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ENGENHOS
de açúcar no
Brasil
•
EDITORA
NOVA FRONTEIRA
EDITOR Nas primeiras páginas,
Carlos Augusto Lacerda equipamentos abandonados do
e n g e n h o de I t a t i n g a , e m P a r a t i ,
COORDENAÇÃO EDITORIAL, não mais em funcionamento, e
PROJETO GRÁFICO E PRODUÇÃO formas para a purga do melaço,
João de Souza Leite também conhecidas como "pães
de a ç ú c a r " , a i n d a hoje
DESIGNER ASSISTENTE
u t i l i z a d a s n o e n g e n h o N o v o da
Claudia Mendes
Conceição, (PE).
E D I Ç Ã O DE T E X T O
Maria Ignez Duque Estrada
Luzia Ferreira de Souza
VERSAO
Peter Lenny
© 1994 Editora Nova Fronteira S.A.
2" e d i ç ã o (1* e d i ç ã o , 1994)
Rua Bambina 25, Botafogo
Tel. ( 0 2 1 ) 5 3 7 8770, Fax (021)286 6755
PESQUISA H I S T Ó R I C A
Herculano Gomes Mathias CEP 2 2 2 5 1 - 0 5 0 , R i o de J a n e i r o , R J , Brasil
CONSULTORIA C I P - Brasil. C a t a l o g a ç ã o na f o n t e
José Gabriel da Costa Pinto S i n d i c a t o N a c i o n a l d o s E d i t o r e s de L i v r o s , R J
A S S I S T E N T E DE PESQUISA Pires, F e r n a n d o T a s s o F r a g o s o , 1 9 3 4 •
Katia Maria Borges de Oliveira p744a A n t i g o s e n g e n h o s de a ç ú c a r n o Brasil / i n t r o d u ç ã o , história dos
e n g e n h o s e legendas F e r n a n d o T a s s o F r a g o s o Pires; e s t u d o
a r q u i t e t ô n i c o G e r a l d o G o m e s . - R i o de J a n e i r o : N o v a F r o n t e i r a ,
1994.
2 1 2 p . : il.
FOTOGRAFIAS
Pedro Oswaldo Cruz (Rio DE JANEIRO)
P a t r o c í n i o B a n c o Icatu
Aílton Sampaio (BAHIA)
João Tavares (PERNAMBUCO)
1. E n g e n h o s - Brasil. 2 . Indústria a ç u c a r e i r a - Brasil • H i s t ó r i a .
I. G o m e s , G e r a l d o . II. T í t u l o .
A S S I S T E N T E DE P R O D U Ç Ã O (PERNAMBUCO)
Gisela Abad CDD - 725.40981
94-1449 CDU- 725.4:664.11(81)
AGRADECIMENTOS ESPECIAIS
Arquivo Nacional, Arquivo Público do Estado da Bahia, Biblioteca Nacional, Fundação Gilberto Freyre,
Fundação Joaquim Nabuco, Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Instituto do Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional, Mapoteca Histórica do Palácio do Itamaraty, Santa Casa da Misericórdia de Oliveira dos
Campinhos e Santa Casa da Misericórdia de Santo Amaro.
V
SUMÁRIO
O CICLO DO AÇÚCAR
Página 10
ENGENHOS DE PERNAMBUCO
Página 42
MORENOS 44 • MONJOPE 48
P o ç o COMPRIDO 52 • GAIPIÓ 56
PREFERÊNCIA 64 • LIMOEIRO VELHO 66
MASSANGANA 68 • N o v o DA C O N C E I Ç Ã O 70
MATTAS 74 • BONITO 78
PUMATY 82 • MADALENA 86
SÃO J O Ã O 88
E N G E N H O S DA BAHIA
Página 94
E N G E N H O S DO R I O DE J A N E I R O
Página 140
ENGLISH TRANSLATION
Página 181
BIBLIOGRAFIA
Página 207
V
i
J L
A •
J L
arquitetura civil não tem recebi-
do, por parte daqueles que se
vocos usuais e generalizados quanto à pró-
pria conceituação da arquitetura. Costuma- / ,
dedicam ao estudo da história do Brasil colo- se confundir, por exemplo, valores arquite- ? J
nial e imperial, a atenção que merece. A cons- turais com valores decorativos, o que signifi-
ciência de que existia um patrimônio históri- ca dizer que a arquitetura somente se realiza-
co nacional a ser preservado só se delineou ria em edifício^,de formas requintadas e mui-
oficialmente por ocasião das comemorações to elaboradas. Segundo outro falso conceito, vy
do centenário da nossa independência políti- os valores arquiteturais se acrescentam, como
ca de Portugal /Tratava-se então de defender acessórios, às qualidades funcionais e estru-
x v ^ os traços brasileiros da nossa cultura contra turais do edifício. CN ír
^ V ^
y y 28
29
w
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30
V./
A A R Q U I T E T U R A DOS E N G E N H O S
xs
é que faziam todos os trabalhos manuais. A
natureza escravocrata da "elite do açúcar" ex- com os colonizadores franceses e ingleses das
plica também certas peculiaridades da sua ar- Antilhas. De lá vieram então novas técnicas
de produção de açúcar responsáveis, em al-
quitetura rural.
guns casos, por transformações no modo de
/Ao longo do tempo, e em todos os espaços
construir os engenhos. Por exemplo, as chami-
V> geográficos ocupados pela produção açu- • ^
^ s
yX
F
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A A R Q U I T E T U R A DOS E N G E N H O S
a p->'l J-
Primeira moenda a vapor construída no Brasil pela Fundição Aurora, de Harrington & Starr, no Recife. Foi instalada no engenho Caraúnas, emjahoatão,
(PE). À direita, desenho de uma secção vertical na fábrica do antigo engenho Aurora, em Vicência, (PE). Faz parte do levantamento efetuado pelo
desenhista Manuel Bandeira para documentar a persistência do uso da energia animal em pleno século XX.
nambuco o privilégio de ver suas construções situação deste no espaço geográfico./O tipo
civis documentadas na própria época e por de energia utilizada para mover as moendas p y ^
artistas de tão alta qualidade. Além dos ho- determinou em muitos casos a escolha do sítio V
landeses, registros contemporâneos da arqui- para instalação dos primeiros engenhos. Sabe-
tetura pernambucana foram feitos no século se que quatro tipos de energia foram empre-
XVIII — com a publicação dos Desagravos do gados nos engenhos brasileiros: a energia eólica,
Brasil e glórias de Pernambuco, em que Do- a hidráulica, a tração humana e a tração animal./
mingos de Loreto Couto descreve com impres- A iconografia holandesa contém algumas
sionante riqueza de detalhes o mecanismo de gravuras em que aparecem homens movimen-
tando uma pedra de mó para esmagar as ca-
•J um engenho de açúcar e o edifício que o abriga
— e no século X I X — em " D e s maisons nas e extrair-lhes o caldo. No entanto, ambas
d'habitation au Brésil", na Révue Générale — essa forma de energia e essa moenda —
^ de VArchitecture et des Travaux Publiques, podem ter sido usadas em outras regiões bra-
do engenheiro francês Louis Léger Vauthier, sileirasfNos jardins do Museu do Homem do
que morou em Pernambuco de 1 8 4 0 a 1 8 4 6 . Nordeste, no Recife, existe mesmo uma des-
Outros viajantes e artistas estrangeiros já sas pedras de mó procedente do Rio de Janei-
V y A
haviam publicado trabalhos descritivos sobre ro. Já os quadros pintados pelos holandeses 1 /
o Brasil, como Debret, Rugendas, Maria Gra- durante a sua ocupação mostram engenhos V
ham, Koster e Tollenare, mas nenhum como movidos a água e a bois./'
Vauthier descreveria com tanta minúcia os // Das quatro formas de energia, a preferida / /
edifícios dos engenhos de açúcar, assunto de foi a hidráulica, por ser a mais econômica e
./
y /
uma das quatro cartas que ele escreveu e pu- eficaz. Mas, para utilizá-la, os engenhos de- V
blicou com o título acima referido. viam localizar-se nas proximidades de um cur-
V
É tão boa a qualidade da documentação so de água; desviando-o parcialmente, cons- j
iconográfica e bibliográfica legada pelos ho- truía-se um açude cujas comportas, quando
landeses e por Vauthier que, com freqüência, abertas, movimentavam rodas que, por meio
respeitados pesquisadores da nossa arquite- de engrenagens, transmitiam o movimento às
tura civil não resistem à tentação de atribuir, moendas.//
por analogia, a construções de outras regiões /Os primeiros senhores de engenho tiveram
do Brasil características cuja existência só foi o privilégio de escolher o sítio onde se insta-
comprovada em Pernambuco. lariam e, com certeza, optaram pelas rodas
R Na análise da arquitetura dos antigos en- hidráulicas. Além de fornecer a energia, os
genhos considera-se não só a forma de cada cursos d'água serviam como vias de transporte
edifício ao longo do tempo, como também a do açúcar até os portos de onde este seria le-
sua d i s p o s i ç ã o relativa ao c o n j u n t o e a vado para a Europa/A força das marés, tam-
<R
-V
32
J
w
A A R Q U I T E T U R A DOS ENGENHOS
<
''Quase sempre as capelas se justapunham a da casa-grande com a fabrica. Combinaçoes
uma das extremidades das casas, de tal for- como essa ocorreram, no século XVIII, no li-
•V- ma que ambas as construções
X* Planta do pavimento superior de parte de uma casa-grande pernambucana, em desenho de Vauthier.
tivessem suas fachadas prin-
cipais no mesmo plano. Con-
tudo, Vauthier e o imperador
D. Pedro II registraram a exis-
tência, em Pernambuco, em
c/
meados do século X I X , de
duas casas que tinham suas
\r>'
c a p e l a s na p a r t e central.
Vauthier publicou uma plan-
ta dessa moradia c o m o se 0 5m
fosse uma ocorrência comum. i ipela- b púlpito; c. tribuna para a mulher do proprietário do engenho; d. passagem pela frente
da capela à altura do primeiro andar; e. salão ou sala de estar; f. sala de jantar; g. pequeno
Ao analisá-la, podemos veri-
terraço coberto; h. quartos para hóspedes. ____
ficar que a capela divide a
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A A R Q U I T E T U R A DOS E N G E N H O S
Engenho d'Água, em llhabela, (SP): um exemplo de associação da casa-grande com a fábrica. A direita, no engenho Santa Rosa, em Campos, (RJ), a
casa e a fábrica sob um mesmo telhado contínuo.
toral norte de São Paulo e, no século seguin- pintor são de rodas d'água. A casa-grande a
montante da fábrica denota preocupação com
\u te, na região de Campos (RJ), e na Bahia. Ma-
,/
/ nuais técnicos destinados ã implantação da a fiscalização das atividades do engenho. A
cultura do café, a partir do final do século capela fica em nível igual ou superior ao da
-7
X V I I I , recomendam a associação das duas casa e um pouco afastada desta. Não há, nos
funções, com o argumento de que o bene- quadros holandeses, edifício que possa ser
/
(O k
ficiamento da matéria-prima exige a perma- identificado como habitação de escravos./'
nente vigilância do proprietário. Provavel- f Além dessas características, não foi possí-
mente também foi esta a razão para a asso- vel reconhecer a existência de um projeto ge-
ciação no caso dos engenhos de açúcar, pois ral que definisse com maior precisão a distri-
mesmo nas fábricas isoladas havia sempre um buição dos diversos edifícios no terreno/Já
/ f no século X I X , Vauthier publica um "plano
cômodo, em situação estratégica, reservado pa-
ra o proprietário ou para o administrador./ geral", que teria sido adotado pela maioria dos
K"
yr ^Quanto ao modo de distribuição desses engenhos de Pernambuco. Nele, todos os edi-
fícios se distribuem pelo terreno de modo a V
edifícios no terreno, não parece ter havido um
A limitar, de forma descontínua, um pátio in-
esquema muito rígido no século X V I I , se con-
// siderarmos como documentos confiáveis os terno retangular. Por sua racionalidade, tal-
vez esse modelo tenha sido seguido em ou-
}
quadros de Frans Post retratando engenhos
tras regiões do país, até porque era também / " Y fr
de Pernambuco. Neles, quase todos os enge-
nhos situam-se em terrenos pouco acidenta- recomendado pelos manuais destinados à cul-
dos. A casa-grande está sempre em meia en- tura cafeeira do Rio de Janeiro e de São Paulo.//
costa e tem sua fachada principal voltada para //h prática generalizada de construir os edi-
a fábrica, situada em plano mais baixo. A po- fícios separados uns dos outros favoreceu uma y
sição da fábrica obedece à lógica, pois todos certa autonomia na escolha dos materiais e
j>
os engenhos retratados pelo técnicas empregados. Nos enge-
nhos de a ç ú c a r do Brasil
foram utilizados todos os
Tijolos em forma de setor circular sistemas construtivos co-
para construção de colunas de fuste nhecidos nos períodos co-
cilíndrico ou de tronco cônico. <R
lonial e imperial: nas pare-
O maior tem 80 cm de diâmetro
e o menor, 32 cm. des, alvenaria de pedras, ti-
Abaixo, tijolos retangulares jolos ou adobe, taipas de
utilizados na construção dos th )/
pilão ou de pau a pique; nas y y t
edifícios do engenho. r!<í
y
O maior mede 41x20x7 cm e
cobertas, sempre estruturas yr4
o menor, holandês, mede 17x8x3,5 cm. de madeira recobertas com
34
A A R Q U I T E T U R A DOS E N G E N H O S
/ V
primeiro lugar indica a prioridade que se dava te dois, a casa-grande e a capela, podem ser
f ,
considerados exemplares de arquitetura, ex- f V r
às atividades produtivas. A casa do senhor de
K engenho seria erguida a seguir e, ao contrá- ceção feita às raras combinações entre casa e
s
ir fábrica. Desde o primeiro século, a fábrica te-
A- rio da sua imagem idealizada quase por con-
ve seu desenho determinado pelo pragma-
V
h° y^
senso, nem sempre foi grande e nem sempre
recebeu materiais duráveis. No século X V I I , tismo funcionalista. Às vezes resumia-se a um
simples telheiro apoiado em colunas de alve-
A
documentos holandeses referem-se à precarie-
dade dessas casas em Pernambuco: " O s bra- naria de tijolos. Sua planta era basicamente re-
sileiros se contentam com uma casa de barro,
desde que lhe vá bem o engenho e a cultura."
De fato, alguns quadros holandeses mos-
tangular, refletindo o desenvolvimento linear
das atividades fabris./'
L
s tarefas complementares realizavam-se ^ V
fT o/
/R
/
/
tram pequenas casas de senhores de engenho em puxadas que eram extensões do telhado
em taipa, e até cobertas de palha, mas tam- do corpo principal da fábrica./O telhado po-
bém registram outras em alvenaria e de porte dia ser feito em duas ou em quatro águas e
médio ; A ausência de alguns proprietários, e geralmente era descontínuo, para permitir a
K não a escassez de recursos — pois muitos de- exaustão dos vapores resultantes do cozimen-
les possuíam grandes casas nas cidades — , é to do caldo da cana. Nessa descontinuidade
o que pode explicar esse aparente descaso em dos telhados não se identifica qualquer preo-
relação às suas casas rurais, i^or esse motivo, cupação com a composição plástica, o que não
do século X V I I ao X I X , em alguns engenhos elimina a eventualidade de involuntários po-
foram construídas enormes vivendas de alve- rém agradáveis resultados. Plantas em forma
naria de tijolos e até mesmo de pedras, en- de L, de T ou de cruz surgem principalmente
quanto em outros eram erguidas casas bem no século X I X , e algumas delas são sugeridas
mais simples/ pelos fabricantes estrangeiros dos mecanismos
/ De todos os edifícios dos engenhos, o mais a vapor. Até mesmo após a introdução das al-
durável e sólido foi a capela. Alguns exempla- tas chaminés de alvenaria de tijolos, os telha-
res remanescentes, construídos em alvenaria dos das fábricas preservam a sua desconti- ?
nuidade. Y
de pedra argamassada com óleo de baleia, po-
f / k iconografia holandesa não mostra edifí- s
dem datar do século X V I . A capela é também V
o único edifício do conjunto que possui co- cios que possam ser identificados como sen-
V/
zalas. É possível que os escravos tenham habi-
berta parcialmente feita em alvenaria de pe- V /
dra ou de tijolos, como é o caso da cúpula da tado o pavimento térreo das casas do propri- f
nave da capela de Nossa Senhora da Penha, do etário, habitualmente destinado a servir de
Engenho Velho, em Cachoeira (BA). depósito. É possível também que tenham sido
Dos quatro edifícios mencionados, somen- autorizados a construir casebres, neles repro-
O
V
A A R Q U I T E T U R A DOS ENGENHOS
//
/ duzindo os elementos da cultura africana.
Estes teriam sido os primeiros mocambos.
Os dados existentes sobre as senzalas, to^
dos do século X I X , convergem para a defini-
VS
ção de um partido arquitetônico comum a Quadro de Frans Post mostrando igreja com alpendre em Olinda, (PE).
A
/ todas as regiões do país e presente também
tf nas fazendas de café: um único edifício for-
mado por uma série de cubículos conjugados
variações consistiam num alpendre à frente
e voltados para uma galeria comum e aberta.
da fachada e corredores laterais à nave, às ve-
A área dos cubículos raramente ultrapassava
zes também presentes no pavimento superior,
doze metros quadrados; não dispunham de ja-
dando então origem às tribunas, local privi-
nelas e se comunicavam por uma única porta
legiado e destinado à família do senhor do
com a galeria. Em alguns casos, cada cubícu-
engenho. •
lo se comunicava com outro, de iguais dimen-
f/O elemento mais marcante nessas capelas
sões, situado nos fundos. Como disse Vau-
foi o alpendre, que teria tido função similar à
thier, " n ã o se podia reduzir uma habitação a
do nártex nas antigas basílicas, isto é, um es-
expressão mais simples"//
paço intermediário para conter os "catecú-
. Embora raríssimas senzalas tenham resis-
menos, energúmenos e penitentes". O alpen-
tido até os nossos dias, seu partido arquite-
dre também existiu em capelas urbanas e ru-
tônico, descrito da mesma maneira por dife-
/
/ rentes cronistas e viajantes, sobreviveu à Abo-
lição da Escravatura e ainda pode ser encon-
rais em Portugal, e no Brasil não foi elemen-
to exclusivo da arquitetura rural, pois em
quadros de pintores holandeses aparece in-
trado nas moradias dos trabalhadores das
corporado a igrejas de Olinda e conventos em
usinas de açúcar do Nordeste.
Igarassu.
y O edifício que mais se destacou por sua
/t) interior das capelas rurais era profusa-
Casa-grande do engenho Embiara, em Cachoeira, (BA), e a Quinta do Sabadão, em Ponte de Lima, Portugal. Apesar de mais requintada, essa última
assemelha-se ao tipo de construção desenvolvida no Brasil durante o século XVIII.
14
carga simbólica se expressava na arte de ins- ma iconografia uma casa de maior porte, cons-
piração religiosa, portanto./ trução mais sólida, com dois corpos que
/Ò outro edifício que pode ser considerado sobressaem no mesmo plano da fachada, co-
como exemplar de arquitetura é a morada do mo se fossem duas pequenas torres ladeando
senhor de engenho, hoje conhecida como casa- uma loggia central em arcos. Neste caso, o te-
grande. Esta denominação só se tornou usual lhado é mais complexo e lembra os do tipo
a partir do século X I X . Curiosamente, já exis- "tesouro", do Algarve português. Sob o aspec-
tia, no século XVIII, nas Antilhas francesas to da composição dos volumes, lembra casas
(grand case) e na Jamaica (great house). No senhoriais da região do M i n h o /
/Era semelhante a esse tipo a casa-grande if
^ b Brasil, até mesmo no século X I X , era costu-
me chamá-la de casa de vivenda./ do engenho de Megaípe, que existiu em Per- c .
Os quadros pintados pelos holandeses no nambuco até 1928, quando foi dinamitada ,';'
início do século XVII são o registro icono- pelo proprietário, para impedir qye fosse tom-
gráfico mais antigo dessas casas. Consideran- bada como monumento estadual/Além da tra-
do a lentidão das transformações ocorridas no dição, não existe documento que comprove a
período colonial, é lícito imaginar que os ti- data de construção dessa casa. Um engenho
pos retratados já existiam no século anterior com o mesmo nome já existia no século XVII,
e se mantiveram ainda durante algum tempo. o que não significa que ela fosse daquele pe-
As casas representadas nessas pinturas são ríodo. No entanto, a sua planta baixa, esbo-
quase sempre de porte médio e têm dois pavi- çada por um auxiliar do arquiteto Luís Saia,
mentos, telhado em quatro águas, uma varan- lembra uma outra casa de engenho, em Ca-
da embutida no meio ou num canto da facha- choeira (BA), datada de 1683. Trata-se da casa
Cr'
?
y
da principal, no pavimento superior. Os es-
teios de madeira da estrutura indicam que
de José Rodrigues Adorno, já bastante modi-
ficada, mas que ainda deixa perceber a planta
sl eram construídas em taipa de pau a pique. O original, caracterizada pelo pátio interno. Esse
pavimento térreo era parcialmente vazado, pátio viria a ser uma das marcas das casas-
> r
r* devendo destinar-se a depósito. É um tipo de grandes dos engenhos baianos do século XVIII,
<
construção oriundo, com certeza, do norte de como a do engenho Freguesia. Estas são so-
Portugal e desapareceu completamente/lJma brados de grandes dimensões, sem alpendres,
variante é a presença da torre, semelhante à no mínimo com dois pavimentos.
casa fortificada usual entre os nobres da Eu- ,/Do século XVIII só restou uma casa-gran- ^ £
de em Pernambuco, a do engenho Poço Com- L\ - »Í
J
ropa medieval. Era erguida perto da casa, in-
dependente e mais alta do que ela e, às vezes, prido, em Vicência. Sem pátio interno, tem
construída com materiais mais resistentes.) dois pavimentos e comunica-se pelo segundo
Com menos freqüência aparece nessa mes- com a vizinha capela. O telhado é em quatro
<y jr W,
r*
ei
A A R Q U I T E T U R A DOS ENGENHOS
C engenho São José, (PE), típico exemplar de bangalô, na sua versão brasileira mais freqüente.À direita, um exemplo de sobrado do século XIX: a casa-
grande do antigo engenho Santo Antônio do Beco, em Campos, (RJ).
A'
águas, e uma escada externa conduz a um al- Brasil, com a chegada da Corte portuguesa
/S
pendre, construído ao longo da fachada prin- ao Rio de Janeiro e a Abertura dos Portos,
cipal, o que é uma característica das casas dos em 1808, por D. João VI. Oito anos depois,
engenhos pernambucanos, segundo depoi- chega a Missão Artística Francesa. Durante -/ sJ
essas duas décadas, introduzem-se nos enge-
&
V n
mento de Vauthier. Casas como essa podem ser RV /
encontradas em fazendas contemporâneas de nhos as máquinas a vapor para moer as ca-
São Paulo, Mijias Gerais e em quintas do norte nas. A vapor também seriam as máquinas que,
pouco mais tarde, puxariam os vagões pelas
de Portugal.
ferrovias, levando o açúcar aos portos de em-
Do mesmo período, sobrevive ainda em
barque. Desfazia-se o isolamento do Brasil
Quissamã, no norte do Rio de Janeiro, a casa
colônia. O império parecia ávido de novida-
de Mato do Pipa, térrea, com telhado em qua-
des, e elas não paravam de chegar.
tro águas, alpendre embutido na parte cen-
/Três tipos de casas de engenho surgiram
tral da fachada principal e que se filia, evi-
naquele século: o bangalô, o sobrado neoclás-
tf ^ dentemente, ao partido das casas conhecidas
sico ^<?chalé. O primeiro, assim chamado em
V
em São Paulo como "casas bandeiristas". A
virtude da sua semelhança com o bungalow
casa da fazenda Quissamã, na mesma região,
anglo-indiano, era um edifício de porte médio
é desse tipo, embora tenha acabamento mais
e térreo mas, como em geral era erguido em
elaborado.
meias-encostas, podia ter um porão semi-
Ainda nessa região e no mesmo século XVIII,
enterrado. Aliás, essa distância do chão era
as famílias dos donos dos engenhos moravam
* f Y em cômodos contíguos aos da fábrica, tudo
recomendada pelos seus adeptos como forma
p\ & de isolamento da umidade do solo. O telhado,
num mesmo edifício. Ali, ao se iniciar a cultu-
sempre em quatro águas, se estendia, no mes-
ra do açúcar, a maioria dos membros das fa- mo plano inclinado, para cobrir também os
Y « . mílias se integrava às atividades produtivas, alpendres que acompanhavam as três fachadas
V com poucos escravos, ou nenhum. Ao^on- da casa. Em geral, esses alpendres eram inter-
/ trário das demais regiões do Brasil, a pro- rompidos por compartimentos fechados da
dução de açúcar em Campos começou em casa, nas extremidades do U formado por sua
pequenas propriedades, o que explicaria o planta, reaparecendo na parte posterior como
fato de moradia e fábrica ficarem sob o mes- um alpendre embutido, que funcionava como
mo teto. Arranjo arquitetônico semelhante um prolongamento da área de serviço./
r- **
existiu nos engenhos do litoral norte paulista //As colunas que suportavam os telhados, nos
/
também no sécu lo XVIII. alpendres, podiam ser de alvenaria, madeira
J k partir da primeira década do século X I X , e até mesmo ferro, sem que o tipo de constru-
V a vida se transforma consideravelmente em ção se descaracterizasse. Quando em alvena-
algumas cidades e em certas áreas rurais do
v^V
39
A A R Q U I T E T U R A DOS E N G E N H O S
eventuais puxadas na parte de trás, para abri- exemplares remanescentes é desejável, na me-
gar serviços/zSuas janelas e portas têm vergas dida em que estimula a sede de conhecimento
retas ou arcos plenos e abatidos, enquadra- dos leigos assim como a perspicácia dos pes-
dos por pilastras, cunhais e cornijas, para quisadores. Pois, na falta de registros sobre a
y> c história da nossa arquitetura, o edifício é o
acentuar a composição das fachadas. Nunca
€ tem alpendre e raramente dispõe de escadas seu documento mais eloqüente.
A
externas. 'É a última expressão arquitetônica
do poder do senhor de engenho. A força da
/ y J- sua imagem na paisagem rural é ainda impres-
sionante. Foi a planta de uma casa desse tipo,
A A R Q U I T E T U R A DOS E N G E N H O S
41
Copyright© 2010 Eliane Morelli Abrahão
CIP-BRASIL. CATALOGAÇÂO-NA-FONTE
SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ
Ai39m
Inclui bibliografia
ISBN 978-85-7939-028-9
2
Lima, Tania Andrade. Pratos e mais pratos: louças domésticas, divisões culturais
e limites sociais no Rio de Janeiro, século xix. Anais do Museu Paulista: nova
série, v. 3,jan./dez.i995.
3 Elias, Norbert. O processo civilizador, uma história dos costumes. 2.ed. Rio de
Janeiro: Zahar, 1994.
139
M O R A R E V I V E R NA CIDADE. CAMPINAS ( 1 8 5 0 - 1 9 0 0 )
ser polido. 9
a etiqueta foi abordado por Pilla. Maria Cecília Barreto Amorim. A arte de receber
distinção e poder à boa mesa. 1900-1970. Tese (Doutorado em História). Faculda
de História, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2004.
5 Rainho, Maria do Carmo Teixeira. A distinção e suas normas: leituras e leitor*
de manuais de etiqueta e civilidade - Rio de Janeiro, século xix. Acervo, M
Janeiro, v. 8, n. 1-2, p. 139-152. jan./dez. 1995.
6 Rainho, Maria do Carmo Teixeira. A cidade e a moda. Brasília: UnB. 2002, p- *
7 Idem. f
8 Homem, Maria Cecília Naclério. O palacete paulistano e outras formas de
da elite cafeeira. 1867-1918. São Paulo: Martins Fontes, 1996, p. 55- ^
1 5
9 Elias, op. cit., Margaret Visser analisa os comportamentos à mesa da P ^ ^
até os dias atuais, em especial a partir dos múltiplos significados dos rituais^
torno do jantar. Visser, Margaret. O ritual do jantar, as origens, evolução, exce
cidades e significado das boas maneiras. Rio de Janeiro: Campus. 1998.
ELIANE MORELLI ABRAHÃO
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