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Série Textos de Arquitetura
Editor Vicente Wissenbacli
Universidade E s t a d u a l de L o n d ' l n a
Sistema de Bibliotecas
Capa: Charles IVlayer
Revisão: Maria Luiza Favret, Pedro N. Duarte
Arte final: Ronald Chira
Composição: Santo Alberto Artes Gráficas 0000125087

Fotolitos: Cyrnil
Impressão: Editora Parma Ltda. CU*. Sumário
Copyright: © Ricardo L. Farret
Maria Elaine Kohlsdorf
5 Notas sobre os autores
Suely Gonzales
Frederico de Holanda
Impresso no Brasil 7 Apresentação
Abril de 1985
Projeto Editores Associados Ltda. Procedi c S í ^ 9 Introdução

Ml
Avenida Doutor Arnaldo 1947 Ricardo L. Farret
Telefone (011) 864 7477
01255/São Paulo
15 Breve Histórico do Espaço Urbano como Campo
Cftntfo Q l ^ L J Dcpt»,
Disciplinar
Maria Elaine Kohlsdorf

o espaço da cidade — contribuição à análise urba- 73 Paradigmas da Estruturação do Espaço Residencial


E77 na (por) Suely Franco Netto Gonzales, Frederico de Intra-Urbano
Holanda, Maria Elaine Kohlsdorf; introdução Ricardo
Libanez Farret; apresentação Nestor Goulart Reis Filho. Ricardo L. Farret
São Paulo, Projeto, 1985.
1. Planejamento urbano. I. Reis Filho, Nestor Gou- 91 A Renda do Solo Urbano: Hipóteses de Explicação de
lart. II. Farret, Ricardo Libanez. III. Gonzales, Suely s e u Papel na Evolução da Cidade
Franco Netto. IV. Holanda, Frederico de. V. Kohlsdorf,
Suely Gonzales .
Maria Elaine.

t15 Arquitetura como Estruturação Social


CDD 711.4 Frederico de Holanda
CDU 711.4

índice para o catálogo sistemático:


1. Planejamento urbano 711.4
Notas sobre os autores

Ricardo Libanez Farret Arquiteto, graduado pela UFRGS em 1962;


Doutorado em Planejamento Urbano pela Uni-
versidade da Califórnia, Berkeley. Atuaimente
é Professor Adjunto do Departamento de Ur-
banismo da Universidade de Brasília.

Suely Franco Netto Gonzales Arquiteta, graduada pela UFRGS em 1954;


Mestrado em Planejamento Urbano pela
UFRGS; Curso de Especialização em Habita-
ção no PIAPUR-OEA, em Lima, Peru. Atuai-
mente é Professora Assistente do Departa-
mento de Urbanismo da Universidade de Bra-
sília.

Frederico de Holanda Arquiteto, graduado pela UFPE em 1966;


Doutorado em Planejamento Urbano pelo Uni-
versity Coliege, Londres. Atuaimente é Pro-
fessor Assistente do Departamento de Ur-
banismo da Universidade de Brasília.

Maria Elaine Kohlsdorf Arquiteta, graduada pela UFRJ em 1967;


Mestrado em Planejamento Urbano pela Uni-
versidade de Brasília e Curso de Especiali-
zação em Configuração Urbana na Universi-
dade de Stuttgart, Alemanha. Atuaimente é
Professora Assistente do Departamento de
Urbanismo da Universidade de Brasília.

5
r

Apresentação

Nestor Goulart Reis Filho

Pretender apresentar cada um desses quatro estudos e cada um d e s s e s


autores, todos eles professores da Universidade de Brasília, não teria
sentido. São todos bem conhecidos entre os arquitetos. Mas tem sen-
tido — e multo — escrever sobre e s s e s trabalhos e seus autores
como um conjunto, que não surgiu por acaso. Tem sentido escrever
sobre as especificidades do curso de Arquitetura e Urbanismo da UnB,
cujos docentes produzem e s s e s trabalhos, e procurar as raízes de sua
condição de atuação.

Em primeiro lugar, lembrando a forma como foi organizada, no seu


início, a Universidade de Brasília. A ênfase no regime de tempo inte-
gral e na pesquisa, a maior Integração entre a s diferentes áreas, no
curso de Arquitetura, a presença dos trabalhos de atellê como parte
das pesquisas dos docentes. E s s a concepção de universidade e e s s a
estrutura eram, sem dúvida, as mais adequadas para articular o en-
sino e a pesquisa ao estudo dos problemas contemporâneos da socie-
dade brasileira. Tal foi a Importância dessas Inovações, que mesmo
« as terríveis pressões externas posteriores não puderam anulá-las in-
teiramente. Devemos lembrar também a forma como foi organizada a
reestruturação do Instituto de Arquitetura e Urbanismo — então ins-
tituto Central de Artes e Arquitetura — a partir de fins de 1969, após
o seu lamentável fechamento (que ocorreu um ano antes). Reagin-
do ao fechamento do curso de Arquitetura, a DIretoria Nacional do
lAB, os alunos do próprio curso e muitos arquitetos de todo o país
realizaram um esforço para a sua reorganização, cujo significado não
pode ser esquecido. Como participante direto dessa etapa, creio poder
testemunhar sua Importância. Como professor de outra universi-
dade, posso avaliar com tranquilidade os resultados.

L
Podemos reconhecer, n e s s e s quatro estudos, os resultados altamente
positivos de um projeto cultural amadurecido ao longo de 15 anos
de trabalho, cuja formulação remonta aos fins de 1969. O projeto
elaborado naquele momento procurava Incorporar as experiências en-
tão mais significativas e restabelecer, para o curso de Arquitetura
na UnB, uma posição de vanguarda, como a que o caracterizava em
sua etapa Inicial. Deste se recuperava o regime de tempo integral
para todo o corpo docente e a prática do projeto pelos professores
no recinto da faculdade, como parte da preocupação com a articula-
ção entre a teoria e a prática. Da experiência que vinha s e reallzanao
em São Paulo, desde 1962, incorporava-se o trabalho teórico sistemá-
tico e a preocupação com a pesquisa e os estudos dos problemas
que eram elaborados pela prática social, em todas as escalas do país.

O que chama a atenção n e s s e s trabalhos é o seu caráter teórico e o


fato de serem elaborados por profissionais com experiência signifi-
cativa na prática de planejamento e projeto de edificações. E s s a linha
de atuação é relativamente nova no Brasil. Até os anos 60, com exce-
ção de personalidades incomuns, como a do mestre Lúcio Costa, a
elaboração teórica esteve pouco presente nas atividades dos arqui-
tetos brasileiros. A elaboração de conhecimentos sobre a prática do
projeto s e restringia a uma crítica, em princípio subjetlva, que era
elaborada quase sempre por estudiosos de outras áreas. Não por
acaso, logo no início deste livro, o trabalho de Elaine Kohlsdorf des-
taca o fato de que no Brasil, até há alguns anos, a pesquisa estava
totalmente ausente da formação dos arquitetos.

Trabalhos como estes virão, sem dúvida, oferecer suporte a atlvlda-


des didáticas de graduação. Servirão sobretudo à pós-graduação e à
pesquisa em geral, Integrando-se à bibliografia dos teóricos brasilei-
ros, que vêm ganhando importância nas últimas décadas. De certa
forma e s s a bibliografia, s e não nega, atenua o tom de pessimismo
da parte final do trabalho de Kholsdorf, no que s e refere às contri-
buições teóricas no Brasil, e justificaria, para uma outra etapa, o le-
vantamento crítico da produção intelectual no país nas últimas déca-
das, sobre os temas em questão.

Ao constatar agora a abertura ao público de uma parte da produção Introdução


intelectual dos colegas da UnB, com e s s e s quatro estudos, não posso
deixar de reconhecer, com satisfação, o êxito de um projeto univer-
Ricardo Libanez Farret
sitário cujo nascimento acompanhei. O leitor verá a seguir que, como
sempre, entre arquitetos, o projeto é um elo, um momento de arti-
culação entre a teoria e a prática.

8
Qualquer ação prática se estabelece sobre um determinado objeto concreto.
No entanto, para que esta ação seja realista e consequente, ela deverá estar
apoiada sobre o conhecimento que se tem deste objeto.
Esse conhecimento, no entanto, não se baseia apenas nas manifestações vi-
síveis do objeto. Pelo contrário, é necessário conhecê-lo "por dentro" atra-
vés das leis gerais do seu comportamento e de suas formas de vigência
nas mais diversas condições concretas. Somente assim é possível prever e,
portanto, organizar uma ação prática sobre um objeto concreto, pois, como
afirma Gonzales (1981:1), "somente é possível planejar uma intervenção
quando é possível prever o comportamento, o movimento de um determinado
fenómeno".
No caso específico do planejamento urbano, entendido como uma forma de
ação sobre um objeto concreto, a cidade, não raramente observamos a sua
ineficácia, quando não resultados socialmente perversos. Isto decorre, em
grande parte, do conhecimento limitado que se tem sobre este objeto,
complexo, multidisciplinar e ainda carente de um corpo teórico próprio. Em
outras palavras, o conhecimento da cidade, como objeto concreto, é condi-
ção necessária, embora não suficiente, para melhor atingir os objetivos do
planejamento urbano, em todas as suas dimensões.
Em uma destas dimensões, a espacial, ip planejamento urbano pode ser
entendido como uma tentativa de, em forma sistemática, prever e, portanto,
controlar o desenvolvimento físico da cidade. Para um planejamento es-
paclaf consequente, este controle deve ser consistente com e/ou dirigido
para a manipulação adequada dos determinantes sociais, económicos, políti-
cos e tecnológicos para os fins sociais almejados^/A interação destes deter-
minantes, na medida em que todo o social se realiza no espaço, resulta em
ordens ou padrões de uso do solo que representam, em cada momento, o
efeito cumulativo de decisões, ações (e omissões) de um grande número de
agentes individuais e institucionais. O conhecimento destes processos e pa-
drões constitul-se, portanto, num suporte teórico-conceitual fundamental às
ações sobre o espaço urbano. Esta, a razão primeira deste trabalho.

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Além disso, a importância do estudo da estrutura espacial urbana pode ser volvimento do estudo da estrutura espacial urbana. Este desenvolvimento
Identificada a partir de diversos ângulos. Primeiro, ela constitui uma tradi- visa não somente a descrever os arranjos ou localização relativa dos usos
cional preocupação académica de diversas disciplinas: sociologia, geografia, do solo, mas, principalmente, a explicar — portanto prever — mudanças
economia, arquitetura, engenharia, antropologia e ecologia; segundo, a estru- na estruturação do espaço urbano.
tura espacial urbana está claramente relacionada a processos de redistribui-
Dentre outras, o espaço urbano constitui uma das áreas de estudo do
ção da riqueza (Harvey, 1973); terceiro, como visto anteriormente, devido
Instituto de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Brasília. Os traba-
aos seus vínculos com o planejamento do uso do solo urbano, a análise da
lhos aqui apresentados foram produzidos por vários de seus professores e
estrutura espacial urbana pode levar a um melhor entendimento de quais,
constituem material didático para os cursos de graduação em Arquitetura
como e por que certas configurações melhor propiciam a consecução de
e Urbanismo e pós-graduação em Planejamento Urbano. Têm, portanto, um
objetivos sociais determinados; quarto, permite o entendimento do papel do
endereço eminentemente didático que, esperamos, possa ser útil aos demais
Estado, visto que os processos e padrões de estruturação do espaço urbano
programas nacionais de graduação e pós-graduação em arquitetura, plane-
são principalmente determinados (ou pelo menos influenciados) por uma va-
jamento urbano, sociologia urbana, geografia urbana e economia urbana.
riedade de ações do setor público, que tanto podem atuar no sentido das
forças do mercado como podem, também, implícita ou explicitamente, opor- Em seu trabalho, Maria Elaine Kohlsdorf propõe-se a investigar o estabele-
se a elas; finalmente, dada a atual conjuntura energética, a estruturação do cimento do espaço urbano como disciplina académica, partindo de algumas-
espaço urbano pode representar, a médio e longo prazos, uma alternativa hlpóteses. Primeira, a de que o espaço urbano define-se como espaço físico
conservacionista de largo alcance social e económico (Farret e Pareto, 1981). transformado com certas intenções por processos sociais de produção;
por isto, inscreve-se dentro do campo de conhecimento da arquitetura;
A origem da análise científica da estrutura espacial urbana é objeto de segunda, a de que uma disciplina só se estabelece quando explicitada tanto
controvérsia. Se, por um lado, é prática comum entre os estudiosos do sua componente profissionalizante quanto a especulativa; àquela caberia
assunto o argumento de que tudo se iniciou com o trabalho da chamada fornecer um conjunto de regras de ação e a esta, proceder ao conhecimento
"Escola de Chicago de Sociologia Urbana", por outro, alguns teóricos vão de seu objeto; finalmente, existe para a arquitetura uma longa história de
multo mais longe. Harris (1961), por exemplo, afirma que "os mestres- práticas sobre o espaço, mas a pesquisa do mesmo não se tem desenvol-
planejadores e arquitetos possuíam... algum nível de entendimento analítico vido com a mesma ênfase; logo, a teoria da prática arquitetõnica ainda não
e científico da estrutura urbana" (p. 670). Em outras palavras, eles afirmam se consolidou. A investigação de tal trabalho delimita-se pelo marco histó-
que, através da vinculação da estrutura espacial urbana (via desenho ur- rico Iniciado com a Revolução Industrial, e centra-se, desde então, nas
bano) com as forças macrossocials predominantes nas sociedades pré- diversas maneiras de abordar o espaço urbano; entretanto, não se descartam
industrials (por exemplo, defesa e religião), aqueles profissionais estavam as contribuições ou teorias a tal conhecimento; procura-se apenas a rede-
fisicamente reproduzindo e hierarquizando relações sociais. Isto só era finição da arquitetura e do arquiteto que ocorre a partir da emergência da
possível pela identificação destas com aquelas.
sociedade industrial.
Enquanto não é nosso propósito discutir, aqui, o que seja o "conhecimento Ricardo Farret faz uma análise crítica dos grandes paradigmas explicativos
científico" da estrutura espacial urbana, é suficiente afirmar, a exemplo de da localização residencial intra-urbana. Partindo-se da Importância do setor
Post (1962), que há uma forte convergência entre as necessidades dos residencial na cidade, tanto em termos quantitativos (cerca de 80% da
Formuladores de políticas urbanas e o interesse dos cientistas urbanos na área urbana tem uso residencial) quanto qualitativos (o setor é determi-
explicação do processo de estruturação das cidades 1. Portanto, mudanças nante no dimensionamento e localização de outros setores), pode-se cons-
em tecnologia, crescente complexidade no processo de tomada de decisão tatar, sem dificuldades, o seu papel determinante na estruturação do
e controle e a consequente ampliação do poder do Estado e seu distancia- espaço urbano. Sem analisar modelos Individualmente, o estudo procura
mento da sociedade civil, têm estimulado, compreensivelmente, o desen- abordá-los em termos dos principais paradigmas aos quais se vinculam: o
do equilibrio e o do conflito.
1. Por exemplo, com a Intensificação do programa de vias expressas nos
EEUU, após a Segunda Guerra Mundial, a Investigação urbana concentrou-se Em a Renda do Solo Urbano, Suely Gonzales formula hipóteses explicativas
na análise das relações entre a localização destas vias e a expansão urbana, sobre a estruturação do espaço urbano sob as determinações da renda
dando, portanto, origem a vários modelos de estruturação do espaço urbano fundiária urbana. Partindo das formulações iniciais sobre a renda fundiária
(Post, 1962). agrícola, o estudo analisa as diversas formas que ela assume no contexto

12
13
urbano, bem, como as implicações de cada uma delas na configuração
espacial das cidades.
Finalmente, em seu estudo, Frederico de Holanda mostra que o espaço, a
exemplo de outras manifestações do social, não "reflete" o social: ele
constitui uma de suas inúmeras dimensões. A organização espacial, se-
gundo Holanda, não deve ser entendida como simples locus de outras
práticas, mas ela própria, isto sim, como estruturadora de processos pro-
dutivos, simbólicos e de representação.
Sem a pretensão de esgotar o tema, temos certeza de que a obra aqui
apresentada contribuirá para reativar os debates sobre a organização es-
pacial das cidades e suas profundas relações com os processos sociais
mais gerais.

Bibliografia

FARRET, R. e PARETO, V. (1981). "A Configuração Espacial do Modelo


Energético". Brasília: Revista Brasileira de Tecnologia, 12 (2).
GONZALES, S. (1981). Planejamento Urbano: Uma Introdução à Disciplina.
Brasília: URB/UnB (mimeo).
HARRIS, B. (1961). "Some Problems in the Theory of Intraurban Research".
Operations Research, 9 (5).
HARVEY, D. (1973). Social Justice and the City. Baltimore: J . Hopkins.
POST, R. (1962). Criteria for Theories of Urban Spatiel Structure. Chapei
Hlll, NC: Tese de Mestrado, U. of North Carolina.

Breve Histórico do Espaço Urbano


como Campo Disciplinar
Maria Elaine Kohlsdorf

14
Introdução

O espaço urbano é, hoje, uma área com longa história de prática profissio-
nal. Pode-se, por exemplo, considerar uma atitude de projeto aquela ex-
pressa no espaço das antigas cidades gregas e romanas, ou nas cidades da
Europa medieval, ou ainda nas cidades renascentistas e barrocas. O mesmo
gesto de prefiguração encontra-se nas definições de sítio e espaço con-
tidas nas Leyes de las índias, intermediárias na estratégia de coloniza-
ção hispânica na América Latina. A projetação está, também, presente
nas cidades de colónias portuguesas, como o Brasil: sabe-se que, embora
sem o apoio de um complexo legal explícito como o espanhol, os antigos
núcleos urbanos brasileiros foram constituídos segundo o modelo das cida-
des do Medievo português. A atitude de projeto a nível urbano é ainda
melhor visualizada quando lembramos as primeiras cidades novas (como

Planta baixa da cidade de Mileto, Grécia, 470 a.C. Planta de Sforzinda, cidade ideal de Fiiarete, 1460.

16
Planta baixa de Turim, após duas expansões urbanas, em 1682. Plano de Lima, Peru, 1683.

Karisruhe e Bath), e os processos pioneiros da renovação urbana (da Roma [tentativas de lograr explicações!" Ocorreu uma produção maciça de obras
papal, de Londres e Lisboa após incêndios e cataclismas, ou de Paris frente sobre a cidade, que lançaram a base de estudos que se estendem até os
à Comuna de 1848). Daí, até os dias atuais, projetar assentamentos de na- nossos dias. Autores como Choay (1965), Benévolo (1967) e Reissmann
tureza urbana tende a assumir características de rotina profissional, seja (1970) afirmam que foram, então, colocadas certas ideologias ao tratar o
sob a forma de novas cidades, planos de expansão territorial, ou conjuntos espaço urbano, que permanecem subjacentes a reflexões e práticas em
habitacionais, seja como remanejamentos de espaços urbanos preexistentes. nossos dias; é o caso do progressismo e do culturalismo, congregando uma
série de postulados por vezes antagónicos, por vezes paralelos, e que são
A teoria desta prática, entretanto, ainda está em vias de estabelecimento
hoje objeto de longas polémicas quanto a suas definições e validade como
paradigmático; o pensamento que a tem alimentado caracterizou-se, até
critério de classificação. É o caso ainda do marxismo científico, que conse-
princípios do século XIX, por não ser nem reflexivo, nem crítico, atributos
guiu superar certos dilemas comuns aos dois outros pensamentos, mas
estes que ainda marcam grande parte dos estudos urbanos. São, via de
que colocou outros impasses epistemológicos, dos quais o maior talvez seja ,
regra, conjuntos de normas de composição arquitetõnica, baseados em cri-
a ausência da visão espacial ao abordar a questão urbana. Contudo, ãT
térios estéticos, funcionais ou construtivos e, entre estes, encontram-se
autores (Vitrúvio, Hipódamo) e méritos que vêm sendo, hoje em dia, redes- cidade configurada pela Revolução Industrial dá origem a um modo de pen-
cobertos. Entretanto, estas arfes urbanas não se propunham a explicar a sar o espaço urbano que é totalmente distinto dos anteriormente existentes,
cidade enquanto fenómeno espacial; entender e explicar são atividades que porque a sociedade urbana que então emerge é completamente nova. ~"
se têm quase restringido a historiadores, filósofos e outros estudiosos que
A sociedade industrial, ao nascer, vê-se frente a problemas propostos pelo
não fazem do espaço urbano sua preocupação central.
processo de urbanização crescente; a resolução de tais contradições passa
Há quase dois séculos, entretanto, a Revolução Industrial propiciou o surgl-~ a se comprometer com o equilíbrio dos próprios processos urbanos,| para
mento de investigações sobre o espaço urbano, que se distinguiram nitida- permitir. Inicialmente, a consolidação, e depois a perpetuação da ordem
mente de tudo quanto se vinha estudando sobre o mesmo, pelas suas.. social que o originou. Em outras palavras, o estudo do espaço urbano pas-

18 19
sou predominantemente a se comprometer com as classes sociais urbanas, se minimiza a contribuição da arquitetura ao entendimento da cidade.(Nossas
e sua característica inerente de dominação sobre as classes sociais rurais; cidades, hoje e no passado, não têm sido explicadas pelo seu espaço;
comunicou, decorrentemente, a seus autores, o compromisso com o pacto quando ocorrem esforços neste sentido, é comum proceder-se à maneira
social assente sobre o poder da cidade sobre o meio rural. Através deste urbanista (refletindo) ou à maneira das artes urbanas (formulando normas
fato, poder-se-iam explicar, por exemplo, as reiteradas abordagens da ques- de projeto sem base teóricar|
tão urbana por caminhos que conduziram à colocação de falsos problemas,
2^0 caso do Brasil, a prática do urbanismo e do planejamento urbano já é,
e desviaram a pesquisa das relações essenciais do fenómeno.
hoje, substancial (Kohlsdorf, 1976), mas expressa, na atuação dos arquitetos,
-rDe tais definições tem participado o arquiteto, porque a cidade faz parte uma formação eminentemente profissionalizante, onde a ausência de pesqui-
de seu campo de atuação e porque possui, na compreensão do processo sa era total até pouco tempo atrás. Ao se Inserir na "sociedade do planeja-
J-urbano, a responsabilidade das questões físico-espaciais. Entretanto, além mento", em função das condições de industrialização que atingem o país,
de estar Inserido nos rumos da sociedade Industrial, o arquiteto trabalha em desenvolyem-se metodologias de abordagem para nossos processos urbanos
uma área de conhecimento abalada pela deficiência de paradigmas estabele- que têm, via de regra, reforçado o papel definido para a nação, como parte
cidos. Enquanto a prática arquitetõnica é antiga e competente para transmitir articulada no sistema de produção capitalistaTj Além disto, tem-se Incorrido
certas normas de projetação, a pesquisa sobre o seu espaço — onde se inse- na mera transposição de tecnologia (seja intelectual), revelando-se esta
re a entidade urbana — não possui tradição e é, ainda, incapaz de gerar teo- Incapaz de explicar os processos dos espaços urbanos brasileiros, porque
rias. Sem a contrapartida de pesquisas que conduzam a explicações, a com- não se procede ao conhecimento de fenómenos do mundo real senão a
ponente profissionalizante não consegue estabelecer a arquitetura como partir de seus próprios atributos específicos. A característica de prática
disciplina. Na verdade, a atividade assumida pelos arquitetos, tanto pré- sem apoio de pesquisa, e nem sequer de reflexão, que prepondera no
urbanistas quanto urbanistas, não pode ser entendida como de investigação, trabalho que nós, arquitetos, desenvolvemos atuaimente no Brasil, só tem
mas apenas como de reflexão; por outro lado é, precisamente, quançlo se feito agravar as consequências da Importação de instrumental científico.
desenvolvem pesquisas urbanas, a partir da sociologia e da geografia, que O trabalho que aqui se Inicia possui, entretanto. Intenções muito modestas;
trata-se apenas de colocar à disposição um pequeno ensaio, onde foram
reunidas as linhas gerais dos principais movimentos académicos que tentam
sistematizar as especulações em torno do espaço urbano. É a partir dos
mesmos que desenvolvemos este trabalho, tendo havido, evidentemente,
uma seleção que descarta várias obras importantes, mas que é Inevitável,
seja pelo acesso que se tenha tido, até a presente data, à tal bibliografia,
seja por um processo natural de Identificação com o ponto de vista de
alguns autores.

Projeto de renovação urbana para Paris, de Haussmann, representado por Jean


Alpiíand em 1867.

20

F IJ t L
BIBLIOTECA CENTRAI
contemporâneos, a cidade europeia do século XIX não pode ser, então,
definida por suas reais características; não se desenvolveram soluções a pro-
o espaço da cidade industrial e a nova ordem social: blemas entendidos dentro de uma nova lógica, mas contestou-se esta, por s e ^
progressismo e culturalismo acreditar que a mesma constituía-se no problema. As reflexões apoiaram-se
sobre uma situação idealizada, e orientaram-se ora para o futuro [progressis-
mo] ora para o passado [culturalismo). As duas atitudes originaram-se
da observação da Revolução Industrial a partir de duas posições extremas:
O espaço das cidades europeias à época da Revolução Industrial pode ser
de forma a aceitá-la como a chave dos tempos modernos onde todas as
caracterizado pelo impacto de novas estruturas sobre processos urbanos
contradições estariam resolvidas, ou de forma a negá-la, por ser respon-
que se vinham desenvolvendo com certa continuidade, flexíveis que eram
sável pelo desaparecimento de um mundo melhor. As propostas decor-
às mudanças da sociedade anterior.
rentes destas atitudes foram, evidentemente, incorretas: o progressismo é
Assim como a Revolução Industrial consegue alterar totalmente a consti- descritivo e acrítico em relação à realidade; o culturalismo é crítico,
tuição da sociedade europeia em poucas décadas, logra, simultaneamente, porém nostálgico.
mudar a estrutura do processo de organização do território europeu e do
Tanto o culturalismo quanto o progressismo compareceram de formas
espaço das cidades daquele continente. Nasce, juntamente com a sociedade
diferenciadas, conforme situem-se nos primeiros tempos de existência da
industrial, uma nova ordem do espaço urbano, e ambos o fazem de maneira
sociedade industrial, ou perteriçam às primeiras décadas do século XX,
a romper abruptamente com seus antecedentes. Como se sabe, há um esva-
Neste sentido, Choay (ibid.) chama de pré-urbanistas e Benévolo (Ibid.)
ziamento das áreas rurais e uma aceleração fantástica do crescimento demo-
de utopistas os pensadores que constituem o primeiro momento de reflexão
gráfico das cidades, iniciando o processo de urbanização, com a inversão
sobre a cidade industrial, no século XIX; estes estabeleceram as bases do
das relações de dominação entre cidade e campo, em um movimento de
pensamento culturalista, como Arnold, Carlyle, Pugin, Ruskin, William Morris,
^concentração necessário à realização do modo de produção capitalista.
ou iniciaram a visão provressista, como Cabet, Fourrler, Owen, Proudhom,
Observa-se, na organização do espaço intra-urbano, a substituição de mor-
Richardson. Em ambas as abordagens, entretanto, existem características
fologias que vinham, desde a Idade Médiaj^çpn\wendo com estruturas de comuns, que fazem das obras realizadas pelos utopistas produtos essen-
épocas posteriores (como o Renascimento e o Barroco). A transformação cialmente hipotéticos, pois não foram levados à prática; entretanto, suas
dos meios de produção, corresponde o advento de novas atividades urbanas, colocações são geralmente imbudas de caráter politico. A concepção pré-
a desestruturação dos sistemas funcionais remanescentes de outras épocas, urbanlsta da cidade é global, pois assim também o é a visão que os
e uma alteração radical nas necessidades e possibilidades de locomoção; mesmos têm da sociedade. Concorre para tal o fato de que os pré-urbanistas
coerentemente, a configuração de cidades como Londres, Paris e Berlim ou utopistas provinham de diversas áreas de conhecimento, e não apenas
altera-se radicalmente como jamais até então, e isto, tanto pela velocidade de uma, como será o caso dos urbanistas.
do processo de renovação de seus espaços quanto pela natureza destas
transformações.

Poder-se-la associar a estas drásticas mudanças na sociedade e no espaço


sob o impacto da industrialização uma revolução no modo de pensar a
cidade. É preciso, entretanto, não esquecer que esta última ocorre não
apenas a partir do estímulo ocasionado pelos processos de transformação
sofridos pelas cidades europeias na época, mas também imgosta pela
ordem social emergente, que passa a se valer visceralmente da entidade
urbana. E, portanto, passa a ser necessário que ela seja acompanhada,-
controlada e dirigida no sentido de possibilitar e garantir o desenvolvi-
mento das novas relações sociais que virão a caracterizar a maior parte
da população do mundo contemporâneo. Entretanto, à exceção, talvez, da
crítica marxista, o quadro da Revolução Industrial não foi senão entendido
como uma desordem. Sem ser devidamente compreendida pelos seus Edifício central do projeto de Falanstério, Fourrler, 1847,

22 23
Seus princípios geraram os planos de sucessivas reformulações de espaços
A partir do final do século XIX, começou a configurar-se o urbanismo,
das cidades europeias atingidas por duas grandes guerras; mais tarde,
com pretensões expressamente científicas, porém colocadas de forma
bastante peculiar: há uma despolitização de enfoque, simultânea a uma o racionalismo do CIAM criou cidades novas na Euroma e também no Ter-
especialização dos urbanistas. IA concepção da sociedade perde, assim, ceiro Mundo (Chandigahr e Brasília) e novos bairros residenciais no Velho
seu sentido global, e a cidade passa a ser encarada como uma entidade Mundo e nas Américas.|Âté a segunda metade do século XX, o progressismo
autónoma, quase sempre física ou funcional, sendo, portanto, definida em entendeu a cidade contemporânea como fruto de um movimento que produzia
bases insuficientes. Os urbanistas são, geralmente, arquitetos e contra- uma ruptura radical na História, e não como uma etapa de um processo
põem, ao caráter utopista dos estudos anteriores, a prática de transfor- histórico. Aceitando como positivas as ideias de progresso e modernidade,
mações de espaços urbanos ou da construção de cidades totalmente novasj deslocou o interesse dos urbanistas dos aspectos sociais e económicos para
as estruturas técnicas, funcionais e estéticas. A ausência de crítica produziu
forma urbanista do culturalismo surgiu cronologicamente primeiro, entre distorções na realidade, e passou-se a trabalhar com valores supostamente
1880 e 1890, na obra de Camillo Sitte; limitou-se, então aos países anglo- universais, com um espaço Idealmente indiferenciado e com metas de alcan-
saxônicos, onde predomina durante a maior parte deste século. çar a eficiência em todos os sentidos.
t> O progressismo teve sua primeira expressão urbanista no século XX,
através de Tony Garnier; Choay (ibid., p. 31) fala em uma primeira geração
de arquitetos racionalistas, definindo-os como aqueles que participaram
do movimento em favor das formas puras, contra a ornamentação dos
edifícios e pela exploração dos recursos técnicos no urbanismo. Desta
geração participaram Le Corbusier, Ozenfant, Gropius, Oud, Rietveit e Van
Eesteren; foi, entretanto, principalmente a partir do Congresso Internacional
de Arquitetura Moderna (CIAM), em 1928, que o modelo de cidade racio-
nalista passou a ser desenvolvido na prática, em diversos pontos do mundo.']

Esquema da Cidade Industrial. Tony Garnier, 1899/1901,


Planta baixa do projeto para a parte oeste do Anel de Viena, Camillo Sitte, 1889.

24 25
Runcorn, 1967.
I

Com o fim da Segunda Guerra l\/lundial, o pensamento progressista adquire A manifestação do pensamento culturalista no urbanismo é bem mais
novas feições na chamada tecnotopia, onde a questão urbana define-se a restrita, mas caracterizou-se igualmente por colocar em prática suas ideias.
partir de parâmetros físico-construtivos: as cidades futuristas, projetos de Isto ocorre, entretanto, na maioria das vezes, sob a forma de planos par-
profissionais eminentemente técnicos (em gerai arquitetos e engenheiros), ciais, e frequentemente de maneira indireta. Por exemplo, há influências
respondem a uma concepção urbana fundada nas novas tecnologias constru- culturalistas em algumas cidades novas inglesas, pela sua delimitação
tivas, estas consideradas como capazes de responder a necessidades sociais precisa tanto em termos de tetos populacionais quanto de sua extensão
tipificadas. jà segunda geração racionalista propôs-se a uma relação realista física, ou ainda pela individualidade e identidade intencionais de cada
com a técnica, a qual não havia sido plenamente assumida anteriormente; espaço urbano. As várias reformas urbanas por que passam cidades da
entretanto, ocorre agora uma nova negação da cidade, na medida em que Europa Central nos últimos trinta anos expressam valores culturalistas na
a definem como um objeto acabado e indiferenciado, com o qual os habi- busca de pequenas escalas e efeitos pitorescos, da mesma forma que o
tantes relacionam-se utilitariamente. A maioria das propostas futuristas não fazem, mais recentemente, centros turísticos do Mediterrâneo. Entretanto,
se concretiza pela grandeza dos investimentos requeridos, mas seus planos
são difundidos extensivamente, através do sistema de comunicação que já
então congrega o mundo moderno. As cidades propostas por Fitzgibbon,
Maymont, Kikutake. Xenakis e outros caVacterizam-se por responder com
estruturas altamente complexas e amplo emprego de materiais, técnicas de
construção e conforto ambiental industrializados a uma sociedade capitalista
que se afasta de condições existenciais integradas à natureza. Finalmente,
a cidade concebida por este novo progressismo é, equivocadamente, um
grande edifício.^
Cidade móvel, Herron, s.d.

Conglomerado habitacional aéreo, Isosaki, s.d.


PInno para o futuro, para Tóquio, Kurokaiwa, 1961.

28
29
a obra dos três maiores representantes do urbanismo culturalista, desen- O urbanismo culturalista contrapôs a noção de orgânico à de racionai,
volvida em fins do século passado e princípios do atual, é suficientemente preconizada pelo progressismo, mas, tanto quanto o pensamento que rebatia,
profunda para embasar toda uma concepção de cidade que se opõe ao foi incapaz de representar as relações reais, que ocorrem entre espaços e
modelo progressista, Choay (ibid., p. 45) afirma que, nos trabalhos de História, nos fenómenos sociais urbanos. Reagindo em função do passado,
Camillo Sitte, Ebenézer l-íoward e Raymond Unwin, existe a constatação considerou o tempo com a mesma capacidade de reversão própria ao espaço.
de que o espaço das cidades pré-industriais ofereceu possibilidades, através jPorém o culturalismo introduziu certos avanços metodológicos importantes,
de suas qualidades, à realização plena de uma cultura urbana. Assim, a que~seriam retomados na década de sessenta pelos estudiosos do espaço
cidade do século XX é vista, pelos culturalistas, em processo de dete- urbano, como a ênfase na abordagem histórica, tanto como forma de com-
rioração de suas qualidades espaciais, no sentido de perda de valores preender a cidade quanto como método de análise de seus espaços^
historicamente aceitos. Propõem então que, recuperando-se qualidades
A nova realidade capitaiista-Industrial suscitou, entretanto, dois outros Im-
espaciais, lograr-se-ia a retomada de relações sócio-culturais qualitativamen-
portantes enfoques da cidade do século XIX: o marxista e o antiurbanista.
te superiores, e que isto seria possível adotando-se modelos de espaços
Marx e Engels colocaram, diferentemente dos utopistas que lhes são con-
pré-industriais, em vez de se procurar novos arranjos tipológicos.
temporâneos, a realidade histórica como ponto de partida de seus estudos,
procurando entender a cid^ade industrial como expressão de uma nova ordem,,
e não^ de uma desordem. Não propuseram, porém, um novo modelo físico-
espaclaí, pois somente a partir de transformações das estruturas sociais
seria possível haver transformação nas estruturas urbanas. Neste sentido, a
atitude crítica foi apoiada na realidade concreta, e a cidade apareceu como
o lugar da História: a cidade capitalista do século XIX é vista como a
expressão de uma certa ordem de que foi, em tempo, criadora, e que será
ultrapassada. O pré-urbanismo marxista interpretou o espaço urbano como

O A R D E N C I T Y AND R U R A L BELT

Fununma de Cidade com Satélites, Unwin, 1922.


Diagrama da Cidade Jardim, Howard, 1898.

30 31
i

uma externalidade de um fenómeno eminentemente social, e propôs, então,


a explicação daquele através da sociedade real que o assumiu. Seus con-
temporâneos e seguidores imediatos não deixaram projetos, e alguns, como
Kropotkine, Boukharine e Preobajensky, radicalizaram a ponto de negar qual- O espaço como um aspecto do processo urbano:
quer previsão e ordenação. Mas, ao contrário das teorias utopistas, a mar- a multidisciplinaridade
xista submeteu-se à prática no século XX, na URSS e na China, através
de programas de construções de cidades novas. Nestas observa-se, no
entanto, a retomada de certas atitudes criticadas pelos teóricos marxistas
como, por exemplo, modelos e tipologias espaciais racionalistas. A colocação em prática das Ideias progressistas e culturalistas provocou
um movimento de crítica ao urbanismo, quase simultaneamente à própria
O antiurbanismo representa a contribuição americana mais importante aos realização de suas proposições. Já em 1910, discutla-se a obra de Patrick
estudos urbanos do século XIX e primeiras décadas deste século, e o fez Geddes, C/f;es in Evolution, que significa o marco de uma nova maneira de
justamente pela negação do modo de vida urbano. Neste sentido, o anti- considerar a problemática urbana, e reagia-se à arbitrariedade dos postulados
urbanismo de Thomas Jefferson, Henry Adam e Louis Sullivan precedeu à urbanistas e ao distanciamento da realidade em que vinha Incidindo, sis-
obra mais acabada, no século XX, de Frank Lloyd Wright, mas em ambos tematicamente, o progressismo. Os países anglo-saxônicos haviam concre-
está contida a ideia de retomada da natureza, perdida pela Revolução Indus- tizado, diversas vezes, o modelo racionalista em bairros residenciais e em
trial. Embora, como no caso de Wright, se proponha a utilização dos meios
cidades novas, e é aí que se desenvolve a maioria das tentativas de reto-
industriais, mais uma vez a questão urbana e o espaço das cidades
mar a visão global do fenómeno urbano. | é da Inglaterra e dos Estados
contemporâneas viram-se definidos em bases falsas, porque a proposta de
Unidos que vem a expressão planejamento urbano, traduzindo certos prin-
volta à natureza coloca-se sem a compreensão do processo histórico ge-
cípios que caracterizam esta crítica ao urbanismo. A área de conhecimen-
rador da sociedade Industrial.
to da cidade passou a identificar-se pelo pianning, ou seja, a constltulr-
se de procedimentos racionais que têm como finalidade a preparação da
tomada de decisões, estas no sentido de conduzir os processos urbanos
para metas e objetivos previamente estabelecIdos^lNò final da década de
trinta, os trabalhos de Lewis Munford continuaram a obra de Geddes,
introduzindo certas posturas que se afirmam contra o urbanismo: um
contato direto com a realidade, em estudos teóricos de observação dos
processos "in loco", mas visando, principalmente, à predominância da prática.
Os conceitos de tempo e História referem-se a criações permanentes, e
considera-se a cidade como ponto crítico das relações sociais de nosso
século. Desta maneira, caíram por terra alguns sofismas tanto do urbanismo
progressista quanto do culturalista: não se especulou, então, com caracteres
típicos e universais, e a cidade Industrial começa a ser considerada am-
plamente como uma etapa do processo histórico, ligada tanto à era pré-
Industrial quanto ao futuro; a perspectiva histórica passa, portanto, a ser
caracterizada como Irreversível e a significar uma transformação do passado.
Associada à definição da cidade a partir de uma realidade histórica, a
abordagem dq contexto urbano passa a ser realizada segundo uma visão
processual, onde aparecem com destaque os aspectos dinâmicos daquele.
Esta atitude, por um lado, conduziu a uma avaliação mais precisa da
cidade Industrial, revelando certas qualidades da mesma; por outro lado,
permitiu o desenvolvimento de uma metodologia de Investigação da questão
urbana fundada sobre conhecimentos sociológicos, tecnológicos, económicos
e mesmo físico-espaclals, que se apoiam na própria História. Entretanto,

33
não se deve esquecer que o conhecimento do fenómeno urbano passa Entretanto, a forte herança positivista do mundo ocidental coloca vários
também, com o planejamento, a estar em função de ações de intervenção entraves a que se assuma plenamente a globalidade da questão urbana,
na realidade, abandonando, quase sempre, as pretensões científicas colo- principalmente porque tal implica contradizer a própria divisão profissional
cadas pelo urbanismo. A cidade tornou-se uma entidade observada à luz e académica vigente. A multidisciplinaridade no planejamento urbano tem,
de raciocínios que se voltam a definir problemas na mesma, e a propor talvez, procedido exatamente no sentido oposto à busca do enfoque da
soluções para eles, compondo um movimento de controle dos processos cidade como uma entidade global, pois tem feito com que a problemática
urbanos. Esta característica foi fazendo com que o planejamento urbano urbana seja objeto de várias disciplinas. Porém, ao receber a colaboração
se afirmasse como instituição intimamente associada ao poder público e, de sociólogos, historiadores, economistas, juristas, geógrafos, psicólogos
obviamente, com ele comprometida. . e t c , a definição da cidade realizada pela arquitetura entrou, talvez, na
maior crise de toda a história desta última. Predominando sobre as tradi-
Enquanto contribuição ao conhecimento das cidades contemporâneas, a
cionais abordagens defarquitetos, engenheiros e técnicos, comunicaram
característica mais peculiar do planejamento urbano reside na entrada em
seus métodos e procedimentos aos profissionais do melo físico-espacial.
cena de várias disciplinas; contrapõs-se, desta forma, ao papel especializado
Entre o finai da Segunda Guerra Mundial e da década de sessenta, a par-
que o urbanismo assumiu diante da organização da sociedade industrial. ticipação do arquiteto no planejamento urbano é ambígua, como se, aban-
donando as posturas que o caracterizaram na era pré-lndus^rlal e no
urbanismo, não conseguisse redefinir seu enfoque do fenómeno urbano,
ante a maciça contribuição de outras disciplinas frente ao mesmo objeto
teórico. Este fato trouxe como conseqíjêncla uma paralisação no estabele-
cimento das bases paradigmáticas da arquitetura; em contrapartida,
avançou-se na explicação da questão urbana enquanto fato sociológico,
económico e geográfico, onde o espaço é abordado, coerentemente, como
um objeto sujeito àquelas disciplinas. Em outras palavras, estas contribui-
ções locallzam-se mais em relação à compreensão da cidade como processo
onde o espaço é o reflexo, o resultado ou o residual, e não onde o mesmo
é o próprio corte epistemológico.

A sociologia e o espaço urbano

As Interpretações sociológicas da cidade surgiram nos Estados Unidos,


contemporaneamente ao trabalho de Geddes: em 1916, Parle publicou a obra
inicial da escola ecológica ou de Chicago, cuja produção de pesquisa abas-
teceu grandemente a sociologia urbana. Há dois momentos no grupo dos
ecóiogos: o primeiro é representado pela escola de Chicago e o segundo,
que se desenvolve a partir dos anos cinquenta, é conhecido como neo-
ecologia. Em ambos, foram transpostos princípios da ecologia para explicar
as organizações sociais urbanas, e teve-se como objeto de estudo as relações
entre o melo (e não entre o espaço) e a sociedade. A escola de Chicago
foi culturalista ao retomar indicadores típicos e ao se vincular à teoria
evolucionista das culturas; tais características estão contidas na obra
daqueles que são os nomes mais expressivos do movimento: Park, Burgess
e Mc Kenzie. A neo-ecologia tem seu marco na obra de Hawiey, mas
Influenciou estudos sociológicos de caráter comportamentalista, principal-
mente através de Duncan e Schnore. Castells (1974, p. 148-149) refere-se
Bournville, 1879: Cadbury Chocolate Works.
a tais trabalhos como Introduzindo aspectos psicossociológicos nos estudos

34 i 35
de sociologia urbana, porém de maneira abstraía, sem considerar estrutura estudo da sua produção pelos elementos dos sistemas económico, politico
de classes ou divisão social do trabalho, e identificando população com e ideológico bem como pela combinação de tais elementos e das práticas
organização social.
sociais derivadas.
Paralelamente a estas duas tendências ecológicas na sociologia, desenvoi-
veu-se o empirismo quantitativo, exercendo influência na Europa e Estados
A economia e o espaço urbano
Unidos nos anos cinquenta. Este grupo de estudiosos caracterizou-se por
analisar a questão urbana a partir de indicadores mensuráveis e sob uma O pensamento económico em relação à cidade expllcita-se posteriormente
ótica eminentemente prática; não se obteve, como resultado, produções às abordagens da escola de Chicago, mas suas raízes estão em tempos
teóricas de sociologia da cidade, mas apenas classificações baseadas em longínquos, nos próprios clássicos da economia (Adam Smith, Ricardo) e
certos indicadores (por exemplo, tamanho do espaço ocupado por deter- na interpretação marxista. Tal explicitação representa um movimento de
minado grupo social). Segundo Reissman (ibid., p. 104), as classificações aproximação ao espaço no plano teórico, podendo-se registrar, nas origens,
empiristas oferecem a vantagem apenas de se poder medir, objetivamente, uma Interpretação abstrata do mesmo, quando não uma franca Indiferença.
os indicadores que lhes serviram de base, pois se apresentam Incapazes Desenvolvem-se dois níveis de abordagem, correspondentes à macro e à
de estabelecer claramente a aplicabilidade do indicador aos fatores funda- microeconomia, os quais revelam um Impasse disciplinar na medida em
mentais da sociedade urbana. que existe, tal como nestas duas últimas, um abismo a separá-los.
A macroeconomia apresenta-se através das teorias regionais, transposições
Ao empirismo dos ecóiogos e quantitativos, contrapõem-se diversos cientistas
das teorias de relações internacionais; podem-se citar três grupos teóricos
sociais, em esforços por lograr uma teoria sociológica urbana. A estes,
dentro daquelas: um primeiro formado pelas teorias neoclássicas; um se-
chamados por Reissman (Ibid., p. 139) de teóricos da cidade na sociologia.
gundo composto pelas teorias keynesianas (onde encontram-se a Teoria
coube a preocupação em definir o fato urbano pelo seu contrário, o meio
da Base de Exportação e a regionalização do modelo de Harrod-Domar); e
rural, destacando-se as proposições de Durkheim, Weber, Toennies, Spencer,
um terceiro grupo representado pela teoria do ciclo do produto de Vernon
e as teorias dedutivas de Simmel, Davis e Louis Wirth. De uma maneira
(tendo como hipótese básica a igualdade de condições, entre os países de-
geral, o estudar-se as relações entre o rural e o urbano como veículo de
senvolvidos, no acesso aos conhecimentos tecnológicos, e a fraca importân-
explicação deste último possibilitou a Inserção do fato urbano na globa-
cia do problema das transferências de capitais). Esta última teoria representa
lidade dos próprios processos sociais, porém tais relações não têm sido
um avanço sobre as anteriormente citadas, pois, enquanto aquelas não
definidas sem alguma ambigijidade. Existem, nestes trabalhos, certas ten-
possuíam especificidade espacial, a de Vernon coloca diferenças espaciais
dências diferentes e básicas de análise das relações entre o melo rural e
nos elementos de análise (como níveis de renda, fontes de informações,
o urbano, mas, segundo Velho (1976), em qualquer destas, o aspecto
reservas de mão-de-obra, etc).
diferenciador entre o rural e o urbano é o aspecto ambiental, e se recai
em determinismos ecológicos. Na verdade, seria necessário entender o É, entretanto, segundo LIpletz (1977, p. 104), a nível microeconômico que
melo ambiente como natureza historicamente redefinida para determinada se situam as elaborações capazes de Inscrever a economia de forma
sociedade, a fim de que o mesmo pudesse conduzir à compreensão das material no espaço; desenvolvem-se várias teorias de raízes clássicas e,
diferenças entre rural e urbano. mais modernamente, algumas críticas às mesmas sob a forma de propos-
tas de novos paradigmas. As teorias clássicas são conhecidas, a nível
Os estudos teóricos sobre o espaço urbano, realizados peia sociologia,
microeconômico, como teorias de localização, e possuem dois momentos
são, na opinião, de Castells (ibid., p. 152), uma simples translação e
fundamentais de interpretação da economia ocidental. O primeiro situa-se
especificação da teoria da estrutura social, de modo a explicar as carac-
em relação ao capitalismo concorrencial, tomando como dados um sistema
terísticas de uma forma social particular — o espaço — e sua articulação
de preços sobre o qual o agente privado não se distingue por suas
com outras formas e processos historicamente dados. Neste sentido, mesmo
decisões, ao contrário do segundo momento, monopolista, onde a divisão
nos estudos atuais da sociologia urbana, comparece uma dicotomia entre
social do trabalho tem seu desdobramento determinado pelas decisões
espaço e sociedade, na qual prevalece o determinismo das instâncias ana-
dos agentes das firmas que detêm os monopólios. As teorias de locali-
lítica dos modos de produção e, geralmente, da economia. O próprio
zação elaboradas em função do capitalismo concorrencial partiram da
Castells (Ibid., Ibid.) propõe que se proceda à análise do espaço urbano a
teoria microeconômica marginalista de Walras e Pareto, e foram incor-
partir de sua definição como expressão da estrutura social e através do
porando a noção de espaço de formas diversas. Como um espaço de
36
37
localização, o elemento básico de análise são relações de distância entre pólos de desenvolvimento, criada por Perroux e desenvolvida por Paelinck.
os componentes da produção, e suas consequências de custos económicos; Ao primeiro deve-se a concepção de um espaço abstrato, na medida em
o espaço é reduzido a suas coordenadas geográficas (Launhardt, Alfred que o conceito de espaço deva ser, sempre, relativo aos tipos de proble-
Weber), Interpretado segundo efeitos devidos ao cruzamento de processos mas propostos; nessa teoria colocam-se com maior clareza as finalidades
de produção e de valorização (Isard e as "economias de aglomeração") de compromisso com um equilíbrio social a partir de uma situação eco-
ou, reagindo aos pressupostos marginalistas, sendo abordado fora de seus nómica "harmónica", razões estas suficientes para que a mesma tivesse
aspectos estruturais (Hotelling e o "jogo do oligopólio"). Estes desenvol- ampla penetração no planejamento urbano. Entretanto, em parte nas suas
vimentos da teoria walraslana foram criticados por Von Boeventer (1962) bases, mas principalmente em seus desdobramentos, a teoria dos pólos de
e por Koopmans e Beckmann (1967), concluindo-se que os modelos de desenvolvimento construiu representações Idealistas da realidade.
Inspiração marginalista não levam em conta a constituição do espaço
social, por ser justamente no desdobramento espacial que se manifesta O enfoque do espaço urbano pela economia comprometeu-se, em resumo,
mais claramente a contradição soclal-privado, esta própria ao modo de com um conceito matemático, e portanto abstrato, do mesmo: as aborda-
produção capitalista (LIpletz, Ibid., p. 112-113). gens do espaço enquanto natureza física limitam-se a duas dimensões e
portanto a um plano, ou definem-se como atitudes empiristas. A obra de
Outra maneira de abordar a questão de localização, na fase concorrencial LIpletz (ibid., Ibid.) assume o processo de conhecimento do espaço como
do modo de produção capitalista, define o espaço como um campo de
genealogia (Ibid., Ibid., p. 116), determinada por efeitos da totalidade das
tensões, Isto é, não apenas sob o ponto de vista das distâncias, mas
Instâncias da formação social e, desta forma, é de cunho explicativo. Po-
como um "continuum" de duas dimensões, onde cada ponto é afetado por
rém, sua concepção de espaço prende-se a um " . . . espaço sóclo-econômico
um número ou por um quadro de números, como é o caso, por exemplo,
concreto (que se apresenta) como a articulação dos espaços analisados,
dos campos magnéticos. Retomando os antigos estudos de von Thuenen
como um produto, um reflexo da articulação das relações sociais". ÍLipietz,
sobre renda do solo agrário, Alonso (1967, 1971) apresenta um elemento
ibid., p. 22).
novo na explicação dos processos sociais de produção em meios urbanos
e, ao fazê-lo, introduz de forma explícita a abordagem económica do espaço Por um lado, tais formulações Inserem o conceito de espaço na dimensão
urbano. Este autor sugere que se adicione, aos já classicamente aceitos global da realidade, e o fazem, através deste movimento, um objeto con-
"custos de transportes", o "preço do solo". O modelo de Alonso é criticado creto de conhecimento; por outro lado, entretanto, o corte epistemológico,
na obra de LIpietz (1974, 1977), onde se aprofundam os aspectos de renda localizado na sócio-economia, distancia tal conceituação de toda a natureza
fundiária urbana: os principais pontos objetos de crítica são os próprios física que é própria ao espaço urbano.
fundamentos epistemológicos, que não levaram então em consideração o
fato de que as modificações no processo de divisão económica do espaço
são, em cada momento, efeito da totalidade de Instâncias da formação
A geografia e o espaço urbano
social.
Cabe à moderna geografia a busca de paradigmas que irão contribuir, de
As teorias de localização no capitalismo monopolista adquiriram uma ní-
maneira direta, ao esclarecimento do espaço urbano como área de conhe-
tida apreensão social, mas não estão libertas de uma atitude funclona-
cimento. Até meados da década de cinquenta predominava, entretanto,
lista que supõe, por detrás do desenvolvimento espacial, uma racionalidade
mal definida em relação a seus agentes. Baseiam-se em uma abordagem do uma abordagem da cidade pela geografia que a considerava de forma
espaço como sistema, como é o caso da teoria do lugar central, de Losch, Isolada, sem preocupar-se necessariamente em estabelecer suas relações
Christaller e da escola de Jena. Afirmam estes que o espaço geográfico com a região que a contém ou com o melo rural. São estudos eminen-
humano, é estruturado pelas próprias caracterizações económicas, em uma temente descritivos, sob a influência de Monbeig, onde comparecem coor-
"rede de sistemas" que qualifica o espaço de maneira funcional e pouco denadas de sítio físico, dados sobre a evolução histórica do assentamento
concreta. Esta teoria tem tido ampla aplicação, em que pesem, por um e sua estrutura Interna. Refletem uma ausência total de preocupações teó-
lado, a especificidade dos espaços com que especula (o que implica sérios ricas ou explicativas, e são produtos de uma filosofia funclonallsta, que
problemas de generalização) e^ por outro lado, uma contradição explícita caracteriza a cidade através das atividades que nela se desenvolvem (as
entre suas pretensões explicativas (LIpletz, ibid., p. 118-119) e seus chamadas "funções urbanas"), sem contudo Indagar sobre a génese das
resultados classificativos. Outra conhecida teoria de localização é a dos mesmas nem sobre sua estrutura social. Uma primeira mudança nesse

38 39
quadro disciplinar começa a ocorrer sob a influência da teoria do lugar cen-
tral desenvolvida na área económica, e liga-se aos nomes de Tricart e
Rochefort, deslocando o enfoque do âmbito intra-urbano para o regional.
Este último passa, então, a ser entendido como um conjunto de assenta-
mentos urbanos e de áreas rurais, onde os primeiros constituem os pontos
de amarração da estrutura de ocupação do território. Estudam-se certas O espaço como meio ambiente de vivência:
relações entre as cidades, baseadas nos princípios da referida teoria, e bases psicológics^ para normas de desenho urbano
estabelecem-se áreas de influência e hierarquia funcional urbanas. Ocorre,
então, uma clara separação entre os dois níveis de abordagem, o intra- •í . • • ;
urbano e o interurbano, a exemplo da dicotomia verificada no caso da
A ideologia de planning trouxe certos problemas para a caracteriza-
macro e da microeconomia, preponderando, nesta fase, os estudos de redes
ção da disciplina do espaço. Vimos que, sob o planejamento urbano, o
urbanas. Ainda que já expressem um referencial teórico, sua conceituação
espaço das cidades é considerado um objeto principalmente de prática e
^ilui-se em torno a características abstratas que se afastam progressiva-
não de especulação, e as propostas físico-espaciais são formuladas a partir
mente da natureza física do objeto geográfico. Essa tendência prossegue
de diretrizes ou planos socioeconómicos e institucionais. Por conseguinte,
quando se introduzem técnicas de análise quantitativa, como a teoria dos
grafos, análise de regressão, análise fatorial e de grupamento, recaindo-se o espaço urbano é prefigurado através de outros campos disciplinares —
em posturas normativas, em detrimento de atitudes explicativas. Tais técni- quando não é totalmente omitido: por exemplo, a maioria dos trabalhos
cas nasceram nos Estados Unidos e Inglaterra, através de Cole, Gauthier de planejamento urbano realizados no Brasil é de caráter predominante
e Brian Berry, mas logo espalharam-se por todo o mundo ocidental. Con- ou exclusivamente económico. Quando existem propostas físico-espaclals,
tudo, passa também a haver um desenvolvimento paralelo de esforços no estas se têm constituído em tarefa de uma área que surge nos países
sentido de tomar conhecimento de teorias urbanas, bem como de desen- anglo-saxónicos, a partir do término da Segunda Guerra Mundial, e que
volver um corpo teórico próprio; esses, porém, não chegam a caracterizar se conhece como urban design. Trata-se de um campo que envolve geral-
esta fase tanto quanto o seu sentido prático, ou, segundo alguns autores, mente conhecimentos técnicos e artísticos, onde se desenvolvem atividades
pragmático. Dentre estes últimos, Corrêa (s/d] considera que houve então, cognitivas de cunho normativo. Em outras palavras, os esforços têm sido
realmente, um abandono do campo académico para enfatizar estudos dire- aí direcionados visando ao estabelecimento de normas de projeto físico^
tamente aplicáveis ao planejamento urbano e regional. espacial. As etapas analíticas do processo de projetação, onde se deveriam |
ter desenvolvido os aspectos explicativos, continuam dependentes de ou-
A crítica aos estudos clássicos de geografia urbana tem-se pautado tanto tras áreas de conhecimento, e o espaço, explicado através da sociologia,
da economia ou, mais recentemente, da psicologia, e antropologia. As
em termos de denunciar uma abordagem empirista e, depois, idealista
realizações práticas são Inumeráveis, no mundo Inteiro, e abrangem desde
(Walton e Masotti, 1976) quanto de Indagar sobre o papel efetivo do espaço
cidades Inteiramente novas, bairros residenciais, conjuntos habitacionais,
nas abordagens geográficas. Neste sentido. Santos (1979, 1979) refere-se
reformas e "cirurgias" nos tecidos urbanos. O compromisso do desig-
a que a geografia, na maioria dos casos, se limitou a considerar o espaço
ner moderno não tem sido outro que aquele do urbanista, e se expressa,
como cenário de ações humanas (Fébvre e Pahl comentam que esta disci-
às vezes, de forma mais contundente, ao consolidar a alteração radical de
plina parte do solo e não do espaço) e a interessar-se predominantemente
estruturas sócio-espaciais, como, por exemplo, na segregação de popula-
pela forma dos objetos do conhecimento do que pela sua formação (Bou-
ções de baixa renda através da produção de conjuntos habitacionais. En-
devllle, Rodwin, Friedman). Contrariamente, aquele autor procura um marco
itretantoW^ urban design caracterizahS£_j[e_fpxm.a^^ dq urbanismoT
teórico para o espaço urbano, através de suas características sociais:
"Se a Geografia deseja interpretar o espaço humano como o fato histórico na mediSa èm ~que~W do encontro ^^multidlscipilnarp
que ele é, somente a história da sociedade mundial, aliada à da sociedade pelõ"píãnejanrientq urba^^^ o espaço não^é mais um objeto
local, pode servir como fundamento à compreensão da realidade espacial, Isólãdd, mas integrado aos demais aspectos da realidade urbana.iProcurã~
e permitir a sua transformação a serviço do homem. Pois a História não se se^Tíõrêm, Investigá-lo, cõmõ~"Ta" fõF cõíõc^^^ suas relaçõfes com
escreve fora do espaço e não há sociedade a-espaclal. O espaço, ele mesmo, outros planos analíticos. É neste momento que entram em cena contribui-
é social". [Santos, Ibid., p. 9-10). ções de outras áreas de conhecimento até então desvinculadas da abordagem
físico-espaciaiji

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41
A década de cinquenta assinala a presença da reflexão e das atitudes
analíticas para com o espaço urbano, e o envolvimento com o mesmo por
parte da psicologia, da antropologia e da ecologia. Isto ocorre através de
uma produção maciça de pesquisas que consideram o espaço em função de
sua relação com os indivíduos; Choay (ibid., p. 58-73) caracteriza a postura
tomada por estas Investigações segundo três pontos. Primeiramente, é uma
postura humanista, que coloca em crítica permanente os princípios racio-
nalistas mas que Implica, muitas vezes, uma tomada de posição cultura-
lista; em segundo lugar, contrapõe, à construção de modelos, o enfoque
metodológico, este caracterizado pela participação dos usuários na análise
e na configuração dos espaços onde vivem. Finalmente, é característica
presente, em quase todos os estudos, uma perseguição de relações de
causa e efeitos; só recentemente, e em alguns poucos trabalhos, proce-
de-se de forma mais dialética. Contudo, autores como Rapoport (1971),
Hllller (1972, 1976) e Hillier, Musgrave e OSullivan (1972) afirmam que na-
queles está latente, mas ainda não compreendido, o problema dos agentes de
configuração do espaço social e, neste processo, como se situa o desig-
ner. Entre a década de clnqUenta e meados da década de sessenta, as
Investigações realizadas não explicitaram esta questão, mas voltaramse
predominantemente sobre as relações estabelecidas entre os usuários e o
espaço urbano de consumo; oculta-se de tais, quase sempre, o processo
de produção social que os oriflinou. Desta forma, chega-se quase sempre
a resultados insuficientes, para a explicação tanto das relações de uso do
espaço urbano pelos seus usuários, quanto para a real definição da proble-
mática dos seus agentes de configuração.

Podem-se agrupar algumas tendências desenvolvidas neste período em


torno de dois grandes pensamentos: o comportamentalismo e o psiquismo.

\ comportamentalismi^

IBob esta denominação, estamos agrupando os estudos que toram realiza-


dos a partir de supostos efeitos da cidade, enquanto espaço, sobre o com-
portamento humano. De uma maneira geral, estes estudos reduziram a
realidade a situações típicas, tanto em termos físico-espaclals quanto como
'categorias psicológicas, e não se preocuparam em esclarecer o conceito
de espaço, o qual, não raro, dllui-se na noção de meio ambientí] Choay
(Ibid., p. 65) fala de vários autores comportamentalistas como urbanistas
da higiene mental, em virtude de sua preocupação com elementos como
segurança emocional, que não coincidem necessariamente com condições
físicas de higiene, e que seriam fornecidos ou não pelo espaço das
cidades aos que o utIllzamjO ponto de partida desta tendência são os
trabalhos publicados no final da Segunda Guerra, sobre psicologia da pri-

42
meira infância, ou sobre psicologia social, como os de Anna Freud e J . Em todas estas tendências, há simplificações evidentes nos modelos utiliza-
Bowlby, onde se demonstra que a integração do comportamento humano dos, porque não se trabalha com estruturas sociais ou culturais, e porque
no meio urbano está ligada à presença de um certo clima existencial. não se definem os usuários das situações estudadas através de suas
características reais, as quais compreenderiam o conceito de classe social.
No estudo da relação homem-meio ambiente urbano, a partir dos compor- Os elementos de análise são sempre tipificados, e este atributo estende-
tamentos sociais, os produtos mais sistematizados localizam-se nos anos se. Igualmente, aos Indivíduos, que passam a pertencer, como homens-tipo,
sessenta, ainda que seus precursores estejam na década anterior. Tais a categorias ideais. Os condicionantes da ação humana sobre a natureza
trabalhos utilizam-se geralmente de bases empíricas e desenvolvem-se aparecem sob a forma de custos gerais. Impostos por um sistema que não
tendo como laboratório cidades norte-americanas: são de 1950 os traba- é caracterizado pelos seus aspectos essenciais, mas pelos fenómenos apa-
lhos de Festinger e Capiow, onde o meio ambiente físico tem grande rentes. Dykman e Rossow, em 1961, foram pioneiros nestas linhas de estu-
relevância no estudo de grupos sociais; em 1951, Barker e Wright concluem do, às quais segulu-se a crítica de cientistas sociais como Weber, Broady
que o meio ambiente ecológico não apenas solicita comportamentos, mas e Ganz, na segunda metade da década de sessenta. Estas críticas ao deter-
é permissivo, aceitativo ou restritivo. Aparecem estudos voltados a con- minismo exercido pelas Influências do meio ambiente sobre o comporta-
ceitos de território físico, a partir dos seus usuários: é o caso de Blumen- mento humano foram confirmadas por outros sociólogos e alguns psicólogos,
feld, em 1953, procurando chegar a uma conceituação de bairro, e o tra- através de experiências realizadas, primeiro em campo fechado (RIchards,
balho de Wenner, em 1954, versando sobre a área expressiva e de signifi- Wells), e, mais ao final da década, em campo aberto (Aronof, Michelson).
cações simbólicas na interação homem-meio ambiente. Podem ser citados Os resultados constatam algumas Influências, especificamente, da configu-
ainda, nesta década, Gullahorn, em 1952; Byrne, em 1955; Black em 1956 ração do melo ambiente sobre o comportamento de seus usuários, mas não
e Sommer e Ross, em 1958. Os resultados a que se chegou até então são, existem ainda condições de aceitá-los como paradigma científico.
entretanto, pouco precisos. A metodologia de pesquisa procurou, em geral,
Os trabalhos de Jane Jacobs, a partir de 1961, causaram então grande im-
adaptar procedimentos da psicologia experimental, voltada incisivamente
pacto, em parte devido ao seu tom polémico, mas principalmente por nega-
para os campos fechados, e houve certa insistência dos estudiosos nos
rem os princípios ascéticos do urbanismo através do elogio à megalópole.
princípios do determinismo. Buscaram-se estabelecer relações de causa e
efeito, entre espaço físico e indivíduos, a partir de posturas assentes no
hipotético papel predominante das condições ambientais sobre um sistema
neurovegetativo supostarnente autónomo em relação à consciência, e típico
em relação às estruturas sociais.

É somente nos anos sessenta que se concentra uma quantidade razoável


de estudos comportamentalistas, atingindo-se resultados a permitirem, pelo
menos, discussões mais concretas. A influência determinista fez-se ainda
sentir nos primeiros trabalhos, mas foi sendo relativizada por outras filo-
sofias. A primeira atitude neste sentido substituiu as determinações pelas
influências do meio ambiente sobre seus usuários; o chamado environmen-
talismo (a partir de environment = meio ambiente) constitui-se, na ver-
dade, em uma variação do determinismo, porque acreditou que os fenóme-
nos físicos, tomados como base das pesquisas, condicionavam o compor-
tamento humano. A segunda atitude representou uma reação ao environ-
mentalismo e à teoria evolucionista de Spencer; considerou o meio am-
biente como um conjunto de possibilidades e limitações ao homem, o
qual possuiria a capacidade de transformar a natureza conforme seus obje-
tivos e conforme as condições oferecidas pela ciência e pela técnica.
Este enfoque, conhecido como possibilista ou pragmático, tem suas raízes
no século passado (March, 1860), na ideologia progressista que fez a
apologia da sociedade industrial científico-tecnológica. Paris, a cidade das três personalidades, segundo o Atlas von Braun, 1575.

44 45
às ruas e à aglomeração; sua jirincipal virtude, no entanto, é haver baseado probablllstas, mas que, outras vezes, Inseriu-se francamente dentro do ponto
as teses formuladas em informações sociológicas profundas. Porém, foi nos de vista comportamentalista. Os primeiros trabalhos ecologistas, no início
últimos dois anos da década de sessenta que se estabeleceram constatações i dos anos cinquenta (Barker e Wright, Ibid.), apresentam esta última caracte-
suficientemente claras e generalizáveis nos estudos comportamentalistas, rística, e segulu-se a eles um Qeríodo sem outras contribuições no caminho
primeiro através de Lee (1969), e depois em outros trabalhos que concluem proposto. Foi na década seguinte que se introduziram noções claramente
ser o melo ambiente físico multo determinante no comportamento humano. ecológicas no estudo das relações entre os indivíduos e o meio ambiente,
Em 1969, Alexander relativizou bastante esta determinação e permitiu a através de Rosegren e Devault (1963), Wecker (1964) e Berger (1966), entre
formulação de uma síntese do desenvolvimento do pensamento comporta- outros. Passou-se a considerar o edifício ou a cidade como um meio, que
mentalista até então: "Todo efeito do melo ambiente sobre o comportamento interage com outros fatores e que Influencia outras interações; tornam-se
humano é complexo e envolve Influências sociais e psicológicas tanto quanto então correntes noções como de seleção de habitat, de território etc. Em
as do meio ambiente físico'. 1968, Lawton introduziu a hipótese de docilidade do meio ambiente, escla-
recendo o impasse do comportamentalismo frente aos diversos modelos de
análise utilizados.

O psiquismo A concepção de competência abriu caminho a investigações sobre a estru-


tura humana e relativizou bastante a influência da Ideia de "homem-tipo";
porém, vários anos antes, Ittelson (1960) já colocara que o efeito do meio
A conclusão formulada anteriormente introduziu, ao final dos anos sessenta,
ambiente sobre os indivíduos seria uma interação complexa e ecológica, e
outras direções ao pensamento que se vinha desenvolvendo sobre o espaço havia Introduzido em seus estudos a teoria de sistemas. A abrangência dos
urbano como melo de relações humanas. A nova tendência tem sido conhe- trabalhos de Ittelson é enorme, ainda que haja recaído em algumas contra-
cida como psiquismo, porque aborda estritamente os aspectos psicológicos dições; promoveu uma classificação de sete áreas de Interação homem-meio
das relações entre os Indivíduos e o espaço urbano. É verdade que este ambiente que contém a maior parte dos trabalhos ecologistas.
enfoque existiu subjacente a vários estudos comportamentalistas, porém o
psiquismo caracterizou-se, por um lado, por situar seus objetivos na área A grande maioria das pesquisas sobre as relações entre indivíduos e meio
psicológica e, por outro, por haver diluído consideravelmente as Influências ambiente, desenvolveu-se na área integrável (sexta na classificação de Ittel-
deterministas. Trabalha-se freqiJentemente com categorias e correlações, son). Durante os anos sessenta, houve grande número de trabalhos, rea-
deslocando sempre o centro de gravidade do objeto de estudo para o eixo lizados sobre temas específicos, mas que partiram de supostas necessi-
da relação, em contrapartida aos elementos desta relação. O melo ambiente dades comuns e essenciais aos Indivíduos. Por exemplo, pode-se citar uma
é definido como melo ambiente psíquico, ou como melo ambiente percebido; série de estudos sobre privacidade, a partir de observações em espaços fe-
considera-se, portanto, a realidade a partir de sua decodificação pelos chados ou em pequenas frações urbanas: Ittelson e Proshansky (1966),
indivíduos. A relação entre estes e o meio ambiente é entendida como Hall (1959, 1966), Bracey (1964), Kuper (1967), Duffy (1969) e Pastalan
uma Interação entre ambos os elementos, estabelecida a partir dos sinais (1968) . Ou ainda vários estudos sobre a noção de território, onde se
de comunicação do meio ambiente e os receptores sensoriais humanos. Em observaram principalmente grupos psicopatas ou idosos. Roos (1969), Altman
termos metodológicos, têm-se colocado duas alternativas, ambas discutíveis, e Hawthome (1967). Madge (1950), Lowenthai e Prince (1965) e Rainwater
pois, ou se atuam em campos extremamente empíricos, ou se perseguem (1969) dedicaram-se ads aspectos topológicos fundamentais, pesquisando
resultados generalizáveis através de modelos típicos. Quando trabalhou sempre com grupos homogéneos, tais como escolares, baixas rendas,
pessoas idosas.
sobre esta segunda hipótese, o psiquismo recaiu em características do
comportamentalismo, e Identificou-se com o probabilismo, atitude que parte
Entretanto, as Investigações que trouxeram maiores subsídios para a prática
de modelos previsíveis de comportamento. Chega-se, desta forma, apenas a de projeto de espaços urbanos foram as que se preocuparam com os
esquemas como resultado das pesquisas, abastecendo a filosofia do ajuste efeitos da aglomeração e com as chamadas qualidades ambientais. Nos
do mundo e da sociedade a padrões fornecidos por elementos típicos. primeiros, formam-se duas opiniões frontalmente diversas: por um lado.
Dentro do psiquismo, desenvolveu-se o chamado ecologísmo, que se mani- De Lauwe (1967) fixa limites absolutos para densidades e populações, e
festou como uma tendência dentro daquele sempre que utilizou métodos Levine (1962) acredita que a aglomeração gera comportamentos agressivos.

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no que é seguido por outros autores nos próximos anos. De outro lado,
Jacobs (1961), Schmitt (1966), Lee (1968), Wllmott (1962) e Rapoport
(1969) Iniciam proclamando a relação direta e positiva entre aglomeração e
urbanidade, e acabam relativizando a afirmação. Há, ainda, toda uma série
de estudos sobre conceitos como promiscuidade, amizade e interação,
com resultados Igualmente pouco homogéneos. As qualidades ambientais
comparecem como um conceito ainda mais flexível; variam de qualidades
essencialmente estéticas aos chamados aspectos sensoriais do meio am-
biente, pesquisados em rodovias por Tunnard, Pushkarev (1963). Carr e
Schissler (1969).

Deve-se qualificar a maioria dos trabalhos ecologistas como tentativas


profundas em detectar a real Influência do melo ambiente físico sobre o
comportamento humano. Embora sua contribuição ao psiquismo se tenha
dado através de vias situadas em outra tendência, e ainda que este fato
demonstre o quanto comportamentalismo e psiquismo apresentam áreas
comuns, as conclusões deixadas pelo ecologísmo representam um avanço
na discussão comportamentalista, em termos de relatividade e flexibilidade:
"O homem não é Infinitamente adaptável, há limites ambientais à sua
adaptação, porém estes limites não são fixos nem universais. Os conceitos
que servem de base ao estudo dos efeitos do melo ambiente sobre o
comportamento humano, como privacidade, orlentabilldade, noção de ter-
ritório, longe de serem simples e absolutos, são sempre complexos e
relativos, vinculados ao momento histórico' (Rapoport, 1971, p. 7).

Dnminho de Gordon Cullen, caracterizando efeitos visuais em Trowbridge, 1961.

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Dentro ainda do psiquismo, delineou-se, há quase trinta anos, uma tendência
As escolas de análise de percepção surgiram simultaneamente às prag-
a enfatizar os aspectos visuais do meio ambiente urbano, reagindo às
máticas, mas locallzavam-se Inicialmente nos Estados Unidos, e só mais
ideias dominantes que, tanto no urbanismo quanto no planejamento urbano,
tarde atingiram a Europa Central e a Inglaterra. Através daquelas, come-
limitaram as estruturas espaciais urbanas a requisitos funcionais, cons-
çou-se a considerar a percepção como elemento mediador Importante entre
trutivos e económicos. Os trabalhos desta tendência procuravam recolocar
o homem e o melo ambiente urbano e a reformular-se o enfoque até
a questão estética de forma diferente dos culturalistas, como atitude
então posto em prática: as qualidades e as necessidades não são mais
necessariamente existente, em toda relação do homem com a natureza,
consideradas absolutamente consensuais, mas variáveis entre grupos, cul-
seja esta a primitiva, ou a socialmente transformada. Não se especulou,
turas e épocas. Os estudos apóiam-se, geralmente, em observações da
então, com parâmetros estéticos universalmente aceitos, mas procurou-se
investigar sobre qualidades espaciais, partindo do ponto de vista dos realidade, empregando métodos experimentais fornecidos pela psicologia,
usuários de situaçóes urbanas reais. Continua subjacente, entretanto, a e tomando grupos muito homogéneos e espaços bem definidos. Os testes
preocupação com dimensóes psicológicas, colocando-se, não raro, necessi- ocorrem primeiramente em campos fechados, mas atingem logo escalas
dades típicas neste plano, como, por exemplo, necessidade de orientação urbanas. A maioria dos trabalhos desenvolveu-se nos anos sessenta e
ou de sentimento de lar. Nesta tendência, pode-se reconhecer uma certa evoluiu durante a década seguinte, fixando certas afirmações que se impõem
bifurcação de caminhos, estabelecida a partir de metodologias e das rela- frente às escolas pragmáticas justamente por se terem embasado pela pes-
ções entre teoria e prática: tem-se, por um lado, o caminho das escolas quisa. Podem-se agrupar as principais contribuições destas escolas de análise
de bom desenho e, por outro, aquele das escolas de análise de percepção. de percepção segundo dois paradigmas:
As escolas de bom desenho são também chamadas de pragmáticas; sur-
1. Qualquer Interpretação ou ação sobre o espaço urbano deve ser precedida
giram e se concentraram na Inglaterra na década de cinquenta, retomando
da ação cognitiva sobre o mesmo, e, nesta, o ponto de partida é a
a herança do espaço anglo-saxõnico que havia sido historicamente diluída
por duas guerras e pelo urbanismo racionalista. Gordon Cullen e seu livro percepção (Winkel, 1969; Shafer e Burke, 1965; Holmberg, 1966; Jeanplerre,
Townscape (1961] são conhecidos mundialmente, participando da polémica 1968; Appleyard, Lynch e Meyer, 1964; Carr e Schissler, 1969; Miller,
entre a teoria de desenho clássica (que propunha a clareza como qualidade- Gálanter e Pribran, 1960; Boulding, 1964; Bruner, 1968). Todos os estudos
síntese] e a teoria de desenho pictórica, que propunha a complexidade. neste sentido demonstraram a extrema complexidade, variabilidade e
Mais tarde, esta discussão seria redefinida em bases objetivas, em termos relatividade da percepção e do processo cognitivo; há trabalhos onde
de monotonia e caos, Iluminada por subsídios trazidos pela aplicação da praticamente afirma-se a Incapacidade de se obter dados objetivos a partir
psicologia social aos estudos ambientais. Seria, também, enriquecida, de relações perceptivas com o meio ambiente, precisamente por causa
colocando-se os significados Investigados como dependentes de caracteres da variabilidade cultural. É o caso, por exemplo, dos trabalhos desenvolvidos
de grupo social. De qualquer forma, mesmo os precursores ingleses deste por Gould e White (1969), e que são bastante conhecidos por abordarem
pragmatismo efetuaram uma análise morfológica detalhada de sítios antigos, a questão dos "mapas mentais".
e um estudo crítico das realizações tecnocratas como a versão atual do
progressismo, chegando à formulação de novos princípios de projeto basea- 2. A visão é predominante na percepção, ainda que participem deste
dos na análise histórica dos espaços. Seu trabalho conseguiu detectar as fenómeno os demais órgãos dos sentidos e, de resto, todo o organismo
qualidades espaciais dgs antigas cidades, e codificá-las sob novos tipos de (Arnhelm, 1965; Rapoport e Kantor, 1967; Southwood, 1969). Os trabalhos
espaços, ao contrário, portanto, dos antigos culturalistas, que propunham a de Carr e Schissler (ibid.), de Stelnitz (1967), de Sieverts (1968), por
retomada de configurações medievais ou barrocas. A principal crítica que se exemplo, analisaram certos agentes de configuração espacial, como as ativi-
poderia colocar aos seguidores da escola pragmática é que, quase sempre, dades humanas; não lograram, entretanto, esclarecer as dúvidas quanto à
seus princípios são colocados como normas de boa qualidade do espaço predominância da forma ou de outras variáveis (como contexto e motivação,
urbano universalmente aceitas; ignoram-se, neste procedimento, especifi- por exemplo) no processo perceptivo. O que se poderia concluir de todos
cidades sociais e culturais, minimizando as potencialidades analíticas do oates trabalhos seria o fato de que a relação, entre o que é percebido
método. Por outro lado, entende-se o arquiteto como aquele que possui a o melo ambiente, é extremamente complexa...
poderes de avaliar qualidades espaciais, independentemente de códigos
A tendência a enfatizar os aspectos visuais do espaço urbano recebeu
sociais, e de expressar, por síntese sem participação, os anseios dos
«Inda outras contribuições] que não se inserem plenamente nas escolas
futuros usuários.
que vimos abordando.SÃIgumas das mais importantes ocorreram nos Estados

50
51
(

Unidos, onde são retomados alguns conceitos da Bartlett Scholl, escola


Inglesa que, nos anos trinta, trabalhava com Imagens mentais e esquemá- urbano do conjunto de abordagens sobre outras questões perceptivas,
ticas nos programas de ensino de projeto de espaços urbanos. Estes dois como a do melo ambiente, a dos espaços internos e dos grupos de psi-
elementos passam então a ser Considerados como possíveis veículos de copatas, como vinha ocorrendo na literatura sobre o assunto, Lynch
detecção de supostas necessidades de configuração por parte dos usuários afirmou que a percepção da cidade é essencialmente temporal, e que se
dos espaços urbanos, e os trabalhos mais conhecidos são os de Kepes organiza em função de uma série de vinculações existenciais, práticas e
(1965) e de Lynch (1960). Deve-se a este último autor a formulação de afetivas. Portanto, inovou os métodos correntes de projeto à escala urbana,
um caráter específico da percepção da cidade, desvencilhando o espaço ao colocar que espaço e tempo são inseparáveis na apreensão da cidade,
e que a ordem urbana é uma ordem aberta, suscetível de desenvolvimento
Infinito. O pensamento de Lynch sobre a cidade e sobre o trajeto em
espaços urbanos cristalizou-se na imagem da cidade, como método para
interpretar a informação e dirigir a ação do arquiteto.

JO problema da Imagem do melo ambiente nasce na época em que a


renovação urbana é Intensa e profunda. Justificando assim uma atitude
voluntária e conscientemente voltada para as características visuais da cida-
de. Embora os estudiosos desta tendência não subestimem a importância da
estética, e de certa forma recoloquem este aspecto que a crítica e a prática
urbanística do século XX vinham relegando, o enfoque da questão visual na
cidade assenta-se principalmente sobre bases psicológicas. Afirma-se que
existe necessidade de orientação através das chaves exteriores, visuais,
fornecidas pelo melo ambiente urbano, e de certas referências emocionais
e afetivas às configurações da cIdadeTJA tendência levou multo longe estas
considerações, suscitando críticas quanto à falta de visão global da pro-
blemática urbana, desvinculação de caracteres culturais e psicossociais da
estrutura social, e empirismo na metodologia.

Os estudos realizados a partir do conceito de Imagem foram posteriormente


enriquecidos pelas pesquisas sobre a simbologia dos espaços urbanos.
Tais investigações realizam-se a partir de meados da década de sessenta
e estendem-se pelos anos setenta, baseadas nos conceitos de terrltorle-
dade e de bairro, os quais passam a adquirir sentido simbólico. Concor-
reram, para este enfoque do espaço urbano, toda uma série de especulações
que se realizavam, então, com grande Intensidade, em torno de uma teoria
dos signos. Foram desenvolvidas pela linguística e assumiram duas
posturas, como semiologia e como semiótica. A semiologia linguística foi
divulgada nesta época principalmente através dos trabalhos de Lévi-Strauss
e Saussure, nos países de língua latina; sobre estas bases, e com o auxílio
' de autores modernos como Umberto Eco, produziram alguns trabalhos
de análise de espaços urbanos Choay (1965) e Barthes (1964), entre
outros. A semiótica tem raízes anglo-saxõnicas e foi criada, nas primeiras
décadas do século XX, por Charles S. Peirce; na verdade, o trabalho de
Mapas mentais de Los Angeles, obtidos em pesquisas junto à população, Kevin
Peirce (1931) serviu de base também à semiologia, porém esta orientou-se
Lynch, 1960. • , pelo estruturalismo e distanciou-se dos princípios lógicos daquela. Outras
tendências filosóficas, como o novo criticismo (Ogden, RIchards) e o
52
53
comportamentalismo (através de Dewey e Morris), utilizaram parte da ter- Pode-se constatar, na maioria das abordagens do espaço urbano, a partir
minologia de Peirce, porém, segundo Bense e Waither (1973), não desen- de suas características visuais, uma referência culturalista que se apresenta
volveram a teoria original. Os estudos de Bense e Waither (ibid.) retomaram ora implícita ora explícita. Por exemplo, Trieb (1974) cita Camillo Sitte
a semiótica de Peirce, formulando uma teoria de signos abrangente, nas como precursor da colocação de metas não-materiais (artísticas) nos pro-
bases lógicas, matemáticas e filosóficas preconizadas pelo mesmo. E.stes cessos de projetação de espaços urbanos; do mesmo modo, suas ideias
estudos, aliados à teoria da informação de Maser (1971), indicaram o estão ainda presentes quando se aborda o significado de conjuntos arqul-
caminho para uma série de investigações sobre o espaço urbano que se tetónicos dentro dos contextos urbanos. Igualmente, na noção de cidade
realizaram na Alemanha nos anos setenta, considerando o espaço urbano jardim, tanto de Howald quanto de Unwim, encontram-se os mesmos prin-
como sistema de sinais, isoladamente, ou em conjunto com uma estrutura cípios de originalidade e variabilidade com que se especula atuaimente.
de atividades humanas e de configurações. Algumas vezes, estes estudos Na verdade, há certas aproximações entre o contexto histórico da cidade
procuram explicitamente uma relação entre sistemas de signos e sistemas industrial, e o atual ponto crítico no processo de degeneração das estru-
de configurações, utilizando-se da teoria da Gestalt (Koehler, 1947, Wer- turas urbanas. Há ainda semelhanças entre a ordem elementar e cartesiana,
theimer, Metzger, 1954); há vários trabalhos, pouco divulgados na América a ruptura histórica e a aceitação passiva da nova civilização industrial,
eliminando a memória da cidade, atitudes em que incidiu o urbanismo
Latina, como é o caso de Trieb (1973, 1974, 1976), Speldel (1973), Sieverts
progressista e o atual planejamento tecnocrático que Incorpora, de maneira
(1968, 1973), Hansen (1977), Kruse (1974), Fox (1975), Thiel e Nitschke
mecânica, as descobertas científicas e tecnológicas. Mas, por outro lado,
(1968), Kiefer (1970) e outros.
não se podem ignorar as contribuições que nos vêm dos diversos estudos
Gestaltungsprinziplen realizados ao longo da história; embora a área disciplinar do espaço urbano
não se tenha ainda estabelecido, esta construção só poderá ser realizada
Neuwerk/Barocke Erw. com o auxílio também destes subsídios.

Atuaimente, a definição do espaço urbano concentra-se já em uma série


de características essenciais do mesmo — como sua natureza simultanea-
mente física e social, ou como sua historicidade responsável pela Indis-
BMcke: PMygonal.
maB.g. flescmossOT solubilidade da relação espaço-tempo. É verdade que tais colocações de-
vem-se, em parte, às diversas teorias desenvolvidas dentro do planejamento
Lage «uf etiemahQer Eiòm- lage aul geeboeieni Gdanoe.
urbano; através de algumas, definiu-se a entidade urbana em bases reais,
gl«>crmiaa>g nwai<g
SMIe Hoclipunht. Kifche noch. soine insgesami n.ed':'. e colocou-se a cidade como parte integrante de um território social mais
complexo e dinâmico. Portanto, a cidade e seu espaço passam a ser
[>cMe. gnctWMcne B«(Mu- Setiauung lut BioclistfuWu- compreensíveis apenas a partir da explicação da problemática regional, e
mg. wenig Lucken
segundo uma visão processual. Este fato representa a retomada da idéla
de características essenciais do mesmo — como sua natureza simultanea-
Eng. U Kyrn» P - 1.0 Dw 1.5
3:4 - O.TS( urbanismo; torna-se necessário, entretanto, não entendê-la como um campo
I I particular de uma ou outra disciplina que explicaria o espaço, mas como
Paradeplati wiu «emaufig.
a própria realidade histórica, passível de vários cortes epistemológicos,
onde a disciplina do espaço é um deles. Em outras palavras, trata-se de
explicar fenómenos e situações reais através de várias abordagens cogni
tanasproM (en-rt modeitiert
AtacMue<Mlmfu<M
Raumwana ieil«erse geoln: tivas, sendo que uma destas é a espacial, com objeto e método específicos
Há,^também, mudanças nas relações entre teoria e prática atuaimente, no
ucxm
Uat-KW eng. P - O 3
-CCLÇCCXÍ sentido de uma crescente comunicação entre as instâncias de pesquisa e
P - Om. n«d<«»e unernheit as de projeto. A tendência à observação "in vivo", trazida pela moderna
•eKfMMGdMe ene Begrefuung. leOnes
antropologia e pela etologia, procura consolldar-se diante de uma tradição
tecnocrata de trabalhar com dados secundários nas investigações sobre o
espaço urbano; debate-se, porém, muitas vezes em malhas empiristas, ou,
em outras, afasta-se dos caminhos de explicação dos fenómenos porque
Princípios de configuração urbana, plano para Rendsburg (RFA), Michael Trieb, 1984.

54 55
concentra-se em modelos descritivos. Por tais fatos, é ainda multo cedo para
se reconhecer que exista uma Area Disciplinar do Espaço Urbano. A pro-
dução de conhecimento acumulada até nossos dias em relação a este objeto
nos permite afirmar progressos na medida em que existe, hoje, uma signi-
ficativa reflexão no processo de projeto de espaços urbanos, e que algumas
vezes esta prática produz subsídios teóricos.

Conclusões

Ao longo de nossas considerações anteriores desenvolveu-se, por certo,


uma indagação referente ao pensamento sobre o espaço urbano que se
exercita e que inspira as práticas de intervenção sobre o mesmo no Brasil.
Na verdade, as circunstâncias que originaram as reflexões sobre a cidade
e seu espaço em nosso país pertencem ao mesmo modelo que deu nasci-
mento ao campo urbanístico nos países desenvolvidos. Aqui também a
industrialização, embora retardada, impulsionou a urbanização, como forma
de organização do território indispensável à realização das relações de
produção capitalista; coerentemente, existe toda uma preocupação das so-
ciedades urbanas quanto às características daquele processo, com a fina-
lidade de se perpetuarem e se consolidarem. Investigar sobre a questão —
urbana e, mais tarde, defini-la em sua problemática significam tomar cons- }
ciência de pontos frágeis nesta estrutura de relações, e isto com a função \
de procurar soluções que restabeleçam o equilíbrio (ainda que o seja de 1
contradições) reprodutor das relações sociais, culturais e de produção. A - ^
definição deste quadro teórico ho caso brasileiro possui, como primeira es-
pecificidade, a própria dependência académica; esta faz com que. as diversas
tendências no pensamento urbanístico,., e depois no planejamento urbano,
vinculem-se como um efeito quase sempre retardado do que se propunha na
Europa e nos Estados Unidos. Outra especificidade é que, no Brasil, o urba-
nismo antecede ao processo de urbanização como forma Irreversível devido
à natureza des vínculos que ligam o país à constelação mundial.

Analisando a questão da contemporaneidade do pensamento urbanístico


brasileiro frente aos países desenvolvidos, é curioso observar que há mo-
(nentos em que não existem defasagens; tal ocorre nas primeiras décadas
deste século, mais precisamente entre a criação de Belo Horizonte
(1895-1901) e meados dos anos trinta, compreendendo o CIAM e o entro-
samento de autores como Le Corbusier com arquitetos brasileiros na nossa
arquitetura moderna. Já em 1928, Warchavchik, voltando de seus estudos na
Europa, inovava consideravelmente a arquitetura brasileira, em São Paulo,
lançando bases modernistas. Em 1929, Le Corbusier passava pelo Rio em
viagem a Buenos Aires, e encontrava-se com Lúcio Costa; este relaciona-se
com um grupo de jovens profissionais e estudantes de arquitetura, que se
vão notabilizar como representantes do Movimento Moderno na arquitetura

56 57
brasileira: Oscar NIemeyer, Rino Levi, Affonso Eduardo Reidy, Jorge IVIoreira comparecem aí também toda uma série de características do urbanismo
Milton Roberto, Carlos Leão. Um pouco mais tarde, ocorria a visita de racionalista europeu:
Frank Lloyd Wright, deixando igualmente influências na nossa maneira de
"O plano (de Belo Horizonte) pode ser considerado um exemplo de urba-
pensar o espaço arquitetônico.
nismo desse fim de século, por certas características apresentadas: 1.")
O urbanismo nasceu no Brasil como herança direta do urbanismo progres- traçado rigoroso da trama urbana que enfatizava a ordem, a harmonia, e a
sista europeu, e através da França, país que já se ligara intimamente à simetria, e procurava romper com a invariabilidade do traçado em xadrez
nossa arquitetura através da Missão Francesa, no Segundo Império. As (...) sobrepunham-se duas tramas ortogonais em ângulo de 45°, criando
características daquele apresentam-se na medida em que o fato urbano é^ ruas perpendiculares e diagonais; 2.") (propunham-se) as largas avenidas
definido como um fenómeno unicamente físico, que em seu campo disci- em contraposição às antigas ruas estreitas causadoras de problemas viários
plinar atuam quase somente arquitetos e engenheiros civis, e que as pro- diante dos novos meios de locomoção e do aumento populacional ( . . . ) ;
posições resultantes tratam o espaço urbano como um grande edifício 3.') previa-se um grande parque municipal central, um jardim zoológico e
cujas variáveis são transpostas. Por detrás de tais expressões, existe a vários jardins. Consideravam-se (...) aspectos gerais de uso do solo,
mesma ideologia que interpreta a cidade Industrial de fgrma idealista, dividindo-se a área em três setores (urbano, suburbano e rural), mas dando-
considerando-a como a única maneira de promover o desenvolvimento e, se especial atenção ao setor urbano (...) especialmente ao centro admi-
em última instância, fazendo-se a apologia da técnica. Igualmente, o nistrativo ( . . . ) , onde se previu a localização e o tratamento dos diversos
urbanismo brasileiro não é crítico, é especializado e não questiona a cidade edifícios públicos. ( . . . ) A parte infra-estrutural — abastecimento de água,
como processo social; limita-se quase que somente a uma prática sobre rede de água, rede de esgotos, eletricidade e telefone — foi projetada em
princípios e técnicas de projeto à escala urbana, desenvolvidos nos países detalhes, para, entretanto, um crescimento populacional bastante aquém
industrializados. Em outras palavras, não existe, assumida e explícita, uma do que veio a ter a cidade anos mais tarde" {.Kotiisdorf, ibid., p. 50). "O
atitude de análise dos espaços das cidades brasileiras, e este fato trans- plano (de Goiânia) disciplina também a localização de diversos subsis-
parece nas propostas de novas capitais, como Belo Horizonte e Goiânia; temas urbanos, dividindo o habitacional por zonas residenciais urbana e

Pedregulho, Rio de Janeiro, Affonso Eduardo Reidy. Plano de Belo Horizonte, 1896.

58 59
ritório é o legado de mais de três séculos de colonização, sob constantes
suburbana que se devem localizar em lugares tranquilos e separados dos
ameaças Internas ã unidade nacional. Caracteriza-se por uma evidente des-
centros administrativo e comercial ( . . . ) , os lotes residenciais são dimen-
continuidade, com diferenças regionais acentuadas, definidas não apenas
sionados de acordo com os índices internacionalmente aceitos então,
por fatores geográficos, mas principalmente por desenvolvimentos discre-
condicionados por 'iluminação, insolação, boa distribuição interna e aspecto
pantes das economias. A supremacia do meio urbano sobre o campo
agradável' " (Kohlsdorf. ibid., p. 52).
permanece em bases bastante relativas, durante as primeiras décadas do
O plano de Goiânia, datado de 1939, representa, no entanto, uma certa_ século atual. O poder, na verdade, pertencia a este, seja porque a elite
contestação ao racionalismo do CIAM, e um inquestionável avanço na agrária detivesse o poder constituído seja porque as formas produtoras
maneira de abordar a cidade. O arquiteto Attlllo Correa Lima incorporou, de subsistência e de exportação se localizassem, pelo menos nas suas
em suas proposições, algumas linhas típicas do pensamento culturalista, expressões mais Importantes, no melo rural. Por outro lado, o processo
como contrariar a chamada "arquitetura dos bulldozer", Isto éi aquela que de urbanização não contava, como sucederá posteriormente, com o desloca-
ignora as características topográficas do sítio: mento de populações para as cidades. Aquelas permaneciam quase sempre
em seus locais de origem, em parte porque o meio urbano não apresentava
"Todas as ruas e avenidas procuram não contrariar a topografia, e foram ainda suficientes fatores de atração, mas certamente porque seus vínculos
feitas com a preocupação de não seguirem o maior declive, salvo nas sóclo-económicos com o campo eram solidamente assentes, garantidos pelo
avenidas e ruas principais (o grifo é nosso) ( . . . ) . Da topografia tiramos domínio dos senhores de terra, que o exerciam tanto sobre esta quanto
partido também para obter efeitos de perspectiva, com o motivo principal sobre a mão-de-obra.
da cidade, que é o centro administrativo. Domina este a região e é visto
Diante deste quadro não se poderiam comparar, como Impulsos, as condi-
de todos os pontos da cidade e principalmente por quem nela chega" ("Pla-
ções sob as quais nasceu o urbanismo brasileiro, àquelas que transtor-
no da Cidade de Goiânia", Arquitetura n.° 14, ago. 1963, p. 15).
naram a Europa sob a Revolução Industrial; a consequente urbanização do
continente deu origem lógica, no caso, para a reflexão sobre a cidade.
Além destas colocações, o plano de Goiânia introduz atitudes próprias ao
Nossas elaborações académicas e práticas em relação ao fenómeno urbano
planejamento urbano, que somente vários anos mais tarde seriam objeto de
não possuem, até os anos cinquenta, a envergadura das cprrentes urba-
discussão, e que ainda hoje são dificilmente postas em prática. Por exemplo,
nísticas europeias, nem do naturalismo e do antiurbanismo americanos. Esse
sob o tratamento essencialmente paisagístico, há previsões de hierarqui-
porte aproxima-se da Idade adulta, quando, efetivamente, se criam condi-
zação e dimensionamento de vias. Nos itens referentes a zoneamentos,
ções de urbanização no Brasil. Singer (1975, p. 105) comenta que o século
há preocupações que vão além das funções clássicas da Carta de Atenas,
XX realizou a substituição das condições de "cidade da conquista" de
prescrevendo cuidados ecológicos, tanto pela previsão de área própria para
nossos aglomerados urbanos, cuja capacidade aglutinadora de alguns lhes
a indústria (cuja localização condicionava-se pela proximidade a vias de
possibilitou não serem mais elos de transmissão de um sistema de domi-
escoamento da produção) quanto pela recomendação expressa de plantio
nação externa. Este fato ocorre quando certas cidades-chave, como Rio
de vegetais e tratamento das reservas contra endemias. Previa-se, Inclusive,
e São Paulo, adquirem destaque mercantil sobre amplas áreas rurais;
um sistema de planejamento, como órgão junto à Prefeitura com a finalidade
passam, então, a deter todas as funções de denominação, desde a ca-
de acompanhar a Implementação do plano, e especificava-se, também, a com-
racterística de cúpula nacional. A relação de dependência entre cidade
posição Interna e as atribuições da Diretoria do mesmo.
e campo Inyerte-se quando se define o modelo económico com base na
Porém, até o fim da última Guerra Mundial, a urbanização brasileira era substituição de Importações, segundo três momentos: um primeiro, durante
pouco Intensa; o século XX iniclou-se com apenas quatro cidades com mais a Guerra de 14-18, quando se lança o embrião da Industrialização brasljelra
de 100.000 habitantes (Rio de Janeiro, São Paulo, Salvador e Recife), sendo frente à crise mundial das importações; um segundo, a partir de 1930,
que a população urbana brasileira não ultrapassava 10% da população quando a revolução centralista e o governo de Vargas minimizam o poder
total do país (na Europa Central estava em torno de 50%). Esta última, dos donos de terra e das oligarquias locais, ao m^smo tempo que asse-
estimada em 18 milhões, distribuía-se de forma Irregular: uma faixa ao guram a hegemonia de São Paulo, Rio e Sudeste sobre as demais regiões;
longo da costa, pontilhada por assentamentos urbanos separados por e, finalmente, o terceiro momento marca, a partir dos anos cinqijenta, a
grandes distâncias, e onde se localizavam todas as cidades de grande Introdução da indústria de bens de consumo durável, de capital e inter-
porte; à medida que se adentrasse o território, a ocupação tornava-se mediários, mediante investimento maciço de capital e "know-how" estran-
progressiva e extremamente rarefeita. Este modelo de ocupação do ter- geiros. Ao longo deste processo, origina-se e se acentua incrivelmente o

60 61
deslocamento de contingentes de populações rurais para cidades onde se dos 26 trabalhos concorrentes, seis receberam premiações, além do vence-
localizam parques industriais, como Rio e São Paulo, mas também Porto dor, e envolvlam-se nos mesmos arquitetos e engenheiros, como Ney Gon-
Alegre, Recife, Salvador e Belo Horizonte. Com o dinamismo da demanda çalves, Baruch, Milman, João Rocha, M. M. M. Roberto, Rino Levi, Henrique
por mão-de-obra nos grandes centros urbanos, contrastam as condições MIndlin, Palanti, Vilanova Artigas e Cascaldi. Os princípios do CIAM são
negativas do meio rural, por vezes devidas a fatores físicos (terras esgo- quase denominador comum aos trabalhos apresentados, refletindo certamen-
tadas, regiões áridas), mas sempre como consequência de estruturas te o pensamento sobre a cidade que se desenvolvia no Brasil da década
latifundiárias inalteradas. de cinquenta. O plano de Lúcio Costa insere-se nesse contexto, estando
A criação de Brasília pode ser considerada como resposta aos impasses para nossa industrialização emergente como estavam, em 1930, as propo-
colocados pelo processo social de organização do território brasileiro nesta sições da Carta de Atenas para a sociedade industrial europeia de então.
época. Embora possuísse antecedentes bastante longínquos, a ideia de Desta forma, o plano de Brasília comparece de forma lógica no processo
transferência da capital para o interior só se consubstancia quando as urbano brasileiro, se tomarmos como modelo as etapas cumpridas no ce-
circunstâncias o exigem, ou seja, no momento em que se constitui em nário europeu. Tal lógica efetiva-se ainda, nessa época, quando se con-
uma solução para o equilíbrio social ameaçado. Na verdade, nossa segunda sidera a correspondência entre industrialização/urbanização x urbanismo, re-
fase de industrialização havia concentrado no Rio e em São Paulo um gra que não se realizara nas experiências anteriores de Belo Horizonte e
volume considerável de contradições sociais e espaciais. A Baixada Flu- Goiânia. Porém deve-se, ainda, não esquecer dos Planos Diretores, desen-
minense abrigava já então uma força de trabalho em disponibilidade, que volvidos no Rio Grande do Sul, na primeira metade do século. A esse pio-
crescia assustadoramente *em função das migrações Internas, sem que, neirismo une-se aquele que se refere à criação do primeiro curso de Urba-
correspondentemente, se desenvolvessem as oportunidades de emprego nismo do Brasil, em 1947, em Porto Alegre. Ambos os fatos correspondem,
para essas populações. Paralelamente, as condições de vida das camadas entretanto, a um processo de urbanização peculiar, dentro do país, caracte-
mais pobres da popula^o pioravam rapidamente e tomavam de assalto rizado por um certo equilíbrio favorecido pelo desenvolvimento gerado pela
sempre novos contingentes. Tais municípios aproximavam-se geográfica e economia pecuarista e pela imigração europeia.
economicamente do Rio de Janeiro, a ponto de, já na década seguinte, se
consolidarem institucionalmente como uma Região Metropolitana; osten-
tavam portanto, nos anos cinqijenta, seu quadro de vida diretamente à
sede do Poder Constituído. Dentro dos limites de percepção física da
antiga capital, revelam-se também com uma certa agudeza toda a sorte de
rupturas das estruturas urbanas, pressionadas por esse crescimento des-
mesurado e caracterizado por um total despreparo em relação ao mesmo.
Desta forma, a própria divisão inter-^regional do trabalho forneceu as
condições para que se realizasse a transferência do lugar devido ao Poder
Federal. Isto ocorre depois de haver sustentado, ela mesma, a concentração
urbana no Sudeste, e requerido a aglomeração maior junto àquele. Alla-se
às características citadas, referentes a um pacto social desestabilizado,
um certo esgotamento das fronteiras económicas que se haviam localizado,
durante séculos, junto à costa. Esta conjuntura favoreceu, portanto, as
aspirações de interiorização defendidas há muito pelos Estados de Goiás
e Mato Grosso e visualizadas como uma das etapas do Plano de Metas
do Governo Kubitschek; nesse sentido, Brasília representa um marco no
processo de institucionalização do planejamento urbano no Brasil. Lúcio
Costa, na parte urbanística, e Oscar NIemeyer, nos projetos dos principais
edifícios, deixaram seus nomes ligados à nova Capital do Brasil.

Entretanto, o concurso público do Plano Piloto para a mesma, em 1957,


já encontrou certo amadurecimento profissional, por parte dos arquitetos: Piano de Brasília, Lúcio Costa.

62 63
A terceira fase de industrialização no Brasil introduz aqui o processo de zes de fazer face a aumentos súbitos de demanda, como é o caso das redes
metropolização: o projeto do II PND, datado de 1974, reconhece oficialmente de abastecimento de águas e esgotos sanitários, do sistema viário, das
nove Areas Metropolitanas, onde se localizam cerca de 45% da população habitações. Tornados insuficientes, estes equipamentos passaram a ter
urbana do país que, a esta época, já possuía mais da metade (59%) de acesso selecionado, situação que se tem agravado sempre, pois as condições
seus habitantes morando em assentamentos urbanos. Esta extrema con- de absorção da força de trabalho (número de empregos e distribuição das
centração é explicada por Geiger (1972, p. 421) em função da localização rendas) não permitem que aqueles se coloquem ao alcance da maior parte
Industrial que, no Brasil, ocorreu dentro dos limites físicos dos grandes das populações. Por conseguinte, a estratificação social consolidou-se
centros, beneficiando-se de fatores de aglomeração, dentre os quais a mão- como característica marcante do espaço urbano brasileiro. Atuaimente, este
de-obra migrante. Comparada aos países desenvolvidos, entretanto, a con- modelo adquire configuração própria, em termos de uma periferização
centração urbana brasileira só é significativa quando considerada dentro progressiva, onde se localizam as rendas mais baixas e que, no início
do contexto de ocupação do nosso território, onde as grandes extensões dessa terceira fase de Industrialização, caracterizava-se mais como
são pouquíssimo povoadas; por exemplo, a área ocupada pelas nove regiões invasões (inclusive em locais próximos ao centro urbano) do que como
metropolitanas representa cerca de apenas 0,5% da extensão nacional. Em loteamentos. Hoje em dia, entretanto, a segregação social nos espaços
resumo, os resultados do processo de concentração demográfica e econó- urbanos brasileiros assume configuração que é típica não apenas das
mica em nosso país expressam-se, hoje, na acentuação dos desequilíbrios grandes cidades, mas comum a qualquer escala. Esta forma compara o
de distribuição populacional e de economias regionais, reforçando o antigo crescimento do tecido urbano a loteamentos periféricos de baixa densidade,
modelo colonial. Está também presente, de forma clara, nas estruturas incorporando, a esta modalidade, a qualificação do solo urbano como um
Internas dos espaços de nossas cidades, que foram passando por contínuas bem de valor eminentemente de troca. A questão da renda fundiária,
degradações, que inicialmente assolaram os grandes centros, mas que hoje que durante séculos tivera sua expressão vinculada exclusivamente ao
são comuns à maior parte de nossas sedes municipais. As altas taxas de meio rural, passa a ser elemento definidor do espaço urbano. Tal mudança
crescimento urbano encontraram, por um lado, estruturas totalmente incapa- marca, definitivamente, a inversão da dependência entre cidade e campo.

Cidade Ocidental, loteamento na divisa de Goiás com o Distrito Federal. Invasão do Paranoá e Plano Piloto de Brasília, 1982.

66 67
mas não se constitui em um momento isolado. É, antes de tudo, um
estudos urbanos brasileiros, não pode deixar de provocar preocupações,
processo que se apresenta no Brasil em franco desenvolvimento. Porém,
enquanto nos países de industrialização antiga ele data do princípio do principalmente quando se atravessam momentos decisivos em nossa for-
século XIX e se caracteriza por acompanhar durante quase 200 anos a mação social. Uma consequência dessa característica é palpável, por todos
evolução das transformações nas relações de produção, no caso brasileiro aqueles que se envolvem com a questão urbana no Brasil: a aplicação
o fenómeno logrou, em meio século, atingir um estágio monopolista. Indiscriminada de métodos e técnicas desenvolvidos para contextos total-
mente distintos tem, quase sempre, conduzido a construções intelectuais
Tais definições de tendências, tanto na organização do território brasileiro
de objetos completamente ideais. Trabalha-se assim, não raro, com
quanto nas estruturações intra-urbanas, suscitaram açóeg no sentido de
minimizar suas consequências, muito embora aquelas viessem tardiamente. elementos bastante distantes da realidade, e as medidas propostas, em
Já na década de sessenta, situa-se uma série de iniciativas académicas decorrência, pouco se aplicam a situações objetivamente existentes.
(na Universidade de São Paulo, por exemplo) e corporativas (como no caso Outro aspecto a ser encarado refere-se à conhecida ausência de tradição
do Instituto de Arquitetos do Brasil) que procuram colocar a questão urbana de pesquisa sobre as cidades brasileiras; esta questão deveria expllcitar-se,
como processo e como objeto de várias disciplinas. É, entretanto, apenas sob pois a carência reside, na verdade, na abordagem do espaço das mesmas.
um sistema de poder mais fortalecido que se realiza a institucionalização As últimas duas décadas têm propiciado uma produção de conhecimento
do tratamento dos problemas urbanos. O Serviço Federal de Habitação e maciça e valiosa sobre a questão urbana a partir da economia e da socio-
Urbanismo/Serfhau e o Banco Nacional da Habitação/BNH são criados logia, onde a cidade é abordada como um objeto económico e como um
em 1964, repartindo, com as tarefas de planejamento urbano, objetivos fato social. Evidentemente, o espaço aí não se constitui em objeto de
económicos vincufados às novas diretrizes da política nacional. A conside- trabalho e é, no máximo, considerado como uma expressão. De forma
ração da questão urbana em termos de política específica tende a efetivar-se semelhante têm procedido, mais recentemente, a política, a antropologia e
na Comissão Nacional de Areas Metropolitanas e Política Urbana/CNPU as ciências ligadas à administração e à gerência; as especulações que
(1974), que foi substituída pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento mais se aproximam ao provável campo disciplinar da arquitetura nos vêm
Urbano/CNDU em. 1979. Todos estes esforços dirigem-se para uma carac- da moderna geografia, a partir de autores como Milton Santos (1979, 1980).
terização das situações como problemas, para os quais se deveriam A falta de pesquisa arquitetõnica ou a sua discutível Inserção no campo dis-
procurar soluções. É a ideologia do piaritiing, fazendo eco às correntes ciplinar pretendido, ao observar a questão urbana, é fruto de impasses
europeias e norte-americanas que, como vimos, nasceram sob o "new deal" disciplinares de abrangência universal, conforme vimos observando no
do pós-guerra; naquela época, aliás, se havia iniciado no Brasil uma série decorrer do presente trabalho. No Brasil, este fato assocla-se a problemas
de ações de planejamento, algumas delas sob a forma de acordos de guerra advindos de sua trajetória histórica, que ainda não permitiu o traçado de
realizados com os Estados Unidos. Referlam-se estes, entretanto, a caminhos próprios para a nossa ciência.
questões de crescimento da economia em Si, onde compareciam envolvidos,
por vezes, aspectos urbanos setoriais e geralmente Infra-estruturals. Por
Isso, [costuma-se considerar como marco institucional do planejamento
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urbano no Brasil a criação do Serfhau, mesmo porque este ato desencadeou
uma série bastante significativa de experiências, inicialmente sob a forma
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Deve-se porém inserir nestas conclusões um aspecto que, se por um lado ceton, 1967.
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Fonte das ilustrações

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Acervo: 63, 66, 67.
Fotos realizadas por:
Jeová Batista: 16 a 58.
Gunter Kohlsdorf: 63 a 67.

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