medicina da UFBA, 2008. Disponível em:
<http:// educacao.uol.com.br>. Acesso em: 30 dez. 2011.

ARRIGHI, Giovanni. A ilusão do desenvolvimento. Petrópolis: Vozes, 1997.

BARROS, Ricardo Paes de. HENRIQUES, Ricardo; MENDONÇA,


Rosane. A estabilidade inaceitável: desigualdade e pobreza no Brasil. Rio
de Janeiro: IPEA, 2001.

BASTIDE, Roger. As religiões africanas no Brasil: Contribuição a uma


Sociologia das Interpenetrações de Civilizações. 2. ed. São Paulo: Pioneira,
1977.

BASTIDE, Roger. O Candomblé da Bahia. São Paulo: Companhia das


Letras, 2001.

BAUMOL, W.J; BOWEN, W.G. Perfor-


ming Arts: The Economic Dillema.New York: Twenty Century Fund, 1996.

BERMAN, Marshal. Tudo que é sólido desmancha no ar. São Paulo:


Companhia das Letras, 1987.

BIANCARDI, Emília. Raízes Musicais da Bahia. Salvador: Omar G. Editor, 2006.

BIRA REIS. Atabaques. Entrevista concedida à Noelio Spinola, 20 mar. 2011.

BOURDIEU, Pierre. O Poder Simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1998.

BRAUDEL, Fernand. Civilização Material, Economia e Capitalismo, Séculos


XV-XVIII. São Paulo: Martins Fontes, 1996.

CACCIAMALI, Maria Cristina. Setor Informal Urbano e formas de participação


na produção. Estudos Econômicos, São Paulo, v. 13, n. 3, p. 607-627, 1983.

930
FRAGMENTOS

CACCIAMALI, Maria Cristina. Expansão do mercado de trabalho não


regulamentado e setor informal. Estudos Econômicos, São Paulo, v.19,
número especial, 1989, p. 25-48.

CACCIAMALI, Maria Cristina. As economias informal e submersa: conceitos


e distribuição de renda. In:

CAMARGO, J. M., GIAMBIAGI. (Org.) Distribuição de renda no Brasil. Rio


de Janeiro: Paz e Terra, 1991.

CÂMARA CASCUDO, Luís da. Civilização e Cultura. Pesquisa e notas de


Etnografia Geral. Brasília: Instituto Nacional do Livro/MEC, 1973.

CÂMARA CASCUDO, Luís da. Di-


cionário do Folclore Brasileiro. Belo Horizonte: Itatiaia, 1984.

CANCLINI, Nestor Garcia. Consumidores e cidadãos conflitos multiculturais


na globalização.4. ed. Rio de Janeiro: Ed. UFRJ, 2001.

CARNAVAL 2010. Comportamento dos residentes de Salvador na festa e


suas práticas culturais. Salvador: Secretaria de Cultura do Estado da Bahia,
Infocultura, v.2 n.6, 2011.

CARNEIRO, Edison. Os cultos de origem africana no Brasil. Rio de Janeiro:


Biblioteca Nacional, 2002.

CARNEIRO, Edison. Candomblés da Bahia. Rio de Janeiro: Civilização


Brasileira, 2005.

CASSIOLATO. José Eduardo; LASTRES. Helena Maria. Cultura e


desenvolvimento: o APL de música de conservatória. Relatório para a OIT.
Rio de Janeiro: Rede Sist, 2005.

CASTELLS, Manuel. La cuestión urbana. México: Siglo Veintiuno Editores, 1971.

CHRISTALLER, W. Le Localitá Centralli della Germania Meridionalle.


Milano: Franco Angeli Editore, 1965.
CORAGGIO, José Luiz. Economia Urbana. La perspectiva popular. México
(DF): Centro de Estudios Históricos de El Colegio de México, 1984.

COSTA LIMA, Vivaldo. A família de santo nos candomblés Jeje – Nagôs da

931
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

Bahia: Um estudo de relações intragrupais. Salvador: Corrupio, 1977.

COSTANZI, Rogério Nagamine. Trabalho decente e juventude no Brasil.


Brasília: Organização Internacional do Trabalho, 2009.

CRUZ, Rossine; SPINOLA, Noelio. Distribuição da Renda em Salvador. Revista de


Desenvolvimento Econômico, Ano IV, n. 6, p. 54-68, jul 2002.
DE PAULA, Nelson. 458 anos da fundação da cidade de Salvador. Dis- ponível
em: <www.depaulaohistoriador. blogspot.com>. Acesso em: 8 Nov. 2011.

DEBRET, J.B. Voyage pittoresque et historique au Brésil. Paris: Firmin Didot


Frères Edicteurs, 1834.

ESPINHEIRA, Gey. Sociabilidade e Violência: criminalidade no cotidiano de


vida dos moradores do Subúrbio Ferroviário de Salvador: Ministério Público
da Bahia, Universidade Federal da Bahia, 2004.

FANON, Frantz. Pele negra, máscaras brancas. Salvador: Fator, 1983.

FEATHERSTONE, Mike. Cultura global. Nacionalismo, globalização e


modernidade. São Paulo: Vozes, 1990.

FLEXOR, Maria Helena Ochi. J. J. Seabra e a reforma urbana de Salvador.


In: BATISTA ,Marta Rossetti; GRAF, Márcia Elisa de Campos. Cidades bra-
sileiras: políticas urbanas e dimensão cultural. São Paulo: Instituto de
Estudos Brasileiros; Universidade de São Paulo, 1998. p. 108-119.

GECAL, Grupo de Estudos da Economia Cultural. A economia cultural de


Salvador: pesquisa de campo. Salvador: Unifacs, 2009.

GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: Guanabara,


1989.

GIDDENS, Anthony. La estructura de clases en las sociedades avanzadas.


Madrid: Alianza Universidad. 1974.

GONÇALVES, Ana Maria. Um defeito de cor. Rio de Janeiro: Record, 2006.

GONZALBO, Fernando Escalante. La mirada de dios: estudio sobre la cultura


del sufrimiento. México (DF): Paidós, 2000.

932
FRAGMENTOS

GUERREIRO, Goli. A Trama dos Tambores– A música Afro-Pop de Salvador.


São Paulo: Editora 34. Coleção Todos os Cantos, 2000.

HARVEY, David. Urbanismo y desigualdad social. México: FCE, 1987.

HERSKOVITS, Melville J. Man and his work.Antropologia Cultural. São Paulo:


Editora Mestre Jou, 1973.

HORKHEIMER, Max; ADORNO Theodor. Dialéctica del Iluminismo, 1944.


Disponível em: <http://www.marxists. org/espanol/adorno/1944-il.htm>
Acesso em: 12 set 2010.

IANNI, Octávio. Escravidão e Racis- mo. São Paulo: Hucitec, 1988.

IBGE, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Economia Informal


Urbana. Brasília: IBGE, 2003.

IBGE - INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Sinopse do


Censo Demográfico 2010. Brasília: IBGE, 2011.

ILÊ AYÊ. Ilê 35 anos. Disponível em: <http://www.ileaiye.org.br/> Acesso


em: 17 nov. 2011.

JORGE, João. A Bahia perdeu a sua criatividade. A Tarde, Revista Muito, n.


189, p.7, 2011.

KLUCKHOHN, C. Culture and Behavior, New York: Macmillan Co.,1962

KON, Anita. Economia de serviços. Rio de Janeiro: Campus, 2004.

KROEBER, A.L. (Org.) Anthropology Today. Chicago: University of Chicago


Press, 1953.

LASUÉN, José Ramón. Cultura y Economía. Madrid: Datautor, 2005.

MAIA, Vasconcelos. ABC do Candomblé. Salvador: Edição do Autor, 1977.

MARX, Karl. O 18 de Brumário de Louis Bonaparte, 1852. Disponível em:


<http://www.pcp.pt/publica/edicoes
-avante/index.htm> Acesso em: dez 2011.

933
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

MARX, Karl. Formações Econômicas pré-capitalistas. 6. ed. São Paulo: Paz


e Terra, 1964

MERCADO MODELO BAHIA. História do Mercado Modelo. O mercado da


cultura da Bahia, 2013. Disponível em: <http://www.mercadomodelobahia.
com. br> Acesso em: 12 abr. 2013.

MIGUEZ, Paulo. Cultura, Festa e Cidade – uma estratégia de desenvolvimento


pós industrial para Salvador: Revista de Desenvolvimento Econômico,
Ano I, n.1, 1998.

MINC, Ministério da Cultura. Plano da Secretaria da Economia Criativa.


Diretrizes e ações 2011-2014. Brasília: Ministério da Cultura, 2012.

OIT - ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Programa


regional de empleo para América Latina y el Caribe. Santiago de Chile:
PREALC, 1993.

PEDRÃO, Fernando Cardoso. Urbanização, informalidade e saúde: a teoria e a


experiência de Salvador entre 1950 e 1990. Cadernos de Análise Regional,
n. 2. Salvador: UNIFACS, 1998.

PORTER, M. The competitive Advantage of Nations. New York: Free Press;


Mc Millan, 1990.

PRACATUM. Trabalho social da Pracatum, 2011. Disponível em: <http://


carlinhosbrown.com.br/mosaico/trabalho- social/associacao-pracatum>.
Acesso em: 17 nov. 2011.

QUERINO, Manuel. Costumes africanos no Brasil. Recife: Massagana, 1988.

RANGEL. Natália Cardoso. Economia da Percussão em Salvador. Salvador:


Unifacs, 2012.

RANKBRASIL. Livro de Recordes, 2011. Cidade brasileira com maior


número de negros. Disponível em:
<http://www.rankbrasil.com.br>. Acesso em: 8 nov. 2011.

REGINA, Maria Emília Rodrigues; FERNANDES. Rosali Braga. O acelerado


crescimento dos bairros populares na cidade de Salvador-Bahia. Geosul,
Florianópolis, v. 20, n. 39, p 119-131, jan./jun. 2005.

934
FRAGMENTOS

SAMPAIO, Consuelo Novais. 50 anos de urbanização: Salvador da Bahia


no Século XIX. Rio de Janeiro: Versal, 2005.

SANTOS, Milton. O Espaço Dividido: Os dois conceitos da economia


urbana dos países subdesenvolvidos. Rio de Janeiro: Livraria Francisco
Alves. Editora, 1979.

SANTOS, Milton. Metamorfoses do espaço habitado. São Paulo: Hucitec,


1988.

SINGER, Paul. Economia Política da Urbanização. São Paulo:


Contexto,1998.

SOARES, Antonio Mateus de Carvalho. Salvador: pobreza, figurações e


territórios. In: CONGRESSO BRASILEIRO
DE SOCIOLOGIA. Desigualdade, Diferença e Reconhecimento, 13., 2007,
Recife. Anais... Recife, PE: UFPE, 2007. Disponível em: <http://www.
contato- sociologico.crh.ufba.br/site_artigos_pdf/ SALVADOR>. Acesso
em: 12 dez. 12.

SOUZA, Angela Gordilho. Limites do habitar: segregação e exclusão na


configuração urbana contemporânea eperspectivas no final do século XX.
Salvador: EDUFBA, 2000.

SOUZA, Angela Gordilho. Habitação e infraestrutura urbana em


Salvador. Salvador: EDUFBA, 2008.

SPINOLA, Noelio. A trilha perdida. Salvador: Editora da UNIFACS, 2009.

SPINOLA, Noelio Dantaslé. Negritude, pobreza e geração de empregos na


Bahia, em um contexto de globalização. Revista de Desenvolvimento
Econômico, v. 4 n. 6, p. 71-80, 2002.

SPINOLA, Noelio Dantaslé. Economia cultural de Salvador. UNIFACS,


2003

STALEY, Eugene. & MORSE, R. Industrialização e desenvolvimento. A


pequena indústria moderna para países em desenvolvimento. São Paulo:
Atlas, 1971.

TEIXEIRA, Cid. O trio elétrico – Manda descer. Jornal Folha da Bahia, 2011.

935
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

Disponível em: <http://www.folha- dabahia.com.br> Acesso em: 5 nov.


2011.

THROSBY, David. Economia e Cultura. Boston: Cambridge University Press,


1999.

TOKMAN, Vitor. SOUZA, Paulo Renato. El empleo em America Lati-


na:problemas economicos, sociales y politicos. México: Siglo XXI, 1978.

TOWSE, Ruth. Manual de la Economia de la Cultura. Madrid: Datautor, 2003.

TYLOR, Edward Burnett. (1871). Antropologia, uma Introdução ao Estudo


do Homem e da Civilização. Enciclopédia Britânica. Disponível em:
<http://www.britannica>. Acesso em: 12 nov. 2011.

VASCONCELOS, Pedro de A. (1985)


A Cidade da geografia no Brasil, in Carlos, A. F. A. (Org.). Os Caminhos da
Reflexão sobre a Cidade e o Urbano. São Paulo: EDUSP, 1994, p. 63-78.

VERGER, Pierre Fatumbi. Orixás. São Paulo: Corrupio, 2007.

VIANA DE FÁTIMA, Conceição. Can- domblé: onde os deuses dançam a sua


humanidade. Caminhos. Goiânia, v. 5, n. 2, p. 513-518, 2007.

936
FRAGMENTOS

ARTIGO

TEMPERO BAIANO NO
DESENVOLVIMENTO
URBANO: UMA ANÁLISE
DOS RESTAURANTES DA
CIDADE DO SALVADOR

24
937
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

938
FRAGMENTOS

Tempero baiano no desenvolvimento


urbano: uma análise dos restaurantes
da cidade do Salvador

Noelio Dantaslé Spinola1


Paulo Patrício Costa2

Abstract
This paper presents the analysis of an important segment of the service
sector that usually does not attend the pages of academic studies. This
is the trade / food services. That is, the restaurants. By highlighting
the relevance of the tertiary sector to national economy, an approach
brings about the birth of the Napoleonic Paris restaurateur of the
eighteenth century, and makes a qualitative analysis of statistical data
from respondents on the basis of information from RAIS / CAGED / SEI
and on IBGE the participation of the business segment of restaurants
in the national market, regional and state levels. To delineate the
economic situation of the business sector of restaurants in Salvador,
builds a comparative ranking among the most prominent gastronomic
squares, making the lifting of the volume of active establishments
and promoting cross-checks of population, GDP, per capita income,
employment, profitability education and training sector workers.
Among the 10 leading gastronomic capitals with the highest expression,
just making a direct comparison with Porto Alegre, which has the best
indicators of employability in the sector nationally.

1 Economist. Doctor of Geography - Regional Analysis, University of Barcelona (ES). Professor


of the Graduate Program in Urban and Regional Development (PPDRU) University of Salvador
- UNIFACS
2 Business Administrator. Master in Urban and Regional Development University Salvador
(Unifacs).

939
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

Key words: Services, Food Shops, Restaurants, Salvador; Urban


Development

Resumo
Este texto apresenta a análise de um segmento importante do setor
de serviços que não frequenta usualmente as páginas dos estudos
acadêmicos. Trata-se do comércio/serviços de alimentação. Ou seja:
os restaurantes. Ao destacar a relevância do setor terciário para
economia nacional, traz uma abordagem sobre o nascimento do
restaurateur da napoleônica Paris do século XVIII, e faz uma análise
qualitativa a partir de dados estatísticos pesquisados em base de
informações da RAIS/CAGED/SEI e IBGE sobre a participação do
segmento empresarial de restaurantes no mercado nacional, regional
e estadual. Para delinear a situação econômica do setor empresarial de
restaurantes de Salvador, constrói um ranking comparativo entre as
praças de maior destaque gastronômico, efetuando o levantamento
do volume de estabelecimentos ativos e promovendo cruzamentos
de dados de população, PIB, renda per capita, empregabilidade,
rentabilidade e formação educacional dos trabalhadores do setor.
Entre as 10 principais capitais com maior expressão gastronômica,
acaba fazendo uma comparação direta com Porto Alegre, responsável
pelos melhores indicadores de empregabilidade no setor nacional.

Palavras-chave: Serviços; Comércio de Alimentos; Restaurantes;


Salvador; Desenvolvimento Urbano. Economia Cultural

JEL Classification: L80; L81; L66; R11.

940
FRAGMENTOS

Introdução

Ontologicamente os serviços existem como atividade desde


os primórdios da humanidade. Afinal, se educar é um serviço, foram
prestadores de serviços vultos ilustres como Buda e Confúcio, Zoroastro
e Jesus Cristo e, entre outros, todos os filósofos gregos a partir de
Sócrates a Aristóteles ou médicos como o prolixo egípcio Imhotep
(que também era arquiteto e engenheiro) e o grego Hipócrates o mais
famoso do ramo, conhecido como o pai da arte de curar. E porque
não citar a prostituição uma das mais antigas profissões do mundo,
aqui no Brasil incluída na Classificação Brasileira de Ocupação (CBO)
como a profissão 5198-05, profissional do sexo?
Somente para os economistas nas suas discussões sobre a
Teoria do Valor ou as Contas Nacionais é que os serviços primitivamente
não foram reconhecidos, como foi o caso dos Fisiocratas e parcela
expressiva dos Clássicos.3

A visão dos clássicos a respeito dos serviços e do


seu papel na dinâmica econômica está relacionada
fundamentalmente às diferentes concepções a
respeito do processo de geração de valor na economia.
Especificamente, é um debate entre, de um lado, a teoria
do valor-trabalho, aqui representada por Marx e Smith,
cuja ótica de análise está voltada para os aspectos de
oferta, em que a produção industrial é o “hard core” do
sistema econômico —, sobrepondo-se a toda e qualquer
atividade intangível como é o caso das atividades de
serviço —; e, de outro lado, a teoria do valor-utilidade,
aqui representada por Say, Mill e Walras, baseada numa
ótica de análise voltada essencialmente para os aspectos
de demanda, em que as diferenças técnicoprodutivas
entre as diversas atividades econômicas —, sejam elas
de produção de bens ou de serviços —, não são critérios

3 Esta discussão foge ao escopo deste trabalho. Uma visão mais ampla pode ser obtida em
Meirelles, 2006.

941
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

de definição do caráter produtivo e da relevância


econômica das atividades no sistema econômico.
(Meirelles, 2006, p. 120).

O setor serviços, integrante do terciário da economia,


uma classificação oriunda dos estudos da econometria, ainda na
primeira metade do século XX, é hoje, em todo o mundo, a atividade
econômica mais significativa em termos de participação na formação
dos produtos internos brutos.
Segundo Kuznets (1983, apud Meirelles, 2008, p. 23 - 35), a
evolução histórica da participação do setor de serviços no produto
nacional e na mão-de-obra empregada ao longo dos séculos XIX e
XX pode ser dividida em dois períodos distintos: entre 1800 e 1950,
período em que o crescimento econômico é liderado pela indústria;
e o período pós 1960, a partir do qual os serviços passam a ganhar
forte expressão econômica.

Meirelles (2008, p. 25) afirma que:

[...] a partir da segunda metade do século, o setor de


serviços iniciou uma trajetória de crescente participação
no produto total das economias desenvolvidas,
atingindo no final do período, uma participação média
de 65% do produto total. Em contrapartida, a indústria
ganhou relativa estabilidade, situando-se num patamar
entre 20% e 30% de participação. A agricultura, por
sua vez, manteve a tendência de queda, inaugurada no
século anterior, porém, verificou-se uma estabilização
a partir dos anos 80, com uma participação média em
torno de 3% do produto total.

No Brasil, segundo divulgação do Instituto de Pesquisas


Econômicas Aplicadas – IPEA (2010) os Serviços já empregam 13
milhões de pessoas. Ou seja: um em cada dois empregos criados
no Brasil em 2009 foi no setor de serviços. E é nesse segmento da
economia que se encontra o campeão das vagas na última década, a

942
FRAGMENTOS

categoria dos empregados na área de turismo. Ao todo, os serviços


empregam quase tanto trabalhadores quanto o comércio e a indústria
somados.
Com o advento da sociedade pós-industrial assiste-se em
todo o mundo, inclusive em países emergentes como o Brasil, o
desenvolvimento intenso das ciências e das tecnologias em geral.
A globalização, impulsionada pelo “salto” no ritmo das mudanças
nos sistemas de transportes e nas Tecnologias de Informação e
Comunicação (TIC) conduziram a notáveis avanços nos sistemas
organizacionais, respondendo pelo esgotamento das estratégias
tradicionais de produtividade e pela busca por uma diferenciação
competitiva. Tudo isto resultou no incremento dos serviços e na
consequente passagem do estágio da produção em massa para a
mass customization e a especialização flexível.
Os serviços passam a ser na sociedade pós-industrial a estrela
da economia onde se destaca a importância do capital humano e do
capital social – ou relacional derivado da intensa busca por uma nova
concepção e visão das empresas, objetivando a criação e extração de
valor. São estes capitais que vão potencializar a força dos recursos
não materiais (intangíveis).
A conceituação de serviços tem dado margem a muita
polêmica tendo em vista a circunstância destes englobarem uma
grande variedade de atividades.
Meirelles (2008, p. 32) apresenta uma definição bastante
resumida e extremamente objetiva desta atividade. Para ela, serviço é
única e exclusivamente trabalho, mais especificamente trabalho
em processo. A prestação de serviços revela sua natureza contratual
na própria etimologia da palavra. Etimologicamente, prestação
corresponde à ação de satisfazer, do latim praestatione. Do ponto de
vista jurídico, prestação é o ato pelo qual alguém cumpre a obrigação
que lhe cabe, na forma estipulada no contrato.
Complementarmente se pode considerar que os serviços
constituem atividades de produção de bens intangíveis,
frequentemente de consumo imediato e não estocáveis.
Téboul (2002, p. 7) busca uma definição simples citando a

943
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

revista inglesa The Economist que, numa nota de humour tipicamente


britânico, afirma representar um serviço “toda coisa vendida no
comércio e que não seja possível deixar cair em cima do pé!”
Existem diversas classificações para a atividade de serviços,
variando das acadêmicas até aquelas adotadas pelos organismos
oficiais como o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)
e a Secretaria da Receita Federal (SRF). A despeito de se trabalhar
neste texto com a classificação oficial, visto que ela é quem vale para
as instituições de fomento, far-se-á referência a algumas abordagens
acadêmicas como a de Meirelles (2008, p. 33) que baseada na sua
definição de serviços, anteriormente exposta, classifica os diferentes
serviços de acordo como o processo de trabalho desenvolvido. Esta
classificação é demonstrada sinteticamente no Quadro 1.
Por seu turno, Corrêa e Caon (2002, p .75) apresentam uma
tipologia dos serviços “com base nos contínuos de volume e variedade/
customização do serviço”. Estes autores introduzem o conceito de
“pacote de valor” em substituição à usual denominação de produtos.
Isso porque, segundo eles, na venda de muitos produtos estão
embutidos serviços que compõem o seu valor total.
Outra classificação importante dos serviços refere-se àqueles
prestados às empresas e que são intensivos em conhecimento. São
conhecidos nos meios de consultoria como KIBS (da sua denominação
original Knowledge-intensive Business Services). O ponto de partida
para o debate com este termo KIBS está no texto de Miles et al (1995),
intitulado Knowledgeintensive Business Services: Users, Carriers
and Sources if Innovation. Nesse trabalho, seus autores discutem
a importância do setor de serviços para a economia a partir da
centralidade que um grupo de atividades definido como KIBS passa
a ter nos últimos anos. Os autores tratam a ideia de conhecimento
e tecnologia a partir dos KIBS, bem como avançam no debate sobre
KIBS e inovação (tanto a inovação deles mesmos como seu peso
em outros setores) nas recomendações de políticas públicas para o
desenvolvimento destas atividades. Os KIBS são definidos por eles
como serviços às empresas que fornecem funções de informação e
conhecimento. (MILES et al., 1995: 24). Para os autores, são serviços
que dependem fortemente de conhecimento profissional (cientistas,

944
FRAGMENTOS

engenheiros, técnicos e experts de todos os tipos), e alguns deles estão


envolvidos em mudanças tecnológicas, especialmente relacionadas a
tecnologias da informação.

Quadro 1 - Classificação dos serviços segundo os processos econômicos.

Fonte: Meirelles (2008, p. 33).

O IBGE a partir de 2007 adotou a Classificação Nacional de


Atividades Econômicas - CNAE, o que levou a alterações em suas
pesquisas econômicas e ensejou o início de uma nova série continuada
de dados. Os sete segmentos apresentados a seguir, nas tabelas do
IBGE/CNAE se desdobram em 44 divisões, 123 grupos, 230 classes
e 306 subclasses que representam o total das atividades do setor
serviços consideradas como atividades econômicas. A Pesquisa Anual
de Serviços – PAS do IBGE (2009) investiga as atividades descritas em
divisões e classes da CNAE 2.04 relacionadas ao segmento de serviços.

945
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

1. Serviços prestados às famílias - serviços de alojamento;


serviços de alimentação; atividades culturais, recreativas
e esportivas; serviços pessoais; e atividades de ensino
continuado.
2. Serviços de informação e comunicação telecomunicações;
tecnologia da informação; serviços audiovisuais; edição
e edição integrada à impressão; e agências de notícias e
outros serviços de informação.
3. Serviços profissionais, administrativos e complementares
- serviços técnicos profissionais; aluguéis não imobiliários
e gestão de ativos intangíveis não financeiros; seleção,
agenciamento e locação de mão de obra; agências de
viagens, operadores turísticos e outros serviços de turismo;
serviços de investigação, vigilância, segurança e transporte
de valores; serviços para edifícios e atividades paisagísticas;
serviços de escritório e apoio administrativo; e outros
serviços prestados principalmente às empresas.
4. Transportes, serviços auxiliares dos transportes e
correio - transporte ferroviário e metroferroviário;
transporte rodoviário de passageiros; transporte rodoviário
de cargas; transporte dutoviário; transporte aquaviário;
transporte aéreo; armazenamento e atividades auxiliares
dos transportes; e correio e outras atividades de entrega.
5. Atividades imobiliárias - compra e venda de imóveis
próprios; intermediação na compra, na venda e no aluguel
de imóveis.
6. Serviços de manutenção e reparação - manutenção
e reparação de veículos automotores; manutenção e
reparação de equipamentos de informática e comunicação;
e manutenção e reparação de objetos pessoais e domésticos.
7. Outras atividades de serviços - serviços auxiliares da
agricultura, pecuária e produção florestal; serviços auxiliares
financeiros, dos seguros e da previdência complementar;
e esgoto, coleta, tratamento e disposição de resíduos e
recuperação de materiais.

946
FRAGMENTOS

É de se observar que no âmbito do Sistema Estatístico, a PAS


tem por objetivo fornecer informações dos segmentos produtivos
não financeiros para o Sistema de Contas Nacionais. Por motivos
não explicados pelo IBGE, exclui também, os serviços de saúde e
contempla parcialmente a área educacional.
Atentando especificamente para as nossas peculiaridades
regionais podemos considerar a seguinte estrutura para os serviços:

a. Serviços tradicionais: serviços pessoais (jurídicos, educação,


médicos especialistas, dentistas, cabeleireiros, cafés,
restaurantes, oficinas);
b. Serviços modernos: serviços prestados às empresas
(tecnologia da informação; (TI), centros de pesquisa,
consultorias seniores);
c. Casos atípicos: grande equipamentos de serviços de massa
(hotéis, hospitais, parques de recreação).

Santos (1979) considerava o espaço urbano dividido em dois


circuitos, um superior e outro inferior, onde se situam, respectivamente,
as atividades de alta e baixa-renda. O circuito superior originou-se
diretamente da modernização tecnológica e seus elementos mais
representativos hoje são os monopólios. O essencial de suas relações
ocorre fora da cidade e da região que os abrigam e tem por cenário
o país ou o exterior. O circuito inferior, formado de atividades de
pequena dimensão e interessando principalmente às populações
pobres, é, ao contrário, bem enraizado e mantém relações privilegiadas
com sua região.
Os serviços prestados pelo circuito inferior sustentam a
economia urbana de cidades como Salvador, ocupando parcela
majoritária da sua população que opera em grande parcela na
informalidade. São serviços oferecidos pela população de renda
baixa, culturalmente herdados ou fruto da oportunidade de
mercado, tais como:

• Serviços domésticos

947
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

• Serviços autônomos de manutenção e reparos


• Serviços de costura e confecções diversas
• Serviços de beleza
• Serviços religiosos (notadamente os afro)
• Serviços de biscate
• Serviços de transporte e segurança
• Serviços de alimentação

O quadro seguinte fornece uma informação mais detalhada


da distribuição dos serviços.

Quadro 2 - Distribuição e peculiaridade dos serviços .

Fonte: Santos (1979, p. 34).

948
FRAGMENTOS

O segmento de restaurantes no contexto de serviços

A literatura não é clara em relação ao enquadramento do setor


de restaurantes como sendo industrial ou de serviços, visto que este
segmento envolve muita transformação em seu composto produtivo.
Não obstante a classificação industrial para o segmento de restaurantes é
imediatamente desconsiderada visto que os processos de transformação
não podem se enquadrar sob muitos aspectos ao da indústria. Contudo
na divisão comércio versus serviços é mais complexa de se estabelecer uma
divisão conceitual delimitadora. O misto serviços/comércio ou comércio/
serviços, como queiram, define melhor a atividade de restaurante, visto
que as duas atividades coexistem e completam-se.
Na PAS o IBGE considera o setor de acordo com a CNAE 2.0 nas
categorias agregadas 56.1- Restaurantes e outros estabelecimentos de
serviços de alimentação e bebidas e serviços ambulantes de alimentação;
e 56.2 - Serviços de catering, bufê e outros serviços de comida preparada.
Classificações a parte, na prática quando um consumidor/cliente
procura um restaurante, busca satisfazer uma necessidade, que pode
ser definida segundo Limeira (2003, p. 4) como um estado de carência
e privação sentido por uma pessoa, que provoca a motivação para o
consumo. A necessidade inata é inerente à natureza humana e não
se esgota. A necessidade adquirida é derivada do ambiente cultural e
social e pode ser esgotada. Ocorre que estas necessidades, no aspecto
alimentar são intangíveis, e podem variar muito de acordo com o poder
de compra e a condição social de cada consumidor, que somente os
serviços podem atender (conveniência, status, satisfação de desejos,
socialização, mimos, etc.), além das necessidades básicas (MASLOW,
1954). Maslow esclarece ainda que a necessidade é moldada por um
desejo que “é a vontade que os indivíduos têm de satisfazer as suas
necessidades de uma determinada maneira”.
As necessidades moldadas por desejos serão atendidas
essencialmente na ação da prestação de serviços, pois embora o
segmento de restaurantes ofereça um composto significativo de venda de
produto acabados (comércio), o atendimento é formatado pelos desejos
intangíveis da procura/preferência sentida pelo consumidor. Assim,

949
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

somente será possível a sua plena satisfação no diferencial de serviços.


Os institutos de pesquisa têm, basicamente, o mesmo entendimento.
Segundo Spang (2003) na França, tradicionalmente vinculada
à comida, o moderno termo restaurante era traduzido, por volta do
Século XVIII como restaurater que transmitia a ideia de restauração. Isto
porque era um hábito popular os fregueses sentarem-se em suas mesas
e pedirem um caldo (o consumê) para “restaurar as forças”. No final
daquele século o restaurante passou a ser visto como um espaço social
urbano. Até então quando se falava em restaurante, à ideia que se tinha
era a de restaurar.
Ainda segundo Spang, em torno de 1765, um parisiense
conhecido por Boulanger abriu seu estabelecimento, nele colocando a
seguinte legenda: venid ad me ommis qui stomacho laboratis, ego
restaurado vos,4 . Seu caldo um regoût 5, tinha o poder de reestabelecer
as forças das pessoas debilitadas.
Em 1782, Antoine Beauvilliers fundou o primeiro restaurante, nos
moldes atuais. Chamava-se “Grande Taverne de Londres“, localizado na
Rua de Richelieu, em Paris. Permaneceu 20 anos sem rival (PITTE 1998).
O surgimento dos restaurantes no Brasil acompanha o período
da urbanização, na medida em que o ato de alimentar-se ao longo do
dia foi se tornando cada vez mais difícil de ser praticado em casa. As
jornadas de trabalho, as distâncias maiores entre o local de trabalho
e a residência, o tráfego intenso das cidades levaram as pessoas a
fazerem refeições fora de casa. É a mesma necessidade prática que fazia,
no passado, com que os restaurantes fossem construídos à beira das
estradas, em casas de pouso, locais onde viajantes e passantes paravam
para restaurar as forças. (MELO, 2010).
A chegada da corte portuguesa ao Brasil, em 1808, com seus
hábitos europeus, e exigências próprias do seu paladar, impulsionou
o surgimento dos restaurantes no país. A abertura dos portos (com a
possibilidade de importação de novos ingredientes e especiarias) também
teve sua parcela de contribuição para o desenvolvimento do setor.
Foi na Corte, no Rio de Janeiro, que apareceram os mais importantes

4 Vinde a mim, vós que trabalhais, e restaurarei vosso estomago.


5 Preparo composto com vários ingredientes ensopados à base de um tipo de carne.

950
FRAGMENTOS

restaurantes, instalados em hotéis, e também como estabelecimentos


independentes, chamados de leiterias ou confeitarias. O mais antigo
do Rio de Janeiro ainda em funcionamento é o Bar Luiz, fundado em
1887, na Rua da Carioca. Outro ícone da cidade em atividade fica na
Rua Gonçalves Dias é a Confeitaria Colombo, de 1894 e grande tradição
cultural.
Melo (2010) afirma que em 1881 foi fundado o restaurante
italiano O Carlino (Rua Vieira de Carvalho – centro de São Paulo),
impulsionado pela imigração italiana, oferecendo no cardápio massas,
pizza e vinho.
Brillat-Savarin (1825. p. 279) em seu livro A fisiologia do gosto,
diz que: Restaurateur é aquele cujo comércio consiste em oferecer
ao público um festim sempre pronto, e cujos pratos são servidos
em porções a preço fixo, a pedido dos consumidores. Savarin analisa
com admiração o empreendedor (anônimo) que concebeu o primeiro
restaurante comercial moderno da seguinte forma:

“... poucos já pararam para pensar que o homem que criou o primeiro
restaurante deve ter sido um gênio e um profundo observador da na-
tureza humana.” p. 279 [...] “Enfim, apareceu um homem de tino que
percebeu que uma causa tão ativa não podia permanecer sem efeito;
que, reproduzindo-se a mesma necessidade diariamente as mesmas
horas, os consumidores iriam em massa até lá, onde teriam certeza de
satisfazer agradavelmente essa necessidade”. [...] “Esse homem pen-
sou ainda em muitas outras coisas fáceis de adivinhar. Ele foi o criador
dos restaurantes, e estabeleceu uma profissão que chama a fortuna
sempre que exercida com boa-fé, ordem e habilidade.” p. 280.

Dos tempos de Savarin pra cá, vários modelos de restaurantes


apareceram, muitas variáveis econômicas foram acrescentadas ao setor;
o caldo da sua complexidade tornou–se substancialmente espesso; as
técnicas de produção, que vão da semente posta na terra até o cafezinho
junto com a conta na mesa do restaurante, foram exaustivamente
reinventadas; a profissionalização do trabalho e do empreendedor
foram intensamente lapidadas; os seus recursos foram universalmente
ampliados; e o gosto ficou cada vez mais diversificado, com público
dia-a- dia mais exigente.

951
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

Atualmente seria quase impossível imaginar a vida moderna sem


a conveniência e a disponibilidade dos restaurateur. Para a economia
é indispensável, pelo prazer que proporciona aos amantes de boa
mesa, pelo seu valor econômico motriz de emprego e renda; pelo
desenvolvimento.
Os serviços de alojamento e alimentação6 não ocupam uma
posição de destaque na formação do PIB baiano. Com uma participação
equivalente a 3,1% em 2009 não reflete o potencial turístico do Estado
e da cidade do Salvador, tendo mantido praticamente estagnada esta
posição no período de 2002/2009.

Tabela 1 - Índice de participação setorial no PIB do Estado da Bahia 2002-2009.

Fonte: IBGE/SEI.

6 A RAIS, CAGED e SEI, só oferecem informações quantitativas num limite de desagregação


de dados que incorpora o setor hoteleiro (Serviços de alojamento e alimentação).

952
FRAGMENTOS

Observa-se, contudo, nos dados colhidos na RAIS, à existência


de uma forte correlação entre os dados do adensamento populacional
e os do segmento de restaurantes em todo o País. Assim assumiu-se
a hipótese de que este segmento de Salvador possa ser analisado
através da comparação com os seus congêneres do mercado nacional
e do mercado interno baiano.
Em termos nacionais o estado da Bahia ocupava o 7º lugar no
ranking dos estabelecimentos ativos em 2010, com 6.266 restaurantes,
refletindo uma participação de 4,14 no quantitativo do País.

Tabela 2 - Ranking de estabelecimentos, segundo a divisão de: restaurantes, serviços


de alimentação e bebidas - Brasil – 2010.

Fonte: IBGE/RAIS.

Segundo a RAIS o mercado baiano possui 6.266 restaurantes,


sendo que a sua capital Salvador, com 2.619 estabelecimentos,
absorve 41,80% do total.

953
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

De modo geral as cidades com maior número de restaurantes


seguem a lógica do adensamento populacional característico da
natureza econômica do setor. Contudo algumas alterações podem
ocorrer pela forte presença de outros fatores que influenciam a
demanda de serviços, como a população flutuante que amplia
sazonalmente a procura vez que atraída pelo grau de centralidade
das cidades que exercem uma força gravitacional em relação aos
centros periféricos e outros mais distantes em função da sua natureza
e peculiaridades
(centro político, administrativo e jurídico, centro de negócios,
turismo, educação, saúde etc.). A cultura e os hábitos consolidados
com o suporte do nível da renda per capita constituem outro elemento
atracional que se contrapõem à regra meramente quantitativa.
A geografia também exerce a sua influência. Cidades que
não são litorâneas – não possuem praias – tendem a possuir mais
restaurantes. A praia constitui uma alternativa de lazer acessível para
todas as camadas da população e nela prospera um comércio de
alimentos ao ar livre, normalmente informal que afasta a população
dos restaurantes. Este é o caso, em termos nacionais, de cidades
como Belo Horizonte, Brasília, Curitiba e Porto Alegre todas com
menor adensamento populacional e que superam Salvador (a 3ª
capital mais populosa do Brasil com 2.668.405 habitantes em 2010
segundo o IBGE) em número de restaurantes.
Os fatores precitados são válidos também ao nível municipal,
tomando-se por base o impacto da atividade turística e da periferização
habitacional. O primeiro impactua pela população flutuante e o
segundo pela tendência da construção da 2ª residência e fuga da
moradia no congestionado centro urbano. Na Bahia, Porto Seguro é
um exemplo categórico da primeira tendência ao confrontar o fato de
estar na 13ª posição em termos populacionais, e ocupar a 3ª posição
no ranking dos restaurantes. Lauro de Freitas, conurbado a Salvador,
espelha o segundo caso, por ser o 9° em população, e ocupar o 5°
lugar no total de restaurantes ativos do estado. Neste caso específico
ainda constitui fator locacional aspectos de disponibilidade e custo
espacial.

954
FRAGMENTOS

Tabela 3 - Restaurantes, serviços de alimentação e bebidas, nos principais municípios


da Bahia - 2010 -

Fonte: RAIS.

Entre todos os fatores que impactam sobre a localização e


instalação de restaurantes está a disponibilidade de recursos, ou
seja: a renda da população.
Considerando que a alimentação fora do lar, em linhas
gerais, representa um custo maior que a refeição doméstica, este
hábito terá maior força cultural entre as sociedades com melhor
condição econômica e social, devido ao seu impacto nos orçamentos
familiares e, obviamente, o setor empresarial de restaurantes terá
maior desenvolvimento nas localidades de maior renda.
Salvador é uma metrópole classificada como extremamente
pobre, em termos nacionais. E esta pobreza consegue barrar
impulsos positivos decorrentes dela ser um centro turístico de
grande projeção além de exercer fortes efeitos gravitacionais no
território estadual. É o que se pretende demonstrar a seguir.
O quadro 3 elaborado em 2012, pela Comissão para
Definição da Classe Média no Brasil da Secretaria de Estudos
Estratégicos da Presidência da República, apresenta uma síntese

955
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

das classes de rendimento do Pais.

Quadro 3 - Brasil - Classes de Renda Familiar (2012).

Nota: Valores expressos em R$ de abril de 2012.


Fonte: Estimativas produzidas com base na Pesquisa Nacional por Amostras de
Domicílios (PNAD).

Na cidade do Salvador a população que compõe os extratos


que vão da extrema pobreza até a média classe média soma
1.699.144 pessoas (64% da população total da cidade). Com uma
renda familiar que vai até R$ 1.925,00 é válido supor que estas
pessoas não possuem condições de frequentar restaurantes.
Assim sendo, se compararmos a distribuição social da renda
de Salvador com a de Porto Alegre, (Tabela 4) pode-se inferir que o
grau de desigualdade entre as duas capitais contribui, independente
de outros fatores, para que esta supere consideravelmente aquela
em termos do número de restaurantes.

956
FRAGMENTOS

Tabela 4 - População residente, partic. e variação per., por classe social - Salvador X
Porto Alegre - 2010.

Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo Demográfico: dados da


amostra, 2000/2010.
Nota 1: Classe Social conforme a Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência
da República, SAE/PR.
Nota 2: População residente: exclusive parcela com renda domiciliar per capita nula.

Na capital gaúcha entre a população classificada como


extremamente pobre e a média classe média existem 532.369 pessoas
(38,07% da população total da cidade). Nesta a classe alta, de modo
geral, representa 45,7% da população total enquanto em Salvador este
número é de 23,5%.
O valor social do trabalho é um principio tratado desde o artigo 1°
e 170 da Constituição Federal, até uma vastidão de literatura na área dos
recursos humanos. Seu exame conceitual não cabe no reduzido espaço
deste trabalho. Mas pode-se dizer que existe uma grande relação entre
este valor e a satisfação obtida pelo trabalhador no exercício do trabalho.

957
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

Ressaltadas algumas exceções e patologias, pode-se dizer que quanto


maior o salário, maior a satisfação do trabalhador e, para ele, maior o
valor social do trabalho. Isto tem reflexo direto na qualidade do trabalho
desempenhado. Quanto mais satisfeito está o trabalhador, mais receptivo
estará para o treinamento e o aprendizado assim como para dispensar
um bom tratamento aos usuários dos seus serviços. Quando o valor social
do trabalho é baixo, não lhe pesa muito a perda pela demissão. Tudo isto
aqui é dito para acentuar que em Salvador o valor social do trabalho é
muito baixo. Não fossem elementos culturais7 que contribuíram para certa
docilidade e bom-humor dos “serviçais” baianos o tratamento dispensado
aos clientes nos restaurantes da capital baiana seriam muito piores.
Na Tabela 5, que reflete o ranking nacional dos municípios em
relação ao salários pagos pelos restaurantes, vemos que Salvador despenca
da tabela das 10 principais cidades, indo ocupar a 17ª posição no ranking
nacional geral. A cidade que melhor remunera é Porto Alegre, que chega
a pagar mais que o dobro dos salários de Salvador.

Tabela 5 - Rendimento médio dos trabalhadores formais nos restaurantes, serviços


de alimentação e bebidas - Capitais - 2010.

Fonte: IBGE.

7 Não cabe aqui um estudo sociocultural e antropológico do povo baiano. A respeito ver
Spinola (2004)

958
FRAGMENTOS

Quando se busca entender o baixo desempenho do segmento


empresarial de restaurantes em Salvador e a qualidade ruim dos
seus serviços, percebe-se claramente como o valor social do trabalho
para o empregado é muito baixo. Para ele, perdê-lo não significa um
grande prejuízo, afinal através dele não consegue um grau razoável
de satisfação das suas necessidades e expectativas pessoais e como
a regra de pagar mal é uniforme no segmento, o turnover é intenso.
O recrutamento também se faz nas classes de renda mais baixa da
população. O baiano, de modo geral, vê com bastante preconceito
as atividades ligadas aos serviços de alimentação consideradas
próprias das classes de baixa renda. Por isto mesmo, no cruzamento
de dados salariais com o grau de instrução, considerando a média
salarial paga para os trabalhadores sem curso superior, o segmento
de restaurantes de Salvador cai ainda mais, ocupando a 19ª posição
no ranking nacional de capitais. O primeiro, sob esta ótica de análise,
continua sendo a capital gaúcha.

Tabela 6 - Rendimento médio do trabalhador dos restaurantes, serviços de


alimentação e bebidas segundo o grau de instrução - Capitais - 2010.

Fonte: Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) - Relação Anual de Informações


Sociais (RAIS), 2010. Dados sistematizados.

959
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

Ao proceder-se uma análise com recorte da empregabilidade


nos postos de trabalho ocupados por trabalhadores com nível
superior e assumindo-se que a escolaridade influencie na qualidade
do serviço prestado, observa-se um grande hiato na qualidade da
mão de obra empregada entre as duas capitais. Enquanto a soma
dos postos de trabalhos ocupados por profissionais de nível superior
em Porto Alegre fica em aproximadamente 60% do total de vínculos
ativos, no segmento empresarial de Salvador é menor que 10% da
massa trabalhadora. Registre-se, como uma consequência natural
que Porto Alegre tem mais trabalhadores ganhando salários acima de
R$ 10 mil (282 trabalhadores) do que toda a soma de empregados de
nível superior empregados em Salvador (245 trabalhadores), onde o
rendimento máximo se concentra em até R$ 4,8 mil.
É bem verdade que Porto Alegre em termos de remuneração
aos trabalhadores do setor de restaurantes, está muito acima da
média nacional, superando inclusive a cidade de São Paulo.

Tabela 7 - Comparativo de rendimentos Salvador/Porto Alegre.

Fonte: IBGE/RAIS.

960
FRAGMENTOS

Fazendo uma análise de indicadores síntese entre Porto


Alegre e Salvador, em relação à ocupação de postos de trabalho por
trabalhadores com nível superior temos a seguinte tabela comparativa:

Tabela 8 - Comparativo Porto Alegre / Salvador.

Salvador supera Porto Alegre apenas em população. Dado


que, numa análise mais crítica, não reflete em nenhuma vantagem,
exceto pelo o fato de que, talvez, com uma população menor o
quadro soteropolitano seria ainda pior. No comparativo direto entre
Porto Alegre e Salvador, a capital gaúcha leva vantagem em todos os
indicadores. Assim, enquanto Salvador dispõe de 2.619 restaurantes
para uma população total de 2.668.405 habitantes, uma relação
de 1.019 habitantes por restaurante, Porto Alegre dispõe de 2.746
restaurantes para 1.398.230 habitantes, ou seja, uma relação de 509
habitantes por restaurante. O dobro da flexibilidade de atendimento
baiana. Coincidentemente a renda per capita, de Porto Alegre é mais
que o dobro da de Salvador, o que significa que o seu mercado é
mais favorável para o segmento de restaurantes em comparação
com o de Salvador. Embora Porto Alegre seja significativamente

961
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

menor em população que Salvador e possuindo um número superior


de restaurantes, emprega menos trabalhadores no segmento.
Esta situação indica que os porto-alegrenses conseguem ser mais
produtivos e obter melhores resultados com um volume de capital
humano menor que o soteropolitano. Certamente o valor social do
capital para estes empregados é melhor, implicando diretamente em
melhor qualidade dos serviços.

Considerações finais

Para que o mercado empresarial de restaurantes de Salvador


venha a oferecer um serviço de restaurantes que corresponda à sua
condição de 3ª metrópole mais populosa do Brasil, e a sua posição de
importante cidade turística do País é necessário que uma verdadeira
revolução ocorra na estrutura urbana da cidade e no segmento em
especial.
O mercado empresarial de restaurantes de Salvador até que
oferece uma boa oferta de postos de trabalho, em comparação com
a média nacional e regional, mas o problema está na qualidade
deste emprego, que se situa na 19ª posição em termos de valor da
remuneração do setor o que se reflete na prestação dos serviços pela
sua mão de obra muito mal qualificada. É baixíssimo o volume de
empregados com nível superior.
Embora faltem informações importantes como o faturamento
setorial, percebe-se que o segmento de restaurantes de Salvador sofre
uma estagnação no seu ritmo de crescimento, que consequentemente
a leva a perder espaço na participação e na relevância nacional do
setor.
Duas amostras significativas dos restaurantes e respectivas
especialidades existentes na cidade do Salvador são apresentadas pela
Emtursa, e pela revista Veja – Salvador. Na análise das informações
contidas nestas fontes observa-se que a cozinha regional (nordestina,
baiana e de frutos do mar) perde espaços a olhos vistos. Os restaurantes
de “comida a quilo” vêm aumentando exponencialmente seu

962
FRAGMENTOS

quantitativo explorando o crescimento do business service na cidade.


As cozinhas italiana, gaúcha, oriental e internacional são majoritárias.
Este fato decorre das transformações por que passa a cidade do
Salvador a partir dos últimos 30 anos com a instalação dos parques
industriais químico/petroquímico e automobilístico na sua periferia.
O afluxo considerável de técnicos e operários e outras
categorias profissionais oriundas das regiões Sul e Sudeste e o
retorno de migrantes reciclados que antes partiram para o Sudeste
em busca de novas oportunidades , segundo a SEI, tem contribuído
para modificar os hábitos e costumes da cidade, abalando inclusive
as suas venerandas tradições culturais. Salvador vai aos poucos
se distanciando da sua cultura afro e também vai perdendo a sua
criatividade musical transformando-se num grande dormitório dos
trabalhadores industriais forâneos, que remunerados em patamares
superiores aos pagos à grande massa local de peões, ditam as modas
e as preferências, habilmente farejadas pelo mercado. Como diria
Octávio Mangabeira a seu respeito: “Salvador é uma péssima mãe,
mas uma excelente madastra”.
Existe, é claro, um grupo seleto de bons restaurantes típicos,
mas existem muitos problemas a merecer cuidados, notadamente
no que se refere à culinária típica baiana que, além de enfrentar a
concorrência das outras cozinhas, chegadas com o cosmopolitismo da
velha capital baiana, padece de deficiências (na qualidade dos pratos
e no padrão dos serviços) que são resultantes dos estrangulamentos
no suprimento de insumos, da entrada e saída no setor de pequenos
empresários sem capacitação gerencial e da falta de mão-de-obra
qualificada.
A pesquisa realizada pela equipe do Gecal8, em 2011, identificou
uma queixa comum entre os comerciantes desse ramo de negócios
quanto à baixa qualidade do fornecimento de insumos, falta de
padronização e escassez dos produtos, preços altos, descontinuidade
no suprimento e falta de profissionalismo. Aqueles que possuem
maiores recursos importam os produtos que processam da região
Sudeste, como é o caso de frutos do mar e carnes. Os de menor

8 Grupo de Estudos da Economia Cultural de Salvador - GECAL

963
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

porte adquirem seus insumos na Bahia, em mão de intermediários


que os importam do interior de estado e de outras regiões do país. O
fato é que as deficiências de abastecimento constituem um elemento
importante na elevação dos preços dos produtos finais.
A taxa de mortalidade dos negócios é considerável, dada à
inconstância e infidelidade da clientela, normalmente muito exigente
e atraída pelo fenômeno da moda.
O setor carece de um cadastramento rigoroso e de um
programa de assistência técnica que deveria envolver os organismos
de fomento da Prefeitura e do Estado.
Uma medida muito importante consistiria no estabelecimento
de um selo de qualidade e um guia anual de restaurantes típicos que
funcionaria como uma referência para os turistas (principalmente) e
um mecanismo para estimular a busca de qualidade pelo setor.

964
FRAGMENTOS

Referências

MEIRELLES, Dimária Silva e Limeira. (2006) O conceito de serviços. Revista


de Economia Política, vol. 26, nº 1 (101), pp. 119-136 janeiro-março/2006.

MEIRELLES, Dimária Silva e Limeira. (2008). Serviços e desenvolvimento


econômico: características e condicionantes. Revista de Desenvolvimento
Econômico – RDE: Ano X, n.º 17 - janeiro.

FISCHER, A. G. (1939). Production, primary, secondary and tertiary. Economic


Record, June.

KUZNETS, S. (1983) Crescimento Econômico Moderno. Coleção Os


Economistas, São Paulo: Abril Cultural.

BOLETIM IPEA N° 172 (2010). Serviços já empregam 13 milhões de pessoas.


Disponível em www.ipea.gov.br/sites/000/2/.../12/.../Mailing368.htm.
Acesso em 26 set 2010. TEBOUL, J. A (2002) A era dos serviços: uma nova
abordagem de gerenciamento. São Paulo: Qualitymark.

CORREA, Henrique L; CAON, Mauro. (2002). Gestão de Serviços. São Paulo:


Atlas, 2002.

MILES, Ian; KASTRINOS, Nikos.(1995) Knowledge-Intensive Business


Services: Users, Carriers and Sources of Innovation. Manchester: University
of Manchester

IBGE, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2009). Pesquisa Nacional


de Serviços – PAS 2009, v. 11. Rio de Janeiro: IBGE.

SANTOS, Milton (1979). O espaço dividido. Rio de Janeiro: Francisco Alves.

VIDIGAL, Tania Maria. (2003). Administração das comunicações de marketing.


In: DIAS,

Sérgio Roberto (Coord.). Gestão de marketing. São Paulo: Saraiva

MASLOW, Abraham – Motivation and Personality. (1954) NY: Harper

BRILLAT - SAVARIN, Jean-Anthelme (2009). Fisiologia do Gosto – São


Paulo, Cia da Letras. http://pt.shvoong.com/social-sciences/1705312-karl-
marx-conceito-maisvalia/#ixzz1UN51SL9O

VALOR, Econômico (2010).

965
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

966
FRAGMENTOS

ARTIGO

A
INDUSTRIALIZAÇÃO
DE FEIRA DE SANTANA

25
967
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

968
FRAGMENTOS

A Industrialização de Feira de
Santana
Noelio D. Spinola1
Hélio Ponce Cunha2

Resumo:
Este ensaio visa discutir o processo recente de industrialização em
Feira de Santana sob a perspectiva do Centro Industrial do Subaé –
CIS e seus impactos na geração de emprego e renda.

Palavras-chave: Industrialização; Feira de Santana; Centro Industrial


do Subaé; geração de emprego e renda.

Abstract
This essay aims to discuss the recent process of industrialization in
Feira de Santana from the perspective of the Industrial Center of
Subaé - CIS and its impacts on the generation of employment and
income.

Key-words
Industrialization; Feira de Santana; Subaé Industrial Center; Jobs and
income generation.

1 Doutor em Geografia pela Universidade de Barcelona. Professor Titular V da UNIFACS.


Coordenador do GERURB – Unifacs. E:mail spinolanoelio@gmail.com
2 Doutor em Desenvolvimento Regional e Urbano - PPDRU/UNIFACS, Membro do GERURB, Líder
MEGA - UEFS, Professor Adjunto da UEFS - Universidade Estadual de Feira de Santana. E-mail:
helioponce@gmail.com

969
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

970
FRAGMENTOS

1 Introdução

Parece claro que debater aspectos do processo de


industrialização com foco apenas em alguns indicadores macro e
microeconômicos de um determinado município, ou região, é um
erro metodológico por excluir a dimensão da totalidade rompendo
as ligações da parte com o todo e negando os efeitos de uma relação
sistêmica institucional e economicamente estabelecida ao longo da
história.

Por isto conclui-se que a compreensão do impacto da política


de localização industrial no desenvolvimento da cidade de Feira de
Santana, no estado da Bahia, passa pelo entendimento do processo
de planejamento da economia nacional, estadual e municipal
nas suas inter-relações espaciais. Isto requer que se teça algumas
considerações sobre as experiências de planejamento econômico
realizadas nos espaços de influência do governo federal no âmbito
decisório da região Nordeste e da Bahia.

Este texto traz assim em sua primeira parte um breve histórico


da experiência de planejamento no Brasil e na Bahia para, em seguida,
discutir o processo de industrialização em Feira de Santana. Conclui
apresentando algumas considerações sobre os resultados alcançados
com a implantação do Centro Industrial do Subaé no município em
referência.

2 A Experiência de Planejamento Econômico no


Brasil e na Bahia

O Brasil não pode ser enquadrado plenamente no sistema capitalista


como é o caso exemplar dos Estados Unidos da América do Norte
(USA). Não somos, na prática, uma federação de estados com
autonomias claras e definidas pela constituição e respeitadas por
todos os poderes constituídos; nem somos uma economia de mercado
onde a intervenção do estado é bastante limitada. Depois do governo

971
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

do PT assumimos a forma de um capitalismo de estado embora


sejam inegáveis os traços do DNA de um sistema patrimonialista,
herdado das origens lusitanas, onde é marcante o papel do Estado,
em distintos momentos, como regulador, impulsionador e limitador
das atividades econômicas, entre estas o processo de industrialização
do país3.

Conceitualmente, o termo planejamento tem sido utilizado no


Brasil de forma livre e imprecisa, compreendendo tanto as atividades
empresariais, na área da microeconomia, quanto os diversos tipos
de intervenção macroeconômica, para a estabilização de preços
e combate à inflação, como ocorreu nas décadas de 1980/1990.
Campos (1974,p.47) alertava para a necessidade de um maior esforço
de precisão semântica, na diferenciação entre simples declarações de
política, programas de desenvolvimento e planos de desenvolvimento.
Afirmava ele que no primeiro caso, ter-se-ia uma simples enunciação
de uma estratégia e metas de desenvolvimento. Um programa de
desenvolvimento compreenderia, além da definição de metas, a
atribuição de prioridades setoriais e regionais e a formulação de
incentivos e desincentivos relacionados com essas prioridades. Um
plano de desenvolvimento avançaria ainda mais pela especificação
de um cronograma de implementação, pela designação do agente
econômico (público ou privado) e pela alocação de recursos financeiros
e materiais. A palavra “projeto” seria reservada para o detalhamento
operacional de planos ou programas.

A experiência tem indicado que o planejamento econômico


tem assumido diferentes formas que são condicionadas pela estrutura
econômica e sociopolítica da região objeto desta iniciativa. Assim é
o caso do planejamento indicativo, típico dos sistemas mistos de
livre empresa do mundo ocidental (ex. França) ou do planejamento
normativo ou ativo (LANGE ,1963), característico das economias
submetidas a regimes socialistas (China). Em nosso caso, a despeito
de termos transitado historicamente quase sempre em regimes
autoritários, o nosso planejamento assumiu sempre uma natureza
indicativa.

3 A propósito ver Weber (1999); Faoro(1977); Holanda (1969).

972
FRAGMENTOS

O fato é que, como assinalava Pedrão (2000), a questão do


planejamento gira em torno de um modo racional, sistemático de
tratar os recursos humanos e físicos, em função do interesse público.
Possuindo componentes de natureza técnica e político-ideológicas a
atividade de planejar no Brasil sempre se apoiou na representação
social da esfera pública, exigindo sempre opções, no relativo a
atualizar historicamente o interesse público e a fortalecê-lo.

Não obstante, numa revisão histórica, notadamente nos


aspectos sociais, são questionáveis os resultados da experiência
brasileira de planejamento. É inegável o expressivo crescimento
econômico do país, sobretudo na segunda metade do século XX,
no período que vai de 1968 até 1980, graças à implementação
de muitas das medidas e ações preconizadas nos diversos planos
elaborados no período. Porém não foi atingido o padrão de
desenvolvimento econômico desejável e, ao atingir-se o século XXI,
observa-se a manutenção de um considerável desequilíbrio inter-
regional, acentuada concentração da renda e permanência de uma
elevada parcela da população vegetando abaixo da linha de pobreza,
continuando o país dependente, em grande escala, dos interesses e
estratégias dos capitais externos.4

Pode-se em parte debitar-se este fracasso à considerável


distância que separa a Nação do Estado, no Brasil, e,
consequentemente, ao reduzido grau de exercício da cidadania,
que impediu o conhecimento, a assimilação e a participação
democrática da sociedade civil na maioria dos planos formulados.
Concomitantemente a ausência de democracia e a total falta de
transparência na ação pública, ao longo da história do país, fez
com que delírios de grandeza e projetos faraônicos, sem qualquer
viabilidade econômica, integrassem o planejamento estatal,
enquanto a oferta abundante de crédito externo, decorrente da

4 Em entrevista concedida a Padilha (2001) o Presidente Garrastazu Médici declarava num


acesso de lucidez: O país vai bem, mas o povo vai mal. Esta frase se tornou célebre e correu
mundo em diferentes versões dado ao fato de expressar o pensamento do homem que
comandou o período de maior crescimento da economia brasileira e concomitantemente de
maior repressão política também conhecido como os Anos de Chumbo.

973
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

conjuntural liquidez internacional, propiciava o chamado “milagre


brasileiro” (1968-1980) que logo seria cobrado pelos mesmos
credores internacionais e desembocaria na crise do endividamento
externo (moratória) e no vexaminoso isolamento do pais pelos
mercados mundiais; na adoção de medidas de combate à inflação
representadas por periódicos “pacotes de estabilização” de preços,
que substituíram o planejamento do desenvolvimento, submetendo
o país, integralmente, ao receituário recessivo do Fundo Monetário
Internacional (FMI).5

Não obstante estas observações, nem tudo foi inútil na


experiência brasileira de planejamento, e no debate, quanto a sua
validade, que ressurge agora no início do século XXI quando parece
declinar a hegemonia do pensamento neoliberal, prevalecente no
país a partir dos anos 90, e se constata que os pobres continuam
mais pobres, os ricos mais ricos e a necessidade de planejamento
se impõe como uma fórmula de racionalizar as ações e corrigir as
distorções provocadas pelas livres forças do mercado.

Resta ver se existirá competência e vontade política para


retomar-se o longo caminho cuja trilha se descreve nas páginas
seguintes.

Longo caminho, dissemos, pois as preocupações com o


desenvolvimento, e a sua discussão no Brasil pelas diversas correntes
de pensamento, remontam ao século XIX, acentuando-se, contudo,
a partir das décadas de 1930 e 1940, sobretudo no período imediato
ao pós-guerra, e no contexto de uma época de reconstrução
mundial, gestada nos acordos de Breton Woods, na criação do Fundo
Monetário Internacional, do Banco Internacional para a Reconstrução
e o Desenvolvimento (BIRD)6, no Plano Marshall para a Europa e na
constituição da Organização das Nações Unidas (ONU), de onde
brotou a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe –
CEPAL, sem dúvida um dos maiores celeiros de ideias e proposições
para a promoção do desenvolvimento econômico da América do Sul.

5 Os “pacotes” foram: 1986 - Plano Cruzado;1987 - Plano Bresser; 1989 - Plano Verão; 1990 -
Plano Collor e 1994 - Plano Real (SPINOLA,2003).
6 Atual Banco Mundial.

974
FRAGMENTOS

Segundo a CEPAL, o subdesenvolvimento dependia da


estrutura interna dos países subdesenvolvidos, prisioneiros de
um sistema econômico primário-exportador, com baixo nível de
integração entre os setores produtivos e desemprego estrutural,
dada a baixa capacidade de absorção da mão-de-obra pelas
atividades agroexportadoras. A industrialização, a reforma agrária
e o desenvolvimento do mercado interno constituíam, na visão da
CEPAL, a solução dos problemas de atraso econômico. Para atingir
estes objetivos a CEPAL sugeria a decidida participação do Estado na
economia e a adoção do planejamento, objetivando o fortalecimento
da economia nacional. A doutrina da CEPAL adquiriu uma coloração
nacionalista orientada para a promoção da acumulação capitalista
em bases locais e em oposição ao imperialismo comercial e financeiro
internacional.

O Instituto Superior de Estudos Brasileiro (ISEB) incorporou


parte do pensamento da CEPAL e consolidou a ideologia “nacional
desenvolvimentista”7 que objetivava liquidar com o passado
colonial e abrir uma nova fase de desenvolvimento no Brasil. Esta
ideologia dominou o cenário político-econômico brasileiro a partir
do segundo governo Vargas até o governo Collor (em 1990) quando
o neoliberalismo recuperou o poder de influenciar a condução da
economia nacional.

Ainda nas décadas de 30 e 40, colocavam-se em frontal


oposição duas correntes de pensamento uma intervencionista (ISEB/
CEPAL) de escopo keynesiano e outra corrente, cuja formulação
teórica neoliberal apoiava-se em Friedrich von Hayek8 liderada, entre
outros, por Eugênio Gudin, Octávio Gouveia de Bulhões e Roberto
Campos.

Debate teórico à parte, o que contava na prática era que, no


plano político-econômico, travava-se uma disputa entre as oligarquias
agroexportadoras comprometidas com a burguesia comercial

7 Esta ideologia foi encampada pelo Estado Maior das Forças Armadas e pela Escola Superior de
Guerra (ESG) a fonte de formação do pensamento político estratégico dos militares brasileiros.
Observe-se que as forças armadas brasileiras – notadamente.
8 Economista austríaco que marcou, com seu livro seminal, The road to serfdon, a ressurreição
do liberalismo econômico),

975
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

importadora e exportadora e com o capitalismo internacional, tendo


à frente Eugênio Gudin liderando o bloco neoliberal e, do outro, o
empresariado industrial paulista, que sob o comando de Roberto
Simonsen, presidente do Centro das Indústrias do Estado de São Paulo,
acabou vitorioso, empurrando o governo Vargas para uma postura
nacional-populista e intervencionista que criou as precondições do
industrialismo que se instalou com o governo Kubitschek.

Na prática, as experiências relacionadas com o planejamento


foram tomando corpo ao longo do período de 1939 a 1951 e foram
provocadas principalmente pela escassez e gargalos característicos da
economia de guerra. Mobilizou-se a cooperação internacional para
melhorar o sistema de transporte e facilitar o acesso às matérias-primas.
Segundo Campos (1974), o centro dos esforços de planejamento era o
então recém-criado Departamento Administrativo do Serviço Público
(DASP), um organismo do governo federal, diretamente vinculado ao
gabinete do presidente da República, do qual alguns funcionários
tinham recebido treinamento em administração pública, vários deles
no exterior, notadamente nos Estados Unidos. Os primeiros três
planos de investimento preparados no Brasil – o Plano Quinquenal
de Obras e Reaparelhamento da Defesa Nacional (1942), o Plano de
Obras (1943) e o Plano Salte (1946/1950) – tiveram sua origem em
ideias de técnicos do Dasp. Durante o período de guerra, buscou-se
cooperação internacional para esforços limitados de planejamento.
Nesse contexto, insere-se a Missão Taub, de 1942, um grupo de
engenheiros que preparou um programa de investimentos de dez
anos, nunca executado; a Missão Técnica Americana (Missão Abbinck)
que, em 1943, promoveu a primeira aproximação de formulação de
uma política macroeconômica no Brasil, tendo como orientador, do
lado brasileiro, o professor Otávio Gouvêa de Bulhões.

A Constituição de 1946, liberal por excelência, como reação ao


extinto regime Vargas, não faz menção a ele, mas lançou as sementes
do planejamento regional, através da destinação de 3% da receita
federal para o desenvolvimento econômico da Amazônia e montante
equivalente para investimento nas áreas deprimidas do Nordeste.

O Plano Salte, preparado durante 1946 e 1947 e apresentado

976
FRAGMENTOS

ao Congresso pelo presidente Dutra em 1948, foi, de longe, o mais


significativo desses esforços, mas, ainda assim, representava pouco
mais que uma listagem de despesas governamentais em quatro
campos: saúde, alimentação, transporte e energia. Aprovado pelo
Congresso em 1950, teve implementação fragmentária.

Por seu turno, a política cambial praticada pelo governo no


período de 1945-1953, contribuiu para a mudança de orientação da
política econômica brasileira, mediante o abandono da orientação
liberal e a adoção de mecanismos de controle que culminaram com a
introdução do planejamento econômico no país.

A política estatal que se realizou no país, a partir dos anos


50, foi influenciada pelo trabalho da Comissão Mista Brasil – Estados
Unidos (1951-1953) e do Grupo Misto BNDE / CEPAL (1953-1955), que
forneceram preciosos subsídios para a elaboração dos planos nacionais
de desenvolvimento da época, a saber: o Plano de Reabilitação da
Economia Nacional e Reaparelhamento Industrial (segundo governo
Vargas), o Plano de Metas (governo Juscelino Kubitschek) e o Plano
Trienal de Desenvolvimento (governo João Goulart).

No período de 1964 a 1986, ocorreu o golpe militar que


destituiu o governo João Goulart e elevou à Presidência da República o
marechal Castelo Branco. A partir daí, instaura-se no país um processo
centralizador da União sem precedentes. Essa centralização do poder
nas mãos do Estado estava assentada na ideologia de segurança
e desenvolvimento nacionais e na racionalidade administrativa. O
Estado continuou a nortear o capitalismo nacional, adotando uma
estratégia do planejamento global e com doses maciças de capital
estrangeiro. O regime recém-implantado respaldava-se no pacto de
poder e nas alianças que se estabeleceram entre as classes dominantes.
Sua composição tem origem entre dois segmentos: os militares e o
empresariado industrial. Essa junção de interesses acabou por afastar
os setores mais atrasados das classes dominantes do poder, ficando
em seu lugar a burguesia industrial e financeira.

A centralização tornou-se mais evidente com a promulgação


da Constituição de 1967, a partir da qual o poder das esferas
subnacionais ficou subordinado ao poder central. As medidas que

977
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

explicam esta excessiva centralização compreenderam, entre outras,


a) eliminação da competência residual da decretação de impostos
das esferas estadual e municipal outorgadas pela Constituição de
1946: somente a União passava a ser facultada a instituição de
novos tributos; b) transferência para o Senado Federal do poder
que os Estados desfrutavam de estabelecerem as alíquotas de seus
impostos, atribuindo-se, também, ao Presidente da República, o
poder de fazer sugestões quanto à sua determinação; c) transferência
para a competência da União de tributos tidos como relevantes para
os objetivos da política econômica.

O conjunto de intervenções do Estado que marcou esta fase


pode ser caracterizada, como sendo a morte da Federação. Passou
a ser como disse Scheinowitz (1995), “a partir da revolução de 1964,
a centralização é tão acentuada que o país toma as feições de um
Estado unitário”.9

Mas a ditadura militar reforçou o planejamento e se manteve


fiel a ideologia nacional desenvolvimentista. Só que, com a
centralização do poder, liquidou o planejamento regional, esvaziando
os órgãos especializados neste campo como a Superintendência do
Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE) e homólogos . Entre 1964 e
1988 foram lançados os seguintes planos: 1 - Elaboração do Programa
de Ação Econômica do Governo – Paeg – pelo Ministro Roberto
Campos, para o biênio 1964 – 1966 no Governo Castelo Branco; 2
- Promulgação da Constituição de 24/1/1967, cujo art. 46 fixou a
exigência de elaboração de planos nacionais de desenvolvimento; 3
- Diretrizes do Governo, Programa Estratégico de Desenvolvimento
(PED), aprovado pelo presidente Costa e Silva em 14/7/67 e destinado
a orientar a ação governamental em 1967 e a elaboração do Plano
Trienal do Governo para 1968-70; 4 – Metas e Bases para a Ação do
Governo, trabalho elaborado em 1970 pelo Ministro Reis Velloso para

9 No século XX, o Brasil esteve submetido durante 40 anos, em períodos intercalados, a regimes
autoritários, durante os quais a autonomia dos Estados foi mantida apenas de forma simbólica.
Mesmo na vigência de governos democráticos, a dependência financeira que submeteu os
Estados ao governo central e as características do regime presidencialista fizeram com que
o Brasil, mesmo sendo formalmente uma federação, operasse na prática como um Estado
unitário.(SPINOLA,2003 p.70)

978
FRAGMENTOS

o governo Garrastazu Médici; 5 - I Plano Nacional de Desenvolvimento


e II Orçamento Plurianual de Investimentos para 1972/73/74; 6 - II
PND – Plano Nacional de Desenvolvimento (1975/1979) Projeto
Brasil – Potência. Governo Geisel; 7 - III PND – Plano Nacional de
Desenvolvimento Econômico (1980/1985) Governo Figueiredo.

A Constituição promulgada em 1988 veio fechar o ciclo de


autoritarismo observado nos anos anteriores. Porém, no período
que transcorre entre 1988 e 1999, não se registram atividades de
relevo na área do planejamento nacional e/ou regional, dadas as
incertezas provocadas pela inflação, o fim do paradigma nacional-
desenvolvimentista e o advento do neoliberalismo como doutrina de
política econômica.

Em termos estaduais a história do planejamento é contada


por Spinola (2003, 2009 ) e pode ser sintetizada no Plano de
Desenvolvimento do Estado da Bahia (PLANDEB) que preconiza
a política estadual de planejamento e vai resultar no Programa de
Fomento à Industrialização do Interior (PFI) no qual se insere o Plano
Diretor do Centro Industrial do Subaé (CIS) no Município de Feira de
Santana.

O Centro Industrial do Subaé (CIS) foi criado no bojo de


um conjunto de políticas de desenvolvimento regional, baseadas em
incentivos fiscais e complementaridade de investimentos estatais;
visando descentralizar o processo de industrialização baiano, através
da instalação de complexos que induzissem não só o crescimento
produtivo de núcleos considerados estratégicos, como também
de todo o seu espaço de influência.

Destaque-se que o Centro Industrial do Subaé foi concebido


nos mesmos moldes do Centro Industrial de Aratu - CIA a partir de
uma iniciativa municipal. Pelo Decreto Municipal nº 3.304, de 12 de
julho de 1969, a Prefeitura iniciou o processo de desapropriação
da área onde seria localizado o referido Distrito, e através da Lei
Municipal nº 690 de 14 de dezembro de 1970, deu-se a sua criação.
O Plano Diretor do CIS foi elaborado pelo Instituto de Urbanismo
e Administração Municipal – IURAM em 1969 e atualizado pelo
Governo do Estado em 1985.

979
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

Segundo Spinola (2003 p.187 ) o que provocou realmente


a construção do CIS em 1969, foi uma alteração na legislação da
SUDENE (decreto 64.214/69, art. 33) que dava partida ao que viria
a ser o processo de “esvaziamento” do CIA, isto porque os projetos
aprovados para localização naquele Centro só poderiam gozar de
financiamento com os recursos dos incentivos federais até o limite
de 60% do investimento total projetado. Essa decisão implicava em
reduzir o financiamento com recursos do sistema 34/18, a grande
fonte de recursos da época, num montante equivalente a 20% (antes
os financiamentos eram de 75%). Por isto, muitos projetos à época
se transferiram para localização no Centro Industrial de Subaé, na
cidade de Feira de Santana, a 108 km de Salvador, onde poderiam
gozar do financiamento máximo de 75% além de beneficiar-se das
vantagens creditícias oferecidas pelo bancos federais aos municípios
localizado na área do Polígono das Secas o que era exatamente o
caso de Feira de Santana.

3 O Processo de Industrialização

Para Suzigan (1988, pg. 05) “o desenvolvimento industrial


no Brasil, da mesma forma que em outros latecomers no processo
de industrialização, não poderia prescindir de alguma forma de
orientação e fomento por parte do Estado”. Porém, desde o período
colonial até a primeira metade do século XX, pode-se dizer que a
atividade industrial no Brasil foi bastante incipiente pelas objeções da
Coroa Portuguesa, defensora dos interesses manufatureiros britânicos
até o início do século XIX e posteriormente por influência do Governo
Brasileiro defensor dos interesses agrários e mercantis que dominaram
a nossa política econômica até a Revolução de 1930. Assim, foram
raros, cíclicos e conjunturais os momentos de efervescência da
indústria nacional, motivados apenas por circunstâncias externas
(crise americana de 1929 e duas guerras mundiais).

Segundo Luz (1975) havia um pensamento comum atribuído


aos governantes da época do Brasil Colônia (1530-1822) de que o

980
FRAGMENTOS

desenvolvimento das atividades industriais geraria diversos problemas


para a economia, com destaque para o encarecimento dos alimentos
e o agravamento do problema da escassez de mão-de-obra.

É evidente, na construção do pensamento aqui relatado, a


influência das oligarquias agroexportadoras e, principalmente, dos
interesses da metrópole10 sobre as atividades econômicas que deveriam
ser desenvolvidas na colônia. Ainda segundo Curado (2011, pg. 02).

Em síntese, em sua origem e discussão sobre o papel da


estrutura produtiva no desenvolvimento foi marcada
pela visão – comum ao pensamento econômico da
época- de que os países deveriam especializar-se em
função das condições impostas pela natureza, o que
no caso brasileiro implicava a defesa de um padrão de
especialização concentrado na produção agrícola e na
exploração mineral.

O início do processo de industrialização no Brasil foi marcado


por iniciativas isoladas em áreas como a metalurgia, indústria têxtil
e naval. Tais iniciativas, no entanto, não foram suficientes para
reduzir os desafios enfrentados por governantes e interessados na
atividade industrial, uma vez que na época colonial o Brasil era visto
como um grande fornecedor de produtos agrícolas e/ou frutos do
extrativismo mineral. Luz (1975) apud Curado (2011, p.02) sintetiza
esse pensamento da seguinte forma:

(...) o período do Império foi marcado pelo consenso


sobre a vocação agrícola da economia brasileira. Os
expoentes do debate da época, o Visconde de Cairu
e Tavares Bastos, eram ardorosos defensores do
liberalismo econômico. Argumentavam que o Brasil
deveria especializar-se nas atividades agrícolas de na

10 Ressalta-se aqui que a metrópole Portugal não tinha grande poderia bélico e econômico em
relação aos outros países do oeste Europeu. Desta forma, em muitas ocasiões, os interesses de
Portugal eram pressionados por grandes potências como a Inglaterra. Em vários momentos do
período colonial era possível dizer que o Brasil era colônia de uma “colônia”.

981
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

extração mineral, dadas as vantagens comparativas


existentes, particularmente a abundância e a qualidade
das terras cultiváveis.

A indústria açucareira se constitui em exceção no quadro


acima mencionado, uma vez que, em termos atuais, é possível dizer
que foi caracterizada pela elevada competitividade internacional. No
entanto, quer seja a vocação agrícola “imposta” pela metrópole (por
conta de suas relações econômicas e comerciais desfavoráveis com
seus parceiros europeus), quer seja pelos interesses das oligarquias
agroexportadoras locais, não houve, até meados do século XVIII,
mudanças significativas no quadro.

Alguns desavisados poderiam sugerir que vigorava na época,


mesmo sem essa denominação, uma espécie de Teoria de Base de
Exportação. Tal inferência perde sentido ao se analisar a proposição de
tal modelo teórico que, segundo Oliveira e Lima (2003) se fundamenta
no desenvolvimento impulsionado pelas atividades de exportação,
que deveriam dinamizar as atividades econômicas básicas que, por sua
vez, desencadeariam o crescimento das atividades complementares.
Em relação aos reflexos para a economia brasileira, é possível dizer
que não houve dinamização por conta de exportações que eram
focadas em commodities e produtos com baixo valor agregado.

Após o fim das “guerras napoleônicas” (1815), as classes


abastadas do Brasil começaram a ter contato com produtos
importados industrializados e o processo de desequilíbrio na
balança comercial ficava cada vez mais evidente, porém não forte
o suficiente para suscitar mudanças de direcionamento (incentivo à
industrialização) em uma estrutura política/administrativa marcada
pelo cultura mercantil. A proclamação da República trouxe algumas
alterações nesse cenário, sendo possível constatar defesas, ainda que
marginais, da dinamização do processo de industrialização no Brasil,
que segundo Curado (2011) seria uma forma de superar o caráter
ainda colonial da economia nacional. Ainda para Curado (2011,
pg. 04), duas linhas de pensamento foram bases para o início do
fortalecimento da industrialização no Brasil: “a) o desenvolvimento
de atividades industriais, originalmente realizadas nas antigas

982
FRAGMENTOS

metrópoles, permitiria a superação do caráter colonial da economia; e


b) a redução das importações de produtos industriais traria impactos
positivos para as contas externas”.

Segundo Chiochetta et al (2004), foi somente cinco anos após


a “Independência do Brasil” que foi criada a primeira entidade com o
objetivo de desenvolver a indústria brasileira, a Sociedade Auxiliadora
da Indústria Nacional (SAIN). Porém, uma maior efervescência da
atividade industrial no país só foi observada a partir de 1844 quando
o governo baixou a Tarifa Alves Branco, fato que conferiu algum
grau de protecionismo à nascente indústria brasileira. Tal fato,
que abalou as relações comerciais entre Brasil e Inglaterra (grande
potencia industrial mundial na época), e motivou o funcionamento
de conglomerados industriais e financeiros nos estados do Sudeste
do país, principalmente.

Mesmo com a dinamização relativa da atividade industrial


no país, ainda havia uma grande defasagem em relação à demanda
interna, que em sua maioria era dependente de importações.
Segundo IEL (2002) citado por Chiochetta (2004, pg. 03) “apenas 5
% da demanda de produtos industriais era atendida pelas fábricas
instaladas no Brasil. Mesmo no ramo de tecidos, um dos mais
tradicionais da indústria brasileira, essa proporção era insatisfatória:
50 % da demanda deixava de ser atendida”.

Com a Primeira Guerra Mundial (1914-1918), houve um


grande déficit industrial para o atendimento da demanda interna do
país, suprida por importações da Europa, e o número de fábricas no
Brasil cresceu de forma considerável. Segundo IEL (2002) o número
de fábricas no Brasil aumentou de 3.998 em 1910 para 13.336 em
1920, elevando o número de trabalhadores empregados de 151.606
para 275.512. Com a crise econômica americana de 1929 (que afetou
grande parte do Mundo ocidental/capitalista), houve uma retração no
movimento de expansão da industrialização no Brasil. Essa retração
não ocorreu pela queda na demanda e sim pelo impacto da crise nas
exportações nacionais11.

11 O café, por exemplo, responsável por 70 % das exportações nacionais, teve seu preço
drasticamente diminuído em consequência da “Depressão” de 1929.

983
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

Com a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), mais uma


vez a industrialização no país foi impulsionada pela necessidade de
substituição às importações da Europa. Segundo IEL (2002) houve,
na época, um crescimento na indústria brasileira na ordem de 9,0 %
ao ano.

A partir da década de 1950, no entanto, é que se percebe uma


ação efetiva do Estado visando a dinamização da indústria nacional.
Segundo Suzigan (1988, págs. 06-07), três fatores evidenciam essa
postura do Estado:

(...) em primeiro lugar (grifo nosso), na articulação


entre o capital privado nacional, o capital estrangeiro
e o próprio Estado. Para isso foram importantes a
definição de uma estratégia geral de desenvolvimento
(Plano de Metas) e o estabelecimento de metas
industriais através da acão de Grupos Executivos.
Em segundo lugar (grifo nosso), a proteção do
mercado interno foi substancialmente aumentada,
proteção dada por tarifas protecionistas e pela política
cambial(...).Em terceiro lugar (grifo nosso), o Estado
passou a fomentar o desenvolvimento industrial,
principalmente através da ação do Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico – BNDE (...).

A partir de década de 1950, o processo de industrialização


nacional foi marcado por fases distintas, ora vivenciando crescimento,
ora experimentando períodos recessivos e ora buscando se
desvencilhar do papel atribuído ao Brasil pelos países desenvolvidos
no jogo das “teorias da dependência”12. A seguir, com base em
Suzigan (1988), Chiochetta et al (2004) e Curado (2011), tais fases
são elencadas de forma sucinta : a) primeira fase do ciclo, com o
rápido crescimento da produção industrial apoiada na capacidade

12 As teorias da dependência explicam, basicamente, as relações entre desenvolvimento e


subdesenvolvimento como interdependentes e estruturais para o modelo capitalista. Em
outras palavras, para que existam economias centrais desenvolvidas (e devido ao constante
processo de expansão da acumulação capitalista), devem existir as economias periféricas
(subdesenvolvidas).

984
FRAGMENTOS

instalada no período (década de 1950); b) o início da década de 60 foi


marcado pela capacidade ociosa gerada pelo superdimensionamento
da indústria e pela recessão de 1963-1967 e c) fim da recessão e
retomada dos investimentos a partir de 1968 e rápido crescimento da
produção industrial. Essa fase se caracteriza por uma política estatal
de expansão e vai de 1968 até 1974. Segundo Suzigan (1988, pg. 08),
“a política expansionista constituiu-se principalmente da realização
de um amplo programa de investimentos públicos nas áreas de infra-
estrutura econômica e social, bem como no investimento direto de
empresas estatais nas indústrias de base” beneficiadas pela grande
liquidez do sistema financeiro internacional.13 A indústria nacional
vivenciava um período de expansão nas exportações impulsionada
pela fluidez do comércio mundial, que tinha no petróleo sua principal
matriz dinamizadora. Com o choque do petróleo, na década de 70,
houve um novo processo de recessão mundial e consequente elevação
nos preços dos insumos de produção. O Brasil, por não possuir o
mesmo nível tecnológico em sua indústria, não tinha competitividade
no mercado externo, contabilizava déficits em sua balança comercial.
Com isso, o Estado voltou a adotar medidas de apoio à indústria
nacional. O segundo Plano Nacional de Desenvolvimento (II
PND) articulou investimentos públicos e privados na indústria e na
infraestrutura nacional. Segundo Suzigan (1988), o objetivo do II
PND era completar a estrutura industrial brasileira e criar capacidade
de exportação para alguns insumos básicos. Os investimentos do
PND representavam um esforço de acumulação de capital e uma
diversificação da estrutura industrial do país.

Por maiores que tenham sido os esforços do Estado visando


desenvolver uma indústria nacional competitiva, percebe-se a
ineficácia dos mesmos (apesar de trazerem melhorias estruturais
importantes), pois estavam focados em modelos industriais
obsoletos, sem inovação científica ou tecnológica, continuando o
Brasil a figurar como economia periférica no contexto internacional.
Enquanto o Brasil estruturava modelos industriais baseados no
fordismo, a aceleração da globalização da economia faziam os países
desenvolvidos figurarem com modelos pós-fordistas. Entende-se por

13 Mineração e petróleo, siderurgia, química e petroquímica.

985
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

conjuntura paradigmática pós-fordista o modelo de industrialização


estabelecido após a finalização do “ciclo virtuoso do fordismo”
(período em que, após a difusão do modelo de produção fordista
entre as diversas indústrias, houve um crescimento econômico
impulsionado pela relação “produção – emprego – consumo –
demanda – produção”).

Nessa conjuntura (pós-fordista), a partir de modelos de


produção baseados em tecnologia intensiva, o crescimento da
produção não implicava mais em absorção de mão-de-obra. Com
isso, em um processo natural de expansão da acumulação de capital,
houve a necessidade de expansão dos mercados para as economias
periféricas, sem que tal fato implicasse na geração de emprego e
renda para tais países.

Percebe-se novamente neste caso, a ocorrência do fenômeno


estudado pelas teorias da dependência que bem situam a relação
entre economias centrais e periféricas no atual modelo capitalista.
Em suma, a partir da década de 1990, a industrialização existente
no país, por conta da defasagem tecnológica e da impossibilidade
de alterar o status quo econômico mundial imposto por economias
desenvolvidas, não foi capaz de produzir os efeitos necessários para
o desenvolvimento do Brasil.

4 Industrialização na Bahia, Interiorização e Reflexos em


Feira de Santana

4.1- Aspectos do processo de industrialização na Bahia

Se o processo de industrialização brasileiro foi fortemente


condicionado por medidas colonialistas e, posteriormente, por uma
política republicana incompetente e extremamente dependente da
conjuntura econômica internacional, é possível dizer que na Bahia as
consequências negativas se potencializaram por conta dos fatores
limitadores abordados a seguir.

Desde a mudança da capital da colônia brasileira para o Rio

986
FRAGMENTOS

de Janeiro, até meados do Século XX, a elite da Bahia era formada


por famílias tradicionais, conservadoras e oriundas das oligarquias
agroexportadoras (açúcar, fumo e cacau). Tal elite, temendo a perda
da condição privilegiada que a sustentava, rechaçava qualquer
mudança de direcionamento econômico que ameaçasse a ordem
social vigente. Na perda das fortunas e patrimônio trocaram o
poder econômico que possuíram no passado por uma nova forma
de mandonismo assegurado pelo poder político. Apossaram-se
da máquina governamental do estado o que lhes assegurava pelo
menos a garantia de manutenção do status privilegiado e o controle
da sociedade local.

Segundo Spínola (2012), esta oligarquia digladiava-se numa


série de disputas políticas internas (que atrapalhavam qualquer
esforço de uma ação comum em benefício dos interesses estaduais) e
externas (de oposição sistemática ao governo central). Por conta disso,
o período marcado pelas grandes transformações e modernização
do país que começa com o Estado Novo de Vargas (1937/1945) e
a dinamização industrial baseada no processo de substituição de
importações, passaram ao largo da recalcitrante e reacionária Bahia.
Em termos industriais o estado se limitou a incorporar alguns projetos
industriais de pequenos e médios portes, com tecnologia obsoleta
em relação até a já atrasada indústria nacional. Uderman (2008, p.
151) afirma que:

Ao final da primeira metade do século XX, a economia


baiana caracterizava-se por um modelo de produção
primário-exportador de baixa produtividade, estrutura
fundiária e padrão tecnológico arcaicos, subordinado
ao desempenho da produção de cacau para exportação.
O setor agropecuário, que empregava, em 1950, 75
% da população economicamente ativa, representava
cerca de 87 % da renda interna estadual.

A indústria baiana era pouco significante no cenário nacional


e os poucos estabelecimentos existentes (indústria alimentícia
e têxtil) , frutos de um processo histórico de pouco investimento,

987
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

se caracterizavam como “quase artesanais”, sem vantagens de


escala ou de diversificação. Tal quadro indicava uma situação de
total desvantagem em relação à economia nacional e preconizava
as bases para o subdesenvolvimento do estado, despertando o
interesse de autores que apontavam a necessidade de ações focadas
na dinamização da indústria. Tais autores, Almeida (1950), Mariani
(1957) e Aguiar (1958) não só buscavam explicar a situação histórica
como apontavam aspectos de contenção a serem combatidos:
subcapitalização, atraso técnico e a eliminação do caráter reflexo de
uma economia primária dependente de safras e flutuações externas.

Em 1955 um relatório encomendado a Rômulo Almeida (antes


da posse do governador Antônio Balbino) propunha a criação de um
órgão central de planejamento e a criação de um centro de estudos
econômicos e administrativos. Os estudos realizados apontavam para
a delimitação de zonas para a localização de empresas (baseados
nas concepções de teóricos do desenvolvimento econômico como
François Perroux, Gunnar Myrdal, Albert Hirschman, Raul Prebisch
e Celso Furtado entre outros) e constituíram-se em bases para a
criação de novos órgãos, direcionamento de ações do governos
seguintes e elaboração de estudos/planos para o estado. O Plano de
Desenvolvimento da Bahia, (PLANDEB), já referido anteriormente,
é considerado por Spinola (2009) o plano de maior relevância na
política de expansão industrial baiana. Recomendava uma política
de industrialização que criasse condições para a implantação de uma
infraestrutura indispensável para o funcionamento de um parque
industrial concentrado em áreas propícias do território baiano.

O governo central (ESG/CNP) possuía interesse na


implementação da indústria petroquímica na Bahia, e nesse aspecto,
houve uma convergência com os planos industriais nacionais, uma vez
que a Petrobrás foi elemento essencial no processo. A instalação da
Refinaria Landulpho Alves (RLAM) em Mataripe, do Centro Industrial
de Aratu (CIA) na RMS, dos Distritos Industriais do Interior (DIs) e,
posteriormente do Complexo Petroquímico de Camaçari, também na
RMS, provocaram uma mudança perceptível na constituição do PIB
do estado, assumindo a atividade industrial maior importância do que
a agropecuária. No entanto, os investimentos para a dinamização da

988
FRAGMENTOS

indústria baiana não se refletiram em desconcentração em relação


ao interior. Segundo a FIEB (2011), apesar de iniciativas pontuais
verificadas como consequências na interiorização, em 1970, 81 % do
valor da transformação industrial da Bahia estava concentrado na RMS.

Em meados da década de 1990, por conta de um quadro de


estabilização econômica nacional e de iniciativas do governo estadual
para atrair novos investimentos privados (infraestrutura e renúncias
fiscais), a economia da Bahia cresceu acima de 15%, o dobro do
desempenho nacional (7,5%).

Em 2012 segundo o IBGE a Bahia possuía 5.097 estabelecimentos


industriais que ocupavam 233.143 empregados e geravam um VTI
equivalente a R$ 39,6 bilhões,14o que a situava no sétimo lugar entre
as maiores economias do país. O quadro atual da industrialização na
Bahia mostra algumas iniciativas de fixação do investimento industrial
em pontos estratégicos do interior do estado, apesar da ainda persistir
a grande concentração de produto gerado na RMS.

4.2 Indústrias no interior da Bahia: quadro atual

O quadro atual de industrialização no interior da Bahia,


foi retratado em 2011, tomando-se por base algumas indicações
estratégicas definidas no estudo realizado pela Federação das
Indústrias do Estado da Bahia(FIEB).

Aqui se destaca quatro macro regiões do estado. São elas


a Região Oeste, a Região Sul do Estado – capitaneada por Ilhéus,
a Região do Vale do São Francisco, tendo a frente Juazeiro que se
conurba com Petrolina no vizinho estado de Pernambuco, a Região
do Extremo Sul e outros espaços dispersos no imenso território do
estado.

A Região Oeste da Bahia que possui como o grande vetor de


seu crescimento a atividade agropecuária, abrigava, segundo a FIEB
(2011), 185 empresas industriais e empregava 5.657 trabalhadores
em segmentos diversos como: produtos alimentícios, de metal,
14 IBGE - Pesquisa Industrial Anual – Empresa, v. 31, n.1, p.98.

989
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

têxteis, químicos, elétricos e gás. Apesar dos seus números serem


pouco representativos no cenário estadual, há o interesse estratégico
na dinamização da indústria alimentícia e têxtil, uma vez que sob
a ótica da produção de matérias-primas, já há um elevado padrão
de competitividade, carecendo da uma atividade industrial que
verticalize as cadeias produtivas e gere maior valor agregado para os
produtos da região.

Com vistas ao pleno aproveitamento do potencial existente


no Oeste da Bahia, investimentos públicos de infraestrutura, como a
Ferrovia Oeste-Leste, geram grande expectativa de redução de custos
e constituição de vetores logísticos que dinamizem a indústria e
facilitem o escoamento da produção da região.

A Região Sul do Estado - Ilhéus empregava, segundo a FIEB


(2011) 4.420 trabalhadores, em 125 empresas industriais. Os
setores industriais que mais se destacavam na região eram os de
equipamentos de informática (montagem), produtos eletrônicos
e ópticos, produtos alimentícios, de borracha e de plástico. O
desenvolvimento da atividade industrial na região de Ilhéus foi uma
alternativa à grave crise que assolou a atividade cacaueira (grande
sustentáculo da economia da região) e foi incentivado a partir de
ações governamentais com foco na criação de clusters industriais e
Núcleo de Informática da região15. As ações do governo consistiram,
basicamente em incentivos fiscais estaduais e incentivos federais
através da SUDENE e do Ministério de Ciência e Tecnologia.

Segundo FIEB (2011), alguns projetos de infraestrutura


do estado geram grande expectativa de dinamização da atividade
industrial e de aproveitamento do potencial da região. É o caso da
construção do Complexo Porto Sul, com a expectativa de se constituir
em um dos principais centros logísticos da Bahia, concentrando
atividades de importação e exportação; da ampliação do aeroporto
de Ilhéus e a criação de uma Zona de Processamento de Exportações

15 Tanto a FIEB, quantos os demais órgãos governamentais denominam a atividade de


informática instalada na região de Ilhéus como Pólo. Considera-as, no entanto, que o conceito
é aplicado erroneamente pois não foi observada a dinamização de indústrias locais a montante
e a jusante.

990
FRAGMENTOS

(ZPE), iniciativas que, somadas ao Complexo Porto Sul, visam


consolidar a região de Ilhéus como centro logístico regional; a
Ferrovia Oeste-Leste, que assim como na Região Oeste, possibilitará
a atração de investimentos e a dinamização de cadeias produtivas; o
Gasene em Itabuna, que com a capacidade estimada para transportar
20 milhões de metros cúbicos por dia de gás natural, visa agregar-se
aos demais investimentos em infraestrutura na região para a atração
de investimentos industriais.

O Vale do São Francisco – Fruticultura apesar de a intenção nesta


seção do trabalho ser a de analisar sucintamente algumas destaques
da atividade industrial no interior da Bahia, e mesmo levando em
conta que a atividade agroindustrial ligada à produção de vinhos no
Vale do São Francisco ocorre, em parte, no estado de Pernambuco,
considerou-se relevante pontuar algumas aspectos da atividade, uma
vez que a mesma representa, além do valor econômico, uma quebra
de paradigmas no modelo produtivo vigente. A produção de vinhos
em um ambiente tão árido (por conta da irrigação oriunda do Rio São
Francisco) desperta para as alternativas possíveis com a utilização da
tecnologia e na adaptação do ambiente às necessidades produtivas.

Segundo Vital (2009, pg. 500), o Vale do São Francisco


“abrange uma população de 504.563 habitantes, com eixo
econômico focado na irrigação com fruticultura, olericultura e
vitivinicultura, sendo composto por municípios de Pernambuco
(Lagoa Grande, Orocó, Petrolina e Santa Maria da Boa Vista) e da
Bahia (Casa Nova, Curaçá, Juazeiro e Sobradinho)”. A atividade de
vitivinicultura, caracterizada como agroindustrial (cultura da uva
e produção dos vinhos) é desenvolvida por oito empresas no Vale
do São Francisco, sendo um representante no território baiano, a
empresa Ouro Verde Ltda., que produz os vinhos da marca Terra Nova
e Miolo. O financiamento governamental, (principalmente do BNDES)
é presente em todos os empreendimentos, que possuem em comum
o know-how “importado” de outras regiões e até de outros países
com experiência na produção de vinhos.

Apesar do fato de participarem de um setor com elevada


competitividade (concorrência do Rio Grande do Sul, de países da

991
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

América do Sul e da Europa), a atividade ligada à produção de vinhos


no Vale do São Francisco vem se consolidando, mesmo que em ritmo
modesto e com pouca representatividade (ainda) no cenário nacional
e internacional. Segundo Vital (2009), alguns fatores contribuíram
para essa consolidação: a) disponibilidade de terras apropriadas para
o cultivo irrigado; b) existência, na região, de base tecnológica para a
agricultura irrigada; c) disponibilidade de trabalhadores qualificados
e com baixo custo; d) existência de cultura e tecnologia de produção
de vinhos trazidos do sul do país e de outros países; e) atratividade
para capitais externos e investimentos governamentais.

A Região do Extremo Sul abriga dois grandes empreendimentos


produtores de celulose. São eles: a Suzano Papel e Celulose S/A
em Mucuri, que empregava 1.992 pessoas em 2013 e fabrica para
exportação celulose de eucalipto branqueada, papel de imprimir
e escrever; e a Veracel Celulose S/A em Eunápolis, empregando,
também em 2013, 711 pessoas e produzindo para exportação pasta
química de madeira de não coníferas, a soda/sulfato branqueada.

Estas indústrias levantam grande objeção de parte dos


ambientalistas pois agregam muito pouco valor a economia da
região e do estado, não produzem nem estimulam efeitos linkage
e desestabilizam a base agropecuária da região acentuando os
problemas da pobreza na região.

Atividades industriais dispersas no território estadual . Estado


de grande território possui a Bahia empresas industriais disseminadas
por todas as regiões sem contudo assinalarem possibilidades da
formação de arranjos produtivos ou clusters decorrentes de processos
de especialização e aglomeração. O governo do estado tem cometido
repetidos erros em sua política de atração de investimentos. O
mais recente está relacionado com a indústria de calçados quando
interpretando equivocadamente um deslocamento eventual de
empresários do Sul e do Sudeste na busca da redução dos custos
de mão-de- obra, inventou – violentando toda a lógica da teoria
dos polos de crescimento – uma série de “polos”. O primeiro foi o
de confecções em Jequié que simplesmente explodiu. O segundo
foi o calçadista distribuído pelo território estadual de acordo com

992
FRAGMENTOS

os acordos políticos eleitorais. A indústria calçadista na Bahia


ainda opera em diversos municípios do interior (Feira de Santana,
Alagoinhas, Cruz das Almas, Itabuna, Vitória da Conquista, Ilhéus)
mas segue o mesmo caminho das confecções. São indústrias footlose
que não se ancoram regionalmente. Veja-se o caso da Azaleia,
grande calçadista nacional, que fechou as suas portas em Itapetinga
deixando os baianos a verem navios e com um grande problema para
resolver.

Essas indústrias, assim como em outros ramos, foram atraídas


para a Bahia por conta dos incentivos fiscais e da mão-de-obra
de baixo custo sendo que, a despeito do que sugerem algumas
fantasiosas publicações oficias, não se constituem em um pólo, pelos
motivos já mencionados neste estudo.

4.3 Indústrias em Feira de Santana

O Centro Industrial do Subaé, assim como os outros centros/


distritos industriais da Bahia, foi criado a partir de políticas de
incentivo à atração industrial com foco no desenvolvimento regional.
Para Spínola (2003, pg.185).

O CIS foi o primeiro distrito industrial do interior do


Estado. Diversos fatores contribuíram para a sua
criação, dentro os quais a localização privilegiada
de Feira de Santana, a preexistência de pequenas
manufaturas (notadamente nos ramos de confecções
e metalurgia), a disponibilidade de incentivos fiscais
concedidos pela SUDENE e a presença, no munincípio,
da Fundação Centro de Desenvolvimento Industrial –
Cedin.

O Centro Industrial do Subaé, a despeito de fatores como a


não concentração espacial (se dividiu entre Tomba/São Gonçalo e
BR 324, dificultando estratégias de aglomeração industrial) e dos

993
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

entraves típicos de disputas políticas eleitorais, conseguiu atrair uma


gama de indústrias, sendo que em 1998, segundo informações da
FIEB (2011) contava com 71 empresas instaladas, empregando 8.031
trabalhadores. Em 2008, segundo informações do site do próprio
órgão, o CIS apresentava 129 indústrias de transformação instaladas.
Em relação aos empregos gerados, dados de um levantamento sócio
econômico realizado pelo Centro das Indústrias de Feira de Santana
apontam que as indústrias instaladas no CIS empregavam 10.200
pessoas em 2008.
É válido ressaltar aqui que a atividade industrial de Feira
de Santana não se restringe apenas ao CIS. A própria FIEB afirma
que, em 2011, Feira de Santana contava com 631 estabelecimentos
industriais implementados, empregando 16.135 pessoas.16

- Novas Indústrias, empregos e desenvolvimento.

Ao se fazer uma simples análise dos dados, é possível


perceber que houve uma redução média no número de empregos
ofertados pelas empresas instaladas no CIS. Em 1998, com 71
empresas instaladas, o CIS empregava 8.031 pessoas – média de
114 pessoas empregadas por cada indústria. Em 2008, com 129
empresas instaladas no CIS, o número de pessoas empregadas era de
10.200 – média de 79 pessoas empregadas por empresa. Obviamente
trata-se de uma média, pois casos pontuais como a Pirelli (com
1.595 empregos) e a Yazaki (com 1.321 empregos) trazem números
absolutos expressivos. Há também grandes indústrias com números
espantosamente baixos de empregos, quando levados em conta o
investimento para sua implantação (privado e público) e a capacidade
instalada das mesmas: Nestlé (com apenas 347 pessoas) e Kaiser
(com apenas 165 pessoas).
A redução percebida na média de empregos é fruto,
entre outros fatores, do tipo de produção utilizada, intensiva em
tecnologia, e sem uma correspondência entre a capacidade instalada

16 No levantamento da FIEB não há distinção entre os empregos gerados pela indústria de


transformação e a indústria da construção civil. Para efeito deste estudo, foram excluídos os
8.634 empregos ligados à construção civil.

994
FRAGMENTOS

e o potencial de emprego gerado. As políticas estatais voltadas para


a indústria focavam apenas o crescimento do Produto e colocavam
em segundo plano a geração de empregos e seus efeitos irradiadores.
Já foi colocado neste trabalho que nenhum modelo de distrito ou
centro industrial existente na Bahia pode se caracterizar como um
Pólo e isso inclui, obviamente, o caso do CIS. Um Pólo deve produzir
efeitos no emprego, na dinamização de outras indústrias e de outros
setores econômicos.

Pedrão (2012, pg.04) afirma que:

As conseqüências desse mecanismo na utilização


de fatores no sistema produtivo podem incluir alguns
aspectos negativos inesperados, tal como uma queda
do multiplicador de emprego, que surgir de uma
diminuição da capacidade do sistema produtivo
para gerar empregos, comparada com os montantes
totais de investimentos realizados, se não se planejam
os efeitos econômicos indiretos do conjunto dos
investimentos industriais considerados. Isso acontece
na agricultura e na indústria. Repetidamente,
o desenvolvimento industrial nos países latino-
americanos tem correspondido a uma concentração
de técnicas que elevam a competitividade interna do
capital, mas que não são suficientes para garantir uma
correspondente competitividade internacional.

Segundo o Anuário Estatístico de Feira de Santana publicado


pelo CDL, em 2008, o número de pessoas com emprego formal
registradas em Feira de Santana era de 73.449. Na indústria de
transformação , esse número era de 16.181 pessoas, representando
22,03 % dos empregos gerados no município. A área comercial e de
serviços geravam, juntas, 52.644 empregos (71,67 %). Em relação
ao fator renda, o mesmo anuário traz informação de que 53,70 %
dos empregados na indústria de transformação recebem entre 1
e 1,5 salário mínimo por mês, o que demonstra que, nos moldes
atuais, a simples implementação de novas indústrias não é capaz de

995
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

irradiar seus efeitos na qualidade vida das pessoas. No ponto de vida


quantitativo, são gerados poucos empregos, no qualitativo, paga-se
muito pouco.
Para Galbraith (1979) o desenvolvimento industrial termina
com a soberania do cidadão e do consumidor. O poder da sociedade
industrial moderna está nas mãos das grandes organizações de
produção. Estas organizações não estão subordinadas ao mercado,
elas fixam o preço e submetem o consumidor e o Estado às suas
exigências. Tais fatos tem como conseqüência: ameaça à qualidade
de vida, desenvolvimento desigual da economia e perda da
personalidade. Salários e empregos não são estáveis.

5 Considerações e Análises

Neste ensaio, buscou-se analisar alguns impactos do processo


de industrialização recente de Feira de Santana nos indicadores ligados
ao emprego e a renda das pessoas diretamente afetadas. Constatou-
se que houve uma diminuição considerável no número médio de
pessoas empregadas em cada indústria, apesar do aumento no
número de empresas instaladas no CIS – Centro Industrial do Subaé.
Também verificou-se que a renda gerada pelas indústrias representa,
para a grande maioria dos trabalhadores, uma média mensal entre 1
e 1,5 salário mínimo, valor considerado insuficiente para a satisfação
das necessidades básicas de uma família no Brasil.
A industrialização em Feira de Santana assumiu as características
do processo industrial da Bahia que, de forma retardada, assumiu
algumas características do processo nacional. A dinamização a partir
da substituição de importações criou, no primeiro momento, uma
falsa impressão de acerto em relação ao pleno desenvolvimento.
Para Singer (2010, pg.162).

O processo de substituição de importações não acarreta


uma diminuição absoluta do valor das importações,
mas uma mudança na sua composição: passam a ser
importados menos bens de consumo final, porém mais

996
FRAGMENTOS

bens de produção. A tendência do desenvolvimento é


forçar uma importação maior, porque todo processo
de crescimento industrial, no país que se desenvolve,
se dá a partir de bens de produção importados. Então,
do ponto de vista meramente do mercado, convém
totalmente aos países adiantados que os países de
economia colonial se desenvolvam.

Paul Singer (2010, pg 163) corrobora com o fato de que


atualmente vive-se uma materialização do processo de expansão da
acumulação de capital quando diz que “uma vez criadas as condições
para o estabelecimento de novos ramos industriais, o capital
americano, o alemão, o inglês, o francês e assim por diante, vão se
colocar lucrativamente nos países em desenvolvimento”.

Desta forma, entende-se que as novas indústrias em Feira de


Santana, seguindo o processo capitalista da expansão da acumulação
do capital17 ( cujo objetivo é o lucro pelo lucro, sem qualquer
comprometimento com o desenvolvimento), foram motivadas pela
possibilidade de pagar salários relativamente baixos, pelos incentivos
fiscais e de infraestrutura e pela não exigência por parte do Estado
em oferecer um número substancial de empregos (mais e menos
qualificados) para o mercado local, situação bastante conveniente
para o modelo de produção adotado, baseado em tecnologia
intensiva.

O processo de industrialização de Feira de Santana certamente


impactou positivamente nos índices de crescimento econômico, mas
em relação ao desenvolvimento (condições de vida da população:
saúde, educação, infraestrutura urbana, segurança, mobilidade), os
impactos não foram da mesma proporção. Assumindo o IDH (Índice de

17 Na leitura marxista de David Harvey (2006), a acumulação de capital é conseqüência do


processo capitalista. A dinâmica da competitividade capitalista atrela a busca pelo crescimento
à sobrevivência. Tal rescimento não respeita os limites do mercado,nem da capacidade produtiva
da mão de obra. A racionalização geográfica do processo produtivo depende da estrutura
mutável dos recursos de transporte, das matérias primas, das demandas de mercado e da
tendência de aglomeração e acumulação do próprio capital. A inovação tecnológica sustenta
essa tendência, pois libertam a produção das fontes locais de poder. Os mercados se expandem
visando mais acumulação.

997
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

Desenvolvimento Humano elaborado pelo PNUD) como um indicador


de credibilidade para medir o desenvolvimento de uma cidade, um
estado ou um país, entende-se que o índice ostentado por Feira de
Santana (0,74) é muito baixo, apesar de não se desviar da média do
país ou da Região Nordeste. Basta a verificação do mesmo índice
em cidades consideradas desenvolvidas (no Brasil e no Mundo) que
percebe-se que um IDH desejável deve apresentar números a partir
de 0,90. No entanto, admite-se aqui que o IDH é um índice numérico,
não sendo a única forma de verificação de desenvolvimento.

A concentração da população na área urbana de Feira de


Santana foi motivada pela industria, mas essa massa se empregou
(em sua grande maioria) nos setores de comércio e serviços (setores
empresariais comandados pela burguesia local), com rendimentos
baixos e condições de trabalho precarizadas. Essa massa, apesar
de morar na cidade, vive nos assentamentos subnormais ou ainda
empuleirados nas moradias oriundas dos programas habitacionais do
governo

Por uma questão de foco, o presente artigo se concentrou


nas análises ora apresentadas. No entanto, reconhecemos que outros
aspectos sobre a temática merecem maior aprofundamento: relações
entre a atividade industrial e os setores de comércio e serviços, os
reflexos da industrialização na urbanização de Feira de Santana e,
finalmente, um detalhamento dos indicadores relacionados à saúde
e educação.

A atividade industrial é importante e necessária para o


desenvolvimento de uma região e de um país. No entanto, a postura
liberal do Estado, ou de intervenção apenas para fornecer incentivos
e infraestrutura, não assegura as condições para a promoção do
desenvolvimento. O capital se movimenta buscando a ampliação
do próprio capital, sem qualquer compromisso com relações e
consequências sociais. Por tal motivo, o Estado deve ser o líder de um
processo de industrialização que atenda os anseios de investidores
privados, mas que priorize os interesses públicos focando, além do
crescimento, o desenvolvimento econômico e social.

998
FRAGMENTOS

Referências

CDL – Câmara dos Dirigentes Lojistas de Feira de Santana. Anuário Estatístico


de Feira de Santana. V.2, 2008.

CHIOCHETTA, João C.; HATEKEYAMA, Kazuo; LEITE, Magda L. G. Evolução


histórica da indústria brasileira: desafios, oportunidades e formas de gestão.
Anais do Congresso Brasileiro de Ensino de Engenharia. Brasília, 2004.

CIFS – Centro das Indústrias de Feira de Santana. Levantamento sócio


econômico de Feira de Santana. 2008. [acesso em 10/07/2012]. Disponível
em http://www.cifs.com.br/artigos/levantamento_socio_economico.pdf

CIS – Centro Industrial do Subaé. Listagem de indústrias que fazem parte do


CIS. 2012. [acesso em 15/07/2012]. Disponível em http://www.cis.ba.gov.br/
industrias.html

CURADO, Marcelo. Industrialização e Desenvolvimento: uma análise do


pensamento econômico brasileiro. In: Anais do I Circuito de Debates
Acadêmicos - IPEA, 2011. [acesso em 15/07/2012]. Disponível em http://
www.ipea.gov.br/code/chamada2011/pdf/area4/area4-artigo10.pdf

FIEB – Federação das Indústrias do Estado da Bahia. Interiorização da


Indústria – Sistema FIEB: ações 2011.[acesso em 10/07/2012]. Disponível em
http://www.fieb.org.br/guia/dados_industria.asp?industria=1690

GALBRAITH, John Kenneth. O novo estado industrial. 2ª. Ed. São Paulo,
Pioneira, 1977.

HARVEY, David. A produção capitalista do espaço. 2ª. Ed. São Paulo:


Annabulme, 2006.

IEL – Instituto Euvaldo Lodi. Instituto Euvaldo Lodi: 30 anos de parceria


universidade-indústria, 1969-1999. 2ª edição. Brasília, 2002.

OLIVEIRA, Gilson Batista de; LIMA, José Edmilson de Souza. Elementos


endógenos do desenvolvimento regional: considerações sobre o papel da
sociedade local no processo de desenvolvimento sustentável. FAE, V. 6, n. 2.
Curitiba, 2003.

PADILHA, Tarcísio. Diálogos na sombra: bispos e militares, tortura e justiça


social na ditadura. São Paulo: Companhia das Letras, 2001.

999
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

PEDRÃO, Fernando Cardoso. Os pólos de desenvolvimento como alternativa


de política nos países latino-americanos. 2012. [acesso em 22/07/2012].
Disponível em http://www.fernandopedrao.com.br/artigos/economia-politica/
os-polos-de- desenvolvimento-como-alternativa-de-politica-nos-paises-latino

SINGER, Paul. Curso de introdução à economia política. 17ªed. Rio de


Janeiro: Forense Universitária, 2010.

SPÍNOLA, Noélio Dantaslé. Desafio ao desenvolvimento de economias


periféricas. Paper apresentado no 9º. Congresso Mundial da Associação
Internacional de Ciência Regional. Timissioara, Romênia, 2012.

________, Política de localização industrial e desenvolvimento regional: a


experiência da Bahia. Unifacs-PPDRU. Salvador, 2003.

SUZIGAN, Wilson. Estado e industrialização no Brasil. Revista de Economia


Política (UNICAMP), v. 8, p. 5 – 16, 1988.

UDERMAN, Simone. Indústria e desenvolvimento regional: uma análise das


estratégias de industrialização da Bahia. (Prêmio FIEB de Economia 2007).
Salvador: FIEB, 2008.

VITAL, Tales. Vitivinicultura no nordeste do Brasil: situação recente e perspectivas.


In Revista Econômica do Nordeste, v.40, n. 03, pag. 500-523. 2009.

1000
FRAGMENTOS

ARTIGO

AVALIAÇÃO DO
PROGRAMA DE
ACELERAÇÃO DO
CRESCIMENTO (PAC) -
BAHIA

26
1001
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

1002
FRAGMENTOS

Avaliação do Programa de
Aceleração do Crescimento (PAC) -
Bahia
Noelio Dantaslé Spinola1
Aliger dos Santos Pereira2

Resumo
O artigo analisa os principais empreendimentos de infraestrutura
(logística, energética e social e urbana) do Programa de Aceleração
do Crescimento (PAC) no período de 2007 a 2010. A problemática do
estudo foi: como o PAC baiano contribuiu para o desenvolvimento
do Estado? O artigo demonstra, através de dados quantitativos, o
impacto do PAC na área social baiana do período. Para esta abordagem
quantitativa os dados foram coletados através de pesquisa exploratória
e bibliográfica. Conclui-se que em média 77,20% dos projetos do
PAC baiano não foram finalizados, mas mesmo assim, ao associá-
lo ao Produto Interno Bruto (PIB) e ao número de trabalhadores
formalizados, utilizando uma simulação regressiva, antes, durante
e depois dos anos de 2007 até 2010, percebe-se a sua influencia e
interferência no processo de desenvolvimento regional da Bahia.
Palavras chave: Regulamentação; Programa de Aceleração do
Crescimento (PAC) – Bahia; Desenvolvimento Regional; Planejamento
Regional.

Abstract
The article reviews the main developments of infrastructure (logistics,
energy and social and urban) Growth Acceleration Program (PAC) in
1 Doutor em Geografia e História pela Universidade de Barcelona – Espanha. E-mail: spinola-
noelio@gmail.com
2 Mestre em Planejamento e Desenvolvimento Territorial e Desenvolvimento Social (UCSAL).
Doutoranda Desenvolvimento Regional e Urbano (UNIFACS). Docente UNEB, IBES e UNIJORGE.
Área: Políticas públicas e Desenvolvimento Regional. E-mail: p.gaba@uol.com.br

1003
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

the period 2007 to 2010. The problem of the study was how did
the PAC contribute to the development of Bahia state? The article
demonstrates through quantitative data, the impact of the PAC on
the social sector of the period. For this approach quantitative data
were collected through exploratory research and literature. It is
concluded that on average 77.20% of PAC projects Bahia have not
been finalized, but even so, when you bind it to the Gross Domestic
Product (GDP) and the number of formal workers, using a simulated
countdown, before, during and after the year 2007 by 2010, its found
its influence and interference in the process of regional development
of Bahia.

Keywords: Regulation, Growth Acceleration Program (PAC) - Bahia;


Regional Development; Regional Planning.

JEL Classification: H11; H43; R58

1004
FRAGMENTOS

1. Introdução

Neste artigo são analisados os principais empreendimentos de


infraestrutura (logística, energética, social e urbana) do Programa de
Aceleração do Crescimento (PAC) entre os anos de 2007 até 2010.
Busca responder à seguinte questão: como a regulamentação do PAC
baiano pode contribuir para o desenvolvimento do Estado? Para
responder a esta questão analisou-se a execução do PAC na Bahia
entre os anos de 2007 até 2010, mediante pesquisa exploratória e
de caráter bibliográfico focado no paradigma regulamentação. A
pesquisa adotou uma abordagem quantitativa onde a parte estatística
usou como suporte o Excel e sua extensão the decisiontools suíte,
denominada de licença trial.
Além desta breve introdução e da conclusão, o artigo está
dividido em três partes onde se examina a execução do PAC sob a
ótica da regulamentação; procede-se a sua avaliação no período
compreendido entre os anos de 2007 até 2010 realizando-se, inclusive,
algumas projeções futuras com o uso do cálculo de probabilidades,
da árvore de decisão e de representações gráficas. Na terceira parte
demonstra-se o impacto do PAC sobre o PIB estadual e o número de
empregos formalizados no Estado, a partir de simulações com o uso
de regressões.

2. O programa de aceleração do crescimento como política


de regulamentação para o desenvolvimento da Bahia

O termo “regulamentar” de acordo com Boyer (2009, p.


23) está relacionado a dois aspectos: o dos procedimentos e o da
delegação dos serviços públicos às instituições privadas.
A regulamentação, vista como procedimento, constitui um
processo realizado pelo Estado através de atos normativos, que
implicam na delegação de atribuições executivas reservando-se

1005
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

porém à função de principal planejador, e organizador das políticas


públicas capazes de promover o desenvolvimento do país . Segundo
Weber (1994, p. 35) “esse caráter monopólico do poder coativo do
Estado é uma característica tão essencial de sua situação atual quanto
seu caráter racional, de instituição, e o contínuo, de empresa”. Assim,
O PAC pode ser visto como uma regulamentação de procedimento,
pois o governo federal, estadual e municipal, estipula as obras de
infraestrutura que são realizadas.
Na regulamentação mediante delegação às empresas
privadas, o poder público se torna apenas o fiscalizador e controlador
das atividades realizadas. Neste sentido o Estado pode criar agências
reguladoras e/ou realizar Parceiria Público e Privada, como ocorreu
com as obras do PAC na Bahia, onde é possível citar, a construção
do estaleiro São Roque localizado na foz do Rio Paraguaçu e no
município de Maragogipe no Recôncavo Baiano. A empresa privada,
Odebrecht, é responsável por 50% do projeto, e as outras duas
empresas privadas, OAS e a UTC, por 25% cada uma, cabendo o
Estado o controle e a fiscalização.
Assim, o PAC incorpora ambos os conceitos sobre a
regulamentação aqui apresentados.
As obras de infraestrutura deste programa na Bahia
compreendem três setores definidos pelo governo como: logístico,
energético e social e urbano.
De acordo com o resultado do Censo de 2010 (SEI, 2010) a
Bahia tem uma população de 14 milhões de habitantes, dos quais
28% encontram-se na área rural e 72% na área urbana. O Estado
responde por 7,4% da população do Brasil e a 26,4% da nordestina.
O investimento total no projeto do PAC-1 na Bahia (2007-
2010) na área de infraestrutura foi de R$ 41,9 bilhões. O PAC – 2, pós
2010, acrescenta ao programa mais R$ 9,3 bilhões totalizando no
período R$ 51,2 bilhões.

1006
FRAGMENTOS

Tabela 1: Investimento previsto do PAC (infraestrutura) - Bahia-2010.

Fonte: Casa Civil da Bahia, 2010 - Adaptado.

A Tabela 2 discrimina as obras do PAC na Bahia por tipo de


infraestrutura. Percebe-se que de 2007 a 2010 o setor energético,
foi contemplado com 47% dos recursos totais projetados, seguido
pela área social com 33%, e finalmente a parte logística com 20%.
Observa-se que a destinação dos investimentos do PAC baiano é dif-
erente do PAC nacional, onde prevalecem os recursos para a área de
logística. Percebe-se que, na Bahia, 74 % do investimento total foram
aplicados em empreendimentos concentrados no território estadual,
somando até 2010 o valor de R$ 31,02 bilhões. As obras de caráter
regional totalizaram até final de 2010 o valor de R$ 10,88 bilhões.

Tabela 2: Investimento projetado do PAC por tipo de área de infraestrutura em R$


milhões - Bahia - 2010.

Fonte: Casa Civil da Bahia, 2010 - Adaptado.

1007
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

Ao determinar em que, onde, como e com quem aplicar seus


recursos e o dos seus parceiros, constata-se, de parte do Estado, um
processo de regulação definido, por Viscusi, Vernon e Harrington Jr.
(2000, p. 307) como uma limitação imposta pelo poder público sobre
a discrição que pode ser exercida pelos indivíduos ou organizações.
Assim, a regulamentação governamental, é feita para regular as
decisões dos agentes econômicos em relação aos preços, volume,
eleição dos setores beneficiados, e as respectivas áreas de atuação.
Para Kahn (1970, p. 20) tal procedimento conduz a “uma troca
explicita da competição pelo planejamento governamental que
passa a ser o principal mecanismo institucional destinado a assegurar
o bom desempenho da economia”. Destarte o governo projeta os
principais aspectos da estrutura e do desempenho econômico.
Além do controle, via mecanismos licitatórios, de quem participa
do processo, também deixa claro a fixação de preços, e os aspectos
relativos a qualidade, bem como das condições dos serviços e das
obrigações para servir os cidadãos , que serão os principais usuários
do serviço
Na área jurídica a regulamentação envolve as regras gerais de
controle do mercado, bem como as ações das políticas discricionárias.
Isso ocorre no âmbito legal, pois é no mercado, pela interação das forças
da oferta e da procura, que surgem as leis econômicas que regulam
os processos de troca. Fazem parte das regras implícitas e explicitas
do mercado no âmbito legal da regulamentação: a Constituição, o
sistema judicial, as regras e contratos, o enforcement3·, as agências
reguladoras e os procedimentos administrativos.
Na área das ciências políticas e administrativas a
regulamentação visa à implementação de políticas regulatórias que
são realizadas através de negociação pública que podem utilizar de
decisões legislativas que fixam as diretrizes das agências regulatórias.
A Constituição Federal do Brasil (artigo 174) deixa claro que compete
ao Estado a função de “agente normativo e regulador da atividade
econômica” exercer “na forma da lei, as funções de fiscalização,
incentivo e planejamento”. A função reguladora está expressamente
prevista na Constituição, como prerrogativa do Estado destinada a

3 Execução de ordem ou de uma lei

1008
FRAGMENTOS

suprir as chamadas “falhas do mercado”.


Assim, dentro desta área da política e da gestão territorial,
a regulamentação é qualquer tentativa do governo de controlar o
comportamento dos cidadãos, corporações e órgãos governamentais,
estabelecendo preços regulados, franchising, padrões, alocando
recursos de modo direto, provendo subsídios e promovendo uma
competição justa e objetivando o bem estar social.
Portanto seja do ponto de vista econômico, jurídico ou político,
a regulamentação econômica brasileira busca contemplar as falhas
presentes no mercado de forma a promover um equilíbrio justo entre
a demanda e a oferta, com o objetivo de proteger o interesse de
futuras gerações. Para Balbinotto Neto, (2010); Ultramari e Duarte
(2009) e Souza (2004), a regulação compreende:

1. a realização da justiça distributiva e a política social, para


proteger os desafortunados;
2. prevenir comportamentos ou resultados indesejáveis;
3. diminuir a escassez dos recursos e atuar de forma
mais racional, para alocar os bens escassos de forma a
contemplar o interesse público e coletivo;
4. manter a continuidade e disponibilidade dos serviços
essenciais para garantir um padrão de vida socialmente
desejado;
5. compartilhar custos dos bens públicos com outros agentes
econômicos para solucionar problemas de interesse
coletivo;
6. conter a tendência de elevação de preços e diminuição da
produção;
7. prevenir o comportamento anticompetitivo, além de
identificar e disciplinar as áreas monopolistas.

A regulamentação surge como uma ação preventiva contra os


abusos dos agentes econômicos e como uma marca da intervenção
do Estado na economia, segundo um sistema patrimonialista
totalmente oposto às propostas do liberalismo econômico. Este
intervencionismo esteve presente em toda a história do capitalismo

1009
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

brasileiro. A regulamentação se acentua em momentos de crise,


organizando movimentos anticíclicos e normalmente objetivando
proteger o sistema capitalista do país das crises, ataques especulativos
e concorrência predatória oriundos da economia internacional.
A regulação fundamenta-se em quatro teorias, a saber:

1. a do interesse público;
2. a da captura;
3. a da escolha pública;
4. e a da economia da regulação.

Segundo a Teoria do Interesse Público o Estado “assume


que a regulação é oferecida em resposta a demanda pelo público
para a correção de ineficiências ou práticas de mercado que não são
consideradas justas” (POSNER, 1971, p. 335). Sempre esteve presente
no país. Durante o governo Lula manifestou-se através do PAC e
dos programas sociais. Afinal, as obras de infraestrutura do PAC,
pelo menos em tese, são planejadas com o objetivo de contemplar o
interesse público. Não contemplam o interesse de um grupo, ou de
um setor, atende às demandas dos cidadãos. A Teoria do Interesse
Público segundo Posner (1971, p. 366) fundamenta-se em dois
pressupostos básicos O primeiro de que o mercado se deixado a
operar livremente será responsável pelo aumento das desigualdades.
O segundo considera que a regulação governamental é virtualmente
sem custos, pois traz retornos sociais.
A Teoria da Captura afirma que os políticos, as elites burguesas
e os sindicatos buscam maximizar seu próprio interesse. Então,
segundo a ótica da Captura, há uma premissa de que existe uma
permanente pressão por regulamentação por parte de determinados
grupos. Estes grupos “podem se beneficiar da redistribuição da renda
e da riqueza, resultante da regulação e o processo político provê
incentivos para os governantes produzirem regulação” (CHURCH,
WARE, 2000, p. 749). Pode-se afirmar, sem susto de errar, que a
Teoria da Captura explica a formação de grande parte do capitalismo
brasileiro. Este “concubinato” entre o Estado e o Capitalismo é
universal conforme demonstra Braudel (1998) em sua obra clássica

1010
FRAGMENTOS

sobre a civilização material, economia e capitalismo nos séculos XV-


XVIII. Um rápido exame na imprensa nacional e no Diário Oficial da
União será suficiente para que se obtenha numerosos exemplos desta
promiscuidade que explica a formação econômica do país. Assim,
que dizer da política brasileira de comércio exterior? Notadamente
a Instrução n.º 70 da Sumoc (1953) responsável pela sangria de
cerca de US$ 413 milhões do Nordeste, que foram transferidos para
a região Sudeste, dado o confisco cambial praticado pelo governo
da União (SPINOLA, 2003, p.65). Que dizer do imposto sindical que
alimenta uma malta de pelegos inúteis que enriquecem a custa dos
cofres dos sindicatos?
A terceira teoria, ou seja, da Economia da Regulação, deixa
claro, que o Estado possui o poder de coerção legal e tem o monopólio
dos recursos escassos presentes no território.4 Estes aspectos levam a
uma legislação reguladora que busca redistribui a renda da população
no território. O Estado é também capaz de definir as áreas do setor
econômico (como a de infraestrutura - PAC), onde as empresas devem
atuar, demandando assim produtos/serviço que são considerados
valiosos por estes órgãos privados. De acordo com Stigler (1971, p.
70) na Teoria Econômica de Regulação

[...] os políticos estariam dispostos a ofertar regulação


em troca de ajuda para obter e manter poder político.
Usando a regulação para restringir a competição no
processo de mercado e restringir a entrada de novas
empresas, as firmas provêm aos políticos e aos partidos
dinheiro e votos. Assim, sendo a oferta de regulação é
obtida do processo político, ofertada pelos partidos e
políticos.

Já a teoria da Escolha Pública, utiliza o termo rent-seeking,


que é “designado para descrever o comportamento num contexto
institucional onde os esforços individuais para maximizar o valor

4 No Brasil pertencem ao Estado o subsolo, as fontes de recursos hídricos (lagos, rios e o mar
continental). Enquanto em países como os EE. UU. quem descobre petróleo em sua propriedade
fica rico, aqui fica pobre.

1011
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

geram um desperdício social em vez de um excedente social”


(BUCHANAN, BRENNAN, 1980 a, p. 4). Afinal, muitas vezes a história
do desenvolvimento brasileiro, percebe-se que a produção e o
consumo capitalista podem não se emparelhar em virtude de diversas
causas, favorecendo uma diversificação interna da sociedade em
classes trabalhadoras e não trabalhadoras (SOUSA, 2010).

3. Os programas do PAC na Bahia

Conforme visto na Tabela 2 os investimentos programados


pelo PAC para a Bahia contemplam as áreas de logística, energética e
social e urbana mobilizando recursos no valor de R$51.170,9 milhões.
Os investimentos na logística estão relacionados com as áreas
de: rodovias, ferrovias, aeroportos e portos, seguindo a mesma
sistemática nacional. A despeito de possuir um sistema hidrográfico
importante, no qual se destaca o Rio São Francisco, a área de hidrovias
não foi contemplada pelo PAC na Bahia.
Segundo o Balanço de 4 anos do PAC (2010, p.4) os
investimentos logísticos buscam ampliar a infraestrutura existente na
Bahia para:

a) Escoar a produção regional para consumo interno e


exportação, aumentando a competitividade regional:
portos de Aratu e Salvador, BR-324, BR-101, BR-135, BR-
116, BR-030 e Ferrovia de Integração Oeste-Leste.
b) Expandir a infraestrutura de apoio ao turismo: Aeroporto
de Salvador, BR-324, BR-101, BR-116, BR-418.

O projeto logístico do PAC baiano teve a influência do Projeto de


Logística de Transportes do Estado da Bahia elaborado em e que tinha
como objetivo identificar os principais investimentos necessários na
infra-estrutura de transportes, definindo estratégias de intervenções
públicas e/ou privadas, em um horizonte de 20 a 25 anos, no intuito
de obter a articulação física do estado e a reorganização de suas

1012
FRAGMENTOS

cadeias logísticas, enfatizando a mudança da matriz de transporte,


hoje predominantemente rodoviária, para os modais ferroviário,
hidroviário e de cabotagem.

Tabela 3 - Execução do PAC de Logística (Rodovias) - Bahia - 2007 a 2010.

Fonte: Balanço de 4 Anos do PAC, 2010- Adaptado.

No plano rodoviário foram programadas inversões da ordem


de R$5.020,6 milhões. A lamentar que, tanto no projeto original
do PAC a nível nacional e no seu replanejamento a nível estadual,
não foram contempladas as obras relacionadas à reconstrução e
recuperação de trechos rodoviários da BR-116 para melhor integrar
a Bahia ao restante do Nordeste. A destacar a conclusão da Ponte -
Carinhanha com 1,1 Km sobre o Rio São Francisco (BR-030/BA). A
obra foi concluída com um investimento total de R$ 49,6 milhões para
a construção da ponte e R$ 18,6 milhões para os cinco quilômetros

1013
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

de acesso à obra, ou seja, teve um investimento total de R$ 68,2


milhões, um valor 2,5 vezes superior ao que foi planejado.
A ponte proporcionará o escoamento mais rápido dos
produtos agropecuários da região através da rodovia BR-030, em
especial os oriundos da agricultura familiar. É bom relatar que o foco
produtivo da região é o algodão, e que a BR-030 passa pela Bahia,
Goiás, Minas Gerais e Distrito Federal. A ponte contribuirá para o
desenvolvimento de Carinhanha, Malhada e a parte Oeste da Bahia
devido à integração com a BR-030.
Se a ferrovia Leste - Oeste ficar pronta, futuramente auxiliará
a integrar a Bahia com esta região. Atualmente a ponte é o único
acesso direto do Planalto Central ao litoral brasileiro, idealizando
o sonho de Juscelino Kubitschek, de ver os brasilienses saírem de
Brasília para as praias do litoral baiano, também melhorará a ida de
turistas que buscam o ecoturismo nos municípios adjacentes a ponte.

Figura 1 - Ponte que liga os municípios de Carinhanha e Malhada - Bahia-2010.

Fonte: Tendência de Mercado, 2010.

1014
FRAGMENTOS

Ferrovias

As três obras planejadas pelo PAC no início de 2007, foram:


o Contorno Ferroviário de Camaçari; o Contorno Ferroviário de São
Félix; e a Ferrovia de Integração Oeste Leste -Ilhéus/ BA - Barreiras/BA.
A previsão de investimento total para as três obras até o final
de 2010 era de R$ 433,8 milhões. Nenhuma delas foi concluída até o
final de 2010.
No plano do PAC de logística ferroviário o Contorno Ferroviário
de Camaçari e o a Integração Oeste Leste (Ilhéus/BA - Barreiras/BA),
possuem possíveis datas para finalização, respectivamente 30/6/2011
e 31/7/2013. Já o Contorno Ferroviário de São Félix não foi detectado
uma data de finalização das obras. Todas as três obras planejadas
pelo PAC, já estavam prevista anteriormente no PELT.
O Investimento do PAC baiano no setor ferroviário é
importante, pois

[...] o transporte ferroviário apresenta como


característica econômica alto custo fixo representado
pelo arrendamento da malha e dos terminais - quando
eles são operados pelo setor privado, como no Brasil
- e elevado volume de capital imobilizado, com a
compra de material rodante. Por outro lado, os custos
variáveis - mão de obra, combustível e energia - são
relativamente baixos, tornando-o adequado para o
transporte de mercadorias de baixo valor agregado e
com grande peso e volume específico. Assim, a escala
no transporte ferroviário é fundamental para a diluição
dos custos fixos e o aumento da margem de lucro das
ferrovias, uma vez que os retornos são crescentes
até que se atinja a capacidade máxima de operação
(CAMPOS NETO et al, 2010, p.10).

A construção da Ferrovia de Camaçari busca a retirada


da linha férrea do centro de Camaçari, desejo antigo da população

1015
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

local, devido a questões de segurança, uma vez que reduz o risco de


acidentes com produtos químicos na cidade. Também reduzirá em
29 quilômetros a distância entre o Pólo Industrial e o Porto de Aratu,
pois hoje é feito em aproximadamente uma hora e passará a ser feito
em 19 minutos. Esta ferrovia transporta apenas do Polo Petroquímico
de Camaçari, uma quantidade de 6,4 mil toneladas de mercadorias
diariamente, sendo que 4 mil são de produtos tóxicos, ou seja, 62%
dos produtos que passam por esta ferrovia e consequentemente no
centro da cidade de Camaçari são considerados tóxicos.
O contorno ferroviário de Camaçari beneficiará ainda os
municípios de Simões Filho e Candeias, que estão adjacentes à ferrovia,
pois necessitará de trabalhadores para atuarem no empreendimento.
O principal benefício da Ferrovia de Camaçari é o escoamento
da produção do Pólo Petroquímico de Camaçari para o Porto de Aratu
e a diminuição da interrupção do sistema viário e o trafego urbano
diante das atividades da ferrovia Percebe-se também que esta ferrovia
tem conexão com as ferrovias de Alagoinhas, Feira de Santana, Santo
Amaro, Cachoeira - São Felix, Candeias, há também interligação com
os Portos de Salvador e de Aratu.
O contorno Ferroviário de São Félix teve seu planejamento
inicial no PAC-1 de 0,1 milhões, entretanto o valor foi revisto para
R$ 110 milhões, segundo consta das Diretrizes Estratégicas da Bahia
(2010, p.426) e depois passou a fazer parte das obras do PAC-2 com
um valor de R$ 150 milhões, com base no apresentado esta obra
constitui agora metas do PAC-2 e não mais do PAC-1.
A ferrovia que passa por Cachoeira e São Félix surgiu no século
XIX e integrava a Viação Férrea Federal do Leste Brasileiro (VFFLB)
ligando a Bahia a Minas no período fazia transporte de carga e de
passageiro. Atualmente está praticamente desativada e somente
realiza transporte de cargas, onde seu principal gargalo é a passagem
pelo Rio Paraguaçu.
A obra do PAC, para o contorno Ferroviário de São Félix, visa
melhorar as manobras dos trens que são realizadas em pleno centro
da cidade, tais manobras interrompem o trafego rodoviário e de
pedestres da região numa frequência de pelo menos dez vezes ao dia.

1016
FRAGMENTOS

Para se ter idéia, a passagem continua de seis trens ao dia


demora cerca de 1 hora, neste período não há trânsito nem de pedestre
e nem de automóveis entre as duas cidades. Além disso, a manobra
é feita em pleno centro urbano, próxima a posto de gasolina, casas
comerciais e escolas, constituindo um risco para a população que ali
circula, inclusive porque a maioria dos trens tem cargas inflamáveis
(gasolina e óleo diesel) e de minério, e não há qualquer sinalização na
área onde é feita a manobra ferroviária.
A ponte D. Pedro II, que liga São Felix e Cachoeira, encontra-se
em estado precário, impedindo que os vagões façam a travessia de
uma única vez entre São Felix e Cachoeira, algumas travessias chegam
a ter até 45 vagões.
A obra pretende ter nove viadutos ferroviários e quatro
rodoviários. A obra tem como origem a linha ferroviária atual da
cidade de Conceição da Feira (próximo à BR-101, outra obra do PAC
logístico - rodoviário), a partir daí, segue em linha reta até cruzar a
BA-026 (Santo Amaro/Cachoeira) e o Rio Paraguaçu (ponte D. Pedro
II), aproximadamente, 6 km após a ponte. Será construída uma ponte
exclusivamente ferroviária com 600 metros de extensão, que vai ligar
Cachoeira a São Félix, na parte alta, próxima à Estação Araújo Lima,
em São Félix. Assim, a obra melhorará a proximidade e a conexão
com a BR-101.
Esta ferrovia (Cachoeira - São Felix) visa também integrar
futuramente o Estado de São Paulo (Região Sudeste) com a Região
Metropolitana de Salvador, através do uso de trem expresso, para
levar os produtos oriundos da produção do Polo Petroquímico de
Camaçari e do Complexo Ford, este último já realiza movimentação
de carga automobilística com a cidade de Paulínia.
Já o Contorno da Integração de Oeste Leste - Ilhéus/BA -
Barreiras/BA busca ligar o município de Ilhéus (BA) a Figueiropólis (TO),
cortando toda a Bahia no sentido Leste-Oeste, sendo esta a razão do
nome de Integração Oeste Leste ou Leste Oeste. A nova linha férrea
interligará o Porto Sul, a ser construído na Ponta de Tulha (ao norte
de Ilhéus) ao Brasil Central, podendo, futuramente, interligar-se com
uma rede que chegará ao Oceano Pacífico, promovendo uma maior

1017
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

integração da América do Sul. Caso seja concluída a ferrovia terá uma


extensão total de 1.527 km, e irá interligar o futuro porto de Ilhéus
com a Ferrovia Norte-Sul em Figueirópolis, no Tocantins.
A Figura 2 apresenta a conexão da ferrovia Leste-Oeste com
a logística rodoviária e portuária baiana, mostrando os principais
trechos para o escoamento da produção dos produtos deste estado.
Assim, pode-se destacar as rodovias da: BA- 093, BR-116, BR-101,
BR-030, BR-251/415 (liga a Bahia com o Porto Sul), BR-122 (liga
as cidades de Juazeiro, Seabra e Caetité), BA – 001 (Canavieiras,
Belmonte, Trancoso, Prado, Caravelas e Nova Visçosa). Além dos
Portos de Salvador e Aratu.

Figura 2 - Traçado da Ferrovia Leste - Oeste e sua ligação com as principais rodovias
de escoamento da produção - Bahia - 2011.

Fonte: Secretaria de Planejamento do Estado da Bahia, 20115.

5 Secretaria de Planejamento do Estado da Bahia. Economic Development axles. 78 slides.


Disponível em: <http://pt.scribd.com/doc/46878465/Apresentacao-ingles-Bahia-pelt-08022010
>. Acesso em:1 jul. 2011.

1018
FRAGMENTOS

A ferrovia de Integração Oeste Leste (Ilhéus/BA - Barreiras/


BA) não constitui um projeto novo, foi idealizada desde a década
de 1950 e esteve presente no PELT. Até o final de 2010 o trecho
de Ihéus - Caetité de 537 km e o de Caetité - Barreiras com 45 km
estava em fase de licitação com previsão para iniciar no inicio de
2011, já o trecho Barreiras - Figueropólis - TO (505 km), encontra-
se em ação preparatória.
A Figura 3 mostra a importância nacional desta obra, pois
representa a interligação da ferrovia Leste-Oeste com as outras
obras do PAC de logística ferroviária a nível nacional.

A Ferrovia de Integração Oeste - Leste dinamizará


o escoamento da produção do Estado da Bahia e
servirá de ligação com outros polos do país, por
intermédio da Ferrovia Norte - Sul. Sua estrutura
comporá um corredor de transporte que otimizará
a operação do Porto de Ponta da Tulha, em Ilhéus
(BA) e ainda abrirá nova alternativa de logística para
portos no Norte do país atendidos pela Norte – Sul
e EFC. A princípio, os principais produtos a serem
transportados serão soja, farelo de soja e milho,
além de fertilizantes, combustíveis e minério de
ferro. Contudo a construção dessa ferrovia propiciará
o aumento da competitividade dos produtos do
agronegócio e a possibilidade de implantação de
novos polos agroindustriais e de exploração de
minérios, aproveitando sua conexão com a malha
ferroviária nacional (CAMPOS NETO et al, 2010, p. 31).

1019
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

Figura 3 - Ligação da ferrovia de Integração Oeste Leste (Ilhéus/ BA - Barreiras/BA)


com outras ferrovias no Brasil e o respectivo estágio das obras do PAC- 2010.

Fonte: DNIT, 2010.

A Figura 4 apresenta uma síntese das obras do PAC em


relação ao sistema rodoviário e ferroviário na Bahia. Se efetivamente
executado constituirá um instrumento vigoroso para acelerar o
crescimento da economia regional.

1020
FRAGMENTOS

Figura 4 - Integração do eixo ferroviário e rodoviário através das obras do PAC - Bahia
- 2009.

Fonte: PASSOS, 2009.

Portos

No Planejamento do PAC a nível nacional somente constava


na escala da Bahia a drenagem e derrocamento do Porto de Aratu
com o investimento de R$ 54,8 milhões. Entretanto, houve um
replanejamento, e a Bahia foi contemplada com mais duas obras: a

1021
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

drenagem e derrocamento do Porto de Salvador no valor de R$ 58,7


milhões e o financiamento para a construção de duas embarcações
no valor de R$ 16,6 milhões. Os 3(três) projetos conforme já foram
concluídos ao final do ano de 2010.
A construção de estaleiro na Bahia visa contemplar
especialmente os 28 projetos de sondas da Petrobras presente em todo
o território brasileiro, os projetos serão geridos por entes privados que
ganharam a licitação. Diferentemente do período entre 1970 a 1980,
a construção dos atuais estaleiros busca maior sustentabilidade, pois
as produções serão feitas com base na demanda de longo prazo.
Este estaleiro está sendo construído por 3 (três) empresas
consorciadas: Odebrecht, OAS e à UTC na foz do Rio Paraguaçu.
O estaleiro é denominado de São Roque e fica no município de
Maragogipe no Recôncavo Baiano, a Odebrecht é responsável por
50% do projeto e as outras duas empresas por 25% cada uma.
Estas empresas privadas ganharam a licitação no ano de 2008 e
logo depois apresentaram o projeto do Estaleiro São Roque que foi
analisado pelo IBAMA no ano de 2009, houve também neste ano uma
audiência pública com a população para tomarem conhecimento e
participarem dos possíveis benefícios da construção do estaleiro para
a área, principalmente em relação à empregabilidade, foco principal
da audiência.
De acordo as empresas formadoras do consórcio, o estaleiro
contribuirá para alavancar o desenvolvimento regional, gerando
milhares de empregos na área adjacente ao Rio Paraguaçu, onde é
possível destacar os municípios de: Maragogipe, Nazaré das Farinhas,
Itaparica, Saubara, Cachoeira, São Félix, Salinas de Margarida, a
estimativa é de pelo menos 4.000 empregos diretos nestas localidades.
O principal papel deste estaleiro é o de construir para
Petrobras as plataformas P-59 e P-60, com o objetivo de renovar a
frota desta empresa de economia mista, além de navios de sondas.
As empresas que ganharam o consórcio não escolheram o local para
construir o estaleiro, e sim o governo federal e estadual, pois ambos
regulamentaram o local da construção, com o objetivo de reativar um
antigo estaleiro que estava desativado na região, estimulando, desta

1022
FRAGMENTOS

forma, o renascimento deste esquecido polo da indústria naval no


País. De acordo com pesquisa, este polo constituirá depois de pronto
o segundo maior polo da indústria naval no país, perdendo apenas
para o do Amazonas.

A unidade terá capacidade de processar 60 mil toneladas


de aço por ano e a previsão é de que as obras sejam
executadas em 24 meses. Seis meses antes do término
do empreendimento, porém, o estaleiro começaria a
processar aço. A exemplo do que ocorreu no Estaleiro
Atlântico Sul (EAS), em Suape, o desafio desta unidade,
caso o consórcio ganhe a encomenda da Petrobras,
será erguer suas instalações ao mesmo tempo em que
constrói os navios sonda (CINTRA, 2009).

O Estaleiro de São Roque será utilizado também como: área


de transbordo de cargas e equipamentos; local de heliporto; local de
armazenagem, almoxarifados; estações de energia e vias de acesso
para grandes veículos, tendo uma área aproximada de 150 hectares.
A localização do estaleiro é estratégica para as ações da
Petrobras a nível Nordeste, pois está dentro da Baia de Todos os
Santos.
Inicialmente o projeto do PAC foi orçado em 16,6 milhões para
a construção do estaleiro, entretanto até o final de 2010 o projeto
já utilizou aproximadamente R$ 2 bilhões, onde R$ 1,7 bilhões são
oriundos do Fundo da Marinha Mercante (FMM). É bom esclarecer
que todo o dinheiro investido pelas empresas privadas (parceiras)
será devolvido pela Petrobras no final do empreendimento.
Outro aspecto encontrado durante a pesquisa é que o estaleiro
não poderia ter sido construído na área definida pelo governo federal
e estadual, pois estava dentro de uma reserva ambiental. Entretanto,
o governo da Bahia entrou com um pedido no Congresso Nacional,
que alterou a lei através da Medida Provisória nº 462, para retirar
o canteiro de São Roque e a área onde estaria o estaleiro Enseada
do Paraguaçu da qualidade de reserva ambiental. A área ambiental
foi revista e incluídas outras áreas de reserva ambiental, devido a

1023
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

este aspecto as obras do estaleiro foi aprovadas pelo IBAMA no dia


28/10/2010 conforme o projeto apresentado pelas consorciadas.
A Medida Provisória 462 também fez com que a União pudesse
aumentar seu investimento novo Fundo de Garantia para Construção
Naval (FGCN) de R$ 1 bilhão para R$ 5 bilhões, assim os risco do
negócio por parte do ente privado diminui, pois o governo federal
passa a cobrir 50% do valor das construções das embarcações, além
de ser responsável em cobrir 10% dos riscos. De acordo com os
órgãos federais é necessário que o ente público comporte-se deste
jeito para contemplar futuramente as demandas do pré-sal, mas vai
de encontro a Lei de Parceira Público e Privada, onde os maiores riscos
devem ser do ente privado.
A ampliação e aumento da profundidade do Porto de
Salvador de 8 e 12 metros, passou para 15 metros, o principal
objetivo é o de receber navios maiores e melhorar a capacidade de
operação e da capacidade de movimentação de cargas deste Porto e
sua maior integração com a Via Expressa.
A obra do PAC do Porto de Salvador ampliou o terminal de
contêineres no final de outubro de 2010. Ao comparar a quantidade de
contêineres no primeiro bimestre de 2011 (período com a ampliação)
em relação ao mesmo período de 2010 (período sem ampliação) houve
um aumento de 35% no aumento de contêineres movimentados.
Os principais produtos movimentados nos contêineres do Porto de
Salvador são: Celulose, petroquímicos, químicos, cobre, frutas, trigo,
produtos siderúrgicos e alimentos.

A obra contempla a ampliação do quebra-mar norte


em 405 metros e contará também com a execução de
dois berços de atracação, num total de 544 metros
de cais de acostagem. O objetivo é proporcionar
estrutura e modernidade tecnológica para a expansão
do comércio marítimo no estado. O projeto do Porto
de Salvador integra-se à construção do Pólo Naval e
do Porto Sul, transformando o atual cenário baiano
(SOUZA, ANDRADE, 2010).

1024
FRAGMENTOS

No começo do ano de 2011 o Porto de Salvador faltava ainda


adquirir novos equipamentos, ampliar o armazém e propiciar a
construção de um terminal de passageiros capaz de interligar o porto
com a cidade através do armazém 1 e 2. O armazém atualmente
possui 73.443,65m2 e com a nova expansão e estruturação passará
para 117.914,97m2, propiciando maior espaço para preservação e
conservação das mercadorias que lá chegam, aumentando assim o
espaço para os contêineres (Figura 5 - parte hachurada de verde).

Figura 5 - Localização da construção do novo armazém do Porto de Salvador - Bahia


- 2011.

Fonte: Secretaria de Planejamento do Estado da Bahia, 2011.

O PAC-2 planeja investimentos de R$ 36 milhões para


os empreendimentos de adaptação de armazém para terminal
de embarque e desembarque de passageiro, com o objetivo de

1025
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

contemplar à Copa de 2014 (Figura 6), para assim receber os navios


de cruzeiros marítimos. Esta obra envolverá a Secretaria de Portos
da Presidência da República (SEP), o Ministério do Esporte, Governo
do Estado, Prefeitura e Companhia das Docas do Estado da Bahia
(Codeba). O edital para esta obra está previsto para o mês de maio
de 2011 e finalização em 13 de maio de 2013, data em que o Porto
de Salvador completará 100 anos, e é também uma data anterior ao
período da Copa das Confederações. Já a iniciativa privada investirá
na parte de lazer e cultura (receptivo turístico) do Porto de Salvador
um valor de R$ 30 milhões. Todo o projeto visa manter a arquitetura
original da primeira década do século passado.

Figura 6 - Planejamento e Perspectiva do PAC em relação ao Porto de Salvador-


Bahia-2011.

Fonte: CODEBA, 2011.

1026
FRAGMENTOS

O empreendimento ocupará uma área de 7.350 m², mais


6.798 m² de faixa de cais, transformando o Armazém
I em grande espaço de lazer com mix variado de uso.
Foram projetadas áreas comerciais para a instalação
de lojas, restaurantes e bares, áreas de lazer inerentes
às atividades turísticas, que atenderão a demanda
da população de Salvador e dos visitantes. Já no
Armazém II será instalado o terminal de passageiros da
Estação Marítima, com equipamentos que permitirão
o embarque e desembarque de navios de turismo,
atendendo às necessidades de qualidades e segurança
de operações exigidas nos portos que originam e
terminam seus roteiros de viagem (CODEBA, 2011).

O aumento do cumprimento dos molhes do Porto de


Salvador e a ampliação do quebra-mar para abrigo do segundo
terminal de contêineres também está previsto no planejamento do
PAC-2 divulgado no inicio de 2011 e que já estava previsto no PELT
Estas obras são importantes para tornar o Porto de Salvador mais
competitivo.
O Instituto de Logistica e Supply Chain (2011)6, colocou o
Porto de Salvador em último lugar na pesquisa entre 187 grandes
empresas brasileiras, as principais dificuldades e gargalos apontadas
pela pesquisa em relação ao Porto de Salvador , são: a dificuldade
do acesso rodoviário, a infraestrutura de armazenagem e as tarifas
praticadas pelo porto. Isso faz com que cerca de 35% dos produtos
baianos transportados em contêineres sigam para outros portos
brasileiros. Além disso, o porto de Salvador só exporta produtos para
a Europa e América do Norte, não focando no mercado chinês. Isso
traz um custo anual para os empresários baianos de R$ 150 milhões,
enquanto o governo baiano perde R$ 300 milhões em tributos. Na
pesquisa do Instituto de Logística e Supply Chain (2011), foi avaliado
aspectos referentes: a infraestrutura, o desempenho da operação, a

6 Instituto de Logistica e Supply Chain. http://www.ilos.com.br/site/index.php?option=com_


content&task=view&id=1664&Itemid=74

1027
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

gestão portuária e os custos . O Porto de Salvador e Aratu, tiveram


respectivamente a nota 5,4 e 4,5 (Figura 7), ficando na categoria de
deficiente.

Figura 7 - Avaliação dos Portos - Brasil - 2011.

Fonte: Panorama ILOS - Portos no Brasil: Análise de Desempenho e Avaliação dos


Usuário 2011.

O Porto de Aratu está localizado na Baía de Todos os Santos,


próximo à entrada do canal de Cotegipe, em frente à costa leste da Ilha
da Maré, seu acesso rodoviário é através da Rodovia Federal 324, que
tem interligação com a BRs-101,110 e 116, além da Ferrovia Centro
Atlântico S/A. Surgiu na década de 70 com o objetivo de proporcionar
o suporte portuário para o Centro Industrial de Aratu (CIA).

1028
FRAGMENTOS

Atualmente, o Porto de Aratu possui quatro terminais (Figura 8:


o Terminal de Granéis Sólidos (TGS), os Terminal de Produtos Gasosos
(TPG), o terminal de Granéis Líquidos (TGL) e os terminais privativos de
Cimento.

Figura 8 - Localização dos terminais do Porto de Aratu e área de ampliação - Bahia -


2011.

Fonte: Secretaria de Planejamento do Estado da Bahia, 2011.

O TGS é responsável pela importação e pela exportação de


mercadorias. Os principais produtos para importação são: cobre,
alumina, carvão, enxofre, fertilizantes, manganês e rocha fosfática.
Já os principais produtos para exportação são: Magnesita e uréia.
O TPG trabalha principalmente com os seguintes produtos:
amônia, butadieno, propeno, e nafta para a COPENE.
O TGL manuseia os seguintes produtos para os navios: soda
cáustica, dicloretano, MEG, estireno, MTBE, benzeno.
Os terminais privativos pertencem a Usina Siderúrgica da

1029
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

Bahia S.A. (USIBA) e a Aratu, a primeira é da área siderúrgica, e a


segunda atua com cimento.
Hoje o Polo de Aratu é responsável por 60% das operações
da CODEBA, dando suporte ao CIA, ao Polo de Camaçari, a Ford e
as atividades mineradoras do Estado baiano.
As obras do PAC no Porto de Aratu buscam também aumentar
a profundidade para 15 metros, possibilitando a operação de
grandes navios, tornando-o mais competitivo. De acordo com a
CODEBA (2011) o empreendimento do PAC buscou também

à recuperação do sistema de movimentação do


Terminal de Granéis Sólidos (TGS-I), estão previstas
a ampliação do píer do Terminal de Granéis Líquidos
com a criação de dois novos berços de atracação; a
melhoria da acessibilidade terrestre com duplicação
dos acessos rodoviários; e a construção de pátio de
triagem/estacionamento de veículos de carga em
área anexa ao porto.

O Porto de Aratu investirá cerca de R$ 60 milhões de


seus recursos próprios no Terminal de Graneis Sólidos, pois não
adiantava fazer a dragagem e o aprofundamento da profundidade
do Porto, sem realizar uma manutenção corretiva e preventiva nos
equipamentos que fazem o carregamento e o descarregamento
dos navios, além de adquirir maquinário com melhor tecnologia,
visto que a maioria dos equipamentos do Porto de Aratu tem mais
de 30 anos. Ou seja, é necessário aumentar a capacidade do Porto
não apenas no recebimento dos navios, mas também na carga
e descarga destes para que o porto fique mais eficiente em sua
logística interna, investindo em novas tecnologias.
O Porto de Aratu também precisará do investimento de
empresas privadas para proporcionar a ampliação do seu armazém
e a melhor distribuição das mercadorias que lá estejam estocadas.
As empresas Petroquímicas de Camaçari manifestaram interesse
em investir cerca de R$ 360 milhões na parte de armazenagem e
distribuição, afinal seus produtos, seriam os principais beneficiados

1030
FRAGMENTOS

desta reestruturação. Esta parte da obra pretende ser finalizada


em 2013.
As obras de infraestrutura portuária para o Porto de Aratu
não estão previstas para o PAC-2.
As empresas privadas constituídas pelo consórcio formado
pela Braskem, pela Login e pela M. Dias Branco, apresentaram
um estudo econômico e ambiental ao poder público para obter a
concessão do Porto.
A proposta da consorciada prevê o aprofundamento do
Porto para 15 a 21 metros, recuperação dos granéis sólidos, novo
berço de graneis líquido e gases, nova tancagem para graneis
líquidos, recuperação dos prédios e acesso dos caminhões, inclusive
com um novo estacionamento, implantação de um novo terminal
de contêineres, conclusão do terminal de minério de ferro. No
primeiro semestre de 2011 o governador confirmou a concessão
do Porto de Aratu que será feito através da Lei de Parceria Público
e Privada.
O Porto de Ilhéus surgiu no século XX, com o objetivo de
escoar a produção de cacau da região. Movimenta os seguintes
produtos: cacau, soja, minérios e escórias. O PAC-2 programa
investimentos objetivando aprofundá-lo em 14 metros, o que
permitirá a atracação de embarcações maiores.
O Complexo do Porto Sul constitui um projeto intermodal
em Ilhéus, que pretende a implantação do porto público, de um
terminal privado e da Ferrovia da Integração Oeste-Leste (FIOL), de
um aeroporto e uma base siderúrgica, tal planejamento tem um
valor previsto de R$ 6 milhões e será construído por um consórcio
privado contratado pela Valec que terá a duração entre 15 anos
a 20 anos, favorecendo apenas uma única empresa mineradora
(Bahia Mineradora), que extrai o minério de Caetité.
O Complexo Porto Sul exigirá a construção de um
quebra-mar de 1,5 km de extensão por 366 m de
largura na base e 27m de altura e uma esteira de
2,3 km, a 10 metros de altura, cortando a costa
para transportar o minério de ferro do retroporto

1031
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

até o ponto de chegada dos navios. Todo o processo


destruiria a vasta variedade de corais e vida marinha
presentes nesta região, por conta também do
afundamento médio de cerca de 5 metros do fundo
do oceano. Além disso, um total de 2.400 hectares
de Mata Atlântica e mangues a apenas 16 km do
centro de Ilhéus, na região da Ponta da Tulha, serão
devastados para receber um porto de escoamento do
minério de ferro proveniente da BAMIN. A construção
do Complexo Intermodal Porto Sul devastará
parte do conjunto de florestas do Sul da Bahia
que compõe 80% da Mata Atlântica remanescente
no nordeste brasileiro, oferece risco às espécies
ameaçadas de extinção (fauna e flora) e a ponte que
liga o porto à terra danificará o leito de corais que
jaz à linha da costa. O quebra-mar projetado para
o empreendimento formará uma zona de sombra
que, em longo prazo, vai modificar a conformação
das praias, induzir a formação de bancos de areia,
alterar a circulação das correntes e contribuir para
o fechamento da barra do rio do Mangue. Já o
rebaixamento do lençol freático para drenar a região
em que será implantado o retro porto é uma ameaça
crítica à bacia do rio Almada. Faltam estudos que
avaliem o impacto que a operação ferroviária causará
à Mata Atlântica (REVISTA AMAZONICA, 2011).

1032
FRAGMENTOS

Figura 9 - Desenho do Complexo do Porto Sul - Bahia - 2010.

Fonte: FUNDAÇÃO VANZOLINI, 2010, p. 15.

O Complexo do Porto Sul (Figura 9) promoverá um sério dano


ambiental, pois não trabalha de forma sustentável. O parecer técnico
do IBAMA (2010)7 confirma isso quando diz:

a instalação do Terminal no local proposto acarretará na


supressão de 70 hectares de Mata Atlântica em estado
médio e avançado de regeneração; a área possui grande
importância biológica, com muitas espécies ameaçadas,
e inclusive habitats sensíveis, como estuários,
manguezais e recifes.

Na Figura 9 percebe-se que há um terminal para a movimentação


de carga geral e de grãos, há também uma ponte que será de uso do
governo e da mineradora, esta liga ao Píer, local de atracação de navios.
No mar aberto ficariam os equipamentos para a movimentação das
7 Parecer técnico do IBAMA sobre as obras do Complexo Sul. 2010.

1033
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

cargas e dos grãos. Em terra percebe-se que haverá, conforme previsão


do governo, a implantação da Zona de Atividade Logística (ZAL) e a
Zona de Processamento de Exportação (ZPE), que terão como apoio
diversos armazéns, área alfandegária, estacionamento de veículos.
Outra solução seria utilizar e reformar a malha ferroviária
(Ferrovia Centro -Atlântico- FCA), a zona portuária (Porto de Aratu) e
o canal de Cotegipe, todos os três já existentes, mas seria necessário
também a instalação da Zona de Processamento de Exportação (ZPE),
com o objetivo de incentivar a produtividade local, relacionada com
a pesca, silvicultura e investimento na área tecnológica, as empresas
instaladas neste distrito, poderiam exportar 80% da produção para
o mercado externo, e 20% importariam para o mercado interno.
Conforme a Fundação Vanzolini (2010):

o uso dessas ferrovias e portos públicos já existentes


pode reduzir o custo da obra em cerca de 60%,
permitindo uma alocação mais eficiente e imediata
de recursos para a população local. Tanto é relevante
manter as vocações naturais da região, que foram feitos
investimentos importantes nos últimos anos, inclusive
pelo BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento)
por meio do PRODETUR (Programa de Desenvolvimento
do Turismo), focado na indústria do turismo e para o
plantio / beneficiamento do cacau.

Desta forma, seria mantido o projeto inicial do Programa


Estadual de Logística e Transporte da Bahia (PELT), apresentado no ano
de 2004 (Figura 10) que defende

a construção da ferrovia Oeste-Leste e a dinamização da


conexão com a FCA e Araturegiã o portuária consolidada
com múltipla competência - carga geral, grãos, química
e automóveis - e distante do centro metropolitano de
Salvador, uma condição crítica para a recepção de um
terminal de minério por conta não só da dimensão
da operação como da dispersão, quase inevitável, nas
condições tecnológicas atuais, de pó de minério no ar.

1034
FRAGMENTOS

A construção de um novo terminal de minério na baía


de Aratu ou ao longo do canal de Cotegipe, porém,
acrescenta uma especialização nova e valoriza a vocação
logística e industrial daquela região. Um tal arranjo
valoriza fortemente tanto o investimento público em
logística realizado na época do milagre econômico dos
anos 60 e 70, ou mesmo antes, quanto o privado, ligado
à recuperação da economia da última década, sem que
se induza a formação de um outro cluster portuário-
industrial, a partir do polo mineros siderúrgico da
Bamin. Este é incompatível com a economia de natureza
e a preservação do bioma Mata Atlântica, que formam
a dupla vocação do Sul da Bahia, e ignora um projeto
de nação que olha para um futuro de longa duração
(FUNDAÇÃO VANZOLINI , 2010, p. 19).

Figura 10 - Projeto inicial do Programa Estadual de Logística e Transporte da Bahia


(PELT) - Bahia -2010.

Fonte: FUNDAÇÃO VANZOLINI, 2010, p. 19.

1035
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

Percebe-se através da Figura 10 que a integração com a FCA


favoreceria as empresas de mineração de Magnesita (proximidade
de Brumado). Também teria que revitalizar e reintegrar através da
implantação de bitola larga (1,60 m) a ferroviária já prevista no
PAC no trecho Cachoeira – São Felix com a ferrovia Oeste-Leste e
a ferrovia Norte-Sul, promovendo o desenvolvimento das cidades
adjacentes a ferrovia.
Caso o PELT fosse obedecido promoveria e integração
não apenas com o Porto de Aratu, mas também da Bahia com
outros estados. Também se viabilizaria o transporte ferroviário de
produtos do Polo Petroquímico de Camaçari e da própria capital
baiana, favorecendo em especial a região Leste- Oeste da Bahia
(Luís Eduardo e Barreira, na Bahia, e o sul de Tocantins). A partir do
apresentado, constata-se que o governo está viabilizando a atividade
da Bahia Mineradora, quando modificou seu projeto inicial de 2004,
não contemplando assim os interesses coletivos e deixou de lado
a interligação da FCA, o Porto de Aratu e o Terminal de Cotegipe
que traria maiores benefícios sociais e locais, implementando o
desenvolvimento regional.
Atualmente o Porto de Aratu trabalha com produtos oriundos
do agronegócio, pois grandes empresas como Cargill, ADM e Bunge,
fizeram contratos de longo prazo para investir neste porto, devido
a presença do Terminal de Cotegipe aonde os caminhões chegam
trazendo os grãos, em especial a soja, para os silos de estocagem e
o local de atracação dos navios.

Assim, se para a Bamin investir R$ 2,5 bilhões num


terminal privado é inevitável, para o agronegócio
não faz sentido construir, por preço equivalente, um
novo terminal graneleiro no Porto Sul e reorientar-se
para Ilhéus, como quer a propaganda pró-porto. Já a
viagem por trilhos pela Oeste-Leste e FCA até Cotegipe
aumentaria a competitividade da produção agrícola
do interior baiano e do Tocantins. De resto, levar a
primeira até Ilhéus, ignorando a interligação com os
trilhos da segunda, contribui para a obsolescência

1036
FRAGMENTOS

de um importante sistema logístico (FUNDAÇÃO


VANZOLINI, 2010, p.20).

Aeroportos

O PAC da Bahia projetou 2( duas) obras aeroportuárias, a


do aeroporto de Ilhéus e do aeroporto de Salvador.Em relação ao
aeroporto de Ilhéus no Projeto inicial do PAC do ano de 2007, o
valor do investimento era de R$ 2,9 milhões. Entretanto, no final do
ano de 2010 havia apenas o estudo do projeto para a construção do
mesmo, estando em estágio preparatório da obra.

Constata-se que as obras de ampliação e readequação


do sistema viário de Salvador foram concluídas e custou R$ 29,5
milhões. Mas ainda há uma continuação da obra para depois do
ano de 2010, com o objetivo de adequar o aeroporto aos padrões
internacionais, somente a parte do estudo foi contemplada no PAC-
2 e terá um valor de R$ 0,9 milhões, ainda encontra-se em fase
preparatória.

Programas na área energética

A parte de infraestrutura energética da Bahia tem a mesma


divisão em nível do PAC nacional, ou seja: Geração de Energia Elétrica,
Transmissão de Energia Elétrica, Petróleo e Gás e Combustíveis
Renováveis. A infraestrutura energética do PAC baiano visa:

• Garantir a segurança energética e modicidade tarifária


para a Bahia e Região Nordeste;
• Ampliar a malha de gasodutos, garantindo suprimento de
gás natural;
• Desenvolver e ampliar a produção de petróleo no Estado;

1037
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

• Ampliar e modernizar o parque de refino no Estado


(Balanço de 4 anos do PAC, 2010, p.8).

Para Campos Neto e Pêgo (2008, p.78) os investimentos do


PAC a nível Brasil e consequentemente Bahia não são suficientes
para eliminar um possível risco de insuficiência da oferta de energia
elétrica no país, mesmo sem atraso no cronograma das obras do
PAC. Para os autores a garantia de abastecimento de energia elétrica
do mercado brasileiro até 2013 está correndo sério risco, tendo em
vista o aumento crescente do déficit de geração, particularmente
para os anos de 2010 e 2011, os quais são reconhecidos pelo próprio
governo como anos críticos; assim o risco de déficit de 4,5% em
2010, e de 10% (o dobro do que o mercado de energia aceita como
limite) em 2011.

Geração de Energia Elétrica

O PAC de Geração de Energia Elétrica a nível federal tinha


inicialmente dois projetos: a Construção da usina hidrelétrica de
Riacho Seco (240 MW) e a Construção da usina hidrelétrica de
Pedra Branca (320 MW), ambos localizados no Rio São Francisco.
Entretanto, o PAC a nível Bahia foi replanejado e fizeram três novos
projetos (Tabela 2.10), nenhum destes identificados no PAC a nível
federal. Estes novos projetos foram finalizados no período do PAC-1
e utilizaram uma verba total inicial de R$ 129,4 milhões , entretanto
no final do ano de 2010 o recurso foi revisto para R$135,2, não
havendo qualquer planejamento após o ano de 2010 para esta área
na Bahia relacionado com o PAC.Das três pequenas hidrelétricas
a da Cachoeira da Lixa utilizou 31% do investimento, seguida do
Colino 2 (29%) e depois Colino 1(40%).

8 CAMPOS, Neto. Carlos Alberto da Silva; PÊGO, Bolívar. O PACe o setor elétrico: desafios para
o abastecimento do mercado brasileiro (2007-2010). IPEA: Rio de Janeiro,2008.

1038
FRAGMENTOS

Tabela 4 - Obras do PAC de infraestrutura ( Geração de Energia)- Bahia-2010.

Fonte: Balanço de 4 anos do PAC, 2010 - adaptado.

As três obras de Geração de Energia Elétrica ( Proinfa) do


PAC presentes na Tabela fazem parte do Complexo de Serra da Prata
localizado no Extremo Sul da Bahia, nos municípios de Jucuruçu,
Itamaraju e Vereda, situado aproximadamente a 350 Km da cidade
de Porto Seguro. A empresa privada responsável pelo projeto é a
Renova Energia, já a construção do empreendimento é da Odebrecht
e a gestora da energia para o Estado é a Coelba .

Quadro 2.0 - Capacidade das PCHs presente no Complexo de Serra da Prata-


Bahia-2011.

Fonte: Elaboração própria, 2011.

1039
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

Termoelétrica

As Termoelétricas constituem uma reserva do sistema. Tem o


papel de complementar à produção das empresas hidrelétricas quando
os reservatórios destas estiverem baixos e ocorrerem problemas na
transmissão de energia Na projeção inicial do PAC federal seria a Bahia
dotada de seis unidades, a saber: Camaçari Muricy I; Camaçari Polo
de Apoio I; Global I; Global II; Itapebi; e Monte Pascoal. Entretanto,
governo refez o projeto e fixou em 17 os empreendimentos geradores
de energia através de Usinas Termoelétrica de Óleo para o PAC da
Bahia, conforme Tabela 5.

Tabela 5 - Obras do PAC de infraestrutura ( Termoelétrica)- Bahia-2010.

Fonte: Balanço de 4 Anos do PAC, 2010- Adaptado.

1040
FRAGMENTOS

Transmissão de Energia Elétrica

As obras planejadas para a Bahia na área da transmissão de


energia, constam da Tabela 6 seguinte. De acordo com planejamento
a nível governamental federal e estadual, todas as obras deveriam
ter sido finalizadas em um prazo máximo de 20 meses após a
sua concessão pelo ente publico ou privado, com exceção do
empreendimento da Usina Hidrelétrica de Riacho Seco. Ocorre que
nenhuma obra foi finalizada, sendo a situação expressa pela tabela
6 seguinte:

Tabela 6 - Replanejamento do Governo em relação ao PAC de Infraestrutura de


Energia (Transmissão de Energia Elétrica) – Bahia-2010.

Fonte: ANEEL, 2010- Adaptado ANEEL. Resultado da licitação de linha de


transmissão.27/12/2010.

O investimento até o ano de 2010 que deveria ser de R$107,4


milhões, passou para R$ 344,16 milhões, havendo um acréscimo de
aproximadamente duas vezes, o valor original

1041
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

A empresa que ganhou a maioria das obras (seis) foi Companhia


Hidroelétrica do São Francisco – CHESF. Apenas uma obra ficou com o
grupo da NEONERGIA (Coelba). Assim do o domínio nas obras do PAC
em relação a vendedora do leilão de transmissão de energia elétrica
ficou na mão de uma empresa estatal.

Figura - Síntese da Localização da infraestrutura elétrica - Bahia-2010.

Fonte: AÇÕES FEDERAIS 1995-2002 BAHIA, p.22-23- Adaptado.

1042
FRAGMENTOS

Petróleo e Gás

No Planejamento do PAC a nível federal de Petróleo e Gás havia


10 (dez) obras que beneficiavam tanto a Bahia como o Nordeste. As
obras relacionadas com a construção de navios, ou seja, a ampliação
da frota Nacional de Petróleos relacionadas ao Lote 04 e ao Lote 3
foram contempladas nos empreendimentos do PAC de infraestrutura
logística portuária, bem como a construção do estaleiro em São
Roque, já relatados anteriormente.

Tabela X - PAC Petróleo - Na Bahia.


Dados de Investimento em R$ milhões.

1043
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

3. Avaliação do PAC na Bahia a partir da regulamentação


do Estado

Não foi possível avaliar de forma detalhada as informações


financeiras do PAC de infraestrutura na Bahia, pois os dados públicos
eram sempre replanejados ou refeitos, não existindo uma definição
clara de sua utilização pelo Estado. Devido a tal dificuldade, optou-
se em trabalhar com a quantidade de obras concretizadas na Bahia
dentro de cada área de infraestrutura, avaliando as divulgações
governamentais a nível federal e estadual, e depois checando as
informações divulgadas em relação à finalização do empreendimento.
O processo de informação é nebuloso. Segundo um representante
do governo “alguns projetos do PAC da Copa estão com as contas
abaixo do necessário. Agora, a soma não bate” (SOUZA, 2011).

Dada a esta dificuldade, houve a necessidade não apenas de


checar as informações divulgadas, mas também de projetá-las, seja
pelo uso da árvore de decisão ou da regressão. Optou-se pelo uso
da árvore de decisão nesta parte do trabalho, pois ela sintetiza e
calcula a chance do empreendimento ocorrer de uma forma geral,
observando a interferência das mesmas variáveis entre os anos de
2007 até 2010.
A Árvore de decisão (Figura 1) representa em suas raízes os
três tipos de obras de infraestrutura do PAC entre os anos de 2007 até
2010. Nesta figura há um quadrado verde que representa a decisão
do planejamento e execução do PAC nas três áreas especificas de
infraestrutura (Logística, Energética e Social) que são capazes de gerar
sub-raízes, onde há antes destas um desenho de um circulo vermelho
que representa o ponto de risco ou incertezas do empreendimento a
ser ou a não ser executado.

1044
FRAGMENTOS

Figura 1: Árvore de decisão do PAC de infraestrutura - Bahia - 2007-2010.

Fonte: Elaboração própria, 2011.

Através da Árvore de Decisão, percebe-se que das 28 obras


logísticas apenas 6 (21,43%) foram realizadas contra 22 (78,57%)
que não o foram. Assim, a chance9 dos projetos logísticos do PAC-1
serem contemplados nos próximos quatro anos é de 46,5712, sem
a incorporação dos projetos existente para o PAC-2. Se a análise for
feita no setor energético constata-se que dos 50 projetos, 12 (24,28%)
foram realizados, e 38 (75,72%) não o foram, assim, a chance de que
ocorram entre 2011 até 2014 é de 81,6872.
A área social e urbana deve ser avaliada com cuidado, pois
apesar de haver planejado 481.735 empreendimentos, destes
450.391 foram realizados, e 31.344 não o foram. Isso ocorreu, pois
a área de energia elétrica contemplou um total de 450.000 ligações
individuais (Programa Luz para Todos). Esta ação puxou os valores da
probabilidade de ocorrer os empreendimentos da área social e urbana
para 609.292,1912, não representando a realidade da situação, pois
o beneficio deste tipo de infraestrutura é individual e não coletivo

9 Apesar do programa de Excel colocar nas figuras 1, 2 e 7 a palavra probabilidade, optou-se


em modificá-la para chance, pois condiz com o melhor conceito estatístico.

1045
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

como todos os outros projetos presentes no PAC. Tal fato pode ser
comprovado ao se observar a porcentagem de sua realização no
período, que foi de 22,96% do total de obras, enquanto 77,04% não
foi realizado. Afinal, os projetos da Luz para Todos, saneamento e
habitação nesta análise foram considerados cada um como único, já
que são projetos e obras que contemplam a individualidade e não a
coletividade.
Assim, a árvore de decisão presente na Figura 1, considerou
como o caminho ótimo de decisão o que está identificado com
a palavra “verdadeiro” (destaque Figura 2), ou seja, a raiz da
infraestrutura social e urbana. Então, haverá na árvore de decisão
apenas um único caminho ótimo, ou seja, o que apresenta maior
chance de ser realizado. Caso os dados financeiros fossem claros,
seria possível confrontar a quantidade executada, com o valor de cada
obra de infraestrutura fazendo uma projeção probabilística financeira
destas obras futuramente (2011-2014), além de proporcionar um
maior detalhamento dos três tipos de infraestrutura.

Figura 2: Caminho Ótimo da Árvore de decisão do PAC de infraestrutura - Bahia -


2007-2010.

Fonte: Elaboração própria, 2011.

1046
FRAGMENTOS

A Figura 3 mostra a região estratégica de decisão, e o nó de


decisão relacionado ao caminho ótimo, através de uma probabilidade
cumulativa, onde a infraestrutura social aproxima-se da infraestrutura
energética, enquanto a logística não aparece, pois entre as três é a
que possui a menor chance de ocorrer.

Figura 3 - Região estratégica de decisão a partir da probabilidade cumulativa da infra-


estrutura social e urbana- Bahia- 2007-2010.

Fonte: Elaboração própria, 2011.

Por que a projeção da Árvore de Decisão mostra um


caminho ótimo para o PAC, apesar deste não ser o ideal? Isso
ocorre especialmente devido a influencia dos dados quantitativos
do Programa Luz para Todos presente dentro da infraestrutura
social e urbana. Como visto, ele possui dados numéricos altos,
em relação a todos os outros programas do PAC-1, pois contempla
a individualidade e consequentemente distorce os resultados. É
óbvio que o Programa Luz para Todos apesar de ter uma ampla
divulgação dos seus benefícios pelo governo, não é capaz de
resumir e representar o PAC em uma análise conjunta e associada a
outros programas na Bahia. Outro fator, que comprova isso, é que
a correlação da probabilidade do que foi executado em relação ao
que não foi executado, encontra-se um valor de -1. Este fato, indica
uma forte relação linear negativa, isto é, se uma aumenta, a outra

1047
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

sempre diminui (Figura 4), existindo uma distância entre as duas


variáveis em análise.

Figura 4 - Representação da dispersão entre a probabilidade do que foi não foi exe-
cutado com o que foi executado do PAC-Bahia-2007-2010.

Fonte: Elaboração própria, 2011.

Figura 5 - Histograma da Probabilidade de Execução PAC-Bahia-2007-2010

1048
FRAGMENTOS

Fonte: Elaboração própria, 2011.

Figura 6 - Histograma da Probabilidade da Não Execução PAC-Bahia-2007-2010

Fonte: Elaboração própria, 2011.

1049
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

Ao fazer o histograma da probabilidade do que foi executado


( Figura 5) e do que não foi executado (Figura 6) também é possível
verificar esta diferença entre os dados.
Outro aspecto, é que ao confrontar os dados estatísticos
(Tabela 3) da média aritmética, ou do maior valor (máximo), ou do
menor valor (mínimo) de cada área de infra estrutura, nota-se que há
uma grande diferença entre eles de mais de 50%, confirmando que
há uma grande dispersão entre os dados executados de cada área
de infraestrutura do PAC baiano, e que sua atuação a nível regional
é diferenciada.

Tabela 3 - Síntese dos dados estatísticos das obras de infraestrutura do PAC referente
a chance de acontecimento após o ano de 2010 – Bahia – 2011.

Fonte: Elaboração própria, 2011.

Constata-se na Tabela 3 que se somar a média aritmética com


o desvio padrão e depois subtraí-la com o desvio padrão de cada
infraestrutura encontrar-se-á um intervalo onde estão 95% dos dados
de cada programa. Por exemplo, ao tomar o valor da média aritmética
de logística (50) e adicioná-la com seu respectivo desvio padrão, e
refazer a operação só que desta vez subtraindo a média com o desvio

1050
FRAGMENTOS

padrão, encontrar-se-á o seguinte intervalo [40; 53], já o da o de energia


é de [70,5; 92,8] e o da infraestrutura social e urbana tem o intervalo
de [433051,2; 78533,1]. Assim, os intervalos citados anteriormente
correspondem a incidência de ocorrer 95% de cada empreendimento
da área de infraestrutura após o ano de 2010, observando as mesmas
variáveis que ocorreram entre 2007 até 2010.
A partir desta analise geral é necessário detalhar cada área de
infraestrutura (Logística, Energética e Social), conforme árvore de decisão
representada pela Figura 7, no qual prevalece a decisão da área social
com a sua chance de ocorrer (probabilidade favorável ) de 1.350.391, na
área logística com 59,68 chances de ocorre e a área energética com 48,24
chances de acontecer. Apesar de a área social possuir o maior índice entre
as três de ser concretizada futuramente (já explicado anteriormente o
motivo deste fato). É a que possui também o maior índice de não ocorrer
310.596,0752 entre as três áreas de infraestrutura. Constata-se também
que a área de energia tem um índice de probabilidade (chance) de não
ocorrer de 41,76 e a de logística de 30,98.

4. Resultados

Para constatar se o PAC contribuiu ou não para o desenvolvimento


baiano, utilizou-se o cálculo da regressão do PIB e do número de
trabalhadores com carteira assinada, associado aos dados relacionados
ao PAC entre 2007 a 2010. Vale salientar que, não houve como trabalhar
separadamente com cada infraestrutura, pois os dados não estavam
claros, optando-se por analisar de forma geral o PAC, como programa e
política pública governamental.
O PIB foi escolhido, pois ele é o "resultado final da atividade
produtiva, expressando monetariamente a produção, sem duplicações,
de todos os produtores residentes nos limites do estado” (SEI, 2011).
Para que haja uma soma eficiente e eficaz de todos os serviços e bens
produzidos num período, em uma região que no caso especifico é a
Bahia, com o objetivo de avaliar o seu crescimento econômico, torna-
se necessário que haja direta ou indiretamente, a interligação das três

1051
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

áreas de infraestrutura (logística, energia e social e urbana), pois elas são


básicas para o aumento constante do PIB.

Figura 7 - Arvore de decisão com as sub-raízes dos empreendimentos de infraestrutura


PAC - Bahia-2007-2010.

Fonte: Elaboração própria, 2011.

1052
FRAGMENTOS

A Tabela 4 sintetiza as informações utilizadas para realizar a


previsão do PIB (por meio da sua tendência) com relação ao PAC entre
1995 e 2015. Houve a necessidade de mostrar os dados antes do
inicio do PAC (1995-2006), e a projeção após a continuidade do PAC
(2011-2015), com o objetivo de identificar se houve contribuição do
PAC na sociedade, através do PIB. Afinal, a regressão visa construir um
modelo matemático que avalia a relação entre uma ou mais variáveis
independentes (PAC) e uma variável dependente (PIB), considerando
as 16 observações existentes entre estas variáveis entre os anos de
1995 até 2015.

Tabela 4 - Regressão do PIB em relação à execução dos empreendimentos do PAC-


-Bahia-1995-2015.
(Em R$ milhões)

*O PIB de 2009 foi calculado incidindo 1,7% sobre 2008 e o de 2010 incidindo 7,5%
sobre 2009.
Fonte: Elaboração própria, 2011.

1053
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

A Tabela 4 mostra a importância e a contribuição do PAC para


o PIB baiano observando o quanto foi executado entre 2007 até 2010
(coluna e), e não apenas sua existência como na simulação anterior. Os
valores de 2011 a 2015 foram obtidos através de uma regressão não
linear (Função Potência).
Na tabela 4, os dados reais do PIB baiano encontram-se na coluna
c. Na coluna d estão às médias dos percentuais relativos à execução do
PAC de 2007 a 2010, e o cálculo dos dados de 2011 a 2015, obtidos
através de uma regressão com tendência não linear, considerando uma
Função Potência: y = a.xb
Para calcular os valores anuais da tendência do PIB através da
regressão, foram utilizados 3 valores: o do Coeficiente de interseção
(12.356,21635), o do coeficiente das observações (6.808,41036) e o
do coeficiente do cálculo do PAC (54.954,53273). Para isso utilizou-se a
fórmula: Valor do coeficiente de interseção + (Coeficiente de observação
x Posição da observação de cada período) + (Coeficiente do PAC x valor
do PAC). Assim, para o ano de 1995, o calculo utilizado foi: 1.4401,05 +
(6.349,427744.x1) + ( 15.426,06839.x2) = 20.750, sendo que o mesmo
raciocínio foi utilizado para os dados subsequentes, ano a ano.

Figura 8 - Evolução do PIB com o PAC e sem o PAC a partir da porcentagem executada
- Bahia -1995-2011.

Fonte: Elaboração própria, 2011.

1054
FRAGMENTOS

A coluna e demonstra quanto das obras do PAC-1 foi concluído


em termos percentuais. Assim, considerando-se que não houve PAC
entre 1995 a 2006, e que seus empreendimentos, ocorreram no período
de 2007 até 2010; considerando-se as médias das porcentagens de
finalização, que foram respectivamente 3%, 11%, 16% e 28,23%.
Para o período de 2011 a 2015 foi realizada uma projeção baseada
na tendência obtida de uma regressão não linear. Desta vez, por
apresentar um melhor ajuste, levou-se em consideração uma função
potência do tipo y = a.xb, apresentada na Figura 10 e calculada pelo
Excel. Esta função é representada por Y = 0,031698.
Na Figura 8, onde o R2 é de 97,5679 %, confirma-se a
interligação e interferência do PAC com o PIB. Além disso, no cálculo
de regressão houve um valor-P de 0,0004 mostrando que há um
relacionamento linear significativo entre as variáveis do PIB e do PAC
em nível inferior a 5%. Diante do que foi apresentado, o modelo de
regressão é considerado adequado.

Figura 9 - Influencia do PAC (execução) - Bahia -1995-2006.

Fonte: Elaboração própria, 2011.

1055
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

Figura 10 - Influencia do PAC (execução) - Bahia -2007-2010.

Fonte: Elaboração própria, 2011.

Ao confrontar o R2 do período de 1995 até 2006 (sem PAC -


Figura 9) que é de 0,94997 com o período de 2007 a 2010 (com PAC -
Figura 10) que corresponde a 0,985765, percebe-se que o segundo R2
se aproxima mais de 1. Consequentemente, o PAC por contribuir para
a modernização e ampliação da infraestrutura estadual é importante
para a geração do produto e dos serviços baianos proporcionando
crescimento econômico.
A Figura 11 demonstra a relação entre este programa e o
número de empregos formais gerados no período reafirmando a
sua importância e influência no PIB da Bahia. Como se sabe, a
formalização dos direitos, deveres e benefícios de um trabalhador,
contribui significativamente para melhorar a sua qualidade de vida.

1056
FRAGMENTOS

Figura 11 - Bahia -2001-2015. Quantidade de empregos formais com o PAC e sem o PAC.

Fonte: Elaboração própria, 2011.

Esta relação foi estabelecida mediante duas regressões que


contemplaram as hipóteses, da inexistência e da existência do PAC,
cujos resultados podem ser visualizados na Tabela 5 (colunas e; f).
Os empreendimentos previstos no PAC-1 serão finalizados no
ano de 2015, desde que mantidas constantes as variáveis existentes
entre os anos de 2007 até 2010. Na Figura 11, onde o R2 é de 97,6759
%, confirma-se que há uma interligação e interferência do PAC com a
quantidade de trabalhadores formalizados no período.

1057
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

Tabela 5 - Tabela de regressão da população de empregados em relação à execução


dos empreendimentos do PAC-Bahia-1995-2015
(Em mil pessoas)

*Não foi possível obter os dados absolutos de trabalhadores com carteira assinada
para o ano de 2010.
Fonte: Elaboração própria, 2011.

5. Considerações finais

O PAC se enquadra nas quatro teorias da regulação. A primeira


teoria está presente quando o governo usa seu poder legal para dizer
exatamente onde as empresas podem investir, e que tipo de retorno
o Estado pretende ao definir que setores da área de infraestrutura
são essenciais para o desenvolvimento e o crescimento econômico
do estado. Tal fato, porém, faz com que grupos capturem e interfi-
ram na regulamentação promovendo apoio financeiro e político para

1058
FRAGMENTOS

beneficio próprio (Teoria da Captura), além de haver uma competição


entre os políticos pelo poder, através de votos (Teoria da Escolha
Pública), e ainda, com o objetivo dos políticos buscarem uma susten-
tação política por meio de grupos com influência e com os donos dos
fatores de produção para continuarem nos cargos (Teoria Econômica
da Regulação). Tudo isto é permeado por um elevado grau de cor-
rupção como destaca o Tribunal de Contas da União.
Os dados quantitativos comprovam que as obras de
infraestrutura influenciam o desenvolvimento da economia baiana
o que é demonstrado através da simulação regressiva do PIB. Já a
simulação da regressão com o numero de trabalhadores formalizados,
onde o valor dos dígitos de crescimento passa de dois para três,
mostra que o PAC também contribui indiretamente para melhoria
das condições sociais do cidadão baiano visto que cria novos postos
de trabalhos diretos ou indiretos.
Entretanto, chegando-se no final de 2010, e ao ser feita
uma análise média do número de projetos finalizados, tem-se que
apenas 21,43% das obras de logística foram finalizadas, seguida da
infraestrutura social e urbana com 22,96% e finalmente a de energia
com 24%. Assim, em média 77,20% dos projetos do PAC baiano não
foram finalizados.
Durante a pesquisa observou que os principais fatores
responsáveis pelo atraso no andamento do PAC foram questões de
natureza:
1. ambiental: a) dificuldades para a aprovação do
licenciamento ambiental pelo Instituto Brasileiro de Meio Ambiente
e Recursos Renováveis (IBAMA), o que provocou demora nos leilões e
b) a quantidade de chuva na região entre os meses de março até maio
o que dificultou em especial às obras de logística e de infraestrutura
social/ urbana;
2. a intervenção do TCU em relação às obras. O TCU paralisou
as obras devido à constatação de sobre preço, superfaturamento,
problemas ambientais, alteração indevida de projetos e ilegalidades
no processo de licitação;
3. desistência da licitação pelos entes privados. As empresas

1059
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

privadas participam da licitação e após ganhar simplesmente desistem


por motivos considerados pela Secretaria de Direito Econômico
(SDE), como sem valor para promover qualquer desistência, indo de
encontro ao principio da concorrência e competitividade;
4. as greves na construção civil e do Departamento Nacional
de Infraestrutura de Transportes (DNIT). A greve que ocorreu no (DNIT)
em setembro de 2008, também diminui o ritmo das atividades do PAC.
Afinal, este órgão é o responsável pela execução e operacionalização
das obras. A partir do momento em que cada etapa das obras é
realizada o DNIT passa esta informação a Caixa Econômica Federal
(CEF), que libera as verbas federais para os estados e prefeituras,
assegurando assim a sua concretização e continuidade. Devido à greve
estas informações não foram passadas, o que provocou a diminuição
do ritmo e / ou a paralisação das obras. A greve da construção civil
ocorreu de março a maio de 2010.
5. a burocracia dos processos, como: 1) os procedimentos
liberatórios dos recursos pela CEF, que provocaram atrasos de até
seis meses no pagamento de algumas obras. Isso é provocado pelo
desencontro dos critérios adotados para licitações e obras nos
diferentes órgãos públicos (são 17 ministérios envolvidos) os quais
variam de acordo com estados e municípios. A falta de padronização
dos procedimentos dificulta a análise dos papéis para que haja a
liberação do dinheiro. Por isso, foi criado um grupo de trabalho dentro
do setor privado para resolver o problema, pois para o setor privado
há obras paradas por falta de recursos e não por motivos judiciais.
Do outro lado a CEF alega que a liberação dos recursos do PAC não
é uma questão burocrática, mas de rigor no uso do dinheiro público,
assim as obras de sua responsabilidade estão sendo geridas de forma
normal e sem problemas e 2) demora dos editais de saírem do papel
provocada, muitas vezes, por deficiências nos projetos executivos.
6. os desvios de verbas e a corrupção ( como exemplo, o
metrô de Salvador).
7. entraves jurídicos, como o número de ações judiciais. É
bom esclarecer, que apesar da grande quantidade de processos a
Advocacia-Geral da União (AGU) tem feito o possível para que as

1060
FRAGMENTOS

obras do PAC caminhem, mesmo que de forma lenta.Registram-se


barreiras para fechar os financiamentos das obras e dificuldades na
desapropriação de terras para iniciar os projetos;
8. queda na arrecadação a nível federal e falta de recursos
para a realização das PPP. No primeiro trimestre de 2009 houve queda
na arrecadação federal, o que gerou dificuldades na manutenção e
preservação das obras.
Com o índice pequeno de concretização, o PAC é considerado
por muitos um programa de cunho nitidamente eleitoreiro. Constitui
um programa autoritário porque decidido unilateralmente no plano
executivo e não um planejamento do espaço territorial com ampla
consulta popular. Muitas obras foram indicadas para compô-lo em
razão de interesses políticos localizados e sem qualquer análise dos
organismos técnicos competentes.
Entre os anos de 2007 e 2010 foi no mês de agosto que
ocorreu a maior liberação de recursos para as obras do PAC, tanto a
nível federal, quanto estadual e municipal. Pode ter sido uma simples
coincidência, porém é de observar que o mês de agosto de 2008 e 2010
corresponde ao período que estava próximo das eleições de prefeito e
governador respectivamente. Isto possibilitava, sem ferir a legislação
eleitoral, que os candidatos visitassem as obras e empreendimentos,
sendo noticiados nos principais meios de comunicação do país, a
nível nacional, regional ou local, evidenciando um tipo de campanha
eleitoral "indireta".
Mesmo assim, com todos estes pecados, o PAC não deixa de
contribuir para o crescimento da economia estadual.
Imagine-se a sua repercussão se o seu índice de conclusão de
obras se aproximasse dos 100%.

1061
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

Referências

BAHIA, Governo Estadual - Superintendência de Estudos Econômicos e


Sociais da Bahia (SEI). Primeiros resultados do Censo de 2010. 23 slides.
Atualizado em 04/05/2011 Disponível em: www.sei.ba.gov.br/index. Acesso
em: 30 jun.2011

BALBINOTTO NETO, Giácomo; SOUZA JUNIOR, Roberto Tadeu de. O leilão de


Demsetz como mecanismo regulador: a experiência gaúcha na concessão
de rodovias. Disponível em http://www.fee.tche.br/3eeg/Artigos/m04t05.
pdf. Acesso em 20 out.2011

BOYER, Robert. Teoria da regulamentação: Os fundamentos. São Paulo:


Estação Liberdade, 2009.

BRASIL, Governo Federal. Programa de aceleração do crescimento( PAC).


Brasília: Imprensa Oficial, 2007

BRAUDEL, Fernand. Civilização material, economia e capitalismo: séculos


XV – XVIII. São Paulo: Martins Fontes 1996.

BRENNAN, Geoffrey ; BUCHANAN, James M.. The Power to Tax: analytical


foundations of fiscal constitution. New York: Cambridge University Press, 1980.

CHURCH, Jeffrey M.; WARE, Roger. Industrial Organization: a strategic


approach. Homewood (IL): McGraw Hill, 2000.

FAORO, Raymundo. Os donos do poder. Porto Alegre: Globo, 1984.

KAHN, Alfred Edward. The Economics of Regulation: principles and


institutions. New York: John Wiley & Sons, Inc., 1970.

MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada e legislação


constitucional. São Paulo: Atlas, 2002.

SOUSA, Nali Jesus de. Desenvolvimento Econômico. São Paulo: Atlas, 2005.

SOUSA, Nali de Jesus. Desenvolvimento Regional. São Paulo: Atlas, 2010.

1062
FRAGMENTOS

SOUZA, Marcelo Lopes de. Mudar a cidade: Uma introdução critica ao


planejamento e à gestão urbanos. 3. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2004.

SOUZA, Roberto Pereira de. Dilma exige responsabilidade das sedes


da Copa e breca 17 projetos de mobilidade urbana. Disponível em: <
noticias.bol.uol.com.br/brasil/>Acesso em: 12 set.2011.

SPINOLA, Noelio Dantaslé. Política de Localização Industrial e


Desenvolvimento Regional: A experiência da Bahia. Salvador, FAPESB, 2003.

STIGLER, GEORGE J. The Economics of Information. Journal of Political


Economy, University of Chicago Press, vol. 69, p. 213,1961.

STIGLER, George J., 1971. The Theory of Economic Regulation. Bell Journal
of Economics, The RAND Corporation, vol. 2(1), p. 3-21, Spring,1971.

ULTRAMARI, Clovis; DUARTE, Fabio. Desenvolvimento local e regional. São


Paulo: IBPEX, 2009.

VISCUSI, Kip, VERNON, John; HARRINGTON JR, Joseph. Economics of


regulation and antitrust. 3. ed. Cambridge: The MIT Press, 2000.

WEBER, Max. Economia e sociedade. 3. ed. Brasília, UNB, 1994. v. 1.

1063
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

1064
FRAGMENTOS

ARTIGO

SEIS DÉCADAS
DA TEORIA DOS POLOS DE
CRESCIMENTO:
UMA REVISÃO NECESSÁRIA

27
1065
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

1066
FRAGMENTOS

Seis décadas da teoria dos polos de


crescimento: Uma revisão necessária

Noelio Dantaslé Spinola


spinolanoelio@gmail.com

Josias Alves De Jesus


josiasuefs@hotmail.com

Abstract
This research takes stock on the Theory of Growth Poles in the last
sixty years. It is understood that this theory had a strong influence
on European economic thought in the 1950s and 1960s, and also
in Brazil. The overall objective is to discuss the development of
the Theory of Growth Poles in front of the regional economy in
which needs increasingly refined tools. The research problem that
guides all the work is, like the Growth Poles Theory can be applied
in regional analysis in the recent context of economic science? The
methodology used is a bibliographic research about key publications
on the Theory over the past 40 years, including research published in
the International Seminar on Regional Planning and Urban in Latin
America held in Viña del Mar in Chile in 1972. About work Perroux,
research has focused on his work "The Economic Space", "The Poles
of Growth", "The Notion of Growth Poles" and "The Driving Firm in a
Region and the Region motive." The main results were: The Theory
of Poles are important in understanding the mechanisms that allow
the polarization of industrial activities within a region. This notion
of bias has influenced a number of studies that had as a backdrop
(goal) the possibility of promoting economic growth delayed or
depressed regions through the establishment of industrial activities
are driving industries and driven industries and how this polarization
It spreads by Regional tissue, such as Brazil. Another important
conclusion is represented by its metamorphosis and developments

1067
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

within the paradigm of flexible specialization by developments in


association with neo-Schumpeterian economics at the theoretical
basis of clusters, clusters and innovative media, among others. Thus
thought and François Perroux contribution still alive and important in
theoretical tools arsenal of regional science.

Key-words: Regional Economy, Perroux, Polarization.

Resumo
Esta pesquisa faz um balanço da Teoria dos Polos de Crescimento nos
últimos sessenta anos. Entende-se que essa teoria teve forte influência
no pensamento económico europeu nas décadas de 1950 e 1960, e
também no Brasil. O objetivo geral é discutir o desenvolvimento da
Teoria dos Polos de Crescimento frente à economia regional a qual
necessita de ferramentas cada vez mais refinadas. O problema de
pesquisa que norteia todo o trabalho é, como a Teoria dos Pólos de
Crescimento pode ser aplicada em análises regionais no contexto
recente da ciência econômica? A metodologia utilizada é uma
pesquisa bibliográfica sobre as principais publicações sobre a Teoria
nos últimos 40 anos, incluindo pesquisas publicadas no Seminário
Internacional de Planejamento Regional e Urbano na América Latina
realizado em Viña del Mar no Chile em 1972. Sobre a obra de Perroux,
a pesquisa concentrou-se em seus trabalhos "O Espaço Econômico",
"Os Pólos de Crescimento", "A Noção de Pólos de Crescimento" e "A
Empresa Motriz em uma Região e o Motivo da Região". Os principais
resultados foram: A Teoria dos Pólos é importante na compreensão
dos mecanismos que permitem a polarização das atividades
industriais dentro de uma região. Essa noção de viés influenciou
uma série de estudos que tinham como pano de fundo (objetivo)
a possibilidade de promover o crescimento econômico de regiões
atrasadas ou deprimidas através do estabelecimento de atividades
industriais quais são as indústrias motrizes e indústrias impulsionadas
e como essa polarização se alastra pelo tecido regional, como o Brasil.
Outra conclusão importante é representada por sua metamorfose e
desdobramentos dentro do paradigma da especialização flexível por

1068
FRAGMENTOS

desdobramentos em associação com a economia neo-schumpeteriana


na base teórica de clusters, clusters e mídias inovadoras, entre outros.
Assim, o pensamento e a contribuição de François Perroux continuam
vivos e importantes no arsenal de ferramentas teóricas da ciência
regional.

Palavras-chave: economia regional, Perroux, polarização.

1069
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

1070
FRAGMENTOS

1. Introdução

As décadas de 1930 a 1950 foi um período importante nas


Ciências Econômicas. A crise de 1929, o fim da Segunda Grande
Guerra e o consequente processo de reconstrução da Europa e do
Japão contribuíram para o abandono dos postulados clássicos pari
passu à ascensão do pensamento keynesiano com destaque para do
papel do setor púbico na manutenção da demanda agregada como
forma de redução do desemprego e da superação da crise mundial.

A década de 1950 fez surgir, também, um novo debate: Como


as nações podem lançar mão de mecanismos para a superação da
pobreza e alcançar o desenvolvimento econômico? Várias teorias
surgiram nesse período tendo como pano de fundo o crescimento
e o desenvolvimento econômico. Dentre essas teorias encontra-se a
dos Polos de Crescimento em um trabalho seminal desenvolvido por
François Perroux em 1955.

A Teoria dos Polos teve uma grande influência sobre o


pensamento latino-americano nas décadas de 1960 e 1970 enquanto
ferramenta importante dos planejadores como forma de redução
das desigualdades regionais. No Brasil não foi diferente. Por possuir
um território extenso, com regiões deprimidas e com uma economia
altamente concentrada na região Sudeste do país, sobretudo em
São Paulo, os planejadores no Brasil utilizaram-se desta teoria como
forma de mitigar os problemas regionais latentes.

A prova da importância da Teoria dos Polos pode ser


comprovada através do Seminário sobre Planejamento Urbano
e Regional na América Latina organizado pelo Instituto Latino-
americano de Planejamento Econômico e Social (ILPES) em 1972
no Chile no qual se debateu amplamente a sua validade para as
economias latino-americanas. Todavia, como observado por Boisier
(1982) já em 1979 durante outro importante seminário internacional
para debater as estratégias nacionais de desenvolvimento regional
em Bogotá na Colômbia praticamente não houve menção à Teoria
dos Polos de Crescimento.

1071
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

Essa observação de Boisier (1982) o levou a questionar: existem


realmente Polos de Crescimento? Será que se assiste ao funeral da
Teoria? Será que não passa de um conto infantil conforme assinalado
por Blaug? Será que a Teoria dos Polos está morta? Na conclusão desse
mesmo trabalho Boisier (1982) responde a essa questão informando
que não, a Teoria dos Polos não está morta, mas sem dúvida tem
experimentado uma profunda metamorfose.

Diante dessas mudanças, metamorfoses, refinamentos


e devido à importância que a Teoria dos Polos exerceu na Ciência
Regional, especialmente para os investigadores do planejamento
brasileiro e latino americano, a presente investigação tem como
objetivo fazer um balanço da Teoria dos Polos de Desenvolvimento
nos últimos 60 anos (1955 – 2015), buscando identificar o contexto de
seu surgimento, suas influências teóricas, assim como suas principais
críticas ou insuficiências, finalizando com a possiblidade de aplicação
da Teoria nos dias atuais em um ambiente de economia globalizada
e oligopolizada.

O problema de pesquisa que orienta todo o trabalho é: como


a Teoria dos Polos de Crescimento pode ser aplicada na análise
regional no contexto recente da Ciência Econômica? O objetivo geral
é identificar quais ferramentas da Teoria ainda podem ser aplicadas
na análise regional e quais precisam de melhor refinamento.

A metodologia da presente investigação utilizou-se de


pesquisa bibliográfica acerca das principais publicações sobre a
Teoria nos últimos 40 anos, inclusive com pesquisa na publicação
do Seminário Internacional sobre Planificação Regional e Urbana na
América Latina ocorrido em Viña del Mar no Chile em 1972. Acerca
da obra de Perroux, a pesquisa se concentrou em suas obras “Os
Espaços Econômicos”, “Os Polos de Crescimento”, “A Noção de
Polos de Crescimento” e “A Firma Motriz em uma Região e a Região
Motriz”. Também foram examinadas as obras de Lasuén, José Ramón.
“Ensayos sobre economia regional y urbana”. Paelinck, Jean. “A teoria
do desenvolvimento regional polarizado”. Lipietz, A., “Miragens
e milagres, problemas de industrialização no Terceiro Mundo”; “O
capital e seu espaço” Costa, J.S. “Compêndio de Economia Regional”

1072
FRAGMENTOS

e muitos outros ao final referenciados.

Além desta introdução na primeira seção e das conclusões na


última, o presente trabalho possui mais quatro seções. A segunda
seção apresenta e caracteriza a Teoria dos Polos de Crescimento
buscando dirimir prováveis equívocos conceituais. A terceira seção
tem como objetivo contextualizar a Teoria dos Polos de Crescimento
na década de 1950 e captar as principais influências de Perroux no
desenvolvimento desta. A quarta seção traz as principais críticas
da Teoria organizada a partir da contribuição de diversos teóricos
tanto na Europa quanto na América Latina. Finalmente, a penúltima
seção busca fazer um balanço da Teoria dos Polos de Crescimento
nos últimos 60 anos e analisar criticamente a sua validade para a
compreensão dos fenômenos regionais e urbanos em uma economia
crescentemente globalizada e comandada por grandes grupos
econômicos (oligopólios).

2. O conceito de polos de crescimento

Em um sistema de concorrência ou competição perfeita não


existe nenhum elemento de dominação. Mas na vida real sempre
existe uma unidade dominante seja ela uma firma, uma indústria,
um grupo econômico ou mesmo um país. Para Tolosa (1972) esse é
o cerne da Teoria a da Unidade Dominante de Perroux. Essa Teoria
pretende explicar como se comportam os agentes em mercados
não competitivos. Para chegar à Teoria dos Polos de Crescimento,
Perroux (1955) primeiro reformulou a noção de espaço econômico
em sua obra “Os Espaços Econômicos” de 1950, considerando três
classificações básicas:

1. Espaço econômico definido como um plano ou programa;


2. Espaço econômico definido como um campo de forças ou
relações funcionais; e.
3. Espaço econômico definido com um agregado homogêneo.

1073
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

No espaço econômico enquanto plano ou programa, as firmas


definem seus planos em relação aos seus fornecedores de matéria-
prima ou mesmo os seus compradores de produtos ou serviços.
O espaço definido com um agregado homogêneo corresponde
ao espaço definido por todas as firmas agrupadas de acordo com
estruturas de produção similares.

Para Tolosa (1972), o segundo tipo de espaço econômico,


também chamado de polarizado, é o mais importante, pois consiste
em espaços econômicos (polos ou focos) dos quais emanam forças
de dispersão e atração (centrípetas e centrífugas). “Em síntese, os
três tipos de espaço definem-se como um complexo de relações
econômicas não localizadas, ficando o aspecto geográfico relegado a
um segundo plano de interesse” (TOLOSA 1972, p.195).

Perroux começa desenvolvendo o conceito de polos de


crescimento em 1955 partindo do pressuposto de que o crescimento
econômico não é observado em todos os pontos do espaço econômico,
mas sim em espaços específicos como na seguinte passagem: “O
fato, rude, mas verdadeiro, é o seguinte: o crescimento não aparece
simultaneamente em toda parte. Ao contrário, manifesta-se em pontos
ou polos de crescimento, com intensidades variáveis, expande- se por
diversos canais e com efeitos finais variáveis sobre toda a economia”
(PERROUX, 1977 p.146). Assim, a primeira constatação de Perroux é
que o processo de crescimento econômico não implica em equilíbrio
como preconizava os economistas clássicos e neoclássicos, mas este
sim é um processo desequilibrado por natureza.

Três conceitos são fundamentais nesse trabalho de Perroux


em 1955. O primeiro refere- se à indústria motriz definida como
a indústria que tem a propriedade e capacidade de aumentar as
vendas e as compras de serviços de outras indústrias ao aumentar
as suas próprias vendas e compras de serviços produtivos. As
indústrias motrizes são indústrias novas que possuem também novas
tecnologias, contudo nada impede que as indústrias motrizes sejam
de setores maduros, já implantados. O segundo conceito é a indústria
movida que é a indústria na qual é impactada (movida) pela indústria
motriz, e o terceiro é o conceito de indústria-chave entendida como

1074
FRAGMENTOS

a indústria que induz na totalidade de um conjunto, por exemplo, de


uma economia nacional, um acréscimo global de vendas.

Dois importantes autores que foram influenciados por Perroux


e ajudaram a desenvolver o conceito de polos de crescimento e que
merecem destaque são Boudeville e Paelinck. Para Boudeville (1966,
p.11) “um polo de crescimento regional consiste num conjunto de
indústrias em expansão numa área urbana e com a propriedade de
induzir o desenvolvimento de atividades econômicas na sua área
de influência”. Percebe-se na definição de Boudeville que autor não
utiliza uma indústria apenas, mas sim um conjunto de indústrias
deixando implícita a ideia de complementaridade entre as indústrias.
Em segundo lugar na ideia de Boudeville também está implícita a
noção de região, ou seja, a noção de polo de crescimento está ligada
à noção de região polarizada.

Outra importante contribuição ao desenvolvimento do


conceito de polo de crescimento é apresentada por Paelinck (1977).
Segundo Paelinck (1977) o conceito de polo de crescimento foi
frequentemente mal interpretado, sendo confundido com o conceito
de indústria-chave ou de indústria motriz. Será em outro trabalho de
Perroux em 1961 que esse conceito será mais bem esclarecido. Assim,
descreve o conceito de polo de crescimento como um conjunto de
unidades motrizes que criam efeitos de encadeamento sobre outros
conjuntos definidos no espaço econômico e geográfico e ainda como
uma unidade motriz num determinado meio.

Ainda segundo Paelinck (1977) as definições de polo de


crescimento levaram à seguinte definição funcional:

Constitui um polo de crescimento uma indústria que,


pelos fluxos de produtos e de rendas, que pode gerar,
condiciona a expansão e o crescimento de indústrias
tecnicamente ligadas a ela (polarização técnica),
determina a prosperidade do setor terciário, por
meios das rendas que gera (polarização das rendas),
e produz uma aumento da renda regional, graças
à concentração de novas atividades numa zona

1075
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

determinada, mediante a perspectiva de poder dispor


de certos fatores de produção existentes nessa zona
(polarização psicológica e geográfica). (PAELINCK
1977, p.163).

Essa contribuição de Paelinck (1977) as definições de polo de


crescimento levaram à seguinte definição funcional:

3. Antecedentes da Teoria dos Polos de Crescimento

Segundo Guillen (2008, p.1) François Perroux (1903-1987)


foi o economista francês mais reputado, prolixo e singular do século
XX. Como afirmou Streeten (1989, p.5) “entre os economistas foi um
gigante”. A sua obra foi imensa assim como o papel que desempenhou
nos meios acadêmicos franceses da sua época.

Guillen (2008, op.cit) afirma que o seu pensamento recebeu


variadas influências, inclusive contraditórias, listando a seguinte
relação de pensadores econômicos: Antonelli, Schumpeter, Cournot,
Sombart, Chamberlain, Marx, Misses, Hayek, Pantaleoni, Morgerstern,
Hicks, Samuelson, Robinson, Kaldor, Kalecki, entre outros. Todas
estas influências contribuíram para uma formação original e aberta
à geografia, história, sociologia, política, à cultura, à ideologia,
filosofia e a religião. O fio condutor do seu pensamento foi um
humanismo cristão que logo direcionou as suas reflexões para as
questões relacionadas com a pobreza e o subdesenvolvimento. Neste
sentido Gesta Leal e Ribeiro (2014) informam que Perroux recebeu
grande influência de Louis-Joseph Lebret (1897 – 1966), com quem
trabalhou e em quem se inspirou para criar vários de seus conceitos.
Lebret fundou em 1942 uma associação de origem católica chamada
Economia e Humanismo, que desenvolveu o conceito de economia
humana, além de criar outros centros de pesquisa em economia
e grande número de associações para o desenvolvimento social
e econômico em todo o mundo, inclusive o Centre International
Dèveloppment et Civilisations (IRFED).

1076
FRAGMENTOS

Em seu clássico L’Economie du XXe siècle (1991) Perroux


abre suas baterias contra o pensamento neoclássico que classifica
como um universo da “adaptação sem estratégia, do contrato sem
combate, do equilíbrio sem arbitragens conscientes e também o
universo de sujeitos imóveis e iguais, tudo ao contrário do universo
turbulento e belicoso das sociedades históricas habitadas pelo
espírito de competição e dotadas de instituições livres” (1991, p.140).
Para Perroux, o modelo neoclássico no melhor dos casos valeria para
os países do primeiro mundo e sob condições tão restritivas que o
tornariam praticamente inaplicável. Não obstante, segundo ele,
trata-se de aplicar este modelo aos países em desenvolvimento “que
só podem superar sua condição graças à atividade das suas elites e
de suas populações coligadas para mudar seu meio ambiente a curto
e longo prazo”.

Perroux buscava uma terceira via que superasse o


individualismo capitalista e o coletivismo marxista e possibilitasse uma
estrutura econômica que favorecesse o autêntico desenvolvimento
dos países do Terceiro Mundo, contribuindo para o desenvolvimento
do conceito de polos de desenvolvimento, se aproximando de
autores como Gunnar Myrdal, Raul Prebisch e Albert Hirschman,
entre outros.

Perroux não era neoclássico e tampouco keynesiano. Delaunay


(1983, p;232) analisando o seu livro Pour une philosophie du
nouveau développement comenta que sobre a teoria geral de Keynes
ele escreveu o seguinte : le schémas keynésien a été construit du
point de vue des pays développés et pour eux, à une époque où les
rapports de force étaient défavorables aux pays en développement.
Na opinião de Guillen (op.cit p.13) a objeção de Perroux a aplicação
nos países em desenvolvimento dos modelos de crescimento
keynesianos era indubitável. Segundo ele Perroux afirmava que “os
modelos a la Harrod e Domar supõem implicitamente instituições
e atitudes bem determinadas dos agentes econômicos e chegam
quase ao ridículo quando em um meio onde o entesouramento é
predominante, suporem que a poupança procure sempre a melhor
colocação; quando em sociedades onde dominam as “transferências
de prestígio” raciocinar em termos de inversões mercantis e quando

1077
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

atribuem ao chefe da tribo o comportamento de um empresário


racional” (PERROUX, 1991 p.277 apud GUILLEN, 2008 p.13).

Para Guillen, Perroux era um profundo conhecedor de Marx,


mas rechaçava a dialética marxista de ruptura que levaria à catástrofe
e ao aniquilamento do sistema se pronunciando por uma dialética de
evolução admitindo a correlação de forças. Para Perroux a despeito de
considerar a análise marxista excelente e estimulante para o estudo
dos grupos e indivíduos desfavorecidos julgava que ela aportava
muito pouco à teoria e análise do desenvolvimento.

Temos então uma personalidade que não era neoclássica,


keynesiana ou marxista. A despeito desta independência das
principais escolas econômicas Perroux se identifica bastante com
outro heterodoxo personificado por Joseph Alois Schumpeter de
quem foi aluno em Viena.

Segundo seus biógrafos Perroux traduziu as principais


obras de Schumpeter para o francês e foi um dos seus principais
divulgadores na academia francesa. Com efeito, observa-se a marca
de Schumpeter na Teoria dos Polos em diferentes passagens. Partindo
das proposições apresentadas por Schumpeter (1911) a respeito do
papel desempenhado pelas inovações na dinâmica capitalista, Perroux
propõe-se a explorar as relações que se estabeleceriam entre indústrias
que ele denomina motrizes – que têm a propriedade de aumentar
as vendas e as compras de serviços de outras – as movidas – que
têm suas vendas aumentadas em função dessas indústrias (motrizes)
argumentando que o crescimento não ocorre de forma homogênea
no espaço, mas “manifesta-se em pontos ou polos de crescimento,
com intensidades variáveis, expande-se por diversos canais e com
efeitos finais variáveis sobre toda a economia” (PERROUX, 1955).

Por fim, além da ênfase dada ao espaço, tão ao modo dos


geógrafos, Perroux se aproxima de Christaller cuja obra é de 1936 e,
portanto, lhe antecede. A sua hierarquia dos polos segue a idéia da
hierarquia urbana da teoria do lugar central de Christaller (SOUZA,
2005, cap. 2). A diferença fundamental dessa teoria, em relação
à teoria dos polos de crescimento, está na ênfase à prestação de
serviços, por parte dos centros urbanos, e não na função indutora

1078
FRAGMENTOS

da indústria motriz do polo de crescimento e nas interdependências


que ela gera entre firmas compradoras e vendedoras de insumos na
região polarizada ou no interior do próprio centro principal.

4. Críticas à Teoria dos Polos de Crescimento

A teoria dos polos de crescimento foi bastante utilizada


no Brasil no período de 1964/1998, época, do regime militar que
dominou o país. Naquele momento começavam a se configurar os
impasses do “desenvolvimento” e, em função deles, a crise do próprio
projeto nacional de desenvolvimento que tantas esperanças haviam
despertado no Brasil.

Começava a se tornar evidente que, apesar de todos os êxitos


estatísticos resultantes dos esforços governamentais até então
realizados, a evolução econômica e social em um país de capitalismo
tardio e dependente se fazia em termos distintos daqueles que
marcaram a expansão capitalista nos países desenvolvidos.

Uma das evidências desse fato era dada, justamente, pela


tendência a forte e regressiva concentração, tanto social, quanto
espacial da renda nacional. Ou seja, constatava-se que a eliminação
do que, na terminologia da época, se designava como “obstáculos
ao desenvolvimento”, não conduzia à generalização da expansão
capitalista no âmbito do espaço nacional; ao contrário, tal eliminação
punha em marcha mecanismos que reforçavam, em novos e até
mais perversos termos, as tendências estruturais à concentração
da renda. As frustrações e tensões sociais que emergiram dessa
constatação e desses resultados, ameaçando a própria legitimidade
da ideia de desenvolvimento, são demais conhecidas para serem aqui
relembradas.

É nesse momento que a ideia da implantação de polos começa


a despertar interesse e é logo em seguida incorporada ao arsenal dos
instrumentos de intervenção na economia à disposição do Estado,
da mesma forma que passa também a reanimar a expectativa da

1079
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

generalização do processo de desenvolvimento no âmbito da nação.


O recurso à ideia de polo, como instrumento de desenvolvimento
regional, parece relacionar-se diretamente à percepção da classe
dirigente brasileira de que, através da implantação de polos, seria
possível corrigir as “distorções” existentes no processo, sem que,
para tanto, se tornasse necessário reformular o padrão básico de
desenvolvimento.

Em torno da noção de polo (ou através da manipulação


propagandística dela) foram criadas rapidamente altas expectativas,
notadamente no que se refere aos efeitos sociais no âmbito do
desenvolvimento regional. Assim, a política de implantação de polos
surgiu, independentemente, ou na ignorância, das restrições que
muitos especialistas internacionais e mesmo nacionais faziam à sua
real eficácia.

A despeito das contribuições da chamada escola “espacial”,


desenvolvendo e ampliando as formulações iniciais de Perroux, assim
como da tentativa de incorporação do conceito de polo à “teoria da
localização” formulada anteriormente pela escola alemã (Christaller,
Lösch), continuava sem solução a maioria dos problemas suscitados
pela questão maior de como compatibilizar a geografia dos polos
com a economia dos polos, de modo a reter no âmbito da primeira
os resultados obtidos através da segunda.

Foi em função dessa dificuldade que surgiu a crítica à


possibilidade de conversão da noção de polo em instrumento de
promoção do desenvolvimento regional. O argumento central dessa
crítica era de que tal conversão incorria num erro de lógica, na medida
em que tomava como sendo certo aquilo que era dado apenas como
possível. Esse erro decorreria do fato, como argumentava Lasuén
(1976), de se desconhecer que a teoria dos polos era uma “teoria
de crescimento condicional”: ela constatava a ocorrência de um
fenômeno, que designava dos polos, e explicava as razões da dinâmica
de seu funcionamento, mas não explicava a dinâmica e as condições
necessárias à existência deles. Em outras palavras: a teoria dos polos
descrevia a dinâmica do funcionamento de algo cuja existência era
simplesmente constatada, mas nada dizia sobre as condições prévias

1080
FRAGMENTOS

necessárias para o surgimento daquilo cujo funcionamento ela


descrevia.

Numa nota de rodapé (24) à página 217, do seu livro Ensayos


sobre Economia Regional e Urbana, Lasuén radicaliza a sua crítica à
Perroux:

Se puede afirmar con toda seguridad, que los lectores


de Perroux se vieron atraídos por la exposición clara con
que fue explicado por el autor el concepto e imagen de
polo de crecimiento, pero al ignorar las limitaciones de
tipo analítico y conceptual que la formulación contenía,
les condujo hacia una considerable confusión. Así por
ejemplo, muchos de sus lectores piensan en una teoría
acerca del polo de crecimiento, que aparece a sus ojos
corno una clase de teoría dinámica de la localización.
Entonces, resulta claro que Perroux no va más allá
de Schumpeter, cuyo esquema de trabajo e hipótesis
ha adaptado, transfiriéndolas de un espacio sectorial a
otro de tipo geográfico. Si Schumpeter no pudo exponer
en qué sector, ni durante qué tiempo las innovaciones
podían ser adaptadas más verosímilmente y tener lugar,
Perroux no puede explicar dónde se van a localizar y
dónde consecuentemente deben ser implantados los
complejos industriales. Como Schumpeter, sólo puede
explicar, Perroux, los efectos derivados (magnitud,
dirección, etc.) de as innovaciones sobre el espacio
geográfico. Incluso en aquellos intentos más limitados,
se veía en la necesidad de basarse exclusivamente en
factores económicos, puesto que exteriormente no
pueden explicar en qué forma la polarización sectorial
da paso a la polarización geográfica. Tomó tiempo
evaluar sin equívocos la contribución efectuada por
la teoría de los polos de crecimiento. J. Paelinck no
aceptó el hecho de que ésta sustituyese a la teoria de la
localización ni aquella otra referida a la aglomeración
de los factores económicos (Cahiers de L’ISEA, serie

1081
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

L, n.º 15). Define más adelante sus relaciones con el


cuerpo de la teoría económica, señalando (J. Paelinck,
op. cit.), que esto es "una teoría condicional del
desarrollo regional", en el sentido de que esta
teoría nos sirve como condicionamiento previo, al
objeto de alcanzar éxito en el desarrollo regional,
en forma flexible y no determinada. (Grifo nosso).

Formulada a distinção entre funcionamento e existência, ela


tem importância, para explicar a genealogia da aplicação do conceito,
pois, de fato, a implantação de um polo não pode limitar-se a criar
as condições necessárias para que ele possa funcionar (que são as
que a teoria dá), mas supõe a criação prévia de condições para que
ele exista como polo (que são as que a teoria não dá). Essa crítica é
mencionada apenas para mostrar como existiam impasses em termos
de teoria, pois parece evidente que os processos de natureza social
e econômica raramente são redutíveis às regras da lógica formal
(MARTINS; THÈRRY, 1981).

Na verdade, o fundamental da crítica, para o que aqui


interessa, está na constatação das dificuldades práticas da aplicação
da noção de polo à promoção do desenvolvimento regional, já que
a “teoria da localização” e a “teoria dos polos” oferecem explicações
desvinculadas entre si e de harmonização complicada. O que fazem
Perroux e seus seguidores é, em última análise, superpor estruturas
econômicas setoriais a espaços geográficos, supondo que o implante
“pegue”, graças à dinâmica econômica atribuída às primeiras.

No ponto de vista marxista, Lipietz (1988, p.131) declara que


“o pensamento econômico burguês é devedor a F.Perroux pela noção
de espaço abstrato. Introduzindo-a, teve o mérito de romper com a
concepção empirista do espaço e de acentuar que o espaço utilizado
na literatura é relativo ao tipo de problema colocado”. Mas Lipietz
classifica de ambígua a teoria de Perroux ao passar da conceituação
de espaço polarizado para espaço de planejamento quando tenta
“forçar a solução da contradição social/privado, conferindo a certos
espaços privados (dimensão espacial da atividade de agentes privados)
os atributos de espaço social” (p.133). Lipietz também critica a falta

1082
FRAGMENTOS

de clareza da teoria perrouxiana quanto aos aspectos vinculados


ao efeito acelerador e a matriz das trocas interindustriais do polo,
chegando-se assim, “a batizar de “polo de desenvolvimento” o que
somente poderia ser chamado de catedrais no deserto” (p.134).

Concluindo uma longa análise crítica Lipietz afirma:

De uma certa maneira, a obra de F. Perroux é para


o estágio monopolista do capitalismo o que a de
Walras é para o estágio concorrencial: uma tentativa
de sistematização do "espaço de representação" que
o agente privado faz de sua participação no trabalho
social. No estágio concorrencial, ela se resume ao
dado do sistema dos preços, no qual o agente privado
não influi por suas decisões. Totalmente diferente
é a situação da firma monopolista cujas decisões
pesam efetivamente no desdobramento, em torno
dela, da divisão social do trabalho. Ã medida que o
monopolismo representa um remanejamento dos
papéis no par empresa-mercado como deslocamento
relativo da contradição social/privado, há efetivamente
tendência a uma certa identificação entre "espaço
como conteúdo de plano" e "espaço social polarizado".
Mas este deslocamento (e, pois, esta identificação)
permanece relativo. O conteúdo de plano da firma
monopolista pressupõe sempre um espaço social
regional, mesmo que seja para subvertê-lo (como a
Solmer em Fos), e, em todo caso, um espaço econômico
mundial no qual ele não faz senão se inscrever. (p.136).

Richardson (1973, p.452) a despeito de elogiar a teoria


perrouxiana faz diversas restrições, começando pelo que considera a
imprecisão na definição do que seja um “polo de crescimento” aduzindo
o fato da falta de clareza quanto ao “tipo de escala dimensional a
que se refere o conceito”. Para ele “e1 equilibrio interregional no es
sino un caso muy particular, y que muy posiblemente no se producirá,
especialmente en períodos de rápido crecimiento general”. Também

1083
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

considera bastante duvidosa a idéia de “región de crecimiento”


e que esta constitua algo novo ou significativo. Acrescenta que
as discussões acerca das vantagens comparativas do crescimento
equilibrado versus o desequilibrado indicam que o conceito de leading
region (região de ponta, que arrasta) tem um importante significado,
porém este fenômeno é bastante distinto do que equivale ao “polo
de crescimento” e, provavelmente, tem maior aplicação nos países em
vias de desenvolvimento.
Ainda Richardson questiona “si un polo de crecimiento es una
entidad «natural» observable en las propias estructuras regionales de
una economía de mercado o, por el contrario, si se refiere a un centro
o área en el que el crecimiento ha sido deliberadamente fomentado
utilizando diversas medidas de política económica.” Argumenta que
no último caso esta localização arbitrária poderá se constituir em um
problema para o país. Diz Richardson (op.cit p.453): “si los puntos de
crecimiento planificados se han escogido mal, es muy posible que se
requiera el empleo de constantes subvenciones para que puedan seguir
funcionando. Como foi o “polo” petroquímico de Camaçari, na Bahia.

5. Aplicações da Teoria dos Polos

Países com imensa extensão territorial e com grandes


desequilíbrios regionais como o Brasil carecem de mecanismos que
possam mitigar os efeitos desses problemas regionais, assim como
promover políticas eficientes de desenvolvimento regional. De
acordo com Vargas (1993) o Brasil utilizou-se muito da teoria dos
polos na década de 1970 através do Instituto Brasileiro de Geografia
e Estatística (IBGE) na concepção das regiões “homogêneas”,
“polarizadas” e “regiões-programa” na implantação de indústrias
que pudessem promover o crescimento/desenvolvimento de
algumas regiões, seguindo os conceitos e definições elaborados por
Perroux e Boudeville.

Vargas (1993) afirma que a partir da década de 1970, o


Brasil passou a incorporar as ideias contidas na teoria dos polos em

1084
FRAGMENTOS

seus programas de desenvolvimento. Inicialmente no I Programa


Nacional de Desenvolvimento (PND) de 1972 que buscava uma
melhor integração das políticas de integração nacional, criação
das regiões metropolitanas e a criação dos “polos regionais” que
visavam o desenvolvimento das atividades primárias. Ainda segundo
a autora, a própria criação da Zona Franca de Manaus faz parte das
influências da teoria dos polos no Brasil.

Outra influência destacada por Vargas (1986) é o II PND de


1974 no qual o governo brasileiro pretendia fortalecer a atividade
industrial no Centro Sul ao passo que criava polos secundários
regionais no Nordeste, no Centro-Oeste e no Norte do país.

Todavia, de acordo com a observação de Tolosa (1972) a


aplicação da teoria dos polos no planejamento regional passa por
uma melhor definição dos seus conceitos.

Após despender algum tempo no estudo da teoría de


polos de crescimento, um economista encarregado da
programação do desenvolvimento integrado de um
sistema de regiões chega certamente a uma espécie
de estado de indefinição quanto à aplicabilidade da
teoria. Se por um lado o assunto parece intuitivamente
importante, por outro a teoría mantén-se em um alto
grau de abstração e os conceitos e ideias desenvolvidos
parecem vagos e de difícil aplicação empírica. Em
consequência, a primeira prioridade quanto a novas
linhas de pesquisa deve compreender um esforço
concentrado visando a precisar os conceitos básicos
da teoría. Por exemplo, o que exatamente deve ser
entendido por polo de crescimento? (TOLOSA, 1972
p.207).

Para Tolosa (1972) o conceito de polo é sempre relativo


e sempre definido em relação a um espaço ou uma região de
referência. Assim, como exemplo tem-se que o Ruhr é um polo para
o Mercado Comum Europeu, assim como a cidade do México e as

1085
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

cidades de São Paulo e Rio de Janeiro são polos para o México e


para o Brasil, respectivamente.

Dessa forma, Tolosa (1972) destaca que a construção de um


modelo normativo de polos de crescimento que possa ser aplicado a
países de terceiro mundo deverá considerar as seguintes observações:

1) Considerar a localização, número e escala de polos em


diferentes pontos de tempo como variáveis endógenas;

2) Levar em consideração a distribuição espacial e


disponibilidade de recursos humanos;

3) Permitir a mobilidade da mão-de-obra e do capital;


4) Incorporar economias de aglomeração;
5) Incluir vários processos de produção (tecnologias) para
cada indústria;

6) Permitir diferenças tecnológicas entre os polos;


7) Considerar indivisibilidades do investimento;
8) Possibilitar o teste de sensitividade das soluções com
respeito a erros nas condições iniciais e parâmetros;

9) Selecionar uma estratégia que conduza a economia a um


conjunto de objetivos econômicos e sociais, de maneira
eficiente.

Coraggio (1972) ressaltou que a política de polos de


crescimento pode exacerbar a dicotomia polo e periferia trazendo
efeitos negativos na medida em que os efeitos “linkages” para frente
ou para trás causados pela indústria motriz podem se manifestar
em outras regiões que estejam mais bem preparadas para tal. Ainda
segundo Coraggio (1972) para que os efeitos de uma política de polos
de crescimento tragam efeitos positivos devem ser consideradas as
seguintes situações:

1) A atividade motriz deve ser transformadora de insumos

1086
FRAGMENTOS

regionais e oferecer tamanho de mercado suficiente


para induzir a localização na região, de atividades
produtoras destes insumos, a partir de recursos regionais
(encadeamento para trás);

2) A tecnologia deve ser intensiva em mão-de-obra para


aproveitar a existente na região, gerando empregos;

3) O mercado criado deve sobrepassar a demanda das


atividades não básicas (de abastecimento de bens e serviços
à população local);

4) Os benefícios de produtividade devem ser retidos pelos


empresários locais para garantir reinversão;

5) Os mecanismos de comercialização e financiamento devem


ser corresponder aos mesmos grupos locais para impedir a
evasão de divisas.

Souza (2005, p.1) ressalta, porém a atualidade da teoria


de Perroux pela sua ligação com a abordagem schumpteriana do
desenvolvimento, a teoria do crescimento endógeno e os conceitos
de meios inovadores, regiões inteligentes e sistemas regionais de
inovação. Na sua interpretação a própria teoria dos polos possui uma
abordagem endógena, uma noção que é realçada pelos conceitos de
meios inovadores e afins. Estes são os núcleos das regiões inteligentes,
que pressupõe uma periferia
Cabe por fim destacar a influência exercida por Perroux na
formulação da política regional de desenvolvimento brasileiro
exercitada sob a inspiração ideológica da Escola Superior de Guerra
(ESG) e fundada na concepção do nacional desenvolvimentismo e
seguindo uma estratégia de desconcentração concentrada que levou,
no final da década de 1970 à implantação do Polo Petroquímico de
Camaçari na Região Metropolitana de Salvador, estado da Bahia.

1087
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

6. Considerações finais

O objetivo geral da presente investigação foi fazer um balanço


da Teoria dos Polos de Crescimento nas últimas seis décadas na ciência
econômica e avaliar a sua contribuição para o entendimento dos
processos de crescimento/desenvolvimento das regiões. Verificou-
se, ao longo do trabalho que esta teoria tornou-se uma ferramenta
importante para regiões dentro de países com pouco dinamismo
econômico como forma de dinamizar o crescimento dessas regiões.
No Brasil essa teoria foi bastante utilizada devido a nossa imensa
extensão territorial aliada a uma grande desigualdade inter e intra-
regional.

Podem ser formuladas três considerações acerca da presente


investigação. A primeira diz respeito à importância da teoria dos polos
na compreensão dos mecanismos que permitem a polarização das
atividades industriais dentro de uma região. Essa noção de polarização
influenciou uma série de estudos que tiveram como pano de fundo
(objetivo) a possibilidade de promover o crescimento econômico de
regiões atrasadas ou deprimidas através da implantação de atividades
industriais sejam indústrias motrizes e indústrias movidas e como esta
polarização espraia-se pelo tecido regional.

A segunda de natureza instrumental que, no Brasil, consistiu no


fornecimento do respaldo teórico para a política de desconcentração
industrial do país inspirada pela ESG e capitaneada pelo Conselho
Nacional do Petróleo (CNP) e o Banco Nacional de Desenvolvimento
Econômico e social (BNDES) que enfrentou acirrada resistência dos
estados da região Sudeste comandados por São Paulo.

Por fim a terceira representada pela sua metamorfose


e desdobramentos no âmbito do paradigma da especialização
flexível pelos desdobramentos em associação com a economia neo-
schumpeteriana na base teórica dos clusters, arranjos produtivos e
meios inovativos, entre outros.

Em assim sendo o pensamento e a contribuição de François


Perroux continuam vivos e importantes no arsenal de instrumentos
teóricos da ciência regional.

1088
FRAGMENTOS

Referências

BOISIER, Sergio. (1982) Polos de crescimento: están muertos? EURE.


Revista Latinoamericana de Estudios Urbanos Regionales. V. 08 n.24.

BOUDEVILLE, Jacques. (1969) Los espacios economicos. Buenos Aires:


EUDEBA. CORAGGIO, José Luís.(1972), Hacia una revisión de la teoria
de los polos de desarrollo. In: ILPES. Planificácion regional y urbana
em America Latina. Pimer Seminario Internacional. Vina del mar, Chile,
(mimeo).

COSTA, José da Silva (Org.) (2005). Compêndio de Economia Regional.


Coimbra: APDR. DELAUNAY, Jean-Claude (1983) : François Perroux. Pour
une philosophie du nouveau développement. L'Homme et la société V .
67. N. 67-68 pp. 231-235.

GESTA LEAL, Rogerio; MENENGOTI RIBEIRO, Daniela (2014): A titularidade


do Direito ao desenvolvimento e sua afirmação como Direitos Humanos
fundamentais. Prisma Jurídico, v. 13 n. 1, pp. 141-166.

GUILLÉN Romo, Héctor (2008): François Perroux: pionero olvidado de la


economía del desarrollo”. México: Mundo Siglo XXI.

LASUÉN, José Ramón. (1976). Ensayos sobre economia regional y


urbana. Barcelona: Ariel. LIPIETZ, A. (1987). O capital e seu espaço. São
Paulo: Nobel.

LIPIETZ, A. (1988). Miragens e milagres: problemas da industrialização


no Terceiro Mundo. São Paulo: Nobel.

MARTINS, Luciano; THÈRY, Hervé. (1981). A problemática dos “Polos de


Desenvolvimento” e a experiência de Camaçari. Paris: Centre National
de la Recherche Scientifique.

PAELINCK, J. (1977). A teoria do desenvolvimento regional polarizado.


In: SCHWARTZMAN, J. (Org). Economia Regional: textos escolhidos.
CEDEPLAR. Belo Horizonte.

PERROUX, François (1981): Pour une philosophie du noveau


dèveloppment. Paris: Aubier, Les presses de L’UNESCO, pp.84-89.

1089
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

PERROUX, François (1991) : L’Economie du Xxe siècle. Grenoble : PUG.

PERROUX, François. (1977). Considerações em torno da noção de polo de


crescimento. Revista Brasileira de Estudos Políticos. Belo Horizonte.

PERROUX, François (1978). O conceito de polo de crescimento. In:


FAISSOL, Esperidião (Org). Urbanização e Regionalização. Secretaria de
Planejamento da Presidência da República, RICHARDSON, H.W. (1975).
Economia Regional: Teoria da localização, estrutura urbana e crescimento
regional. Rio de Janeiro, Zahar.

SOUZA, Nali de Jesus. (2005). Teoria dos Polos, Regiões Inteligentes e


Sistemas Regionais de Inovação. Análise, Porto Alegre, v. 16 n. 1 p. 87-
112 jan./jul.

TOLOSA, Hamilton C. (1972). Polos de crescimento: Teoria e Política


econômica. In: HADDAD, Paulo Roberto (Ed.). Planejamento regional:
métodos e aplicação ao caso brasileiro. IPEA Série Monográfica. Rio de
Janeiro.

VARGAS, H.C. (1993). A importância das atividades no Desenvolvimento


Regional. 1993 215f. Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo)
Escola de Arquitetura, Universidade de São Paulo, São Paulo.

1090
FRAGMENTOS

ARTIGO

COSTURANDO O
DESENVOLVIMENTO LOCAL:
UM ESTUDO DA INDÚSTRIA
DE CONFECÇÕES DE JEQUIÉ

28
1091
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

1092
FRAGMENTOS

Costurando o desenvolvimento
local: Um estudo da Indústria de
Confecções de Jequié

Adenilson Rosa dos Santos


Administrador de Empresas. Pós-Graduado em Metodologia
do Ensino Superior.Mestre em Análise Regional (Unifacs) e
Doutorando em Análise Regional (Unifacs). Telefone: 073 35262186
- Celular 73-91133547 - E-Mail: santos.adenilson@uol.com.br

Noelio Dantaslé Spinola


Doutor em Geografia e História pela Universidade de
Barcelona – Espanha. Professor Titular do Programa de Pós
Graduação em Desenvolvimento Regional e Urbano da Universidade
Salvador (Unifacs). Telefone: 071-33441650 - Celular 71-99899778
E - mail - dantasle@uol.com.br

Resumo
Esse artigo discute as principais causas do declínio do Polo de
Confecções de Jequié. O texto baseia-se em entrevistas com os
principais protagonistas do problema. As análises das informações
coletadas foram realizadas a partir dos conceitos teóricos sobre
desenvolvimento local e arranjos produtivos locais. Os resultados
mostraram que o fracasso do polo decorreu da total ausência
de embeddness e pela entrada de novos concorrentes; baixo
nível tecnológico em relação a outros polos; abertura de mercado
(confecções da China); falta de capital de giro; elevação do piso
salarial e administração familiar. Conclui-se que o desenvolvimento
local a partir das indústrias de confecções de Jequié, se transformou
mais em mito do que em realidade principalmente por não ter havido
envolvimento de todos os segmentos da sociedade local.

1093
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

Palavras – Chave: indústria têxtil; polo de confecções; desenvolvimento


local; desenvolvimento endógeno; economia baiana.

Abstract
This article discusses the main causes of the Jequié Clothing
Polo fall. The text is based on interviews with key players of the
problem. Analyses were made ​​ of the information collected from
the theoretical concepts on local development and local production
arrangements. The results showed that the failure of the pole was the
total absence of embeddness and the entry of new competitors,
technological level low compared to other centers, opening of the
market (clothing of China), lack of working capital, increase the
minimum wage and family management. It is concluded that the
development of local industries, from clothing to Jequié, has become
more myth than reality, especially as there was no involvement of all
segments of society

Keywords: textile industry; clothing polo; local development;


endogenous development; Bahia economy.

JEL Classification: L52; R58; L67

1094
FRAGMENTOS

Introdução

O desenvolvimento local está associado, normalmente, a


iniciativas inovadoras e mobilizadoras da coletividade, articulando
as potencialidades locais às condições dadas pelo contexto, onde
as comunidades procuram utilizar suas características específicas e
suas qualidades superiores e se especializar nos campos em que têm
uma vantagem comparativa com relação às outras regiões. Segundo
Benko (2005, p.228):

o desenvolvimento local apresenta-se menos como


uma teoria do desenvolvimento da região do que
como um paradigma novo do desenvolvimento:
desenvolvimento endógeno, territorial, autocentrado,
desenvolvimento “por baixo”, opondo-se ao
desenvolvimento por cima, que fundava as práticas
anteriores. Esse novo enfoque foi elaborado em
meados dos anos 70, graças às idéias de W. Stöhr e F.
Taylor. (1981) e J. Friedmann (1964). O desenvolvimento
local preconiza a flexibilidade opondo-se à rigidez
das formas de organização clássica; uma estratégia
de diversificação e de enriquecimento das atividades
sobre um dado território com base na mobilização de
seus recursos (naturais, humanos e econômicos) e de
suas energias, opondo-se as estratégias centralizadas
de manejamento do território. Ele encara a idéia de
uma economia flexível, capaz de adaptar-se a modos
mutáveis, e constitui alternativa para a economia das
grandes unidades. A política do desenvolvimento
local implica igualmente estratégias de financiamento
e de formação, e passa pela descentralização dos
níveis de decisão política, econômica e financeira.
O desenvolvimento local tem conteúdo regional ou
mesmo microrregional nos países desenvolvidos, mas
pode ser aplicado no Terceiro Mundo a países em seu
conjunto.

1095
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

As experiências bem-sucedidas de desenvolvimento local


decorrem da existência de um elevado estoque de capital social e de
um ambiente político e social favorável, expresso pela mobilização,
e convergência dos atores sociais do município ou comunidade
em torno de determinadas prioridades e orientações básicas de
desenvolvimento.

Representa, neste sentido, o resultado de uma vontade


conjunta da sociedade que dá sustentação e viabilidade política a
iniciativas e ações capazes de organizar as energias e promover a
dinamização e transformação da realidade.

Assim, pois, o desenvolvimento local é o resultado de


múltiplas ações convergentes e complementares capazes de quebrar
a dependência e a inércia do subdesenvolvimento e do atraso em
localidades periféricas e promover uma mudança social no território
(BUARQUE, 1999).

Algumas perspectivas de desenvolvimento local foram


equivocadas por não conseguirem aglutinar muitas dessas
características relevantes para a sua sustentabilidade. A tentativa
de promover o desenvolvimento econômico em regiões menos
desenvolvidas por meio da industrialização, não logrou os resultados
esperados por seus planejadores, principalmente na Bahia.

A cidade de Jequié1, e o seu Polo de Confecções, examinado


neste estudo, é um exemplo desse insucesso. Considerado
administrativamente como um promotor de desenvolvimento para a
região, o Polo em questão, protagonizou uma das mais importantes
fases de desenvolvimento econômico da cidade, porém não obteve
em longo prazo os resultados esperados pelos órgãos estaduais
de fomento. Ao final as indústrias de confecções de Jequié não
conseguiram formar um arranjo produtivo local que melhorasse as
condições competitivas das mesmas em relação ao mercado que se
tornou muito competitivo a partir da década de 1980. Nesse período,
as maiores indústrias de confecções de Jequié pediram falência.

1 Neste trabalho estão sendo considerados exclusivamente os núcleos urbanos principais


dos municípios, ou seja: as cidades. A consideração do município implicaria numa ampliação
territorial da pesquisa com o envolvimento de distritos, vilas e povoados.

1096
FRAGMENTOS

Como a identidade econômica e cultural de Jequié está


intimamente refletida na atividade de produzir vestuários, este
assunto continua sendo discutido pelos diversos segmentos da
sociedade local que buscam respostas para o insucesso registrado
e procuram construir novas estratégias capazes de promover o seu
desenvolvimento por meio de arranjos produtivos voltados para as
pequenas e micro empresas do ramo de confecções.

Diante da importância dos estudos que visam entender o


insucesso das políticas de fomento das regiões economicamente
deprimidas, buscamos neste trabalho, explicar as razões e motivos
que determinaram o insucesso do polo de confecções de Jequié.

A solução do problema exigiu a execução de uma pesquisa


que compreendeu a análise dos aspectos econômicos, culturais e
geográficos intrinsecamente ligados ao lócus do estudo.

Como técnica de coleta de dados foi utilizada a entrevista


semi-estruturada, realizada com amostras significativas de diversos
segmentos estratégicos para a identificação e compreensão dos
fatores que contribuíram para o fracasso do polo, destacando-se
entre estas: proprietários das principais indústrias de confecções
da época, gerente e funcionários do Sebraé/Jequié, dirigentes da
Associação das Indústrias de Roupas de Jequié e agentes políticos
do município.

Além desta introdução, compreende este artigo duas seções


que abordam respectivamente algumas considerações sobre a teoria
do desenvolvimento local e a descrição e análise do problema,
seguidos de uma conclusão.

A moda do desenvolvimento local

As políticas governamentais de desenvolvimento, no Brasil,


surgiram baseadas em um paradigma que entendia o Estado
como principal agente indutor e compreendia as desigualdades
socioeconômicas inter-regionais como sério obstáculo à integração

1097
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

nacional e a sustentabilidade do crescimento brasileiro (AMARAL


FILHO, 1995).

A existência de desigualdades nas taxas de acumulação de


capital entre as diversas regiões do país não era um fato novo, pois
se constituía em uma característica estrutural desde os tempos da
colonização. O fato novo era a percepção de que tais desigualdades
não poderiam ser reduzidas apenas através do livre jogo das forças
de mercado e de que a sua persistência implicava uma disfunção
sistêmica que poderia ameaçar o equilíbrio socioeconômico como
um todo.

Até a década de 1970, predomina no desenvolvimento


regional o paradigma “de cima para baixo”, onde sua principal
característica está associada ao conceito da industrialização como
processo motor do crescimento econômico, onde o poder central
assume as proposta de desenvolvimento regional (BOISIER, 1989). As
estratégias de desenvolvimento baseadas nestes modelos, geralmente
envolvem grandes capitais externos à região e são inspiradas na idéia
da substituição de importações. Estas políticas de desenvolvimento
regional foram orientadas pelas teorias envolvendo conceitos chaves
de “polos de desenvolvimento”.

Esses conceitos têm como principal ênfase os fatores


dinâmicos de aglomeração industrial, evidenciando o crescimento
desequilibrado, ou seja, ele não se manifesta simultaneamente em
todos os locais, e sim em pontos ou polos de crescimento. Este
modelo conhecido como desconcentração concentrada, objetivava
promover um crescimento econômico equilibrado entre as diversas
regiões do país através da industrialização.

A década de 1980 é assinalada pelo esgotamento do paradigma


de desenvolvimento “de cima para baixo” e a sua substituição pelo
conceito de desenvolvimento local bem aos moldes dos padrões
neoliberais que passaram a dominar nesta época.

Alguns fatores contribuíram para esta nova fase, como a


pretensa crise do “modelo fordista”, que levou ao declínio muitas regiões
tradicionalmente industriais, a transformação nos modos e meios de

1098
FRAGMENTOS

produção, a política do Estado Mínimo, o desemprego estrutural,


dentre outros, fizeram com que a questão do desenvolvimento
local passasse a ser uma proposta alternativa aos desafios da
mundialização da economia, da informação, da necessidade de gerar
novos empregos, da exclusão social, da necessidade de modernização
tecnológica e requalificação profissional. Os distritos marshalianos
foram redescobertos, o sistema italiano de distritos industriais e
a “especialização flexível” entrou na pauta das academias como a
solução para os problemas das comunidades que buscavam crescer
e se expandir.

Imaginava-se que a partir das condições e potencialidades


criadas pelos governos locais, as indústrias, mesmo que impulsionadas
por empresas de fora, estabeleceriam inter-relações com o meio
através de um processo sinergético com os recursos locais. Este
processo envolveria a participação de empresas locais e novos
empreendedores com características específicas da comunidade local
(AMARAL FILHO, 1995).

Desenvolvimento local, segundo Buarque (2001, pág.14):

é um processo endógeno registrado em pequenas


unidades territoriais e agrupamentos humanos capaz
de promover o dinamismo econômico e a melhoria
da qualidade de vida da população. Representa
uma singular transformação nas bases econômicas
e na organização social em nível local, resultante da
mobilização das energias da sociedade, explorando as
suas capacidades e potencialidades específicas.

Para ser um processo consistente e sustentável, o


desenvolvimento deve elevar as oportunidades sociais e a viabilidade e
competitividade da economia local, aumentando a renda e as formas
de riqueza, ao mesmo tempo em que assegura a conservação dos
recursos naturais. O desenvolvimento local requer sempre alguma
forma de mobilização e iniciativas dos atores locais em torno de um
projeto coletivo.

1099
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

As experiências bem-sucedidas de desenvolvimento local


decorrem, quase sempre, de um ambiente político e social favorável,
expresso por uma mobilização, e, principalmente, de convergência
importante dos atores sociais do município ou comunidade em torno de
determinadas prioridades e orientações básicas de desenvolvimento.
Representa, neste sentido, o resultado de uma vontade conjunta da
sociedade que dá sustentação e viabilidade política a iniciativas e
ações capazes de organizar as energias e promover a dinamização e
transformação da realidade.

De fato, a estratégia de desenvolvimento local pressupõe que as


ações baseadas nas condições de cada localidade e região e que tratam
de utilizar eficientemente as potencialidades de desenvolvimento devem
ser combinadas com as políticas setoriais e regionais que propiciam
as administrações centrais com o fim de fornecer a reestruturação
produtiva e a mudança estrutural da economia.

A sustentabilidade do desenvolvimento local é um dos principais


problemas enfrentados pelas regiões economicamente deprimidas, as
vezes a interferência governamental impõe determinadas políticas de
desenvolvimento, sem se preocupar, no entanto com as particularidades
culturais históricas da região em questão. Em muitos casos, os
resultados alcançados quase sempre estão longe daqueles esperados.

No atual contexto em que a produção industrial encontra-se


organizada, a produção em larga escala e o elevado grau tecnológico,
contribuem para a disseminação dos sistemas produtivos locais,
maneira pela qual as pequenas e médias empresas e determinadas
regiões encontram para elevar sua capacidade competitiva no mercado.

Para que exista um desenvolvimento local, e que o mesmo


possa ser auto-sustentável e duradouro, resistindo à mobilidade de
capital e dos meios de produção, tão presentes na economia capitalista
e globalizada, pressupõe-se que a sociedade local esteja preparada e
integrada ao processo de crescimento econômico, construindo desse
modo um sistema local autônomo, porém bastante integrado às redes
globais.

O desenvolvimento local trouxe consigo a importância da

1100
FRAGMENTOS

relação e da forma como as empresas locais interagem entre si e com


o mundo globalizado para a promoção de inovações necessárias à
sobrevivência do sistema local, diante disso os chamados arranjos
produtivos locais, apesar de tão antigo quanto às experiências
encontradas na terceira Itália e no Vale do Silício na Califórnia,
onde as concentrações de empresas se destacaram das demais não
somente por resistirem ao processo de mobilidade de capital, mas
sobretudo pela elevada renda per capita alcançada nessas regiões,
vêm ganhando atualmente roupagem nova nos discursos, e vêm
sendo divulgado como estratégia inovadora para o desenvolvimento
local integrado e sustentável.

Os arranjos produtivos locais (APLs) enfocam principalmente a


cooperação entre os agentes locais, objetivando uma maior eficiência
do aglomerado, essa interação resulta na acumulação e transferência
de conhecimento entre as firmas. Alguns autores argumentam
que a redução entre as distâncias físicas e tecnológicas contribui
decisivamente para acelerar o processo de inovação entre as mesmas.

O APL efetivamente vem se tornando, nos últimos anos, discurso


dos principais agentes responsáveis em fomentar o desenvolvimento
regional. Essa alternativa é apresentada como solução para reduzir
o custo individual e a aquisição das informações de conhecimento
entre as pequenas e micro empresas concentradas em determinadas
regiões economicamente deprimidas, tentando fazer com que a ação
cooperada e a maior facilidade de aperfeiçoamento do conhecimento
técnico e comercial, se transformem em vantagens competitivas
locacionais. Nesse contexto as pequenas e micro empresas enraizadas
se tornariam mais aptas a competir no mercado com as grandes
empresas globais.

O polo de confecções de Jequié

As indústrias de confecções de Jequié surgiram nos primeiros anos


da década de 1960, de forma espontânea. Em suas próprias residências,
os empresários Arismar Oliveira e Arlécio Oliveira deram feição industrial

1101
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

ao pequeno fabrico de roupas iniciado por D. Ester Oliveira, nos fins


dos anos de 1950. Nasciam assim as “Confecções Pererê” e “Confecções
Estrela”, posteriormente transformadas nas Indústrias de Roupas Saci
Pererê Ltda. e Estrela Industrial de Roupas Ltda.

Depois de uma década já existiam mais de 10 empresas


produzindo roupas infanto-juvenis, que empregavam 904 trabalhadores,
dos quais 90% eram do sexo feminino.

Inicialmente atendendo apenas ao mercado local, as duas


pequenas empresas foram crescendo e, com isso, influenciando o
aparecimento de outras indústrias de roupas. O surgimento destas
confecções deu inicio ao processo de industrialização em Jequié nas
décadas de 1960/1970. Ainda na primeira metade de 1970 implantou-
se o Distrito Industrial de Jequié. Esse fato parecia ter definido a cidade
de Jequié como um polo de desenvolvimento a partir da indústria de
confecções.

Em 1980 é fundada a Associação das Indústrias de Roupas


de Jequié (AIRJ), composta por quatro empresas, Estrela Industrial de
Roupas Ltda., Indústrias de Roupas Saci Pererê Ltda., Injer – Indústria
Jequieense de Infanto-juvenis Ltda. e a Bremer S/A – Moda Juvenil.

Mesmo distante dos principais centros produtores de matéria


prima e dos grandes centros consumidores, as roupas e acessórios
produzidos em Jequié conseguiram alcançar destaque nacional nesta
década.

Alcançando o seu apogeu nas décadas de 1970/1980,


segundo o Sebrae - Jequié (2006), chegou a oferecer 2.500 empregos
diretos, alcançando a significativa absorção de 10% da população
economicamente ativa do Município e gerando recursos em torno de U$
100 milhões, sob a forma de salários, tributos e encargos sociais, desta
forma também substituindo compras que seriam efetuadas por lojistas
da Bahia em outros estados e exportando para o resto do país e para o
exterior através de Companhias de Exportação, assumindo assim papel
relevante no desenvolvimento sócio-econômico regional. Neste período
a produção de Jequié alcançava 60% do que era produzido na Bahia,
basicamente pelas seis maiores empresas locais (SMC, 1995).

1102
FRAGMENTOS

De acordo com o Sebrae-Jequié (2006), a indústria de confecções


foi uma atividade predominante no segmento industrial no Município,
participando com diversas unidades empresariais formais e informais, e
representando 55,8 % do universo das indústrias locais, que respondia
pôr 56% da produção setorial na Bahia e ocupava a primeira posição em
termos de vendas.

Os empresários entrevistados informaram que até 1990,


a produção das confecções de Jequié era voltada para o atacado,
fornecendo e atendendo pedidos de lojas na escala local, regional e
estadual, sendo que no território nacional as empresas atuavam nos
Estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Paraná.

As fábricas de roupas de Jequié produziam roupas jeans, roupas


íntimas, roupas infantis, blusas de malhas, de acordo com os pedidos
previamente emitidos pelos compradores e a demanda do mercado local
e regional. A maior parte da produção era adquirida principalmente pelas
grandes redes de lojas varejistas dentre as quais se destacam Mesbla e
Mappin.

O vigor exibido pelo setor de confecções de Jequié nas décadas


de 1970/1980, contudo, não foi capaz de garantir o sucesso na década
seguinte. A partir da década de 1990, vários fatores fizeram a indústria
local perder espaço no mercado regional, estadual e nacional, provocando
o fechamento das principais unidades do setor, reduzindo o número de
empregos formais e frustrando a expectativa de desenvolvimento local
a partir desta atividade.

Sem um prévio estoque local de capital social é difícil o


desenvolvimento local ou endógeno que depende, no que tange a este
capital social, de um processo de embeddedness. Segundo Polanyi (1944)
e Granovetter (1995) os indivíduos não agem de maneira autônoma, suas
ações estão imbricadas em sistemas concretos, contínuos, de relações
sociais. Em redes sociais enraizadas na comunidade. A inexistência desta
cumplicidade é uma restrição que dificulta a ocorrência de processos
de desenvolvimento endógeno em muitas regiões subdesenvolvidas.
Além da nítida ausência de embeddness destacavam-se em Jequié os
seguintes fatores negativos:

1103
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

a. alto custo da matéria-prima;


b. elevação dos custos financeiros;
c. perda do poder aquisitivo da população;
d. escassez de capital de giro;
e. resistência à formação de um arranjo produtivo local;
f. equiparação do salário mínimo com o de outras regiões do
país;
g. política tributária e previdenciária hostil;
h. abertura do mercado para produtos importados com redução
de tributos;
i. graves problemas gerenciais decorrentes da gestão familiar.

Esse trabalho procurou dedicar-se mais aos fatores endógenos,


por considerá-los o ingrediente imprescindível ao desenvolvimento
local sustentado. Entretanto, além desses, outros fatores podem ter
contribuído para a crise que se instalou na indústria de Jequié a partir da
década de 1980.

Observando o comportamento do empresariado local sob o


prisma do associativismo, verifica-se a prevalência da ação individual,
movida pelo egoísmo, sobre a ação coletiva. Este fato é testemunhado
por um dos ex-dirigentes da Associação das Indústrias de Roupas de
Jequié (AIRJ).

A AIRJ foi criada para defender os interesses do segmento,


principalmente nas gestões com o poder público estadual quando a crise
já ameaçava a saúde financeira do setor. Mesmo assim os empresários
do setor pouca atenção dedicaram a este órgão. Buscavam sempre as
ações políticas isoladas em detrimento daquelas coletivas. Vale salientar
que essa entidade era representada pelas grandes fábricas.

A característica marcante das principais fábricas de roupas de


Jequié sempre foi o individualismo. As fábricas, consideradas grandes,
não desenvolveram oportunidades para as fabricas menores, não
terceirizaram parte de produção nem a tornaram, consequentemente,
mais flexível. Ao contrário impunham o seu poder econômico para

1104
FRAGMENTOS

inviabilizar a sobrevivência das menores.

O alto custo de produção, principalmente para o acabamento


especial através das lavagens em máquinas industriais apropriadas,
muito caras , constituía sérias barreiras à entrada de pequenas empresas
que não conseguiam competir com as maiores. Desse modo apenas as
maiores empresas dominavam toda a produção e mantinham afastados
da competição as fabricas menores.

Inicialmente esta estratégia de executar todos os processos


para a fabricação de roupas de jeans e brim deu certo. Houve muito
investimento em máquinas e contratação de pessoal, bem como na
qualificação da mão de obra. Posteriormente essa opção se revelou
muito vulnerável quando ocorreu a crise.

Como visto polo de confecções de Jequié concentrava sua


produção basicamente em cinco ou seis empresas de grande porte,
produzindo praticamente os mesmos artigos, competido entre si sem
haver em contrapartida uma maior cooperação, que fortalecessem o
setor diante dos problemas enfrentados, ou seja, não houve um arranjo
produtivo que inserisse as pequenas e micro empresas no processo de
sustentabilidade do setor, flexibilizando e segmentando a produção em
busca da especialização.

Os empresários do setor não se prepararam para enfrentar a


dinâmica das transformações econômicas impostas pelo mercado cada
vez mais globalizado, com maior abertura para os produtos importados.

As empresas se tornaram elefantes diante da agilidade


empresarial exigida para atender as mudanças estruturais e os avanços
tecnológicos. Dentre eles estava à utilização de tecidos sintéticos
derivados do petróleo em substituição aos oriundos do algodão que
aumentava consideravelmente os custos de produção.

Não houve preocupação em criar um centro tecnológico ou cursos


universitários que formassem profissionais voltados para o mundo da
moda, produzindo conhecimento capaz de criar e desenvolver processos
e técnicas mais eficientes, não só na produção, mais também nas outras
etapas de criação e comercialização.

1105
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

O sistema de comercialização adotado pelas empresas locais


sempre foi a pré-venda através de representantes que cobriam áreas
ou zonas determinadas. Assim ocorreu com as vendas no interior da
Bahia e posteriormente com outros estados, terminando por alcançar
todo o território nacional, desde o estado do Amazonas até o Rio
Grande do Sul.

Esta forma de gestão, segundo alguns empresários do


ramo, fragilizou financeiramente muito as fabricas de confecções,
que precisavam de um capital de giro cada vez maior para custear a
produção para só depois de algum tempo começar a receber dos
grandes magazines.

Enquanto as indústrias de confecções de Jequié estagnavam,


outros centros passaram mais rápido do processo de pedidos para o
processo de pronta entrega, melhorando consideravelmente o fluxo de
caixa de suas empresas, através da dinâmica com que o capital passou
a ser movimentado.

O setor de confecções de Jequié não integrou uma cadeia


produtiva. Toda a matéria prima utilizada era importada do Sul do país,
para onde retornava a maior parte da produção local.

A carga fiscal, a política trabalhista vigente, a equiparação do


salário mínimo com a região sul, limitaram a capacidade de capitalização
das empresas, inviabilizando o acesso às inovações tecnológicas e o
surgimento de novos investimentos, reduzindo a competitividade do
parque industrial que restou ultrapassado.

Como agravante os encargos sociais deixaram esse setor bem


vulnerável, uma vez que o segmento é altamente absorvedor de mão
de obra.

As grandes empresas de confecções de Jequié conseguiram


alcançar mercados em outros estados brasileiros e até mesmo em outros
países, porém não se prepararam para as mudanças externas que já
estavam acontecendo em outras regiões. Por isso o sucesso do passado
não garantiu a mesma capacidade de competição na década de 1990.

Neste aspecto os empresários de Jequié não se preocuparam com

1106
FRAGMENTOS

o planejamento estratégico nem tão pouco com os cenários futuros.


Quando se depararam com a crise já instalada, se tornou difícil concorrer
com estruturas mais ágeis e flexíveis.

Diante da realidade concorrencial, a principal vantagem


competitiva da indústria de roupas de Jequié, que era essencialmente
a mão-de-obra mais barata, deixou de ser o grande diferencial na
composição dos custos. Com a redução na lucratividade ficou muito
difícil manter o custeio com a produção e renovar o parque fabril.

O investimento em equipamentos modernos utilizando


tecnologia de ponta não aconteceu. Os empresários responsabilizam
a escassez de capital que permitisse realizar estas aquisições. Apesar
de verdadeiro este argumento, outros fatores contribuíram para a
renovação tecnológica. Entre eles destaca-se a ausência de preocupação
por parte dos empresários com a gestão voltada para a empresa. Durante
os períodos de bonança as suas preferências, numa síndrome típica dos
“novos ricos”, estavam voltadas para o consumo pessoal suntuário em
detrimento das inversões requeridas pela própria empresa.

Apesar dos problemas descritos, essa atividade ainda sobrevive.


Jequié possui uma identidade econômica e cultural intimamente
refletida na atividade de produzir roupas. Portanto os segmentos mais
qualificados da sua sociedade buscam respostas para o insucesso
registrado e procuram construir novas estratégias capazes de revitalizar
a indústria têxtil no município.

Enquanto isto, viceja um sistema fabril à fação ou disperso,


integrado por um grande número de unidades de trabalho caseiro ou de
pequenos estabelecimentos semi-independentes nos padrões descritos
por Staley e Morse em 1971. Este sistema formou-se com o fechamento
das grandes fábricas que venderam suas máquinas aos próprios
operários, entre outros, que passaram a trabalhar em casa suprindo
comerciantes “sacoleiros” que fazem a comercialização dos produtos
nas feiras de diversas cidades.

Spinola (2006, p. 32) explica que neste sistema fabril a fação ou


disperso ocorre diversas formas de negociação entre o fabricante e os
intermediários que podem ser “sacoleiros” informais ou comerciantes

1107
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

atacadistas e mesmo varejistas. Os intermediários mais poderosos


distribuem os materiais para os fabricantes em seus lares ou pequenas
oficinas, prescrevem as tarefas que devem ser executadas e pagam pelo
trabalho feito.

Atualmente a cidade vem concentrando a sua produção no


segmento de roupas íntimas e peças de malha, enquanto que antes o
foco era a produção de roupas jeans e brim.

Considerações finais

Conforme demonstrado, a história do setor de confecções de


Jequié, não configurou um processo de desenvolvimento endógeno, visto
que a cultura disseminada durante o processo revelou o individualismo
como o principal ingrediente da economia local. A competitividade entre
as indústrias locais, não permitiu que se estabelecessem vínculos de
cooperação que poderiam assegurar um melhor posicionamento perante
o mercado externo. As empresas de Jequié partiam individualmente para
além das fronteiras regionais.

A melhoria das condições de vida na cidade foi significativa apenas


para os proprietários das grandes empresas. A indústria de confecções
se destacou pela alta demanda de mão de obra, principalmente do sexo
feminino, no entanto não passou de um grande empregador.

Diante do exposto, o desenvolvimento local a partir das indústrias


de confecções de Jequié, se transformou mais em mito do que em
realidade, apesar dos resultados econômicos positivos gerados por esse
segmento naquela época.

Afinal o desenvolvimento local pressupõe que as estruturas


familiares e tradições locais, além dos valores sociais e culturais da
população favoreçam a dinâmica do modelo industrial, aportando
recursos humanos e financeiros, facilitando as relações trabalhistas e
sociais. Essas condições contribuem para as trocas de bens e serviços
formais e informais, bem como para a difusão de informações e

1108
FRAGMENTOS

conhecimentos via rede de empresas e de organizações locais.

Sob esta ótica do desenvolvimento endógeno, as formas


de organização e o sistema de valores locais, devem conferir uma
configuração flexível aos mercados de trabalho, permitindo às firmas
operarem com baixos custos de produção, e em particular com salários
relativamente reduzidos.

Ainda sob o pressuposto das externalidades resultantes a partir


do desenvolvimento local, verifica-se a disponibilidade de uma oferta
de mão-de-obra suficientemente qualificada para realizar as tarefas
previstas ajustável às necessidades das empresas, e o baixo nível de
conflitos trabalhistas representa fatores que lhes asseguram vantagens
comparativas.

Neste aspecto pode ser observado que o setor de confecções de


Jequié dispunha de mão de obra qualificada capaz de produzir roupas
obedecendo ao mais rígido padrão exigido pelo mercado consumidor.
No entanto o alto nível de conflito trabalhista representou um fator
negativo no enfrentamento da crise.

O desenvolvimento local não ocorreu principalmente por não


ter havido envolvimento de todos os segmentos da sociedade local.
Faltou capacidade mobilizadora, principalmente dos agentes públicos,
patrocinada pelo individualismo empresarial, para que todos os setores,
como: governos; trabalhadores; agentes financiadores; universidades;
e empresários pudessem promover juntos o desenvolvimento em
torno das potencialidades do setor de confecções de Jequié. Em outras
palavras, faltou embeddedness.

As considerações elaboradas a respeito da indústria de confecções


de Jequié não se esgotam com este estudo, ao contrario, apenas iniciam
a discussão, que pode continuar em novos trabalhos, com intuito de
enriquecer a análise sobre esse segmento e sua contribuição para a
economia local, assim como contribuir para a elaboração de trabalhos
que visem conhecer em maior profundidade a cultura empresarial local
e suas perspectivas de assimilação de um processo de desenvolvimento
endógeno.

1109
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

Referências

AMARAL FILHO, Jair do. Desenvolvimento regional endógeno: (re)construção


de um conceito, reformulação de estratégias alternativas (à guerra fiscal).
In: ENCONTRO NACIONAL DE ECONOMIA, XXIII, 1995, Salvador. Anais...
Salvador: Anpec, 1995.

BAHIA. Secretaria da Fazenda. Empresas em atividade no ramo têxtil.


Salvador, 2005. Disponível em: www.sefaz.ba.gov.br Acesso em: 14 set.
2006.

BAHIA. Bahiaexport. A importância do Setor Têxtil para a Economia


Brasileira. Disponível em www.bahiaexport.com.br/port/madein/textil.
Acesso em 15 Set. 2006.

BENKO, Georges; LIPIETZ, A. (Org.). As regiões ganhadoras. Oeiras, 2005.

BOISIER, Sérgio. Política Econômica, Organização e Desenvolvimento


Regional. In: HADDAD, P.R. (org). Economia Regional: Teorias e métodos
de Análise. Fortaleza: Banco do Nordeste do Brasil S. A., 1989. P. 589-687.

BUARQUE, Sérgio C. Metodologia de planejamento do desenvolvimento


local e municipal sustentável. Brasília, 1999. Disponível em www.iica.org.
br Acesso em: 08 Jul. 2006.

BUARQUE, Sérgio C. Metodologia de planejamento do desenvolvimento


sustentável. Recife: IICA, 2001.

FEDERAÇÃO DAS INDÚSTRIAS DO ESTADO DA BAHIA - FIEB. Perfil da


indústria têxtil e do vestuário no Estado da Bahia. Salvador, 1983. 101 p.

GRANOVETTER, M. Economic Action and Social Structure: the problem of


embeddedness. American Journal of Sociology, 91 (1985), 481-93

POLANYI, Karl. [1944] The great transformation: the political and economic
origins of our time. Boston (Ma): Beacon Press, 2001

SERVIÇO BRASILEIRO DE APOIO ÀS MICRO E PEQUENAS EMPRESAS - SEBRAE.


A Indústria Têxtil na Bahia. Salvador, 2006. Disponível em: www.ba.sebrae.
com.br/arranjosprodutivos Acesso em: 15 set. 2006.

SMC CONSULTORIA. Projeto de análise da indústria do vestuário da


Bahia: 2ª. Fase - análise e diagnóstico do mercado baiano e de outras

1110
FRAGMENTOS

regiões. [S.l], 1995. 193 p.

SMC CONSULTORIA. Projeto de análise da indústria do vestuário da


Bahia: 3º fase - estratégias, questões críticas e recomendações para o setor.
[S.l], 1995. Não paginado. (Documento final).

SPINOLA, Noelio Dantaslé.Economia cultural em Salvador. Salvador:


Unifacs,2006.

STALEY, Eugene; MORSE, R. Industrialização e desenvolvimento. A


pequena indústria moderna para países em desenvolvimento. Atlas, São
Paulo, 1971.

YIN, Robert K. Estudo de caso: planejamento e métodos. 3.ed. Porto Alegre:


Bookman, 2001.

1111
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

1112
FRAGMENTOS

ARTIGO

IMPACTO DAS
CONTRATAÇÕES E
DISTRIBUIÇÃO ESPACIAL
DOS RECURSOS DO
FUNDO CONSTITUCIONAL
DE FINANCIAMENTO DO
NORDESTE - FNE.

29
1113
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

1114
FRAGMENTOS

Impacto das contratações e


distribuição espacial dos recursos
do FNE

Noelio Dantaslé Spinola1


Vicente Brandão Lopes Filho2

RESUMO
Este artigo tem por objetivo apresentar a distribuição espacial dos
recursos do Fundo Constitucional de Financiamento do Nordeste - FNE,
com ênfase nas contratações de operações, ao longo dos períodos de
2015 a 2019, na região Nordeste. Será apresentado de forma a poder
se verificar como se comportou as contratações de operações, ao
longo dos últimos 05 (cinco) anos, nos 09 (nove) Estados da região
Nordeste, bem como, em parte das regiões do Norte do Espírito Santo
e Norte de Minas Gerais. O recurso está segmentado em 06(seis)
setores: Rural, Agroindustrial, Comércio e Serviços, Industrial, Turismo
e Infraestrutura. Neste artigo, em específico, destacamos os setores:
Rural e Industrial, com o objetivo de verificar o seu comportamento
ao longo dos cinco anos analisados. Apresenta-se também, um breve
histórico sobre o Banco do Nordeste e sobre o Fundo Constitucional
de Desenvolvimento do Nordeste - FNE, ferramenta principal, gerida
pela Instituição para promover o desenvolvimento econômico e social
da região, tendo como foco principal minimizar as desigualdades
regionais existentes. Ao final, apresenta-se as conclusões relativas
aos períodos analisados, considerando a aplicação dos recursos do
FNE, em todo o território nordestino, destacando as ocorrências nos
setores: Rural e Industrial.
1 Doutor em Geografia Econômica pela Universidade de Barcelona (ES); Pós-doutor pela
Universidade Nova de Lisboa (PT) Professor Titular N5 do Programa de Pós-Graduação em
Desenvolvimento Regional e Urbano da UNIFACS
2 Mestrando em Desenvolvimento Regional e Urbano do PPDRU/UNIFACS. Contador.
Especialização em Auditoria. Professor do curso de graduação de Ciência Contábeis da
Universidade do Estado da Bahia e Técnico - Analista de Projetos do Banco do Nordeste do Brasil

1115
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

Palavras-chave: Fundo Constitucional, Contratação, Nordeste,


Desenvolvimento.

ABSTRACT
This article aims to present the spatial distribution of resources from
the Constitutional Fund for Financing of the Northeast - FNE, with an
emphasis on contracting operations, over the periods from 2015 to
2019, in the Northeast region. It will be presented in order to be able
to verify how the contracting of operations behaved, over the last 05
(five) years, in the 09 (nine) states of the Northeast region, as well
as, in part of the regions of the North of Espírito Santo and North of
Minas Gerais. The resource is segmented into 06 (six) sectors: Rural,
Agroindustrial, Commerce and Services, Industrial, Tourism and
Infrastructure. In this article, in particular, we highlight the sectors:
Rural and Industrial, in order to verify their behavior over the five years
analyzed. It also presents a brief history of Banco do Nordeste and
the Constitutional Fund for the Development of the Northeast - FNE,
the main tool managed by the Institution to promote the economic
and social development of the region, with the main focus being to
minimize existing regional inequalities. . At the end, the conclusions
related to the analyzed periods are presented, considering the
application of FNE resources, throughout the northeastern territory,
highlighting the occurrences in the sectors: Rural and Industry

KEYWORDS: Constitutional Fund, Contracting, Northeast,


Development.

JEL: R5

1116
FRAGMENTOS

INTRODUÇÃO

O Brasil é um País de dimensão continental, com diversos


contrastes, de natureza geográfica, econômica, cultural, social e
etc. Segmentado em 05(cinco) grandes regiões: Norte, Nordeste,
Centro Oeste, Sudeste e Sul, cada região possui suas características
próprias e com perfis de desenvolvimento totalmente diferenciados,
não havendo uma hegemonia no desenvolvimento socioeconômico
entre as grandes regiões, bem como entre as próprias regiões em si.
Dentre as cinco regiões, a região Nordeste é uma das mais repletas
de contrastes de natureza social, econômica, geográfica, cultural
etc., contrastes estes presentes entre os 09(nove) estados que
compõem a região, sendo eles: Alagoas, Bahia, Ceará, Maranhão,
Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte e Sergipe. Além dos
estados nordestinos, o Fundo Constitucional de Financiamento no
Nordeste – FNE, também tem abrangência no Norte do Espírito Santo
e no Norte de Minas Gerais, tendo em vista as características destas
regiões específicas, com exceção da região Nordeste. Outro aspecto
importante a destacar é que na região Nordeste está localizada a
grande área do semiárido Brasileiro.

A Região Nordeste

A região Nordeste ocupa 1.554,3 mil km2 do território


brasileiro, está composta por 09(nove) estados federativos, conforme
figura 1, apresentada a seguir, sobre os quais, obedecendo ordem
alfabética, apresentamos algumas características.

1117
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

Figura 1 - Demonstrativo da distribuição espacial dos estados nordestinos.

Fonte dos dados básicos: IBGE.

Alagoas é o estado brasileiro que possui uma área de 27,8 mil


km2 representando 1,8% da região nordeste, 1,6% da área de atuação
do Banco do Nordeste do Brasil S/A – BNB (1.785,5 mil km2) e 0,3%
do território Nacional (8.515,8 mil Km2). O clima predominante é o
tropical, com variação quente e úmido. A variação de temperatura
média anual se encontra entre 21° a 29°. As chuvas são irregulares com
variação pluviométrica entre 800 a 1200 milímetros anuais. O estado
também possui uma área de 12,6 km2 enquadrada como semiárido
que apresenta índice pluviométrico inferior a 800 mm anuais.

1118
FRAGMENTOS

Bahia é o estado brasileiro mais extenso da região nordeste,


possui uma área de 564,7 mil km2 representando 36,3% da região,
31,6% da área de atuação do Banco

do Nordeste do Brasil S/A – BNB (1.785,5 mil km2) e 6,6% do


território Nacional (8.515,8 mil Km2). Considerando a sua extensão,
o estado foi segmentado pelo IBGE em 32 microrregiões, que foram
agrupadas em sete mesorregiões. A região concentra a maior área
do semiárido brasileiro, cujo índice de precipitação pluviométrica
anual é inferior a 800 mm, com clima semiárido. O estado também
está segmentado em três grandes biomas: Caatinga, Mata Atlântica
e Cerrado. Caatinga, com área de 246,1 km2, com precipitações
pluviométricas irregulares e inferiores a 500 mm anuais, com clima
tropical de altitude. Mata Atlântica, com área de 92,6 km2, com
precipitações pluviométricas médias, superiores a 1.200 mm anuais,
com muita umidade. Entre estes dois biomas existe uma área de
intersecção com 41,3 mil km2, agregando parte de Caatinga e parte
de Mata Atlântica. Por fim o Cerrado, com área de 127,9 km2, com
precipitações pluviométricas entre 800 mm a 1200 mm, anuais.
Entre a Mata Atlântica e o Cerrado existe uma área de intersecção de
55,9 km2, com precipitações pluviométricas entre 800 a 1.600 mm
anuais. Existe ainda, uma área de 0,9 km2, de intersecção entre os
três biomas.

Ceará é o estado brasileiro que possui uma área de 148,9


mil km2 representando 21,4% da região nordeste, 8,3% da área
de atuação do Banco do Nordeste do Brasil S/A – BNB (1.785,5 mil
km2) e 1,7% do território Nacional (8.515,8 mil km2). O estado está
totalmente inserido no bioma Caatinga, com índice pluviométrico
variando entre 400 a 800 mm, sendo que no litoral pode chegar a
1.300 mm e nas serras a 1.800mm. O estado possui uma área de
129,2 km2, enquadrada no semiárido brasileiro.

Maranhão é o estado brasileiro que possui uma área de 331,9


mil km2 representando 9,6% da região nordeste, 18,6% da área
de atuação do Banco do Nordeste do Brasil S/A – BNB (1.785,5 mil
km2) e 3,9% do território Nacional (8.515,8 mil km2). O estado está
inserido em dois biomas: Amazônia e Cerrado. A Amazônia possui

1119
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

uma área de 89,0 mil km2, com precipitações pluviométricas acima


de 2.200 mm anuais. O Cerrado ocupa uma área de 166,5 mil km2,
com precipitações pluviométricas anuais entre

1.200 a 1.800 mm. No estado existem duas áreas de


intersecção formando o Amazônia/Cerrado com área de 54,3 mil km2
e a Caatinga/Cerrado com área de 22,1 mil km2. Este estado não está
classificado na área do semiárido brasileiro.

Paraíba é o estado brasileiro que possui um território de 56,5


mil km2 representando 3,6% da região nordeste, 3,2% da área de
atuação do Banco do Nordeste do Brasil S/A – BNB (1.785,5 mil km2) e
0,7% do território Nacional (8.515,8 mil km2). O clima predominante
é o semiárido. A média anual térmica é de 25,5° C. Apresenta índices
pluviométricos inferiores a 800 mm anuais, sendo que na faixa
litorânea atinge 1.700 mm anuais, e no topo do planalto chegam
a 1.400 mm anuais. É formado por dois biomas: Mata Atlântica e
Caatinga. O bioma Mata Atlântica possui uma área de 3,5 mil km2 e
o Caatinga apresenta uma área de 49,2 mil km2. Possui uma área de
intersecção que forma o bioma Caatinga/Mata Atlântica, com área
de 3,8 mil km2. O estado também possui uma área de 48,7 mil km2
enquadrada como semiárido brasileiro.

Pernambuco é o estado brasileiro que possui um território


de 98,1 mil km2 representando 6,3% da região nordeste, 5,5% da
área de atuação do Banco do Nordeste do Brasil S/A – BNB (1.785,5
mil km2) e 1,2% do território Nacional (8.515,8 mil km2). É formado
por dois biomas: Caatinga e Mata Atlântica. No bioma Caatinga, o
clima é semiárido, seco e quente. As temperaturas se elevam acima
de 30°, podendo chegar a 22° no planalto. As chuvas são irregulares,
com índices pluviométricos em torno de 600 mm anuais. O bioma
Mata Atlântica possui uma área de 13,2 mil km2, com clima tropical,
temperatura média de 24°, e pluviosidade de 1.500 mm anuais. O
estado também possui uma área de 86,0 mil km2 enquadrada como
semiárido brasileiro.

Piauí é o estado brasileiro que possui um território de 251,6


mil km2 representando 16,2% da região nordeste, 14,1% da área

1120
FRAGMENTOS

de atuação do Banco do Nordeste do Brasil S/A – BNB (1.785,5 mil


km2) e 3,0% do território Nacional (8.515,8 mil km2). É formado
por dois biomas: Caatinga e Cerrado. O bioma Caatinga apresenta
uma área de 129,4 mil km2, com índices pluviométricos entre 400
a 800 mm anuais. O Bioma Cerrado possui área de 56,8 mil km2,
com precipitações pluviométricas médias, em torno de 800 a 1.200
mm anuais. Existe uma área de intersecção entre os biomas Caatinga/
Cerrado com área de 65,4 mil km2, com índices pluviométricos entre
800 a 1.600 mm anuais. O estado também possui uma área de 149,2
mil km2 enquadrada como semiárido brasileiro.

Rio Grande do Norte é o estado brasileiro que possui um


território de 52,8 mil km2 representando 3,4% da região nordeste,
3,0% da área de atuação do Banco do Nordeste do Brasil S/A – BNB
(1.785,5 mil km2) e 0,6% do território Nacional (8.515,8 mil km2). É
formado por dois biomas: Caatinga e Mata Atlântica. O bioma Caatinga
apresenta uma área de 46,6 mil km2, com índices pluviométricos entre
400 a 600 mm anuais. O Bioma Mata Atlântica possui área de 1,6
mil km2, com precipitações pluviométricas médias, acima de 1.200
mm anuais. Existe uma área de intersecção entre os biomas Caatinga/
Mata Atlântica com área de 4,6 mil km2, com índices pluviométricos
entre 800 a 1.200 mm anuais. O estado também possui uma área de
49,1 mil km2 enquadrada como semiárido brasileiro.

Sergipe é o estado brasileiro que possui um território de


21,9 mil km2 representando 1,4% da região nordeste, 1,2% da área
de atuação do Banco do Nordeste do Brasil S/A – BNB (1.785,5 mil
km2) e 0,3% do território Nacional (8.515,8 mil km2). É formado
por dois biomas: Mata Atlântica e Caatinga. O bioma Mata Atlântica
apresenta uma área de 8,8 mil km2, com índices pluviométricos
superiores a 1.200 mm anuais. O Bioma Caatinga possui área de 5,6
mil Km2, com precipitações pluviométricas médias entre 400 mm a
600 mm anuais. Existe uma área de intersecção entre os biomas Mata
Atlântica/Caatinga com área de 7,4 mil km2, o clima é tropical, com
variação quente e úmida. O estado também possui uma área de 11,1
mil km2 enquadrada como semiárido brasileiro.

A região nordeste foi objeto de estudos por parte do Ministério

1121
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

da Integração Nacional e da Superintendência do Desenvolvimento


do Nordeste (SUDENE), para identificação da área enquadrada como
semiárido, cujo índice pluviométrico é inferior a 800 mm anuais,
tendo por finalidade a implantação de políticas públicas.

O Banco do Nordeste do Brasil S/A

A região nordeste tem, em seu histórico, peculiaridades que


delinearam as suas condições, sejam de características internas,
sejam de características externas. Guimarães Duque (1989) salienta
que dentre os fatores que desenharam essas condições, estão os
geográficos ou físicos, determinantes históricos, consequências
políticas, fatores econômicos, relações sociais e despreparo da
população ou desprezo da técnica.

Diante de tantas desigualdades regionais, observando-se as


conseqüências das secas, principalmente a ocorrida em 1951, foi
proposto ao poder Executivo a criação de um agente público que
viesse a promover a integração da região, e assim, foi sancionada
a criação do Banco do Nordeste do Brasil, em 1952, e foi destinado
ao economista Rômulo de Almeida, o desafio de estruturar o
estabelecimento, tendo como parâmetro: preparar o pessoal,
confeccionar projetos, financiar a lavoura e a indústria e auxiliar os
órgão no desenvolvimento da região.

Outro aspecto importante que promoveu e promove as ações


do banco, foi a criação do Escritório Técnico de Estudos Econômicos
do Nordeste - ETENE, que na sua fase inicial teve a cooperação do
economista Stefan Robock, sendo o ETENE encarregado de realizar os
estudos econômicos, a preparação de projetos, da instrução técnica
do pessoal do BNB, da coleta de dados estatísticos, e da publicação
dos trabalhos.

A sede do Banco do Nordeste do Brasil está localizada em


Fortaleza, mas a instituição atua em cerca de 2.000 (dois mil)

1122
FRAGMENTOS

municípios da região Nordeste. O quadro de funcionários era de


6.802, tendo realizado, em 2019 contratações com recursos do FNE na
ordem de R $29,6 bilhões, dos quais 18,2 bilhões foram contratados
obedecendo a programação padrão.

O Fundo Constitucional de Financiamento do Nordeste – FNE

O FNE foi criado através da Lei 7.827, de 27 de setembro


de 1989, com a finalidade de aplicação de recursos, através de
instituições financeiras federais de caráter regional. Um aspecto
a salientar é que, na região Nordeste, 50% (cinqüenta por cento)
dos recursos deverão ser destinados à área do semiárido, devendo
ser levado em consideração as especificidades da área, bem como,
as atividades desenvolvidas nesta região. A seguir apresentamos a
tabela 1, relacionando as contratações no período de 2015 a 2019,
bem como um mapa, figura 2, destacando a área enquadrada como
semi-árido brasileiro.

Tabela 1 - Demonstrativo das Contratações com recursos do FNE no período de 2015


a 2019, na região Nordeste.
Em mil R$

Fonte: BNB/FNE.

1123
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

Figura 2 - Apresentação da delimitação da área do semiárido brasileiro.

Fonte: BNB/FNE

Contratações por Estado com destaque para os setores:


Rural e Industrial

Apresenta-se a seguir demonstrativo com os valores


efetivamente contratados tabela - 2, bem como, 05 (cinco) figuras
retratando a contratação com recursos do FNE, no período analisado
(2015 a 2019) com a finalidade de verificar a efetividade da
distribuição dos recursos de acordo com a área da região. Trouxemos
também para reflexão por estados da região Nordeste, no período
analisado, um contraste na contratação de operações entre o setor
Rural x Industrial, e sendo possível inferir como foi o comportamento
desses segmentos.

1124
FRAGMENTOS

Tabela 2 - Demonstrativo de contratações com recursos do FNE.

Fonte: Elaboração do Autor

Figura 3 - Contratações Geral e destaque por setor Rural e Industrial – 2015.

Fonte: Elaboração do Autor.

1125
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

Figura 4 - Contratações Geral e destaque por setor Rural e Industrial – 2016.

Fonte: Elaboração do Autor.

Figura 5 - Contratações Geral e destaque por setor Rural e Industrial – 2017.

Fonte: Elaboração do Autor.

1126
FRAGMENTOS

Figura 6 - Contratações Geral, e destaque por setor Rural e Industrial – 2018.

Fonte: Elaboração do Autor.

Figura 7 - Contratação Geral, e destaque por setor Rural e Industrial – 2019.

Fonte: Elaboração do Autor.

1127
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

Na tabela 2 e nas figuras de 3 a 5, destacam-se os fatos


evidenciados sobre a distribuição efetiva de recursos do FNE na região
Nordeste, através de contratações de operações.

Fica evidentemente comprovado a importância do FNE na


região Nordeste, onde tivemos, em 2015, o montante de mais de
11 bilhões contratados, passando, em 2019, a mais de 18 bilhões,
de forma bem capilarizada, onde todos os estados da região foram
dotados de recursos para promover o seu desenvolvimento e
crescimento. Vale destacar os estados do Maranhão, Paraíba, Piauí
e Rio Grande do Norte, que apresentaram variação percentual de
contratação de recursos de 2018 para 2019, nos percentuais de:
22,48%, 18,64%, 15,39% e 51,23%, respectivamente.

Nas “pizzas” (gráficos setoriais) constantes dos mapas,


destaca-se a participação do setor Rural em relação ao Setor
Industrial. O grande crescimento do setor Rural em relação ao
Industrial, expressa o esforço na solidificação do setor Rural, onde o
Brasil apresenta grandes áreas favoráveis ao desenvolvimento dessas
atividades, porém chama a atenção os estados do Maranhão, Piauí e
Bahia, onde observamos certo encolhimento do setor Industrial em
relação ao setor Rural.

Neste trabalho, evidenciam-se nas figuras as áreas do Norte


do Espírito Santo e de Minas Gerais para compor a área de atuação
do BNB com recursos do FNE, mas nos detivemos, especificamente,
nas áreas relacionadas aos nove estados nordestinos, como objeto
do estudo.

1128
FRAGMENTOS

Conclusão

Verificamos que o FNE, ao longo da sua existência, vem


através do Banco do Nordeste, contribuindo de forma crucial para
dotar a região Nordeste dos recursos necessários ao desenvolvimento
das diversas atividades nos seus diversos setores, o que tem de certa
forma amenizado as grandes diferenças e desigualdades regionais.

Faz-se necessário também um olhar mais puntual no setor


da Indústria, que ao longo do período estudado, com relação a
contratações de operações, vem diminuindo a sua participação na
região, principalmente em alguns estados, que são eixos importantes
para a integração de todo o Nordeste.

1129
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

Referencial Bibliográfico

BANCO DO NORDESTE DO BRASIL: Disponível em: https://www.bnb.gov.br/


historico. Acesso em 29 jan.2021.

BANCO DO NORDESTE DO BRASIL Disponível em: https://www.bnb.gov.


br/transparencia/demonstrativos-de-quadro-de-pessoal-remuneracoes-e-
beneficios. Acesso em 29 jan.2021.

BANCO DO NORDESTE DO BRASIL. Relatório de resultados e impactos do


FNE: Fundo Constitucional de Financiamento do Nordeste: exercício 2015.
Fortaleza, 2016.

BANCO DO NORDESTE DO BRASIL. Relatório de resultados e impactos do


FNE: Fundo Constitucional de Financiamento do Nordeste: exercício 2016.
Fortaleza, 2017.

BANCO DO NORDESTE DO BRASIL. Relatório de resultados e impactos do


FNE: Fundo Constitucional de Financiamento do Nordeste: exercício 2017.
Fortaleza, 2018.

BANCO DO NORDESTE DO BRASIL. Relatório de resultados e impactos do


FNE: Fundo Constitucional de Financiamento do Nordeste: exercício 2018.
Fortaleza, 2019.

BANCO DO NORDESTE DO BRASIL. Relatório de resultados e impactos do


FNE: Fundo Constitucional de Financiamento do Nordeste: exercício 2019.
Fortaleza, 2020.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do


Brasil: de 5 de outubro de 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.
br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm. Acesso em: 29 jan.
2021.

BRASIL. Lei no 1.649, de 19 de Julho de 1952. Regulamenta o art. 1. Cria o


Banco do Nordeste do Brasil e dá outras providências. Diário Oficial [da]

1130
FRAGMENTOS

República Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília, DF, 24 jul. 1952.


Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/1950-1969/l1649.
htm. Acesso em 29 jan.2021.

BRASIL. Lei no 7.827, de 27 de setembro de 1989. Regulamenta o art. 159,


inciso I, alínea c, da Constituição Federal, institui o FNO, o FNE e o FCO e
dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil,
Poder Executivo, Brasília, DF, 28 set. 1989. Seção 1. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L7827.htm. Acesso em: 29 jan.
2021.

BEZERRA, Francisco J A; BERNARDO, Tibério R R; XIMENES, Luciano J F; JUNIOR


VALENTE, Airton S (org.) Perfil Socioeconômico de Alagoas. Fortaleza: Banco
do Nordeste do Brasil, 2015.

BEZERRA, Francisco J A; BERNARDO, Tibério R R; XIMENES, Luciano J F;


JUNIOR VALENTE, Airton S (org.) Perfil Socioeconômico da Bahia. Fortaleza:
Banco do Nordeste do Brasil, 2015.

BEZERRA, Francisco J A; BERNARDO, Tibério R R; XIMENES, Luciano J F;


JUNIOR VALENTE, Airton S (org.) Perfil Socioeconômico do Ceará. Fortaleza:
Banco do Nordeste do Brasil, 2015.

BEZERRA, Francisco J A; BERNARDO, Tibério R R; XIMENES, Luciano J F;


JUNIOR VALENTE, Airton S (org.) Perfil Socioeconômico do Maranhão.
Fortaleza: Banco do Nordeste do Brasil, 2015.

BEZERRA, Francisco J A; BERNARDO, Tibério R R; XIMENES, Luciano J F; JUNIOR


VALENTE, Airton S (org.) Perfil Socioeconômico da Paraíba. Fortaleza: Banco
do Nordeste do Brasil, 2015.

BEZERRA, Francisco J A; BERNARDO, Tibério R R; XIMENES, Luciano J F;


JUNIOR VALENTE, Airton S (org.) Perfil Socioeconômico de Pernambuco.
Fortaleza: Banco do Nordeste do Brasil, 2015.

BEZERRA, Francisco J A; BERNARDO, Tibério R R; XIMENES, Luciano J F;


JUNIOR VALENTE, Airton S (org.) Perfil Socioeconômico do Piauí. Fortaleza:

1131
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

Banco do Nordeste do Brasil, 2015.

BEZERRA, Francisco J A; BERNARDO, Tibério R R; XIMENES, Luciano J F;


JUNIOR VALENTE, Airton S (org.) Perfil Socioeconômico do Rio Grande do
Norte. Fortaleza: Banco do Nordeste do Brasil, 2015.

BEZERRA, Francisco J A; BERNARDO, Tibério R R; XIMENES, Luciano J F; JUNIOR


VALENTE, Airton S (org.) Perfil Socioeconômico de Sergipe. Fortaleza: Banco
do Nordeste do Brasil, 2015.

DUQUE, José Guimarães. Perspectivas Nordestinas. 2.ed, Fortaleza: Banco do


Nordeste do Brasil, 2004.

1132
FRAGMENTOS

ARTIGO

ASCENSÃO E QUEDA
DE UM CENTRO INDUSTRIAL
URBANO: A PENÍNSULA
DE ITAPAGIPE EM
SALVADOR/BAHIA

30
1133
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

1134
FRAGMENTOS

Ascensão e Queda de um Centro


Industrial Urbano: A Península de
Itapagipe em Salvador/Bahia

José Gileá de Souza,


Laumar Neves de Souza,
Noelio Dantasle Spinola.

Resumo: O objetivo deste artigo é apresentar aspectos sobre a história


e o patrimônio industrial da Península de Itapagipe, descrevendo a
trajetória de sua ocupação. Para dar conta dessa empreitada, lançou-
se mão de uma abordagem histórico-documental, o que contemplou
um estudo do passado e do presente dessa península, com vistas a
resgatar parte da história das organizações industriais que lá existiram.
Ao realizar esse exercício investigativo, foi possível constatar que
esse território experimentou várias transformações, que se fizeram
acompanhar e/ou implicaram em mutações no seu tecido urbano, seja
por que derivaram de mudanças importantes em termos demográficos,
seja porque determinaram novas aplicações e usos para o solo, as
quais, é bom que se diga, nem sempre estiveram em sintonia com o
que determinava o crivo da legislação que normatizava essa questão.

Palavras-chave: Indústria. Salvador. Península de Itapagipe.

RISE AND FALL OF AN URBAN INDUSTRIAL CENTER: ITAPAGIPE PEN-


INSULA IN SALVADOR/BAHIA

Abstract: The aim of this article is to present aspects about the history
and indus- trial patrimony of the Itapagipe Peninsula, describing the

1135
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

trajectory of its occupa- tion. To handle this endeavor, a historical-


documentary approach was launched, which contemed a study of
the past and present of this peninsula, with a view to rescuing part
of the history of the industrial organizations that existed there. When
conducting this investigative exercise, it was possible to observe that
this territory experienced several transformations, which were followed
and/or implied in mutations in their urban tissue, either because they
derived from important changes in terms Demographic, either because
they determined new applications and uses for the soil, which, it is
good to say, were not always in tune with what determined the sieve
of legislation that normalized this issue.

Keywords: Industry. Salvador. Itapagipe Península.

ASCENSO Y CAÍDA DE UN CENTRO INDUSTRIAL URBANO: LA PENÍNSULA


DE ITAPAGIPE EN SALVADOR/BAHIA

Resumen: El propósito de este artículo es presentar aspectos sobre


la historia y el patrimonio industrial de la península de Itapagipe,
describiendo la trayectoria de su ocupación. Para hacer frente a este
esfuerzo, se utilizó un enfoque histórico-documental, que incluía
un estudio del pasado y el presente de esta península, con el fin de
rescatar parte de la historia de las organizaciones industriales que
existían allí. Al realizar este ejercicio de investigación, se descubrió
que este territorio experimentó varias transformaciones, que fueron
acompañadas y/o implicaron mutaciones en su tejido urbano, ya sea
porque derivaron de cambios importantes en términos demográficos o
porque determinaron nuevas aplicaciones y usos para el suelo, que, es
bueno decir, no siempre estuvo en línea con lo que determinó el tamiz
de la legislación que regulaba este tema.

Palabras clave: Industria. Salvador. Península de Itapagipe.

1136
FRAGMENTOS

O objeto de pesquisa deste artigo é a Península de Itapagipe


- território localizado no lado Noroeste de Salvador e que integra a
Região Administrativa II, denominada Cidade Baixa (Figura 1), que
abrange uma área com cerca de 7,9 km2, equivalente a 1,1% da área de
Salvador e abrigava, em 2010, uma população de 180.432 indivíduos
(IBGE, 2010). Seu intuito é apresentar aspectos sobre a história e o
patrimônio industrial dessa localidade, descrevendo a trajetória de
sua ocupação, o que implica necessariamente ter que contemplar o
surgimento da atividade industrial, ocorrência essa que se deu no
final do século XIX, e que acabou resultando no estabelecimento de
uma dinâmica de crescimento que perdurou até meados do século
XX, sendo a partir de então marcado por um processo de progressiva
decadência que se manifesta até os dias que correm.

Figura 1: Localização e bairros da Península de Itapagipe no município de Salvador.

Fonte: Elaboração própria (2018).

1137
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

Com efeito, a Península de Itapagipe abrigou no passado um


conjunto diversificado de fábricas e manufaturas, e já foi considerada
a principal área industrial da Bahia. Em que pese esse seu destaque
pretérito, o que na atualidade nela se observa são apenas alguns
resquícios desse patrimônio industrial que outrora lá foi erguido, uma
vez que vem experimentando um intenso processo de dilapidação e
esquecimento.

É exatamente aí que se encontram os elementos que justificam


a realização dessa pesquisa, uma vez que os acontecimentos que
tiveram lugar em tal Península acabam por se constituir em parte
importante da história de Salvador e, por conseguinte, do próprio
estado da Bahia, que, por óbvio, precisam ter suas memórias
preservadas.

Feitas essas breves colocações, cabe mencionar, nesse ponto,


que a presente pesquisa foi realizada por meio de uma abordagem
histórico-documental, o que contempla um estudo do passado e do
presente de Itapagipe, com vistas a resgatar parte da história das
organizações industriais que existiram nesse território. Ao enveredar
por esse viés metodológico se buscou privilegiar as fontes primárias,
documentais e bibliográficas. Nessa medida, a coleta de dados e
informações utilizadas para dar fundamentação ao levantamento
histórico foram precisamente as atas, anuários, jornais da época
como o Idade d’Ouro do Brazil, assim como as mensagens anuais
dos presidentes da província, registros documentais, bibliográficos e
iconográficos.

Dito isso, cabe mencionar que este artigo está dividido em


três seções, além desta Introdução e das Considerações Finais. Na
segunda, apresenta-se uma visão geral sobre o processo de ocupação
da referida Península e a quase escolha do seu território como sede
da cidade do Salvador. Na terceira, por seu turno, busca-se analisar o
papel das igrejas na consolidação do núcleo urbano que lá se formou,
bem como discorre-se sobre os caminhos construídos para integrá-
lo à área central da cidade. Na quarta envereda-se por discorrer
sobre a evolução da atividade industrial no contexto da mencionada
Península, a que se confunde, como já mencionado, com o processo

1138
FRAGMENTOS

de industrialização verificado no próprio estado da Bahia.

PENÍNSULA DE ITAPAGIPE – A SEDE PRETERIDA

Uma resenha histórica de 1915 descrevia a Península de


Itapagipe como um lugar pitoresco, localizado no extremo da cidade
de Salvador e que, visto da localidade de Plataforma (Figura 2), se
assemelhava a um grande polvo, cujos tentáculos pareciam disputar
entre si, o maior alcance sobre o mar (CARVALHO, 1915).

Figura 2: Vista da Península de Itapagipe no início do século XX.

Fonte: Carvalho (1915).

1139
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

No início da colonização portuguesa, tal Península era


ocupada apenas por índios, que mantinham um conjunto de ocas
à beira mar. Pela localização relativamente distante do povoado da
Villa Velha1, Itapagipe se manteve com os índios até a chegada do
Governador Geral Tomé de Sousa, em 1549, quando passou a ser
ocupada, por Garcia d’Ávila2 (CARVALHO, 1915).

Tomé de Sousa e sua tripulação - trazendo povoadores,


funcionários necessários e jesuítas -, chegaram a Bahia em 29 de
março de 1549. Logo após a sua chegada, começou a tratar dos
fundamentos da cidade do Salvador e não achando adequada a
localização da Villa Velha para edificá-la, mandou então pesquisar os
terrenos mais para o interior da Baía de Todos os Santos (MORAES,
1879; VIANNA, 1893).

Nesse processo de escolha do local, cogitou-se construir a sede


da cidade na região da Península de Itapagipe, o que é registrado
por Varnhagen (1877a) ao relatar que, nos estudos realizados para
subsidiar a escolha da localização da sede do Governo Geral, foram
apresentados pareceres indicando a Península de Itapagipe como
um bom lugar para que se assentasse a nova cidade, nas imediações
do local hoje chamado de Bonfim. Os pareceres ponderavam que
em Itapagipe, sendo o terreno plano, as ruas se traçariam melhor, as
casas ficariam mais seguras e sem riscos de desmoronamentos, que
pareciam iminentes nas imediações do ancoradouro – onde a Cidade
foi construída –, e a fortificação se executaria com mais facilidade,
pois a defesa por terra se limitava a um pequeno istmo3 que ligava
a península ao continente. Quem também chama a atenção para
esse episódio que marca o processo de escolha do melhor local
para se instalar a referida sede, fato esse que envolveu a emissão
de pareceres em favor da península em foco, foi Gabriel Soares de
Sousa, que em seu “Tratado descritivo do Brasil em 1587” afirma
que: “N’esta ponta, quando se fundou a cidade, houve pareceres
que ella se edificasse, por ficar mais segura e melhor assentada
e muito forte, a, qual está, norte e sul com a ponta do Padrão”
(SOUSA, 1879, p. 121).

Entretanto, apesar da existência dos mencionados pareceres

1140
FRAGMENTOS

favoráveis a Península de Itapagipe, prevaleceu a escolha do platô


de uma das escarpas, próxima ao local de ancoragem – onde foi
construído o porto de Salvador –, com água potável corrente por
um lado e nascente por outro, conveniência importante que não
se apresentava em Itapagipe (VARNHAGEN, 1877; MORAES, 1879).

Preterida como local de construção da sede da cidade, a


Península de Itapagipe foi sendo ocupada muito lentamente até
o século XIX, quando começa a se firmar como região promissora
para moradias, com bairros na Boa Viagem, no Bonfim e na Ribeira,
região da Penha, entretanto, se deslocar até ela era uma tarefa
complicada, o acesso por terra era difícil, pois os terrenos que
ligavam a sede da Cidade e sua zona comercial a Itapagipe eram
estreitos e alagadiços.

Registre-se, nesse ponto, que tal realidade só começou a


ser amenizada, em 1810, quando D. Marcos de Noronha e Brito,
o 8º Conde dos Arcos, assumiu o governo da província da Bahia,
a qual governou até o ano de 1818. Isso porque, ao tomar posse
do governo ele começou a realizar obras, objetivando melhorar a
comunicação terrestre entre a Península de Itapagipe e o bairro do
Comércio (MAROCCI, 2011).

Também sob a liderança desse último governante retoma-


se a discussão sobre a melhor localização da sede política e
administrativa da cidade. Isso se deu em função da ocorrência de
várias tragédias ocasionadas por um longo período de chuvas, no
ano de 1813. Conforme destacado pelo jornal Idade d’Ouro do
Brazil, de 6 de julho de 1813, não havia registros, na Bahia, de um
inverno tão chuvoso quanto o daquele ano e criticava a localização
da Cidade e a decisão de a terem construído na parte inferior e
superior de uma escarpa: “estamos debaixo de um perpetuo
Aquario; e os filhos estão pagando a ignorância dos pais, que
edificarão, não o alta maenia Romae, mas a empoleirada Cidade,
que se derrete com a chuva, como a cêra com o Sol” (IDADE
D’OURO DO BRAZIL, 1813a, p. 4).

Para se ter uma melhor dimensão da tragédia que acometeu


Salvador nesse período, recorre-se a um excerto da carta escrita por

1141
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

Luiz Joaquim dos Santos Marrocos4, em 26 de julho de 1813, na


qual ele relata o seguinte:

Agora não se falla aqui em outra cousa, se não na


desgraça da Bahia; pois que havendo chovido alli por
espaço de 32 dias continuos com o pezo enorme da
agua, cahirão alguns morros sobre a Cidade baixa, que
em parte ficou alagada, e o resto ameaçando ruina;
foi consideravel o estrago em mortan- dade, sendo de
lamentar-se com a grande perda de bons edificios e
estabelecimentos Regios; o que obriga ao Conde dos
Arcos a representar a S. A. R. a nova transplantação da
Cidade para outro sitio mais seguro, despovoando-se de
todo esta parte, que padeceo (GARCIA, 1939, p. 150).

Com efeito, a copiosa chuva provocou o desabamento de


várias ribanceiras, especialmente sobre a Cidade Baixa, alagou
e arruinou muitas edificações, e deixou muitos mortos. Após a
catástrofe, o Conde dos Arcos propôs ao Rei Dom João VI transferir
a alfândega para Itapagipe e despovoar a parte que desmoronara,
o que significava transplantar a Cidade para lá, local considerado
mais seguro. Desse modo, a preocupação com a segurança da
cidade gerou o plano de transferi-la para a área conhecida como
Jequitaia, recuperando-se o antigo Noviciado, herança dos jesuítas5,
para servir de sede do governo, construindo-se uma nova alfândega
e novos armazéns (MAROCCI, 2011).

Varnhagen (1877b, p. 1091) assinalou que, se a mudança


tivesse sido realizada, toda a cidade teria se mudado para lá
e a construção de grandes edificações, em áreas com risco de
desabamento não teriam sido feitas, evitando as imensas despesas
que foram realizadas para preservá-las e sustentar o morro,
“despezas que deviam ser feitas pelos particulares immediatamente
interessados, e nunca pela província toda, à qual por essa forma
pode chegar a um dia em que toda renda seja pouca para os
paredões dos morros da sua cidade presidencial”.

Assim o pensamento era levar o centro administrativo para

1142
FRAGMENTOS

uma área plana, como tinha sido feito em Lisboa, o que permitiria
uma ocupação regulada, com arquitetura padronizada e ruas
alinhadas. A simetria, regularidade, aformoseamento e salubridade
eram as palavras mais utilizadas pelos membros do estamento
joanino (MAROCCI, 2011). No entanto, passada e esquecidas as
chuvas o mesmo aconteceu com os planos de transferência da sede
administrativa e política da cidade.

OCUPAÇÃO DE ITAPAGIPE:
O REGISTRO DE ALGUMAS OCORRÊNCIAS

Essa parte da capital baiana, bem como as outras que a


integram, foi inicialmente ocupada por índios. Não obstante, tal
qual destacaram Moraes (1879) e Carvalho (1915), há registros de
que, em 1550, já existiam na orla de Itapagipe duas olarias e um
curral de vacas pertencentes a Garcia d’Ávila6 Posteriormente, entre
os anos de 1558-1572, ainda de acordo com Moraes (1879), passa
a ter lugar nessa região da cidade o assim chamado Engenho de
Christo, que teve sua construção iniciada pelo Sr. Antonio Cardoso
de Barros e foi concluída por Mem de Sá – Governador Geral do
Brasil.

Outra ocupação encontrada em Itapagipe que data do fim do


século XVI, devidamente documentada e que se mantém de pé até
os dias atuais, é o Forte de Nossa Senhora de Monte Serrat. Oliveira
(2011) assinala que há uma certa controvérsia em relação ao período
exato em que essa estrutura foi erguida. Segundo ele, para alguns
estudiosos esse Forte foi construído no final do século XVI, no Governo
Geral de Manuel Telles Barretto (1583-1587), já para outros a referida
construção fora edificada durante o Governo Geral de D. Francisco
de Sousa (1591-1602). Divergências à parte, o certo é que o mesmo
já existia no início do século XVII, sendo referenciado, em 1609, por
Diogo de Campos Moreno, na obra “Relação das praças fortes e coisas
de importância que sua magestade tem na costa do Brasil”.

1143
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

Ao se enveredar um pouco mais nos anais da história que


dão conta das tramas que deram o tom da dinâmica de ocupação da
mencionada Península, alguns achados interessantes são ressaltados,
como, por exemplo, o que se deu no começo do século XVII, em que
Garcia d’Ávila (1528-1609), senhor das terras de Itapagipe e Itapuã,
deixou em testamento para os monges do Mosteiro de São Bento
as terras do Bairro do Monte Serrat. Dois herdeiros de Garcia d’Ávila
litigando para definir quais terras eram suas por direito, celebraram
um acordo, em 1614. Este acordo, registrado no livro de tombo do
Mosteiro de São Bento, estabeleceu que a Ermida de Nossa Senhora
de Montserrat, erguida na ponta de Itapagipe, entre 1608 e 1614,
ficava como dantes, pertencendo ao mosteiro de São Bento, com
vinte braças de terra, da igreja para o porto, e com a largura que
tivesse a dita ponta, para logradouro da dita ermida” (VIANNA,
1893, p. 311).

Já no início do século XVIII, por herança de colonos aos


quais as terras de Itapagipe foram doadas pela Coroa, coube a D.
Lourença Maria a propriedade das terras dos Engenhos chamados
de Itapagipe de Baixo e de Cima. Essa senhora, confessadamente
mui religiosa, permitiu que, no Porto dos Pescadores (Bairro da Boa
Viagem), o Convento de São Francisco ergue-se uma pequena casa
para guardar ferramentas utilizadas na exploração de uma pedreira
(CARVALHO, 1915).

Ainda tratando dessa personagem, D. Lourença Maria,


Vianna (1893) informa que, por volta do ano de 1710, ela doou
uma porção de terra a Ordem Franciscana e pediu em contrapartida
a celebração anual de cinco missas, três pela sua alma e duas pela
alma de sua filha D. Maria Pereira de Negreiros. Foi, pois, exatamente
nessas terras recebidas que os Franciscanos erigiram um Convento e
a Igreja de Nossa Senhora da Boa Viagem.

Destaque-se, nesse ponto, que outra igreja fora construída


em Itapagipe no decorrer do século XVIII. Desta vez, trata-se da
Igreja Matriz de Nossa Senhora da Penha de França e Senhor da
Pedra de Itapagipe, situada no ponto mais extremo da Península
de Itapagipe, erguida, em 1742, pelo arcebispo D. José Botelho

1144
FRAGMENTOS

de Mattos. Registre-se que no exato local dessa construção havia


inicialmente uma capela ligada ao palácio arquiepiscopal de verão,
que, de igual modo, fora levantada por esse mesmo arcebispo
(CARVALHO, 1915).

Importante destacar aqui que foi na Penha que se criou,


em 1745, a Irmandade Devoção do Senhor Bom Jesus do Bonfim,
composta por leigos e reconhecida por D. José Botelho de Mattos,
que esteve presente na sua fundação (SANTUÁRIO SENHOR DO
BONFIM, 2018). Esse foi um acontecimento decisivo, posto que
marcou a história não apenas da aludida Península, mas também
de toda a cidade de Salvador. Isso por- que, desde a criação da dita
Irmandade, que foi marcada pela chegada de Portugal da imagem
do Senhor Bom Jesus do Bonfim, o número de devotos e fiéis cresceu
enormemente e por conta disso a Devoção decidiu construir, em
lugar de destaque, às expensas dos devotos, uma igreja dedicada ao
Santo. Essa edificação foi iniciada, em 1846, em um dos pontos mais
alto de Itapagipe, e, em 1754, com a conclusão das obras internas, a
imagem foi transferida para lá. As obras da igreja foram concluídas
em 1772, e no ano de 1773 se inicia a tradição da Lavagem do
Bonfim (SANTUÁRIO SENHOR DO BONFIM, 2018).

Por certo, a Devoção do Senhor Bom Jesus do Bonfim foi


responsável por muitas obras físicas e intervenções urbanas em
Itapagipe, feitas as suas expensas e dos fiéis, que tinham como objetivo
melhorar o acesso a igreja, pois o mesmo era precário e o caminho
mais fácil de chegar ao Bonfim era o mar. Enquadra-se no âmbito
dessas iniciativas a construção da estrada dos Dendezeiros (Figura 3),
atual Avenida Dendezeiros do Bonfim, drenando o charco existente
no local, com a utilização de uma espécie de palmeira (dendezeiros),
propícia a secagem de terrenos alagadiços (IPHAN, 201-).

1145
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

Figura 3 - Estrada dos Dendezeiros em 1860.

Fonte: Ferrez (IPHAN, 201-, p. 10).

Já no início do século XIX, a Península de Itapagipe se firma


como subúrbio promissor, com núcleos definidos como a Boa Viagem, o
Bonfim e a Ribeira, na região do Conjunto da Penha (MAROCCI, 2011),
momento em que se registra até o anúncio de vendas de casas, como
consta, por exemplo, da edição nº 92 do Idade d’Ouro do Brazil (1815c),
na qual se lê:

[...] quem quiser comprar uma casa nova, de pedra e


cal, assoalhada, com bons cômodos, e bom quintal com
seus arvoredos, situada na Ribeira de Itapagipe, perto
do Forte, procure seu dono, Francisco Xavier, morador
da Rua da Piedade; ou uma roça no meio da Calçada do

1146
FRAGMENTOS

Bonfim, com fonte e casa de pedra e cal.

A essa altura, a devoção ao Senhor do Bonfim já atraía ainda


mais fiéis, e mesmo Itapagipe sendo uma área com fortes características
rurais, já apresentava uma ocupação maior ao longo do percurso até
a Colina do Senhor do Bonfim, onde começaram a se instalar casas
comerciais. As festas que aconteciam no mês de janeiro atraíam pessoas
em romaria da Cidade, do Recôncavo e dos altos sertões da província,
as que vinham da cidade enfrentavam dificuldade para se deslocar até o
Bonfim, pois necessitavam transpor várias áreas alagadiças (MAROCCI,
2011; SANTANA, 2011).

Foi, portanto, motivada pela necessidade de superar e/ou corrigir


essa dificuldade de acesso a esse centro religioso por parte dos romeiros e
devotos que a Devoção comprou, em 1815, terrenos do bairro dos Mares
até a região da Jequitaia, e iniciou a construção de um caminho para se
aproximar mais da cidade (SANTANA, 2011). De forma mais precisa, se
pode dizer que essa movimentação deu lugar a pavimentação de um
caminho denominado de Calçada do Bonfim, e de uma rua que ia da
Jequitaia até o Noviciado7. So- me-se a essas ocorrências, a realização de
várias outras benfeitorias para a região, como, por exemplo, a drenagem
de terrenos, calçamentos de pedra e arborização de ruas, com o intuito
tanto de promover a festa quanto de melhorar as condições de acesso à
colina e à Igreja (SANTANA, 2011; MAROCCI, 2011).

O êxito dessas iniciativas foi percebido nos anos que se


sucederam. Prova disso pode ser encontrada na prestação de contas
das obras realizadas pela presidência da província, realizada em 1852,
na qual está documentado que, com a exceção de pequenos trechos,
já estava nivelada e calçada a rua que fazia a ligação do Taboão até a
Calçada que vem do Bonfim, o que já possibilitava, naquele período,
“com toda commodidade viajar por aquelles lugares em carros sem o
menor embaraço” (BAHIA, 1852, p. 26).

Todavia, a via de comunicação entre Itapagipe e a Cidade


ainda não estava consolidada e necessitava de constantes reparos,
como denota a mensagem de João Mauricio Wanderley, Presidente da
Província, em 1853, ao informar que as condições do cais de Água de

1147
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

Meninos, em toda a extensão que segue até a fortaleza da Jequitaia,


eram precárias, problema esse que se agudizava sempre que as chuvas
caiam, tendo em vista que traziam como efeito colateral a abertura de
“grandes escavações na rua á ponto de impedir o transito dos carros
por aquella única via para o lado do Bonfim” (BAHIA, 1853, p. 49)”. Não
por acaso, a mencionada autoridade pública ordenou que fossem, nessa
oportunidade, efetivados todos os reparos necessários a fim de garantir
pleno acesso a essa localidade.

Seguindo o relato de Câmara (1989), somente no último quartil


do século XIX se completa a ligação entre Água de Meninos e a Jequitaia,
com uma rua entre a encosta e a linha do mar, ajudando a consolidar
a ligação Mares/Calçada. Entretanto, antes de estarem completas as
vias terrestres que ligavam a Península ao resto da cidade, já havia sido
montado um sistema de transporte urbano para ligar a Calçada ao
Bonfim.

Pontue-se que a origem desse último fato é derivada de uma


ação deliberada do presidente da província, que publicou a Lei nº 224,
em quatro de maio de 1845, na qual outorgava 10 anos de concessão
para quem instalasse linhas de transporte urbano em Salvador. Em
resposta a essa deliberação, em 1849, o estrangeiro Rafael Ariani e seus
filhos Giusto, Rafael e Luciano montaram uma empresa, ganharam a
concessão e implantaram linhas de transporte (SAES, 2007). Cerca de
três anos depois, ou seja, em 1952, já haviam duas linhas de gôndolas
prestando um serviço de transporte regular e diário para os dois extremos
da Cidade, o Bonfim e a Vitória (BAHIA, 1852).

Na década seguinte, mais precisamente no ano de 1862, a firma


dos Ariani introduz os bondes puxados por burros sobre trilhos de aço
ou de madeira, cobrindo o trecho entre Coqueiros de Água de Meninos
e o Bonfim (PINHEIRO, 2011).

Inquestionavelmente, a construção do caminho de ligação entre


a Península e a Cidade Baixa, assim como a introdução e a consolidação
das linhas de bondes facilitaram a comunicação e a integração da
Península ao resto da cidade. Tornado o acesso mais fácil, mais do que
ligar-se à cidade de Salvador, Itapagipe passou a ser organicamente
parte dela.

1148
FRAGMENTOS

Nesse ponto, cabe chamar atenção que ainda nas décadas de


1850 e 1860, concomitante a implantação de linhas de transporte urbano
que passaram a interligar as localidades de Itapagipe a área central da
Cidade, foi planejada e iniciada a construção de uma ferrovia, com o
objetivo de integrar os sertões da Bahia a cidade do Salvador. A ideia
de construir uma linha férrea que ligasse Salvador ao Rio São Francisco,
na altura da cidade de Juazeiro, era acalentada desde os meados do
século XIX. Em 1852, a Junta da Lavoura propôs à Assembléia Legislativa
Provincial a construção dessa ferrovia, com o argumento de que ela teria
a importante função social de integrar os sertanejos com a capital, assim
como criar um mercado para o comércio e as indústrias, e facilitar a
distribuição de suas mercadorias (BAHIA, 1861).

Segundo Cardoso (2011), a estrada de ferro foi construída sobre


a antiga Estrada das Boiadas, caminho que conduzia os rebanhos do
interior para a capital, e a planície da Península foi escolhida como
ponto de partida, e nela foi erguida a Estação Ferroviária da Calçada,
inaugurada em 1860 e localizada na linha limite que separa a Península
de Itapagipe do conjunto alto/baixo do centro da cidade.

Fato é que ao final do século XIX e início do XX a ocupação da


Península de Itapagipe ganha força, na medida em que começou a
atrair e a receber muitas indústrias de natureza e tamanhos variados,
consolidando-se como a principal área industrial do município de
Salvador. Para além das ocorrências descritas anteriormente, contribuíram
para que essa Península assumisse tal feição, algumas características que
lhe eram intrínsecas como, por exemplo, contar com terrenos planos (de
baixo custo se comparados aos existentes nas demais áreas da cidade),
águas marítimas calmas (que lhe facultavam um fácil acesso), e situar-se
relativamente próxima do centro da cidade, da linha férrea e do setor
portuário e comercial de Salvador,

Foi precisamente por estar atento a essas ocorrências que Santos


(1958) asseverou, em sua pesquisa sobre “Localização Industrial em
Salvador”, realizada na década de 1950, que em Salvador as fábricas se
instalaram às margens dos grandes eixos de circulação, colocando-se,
em sua maioria, no entorno da linha férrea. Segundo a letra desse autor,
essa localização estava ligada, por um lado, aos meios de transportes

1149
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

utilizados para escoar as mercadorias e ao próprio mercado de matéria-


prima, que era coincidente com a área que efetuava intercâmbio com
Salvador.

PENÍNSULA ITAPAGIPANA: OS CONTORNOS DE UMA ZONA


INDUSTRIAL

Já que o intento desta seção é procurar descortinar, ainda com


mais ênfase, os acontecimentos que foram se sucedendo ao longo do
processo de ocupação da Península em foco e que acabaram forjando-a
como um espaço dedicado e/ou com uma função que guarda relação
com o desenvolvimento de atividades industriais, faz-se mister abri-la
chamando a atenção para um fato ocorrido nos idos da década de 1940,
quando a Prefeitura de Salvador com o intuito de localizar atividades
bem diferenciadas da população urbana, em setores próprios, dividiu a
zona urbana em setores e emitiu o Decreto Lei nº 701, de 24 de março
de 1948 (FLEXOR, 2011).

Não se pode deixar de mencionar neste estágio que o referido


Decreto foi a primeira lei a colocar em prática as diretrizes estabelecidas
pelo Escritório do Plano de Urbanismo da Cidade do Salvador (EPUCS), as
quais estavam delineadas no Plano Urbanístico de Salvador. Com efeito,
o mencionado Decreto dividiu a cidade em 12 setores, aos quais foram
atribuídas certas funções: uma Central, uma Portuária e Comercial, uma
Industrial, sete Residenciais e duas de Transição (FIPE, 2015, p. 3).

No que tange especificamente à zona industrial, cabe informar


que ela correspondia precisamente às áreas dos distritos de Penha,
Mares, e São Caetano. Como esses dois primeiros distritos englobavam a
totalidade da Península de Itapagipe, o Decreto em questão, neste caso
em específico, veio chancelar aquilo que na prática já se verificava, que era
a tradição industrial dessa região, que já tinha instalada em seu território,
desde o início do século XIX, atividades industriais relevantes como as
indústrias têxteis, de bebidas, processadoras de cacau, processadoras de
fumo e indústrias diversas, como evidenciado no Quadro 1.

1150
FRAGMENTOS

Quadro 1: Indústrias e manufaturas estabelecidas em Itapagipe.

Fonte: Compilado pelo autor (IDADE D’OURO DO BRAZIL, 1814b; BAHIA, 1849;
BAHIA, 1889; CARVALHO, 1915; PMS, 1955; SAMPAIO, 1975; CAMARGO, 2011; MAT-
TOS, 2011; LUTHER, 2012; SANTOS, SILVA, 2016; LEITE, ALVES, 2018; SOUZA CRUZ,
2018; ORGANIZAÇÃO LEÃO DO NORTE, 2018).

Convém ponderar nesse estágio do estudo que embora


tenha subdividido o território em zonas de uso, o Decreto em
tela não estabeleceu restrições de ocupação, fato esse, diga-se
de passagem, que fora muito criticado por Santos (1958), que
apontava Itapagipe, área reservada, exclusivamente, para alocar

1151
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

indústrias, como quase inteiramente ocupada por residências e


“invasões” muitas vezes associadas a esse fim de moradia, o que
a desvirtuava da função que originalmente lhe fora designada (a
industrial). Ao discutir essa questão Carvalho (2002) assinala que o
Plano Urbanístico de Salvador, realizado em 1943, previa destinar
os terrenos de marinha, existentes na Enseada dos Tainheiros, para
implantação de indústrias. O Governo Municipal, contudo, em
um verdadeiro contrassenso, aprovou mais tarde, para o local, a
expansão de loteamentos para habitação popular.

Para que se tenha a compreensão precisa desse fenômeno,


não se pode esquecer de associá-lo ao próprio processo de
crescimento demográfico observado na capital baiana. Caminhando
nessa direção, deve-se marcar que Salvador apresentava, entre
as décadas de 1920 e 1940, uma população estável e com baixo
crescimento demográfico, porém a par- tir desse período viu
sua população crescer de forma acelerada (Tabela 1). Saliente-
se que boa parte desse crescimento expressivo, contabilizado a
partir dos anos 1950 (43,5%), pode ser explicada em função do
grande contingente populacional que se deslocava do interior da
Bahia em direção a Salvador, em virtude, entre outras coisas, das
oportunidades de trabalho que surgiam na capital.

Como não poderia deixar de ser, tão expressivo crescimento


populacional em uma cidade despreparada para abrigar
contingentes humanos como os que foram sendo apurados,
gerou uma imensa demanda por novas habitações, a qual não foi
atendida plenamente e que, por via de consequência, deu lugar
a um déficit importante de habitações populares, bem como a
outros problemas na ocupação urbana.

1152
FRAGMENTOS

Tabela 1: Crescimento populacional de Salvador – 1920/2010.

Fonte: Construído com base nos censos demográficos de 1920, 1940, 1950,
1960,1970, 1980, 1991, 2000
(IBGE, 2018).

Por certo, um desses problemas urbanos a que se fez referência


foi o surgimento de invasões pela cidade, as quais “brotavam”, quase
sempre, em terras devolutas e nos terrenos alagadiços.

Atraídas pelas fábricas instaladas na Península de Itapagipe, a


partir da década de 1940, muitas famílias, principalmente, oriundas do
recôncavo baiano, vieram instalar-se ao longo da região de mangue da
enseada dos Tainheiros. Como não tinham condições financeiras para
comprar uma moradia, adquiriam a preços baixos um espaço nas áreas
lodosas de manguezal onde erguiam palafitas, constituindo a área
habitacional que se popularizou como Alagados (INSTITUTO CULTURAL
CASA VIA MAGIA, 2007).

Ao analisar essas transformações, Schweizer (2011, p. 139-140)


pondera que:

Itapagipe das primeiras indústrias baianas passou a ser


identificada ou associada ao território daqueles migrantes
que, por não terem terras para se assentar, na primeira
metade do século XX, foram invadindo o mar e criando
todo um novo território que veio a ser denominado de
Alagados, uma favela construída no mar.

1153
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

Ao se refletir ainda mais sobre essa tessitura social e espacial que


fora se moldando na Península de Itapagipe, não se pode, em absoluto,
deixar de destacar o ponto de vista de Ferreira (2005). Seguindo a leitura
desse autor, a população de baixa renda também se viu atraída pela
Península de Itapagipe, pois descobriu que a “Maré”, além de fornecer
alimento abundante e gratuito para o sustento de suas famílias, também
proporcionava condições para a construção de suas moradias, as quais
utilizando-se de uma arquitetura mísera, porém criativa, arrojada e
destemida davam lugar ao mundo dos ‘Alagados’, onde as palafitas
erigidas sobre águas salgadas e lama, se conectavam entre si através de
pontes de madeiras toscas (FERREIRA, 2005, p. 61).

De modo preciso, as palafitas dos Alagados eram barracos feitos


com diversos materiais (madeira, papelão, plástico, taipa etc.), cobertos
normalmente com telhas de fibrocimento e edificados sobre estrados de
madeira, sustentados por estacas, também de madeira e enterradas na
lama do mangue (Figura 4), que tem um poder de sucção imenso, tanto
que a estaca fincada para a sustentação da palafita permanece rígida,
por muitos anos.

Figura 4: Palafitas nos Alagados.

Foto: Arquivo pessoal (197-)

1154
FRAGMENTOS

Por muitos anos, os Alagados continuaram crescendo e no


início da década de 1960, já se verificava um verdadeiro processo de
“conurbação” desses assentamentos, onde todas as margens da Enseada
dos Tainheiros estavam ocupadas por casas erguidas sobre palafitas
(CARVALHO, 2002).

A medida que as palafitas eram erguidas, as áreas de mangue


e da “Maré” de Itapa- gipe foram paulatinamente aterradas com lixo8,
entulhos, areia e cascalhos9 e resultante desse processo de ocupação,
muitos bairros da Península de Itapagipe expandiram seu espaço físico,
com terras tomadas do mar.

Outro problema de ordem urbana enfrentado por Salvador que


também se manifestou em função da ingerência do poder público foram
as permissões dadas pela Prefeitura para a instalação de loteamentos
com fins residenciais e a construção de conjuntos habitacionais, muitas
vezes em terrenos doados pelo Município e pelo Estado, em pleno setor
reservado por lei para a instalação de indústrias, situação essa que,
como já mencionado anteriormente, se fazia presente na Península de
Itapagipe.

Ao se procurar detalhar um pouco mais o problema das


invasões, há registros que indicam que ele surge na cidade de Salvador,
no ano de 1946, com o surgimento da invasão do Corta-braço, no
Bairro da Liberdade, e da chamada Fazenda do Coronel, espaço que
hoje compreende o Bairro da Massaranduba (vide Mapa 1). Enfatize-se
que esta última movimentação corresponde ao início das invasões na
área de Alagados (MATTEDI, 1979), em terras que pertenciam à União e
encontravam-se aforadas a terceiros (CARVALHO, 2002).

Pouco tempo depois, em 1949, outro processo de invasão


ocupou uma área próxima à Avenida Tiradentes, no Caminho de Areia,
e se transformou no bairro hoje conhecido como Jardim Cruzeiro/Vila
Ruy Barbosa (vide Figura 1). Conforme o relato de Mattedi (1979, p.
48), “Cerca de 2.000 casebres foram levantados da noite para o dia à
margem do Caminho de Areia [...] quem visse aquele mangue [...] não
diria que ali, em pouco tempo se constituiria uma verdadeira favela”.

Já que se tocou nessa questão do surgimento de construções

1155
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

em terras alagadas, é importante registrar que os terrenos em terra


firme em Itapagipe, que poderiam ser destinados a edificações, não
eram extensos. Mesmo assim, a Península teve um grande incremento
na construção de unidades habitacionais a partir da década de 1940.
Segundo Santos (1958), entre 1940 e 1950, foram erguidas 1.798 novas
unidades no distrito dos Mares e 4.833 no distrito da Penha, resultando
em um acréscimo de 33.084 habitantes em toda Itapagipe.

Também se inscreve nesse esquema de ocupação do solo da


Península Itapagipana, ocorrido entre as décadas de 1940 e 1960, a
implantação de muitos conjuntos habitacionais, como, por exemplo,
o Conjunto Habitacional Juscelino Kubitschek, edificado, em 1949, sob
encomenda do Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Comerciários
(IAPC), e localizado no Bairro do Caminho de Areia10. O IAPC também
edificou, em 1954, o Conjunto Habitacional Governador Antonio
Balbino, e, em 1957, o Conjunto Habitacional Monte Serrat, ambos no
Bairro do Monte Serrat (ALMEIDA, 2012).

O Conjunto Habitacional Juscelino Kubitschek foi edificado


numa área total de 32.265,91m2, porém somente 6.732,50m2 foram
reservados para a construção e implantação do conjunto: 3.732,5m2
para edificar seis blocos com o total de 46 apartamentos e 3.000
m2 para a expansão das vias de acesso. Os 20.553,41 m2 restantes
não foram utilizados e acabaram sendo invadidos, mesmo depois
dessa área ter sido incorporada ao patrimônio do Banco Nacional da
Habitação (BNH), na década de 1960 (ALMEIDA, 2012).

Próximo a esses dois conjuntos foi erguido o Conjunto


Habitacional Dr. Adriano Gordilho, construído no governo de Luiz
Vianna Filho (1967-1971) pelo Instituto de Assistência e Previdência
dos Serviços da Bahia (IAPSB) em convênio com o BNH.

Entre a Boa Viagem e o Bonfim foi construído o Conjunto


Habitacional Imperatriz, atualmente conhecido como Parque São
José. Segundo Almeida (2012) esse conjunto habitacional foi erguido
em 1951 pela Caixa de Aposentadoria e Pensão dos Empregados em
Serviços Públicos do Estado da Bahia e Sergipe (CAPESP).

O Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Estivadores e

1156
FRAGMENTOS

Transportes de Carga (IAPETEC) construiu na década de 1950, o


Conjunto Habitacional Castro Alves. No entendimento de Almeida
(2012), sua construção começou em 1953 e se encerrou em 1956, sendo
constituído de sete blocos e 200 apartamentos, em um terreno doado
pelo governo do Estado ao IAPETC. Além dos blocos de apartamentos
era composto de quadra de esportes, playgrounds, áreas verdes e uma
associação de trabalhadores, as áreas remanescentes desse conjunto,
também foram invadidas.

O Conjunto Habitacional Almirante Waldemar Motta foi


construído em 1957, na parte baixa do bairro do Bonfim, sob encomenda
do Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Bancários (IAPB), em um
terreno adquirido em parte da Companhia Carris da Bahia, e em parte
de terceiros em 1953, além de faixas de terra doadas pela prefeitura
(ALMEIDA, 2012).

O Conjunto Habitacional Tiradentes (Figura 5) localizado no


Caminho de Areia, foi edificado pela Odebrecht, em 1968, sobre uma
área alagadiça do Caminho de Areia.

Figura 5: Conjunto Habitacional Tiradentes.

1157
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

Fonte: Arquivo pessoal (2018).

Paradoxalmente, se num primeiro momento a instalação de


um conjunto de industriais na Península de Itapagipe contribuiu
para alterar a dinâmica demográfica desse espaço e, por via de
consequência, da própria de cidade de Salvador, na medida em
que se constituiu em uma ocorrência positiva que deu lugar ao
surgimento de muitas oportunidades de trabalho, o que reverberou,
como já se disse, na atração de população, tornando-o dessa forma
mais densamente povoado, em outro, décadas depois, já no final
do século XX, passou a assumir a condição de evento indesejado,
posto que se configurava como uma espécie de corpo estranho no
emaranhado urbano que ali se formou. Isso porque, entre outras
coisas, ocasionava reflexos negativos especialmente na qualidade de
vida de boa parte da população que ali residia, tendo em vista que
a operação das aludidas unidades industriais trazia consigo efeitos
colaterais indesejados, como, por exemplo, problemas respiratórios e
alérgicos, os quais, via de regra, se faziam acompanhar de náuseas,
enjoos e dores de cabeça. Uma unidade fabril cuja operação causava

1158
FRAGMENTOS

esse tipo de externalidade negativa, devido ao forte odor que dela


emanava, era a Companhia de Cigarros Souza Cruz, que ficava
localizada na Boa Viagem e a fábrica de chocolates Chadler Industrial
da Bahia S/A.

Há registros que o processo produtivo da Chadler causava


transtornos para os moradores que passaram a habitar o seu entorno,
pois emitia gases que ocasionavam doenças respiratórias, causava
poluição sonora, e com frequência ocorriam pequenos incêndios e
inclusive com a explosão de uma caldeira ocorrido em 1962, eventos
que deixavam os moradores inseguros. Em 1969 se iniciou um
movimento que pedia a retirada da fábrica da região, e em 1982 foi
oficialmente fundada uma associação, a Associação 11 de abril, com
esse objetivo. O nome da associação remete a data em que o bairro
foi encoberto por uma cortina de fumaça que cobriu as casas que
nem os moradores conseguiam vê-las e eles invadiram a fábrica em
busca de providências (Instituto Cultural Casa Via Magia, 2007).

Em 28 de janeiro de 1991, o Conselho Estadual de Proteção


Ambiental (CEPRAM) decidiu não renovar a licença de operação da
fábrica da Chadler, atendendo à pressão da comunidade do entorno
que lutavam a muitos anos pelo direito de viver em um ambiente
saudável, e definiu que a mesma deveria ser relocada para uma área
estritamente industrial, porém não estabeleceu prazos para a indústria
completar e executar o processo de relocação (A TARDE, 1991).

Os representantes da comunidade alegavam que a emissão


de gases poluentes era responsável por causar danos à saúde dos
moradores do entorno e lembravam dos muitos incêndios já ocorridos
na fábrica (A TARDE, 1991), porém como está descrito no Jornal
Correio da Bahia (1991), a Lei Orgânica do Município possibilitava
um prazo máximo de cinco anos para a desativação da empresa
(CORREIO DA BAHIA, 1991), e a fábrica só deixou de funcionar em
1994, sendo totalmente desativada em 1996.

Destarte, não causa estranheza que a população Itapagipana,


a partir de certo momento, sentindo-se muito incomodada pelas
referidas externalidades tenha começado a pressionar o poder público
para que as unidades fabris fossem retiradas dessa parte da cidade e

1159
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

realocadas em outros lugares. Mesmo reconhecendo a importância


dessa pressão, não se pode creditar exclusivamente, em absoluto,
a ela o fato de que ao final do século XX, não mais se verificar a
existência de fábricas de maior porte em funcionamento na Península,
pois muitas delas simplesmente encerraram suas atividades e foram
fechadas, ao passo que algumas outras migraram para outras regiões
fora de Salvador.

A bem da verdade, alguns outros fatores concorreram ainda


mais decisivamente para esse desfecho. Um deles, por certo, foi a
perda de competitividade em função da não adequação aos novos
padrões tecnológicos que passaram a viger internacionalmente.
Ademais, como bem indica Flexor (2011), a forte concorrência das
indústrias do Centro-Sul do País; a decadência da navegação de
cabotagem e sua substituição pelas rodovias (a BR-116; a BR 324,
e a BR-101 – construídas ou pavimentadas entre as décadas de
1940 e 1960 – ligando Salvador as regiões industriais do Centro-
Sul do país); a pressão da população contra a poluição ambiental
e, finalmente, a política de descentralização e criação de distritos
industriais11 na Região Metropolitana de Salvador, também
integram a lista de fatores que motivaram a desindustrialização
dessa parte da cidade.

Entretanto, deve-se ressaltar que a maioria das indústrias


que existiram em Itapagipe, lá se estabeleceram antes da legislação,
que veio legitimar uma condição pré-existente, porém não garantiu
a manutenção do zoneamento. As indústrias foram se alocando na
região e a promessa ou a falta de empregos, atraiu a população
para seu entorno, e essa mesma população que foi atraída pelas
empresas em busca de emprego, ou vieram em busca de moradia,
passados os anos começaram a pressionar o poder público para as
mesmas fossem realocadas em outros lugares.

Os vestígios materiais dessas indústrias e suas estruturas


de suporte ainda resistem ao tempo. Com efeito, muitas foram
remodeladas para outros usos como áreas de armazenagem,
empreendimentos comerciais, igrejas, escolas. Já outras foram,
simplesmente, demolidas para dar lugar a empreendimentos

1160
FRAGMENTOS

imobiliários, praças e estacionamentos, engolfados pela expansão


urbana e pelos novos padrões urbanísticos.

Por conta do exposto, verifica-se que a Península de


Itapagipe é um claro exemplo de desacordo entre as intenções
legais, preconizadas pelo Decreto Lei nº 701, e as realidades sociais
e econômicas – território onde o zoneamento legal foi substituído
pelo zoneamento de fato, que pode ser observado na Figura 6.

Figura 6: Localização das atividades fabris.

Fonte: Elaboração própria (2018).

1161
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O Distrito Industrial Urbano que se formou na “cidade baixa


de Salvador,” abrangen- abrangentemente na Península de Itapagipe,
e que existiu até as últimas décadas da primeira metade do século
XX, foi a resultante de um conjunto de fatores clássicos da teoria
da localização industrial. A sua macrolocalização junto ao mar, já
respondia desde o primeiro governo geral de Tomé de Souza, pelos
serviços de manutenção e reparo dos barcos alocados à “Carreira
das Indias” que aqui paravam para consertar os estragos constantes
provocados por viagens tão longas entre Lisboa e as Indias. Assim,
segundo Ludolf (Cord) 2017 apud Luther 2012) em1550 ali se
construía a Empresa de Concerto e Fabricação de Embarcações.

Todo o processo industrial que se desenvolveu na região ao


longo de três séculos foi comandado pela relação com a agricultura
desenvolvida a partir da Bahia de Todos os Santos fornecedora de
insumos como o algodão, cacau, mamona, areia etc. Este processo
estava condicionado pelo mercado (interno e externo) e pela
capacidade de modernização das fábricas pelo aporte de novas
tecnologias que assegurassem aos produtos locais condições de
competitividade.

As empresas localizadas na região não suportaram as crises que


afligiram o setor, notadamente a concorrência do parque industrial do
Sudeste cujos produtos aqui chegavam incorporando uma moderna
tecnologia e facilitados por um novo sistema de comunicações
rodoviárias que desarticulou todo o mercado nordestino. Algumas
empresas se mudaram para os novos centros industriais construídos
na periferia (CIA e COPEC) e os que ficaram servem de monumentos
à nossa falência gerencial.

1162
FRAGMENTOS

Notas

1 Segundo Vianna (1893), primeiro diretor do Arquivo Público do Estado


da Bahia, a Villa Velha, sede da Capitania Baía de Todos os Santos, se
localizava numa área entre o Bairro da Graça e o Porto da Barra, e foi
criada por Francisco Pereira Coutinho, donatário da Capitania, que
ampliou a povoação inicial de Diogo Alves Corrêa, o Caramuru, que vivia
em terras baianas desde 1509-1510.

2 Chegou com o séquito de Tomé de Sousa e se tornou um poderoso


proprietário de terras no Brasil (VARNHAGEN, 1877).

3 A ligação da Península ao resto da cidade era realizada por um estreito


istmo de apenas 35 metros Rua Dois de julho (CARVALHO, 1915).

4 Funcionário da Corte Portuguesa, que veio para o Rio de Janeiro, em


1811, acompanhando a segunda remessa da Biblioteca Real, e escreveu
regulamente, entre 1811 e 1821, para a família em Lisboa.

5 Localidade onde hoje existe a Casa Pia e o Colégio dos Órfãos de São
Joaquim.

6 Tal estrutura persistiu até o falecimento do Visconde da Torre de Garcia


d’Ávila, descendente de Garcia d’Ávila, Antônio Joaquim Pires de
Carvalho e Albuquerque recebeu na coroação de D. Pedro I, em 1822, o
título de Barão da Torre de Garcia d’Ávila e foi elevado a Visconde, em
1826, vindo a falecer em 1852 (PIRES JUNIOR, 2002).

7 O Noviciado ficava mais ou menos no centro da extensão que a cidade


tinha, tomando-o como ponto de referência, ter-se-ia aproximadamente
a distância de 4 km para a Conceição da Praia, e 4 km para o Bonfim.

8 Até a década de 1970 a Prefeitura Municipal de Salvador disponibilizava


o lixo coletado na cidade para a ser utilizado como aterro nos Alagados
(CARVALHO, 2002).

9 Entre os anos de 1973 e 1984 o Governo do Estado realizou uma ampla


urbanização dos Alagados, erradicando palafitas por meio de aterros
hidráulicos. O aterro foi viabilizado pelas jazidas marítimas, situadas do
outro lado da Península de Itapagipe em frente à Praia do Bugari, de
onde se retirou a areia do fundo do mar (CARVALHO, 2002).

10 Em toda a Salvador, de acordo com Almeida (2012), entre os anos de


1946 e 1959, foram edificados 24 conjuntos residenciais, com a chancela

1163
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

do poder público e patrocinados pelos Institutos de Aposentadoria e


Pensão e das Caixas de Aposentadoria e Pensão, os quais se concentraram
principalmente nos bairros do Santo Antonio, Brotas e na região de
Itapagipe.

11 O Centro Industrial de Aratu foi criado pelo Decreto nº 1.932, de 3


de novembro de 1964, seguido da desapropriação de uma área com
14.300 hectares, que englobou terras dos municípios de Candeias,
Simões Filho e Lauro de Freitas. Área destinada a criação de uma Cidade
Industrial, estruturada para atrair e concentrar indústrias, parte de uma
política pública planejada pelo Estado para alavancar o desenvolvimento
industrial da Bahia (NASCIMENTO, 1997, p. 108).

1164
FRAGMENTOS

Referências

A TARDE. Chadler terá um prazo para deixar Roma. Jornal A Tarde, Salvador, 29
de janeiro de 1991.

ALMEIDA, Caliane C. O. de. Habitação social no Nordeste: a atuação das CAPs


e doa IAPs (1930- 1964). 2012, 383 fl. Tese (Doutorado em Arquitetura e
Urbanismo) - Universidade Federal da Bahia (UFBA), Salvador, 2012.

BAHIA. Falla que recitou o presidente da província da Bahia, o Dezenbargador


conselheiro Francisco Gonçalves Martins, n’abertura da Assembléa Legislativa
da mesma província, em 4 de julho de 1849. Bahia: Typographia de Salvador
Moitinho, 1849.

BAHIA. Falla que recitou o presidente da província da Bahia, o Desembargador


Conselheiro Francisco Gonçalves Martins, n’abertura da Assembléa Legislativa
da mesma província, no 1. de março de 1852. Bahia: Typographia Const. de
Vicente Ribeiro Moreira, 1852.

BAHIA. Falla que recitou o exm. presidente da provincia da Bahia, dr. João
Mauricio Wanderley, na abertura da Assembléa Legislativa da mesma província
no 1.o de março de 1853. Bahia: Typographia de Antonio Olavo da França
Guerra, 1853.

BAHIA. Falla recitada na abertura da Assembléa Legislativa Provincial da Bahia


pelo presidente da provincia o Doutor Francisco Xavier Paes Barreto. Bahia:
Typographia de Antonio Olavo da França Guerra, 1859.

BAHIA. Falla que, recitou na abertura da Assembléa Legislativa da Bahia, o


vice-presidente da provincia Dr. José Augusto Chaves. Bahia: Typographia de
Antonio Olavo da França Guerra, 1861.

CÂMARA. Marcos Paraguassú de Arruda. Conceição e Pilar: freguesias seculares


do Centro econômico e do Porto de Salvador até o século XIX. 1989, 213 fl.
Dissertação (Mestrado em História) - Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas
(FFCH), Universidade Federal da Bahia (UFBA), Salvador, 1989.

CARDOSO, Ceila Rosana Carneiro. As fábricas na península: Itapagipe como sítio


industrial da Salvador Moderna. Revista Arquitextos, ano 11, mai. 2011. Disponível
em: http://www.vitruvius.com.br/revistas/ read/arquitextos/11.132/3894. Acesso
em: 2 jan. 2018.

1165
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

CARVALHO, Carlos Alberto de. Tradições e milagres do Bomfim: obra seguida


de interessante resenha histórica da Península de Itapagipe. Bahia: Typ.
Bahiana, 1915.

CARVALHO, Eduardo Teixeira de. Os Alagados da Bahia: intervenções


públicas e apropriação informal do espaço urbano. 2002, 307fl. Dissertação
(Mestrado em Arquitetura e Urbanismo) - Universidade Federal da Bahia
(UFBA), Salvador, 2002.

CAMARGO, Maria Vidal de Negreiros. Fratelli Vita: sabor e brilho na Península


de Itapagipe. In: FLEXOR, Maria Helena Ochi; SCHWEIZER, Peter José (org.).
Península de Itapagipe: Patrimônio industrial e natural. Salvador: EDUFBA,
2011, p. 169-192.

CORREIO DA BAHIA. Renovação da licença da Chadler é negada. Jornal Correio


da Bahia, Salvador, 29 de janeiro de 1991.

FERREIRA, Jaime de Moura. Itapagipe de minhas memórias: décadas de 1950 e


1960. Lauro de Freitas: [SN], 2005.

FIPE. Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas. Plano Salvador 500: Avaliação


do PDDU e da LOUOS em vigor e respectivas justificativas e recomendações para
a proposta de revisão destes instrumentos. Relatório P4.1. São Paulo: FIPE, 2015.

FLEXOR, Maria Helena Ochi. Luiz Tarquínio: a Companhia Empório Industrial


do Norte. In: FLEXOR, Maria Helena Ochi; SCHWEIZER, Peter José (org.).
Península de Itapagipe: Patrimônio industrial e natural. Salvador: EDUFBA,
2011, p. 143-168.

GARCIA, Rodolfo. Cartas de Luiz Joaquim dos Santos Marrocos, escritas do Rio
de Janeiro à sua família em Lisboa, de 1811 a 1821 - Carta n. 52. In: BIBLIOTECA
NACIONAL DO RIO DE JANEIRO, Volume LVI. Anais [...]. Rio de Janeiro: Serviço
Gráfico do Ministério da Educação, 1939.

IBGE. INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Sinopse do Censo


Demográfico 2010. Disponível em: https://censo2010.ibge.gov.br/sinopse/
index.php?dados=6. Acesso em: 9 jan. 2018.

IDADE D’OURO DO BRAZIL. Bahia, 14 de maio de 1811. Idade d’Ouro do Brazil,


Bahia, 14 mai. 1811, p. 3.

IDADE D’OURO DO BRAZIL. Bahia. Idade d’Ouro do Brazil, Suplemento

1166
FRAGMENTOS

extraordinário. Bahia, 6 jul. 1813a, p. 4.

IDADE D’OURO DO BRAZIL. Avisos. Idade d’Ouro do Brazil, Bahia, 30 ago.


1814b, p.4. IDADE D’OURO DO BRAZIL. Avisos. Idade d’Ouro do Brazil, Bahia,
17 nov. 1815c. p. 4.

INSTITUTO CULTURAL CASA VIA MAGIA. Memória em Movimento: na terra e


nas águas de Itapagipe. Enciclopédias da Cidade – Volume V. Salvador: Instituto
Cultural Casa Via Magia, 2007.

IPHAN. Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Festa do Bonfim:


A maior manifestação religiosa popular da Bahia. Brasília: IPHAN, 201-.

JOÃO VI. Alvará de 1 de abril de 1808. Permitte o livre estabelecimento de


fabricas e manufacturas no Estado do Brasil. Coleção das leis do Brazil de 1808.
Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1891a.

JOÃO VI. Alvará de 28 de abril de 1809. Isenta de direitos ás materias primaz


do uso das fabricas e concede outros favores aos fabricantes e da navegação
Nacional. In: Coleção das leis do Brazil de 1809. Rio de Janeiro: Imprensa
Nacional, 1891b.

JOÃO VI. Carta de Lei de 26 de fevereiro de 1810. Ratifica o Tratado de


commercio e navegação entre o Principe Regente de Portugal e EI Rey do Reino
Unido da Grande Bretanha e Irlanda assignado no Rio de Janeiro aos 18 deste
mez e anno. In: Coleção das leis do Brazil de 1809. Rio de Janeiro: Imprensa
Nacional, 1891c.

LEITE E ALVES. Histórico. 2018. Disponível em: http://www.charutosleitealves.


com.br/portugues/. Acesso em: 24 maio 2018.

LUTHER, Aline de Carvalho. Patrimônio arquitetônico industrial na Península


de Itapagipe: um estudo para preservação. 2012, 316 fl. Dissertação
(Mestrado em Conservação e Restauro) - Universidade Federal da Bahia
(UFBA), Salvador, 2012.

MARIA, I. Alvará régio proibindo no Brasil todas as fábricas e manufaturas de


ouro, prata, sedas, algodão, linho e lã, só permitindo as de fazenda grossa de
algodão. Lisboa, Portugal: [s.n.], 1785.

MAROCCI, Gina Veiga Pinheiro. Idealização urbana no governo do 8º Conde dos


Arcos. In: NASCIMENTO, Jaime; GAMA, Hugo (org.). A urbanização de Salvador

1167
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

em três tempos – Colônia, Império e República: textos críticos de história urbana.


Salvador: Instituto Geográfico e Histórico da Bahia, 2011, v. 1, p. 83-113.

MATTEDI, Maria Raquel Mattoso. As Invasões em Salvador: Uma Alternativa


Habitacional. 1979, 211fl. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais) -
Universidade Federal da Bahia (UFBA), Salvador, 1979.

MATTOS, Waldemar. Panorama econômico da Bahia 1808-1960. Salvador:


Assembleia Legislativa da Bahia, 2011.

MORAES. Alexandre José de Mello. Chronica geral e minuciosa do Imperio do


Brazil: desde a descoberta do Novo Mundo ou America até o ano de 1879. Rio
de Janeiro: Typographia Carioca, 1879.

OLIVEIRA, Mário Mendonça de. A defesa da Baía de Todos os Santos. In:


CAROSO, Carlos; TAVARES, Fátima; PEREIRA, Cláudio. (org.). Baía de Todos os
Santos: aspectos humanos. Salvador: EDUFBA, 2011, p. 129-202.

ORGANIZAÇÃO LEÃO DO NORTE. Nossa história. Disponível em: http://www.


leaodonorte.com.br// historia. Acesso em: 29 mai. 2018.

PINHEIRO, Eloísa Petti. Europa, França e Bahia: difusão e adaptação de modelos


urbanos (Paris, Rio e Salvador). Salvador: EDUFBA, 2011.

PIRES JÚNIOR, Christovão Dias de Ávila. Conferência proferida pelo eng. Militar
Christovão Dias de Ávila Pires Junior, no Instituto Geográfico e Histórico da
Bahia, em Salvador – Bahia, no dia 5 dez. 2002. Disponível em: http://www.
casadatorre.org.br/vtorre.htm. Acesso em: 3 fev. 2018.

PMS. PREFEITURA MUNICIPAL DO SALVADOR. Atlas parcial da cidade do


Salvador. Salvador: PMS, 1955.

SAES, Alexandre Macchione. Modernização e concentração do transporte


urbano em Salvador (1849- 1930). Revista Brasileira de História, São Paulo, v.
27, n. 54, p. 291-238, dez. 2007.

SAMPAIO, José Luis Pamponet. A evolução de uma empresa no contexto da


industrialização brasileira: a Companhia Empório Industrial do Norte, 1991-
1973. 1975, 236 fl. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais) - Universidade
Federal da Bahia (UFBA), Salvador, 1975.

SANTANA, Mariely Cabral de. Alma e festa de uma cidade. In: NASCIMENTO,
Jaime; GAMA, Hugo (org.). A urbanização de Salvador em três tempos – Colônia,

1168
FRAGMENTOS

Império e República: textos críticos de história urbana. Salvador: Instituto


Geográfico e Histórico da Bahia, v. 2, p. 109-146, 2011.

SANTOS, Eulina Nascimento; SILVA, Sérgio Franklin Ribeiro. O recolhimento de


acervos de instituições privadas extintas: o caso do parque industrial da Cidade
Baixa e Península Itapagipana da cidade de Salvador. Informação Arquivística, v.
5, n. 1, p. 3-26, jan./jun., 2016.

SANTOS, Milton. Localização industrial em Salvador. Revista Brasileira de


Geografia, Rio de Janeiro, ano 20, n. 3, p. 245-276, jul./set. 1958.

SANTUÁRIO SENHOR DO BONFIM. História do Santuário. Disponível em: http://


www. santuariosenhordobonfim.com/historia#. Acesso em: 14 fev. 2018.

SCHWEIZER, Peter José. Patrimônio histórico: quando a cidade vira mercadoria.


In: FLEXOR, Maria Helena Ochi; SCHWEIZER, Peter José (org.). Península de
Itapagipe: Patrimônio industrial e natural. Salvador: EDUFBA, 2011, p. 135-141.

SOUSA, Gabriel Soares. Tratado descriptivo do Brasil em 1587. Rio de Janeiro:


Typographia de João Ignacio da Silva, 1879.

SOUZA, Ângela Gordilho. Favelas, invasões e ocupações coletivas nas grandes


cidades brasileiras – (re) qualificando a questão para Salvador- BA. Cadernos
Metrópole, São Paulo, n. 5, p. 63-89, 2001.

SOUZA CRUZ. Nossa história. Disponível em: http://www.souzacruz.com.br/


group/sites/SOU_ AG6LVH.nsf/vwPagesWebLive/DOAG7DXA. Acesso em: 24
maio 2018.

SPINOLA, Noelio Dantaslé. Política de localização industrial e desenvolvimento


regional: a experiência da Bahia. Salvador: Unifacs, 2003.

VIANNA, Francisco Vicente. Memórias sobre o Estado da Bahia. Bahia:


Typographia e Encadernação do Diario da Bahia, 1893.

VARNHAGEN. Francisco Adolfo de. História geral do Brazil antes da sua separação
e independência de Portugal. Rio de Janeiro: E. & H. Laemmert, 1877a. Tomo I.

VARNHAGEN. Francisco Adolfo de. História geral do Brazil antes da sua separação
e independência de Portugal. Rio de Janeiro: E. & H. Laemmert, 1877b. Tomo II.

1169
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

Recebido em: 15.11.2019. Aprovado em: 22.11.2019.

JOSÉ GILEÁ DE SOUZA


Doutor em Desenvolvimento Regional e Urbano. Coordenador do Mestrado
em Direito, Governança e Políticas Públicas da Universidade Salvador
(UNIFACS). Professor da Universidade do Estado da Bahia (UNEB). Pesquisador
do Grupo de Estudos Regionais e Urbanos (Gerurb/CNPq). E-mail: jose.gila@
unifacs.br

LAUMAR NEVES DE SOUZA


Doutor em Ciências Sociais. Professor Permanente Programa de Pós-
Graduação em Desenvolvimento Regional e Urbano da Universidade Salvador
(UNIFACS). Pesquisa- dor do Grupo de Estudos Regionais e Urbanos (Gerurb/
CNPq). E-mail: laumar.souza@ gmail.com

NOELIO DANTASLE SPINOLA


Doutor em Geografia. Professor Permanente Programa de Pós-Graduação em
Desenvol- vimento Regional e Urbano da Universidade Salvador (UNIFACS).
Pesquisador do Gru- po de Estudos Regionais e Urbanos (Gerurb/CNPq).
E-mail: spinolanoelio@gmail.com
Goiânia, v. 5, n. 2, p. 341-362, jul./dez. 2019.

1170
FRAGMENTOS

1171
NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

1172

Você também pode gostar