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FAZENDA SÃO BERNARDINO

PATRIMÔNIO HISTÓRICO
IGUAÇUANO

Breve análise de uso de suas instalações


segundo estudo de sua planta.

25/10/2017
PREÂMBULO

Atendendo solicitação dos estudantes de arquitetura


Danielle Almeida, Patrícia Vettorazzi, Cecília Trindade, Carla
Gomes e Gabriel Amaral, que buscam conhecer e identificar as
funções dos diversos cômodos da Fazenda São Bernardino, para
instruir trabalho que vem desenvolvendo durante seu curso,
tentaremos responder aos mesmos, seguindo a ordem da
numeração que foi colocada no desenho da planta da referida
fazenda, obtida nos arquivos do IPHAN.

Entretanto, necessário se faz um ligeiro resumo


introdutório que permita inserir referida edificação no contexto
do Século XIX, considerando ainda sua localização e seus fins,
segundo objetivos de seu proprietário, além de breve reflexão
sobre seu abandono até o presente estado de ruína.

A CASA GRANDE

Construção de estilo neoclássico, em forma de "U", com


três pavimentos na sua parte central, edificada sobre um pequeno
outeiro, situada do lado direito da estrada que de Vila de Cava
segue para Tinguá, denominada atualmente Estrada Zumbi dos
Palmares, nº 2023, anteriormente denominada de "Estrada
Federal", muito embora seja uma Rodovia Estadual (RJ 111),
situada no distrito de Vila de Cava, no município de Nova
Iguaçu, ficando localizada no extinto território da Vila de Iguaçu,
no lugar hoje conhecido como Iguaçu Velha.

À sua frente, um majestoso renque de palmeiras imperiais,


conduz o caminho entre a fazenda e a antiga Parada São
Bernardino, da antiga e hoje extinta Estrada de Ferro Rio D`Ouro,
emoldurando o belo conjunto arquitetônico que ainda hoje
comove aquele que a visita, possuindo em plano inferior, que se
acessa por alta escadaria, um amplo terreiro de secagem de café,
contornado pelas ruínas da antiga senzala e do que sobrou do
engenho.

Seu fundador foi o Comendador Bernardino José de Souza


e Mello, que depois do casamento com Cipriana Maria Soares,
passa a ser sócio de vários negócios com o sogro, o também
Comendador Francisco José Soares, na Villa de Iguassu,reunia
com suficiência todas as possibilidades para construir a Fazenda
São Bernardino, assim se referindo a ele o relatório existente no
IPHAN, quando da iniciativa de se levar avante a implantação do
Parque de Múltiplo Uso São Bernardino, no ano de 1974, pela
Prefeitura de Nova Iguaçu, com recursos da FUNDREM -
Fundação para o Desenvolvimento da Região Metropolitana do
Estado do Rio de Janeiro:

"Os negócios em que os Soares e Melo estiveram à frente, juntos


ou separados, tomando por base o ano em que a cólera-morbo atingiu a
Vila de Iguaçu (1855), e dai por diante, foram os seguintes: Melo & Irmão,
Melo & Souza (comércio); Soares & Melo (arrematante de barreira e
"venda de bilhetes" para passageiros nos "ônibus" de Joaquim Gonçalves
Bastos); Moura, Filhos Soares & Cia. (frete, ensaque e exportação de
café); Veiga & Cia. (idem)

Não foi sem razão que foi classificada em dito relatório


como

"Exemplar de elevado valor monumental do patrimônio histórico e


artístico do país".

Caminhar por suas ruínas desperta a imaginação. E logo


nos vem os ecos do passado, como a sugerir de que maneira se
vivia ali no tempo de fastígio e opulência, do ir e vir das pessoas,
o canto melancólico de algum escravo, a sonhar com a liberdade
ou sua terra natal, as mocinhas casadoiras contando os dias para
a festa da matriz ou curiosas a respeito de algum visitante moço,
que não podia ultrapassar a ala social da casa.
O poeta mineiro Emílio Moura, amigo e conterrâneo de
Drummond, no seu livro A Casa, define melhor esse sentimento
com seus versos:

"Abro os olhos à memória: a Casa salta do tempo.


Ah, cheiro de outrora, cheiro de relva, de terra úmida...
A vida, ao redor, tão clara, tão segura de cada hora."

"Transbordamos para o pátio, vencemos, céleres, ..."

"...áreas sem limites. Que áureo mundo!"

"Há valos, córregos, moitas e, ah, segredos!..."

"Em cada ritmo, um modo de ser e sonhar..."

Idealizada e construída pelo Comendador Bernardino José


de Souza Mello a partir do ano de 1862, só veio a ser concluída
no ano de 1875, segundo data que até há poucos anos se via em
sua fachada, além do monograma BJSM, alusivo ao seu fundador.
Foi edificada na nova área surgida a partir da junção de duas
propriedades:

"Em 1861, a 13 de outubro, a firma Soares & Mello, como


cessionária da viúva Moreira, de Luiz Manoel Bastos, José Joaquim
Gonçalves, Manoel José Ferreira, Manoel de Moura Alves e Barão de
Guandu (credores de José Frutuoso Rangel, inventariante de sua mulher -
Antonia de Moura Rangel), adquire terras do citado inventariante, após o
pagamento das dívidas do casal.

Tratava-se de um "sítio" de florestas, em terras próprias, com


trezentas e oitenta e sete braças e sete palmos de testada e fundos, um
quarto de légua, mais ou menos, com todas as benfeitorias e onze
escravos (pelo valor de três contos de réis). Tudo registrado no cartório
do tabelião José Manoel Caetano dos Santos (processo nº 2.252, existente
no Cartório do 1º Ofício de Nova Iguaçu).

O sítio de floresta, com benfeitorias e escravos é posteriormente


comprado por Bernardino José de Souza e Mello, por dois contos de réis.

A 3 de junho de 1862, Bernardino José de Souza e Mello adquire o


"sítio Bananal", que era de propriedade de Francisco de Paula e Silva e
sua mulher - Maria Maciel Rangel da Silva.
Esse sítio media 434 braças de testada e 603 de fundos,
confrontando-se ao norte, com José Gonçalves Bastos; aos sul, com José
Frutuoso Rangel; fundos, com os herdeiros do capitão Joaquim Mariano
de Moura; frente, com Fortunato José Pereira. O objeto desta compra
estava hipotecado a Francisco José Soares e Luisa Joaquina da Costa
Neves "que abriram mão da hipoteca em favor de Bernardino José de
Souza e Mello".

Os dois "sítios" são anexados e formam o primeiro núcleo


territorial para compor as terras da futura Fazenda São Bernardino."

A primeira estranheza que se impõe a quem estuda a


fazenda é o fato da mesma ter sido iniciada e concluída sua
construção já em plena era de decadência da vizinha Villa de
Iguassú, que desde 1858, com a chegada da Estrada de Ferro
Dom Pedro II a Maxambomba (atual centro de Nova Iguaçu),
iniciara o lento processo de esvaziamento econômico em favor do
citado lugarejo, que deixara a Villa apenas com a animação
artificial que lhe proporcionava a vida administrativa do
município, que ali ficou até o ano de 1891, quando se transfere
em definitivo para Maxambomba.

Com efeito, na medida que a Estrada de Ferro Dom Pedro


II, se interiorizava em direção ao Vale do Paraíba e
posteriormente em direção as províncias de São Paulo e Minas
Gerais, decaia dia a dia o movimento de tropas na Estrada Real
do Comércio, que ligando a antiga Villa de Iguassu, ao interior
das antigas províncias do Rio de Janeiro e Minas Gerais, foram a
razão de sua existência como uma das muitas Vilas de Comércio,
que haviam no chamado Recôncavo da Guanabara, citadas por
Alberto Ribeiro Lamego no seu livro "O HOMEM E A
GUANABARA"

Sobre esta importante estrada, oportuno transcrever o texto


utilizado em placa de sinalização dos monumentos históricos,
desenvolvida pelo IAPAC (Instituto dos Amigos do Patrimônio
Histórico) e IHGNI (Instituto Histórico e Geográfico de Nova
Iguaçu):
Minguava a cada dia a busca de seus numerosos portos
fluviais, armazéns e trapiches e com isso o abandono paulatino
dos cuidados devidos a navegação fluvial que ocasionaram a
inviabilidade do transito de barcos no Rio Iguaçu, em razão de
assoreamento de seu leito e outras obstruções.

Com a estrada de ferro, a preferência do transporte mais


cômodo se fez logo sentir, acarretando a decadência do antigo
sistema.

Por certo, se a decadência comercial de Iguaçu levou ao


desaparecimento da Vila, não queremos dizer que o mesmo
aconteceu com seus habitantes, em especial o Comendador
Bernardino José de Souza e Mello, pois em hipóteses que tais, o
capitalista vai procurando dia a dia como empregar seu dinheiro
de modo que o homem previdente não é apanhado de surpresa.

Na verdade, Bernardino de Mello, ganhava muito mais


como comprador e revendedor de café do que propriamente
produzindo esse produto ou qualquer outro e quando ocorreu o
declínio final da Villa de Iguassú, seus interesses comerciais já
estavam enraizados em Maxambomba.

Para realizar esta pesquisa, buscamos na hemeroteca da


Biblioteca Nacional os jornais da época e lá deparamos com uma
notícia que só o frete aplicado ao café, na sua passagem por
Iguassú, encarecia o produto em 20% e não nos esquecendo que
Bernardino de Mello e o sogro detinham o principal porto fluvial
da Vila, o Porto Soares & Mello. Era, ainda arrematante de
produtos apreendidos pela barreira fiscal, atividade extremamente
especulativa, além de ser comissário de café. Não resta dúvida
que quando a Villa de Iguassú decaia os Soares & Melo já
tinham outros planos, transferindo seus negócios para a
localidade de Maxambomba, a qual, desde 29 de novembro de
1862, pelo Decreto nº 1267 da Província, tornara-se sede da
Freguesia de Santo Antônio de Jacutinga.

Ao se analisar a planta da Fazenda São Bernardino e lhe


visitar as ruínas, fica patente que sua construção decorreu de
calculado e intencional propósito de seu proprietário, refletindo a
edificação todas as circunstâncias então existentes em mãos de
seu construtor, como procuraremos demonstrar, de modo que
tudo obedece a propósitos e intenções pré-definidas, que vão de
sua posição social e fortuna acumulada até aquele momento, sua
cultura pessoal, suas relações sociais e políticas no universo
fluminense de então.

O TERRENO ESCOLHIDO

Podemos começar pela escolha do lugar para sua


implantação, o partido arquitetônico escolhido e executado, a
elevada qualidade técnica da construção que empregou desde a
utilização de vidraças nas janelas, telhas de louça importada em
seus beirais, pedra em seus alicerces e tijolos maciços em sua
alvenaria, além de madeiras nobres em sua estrutura de telhados
com muitas águas e assoalho sobre porão elevado.

A fachada principal, disposta num corpo central de três


pavimentos, possui de cada lado duas alas em forma de "U" com
pátio central ajardinado, que lhe dão feições de palacete rural,
repetindo fórmula empregada nas grandes edificações do período
imperial, como o próprio palácio de verão do imperador em
Petrópolis, também de estilo neoclássico ou das grandes fazendas
de café do Vale do Paraíba.

Porque razão a fachada estaria orientada para a direção


Norte e a fazenda construída em plano elevado em relação ao
engenho (dependências de serviços) e a senzala, cocheiras e
tulhas e poderemos supor o seguinte:

- O seu construtor desejava oferecer boa insolação aos


quartos dispostos nas duas laterais em forma de "U", de modo
que uma parte recebesse o sol da manhã enquanto a outra ala o
sol da tarde.

- Intencionava ele que a fachada estivesse voltada para a


grande e bela Serra do Tinguá, cuja vista privilegiada se obtém
nesta direção, a qual é apreciada facilmente de qualquer ponto de
quem se encontre sobre o pequeno outeiro onde se ergue a
fazenda, melhor ainda para quem estivesse nos pavimentos
superiores, de suas janelas, mirante ou balcões gradeados. Aliás,
a fachada com suas águas e volumes não deixa de ser uma
repetição do volume projetado da citada Serra, a lhe imitar os
contornos.

- O construtor sabia, como homem bem informado e de


superior relação social na Corte, que naquele sítio, 12 anos mais
tarde, seria implantada a Estrada de Ferro Rio D`Ouro,
exatamente para onde estaria voltada a fachada principal da
fazenda, decidindo plantar uma alameda de palmeiras imperiais
que terminavam no local da futura estação (parada) São
Bernardino. Vale lembrar que naquela ocasião não existia a atual
Estrada Zumbi dos Palmares, ainda hoje também chamada de
Estrada Federal, que passa diante da fazenda, a qual foi
construída naquele ponto por disposição do futuro proprietário
Giácomo Gavazi, para facilitar o escoamento da produção, com
sacrifício de quatro palmeiras imperiais e solapamento da
muralha e acesso ao patamar onde se acha a sede.

- A diferença de plano (eira e beira) na implantação dos


edifícios, resultava no efeito proporcionado pela linguagem
arquitetônica das diferenças de classe social e dos trabalhos
servis, patenteando a divisão de mundos então existentes entre
senhor e escravo, entre quem manda e quem obedece e muitas
outras analogias que se podem fazer. Em suma, era mesmo para
corporificar no edifício a condição social exercida e vivida pelo
Comendador Bernardino José de Souza Mello.

- A ala social disposta na parte central da edificação


deixava a mesma a salvo das elevadas temperaturas do clima na
região, protegida pelas alas de quartos, além do pé-direito de
quase 5 metros de altura além do que, nesse corpo central, o
edifício se elevar do solo em razão da existência de um grande
porão ventilado, que possibilitou a implantação de uma adega sob
a escadaria principal, sem contar o isolamento climático
proporcionado pelas grossas paredes de tijolos e telhas de barro
sobre forro de madeira.

As amplas janelas e portas, permitiam um perfeito controle


de luz e dos ventos, posto que dotadas de vidraças e o chamado
"escuro" em todas elas, a parte de folhas de madeira que permite
vedar o acesso da luz e do vento.

A par dos incontáveis elementos que realçavam a condição


social do Senhor da casa, havia ainda uma capela doméstica, já
que a condição de católico romano era também quase inseparável
dos grandes homens do império, sendo a prática da religião
elemento que distinguia e cimentava as relações sociais e
civilizatórias daquele tempo. Era o tempo das irmandades e
confrarias, sendo que aquele que não pertencesse a uma ou a
outra teria dificuldade até para ser sepultado.

É bem possível que a implantação da capela na edificação,


certamente concebida desde a feitura de seu risco, tenha
contribuído, de forma decisiva, para determinar a orientação geral
do edifício, pois a mesma tinha seu altar instalado na parede
Leste do cômodo onde se situava a capela, de modo que tanto os
fieis quanto o padre, durante a celebração da Santa Missa,
ficassem voltados para o nascente (ou seja "ad oriente" ou "versus
Deum" ) eis que o Concílio de Trento, determinava que, sempre
que possível, os lugares de celebração, ficassem voltados nesta
direção, que também é a direção de Jerusalém, ou
simbolicamente, da Jerusalém celeste.

Pode-se afirmar que cada um desses pré-requisito influiu,


sem dúvida, com maior ou menor influência para que a Fazenda
São Bernardino se tornasse o custoso edifício que efetivamente se
tornou. Tão custoso que as gerações que se seguiram foram
incapazes, até agora, de lhe conferir manutenção mínima de modo
que se acha hoje em completa ruína, e mesmo assim, continua a
despertar emoções nos que a visitam.

DESCRIÇÃO DOS CÔMODOS

Nº 1 - Alcova (quarto sem janela), medindo 2,42 X 3,15,


existente na ala social da fazenda, reservado para hospedar
estranhos que tivessem necessidade de pernoite, os quais não
tinham licença para adentrar a ala íntima da mesma, aos quais se
recolhiam a noite, até a manhã seguinte. Constava a guarnição
desse cômodo numa cama, um pequeno baú, uma escarradeira de
metal ou louça, um urinol que se guardava oculto sob as cortinas
de um pequeno criado mudo. Havia sempre um jarro com água e
uma bacia para uso do hóspede.

A sala contígua (que não recebeu numeração) e que ficava


no acesso da alcova, era uma espécie de vestíbulo ou hall de
entrada, também conhecida como sala de música, em razão de seu
teto ser decorado com motivos relacionados a música (um
violino, uma livro de partitura, um trompete etc.) em gesso-
estuque. Desta sala as pessoas poderiam comodamente assistir a
celebração da Santa Missa na Capela que ficava à esquerda de
quem entrava pela porta principal, funcionando como se fosse a
"nave" da capela e o lugar desta como se fosse um "presbitério".
Desta forma, a porta em arco de acesso à capela interna, fazia as
vezes de um "arco-cruzeiro", como se fosse numa igreja. A porta
da capela possuía arco de volta completa, sendo as demais portas
internas com esquadria em verga reta.

A edificação da Fazenda São Bernardino, obedeceu aos


critérios do estilo neoclássico, ressaltado por seu formalismo
estético, primando pela simetria, notada tanto em sua fachada,
com a sequência nítida dos cheios e vazios pela disposição de sua
modenatura, portas e janelas, bem como de sua planta baixa, em
forma de "U" onde se repete a disposição simétrica de suas alas.

A existência de uma sala de música reflete o gosto pessoal


do idealizador da fazenda, sendo certo que foi amigo do
compositor Ernesto Nazareth (20.03.1863 - 01.02.1934), que lhe
dedicou a composição da polca Beija-flor, como se vê da
dedicatória da mesma "Ao Exmo. Sr. Comendador Bernardino
José de Souza e Mello" na partitura de referida peça musical.

Mauro Lemos de Azeredo (07.01.1934 - 07.11.2006), o


saudoso desenhista que mais retratou a Fazenda São Bernardino,
registrou com seu fino traço em nanquim, uma cena musical nesta
dependência da casa, em um quadro dos anos 1980, no qual se vê
um jovem ao piano, acompanhado por uma pessoa que toca um
violino, enquanto uma mulher sentada em uma cadeira bordando
uma toalha, assiste a apresentação. No fundo da composição, se
vê a capela e seu altar. Esta sala vestíbulo é retratada nesse
mesmo ângulo em fotografia do IPHAM, por ocasião do
tombamento e em diversas fotos que noticiaram o grande
incêndio ocorrido no dia 29/03/1983 e que durou, segundo
testemunhos, das 19 às 22 horas.

A Fazenda São Bernardino, tal qual suas congêneres do


Vale do Paraíba, era dividida em três áreas: trabalho, íntima e
social.

O espaço de trabalho é composto pelo escritório (nº 14),


pela sala dos cachimbos (nº 3), pela alcova (nº 1) e pelo grande
salão social que ficava anexo ao escritório, locais onde agentes
comerciais, fazendeiros, políticos e demais envolvidos com o
universo do café eram recebidos e hospedados por ocasião de
suas viagens de negócios.

O grande salão de jantar (nº 9a, 9b e 9c), era,


evidentemente franqueado aos visitantes que porventura fossem
admitidos a cear com a família, cujo acesso se podia fazer tanto
pelo salão social como pelo corredor da ala esquerda, que
também servia de acesso a escadaria para os pavimentos
superiores.

A existência de uma "sala dos cachimbos", cujo nome


deriva do local onde os homens de negócios se reuniam para
saborear os "prazeres lícitos" do hábito de fumar, enquanto
proseavam e se concediam uma pausa das conversas tensas dos
negócios comerciais, é atestada por menção de Mauro Azeredo
feita ao autor destas linhas e citações de pelo menos duas fontes,
como no livro "Pelos Caminhos que a História Deixou", de Stélio
Lacerda e Rogério Torres, na página 75, que igualmente faz
referência as salas de "música" e de "festas", assim como o
historiador memorialista Ney Alberto Gonçalves de Barros
(27/09/1940 - 22/06/2012), em matéria publicada no Jornal
Destaque Baixada.blogspot.com.br, assim se expressando: "A
capela interna da São Bernardino, ficava à esquerda, vizinha à
"sala dos cachimbos".

Ora, salvo equívoco do citado memorialista, o único


compartimento vizinho a capela e suficientemente arejado para a
suposta destinação de fumantes é o cômodo indicado pelo nº 3 da
planta, situado atrás da capela.

Nesse mesmo artigo, o professor Ney Alberto, menciona


ainda "na fachada lateral direita, havia uma porta que dava
acesso a área de serviços, onde ficava o armazém, (últimas
janelas)" o que coincide com o nº 24 da planta. Ficavam
certamente aí, as prateleiras e caixas de depósito de grãos, os
grandes armários destinados a guarda do material de despensa,
para uso na cozinha, cujas dependências ficava na ala oposta
(esquerda), cujo acesso do exterior se fazia também por uma
escada e porta, perfeitamente simétrica no desenho, assinalada
pelo nº 13 na planta.
Nº 2 - Capela da Fazenda - medindo 3,00 X 3,74, espaço
destinado as orações e celebrações dos ofícios divinos (Santas
Missas), ladainhas, novenas e tríduos em honra dos santos da
religião católica e, notadamente São Bernardino, invocação
daquele oratório.

Na planta observa-se a projeção que o altar do tipo fixo e


encostado a parede, ocupava no referido cômodo, observando-se
o retábulo e sua camarinha ou nicho, onde ficava, o trono
(degraus sobrepostos, em madeira) sob os quais se distribuíam
flores e castiçais. O conjunto pertencia ao estilo neoclássico, no
qual predominavam as linhas retas e reduzido adorno.

Observa-se ainda a mesa, na qual havia um furo central e


nesse furo uma pedra incrustada (chamada pedra d`ara) com
alguma relíquia atribuída a um santo, que geralmente era atestado
pela igreja. No caso desse altar o mesmo teria pertencido ao
"Collégio Pinheiro, na Corte" e fora trazido pelo proprietário da
fazenda para lhe fazer nova dedicação, como se pode ver do
requerimento feito pelo Comendador ao Bispo do Rio de Janeiro
Dom Pedro Maria de Lacerda, último bispo do império do Brasil,
e relatório feito a pedido do mesmo, por ocasião do pedido de
autorização para celebrar missas naquela capela, levado a efeito
pelo vigário da matriz de Nossa Senhora da Piedade de Iguaçu, o
padre Antonio Vieira dos Santos, anos mais tarde secretário desse
mesmo bispo.

Tão interessantes e elucidativos esses documentos que nos


permitimos apresentar na íntegra pelo menos o relatório, para
deleite do leitor, conservando a mesma grafia da época.

Ex. e Rev. Sr.

Em cumprimento da Provisão de V. Ex. Revma. fui pessoalmente à


Fazenda de S. Bernardino propriedade do Commendador Bernardino José
de Souza Mello, nesta Freguesia, para o fim de visitar, como me
determina a dita Provisão, o Oratorio que ahi se acha; e a vista do exame
a que procedi no dito Oratorio e nos objectos necessarios ao Santo
Sacrifício da Missa, passo a informar a V. Ex. Revma. o seguinte:
O oratorio está em logar separado e independente de todo o uso
profano, preparado não só com decência mas também com riquesa;
tendo a direita e a esquerda um arcáz, cada um com dois gavetões, onde
se achão as alfaias e paramentos.
Por detraz do altar, como se vê em muitas Egrejas, levanta-se um
throno de três degraus, sobre o último dos quaes está um Nicho, de
portas de vidro, encerrando uma imagem a S. Bernardino, obra perfeita,
de cerca de noventa centímetros de altura; tanto o altar como o throno
estão ornados de jarras de porcelana e de castiçais galvanisados de prata,
como usa-se hoje em nossas Egrejas.

O oratório tem tudo quanto é preciso para o Santo Sacrifício da


Missa, sendo todos os objectos quasi novos.

Não há dormitórios nem aposentos de nenhum dos lados, nem por cima
nem por baixo do oratorio.

O altar é fixo, a pedra d’ara inteira, e intacto o sepulchro das


relíquias da mesma.

O cálix e patena são de prata, esta todo dourada, e aquela


somente dentro da copa.

Reputo sagrados estes dois objectos, bem como a pedra d’ ara,


com quanto não seja possível na occasião saber-se quem os sagrou, visto
terem pertencido ao oratorio do Collegio Pinheiro, na Côrte.

No altar, além do forro da pedra d’ ara e do mesmo altar, ha trez


toalhas, sendo estas, bem como os amictos, alvas, corporaes, palas,
sanguinhos e toalhas de purificar os dedos ante et post missam de linho
fino. Todos estes objectos julgo-os bentos, fundando este meo juiso nas
mesmas razões porque reputo sagrados o calis, patena e pedra d’ ara.

Há cinco paramentos de missa para as cinco cores em separado, a


saber, branca, vermelha, roxa, verde e preta todos elles, no feitio e nos
ornatos conforme ao uso deste Paiz. Também estes objectos julgo-os
bentos, pelas razões já apresentadas.

Ha também cruz com Imagem do Senhor Crucificado, seis


castiçaes galvanisados, um terno de sacras, Missal Romano em bom uso
com a competente estante, campainha, um par de galhetas e
manustergios e finalmente subpedaneo junto ao altar.

Quanto a conveniencia do pedido, julgo dever-se ter em


consideração o seguinte:
A Sra. do peticionario do pedido, além de outros encomodos
chronicos, soffre ataques nervosos, com movimentos convulsivos e perda
de sentidos, durante os quaes, sendo na Igreja, a muita distração e
sussurro da parte dos assistentes, perturbação do Sacerdote e
consequente interrupção dos actos religiosos; por isso julgo que está no
caso de ser attendido; V. Exma. e Revma porem fará o que entender em
sua sabedoria.

Julgo ter cumprido as ordens de V. Exa. em todos os seus pontos.

Deus Guarde a V. Exa. Revma.

Iguassú, 13 de março de 1880.

Exmo. Revmo. Sr. D. Pedro Maria de Lacerda


Digníssimo Bispo Capellão Mór.

O Vigário Antonio Teixeira dos Santos

O altar, que era branco e dourado, possuía talhas bastante


simples com motivos florais e geométricos, no retábulo e no
frontispício da mesa um motivo eucarístico, consistente esse em
um alto-relevo de um cálice encimado por uma hóstia, da mesma
saindo resplendores de luz.

Ladeando o altar havia dois quadros com motivos da


paixão pendurados sob a parede e sob esses quadros dois arcazes
de madeira (móvel com gavetas) onde ficavam guardados os
paramentos litúrgicos, quais sejam, as alvas, casulas,
sobrepelizes, cíngulos, amitos bolsas, sanguíneos, toalhas de
altar, cálices, patenas, ostensórios, galhetas para água e vinho,
campainhas etc.

Todo esse conjunto ficava sobre um tablado de madeira,


denominado supedâneo, que faz as vezes do apoio de madeira
onde foi pregado os pés de Jesus na cruz, posto que, o altar
representa o calvário e o próprio sacrifício de Cristo que se
renova a cada missa, de modo incruento, pois não há mais
derramamento de sangue, que já ocorreu no Calvário.

O teto desse cômodo, em forma de abóboda de berço, era


todo decorado com relevos de estuque representativos dos
instrumentos da paixão de Cristo (cruz, martelo, lança, cilício,
coroa de espinhos, um torniquete, uma coluna. um ramo de trigo
e outro de oliveira de um dos lados, e do outro com instrumentos
da celebração, tais como turíbulo, naveta, cálice, bolsa, etc. Na
parte central a figura de uma pomba rodeada de resplendores,
simbolizando o Divino Espírito Santo, circundada por elementos
florais.

Nºs 4 e 5, 6 e 7 - Trata-se de quartos com alcovas, com


comunicações entre si através de uma porta, muito comuns
naqueles tempos de famílias com proles de dez, quinze ou mais
filhos, de modo que permite aos pais ou amas, uma vigilância
mais presente sobre as crianças e adolescentes. Quando havia
donzelas adultas na família, estas normalmente ficavam nas
alcovas, para melhor preservação de suas intimidades.

O costume era tão severo, que diversos viajantes


estrangeiros que as vezes gozavam da hospitalidade do senhor de
engenho, ficando dias nas fazendas do interior, se lamentaram
várias vezes que embora soubessem da existência de mulheres na
casa, estas nunca eram vistas, ou apenas apareciam raramente, já
que não tinham permissão para deixar a ala íntima da residência,
quando haviam estranhos hospedados.

Nº 8 - Serve esse cômodo de apoio a grande sala de jantar


localizada a sua frente, bem como uma espécie de vestíbulo dos
quartos cujo acesso pode ser feito através do mesmo.

Nºs 10, 11 e 12 - Quartos destinados ao uso dos serviçais


da casa, por sua proximidade estratégica com a cozinha e saída
para fora ou para o pátio interno, de modo que podiam acordar
bem cedo, ao canto do galo, para acender o fogão a lenha, sem
que seus ruídos matinais ocasionassem perturbação daqueles que
dormiam nos quartos mais internos da fazenda.

Nº 13 - Pequeno corredor de acesso a parte externa da


fazenda (lado leste da ala) e também da cozinha, já identificada
na própria planta.

Como se observa, a cozinha tinha grande dimensão,


medindo quase 6,50 por 10,00mts, em razão da elevada atividade
nesta área, para preparação de pelo menos três refeições diárias,
para um grande número de pessoas, inclusive os escravos, não se
percebendo a existência de uma cozinha separada para os mesmos
na área da senzala.

O que havia muitas vezes, era uma fazenda possuir duas


cozinhas, uma delas chamada de "cozinha suja" para os serviços
mais pesados, como limpeza e preparo das carnes, fabricação de
linguiça, grandes tachos para fazer torresmos ou doces, etc.

No princípio, não havia qualquer fechamento nos fundos


da fazenda, no extremo do "U", vindo-se a construir ali, somente
no início do século XX um fechamento em estilo chalé, com
beirais enfeitados por lambrequins que sequer combinavam com
o estilo mais antigo da casa. Muito provavelmente ai ficavam a
chamada "cozinha suja", servindo ainda para introdução de
banheiros no imóvel e a "lavanderia", como se pode notar em
algumas fotos da coleção do IPHAM, que cobrem esta área.

Nº 14 - Escritório de trabalho do fazendeiro, com acessos


para a "sala de música" e o grande "salão social", local onde o
mesmo recebia os negociantes e mantinha a escrita do movimento
econômico da fazenda em livros apropriados.

Nº 16 - Grande "salão social ou de receber visitas". Era o


mais suntuoso da casa, decorado com um grande espelho oval que
se vê em diversas fotografias, móveis de palinha com madeiras
encurvadas, mesinhas de canto para bibelôs e vasos de plantas,
possuindo um grande lustre sob o teto decorado em gesso-
estuque, com motivos geométricos, arabescos e florais.

Neste salão ocorriam as festas e bailes, como certamente o


que ocorreu quando da visita do Conde D´Eu fez a fazenda no
ano de 1877. com grande acompanhamento, ocasião que visitou a
Villa de Iguassú, sua igreja matriz e ainda efetuou uma caçada no
alto da Serra do Tinguá.

Aproveitamos aqui, para mais uma vez, afirmar que jamais o


imperador Dom Pedro II esteve na Fazenda São Bernardino, ou
nela "passasse seus fins de semana" como se vê lançado em
diversos escritos pretensamente sérios. O dia a dia do imperador
era anotado por ele mesmo em seu diário, por todos conhecido, e
ainda por sua agenda oficial publicada na maior parte dos jornais
da época, os quais, com precisão, informavam com antecedência
até o nome do camarista que estivesse de serviço de S.M.I.
naquela semana. E nunca se leu em ditos documentos qualquer
referência que o mesmo tivesse visitado a fazenda, sendo certo
que em 1848, visitou a Villa de Iguassu, nela passando a
caminho das Villas de Vassouras, Valença e Parahiba do Sul,
ocasião que teve condigna hospedagem na residência do então
tenente-coronel Soares. Por esta ocasião, D. Pedro II fez o
donativo de um conto de réis para as obras do chafariz da Vila
que seria instalado no Largo do Lava-pés. (in Memória da
Fundação de Iguassú - José Mattoso Maia Forte - pg. 112).

Ao contrário, a visita de seu genro, esposo da Princesa


Isabel, está registrada em publicação que se pode consultar na
Biblioteca Nacional, onde se lê:

1877 Junho 29

Neste mez seguio S. A. o Conde d´Eu pela estrada de ferro D. Pedro


II até Maxambomba, de onde partio para a fazenda de S. Bernardino,
propriedade do commendador Bernardino de Mello, acompanhado de
grande número de pessoas. Depois de almoçar, seguio para Iguassú, e ali
visitou as escolas, a câmara municipal e a igreja, regressando para a
fazenda, onde foi-lhe servido um jantar. à noite houve dansa, durante a
qual tocou a banda allemã. No dia 6 seguio para a fazenda do Tinguá,
propriedade do capitão Pinto Duarte. Jantou e ahi pernoitou depois de
assistir a um saráo. Na manhã de 7 seguio pela Serra do Commercio até o
Alto, onde tomou uma picada feita por Metzinger, que vai a um rancho.
Até ao rancho fez o trajecto a cavallo com a comitiva. Dahi , seguio a pé
até o cume do Tinguá, por outra picada. Gastou quatro horas na subida.
Ali almoçou e regressou para o rancho, onde foi recebido pela banda de
música. Dormio no rancho e no dia 8, depois de almoçar, seguio para a
fazenda do Tinguá, onde jantou e pernoitou.
No dia 9 encaminhou-se para Petrópolis, onde chegou às 4 horas
da tarde.

Observa-se que conservamos a grafia da época,


esclarecendo que Metzinger era um engenheiro morador na
freguesia de Santana das Palmeiras, uma cidade que havia num
platô da Serra do Tinguá, a cerca de 800 metros de altitude, da
qual atualmente só restam ruínas, sendo a maior delas da igreja
matriz, cujas paredes maiores ainda se vê de pé. Esta cidade foi
desapropriada no tempo do império para que não poluísse as
águas cuja captação se preparavam para abastecimento da Corte,
através de diversos aquedutos ainda hoje em funcionamento.

Registre-se que o Conde D'Eu chegou a fazenda vindo


através da Estrada de Ferro Dom Pedro II, descendo em
Maxambomba, pois não havia sido ainda construída a Estrada de
Ferro Rio D'Ouro, que passaria defronte à Fazenda São
Bernardino, onde seria construída uma pequena parada, como se
vê na págnina 171, no "Novo e Completo Índice Chronológico da
História do Brasil (RJ) relativos aos dias 26-27 de março de 1882:

"O Commendador Bernardino José de Souza e Mello, fazendeiro na


Piedade de Iguassú (Rio de Janeiro), além de 400 braças de terreno dado ao
governo geral para o encanamento d'água do Rio do Ouro, cede agora também
gratuitamente o necessário à estação que vai alli construir-se para a linha de
ferro do Cajú áquelle ponto."

Somente em outubro de 1886 seria inaugurado o tráfego


público desse ramal férreo.

Nº 17 - Cômodo de transição que poderia servir a diversos


fins, servindo como ligação entre o grande "salão social" e o
"salão de jantar", acima descrito.

Nº 18 - Quarto destinado a visitas especiais, no mesmo


havendo uma grande cama, sendo assim descrito pelo saudoso
Professor Ney Alberto:

"Alcova Imperial" com enorme cama de metal, para a estadia de


hóspedes ilustres.

Nº 19, 20 e 21 - Trata-se de uma sequência de três quartos


interligados, muito provavelmente para uso exclusivo da família.
Nº 22 - Era um quarto, a semelhança do existente no
número 12, da outra ala, destinado a algum dos serviçais da casa,
pois localizado ao lado do corredor de saída para fora da casa e de
acesso fácil ao grande armazém da fazenda. Era comum que os
que exerciam função na casa grande, utilizassem de cômodos nas
proximidades onde haviam de trabalhar.

SEGUNDO PAVIMENTO

Nºs 26, 27, 28, 29, 30, 31 e 32 - São quartos dos quais não
encontramos qualquer menção quanto ao seu uso, mas que, pela
nobreza de sua disposição, sendo aqueles voltados para a fachada
externa, dotados de um balcão de ferro contínuo, que permitiam o
vislumbre do renque de palmeiras, parada da estrada de ferro e
ainda da Serra do Tinguá, poderiam também ser destinados as
visitas nobres ou de maior intimidade ou quem sabe, de uso do
casal proprietário da fazenda.

Nº - 33, 34, 35. 36 e 37 - Mansarda - consistia este anexo


no terceiro andar, a guisa de água-furtada, de um mirante
panorâmico, do qual se tinha ampla visão da propriedade,
havendo sobre a escada um sistema de clarabóia para fornecer
iluminação natural a esta parte da casa.

ENGENHO E SENZALA

Na planta numerada referente as dependências do que foi o


engenho e a senzala, ambas as construções edificadas em plano
inferior ao da sede da fazenda, mas nem por isso menos
monumental, veem -se os númeos 38, 39 e 40, lançados nos
amplos espaços outrora destinados a "Casa do Engenho", local
onde se encontrava todo o maquinismo destinados as funções
próprias de beneficiamento da produção da propriedade. Mais
uma vez preferimos a transcrição do relatório da FUNDREM, que
bem descreve a instalação:

"... chegando-se ao plano superior, onde foi implantada a Casa


Grande, por uma escadaria , na CASA DO ENGENHO, montada em sólidos
alicerces de pedra e cal, com paredes edificadas com tijolões bem cozidos,
funcionavam, os maquinismos necessários para o fabrico de "aguardente".

A direita, era a casa do engenho propriamente dita, ali estavam, a


máquina a vapor, a moenda, bases das engrenagens que movimentavam as
polias que, pelo madeirame de sustentação do telheiro, atingiam, à esquerda, a
CASA DE FARINHA. Nesta dependência, estavam localizados os
instrumentos e aparelhagens para a movimentação do MOINHO DE FUBÁ,
da PRENSA DE MANDIOCA, UM FORNO, TANQUES, etc.

Aos fundos da casa de máquinas, estavam: um pequenino quartinho


para a guarda de produtos químicos de uso imediato, tonéis, tanques, fornalha,
caldeira, depósitos d`água, depósito de lenha e de bagaço (Bagaceira), a
entrada para a descarga de lenha e de cana, que se fazia por meio de um carro
de boi, com rodas de proporções menores (dai a necessidade de lajeado sobre
um córrego que, nascendo do pomar, corria ao longo do casario, recolhendo
sujidades e desaguando no riacho Cachimbau).

Ainda no corpo da casa de máquinas, localizavam-se a DESTILARIA,


os ALAMBIQUES, a plataforma de desembarque de cana, o depósito dela e o
PICADEIRO.

Aos fundos da Casa de Farinha, outros tantos tanques e bases de


maquinismos, um grande forno para tachas, espaço para "purgar" e "soque
de café".

Fora do corpo da Casa do Engenho, entre ela e o início do pomar, um


grande poço prestava-se para a lavagem das canas sujas de lama, para o uso
nas hortas e no pomar e para outros eventuais. E antes da captação das águas
da represa de Tinguá (cujos grossos encanamentos passavam paralelamente à
ferrovia, à frente da entrada da fazenda), a água potável era recolhida pelos
escravos numa nascente, cercada e coberta de tijolos, localizada a poucos
metros do engenho, na raiz de um monte.

Do que se fabricava, apenas o polvilho e a aguardente, eram


produzidos com objetivos comerciais. O restante, para consumo interno e de
parentes instalados com casas de moradia na vizinha "Villa de Iguassú".

A SENZALA

Enquanto o engenho ocupa todo o fundo do terreno, a


senzala erguia-se à direita de quem da "Estrada Federal" olha
para o terreiro de secagem do café.

Aqui também não temos elementos para afirmar


categoricamente que finalidade teria cada cômodo, até porque,
sofreram diversas mudanças de uso, como é comum nas
propriedades rurais, mormente quando se atravessa mais de uma
centena de anos com imensa variação no uso dos produtos então
produzidos na fazenda.

Preferimos ficar com o relato constante no trabalho da


FUNDREM, que nada mais é do que foi extraído da entrevista
feita em 1967, com o Cel. Alberto Mello, descendente de
Bernardino José de Souza e Mello, por Waldick Pereira e Ney
Alberto Gonçalves de Barros, dando conta das "funções" instaladas nas
"benfeitorias", aparelhagens montadas no engenho e na casa de farinha e de
alguns aspectos da construção. Dos processos construtivos, Alberto Mello
forneceu poucos detalhes: telhas e tijolos foram fabricados nas olarias
próximas; portões, janelas, portas e guarnições, pintadas de verde-escuro;
paredes internas, "caiadas de branco" (o que foi confirmado por uma inscrição
encontrada (1977) numa das dependências do engenho, com a data de 1887),
paredes externas, pintadas de "amarelo-creme"; partes do madeirame sujeitas à
umidade, costumavam receber proteção de "betume" sem sombra de
dúvidas, o relato mais aproximado das funções desempenhadas
neste setor da fazenda.

"Atualmente o Terreiro está limitado pela "Estrada Federal". Da estrada,


à direita, identificou-se as seguintes dependências: COCHEIRAS, "GARAGEM" e
guarda de arreios, CARPINTARIA e FERRARIA, CASA DO FEITOR, SENZALA,
TULHAS, DEPÓSITO de produtos químicos usados no fabrico do açúcar e guarda
de vasilhames e de peças sobressalente, em frente, a CASA DO ENGENHO e à
esquerda a BEIRA,

"Na "Casa do Engenho" (e na de farinha), ainda existem inúmeros


vestígios da produção de aguardente, açúcar, polvilho, tapioca e fubá. São bases
para maquinismos, aberturas para passagem de polias, tanques, depósitos de
água, suporte para tonéis, canaletas, restos da fornalha, suportes para
condutos, fornos, etc.

Documentação indireta que, numa pesquisa mais demorada,


reconstituiria o funcionamento e as diversas fases do beneficiamento da cana,
da mandioca, do milho e do café, no engenho da Fazenda São Bernardino."

O ABANDONO

Podemos afirmar, sem exagero, que o abandono de um


monumento como a Fazenda São Bernardino, tem seu início a
partir do momento em que a mesma vai deixando de ter o uso
para o qual foi dimensionada, em decorrência das mudanças
econômicas ou familiares.

Sem dúvida, a venda do imóvel por parte dos herdeiros de


Bernardino de Mello, em 1917, para os sócios João Julião e
Giácomo Gavazzi, marca de forma definitiva o desinteresse dos
antigos proprietários para com a Casa da Fazenda São
Bernardino, posto que a mesma já não era utilizada como unidade
produtora e sim como lugar de descanso em fins de semana.
Posteriormente João Julião vendeu sua parte para Giacomo
Gavazzi.

Os títulos de domínio da Fazenda São Bernardino acham-


se transcritos no livro 3-G, fl. 42, nº 1.171; no livro 3-AZ, fl. 127,
nº 17.103; e no livro 3-BQ, fl. 170, nº 25.681, em nome de
JÁCOMO GAVAZZI (nome que GIÁCOMO GAVAZZI
também usava), no Registro de Imóveis da 1ª Circunscrição da
Cidade de Nova Iguaçu.

Nas mãos dos novos proprietários, a dilapidação não


cessou, tendo estes, explorado suas matas para o fabrico de
carvão, bem como a venda de grande parte de seu mobiliário,
além de terem destinado grande parte de suas terras para
implantação de loteamento para venda de terrenos em prestações.

Em 15 de janeiro de 1940, aniversário do município de


Nova Iguaçu, por iniciativa do então prefeito, Dr. Ricardo Xavier
da Silveira, o mesmo, em correspondência endereçada a Diretoria
do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, pedia seu
tombamento, assim se expressando:

"Tenho a honra de remeter a Vossa Excelência cinco fotografias da


Fazenda São Bernardino, que é uma das "casas grandes" da antiga Província do
Rio de Janeiro.

Trata-se de uma construção que resistiu ao poder destruidor do tempo e


dos homens e que pelo seu vulto e pelas suas linhas parece dever ser
considerada como um monumento a ser conservado, a qual pertence a um
cidadão de poucas luzes e que, por isso, poderá destruí-la."

o que somente veio a ocorrer 11 anos mais tarde, em 26 de


fevereiro de 1951, tendo o bem sido tombado pelo IPHAN, no
Livro das Artes Aplicadas, sob o nº 390, fls. 76, proc. 432-T-
50.

Por meio dos Decretos Municipais 1.459, de 8 de


dezembro de 1975, e 1.520, de 23 de abril de 1976, o
MUNICÍPIO DE NOVA IGUAÇU, declarou de utilidade pública,
para fins de desapropriação, a Casa da Fazenda São Bernardino e
uma área de 1.327.175 m2, destinando-as à implantação do
“Parque Metropolitano de Múltiplo Uso São Bernardino”.

Um dos fundamentos da desapropriação foi exatamente a


contínua má conservação da Fazenda São Bernardino.

A PREFEITURA obteve a imissão de posse provisória do


imóvel em 1º de outubro de 1976, mas nunca pagou ao
desapropriado a indenização correspondente, nem procurou
implementar a finalidade da desapropriação, acabando por
desistir da mesma, em 02 de abril de 1984, voltando a ser pleno o
direito de propriedade de Giácomo Gavazzi.

Em 29 de março de 1983, um incêndio de grandes


proporções, terminou por causar os maiores danos até então já
sofridos pelo imóvel, aliado ao constante saque promovido por
vândalos, culminando por um último, ocorrido em 07 de abril de
2016, quando funcionários da CEDAE derrubaram uma parte de
suas paredes laterais, sob o argumento de estarem retirando
material para tapar um buraco nas proximidades.

Nesse mesmo ano, a Prefeitura divulga a celebração de um


acordo com a família proprietária da fazenda, vindo a adquirir a
propriedade do imóvel, iniciando as primeiras providências para
proteção das ruínas.

Não conseguimos examinar o conteúdo desse alegado


acordo, do mesmo não tendo chegado notícia aos autos do
processo judicial em curso na 5ª Vara Federal de São João de
Meriti, RJ., feito nº 2005.51.10.001605-0, Ação Civil Pública, na
qual o Ministério Público Federal demanda contra, a família
proprietária, a Prefeitura de Nova Iguaçu e o IPHAN, para que
procedam a reconstrução do imóvel. Segundo informações
obtidas junto a Prefeitura a documentação encontra-se em
Cartório para registro.

No presente momento, muitas atenções de estudo, partindo


de diversos setores da sociedade, como é o caso dos estudantes
mencionados no preâmbulo desta síntese histórica do imóvel,
além de diversas autoridades do Município, Estado e União
demonstram que, finalmente, a sorte da Casa da Fazenda São
Bernardino possa estar mudando para melhor.

Assim esperamos.

Nova Iguaçu, 27 de novembro de 2017.

JOSÉ LUIZ TEIXEIRA, advogado, membro do Instituto


Histórico e Geográfico de Nova Iguaçu, do Instituto Amigos do
Patrimônio Cultural, e pesquisador da história iguaçuana.

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